031 - Vicente Parizi
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O livro dos Orixás
África e Brasil
O livro dos Orixás: África e Brasil [recurso eletrônico] / Vicente Galvão Parizi -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
268 p.
ISBN - 978-65-5917-031-9
DOI - 10.22350/9786559170319
CDD: 290
Índices para catálogo sistemático:
1. Religiões 290
Sumário
Apresentação .............................................................................................................11
Introdução ................................................................................................................ 14
Capitulo 1 .................................................................................................................. 17
Questões metodológicas
A questão da oralidade ........................................................................................................... 17
A questão dos mitos ............................................................................................................... 22
Mitos, ritos e ibás ................................................................................................................... 33
A questão do tempo: o “tempo mítico”................................................................................ 37
Eterno retorno........................................................................................................................ 37
O problema do mal: o Paraíso Perdido ................................................................................ 39
Eterno retorno e História ....................................................................................................... 41
O tempo para os africanos .................................................................................................... 42
Observações necessárias sobre o Candomblé ..................................................................... 47
Os textos acadêmicos .............................................................................................................. 51
Capitulo 2 .................................................................................................................54
Noção de pessoa
Capitulo 3 ................................................................................................................ 64
Definição, arquétipos - Orixás na África e no Brasil: semelhanças e diferenças
Orixás como energias emanadas de Olorum ...................................................................... 66
Os Orixás e sua Natureza ...................................................................................................... 69
Os Orixás e seus arquétipos .................................................................................................. 72
Ori ............................................................................................................................................ 72
Os irumoles - Imoles...............................................................................................................75
Oxalá, o pai criador .................................................................................................................75
Oxaguiã ....................................................................................................................................77
Orunmilá................................................................................................................................. 80
Exu, o mensageiro ................................................................................................................. 83
Ogum ....................................................................................................................................... 90
Olojó ........................................................................................................................................ 92
Ossaim, o senhor das folhas ................................................................................................. 92
Oxossi, o dono das matas ...................................................................................................... 94
Logunedé, príncipe da caça e da pesca ................................................................................ 96
Obaluaiê – dono das doenças e da cura ............................................................................... 98
Odu ......................................................................................................................................... 101
Oxumarê, o arco-íris das transformações ..........................................................................103
Xangô, distribuidor da justiça............................................................................................. 104
Iroko ....................................................................................................................................... 107
Iyami Oshorongá.................................................................................................................. 108
Geledé ..................................................................................................................................... 112
Onilê – Onilé .......................................................................................................................... 113
Nanã, dona da vida e senhora da morte ............................................................................. 114
Erinlé ...................................................................................................................................... 116
Oxum, a Grande Mãe Adorável, Senhora do amor e do feminino................................... 116
Yèyè Adé-Oko ........................................................................................................................120
Iemanjá, dona dos mares e das cabeças ............................................................................. 121
Iansã, rainha dos ventos, raios e tempestades ................................................................... 123
Obá, a guerreira ....................................................................................................................126
Ewá, dona do encanto, a que desfaz a magia .....................................................................128
Ajé ...........................................................................................................................................130
Kori ......................................................................................................................................... 131
Ibeji ......................................................................................................................................... 131
Egbé ........................................................................................................................................ 132
Egungun................................................................................................................................. 133
Oduduwa................................................................................................................................ 135
Capitulo 8 ................................................................................................................191
O ser humano: encruzilhada e travessia de muitos mundos
1. Noção de “pessoa” ............................................................................................................. 191
Acima como abaixo, abaixo como acima. ........................................................................... 195
Enikeji – o Duplo ................................................................................................................... 195
Ojiji – a Sombra .................................................................................................................... 197
Sociedades e grupos - Egbé Orum e Egbé Aiyê ................................................................. 197
O ser humano – um compósito ...........................................................................................199
Resumo ..................................................................................................................................199
Anexo 1 ....................................................................................................................211
Quadro sinótico de Orixás do Candomblé
1
JOSÉ BENISTE, Orun Àiye: o encontro de dois mundos.
Vicente Galvão Parizi | 15
1. a pessoa se ajoelha e escolhe seu destino: Àkùnlé Yan – “aquele que se ajoelha e
escolhe”.
2. a pessoa se ajoelha e recebe seu destino: Àkùnlé gbà – “aquele que se ajoelha e
recebe”.
3. o destino é fixado, é determinado: À Yan mó – “aquele que escolhe e determina o
destino para alguém.”
2
No caso estamos falando de búzios ou ikins mas poderia ser Tarô, runas, borra de chá, entranhas de animais...
percebe a semelhança com Blavatsky e os Registros Akashicos?
Capitulo 1
Questões metodológicas
A questão da oralidade
1
B.HAMMA e JKI-ZERBO, Lugar da história na sociedade africana, apud Ronilda Iyakemi RIBEIRO, Alma africana no
Brasil, p. 55-56.
18 | O livro dos Orixás: África e Brasil
2
Maria das Graças de Santana RODRIGUÉ, Ori aperê ó, p.34.
Vicente Galvão Parizi | 19
3
Essa é a interessante tese de José Beniste (Orun-Aiyé, p. 324-326) segundo a qual em meados de 1820 foram dis-
cutidos o modelo do culto, os ritos que seriam empregados e os que deveriam ser abolidos por não se enquadrarem
na forma cultural do Brasil (abolição do culto a Ibeji; limitação no número de Orixás cultuados, revisão de ritos como
padê e olubajé, substituição de animais e folhas africanos por outros existentes ou mais comuns no Brasil, reorgani-
zação da semana africana de quatro dias para a semana brasileira de sete dias, entre outros). Nesse contexto, houve
um fortalecimento das mulheres em detrimento dos homens, com decisões importantes como a extinção dos oráculos
dos babalaôs (exclusivamente masculinos); a introdução majoritária do merindilogum, que também pode ser jogado
por mulheres; a participação dos homens na iniciação seria apenas na qualidade de ogã. Ou seja, ter-se-ia adotado
um modelo típico da aculturação religiosa com um fortalecimento da figura das ialorixás e um afastamento das
influências masculinas, inclusive dos babalaôs.
4
É importante notar que isso não aconteceu em todos os países da diáspora negra; em Cuba, por exemplo, a Santeria
conta com babalaôs que mantêm a estrutura tradicional africana.
5
Alexandre de SALLES, Èsù ou exu, p.156.
20 | O livro dos Orixás: África e Brasil
6
Agenor Miranda ROCHA, Caminhos de odu.
7
José BENISTE, Jogo de búzios, p. 11ss.
8
Filho de uma importante linhagem real, nasceu na cidade de Abeokutá, no Estado de Ogun, Nigéria (...) o babalorixá
Adesiná Síkírù Sàlámí, conhecido como Babá King (...) reside no Brasil desde 1983 (...) defendeu mestrado e douto-
rado em Sociologia na Universidade de São Paulo (USP) (...) trouxe regularmente da África (...) o Babalawô Fabunmi
Sowunmi, alto sacerdote guardião dos segredos de Ifá-Orunmilá (...), o seu sucessor o Babalawô Awodiran Sowunmi
junto com sua Iyanifa Mojisola Abebi Akibo e com um grupo de sacerdotes e sacerdotisas especializados nos cultos
aos Orixás diversos (...) com o objetivo trazer para o Brasil o culto aos Orixás africanos, “tal qual é realizado pelos
Iorubá na África”. Apud SOUSA, Robson.
9
Outra vertente possível nessa discussão é a adotada por Juana E. dos Santos (Os nagô e a morte, p. 51) para quem
essa é uma falsa questão: o principio básico da comunicação no Candomblé é a relação interpessoal. A discussão
sobre oralidade e literatura, na verdade, seria fruto da relação etnocêntrica, e escamotearia a essencialidade das
culturas africanas e a essência das religiões geradas por essas culturas: “o conhecimento e a tradição não são arma-
zenados, congelados nas escritas e nos arquivos, mas revividos e realimentados permanentemente. Os arquivos são
vivos, são cadeias cujos elos são os indivíduos mais sábios de cada geração. Trata-se de uma sabedoria iniciática”.
Vicente Galvão Parizi | 21
10
Como de resto em todas as Tradições: “no principio era o Verbo”. Também os mantras indianos, as formulas
mágicas dos alquimistas, etc.
22 | O livro dos Orixás: África e Brasil
11
Jean-Pierre VERNANT, Entre mito e política, p. 230.
12
Mircea ELIADE, O mito do eterno retorno, p. 11.
13
Os termos Potências e Seres Primordiais aqui estão sendo utilizados para significar Deus Único, Deuses, Ancestrais
e Heróis (seres modelares inacessíveis aos homens), evitando Deus ou deuses, pertencentes ao universo monoteísta
judaico-cristão.
Vicente Galvão Parizi | 23
Não havia um único grego que pensasse que as coisas realmente aconteceram
como os poetas as descrevem, mas isto não quer dizer de forma alguma que
as considerassem falsas. (...) Sua crença era muito garantida, mas não possuía,
no plano intelectual, nada de dogmático, era flexível o bastante para dobrar-
se a versões múltiplas.15
14
Aqui encontramos uma marcante diferença entre as religiões míticas e as judaico-cristãs ou abraâmicas (Judaísmo,
Cristianismo, Islamismo): essas ultimas acreditam que seus mitos são realidades absolutas e que foram diretamente
ditados por Deus ou um Mensageiro, anjo ou profeta.
15
J.P.VERNANT – Entre o mito e a política, pg 200-201.
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versões para uma mesma estória, os mitos não podem assegurar aos fiéis
uma base de certeza indiscutível, pois não são dogmáticos. O conjunto da
fé será formado por uma totalidade de eventos que inclui os mitos, mas
não se reduz a eles: se é verdade que não se pode conhecer uma religião
tradicional sem abordar seus mitos, se é verdade que não se pode entender
o homem tradicional sem conhecer seus mitos e seus ritos, também é ver-
dade que não se pode entender uma religião, qualquer que seja, sem
considerar que ela é um todo, um universo inteiro, com finalidade, instru-
mental simbólico específico, lógica peculiar, profundamente vinculada ao
solo social que a gerou.
Resumindo, o mundo descrito pelos mitos não é um mundo de cate-
gorias, mas o cenário do encontro e luta entre Potências, poderes e forças
além do humano. Essas Potências são o fundamento ou princípios de todas
as coisas, arquétipos no sentido platônico16. O mito é um esforço humano
no sentido de encontrar, sob a dinâmica desses encontros, os elementos
estáveis que tornam a vida possível de ser organizada e vivida. O mito des-
creve o próprio movimento das potências universais e essa é a principal
razão pela qual utiliza a linguagem simbólica da poesia, do epigrama, da
dança e dos rituais, ao invés da prosa.
Vale a pena deter-se um pouco no trabalho de Robert Graves, um dos
mais respeitados pesquisadores das questões referentes aos mitos, pela re-
levância de suas observações.17 Ele distingue diversos tipos de mitos: mitos
verdadeiros (redução narrativa da mímica ritual que acontece em festi-
vais públicos); sátira ou paródia (a maioria das historias sobre Exu);
fábula sentimental (as historias amorosas de Xangô, a orelha de Obá);
ficção realista (relatos dos reis africanos como Xangô ou Obaluaiê/Xa-
panã que posteriormente foram divinizados); história enfeitada (as
relações entre Obaluaiê e a histórica epidemia de varíola); propaganda
16
Arquétipo (do grego ἀρχή - arché: "ponta", "posição superior", "princípio", e τύπος - tipós: "impressão", "marca",
"tipo") é um conceito que representa o primeiro modelo de algo ou antigas impressões sobre algo. Para Platão, as
Idéias como modelos originários de todas as coisas existentes. Wikipédia.
17
Seu trabalho é exclusivamente em torno dos mitos gregos, portanto é preciso esclarecer que todas as derivações
para os mitos africanos é nossa (embora autorizadas por GRAVES O grande livro dos mitos gregos, pg 23: “diversos
análogos africanos ilustram os estágios progressivos dessa mudança”).
26 | O livro dos Orixás: África e Brasil
18
Não é outro o sentido das três deusas que pedem a Páris que escolha qual delas é a mais bela: são uma única em
suas três idades. O erro do homem em entender que as três na verdade são uma, desencadeia uma tragédia, que é a
guerra de Tróia.
19
Uma encenação desse ritual está no filme Medea, de Pier Paolo Pasolini.
20
Por outro lado, o calculo do tempo obedecia ao ciclo menstrual e às lunações, portanto, em termos de quatro vezes
sete, formando os meses de 28 dias. O rei morria na sétima lua cheia depois do dia mais curto do ano, ou seja, a
sétima lua cheia depois do ápice do inverno. Vem daí a importância sagrada e mística do numero 7. À medida
que as observações astronômicas ficaram mais acuradas e verificou-se que o ano solar tinha 364 dias, ele foi dividido
em 13 meses de 28 dias – na Inglaterra, até os dias de Robin Hood, os meses eram 13. Esse sistema provavelmente
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foi desenvolvido na Suméria Matriarcal regida pela deusa Ishtar. Muito mais tarde chegamos ao calendário atual,
alternando entre meses de 30, 31 e 28 dias até chegar aos 365. Não à toa, esse é o calendário masculino e chamado
Juliano. Mesmo assim, a semana ainda tem 7 dias.
21
GRAVES demarca os períodos através dos mitos e das sucessivas ondas migratórias na Europa Oriental: desde as
invasões helênicas, eólias e jônicas do inicio do segundo milênio a.C. até as invasões acaicas do século XIII a.C. Na
epopéia suméria de Gilgamesh, cujos fragmentos mais antigos datam do século XX a.C. a Grande Deusa Ishtar ainda
ocupa o centro do panteão, mas já tem um consorte. Quando Homero escreve a Iliada – entre XII e VIII a.C. – a
transição já está completa: Zeus é o Deus Supremo, Hera sua consorte e Atena nasce de sua cabeça. Podemos então
pensar em que essa transição do matriarcado ao patriarcado acontece entre o século XXX a.C e o século X a.C.
22
Importante, nesse mito, lembrar que Medeia é sacerdotisa do Sol e não da Lua. No matriarcado, tudo é domínio
do feminino, mesmo o Sol. Apenas com o patriarcado que os homens ficaram com o mais luminoso e as mulheres
com o mais escuro.
23
Outra conseqüência do reconhecimento dos dois sexos foi valorizar o casal, ou seja, o inicio da valorização do
numero 2 e seus múltiplos. As estações deixam de ser 3 baseadas no plantio e passam a ser 4, baseadas na obser-
vação da passagem do tempo. O próprio tempo deixa de ser cíclico e imutável para tornar-se continuo e ameaçador
– Cronos devora seus filhos. As fases da lua incorporam a Lua Negra ou Nova e passam a ser 4. Os homens com
poder real adquirem dinheiro e meios de iniciar a conquista de terras distantes e para tanto precisam orientar-se no
planeta e surgem as 4 direções. Porém, permaneceu firme a idéia de que os números que indicam mudança são os
impares – porque precisam de complemento – e os que indicam plenitude e ausência de mudança são os pares –
porque estáveis e complementares.
28 | O livro dos Orixás: África e Brasil
24
REGINALDO PRANDI, Mitologia dos orixás, pg348.
30 | O livro dos Orixás: África e Brasil
25
https://www.oduduwa.com.br/?cont=templo-nana-buruku
26
Pier Paolo Pasolini, em seu extraordinário filme Medéia, enfoca essa transição entre matriarcado e patriarcado e
retrata os cultos femininos, onde os homens são apenas observadores e vitimas sacrificiais.
27
Ainda assim, Obá não “baixa” em Ori masculino: apenas mulheres podem incorporar essa energia.
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28
REGINALDO PRANDI, ob. cit., pg 106-107.
32 | O livro dos Orixás: África e Brasil
seguida por todos os outros com poucos acréscimos), mas no caso africano
- onde não houve um Homero (ou um Moisés ou um Mateus, se pensarmos
nos mitos judaico-cristãos) - não se chegou a uma forma única. O Corpus
de Ifá condensa uma vasta coletânea de mitos, orikis e itans. Mas, margi-
nalmente, em outras sociedades, ou cidades, ou culturas, outros mitos
sobre as mesmas figuras foram gerados. Às vezes essas versões coincidem;
outras vezes, são contraditórias. A versão a ser considerada por um
grupo será aquela que melhor se adaptar ao conjunto de versões que
formam o universo religioso do grupo.
Sabemos que os cultos africanos são centenas, variando de cidade
para cidade, de família para família, de grupo étnico para grupo étnico.
Cada grupo irá adotar a versão mítica mais condizente com a totalidade de
seu pensamento e desprezar outra. Ou mesmo abandonar completamente
alguns mitos, o que significa que Orixás importantes num grupo/culto es-
tão ausentes ou são menores em outros.
Estou defendendo que não há nem pode haver uma versão defini-
tiva dos Orixás e suas historias, mas sim, versões que se completam
num universo partilhado por um grupo. Tentar justificar idéias a partir
de algum itan – ou apresentar os itans como sendo verdades – é abandonar
a base da própria tradição africana e tentar de alguma forma estabelecer
um “texto sagrado” ou “revelado”, comportamento judaico cristão até a
medula. A meu ver, a essência das religiões africanas é sua práxis: rituais
claros, minuciosamente descritos, que, se cumpridos à risca, permitem a
manipulação das energias da natureza. E permitem que os deuses se ma-
nifestem no Aiyê, dançando com seus adeptos nos ritmos dos tambores
sagrados.
Mais ainda: se houvesse necessidade de preservar alguma “pureza”,
o Candomblé brasileiro não poderia existir, tantas são suas alterações, mu-
danças e “erros”. Porém, como explicar que mesmo assim os Orixás se
manifestem no Candomblé?
Mais uma vez usaremos Nanã para exemplificar nosso ponto de vista.
Um dos seus nomes é Omolu (filha de Deus). Ora, no Candomblé
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29
Ver Glossário.
34 | O livro dos Orixás: África e Brasil
30
Marcel DETIENNE, Los maestros de verdad en la Grecia clásica, p. 87-99.
