Si Ndromes Geria Tricas

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Promoção e prevenção

8. Grandes síndromes geriátricas

Ana Lucia Vilela


Edgar Nunes de Moraes
Valeria Lino

Dona Ofélia tem 85 anos, IMC 21, mede cerca de 1,54m, e mora com
sua irmã Conceição, 91 anos, na rua Sergipe n. 15. Ambas são viúvas
e moram juntas há 10 anos. Dona Ofélia tem história de cirurgia car-
díaca há cerca de oito anos e estava evoluindo bem até dois anos atrás,
quando iniciou com “lapsos de memória” e tornou-se mais dependente
da irmã para resolver os problemas da casa, como fazer compras, con-
trolar as finanças e sair sozinha. Sempre foi excelente cozinheira, mas
nos últimos dois anos está tendo dificuldades para “acertar o ponto”
dos principais pratos que tinha o costume de fazer. Ora exagera no sal,
ora na pimenta. Até então, este esquecimento estava sendo atribuído à
desatenção e à “velhice”. Todavia, no último ano, Dona Conceição ficou
mais preocupada, pois a irmã começou a acusar a empregada de roubo e
desconfiar da vizinha, que, segundo ela, passou a espioná-la quase todo
dia. A vizinha deixou inclusive de freqüentar a casa das duas irmãs, pois
percebeu a mudança de comportamento da antiga amiga. Dona Ofélia
já havia ido à consulta médica, expondo estas queixas e o médico falou
que tudo poderia ser explicado pelas alterações próprias da idade. Dona
Conceição ficava intrigada com tudo isso, pois mesmo mais velha que
a irmã era absolutamente independente para tudo: saía sozinha para
fazer compras, cozinhava sempre que necessário, lembrava-se das datas
mais importantes, freqüentava a igreja, enfim, fazia tudo o que se dispu-
nha a fazer. O único problema de saúde de Dona Conceição tinha sido
um câncer de intestino, diagnosticado oito anos antes, por um exame
rotineiro de pesquisa de sangue oculto nas fezes. Foi confirmado o cân-
cer e a cirurgia (hemicolectomia) foi um sucesso. Além disso, tem uma
“artrose” no joelho, facilmente controlada com uso de paracetamol.

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ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Dona Conceição comentou com a vizinha suas preocupações, que tam-


bém concordou com a necessidade de conversar com o agente comuni-
tário e agendar uma consulta no posto.

ATIVIDADE 1

Como você abordaria as queixas cognitivas de Dona Ofélia? Será que tudo pode
ser atribuído ao envelhecimento normal?

Envie para o tutor as suas considerações.

Incapacidade cognitiva
A cognição é o conjunto de funções cerebrais formadas pela memória
(capacidade de armazenamento de informações), função executiva
(capacidade de planejamento, antecipação, seqüenciamento e monito-
ramento de tarefas complexas), linguagem (capacidade de compreensão
e expressão da linguagem oral e escrita), praxia (capacidade de executar
um ato motor), gnosia (capacidade de reconhecimento de estímulos visu-
ais, auditivos e táteis) e função visuo-espacial (capacidade de localização
no espaço e percepção das relações dos objetos entre si). O funcionamento
integrado destas funções nos permite interagir com as pessoas e com o
mundo, com o objetivo de resolvermos as dificuldades do cotidiano, é
responsável pela nossa capacidade de decidir, que, juntamente com o
humor (motivação), é fundamental para a manutenção da autonomia.
A individualidade é resultante do acúmulo de conhecimentos da nossa
história e da cultura que herdamos. A perda da cognição ou incapaci-
dade cognitiva é, portanto, o “desmoronamento” ou o “apagamento” da
identidade que nos define como ser pensante.

O envelhecimento fisiológico não afeta a cognição de forma significa-


tiva. Ocorre uma atrofia do sistema nervoso central, o que pode ser per-
cebido em toda tomografia computadorizada de crânio. O lobo frontal
parece ser a região mais acometida, de forma irregular. As únicas con-
seqüências são maior lentificação no processamento cognitivo, redução
da atenção (déficit atentivo), maior dificuldade no resgate das informa-
ções aprendidas (memória de trabalho), redução da memória prospec-
tiva (“lembrar-se de lembrar”) e memória contextual (dificuldades com

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Grandes síndromes geriátricas

detalhes). Estas alterações não trazem nenhum prejuízo significativo na


execução das tarefas do cotidiano. As alterações dos órgãos dos sentidos
(visão, audição, entre outros) dificultam o acesso às informações e ao
aprendizado.

Vimos, na seção anterior, que as atividades de vida diária, particularmente


as instrumentais, avaliam as funções cognitivas de forma indireta, mas
completa. Queremos dizer que a independência nas AVD instrumentais
é um excelente indicador de bom funcionamento da cognição.

ATIVIDADE 2

Identifique, no quadro a seguir, três Atividades Instrumentais da Vida Diária


(AIVD) que você acha que mais exigem o funcionamento harmonioso das fun-
ções cognitivas. Justifique sua escolha e envie para o tutor.

Atividades Instrumentais de Vida Diária


Preparar as suas refeições.
Tomar os seus remédios corretamente.
Fazer compras.
Controlar o seu dinheiro ou finanças.
Usar o telefone.
Arrumar a sua casa ou fazer pequenos trabalhos
domésticos.
Lavar e passar a própria roupa.
Sair de casa sozinho para lugares mais distantes,
usando algum transporte, sem necessidade de
planejamento especial.

Desta forma, o envelhecimento normal é aquele apresentado por Dona


Conceição, que mantém sua capacidade de resolver os problemas do
dia-a-dia, embora de forma mais lenta. Por outro lado, Dona Ofélia apre-
senta “lapsos de memória” preocupantes, pois estão trazendo importan-
tes repercussões no seu funcionamento habitual. Ela não é mais capaz
de resolver os problemas da casa, como fazer compras, controlar as
finanças, sair sozinha e cozinhar. Portanto, não podemos atribuir estas
mudanças ao envelhecimento normal.

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ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Figura 1 – Esquema do esquecimento

Fonte: Moraes (2008).

Para refletir
Se o esquecimento de Dona Ofélia não é normal da idade,
estamos diante de uma paciente com déficit cognitivo a
esclarecer. Como podemos confirmar esta hipótese?

Os testes de triagem cognitiva são muito úteis para a avaliação da fun-


ção cognitiva. Você deve utilizá-los rotineiramente para esclarecimento
da suspeita de incapacidade cognitiva. O diagnóstico de incapacidade
cognitiva pode ser feito pela história do “esquecimento” relatada pelo
paciente e confirmado pelos familiares, associada a alterações nos tes-
tes de triagem cognitiva e dificuldades na realização das atividades de
vida diária. A avaliação neuropsicológica formal pode ser necessária em
alguns casos. No transtorno cognitivo leve, o déficit cognitivo não afeta
as AVD.

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Grandes síndromes geriátricas

Figura 2 – Testes de triagem cognitiva

Fonte: Moraes (2008).

Em relação às AVD, Dona Ofélia é independente para o autocuidado


(índice de Katz). Ver Quadro 1.

Quadro 1 – Resultados do índice de Katz de Dona Ofélia


Independência Dependência
Banhar-se Não recebe assistência no Necessidade de ajuda Recebe assistência no banho para mais de uma parte
Usa adequadamente banho. Independente para humana para lavar do corpo (ou não se banha).
chuveiro, sabão e/ou entrar e sair do banheiro. algumas partes do corpo
esponja. (costas ou pernas) ou
supervisão.
Vestir-se Independente para pegar Pega as roupas e veste-se Recebe assistência para pegar as roupas ou vestir-se,
Apanha a roupa do a roupa e se vestir, sem sem assistência, exceto ou fica parcialmente ou completamente despido.
armário ou gaveta, veste- assistência. para amarrar os sapatos.
se e consegue despir-se.
Excluem-se calçados.
Uso do banheiro Vai ao banheiro, limpa-se e arruma as roupas sem Recebe assistência para ir Não vai ao banheiro para
Locomove-se até o assistência (pode usar objeto para apoio, tal como ao banheiro ou limpar-se o processo de eliminação.
banheiro, despe-se, bengala, andador ou cadeira de rodas e pode ou arrumar a roupa após
limpa-se e arruma a manusear à noite a comadre ou o urinol, esvaziando o a eliminação ou para usar
roupa. mesmo pela manhã). comadre ou urinol à noite.
Transferir-se Move-se e sai da cama tão bem quanto senta-se e Move-se ou sai da Não sai da cama.
Locomove-se da cama para levanta-se da cadeira sem assistência (pode usar objeto cama ou cadeira com
a cadeira e vice-versa. para apoio tal como bengala ou andador). assistência.
Continência Controla eliminação Tem “acidentes” Supervisão ajuda manter controle urinário e intestinal;
Controle esfincteriano. intestinal e urinária por si ocasionais. fralda ou cateter é usado ou é incontinente.
mesmo.
Alimentar-se Alimenta-se sem Alimenta-se sozinho Recebe assistência para alimentar-se ou é alimentado
Consegue apanhar a assistência. exceto pela assistência parcialmente ou completamente pelo uso de tubos ou
comida do prato ou para cortar a carne e fluidos intravenosos.
equivalente e levar à boca. passar manteiga no pão.

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ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Por outro lado, apresenta comprometimento importante nas AVD instru-


mentais. Observe que ela praticamente não é capaz de fazer nenhuma
destas atividades sem ajuda.

Quadro 2 – Teste AVD de Dona Ofélia


Atividade de vida diária Sem ajuda Com ajuda Incapaz
parcial
Você é capaz de preparar as suas refeições?
Você é capaz de tomar os seus remédios na dose
certa e horário correto?
Você é capaz de fazer compras?
Você é capaz de controlar o seu dinheiro ou
finanças?
Você é capaz de usar o telefone?
Você é capaz arrumar a sua casa ou fazer pequenos
trabalhos domésticos?
Você é capaz de lavar e passar a sua própria roupa?
Você é capaz de sair de casa sozinho para lugares
mais distantes, usando algum transporte, sem
necessidade de planejamento especial?

Os testes de triagem cognitiva confirmaram a suspeita de incapacidade


cognitiva, como você pode observar pelos resultados (Quadro 3).

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Grandes síndromes geriátricas

Quadro 3 – Teste Mini-mental de Dona Ofélia


Mini-mental Normal Dona Ofélia
Orientação temporal (05 pontos) Ano 1 0
Dê um ponto para cada item. Mês 1 0
Dia do mês 1 0
Dia da semana 1 0
Semestre/hora aproximada 1 1
Orientação espacial (05 pontos) Estado 1 1
Dê um ponto para cada item. Cidade 1 1
Bairro ou nome de rua próxima 1 0
Local geral: que local é este aqui (apontando ao 1 1
redor num sentido mais amplo: hospital, casa de
repouso, própria casa).
Andar ou local específico: em que local nós estamos 1 0
(consultório, dormitório, sala, apontando para o
chão).
Registro (03 pontos) Repetir: GELO, LEÃO e PLANTA 3 3
CARRO, VASO e TIJOLO.
Atenção e cálculo (05 pontos) Subtrair 100 – 7 = 93 – 7 = 86 – 7 = 79 – 7 = 72 – 7 5 0
1 ponto para cada acerto = 65.
Considere a tarefa com melhor Soletrar inversamente a palavra 5 0
aproveitamento. MUNDO = ODNUM.
Memória de evocação (03 pontos) Quais os três objetos perguntados anteriormente? 3 0
Nomear dois objetos (02 pontos) Relógio e caneta 2 2
Repetir (1 ponto) “NEM AQUI, NEM ALI, NEM LÁ” 1 1
Comando de estágios (03 pontos) “Apanhe esta folha de papel com a mão direita, 3 3
Dê 1 ponto para cada ação correta. dobre-a ao meio e coloque-a no chão.”
Escrever uma frase completa (01 ponto) “Escreva alguma frase que tenha começo, meio e 1 0
fim.”
Ler e executar (01 ponto) FECHE SEUS OLHOS. 1 0
Copiar diagrama (01 ponto) Copiar dois pentágonos com interseção. 1 0
Pontuação final (escore = 0 a 30 pontos) 30 13

Quadro 4 – Resultado do CERAD (Consortium to Establish a Registry for


Alzheimer’s Disease) de Dona Ofélia
Lista de dez palavras do CERAD
Normal Dona Ofélia
Tentativa 1 4 1
Tentativa 2 6 3
Tentativa 3 7/8 3
Evocação de 5 minutos 3/4 0
Reconhecimento de palavras 8 3

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ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Quadro 5 – Teste de fluência verbal de Dona Ofélia


Normal
Fluência
Escolaridade Dona Ofélia
verbal
Analfabeto ≥ 8 anos
Animais 5
9 13
Frutas 4

Quadro 6 – Teste de reconhecimento de dez figuras de Dona Ofélia


Reconhecimento de dez figuras Normal Dona Ofélia
Percepção visual correta 10 6
Nomeação correta 10 6
Memória incidental
Esconda as figuras e pergunte: “Que figuras eu acabei de lhe 5 2
mostrar?”
Memória imediata 1
Mostre as figuras novamente durante 30 segundos, dizendo: 6 3
“Olhe bem e procure memorizar estas figuras”.
Memória imediata 2
Mostre as figuras novamente durante 30 segundos, dizendo: 6 3
“Olhe bem e procure memorizar estas figuras”.
Evocação de 5 minutos 5 0
Reconhecimento de figuras 8 3

Quadro 7 – Teste do relógio de Dona Ofélia


Teste do relógio Normal Dona Ofélia
“Desenhe um relógio com todos os números e marcando 11h
10min.”
0 Inabilidade absoluta para representar o relógio.
O desenho tem algo a ver com o relógio, mas com
desorganização viso-espacial grave.
2 Desorganização viso-espacial moderada que leva a uma
marcação de hora incorreta, perseveração, confusão esquerda/
direita, números faltando, números repetidos, sem ponteiros,
com ponteiros em excesso.
3 Distribuição viso-espacial correta com marcação errada da hora
4 Pequenos erros espaciais com dígitos e hora corretos
5 Relógio perfeito

Ao final da triagem cognitiva, podemos concluir que Dona Ofélia apre-


senta déficit cognitivo significativo, confirmando o diagnóstico de inca-
pacidade cognitiva.

