Incriveis Historias Mediocres de Montanha
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Incriveis Historias Mediocres de Montanha
HISTÓRIAS
MEDÍOCRES
DE MONTANHA
Uma seleção de casos ordinários
Incríveis histórias
medíocres de montanha
Uma seleção de casos ordinários
INCRÍVEIS HISTÓRIAS MEDÍOCRES DE MONTANHA 3
PREFÁCIO
Temos uma queda pelo grandioso. Sonhamos alto,
buscamos a glória. Nossos heróis são gente de feitos
homéricos (ainda que nem saibamos quem foi Homero).
Ansiamos por alcançar os grandes cumes, subjugar as
grandes paredes, estraçalhar as altas graduações,
galgar as mais assustadoras travessias, transpor as
gretas mais profundas.
SUMÁRIO
05. Sopão 24
10. Gênesis 41
12. O Eterno 50
CAPÍTULO 1
O MENINO DE ASAS
Saímos cedo em direção à serra. Na moto ia o piloto
com uma mochila de ataque na frente e eu, o carona,
com uma cargueira abarrotada nas costas. Além de todo
o equipamento de escalada, levávamos conosco dois
parapentes, e a ansiedade de poder subir uma
montanha, alcançar o cume por uma parede de granito
e descer lançando o corpo no abismo, contrariando a
intolerante gravidade, voando feito um urubú. O
parapente não pesa muito mas ocupa um volume
desgraçado. O excesso de bagagens tornava difícil a
condução da moto. Em cada curva fechada a buzina era
acionada involuntariamente. Mas chegamos na base da
montanha à salvo. O peso foi distribuído da melhor
forma possível nas duas mochilas e iniciamos a
caminhada até a parede escolhida.
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CAPÍTULO 2
QUEDA LIVRE
O tempo estava perfeito. Céu azul, vento fresco,
intensidade média, soprando continuamente do litoral.
Ao meio-dia teria um almoço gostoso na casa de quem,
um ano depois, viria a se tornar meu sogro. Tínhamos
que sair cedo e voltar rapidamente. O tempo estava tão
perfeito que dispensamos tudo que o bom senso exige.
Rumamos ao descampado da decolagem de sandálias,
bermuda e camiseta, abandonamos o rádio comunicador
em casa e, pra fechar com chave de ouro, voávamos
sem o pára-quedas reserva, que, aliás, nunca tivemos.
Afinal, o que poderia dar errado?
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CAPÍTULO 3
ÀS VEZES FALHA
Chegamos na estrada no meio da tarde. Era um corte
estreito na densa floresta, que ligava a restinga
litorânea à uma pequena cidade na beira da BR. Do
ponto em que chegamos até a cidadezinha, teríamos
ainda que percorrer cerca de 50 km.
– Toda terça.
CAPÍTULO 4
O RAIO QUE O PARTA
Saímos em 12 pessoas abarrotadas dentro de uma Topic
alugada. Passaríamos os próximos 5 dias juntos, num pé
de serra, encurralados por grandes paredes verticais e
dezenas de possibilidades de rotas para alcançar os
benditos cumes. Não era a primeira vez que iríamos
para lá, mas esperávamos ser a primeira vez que
ninguém nos passaria a perna no local. Em outras visitas
havíamos sido enganados por taxistas de Kombi
abandonando-nos na beira da estrada, jurando de pé
junto que a trilha começava ‘logo ali’; restaurantes
fantasmas nos serviram, entre outras bizarrices,
bistecas no osso, que já vinham mordidas da cozinha; e
padarias com produtos superfaturados, especialmente
para turistas trouxas. Dessa vez seria diferente. E
como.
Optamos por uma via fácil, para ser escalada junto com
as esposas, só curtindo o visual. As informações
coletadas com antecedência definiam a dificuldade da
rota como 3º grau. Iniciamos a escaladinha na maior
tranqüilidade. Com o passar dos metros, a coisa
começou a complicar, não pela dificuldade técnica, mas
pela total ausência de proteções na parede. Finalizamos
o primeiro esticão diretamente na parada, 25 metros
acima do solo, sem nenhum ponto de proteção
intermediário. A situação se repetiu no segundo esticão,
mas com um agravante. Alguns metros antes da parada
surgiu repentinamente por trás da parede um toró de
lavar até a alma. Descemos os dois lances de rapel
debaixo de muita água e assustadores raios estourando
muito próximos de nós. Já na frágil segurança da
barraca úmida, encharcados mas felizes, dormimos
sonhando com o dia seguinte.