31
Pode-se pensar na tragédia grega como um ponto de transição entre a poesia oral e a filosofia escrita, pois se trata
de um poema de fundamento mítico e religioso escrito, mas escrito para ser falado. Assim, tem um pé na tradição
oral e outro nas formas literárias e filosóficas que despontavam; não por acaso Eurípides incluiu em suas peças
conceitos retirados da sofistica. Um belo exemplo da situação transicional da tragédia como ponto de decadência da
palavra mágico-religiosa pode ser encontrado nas Eumenides de Ésquilo, quando a deusa Atena comparece ao julga-
mento de Orestes e participa de um debate. Nesse debate, o coro pede à deusa que introduza seus argumentos e
pronuncie um juízo justo. Ora, tais palavras são impensáveis nos tempos míticos: os deuses não precisam argumen-
tar, e seu julgamento sempre é reto. Já na Grécia do século V, mesmo os deuses precisam justificar seus argumentos.
32
Paul ZUMTHOR, Performance, recepção, leitura. p.3.
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33
A idéia da tragédia como momento de transição entre a poesia oral e escrita encontra apoio na noção de perfor-
mance: o ato sagrado se mantém nos palcos gregos. Lentamente, isso foi perdido e, alguns séculos depois, Sêneca
não mais escreve para ser representado, mas exclusivamente para ser lido: a Medéia de Sêneca não é mais um rito
religioso, mas um texto filosófico (estóico).
34
Daí a extrema importância que o Corpus Literário de Ifá assume na África. Daí o fato de serem os babalaôs o centro
das religiões africanas. Daí a feição particular que assumem as variações brasileiras das religiões africanas, sem ba-
balaôs, sem Corpus Literário, sem culto de Ifá-Orunmilá, praticamente sem conhecimento profundo dos Odus. O
substituto será o “santo de cabeça”, o Orixá regente ao qual todos os atos sagrados, todas as orações, todos os pedidos,
serão feitos. No Candomblé, os Orixás passam a desempenhar os papéis que na África ou em Cuba (Santeria) são
atributos dos Odus. A reintrodução, a partir dos anos 90 do século passado, dos cultos africanos via migração para o
Brasil de grande fluxo de nigerianos e, principalmente, o trabalho desenvolvido por Baba King, está gerando forte
alteração no comportamento religioso dos adeptos de Candomblé. Ainda vivemos hoje tempos de transição, mas
podemos prever um futuro onde as tradições africanas sejam mais fortes.
36 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Outros ritos são derivados da própria vida social. Nesse sentido, uma
definição de crença nas sociedades tradicionais pode ser o simples cumpri-
mento e observância de certo número de atos a serem realizados em datas
ou horários específicos (diários, sazonais ou anuais) com festas fixadas
pelo calendário; na verdade, todos os atos da vida cotidiana, desde a forma
de alimentar-se e os tipos de alimentos permitidos ou incentivados até as
decisões políticas mais sérias, estão descritas pelos mitos e deixam de ser
atos cotidianos ou políticos para adquirir uma aura especial, sagrada. Es-
sas regras, ao mesmo tempo sociais, políticas, domésticas e religiosas
precisam ser cumpridas em sua integralidade, e é isso que decide se o com-
portamento de um individua é piedoso ou ímpio. Como tais regras regem
todo o corpo social, do doméstico ao político, as faltas cometidas por cada
um não são apenas individuais, mas repercutem também no campo civil,
político, jurídico e religioso. Nesse contexto, é importante frisar, não existe
heresia, mas comportamento correto e incorreto, o que gera harmonia
ou o que gera desarmonia.
Os ritos nos cultos africanos envolvem sempre algum tipo de “assen-
tamentos” ou ibás35. Às vezes, o ibá é o próprio corpo do adepto (como as
escariações ou pinturas rituais), às vezes o seu ori (como no caso do bori
ou da “feitura de santo” do Candomblé) mas, às vezes, compreende as
imagens divinas que, no contexto africano, não são antropomórficas mas
simbólicas. Não entraremos no vasto campo da estatuária africana, mas
lembraríamos que a melhor conexão com uma Força, Potência ou Orixá é
feita através de objetos simbólicos, animais ou plantas que estão no domí-
nio energético dessa Força. Por exemplo: o erukerê de Oxossi; o caracol de
Obatalá, o raio de Oya, o fogo de Xangô. Os “assentamentos” (ibás) prove-
nientes das iniciações são simbólicos e não imagens: cabaças, potes, pedras
(otás), búzios.
Algumas vezes os Orixás são retratados como seres humanos, mas
nesse caso dificilmente são objetos de culto, servindo muito mais como
elemento decorativo. E nesse caso, carregam seus atributos míticos (mais
35
Ver Glossário.
Vicente Galvão Parizi | 37
Eterno retorno
36
Evitaremos as ilações entre o pensamento de Eliade e Nietzsche.
38 | O livro dos Orixás: África e Brasil
que as tradições africanas são religiões que, por repetir mitos e ritos origi-
nários, não apenas são “arcaicas” ou "tradicionais” como que também
vivem nesse tempo de eterno retorno, pois a repetição ritual do mito de
origem garante que o tempo original seja re-atulizado e revivido no
presente. Esse reviver só pode acontecer para o homem que concebe o
tempo como sendo reversível, como ciclos que se repetem. Portanto, para
Eliade, o homem das sociedades tradicionais vive numa eterna repetição
do tempo das origens, pois seus ritos não têm apenas o objetivo de lembrar
ou comemorar o ato primordial, mas de reatualizá-lo, refazê-lo. O tempo
mítico é o tempo profano suspenso pelo mito, que projeta o homem do
tempo presente para a época em que as Potências se revelaram pela pri-
meira vez. A cobra morde o próprio rabo e uroborus passa a ser a mais
acabada descrição do homem preso nesse retorno interminável.
A primeira conclusão que se impõe para Eliade é que a mentalidade
tradicional é ahistórica: 37 os atos importantes não são atuais (históricos)
mas ab origine – o ritual religioso nega o tempo presente, valoriza o tempo
passado, nega a marcha progressiva do tempo em direção do futuro; não
prevê o tempo que virá mas olha para a repetição do tempo passado; em
suma, nega a História. Daí Eliade deriva uma segunda conclusão: o incons-
ciente coletivo é sem tempo e ahistórico, e essa é razão pela qual um
homem contemporâneo pode ter acesso aos arquétipos. É também por isso
que o ser humano apresenta tanta facilidade em transformar aconteci-
mentos e individualidades históricas em arquétipos, anulando as
características históricas e pessoais e criando novos mitos, retidos pela me-
mória apenas na medida em que esta transformação se dá.38
A pergunta que se impõe é: de onde vem a necessidade de manter o
mundo tão fixo pela repetição do gesto original? A resposta, para Eliade,
encontra-se no problema do mal. Ao relatar as origens de todas as coisas,
37
Mircea ELIADE, O mito do eterno retorno, p. 58-62, e 153-155.
38
Para Eliade, o ser humano tende a não valorizar nem reter na memória acontecimentos e personagens históricos
autênticos. Os mitos são uma forma de anular o peso de personagens históricos e suas ações, destacando-as do
contexto humano e transformando-as em arquétipos divinos. Esse processo mental torna-se possível pela negação
do individual e pela valorização do exemplar.
Vicente Galvão Parizi | 39
39
Importante lembrar que, em geral, os Paraísos são pomares: sua origem está no tempo das Deusas. Assim, o Éden
judaico-cristão é um pomar e Eva carrega um fruto do bem e do mal – como Pandora e sua concha.
40
“No inicio não havia a proibição de se transitar entre o Céu e a Terra. A separação dos dois mundos foi fruto de
uma transgressão, do rompimento de um trato entre os homens e Obatalá (...) (que ficou) furioso com a quebra do
tabu (...) bateu no chão com seu báculo (e provocou) uma rachadura no universo (...) separando o Aiê do Orum para
sempre”. PRANDI, Mitologia dos Orixás pg 514-515.
40 | O livro dos Orixás: África e Brasil
41
A primeira religião a inverter esse processo seria o monoteísmo judeu, que introduz no pensamento religioso a
noção tanto de história quanto de personalidade individual. O deus judeu apresenta uma característica inovadora: é
um Deus que traça planos a longo prazo para seu povo; um Deus que seleciona um alvo a ser alcançado no futuro. A
escatologia judaico-cristã, com sua noção de fim dos tempos, torna mais aguda a percepção do tempo presente e
problematiza a relação atual do povo eleito com a divindade. Exemplificando, o evento “Moisés recebe as tábuas da
Lei” não pode ser objeto de renovação, pois aconteceu apenas uma vez, num lugar e tempo precisos, e nenhum rito
fará com que as Tábuas sejam novamente doadas por Jeová: esse evento deixa de ser um mito passível de repetição
para transformar-se num acontecimento histórico e, como tal, único. Não estamos abordando a questão do ponto de
vista da verdade histórica nem discutindo se esse evento efetivamente ocorreu: relato de uma história sagrada, o
mito sempre será verdadeiro para o povo que o gerou, pois se refere a realidades. Isso ainda não significa a total
aceitação da História, pois a própria crença escatológica, ao fim e ao cabo um messianismo sobre a regeneração final
do mundo, também inclui uma atitude anti-histórica: após o Apocalipse, a História estará terminada e a humanidade
viverá uma eternidade de bem-aventurança ao lado do Senhor. E Eliade não se detém em algumas questões funda-
mentais: o que seria a Consagração da Hóstia além da repetição, aqui e agora, do Sacrifício no Calvário?
42
Mircea ELIADE, O mito do eterno retorno, p. 154.
Vicente Galvão Parizi | 41
ditas “primitivas” estão na história. Elas têm um passado tão antigo quanto o
nosso; sofreram as conseqüências dos grandes deslocamentos de populações
e das guerras; conheceram crises e modificações. Porém, (...) se obstinam em
conservar seu estado de equilíbrio inicial. 43
43
Georges BALANDIER, Antropo-lógicas, p. 179.
42 | O livro dos Orixás: África e Brasil
A imitação dos gestos paradigmáticos dos Deuses, dos Heróis e Ancestrais mí-
ticos não se traduz numa eterna repetição da mesma coisa, numa total
imobilidade cultural. A Etnologia não conhece um único povo que não se tenha
modificado no curso dos tempos, que não tido uma “história”.46
44
Ronilda I. RIBEIRO, op. cit. p. 45.
45
Ibid., p. 63.
46
Mircea ELIADE, Mito e realidade, p. 24.
44 | O livro dos Orixás: África e Brasil
47
Lembremos aqui os argumentos de Zumthor e sua resistência à aplicação do conceito de “literatura” às culturas
africanas: a Historiografia, ao seu modo, é também literatura.
Vicente Galvão Parizi | 45
48
Jean-Pierre VERNANT, op. cit., p. 191.
46 | O livro dos Orixás: África e Brasil
adaptação às novas condições sociais e culturais, ele não pode ser extir-
pado da mente humana, e aspectos e funções do pensamento mítico são
constituintes do ser humano:
começamos a compreender hoje algo que no século XIX não se podia nem
mesmo pressentir: que o símbolo, o mito, a imagem, pertencem à substância
da vida espiritual; que podemos camuflá-los, mutilá-los, degradá-los, mas que
jamais poderemos extirpá-los.49
49
Mircea ELIADE, Imagens e símbolos, p.7. Nesse contexto, é uma pena que os exegetas judaico-cristãos insistam em
ler a Bíblia de maneira textual, despindo-a de seu solo mítico. Muitos erros e horrores fundamentalistas daí se origi-
nam.
50
Um dos temas de Vernant em Entre o mito e a política é que mesmo em Marx, podemos encontrar ecos da escato-
logia judaico-cristã, embora despida de seus elementos transcendentes: há uma Idade de Ouro Comunista no futuro,
que corresponde a uma época livre do “terror da História”. De certa forma, essas idéias são uma transformação das
antigas utopias religiosas que possibilitam o “fervor sagrado” perante figuras como Stalin, Mao ou Castro, e sua
elevação ao patamar arquetípico.
Vicente Galvão Parizi | 47
todos nascemos com a possibilidade de sermos felizes. Ori nos permita ter a
força para garimpar nossa felicidade.51
51
BABA KING, palestra em Oduduwa Templo dos Orixás.
48 | O livro dos Orixás: África e Brasil
52
Roger Bastide, apud Maria Helena Villas Boas CONCONE, Uma religião brasileira: umbanda, p. 2.
53
Volney BERKENBROCK, op. cit., p. 113. Roger BASTIDE, Religiões africanas no Brasil, p. 90.
Vicente Galvão Parizi | 49
das atenções naquele dia, mas todos os Orixás “aparentados” também são
cultuados, num sistema de rodízio. Disso resultou um panteão de 16 Orixás
mais cultuados no Brasil, quando na África eram centenas.
Nesse processo, características de diversos Orixás foram amalgama-
das em um único, como é o caso de Oxalá, que no Candomblé terminou
por assimilar características de muitos Orixás Funfum que praticamente
desapareceram e não são objeto de culto. Isso também significa que mitos
diferentes foram amalgamados em uma só variante, que se tornou a ver-
são oficial brasileira.
É possível que na escolha dos Orixás a serem cultuados no Brasil, ou
na fusão das qualidades desses Orixás em um único, forças sócio-históricas
especificamente brasileiras tenham estado em ação: por exemplo, na ten-
tativa de não cultuar Orixás que pudessem beneficiar os senhores de
escravos, Orixás da agricultura ou das boas colheitas podem ter sido pre-
teridos enquanto outros ligados à guerra ou à força pessoal foram
valorizados.54
Ou ainda: para que o culto não fosse reprimido pelos senhores e sa-
cerdotes católicos sob acusação de “paganismo” ou “fetichismo”, entrou
em cena o sincretismo com santos católicos, o que prosseguiu até metade
do século XX, quando o Candomblé conseguiu status de religião autônoma,
deixou de ser perseguido pela polícia e pode realizar seus ritos sem enco-
bri-los pelo sincretismo.55 E, mesmo após a publicação do manifesto de
1983, o sincretismo continuou vivo na Bahia, inclusive da parte de quatro
das cinco signatárias do manifesto:
54
Ildásio TAVARES, Xangô, p. 62-63.
55
A “Carta Aberta ao Público e ao Povo do Candomblé”, assinada por Menininha do Gantois, Stella de Oxossi, Tete de
Iansã, Olga de Alaketo e Nicinha do Bogum, assumindo a sua crença como uma religião independente da católica,
está datada de 27 de julho de 1983 e foi publicada pelo Jornal da Bahia em 29 de julho de 1983.
50 | O livro dos Orixás: África e Brasil
56
Josildeth Gomes CONSORTE, Sincretismo ou africanização? p. 13.
57
Roger BASTIDE, As Américas negras, p. 111.
Vicente Galvão Parizi | 51
Os textos acadêmicos
Isso implica que os textos acadêmicos devem ser o mais possível “co-
lados” à tradição oral afro-brasileira, embora entendendo as enormes
diferenças culturais, sob pena de produzir inferências que terminam sendo
inadequadas ou contrárias à religião tal como vivida pelos adeptos. Ne-
nhuma conclusão pode obedecer unicamente à lógica do raciocínio ou do
simbolismo, ou correrá o risco de ser uma adição incorreta à religião. Ver-
ger apresentou vários exemplos de como é possível produzir grandes
equívocos a partir de visões exteriores às religiões africanas, como, por
exemplo, as visões cristãs de Pieter de Marees (sobre os “fetiches”) e do
abade Pierre Bouche (definição de Orixá).59 Outro aspecto é o caráter
58
Vagner G. da SILVA, O antropólogo e sua magia, p.146.
59
Apud P. VERGER, Notas sobre o culto dos Orixás e Voduns, p. 44 e 74, respectivamente.
52 | O livro dos Orixás: África e Brasil
(os voduns) são entidades sobrenaturais. “Não são mera criação (dos filhos-
de-santo)”.61
60
Consultar Michael DION, Omindarewa: uma francesa no Candomblé.
61
Sérgio Ferreti, apud Vagner G. da SILVA, op. cit, p. 104.
Vicente Galvão Parizi | 53
Noção de pessoa
1
João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 460.
2
Marcel MAUSS, Sociologia e antropologia.
3
Esse assunto será desenvolvido de maneira mais sistemática no Capitulo 8.
Vicente Galvão Parizi | 55
Não se trata de olhar para fora de nós, para alguma entidade vaga e distante
que seja crítica e severa. A espiritualidade tem a ver com a nossa íntima e par-
ticular conexão à essência ilimitada e constante que reside dentro de nós. 5
4
Christina GROF, Sede de plenitude, p. 34.
5
Ibid. p. 35.
56 | O livro dos Orixás: África e Brasil
6
Sikiru SALAMI, Poemas de Ifá e valores de conduta social entre os Iorubá na Nigéria, cap.2, p.1.
7
Volney BERKENBROCK, A experiência dos orixás, p. 250-251.
Vicente Galvão Parizi | 57
8
No Candomblé afro-brasileiro, esse “processo de tornar-se pessoa” refere-se aos sete anos de iniciação, desde o abiã
(postulante) até o ebome (babalorixá/ialorixá).
58 | O livro dos Orixás: África e Brasil
iorubana vem nos dizer que tornar-se pessoa implica num profundo, in-
cessante e duro trabalho sobre si mesmo.
Iwa é um conceito bastante amplo. Geralmente traduzido por cará-
ter, na verdade engloba o que a psicologia ocidental chama de caráter, mas
acrescido de todas as atitudes, posturas, condutas, padrões de reação, ou
seja, todos os comportamentos que expressam a relação entre personali-
dade e caráter. Ou seja, iwa não é um conceito abstrato, mas concreto. Um
alakoso – pessoa dotada de bom caráter, serena, responsável, equilibrada,
solidária – é um objetivo tanto pessoal quanto educacional.
Ou seja, quem tem iwa rere terá boa sorte. Já os possuidores de iwa
buruku são irresponsáveis, inquietos, irreverentes, pouco harmoniosos,
favorecendo o surgimento de brigas, desunião e, em longo prazo, azar e
falta de prosperidade.