A incapacidade cognitiva (Figura 3) é um diagnóstico sindrômico e


apresenta quatro grandes causas (4 D): demência, depressão, delirium e
doença mental.
200
Grandes síndromes geriátricas

Figura 3 – Os “4D” da incapacidade cognitiva

Fonte: Moraes (2008).

Como se suspeita de demência?


Demência significa a perda do funcionamento harmonioso das funções
cognitivas e comportamentais, comprometendo a autonomia e a inde-
pendência do indivíduo. A prevalência de demência é estimada em cerca
de 5% da população idosa em geral e aumenta com a idade, dobrando
a cada cinco anos, aproximadamente, após os 65 anos de idade. Em
Catanduva, no Brasil, a prevalência de demência foi de 7,1% entre os
habitantes com 65 anos ou mais; 1,6%, entre os de 65 a 69 anos; 3,2%,
entre os de 70 a 74 anos; 7,9%, entre os de 75 a 79 anos; 15,1%, entre
os de 80 a 84 anos e 38,9%, entre os maiores de 85 anos.

Segundo o DSM IV-TR, Manual de Classificação de Doenças Mentais da


Associação Americana de Psiquiatria (2002), o diagnóstico de demên-
cia deve ser dado na presença de múltiplos déficits cognitivos, que
incluem o comprometimento da memória e outra função cognitiva
(linguagem, função executiva, gnosia e praxia). A repercussão deve
ser grave o suficiente para comprometer o funcionamento social e
ocupacional (atividades de vida diária) e representar um declínio em
relação a um nível anteriormente avaliado. O diagnóstico não pode ser
dado exclusivamente durante o curso de um delirium (confusão men-
tal aguda), nem ser explicado por doença psiquiátrica, como depressão
maior e esquizofrenia.

As queixas relacionadas à memória seguem, normalmente, uma hierar-


quia cronológica. Inicialmente, o déficit é secundário ao comprometi-
mento da memória e é descrito como esquecimento para fatos recentes,
perda de objetos, acidentes domésticos, desorientação temporal e espa-
cial, e repetição de fatos, respeitando o gradiente temporal (memória

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ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

episódica recente, intermediária e remota). Com a evolução da doença,


há maior comprometimento da memória, com empobrecimento do
conhecimento do mundo, nomeação inadequada, discurso pobre e
dificuldade de compreensão de conceitos. Em fases mais avançadas da
doença, o paciente apresenta, inclusive, dificuldades de repetir instru-
ções simples (memória de curto prazo).

✔ Afasia – alterações da linguagem representadas pela presença de:


t anomia (dificuldade de nomeação de objetos ou de achar a
palavra apropriada);
t circunlóquios explicativos (invenção de histórias para justifi-
car a dificuldade cognitiva, rodeio de palavras);
t parafasias (substituição de palavras);
t logorréia (fala incessante), discurso pobre, termos vagos
(coisa, troço), neologismos, erros gramaticais e frases inacaba-
das.

✔ Disfunção executiva – percebida pela presença de:


t desatenção, distração;
t dificuldade na realização de atividades que exigem seqüencia-
mento, planejamento e mudança de estratégias (fazer a barba,
fazer compras, sair de casa);
t perseveração motoras ou verbais (rituais);
t dificuldade na resolução de problemas do cotidiano ou de
tomar decisões;
t inadequação no julgamento de situações ou problemas do
cotidiano.

O comprometimento do lobo frontal também está associado à desregula-


ção do comportamento social e controle das emoções, com desinibição,
inquietação motora, perambulação, jocosidade inadequada, hipersexua-
lidade, hiperfagia, agressividade, comportamento anti-social, labilidade
emocional, apatia sem o colorido negativista do deprimido e sem ideação
suicida, perda de iniciativa ou motivação, desinteresse por atividades ou
passatempos e irritabilidade.

✔ Apraxia – é a incapacidade de executar atividades motoras, ape-


sar do funcionamento motor intacto. Caracteriza-se pela dificuldade
para vestir-se, amarrar os sapatos, pentear o cabelo, andar, cozinhar,
acender o cigarro, usar a chave, entre outros.
202
Grandes síndromes geriátricas

✔ Agnosia – é a incapacidade de reconhecer ou identificar obje-


tos, apesar do funcionamento sensorial intacto. O paciente ou
familiar menciona dificuldade de decodificação ou reconheci-
mento do estímulo, na ausência de comprometimento dos órgãos
do sentido. Nas fases avançadas ocorre agnosia de objetos, cores e
faces (prosopagnosia).

Quais são os critérios diagnósticos para


depressão, delirium e doença mental?
As desordens depressivas representam um grupo de entidades clíni-
cas ou síndromes independentes caracterizadas pela baixa do humor e
variabilidade na gravidade. Deve ser diferenciada de tristeza, ou seja,
existe a depressão-sintoma e a depressão-doença. A tristeza é um sen-
timento presente em vários momentos da vida. Por exemplo: na rea-
ção ao luto, a tristeza está presente, mas é insuficiente para inviabilizar
completamente os projetos de vida da pessoa, que preserva o interesse
em algumas atividades. O paciente supera a perda progressivamente,
num período variável de 4 a 12 meses. O envelhecimento está associado
a diversas perdas, desde familiares queridos, cônjuges, filhos, perda do
prestígio social e do nível socioeconômico e, finalmente, da própria
independência física. Entretanto, estas perdas são superáveis e podem
permitir uma vida psíquica normal. A depressão maior é, atualmente, a
principal causa de incapacidade no mundo moderno e constitui-se em
verdadeira “epidemia silenciosa”, cuja importância na morbimortalidade
geral se aproxima aos observados nas doenças crônico-degenerativas.
No idoso, a depressão maior está associada a vários sintomas somáticos,
que dificultam o diagnóstico.

A prevalência de depressão maior varia de 10%, nos idosos residentes


na comunidade, até 30%, nos idosos institucionalizados. Os critérios
diagnósticos de depressão maior, segundo o DSM-IV, incluem a presença
de cinco ou mais sintomas durante o período de duas semanas (todos os
dias ou quase todos os dias) e que representaram uma alteração do seu
funcionamento anterior. Pelo menos um dos sintomas é humor depri-
mido ou perda do interesse ou prazer (anedonia):

✔ interesse ou prazer acentuadamente diminuídos: o idoso deixa


de sentir prazer com atividades que anteriormente eram agradáveis,
tendendo ao isolamento social e familiar;

203
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ humor deprimido indicado por relato subjetivo (sensação de


tristeza, autodesvalorização e sentimentos de culpa) ou obser-
vação feita por outros: o idoso menciona sensação de vida vazia,
demonstra fácil irritabilidade (“rabugento”) ou considera-se um
peso para a família, afirmando ser a morte a única solução. Tendên-
cia à emotividade excessiva, com crises de choro freqüentes;
✔ perda ou ganho significativo de peso sem estar em dieta, ou
diminuição ou aumento do apetite: a inapetência é o sintoma mais
comum e importante causa de emagrecimento no idoso. Pode pre-
dominar e mascarar sintomas como baixa do humor e anedonia,
dificultando o diagnóstico de depressão (depressão mascarada);
✔ insônia ou hipersonia: habitualmente a insônia é terminal
(matinal, despertar cedo e piora matinal da sintomatologia depres-
siva) ou sono entrecortado e dificuldade para dormir novamente.
Portanto, a queixa de insônia, tão comum no consultório, deve
sugerir prontamente o diagnóstico de depressão;
✔ agitação ou retardo psicomotor;
✔ fadiga ou perda de energia: por vezes simulando doenças
consumptivas, insuficiência cardíaca congestiva, hipotireoidismo,
parkinsonismo (bradicinesia), polimialgia reumática, entre outros;
✔ sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada;
✔ capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se: lentificação
do pensamento com déficit atencional significativo, por vezes simu-
lando síndrome demencial (“pseudodemência”);
✔ pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida recor-
rente.

Dona Conceição relata que Dona Ofélia sempre foi uma pessoa mais
animada e alegre. Não percebeu nenhum dos sintomas a seguir:

✔ interesse ou prazer acentuadamente diminuídos;


✔ humor deprimido (sente-se triste ou vazio);
✔ perda ou ganho significativo de peso, ou diminuição ou aumento
do apetite;
✔ insônia ou hipersonia;
✔ fadiga ou perda de energia;
✔ sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada;
✔ pensamento recorrente de morte, ideação suicida recorrente.

204
Grandes síndromes geriátricas

Os únicos sintomas de rebaixamento do humor apresentado por Dona


Ofélia são:

✔ capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se;


✔ agitação ou retardo psicomotor.

E, realmente, Dona Ofélia mostrou-se alegre e satisfeita com sua vida.


A Equipe de Saúde da Família aplicou a escala geriátrica de depressão
(Escala de Yesavage), conforme você pode observar no quadro que
segue:

Quadro 8 – Resultado da escala geriátrica de depressão de Dona Ofélia


Escala geriátrica de depressão (GDS-15 e GDS-5)
Para cada questão, escolha a opção que mais se assemelha ao que você está sentindo nas últimas
semanas.
Você está basicamente satisfeito com sua vida? Sim
Você se aborrece com freqüência? Não
Você se sente um inútil nas atuais circunstâncias? Não
Você prefere ficar em casa a sair e fazer coisas novas? Sim
Você sente que sua situação não tem saída? Não
Você tem medo que algum mal vá lhe acontecer? Não
Você acha que sua situação é sem esperanças? Não
Você acha maravilhoso estar vivo? Sim
Você sente que sua vida está vazia? Não
Você sente que a maioria das pessoas está melhor que você? Não
Você se sente com mais problemas de memória do que a maioria? Sim
Você deixou muitos de seus interesses e atividades? Não
Você se sente de bom humor a maior parte do tempo? Não
Você se sente cheio de energia? Sim
Você se sente feliz a maior parte do tempo? Sim

ATIVIDADE 3

Você acha que podemos aplicar a escala geriátrica de depressão (Escala de Ye-
savage) em idosos com diagnóstico de demência?
Pense, reflita e discuta com seu tutor e seus colegas quais as dificuldades que o
paciente com demência poderia apresentar na utilização da escala.

Participe do fórum de discussão organizado pelo seu tutor.

205
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

O delirium é uma causa de incapacidade cognitiva aguda e flutuan-


te, caracterizada:

✔ pela presença de alterações do nível de consciência (redução da


capacidade de focalizar, sustentar e desviar a atenção);
✔ pelo comprometimento global das funções cognitivas (memória,
percepção, linguagem, entre outros).

Deve ser diferenciado do sintoma delírio ou delusão, que se caracteriza


pela presença de convicções falsas, impróprias para o nível de inteligên-
cia, cultura e educação do paciente. Representa, portanto, um sintoma
de doença psiquiátrica que pode, inclusive, estar presente no delirium.

As doenças mentais no idoso capazes de causar incapacidade cognitiva


podem ser a esquizofrenia residual, a parafrenia tardia e a oligofrenia.
A esquizofrenia residual e a oligofrenia apresentam um histórico claro
de doença mental prévia. Por outro lado, a parafrenia apresenta-se como
um quadro não-progressivo, caracterizado por delírios e alucinações e
com início mais tardio em relação à esquizofrenia clássica. Seria qua-
dro clínico intermediário entre a esquizofrenia e a paranóia ou trans-
torno delirante. Outras características associadas são: predominância
em mulheres, em especial solteiras ou nulíparas (ausência de gravidez),
isolamento social, elevada prevalência de prejuízo sensorial (audição,
visão) e personalidade pré-mórbida com traços paranóides ou esquizói-
des em 50% dos casos. Aproximadamente 10% de todos os pacientes
idosos internados em hospitais psiquiátricos apresentavam este quadro,
que tende a ser crônico.

Portanto, o diagnóstico de incapacidade cognitiva deve ser seguido pela


diferenciação entre depressão, delirium, demência e doença mental
(esquizofrenia, parafrenia, oligofrenia, entre outros). Este diagnóstico
diferencial pode trazer dificuldades, particularmente, quando a história
pregressa do idoso é desconhecida. Além disso, não é rara a coexistência
entre elas.

206
Grandes síndromes geriátricas

ATIVIDADE 4

Na sua opinião, qual a causa de incapacidade cognitiva de Dona Ofélia? Justifi-


que como você chegou a este diagnóstico.

Responda e envie para o tutor.

Feito o diagnóstico de demência, deve-se definir a sua etiologia. Existem


diversas causas de demência, que variam desde causas reversíveis ou
potencialmente curáveis até causas irreversíveis ou degenerativas.

A prevalência de demências reversíveis é variável, mas geralmente é


inferior a 5% dos casos de demência. Porém, pelo impacto catastrófico
da doença no paciente e sua carga nos familiares, justifica-se a investiga-
ção destas causas, principalmente nos pacientes com sintomas precoces
de demência (demência pré-senil).

Além da história clínica e do exame físico completo, recomenda-se a


realização de exames complementares, considerados rotineiros na pro-
pedêutica de demência, como neuro-imagem (tomografia computado-
rizada do crânio ou ressonância magnética); dosagem sérica do TSH;
vitamina B12; ácido fólico; ionograma (sódio, potássio, cálcio); função
renal e hepática; sorologia para sífilis (VDRL) e infeção pelo vírus HIV
(anti-HIV). O resultado destes exames foram todos normais na Dona
Ofélia. A tomografia computadorizada do crânio mostrou hipotrofia
cerebral compatível com a idade.

