Logica 2014

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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

LÓGICA

Nota do autor
Para garantir o processo de ensino e aprendizagem na Universidade Pedagógica—Maxixe
(UP-Maxixe), e especificamente na cadeira de Lógica, elaboráramos estes apontamentos. É um
trabalho ainda em laboratório, que irá sendo melhorado conforme as discussões próprias das
aulas e conforme a confrontação bibliográfica ainda por descobrir, mas podemos assegurar que
uma boa iniciação será feita. E porque é um trabalho em laboratório, a sua referência e
multiplicação devem ser precedidas por uma autorização do autor.
O autor
Domingos Francisco Mazive
Formado em Teologia pelo Seminário Teológico Interdiocesano de São Pio X
Licenciado em Filosofia pela Universidade São Tomás de Moçambique
Mestrado em Administração e Gestão Escolar pela Universidade Pedagógica

INTRODUÇÃO
A necessidade de o homem se comunicar com o outro homem (passar uma informação
e/ou receber uma informação) faz com que tenha de se preparar para que não passe o dilema de
dizer o que não queria dizer, ou, então, não dizer o que queria dizer.
De, facto, como por exemplo, pode acontecer que alguém prepare um prato (comida)
convencido de estar a preparar o melhor prato da sua vida. Depois de o preparar, orgulhosamente
serve-o ao convidado (ou, seja a quem for). Este pode gostar do prato, ou não.
Se gostar, significa que os passos e os ingredientes utilizados adequam-se às disposições
culturais, económicas e ao paladar de quem provou o prato. Mas, se acontecer que não goste do
prato, significa que, ou foi mal preparado, ou, ainda que o prato tenha sido bem preparado
(respeitadas todas as regras da culinária), quem provou não dispõe de condições (culturais,
económicas, do paladar) para reconhecer o «bem feito» do prato.
Com efeito, não poucas vezes, acontece que, ao passarmos uma informação, ela chega de
uma maneira diferente (até contraditória àquilo que queríamos informar). Isto acontece, ou porque
o emissor não observou todos os passos e todas as regras que ajudariam a passar a informação,
tal como deveria ser, ou porque (ainda que o emissor tenha observado todas as regras) quem
recebe a mensagem não reconhece os passos e as regras que orientaram a elaboração daquela
mensagem.
Portanto, tanto o que emite, como o que recebe, ambos devem conhecer as regras para que
a emissão e a recepção sejam feitas com o devido rigor.
A lógica poderá ajudar-nos a cultivar a arte de observância dos referidos passos e das
referidas regras, para que o nosso raciocínio, sendo recto, facilite a comunicação e, deste modo,
não passemos daquele dilema acima referido.
Este pequeno subsídio não é um trabalho finalizado, mas sim instrumento de reflexão.
Esta reflexão deverá ser feita na medida em que se leia, com o objectivo de aprender dele e de
enriquecê-lo com outras noções e doutrinas de lógica.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

I. QUESTÕES INTRODUTÓRIAS

1. A lógica no contexto da filosofia


1.1. Definição da Filosofia
É costume dizer-se que o homem é, por natureza, filósofo, isto é, amigo da sabedoria,
como diz o próprio termo grego: philo + sophia. De facto, todo o homem ama saber, gosta de
saber e quer saber; e saber não é um simples acumular coisas na cabeça, como se fosse uma
licheira (pois até o armazém tem ordem); portanto, um homem normal “não se contenta em viver
o momento presente e aceitar passivamente as informações fornecidas pela experiência imediata,
como fazem os animais. Seu olhar interrogativo quer conhecer o porquê das coisas, sobretudo o
porquê da própria vida” (Battista MONDIN, Introdução à Filosofia, Paulus, 1981, 2002 – 13ª
edic, S. Paulo, 5).
Por outras palavras, nesta tentativa de querer saber o porquê de tudo, encontramos dois
tipos de homens-pessoas:
- O chamado «Homem comum», «homem da rua»: que formula as interrogações e enfrenta
estes problemas de maneira descontínua, sem método e sem ordem (MONDIN, 1981: 5)
- O chamado «Filósofo»: “que dedica a estas pesquisas todo o seu tempo e todas as suas
energias e propõe-se a obter uma solução concludente para todos os ingentes problemas que
espicaçam a mente humana, através da análise profunda e sistemática” (MONDIN, 1981: 5)

Philo + sophia
Portanto, a aproximação etimológica do termo Filosofia remete-nos ao termo sabedoria.
É um termo por nós conhecido, mas não seria perder tempo procurar entender mais, o que ele
significa.

1.2. O que é Sabedoria?


O termo Sofia (grego), que significa sabedoria, sofreu uma evolução semântica digna de
menção:
1º. Significado: habilidade para realizar uma determinada operação ou obra. Ex: um
carpinteiro que é capaz de construir, com mestria, um banco – saber instrumental ou técnico,
práxico.
2º. Significado: ciência dos primeiros princípios: sabedoria teórica ou contemplativa, em
contraposição ao saber páxico acima referido.
3º. Significado: uma atitude de moderação e prudência em todas as coisas – sabedoria
teórico-práxica. Sábio é aquele que não só sabe teoricamente, mas que também tem uma grande
e diversificada experiência, o que o autoriza a emitir juízos reflexivos e maduros, isentos de
paixão e de precipitação.
Portanto, o sábio é quem junta o saber teórico e o prático.
Mas, então, como definir a filosofia? Definir tem, entre outros, o sentido de delimitar.
Ora, se já qualquer outra realidade material se mostra indefinível (limitando-nos às convenções),
quanto mais uma realidade formal, racional como o amor ao saber: filosofia. De facto, as várias
definições mostram não só a riqueza do termo, mas também a dificuldade que se tem em definir
cabalmente a filosofia.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

Mas, ainda que seja difícil, de entre tantas definições que se podem colher, assumimos
esta que vê a filosofia como sendo a ciência que “procura explicar toda a realidade pelas causas
mais remotas que a razão pode atingir” (J. Bonifácio, p.11). Como disse Aristóteles: filosofia é a
ciência das últimas causas.

1.3. Filosofia como ciência


Ciência é “um conhecimento sistemático em torno de um determinado objecto, conduzido
com rigor e objectividade” (MONDIN, 1981: 302)
De facto, para que um discurso tenha um estatuto de científico, deve apresentar um
objecto e um método.
Objecto é o que é pensado e se opõe ao ser pensante, isto é, ao sujeito (Cfr. António
LOBO, Dicionário de Filosofia, Ed. Paralelo, 85). Etimologicamente, objecto é aquilo que está
frente a frente para nós. É tudo aquilo que se opõe ao sujeito, como algo que é susceptível de
experiência (Cfr J. Neves VICENTE, Razão e Sentido, Porto Ed. 11, Dicionário de Conceitos,
2004).
É preciso esclarecer que, ao falar-se de estar «frente a frente» não se trata de estar assim
no estado físico somente, pois o termo objecto estende-se também para aquilo que nem sequer é
possível exteriorizar e/ou experimentar com os sentidos.
O objecto pode ser material, quando exprime a realidade própria considerada por uma
ciência, ou formal, quando exprime a perspectiva (a maneira) própria como o objecto é
considerado pela ciência.
Para percebermos a diferença entre o objecto formal e o objecto material, atendamos ao
seguinte exemplo:
Imaginemos uma árvore. Ela pode ser objecto de estudo. Neste caso, ela é
objecto material. Imaginemos que um ambientalista, um madereiro, um
carpinteiro, um mecânico, um biólogo…queiram fazer um estudo daquela árvore.
Certamente que as perspectivas (a forma como vão estudar) vão variar, conforme
os condicionamentos, interesses, formação… de cada estudioso.
Método. Etimologicamente significa «caminho» (VICENTE, 2004: 10). “Designa todo o
procedimento preciso, rigoroso, sistemático na realização de um determinado estudo com o
objectivo de obter um certo resultado” (MONDIN, 1981: 313)
A filosofia é uma ciência por apresentar estes dois requisitos: objecto e méodo.
Mas poderíamos indagar: qual é o objecto da filosofia? Qual é o método da filosofia.
Objecto material da filosofia
É muito fácil dizer qual é o objecto das várias ciências experimentais, tais como a Botânica
– Plantas, Geografia – os Lugares, a História – Factos, a Biologia – Vida, a Antropologia –
Homem…, mas o mesmo não acontece com a filosofia; é muito difícil delimitar o objecto do seu
estudo. Mas, no entender dos filósofos e a partir da definição que assumimos nesta abordagem, a
filosofia estuda TUDO, ou seja, procura explicar toda a realidade.
Aristóteles atribui à filosofia o estudo das “causas últimas de todas as coisas”. Portanto, o
objecto material da filosofia é o TODO, toda a realidade. Aqui, realidade não significa o que se
vê ou entra em contacto com os nossos sentidos. De facto, para alguns filósofos, como Platão, o
que entra em contacto com os nossos sentidos não é a realidade, mas sim cópia da realidade.
Nisto, devemos dizer que, filosoficamente, realidade significa «o que é».
O Objecto formal da filosofia
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Já é estabelecido em algumas definições, sobretudo naquela que assumimos nesta


abordagem. A filosofia procura explicar toda a realidade «RECORRENDO ÀS CAUSAS MAIS
REMOTAS – ÚLTIMAS QUE A INTELIGÊNCIA PODE ATINGIR». Como se pode ver, e
tal como consideram alguns autores, o objecto formal coincide com o método, em certos aspectos.

O Método da filosofia
O método da filosofia é essencialmente racional, embora não exclua a intuição (visão
directa do concreto e real, visão instintiva, por isso, oposta à reflexão). E os processos
raciocinativos usados pela filosofia são: Indução e Dedução. A Indução para ascender dos factos
aos primeiros princípios; a Dedução para descer, de novo, dos princípios primeiros e iluminar
posteriormente os factos, para compreendê-los melhor.
O Instrumento de trabalho da filosofia:
(para aprofundar sobre o método de filososfia)
é a RAZÃO, a razão pura, uma razão que “para subtrair-se a todo o tipo de distracção,
deve encerrar-se em seu sagrado recinto, longe do barulho das máquinas, da sedução dos prazeres
e da praxis, da confusão dos sentidos, em solitária companhia com o próprio objecto” (MONDIN,
1981: 6).
O filósofo não tem máquina fotográfica, microscópio, telescópio, e outros instrumentos
que lhe ajudem a analisar o seu objecto de estudo; de facto, o seu objecto de estudo não cabe
nestes instrumentos sensíveis e nos nossos órgãos dos sentidos. Só a razão (por ser elástica) pode
conter a totalidade do real.
Mas isto não significa que o filósofo não precisa destes instrumentos todos; ele precisa
deles sim, mas só no momento inicial; logo os abandona e serve-se da razão para alcançar o seu
objectivo.

1.4. Diferença entre filosofia e outras ciências


- no objecto material: enquanto a filosofia procura explicar toda a realidade, as outras
ciências procuram considerar, cada uma delas, parte da realidade. Por isso, a filosofia, pelo seu
objecto, é universal, enquanto que as outras ciências são particulares (Cfr J. BONIFÁCIO: 12).
- no objecto formal: enquanto a filosofia procura explicar a realidade «pelas causas mais
remotas que a inteligência pode atingir» - objecto formal – as outras ciências contentam-se com
as respostas aos porquês imediatos, dando-nos a conhecer apenas as causas imediatas (próximas)
acerca da parcela da realidade de que se ocupam.
- no método: enquanto o método da filosofia é essencialmente racional, o das outras
ciências é experimental. Por isso, o método da filosofia é universal enquanto que o das outras
ciências, essencialmente experimentais, é particular e, portanto, limitado à experiência.

2. O Problema Lógico
Só lógica, só lógica, só lógica, só lógica...!!!!!!!!!!!
«Filha: Pai, as nossas conversas têm regra? A diferença entre um jogo e brincadeira é que
um jogo tem regras.
Pai: Sim. Deixa-me pensar nisso. Acho que temos uma espécie de regras… e julgo que
uma criança a brincar com blocos também tem regras. Os próprios blocos constituem uma espécie
de regras. Manter-se-ão em equilíbrio em certas posições e cairão noutras. E seria uma forma de
batota a criança usar cola para manter os blocos em posição de onde normalmente cairiam.
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Filha: Mas que regras temos nós?


Pai: Bem, as ideias com as quais brincamos trazem consigo uma espécie de regras. Há
regras a respeito de como as ideias se mantêm de pé e de como se suportam umas às outras. E se
nos enganamos a juntá-las, todo o edifício cairá.
Filha: Nenhuma cola, pai?
Pai: Não, nenhuma cola. Só lógica»
(J.Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido, Porto Editora, 2000, 11).
O conhecimento humano é um fenómeno complexo. Três disciplinas filosóficas
interessam-se particularmente por seu estudo: psicologia (que estuda a origem e os tipos de
conhecimento), gnoseologia (valor, estudando as relações existentes entre o conhecimento e o
objecto do conhecimento) e a lógica (que estuda as condições essenciais para a construção do
conhecimento e fixa as regras do seu funcionamento correcto) (MONDIN, 1981: 11).
A lógica é instrumento da gnoseologia e pressupõe a psicologia. Pressupõe a psicologia
na medida em que é por meio desta que vem a saber quais são os tipos de conhecimento de que a
mente humana é dotada. Obtidas essas informações (dadas pela psicologia) a lógica trata de
estudar as condições fundamentais que possibilitam tais tipos de conhecimento e de estabelecer
as normas do seu funcionamento correcto.
Aristóteles, por exemplo, distingue três tipos de conhecimento intelectivo: apreensão-
conceito, juízo e raciocínio. E, desse modo, em sua lógica, fixa as regras para o correcto
funcionamento da apreensão-conceito, do juízo e do raciocínio (MONDIN, 1981: 11).
Neste sentido, a lógica constituem um dos pilares da existência do homem, tendo em conta
que o homem conhece e o seu conhecimento deve ser expresso obedecendo a certas regras: estas
regras são delineadas pela lógica.
Ao querermos fazer uma abordagem sobre a lógica, devemos, além do que já fizemos,
fazer umas breves considerações sobre alguns aspectos que dizem respeito directamente a ela.
2.1. Linguagem
Podemos definir a linguagem como sendo “a capacidade que o homem tem de se
comunicar com os próprios semelhantes através de sinais convencionais” (MONDIN, 1981: 312),
palavras (ditas ou escritas) e gestos. Como tal, a linguagem é faculdade própria e exclusiva do
homem e, no campo genético, a linguagem é uma realidade cultural determinante. “Não há
humanidade sem aprendizagem cultural e, para começar, sem aquilo que é a base de toda a cultura:
a linguagem”. A linguagem é o veículo da cultura e é a fonte da aprendizagem da cultura.

