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CURVAS PLANAS 35
4. Curvas planas
Nesta secção veremos que no caso planar é possı́vel refinar a definição de curvatura, de
modo a dar-lhe uma interpretação geométrica interessante. Provaremos ainda o Teo-
rema Fundamental, que garante que uma curva plana, parametrizada por comprimento
de arco, é determinada essencialmente pela sua curvatura com sinal (“essencialmente”
significa “a menos de um movimento rı́gido de R2 ).
Pela Proposição 3.5, uma curva γ é plana (isto é, o seu traço está contido num plano)
se e só se tem torsão τ = 0. Neste caso as fórmulas de Frenet-Serret reduzem-se a
Ns (s) chama-se vector normal com sinal de γ no ponto γ(s). Claro que Ns (s) = αN (s)
onde α é igual a 1 ou −1, dependendo da parametrização da curva. A figura seguinte
mostra os diferentes casos que podem ocorrer: no primeiro e último casos α é 1 e nos
outros dois é −1 (em cada caso, a seta na curva indica a direcção crescente do parâmetro
s).
36 CURVAS EM R3
Proposição 4.1. T (s) = (γ10 (s), γ20 (s)) e Ns (s) = (−γ20 (s), γ10 (s)).
Mais geralmente (cf. Exercı́cio 4.4), no caso de uma parametrização arbitrária γ(t) =
(γ1 (t), γ2 (t)), temos
γ10 (t) γ20 (t)
T (t) = p ,
(γ10 (t))2 + (γ20 (t))2 (γ10 (t))2 + (γ20 (t))2
p
Pela Proposição 2.5, T 0 (s) é perpendicular a T (s), logo é paralelo a Ns (s). Portanto,
existe um escalar real κs (s) tal que
O escalar κs (s) chama-se curvatura com sinal de γ no ponto γ(s) (pode ser positivo,
negativo ou nulo). Note que, como Ns (s) é unitário, κ(s) = kT 0 (s)k = |κs (s)|. Portanto
κs só pode diferir de κ no sinal:
O sinal indica em que direcção a curva (ou melhor, a sua tangente) está a rodar. Assim
κs > 0 indica que a tangente está a rodar no sentido positivo (primeiro e último casos na
figura anterior) enquanto κs < 0 indica que roda no sentido negativo (segundo e terceiro
casos da figura).
As fórmulas (∗) podem então ser substituı́das simplesmente por
T 0 = κs N s , Ns0 = −κs T.
Proposição 4.2. Seja θ(s) o ângulo que um dado vector fixo tem que rodar no sentido
positivo para coincidir com o vector tangente T (s). Então κs (s) = θ0 (s).
4. CURVAS PLANAS 37
Demonstração: Seja u tal vector fixo (que podemos assumir unitário) e seja v o
vector unitário obtido por rotação, no sentido positivo, de π/2 radianos. Então
e
T 0 (s) = (− sin θ(s)u + cos θ(s)v)θ0 (s).
Portanto (T 0 (s)|u) = − sin θ(s)θ0 (s). Por outro lado, pela definição de κs , temos
(T 0 (s)|u) = κs (s)(Ns (s)|u), e como o ângulo entre Ns (s) e u é igual a π/2 + θ(s),
(T 0 (s)|u) = κs (s) cos(θ(s) + π/2) = −κs (s) sin θ(s). Em conclusão, κs (s) = θ0 (s).
Podemos agora determinar uma fórmula para o cálculo da curvatura com sinal:
Demonstração: Como (γ10 (s), γ20 (s)) = T (s) = (cos θ(s), sin θ(s)), temos γ100 (s) =
−θ0 (s) sin θ(s) e γ200 (s) = θ0 (s) cos θ(s). Consequentemente, pela proposição anterior,
obtemos
0
cos θ(s) sin θ(s)
κs (s) = θ (s) =
−θ0 (s) sin θ(s) θ0 (s) cos θ(s)
γ 0 (s) γ 0 (s)
1 2
= 00
γ1 (s) γ200 (s)
É fácil de ver (Exercı́cio 4.4) que, no caso de uma parametrização arbitrária γ(t) =
(γ1 (t), γ2 (t)), a curvatura com sinal é dada pela fórmula
γ10 (t)γ200 (t) − γ100 (t)γ20 (t)
κs (t) = .