Afastada a possibilidade de demência reversível, deve-se pensar nas


causas irreversíveis, que são, didaticamente, subdivididas em demência
de Alzheimer (50%) e não-Alzheimer (50%). Pacientes portadores de
demência irreversível podem ter a superposição de doenças reversíveis.
Por exemplo: a encefalopatia tóxica por drogas ou de origem metabólico-
nutricional, como a deficiência de vitamina B12, superposta à doença de
Alzheimer. Na presença de várias comorbidades, muitas vezes a relação
de causa-efeito com o declínio cognitivo torna-se mais complicada. O
tratamento destas condições pode melhorar o quadro cognitivo basal e,
conseqüentemente, a qualidade de vida do paciente.

207
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Figura 4 – TIME das demências reversíveis

Fonte: Moraes (2008).

As principais causas de demência irreversível não-Alzheimer incluem:

✔ Demência vascular: representa a segunda causa de demência no


idoso, responsável por 15% a 20% de todas as demências. No Bra-
sil, em Catanduva, esteve presente em 18% dos idosos com demên-
cia. Resulta da presença de doença cérebro-vascular isquêmica ou
hemorrágica, assim como da injúria cerebral resultante do hipofluxo
cerebral. A associação entre doença cérebro-vascular e demência
remonta da Antigüidade. O termo “esclerose” foi muito utilizado
para descrever a importância das doenças cérebro-vasculares como
principal causa de demência associada ao envelhecimento. A des-
crição da doença de Alzheimer como principal causa de demência
resultou na “alzheimerização” das demências e, muitas vezes, os
termos “doença de Alzheimer” e “demência senil” são considerados
sinônimos.

208
Grandes síndromes geriátricas

Os critérios para o diagnóstico de demência vascular, segundo o DSM-IV, são:


✔ Desenvolvimento de múltiplos déficits cognitivos manifestados tanto
por (1) quanto por (2):
1. Comprometimento da memória: amnésia
2. Uma (ou mais) das seguintes perturbações cognitivas:
t afasia: perturbação da linguagem;
t apraxia: capacidade prejudicada de executar atividades motoras, apesar
do funcionamento motor intacto;
t agnosia: incapacidade de reconhecer ou identificar objetos, apesar do
funcionamento sensorial intacto;
t disfunção executiva: perturbação do funcionamento executivo (i.e. pla-
nejamento, organização, seqüenciamento, abstração).
✔ Os déficits cognitivos nos critérios (1) e (2) causam comprometimento
significativo do funcionamento social ou ocupacional e representam
um declínio significativo em relação a um nível anteriormente superior de
funcionamento.
✔ Sinais e sintomas neurológicos focais (por exemplo: exagero dos reflexos
tendinosos profundos, resposta extensora plantar, paralisia pseudobulbar, anor-
malidades da marcha, fraqueza em uma das extremidades) ou evidências labo-
ratoriais indicativas de uma doença cérebro-vascular (por exemplo: múltiplos
infartos envolvendo o córtex e a substância branca) considerados etiologica-
mente relacionados à perturbação.
✔ Os déficits não ocorrem exclusivamente durante o curso de um delirium.

✔ Demência por corpos de Lewy: a Demência por Corpos de


Lewy (DCL) representa a segunda causa de demência degenerativa,
responsável por 15% a 25% dos casos. O diagnóstico correto é fun-
damental para o manejo farmacológico. A sintomatologia cognitiva,
comportamental, motora, autonômica e os distúrbios do sono res-
pondem bem ao uso de anticolinesterásicos e apresentam grande
hipersensibilidade ao antipsicóticos, podendo induzir a complica-
ções potencialmente fatais. As manifestações centrais da doença
são: presença de parkinsonismo precoce e espontâneo, flutuação
cognitiva e alucinações visuais recorrentes e complexas. Além disso,
é freqüente a presença de alterações do sono REM (sonhos vívidos
e pesadelos).

209
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ Demência fronto-temporal (doença de Pick): o quadro clínico


relaciona-se à síndrome frontal com predomínio da sintomatologia
comportamental (desinibição, comportamentos anti-sociais, impul-
sividade, hipersexualidade, entre outros). Apesar da gravidade dos
sintomas comportamentais, os pacientes permanecem orientados
no seu ambiente até fases avançadas da doença.
✔ Outras demências: são causas mais raras de demência e são
representadas pela demência associada à doença de Parkinson,
como degeneração corticobasal, paralisia supranuclear progressiva,
doença de Huntigton e doença de Creutzfeldt-Jacob, entre outras.

Figura 5 – Principais causas de demências irreversíveis

Fonte: Moraes (2008).

ATIVIDADE 5

Com base nos dados apresentados até agora, qual a possível causa da demên-
cia de Dona Ofélia?

Responda e envie para o tutor.

210
Grandes síndromes geriátricas

A sintomatologia apresentada por Dona Ofélia teve início insidioso e


caracterizado pela presença de esquecimento progressivo. Não houve
evolução em degraus e não foi percebido déficit motor ou alteração da
marcha. Além disso, o único fator de risco para doença cérebro-vascular
é a idade. Como já vimos, a Tomografia Computadorizada (TC) de crânio
foi normal para a idade. Desta forma, o diagnóstico de demência vascu-
lar torna-se pouco provável.

O diagnóstico de Corpos de Lewy pode também ser descartado pela


ausência de parkinsonismo e alucinações visuais precoces. Os únicos
sintomas psicóticos apresentados pela paciente são as idéias delirantes
de roubo e perseguição. Não houve relato de alucinações visuais. A única
flutuação observada é a piora da agitação psicomotora no final do dia,
ao entardecer, quando a paciente insiste que não está em sua casa e
pede insistentemente para ser levada para sua verdadeira casa. Não há
desinibição, comportamento anti-social, hipersexualidade ou qualquer
outro sintoma que sugira o diagnóstico de demência fronto-temporal.

Afastadas todas as outras causas de demência, podemos concluir que


Dona Ofélia é, provavelmente, portadora da doença de Alzheimer. O diag-
nóstico de demência de Alzheimer é, portanto, de exclusão. Não há
nenhuma prova laboratorial que defina o diagnóstico, exceto a biópsia
cerebral, que, obviamente, não é feita rotineiramente. Portanto, deve-se
estar bastante atento para a presença de determinados sintomas preco-
ces que sugerem demência não-Alzheimer: início súbito, deterioração
em degraus, sintomatologia comportamental proeminente, apatia pro-
funda, afasia proeminente, distúrbio de marcha progressivo, flutuação
proeminente do nível de consciência ou habilidades cognitivas, alucina-
ções vívidas e bem estruturadas, parkinsonismo precoce, anormalidades
dos movimentos oculares, déficit neurológico focal, sinais cerebelares,
convulsão, incontinência urinária e fecal precoces. A utilização de
métodos de neuro-imagem para a definição etiológica das demências é,
habitualmente, recomendada. As informações obtidas podem apontar
para algumas causas reversíveis (estruturais) ou mesmo irreversíveis de
demência (vascular). Todavia, o diagnóstico etiológico da demência irre-
versível não depende, isoladamente, da neuro-imagem.

Qual será a abordagem terapêutica para Dona Ofélia?


O tratamento das pessoas com demência deve ser iniciado assim que é
feito o diagnóstico, havendo maior possibilidade de resposta. A pessoa

211
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

idosa com suspeita de demência, após avaliação na UBS, deverá ser


encaminhada para a atenção especializada, respeitando-se os fluxos de
referência e contra-referência locais e mantendo sua responsabilização
pelo acompanhamento.

Em 2002, foi publicada a Portaria n. 849 (BRASIL, 2002c), que aprovou


o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas – Demência por Doença
de Alzheimer. Este protocolo contém o conceito geral da doença, os
critérios de inclusão/exclusão de pacientes no tratamento, critérios
de diagnóstico, esquema terapêutico preconizado e mecanismos de
acompanhamento e avaliação desse tratamento. É de caráter nacional,
devendo ser utilizado pelas secretarias de saúde dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios, na regulação da dispensação dos medicamen-
tos nela previstos.

O protocolo define o diagnóstico. O tratamento e o acompanhamento


dos pacientes portadores da doença de Alzheimer deverá se dar nos
Centros de Referência em Assistência à Saúde do Idoso, definidos pela
Portaria GM/MS n. 702 (BRASIL, 2002a) e a Portaria SAS/MS n. 249
Leia a Portaria n. 843, a (BRASIL, 2002b), ambas de abril de 2002.
Portaria GM/MS n. 702 e a
Portaria SAS/MS n. 249, todas
de 2002, disponíveis para você Três a quatro meses após o início do tratamento com os anticolineste-
na biblioteca do AVA, ou no
CD-ROM do curso. rásicos (rivastigmina, donepezil e galantamina), o paciente deverá fazer
uma reavaliação. Após esse período, as reavaliações deverão ocorrer em
intervalos de quatro a seis meses. Cabe ressaltar que, mesmo que a pes-
soa idosa seja assistida por um especialista, a equipe da Atenção Básica
deverá manter o seu acompanhamento.

O tratamento específico da doença de Alzheimer visa a diminuir a


progressão da doença e retardar ou minimizar os sintomas comporta-
mentais das pessoas, que, apesar do tratamento, irão piorar progressi-
vamente. Portanto, é de fundamental importância orientar e dar apoio
aos familiares.

Que orientações Dona Conceição deve receber para lidar


com a doença da irmã?
A Associação Brasileira de Alzheimer e Doenças Similares (ABRAz) dá
apoio e orientação aos familiares dos portadores da doença de Alzhei-
mer e outras demências. Atuando em todo o território nacional, foi
criada em 1991, e constituída como caráter privado, sem fins lucrativos,

212
Grandes síndromes geriátricas

não governamentais e de um significativo esforço voluntário. A missão


da ABRAz é reunir todos os envolvidos com a doença de Alzheimer e
outras demências, permitindo o intercâmbio, oferecendo meios de atua-
lização e apoiando ações voltadas ao bem-estar do portador, da família,
do cuidador e do profissional.

A ABRAz atende às necessidades geradas pelo diagnóstico, tratamento


e cuidados dos portadores de demências no desenvolvimento de uma
doença degenerativa com tratamento medicamentoso e não medica-
mentoso. As informações sobre o diagnóstico, as últimas novidades
científicas, os medicamentos e os cuidados são prestados pelos boletins,
folhetos, livros, atendimento telefônico, atendimento pessoal ou página
na internet (www.abraz.gov.br). Os boletins são distribuídos ao público
interessado e o atendimento pessoal se faz por meio de grupos de apoio,
treinamento de cuidadores, seminários de atualização científica, jorna-
das, congressos e palestras informativas.

Um dos deveres de uma associação de pacientes é também defender os


interesses do portador de demência junto aos órgãos públicos em todas
as esferas. Nesse sentido, tem que estar sempre presente no Ministério
da Saúde, nas secretarias estaduais e municipais de saúde, no Conselho
Nacional de Saúde e nos conselhos estaduais e municipais de saúde, para
defender a inclusão dos pacientes nos programas específicos do SUS.

As famílias dos portadores de demência têm, por meio da informação e


do apoio recebidos dessa Associação, conseguido entender o processo
da doença, aprendido como cuidar e dar qualidade de vida aos seus
pacientes.

É comum surgirem conflitos familiares ao longo do processo de demência


que dificultam ainda mais a tarefa de cuidar. Em fases iniciais, também é
comum haver conflitos entre o cuidador e o doente, que percebe as suas
perdas, porém rejeita assistência ou ajuda. Com o avanço da doença,
surgem diferenças de opinião entre o cuidador e outros familiares sobre
os cuidados, o tratamento médico, o controle financeiro e as obrigações
em geral. O grupo de apoio tem um papel importante nestes casos.

Nos últimos anos, uma mudança notável tem ocorrido na vida de famí-
lias que cuidam do seu ente querido com demência – eles descobriram
um ao outro e se uniram em busca de apoio mútuo e encorajamento.
A vergonha e o isolamento, que antigamente faziam com que evitassem
213
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

compartilhar o fardo, deram lugar à busca por informações e ao apoio de


pessoas em situação similar para confrontar os problemas causados pela
doença e para lidar com os sentimentos de ser um cuidador familiar.

ATIVIDADE 6
Diante do diagnóstico de Dona Ofélia:
1. Qual é, no seu entender, o papel da Equipe de Saúde da Família no acompa-
nhamento da paciente e suporte à família?
2. Elabore um protocolo de atendimento, justificando cada uma das ações pro-
postas.
3. Agora, acesse a página eletrônica da ABRAz (www.abraz.gov.br) e leia o item
“Dicas para o Cuidador”.
4. Elabore algumas estratégias de intervenção não farmacológica para ser
entregue a Dona Conceição.
5. Reveja o protocolo elaborado por você no item 2, verifique a necessidade de
modificações e encaminhe ao tutor.

Quedas
Antes que você se pergunte qual a importância deste assunto, leia aten-
tamente os dados epidemiológicos a seguir. Este estudo é importante
porque a queda pode ser um evento sinalizador do início do declínio
da capacidade funcional ou sintoma de uma nova doença.

Definição
Segundo a Associação Médica Brasileira (2000), queda é o deslocamento
não intencional do corpo para um nível inferior à posição inicial com
incapacidade de correção em tempo hábil, determinado por circunstân-
cias multifatoriais, comprometendo a estabilidade (diretriz de quedas).

Você já pode ter lido outras definições, porém, esta faz parte da diretriz
de quedas da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), na
página da Associação Médica Brasileira (AMB). Todas as definições buscam
mostrar a não intenção de cair e a incapacidade de corrigir a postura para
evitar a queda. Isso está nos sinalizando uma perda da capacidade funcio-
nal: quanto mais quedas uma pessoa sofrer, maior a sua incapacidade.