2.2. Língua
É “um determinado sistema de sinais com regras precisas de pronúncia, gramática e
sintaxe” (MONDIN: 312).

2.3. Linguagem e comunicação


“Já o primeiro choro à saída do ventre materno é talvez a expressão dessa necessidade de
comunicação, traduzida na única linguagem possível naquele momento” (LOURENÇO: 15)
A linguagem serve para comunicar; de facto sem a linguagem não existiria comunicação
entre homens e mulheres. Linguagem difere-se da lígua. Duas pessoas podem falar a mesma
lingua, mas usando uma linguagem diferente, o que poderá dificultar a compreensão.

2.4. Discurso
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a). Conceito
Discurso é “um conjunto de enunciados articulados entre si de uma forma coerente e
lógica. Uma operação intelectual que se processa por uma sequência de operações elementares e
sucessivas em que cada um retira o seu valor dos antecedentes, procurando chegar a determinadas
conclusões” (LOURENÇO: 27)
b). Dimensões do Discurso
O Discurso humano é pluridimensional, ou seja, tem muitas dimensões.
- Dimensão linguística: “todo o discurso é, em primeiro lugar, um acto individual de fala,
em que um dado emissor actualiza a língua em palavra”
- Dimensão textual: o produto final do discurso é sempre uma sequência de enunciados
que são coerentemente ordenados e que se materializam num texto, escrito ou oral.
- Dimensão lógico-racional: o Discurso implica sempre um movimento do nosso
pensamento. A nossa razão discorre de uma proposição a outra, procurando estabelecer um
encadeamento lógico, uma dada sequência.
- Dimensão expressiva ou subjectiva: todo o discurso humano é sempre expressão pessoal
e subjectiva das emoções, dos pontos de vista, das razões, dos argumentos dos diversos sujeitos.
- Dimensão inter-subjectiva ou comunicacional: o Discurso humano é, normalmente,
partilhado entre os sujeitos. O interlocutor é sempre presente ou pressuposto.
- Dimensão argumentativa: todo o discurso apresenta razões, argumentos, provas para
justificar as posições defendidas.
Argumentação é “um conjunto de frases, ou, com mais rigor, um conjunto de proposições,
no mínimo duas, relacionadas entre si segundo uma estrutura tal que uma, e só uma, é a conclusão
do argumento e uma/as outra/as é (são) a/as premissa/as do argumento”.
- Dimensão comunitária e institucional: tudo o que está contido no nosso discurso é pré-
configurado pelas estruturas da nossa língua materna. Encontramos tal língua logo à nascença e
não fomos nós que a inventamos. Ela é fruto da comunidade onde vivemos.
- Dimensão ética: qualquer interveniente numa situação de discurso deve respeitar o que
poderemos chamar o «código deontológico do Discurso», cujos teorizadores foram Karl Otto
APEL e J. HABERMAS. Alguns princípios, segundo os referidos autores:
* todos os participantes no discurso devem:
--- ter amor à verdade;
--- empenhar-se na sua procura, conformando e adequando a sua razão àquilo que é;
---- falar a verdade
* todos os participantes no discurso:
--- podem problematizar qualquer posição de outro participante
--- só devem afirmar aquilo em que acreditam;
--- devem ser isentos, reconhecendo aos outros igualmente essa capacidade;
* todos os participantes devem ter a vontade sincera de chegar a um acordo ou a um
consenso, próprios de sujeitos livres e emancipados;
* não é legítimo que os participantes entrem em contradição.
- Dimensão sintática: Sintaxe deriva de syn+táxis (co-ordem) = coordenado; é a parte da
gramática que estuda as regras combinatórias entre os diversos elementos da frase. Portanto, em
termos sintácticos, uma série de palavras postas ao acaso não é uma frase. Exemplo: se que fogo
ver sem arde amor é. Mas se lhes ordenarmos, encontramos: Amor é fogo que arde sem se ver.
Portanto,
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* uma série de letras ao acaso, sem nenhuma ordem, não são uma palavra;
* uma série de palavras, postas ao acaso, não são uma frase;
* uma série de frases, postas ao acaso, não são um discurso.
- Dimensão semântica: o termo «Semântica» vem do grego, isto é, semantiké (tékhné) =
“arte da significação”. É a ciência que se dedica ao estudo dos significados –significações.
- semântica lexical: estudo do significado das palavras
- semântica da frase: o significado das palavras no contexto da frase
- semântica do discurso: as relações de significado entre várias proposições que
constituem e dão coerência ao texto.
- Dimensão Pragmática: do grego, pragmatiké (do Pragra = acção) ocupa-se com os
signos na sua relação com os utilizadores.
Pragmática é o estudo da linguagem, procurando ter em conta a adaptação das expressões
simbólicas aos contextos referencial, situacional de acção e interpessoal (LOURENÇO: 28-32).

II. O QUE É A LÓGICA?


1. Conceito
Muitas definições podem ser encontradas, o que não significa desespero, mas riqueza do
termo.
Do grego, lógica (logos) = razão ou pensalemto, a lógica foi definida como sendo “a
ciência do pensamento com vista à investigação da verdade” (Bonifácio: 271).
Para alguns, a lógia é uma ciência, “enquanto reflecte sobre o pensamento para identificar
os princípios e as leis a que devem obedecer os nossos raciocínios a fim de que conduzam a
conclusões verdadeiras” (Fatima ALVES et alli, A chave do Saber, Texto Editora, Lisboa, 1998,
p. 12).
Para outros, a lógica é uma arte, “enquanto exercício prático do pensamento que se realiza
através da construção de raciocínios, isto é, de uma técnica que nos leva a pensar validamente”
(Ibidem).
Portanto, podemos assumir esta definição que tem a lógica por “ciência-arte que dirige o
acto da razão, a fim de que mais facil e rapidamente proceda de modo válido ou correcto”.
Pensar, raciocionar são atributos essenciais e comuns a todos os seres humanos. Esta
disposição comum de raciocinar é aquela que se pode chamar de lógica comum. Ora, nem sempre
é fácil raciocinar e as pessoas não raciocinam de maneira igual. Nisto, os homens foram, no dizer
de Rosmini, induzidos à invenção de uma ciência lógica que estabelecesse normas claras e seguras
para facilitar à razão natural no acto de raciocínio. Assim se fundamenta a filosofia lógica
(LOURENÇO: 60).

2. Platão e a lógica
Embora não fosse clara a obra lógica de Platão, a partir do que escreve em Timeu,
podemos considerá-lo como percurssor. É, de facto, nele, já no fim da sua vida, que vemos pela
primeira vez, estabelecer-se a ideia daquilo que constituirá o próprio objecto da lógica.
Escreve assim, em Timeu: “se um deus inventou, para nós, o dom da visão, foi para que,
contemplando no céu as revelações da inteligência divina, o aplicássemos aos circuitos que em
nós percorrem as operações do pensamento; estes têm a mesma natureza daquelas, mas são
imperturbáveis e eles sempre perturbados; graças a este estudo, temos acesso aos cômputos
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naturais na sua rectidão e, à semelhança dos movimentos divinos, absolutamente isentos do erro,
podemos dar uma solução à anomalia dos que estão em nós.”
Portanto, queria dizer que, tal como há leis que regulam o curso dos astros, há leis que
regulam o curso do raciocínio; só que, enquanto os astros, que são divinos respeitam sempre as
suas leis, nós homens, violamos constantemente as leis no desenrolar dos nossos pensamentos,
porque não temos delas uma visão clara, e é essa a razão porque caimos no erro. Para o evitar,
temos a necessidade de aprender a conhecer essas leis de maneira a podermos submeter-nos a elas
com exactidão – este é o objecto e objectivo da lógica.
Desta forma, Platão tinha colocado as primeiras sementes da lógica, delineando o seu
caminho.

Aristóteles e a Lógica
Aristóteles foi o primeiro a fazer um estudo sistemático dos conceitos (isto é, das ideias),
procurando descobrir as propriedades que eles têm enquanto produzidos pela mesma mente, como
podem ser unidos e separados, divididos e definidos e como é possível tirar conceitos novos de
conceitos conhecidos anteriormente. A lófica, para Aristóteles, é tudo isto. E como tudo isto foi
reunido numa obra denominada Organon, isto é, instrumento, a lógica, para Aristóteles é um
instrumento de pensamento (Cfr. Battista Mondin, vol 1., p.83); é “o meio que é posto à
disposição do espírito para lhe permitir raciocinar e exprimir-se de acordo com a verdade” (Denis
HUISMAN, Dicionário das Mil obras de filosofia, Porto Editora, 2001, p. 374).
Esta obra de Aristóteles, Organon, que contém todo o pensamento lógico do autor,
compreende seis partes:
- As Categorias
Nelas, Aristóteles consagra o estudo da predicação, isto é, atribuir um predicado a um
sujeito (HUISMAN, 2001: 374). Todos os seres são predicáveis pelas categorias que Aristóteles
apresenta em número de dez: substância, quantidade, qualidade, relação, tempo, estado, hábito,
acção, paixão e lugar.
As palavras sem combinação umas com as outras significam por si mesmas uma das
seguintes coisas: o que (substância), o quanto (quantidade), o como (qualidade), com o que se
relaciona (relação), onde está (lugar), quando (tempo), como está (estado), em que circunstância
(hábito), atividade (ação) e passividade (paixão). Dizendo de modo elementar, são exemplos de
substância, homem, cavalo; de quantidade, de dois côvados de largura, ou de três côvados de
largura; de qualidade, branco, gramatical; de relação, dobro, metade, maior; de lugar, no Liceu,
no Mercado; de tempo, ontem, o ano passado; de estado, deitado, sentado; de hábito, calçado,
armado; de ação, corta, queima; de paixão, é cortado, é queimado
(www.http//pt.wiki.pedia.org.wiki categorias - aristóteles).
- Da Interpretação
Que trata das proposições, susceptíveis de serem verdadeiras ou falsas, e onde analiza
também a combinação das proposições e suas modalidades;
- Os primeiros analíticos
Que contêm a teoria aristotélica, mais exactamente a teoria do silogismo.
- Os segundos analíticos
Que consagra a teoria aristotélica da ciência, com a sua teoria da demonstração;
- Os Tópicos
Que analisa algumas regras práticas e alguns esquemas típicos da argumentação dialética;
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- As refutações sofísticas
Que versa sobre a arte de descobrir os raciocínios falazes, incluindo uma análise,
classificação e crítica dos paralogismos (VICENTE: 29).

3. Novos domínios da aplicação da lógica


A lógica não é um disciplina meramente teórica ou meramente formal. Ela conhece, hoje,
um campo prático de aplicação, que inclui novas ciências e tecnologias, como a cibernética, a
informática e a inteligência artificial. No entanto, tais ciências ou domínios de aplicação da
lógica colocam problemas de natureza filosófica.
Cibernética
Platão usou o termo grego Kibernetes para designar «a arte de pilotar navios».
Nesta raiz grega, filia-se a palavra latina Gubernare, que origina o termo governo: tal como
o piloto dirige o navio, o governo é o timoneiro que dirige o Estado.
A cibernética é a ciência da comunicação e do controlo de homens e máquinas.
A teoria da cibernética remota remota a 1948 e deve a sua origem a Norbert Wiener. É na
sequência disto que surgiu o primeiro computador e será igualmente fruto do seu trabalho que se
desenvolverá a posterior robotização.

Informática
A informática é a ciência do processamento automático da informação, considerada o
suporte dos conhecimentos humanos e das comunicações dos domínios técnicos, económicos e
sociais.
Os primeiros computadores propriamente ditos surgem entre 1945 e os meados dos anos
60. O ENIAC é o primeiro exemplar.
Inteligência artificial
A inteligência artificial inspira-se natural, própria dos seres humanos. A inteligência
engloba todo o conhecimento, consciente ou inconsciente, que fomos adquirindo ao longo da
nossa vida, fruto do estudo ou em resultado de multifacetadas experiências que realizamos de
muitas situações mais ou menos problemáticas que fomos ou vamos enfrentando.
Eis alguns dos problemas que colocam os novos domínios de aplicação de lógica:
* Um computador moderno realiza, a uma velocidade prodigiosa, longas sequências de
operações que, de outra forma, não seriam exequíveis em tempo útil e na sua totalidade. Contudo,
leva ao desempredo de milhares e milhares de pessoas;
* O homem estabelece mais «comunicação» com máquinas do que com os seus
semelhantes. Isto faz com que haja dificuldades de aproximação entre os seres humanos;
* É difícil explicar se a cultura informática é sinónimo de libertação do homem ou de sua
escravização;
* Há tendência a se «substituir» o homem por máquinas. Contudo, estas não contêm os
elementos dignidade e consciência, e nunca podem chegar a ser homens. Se uma máquina
«substituir» o homem, que dizer do futuro deste?
* Os investigadores da inteligência artificial partem da ideia de que o cérebro é um
computador. Pensam até na possibilidade de os computadores do futuro virem a ter, em vez da
electrónica, o mundo biológico como suporte conceptual. Que dizer do homem nessa altura?
* Pode o computador ser considerado como modelo de consciência e do raciocínio,
devendo-se a sua existência à consciência e ao raciocínio do homem?
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

* É o computador que está sob dependência do homem ou o contrário? Que dizer da


situação da criança americana que permanece em frente da televisão ligada sete horas por dia,
que, simultaneamente, telefona cinco horas por dia e tecla no seu computador durante tempos?

Sabe-se, no entanto, que:


* A máquina não é consciente da sua existência, nem das suas operações.
* O computador não é capaz de abstração nem de semântica; um computador tem uma
sintaxe e não uma semântica.
* O cérebro humano supera o computador. Este efectua determinadas comparações e
operações mecânicas, numéricas, que lhe foram ditadas por pessoas, a uma velocidade prodigiosa,
sem, no entanto, reconhecer padrões de tais operações.

III. DIVISÃO DA LÓGICA

A divisão mais imediata da lógica é a que dá conta de que temos dois ramos principais:
lógica formal ou teórica e lógica material ou aplicada.

1. Lógica Formal
É o acordo do pensamento consigo mesmo.
Na lógica formal estudamos as leis a que devem obedecer as operações da inteligência
para serem válidas e poderem atingir a verdade. Ora, as operações da inteligência são três:
concepção (pela qual se obtêm uma ideia ou conceito); juízo (pelo qual se afirma ou nega uma
relação entre duas ideias); raciocínio (pelo qual, de dois ou mais juízos conhecidos, concluimos
um outro juízo desconhecido que daqueles deriva necessariamente).
Portanto, a lógica formal divide-se em três partes: Lógida do conceito, lógica do juízo e
lógica do raciocínio.