A pessoa digna de ser amada, próspera e equilibrada é aquela que se
examina constantemente, que verifica suas ações, que tem percepção da
própria responsabilidade. Quem não tem prosperidade, deve olhar para os
próprios comportamentos e ver até que ponto é responsável por seu fra-
casso.
Enfatizamos que o momento crucial da vida de cada um é o momento
de escolha do Ori, diante de Eledumare e antes de vir para essa existência.
Pois um ori rere irá facilitar o desenvolvimento de um iwa rere, assim
como um Ori buruku facilita o desenvolver de um iwa buruku. Porém,
como o livre arbítrio existe, alguém dotado de ori buruku pode, pelas suas
ações, desenvolver um iwá rere. Assim como um mau comportamento,
um iwa buruku, pode “estragar” um ori rere.
Vicente Galvão Parizi | 59
9
Je Èwo significa “comer o que é tabu” ou “fazer o que é proibido” e Gbigba Èwo significa “receber o tabu” ou “fazer
o certo” (cumprir o preceito).
60 | O livro dos Orixás: África e Brasil
e são tidos como os inimigos da humanidade: “iku” (morte) 10, àrùn (doenças), òfò
(prejuízos), ègbà (paralisia), orán (atribulações), èpè (pragas), èwòn (prisão), èse
(preocupações).
Dependendo de seu iwá e suas ações, se cumpriu sua predestinação, um morto pode
vir a ser um ancestral: adquire poder e autoridade e transforma-se numa espécie de
“orixá menor” que funciona apenas para a sua linhagem. Será cultuado e deve rece-
ber oferendas de seus familiares e descendentes. Em troca, ajuda a família
protegendo contra os ajoguns. Importante lembrar que apenas idosos podem vir a
ser ancestrais (ou Baba Egun).
Quarta conclusão: os Orixás e os Ancestrais influenciam a vida dos seres vivos, estão
presentes e atuantes no dia a dia, inclusive nos momentos de possessão ou incorpo-
ração. Portanto, a divisão entre Orun e Aiyê é puramente simbólica, pois, na prática,
não há separação entre Orum e Aiyê.
Quinta conclusão: o ser humano pode interferir na ordem da natureza, consciente-
mente, através do iwá. O axé e o abá de Olorum estão por toda parte, mas os
humanos podem aceitar ou não, podem colocar obstáculos ou realizar a vontade de
Olorum. O caráter dos homens define suas escolhas e seu alinhamento com a von-
tade divina.
10
Iku é um conceito complexo e merece reflexão. Para alguns estudiosos, Iku é apenas um ajogun, para outros, é um
Orixá. De qualquer forma, Iku é inevitável, pois todos os seres vivos morrem. A morte não é vista apenas como um
fim, mas como um momento de passagem, quando passamos do Aiyê para o Orun. O que chamamos de “nascimento”
pode ser entendido como “morte” no Orun e a morte no Aiyê pode ser entendida como nascimento no Orun.
62 | O livro dos Orixás: África e Brasil
11
É impossível para mim, sendo psicólogo, não pensar nas teorias de C.G.Jung, que nos permite entender Ori como
a consciência de um ser, ou o Ser Superior, ou o Self Supremo. Esse assunto será desenvolvido no anexo competente.
Vicente Galvão Parizi | 63
12
Esse respeito ao tempo de iniciação também está vivo no Candomblé afro-brasileiro: nessa anterioridade está o
direito do uso da palavra em público: – “Iaô não fala, só escuta”; acesso ao garfo e faca para ingerir os alimentos (iaô
come com a mão); e posse de cargos eclesiásticos.
Capitulo 3
Definição, arquétipos
Orixás na África e no Brasil:
semelhanças e diferenças
Antes de tudo, antes dos Orixás, antes dos muitos universos, antes de
qualquer coisa, o que existe é Olodumare.
Ao contrário do que comumente se pensa, as religiões tradicionais
africanas são monoteístas, com um Deus Supremo que recebe diversos no-
mes, variantes do mesmo significado (Dono, Senhor ou Proprietário do
Céu): Olorum, Olodumare, Olodumaré, Eledunmare, Olofim:
Deus possui muitos nomes, sendo o mais antigo Olodumare ou Edumare (...)
contração de Ol’(oni) odu mare (ma re), o que significa Ol = senhor de líder
absoluto, chefe, autoridade; Odu = muito grande, pleno; Ma re = aquele que
permanece que sempre é; Mo are = aquele que tem autoridade absoluta sobre
o céu e a terra e é incomparável; Mare = aquele que é absolutamente perfeito,
o supremo em qualidades.1
1
Ronilda Iyakemi RIBEIRO, Alma africana no Brasil, p. 127.
Vicente Galvão Parizi | 65
2
Impossível não lembrar do Budismo: a prática do Óctuplo Caminho não tem por objetivo conduzir à iluminação,
mas à lembrança de que desde sempre fomos Budas. Ninguém se torna Buda, apenas desperta o Buda que sempre
foi.
3
Mircea ELIADE, O mito do eterno retorno, p. 87.
4
Pierre VERGER, Lendas africanas dos Orixás, p. 86-87.
66 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Os Orixás não são deuses propriamente ditos, mas seres sobrenaturais medi-
adores ente os homens e Deus criador e todo poderoso, aquele que não é objeto
de culto e que não possui sacerdote, nem santuário nem representação palpá-
vel. 5
5
H.G.Beier, Textes sacres d’Afrique, Paris, Gallimard, 1965, apud C.E.M.MOURA, O leopardo dos olhos de fogo, p.
161.
6
R. BASTIDE, O candomble da Bahia, p. 153.
Vicente Galvão Parizi | 67
Um antepassado não (...) é objeto de culto e nem é investido daquilo que ha-
bitualmente se denomina “poder sobrenatural” se não tiver deixado um
depositário no interior da estrutura social.8
7
Ronilda I. RIBEIRO, op. cit., p. 129.
8
Georges BALANDIER, Antropo-lógicas, p. 193.
68 | O livro dos Orixás: África e Brasil
não podem ser destruídos e, como operam no nível das leis supremas, suas
ações estão acima da compreensão humana. Seus atos e suas conseqüên-
cias não podem ser julgados, ou seja, são puramente divinos. São as 201
divindades da direita: 200 orixás funfun + Ori. Todas as outras 201 divin-
dades da esquerda são ligadas à sobrevivência humana. Entretanto, em
algum momento de sua trajetória, os Irunmoles resolveram, por algum
motivo além de nossa compreensão, viver entre nós, no Aiyé. Nessa con-
dição, recebem o nome de Eborás. Eboras, portanto, são avatares,
encarnações de algum Irunmole enquanto humano.
O esquema da criação seria: Eledumare cria os Irunmoles Funfun –
que chamaremos genericamente Obatalá; em seguida cria Orunmila, o
responsável pela memória de todas as coisas; cria Exu, mas não necessa-
riamente nessa ordem (Exu, princípio de todo o movimento e ordem do
movimento e da própria criação, pode ter sido criado antes de qualquer
coisa); finalmente Olorum cria Ogum, o Orixá civilizador que ensina o ho-
mem como desenvolver a vida no Aiyê.
Os Eboras vêem ao Aiyê com missões específicas, trazendo algum en-
sinamento importante para os homens. Assim, nascem com características
especiais: são humanos mas mantêm sua origem divina. Bom exemplo é o
caso de Xangô, descrito pelos mitos como tendo um corpo formidável,
maior e mais forte do que qualquer outro homem (tanto que seu trono
tinha que ser um pilão invertido, pois cadeiras comuns quebravam com
seu peso); sua voz parecia um trovão; ao terminar uma frase importante,
fogo saía de sua boca; e por ai segue a lista que, simplesmente, significa
que Xangô era visto como um homem excepcional. Por outro lado, sabe-
mos que Xangô é personagem histórico, Obá de Oyó, e claro que ele não
jogava fogo pela boca. Os mitos buscam entender quem é o ser extraordi-
nário que esteve entre os homens e inventam os atributos divinos. Ou seja:
Xangô, filho de Oranian e neto de Oduduwa, é fato histórico; Xangô, filho
de Yemonja lançando fogo pela boca, é mito teológico que explica sua dei-
ficação. É assim que a cultura tradicional africana encara os seus avatares,
os eboras enviados por Olorum.
Vicente Galvão Parizi | 69
Vou insistir que a essência das religiões africanas é sua práxis. E se a prática
estiver correta, a energia divina irá se manifestar, não importa sob qual nome
nem sob qual conjunto de crenças. Certo e errado nas religiões africanas re-
fere-se à prática das magias: aqui sim, nos ebós, no bori, nas iniciações, o
conhecimento correto é importante, pois magia feita errada ou não dá certo
ou pode fazer o efeito contrário. Penso que Deus quer estar entre os homens.
Não existe o “silencio de deus”, não existe “deus ausente”. Deus está sempre
presente e seu grande desejo é estar em contato com suas criações. Ele se apro-
veita de todo e qualquer pretexto para se manifestar.9
9
Se somos criados à Sua imagem e semelhança e temos desejos, então, também Ele tem desejos.
Vicente Galvão Parizi | 71
Outro aspecto notável é a fusão dos Orixás com o culto dos antepas-
sados – seja porque encarnaram no Aiyê como eboras, seja porque
ancestrais especialmente evoluídos foram divinizados após sua morte. É o
caso, por exemplo, de Xangô, figura histórica, rei de Oyó e também o Orixá
do Fogo, senhor do fogo que cai do céu, o cuidador da justiça.
Isso nos leva a reconhecer que, além dos Orixás, os povos africanos
reconhecem e/ou cultuam uma série de outras energias, a saber: Egungun
– os ancestrais, os mortos, espíritos com poderes sobre os seres vivos; as
árvores – algumas que são orixás, como Iroko, ou simplesmente árvores
entendidas como sagradas, por sua longevidade e/ou utilidade, como o
10
SOUSA, Robson Max de Oliveira. Noções de saúde e doença na tradição de orixá e o papel do sacrifício. Tese (mes-
trado). Goiânia: FCS-UFG, 2013.
72 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Ori
11
A importância dos vegetais na cultura e religiões africanas e afro-brasileiras é tanta que me dá ganas de adotar a
classificação chinesa dos elementos, que passam a ser cinco: ar, terra, água, fogo e madeira. Haveria um longo
capítulo sobre as plantas em geral e folhas em particular: sem folha não há Orixá, sem folha não tem nada: os banhos,
remédios e poções, sem falar nas plantas necessárias em ebós, sacudimentos e iniciações.
Vicente Galvão Parizi | 73
Ou seja, Ori é o primeiro de tudo, o que não precisa ser criado porque
faz parte do próprio Eledumare. Na primeira fase da criação, Olorum
cria os 200 Irumalês + 1, que é Ori.
Ori vem antes de tudo.
Ori é ao mesmo tempo a cabeça física (Ori Odé), a cabeça interna (Ori
Inu), e um Orixá. Nenhuma energia é capaz de penetrar num ser sem o
consentimento de Ori, nenhum ebó funciona sem o consentimento e par-
ticipação de Ori. Ori nunca abandona o homem, Ori está no nascimento
de cada ser e segue com ele até o encontro com Iku. E mesmo depois, Ori
estará junto no intervalo entre existências.
De Ori depende a predestinação de cada ser – o nome, a família, os
eventos fundamentais da existência, o local e tempo do nascimento, as do-
enças genéticas, os Orixás que acompanham essa cabeça.
Ori está intimamente ligado a Iwa – o caráter. As Energias Divinas se
aproximam, Ori as aceita, iwa as concretiza: não adiante ter um Ori rere
(feliz) se o caráter não for bom:
Iwa re laye yii ni yoo do o lejo (seu caráter, na terra, proferirá a sentença con-
tra você).12
Orí ode é a denominação da cabeça física e Orí inú é a cabeça interior. A pri-
meira é confiada a Òsányin e Ógún, ou seja, ao saber médico; a segunda é
ligada a Ifá e ao Orixá, ou seja, ao saber divino. Orí ode é que se presta para o
suporte das obrigações iniciáticas. Ori inu é a essência da personalidade, a per-
sonalidade da alma do homem e deriva diretamente de Olódùmarè. É ele quem
a coloca no homem, mas que, após a morte, a ele retorna.13
12
ABIMBOLA, Wande. A concepção iorubá da personalidade humana. 2012. Não esquecer que caráter depende do
bom uso do livre-arbítrio.
13
BENISTE, José. Orun Aiyê, pg 129.
74 | O livro dos Orixás: África e Brasil
14
Ori Inu controla Ori ode: a filosofia iorubana se aproxima da Psicologia quando afirma que o sucesso de alguém
depende de sua personalidade e de seu comportamento: de nada adianta a energia dos Orixás se o Ori não aceitá-la,
mas de nada adianta um bom Ori se o comportamento não for adequado.
15
BABA KING, Curso on line sobre Ori.
16
Cada encarnação ou existência de uma mesma vida carrega o que foi feito nas existências anteriores. O objetivo é
sempre a evolução – cujo ápice, para os africanos, seria alcançar o status de Ancestral ou Egungun, escapando assim
do ciclo das reencarnações.
Vicente Galvão Parizi | 75
Os irumoles - Imoles
17
O Candomblé brasileiro não conta com iniciação em Ifá-Orunmila.
18
Site Oduduwa
76 | O livro dos Orixás: África e Brasil
o único Orixá que reside em todos os seres humanos. Todos são seus filhos,
todos são irmãos, já que a humanidade vive sob o mesmo teto, o grande Alá
que nos cobre e protege.19
Senhor do Branco, todas suas oferendas devem ser dessa cor: os ani-
mais, o azeite de seus temperos (azeite doce, de oliva, nunca dendê
vermelho, ou então banha de ori), canjica, inhame. Simboliza o elemento
fundamental do começo dos começos, a água primordial que fica suspensa
no ar. É o regente do emi, o sopro divino dentro de cada ser vivo, mas
também é o senhor do esperma, o líquido branco que dá origem à vida.
Seu animal predileto é o igbin (caracol), cujo suco é branco como o es-
perma.20 O Grande Pai, o poder masculino ancestral, associado ao
equilíbrio, à calma, ao silêncio. Rege a criatividade humana em relação ao
entendimento e uso dos recursos naturais. Senhor dos talentos pessoais,
rege também a prosperidade.
Foi a ele que Eledunmare, o Supremo, incumbiu de criar a terra e
povoá-la com seres. Portanto, Obatalá é visto como o representante de
Olorum no Aiyê.
Senhor da paz e da tranqüilidade – representadas pelo branco - neu-
traliza toda sorte de turbulência. Dono da prosperidade e do dinheiro. É
19
Alcides Manoel dos REIS, Candomblé: a panela do segredo, p. 245.
20
Oxalá deve ser entidade mais recente do que Nanã ou Oxum, pois pertence ao período onde o sêmen é mais
importante que o sangue menstrual. Mas ainda é antigo suficiente para respeitar a Grande Mãe, usando o ecodidé
como respeito à menstruação.
Vicente Galvão Parizi | 77
Oxaguiã
21
Site Oduduwa
78 | O livro dos Orixás: África e Brasil
22
Numa roça de Candomblé, os filhos de Oxaguiã devem ter comportamento exemplar, não fazer nada errado, cum-
prir todos os preceitos, pois, se tiverem de ser punidos pelo Orixá, todos os integrantes do axé também serão punidos.
Por isso diz-se que os filhos de Oguiã são muito intransigentes quanto aos preceitos: são verdadeiros guardiões do
axé.
23
Ele quem instruiu Moisés na Torah.
Vicente Galvão Parizi | 79
Em sua forma mais velha, Oxalá é um velho curvado pelo peso dos
anos, caminhando devagar, apoiado em seu opaxorô (cajado símbolo da
ligação que Oxalufã estabeleceu entre o Orum e o Aiyê).
Aquele que possui o sopro da vida, dono da respiração e do ar. Criou
Iku, a Morte, para que os homens fossem mais humildes, encontrando um
limite impossível de ser ultrapassado. Feito em pedaços por amigos inve-
josos, teve suas partes espalhadas pelo mundo inteiro, razão pela qual
Oxalá está em todo lugar.
Como Orixá primordial, possui intensa conexão com o principio fe-
minino criador, o que fica claro nos seguintes elementos: usa roupas
femininas, inclusive com filá cobrindo o rosto; recebe oferendas apenas de
animais fêmeas (galinhas, cabras) e o hermafrodita Igbin (caramujo); e
usa o ecodidé – pena de papagaio (edidé) – como enfeite em sua coroa (por
essa razão todos os Orixás e iniciados também usam o ecodidé).
A estória do ecodidé é muito importante e significativa. Uma filha de
Oxum menstruada sentou-se ao lado de Oxalá durante um banquete e su-
jou a cadeira com seu sangue. Expulsa da casa de Obatalá, recorreu à mãe,
que a banhou e transformou a água sangrenta em penas de papagaio.
Oxalá se encantou com as penas e não apenas perdoou a filha de Oxum
como passou a usar a pena em homenagem ao feminino. Ou seja, aqui
encontramos uma tentativa de apaziguar patriarcado e matriarcado: o po-
der pertence ao masculino mas a magia ao feminino; o masculino honra o
feminino levando o símbolo do sangue sagrado da menstruação em sua
testa e mais: usa roupas femininas.
Uma das interpretações sobre suas vestes femininas é que refere-se
a um período transicional entre matriarcado e patriarcado, quando o rei
24
Por isso que o fio de contas de Oxaguiã é feito de sete contas brancas leitosas intercaladas com um segui azul
marinho. Ao mesmo tempo, essas duas cores evocam o branco dos Orixás funfun e o azul de Ogum.
80 | O livro dos Orixás: África e Brasil
ocupava o trono mas vestido com roupas femininas, desde que apenas mu-
lheres podiam ocupar esse lugar de poder. Outro mito importante sobre
a mesma questão remete à transferência do poder sobre os Eguns – essa
questão, com variantes, surgirá envolvendo Ogum e Oyá, e ainda Xangô e
Oyá. Mas aqui acontece entre Nanã e Obatalá. Diz-se que os dois eram ca-
sados e que ela recebera de Olorum o controle dos ritos de Egungun. Oxalá,
aproveitando-se de sua ausência, vestiu suas roupas rituais e entrou no
tempo de Egungun, assim descobrindo todos os segredos do culto. Quando
saiu, tornou-se o novo sacerdote do culto dos antepassados, mas foi con-
denado a para sempre usar roupas de mulher. De qualquer forma, o culto
de Obatalá – o Grande Pai - passa a ser o culto central, substituindo o da
Grande Mãe.