214
Grandes síndromes geriátricas

Epidemiologia
A queda é um evento súbito e por isso, como indicador epidemiológico,
é estimada em taxa de incidência (número de casos novos por ano).

Quadro 9 – Percentual de incidência de quedas dos idosos por faixa de idade


Idade Incidência de quedas
mais de 65 anos e menos de 70 anos 28% a 35%
mais de 70 anos e menos de 75 anos 35%
mais de 75 anos 32% a 42%
Fonte: Downton (1998).

Estudos prospectivos (estudos que analisam uma comunidade por um


determinado período de tempo) indicam que de 30% a 60% da popu-
lação com mais de 65 anos que vive em comunidade cai anualmente e
metade apresenta quedas múltiplas.

É animador saber que os idosos mais saudáveis caem menos, 15% em


um ano. Mas este dado de que 60% a 70% dos idosos que já caíram
cairão novamente no ano subseqüente é muito preocupante e nos alerta
para a necessidade de desenvolver medidas preventivas para evitar esta
ocorrência. A Caderneta da Pessoa Idosa é um instrumento que ajuda a Você poderá se aprofundar no
assunto, lendo o Caderno de
identificar os idosos que caem com mais freqüência, principalmente, nos Atenção Básica, volume 19,
últimos 12 meses. cap.12.

Um estudo com idosos de uma comunidade no município de São Paulo


revelou uma incidência de 31% de quedas e 11% de duas ou mais que-
das (PERRACINI; RAMOS, 2002). Esses dados são interessantes, pois
refletem um pouco da realidade brasileira.

Em idosos asilados, 50% estão sujeitos a quedas e a prevalência média


nas instituições é de cerca 43%. Essas estatísticas nos confirmam a
impressão de que quanto pior a capacidade funcional, maior o risco de
quedas. Os idosos asilados apresentam maior limitação de movimento e
marcha e, por isso, maior chance de cair.

Como conseqüência da queda pode haver a hospitalização que é mais


freqüente na faixa etária mais elevada. Além disso, esses pacientes ten-
dem mais a ser encaminhados para Instituições de Longa Permanência
para Idosos (ILPI). Outros dados nos informam que as lesões acontecem
de 30% a 75% das quedas, porém metade dos feridos não procura aten-

215
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

dimento médico. As fraturas (as mais comuns são as vertebrais, fêmur,


úmero, rádio distal e costelas) ocorrem em menos de 10% das quedas e
a incidência de fratura do colo do fêmur é de cinco sujeitos por 1.000,
acima de 65 anos, por ano (dados dos Estados Unidos). A incidência de
lesões é maior em pacientes institucionalizados. Tem sido reportada uma
gravidade maior das lesões em indivíduos que sofreram queda longe de
suas casas, provavelmente por serem mais ativos e estarem mais sujeitos
a lesões mais violentas.

ATIVIDADE 7
Responda:
1. As quedas constituem um problema de saúde pública no Brasil? Por quê?
2. Por que perguntamos a um idoso se ele já sofreu alguma queda? O que
queremos saber?
3. Descreva como deve ser a abordagem a uma idosa hipertensa que já teve
quatro episódios de quedas nos últimos 12 meses. Desenvolva uma estratégia
preventiva, destacando os fatores intrínsecos e extrínsecos.
4. Considerando a afirmativa “quanto mais quedas uma pessoa sofre, maior a
sua incapacidade funcional”, pergunta-se:
a) Esta afirmativa é correta?
b) Uma queda predispõe a novas quedas? Justifique sua resposta.

A morte acidental é a quinta causa de óbito na população idosa e as


quedas representam dois terços destes acidentes. A morte como evento
diretamente relacionado à queda ocorre em dois sujeitos por 1.000,
acima de 65 anos, por ano, com um risco maior em homens e tendendo
a aumentar com a idade. Como exemplos das causas de morte após hos-
pitalização por queda, temos:

✔ pneumonia;
✔ infarto do miocárdio;
✔ tromboembolismo pulmonar (SUDARSKY; TIDEIKSAAR, 1997).

A queda é considerada um preditor de maior mortalidade. Em um estudo


na Nova Zelândia, os “caidores” (idosos com mais de duas quedas por
ano) tinham o dobro da taxa de morte comparado com o grupo de “não
caidores”.

216
Grandes síndromes geriátricas

Gráfico 1 – Distribuição da incidência de internação por causas externas,


segundo sexo e idade. Estado de São Paulo, 2005

Fonte: Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo (2007).

O medo de novas quedas é tão prevalente quanto as quedas, 30% a 73%


dos idosos.

As quedas podem provocar sintomas de ansiedade e depressão. A perda


de confiança na capacidade de deambular com segurança pode resultar
em piora do declínio funcional, depressão, sentimento de inutilidade e
isolamento social. Após a queda, o idoso pode restringir sua atividade
por precaução, dor ou incapacidade funcional. A fratura de fêmur é o
exemplo mais importante desse declínio funcional que é encontrado
também em outras fraturas, gerando um grande impacto negativo na
independência. A reabilitação pós-queda pode ser demorada e pode
haver acamamento prolongado, levando a complicações maiores ainda,
como tromboembolismo venoso, úlceras por pressão e incontinência
urinária. O idoso mais restrito pode demandar um tempo maior do
seu cuidador, acarretando problemas de relacionamento. Os “caidores”
apresentam maior institucionalização.

217
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

ATIVIDADE 8

Esta realidade nos reflete toda a problemática da institucionalização. Quando


colocar o idoso em uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI)? É
melhor a instituição do que a assistência em casa? Quem cuidará melhor: um
profissional de uma instituição ou um cuidador informal? A família deseja ou
pode arcar com esta responsabilidade? São perguntas que nos fazemos ao de-
pararmos com a situação do idoso acamado ou dependente.

Participe do fórum de discussão organizado pelo seu tutor.

Aproveite e liste as Instituições de Longa Permanência para Idosos em seu ter-


ritório e envie para o seu tutor.

Após uma visão epidemiológica, vamos descobrir os motivos que levam


o idoso a correr um risco maior de sofrer uma queda e qual é o perfil do
chamado “caidor”.

Fatores relacionados a quedas


Vários estudos apontam para um aumento do risco de quedas com o
aumento da idade e relacionado também a mulheres. A maioria dos
fatores é interdependente e a combinação destes é mais importante do
que cada um analisado separadamente. Por exemplo: idade e função cog-
nitiva, confusão mental e dependência, doença neurológica e distúrbio
de marcha. Há relação também com algum grau de comprometimento
nas atividades de vida diária, (AVD) presença de várias doenças clínicas
e viver só ou passar a maior parte do tempo sozinho. Sintomas psicoló-
gicos, como depressão e ansiedade, também são fatores de risco. Como
você está observando, há uma confluência de fatores que aumentam o
risco de quedas. Mesmo que a pessoa ainda não tenha caído, você pode
identificar se ela está correndo um risco maior de cair. Esta informação é
a missão principal do estudo deste tema: identificar e prevenir.

A maioria das quedas ocorre durante o dia e somente 20% à noite. É mais
comum dentro de casa nos cômodos mais utilizados (quarto e banheiro).
Assim, podemos inferir que não só há um perfil de idoso mais propenso
a quedas, como há um cenário mais comum no qual ocorre o evento.

218
Grandes síndromes geriátricas

Podemos classificar os fatores contribuintes para as quedas como:

✔ intrínsecos – são aqueles relacionados ao indivíduo, levando à


instabilidade postural. São responsáveis por cerca de 70% dos inci-
dentes de queda.
✔ extrínsecos – são aqueles relacionados ao ambiente que cerca o
indivíduo. São responsáveis por 30% dos incidentes de queda.

Fatores intrínsecos
✔ Alterações ligadas ao envelhecimento
Uma das mais importantes mudanças da idade é a diminuição da velo-
cidade de integração central dos mecanismos envolvidos no reflexo pos-
tural. Ou seja, a resposta neurológica e, conseqüentemente, motora aos
estímulos está lentificada.

As alterações descritas a seguir compõem o quadro das alterações liga-


das à idade que predispõem o indivíduo idoso a quedas: diminuição da
visão e da audição, distúrbios vestibulares, distúrbios da propriocepção,
aumento do tempo de reação, hipotensão postural, degeneração articu-
lar, diminuição da massa muscular, sedentarismo, deformidades dos pés,
perda da massa muscular (diminuição do tamanho e da quantidade de
fibras musculares), aumento de colágeno muscular (fibrose muscular) e
perda das fibras nervosas de condução rápida.

Estas alterações conferem uma marcha característica da pessoa idosa ou


marcha senil, caracterizada por:

t Base alargada
t Diminuição do balanço dos braços
t Postura encurvada
t Flexão de quadril e joelhos
t Dificuldade para retornar
t Passos curtos
t Lentidão

219
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

A marcha senil caracteriza-se por uma forma mais cuidadosa de andar,


resultante da tentativa de aumentar a estabilidade e a segurança. O padrão
de marcha dos idosos assemelha-se ao de alguém que anda sobre uma
superfície escorregadia ou no escuro.
Para ter uma idéia da
dificuldade do idoso em seus
deslocamentos, tente mimetizar Foto 1 – Marcha senil
a postura e a marcha descritas
anteriormente; assim, você
fixará melhor na memória
como pode ser a marcha senil.

Foto: Manu Castilho (2008).

Deve-se considerar como paciente com risco aumentado de queda:


sexo feminino, 80 anos ou mais, equilíbrio diminuído, marcha
lentificada com passos curtos, pouca aptidão física, fraqueza muscular
dos membros inferiores, déficit cognitivo, doença de Parkinson, uso de
sedativos e ou polifarmácia.

Figura 6 – Instabilidade
Ilustração: Salo Buksman (2002).

220
Grandes síndromes geriátricas

✔ Doenças específicas
Há uma forte relação entre distúrbio de equilíbrio e marcha e quedas.
Por isso, doenças neurológicas – como hematoma subdural, demência,
doença de Parkinson, acidente vascular encefálico (AVE), delirium, neu-
ropatia periférica, epilepsia, traumatismo craniencefálico (TCE), tumores
do sistema nervoso central (SNC) e labirintopatia – podem afetar o equi-
líbrio e a marcha e serem fatores de predisposição a quedas. Algumas
doenças clínicas também podem ocasionar quedas, dentre elas: doença
coronariana (DAC), insuficiência cardíaca (IC), síncope de origem car-
diogênica, hipertensão arterial (HAS), arritmia, insuficiência vértebro-
basilar, hipotensão ortostática, desidratação, insuficiência renal (por
deficiência de vitamina D), síndrome vaso-vagal, sangramento oculto,
hipo e hiperglicemia, hipo e hipertireodismo, distúrbios hidro-eletrolíti-
cos, infecções, depressão, anemia, hipotermia, alcoolismo, incontinência
urinária, doença pulmonar e embolia pulmonar. Não podemos esquecer
que maus-tratos, principalmente em pacientes demenciados, podem
estar arrolados neste processo. Qualquer doença aguda pode diminuir
transitoriamente a perfusão cerebral e aumentar a possibilidade de perda
de consciência e quedas. Você pode perceber que devemos investigar as
doenças clínicas na abordagem do paciente que apresente quedas.

✔ Medicamentos
As medicações possuem importante papel na origem das quedas, não só
por seus efeitos intrínsecos, mas por alteração da farmacocinética e far-
macodinâmica causada pela idade. Esta se dá por alteração da gordura
corporal (aumento de 35%), diminuição do metabolismo renal e hepá-
tico. Vários estudos associam uso de medicamentos a quedas (LANDI,
2005; CHAIMOWICZ; FERREIRA; MIGUEL; 2000; COUTINHO, 2002).
As classes incluem drogas:

t psicoativas,
t cardiovasculares e vasodilatadores,
t uso de mais de quatro medicações (polifarmácia).

Os benzodiazepínicos e neurolépticos são mais constantemente implica-


dos no risco de quedas e os antidepressivos também.

O uso de álcool aumenta o risco de quedas, mas não há associação com


as lesões.

221
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Resumindo, as drogas psicoativas têm um efeito de lentificação da res-


posta, sonolência, hipotensão postural e outros efeitos anticolinérgicos,
como visão turva. Já os anti-hipertensivos podem aumentar a chance de
queda por hipotensão postural.

É de vital importância que você entenda os efeitos colaterais que ocor-


rem com as medicações para correlacionar com o risco de quedas e veri-
ficar qual medicação usada pelo paciente pode ser mais nociva.

Algumas considerações em relação ao perfil do caidor:

t Indivíduos entre 75 e 84 anos que necessitam de ajuda para


AVD têm possibilidade de quedas 14 vezes maior do que os inde-
pendentes.
t Não conseguir levantar-se sem assistência em menos de cinco
minutos após a queda, aumenta o risco de hospitalização ou, até
mesmo, de óbito. Aqueles que conseguem se levantar estão em
melhores condições físicas.

Fatores extrínsecos
✔ Riscos ambientais
✔ Tipos de movimentação executada pelo indivíduo

Mais de 70% das quedas acontecem em casa, principalmente no quarto,


na cozinha, no banheiro e na sala de jantar. Alguns trabalhos demons-
tram que 10% das quedas ocorrem em escadas, especialmente ao des-
cer, sendo o primeiro e o último degraus, os mais perigosos (Figura 7).
O simples fato de abrir uma porta já é fator de risco para queda, pois
houve uma mudança de ambiente e, como há uma dificuldade de visão
de profundidade, pode acarretar uma queda. O idoso também pode se
colocar em risco de cair ao subir em bancos e usar calçados inadequados.
A seguir, apresentamos uma lista dos principais obstáculos a uma deam-
bulação segura em casa.