2. Lógica Material
Na lógica material consideramos as leis do pensamento na sua relação com este ou com
aquele objecto, com esta ou aquela ciência: estuda o acordo do pensamento com a realidade.
Validade material e validade formal
Por consequência, a lógica formal dá-nos uma validade formal das proposições, enquanto
que a lógica material dá-nos a validade material. Atendamos ao seguinte exemplo:
Joaquim Chissano foi o fundador da FRELIMO.
Este enunciado é sintaticamente correcto; não há nele uma contradição formal, ou seja,
é gramaticalmente bem feito. Do ponto de vista lógico é formalmente válido, correcto e legítimo.
É formalmente válido, uma vez que os elementos que o constituem (conceitos no juízo,
juízos no raciocínio) formam um todo coerente, sem contradição interna e os seus elementos sao
compatíveis.
Mas, se formos a analisar do ponto de vista histórico, real, estamos perante um enunciado
não válido. Como se deve saber, o fundador da FRELIMO foi Eduardo Chivambo Mondlane.
Seria materialmente válido se o seu conteúdo fosse conforme à realidade.
Desta forma, o enunciado acima citado é formalmente correcto e válido, mas
materialmente inválido.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

IV. LÓGICA DO CONCEITO

A Concepção é o acto pelo qual a inteligência obtêm uma ideia, sem nada afirmar ou negar
a seu respeito.
A ideia ou conceito é a representação intelectual da essência de um objecto; representa
aquilo que há de permanente, imutável e comum em todos os objectos de uma espécie.
A inteligência forma as ideias, como sabemos da psicologia, a partir das imagens, pela
Abstração e Generalização, que são operações de carácter intelectual.

1. Como se forma o conceito?


Parece normal (e de facto é, no mínimo, aos olhos do «homem comum») que ao
pronunciamos a palavra «carro», por exemplo, entendamo-nos. Este facto (de nos entendermos)
deve-se a um trabalho que o intelecto fez, faz e continuará a fazer, de criar condições de que as
palavras que pronunciamos correspondam a algo do nosso conhecimento. Portanto, o intelecto
tem um trabalho a fazer: análise (separação mental das partes de um objecto), síntese
(composição mental de um todo a através da reunião das suas partes ou das caracteristicas obtidas
no processo de análise), comparação (estabelecimento mental das semelhanças e das diferenças
de objectos, segundo as suas caracteristicas substanciais ou acidentais), abstração (separação
mental de umas caracteristicas do objecto: geralmente separa-se o acidental do essencial),
generalização (reunião mental de objectos num mesmo conceito).
Este trabalho tem como fim colher a essência das coisas.
Vamos aqui, porque achamo-los mais importantes, desenvolver mais um pouco, os
processos de abstração e generalização.

1.1. Abstração
É «pôr de parte», «isolar» alguma coisa de outras coisas. É separar algo do restante.
Quando o «pôr de parte» é mental e não físico a abstração é um modo de pensar mediante
o qual separamos conceptualmente algo de algo.
Pelo processo de abstração, isola-se o geral, o universal, o necessário, o essencial, do
individual. Por outras palavras, isola-se o que faz com que uma realidade seja aquela e não outra
de tudo o que constitui acidental. De facto, essência é o que faz com que a coisa seja o que ela
é, e não seja outra coisa.
Exemplo: para formar o conceito de «panela», tivemos que separar o essencial – o que faz
com que a panela seja panela – dos acidentes, ou seja, aquilo que não define a panela. Por
exemplo: não é a cor, o tamanho, a tampa, o formato que fazem com que a panela seja panela.
Portanto, quando se diz «panela», considera-se somente o que faz com que a panela seja panela,
ou seja, o essencial. É assim como se formam os conceitos.
É a abstração que nos ajuda a formar conceitos.

1.2. Generalização
Se pela abstração separamos dos indivíduos ou objectos as caracteristicas de cada um,
ficando-nos os elementos que entre eles existem de comum, reunir estes elementos comuns numa
noção e aplicá-la a muitos seres é generalizar.
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Generalização é, portanto, “a operação pela qual o espírito reune numa representação (ideia
ou conceito) os elementos comuns a muitos indivíduos ou objectos e aplica esta noção
identicamente a um número indeterminado de indivíduos da mesma espécie” (BONIFÁCIO:
156). Exemplo, generalizamos ao gato, cão, ave, peixe o conceito de animal. Quer dizer, no gato,
no cão, na ave e no peixe, estão os elementos que constituem o conceito de vertebrado.
Portanto, é a abstração e a generalização que nos permitem formar conceitos.

2. Princípios da Razão
(Cfr. J. Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido, p. 66).
Como pensar com coerência? Como evitar o absurdo? Como fazer com que o que se pensa
e se diz não entre em contradições formais (contradições de pensamento?)
A lógica ajuda-nos a responder a estas e outras perguntas relacionadas com a coerência do
pensamento. Existem três princípios fundamentais, sem os quais não haveria pensamento
possível. São eles:
- Princípio de Identidade
Enuncia-se (formula-se) da seguinte maneira:
- Uma coisa é o que é
- O que é é; o que não é não é.
- A é A, e não B.
Em termos de proposições:
- Uma proposição é equivalente a si mesma.
- Princípio de contradição (ou de não contradição)
Enuncia-se da seguinte maneira:
- Uma coisa não pode ser e não ser, ao mesmo tempo, segundo uma mesma perspectiva.
Devemos esclarecer este enunciado: o camaleão pode ser amarelo e verde, mas não ao
mesmo tempo. É que ele, como é mimético, pode ser verde, conforme o lugar em que se encontra,
e amarelo num outro momento conforme o outro lugar e/ou situação.
Por outro lado, mesmo se for ao mesmo tempo, as perspectivas vão mudar. Uma pessoa
pode ser alta e gorda ao mesmo tempo, mas aqui temos perspectivas diferentes.
Em termos de proposições:
- Uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.
- Uma proposição e a sua negação não podem ser simultaneamente veradadeiras.
- Duas proposições contraditórias não podem ser simultaneamente verdadeiras.
- Princípio de terceiro excluido
Enucia-se da seguinte maneira:
- Uma coisa deve ser, ou então não ser; não há uma terceira possibilidade (o terceiro é
excluído)
Em termos de proposições, teremos:
- Uma proposição ou é verdadeira ou é falsa (não há outra possibilidade).
- Se encararmos uma proposição e a sua negação, uma é verdadeira e a outra é falsa, não
há meio termo.
- De duas proposições contraditórias, se uma é verdadeira, a outra é falsa, e se uma é falsa,
a outra é verdadeira, não há meio termo.
Vejamos o absurdo a que leva a falta da observância dos princípios da razão:
- João: Manelito, acreditas na igualdade entre os homens?
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- Manelito: Claro que não acredito! Essa coisa de igualdade é uma estupidez! No
mundo não há duas pessoas iguais; ninguém é igual a ninguém. Mas quem te falou
desse disparate de igualdade?
- João: O meu pai.
- Manelito: Como sempre!... Estes pais são todos iguais.
A pergunta que se coloca é: afinal, há pessoas iguais ou não?

4. Conceito do «Conceito» e do «Termo»


4.1. Conceito
Como dissemos, o conceito forma-se pela abstração e generalização e é já um produto de
conhecimento.
Exemplo: eu digo que «isto é carro» porque «extraí-lhe» a essência e, neste sentido,
conheço. E generalizo este conceito ao Toyota, Mercedes, Nissan, etc.
Dito doutra forma, para chegar a dizer que «isto é carro» eu devo «colher» aquilo que faz
com que um carro seja carro, deixando de lado os acidentes, como côr, tamanho, cilindragem,
etc (que são as coisas que existindo ou não, ou assumindo uma forma ou outra, o carro não deixa
de ser carro).
Podemos definir o concieto como representação mental de alguma coisa ou realidade.
O conceito distingue-se da imagem, que é a «fotografia» que fica no intelecto. Por exemplo,
depois de eu apreender a mesa, fica uma imagem no meu intelecto, mas não quer dizer que só
aquela imagem é que corresponde ao conceito de mesa. Por outras palavras, eu posso ter uma
imagem redonda da mesa, mas o conceito de mesa abrange também a mesa retangular, quadrada,
ou, seja de que formato for. É por isso que o conceito distingue-se da imagem.
O conceito distingue-se também do objecto, nem sequer o reproduz, mas é simplesmente o
seu correlato intencional. O conceito pertence ao mundo do pensamento e o objecto pertence ao
mundo do ser ao qual o pensamento se reporta (Carlos Pascoal, 22). Exemplo, quando digo
«casa», o conceito de casa não corresponde de per si ao objecto casa (quando muito a esta casa).
De facto, as casas são diferentes!
O conceito distinge-se do termo. Na verdade, ao mesmo termo correspondem muitos
conceitos.
Exemplo: o termo Mbuya corresponde aos conceitos de Senhor (na Beira), amante (no
Maputo). Outro exemplo: o conceito de pessoa exprime-se sob o termo pessoa em português,
person, em inglês, persona, em italiano, im’thu, em txopi... Todos estes termos exprimem a
mesma «coisa», ou seja, o mesmo conceito. É por isso que o conceito distingue-se do termo: o
mesmo termo pode ter muitos conceitos, assim como o mesmo conceito pode ser expresso por
muitos termos.
Nota: estas distinções não colocam o conceito numa situação de arbitrariedade,
particularidade e subjectividade. O conceito tem sempre um carácter universal. Nisto, é preciso
entender o Universal não como o «que é conhecido por todos», mas o «que pode ser conhecido
por todos», ou seja, a razão humana, submetida nas condições de acessibilidade àquele conceito,
o pode alcançar.
Na verdade, há muitos conceitos que não os conhecemos, mas, mesmo assim, eles são
universais.
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A ideia também se chama conceito, porque, na sua formação, dá-se no espírito uma
espécie de concepção, pela união da inteligência com o objecto, cujo fruto ou conceito é a ideia.
É fácil concluir que uma ideia não é verdadeira nem falsa, porque nela nada se afirma
e nada se nega.
Os conceitos podem ser possíveis (animal racional) e impossíveis (círculo quadrado),
segundo são formandos de elementos logicamente compatíveis ou incompatíveis entre si.

4.2. Termo
O termo é a expressão externa da ideia. Não deve confundir-se termo com palavra, porque
o termo pode ter várias palavras e até proposições gramaticais, ou ser constituído por simples
gestos.
Exemplo: Aristóteles é o filósofo da antiguidade que mais contribuiu para o
desenvolvimento da filosofia. «O filósofo da antiguidade que mais contribuiu para o
desenvolvimento da filosofia», é apenas um termo.
5. Relação entre conceito e termo
A ideia, sendo a representação intelectual de um objecto, dá-nos imediatamente a noção
do objecto, enquanto que o termo é expressão imediata da ideia e mediata do objecto. Quando
nos exprimimos para com o nosso semelhante, a ideia é anterior ao termo, visto que, para
comunicarmos aos outros os nossos pensamentos, precisamos ter primeiro a ideia que devemos
exprimir; para o nosso interlocutor, porém, o termo é anterior à ideia.
Por outras palavras, o apelo a que se pense antes de falar («pensa antes de falar») encontra
a sua explicação nesta relação entre o termo e o conceito. Portanto, para quem está a falar, o
conceito é anterior ao termo; mas para quem ouve, o termo é anterior ao conceito, ao qual chega
depois de entrar em contacto com o termo.
O termo é como que a ideia exteriorizada e concretizada, visto que, concebida uma
ideia, só lhe damos existência objectiva depois de encontrarmos o termo que a pode exprimir.

6. Compreensão e Extensão de um Conceito


Podemos considerar uma ideia ou um termo sob ponto de vista da compreensão e da
extensão.
6.1. Compreensão de uma ideia: conjunto das características inerentes a esse conceito.
A Compreensão de uma ideia é o conteúdo que a análise descobre nessa ideia, ou seja,
o conjunto das suas qualidades ou características.
A comprensão da ideia homem implica os seguintes caracteres: ser, animal, vertebrado,
mamífero, racional, etc.
6.2. Extensão de uma ideia: conjunto de seres abrangidos por um determinado conceito.
A extensão de uma ideia é o conjunto de seres ou objectos aos quais a ideia se aplica, ou
que ela abrange.
A ideia Homem convêm a portugueses, franceses, brancos, amarelos, manuel, francisco...
6.3. Relação entre extensão e compreensão
A extensão e a compreensão variam na razão inversa uma da outra: quanto mais complexa
é uma ideia, tanto mais limitada será a sua esfera de aplicação. Por palavras simples: quanto
maior for a extensão, menor será a compreensão e vice-versa.
É possível e necessário ordenar as ideias e, portanto, os seres que elas representam, numa
hierarquia fundada na sua extensão.
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Exemplo:
Animal – vertebrado – mamífeno – cão (redução da extensão).
Dia 25 de Abril – Mes de Abril – primeiro semestre – ano de 2010
(aumentando a extensão)
A ideia de maior extensão chama-se género em relação à de extensão menor, e esta
denomina-se espécie em relação àquela.
O género diz-se próximo ou supremo, consoante o grau da sua generalidade. O género
próximo é a ideia de generalidade imediatamente superior à ideia que é a espécie (exemplo:
animal em relação ao homem); o género supremo representa as grandes classes dos seres ou as
grandes divisõe do ser. Às ideias que constituem os géneros supremos chamam os lógicos,
categorias, que para Aristóteles são 10, como se pode ver na ontologia. A ideia que não apresenta
abaixo de si senão indivíduos, chama-se ínfima espécie.
A diferença específica é a caracteristica que se junta ao género próximo para constituir a
espécie, aumentando-lhe a compreensão (racional que se junta ao género animal para constituir a
espécie homem). O género próximo e a diferença específica são os caracteres essenciais de
qualquer ser.
Na série de ideias – substância, corpo, vivente, animal, homem – que estão ordenadas por
ordem de extensão decrescente, a ideia «homem» é a infima espécie; animal, vivente e corpo, são
géneros em relação as ideias de menor extensão e espécies quando relacionadas com as de maior
extensão; substância é o género supremo ou categoria; animal é o género próximo do homem.
Acima de todos os géneros, englobando as categorias, está a ideia de ser, que, por esse
motivo, se chama uma noção transcendente.

7. Classificação das ideias (conceitos) e Termos


As ideias podem classificar-se segundo diversos critérios. As suas espécies mais
importantes são as seguintes:

7.1. Quanto à perfeição com que representam o objecto, podem ser:


Claras, quando nos permitem reconhecer o objecto com nitidez (sem haver qualquer tidpo
de obstrução).
Obscuras, se isto não se verifica, ou seja, se não é possivel reconhecer o objecto com
nitidez/clareza.
Distintas, consoante conhecemos todos os atributos que a compõem, de modo que, por
via disso possamos distinguir um objecto do outro.
Confusas, consoante não conhecemos todos os atributos aque a compõem, não podendo
distinguir um objecto de outros.
Uma ideia clara pode não ser distinta: um jardimeiro, por exemplo, tem a ideia clara das
flores que cultiva, mas não distinta, como acontece com o Botânico; ao contrário, uma ideia
distinta é sempre clara: o Botânico, por exemplo, tem ideia clara e distinta das flores (Cfr. J.
Bonifácio, 280 e Fatima ALVES et alli. A chave do saber, 71)

7.2. Quanto à compreensão, dividem-se em:


Simples¸ se constam de um caracter; por outras palavras, não têm partes.
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Exemplo: o Ser. De facto, SER é o conceito/ideia que tem a extensão máxima – tudo o
oque o ser é engloba, portanto, todos os existentes – e a compreensão mínima – a única coisa que
se pode dizer do ser é que o ser é (Cfr. J Neves VICENTE, Diálogo e Razão, p. 13 – Dicionário
de Conceitos.)
Compostas, se constam de muitos caracteres, ou seja, podem ser decompostos (homem,
cadeira, pão...)