Suas roupas brancas foram sujas de dendê e carvão por Exu, e graças
a essas artes, Oxalá foi confundido com um ladrão de cavalos e feito prisi-
oneiro por sete anos no reino de Xangô, tempo em que as fêmeas de todas
as espécies não procriaram, as colheitas minguaram e as chuvas não caí-
ram. Liberto por Xangô e Oxaguiã, foi lavado em água fresca até ficar
limpo. Em desagravo, Xangô ofereceu seu filho Airá como companheiro
perpétuo de Obatalá, e ofereceu o pilão para Oxaguiã pilar seus inhames.
Esse conjunto de mitos deu origem à importante festa das Águas de Oxalá,
semana de branco, silêncio, comida sem sal, onde os elementos água e ar
(de Oxalá) e fogo (de Xangô) se encontram harmoniosamente. Na Bahia,
essa festa encontrou expressão sincrética na Lavagem das Escadas da
Igreja do Bonfim.25
Orunmilá
25
Em terras africanas, em alguns locais, a água dos assentamentos de Oxalá deve ser trocada diariamente, com as
pessoas em absoluto silêncio, apenas com o som do adjá. A água utilizada deve ser pura, retirada de fonte. Essa
também pode ser uma das origens do rito das Águas de Oxalá.
Vicente Galvão Parizi | 81
26
O Exu do jogo de búzios é Oseturá, Exu que é chamado “o mensageiro de Orunmilá”.
27
SOUSA, Robson Max de Oliveira. Noções de saúde e doença na tradição de orixá e o papel do sacrifício. Tese (mes-
trado). Goiânia: FCS-UFG, 2013.
82 | O livro dos Orixás: África e Brasil
28
BENISTE, José. Orun Aiyê, pg 100-101
29
Idem, pg. 99.
Vicente Galvão Parizi | 83
Exu, o mensageiro
30
As encruzilhadas ligam o mundo visível ao invisível. As encruzilhadas em T são de Iyami e Exu; as encruzilhadas
em cruz + são de Baba Egum.
84 | O livro dos Orixás: África e Brasil
terra. Por isso devemos reverenciar a Terra e antes de qualquer ritual jogar
três bocados de água na terra e dizer Ilé mopé ooo (ilé mopué ô); devemos
louvar Exu diante da natureza, pedir agô às arvores, às águas: isso garante
que Iyami Oxorongá não guarde nosso Ori em sua bolsa e assim tenhamos
prosperidade e longevidade.
Exu é o senhor do dendê, que ele usa para harmonizar as coisas;
dendê é um grande calmante. É o poder do dendê que harmoniza e equi-
libra a força advinda de Exu.
Exu é o condutor dos ebós, o que leva as oferendas para os Orixás.
Porque Exu é o princípio: o principio do movimento; portanto, Exu está
em tudo e participa de tudo.
Em sua ausência de comunicação, Elédùnmarè pode ser visto como o
absolutamente estático; o absolutamente dinâmico é Exu. Nessa oposição
entre imobilidade e dinamismo, o relativamente estático pode ser enten-
dido como mais velho e o relativamente dinâmico como mais moço:
Elédùnmarè é o principio mais velho, antigo ou primitivo, e Exu o mais
moço, o mais novo; Exu Yangí (a pedra de laterita) é a primeira forma
criada em toda a criação. Não se pode esquecer que o principio feminino,
Iámi, está no meio dos dois, gerando a pedra que gera e abriga, é o lar, de
Exu.
Exu representa o espírito do movimento, por isso deve ser ao mesmo
tempo acionado e controlado. Acionado porque, como tudo é movimento,
sem Exu nada existiria: até o movimento do sangue em nossas veias per-
tence a Exu, assim como a fome que nos impulsiona e a sexualidade que
nos faz agir, procriar e levar em frente a raça humana. E controlado por-
que o movimento desordenado produz colisões e destruição.
Tudo possui um Exu pessoal, pois Exu é o movimento em si e tudo o
que se move tem um Exu. Cada um dos Orixás possui seu Exu, e apenas
Exu não possui Exu:
Vicente Galvão Parizi | 85
cada ser humano (...) cada cidade, cada casa (linhagem), cada coisa e cada ser
tem seu próprio Exu e se alguém não tivesse seu Exu em seu corpo, não pode-
ria existir, não saberia que estava vivo. 31
31
Juana E. SANTOS, Os nagô e a morte, p. 131.
86 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Como todo oráculo implica num ebó ou ritual específico, e como Exu
é o condutor dos ebós e das oferendas, o cumprimento do que foi prescrito
pelo oráculo depende de Exu. Não há oráculo sem Exu, Exu Osetura é o
regente do jogo de búzios. Exu é o principio da comunicação e relaciona-
se às palavras e à boca, regendo tanto a comunicação entre os seres do
Aiyé como entre Orum e Aiyé.
Exu é considerado pelos iorubanos como “Inspetor Geral de Olodu-
mare e fiscal dos rituais na Religião Tradicional Iorubá”.33 Exu lembra que
os Orixás precisam ser cultuados, e que os homens devem entregar a eles
uma parte de tudo o que possuem: dinheiro, comida, tempo, a própria
vida. Como o sacrifício é a forma principal de conservar, restituir, restau-
rar e redistribuir o axé, e sendo Exu aquele que leva (despacha) os
sacrifícios, Exu está no centro mesmo do sistema religioso, daí a extrema
importância de seu aspecto Ojixê-ebô: aquele que transporta as oferendas.
Sem Exu as oferendas não chegam a seu destino e o ciclo do axé não se
completa.
Morador das encruzilhadas – ponto de encontro de todos os cami-
nhos - pode ir não só para todas as direções, mas para o passado e para o
futuro: “Exu mata ontem um passarinho com pedra que atirou amanhã”.
Ou ainda, “Exu é o primeiro nascido e o último a nascer”. As encruzilhadas
representam todas as possibilidades; portanto, Exu favorece os encontros
e as possibilidades de encontro, o que inclui o encontro entre Orum e Aiyê.
Mensageiro dos Orixás, está na intersecção entre Orum e Aiyê, por isso
sua ligação com as encruzilhadas. Eis também porque Exu favorece o equi-
líbrio entre as coisas materiais e as espirituais. Assim, Exu é quem pode
nos dar um bom destino. Os iorubanos vêem em Exu aquele que pode
32
Juana E.dos SANTOS, Os nagô e a morte, p. 166.
33
Baba King, apud site Centro de Estudos Oduduwa.
Vicente Galvão Parizi | 87
ajudar a corrigir um mau ori, desde que o adepto tenha um caráter reto e
produza boas ações.
34
www.oduduwa.com.br
88 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Qualidades:
Imole Exu não foi criado da matéria primordial divina com a qual
Olorum fizera Obatalá e Oduduwa, mas sim da lama que iria formar toda
a existência subseqüente. Assim, ele é Eu Yangi, o Senhor da Laterita An-
cestral, e também Exu Agba, o Senhor Ancestral. Criado logo depois de
Obatalá e Oduduwa, Imole Exu é Igba Keta, a Terceira Cabaça ou Terceiro
Criado.
O mito que explica sua multiplicidade no uno é o seguinte: logo após
ser criado, Exu revelou fome infinita, devorando tudo o que via à sua
frente, inclusive a terra, as plantas, os homens. Orunmilá interferiu e picou
Exu em mil pedaços, e assim ele parou de devorar tudo o que via. A seguir,
Orunmilá o reconstruiu. Assim, tendo sido picado e recomposto, tornou-
se Oba Baba Exu, Pai de todos os Exus, que dele seriam e foram “corta-
dos” e que para sempre acompanhariam os Imole e todos os mortais.
O símbolo dessa situação é o caracol, cuja estrutura espiral parte de
um único ponto e cresce em direção ao infinito. Esse é Exu Okoto, o Se-
nhor do Caracol.
Num momento de grandes desgraças e secas no Aiye, tanto os Imoles
quanto os homens deviam levar oferendas a Olorum. Apenas com a ajuda
de Exu as portas do Orum puderam ser abertas, as oferendas aceitas e a
chuva cair sobre o Aiye. Por isso ele é Exu Odara, o Senhor da Felicidade.
Exu Ojise, o Mensageiro Divino, é o que garante a comunicação entre
Orum e Aiye. Em agradecimento, todos os Orixás e todos os Ara Aiye divi-
dem com Exu uma parte de suas obrigações rituais. Eis como ele tornou-
se Eleru ou o Senhor da Obrigação Ritual. E como falava por todos diante
de Olorum, tornou-se Enu Gbarijo ou Boca Coletiva de todos os ara Orum
e ara aiyé.
Assim, por delegação espontânea de todos os Imoles, Exu passou a
receber todo o poder que os outros lhe delegavam, tornando-se Elegbara
ou Senhor do Poder Mágico. E como todos os Imoles têm seu Exu, e todo
o Aiyé é a cópia invertida do Orum (Orum e Aiyé formando juntos as duas
Vicente Galvão Parizi | 89
partes da Grande Cabaça), todo ser vivente passou a ter seu Exu Bara ou
Senhor do Corpo, pois Bara vem de Oba = senhor + Ara = corpo.
Andando ao lado de todos os Imoles e todos os seres viventes, Exu
conheceu todos os caminhos possíveis, e tornou-se Exu L’Onan, ou Se-
nhor dos Caminhos, tanto dos benéficos (ona rere) quanto dos maléficos
(ona buruku), caminhos que ele abre e fecha de acordo com o cumpri-
mento ou descumprimento das obrigações e oferendas. Presente, pois, em
todas oferendas e sacrifícios, ele é Exu L’Obe ou Senhor da Faca.
Quem torna as oferendas aceitáveis aos olhos de Olorum é Exu
Elebo, o Senhor das Oferendas. E quando a oferenda cheogu ao Orum e
os objetivos foram alcançados, o adepto deve agradecer a Exu Alafia, o
Senhor da Satisfação Pessoal.
Finalmente, é preciso lembrar que uma das mais perfeitas formas de
comunicação entre Orum e Aiyé se dá através dos Odus, que falam através
dos búzios. Senhor dos Caminhos, Exu fica sempre de guarda para que os
Odus sejam entendidos e usados de forma correta. Eis a função de Exu
Oduso, o Vigia dos Odus.
Exu cumpre todas essas funções alegremente, e pede a cada ser vi-
vente apenas três coisas: a coragem de cumprir seu próprio destino; o
respeito aos Fundamentos da Tradição dos Orixás; a oferta de seu ebó ou
oferenda específica no seu ritual próprio, o Ipade.
Repetiremos os nomes acima em forma de lista, para facilitar a me-
morização:
Ogum
35
Os mitos que se referem a Ogum como um Orixá que maltrata e violenta as mulheres (um dos mitos conta que
teria violado a própria mãe, Yemanja, que chorando tornou-se um rio) provavelmente estão relacionados à passagem
do matriarcado para o patriarcado, repetindo a mesma estrutura mítica de outras sociedades. A esse respeito, con-
sultar as notas de O Grande Livro dos Mitos Gregos, de Robert Graves, sobre as alterações estruturais nos mitos e
costumes religiosos quando da passagem do matriarcado ao patriarcado na Grécia Antiga.
Vicente Galvão Parizi | 91
Não existirá mais de uma divindade como Ogum. Sem Ogum não se limpa o
mato (para plantar). Sem Ogum não se abre caminho. A enxada pertence a
Ogum. Ogum é ferreiro. Ogum é agricultor e guerreiro. Sem Ogum não há
comida. 36
Sua estreita ligação com o fogo permite que lhe sejam atribuídas ca-
racterísticas de impetuoso, emocional, colérico. Os mitos falam desses
aspectos emocionais e impulsivos, quando faz coisas das quais se arre-
pende, como matar os súditos que não falam com ele por causa do tabu
religioso. Num momento de remorso por seus atos violentos, resolveu pro-
teger os humanos de sua fúria, desistiu da vida e enterrou-se no chão;
aceito por Olorum, tornou-se Orixá. Esse oferecer voluntariamente a vida
faz parte do arquétipo do elemento fogo (Prometeu termina preso no Cáu-
caso, Jesus é crucificado).
Tendo aprendido a controlar seus impulsos, recebeu de Obatalá a ta-
refa de ajudar seu filho impetuoso, Oxaguiã. É por causa dessa
proximidade que os devotos de Oguiã usam um segui (coral) azul no meio
das contas brancas típicas de Oxalá.
Sua ferocidade faz com que os juramentos feitos em seu nome devam
ser cumpridos: um costume africano é morder uma chave ou pedaço de
ferro significando que “digo a verdade em nome de Ogum”. O juramento
falso será severamente castigado.
Ogum protege as casas onde há mariô (folhas de palmeira) nas por-
tas, daí esse costume nas casas de culto. 37
A iniciação nesse Orixá significa entender os segredos de sua sabedo-
ria: transformação, abertura de caminhos, prontidão para a ação,
capacidade de decisão.
Dança com espada, fazendo mímicas guerreiras, de combate e lutas.
36
Cântico de Ogum, apud Sikiru SALAMI, Ogun: cap. 3.
37
Esse mito é absolutamente igual ao mito judaico onde os primogênitos devem ser sacrificados. No caso judaico, o
anjo do Senhor é desviado pelo sangue do cordeiro; no mito africano, Iku não entra na casa que tiver o mariô de
Ogum no pórtico. Interessante que o mito judaico exige derramamento do sangue de carneiros, e o africano, apenas
uma folha.
92 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Qualidades: Ogum Alabedê (senhor dos ferreiros); Ogum Alacorô (rei que usa akorô
– capacete); Ogum Massá (que anda junto com os Orixás brancos); Ogum Mejé;
Ogum Onirê (rei da cidade de Irê); Ogunjá (que aceita cachorro como oferenda);
Ogum Wari, Ogum Alakaaye (Aquele que é espalhado pelo mundo inteiro).
Olojó
Ossayn - Ossányn
38
Ver Glossário.
39
Essa identidade absoluta me leva a pensar em um quinto elemento além de Ar, Fogo, Terra e Água e, como os
chineses, acreditar que a Madeira seria também um elemento constituinte da materialidade.
94 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Outro efeito de sua briga com Exu foi perder o dom da fala, comuni-
cando-se apenas através de assobios. Mais uma vez, o mito identifica o
Orixá e seu elemento: o vento assobia e geme entre as árvores. 40
As folhas entram em todos os rituais, mas também são utilizadas nos
rituais de cura, produzem remédios, chás e tisanas, são utilizadas como
alimento e tempero. Ossaim é o guardião das folhas e dos seus poderes,
por isso, antes de tirar qualquer folha da natureza, deve-se louvar Ossaim:
esquecer essa louvação pode impedir que a folha “acorde” e se abra em
todo seu esplendor e potencial.
É um dos poucos Orixás aos quais se atribuem amores homossexuais
(com Oxossi, seu companheiro nas matas) – os outros seriam o próprio
Oxossi e Logunedé.
Embora todas as folhas pertençam a Ossaim, cada Orixá possui folhas
que os distinguem. Para cada Orixá e suas folhas há uma sansanha, ou
seja, músicas que despertam o poder da folha. Um dos mais belos rituais
do Candomblé consiste em “cantar as folhas” que serão maceradas nos
abôs (banhos) e espalhadas nas esteiras dos adeptos recolhidos no roncó
para alguma obrigação.
Seus símbolos são o adó (cabaça ou saco de couro onde leva pós me-
dicinais e mágicos); opa (bastão metálico com um pássaro na ponta
superior ou 16 pássaros em toda a volta).
40
Esses elementos – única perna, assobio – levaram alguns autores a entender que Ossaim é a origem do Saci Pererê.
Pode ser mas confundir Ossaim com entidades brasileiras ligadas ao mato, como o Saci ou Caipora, é um erro muito
grande, uma vez que esses se originam das culturas indígenas, não das tradições africanas.
Vicente Galvão Parizi | 95
41
Os dois títulos seriam Rei de Ketu e Patrono dos Caçadores, apud www.oduduwa.com.br
42
www.oduduwa.com.br
Vicente Galvão Parizi | 97
43
Nei LOPES, ibid. p.47.
44
Olga CACCIATORE, Dicionário de cultos afro-brasileiros, p. 165.
45
Nei LOPES, Logunedé, p. 44.
46
Ibid., p.45.
98 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Seus metais são ouro, latão, amarelo e bronze. Seus símbolos: ìrùkèré
e ofà. Usa roupa de cor vermelha. No Brasil, suas cores são amarelo e azul,
que também são as cores de seus colares, amarelo e azul em contas inter-
caladas.
A crença de grupos afro-brasileiros de ser Logun um hermafrodita
(seis meses homem, seis meses mulher) não encontra fundamento na tra-
dição africana.
O ser humano tem alta intolerância à dor física, mas grande resistência à dor
mental. Qualquer dor física, buscamos remédio. No caso de doenças como de-
pressão ou angústia, achamos que devemos curar a nós mesmos, que o
remédio é uma derrota. Por isso o mundo vai ficando cada vez mais doente,
estamos maus tolerantes ao mal e à doença mental. 47
47
Baba King – palestra no Oduduwa – Templo dos Orixás, anotado por mi e citado a partir dessas anotações.
Vicente Galvão Parizi | 101
sempre leva nas mãos, é uma espécie de vassoura, para limpar os males e
as doenças.
Uma das maiores festas do Candomblé é dedicada a Obaluaiê (em-
bora inclua todos os outros Orixás da “família real de jeje”), o Olubajé,
festa nunca esquecida, porque nela se pede a proteção contra as doenças.
No Candomblé brasileiro, considera-se que Obaluaiê e Xangô são ori-
xás opostos, pois o fogo de Xangô resseca a terra de Obaluaiê. Por outro
lado, a terra abriga em seu interior tanto a pedra quanto o fogo vulcânico;
portanto, podemos falar de aspectos conflituosos entre Obaluaiê e Xangô,
que se encontram na febre que pode ser mortal e nos ferimentos que quei-
mam a pele. Porém, a febre, reação do corpo à doença, também pode
ajudar na cura. O encontro de fogo e terra é explosivo, vulcânico.