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CAPÍTULO 5
SOPÃO
A chuva, apesar da terrível decepção e sofrimento
potencial que trás a qualquer caminhante, é também,
potencialmente, uma grande aliada à um contador de
histórias. A maioria dos casos que ficam gravados na
memória de um excursionista e, consequentemente,
transformam-se em causos dignos de serem contados
em rodas de amigos, seja em um boteco, ponto de
ônibus, barraca ou cume de montanha, envolvem os
desprazeres causados por essa dádiva de Deus,
despejada graciosamente sobre justos e injustos.
CAPÍTULO 6
CADÊ O CAROÇO
O suprassumo da escalada na época, pelo menos para
um piazito como eu, era ter a coragem de enfrentar as
enormes, imponentes, assustadoras, desafiadoras,
terríveis e temerosas paredes de granito do Marumbi. Já
tinha escalado uma e outra viazinha no Lineu e no
Paredão Preto, mas chegava a sonhar com as paredes
realmente comprometedoras do local. Pescando as
informações secretas que vazavam abafadas dos
montanhistas de verdade, chegamos ao nome daquele
que haveria de ser nosso primeiro grande desafio
naquele conjunto de montanhas. O Caroço da Esfinge.
CAPÍTULO 7
TUDO, DO PISO AO TETO.
Era um projeto ousado. Poucos percorreram toda
aquela parede de uma só vez. Se quiséssemos ter a
esperança de concluir todo trajeto em um dia, teríamos
que correr. Saímos de Curitiba às 5 horas da manhã,
abandonamos o carro no pé da serra e percorremos,
apressados, o longo trecho que nos levaria à base do
impressionante contraforte.
CAPÍTULO 8
A CHAVE DA TERRA DE MALBORO
O pessoal tinha vindo de Foz do Iguaçu para, enfim,
escalar em uma montanha de verdade. Lá no terceiro
planalto, tudo que tinham eram as falésias do rio
Paraná, dentro do Parque Nacional do Iguaçu, e o
‘Monumento das Três Fronteiras’, construído com
blocos de rocha, onde dava para brincar um pouquinho.
É verdade que escalar no leito do rio, com as Cataratas
ao fundo, é uma experiência muito interessante. Sem
falar que, na época, o acesso ao parque era gratuito
para o pessoal da associação de montanhismo. Já
existiam dezenas de vias lá, de vários graus e estilos.
Entre uma e outra escalada, ainda dava pra ver os
turistas subindo o rio nos botes infláveis do Macuco, em
direção às quedas d´água espetaculares que, de alguns
pontos, podíamos ver escalando. Mas montanha mesmo
não havia nenhuma por lá.
CAPÍTULO 9
MEIA LUA INTEIRA
O bloco de granito subia vertical em direção aos céus.
Não era um bloco muito grande. Cerca de 20 metros
acima do solo, o sol refletia no tom ocre da rocha,
deixando-a dourada. À sombra, o vento deixava o
ambiente gelado. Os dois companheiros de inúmeras
escaladas, caminhadas e roubadas, observavam a
fissura que o diedro formava no encontro perpendicular
dos planos. Iniciava vertical, larga e rasa, com poucas
chances de entalamento das peças novinhas que
brilhavam em suas mãos. Subia convicta, afunilando,
tornando-se mais profunda e angular. Oito metros
acima, dobrava à esquerda em uma curva perfeita
lembrando uma meia-lua e, depois de alguns metros
seguindo paralela ao solo, subia vertical novamente. Na
saída dessa última curva fechada, a fissura abria-se
generosa e profunda, pronta para o entalamento
perfeito de uma peça robusta. Até lá, somente
pequenas peças encaixadas com certa precariedade
evitariam que o corpo estalasse no chão duro no caso
de uma queda.
CAPÍTULO 10
GÊNESIS
No princípio criou Deus as montanhas, os vales e as
falésias. E neles plantou os pequenos afloramentos
rochosos, as paredes colossais, as fendas, fissuras,
chaminés e tetos, e as espantosas plantas rupestres
endêmicas. E cercou-os com o vôo provocante dos
urubus, os mares de nuvens e o efeito alucinante
provocado pela refração dos raios de sol na densa
neblina que envolve os corpos dos montanhistas
solitários, cercando-os de uma aura multicolorida, em
eventos tão físicos quanto espirituais. E criou também
os mocós, as tempestades, as nuvens galopantes
abraçando carinhosamente o contorno do relevo, o
vento gelado, os platôs improváveis e abençoados, as
agarras exatas nos lugares exatos e aquele pequeno
arbusto impossível, isolado em centenas de metros de
rocha vertical, agarrado à parede com milhares de
raízes, como fios de cabelo, presas em saliências
minúsculas. E viu Deus que isso era bom. Ah, e como
era bom.