7.3. Quanto à extensão, podem ser:


singulares,que se aplicam apenas a um indivíduo (Pedro, António)
particulares, que se aplicam a uma parte de um todo (alguns homens, a maior parte...)
universais, que se aplicam a todos os indivíduos de um grupo (Homem, filósofo, círculo...)

7.4. Quanto às suas relações mútuas, dividem-se em:


contraditórias, quando uma exclui a outra sem que possa existir qualquer ideia intermédia
(ser/não ser, branco/não branco...)
contrárias, quando se opõe, mas entre elas existem outras ideias intermédias, ou seja, não
se excluem (branco/preto, alto/baixo, quente/frio...)
relativas, quando se implicam, ou seja, um não tem sentido sem o outro (Esposo/Esposa,
direita/esquerda, subida/descida)

Os termos
Alguns autores não distinguem os conceitos dos termos, quando se trata de classificar.
Pode ser porque os termos constituem expressões verbais das ideias; mas, mesmo assim, é
conveniente apontar algumas outras classificaçõe referentes aos termos:

7.5. quanto à maneira como se faz a exteriorização da ideia, temos:


termos verbais, ou seja, palavras, podendo ainda dividir-se em orais e escritos
termos gesticulados, constituídos por gestos, que, por vezes, possuem grande valor
significativo.

7.6. quanto à natureza do que exprimem, podem ser:


termos concretos, que representam um objecto com a sua forma e determinação (homem,
mesa, cadeira, prato...)
termos abstractos, que são os que reproduzem uma forma ou qualidade separada do
objecto (humanidade, esperteza. Felicidade...)

7.7. quanto ao significado, podem ser:


termos unívocos, quando se aplicam a vários objectos com o mesmo sentido (homem –
aplicado com o mesmo sentido a João, Orlando, Fernando).
termos equívocos¸ que se atribuem a vários objectos com diferentes significados (cão –
aplicado a um animal; cão – aplicado a uma constelação de estrelas).
termos análogos, que se aplicam a diversos objectos, em parte no mesmo sentido e em
parte em sentido diverso (saudável aplicado ao corpo; saudável dito dos alimentos).

8. Definição
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8.1. Conceito de Definição


A análise das ideias, sob o ponto de vista da sua compreensão, é a operação lógica
chamada definição.
Tomemos o seguinte exemplo: «livro»
Vamos tentar dizer o que é livro. Se dissermos que Livro é um instrumento didádico, não
estaremos a ser rigorosos porque há muitos instrumentos didáticos que não são livros. Se
dissermos que livro é um instrumento didático usado na escola, continuamos a perder rigor pois
o livro não é só usado na escola.
Logicamente, definição consiste em indicar os caracteres que constituem a compreensão
de uma ideia. Definir é dizer o que um aideia é, é analisar a sua compreensão.
Esta palavra, definição, encontra a sua raiz no termo latino definire, que significa «pôr ou
assinalar limites, cirscunscrever, determinar». Portanto, “ao definirmos um dado conceito,
pretendemos determinar com rigor a sua compreensão exacta, pretendendo situá-lo em relação a
outros, classificando-o e distinguindo-o. Definir é, então, demarcar as fronteiras de um conceito
relativamente a outros” (ALVES: 74).
Pelo que foi dito, portanto, se nota que definir não é tarefa fácil. Há dois exageros que se
podem cometer:
Primeiro: alargar a definição. Alargando a definição, corremos o risco de incluir na
definição o que não diz respeito ao definido. Exemplo. Se disséssemos que O livro é um material
didáctico, estaríamos a admitir que o caderno, o quadro, o giz, o marcador, o livro de sumário,
etc são livros, pois também são materiais didácticos.
Segundo: dar uma definição demasiadamente estreita. Apertando demais a definição,
corremos o risco de não incluir na definição o que devia ser incluso, correndo o risco de mutilar
a definição. Exemplo. Se disséssemos que o livro é um instrumento didáctico com capa preta e
50 páginas, estaríamos a admitir que o que não tem capa preta e 50 páginas não é livro.

8.1. Tipos de definição


- NominalΦιλοσοφία
A definição nominal exprime o sentido de uma palavra. Esta, por sua vez pode ser:
- etimológica: quando procura dizer o sentido da palavra recorendo ao étimo original da
língua primitiva. Não define o conceito, apenas dá o sentido da palavra utilizada.
- sinonímica: quando procura dizer o sentido da palavra recorendo ao termo sinónimo
mais conhecido.
- Real
A definição real, que exprime a natureza do prórpio objecto que a palavra representa; esta
pode ainda ser:
- essencial ou característica: que atinge os caracteres essenciais das coisas; é aquela que
se faz, tanto quando possível, pelo género próximo e diferença específica.
Por exemplo: definimos o «homem» dizendo que é um animal racional, sendo «animal»
o género próximo e «racional» a diferença específica, como vimos.
Como dissemos acima, o género próximo é a ideia de generalidade imediatamente
superior à ideia que é a espécie (exemplo: animal em relação ao homem).
- descritiva: aquela que, por não se alcançarem os caracteres essenciais (género próximo
e a diferença específica), enumera as características exteriores mais salientes de uma coisa que a
individualizam e permitem distingui-la de todas as outras.
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Por exemplo: as definições das ciências naturais, que caracterizam o homem como um
mamífero, bípede, de posição erecta, etc. O cão é um animal quadrúpede, mamífero, que ladra...
Outros acrescentam a
- física: (está no âmbito da descrição) quando a definição é feita mediante as propriedades
externas da coisa a definir.
Exemplo: quadrado é uma estrutura geométrica com quatro lados iguais, cujos ângulos
são todos rectos.
-Genética, se a definição é mediante a forma como o definido foi produzido ou de onde
resulta.
Exemplo: O macho é o resultado do cruzamento do cavalo com a burra.
- causa final: se a definição é feita tendo em conta a finalidade do definido.
Exemplo: termómetro é um instrumento que serve para medir a temperatura.
- causa eficiente: se a definição é feita tendo em conta o agente que produziu o definido.
Exemplo: gastrite resulta da inflamação do estômago.
- Operacional, se a definição é feita tendo em conta as regras e/ou as operações que
definem o conceito.
Exemplo: metro é igual a décima milionésima parte do quarto do meridiano etrretre.
Toda a ciência procura usar a definição essencial, a única verdadeira definição; no entanto,
na impossibilidade de utilizar aquela, as ciências contentam-se frequentemente com a pura
definição descritiva. Hoje ainda, querendo ser mais concretas, as ciências vão recorrendo às
definições operacionais (Cfr. J. Vieira LOURENÇO, Razão e Santido, p. 77)

8.2. Regras da definição essencial


Há três regras fundamentais (gerais) da definição essencial:
a) a definição deve ser mais clara do que o definido: não deve conter o termo a definir,
deve ser feita em termos precisos e distintos, deve ser breve e não pode ser negativa.
b) a definição deve convir a todo o definido e só ao definido, quer dizer, não deve ser
muito restrita (de tipo o homem é um animal racional de cor branca), nem demasiado larga (de
tipo o homem é um animal);
c) a definição deve ser recíproca, isto é, sendo o definido o primeiro membro de uma
igualdade e a definição o segundo, devem poder trocar o seu lugar; com efeito, poder dizer «o
homem é animal racional» pode transformar-se em «o animal racional é homem» (Cfr. J.
BONIFÁCIO, p. 282; J. Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido, p. 78)
Regras específicas
Além destas regras gerais da definição (que têm o carácter universal) existem também as
regras específicas, que se aplicam de forma particular às definições dos conceitos científicos.
Assim, toda a definição científica deve ter uma tríplice característica:
- ser empírica: significa verificável pela experiência, não descrita por meio de termos não
observáveis, pois desta forma cairia fora da investigação empírica.
- ser operacional: significa que dentro dela (a definição) encontamos a operação através
da qual se chegou a determinar empiricamente o objecto de que estamos a fala, ou seja, a definição
mostra o «como».
- fidedigna: significa que a definição seja formulada de modo que, dadas as condições
nela expostas, qualquer investigador possa distinguir o objecto definido dos demais objectos, ou
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seja, dadas as mesmas condições, se chegue à mesma conclusão (cfr. J. Vieira LOURENÇO,
Razão e Sentido, p. 78)

9. Divisão das Ideias


9.1. Noção da divisão
A análise das ideias , sob o ponto de vista da sua extensão, é a operação lógica chamada
divisão.
Dividir uma ideia ou um termo, é indicar a quantos seres ou objectos diferentes ela se
aplica. A divisão é, assim, a decomposição de um todo nas suas partes.
A divisão lógica mais perfeita é a dicotomia. Esta consiste em passar de um género a
duas espécies, das quais uma tenha um atributo que não exista na outra.
Existe também a divisão politómica (quando admite várias classes subordinadas).
Exemplo da dicitónica: Substância

Não Material
Substância Não Vivo
Não sensível
Não Racional
Material
Vivo Sensível

Racional

A dicotomia é a divisão mais perfeita, pois, dividindo um género em duas espécies


contraditórias, exclui a possibilidade de acrescentar qualquer nova espécie e é, assim, exaustiva.

10. Classificação
A clareza de um conceito exige que ele seja, depois de definido e dividido,
convenientemente classificado. Classificar é reunir ordenadamente em grupos os vários seres
ou objectos que uma ideia abrange, de harmonia com as suas semelhanças e diferenças;
atende-se, portanto, ao mesmo tempo, à compreensão e à extensão da ideia. A classificação é
como que uma variante da divisão que se usa em todas as ciências e especialmente as biológicas,
pois sem ela se tornaria impossível estudar os múltiplos seres vivos.

10.1. Regras de classificação


Qualquer classificação deve obedecer aos três princípios seguintes:
a) não deve deixar resíduo, isto é, deve ser exaustiva, não ficando nada que não seja
classificado;
b) deve haver mais semelhança entre dois seres reunidos numa mesma classe do que entre
dois seres colocados em classes diferentes.
c) deve ser irredutível, isto é, uma classe não deve incluir a outra.

10.2. Tipos de classificação


A classificação pode ser:
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Natural, se se baseia em características essenciais, exigindo o estudo completo de todos


os caracteres e propriedades do objecto;
Artificial, de carácter arbitrário ou convencional e funda-se em algumas características ou
propriedades do objecto, que sejam mais fáceis de conhecer.

V. LOGICA DO JUÍZO

(Cfr. J. Bonifácio, Fundamentos de Filosofia)

1. Definição do juízo
O juízo é a operação pela qual o espírito afirma ou nega uma relação de conveniência
entre duas ideias ou objectos do pensamento.
O juízo é a forma central do pensamento, pois todas as actividades mentais terminam no
juízo. Com efeito, as ideias são os materiais para formular os juízos , e os raciocínios são
encadeamentos de juízos, que conduzem a novos juízos.

2. Elementos do juizo
O juízo comporta três elementos:
- Sujeito, o ser de que se afirma ou nega qualquer coisa;
- atributo ou predicado, aquilo que se afirma ou nega do sujeito;
- cópula, elemento de ligação entre o sujeito e o predicado que, habitualmente, é
representada pelo verbo ser.
Esta cópula reveste o aspecto de afirmação ou negação, consoante o verbo afirma ou nega
e constitui a forma do juízo; o sujeito e o atributo constituem a matéria do juízo.
Por outras palavras, temos a matéria (cão, bonito, peludo, macaco, papaia), à qual
precisamos da forma, por meio de um elemento de ligação que se chama cópula. Assim, teremos:
O cão é bonito – «cão e bonito» são matéria; «é» é forma
SéP

3. A proposição é o enunciado de um juízo ou a sua expressão verbal.


Se o juízo é formado por ideias ou conceitos, a proposição é formada por termos. Estes
compõem-se, como no juízo, de sujeito, predicado, e de um verbo que é a cúpula e este é
geralmente o verbo «ser».
O verbo ser nem sempre aparece expresso; quando tal sucede, torna-se necessário reduzir
o verbo que figura na proposição ao verbo «ser» conhecido pelo nome de substantivo. Exemplo:
o sol brilha, pode ser transformado em : o sol é brilhante. Deus existe em Deus é existente.
O verbo «ser» que é o elemento de ligação, não significa «existir»; exprime apenas uma
relação de extensão e compreensão. Assim, dizer «o homem é animal» é afirmar que ele entra na
classe dos animais (relação de extensão); dizer que ele é animal significa ainda que ele tem por
característica, ou atributo a animalidade (relação de compreensão). Todoo juízo exprime, ao
mesmo tempo, estas duas relações, mas uma mais do que a outra, segundo os casos.
Para a formação dos juízos, são necessárias as ideias ou os conceitos, mas é preciso
relacioná-los e não justapô-los, assim como pedras, madeiras, cimento, ferro, etc., nos dão um
montão de materiais, mas não um edifício. O elemento novo que entra no juízo não é o sujeito
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nem o predicado, mas sim a cópula, que une ou separa o sujeito e o predicado; a cópula é o
elemento estruturante que dá a forma

4. Classificação dos Juízos


Os juízos classificam-se de diferentes maneiras, conforme o ponto de vista em que nos
colocamos:

4.1. quanto à compreensão do sujeito, podem ser:


- analíticos: aqueles cujo predicado faz parte da compreensão do sujeito ou nos quais
afirmamos do sujeito um atributo que lhe é essencial. Estes juízos afirmam uma relação de
identidade, total ou parcial, entre o sujeito e o predicado.
Exemplos: o homem é animal racional ou o homem é mortal; o círculo é redondo.
- sintéticos: quando o atributo não faz parte da compreensão do sujeito, isto é, o predicado
exprime uma ideia acidental que se vem juntar à ideia do sujeito e, por isso, têm o nome de
extensivos.
Por exemplo: o tempo está chuvoso ou o António é estudante.