222
Grandes síndromes geriátricas

Figura 7 – Escada com corrimão


Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).

Riscos nas áreas comuns da casa

✔ Iluminação inadequada
✔ Tapetes soltos ou com dobras
✔ Degraus altos ou estreitos
✔ Ausência de corrimão
✔ Obstáculo no caminho
✔ Piso irregular
✔ Fios soltos no chão
✔ Acúmulo de mobília

Riscos nos aposentos

✔ Camas e cadeiras com altura inadequada


✔ Telefones pouco acessíveis
✔ Prateleiras excessivamente altas ou baixas

Riscos no banheiro

✔ Piso escorregadio

223
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ Falta de barras de apoio


✔ Vaso sanitário baixo

Foto 2 – Tapetes soltos ou com dobras

Foto: Manu Castilho (2008).


Em 1998, um estudo avaliou se os fatores de risco ambiental doméstico
aumentam as chances de lesões provocadas por quedas entre idosos da
comunidade. Nesta avaliação, foram considerados: presença de tapetes,
acúmulo de móveis ou objetos, fios no chão, interruptores mal posi-
cionados, gavetas ou prateleiras muito baixas (< 70cm) ou muito altas
(acima do nível dos olhos), ausência de barra de apoio nos banheiros,
altura do vaso sanitário e uso de piso antiderrapante no boxe.

Foram realizadas entrevistas com idosos com história de quedas usando


questionário para registrar o ambiente doméstico, o histórico, o estado
mental, as circunstâncias da queda e o uso de medicamentos. Por meio
deste estudo foram encontradas as seguintes conclusões:

✔ Local mais freqüente de quedas: quarto.


✔ Relação da queda com algum fator de risco ambiental: 20,9%.
✔ Possível utilidade de intervenção de estrutura física: barra de
apoio e piso antiderrapante no banheiro.

Por fim, vimos que os riscos ambientais existem, mas há uma baixa cor-
relação com a queda. O importante é preparar o idoso para os riscos do
meio ambiente. Então, o que se apregoa sobre a casa segura não é tão
importante como se divulga.

224
Grandes síndromes geriátricas

Não podemos deixar de abordar o meio urbano, que é hostil para o


idoso e qualquer cidadão que não esteja em sua plena capacidade física.
Vocês devem se lembrar da Dona Conceição na Unidade de Aprendiza-
gem I. Naquela situação, pudemos perceber como o transporte coletivo
é inadequado (ônibus com degraus altos, motoristas despreparados para
as necessidades do cidadão da terceira idade e impacientes). Podemos
apontar ainda outros problemas, como:

✔ temporização dos sinais de trânsito insuficiente para uma tra-


vessia segura;
✔ calçamento irregular e buracos;
✔ iluminação inadequada;
✔ falta de rampas.

ATIVIDADE 9
✔ Faça uma lista de todos os obstáculos que você percebe em sua casa, na USF
e no seu território.
✔ Faça uma proposta de intervenção para tornar a realidade diagnosticada por
você mais segura para um idoso.

Encaminhe ao seu tutor.

Figura 8 – Natureza multifatorial da queda


Ilustração: Salo Buksman (2002).

225
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Avaliação clínica do paciente que sofre quedas


Durante a abordagem do idoso que caiu, você deve proceder fazendo
duas avaliações:

✔ A primeira é o exame e os cuidados com a vítima após o evento


e suas conseqüências.
✔ A segunda consiste na avaliação do ambiente e dos fatores pre-
disponentes à queda.

A investigação das circunstâncias relacionadas à queda pode nos trazer


informações sobre as causas e os fatores de risco envolvidos. Deve-se
afastar causa cardiológica ou neurológica bem definida, como síncope
cardiogênica ou crise convulsiva. Nos casos de síncope, em até 50%
pode não haver etiologia definida (KING, 1997). Devemos investigar,
também, a hipotensão ortostática ou postural (prevalência de 30% na
população idosa). Geralmente, quedas sem causa definida são de origem
multifatorial. A história colhida deve conter o nível de atividade fun-
cional do paciente antes da fratura, doenças crônicas e agudas, quedas
prévias, fraturas e uso de medicação ou mudança recente. As queixas
relativas à instabilidade postural, geralmente são relatadas como ton-
tura, fraqueza, escorregões freqüentes ou pernas sem força. Em relação
às doenças crônicas, lembramos que as mais ligadas a quedas são: diabe-
tes mellitus, doença de Parkinson, AVC prévio, osteoartrite, demência e
depressão. A ingestão de álcool antes da queda deve ser avaliada.

A seguir, apresentamos um roteiro de perguntas que contempla a maioria das


situações abordadas anteriormente.
✔ História de quedas nos últimos três meses
✔ Onde caiu?
✔ O que fazia?
✔ Sentiu algo antes de cair?
✔ Conseguiu levantar-se sozinho? Necessitou de mais de cinco minutos?
✔ Houve mudança recente do estado mental?
✔ Iniciou medicação nova ou alterou dosagem?
✔ Usa mais de quatro medicamentos?
✔ Ingeriu bebidas alcoólicas?
✔ Houve descompensação de alguma doença?

226
Grandes síndromes geriátricas

✔ Como está a capacidade funcional – AVD/AIVD?


✔ Fez exame oftalmológico recentemente?
✔ Existem fatores de risco ambiental?
✔ Existem evidências de maus-tratos?
✔ Existe evidência de abandono?

Exame físico do paciente que sofre quedas


O exame deve ser minucioso, detendo-se, principalmente, nos sistemas
cardiovascular, neurológico e músculo-esquelético.

✔ Exame físico convencional (hidratação, anemia, estado nutri-


cional).
✔ Sinais vitais (pressão arterial deitado, sentado e de pé após cinco
minutos para verificar hipotensão postural).
✔ Exame neurológico, estando-se atento para sinais de localização
(avaliar estado mental de orientação e equilíbrio com teste de Rom-
berg; caminhar com os olhos fechados, um desvio anormal pode
indicar alteração na função vestibular e empurrão no esterno).
✔ Testar força muscular e estabilidade da articulação do joelho.
✔ Teste de acuidade visual (como exemplo, cartão de Snellen).
✔ Pesquisa de trauma oculto (cabeça, coluna, costelas, pelve e
quadril).
✔ Exame dos pés.

Testes para uma avaliação mais detalhada do equilíbrio e marcha são


necessários para um diagnóstico mais preciso, não só da causa da queda,
mas também do estado funcional do paciente. O teste Timed up and go é
um bom teste de rastreio: o paciente levanta-se da cadeira, percorre três Esses testes encontram-se
metros e senta-se novamente, um tempo maior que 20 segundos indica descritos no livro de bolso
Avaliação multidimensional
necessidade de intervenção. Já o teste Get up and go não analisa o tempo do idoso: instrumentos de
e sim como o idoso procede. O controle postural pode ser avaliado, dina- rastreio, bem como no Caderno
de Atenção Básica, volume
micamente, com o teste do “alcance funcional”, em que o paciente fica 19, que compõem o conjunto
de pé paralelo a uma parede (ou superfície com metragem) com o braço didático deste curso.

levantado a 45° e deve esticá-lo para a frente o máximo possível; um Você encontrará, também,
um DVD que traz a filmagem
alcance de 15 centímetros ou mais é considerado normal. da aplicação dos diversos
instrumentos de avaliação.

227
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Você encontrará testes mais complexos, como os elaborados por Mary


Tinetti, estudiosa no assunto. São eles:

✔ o Performance-Oriented Mobility Assessment (POMA), traduzido


como Avaliação da Mobilidade Orientada pelo Desempenho;
✔ a Escala de Avaliação do Equilíbrio e da Marcha de Tinetti.

Esses testes, além de mais completos, contam com uma pontuação. Esta
forma de quantificar o resultado tem interesse não só de cunho cientí-
fico, mas prático, porque pode-se comparar avaliações seriadas de um
mesmo paciente e avaliar se está havendo um declínio funcional. Na
escala de equilíbrio e marcha, se o paciente obtiver uma pontuação igual
ou inferior a 19, ele apresenta um risco cinco vezes maior de queda.
Existem outros testes, todos com a finalidade de identificar e quantificar
o déficit de equilíbrio e/ou da marcha. Você encontrará alguns destes
testes no livro Avaliação multidimensional do idoso: instrumentos de rastreio.

Exames complementares
A propedêutica complementar do paciente que sofre uma queda deve
ser completa, incluindo todos os exames complementares necessários
para confirmar ou excluir os diagnósticos suspeitados.

Prevenção de quedas
Entraremos na área mais interessante de atuação. A promoção da saúde,
inclusa no programa de prevenção de quedas, é de uma grandeza ímpar.
Apesar de a prevenção primária não ter se mostrado efetiva em indi-
víduos da comunidade, as medidas especificadas a seguir têm impacto
positivo na saúde e na qualidade de vida dos idosos. A prevenção secun-
dária é mais eficiente e, por isso, há a necessidade de um rastreamento
dos idosos que necessitem desta intervenção.

✔ Avaliação geriátrica ampla com medidas corretivas adequadas


com enfoque:
t na função cognitiva
t no estado psicológico (humor deprimido)
t na capacidade funcional de executar as AVD
t na condição socioeconômica

228
Grandes síndromes geriátricas

✔ Racionalização do uso de medicamentos (identificação de efei-


tos colaterais, doses inadequadas e ou combinações inadequadas)
✔ Redução de consumo de bebida alcoólica
✔ Avaliação da acuidade visual com testes de visualização de
letras ou sinais de perto e a distância
✔ Avaliação nutricional para correção dos distúrbios nutricionais
✔ Exercícios fisioterapêuticos e atividade física (inclusive em
idosos frágeis), visando:
t à melhora do equilíbrio e da marcha;
t ao fortalecimento da musculatura proximal dos membros
inferiores;
t ao aumento da amplitude articular;
t ao alongamento e aumento da flexibilidade muscular;
t a atividades específicas para pacientes em cadeiras de rodas;
t à identificação dos pacientes que caem com freqüência, enco-
rajando-os a superarem o medo de nova queda.
✔ Exercícios aeróbicos, que são úteis e podem:
t aumentar a expectativa de vida;
t aumentar a independência funcional;
t diminuir o risco de cardiopatia, fratura, osteoporose e depressão.

Foto 3 – Hidroginástica: exercício e lazer


Foto: Christiane Abbade (2008).

229
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ Denunciar casos de suspeita de maus-tratos


Principalmente os idosos frágeis podem ser vítimas de violência, e a
queda pode ser provocada. Em caso de lesões suspeitas, é sua obrigação
averiguar e, para que isso seja feito, você deve denunciar. No Caderno de
Atenção Básica, volume 19, página 185, você encontra o Modelo de Ficha
de Notificação de Violência.

✔ Correção de fatores de risco ambientais


Como exemplos de intervenções de prevenção de quedas que mostrem
resultados estatisticamente relevantes, temos:

t instalação de barras de apoio no banheiro;


t colocação de piso antiderrapante no banheiro e na cozinha.

Figura 9 – Intervenções em áreas domiciliares de risco

Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).

230
Grandes síndromes geriátricas

Figura 10 – Correção para aumentar a altura do vaso


Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).

✔ Controle do comportamento de risco: conscientizar o idoso a


não se colocar em risco; apesar de se sentir bem fisicamente, é um
desafio para qualquer profissional da área do envelhecimento. Indi-
car o uso de órteses (bengalas e andadores), quando necessário,
exige que o profissional conscientize o idoso da necessidade do uso;
caso contrário, a adesão ao tratamento não acontecerá.

Figura 11 – Comportamento X segurança nas tarefas de risco do dia-a-dia


Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).

231
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Foto 4 – Uso de bengalas para ajudar e evitar quedas

Foto: Manu Castilho (2008).


Observe a tabela a seguir; ela traduz o resultado de um estudo que com-
parou diversos tipos de intervenção e respectiva eficácia.

Tabela 1 – Tipos de intervenção e respectiva eficácia


Intervenção Redução da taxa anual de Número de pacientes
quedas tratados para prevenir a
queda
Exercício 6,9% 14
Visão 4,4% 23
Correção de riscos domésticos 3,1% 32
Exercício + visão 11,1% 9
Exercício + correção de riscos
9,9% 10
domésticos
Visão + correção de riscos
7,4% 14
domésticos
Exercício + visão + correção de
14% 7
riscos domésticos

Fonte: British Medical Journal (2002).

A tabela demonstra que o mais eficaz é uma intervenção tríplice:

t exercícios físicos;
t melhora da acuidade visual;
t controle do risco ambiental.
Isso comprova que, na maioria das vezes, a causa das quedas é
multifatorial.
232
Grandes síndromes geriátricas

✔ Medidas gerais de promoção de saúde, como a prevenção e o


tratamento da osteoporose e a imunização contra gripe e pneumonia.

ATIVIDADE 10 Não devemos nos esquecer


de que nosso objetivo, além
de prevenir a queda, é o de
Dona Ana, 79 anos, moradora na rua Acre, n. 2, é autônoma, independente, teve promover a saúde, que inclui
uma queda domiciliar e fratura, mora com a filha Antônia com 46 anos, taba- o bem-estar biopsicossocial.
Então, orientar o idoso que
gista, separada há cinco anos de um alcoolista e namorada de Seu Francisco, caiu, ajudá-lo a enfrentar
residente à rua Acre, n. 3. o medo, a frustração e o
sentimento de impotência
e reintegrá-lo à sociedade é
Você faz parte da Equipe de Saúde da Família da Vila Brasil e está fazendo uma nosso dever.
visita domiciliar a esta casa, logo após Dona Ana sofrer a fratura.
a) Qual a sua conduta emergencial? Como abordar o paciente?
b) Ela foi internada e operada. Após a alta, como você conduziria o caso em
relação às causas da queda e à reabilitação?
c) O programa de prevenção de quedas deve incluir quais intervenções e por
quê?
d) Ao conversar com a filha da paciente, a Antônia, ela confessa estar preocu-
pada em como lidar com a mãe. Como você a aconselharia?
e) Antônia perguntou a você, durante a visita domiciliar, se ela deve tomar
alguma providência para não se fraturar ao cair, como aconteceu com sua mãe.
O que você responderia?
f) Dona Ana, ao tentar se levantar da cama, questiona sobre a possibilidade de
voltar a dançar no baile da terceira idade. Qual será a sua resposta?
g) Ao final da consulta, você percebe que o ex-marido de Antônia invadiu a casa,
alcoolizado, e ameaçou machucar Dona Ana, se esta não lhe desse dinheiro.
Disse claramente que, desta vez, ela não sobreviveria. Qual a sua conduta diante
desta frase?