Outra observação importante: no Brasil, o nome Omolu refere-se a
Obaluaiê, sendo na verdade mais comum. Porém, na África como no Culto
Tradicional, Obaluaiê e Omolu são dois Orixás distintos. Obaluaiê é Orixá
com origem entre os iorubás, na Nigéria. Omolu – também chamada de
Nanã e Nanã Buruku – é uma iabá com origem nos cultos Fon e no Daomé.
Qualidades : Akarejebe; Azauani; Baba Iboná (Pai da quentura); Iji;
Jagun (guerreiro e protetor dos abikus); Jambelé; Sapatói; Alajogun (pro-
tetor de casas e cidades); Alapomoro (o que opera curas com o axé de
Ossaim).
Odu
O Corpus não foi escrito senão a partir do século XX – até então, sua
transmissão era exclusivamente oral e privilégio dos babalaôs. Ao nascer
uma criança, joga-se seu Odu e, sendo destinada a Orunmilá, inicia logo
seu aprendizado com um babalaô experiente. O Corpus digitalizado
abrange mais de 1000 páginas, então pensemos em aulas diárias de ensi-
nar e decorar durante até 20 anos. Ao chegar nessa idade, o futuro babalaô
já deve ter decorado todo o livro.
Há 16 Odus Maiores – que correspondem a cada um dos 16 búzios do
oráculo chamado merindilogum – também chamados de Odus Meji. Cada
um tem 16 caminhos, ou seja, 16 x 16 = 256. Esses são os Odus principais.
Mas há também os 240 Odus Menores, ou Omo Odù, chegando ao total de
4.096 (16 x 16 x 16) versos ou poemas: essa a base da interpretação oracu-
lar.
Os oráculos africanos não devem ser considerados jogos de adivinha-
ção: os Odus indicam situações de vida positivas ou negativas, momentos
na trajetória de um ser que precisam ser vistos em relação ao seu predes-
tino, suas relações com os Orixás, com sua ancestralidade, pactos
estabelecidos em existências passadas ou na atual, enfim, um quadro geral.
Essas situações podem ser incentivadas (se positivas) ou corrigidas (se ne-
gativas), pois a cada caída do oráculo corresponde um Odu, cada Odu a
um verso, cada verso a uma prescrição (ebó, iniciação, etc).
No Culto de Ifá africano, ou seja, nos oráculos dos Babalawos, os 16
Odus principais recebem os seguintes nomes: Ogbe, Oyeku, Iwori, Odi,
Obara, Okanran, Irosun, Iwonrin, Ogunda, Osa, Irete, Otura, Oturupon,
Ika, Ose e Ofun.
No Merindilogun, o jogo de búzios, o jogador tem acesso apenas aos
16 Odus principais e os nomes são como segue: Òkànràn, Èjìòkò,
Ogbèyonú, Ìrosùn, Oxé, Òbàrá, Òdí, Èji-Ogbè, Ósá, Òfún, Òwonrín, Èjìla-
Axebora, Ìká, Òtúrúpòn, Òfún-Òkànràn, Ìretè.
Odu também é o nome de umas das Mães Ancestrais, que tornou-se
esposa de Orunmilá ou de Obatalá. No primeiro caso, ela tinha a sabedoria
dos oráculos e pelo amor ao marido, cedeu esse conhecimento. No segundo
Vicente Galvão Parizi | 103
Òsùmàré ou Èsùmàrè
É originário da região do Dahomé, onde era chamado de Dan (ou Dã)
mas fundiu-se com Bessém, o vodum-cobra de jeje.
Orixá conectado ao movimento das águas que se evaporam, sobem
até as nuvens e caem de novo em forma de chuva, rege todos os ciclos -
rotação e translação da terra, dia e noite, estações do ano - o que faz dele
o Senhor dos opostos e da união dos opostos, inclusive macho e fêmea, o
que leva alguns a vê-lo como andrógino, o que não corresponde à sua ori-
gem. Outros pensam nele como uma qualidade de Oxum (Oxum Maré), o
que é quase risível: Oxumarê é Orixá masculino, e Ewá é sua contraparte
feminina. 48
Compartilha com Ewá o dom da vidência e é chamado de o maior de
todos os babalaôs; acumulou grande fortuna dando consultas a reis e ou-
tras pessoas importantes, passando a ser chamado o Senhor do dinheiro e
da fortuna.
Ligado a estética e à beleza, senhor das cores, é simbolizado pela ser-
pente que fica em pé.49 Corpo no chão e cabeça voltada ao céu, Exumarê
favorece a ligação e comunicação entre Orum e Aiyê, a comunicação dos
homens com os Orixás, e a comunicação dos homens entre si e com os
elementos da natureza. Daí a qualidade especial de Oxumarê favorecer as
magias e transformações.
A idéia da serpente que troca de pele faz com que Exumarê seja for-
temente associado às transformações e à magia.
48
Alcides Manoel dos REIS, Candomblé, a panela do segredo, p. 130.
49
Podemos pensar em seu culto não apenas como muito antigo mas relacionado a outros cultos milenares, pois a
serpente em pé está presente na religião egípcia (inclusive na coroa dos faraós) e em cultos indianos (Tantra Kunda-
lini, por exemplo). Não conheço estudos que tentaram essas aproximações.
104 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Sàngó
Xangô é o Orixá da justiça. Mas, o que é a Justiça? Para Xangô, ver-
dade e justiça andam juntas, de forma inextricável. E justiça não é
vingança, ou seja, pode ser que alguém entregue uma causa a Xangô e
fique decepcionado: o resultado será neutro e verdadeiro, não o desejo de
alguém que pense ser o dono da verdade. Quando Xangô faz justiça, ele
coloca ordem na desordem e equilíbrio nas relações. Xangô detesta a men-
tira.
Seus iniciados devem ser pessoas retas, verdadeiras, que evitem a
mentira a qualquer custo.
Há dois diferentes Xangôs: um veio para o mundo com o primeiro
conjunto de Irunmoles; o segundo nasceu como homem e depois se tornou
rei na cidade de Oyó (o quarto Aláàfin Ọ̀yọ́), com autoridade absoluta em
seu reinado, ficando abaixo apenas de Elédùnmarè ou Olódùnmarè (o Ser
Supremo) e dos orixás primordiais. Sua missão em Oyó foi ensinar os con-
ceitos de justiça, vitória, defesa, poder, força, sucesso, riqueza, coragem,
segurança e autoestima.
Durante sua vida, Xangô foi um ser poderoso, resistente e bom, lou-
vado por sua extrema força física, grande beleza e virilidade (teve 16
esposas). Xangô representa ausência de medo, trovão, vento, o poder ca-
paz de intimidar todos os que fazem o mal ou agem em desacordo com as
leis. A força divina que nada pode impedir de se espalhar; o fogo, a luz, as
capacidades infinitas do homem de atingir todos os objetivos e planos de
vida.
Após sua morte, tornou-se Orixá por causa de seu poder, atitudes e
hábitos.
herança materna, seja pela paterna, Xangô também cuida do Ori do ser hu-
mano e promove sua melhora.50
O Dragão Faiscante, Olukoso, a divindade que lança fogo pela boca (...) Deste-
mido, poderoso e grande conhecedor de magia, gostava de exibir seu poder,
por exemplo, lançando labaredas de fogo pela boca, ao falar. 51
50
BABA KING, Curso on-line sobre Xangô.
51
Ronilda I. RIBEIRO, Alma africana no Brasil, p. 145.
106 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Iroko
52
Ogan Alabê Orlando SANTOS, Orixá: natureza em sintonia com a vida.
108 | O livro dos Orixás: África e Brasil
pedindo que Iroko nos dê a sua calma, sua estabilidade, seu axé que per-
mite atravessar impassível e incólume todas as tempestades, durante
milênios (uma árvore Iroko dura sim milênios).
Sua relação com Ossaim é imediata, assim como com as Iya Mi Oxo-
rongá. Como suas raízes são tão profundas quanto seus galhos gigantes –
ou a árvore não teria estabilidade – Iroko está ligado à ancestralidade, ou
seja, a Egungun.
Ebós e oferendas para Iroko envolvem questões relativas a perturba-
ções mentais, falta de sono, desequilíbrio.
Iyami Oshorongá
53
BENISTE, José. Orun-Aiyê, pg 61.
Vicente Galvão Parizi | 109
54
www.oduduwa.com.br
55
Quem desejar se aprofundar no tema do temor gerado pelo feminino na psique masculina encontra farto material
em Sándor Ferenczi e seu livro Thalassa – ensaio sobre a teoria da genitalidade.
110 | O livro dos Orixás: África e Brasil
poderia subsistir. Foi então que Olurum pediu, rogou e conseguiu que as
Iyami voltassem ao Aiyê, mas cedendo a uma exigência: que pudessem
castigar os que saíssem do caminho da Lei. E esse poder lhes foi concedido.
Assim, as Iyami voltaram ao Aiyê, dando sustentação ao planeta, mas tam-
bém passaram a castigar todos aqueles que não têm caráter, todos os
maus, todos os que precisam de um castigo ou um limite.
Mito importante repete com Iyami e Orunmilá a mesma historia so-
bre transmissão de poderes do feminino ao masculino contada, em outro
local, envolvendo Oyá e Ogum: o culto dos antepassados pertencia às mu-
lheres e a principal sacerdotisa do culto de Egungun era Iyami Odu. Seu
esposo Orunmila roubou suas vestes e se apresentou debaixo da árvore
dos antepassados, falando com voz grossa e assustadora. Yia Odu reconhe-
ceu a força do masculino e cedeu ao homem o poder de celebrar os cultos
de Baba Egum.
O momento da transição do matriarcado para o patriarcado também
aparece em mito envolvendo as Iyami e Oxossi. Elas teriam mandado um
pássaro ao palácio do rei de Ifé, que sentou-se no alto da cumieira. Seu
crocitar fez secar os rios e as menstruações, o leite das vacas deixou de
correr, as colheitas murcharam no pé. Oxossi, o caçador de uma só flecha,
matou o pássaro e afastou o castigo do reino de Ifé. Assim começou a fama
de Oxossi e, ao mesmo tempo, fica evidente que o poder do masculino
passa a sobrepujar o poder do feminino.
As Iyami são também chamadas de Eleyé, donas do pássaro, as Se-
nhoras do Pássaro da Noite, ou ajé (feiticeiras) 56.
O pássaro é ao mesmo tempo o símbolo e o animal de poder da Iyami
e o pássaro mais frequentemente associado às Iyami é a coruja. Além do
pássaro, Iyami possui uma cabaça, onde o pássaro dorme.
Graças à associaão entre as Mães e as feiticeiras, todas as casas de
Candomblé temem a ira das Iyami. O temor é de pragas, doenças, morte
cruel. Isso significa que, no Brasil, perdeu-se a ligação com o culto africano
original, apenas ficando na memória os aspectos terríveis das Mães
56
Os feiticeiros do sexo masculino são chamados de oxô.
Vicente Galvão Parizi | 111
Geledé
57
Babá King, site Oduduwa, link Orixás Cultuados.
Vicente Galvão Parizi | 113
Onilê – Onilé
58
Claude LÉPINE, As metamorfoses de Sakpata, deus da varíola, in C.E.M.MOURA (org), Leopardo dos olhos de
fogo., p. 127.
Vicente Galvão Parizi | 115
Erinlé
Òsun
Um dos mais importantes Orixás do panteão africano, Oxum tem sua
origem em Ijexá:
59
Site Oduduwa.
60
Essa é uma observação importante: no Brasil, Omolu é outro nome de Obaluaiê; na África – e no Culto Tradicional
Africano, Omolu é nome de Nanã.
Vicente Galvão Parizi | 117
Oxum, graciosa mãe, plena de sabedoria! Que enfeita seus filhos com bronze,
que fica muito tempo no fundo das águas gerando riquezas, que se recolhe ao
rio para cuidar das crianças, que cava e cava a areia e nela enterra dinheiro.
Mulher poderosa que não pode ser atacada. 61
61
Ronilda I. RIBEIRO, Alma africana no Brasil, p. 153.
62
O mito nos conta que Oxum, menstruada, compareceu ao banquete de Oxalá e deixou a marca do sangue na cadeira
onde sentou. Ao ver que todos os outros Orixás riam dela, Oxalá transformou o sangue em penas do papagaio ecodidé
– e colocou na testa, homenageando a força do sangue criador feminino. Como usado por Oxalá, passou a ser símbolo
de realeza e incorporado em todos os Orixás e coroas de reis.
118 | O livro dos Orixás: África e Brasil
63
Ver Glossário.
Vicente Galvão Parizi | 119
64
Uma conseqüência interessante dessa afirmação é que todos os iniciados em Oxum deveriam receber o Jogo no
momento de sua iniciação – e não apenas ao termino das iniciações do Candomblé, ou seja, na “Obrigação de 7 anos”
que culmina com o recebimento do deká (cuia com os elementos que permitem ao iniciado passar a exercer as fun-
ções de babalorixá ou iyalorixá – portanto, no deka também está o jogo de 16 búzios).
65
KUMARI, Ayele. 2020, pg 52/53.
120 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Yèyè Adé-Oko
66
Baba King, curso online sobre Oxum, htps://oduduwacursos.nutror.com. Esse verso indica que Oxum nos ajuda
a ter ritmo, a dar ritmo aos nossos passos. Os passos ritmados e guiados pela Força Feminina traz ritmo à nossa vida,
nos ajuda a superar dificuldades.
67
idem
68
Ibidem
Vicente Galvão Parizi | 121
Yemoja - Yémánjá
Senhora das águas salgadas, mãe da criação e do mar, mãe de todos
os deuses e todos os homens, senhora das cabeças, portanto, senhora da
sanidade mental e da loucura. Praticamente compartilha de todas as mes-
mas características de Oxum, embora se relacione mais diretamente com
a água salgada: é o Orixá regente dos mares e oceanos. Como Oxum, está
ligada à maternidade: é o instinto materno, a capacidade de gerar e criar
os filho.
Originalmente, é Orixá de todas as águas:
69
Ver Glossário.
122 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Porém, dizem as lendas que tanto chorou ao ser violentada por seu
próprio filho que suas lágrimas transformaram-se em rios de água sal-
gada. Esse mito é muito importante, e precisa ser olhado com atenção.
70
Ronilda I. RIBEIRO, Alma africana no Brasil, p.150.
71
PRANDI, Reginaldo, Mitologia dos orixás, pg. 382-83
Vicente Galvão Parizi | 123
Oyá - Oya
Senhora dos ventos, dos raios e das tempestades, rainha dos Eguns,
a dona do cemitério, é ela quem carrega os espíritos dos mortos e os leva
para o outro mundo. Seu elemento primordial é o ar: Oyá é a força que
impulsiona o ar, provocando o vento. Nessa função está profundamente
72
Podemos pensar em africanos escravizados, adeptos de Yemonja, que, vindo para o Brasil através do oceano, pe-
diram à sua Mãe que os protegesse na travessia tenebrosa – doenças, insalubridade, tempestades. Ela os atendeu, e
assim entenderam que Ela também dominava a água salgada.
124 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Outro mito conta que trabalha junto com Oxaguiã: ele retira o emi
(respiração, sopro vital que Obatalá coloca em todos os homens quando
molda seu boneco de argila e lhe confere vida) de cada morto, e Oya trans-
porta o egum para o Orum, onde fará o que tem que fazer para sua
próxima encarnação;
A interpretação humana e mítica das conexões do Ar com todas as
coisas gerou o arquétipo da mulher fogosa e impetuosa, mulher de todos
os Orixás. De Xangô, Oya recebeu a poção de cuspir fogo, dominando os
raios; de Ogum, o direito de usar a espada; de Oxaguiã, o direito de usar
escudo; de Exu, o direito de usar o poder da magia (graças ao que se trans-
forma em búfalo); de Oxossi, recebeu o direito de caçar. Representa o
principio feminino incontrolável, a fecundidade absoluta, a sensualidade
usada para seu próprio prazer, mas também para conquistar o que for
necessário.
Como se permite amar e servir a um único homem, por amor a
Xangô, a soma dessas características a definem como Orixá de transição
entre o matriarcado e o patriarcado, pois conserva as qualidades das anti-
gas deusas matriarcais e das novas deusas sujeitas ao regime patriarcal.
Essa pertença aos dois sistemas salienta a antiguidade de Oya, assim como
o fato de ser a Senhora do axexê (ritos funerários), o que remete a tempos
muito antigos, onde às mulheres cabia todo o conhecimento sobre a vida
e a morte. Esse fato também esclarece que Oya é uma Iyami, Iyami Àkòkó
(Mãe Ancestral Suprema), de assombrosa beleza, senhora da capacidade
estratégica e força – características que transmite aos seus iniciados.
Outro reforço a essa idéia e mito importante, diz que
Obá, a guerreira
Òbà
Orixá da água, também está ligada ao elemento terra (gosta das flo-
restas) e ao fogo, graças à sua ligação com a magia e ao seu temperamento
sanguíneo e guerreiro. Para alguns brasileiros, Obá não chega a constituir-
se num arquétipo próprio, sendo uma variedade ou qualidade de Iansã, o
que faz com que seu culto venha perdendo impulso no Brasil.
Senhora das guerras, turbulenta, lutou e venceu todos os Orixás, me-
nos Ogum, que não a venceu pela força mas pela astúcia, fazendo com que
Obá escorregasse em quiabos; seu local predileto é onde estão as águas
mais revoltas, como as regiões da pororoca. Um itan diz que quando Obá
vai para a guerra, convoca e lidera um exercito formado por todas as fê-
meas do mundo humano e animal: mulheres, elefantas, leoas, etc.
73
PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. Pg.106.
Vicente Galvão Parizi | 127
a intuição do mundo dos Orixás. Esse porto também garante sua proximi-
dade com Iku e com os Eguns.