4.2. Quanto à extensão ou quantidade de sujeito, divide-se em:


- universais: aqueles cujo sujeito é tomado em toda a sua extensão, isto é, quando se
aplica a todos os indivíduos da classe considerada.
Exemplo: todos os homens são mortais
Particulares: quando o sujeito é tomado em parte da sua extensão.
Exemplos: alguns homens são filósofos
Singulares: aqueles cujo sujeito designa apenas um indivíduo
Exemplo: Aristoteles é filósofo

4.3. quanto à qualidade ou forma, podem ser


- afrirmativos: quando o predicado convém ao sujeito
exemplo: O Homem é mortal
- negativos: quando opredicado não convém ao sujeito
exemplo: o dia não é noite

4.4. quanto à relação, podem ser


- categóricos: se a afrimação ou negação é absoluta e sem reservas.
Exemplo: Vou passeiar.
- hipotéticos: se a afirmação exprime uma hipótese, condicional ou disjuntiva. De facto,
os juizos hipotéticos subdividem-se em: Condicionais e disjuntivos, segundo a hipótese reveste a
forma de preposição condicional ou disjuntiva.
Exemplo: se estou atento, aprendo melhor (condicional); ou falo ou estou calado
(disjuntivo)

4.5. quanto à modalidade, dividem-se em:


apodíticos ou necessários: quando o predicado convém necessariamente ao sujeito, itsto
é, lhe é essencial.
Exemplo: Deus é perfeito; o círculo é redondo.
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Assertórios ou contingentes: quando o predicado convém, mas não necessariamente ao


sujeito, isto é, lhe é acindental.
Exemplos: a mesa é redonda; antónio é médico.
Problemáticos ou duvidosos: quando a afirmação ou negação envolve simpes
possibilidade.
Exemplo: passarei no exame.

4.6. quanto à maneira de os formular, os juízos sintéticos podem ser:


a priori: quando são formulados pela razão, independentemente da experiência.
Exemplo: O círculo é redondo
A posterior: quando se formulam através da experiência.
Exemplo: o quinino cura a febre.

4.7. quanto à evidência, os juizos são:


- imediatos: se a relação entre o sujeio e o predicado se apreende sem intermediários, só
pela análise dos termos.
Exemplo: O todo é maior do que a parte.
- mediatos, se há necessidade de um termo médio para a apeensão da relação entre o sujeito
e o predicado.
Exemplo: Deus existe.

4.8. quanto ao conteúdo, dividem-se em:


juízos de realidade: quando anunciam o que é, e exprimem relações entre os factos
verificados experimentalmente.
Exemplo: o gato é animal
Juízos de valor: quando significam o que as nossas acções valem e estabelecem o que
deve ser.
Exemplo: faz sempre o bem; a definição deve ser recíproca.

4.9. quanto á matéria, dividem-se em:


- necessários: quando o predicado convém necessariamente ao sujeito, ou seja, não pode
não convir.
Exemplo: O corpo tem volume.
- contingentes: quando o predicado convém, de facto, ao sujeito, mas não
necessariamente, isto é, poderir não convir.
Exemplo: O João aprovou nos exames de admição.
- impossíveis: quando o predicado não pode convir ao sueito.
Exemplo: os animais herbívoros alimentam-se de carne.
Obs.: a lógica tradicional (clássica) é bivalente, ou seja, ela só reserva lugar para o falso
e o verdadeiro. Portanto, a ela são estranhos enunciados de tipo ordenativo ou imperativo (que
formulam ordens), vocativo (que convidam ou chamam alguém), interrogativo (com os quais
interrogamos os outros), optativo (que levam à escolha),exclamativo (que exprimem uma
admiração, encanto), promissivo (que implicam promessas), etc. Estes enunciados não afirmam
nem negam. Por isso, não entram nos esquemas destas classificações com todo o rigor. Isto não
23
Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

quer dizer que não obedecem aos princípios racionais estabelecidos (Cfr. J. Vieira LOURENÇO,
Razão e Sentido, 83.)

5. Classificação das proposições


As proposições classificam-se da mesma forma que os juízos, visto serem a sua expressão
verbal. Mas à lógica interessa principalmente fazê-lo de harmonia com a sua quantidade e
qualidade.

5.1. quanto à quantidade – e esta depende da extensão do sujeto – podem ser:


- proposições universais: quando o sujeito é tomado universalmente, isto é, em toda a sua
extensão.
Exemplo: os fenómenos psiquicos são qualitativos, ou, Todo o A é B.
- proposições particulares: quando é apenas considerada uma parte da extensão do sujeito.
Expressões que indicam a particularidade: algum, nem todo, a maioria, muitos, certos,
poucos, ha...
Exemplos: Alguns hábitos são úteis ou Algum A é B
- proposições singulares: quando o sujeito é apenas um indivíduo.
Exemplo: Espinoza é Panteista ou Esta caneta é preta
Nota: como se verifica pela representação gráfica, as proposições singulares representam-
se como as universais, porque o sujeito, apesar de singular, ou porque é singular, é tomado em
toda a sua extensão, isto é, está todo incluido na extensão do predicado. É por isso que em lógica
se dividem as proposições quanto á quantidade apenas em universais e particulares.
5.2. quanto à qualidade – e esta depende da natureza da cópula – temos:
- Proposições afirmativas: quando o predicado convém ao sujeito.
Exemplo: Os factos morais são livres; algumas sensações são agradáveis
- Proposiçoes negativas: quando o predicado não convém ao sujeito.
Exemplo: nenhum crime é louvável; algumas tendências não são pessoais.
Considerando as 4 variedades de proposições, anteriormente expressas, podemos formar
o quadro seguinte:
Universais Afirmativas (A) – Particulares Afrimativas (I)
Universais Negativas (E) – Particulares Negativas (O)
As letras A, E, I, O servem para inidcar abreviadamente, a quantidade e qualidade das
proposições. A I designam as proposições afirmativas, como primeiras vogais da palavra
«AfIrmo»; E e O designam as proposições negativas, como vogais da palavra «nEgO». A e E são
as proposições universais; I e O são as proposições particulares.

VI. INFERÊNCIA

(Cfr. J. Bonifácio, Fundamentos da Filosofia; J. Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido;


Fátima ALVES, A Chave do Saber).

1. Noção
Até aqui limitamo-nos a estudar as proposições isoladamente, classificando-as quanto à
quantidade e qualidade e indicando a extensão dos respectivos termos.
24
Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

Mas as proposições não valem apenas em si mesma. Com efeito, podemos passar de uma
proposição a outra ou outras e a isso se chama inferir.
Inferência é a operação que consiste em tirar de uma ou mais proposições outra ou outras
que ai estavam implicitamente contida.
2. Espécies de inferências
A inferência divide-se em:
Imediata: consiste em obter directamente uma nova proposição a partir de uma proposição
dada e apenas com os termos que a constituem. Esta inferência compõe-se, portanto, de duas
proposições: uma servindo de ponto de partida (antecedente), e a outra de chegada
(consequência), e de dois termos (os termos do consequente não são os mesmos do antecedente).
Mediata: exige mais do que dois termos (normalmente três), servindo um de termo médio
e mais do que uma proposição (geralmente duas), como ponto de partida. Esta forma de inferência
será estudada adiante, na lógica do raciocínio.

INFERÊNCIA IMEDIATA

3. Oposição e conversão das inferências imediatas ou simples


A inferência imediata consiste, portanto, em tirar uma proposição da outra, sem recorrer
a nenhuma intermediária; reduz, como dissemos, ao mínimo o número de termos e de
proposições. Esta inferência reveste duas formas: a oposição e a conversão.
A oposição das proposições, consiste em tirar de uma proposição outras pela alteração
da quantidade ou da qualidade, ou ainda de uma ou de outra e concluir da verdade ou falsidade
dessa proposição a verdade ou falsidade das proposições obtidas, mantendo sempre os mesmos
termos como sujeito e como predicado.
A conversão das proposições consiste em tirar, de uma proposição uma outra pela
transposição dos seus termos, de modo que o sujeito se torne predicado e o predicado o sujeito.
Assim, alcançamos novos conhecimentos sem o auxílio de nenhum termo médio. São
portanto, inferências imediatas.

3.1. Inferência por Oposição


a). Suas formas
Colocando as proposições A, E, I, O em relação umas com as outras, obteremos uma série
de oposições entre esta proposições que, tendo o mesmo sujeito e o mesmo predicado, diferem
entre si pela qualidade, ou pela quantidade, ou pela quantidade e qualidade ao mesmo tempo.
São quatro as formas de oposição:
Primeira: duas proposições que diferem a mesmo tempo pela quantidade e qualidade
chamam-se contraditórias entre si, isto é, uma nega aquilo que a outra afirma e com a mesma
intensidade, sem que possa haver meio termo entre a afirmação e a negação.
Exemplos: Todos os homens são justos (A) e alguns homens não são justos (O) nenhum
homem é justo (E) e alguns homens são justos.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

Segunda: duas proposições universais que diferem pela qualidade são chamadas
contrárias.
Exemplo: todos os homens são justos (A) e nenhum homem é justo (E)
Terceira: duas proposições particulares que diferem pela qualidade são denominadas
subcontrárias.
Exemplo: alguns homens são justos (I) e alguns homens não são justos (O).
Quarta: duas proposições que diferem entre si pela quantidade são designadas pelo nome
de subalternas.
Exemplo: todos os homens são justos (A) e alguns homens são justos (I); nenhum homem
é justo (E) e alguns homens não são justos (O).
Eis, em resumo, o que indicamos:

Universal A Afirmativa Universal E Negativa

Todos os homens são sábios Nenhum homem é sábio

Particular
I
Afirmativa Particular O Negativa

Alguns homens são sábios Alguns homens não são sábios

b). Leis da oposição


A oposição permite obter três novas proposições a partir da que foi dada e lava-nos a
concluir da verdade ou falsidade desta a verdade ou falsidade daquelas. É para isto que existem
certas regras chamadas leis da oposição: estas leis, para cada grupo de proposições opostas, são
as seguintes:
Primeira: Contraditórias (AO;EI) – duas contraditórias não podem ser verdadeiras nem
falsas ao mesmo tempo. Por outras palavras: da verdade de uma conclui-se a falsidade da outra.
Segunda: Contrárias (AE) – duas contrárias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo,
mas podem ser ambas falsas, quando são a expressão de um juízo assertório, isto é, quando o seu
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

predicado é acidental. Por outros termos: da verdade de uma conclui-se a falsidade da outra, mas,
se uma é falsa a outra é verdadeira (se apodíctica), ou falsa (se assertória).
Terceira: Subcontrárias (IO) – duas proposições subcontrárias podem ser ambas
verdadeiras, quando são a expressão de um juízo assertório, mas não falsas ao mesmo tempo. Isto
quer dizer: se uma é falsa, a outra é verdadeira, mas, se uma é verdadeira, a outra pode ser
verdadeira ou falsa, isto é, duvidosa.
Quarta: Subalternas (AI; EO) – a verdade da universal implica a verdade da particular
subordinada; a falsidade da universal não acarreta a da particular; a verdade da particular não
determina a da universal; a falsidade da particular a falsidade da universal
Exemplificando de: todo o homem é mortal (verdadeira) inferimos por oposição:
nenhum homem é mortal (contrária e falsa) algum homem é mortal (subalterna e verdadeira),
algum homem não é mortal (contraditória e falsa).

3.2.Inferência por Conversão


Cfr. J. Bonifácio, Fundamentos da Filosofia; J. Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido;
Fátima ALVES, A Chave do Saber).
Converter uma proposição é passar o sujeito para o lugar do predicado e o predicado para
o lugar do sujeito, sem lhes alterar o valor, obtendo-se assim, uma nova proposição que é
imediatamente inferida da primeira.
a). Regra geral da conversão
Os termos da proposição formada não devem ter maior extensão do que tinham na
proposição a converter, mas podem ter uma extensão menor.
b). Tipos de conversão:
-Conversão simples: consiste apenas em mudar a posição do sujeito e do predicado. As
proposições particulares afirmativas (I) e as universais negativas (E) são as que se convertem
deste modo porque os seus sujeitos e predicados têm igual extensão, como vimos.
Exemplos: nenhum metal é gás, converte-se em nenhum gás é metal; algum metal é
sólido, ficará algum sólido é metal.
N.B – convertem-se, também simplesmente, as proposições chamadas recíprocas ou
equivalentes (definições).
Exemplo: O triângulo é um polígono de três lados, converte-se em o polígono de três
lados é um triângulo.
- Conversão por limitação ou por acidente: este modo de conversão aplica-se às
proposições do tipo A em geral, que depois de convertidas ficam reduzidas a proposições do tipo
I.
Exemplo: todos os homens são seres dará alguns seres são homens.
N.B – exceptua-se, porém, o caso em que a proposição é recíproca ou definição que,
embora do tipo A, se converte simplesmente, como se disse acima.
É bom notar ainda que as proposições de ordenação inversa, embora de tipo I, não se
convertem simplesmente. Se provêm de uma proposição do tipo A, quando convertidas, voltarão
a ser do mesmo tipo A.
Exemplo: alguns portugueses são portuenses dará todos os portuenses são portugueses.
-conversão por negação: as proposições do tipo O não se podem converter simplesmente,
porque o sujeito, tomando o lugar do predicado, ficaria com uma extensão maior. Recorremos a
um artifício para as converter, por uma forma indirecta, a qual consiste em transformar
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

primeiramente a proposição a converter numa afirmativa particular que lhe seja equivalente
(consegue-se isto, tirando a negação da cópula e passando-a para o predicado) e depois converter
simplesmente a proposição obtida.
Exemplo: alguns homens não são sábios e, feita a conversão, teremos, primeiro: alguns
homens são não sábios e, daí, alguns não sábios são homens.
- Conversão por contraposição – esta consiste em juntar uma negação ao sujeito e outra
ao predicado da proposição a converter, fazendo em seguida a conversão simples. Pode aplicar-
se às proposições de tipo A e O. Exemplo: «todo o homem é mortal» - «todo o não homem é não
mortal» - «todo o não mortal é não homem». Para o caso da proposição de tipo O, teremos:
«alguns homens não são sábios» - «alguns não homens não são não sábios» - «alguns não sábios
não são não homens», ou, como as duas últimas negativas equivalem a uma afirmativa, «alguns
não sábios são homens».
A – pode converter-se por acidente ou por contraposição
I e E – podem converte-se simplesmente.
O – só se pode converter por negação e por contraposição

VII. LÓGICA DO RACIOCÍNIO


Cfr. J. Bonifácio, Fundamentos da Filosofia; J. Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido;
Fátima ALVES, A Chave do Saber).