Envie para o tutor.

Síndrome da imobilidade
Vamos agora dar início ao estudo da Síndrome da Imobilidade (SI), que
implica a incapacidade de deslocamento sem o auxílio de terceiros para
os cuidados necessários à vida diária, podendo o paciente estar restrito
a uma cadeira ou ao leito. Caracteriza-se por um conjunto de altera-
ções que podem ocorrer após período de imobilização prolongada, os
quais comprometem a qualidade de vida e a independência. No estágio

233
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

mais avançado ocorre a supressão de todos os movimentos articulares,


acarretando incapacidade para mudança postural, à qual se sucedem
complicações perpetuadoras da dependência. Sua prevalência é de 25%
a 50% após hospitalização prolongada, ao passo que na comunidade e
em instituições ocorre em 25% e 75%, respectivamente.

Como podemos identificar a SI?


O fato de um paciente estar acamado não implica por si só a existência
de SI. Em geral, há déficit cognitivo, contraturas musculares e mais duas
das seguintes condições: úlcera por pressão, incontinência urinária e
fecal, algum grau de disfagia e de afasia.

Quais as causas da SI?


Considerada multifatorial, o que se observa na prática é uma associação
de fatores causais, envolvendo polipatologias, aspectos psicológicos e
sociais. Como os sinais iniciais são decorrentes de perda do equilíbrio e
limitação da marcha, diversos problemas podem levar o idoso ao confi-
namento no leito, desencadeando a síndrome. As principais causas são:

✔ Osteoarticulares – fratura de fêmur, osteoartrose;


✔ Doenças dos pés – deformidade plantar, calosidade, úlcera plan-
tar;
✔ Cardiovasculares – acidente vascular cerebral, insuficiência car-
díaca, cardiopatia isquêmica, doença arterial periférica, seqüela de
trombose venosa profunda;
✔ Respiratórias – doença pulmonar obstrutiva crônica;
✔ Iatrogenia medicamentosa – neurolépticos, ansiolíticos, hipnó-
ticos;
✔ Déficit neurossensorial – cegueira, surdez;
✔ Neurológicas e psiquiátricas – demência, depressão, doença de
Parkinson, neuropatia periférica;
✔ Isolamento social;
✔ Desnutrição;
✔ Quedas de repetição.

234
Grandes síndromes geriátricas

Quais as características da SI?


A imobilidade prolongada leva a um declínio funcional progressivo de
vários sistemas que, somados às alterações proporcionadas pelo próprio
envelhecimento, acabam por desencadear a SI, como podemos verificar
no quadro a seguir.

Quadro 10 – Síndrome da Imobilidade

Sistema tegumentar Úlceras por pressão


Dermatite amoniacal
Monilíase inframamária
Equimoses
Xerose
Sistema cardiovascular Trombose venosa profunda
Embolia pulmonar
Isquemia arterial aguda
Hipotensão ortostática
Sistema osteoarticular Osteoporose
Anquilose
Fraturas
Sistema urinário Incontinência
Retenção urinária
Infecções
Sistema muscular Atrofia
Encurtamento de tendões
Contraturas
Sistema digestório Desnutrição
Constipação
Disfagia
Sistema nervoso Inversão do ritmo de sono
Delirium
Depressão
Sistema respiratório Pneumonia

Como podemos prevenir as complicações da SI?

Sistema tegumentar
✔ Úlceras por pressão (UP) – como o fator desencadeante de
úlceras por pressão é a compressão por mais de duas horas sobre
uma determinada área, a melhor prevenção é o posicionamento
do paciente no leito, colocando-se proteção sobre as proeminências
ósseas. Observar os pontos de apoio para identificar áreas vermelhas,
corrigir a desnutrição, manter a higiene, hidratar e prover colchões
adequados que contribuem para a prevenção da formação de UP. Na
Figura 12, pode-se ver os locais mais comuns de formação de UP.

235
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Figura 12 – Úlceras por pressão

Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).


✔ Xerose – o uso de hidratantes, associado à redução de banhos
quentes e do uso freqüente de sabonete, podem corrigir o pro-
blema.
✔ Dermatite amoniacal – decorre do contato da urina com a pele,
podendo ser evitada com a troca de fralda regularmente. O uso de
coletor, no caso de homens, também reduz a incidência desse tipo
de lesão.
✔ Monilíase inframamária – a candidíase cutânea ocorre em vir-
tude de umidade constante, provocada por má higiene, suor, col-
chões com cobertura plástica e roupas que não deixam passar a
umidade. A exposição ao sol, o uso de roupas e capas de colchões
que não retenham umidade previnem o surgimento de micose
cutânea.

Sistema osteoarticular
✔ Anquilose – em virtude da falta de mobilidade, reduz-se a circu-
lação de líquido sinovial e nutrientes na cartilagem, que, associada
à tendência de flexão das articulações, leva a contraturas e redução
da amplitude de movimentos. Conseqüentemente há a proliferação
de fibroblastos e matriz extracelular, dando origem ao pannus, cau-
sador de aderência entre as superfícies intra-articulares. Esse qua-
dro pode ser prevenido com fisioterapia passiva e posicionamento
do paciente no leito.
✔ Osteoporose – decorre, principalmente, da ausência de susten-
tação do peso e da falta de atividade muscular, mas a redução da
ingestão de vitamina D e da exposição ao sol também contribuem
para o problema. A massa óssea sofre um declínio de aproxima-
damente 1% a cada semana até o sexto mês. A administração de
cálcio e vitamina D pode reduzir o impacto da imobilidade sobre a
massa óssea.

236
Grandes síndromes geriátricas

Sistema muscular
✔ Perda de unidades motoras excitáveis (neurônio motor + fibras
musculares por ele inervadas) – é intensa no músculo estriado,
ocorrendo principalmente ao nível da coxa, acarretando grande
perda de força muscular.
✔ Fusão das fibras colágenas – ao se fundirem, tais fibras perdem
sua propriedade elástica, favorecendo as contraturas. A velocidade
com que o músculo encurtado sofre atrofia é o dobro daquela que
ocorre no músculo estendido. A fisioterapia é o tratamento reco-
mendado para a profilaxia de contraturas e encurtamento.

Sistema cardiovascular
✔ Trombose venosa profunda (TVP) – como na velhice há um
estado de maior coagulabilidade e maior incidência de lesões de
parede venosa, a SI contribui com a estase venosa, que é o terceiro
fator para se constituir a tríade de Virchow, determinante da TVP.
Aproximadamente, 60% dos casos passam despercebidos. A movi-
mentação freqüente de membros inferiores é a principal medida
usada para a prevenção de TVP. Na Figura 13 pode-se observar os
locais mais comuns de formação de trombos.

Figura 13 – Trombose venosa profunda


Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).

✔ Embolia pulmonar (EP) – as causas mais comuns de EP são os


êmbolos de veias femorais, ilíacas e da panturrilha. Tal condição
pode ser evitada adotando-se as mesmas medidas utilizadas na pro-
filaxia de TVP.
237
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ Isquemia arterial aguda – ocorre quando há uma contratura,


cujo ângulo é menor do que 20º (principalmente em quadril e joe-
lho). O fator predisponente é o ateroma e a prevenção pode ser
realizada posicionando-se o paciente no leito.
✔ Hipotensão postural – o confinamento ao leito diminui a res-
posta normal de compensação postural pelas modificações na fre-
qüência e no débito cardíacos, fato agravado por doenças (diabetes,
hipotiroidismo) e medicamentos. Medidas para prevenir a hipoten-
são ortostática incluem a oferta adequada de líquidos, mobilização
e elevação lentas do paciente para a posição sentada e depois para
o ortostatismo.

Sistema urinário

Ainda nesta Unidade de ✔ Incontinência Urinária (IU) – quase 100% dos pacientes apre-
Aprendizagem III, abordaremos a sentam IU, não havendo medidas profiláticas para tal. Assim,
incontinência urinária com maior
detalhamento.
recomenda-se o uso de coletores para os homens e fralda para as
mulheres.
✔ Retenção urinária – a ocorrência de retenção urinária é comum
e deve-se principalmente ao uso de anticolinérgicos, fecaloma e
hipertrofia prostática.
✔ Infecção urinária – 40% dos pacientes acamados apresentam
infecção urinária, tendo como fatores predisponentes a incontinên-
cia, pouca ingestão de líquidos, hipoestrogenismo e o uso de fraldas
geriátricas. Devemos ter em mente que a bacteriúria assintomática
não requer antibioticoterapia.

Sistema digestório
✔ Desnutrição – na SI mais de 90% dos pacientes apresentam
desnutrição, que se deve, principalmente, a: anorexia, problemas
odontológicos; uso de sonda, perda do olfato e paladar, má-absor-
ção intestinal, aumento do catabolismo, infecções, entre outros. Ao
exame, verifica-se redução da gordura subcutânea, da massa muscu-
lar, havendo, comumente, desidratação e infiltrado cutâneo decor-
rente de hipoalbuminemia. O tratamento e a prevenção dependem
do trabalho da equipe interdisciplinar, envolvendo a avaliação do
médico, do enfermeiro, da nutricionista e do fonoaudiólogo.
✔ Constipação – é freqüente, assim como a ocorrência de fecaloma
(fezes endurecidas e impactadas no retossigmóide), podendo haver
também uma falsa diarréia, em virtude da eliminação de fezes líqui-
das, apesar da obstrução, decorrente do excesso de estimulação do

238
Grandes síndromes geriátricas

intestino no local desta obstrução. Tais problemas se devem à baixa


ingestão de fibras e líquidos, ao trânsito intestinal mais lento no
paciente acamado, ao uso de anticolinérgicos e à fraqueza da mus-
culatura abdominal. Não é rara a ocorrência de agitação, e mesmo
de delirium, em pacientes constipados. A ingestão adequada de
fibras, a hidratação, a manutenção de uma rotina diária de toalete
e o uso de emolientes fecais, quando necessário, previnem a consti-
pação. O toque retal é mandatório para o diagnóstico e tratamento
de fecaloma, e a prescrição de clister glicerinado a 20% costuma
reverter o quadro.
✔ Disfagia – presente em quase todos os pacientes, cuja capacidade
de impulsionar o alimento da boca para a orofaringe está reduzida,
comprometendo o reflexo de deglutição. O maior risco nesses casos
é a broncoaspiração, que pode ser letal. O tratamento de disfagia
requer uma abordagem interdisciplinar, sendo importante a pre-
sença do fonoaudiólogo.

Sistema nervoso
✔ Delirium – inúmeras podem ser as causas de delirium no
paciente com SI, incluindo infecções, privação sensorial, constipa-
ção e medicamentos. Pode ser prevenido mantendo-se a interação
do paciente com a família e a equipe; orientações para a realidade
com a colocação de relógios e calendários no local, além do uso de
órteses (óculos, aparelho auditivo).
✔ Depressão – é freqüente em pacientes imobilizados, podendo
ocasionar alterações de comportamento. No paciente com SI, a
depressão deve ser tratada com fármacos, da mesma forma que em
outras situações.

Sistema respiratório
✔ Pneumonia – é a principal causa de morte na SI. Às alterações
decorrentes do envelhecimento (diminuição do reflexo de tosse, da
elasticidade da parede torácica, da superfície alveolar e do número
de macrófagos alveolares) associam-se os problemas relacionados
à imobilidade: redução da expansão pulmonar por diminuição da
mobilidade diafragmática, acúmulo de líquido nas bases, fecha-
mento de unidades respiratórias e atelectasia. Quando há refluxo
do conteúdo gastroesofágico para as vias respiratórias, ocorre a
pneumonia por broncoaspiração. A prevenção de pneumonia deve
incluir medidas como:

239
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

t manter o idoso em posição semi-sentada;


t hidratá-lo adequadamente, fluidificando, assim, as secreções
brônquicas;
t proporcionar fisioterapia respiratória regularmente.

A SI representa o máximo de incapacidade funcional. Depois de esta-


belecida, torna-se praticamente improvável a reversão do quadro. É
imprescindível a qualquer pessoa que esteja responsável por um idoso
conhecer os fatores de risco para imobilidade. O trabalho conjunto da
equipe de saúde e de familiares é a única forma de prevenir essa condi-
ção desastrosa e degradante para o ser humano.

ATIVIDADE 11

Releia o caso clínico de Dona Ana, moradora da rua Acre, n. 2, descrito na Ati-
vidade 10 deste módulo.
1. Enumere os riscos advindos da imobilidade prolongada após a fratura de
fêmur sofrida por ela.
2. Elabore estratégias preventivas para as seguintes complicações:
✔ Úlceras por pressão
✔ Trombose venosa profunda
✔ Hipotensão ortostática
✔ Anquilose
✔ Incontinência urinária
✔ Contraturas
✔ Constipação
✔ Pneumonia
3. Monte um caso clínico de um paciente acamado que esteja em risco de
progredir para a SI. Lembre-se de incluir os aspectos psicológicos e sociais. Que
medidas você propõe para evitar o desencadeamento da síndrome? Pesquise,
em seu território, a existência de algum idoso nestas condições e descreva.
4. Verifique em seu território se há um paciente que já apresente a SI. Descreva
os aspectos da síndrome presentes nesse paciente e as medidas que podem ser
adotadas por você e pela equipe de saúde em nível local. Caso não existam,
em seu território, pacientes nesta situação, utilize o caso clínico do item 3,
considerando que o paciente tenha evoluído para SI.