É a regente da intuição, da capacidade de entender os oráculos, da
sensibilidade profunda e visionária. Ewá é o Orixá que rege a produção
dos sonhos, o que inclui os pesadelos; senhora dos delírios e da ilusão, é a
regente da sanidade mental e da loucura. Orixá que prefere a solidão e o
silêncio, Ewá se aproxima da castidade, o que a faz protetora das virgens
e das mulheres que não engravidam.
Visão aguda, vidência, castidade: essas características fazem de Ewá
um Orixá que ama a transparência e a verdade, que deve ser dita em todos
os momentos, doa a quem doer. Ewá odeia a mentira. Não se trata de um
Orixá calmo ou pacífico: Ewá é sujeita a fortes explosões de raiva e ressen-
timento, expondo a fraqueza de seus inimigos com língua ferina e precisa.
A castidade nos lembra que Ewá é Orixá antigo, ligado ao período
matriarcal, onde as mulheres não dependiam dos homens ou prescindiam
do contato com o masculino; sua força é inteiramente feminina.
Um mito diz que Ewá foi a inventora da maquiagem: pós coloridos
para aplicar no rosto de uma filha sua que tinha cicatrizes e era rejeitada
pelos homens. Portanto, Ewá é vista como senhora dos disfarces, da arte,
da música e da poesia, protetora dos artistas.
Muitos sacerdotes do Candomblé consideram difícil promover a ini-
ciação em Ewá, por isso preferem assentar Oya, o que é uma traição ao
merindilogum, a Ifá-Orunmilá, bem como um erro brutal: Ewa não é um
orixá próximo de Oya, na verdade são bastante diferentes e cuidam de coi-
sas distintas.
Os mitos contradizem a castidade de Ewa: vários falam de seus casa-
mentos (um deles com Xangô), outros falam de seus filhos. Mas muitos
nos dizem que ela cansou-se de tudo e retirou-se – alguns mitos que foi
morar nos cemitérios (o que nos lembra a grega deusa Hécate) – e nunca
mais relacionou-se com homem algum.
Mito importante conta que Ewá ajudou Orunmila a escapar de Iku, a
Morte, seja gerando uma grande neblina, seja escondendo-o debaixo de
130 | O livro dos Orixás: África e Brasil
sua saia, ou ainda debaixo da tábua de lavar roupa (que seria a tábua de
Ifá invertida).
Ou seja: Ewá está ligada à evaporação da água, à neblina, sendo Orixá
responsável pela elevação da água até o céu, onde se condensa em nuvens
de chuva. Também está ligada aos oráculos, sendo ajudante de Orunmilá.
Está ligada aos ritos funerários.
A profusão de assuntos ligados a Ewa nos informa sobre como, na
antiguidade mais remota, o Feminino era entendido como o Poder Primor-
dial que tudo gerava e geria, e como essas atribuições deixaram de ser o
todo e foram transformadas em partes no patriarcado.
Minha Mãe Ewa nos dê visão ampla até o horizonte, nos cubra com sua beleza,
nos alimente com as águas da chuva, permita que a vida flua na terra, nos
ajude no momento de enfrentar a morte.
Ajé
Progresso e sucesso
Kori
A pronúncia é Kôri.
Orixá regente da vida, é a protetora das crianças, em particular pro-
tetora dos abikus. Para isso, o axé de Kori está intimamente ligado ao de
Egbé e Ibeji, ajudando abikus a permanecerem no Aiyê. Sua energia tam-
bém se une a Egungun e Ifá para corrigir uma predestinação buruku,
neutralizando energias negativas na vida de seus adeptos.
Em resumo, Kori é Orixá ligada à vida, sobrevivência, auxílio para
cumprir o predestino.
Ibeji
Egbé
Egungun
74
Por sua facilidade de reprodução, a bananeira é um dos símbolos africanos de força vital.
134 | O livro dos Orixás: África e Brasil
75
www.oduduwa.com.br
76
Idem.
Vicente Galvão Parizi | 135
Oduduwa
Oodua – Odudua
Seu nome significa literalmente O Criador. Um epíteto é O Grandioso
que criou a existência.
77
Impossível não lembrar, nesse momento, da Psicologia Jungiana e sua teoria do Inconsciente Coletivo e da influ-
encia dos Arquétipos Universais sobre a psique individual.
136 | O livro dos Orixás: África e Brasil
3. Iniciação – a forma mais completa, onde o adepto é iniciado para o Orixá. Inclui
os ritos iniciáticos completos – recolhimento, raspagem, pintura, provavelmente
possessão pelo Orixá.
Exu
despertar tanto grandes amores quanto grandes ódios; com grande poder
de comunicação, vida sexual agitada.
Pessoas fortes, dotadas de imensa quantidade de energia; brinca-
lhões, criativos, comilões. Tendem a ajudar os outros na resolução de
problemas.
Ogum
Ossaim
Oxossi
Obaluaiê
Oxumarê – Exumarê
Logunedé
Xangô
Nanã
Oxum
Yemonja
Oya – Iansã
Oxaguian
Oxalufã
mundo. São capazes de grande fé, e de manter a calma mesmo nos mo-
mentos de maior aflição. Podem ser extremamente autoritários,
centralizadores, agindo como se tudo no mundo dependesse de sua super-
visão. Sabichões, podem tender a desabonar o conhecimento dos outros.
Muito teimosos, não gostam de admitir seus próprios erros; podem ter
problemas de relacionamento, confundidos com antipáticos, ou então são
muito agradáveis e simpáticos.
O arquétipo de seus filhos é de um velho. Com todas as “coisas de
velho”, como ser ranheta ou teimoso. Reservados, pouco dados a contar
coisas íntimas (como o igbin que os representa e vive só em sua concha).
Devem ser cuidadosos no uso de álcool (referência ao mito em que
Oxalá, embriagado pelo vinho de palma, não conseguiu criar o mundo,
função assumida por Odudua).
Finalizando
(Não há) uma natureza simples e única, mas antes dupla e dividida. O homem
foi criado à imagem de Deus, e, em seu estado original, no qual saiu das mãos
de Deus, era igual ao seu arquétipo. 1
1
Ernst CASSIRER, Ensaio sobre o homem, p. 22.
Vicente Galvão Parizi | 147
1
Isso é comum na maioria dos pensamentos tradicionais. Muitas abordagens corporais utilizam esse conceito para
determinar massagens, equilíbrios de energia, etc.
Vicente Galvão Parizi | 149
2
SOUSA, Robson Max de Oliveira. Noções de saúde e doença na tradição de orixá e o papel do sacrifício. Tese (mes-
trado). Goiânia: FCS-UFG, 2013.
3
Esse mito, com variações locais, repete-se em todas as Tradições: alguma Lei é rompida, provocando o afastamento
entre as Potências e os seres criados. A quebra da Cabaça Original e suas conseqüências não é muito diferente do
Mito do Éden judaico-cristão. É importante lembrar, porém, que, embora a Cabaça Original fale encima e embaixo,
não se refere ao céu tal como pensado pelos cristãos. O Orun não é o firmamento e as Forças Divinas se manifestam
em toda a natureza: os Orixás são as folhas, as árvores, a terra, os animais, os humanos. O Orun, portanto, está aqui,
entre nós, no Aiyê.
150 | O livro dos Orixás: África e Brasil
“Não é da minha boca. É da boca de A, que deu a B, que deu a C, que deu a D,
que deu a E, que deu a F, que deu a mim. Que esteja melhor na minha boca do
que na boca dos que me antecederam” 6
4
No Candomblé brasileiro, a Iyalorixá ou o Babalorixá devem cumprir todas essas funções, auxiliados por “pessoas
de cargo”, que irão se especializar em alguma tarefa.
5
SOUSA, Robson Max de Oliveira. Noções de saúde e doença na tradição de orixá e o papel do sacrifício. Tese de
Mestrado. Goiânia; FCS-UFG, 2013.
6
SÀLÀMI & RIBEIRO, 2011.
152 | O livro dos Orixás: África e Brasil
7
Um pesadelo para qualquer olhador de oráculos são as pessoas que pretendem apenas satisfazer curiosidade pelo
jogo e não se dispõem a seguir as orientações. O oluô sabe que algo sério se apresentou e não será tratado. Energias
negativas foram postas em ação e não serão dissipadas e substituídas por energias positivas.
154 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Tipos de ebó
1. Preventivo – o ebó que é feito no presente para evitar alguma conseqüência ne-
gativa no futuro.
2. Atrativo – o cliente está com energia baixa ou em falta; o ebó busca melhorar ou
trazer energia.
3. Curativo – em casos de desequilíbrio já instalado, para potencializar o positivo.
Iniciações
Iniciar hinos ao deus é prerrogativa de homens felizes com seus mitos de augú-
rio, linguagem de catarse. Dádiva é manter a mente nas deidades.1 Xenófanes
Harmonia universal
banhou seus corpos com ervas preciosas, cortou seus cabelos, raspou suas ca-
beças, pintou seus corpos (...) como as penas da galinha-d’angola. Vestiu-as
com (...) panos (...) jóias e coroas. O ori, a cabeça, ela adornou ainda com a
pena ecodidé (...) Na cabeça pôs um cone feito de manteiga de ori, finas ervas
e obi mascado (que) atrairia o Orixá ao ori (...) Os Orixás agora tinham seus
cavalos (...) enquanto os homens tocavam seus tambores. (...) Os Orixás esta-
vam felizes. Na roda das feitas, no corpo das iaôs, eles dançavam.2
1
Folha de São Paulo, Caderno Mais, p. 20, 3 out. 2004.
2
Reginaldo PRANDI, Mitologia dos orixás, p. 526-528.
Vicente Galvão Parizi | 157
Noutra versão, onde Oxum estava tão sozinha, mas tão sozinha que
resolveu fazer sua gente. Pegou uma galinha, catulou, raspou e pintou. Colo-
cou na sua cabeça, no seu ori, o oxu. Fez, assim, o povo de santo; a primeira
iaô, que é a galinha-d’angola. 3
então ele tirou um iaô. Raspou esse iaô. (...) Pegou a cabeça e (...) fez o adoxu.
E fez as pintinhas iguais às da galinha-d’angola. Se você reparar bem, a gali-
nha-d’angola anda abaixadinha; a cabeça baixa como deve andar um iaô. A
galinha d’angola só anda em bandos. Nós também... Daí foram surgindo filhos
e filhas. E criou-se a seita. 4
3
Arno VOGEL, Marco A. S. MELLO e José.F.P. BARROS, Galinha d’angola, p.113.
4
Ibid., p. 159.
5
Acho essencial a leitura de Resposta a Jó, onde Jung trata das mesmas questões no âmago do Cristianismo e fazendo
paralelos com sua teoria arquetípica.
158 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Axé
6
No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed
away by the sea, Europe is the less (...); any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind, and
therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee. “Nenhum homem é uma ilha, inteiramente
isolado, todo homem é um pedaço do continente, uma parte do todo. Se um torrão de terra cair no mar, a Europa
fica menor (..); a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não per-
guntai: Por quem os sinos dobram; eles dobram por vós.” John Donne.
7
Wellington Santos RAMOS, Significado do sacrifício no Candomblé, p. 31.
Vicente Galvão Parizi | 159
Essa participação deve ser ativa, pois o axé não é uma energia estável,
fixa, imutável, mas apresenta características peculiares.
O axé está intimamente ligado ao comportamento, ao caráter. Um
homem bom, empático, que age de acordo com a Lei amorosa do universo,
que se mantém ao lado dos Orixás – essa formula simples de ser Bom e
Decente – esse homem está sempre com sua cota de axé carregada. Porém,
comportamentos inadequados impedirão o carregamento do axé, gerando
desgaste, cansaço, doenças.
Ou ainda: as conexões feitas em vidas passadas, pactos com seres in-
visíveis, ligações energéticas ativas entre encarnados e desencarnados,
fazem com que o axé seja transmitido inter-mundos, causando desgaste.
Ou ainda: intervenções na energia como inveja, pragas, maldições,8
desgastam o axé de uma pessoa.
Ou mais: eventos físicos/naturais como epidemias, terremotos, tsu-
namis, enchentes, secas, etc, que colocam os seres vivos em perigo e
desgastam o axé na busca de superação.
E assim sucessivamente, até que possamos concluir que o axé não é
uma energia estável e de geração espontânea; com o uso, o axé se gasta, é
consumido; portanto, precisa ser invocado e recarregado.
O trabalho de invocar e recarregar são os atos rituais – ebós, pactos,
bori, oferendas, iniciações. Nesse trabalho, o adepto fará uso de substân-
cias ou elementos materiais que estão carregados de axé, pois para
recarregar o axé, o meio principal é pelo contato com algo que dele esteja
carregado. Podemos lembrar, por exemplo, o rito do bori, onde sobre a
cabeça do adepto são colocadas uma série de elementos carregadas de axé
e determinadas na consulta oracular (comidas dos Orixás, obi, penas de
pássaros, velas, água, entre outros). Assim invocado, o axé pode ser trans-
ferido para outros seres ou objetos, gerando harmonia, limpeza de
negatividade, renovação das forças e cura de doenças, ou seja, tem múlti-
plas finalidades.
8
No inicio era o Verbo. Para os africanos, a palavra é algo sagrado, com poder gigantesco. Portanto, pragas e maldi-
ções transformam-se em realidades negativas, devendo ser evitadas por adeptos dos Orixás.
160 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Sacrifício
9
Outros ewós fogem completamente dessa característica. Por exemplo, recomendações comportamentais como não
praguejar ou não fazer julgamentos, que têm a ver com o caráter. Ou objetos de uso pessoal que não combinam com
as energias trabalhadas por determinado Orixá, como adeptos de Obatalá não usarem coisas vermelhas na cabeça.
10
Juana E.dos SANTOS, Os nagô e a morte, p. 223.
162 | O livro dos Orixás: África e Brasil
se lembrar que uma parte dela está substituindo uma vida humana. Ou
seja, os sacrifícios voltam-se, antes de qualquer coisa, “a enganar a
morte”,11 salvando ou trocando uma vida por outra. A oferenda-substituta
estabelece uma comunicação entre Orum e Aiyé, entre o axé-gerador e o
axé-filho, criador e criatura. É necessário muito conhecimento para saber
qual a oferenda correta e quais são os itens e elementos a serem combina-
dos. E mais uma vez lembrar que esse sacrifício não é necessariamente de
sangue animal, mas de todos os elementos da natureza.
Tudo, todos os reinos da natureza, contém sangue: animal (sangue
vermelho), mineral (sangue branco ou claro) e vegetal (sangue verde ou
escuro). E sim, minerais também têm vida.12
Sangue é fonte de vida e vida é troca. A manipulação energética de
folhas, grãos e sangue animal, realizada dentro do contexto sagrado, atra-
vés de um sacerdote preparado para isso e com conhecimento do que está
realizando, produz efeitos profundos, afastando doenças, evitando cirur-
gias, superando depressões. Ah, sim, estamos falando de magia. E magia,
antes de qualquer coisa, opera através de trocas: vida se paga com vida.
É importante lembrar que, por melhor concebido e executado seja
um ritual, seu efeito apenas será positivo dependendo do Ori do cada in-
dividuo-alvo, dentro do complexo de sua predestinação.
Resumindo, as religiões africanas têm por objetivo religar o humano
e o divino, separados devido a um falta humana. A religião é a forma pri-
vilegiada de restaurar ou manter a harmonia entre todas as coisas. Para
superar essa divisão básica e restaurar a harmonia, o indivíduo deve se
submeter aos ritos prescritos pelos oráculos.
11
Ibid.
12
A propósito, vale consultar a teoria de Rupert Sheldrake sobre ressonância mórfica.
Vicente Galvão Parizi | 163
Ritos performáticos
Ritos liminares
13
Victor TURNER, Betwixt and between, p. 108.
14
Victor TURNER, Betwixt and between, p. 93.
164 | O livro dos Orixás: África e Brasil
15
No Candomblé afro-brasileiro, a iniciação dura no mínimo 7 anos: começa quando um indivíduo se aproxima da
religião e torna-se abiã; tem seu primeiro grande momento no rito da ”feitura”, também chamado sumariamente de
“raspagem”; seguem-se as “obrigações” de 1, 3, 5 e 7 anos, quando o processo termina e o adepto torna-se ebome,
estando em condições de tornar-se um sacerdote, zelador de Orixás, e de abrir sua própria casa. As obrigações de 1,
3, 5 e 7 anos podem ser entendidas como intermediárias. Dizemos no mínimo sete anos porque cada adepto fará suas
obrigações no ritmo que sua vida e suas finanças permitirem.
16
Por exemplo, no Candomblé, na separação o individuo é abiã; no limen torna-se iaô; na agregação atinge o status
de ebome.
Vicente Galvão Parizi | 165
Limen
Limen e ori
Lembremos que tudo precisa passar por Ori, tudo depende da per-
missão de Ori, inclusive a ajuda que um Orixá pretenda conceder a um
adepto: todo o progresso humano depende do que for sancionado por Ori.
Nos ritos, os banhos caem sobre a cabeça; o ecodidé é fixado nela;
recebe os efuns, os obis, o ejé (quando houver); etc. Daí a grande respon-
sabilidade dos babalaôs, babalorixás e ialorixás: ritos inadequados ou
incorretamente realizados podem causar efeitos negativos na energia (e
na vida) do adepto. Colocar a mão sobre o Ori de alguém é uma enorme
responsabilidade.
Ori é individual, serve a apenas uma pessoa, enquanto os Orixás pro-
tegem a muitos. Portanto,
17
Jose BENISTE, Orun-Aiyé, p. 137.
Vicente Galvão Parizi | 167
18
vide Glossário
168 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Limen e invisibilidade
19
Não há punição dos Orixás, mas o rompimento de ewós tem conseqüências. Por exemplo, no caso da ingestão de
comidas proibidas, é possível que o sujeito tenha vômitos, alergias ou diarréias; ou, no caso do contato com energias
impuras, que seus fios de contas rompam-se. De qualquer modo, em toda casa de santo contam-se inúmeras estórias
sobre a “ximba” recebida por filhos rebeldes.