1. Raciocínio
Como dissemos, as inferências podem ser imediatas e mediatas. Embora a inferência
imediata se possa considerar já um raciocínio, é costume reservar este termo para significar
apenas a inferência mediata.
O raciocínio é a operação pela qual a inteligência, partindo de duas ou mais relações
conhecidas, afirmadas ou negadas, conclui uma nova relação que nelas estava implicitamente
contida e delas deriva logicamente.
Como as relações se exprimem por juízos, podemos também definir o raciocínio como
sendo a operação mediante a qual de dois ou mais juízos dados se tira um novo juízo; é a operação
mental que infere conhecimentos novos a partir de conhecimentos dados. O raciocínio será, assim,
a passagem do conhecido ao desconhecido.
É o processo utilizado pela inteligência na aquisição dos conhecimentos discursivos ou
mediatos, tal como a intuição conduz a conhecimento imediatos ou intuitivos.
O argumento/discurso é a expressão verbal do raciocínio e é, portanto, formando por
proposições, como o raciocínio é contituido por juízos.

2. Elementos do argumento
O encadeiamento lógico das proposições que constituem o argumento chama-se forma
do argumento, enquanto que as proposições em si próprias, constituem a matéria próxima e os
termos a matéria remota do mesmo argumento.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

3. Condições para que um argumento seja certo


Para que o argumento seja considerado certo, é necessário que:
- seja legítimo, isto é, estar o encadeiamento lógico das proposições bem feito, de modo
a não violar as regras que a lógica formal aponta;
- seja verdadeiro, ou seja, serem exactas cientificamente as proposições que a constituem;
Portanto, para ser certo, o argumento deve ser, portanto, válido quanto à forma e quanto à
matéria. O argumento pode ser legítimo, mas não verdadeiro, ou verdadeiro, mas não legítimo.
Exemplos: o homem é espírito; Pedro é homem; Pedro é espírito
(argumento legítimo, mas não verdadeiro)
A ciência tem método; a psicologia tem método; a psicologia é ciência.
(argumento não legítimo, mas verdadeiro)
Num raciocínio – e esta afirmação está implícita naquilo que dissemos – há proposições
das quais partimos (o antecedente, ou premissa) e uma proposição final a que chegamos como
consequência das relações expressas nas premissas, a qual é chamada consequente ou conclusão.
Exemplo: os vertebrados são animais; o leão é vertebrado; o leão é animal.
As duas primeiras proposições são as premissas e a última conclusão.

4. Divisão do raciocínio
Durante muito tempo admitiram duas formas de raciocínio – a dedução e a indução – a
que depois ainda se acrescentou a analogia.
4.1. Dedução
“é um processo discursivo e descendente que passa do geral ao particular” (LOURENÇO:
88).
Na dedução a inteligência desce do geral ao particular, como costuma-se dizer, podendo
definir-se como operação da inteligência pela qual se conclui de uma ou mais proposições,
tomadas como premissas, uma nova proposição que é a sua consequência necessária. O
raciocínio dedutivo é, portanto, um movimenmto de pensamento que parte das causas para os
efeitos, das leis para os factos, dos princípios para as suas consequências necessárias e, nestes
termos, as suas conclusões são proposições apodíticas, por derivarem necessariamente das
premissas. É r raciocínio demonstrativo.
Exemplo: os bons poetas devem ser lidos;
Cameões é bom poeta
Camões deve ser lido.
Espécies de dedução
A dedução pode revestir dois aspectos:
- dedução matemática ou construtiva: a conclusão é tanto ou mais geral do que as
proposições de onde partimos. Dela se ocupa o método das matemáticas.
- dedução formal ou silogística: nesta, a conclusão está implicitamente contida nas
proposições dadas e é menos geral do que estas.

4.2. Indução
É “a operação racional através da qual se conclui uma verdade universal ou geral a partir
de verdades particulares, ou dito de outro modo, a partir da observação de um determinado
número de factos, conclui-se uma geral” (LOURENÇO: 90).
Exemplo:
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

O cão come
O gato come
O burro come...
O cão, o gato, o burro... são animais.
Logo, os animais comem
Portanto, na indução, a inteligência procede do particular para o geral, como também é
hábito dizer-se, podendo nós defini-la como a operação da inteligência que, partindo da
observação de um certo número de factos, conclui uma lei geral, aplicável a todos os casos
da mesma espécie. Na indução, o pensamento segue dos factos para as leis, das consequências
para os princípios; pelo exame dos factos, procura descobrir as causas que os explicam. A
conclusão tem um carácter assertório, pois não deriva necessariamente das proposições indutoras,
mas apoia-se na verificação experimental. É o Raciocínio investigativo.
Mais um exemplo:
Pelo facto de se ter verificado que a água de muitos mares é salgada e que a de muitos rios
é doce, é uma indução concluir que a água do mar é salgada e a dos rios é doce.
Tipos de indução
(Cfr LOURENÇO: 90-91)
- Indução formal ou totalizante: considera que a vardade de todos os casos particulares se
aplica a todos os casos numa perspectiva geral.
No caso deste exemlo: «o cão come, o gato come, o burro como...», o cão, o gato, o burro
são animais. Logo, os animais comem. Concluimos que todos os animais comem, uma vez que
todos os casos particulares de animais que conhecemos revelam esta caracteristica.
-indução amplificante ou baconiana (de Francis Bacon): consiste em inferir uma verdade
geral a partir de verdades particulares de vários casos, mas não de todos; atribui-se a uma classe
propriedades que verificamos relativamente a alguns. É a indução que ajuda para o avanço da
ciência, pois suas conclusões não são apodíticas, rigorosas, ou seja, deixam espaço para o que
pode vir a ser. E isto é o que faz a ciência avançar.
Exemplo: afirmamos que o calor dilata os corpos. A verdade desta proposição foi obtida
pelas várias observações e experiências particulares. Mas, para se chegar a esta afirmação
(generalizante) não foram verificados todos os corpos. Por isso, é uma conclusão geral e não
universal.

4.3. Analogia
Na analogia, a inteligência conclui do particular para o particular, podendo definir-se
mais rigorosamente como se$ndo o raciocínio que de certas semelhanças infere novas
semelhanças. As conclusões serão tanto mais prováveis quanto maiores sejam as semelhanças
entre os casos observados, mas nunca deixam de ter um carácter nitidamente problemático.
Exemplo: Manuel apresenta sintomas de doença semelhantes aos do João; logo, terá a
mesma doença.
Modernamente, a única forma de raciocínio admitida é a dedução, pois só ela permite
alcançar conclusões absolutamente certas. Com efeito, a analogia é considerada uma indução
seguida de uma dedução. Assim, no exemplo apontado, para saber quais os sintomas de certa
doença foi preciso observar vários indivíduos, como Manuel, João, etc – e aqui temos uma
indução; quando depois concluímos que o João terá a mesma doença de Manuel, há uma
verdadeira dedução. Além disso, as conclusões de uma analogia, podem permitir formular uma
30
Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

hipótese, mas não a podem provar, porque uma semelhança não arrasta necessariamente outra
semelhança.
Quanto à indução, para muitos autores, ela não constitui um verdadeiro raciocínio, pois
que, segundo eles, a regra essencial do raciocínio exige que a conclusão não afirme mais do que
as premissas, o que, na verdade, não se verifica na indução. Além disso, a indução concluindo de
alguns casos para todos, pode conduzir a uma probabilidade maior ou menor, mas não a uma
certeza absoluta, que é própria da dedução; quando muito leva a uma certeza prática, por se apoiar
na verificação experimental.
A indução não será mais do que uma forma especial de intuição, pois é por intuição
inventiva que o sábio, ao observar os casos individuais, surpreende a relação essencial que
constitui a lei geral. Isto leva a considerar hoje a indução não como um raciocínio, mas como um
simples processo de método ou como um verdadeiro método.
Nestas condições, sob o ponto de vista lógico, raciocínio e dedução são a mesma coisa e
podemos, portanto, dezer: pensamento discursivo ou dedutivo e, em contraste, pensamento
indutivo ou intuitivo.

VIII. O SILOGISMO
Cfr. J. Bonifácio, Fundamentos da Filosofia; J. Vieira LOURENÇO, Razão e Sentido;
Fátima ALVES, A Chave do Saber; Rui dos Anjos DIAS, Filosofia, Livraria Almeida, Coimbra).

1. Noção
O silogismo é, como disse Aristóteles, um raciocínio formado de três proposições de tal
modo dispostas que, expressas as duas primeiras chamadas premissas, se segue necessariamente
à terceira, denominada conclusão. Por outras palavras, podemos dizer que o silogismo é um
argumento pelo qual, de um antecedente que liga dois termos a um terceiro, se tira um
consequente que une estes dois termos entre si.
Portanto, trata-se de um raciocínio formado por três proposições em que as duas primeiras
(chamadas premissas) originam uma terceira (conclusão lógica).

2. Elementos do silogismo
Todo o silogismo regular é formado por Três proposições, sendo as duas primeiras as
premissas e a última a conclusão, e por termos comparados dois a dois.
TRÊS proposições e TRÊS termos
Exemplo de um silogismo sob forma afirmativa:
B é C Toda a ciência normativa é prática
A é B…. a lógica é uma ciência normativa
A é C a lógica é pratica
Exemplo de um silogismo sob forma negativa:
C não é B Nenhum ortelão é juiz
AéB Pedro é juiz
A não C Pedro não é ortelão
Aqui estão os três termos do silogismo (A B e C) e, como podemos ver nos exemplos
anteriores, colocamos em cada premissa um destes termos em relação com um terceiro (B é C; A
31
Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

é B) ou (C não é B; A é B), para concluirmos a relação entre os dois termos extremos (A é C) ou


(A não é C).

3. Classificação dos termos


Os termos, que são a expressão verbal das ideias que entram em cada juízo, e, portanto,
os elementos da proposição, classificam-se da forma seguinte:
- Termo Maior (T): é aquele que tem maior extensão e é predicado na conclusão. Nos
nossos exemplos é C.
- Termo Menor (t): é aquele que tem menor extensão é sujeito na conclusão. Nos nossos
exemplos é A.
- Termo Médio (M): é aquele cuja extensão é intermediária entre o maior e o menor, ou
aquele que serve de comparação entre os termos maior e menor e, por isso, se repete nas
premissas. Nos exemplos é B.
Os dois primeiros termos, por isso que ocupam o princípio e o fim da escala em que os
ordenamos (ABC), também são designados pelo nome de extremos.
4. Classificação das proposições
As três proposições que entram no silogismo, chamadas premissas e conclusão,
classificam-se da maneira seguinte:
- Premissa Maior – a proposição que contém o termo maior ou predicado da conclusão e
o termo médio; geralmente é a primeira.
- Premissa Menor – a proposição que contém o termo menor ou sujeito da conclusão e o
termo médio; em geral é a segunda.
- Conclusão – a proposição que contém os termos maior e menor. O sujeito da conclusão
é o termo menor; o seu predicado é o termo maior. O termo médio não entra na conclusão, mas
repete-se nas premissas.

Em resumo:
M T
O Moçambicano é honesto premissa Maior
t M
O beirense é moçambicano premissa Menor
t T
O beirense é honesto Conclusão

Os termos e as proposições que entram no silogismo constituem a sua matéria: os termos,


a matéria remota e as proposições, a matéria próxima; a disposição destes termos e destas
proposições, segundo as oito regras depois indicadas e explicadas, a sua forma.

5. Princípios do silogismo
A dedução fundamenta-se, como consta da psicologia, no princípio da identidade, que se
pode enunciar das seguintes maneiras.
Princípio de compreensão: duas ideias que convêm a uma terceira convêm entre si;
Assim, se P é M e se S é M, necessariamente S é P.
Princípio de discrepância: duas ideias, das quais uma convém e outra não a uma terceira,
não convêm entre si.
32
Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

Assim, se P é M e se S não é M, necessariamente S não é P.

Princípio de extensão: todo o que se afirma ou nega universalmente de um sujeito afirma-


se ou nega-se do que está contido na extensão desse sujeito; o que se afirma ou nega do todo,
afirma-se ou nega-se das partes.
Assim, se afirmamos que o homem é mortal, Nuno, André, João e outros homens serão
mortais.

6. Figuras do silogismo
As figuras do silogismo são os aspectos que ele toma consoante a função exercida pelo
termo médio das premissas, quer como sujeito, quer como predicado. Como o termo médio pode
exercer a função de sujeito ou predicado em ambas as premissas ou sujeito de uma e predicado
da outra, são quatro os aspectos (figuras) possíveis. Estas quatro figuras (ou esquemas, como
Aristóteles chamava às três que admitia) são as seguintes:
Primeira figura: o termo médio é sujeito da primeira premissa ou premissa maior e
predicado da segunda ou premissa menor.
Exemplos:
Todo o homem é mortal BéC MéT
António é homem AéB téM
António é mortal AéC téT
Segunda figura: o termo médio é predicado nas duas premissas.
Exemplos:
Todo o homem é racional CéB TéM
O gato não é racional AéB téM
O gato não é homem AéC téT
Terceira figura: o termo médio é sujeito nas duas premissas.
Exemplos:
Os portugueses são europeus BéC MéT
Os portugueses são homens BéA Mét
Alguns homens são europeus AéC téT
Quarta figura: esta figura é um modo indirecto da primeira; é chamada a figura de
Galeno, porque foi este autor, segundo Averrois, que a juntou aos três esquemas de Aristóteles.
Nesta quarta figura, o termo médio é predicado na primeira premissa e sujeito na segunda.
Exemplos:
Os portugueses são homens CéB TéM
Os homens são mortais BéA Mét
Alguns mortais são portugueses AéC téT

Em resumo teremos:
1ª Fig. 2ª Fig 3ª Fig 4ª Fig
Suj. Pred. Suj. Pred.
Pred. Pred. Suj. Suj.

7. Regras do silogismo
33
Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

As regras do silogismo são em número de oito, referindo-se quatro aos termos e as


restantes às proposições.
A – Regras dos termos.
Primeira: o silogismo tem três termos: maior, médio e menor. Esta regra justifica-se pela
própria definição de silogismo que se compõe em três termos, comparados dois a dois; e isso
mesmo está indicado no princípio da compreensão.
Peca-se contra esta regra, quando se emprega um termo equívoco, ou quando existem
dois ou quatro termos.