Envie para o seu tutor.

240
Grandes síndromes geriátricas

Incontinência esfincteriana
Incontinência urinária
Iniciaremos este estudo com um caso clínico:

Dona Safira, 82 anos, pesando 54 kg, mãe de quatro filhos, mora na rua
Bahia, n. 20. Portadora de diabetes, hipertensão e depressão, estava em
uso de diurético, hipoglicemiante e antidepressivo inibidor de recapta-
ção de serotonina. Era ativa, independente, participava de um grupo
de ginástica para terceira idade e morava com a filha e os netos. Há
sete meses iniciou um quadro de vários despertares noturnos para ir
ao banheiro (cerca de quatro vezes durante seis horas de sono) e apre-
sentou um episódio de perda urinária espontânea durante a ginástica.
Apesar de constrangida, retornou à aula na semana seguinte, quando
ocorreu novo episódio. Resolveu não ir mais à ginástica e despediu-se
do grupo, dando a desculpa de que estava com “crise de artrose”. Em
casa conversou com a filha e disse que não iria mais às aulas, pois estava
se cansando muito. A filha levou-a a um cardiologista, pensando que o
coração “estava fraco”. Durante a consulta, Dona Safira não contou ao
médico o que estava acontecendo e ele também não perguntou sobre
este assunto. Logo viu-se que o coração estava bom, mas, mesmo assim,
ela não retornou mais ao grupo. As perdas urinárias passaram a ser mais
freqüentes e Dona Safira já não saía mais de casa, nem para fazer com-
pras, o que ela adorava. Afastou-se das amigas e nunca mais foi ao baile
da terceira idade aos sábados. Passou, então, a ver televisão no quarto
e pouco comparecia à mesa para as refeições com a família, antes um
ato sagrado. Apresentou três episódios de queda ao ir ao banheiro. Em
apenas sete meses, Dona Safira encontrava-se mais esquecida, falando
pouco, mais confusa que de costume e muito deprimida. Até que um
determinado dia sua casa foi visitada pela Equipe de Saúde da Família
que estava iniciando um programa naquela área.

Iniciaremos o estudo sobre a incontinência numa abordagem geriátrico-


gerontológica.

Definição
Existem algumas definições, pouco diferentes entre si, porém é impor-
tante que sejam citadas para identificarmos corretamente o que o
paciente nos informa. São estas:

241
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ perda involuntária de urina;


✔ dificuldade de controlar a urina;
✔ dificuldade de segurar a urina até chegar ao banheiro.

Epidemiologia
A estimativa será dada em prevalência (número de casos da doença/
população). Cerca de 50% dos idosos que vivem em ILPI têm algum
grau de incontinência urinária. Já entre os idosos que vivem na comu-
nidade, um terço das mulheres e menos que um quarto dos homens são
acometidos por algum grau de incontinência. A prevalência aumenta
com a idade (JULIE; GAMACK, 2004).

Há uma correlação entre cognição e incontinência, pois 75% dos idosos


com incontinência urinária apresentam alterações cognitivas.

Fisiologia da micção
O sistema urinário possui duas funções: armazenar e eliminar a urina.
Quando há um aumento de volume urinário, e conseqüentemente de
pressão dentro da bexiga, origina-se a urgência da micção (ato de uri-
nar). A micção é um ato voluntário (depende da vontade), porém há a
fase involuntária. Nesta fase, o músculo detrusor, que compõe o assoalho
da bexiga, contrai e o esfíncter uretral externo relaxa, deixando a urina
passar. Este mecanismo é controlado: pelo centro inibitório da micção,
no córtex cerebral; pelo centro pontino da micção, no tronco cerebral;
pelo centro sacral, que são fibras nervosas da medula. Os núcleos da
base, hipotálamo e o cerebelo também exercem influência na micção.

O centro inibitório da micção tem o papel de inibir as contrações do


músculo detrusor. Já o centro pontino da micção coordena os estímulos
excitatórios e inibitórios. Estas ordens são transmitidas à bexiga através
das fibras nervosas da medula até o plexo sacral (centro sacral). Então,
vamos descrever alguns problemas que afetam estas estruturas e, conse-
qüentemente, podem ser responsáveis pela incontinência.

A atrofia cortical da idade ou um processo de demência podem afetar o cen-


tro inibitório no córtex, diminuindo, assim, sua ação inibitória sobre as con-
trações do detrusor. Origina-se, então, a urgeincontinência, a hiperatividade

242
Grandes síndromes geriátricas

do detrusor (mesmo pouca quantidade de urina pode estimular a con-


tração deste músculo). Outros problemas, como Acidente Vascular Cere-
bral e Traumatismo Craniano Encefálico podem causar incontinência.
Doenças como Parkinson, que afeta os núcleos da base, podem resultar
em hiperatividade do detrusor, ou seja, contrações não inibidas pelos
centros regulatórios. O hipotálamo está relacionado ao início da micção
e o cerebelo participa da coordenação da atividade motora do esfíncter
externo, da musculatura do assoalho pélvico (região genital) e, possivel-
mente, do detrusor, a fim de inibir as contrações. Qualquer condição que
afete estas estruturas poderá resultar em incontinência. Outras doenças
podem afetar as fibras nervosas que seguem da medula até a bexiga,
como o diabetes ou a neuropatia periférica por outra causa.

O traumatismo raquimedular (TRM), na coluna, lesa as fibras de forma


que não há mais passagem dos impulsos nervosos, não havendo mais
contração do detrusor. Há, então, retenção urinária: é a chamada bexiga
hipoativa. Segue um modelo esquemático das estruturas anatômicas
envolvidas na micção.

Figura 14 – Centro pontino de micção


Ilustração: Eduardo Morcillo (2008).

243
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

É fundamental que você tenha entendido a fisiologia da micção.


Vejamos como as alterações do envelhecimento contribuem para um
quadro de incontinência.

Alterações da micção no envelhecimento


Vale lembrar que o idoso urina mais à noite do que uma pessoa mais
jovem. Nos mais jovens, o volume urinário é excretado 2/3 de dia e 1/3
à noite; já no idoso a relação é de metade durante o dia e metade à noite.
Agora veremos as mudanças estruturais. As alterações comuns aos dois
sexos são: redução da contratilidade e da capacidade de armazenamento
vesical, diminuição da habilidade para retardar a micção, aumento do
volume residual para 50ml a 100ml (quantidade de urina na bexiga
após a micção) e surgimento de contrações não inibidas do detrusor (o
músculo apresenta contrações espontâneas que antes eram inibidas pelo
centro inibitório da micção).

No homem, o aumento do volume da próstata é o principal fator de


alteração da micção (a próstata é uma esfera que “abraça” a uretra e seu
aumento leva a um “estrangulamento” da uretra).

Já nas mulheres, a redução de pressão de fechamento uretral é a princi-


pal alteração. Isso é conseqüência da atrofia do epitélio (mucosa) uretral
e dos tecidos que envolvem a bexiga e a vagina. A atrofia se dá pela
diminuição da vascularização e diminuição hormonal (estrogênio) após
o climatério. Este hipoestrogenismo (baixos níveis de estrogênio) dimi-
nui a produção de muco pela uretra, o que facilita a infecção urinária,
que também é causa de incontinência. Também pode haver estreita-
mento da luz uretral, o que causa desconforto à micção (disúria).

Classificação
✔ Incontinência de urgência ou bexiga hiperativa
✔ Incontinência de esforço
✔ Incontinência por transbordamento
✔ Incontinência funcional
✔ Incontinência mista

244
Grandes síndromes geriátricas

INCONTINÊNCIA URINÁRIA TRANSITÓRIA

Antes de apresentarmos cada uma destas formas, discutiremos as causas da in-


continência urinária transitória, pois um terço dos pacientes com incontinência
apresentam causas reversíveis, como:
✔ Delirium
✔ Infecção urinária
✔ Uretrite e vaginite atróficas
✔ Restrição da mobilidade
✔ Aumento da diurese
✔ Medicamento
✔ Impactação fecal
✔ Distúrbios psíquicos

O uso de determinados medicamentos é a causa mais comum da incontinência


transitória. Exemplo:
✔ Diuréticos – rápido enchimento vesical; diminui a capacidade de contração
miccional.
✔ Cafeína – diurético.
✔ Sedativos – deprimem os centros cerebrais que inibem a micção.
✔ Álcool – efeito diurético e sedativo.
✔ Anticolinérgicos – retenção urinária e fecal e delirium.
✔ Antidepressivo – efeito anticolinérgico e sedação.
✔ Antipsicóticos – efeito anticolinérgico, sedação, rigidez e imobilidade.
✔ Analgésicos opióides – sedação, impactação fecal e urinária.

Em outras condições, como no delirium, as funções cerebrais de controle da


micção estão diminuídas. Tanto a infecção urinária como a uretrite causam in-
flamação que diminui a capacidade de controle miccional. A imobilidade limita
o acesso do paciente ao banheiro, o que facilita a incontinência. A impactação
fecal causa incontinência por transbordamento (retenção urinária), pois há uma
alteração do ângulo entre o reto e a uretra, o que causa obstrução parcial desta
e possui grande associação com a imobilidade.

Todas estas condições devem ser investigadas na avaliação do idoso inconti-


nente.

245
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

✔ Incontinência de urgência e bexiga hiperativa


A bexiga hiperativa é uma síndrome de urgência urinária, que pode
estar associada à incontinência ou não. Geralmente é acompanhada de
freqüência aumentada e noctúria (duas ou mais micções durante o sono
– Sociedade Internacional de Continência). Ela se caracteriza pela pre-
sença de contrações involuntárias do detrusor. Se houver distúrbio neu-
rológico associado, é chamada hiperreflexia; se não houver, é chamada
instabilidade do detrusor. Essas contrações deveriam ser inibidas pelo
centro inibitório da micção e todas as outras estruturas envolvidas no
controle miccional deveriam prover um bom funcionamento da micção.
As doenças neurológicas mais comumente ligadas à urgeincontinência
são: Acidente Vascular Cerebral (AVC), demência e Parkinson.

Há uma terceira condição: hiperatividade do detrusor com redução da


contratilidade. Há um aumento na freqüência, porém com uma dimi-
nuição da força de contração muscular, podendo haver aumento do
volume residual.

✔ Incontinência de esforço
É a perda involuntária de urina quando há aumento da pressão intra-
abdominal, como acontece durante a tosse, o espirro, o riso ou o exer-
cício. Surge por duas alterações: hipermobilidade uretral ou deficiência
esfincteriana intrínseca. Na hipermobilidade a função esfincteriana está
preservada, mas há um deslocamento da uretra e do colo vesical. Isso
é decorrente do enfraquecimento da musculatura do assoalho pélvico,
ocasionado pelo envelhecimento, multiparidade (vários partos) ou
trauma de uma cirurgia. Na deficiência esfincteriana o posicionamento
uretral está correto, mas a função está alterada por trauma cirúrgico ou
doença neurológica da medula.

A incontinência de esforço é o tipo mais comum em mulheres jovens e o


segundo, em idosas. Porém pode acometer homens, se houver dano no
esfíncter após uma cirurgia transuretral, prostatectomia radical (retirada
total da próstata) ou radioterapia.

O uso de certos medicamentos que afetam a inervação do esfíncter,


que é adrenérgica (receptores alfa estimulam a contração esfincteriana
e beta relaxam o esfíncter), pode alterar a função esfincteriana. Como
exemplo, temos os anti-hipertensivos, bloqueadores alfa adrenérgicos
que podem relaxar o esfíncter e estimuladores dos receptores beta que
podem aumentar o relaxamento mediado por estes receptores.
246
Grandes síndromes geriátricas

✔ Incontinência por transbordamento


É a perda involuntária de urina associada à hiperdistensão da bexiga.
Após um aumento importante do volume e, conseqüentemente, da
pressão intravesical (dentro da bexiga), o esfíncter torna-se incompe-
tente e deixa extravasar urina até a pressão retornar a um patamar no
qual ele possa voltar a funcionar e não ser sobrepujado pela pressão. É
causada por:

t obstrução anatômica, como aumento do volume da próstata


ou impactação fecal;
t fatores neurogênicos, como diabetes, arreflexia do detrusor
ou esclerose múltipla, que resultam em bexiga hipoativa ou
arreflexa;
t medicamentos, como:
t anticolinérgicos – diminuem a força do músculo detrusor.
Exemplo: antidepressivo tricíclico, antipsicóticos, anti-histamí-
nicos (antialérgicos) e antiespasmódicos;
t anti-hipertensivos – bloqueadores do canal de cálcio que rela-
xam a musculatura e diminuem a força do detrusor.
t antiinflamatórios não hormonais que, ao bloquearem os
receptores de prostaglandinas, diminuem a força de contração
muscular.
t estimuladores dos receptores-alfa que aumentam seu funcio-
namento, causando retenção e bloqueadores beta adrenérgicos
que bloqueiam a oposição ao fechamento do esfíncter que este
receptor faz, facilitando a oclusão esfincteriana. Há, assim, uma
desregulação do funcionamento esfincteriano.

✔ Incontinência funcional
Perda involuntária de urina, secundária a fatores que não são do trato
urinário, como problemas músculo-esqueléticos, problemas psicológicos e
fatores ambientais (acesso difícil ao banheiro). É um diagnóstico de exclu-
são, ou seja, as outras causas foram descartadas após a investigação.