Vicente Galvão Parizi | 169
Todo esse processo, com sua complexidade, faz nascer no grupo dos
neófitos, e entre eles e seus instrutores, laços de um tipo bastante especí-
fico: entre os primeiros, igualdade; entre os últimos, completa autoridade
e completa submissão. Os instrutores serão “babas” (pais) e “iyas” (mães);
os neófitos serão “irmãos”.
No Candomblé, as regras de conduta são em muito maior numero
que no Culto Tradicional. A Grande Iniciação, no Candomblé, dura 7 anos,
quando o adepto vai de abiã (postulante) a iawo (iniciado) e chega a ebome
(“o mais velho), através das “obrigações” ou iniciações intermediárias de
1, 3 e 5 anos. À medida que as obrigações vão sendo feitas e o status de
ebome se aproxima, as restrições diminuem: após a obrigação de três
anos, a prostração no chão é substituída por apenas bater a cabeça no
chão; o iaô já pode participar de algumas cerimônias como, por exemplo,
passar o bori na cabeça de um iniciante. Após a obrigação de cinco anos,
todos os mais novos devem cumprimentá-lo com respeito. Quando o sta-
tus de ebome é atingido, passa a ser chamado por seu nome civil, pode
comer e beber em vidro, usar talheres, além de participar ativamente dos
ritos privados, dos quais a essa altura deve ter total conhecimento (por
exemplo, deverá dominar o jogo de búzios). Claro que, ao mesmo tempo,
também são aumentadas suas responsabilidades e deveres: cuidar do bom
andamento da “roça”, estar presente aos rituais, dar bom exemplo aos
iaôs, por exemplo.
Em sua situação inicial, o abiã não tem nenhuma obrigação com a
religião; no estado liminar, tem pais e mães que o guiam e ensinam todas
as obrigações (como fazer as comidas de santo, os temperos adequados, as
cantigas, os mitos, os passos da dança, as roupas a serem usadas etc.); no
estado final, torna-se ele mesmo um Pai ou Mãe (babalorixá ou ialorixá),
170 | O livro dos Orixás: África e Brasil
e passa a ter a função de guiar os outros, com direitos e deveres claros para
com seu Orixá e sua comunidade. 20
Já no Culto Tradicional, cada iniciação tem um peso e valor em si; não
existe a seqüência linear temporal do Candomblé. O adepto não começa
numa posição e caminha para chegar a outro ponto, mas faz uma série de
iniciações de valor único; por exemplo: iniciação em Exu, ou Oxum, ou
Egbe, etc. A primeira iniciação em geral é a Ifá-Orunmilá, pois é nela que
o Babalaô encontra (no oráculo) o Odu regente do adepto e, a partir do
Odu, determina quais iniciações serão feitas, quais as mais urgentes, ebós,
etc. Cada iniciação atrai um Orixá e uma energia específica, necessários ao
adepto para cumprir seu predestino, aprimorar seu caráter e ter mais fe-
licidade e progresso no Aiyê. Nesse caminho, pode ser que os oráculos
revelem a necessidade de seguir o caminho do sacerdócio mas, caso isso
não aconteça, o adepto não chegará a um lugar especifico (como o ebome
no Candomblé), apenas fará o que for necessário para sua vida e seu cres-
cimento pessoal.
Ao entrar para um Ilê, uma pessoa educada nos valores judaico-cris-
tãos pode enfrentar grandes crises ao se defrontar com regras e conceitos
muito diversos, começando pela noção de “família”, envolvendo a vida em
comunidade, respeito pelos mais velhos (de idade e de Orixá), os antepas-
sados.
Ao incorporar todos esses valores religiosos e comportamentais nas
religiões brasileiras, os africanos escravizados provavelmente tentavam
manter viva sua cultura original. O amálgama possível, nas condições da
escravidão, foi esse: religião, traços sociais e culturais num mesmo cadi-
nho, resultando nas religiões afro-brasileiras como as conhecemos. A
norma é acima de tudo cultural: o que está em jogo são os interesses cole-
tivos, a sobrevivência da comunidade, que se sobrepõe às necessidades
20
Acho importante aqui remarcar que o Candomblé é uma religião afrobrasileira em constante evolução, e suas
regras nem sempre foram as mesmas, conforme relata Pai Agenor: No meu tempo não (...) tinha essa história de
não poder encarar o pai de santo, de não poder sentar com ele à mesa, ou em assentos com a mesma altura. Os
africanos impunham e exigiam respeito, sim, mas de forma natural. Esse tipo de proibição é coisa de alguns baianos
– e de alguns cariocas também. Um vento sagrado, p. 58
Vicente Galvão Parizi | 171
Nascimento
21
Victor TURNER, p. 100.
172 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Pessoa
22
Victor TURNER, Betwixt and between, p. 96.
23
Ibid., p. 102. (grifo nosso)
24
“Núcleo interior do sujeito que aglutina os seus atributos psíquicos peculiares”. Patrícia BIRMAN, Fazer estilo
criando gêneros, p. 34.
Vicente Galvão Parizi | 173
25
Ibid., p. 32.
26
Juana E. dos SANTOS, Os nagô e a morte, p. 44-45.
174 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Complexo Orixá-Exu-Erê
Cada pessoa tem um Orixá principal, o chamado Olori, do qual se diz que ele
rege a cabeça dessa pessoa e deste Orixá a pessoa é filho(a). Além deste, cada
indivíduo é influenciado por outros Orixás. Por causa da influência de diversos
Orixás sobre uma pessoa é que se explica a diferença de caráter existente entre
27
Pierre VERGER, Notas ao culto dos orixás e voduns, p. 82.
176 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Além dos Orixás que compõem o enredo, cada adepto ainda possui
um Erê e um Exu. Essa situação é tão importante que se pode pensar
28
Volney BARKENBROCK, A experiência dos orixás, p. 252.
29
Roger BASTIDE, O candomblé da Bahia, p. 217.
30
Volney BERKENBROCK, A experiência dos Orixás, p. 287.
Vicente Galvão Parizi | 177
31
Pierre VERGER, Notas sobre o culto dos Orixás e Voduns, p. 276.
178 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Transe
32
Ibid. p. 29.
Vicente Galvão Parizi | 179
33
Estes são os famosos “segredos” da religião dos Orixás: a estruturação dos ritos, os instrumentos, as folhas etc.,
que atraem os Orixás para o ori do adepto; como se tratam de momentos sagrados, estão reservados para os que vão
se iniciar; são, simplesmente, o lado reservado - ou esotérico - da religião.
34
Apud Pierre VERGER, Notas sobre o culto aos orixás e voduns, p. 87-88.
35
Ibid., p. 88-89.
180 | O livro dos Orixás: África e Brasil
é um outro que não ele que se expressa e se dirige a outros que não ele, mesmo
que estes últimos constituam uma coletividade da qual ele faz parte: (...) seu
corpo (...) não passa de uma mediação ou de um médium. 37
36
Ibid., p. 90.
37
Marc AUGÉ, op. cit., p. 35-36.
Vicente Galvão Parizi | 181
ator, se pensarmos que não está inteiramente consciente (em parte está
ausente para permitir a manifestação daquele que o “ocupa”).
Assim, Augé reconhece que o transe é uma encruzilhada, a relação
de um ser com um outro, onde “a potência que possui não é completa-
mente estranha à pessoa possuída” 38 da mesma forma que não é estranha
aos espectadores: uma Potência, que é parte constituinte de seu adepto,
manifesta-se nele como sendo um “à parte” daquele é seu portador, que
se “retira” para que a Potência se manifeste, ao mesmo tempo ausente e
presente, inconsciente e consciente.
A questão de boa ou má fé por parte do médium é inteiramente su-
pérflua, e nem precisa ser colocada, desde que se trata de uma identidade
íntima entre a Potência e seu portador. Da mesma forma com a inconsci-
ência durante o transe:
seu vodum se acha no seu próprio rim. A vida não cochicha no ouvido das
pessoas: é no seu próprio rim que ela fala. 40
38
Ibid.
39
Ibid. p. 53-54.
40
Citado em Marc AUGÉ, op. cit., p. 54.
182 | O livro dos Orixás: África e Brasil
41
Roger BASTIDE, O candomblé do Brasil, p. 188.
Vicente Galvão Parizi | 183
Ritos eficientes
42
Ken & Treya WILBER, Grace and grit, cap. 5.
184 | O livro dos Orixás: África e Brasil
1
Roger Bastide, apud Maria Helena Villas Boas CONCONE, Uma religião brasileira: umbanda, p. 2.
186 | O livro dos Orixás: África e Brasil
2
Volney BERKENBROCK, A experiência dos orixás, p. 117.
3
Ibid., p. 62.
4
Maria Helena Vilas Boas CONCONE, Uma religião brasileira: umbanda, p. 17-18.
5
Volney BERKENBROCK, op. cit., p. 113. Também Roger BASTIDE, Religiões africanas no Brasil, p. 90.
Vicente Galvão Parizi | 187
6
Ronilda I. RIBEIRO, op. cit., p. 130.
7
Ildásio TAVARES, Xangô, p. 62-63.
188 | O livro dos Orixás: África e Brasil
8
Josildeth Gomes CONSORTE, Sincretismo ou africanização? p. 13.
Vicente Galvão Parizi | 189
9
Roger BASTIDE, As Américas negras, p. 111.
10
Volney Berkenbrock, op. cit. p. 112.
190 | O livro dos Orixás: África e Brasil
O ser humano:
encruzilhada e travessia de muitos mundos
1. Noção de “pessoa”
1
As contribuições norteamericanas, importantes (Carl Rogers, Abraham Maslow, Stanislav Grof, Ken Wilber,
B.F.Skinner, Gregory Bateson) todas estão referenciadas e afiliadas às correntes européias, inclusive para negá-las.
2
Marcel MAUSS, Sociologia e antropologia.
192 | O livro dos Orixás: África e Brasil
percepção de si, incluindo os outros ao seu redor e sua inserção social, até
a percepção de seu lugar na vasta teia do Universo. A pessoa se faz na longa
travessia que é a aventura humana.
Enikeji – o Duplo
3
Hermes Trismegisto foi legislador e filósofo egípcio, provavelmente vivendo entre 2.500 e 1.300 a.C. A tradição
atribui-lhe uma obra gigantes (cerca de 36 livros, inclusive a famosa Tábua de Esmeralda, origem da Alquimia),
abrangendo todos os aspectos do conhecimento humano. Essa grandiosidade sugere que, ao invés de uma única
pessoa, é possível que Hermes Trismegisto seja (como o Homero grego ou o Moisés judeu), figura compósita, sinte-
tizando todo o saber acumulado pelos egípcios ao longo do tempo. Sua influencia foi enorme em todo o pensamento
antigo, inclusive na Grécia. O estudo de sua filosofia é chamado Hermetismo. Sua obra perdeu-se nas sucessivas
invasões ao Egito, bem como o incêndio da Biblioteca de Alexandria. (Wikipédia). Para correntes ocultistas, foi en-
carnação do deus grego Hermes no Egito, fazendo a ligação entre os conhecimentos das duas culturas. Teria vivido
no mesmo período de Abraão, ou seria mestre de Moisés, e a ambos teria ensinado os princípios ocultistas, ou seja,
estaria na origem do Judaísmo. Sua importância cresce com o tempo, passando a ser mais que um homem, uma
Figura Arquetípica, fora do tempo cronológico, geradora de conhecimentos fundadores.
196 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Ser amigo de enikeji implica em pedir que ele ajude a viver com
honra, ter um bom caráter. Enikeji e Ori se comunicam, então a amizade
e sintonia com enikeji permite que informações importantes cheguem ao
nosso consciente.
Um itan diz que
4
Importante entender que se trata de realmente todo ser vivo, o que inclui animais e plantas: um lado é espelho
perfeito do outro. O ser humano é importante, mas toda a criação é importante.
5
KUMARI, Ayele Isese spirituality workbook, pg 291.
Vicente Galvão Parizi | 197
Ojiji – a Sombra
6
Ifasola Sowmi – Meu coração africano – blog.
7
Esse balanço aparece em todas as Tradições. Apenas nas Tradições chamadas Abraâmicas que se trata de um jul-
gamento definitivo. Em todas as outras, admite-se a reencarnação como forma de continuar a evolução; estar
encarnado é uma bênção, uma situação da máxima importância, pois é a única possibilidade de evolução. Evoluir
parece ser o sentido geral da Criação.
198 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Resumo
nós na imensa rede do Universo, uma rede com fios, nós e espaços apa-
rentemente vazios mas repletos de matéria escura ou transparente ou
invisível.
Portanto, os humanos possuem natureza compósita: aparentemente
sólidos e únicos, mas de fato um cruzamento, uma travessia de diversos
elementos, um ser em relação e construção/transformação, tão mais in-
tensa e produtiva quanto maior for sua compreensão de sua natureza
múltipla.
Então, há um ara (o corpo físico), herdado dos Ancestrais. Herda-se
um DNA que determina a altura, a tendência à corpulência ou esbelteza, a
cor dos olhos, a cor da pele, a tendência a termos doenças, desde diabetes
ou colesterol alto até câncer, alcoolismo ou demência, se seremos carecas
ou cabeludos, sistema imunológico mais ou menos eficaz. Mas não só isso:
os Ancestrais também transmitem uma herança emocional, em parte cul-
tivada na infância, com atos e comportamentos que vão sendo
transmitidos através da vida em família, em parte diretamente transmiti-
dos junto com o DNA. E também uma herança espiritual: os Ancestrais
fizeram/fazem parte de Egbés, tiveram comportamentos que geram car-
gas para as gerações futuras, fizeram pactos que incluem os descendentes.
Esse ara tem um correspondente no Orum, num Egbé Orum, o Eni-
keji. Esse duplo e todos os outros integrantes desse Egbé – que pode ser
Egbé diferente dos Egbés de Ancestrais! – interferem em pensamentos e
comportamentos.
Esse ara projeta uma ojiji, a sombra, essência espiritual visível a olho
nu, responsável pela memória de todos os atos, pensamentos, emoções,
sentimentos.
Há okan, o coração físico, que mantém vivo o corpo onde se instala o
okan imaterial (a sede da inteligência), onde estão armazenadas as instru-
ções e leis de Eledumare.
Há emi, o sopro divino que dá vida ao conjunto e, quando ausente,
significa a cessação da vida no corpo.
Vicente Galvão Parizi | 201
Existem sobre a terra duas raças humanas, e realmente apenas essas duas: a
“raça” das pessoas direitas e a das pessoas torpes (...) O que é, então, um ser
humano? É o ser que sempre decide o que ele é.8
8
Viktor E. Frankl – Em busca de sentido pg. 112.
202 | O livro dos Orixás: África e Brasil
AUGÉ, Marc. Les formes de l’oubli. Paris: Éditions Payot & Rivages, 1998.
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____. A terra e os devaneios do repouso: ensaio sobre as imagens da intimidade. São Paulo:
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206 | O livro dos Orixás: África e Brasil
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Vicente Galvão Parizi | 209
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Fontes orais:
Ifásolá Sownmi.
Anexo 1
O radical grego arché refere-se a início, origem (...) tipo se refere a uma im-
pressão ou modelo. Assim, arquétipo significa o modelo a partir do qual são
impressas as cópias, o padrão subjacente, o ponto inicial a partir do qual al-
guma coisa se desenvolve. 1
1
Christine DOWNING, Espelhos do self, p. 10.
214 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Freud e os arquétipos.
2
Richard TARNAS, A epopéia do pensamento ocidental, p 21.
3
Ernst CASSIRER, Ensaio sobre o homem, p. 96.
Vicente Galvão Parizi | 215
4
Sigmund FREUD, Moisés e o monoteísmo, p. 133.
216 | O livro dos Orixás: África e Brasil
5
FREUD. Totem e tabu, in Peter GAY. Sigmund Freud: obras psicológicas, p. 479.
Vicente Galvão Parizi | 217
Nesse estágio (...) em que as fantasias não repousam mais sobre reminiscên-
cias pessoais, trata-se da manifestação da camada mais profunda do
inconsciente, onde jazem adormecidas as imagens humanas universais e ori-
ginárias. Essas imagens ou motivos, denominei-os arquétipos.7
6
Uma interessante análise do Candomblé sob a ótica psicanalítica pode ser encontrada em Ernesto LA PORTA, Es-
tudos psicanalíticos dos rituais afro-brasileiros.
7
C.G.JUNG, Estudos sobre psicologia analítica, p. 57. (itálico no original).
8
Christine DOWNING, Espelhos do self, p.10.
218 | O livro dos Orixás: África e Brasil
9
Ibid., p. 69.
10
Ibid., p. 126-127.
11
Marie L. VON FRANZ, Reflexos da alma, p. 103.
12
Donald R. DYER, Pensamentos de Jung sobre Deus, p. 20.
Vicente Galvão Parizi | 219
A abordagem bootstrap
13
Cartas de C.G.Jung, vol. 1, p. 360-361, (7 de abril de 1945, carta a Max Frishknecht), apud Donald DYER, Pensa-
mentos de Jung sobre Deus, p.19.
14
C.G.JUNG, Resposta a Jó, Vozes, 2001.
15
C.G.JUNG, Estudos sobre psicologia analítica, p. 175-176.
220 | O livro dos Orixás: África e Brasil
16
CHEW, George. Bootstrap: a scientific idea ? in Science, 1968, p. 161-762, apud Stanislav GROF, Além do cérebro,
p. 312.
17
Stanislav GROF, op. cit., p. 39.
Vicente Galvão Parizi | 221
final, sendo consistente, é que justifica cada um dos elementos que a cons-
titui.
Essa visão é muito semelhante à concepção iorubana de universo:
18
Ronilda Iyakemi RIBEIRO, Alma africana no Brasil, p. 37, grifado no original.
19
Ken WILBER, O espectro da consciência, p. 20.
Vicente Galvão Parizi | 223
A “falácia pré-trans”
20
Frank VISSER, The world of Ken Wilber.
226 | O livro dos Orixás: África e Brasil
21
Em toda sua obra Wilber utiliza os conceitos e a terminologia de Piaget, a quem endossa in totum.
Vicente Galvão Parizi | 227
22
Ken & Treya WILBER, Grace and grit, cap.5.