Exemplo:
As rosas são plantas
Há mulheres portuguesas que são rosas
Não podemos concluir: há mulheres portuguesas que são plantas.
Segunda: nenhum termo deve ser mais extenso na conclusão do que nas premissas. Se na
conclusão fosse considerado como universal um termo que nas premissas fosse particular, isso
infringiria o princípio da extensão, pois do que dissemos se infere que a conclusão é tirada das
premissas.
Exemplo:
Os portugueses são homens
Os francês não são portugueses
Não se pode concluir: os francês não são homens.
Terceira: o termo médio deve ser tomado pelo menos uma vez em toda a sua extensão,
isto é, universalmente. Se o termo médio fosse particular nas duas premissas, nada nos garantia
que a parte considerada na primeira fosse a mesma que tomávamos na segunda, e isso daria
origem à existência de quatro termos no silogismo, o que Seia contrário à primeira regra e,
portanto, ao princípio da compreensão.
Exemplos:
As portuguesas são brancas
As francesas são brancas
Não podemos concluir: as francesas são portuguesas
Quarta: a conclusão não deve conter o termo médio. Se, como já dissemos, o termo
médio serve para ligar os extremos, e, se na conclusão desejamos obter a relação entre os termos
maior e menor, é claro que o termo médio não pode aí entrar, pois só assim cumprirá a sua função
de elo entre os extremos. Também esta regra se justifica pelo princípio da compreensão.
Exemplo:
João é estudioso
João é feliz
Não se pode concluir: João é um feliz estudioso

B- Regras das proposições


Quinta: duas premissas afirmativas não podem produzir uma conclusão negativa. Na
realidade, duas ideias que convêm a uma terceira, convêm necessariamente entre si, como o refere
o princípio da compreensão.
Exemplos:
Os animais morrem
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

O elefante é animal
Não se pode concluir: o elefante não morre
Sexta: de duas premissas negativas nada se pode concluir. Com efeito, pelo facto de não
existir relação entre o termo maior e o termo médio, nem entre o termo menor e o termo médio,
não se pode concluir se existe ou não relação entre o maior e o menor, pois o princípio da
compreensão não o autoriza. Duas ideias diferentes de uma terceira podem convir ou não entre
si, o que nós desconhecemos.
Exemplos:
Os portugueses não são ingleses
Os franceses não são portugueses
Não se pode concluir: Os franceses não são ingleses
Nem: os franceses são ingleses.
Sétima: A conclusão segue sempre a parte mais fraca. Por parte mais fraca entende-se a
premissa particular ou negativa. Quando uma das premissas for particular, a conclusão será
particular; quando qualquer das premissas for negativa, a conclusão será negativa; se uma das
premissas for negativa e outra particular, a conclusão será particular negativa.
Exemplos:
O virtuoso é amável
Alguns homens são virtuosos
Não se pode concluir: Os homens são amáveis
Oitava: nada se conclui de duas premissas particulares. Se as duas premissas fossem
particulares afirmativas, o termo médio, fosse qual fosse figura, seria tomado duas vezes
particularmente, o que era contrário à terceira regra.
Se as duas premissas fossem particulares negativas, nada se poderia concluir também, em
obediência à sexta regra.
Se uma fosse negativa e outra afirmativa, a conclusão seria negativa, de harmonia com a
sétima regra, e por isso o termo maior universal; mas, para que este não tenha maior extensão na
conclusão do que na premissa maior, esta terá de ser negativa e o termo maior ocupar nela o lugar
de predicado; neste caso, a menor teria de ser afirmativa, o que tornaria o termo médio particular
nas duas premissas, e isto é contrário à terceira regra.
Exemplos:
Há animais que respiram por traqueias
Muitos invertebrados não respiram por traqueias
Não se pode concluir: Muitos invertebrados não são animais.

8. Modos do silogismo
O modo do silogismo é o seu aspecto derivado da quantidade e da qualidade das
proposições que o constituem. Cada uma das proposições pode ser dos tipos A (Universal
Afirmativa), E (Universal Negativa), I (Particular Afirmativa) e O (Particular Negativa).
Nestas condições, n primeira premissa serão possíveis quatro casos (A, E, I,O) e, para
cada um destes, poderemos ter quatro casos na segunda premissa, o que dá origem a 16
combinações ou modos. Exemplificando:
AAAA EEEE IIII OOOO
AEIO AEIO AEIO AEIO
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

Isto no que se refere à primeira figura, como nas restantes figuras se podem fazer iguais
combinações, teremos 64 (16×4) modos possíveis. É claro que aqui não atenderemos à quantidade
e qualidade da conclusão – também incluída no modo – porque se atendêssemos, teríamos 256
modos (64+4).
Grande número dos modos possíveis é eliminado por infringir as regras enunciadas; são
os chamados modos ilegítimos ou sofismas.
Por exemplo: I I A, A I O, E E E, E I A.
Para respeitar as regras do silogismo, teremos a oportunidade de apontar certas regras às
quais obedecem as figuras, para que os seus silogismos sejam válidos, isto é, para que constituam
modos válidos ou legítimos. Estes, em número de 19, são os que obedecem a todas as regras do
silogismo e das figuras.
Os 19 modos válidos são designados por palavras latinas de três sílabas. Deve-se a Pedro
Julião, médico nascido em Lisboa e que mais tarde foi Papa, com o nome de João XXI, a
representação por palavras latinas dos modos válidos do silogismo.
A vogal da primeira sílaba indica a natureza da premissa maior, a vogal da segunda é o
símbolo da premissa menor; a terceira vogal representa a quantidade e qualidade da conclusão.
Estas palavras são as seguintes:

1ª. Figura: Barbara, Celarent, Darii, Ferio


2ª. Figura: Cesare, Camestres, Festino, Baroco
3ª. Figura: Darapti, Disamis, Datisi, Felapton, Bocardo, Ferison
4ª. Figura: Bramantip, Camenes, Dimaris, Fesapo, Fresison

9. Regras das figuras e modos válidos


Poderá estranhar-se, ao olhar as palavras latinas atrás expressas, que o número dos modos
válidos seja diferente de figura para figura. Para desfazer essa dúvida, vamos, em seguida, apontar
as regras que dirigem cada uma das figuras e os respectivos modos válidos:
1ª. Figura: a premissa menor será afirmativa (universal ou particular: A ou I), pois, sendo
negativa esta premissa, a conclusão seria negativa e, por conseguinte, o seu predicado universal
e assim também o predicado da premissa maior seria universal e, nestas condições, as duas
premissas aparecer-nos-iam negativas. A premissa maior será universal (afirmativa ou negativa:
A ou E), de contrário, o termo médio seria particular e, como é também particular na menor,
porque afirmativa, não se tomaria ao menos uma vez universalmente.
1ª. Figura: Barbara, Celarent, Darii, Ferio
AAA EAE AII EIO
2ª. Figura: uma premissa será negativa, de contrário o termo médio nunca seria universal.
A premissa maior será universal: afirmativa (A), quando a menor for negativa (E ou O), negativa
(E), quando a menor for afirmativa (A ou I), porque, se assim não fosse, o predicado da conclusão,
que é negativa, teria maior extensão do que na premissa.
2ª. Figura: Cesare, Camestres, Festino, Baroco
EAE AEE EIO AOO
3ª. Figura: a premissa menor deve ser afirmativa (A ou I), como se viu para a 1ª. Figura,
e a conclusão particular (I ou O), para que o seu sujeito não tenha maior extensão que na premissa
menor.
3ª Fig: Darapti, Disamis, Datisi, Felapton, Bocardo, Ferison
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

AAI IAI AII EAO OAO EIO


4ª. Figura: quando a premissa maior é afirmativa, a menor é universal, para que o termo
médio seja tomado universalmente uma vez: nos modos de conclusão negativa, a maior é
universal, para que o termo maior não tenha na conclusão maior extensão do que na premissa;
quando a menor é afirmativa, a conclusão é particular, para que o termo menor não tenha maior
extensão do que na premissa.
4ª. Figura: Bramantip, Camenes, Dimaris, Fesapo, Fresison
AAI AEE IAI EAO EIO

10. Maneira de formular silogismos


Dada uma proposição, é possível formular um silogismo. Essa proposição é a conclusão
do silogismo e, por isso, o seu predicado é o termo maior e o seu sujeito é o termo menor; a
razão dessa proposição é o termo médio. Encontrados os três termos do silogismo, é fácil
formulá-lo. Assim, teremos:
A lógica é útil porque permite descobrir os sofismas.
«A lógica é útil» será a conclusão e, por isso, «lógica» é o termo menor.
«útil» o termo maior e «permite descobrir os sofismas» termo médio.
O que permite descobrir os sofismas é útil
A lógica permite descobrir os sofismas
A lógica é útil.

11. Espécies de silogismos


Os silogismos podem dividir-se de harmonia com o quadro seguinte:
11.1. Silogismos categóricos, que podem ser Regulares ou irregulares.

a). Os silogismos categóricos regulares são os que acabamos de estudar. Silogismos


deste tipo só raramente se encontram expressos, a não ser nos livros de lógica.
b). Silogismos categóricos irregulares: neles há uma abreviatura ou ampliação do
silogismo perfeito. São aqueles que pecam por defeito (quando são formados por menos de três
proposições) ou por excesso (quando são formados por mais de três proposições e dai alguns
autores chamarem-lhes complexos ou compostos). São estes que vulgarmente utilizamos na
linguagem.
Os mais frequentes são:
- Entimema: é o silogismo em que uma das premissas está subentendida, geralmente a
menor, ou até as duas; é, por isso, um silogismo incompleto. Para sabermos qual das premissas
falta, examine-se na conclusão qual dos extremos não aparece no antecedente, se o maior, se o
menor.
Exemplos:
a) Eu penso, logo existo – falta a maior
b) todo o corpo é material, portanto, a alma não é um corpo – falta a menor.
c) Lembra-te que é mortal – faltam as duas premissas.
Nota: o facto de faltar uma premissa no entimema não significa que ele falte também no
pensamento, pois, se assim fosse, em vez de m entimema teríamos uma inferência imediata.
Este tipo se silogismo é conhecido por silogismo de orador.
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- Epiquerema: é o silogismo no qual uma ou as duas premissas são acompanhadas das


suas provas.
Exemplo:
«É permitido matar aquele que atenta injustamente contra a nossa vida, como o provam o
direito natural, o direito positivo e numerosos exemplos.
Ora Clódio armou ciladas a Milão para lhe tirar a vida, como o provam a escolta que o
acompanhava, as armas distribuídas pela mesma, etc.
Logo, foi lícito a Milão matar Clódio»
O epiquerema é o silogismo dos advogados, porque estes fundamentam as suas
afirmações nos artigos da lei e nas provas testemunhais.
- Polissilogismo: é a argumentação constituída por dois ou mais silogismos, de tal maneira
dispostos que a conclusão do primeiro seja uma premissa (maior ou menor) do segundo e, assim,
por diante.
No primeiro caso, o polissilogismo chama-se progressivo e no segundo regressivo.
Exemplos:
O que consta de partes é composto
O corpo consta de partes
Logo, O corpo é composto (conclusão e Menor)
O composto é divisível
Logo, O corpo é divisível
Qualquer destes exemplos é constituído por cinco proposições. Às três primeiras chamam-
se prossilogismo e às duas últimas epissilogismo; ao conjunto de ambos é que se chama
polissilogismo. Nos silogismos que o constituem não se podem infringir as regras do silogismo;
por isso, não é rigorosamente um silogismo irregular, mas uma sucessão de silogismos regulares.
Outro exemplo constituído por três silogismos:
O que é simples não pode dissolver-se
A alma humana é simples
Logo, a alma humana não pode dissolver-se (conc e Menor)
O que não pode dissolver-se é incorruptível
Logo, a alma humana é incorruptível
O que é incorruptível não morre
Logo, a alma humana não morre
- Sorites: é o argumento que tem, pelo menos, quatro proposições com os seus termos
convenientemente ligados.
Há a considerar dois casos: o sorites regressivo e o sorites progressivo.
No sorites regressivo, também chamado aristotélico, o predicado da primeira proposição
é sujeito da segunda, o predicado da segunda é sujeito da terceira, e, assim sucessivamente, até à
conclusão, na qual se encontram ligados o sujeito da primeira e o predicado da última.
Exemplo:
Quem é humilde é moderado
Quem é moderado vence as paixões
Quem vence as paixões vive em paz
Quem vive em paz é feliz
Logo, quem é humilde é feliz
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Regras de sorites regressivo:


- nenhuma premissa pode ser negativa, excepto a última;
- nenhuma premissa pode ser particular, excepto a primeira;
- não pode ter termos equívocos.
Exemplo de um sorites com termos equívocos:
Atenas governa a Grécia
Eu governo Atenas
A minha mulher governa-me a mim
O meu filho governa a mãe
Logo, o meu filho governa a Grécia
No sorites progressivo, o sujeito da primeira é predicado da segunda, o sujeito da segunda
é predicado da terceira, e assim por diante, até que, em conclusão, se encontrem ligados o sujeito
da última e o predicado da primeira.
O vertebrado tem sangue vermelho
O mamífero é vertebrado
O carnívoro é mamífero
O leão é carnívoro
Logo, o leão tem sangue vermelho

Regras do sorites progressivo:


- nenhuma premissa pode ser negativa, excepto a primeira;
- nenhuma premissa pode ser particular, excepto a última;
- não pode ter termos equívocos.

11.2. Silogismos Hipoteticos


Todos os silogismos estudados, quer os regulares, quer os irregulares, pertencem ao grupo
dos chamados silogismos categóricos, que são aqueles cujas proposições afirmam ou negam pura
e simplesmente.
Agora vamos tratar dos silogismos hipotéticos, cuja premissa maior não afirma, nem nega
de uma maneira absoluta, mas em que se nega ou afirma sob condição ou, então, em que nessa
premissa se estabelece uma alternativa.
Há duas espécies de silogismos hipotéticos, como são também duas as proposições
hipotéticas: condicional e disjuntivo. O dilema é um silogismo disjuntivo especial.
- Silogismo condicional: é aquele cuja premissa maior é uma proposição condicional,
dividida em duas partes (condição e condicionado). Há dois modos válidos: um positivo e outro
negativo.
O modo positivo consiste em afirmar a condição na premissa menor, seguindo-se a
afirmação do condicionado na conclusão. É o silogismo condicional positivo.
Exemplo:
Se António frequenta o Liceu, é estudante
António frequenta o Liceu
Logo, António é estudante
O modo negativo consiste em negar o condicionado na premissa menor, negando a
condição na conclusão.
Exemplos:
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

Se tu és lisboeta, és europeu
Não és europeu
Logo, não é lisboeta
Não admitem conclusão válida os silogismos condicionais em que se nega a condição e
em que se afirma o condicionado na premissa menor. Justifica-se esta regra porque, sendo a
condição tomada como causa do condicionado (mas não a única), a negação da causa ou condição
não obriga a negar o efeito ou o condicionado, visto que o efeito pode ser devido a outra causa;
pela mesma razão, não é legítimo passar da afirmação do efeito ou condicionado à afirmação da
causa ou condição. Assim, «se António não frequenta o Liceu» não podemos concluir que não
seja estudante, como também não podemos concluir que «tu sejas lisboeta» pelo facto de seres
europeu.

