Mediação Cultural para Professores Andarilhos

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MEDIAÇÃO CULTURAL PARA PROFESSORES ANDARILHOS

NA CULTURA

Francione Oliveira Carvalho*

“São muitas as atuações envolvidas na mediação cultural, porém, sua paisagem concei-
tual e o fazer da mediação em diferentes situações e lugares é ainda nova e sedenta de
pesquisas e reflexões, embora isto venha se transformando nos últimos anos” (MARTINS;
PICOSQUE, 2012, p. 7). O trecho inicial da obra Mediação cultural para professores andarilhos
na cultura, de Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque indicam os territórios que serão explo-
rados nos 12 capítulos que formam esse livro. As autoras, referência nas discussões sobre o
processo de ensino-aprendizagem da arte e da mediação cultural compartilham inquieta-
ções, sensibilidades e provocações que pretendem instigar conversações e diálogos e não
estabelecer verdades ou categorizações com fronteiras fixas. É justamente o chamado para
o diálogo e a troca que faz da leitura da obra uma experiência mediadora e, parafraseando
Deleuze, de afecto, pois, para o filósofo francês, os afectos nos obrigam a pensar.
Como tocar o outro para um encontro sensível com a arte? Como tornar significativa uma
visita a uma exposição, ou o contato com reproduções ou livros de arte? Como propiciar
uma experiência estética integral? Como o mediador pode superar o modelo positivista que
pretende fazer pontes discursivas entre duas realidades preexistentes: a obra e o fruidor?
Como criar desafios estéticos para mobilizar fruidores ao encontro com a poética da lingua-
gem da arte? Como o professor pode impedir de ser tomado pelas exigências impessoais do
cotidiano da escola que o coisificam e sensibilizar-se para a articulação da complexidade e
do processo de mediação?
As questões trazidas pelas autoras agregam discussões presentes nas suas atuações como
pesquisadoras e mediadoras culturais, como também, no caso de Mirian Celeste Martins, do
exercício acadêmico tanto no Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de
Mesquita Filho” (Unesp) quanto na Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie

*  Doutor e mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Membro do
grupo de pesquisa “Mediação Cultural: contaminações e provocações estéticas” do Programa de Pós-Graduação em Educa-
ção, Arte e História da Cultura da UPM. Docente dos cursos de Licenciatura em História e Pedagogia do Centro Universitário
Estácio Uniradial.

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Mediação cultural para professores andarilhos na cultura – resenha de Francione Oliveira Carvalho

onde coordena o Grupo de Pesquisa em Mediação Cultural: Provocações e contaminações


estéticas. Isso revela o caráter agregador e de pesquisa da obra, pois as ideias e posiciona-
mentos tomados ao longo dos textos foram fruto de um exercício colaborativo e investiga-
tivo que se estendeu ao longo do tempo, que maturou conceitos e ecoou conversações e
encontros. Inclusive, diversas categorias operatórias brotaram desses encontros e ajudaram
a estruturar os textos tal como rizoma (Deleuze e Guattari), curadoria educativa (Luiz Gui-
lherme Vergara), aprendizagem inventiva (Virginia Kastrup) e experiência estética (John
Dewey). É interessante apontar que esses conceitos não surgem para simplesmente dar no-
mes a fenômenos ou legitimar teses, mas um arcabouço conceitual que ajuda a ampliar o
vivido. Ou, em outros momentos, estimular a experiência, tal como os objetos propositores
(Lygia Clark) que se tornam provocadores para a criação das ideias de nutrição estética e
professor-propositor.
O texto Objetos propositores: a mediação provocada, resultante das discussões realizadas
na disciplina A mediação Arte/Público, ministrada por Mirian Celeste no Instituto de Artes da
Unesp é um dos capítulos mais interessantes da obra por revelar como de discussões teóricas
e acadêmicas é possível recriar tanto a teoria como a prática. A partir do trabalho coletivo
que visou pensar em possibilidades alternativas para a mediação cultural foram propostos
jogos que perpassam diversas experiências e territórios da Arte e da Cultura. Olhando no
conjunto, é possível perceber que as propostas revelam tanto interesses pessoais como uma
atitude investigativa que oportuniza diferentes encontros estéticos.
As questões trazidas pela contemporaneidade estão presentes nos textos que formam a
obra. A arte contemporânea transforma os modos de participação do contemplador, tiran-
do-o do território da contemplação passiva e exigindo que esse novo fruidor convoque todos
os seus sentidos para não só comunicar-se com a obra, mas recriá-la. Por isso, torna-se
território fértil para a atuação do mediador cultural. Para as autoras, mediar é propiciar es-
paços de recriação da obra, e essa deve ser vista como a sua própria mediadora. Assim, a
mediação cultural precisa ser pensada como uma ação específica que visa dar autonomia e
consciência ao olhar.
O mediador é, tal como o professor, poeticamente construído pelas autoras, um escavador
de sentidos, “pois não lida com certezas e com reducionismos simplistas, mas com a com-
preensão e articulação da complexidade” (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 116). O sentido das
coisas nos é dado pela experiência, pela reflexão e pela troca com os outros, e é justamente
nesse tripé que a educação e a mediação são cotidianamente construídas. A leitura da obra de
Mirian Celeste Martins e Gisa Picosque é uma experiência sensível e ao mesmo tempo provo-
cadora, pois não será provocador afirmar que vivemos uma crise dos nossos sentidos? Que
anestesiados pela rotina nos automatizamos e deixamos de compartilhar experiências e afetos?
O livro termina com um interessante levantamento de obras, dissertações e teses que
discutem as questões da mediação cultural a partir de seus diversos olhares, propondo a

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TRAMA INTERDISCIPLINAR - v. 3 - n. 2 - 2012

continuidade do diálogo. Pelo desejo de novos encontros, pela alma inquieta e pelo fôlego
criativo das autoras essa conversa ainda vai longe...

MARTINS, M. C.; PICOSQUE, G. Mediação cultural para professores andarilhos na cultura. 2. ed. São
Paulo: Intermeios, 2012. 162 p.

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