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INCRÍVEIS HISTÓRIAS MEDÍOCRES DE MONTANHA 43
CAPÍTULO 11
MACACOS ME MORDAM
Estávamos em Vassouras quando o policial nos parou, há
600 quilômetros da partida e 600 do destino. Eu no
volante, com minha carteira de motorista em dia, mas os
documentos do carro vagando no limbo, em algum ponto
entre a origem e o destino. Cem quilômetros antes,
quando chegávamos ao Parque Nacional do Itatiaia, nos
demos conta de que os documentos ficaram em Curitiba,
junto com a carteira do meu irmão, que vinha dirigindo
até ali. Desfrutamos de dois belos dias de caminhada no
parque, com algumas escaladinhas simples aqui e ali.
Antes de pegarmos novamente a estrada, conseguimos
pedir, por telefone, que meus pais enviassem pelo correio
a carteira e os documentos para Governador Valadares.
Dali para frente, assumi o comando do carro. O posto da
polícia rodoviária estava sem energia elétrica e o policial
nos abordou com uma lanterna na mão.
– Documentos do carro.
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CAPÍTULO 12
O ETERNO
Creio que fomos feitos para voar. Não nossos corpos,
mas a mente, o espírito, o interior, aquilo que
realmente somos, aquilo que permanecerá no dia em
que rompermos o lacre que nos separa do eterno. Ah,
sim. Nesse dia voaremos como anjos, libertos das duras
leis da física. Quando pousarmos, será puramente por
prazer, jamais por cansaço ou necessidade. Se esse dia
nos alcançar com a glória da presença daquele que nos
criou, então, como definiu C. S. Lewis, toda a alegria
daquele instante eterno será retroativa, e inundará de
alegria todos os instantes passados. Toda dor, angústia,
morte, perda, solidão, miséria e desgraça serão
inundadas pela consciência da alegria eterna que se
mostrará diante de nós. Mas esse dia não é hoje. Hoje
estamos presos ao solo, acorrentados ao peso
assombroso da gravidade. Graças à Deus, nem sempre.
CAPÍTULO 13
RESGATES COMPULSÓRIOS
Se você é um freqüentador assíduo de montanhas,
fatalmente, mas cedo ou mais tarde, vai encontrar
alguém precisando de ajuda. Perdidos, machucados,
bêbados, drogados, apavorados, receosos, inseguros,
neuróticos, acrofóbicos, frescos ou carentes, não
importa, alguém, em algum momento, ou em vários,
estará à deriva entre vales e cristas, sem saber para
onde ir, como ir ou sem condições de ir. Encontrei, em
minhas caminhadas por aí, todos os tipos acima em
situações cômicas, trágicas ou tragicômicas. Os dias de
procissão foram, de longe, os grandes campeões.
Centenas de pessoas subiam o morro. Algumas dúzias
para a missa lá em cima. O restante para bagunçar
mesmo. Descíamos vários corpos em coma alcoólico, e
alguns outros completamente alienados por um
entorpecente qualquer. Os sãos também davam
trabalho torcendo o tornozelo, despencando nas rampas
de rocha próximas do cume, tendo crises de asma,
pressão baixa ou canseira aguda. E nós lá,
voluntariamente, graciosamente, encarnando algum
tipo de santo montanhês altruísta, carregávamos essa
gente morro abaixo.
SACO PRETO
O GIGANTE
MALTRAPILHO
CAPÍTULO 14
LIÇÃO DE PLANEJAMENTO
Todo mundo sabe que um bom aventureiro é,
inevitavelmente, um bom estrategista e um bom
planejador. Uma grande excursão por lugares ermos
exige muito preparo físico, psicológico e logístico. Por
conta dessa característica é que grandes aventureiros
como Klink e Niclewicz, entre um e outro projeto
grandioso, sustentam-se dando palestras para
empresários de grandes corporações. VP disso, CEO
daquilo, managers e tudo mais. Aquela gente toda que
aparece nas excitantes reportagens de revistas como
Você S/A.
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