- Silogismo disjuntivo: é aquele cuja premissa maior é uma proposição disjuntiva, isto é,
uma proposição que tem dois ou mais atributos, dos quais um poderá convir ao sujeito com
exclusão do outro. Tem dois modos, a saber:
a) Menor afirmativa, conclusão negativa ou modo positivo-negativo.
Exemplo:
Esta estação é Inverno, primavera, verão ou Outono
É Inverno
Logo, não é primavera, verão ou Outono
b) Menor negativa, conclusão afirmativa ou modo negativo-positivo.
Agora é dia ou é noite
Não é dia
Logo, é noite.
- Dilema: é o silogismo, sob forma disjuntiva, chamado argumento de dois gumes, em que
se estabelece na premissa maior uma alternativa, conduzindo cada uma das suas partes à mesma
conclusão contra o adversário; por outras palavras, é um argumento em que a conclusão é sempre
a mesma, quer a premissa maior seja afirmativa quer negativa.
É nisto que difere do silogismo disjuntivo vulgar.
Exemplos:
A sentinela, que deixou passar o inimigo, ou esta ou não estava no seu posto.
Se estava, faltou ao seu dever; logo, merece castigo.
Se não estava, abandonou o seu posto e faltou ao seu dever; logo, merece castigo.
Dilema do califa Omar:
Estes livros (os da Biblioteca da Alexandria) ou contêm assuntos que não estão no Alcorão
ou nada contêm que lá não esteja. Se contêm, são prejudiciais porque toda a salvação provém do
Alcorão. Se não contêm, são inúteis, porque é suficiente o Alcorão. Logo, devem ser destruídos.

Regras do dilema
- a disjunção deve ser completa para que o adversário não acrescente terceiro ou quarto
caminho;
- a refutação de cada uma das hipóteses deve ser válida, para que o adversário não negue
a consequência;
- as partes do dilema devem ser tais que não possam voltar-se contra o arguente, isto é, o
dilema não deve ser retorquível.
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Os gregos contam um exemplo de dilema retorquível:


Protágoras ensinou retórica a um jovem com o contrato de ele lhe pagar, se vencesse a
primeira causa no foro, e de lhe não pagar, se a perdesse. Protágoras, esquecendo-se do
contrato, exigiu a remuneração, indo a causa para juízo. O jovem pôs, então, o seguinte dilema:
«Ou o juiz me absolve, ou me condena. Se me absolve, segundo a sentença, não pagarei
nada. Se me condena, em virtude do contrato, nada pagarei»
Mas Protágoras respondeu com o mesmo dilema:
«Ou o juiz te absolve, ou te condena. Se te absolve, deves pagar em virtude do contrato.
Se te condena, deves pagar segundo a sentença»

12. Objecções ao Silogismo


Aristóteles viu no silogismo o raciocínio por excelência e, em toda a Idade Média, a
escolástica considerou-o como o único isntrumento da investigação da verdade. O próprio
Leibniz, já na Idade Moderna, considerava-o «como uma das mais belas invenções do espírito
humano»
Porém, a prtir do Renascimento começaram a contestar a importância do silogismo,
quanto ao seu valor prático, e até quento ao seu valor teórico.
O valor prático ou utilidade do silogismo foi negado por Francis Bacon e René Descartes.
Para Bacon, o silogismo liga o espírito e não as coisas, e sendo os factos e as suas relações
que a ciência pretende conhecer, o silogismo serai inútil.
Para Descartes, o silogismo servia apenas para expor aos outros mais facilmente o que se
sabia, não sendo possível, atraves dele, descobrir qualquer conhecimento novo.
Neste sentido, para estes autores, o silogismo reduzia-se a um puro verbalismo.
O valor teórico foi negado por Stuart Mill, segundo o qual o silogismo seria ou uma
tautologia (vício de linguagem que consiste em repetir as mesmas coisas de formas diferentes) e,
neste caso, nada nos ensinaria de novo, ou o sofisma do círculo vicioso e, desta forma nada nos
ensinaria de certo. Para S. Mill, num silogismo, se olharmos para o seguinte exemplo,
Todo o homem é mortal
Pedro é homem
Logo, Pedro é morta
Ou se conhece já a conclusão ou esta não é conhecida. No primeiro caso, o silogismo nada
ensina de novo – é uma pura tautologia. No segundo caso, nada ensina de certo, pois nada autoriza
a pôr a premissa maior «Todo o homem é mortal» como veradadeira, sem primeiro se saber que
«Pedro é mortal», visto Pedro ser um dos homens; assim, provar-se ia a verdade da premissa
maior pela verdade da conclusão e, como esta é deduzida daquela, a verdade da conclusão seria
provada pela verdade da premissa maior – nestes casos, cairíamos no c´rculo vicioso.
Em qualquer dos casos, o silogismo não tem valor teórico, mas S. Mill não pretende, deste
modo, destruí-lo, pois reconhece-lhe grande valor prático ou utilidade sistemática e didática. O
que S. Mill faz é transformar ou reduzir o silogismo à indução, considerando-o como uma indução
incompleta, um resumo de todos os casos anteriores. Assim, «dizer que todos os homens são
mortais» equivale a dizer que «João, Pedro, Manuel e todos os indivíduos de que temo s ouvido
falar são mortais».

IX. FALÁCIAS
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

1. Noção
Acabamos de inidicar as regars do raciocínio correcto. Na verdade, por vezes, elas não
são observadas na linguagem. E, ainda que o fossem, o homem continuaria sujeito a erro e não
deixaria de se enganar, tomando o falso por verdadeiro. É que, frequentemente, o homem
raciocina mal.
É preciso não confundir o erro em si próprio com o raciocínio que lhe deu origem.
Apresentamos um exemplo explicativo: é um erro acreditar na influência aziaga do
número 13; observar e rebater esse facto não é tarefa da lógica, que apenas procurará mostrar
que essa falsa afirmação se baseia num raciocínio vicioso deste tipo: «se qualquer indivíduo
estava com mais 12 pessoas à mesa e durante o ano morreu uma delas, e se, noutra ocasião, fez
uma viagem em dia 13 e sofreu um desastre, conclui apressadamente que o número 13 é aziago».
São mais ou menos desta espécie os raciocínios defectuosos que vamos estudar, para
precaver o espírito humano, aos quais costuma dar-se o nome de sofismas e a que os antigos
chamavam falácias.
De um modo geral, o sofisma ou a falácia é um raciocínio errado com aparência de
verdadeiro. Mais particularmente, chama-se sofisma ao raciocínio falso, voluntário, feito com
intenção de enganar, para o distinguir do paralogismo que é igualmente um falso raciocínio, mas
involutário, feito sem intenção de enganar e de boa fé. Os dois são variedades das falácias.
Esta distinção só interessa ao moralista que pretende determinar a sinceridade das opiniões
alheias; logicamente, curamos de saber, não a origem, mas sim a forma do raciocínio falso, razão
po que sofisma e paralogismo serão considerados a mesma coisa.

2. Tipos de sofismas
Consoante o erro provém da linguagem ou das ideias que formam o raciocínio, assim
podemos dividir os sofismas em:
- sofismas de palavras ou verbais ou da gramática
- sofismas lógicos ou de pensamento.

2.1. Sofismas de palavras


Baseiam-se na identidade aparente de certas palavras e os principais são os seguintes:
a) O equívoco ou ambiguidade – consiste em empregar o mesmo termo em dois sentidos
diferentes. Um termo equívoco num silogismo equivale, assim, à existência de quatro termos.
Exemplos:
O cão ladra
O cão é uma constelação
Logo, alguma constelação ladra

Os pés têm unhas


A cadeira de pés
Logo, a cadeira tem unhas
Quem tem unhas toca guitara
A cadeira tem unhas
Logo, a cadeira toca guitara
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

b) a confusão entre sentido diviso e composto – quando damos o mesmo valor ao todo
que têm as partes consideradas separadamente e vice-versa.
Exemplos:
Nem esta. Nem aquela, nem outra falta às aulas me prejudicam
Logo, nenhuma falta me prejudica

Os lisboetas são homens, mulheres e crianças de todas as idades


Os vereadores da Câmara são lisboetas
Logo, os vereadores da Câmara são homens, mulheres e crianças de todas as idades.
c) a metáfora: consiste em tomar a figura pela realidade. Esta variedade de sofisma ao
falar de coisas espirituais, pois como as exprimimos por imagens sensíveis, facilmente a imagem
se substiui à própria coisa.
Exemplo:
A vontade é como uma balança cujos pesos são os motivos
Logo, a balança pode deliberar, decidir e executar.
d) a anfibologia – é o sofisma em que se emprega uma frase com dois sentidos.
São exemplos característicos as respostas aos oráculos gregos, que se prestavam sempre,
pelo menos, a dua interpretações. Também na matemática aparecem muitas expressões que se
prestam a dois sentidos, como:
3 x 2 +4 = 10
3 (2 +4) = 10
Logo, 18 = 10
Temístocles perguntou ao oráculo de Delfos como defender a cidade de Atenas do ataque
dos persas. A resposta «em muralhas de madeira», podia interpretar-se em dois sentidos: ou
construir defesas em volta da cidade, ou construir barcos.

Todos estes sofismas são, por alguns autores, chamados, formais, por pecarem contra a
forma do raciocínio.

2.2. Sofismas lógicos


a). Sofismas lógicos de indução
Ao induzirmos podemos cair em vários erros que classificamos de sofismas de indução.
São quatro os principais sofismas, dentro deste grupo, que passamos a caracterizar:
- Sofisma de acidente – consiste em tomar por essencial o que é apenas acidental ou
inversamente.
Exemplos:
Eu como cada dia aquilo que comprei na véspera
Ontem comprei carne crua
Logo, hoje como carne crua

Este remédio não deu efeito


Logo, a medicina é inútil

Este sofisma também se pode dar na dedução, quando atribuimos ao sujeito um predicado
acidental e o tomamos como essencial.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

O homem corre
O coxo é homem
Logo, o coxo corre

- sofisma de ignorância de causa – consiste em tomar por uma causa um simples


antecedente ou qualquer circunstância acidental.
Exemplos:
Depois da aparição de um cometa houve epedemia
Logo, o cometa foi a causa da epedemia

Não se pode pensar sem cérebro


Logo, o cérebro é a causa do pensamento.

- sofisma de enumeração imperfeita - consiste em tirar uma conclusão geral de uma


enumeração insuficiente, atribuindo ao todo o que só é verdadeiro de algumas partes.
Exemplos:
Este a aquele professor ensinam filosofia
Logo, todos os professores ensinam filosofia

A Terra, Marte, Vénus, etc., não têm anel


A Terra, Marte, Vénus, etc., são planetas
Logo, os planetas não têm anel

- sofisma de falsa analogia – quando concluimos de um objecto para outros sem olharmos
à diferença existente entre eles, baseando-nos apenas em algumas semelhanças.
Exemplos:
A lua é um planeta como a Terra
A Terra é habitada
Logo, A lua é habitada

As aves voam
Os morcegos voam
Logo, os morcegos são aves.
Todos estes sofismas são materiais, por pecarem contra a matéria do raciocínio; obedecem
a todas as regras da lógica formal, mas não atendem á realidade.

b). Sofismas lógicos de dedução


Estes sofismas podem dividir-se em dois grupos – formais e materiais, consoante o erro
afecta a forma ou a matéria do raciocínio. Os mais importantes são os que passamos e enumerar:
A) Formais
a) sofismas de conversão – consistem em converter as proposições sem observar as regras
da conversão.

Exemplo: o mendigo pede


Logo, quem pede é o mendigo.
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b) sofismas de oposição – são aqueles em que se infringem as leis do oposição concluindo,


por exemplo, da falsidade de uma proposição a verdade da sua contrária.
Exemplo:
É falso que todo o estudante é aplicado
Logo, nenhum estudante é aplicado

c) sofismas de silogismo – quando se infringem as regras do silogismo, tanto dos termos,


como das proposições.
Exemplos:
Os carnívoros são mamíferos
Os peixes não são carnívoros
Os peixes não são mamíferos

B) Sofismas Materiais
a) petição de princípio – consiste em supor já demonstrado aquilo que é objecto da questão
ou em resolver a questão com a própria questão. É sofisma deste tipo incluir o definido na
definição.
Exemplos:
Porque faz o ópio dormir? – porque tem virtudes dormitivas
Que é a história? – é a ciência que trata dos factos históricos.
b) cérculo vicioso ou dialelo – é, em última análise, uma dupla ou tripla petição de
princípio, que consiste em provar uma questão por outra ou outras que têm igualmente
necessidade de ser demonstradas, provando, por sua vez, esta ou estas pela primeira.
Exemplos:
Provar a ordem do mundo pela sabedoria divina e a sabedoria divina pela ordem do
mundo.
c) Ignorância da questão – é muito frequente nas discussões humanas, e consiste em
provar coisa diversa daquela que é objecto da discussão ou em afastar a questão – quer insensível,
quer rapidamente – até a tornar esquecida.
Exemplos:
Dizer que o homem não é livre, porque não pode fazer tudo quanto deseja; ou um
advogado provar que certo criminoso é bom esposo e bom pai para o salvar da acusação de
falsificador.
X. ARGUMENTAÇÕES DEFEITUOSAS

Os sofismas são raciocínios errados, como dissemos. Há, no entanto, formas imperfeitas
ou defeituosas de argumentação que, embora não sendo verdadeiros erros, podem a eles conduzir.
Entre elas consideraremos:
a) Magister dixit ou argumento de autoridade – pretende provar a verdade de qualquer
asserção recorrendo à autoridade das pessoas que a defendem. Foi muito usado na Antiguidade e
Idade Média.
b) Argumento «ad hominem» - consiste em utilizar os próprios princípios falsos usados
pelo adversário para o atacar.
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Cadeira de lógica Domingos Francisco Mazive

c) Argumento «ad terrorem» - leva a admitir uma opinião em virtudes das consequências
funestas que resultariam da sua não admissão.
d) Uso das interrogações múltiplas – é caracterizado por se fazerem muitas perguntas
sucessivas, de modo que tornam impossível uma só resposta.

XI. REMÉDIO PARA OS SOFISMAS


Para refutar os diferentes sofismas de palavras, é preciso criticar cuidadosamente a
linguagem, determinando com exactidão o sentido das palavras e isto para que a clareza da
linguagem corresponda à clareza do pensamento.
Quanto aos sofismas lógicos ou de ideias, eles pecam, quer na sua matéria, quer na sua
forma. No primeiro caso, ou só uma ou as duas premissas podem ser falsas ou ambíguas. Se são
falsas, é preciso negá-las; se são ambíguas é necessário tornar claro o seu sentido. Se o raciocínio
pecar quanto à forma, é necessário negar a sua consequência e verificar as leis que ele tenha
violado.

CONCLUSÃO
Se entendemos a lógica como ciência que procura regular o raciocínio, devemos
reconhecer ser uma ciência difícil mas necessária. É dentro deste quadro de pensamento que
propusemos-nos a esta aventura, certos de erros que o nosso raciocínio pode ter cometido. Essa
certeza de erros, porém, é redimida pela vontade de ir acertando os pontos sensíveis do raciocínio
de modo que cada vez mais se revele razoável. A investigação continuará.

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