((γ10 (t))2 + (γ20 (t))2 )3/2
A Proposição 4.2 também nos permite deduzir o Teorema Fundamental das cur-
vas planas, que assegura que uma curva parametrizada por comprimento de arco fica
essencialmente determinada a partir do momento em que conhecemos a curvatura com
sinal em cada ponto da curva. O significado de “essencialmente” é “a menos de um
movimento rı́gido” de R2 . Recordemos que um movimento rı́gido de R2 é uma aplicação
M : R2 → R2 da forma M = Ta ◦ Rθ , onde Rθ é uma rotação de ângulo θ, em torno da
origem, no sentido positivo, e Ta é a translação definida pelo vector a:
Ta (v) = v + a.
38 CURVAS EM R3
Teorema 4.4. [Teorema fundamental das curvas planas] Seja f : I → R uma função
suave. Então existe uma curva parametrizada por comprimento de arco γ : I → R2 cuja
curvatura com sinal coincide com f .
E mais: se γ̃ : I → R2 é outra curva parametrizada por comprimento de arco nessas
condições, então existe um movimento rı́gido M de R2 tal que
γ̃(s) = M(γ(s)).
Z s Z s
γ(s) = cos θ(t) dt, sin θ(t) dt .
s0 s0
Por outro lado, pela Proposição 4.2, θ̃0 (s) = f (s), pelo que
Z s
θ̃(s) = f (u) du + θ̃(s0 ) = θ(s) + θ̃(s0 ).
s0
plotintrinsic[fun_,a:_0,{c_:0,d_:0,theta0_:0},optsnd___,}
{smin_:-10,smax_:10},optspp___]:=
ParametricPlot[Module[{x,y,theta},
{x[t],y[t]} /.
NDSolve[{x’[ss]==Cos[theta[ss]],
y’[ss]==Sin[theta[ss]],
theta’[ss]==fun[ss],
x[a]==c,y[a]==d,theta[0]==theta0},
{x,y,theta},{ss,smin,smax},optsnd]]//Evaluate,
{t,smin,smax},AspectRatio->Automatic,optspp];
plotintrinsic[(#+Sin[#])&,0,{0,0,0},{-18,18},PlotPoints->80];
para obtermos o gráfico, para s ∈] − 18, 18[, da curva cuja curvatura é dada pela função
f (s) = s + sin s:
4. CURVAS PLANAS 41
plotintrinsic[(Exp[#])&,0,{0,0,0},{-4.5,4.5},PlotPoints->80];
f (s) = es
42 CURVAS EM R3
plotintrinsic[(Cos[#])&,0,{0,0,0},{-10,10},PlotPoints->80];
f (s) = cos s
plotintrinsic[(Sin[#])&,0,{0,0,0},{-20,20},PlotPoints->80];
f (s) = sin s
4. CURVAS PLANAS 43
plotintrinsic[(#Sin[#])&,0,{0,0,0},{-20,20},PlotPoints->80];
f (s) = s sin s
44 CURVAS EM R3
plotintrinsic[(#^2Sin[#])&,0,{0,0,0},{-8,8},PlotPoints->80];
f (s) = s2 sin s
plotintrinsic[(#Sin[#]^2)&,0,{0,0,0},{-20,20},PlotPoints->80];
f (s) = s sin2 s
Exercı́cios
2
4.1 Prove que a curva γ : R+ → R3 definida por γ(t) = ( 1+t 1−t
t , t + 1, t , ) é plana.
4.2 Mostre que o traço da curva do Exercı́cio 3.1(b) é uma circunferência, e determine o seu
centro e o seu raio. Em que plano se encontra essa circunferência?
4. CURVAS PLANAS 45
4.3 Seja v = (v1 , v2 ) ∈ R2 . Mostre que o vector w que se obtem de v por uma rotação, no
sentido positivo, de um ângulo recto, tem coordenadas (−v2 , v1 ).
4.4 Seja γ : R → R2 uma curva plana e denote por γ1 e γ2 as respectivas funções componente.
Prove que:
γ 0 (t) γ 0 (t)
(a) T (t) = √ 0 12 0 2 , √ 0 22 0 2 ;
(γ1 (t)) +(γ2 (t)) (γ1 (t)) +(γ2 (t))
4.5 Seja γ : I → R2 uma curva plana, parametrizada por comprimento de arco e com curvatura
positiva. Seja α : I → R2 uma curva não necessariamente parametrizada por comprimento
de arco tal que, para cada t ∈ I, a recta tangente a α em α(t) é a recta normal a γ em
γ(t). Prove que, para cada t ∈ I,
1
α(t) = γ(t) + Nγ (t).