228 | O livro dos Orixás: África e Brasil
23
Ken WILBER, Sex, ecology and spirituality, p. 745.
230 | O livro dos Orixás: África e Brasil
24
Para a Psicanálise, processo primário é o modo de funcionamento do aparelho psíquico que caracteriza o sistema
inconsciente; a energia é livre e ligada ao desejo, buscando satisfação imediata. É o gerador do sonho e das alucina-
ções. A ele opõe-se o processo secundário, ligado ao consciente, com a energia “ligada” ou investida fluindo de forma
controlada, podendo adiar a satisfação dos impulsos instintuais. É o gerador do pensamento racional. LAPLANCHE
& PONTALIS, Vocabulário da psicanálise, p. 371-373.
Vicente Galvão Parizi | 231
Stanislav Grof
Para Grof, não faz sentido concordar com a Psicanálise que o pri-
meiro grande evento da vida de uma pessoa seja a primeira mamada, pois
essa pessoa viveu nove meses no útero materno, passou pela experiência
poderosa do nascimento biológico, foi pesada, lavada, vacinada, vestida e
finalmente apresentada à mãe. Antes de pensar na relação primitiva da
criança com o seio é preciso olhar para a relação da criança com o útero
materno e a grande transformação que é o nascimento:
Uma transição radical, de uma forma aquática de vida cujas necessidades eram
continuamente satisfeitas pela circulação placentária, para o stress extremo
emocional e físico da luta de nascimento, e então para uma existência radical-
mente diferente como um organismo que respira ar, é um acontecimento de
grande importância que abarca até o nível celular. 25
25
Stanislav GROF, A psicologia de espectro de Ken Wilber, p.7.
232 | O livro dos Orixás: África e Brasil
26
Stanislav GROF, Psicologia do futuro, p. 37.
Vicente Galvão Parizi | 233
27
Stanislav GROF, A psicologia de espectro de Ken Wilber, p.24.
28
Stanislav & Christina GROF, Emergência espiritual, Cultrix, 1992.
29
Grof não se encontra isolado em sua abordagem das psicoses como crise que pode ser construtiva e demonstra
particular afeição pelo trabalho do psiquiatra John Perry que, utilizando conceitos da Psicologia Analítica, demons-
trou como os delírios aglutinam-se em torno de arquétipos, mitos e rituais arcaicos.
234 | O livro dos Orixás: África e Brasil
30
Stanislav GROF, A psicologia de espectro de Ken Wilber, p.25. (grifado no original)
Vicente Galvão Parizi | 235
A evolução espiritual não segue uma trajetória linear direta (...) mas envolve
um movimento de consciência combinado regressivo e progressivo. 32
31
Stanislav GROF, Psicologia do futuro, p. 85-86.
32
Stanislav GROF, A psicologia de espectro de Ken Wilber, p. 28.
33
Ken WILBER, Sex. ecology, spirituality, p. 745.
236 | O livro dos Orixás: África e Brasil
34
Stanislav GROF, A psicologia de espectro de Ken Wilber, p. 29.
Vicente Galvão Parizi | 237
35
Victor TURNER, Betwixt and between, p. 96.
36
Ibid., p. 102. (grifo nosso)
Anexo 3
Comidas de Orixás
Candomblé
Comida de Ossaim – Batata doce cozida em água, amassa sem casca, re-
foga com cebola e camarão socado e dendê. Também se serve buruburu
coberto com azeite de dendê
Ebô – É a comida de Oxalá, à base de canjica branca. Cozinhar a canjica,
escorrer e colocar num recipiente de louça branca, adotando o formato de
uma montanha. Essa é a comida de Oxalufã. Para Oxaguiã, também se
utiliza a canjica branca cozida mas no centro da montanha coloca-se um
inhame cozido e descascado.
Eboim - Comida de Nanã, um ebô igual ao de Oxalá, coberto com coco
ralado branco.
Edibô – Comida de Iemanjá, à base de canjica branca cozida, temperada
com azeite de dendê, cebola ralada e camarão ralado. Coloca-se num reci-
piente de louça e enfeita-se com camarões inteiros, com as cabeças
intactas.
Ekuru – A massa é preparada da mesma forma que a do acarajé (feijão
fradinho sem casca triturado), envolto em folha de bananeira como o acaçá
e cozido no vapor.
Epeté – Comida de Oxum. É feito à base de inhame cozido e amassado em
forma de purê. Tempera-se com dendê, cebola ralada e camarão moído
bem fininho. Enfeita-se com camarão seco.
Epeté de batata doce – Comida de Oxumarê. Cozinhar batata doce e fazer
um purê, temperado com azeite de dendê, cebola ralada e camarão moído.
Epô – Azeite de dendê.
Farofa – Comida de Exu. Feita com farinha de mandioca misturada com
água; farinha com azeite de dendê; farinha com cachaça. Ao conjunto das
três farinhas dá-se o nome Padê.
Feijão preto – Comida de Ogum (com os feijões cozidos mas inteiros) e
de Omolu (com os feijões quase transformados numa pasta). Feijão preto
escolhido, lavado e cozido, temperado com azeite de dendê, camarão seco
e cebola ralada. Serve-se num alguidar de barro.
242 | O livro dos Orixás: África e Brasil
Feijoada – Comida predileta de Ogum, não pode faltar nas festas desse
Orixá. Entretanto, não se oferece feijoada aos pés do Orixá.
Guguru – Comida de Oxumarê. Feijão com milho, cebola, azeite e cama-
rão.
Inhame – Comida predileta de Oxaguiã. Coloca-se um inhame cozido, em
pé no centro de um Alguidar com Ebô.
Inhame assado ou Ixu - Comida de Ogum. Coloca-se encima de brasas ou
do fogo até que a casca esteja completamente preta; raspa-se a casca quei-
mada e unta-se com azeite de dendê fica apenas o inhame assado.
Espetam-se sete ramos de mariô e coloca-se num alguidar de barro.
Inhame cru – Comida de Ogum: inhame simplesmente cortado ao meio,
passado no dendê.
Manjar – Comida de Yemanjá, feito com leite de coco, açúcar e creme de
arroz (ou farinha de milho branca).
Omolocum – Comida de Oxum. Feijão fradinho cozido, refogado com ce-
bola, sal, camarão seco e dendê. Pode-se optar por usar apenas o sal do
camarão. Enfeitar com ovos cozidos. O número de ovos cozidos em cima
do omolocum depende do tempo de santo que a pessoa tem, sempre nú-
meros pares: 4, 6, 8, 10, 12. A quantidade, na verdade, é designada pelo
Pai de Santo. Quanto mais novo, menor a quantidade de ovos. Também
omulucu e omolokun.
Padê – Comida de Exu, feita à base de farinha de mandioca crua misturada
com algum liquido: dendê, pinga, mel e água. Na falta de algum desses
ingredientes, pode-se fazer a farofa com vinho, champanhe ou cerveja.
Anexo 4
Comidas de Orixás
Tempero
Tomate
Cebola
Pimenta dedo-de-moça
Pimentão vermelho
Camarão seco limpo (sem cabeça, sem rabo e sem entranhas)
Sal
Bater tudo no liquidificador.
Camarão – sempre sem cabeça, sem rabo, barriga limpa sem tripas
Acaçá
Farinha de milho branca, cozinha em água sem tempero, fazer bolinhos e
enrolar em folha de bananeira. Utilizado em todos os rituais de todos os
Orixás: ebós, bori, oduns, etc.
Acarajé - Comida de Oyá e Obá.
Bolinho de feijão fradinho temperado com cebolas e frito no azeite de
dendê. Usa-se a farinha de acarajé pronta, batida com cebola ralada e sal
244 | O livro dos Orixás: África e Brasil
até ter fermentação, ficando bem leve. Faz-se o bolinho com a colher e se
frita no azeite de dendê.
Amalá - Comida de Xangô
Feijão fradinho cozido bem molinho, batido no liquidificador até virar um
purê. Refoga-se com tempero, dendê, camarão inteiro
No fundo da gamela – apenas no centro, sem chegar até às bordas – papa
de inhame feita de inhame cozido e batido no liquidificador até virar um
creme grosso.
Assaró – serve todas as Iyabás
São duas apresentações:
1.Inhame cozido, cortado em cubos.
2. Inhame cozido, cortado em cubos. Não dispensar totalmente a água do
cozimento e usar um pouco no refogado: os cubos de inhame, dendê, tem-
pero e camarão inteiro.
Banana-da-terra – Comida de Iewá e Exumarê
Banana da terra cortada em fatias de comprido, fritas no dendê
Comida de Ajé – tem duas apresentações
1. Massa de inhame cozido sem tempero. Molda-se no prato – por exemplo,
como uma cobra ou peixe dobrado – e enche-se de mel no bojo.
2. Massa de inhame cozido sem tempero, mistura-se mel na massa e mis-
tura bem. Molda no prato e acrescenta mel em cima e em volta.
Ebô - Comida de Obatalá
Cozinhar a canjica branca, sem sal e sem tempero, escorrer e colocar num
recipiente de louça branca, adotando o formato de uma montanha. Pode-
se colocar mel em cima.
Edibô – Comida de Yemoja
Ebô refogado em dendê, tempero e camarão inteiro.
Ekuru – Serve Exu, Exufá, Orunmilá e Egbé
Cozinhar o inhame mas deixar meio duro. Ralar e obter uma farinha, tipo
padê. Divide em dois: metade mistura com dendê e metade servido branco
sem nenhuma mistura.
Duburu
Vicente Galvão Parizi | 245
2002, p. 181). Quebra-se o feijão fradinho para tirar a casca e a pele, fi-
cando somente a polpa, que é moída e batida com cebola ralada e sal até
ter fermentação, ficando bem leve. Faz-se o bolinho com a colher e frita-
se no azeite de dendê. Frito no azeite doce, é oferecido para uma qualidade
especifica de Iansã, que só veste roupa branca e não usa dendê.
Acarajé de Obá – Igual ao de Iansã, mas na hora de fritar, coloca-se um
camarão seco em cima.
Acocô. Ver Akòkò.
Adê – Coroa. (MARTINS, 2001, p.171). Diadema de metal ou seda e borda-
dos, com franjas de vidrilhos, arrematado atrás por um laço de ojá de
cabeça. Paramento usado pelos Orixás Oxum, Iemanjá, Iansã, Nanã e Oxa-
lufã quando, incorporados, vêm dançar em festa pública. (CACCIATORE,
1977, p. 38). Coroa feita em metal ou tecido bordado com contas, búzios,
vidrilhos e outros materiais. Geralmente arrematado por um laço em sua
parte posterior. Em sua frente é bordada uma franja que cobre o rosto do
orixá, confeccionada com miçangas nas cores próprias de cada um deles,
passando a ter o nome de filá.
Adebá – Ver Adobá.
Adíe. Galinha.
Àdirà. Ver. Adura.
Adjá – Pequena sineta de metal, com uma, duas, até três e quatro campâ-
nulas com badalo (...) Uma de suas funções é, sendo tocada (...) junto ao
ouvido de uma filha, esta entrar em transe ou mantê-lo por mais tempo.
(CACCIATORE, 1077, p. 39). Instrumento de percussão. Composto por
campânulas presas a um cabo, geralmente trabalhado, é feito de metal e
não faz parte do conjunto da orquestra. É empunhado pelas mães ou pais-
de-santo, ou por quem eles determinarem, para invocar os orixás, quando
estes tardam. (BARROS, 2005, p.50). Seu som é considerado como possui-
dor de grande força (axé). (BARROS, 2005, p. 170).
Ado – Comida para Nanã, é milho de galinha torrado e moído até se tornar
uma espécie de paçoca em pó, temperada com açúcar.
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vistas, etc; o nível dos humanos, animais, plantas, etc,, enfim, o mundo da
Criação, das Coisas Criadas. Não obstante, é importante não esquecer que
“cada indivíduo, cada árvore, cada animal, cada cidade etc possui um duplo
espiritual e abstrato no Orum (...) ou, ao contrário, tudo o que existe no
Orum tem sua ou suas representações materiais no Aiyê”. (SANTOS, 2001,
p. 54). Terra. (MARTINS, 2001, p.172). Embora mais comumente grafado
Aiyê, também registra-se Aiê (CACCIATORE, 1977, p. 43, e HOUAISS,
2001, p. 119).
Ajabó – Quiabo picado em rodelas servido com água gelada e temperado
com mel.
Àjàgùnmàlè. Orixá com poder para fazer o homem alcançar seus objeti-
vos e estabelecer vínculos com todas as forças da natureza, tanto no orun
quanto no aye. (SALMI/RIBEIRO, 2011, p. 410).
Ajapá – Cágado, animal sacrificado a Xangô. (CACCIATORE, 1977, p. 44)
Ajé. Dinheiro; concha. Orixá da riqueza e da prosperidade. Ajé Saluga.
Epíteto de Ajê. (SALMI/RIBEIRO, 2011, p. 410).
Àjé. Mulher iniciada no culto a Iyami Oxorongá; mulher dotada de poderes
especiais que os utiliza para praticar tanto o bem quanto o mal. As Àjé
Funfun trabalham especialmente para o bem, enquanto as Àjé Pupa traba-
lham especialmente para o mal. Epiteto de Iyami Oxorongá.
(SALMI/RIBEIRO, 2011, p. 410).
Ajeum – Comida.
Ajocô – Ver Jocô.
Ajuntó – Ver Juntó.
Akòkò. Acocô. Árvore sagrada cujas folhas são utilizadas na consagração
de reis e em vários rituais de culto aos orixás. (SALMI/RIBEIRO, 2011, p.
411).
Àkùko, àkùko-adíe. Galo.
Alá – Pano branco imaculadamente limpo, alvíssimo (...) em tamanho
grande, estendido e elevado, acolhe o assentamento de Oxalá e os partici-
pantes que acompanham o cortejo no dia da procissão do Alá (...)
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Filha-de-santo – Iniciada.
Filho-de-santo – Iniciado.
Fomo – O terceiro a ser feito num barco de iaôs.
Fomitinho (a) – O quarto a ser feito num barco de iaôs.
Fundamento – Princípios, rituais e símbolos que garantem a conservação
e a transmissão do axé do terreiro, e a preservação da ordem do mundo,
num sentido mais geral. (MOURA, 1982, p. 62)
Funfun – Branco. A cor branca configura-se como a cor da criação, guar-
dando a essência de todas as demais. O branco representa todas as
possibilidades, a base de qualquer criação. (REIS, 2000, p. 241). Funfun é
o branco de tudo o que é branco. O branco representa a criação, o poder
genitor masculino e feminino, a passagem/transformação de um nível de
existência a outro. (RODRIGUÉ, 2000, p.76). Ver Orixá funfun
Gamo – O (a) quinto (a) a ser feito num barco de iaôs.
Gamotinho – O (a) sexta a ser feito num barco de iaôs. Raramente se
encontram barcos maiores do que seis pessoas.
Guguru - Feijão com milho, cebola, azeite e camarão (CARYBÉ, 1962, p.
340); comida de Oxumarê.
Hierarquia nos terreiros – De modo geral as denominações e cargos são
(...) : Babalorixá ou Ialorixá, Babakekerê ou Iakekerê, Ialaxé, Dagã e Si-
dagã, Iámorô, Iabassê, Iaô, Abiã, Ogã, Equede.
Iá – Mãe. Termo usado junto a diversos outros que especificam cargos hi-
erárquicos no Candomblé. (CACCIATORE, 1977, p. 138)
Iabá – Rainha; nome pelo qual os Orixás femininos (e seus filhos e filhas)
são designados. (MARTINS, 2001, p. 172). Também grafado (principal-
mente na Bahia) Aiabá. Ver Aboró.
Iabassê – Chefe da cozinha ritual.
Iaefum – Cargo encontrado nos Terreiros de origem iorubá. (MARTINS,
2001, p. 176). Responsável pela pintura ritualística das iaôs em suas saídas
da camarinha ( HOUAISS, 2001, p. 1558) ebome encarregada dos efuns,
pós utilizados em diversos rituais. Também registra-se iyaefun.
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Mãe pequena – A ebome que toma conta de alguém que está passando
pelo processo de iniciação, ou complementando este processo (MARTINS
& MARINHO, 2002, p. 187). Ver Iakekerê.
Manteiga de ori – Ver Banha de Ori.
Mãe pequena – A ebome que toma conta de alguém que está passando
pelo processo de iniciação, ou complementando este processo (MARTINS
& MARINHO, 2002, p. 187). Ver Iakekerê.
Mão-de-faca – Pessoa que se especializou na matança ritual dos animais
sagrados. Também se diz Axogum. (CACCIATORE, 1977, p. 170).
Mariô – Nome mítico dado às folhas novas do dendezeiro, folhas desfiadas
usadas como proteção das portas principais das Casas de Orixá, também
conhecidas como vestimenta do Orixá Ogum. (RODRIGUÉ, 2000, p. 201).
Também se grafa Mariwo e Monriwo.
Merindilogum – Oráculo composto por dezesseis cauris (MARTINS &
MARINHO, 2002, p. 187). Jogo de búzio.
Miruá – Comida de Oxalufã: bolinha de arroz cozido em água, sem tem-
pero.
Moruncó – Ato do santo da pessoa dar o nome, durante a iniciação
(CACCIATORE, 1977, p. 49) A iaô grita esse nome em transe, ao sair da
camarinha para dançar em público, numa cerimônia que faz parte do rito
de iniciação do candomblé (...) a cerimônia publica em que isso sucede; dia
da saída; dia de dar o nome. (HOUAISS, 2001, p. 2085).
Mutumbá - Termo que significa saudação respeitosa ante alguém. Pedido
de benção. (CACCIATORE, 1977, 176) Também se diz Motumbá.
Nação – Expressão popular usada pelos membros dos candomblés, que
toma como referência o culto dedicado aos Orixás (nação keto), inquices
(nação angola) e voduns (nação jeje) (MARTINS & MARINHO, 2002, p.
187).
Nagô – Nome dado, no Brasil, ao grupo de escravos sudaneses procedente
do país Iorubá. Nome dado, no Brasil, à língua iorubá. (CACCIATORE,
1977,p. 178)
Noz-de-cola – Ver Obi.
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