κγ (t)
4.6 Determine explicitamente a curva plana parametrizada por comprimento de arco tal que:
4.7 (a) Considere a espiral logarı́tmica γa : R → R2 , definida por γa (t) = (eat cos t, eat sin t),
sendo a uma constante não nula. Mostre que existe uma única reparametrização por
comprimento de arco
γ̃a : J → R2
s 7→ γ̃a (s)
tal que
• J ⊆ (0, +∞) e
• s → 0 quando t → −∞ (caso a > 0) ou t → +∞ (caso a < 0).
Determine a correspondente mudança de parâmetro, que ao parâmetro t ∈ R faz
corresponder o parâmetro s ∈ J, e mostre que a curvatura com sinal de γa é igual a
1/as.
(b) Descreva toda a curva cuja curvatura com sinal, como função do parâmetro s por
comprimento de arco, é igual a 1/as para alguma constante não nula a.
4.8 Uma dada curva plana γ parametrizada por comprimento de arco tem a seguinte pro-
priedade: o seu vector tangente T (s) faz um ângulo constante θ com γ(s), para todo o s.
Mostre que:
4.9 Seja γ : I → R2 uma curva plana, parametrizada por comprimento de arco, e seja c
uma constante. A curva paralela γ c é definida por γ c (t) = γ(t) + cNs (t). Prove que, se
|cκs (t)| < 1 para qualquer t ∈ I, então γ c é uma curva regular e a sua curvatura com sinal
é igual a κs /(1 − cκs ).
46 CURVAS EM R3
4.10 Seja γ uma curva plana, parametrizada por comprimento de arco, cuja curvatura nunca
se anula. Define-se o centro de curvatura (s) de γ no ponto γ(s) por
1
(s) = γ(s) + Ns (s).
κs (s)
Prove que a circunferência de centro (s) e raio |1/κs (s)| é tangente a γ em γ(s) e tem
a mesma curvatura que γ nesse ponto. Esta circunferência chama-se circunferência oscu-
ladora de γ no ponto γ(s). (Esboce a figura.)
4.11 Com a notação do exercı́cio anterior, podemos olhar (s) como a parametrização de uma
nova curva, chamada evoluta de γ (se γ não for parametrizada por comprimento de arco,
a sua evoluta é definida como a evoluta de uma sua reparametrização por comprimento
de arco).
(a) Suponhamos que κ0s (s) > 0 para cada s. Mostre que o comprimento de arco de é
igual a u0 − κs1(s) , onde u0 é uma constante, e determine a curvatura com sinal de .
(b) Mostre que a evoluta da parábola 2y = x2 é a curva de √
Neil, de equação 27y 2 =
8(x − 1)3 (ou, parametricamente, dada por γ(t) = (t2 , 23√23 t3 ), t ∈ R).
(c) Mostre que a evoluta do ciclóide γa (t) = a(t − sin t, 1 − cos t), 0 < t < 2π, onde a > 0
é uma constante, é a curva definida por (t) = a(t + sin t, −1 + cos t) (cf. Exercı́cio
2.5) e que, após uma mudança de parâmetro adequada, pode ser obtida de γ por
uma translação no plano.
4.12 Seja γ : I → R2 uma curva parametrizada por comprimento de arco e seja c > 0. À curva
ιc : (0, c) → R2 definida por ιc (s) = γ(s) + (c − s)γ 0 (s) chama-se involuta de γ (se γ não for
parametrizada por comprimento de arco, as suas involutas são definidas como as involutas
de uma sua reparametrização por comprimento de arco). Mostre que se a curvatura com
sinal de γ é estritamente positiva então a curvatura com sinal de ιc é igual a 1/(c − s).
4.13 Seja γ uma curva plana parametrizada por comprimento de arco e sejam α e β duas
involutas de γ. Mostre que α e β são curvas de Bertrand (recorde o Exercı́cio 3.19).
(Compare estas afirmações com o facto da primitiva da derivada de uma função suave f
ser igual a f mais uma constante, enquanto que a derivada da primitiva de f é f .)
4. CURVAS PLANAS 47
4.15 Mostre que, aplicando uma reflexão (relativamente a uma recta) a uma curva plana, se
altera o sinal da sua curvatura com sinal.
4.16 Prove que, se duas curvas planas γ, γ̃ : I → R2 têm a mesma curvatura (6= 0) para todos
os valores de t ∈ I, então γ̃ pode ser obtida de γ por aplicação de um movimento rı́gido
ou por uma reflexão (relativamente a uma recta) seguida de um movimento rı́gido.