✔ Incontinência mista
É a presença simultânea da incontinência por esforço e de urgência.
Diagnóstico feito por critérios clínicos e urodinâmica (exame realizado
com colocação de cateter intravesical com medição de várias pressões).

247
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Avaliação clínica
A avaliação consiste de anamnese, exame físico e análise da urina. Caso
haja necessidade, pode ser feita a medida do resíduo pós-miccional. Esta
aferição pode ser rápida e simples por meio de métodos pouco com-
plexos, como ultrassonografia pós-miccional e colocação de um cateter
através da uretra e verificação da saída de urina. Em casos mais comple-
xos será necessário o teste de urodinâmica.

✔ Anamnese
Deve-se investigar toda a história da incontinência e seu impacto social.
Quando começou, intermitente ou contínua, ocorre durante o dia ou
à noite, a caminho do banheiro e/ou durante o esforço. Verifica-se a
existência de polaciúria (aumento da freqüência miccional), estrangúria
(dor à micção), enurese (perda involuntária de urina dormindo), inter-
valo entre as micções, sensação de esvaziamento insuficiente e caracte-
rísticas do jato. Informações adicionais a respeito de constipação intesti-
nal e acesso ao banheiro são importantes. História de cirurgias prévias,
quais e qual a relação temporal com os sintomas pode ser útil. Inves-
tigar doenças neurológicas, especialmente: Acidente Vascular Cerebral
(AVC), Parkinson e demência. Finalmente, é imperativo saber sobre uso
de medicamentos, investigar a automedicação e a relação destes com a
incontinência. A investigação da incontinência à noite deve levar em
consideração condições como:

t consumo excessivo de líquidos à noite,


t insuficiência cardíaca;
t insuficiência venosa.

O impacto social da incontinência urinária é extremamente relevante.


Representa um importante estigma social, capaz de causar restrição das
atividades sociais, isolamento e depressão. Além disso, constitui-se na
segunda causa de institucionalização nos Estados Unidos.

✔ Exame físico
O exame convencional deve ser acrescido de um cuidado maior em:

t Exame abdominal – identificar globo vesical palpável pós-mic-


ção, massas ou cirurgias.
t Exame retal – identificar impactação fecal, tônus do esfíncter,
massa retal e volume prostático.
248
Grandes síndromes geriátricas

t Exame genital – avaliar atrofia genital e muscular, coloração da


pele, prolapso uterino ou vesical e tônus muscular.
t Exame neurológico – avaliação do estado cognitivo, com-
pressão medular, Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou alguma
doença tratável.

✔ Exames complementares
Todos os pacientes devem ser submetidos a urianálise (EAS: elementos
anormais e sedimento) e a urocultura, que nos informam sobre sangra-
mento, infecção e diabetes descompensado, por exemplo. A medida do
volume urinário residual (normal até 100ml), quando normal nos des-
carta incontinência por sobrefluxo ou hipocontratilidade do detrusor.

Os exames de bioquímica com avaliação da função renal e glicose, assim


como avaliação ginecológica, urológica e citologia urinária são para
pacientes selecionados, com quadros mais complexos, que precisam de
uma investigação mais completa.

A urodinâmica compõe-se de colocação de um cateter intravesical com


multicanais em que se avalia a pressão de enchimento vesical, pressão
uretral e pressão intra-abdominal. Há avaliação com gráficos da ativi-
dade do músculo detrusor. Este exame não deve ser solicitado como
rotina, deve ser usado somente nos casos complexos, como suspeita de
obstrução ou hipocontratilidade do detrusor. É um teste caro, invasivo
e redundante, já que na maioria das vezes o diagnóstico é feito pela
história clínica.

Tratamento
Devemos considerar que o tratamento da incontinência não é padro-
nizado e, sim, personalizado para cada caso e cada paciente, principal-
mente nas orientações. A causa deve ser encontrada, pois só assim tere-
mos chance de sucesso terapêutico. Então, tratar as causas reversíveis de
incontinência – como infecção por meio de uso de antibióticos, atrofia
genital atenuada com estrogênio tópico e impactação fecal resolvida com
uso de enemas e laxativos – pode aliviar os sintomas do paciente rapida-
mente. Identificar e tratar o delirium, outra causa reversível, tentar dimi-
nuir a restrição no leito, também faz parte desta abordagem. O aumento
de diurese à noite, seja por aumento de consumo de líquidos ou por
doença, como insuficiência cardíaca, deve ser investigado. As condições
psíquicas devem ser elucidadas para que não interfiram na micção. Por

249
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

último, a verificação da medicação em uso é de capital importância para


encontrarmos os responsáveis por esta condição.

O tratamento da urgeincontinência, condição mais comum no idoso, é


classificado como:

✔ Tratamento não farmacológico


O tratamento não farmacológico compreende modificações ambientais
e técnicas corporais.

As modificações ambientais visam a facilitar o acesso ao banheiro e


torná-lo de mais fácil e seguro manuseio. Iluminação adequada e barras
de apoio são medidas eficazes e que melhoram a qualidade de vida.

As técnicas corporais são exercícios que têm por objetivo fortificar a


musculatura e criar um hábito miccional. A maioria das técnicas exige
colaboração do paciente, porém algumas, como a micção programada,
podem ser feitas com a colaboração do cuidador. Ele conduz o paciente
ao banheiro em intervalos regulares, independentemente da vontade de
urinar. O intuito é manter o paciente seco a maior parte do tempo com
esta técnica. Os exercícios feitos pelo próprio paciente visam a restaurar
a capacidade miccional normal. Por exemplo:

t Treinamento vesical – aumento progressivo do intervalo entre


as micções, visando ao aumento da capacidade de armazena-
mento. Durante a urgência, o paciente contrai a musculatura
pélvica, enquanto levanta-se ou senta-se devagar, inspirando
lentamente, fazendo exercícios de relaxamento mental. Após
passada a urgência, o paciente caminha lentamente para o
banheiro. É útil para incontinência de urgência e esforço.
t Exercícios de Kegel – são contrações lentas do assoalho pélvico
(pelo menos seis segundos), cerca de oito a 12 contrações, perto
da potência muscular máxima, em três séries e três a quatro
vezes por semana.
t Cones vaginais – tamanhos e pesos variados; ao tentar segurá-
los, a mulher contrai a musculatura pélvica.
t Biofeedback – por meio de aparelhos que monitoram a con-
tração muscular, o paciente aprende a contrair determinados
grupos musculares, enquanto mantém outros relaxados. Por
exemplo: contrai a musculatura pélvica e relaxa os glúteos e o
abdome.

250
Grandes síndromes geriátricas

t Eletroestimulação – corrente elétrica aplicada por eletrodos


intravaginais ou intra-retais, estimulando os músculos do asso-
alho pélvico.

Existem vários tipos de tampões, os quais são usados para ocluir a


uretra por um período de tempo. Assim, o paciente incontinente pode
participar de uma atividade social, por um determinado tempo, sem
maiores constrangimentos. As fraldas e os absorventes geriátricos mas-
culinos e femininos também são grandes aliados na melhora da quali-
dade de vida.

✔ Tratamento farmacológico
t Urgeincontinência – anticolinérgico (diminui a condução
nervosa da contração muscular).
t Hipoatividade do detrusor – o uso de colinérgico não mostrou
eficácia; usa-se cateterismo intermitente, pelo menos, três vezes
Importante: o alfabloqueador
ao dia. deve ser usado com cautela,
pois provoca hipotensão
t Hipertonia esfincteriana – alfabloqueadores. postural no idoso,
t Incontinência de esforço – agonista alfa adrenérgico e estro- principalmente quando usado
em associação com outros
gênio tópico (local). anti-hipertensivos.
t Incontinência por sobrefluxo – após descartar as causas rever-
síveis, como impactação fecal
t Medicamentos – deve-se avaliar:
- obstrução de saída por estenose de uretra ou próstata – con-
siderar cirurgia;
- alteração do detrusor e esfíncter, usar alfabloqueador (facilita
saída pela uretra).

✔ Tratamento cirúrgico
Tipos de cirurgia para incontinência de esforço:

t Injeção periuretral de colágeno;


t Suspensão transvaginal por agulha;
t Colpossuspensão retropúbica (suspender o útero);
t Colocação de faixas pubovaginais de suporte (slings) – elevam
a uretra, restaurando seu ângulo com a bexiga;
t Prótese esfincteriana.

251
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Para refletir
Você foi apresentado a um grande problema geriátrico e
gerontológico, responsável por perda da qualidade de vida.
Os profissionais da saúde devem estar aptos a reconhecer o problema.
O paciente incontinente pode se beneficiar de várias intervenções,
farmacológicas ou não. Por isso é tão importante agirmos.

ATIVIDADE 12
1. Qual a causa da incontinência urinária mais comum no idoso? Justifique.
2. Quais as causas reversíveis de incontinência urinária?
3. Qual o papel da urodinâmica na avaliação da incontinência urinária?
4. Analisando o caso de Dona Safira, moradora da rua Bahia, 20, responda:
a) Quais os fatores que contribuem para sua incontinência urinária?
b) Qual a melhor abordagem diagnóstica e terapêutica para ela?
c) Quais os problemas sociais e psicológicos enfrentados por ela?
5. Analisando o caso de Dona Angela, 65 anos, moradora da rua Mato Grosso,
n. 6, que teve um quadro de Acidente Vascular Cerebral (AVC) há três anos,
apresenta dificuldade de locomoção e incontinência urinária, é cuidada pelo
marido, Seu Firmino, 70 anos, portador de diabetes, responda:
a) Das condições patológicas da Dona Angela, qual é a principal responsável
pelo quadro de incontinência urinária? Justifique.
b) Há alguma outra condição coadjuvante na incontinência?
c) Qual abordagem terapêutica deve ser feita?

Incontinência fecal
Agora conversaremos sobre problemas que afetam o funcionamento
intestinal. Preste atenção neste caso clínico bem curtinho.

252
Grandes síndromes geriátricas

ATIVIDADE 13

Dona Dora, 70 anos, moradora da rua Rio de Janeiro, n. 10, está acamada há
quatro anos, depois de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Há 10 dias está
com quadro de fezes muito líquidas, aumento do volume abdominal, com dor, e
retenção urinária há três dias. Dr. José Luiz foi chamado em casa e, ao examinar
a paciente, foi peremptório: “Ela está com prisão de ventre e a retenção urinária
e devido à impactação das fezes que impede a defecação”.

Responda:
a) Comente o diagnóstico proposto. Justifique.
b) Opine sobre uma possível solução para o problema encontrado.
c) Como prevenir esse problema?

Envie ao tutor.

Várias transformações acontecem no intestino durante o envelheci-


mento, como o aumento da prevalência da constipação, neoplasia e
doença diverticular. Há alteração da inervação e da musculatura, pro-
piciando hipotonia e diminuição dos movimentos que impulsionam o
bolo fecal.

O que acontece com Dona Dora é a chamada diarréia paradoxal. Este


nome se deve à ocorrência de saída de muco pelo ânus, muitas vezes
confundido com fezes líquidas. Este muco é produzido pelo intestino
na tentativa de “empurrar” as fezes impactadas. O não reconhecimento
desta situação faz com que o paciente seja tratado, erroneamente, para
um quadro diarréico. O que piora ainda mais seu quadro clínico.

O tratamento deve ser feito com uso de enemas, catárticos e, ainda, com
outros laxativos, como as fibras e a ingestão adequada de líquidos.

Já a incontinência fecal verdadeira também aumenta com a idade; a


principal estrutura envolvida é o esfíncter anal externo. Várias situações
contribuem para a sua ocorrência, como o AVC, a neuropatia periférica
(principalmente a do diabetes) e o declínio cognitivo.

Estas alterações trazem repercussões pessoais e sociais tão ou mais graves


que a incontinência urinária, devendo ser adequadamente abordadas.
253
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Farmacologia geriátrica e iatrogenia


Vamos iniciar agora o estudo da farmacologia geriátrica e da iatrogenia
medicamentosa em idosos. Mas, antes, leia a notícia a seguir:

A médica geriatra Maria Cristina Passarelli, em sua tese de doutorado, avaliou


186 idosos com idade média de 73 anos, admitidos na enfermaria da clínica
médica do Centro Hospitalar de Santo André, hospital público de Santo André,
na grande São Paulo.

As conclusões de sua pesquisa foram: 61,8% dos idosos internados apresenta-


ram reações adversas a medicamentos (RAM) sendo que, em 11,3% dos pacien-
tes, a RAM foi a própria causa da internação.

Para refletir
1. Por que tantos idosos apresentaram reações adversas a medicamentos?
2. O que poderia ser feito para que o número de internações
decorrentes de reações adversas a medicamentos fosse reduzido?

O envelhecimento suscita modificações biológicas que aumentam a


morbidade, a mortalidade e o uso de medicamentos. Embora constituam
uma parcela menor da população, os idosos consomem, proporcional-
mente, a maior quantidade de medicamentos, usando, cada um, dois a
seis fármacos prescritos e vários não-prescritos.

O risco de interações entre as drogas é maior devido ao uso de múltiplas


medicações, sendo os pacientes frágeis os mais susceptíveis. Tais fatos
são agravados pela insuficiência de dados sobre efeitos de fármacos nos
indivíduos mais idosos e pelo fato de o envelhecimento modificar a rela-
ção fármaco-organismo.

Farmacologia
Para que um fármaco provoque o efeito desejado, é necessário que atinja
concentrações adequadas nos locais de ação, o que depende da dose
administrada, da velocidade e magnitude de absorção, da distribuição
nos tecidos, da biotransformação e da excreção.

Nenhuma generalização pode ser feita com relação às modificações na


farmacodinâmica (associação do fármaco ao receptor), porque a resposta

254
Grandes síndromes geriátricas

do organismo envelhecido pode ser aumentada ou diminuída, de acordo


com a droga em questão, em decorrência da modificação da homeostase.

Ao contrário das alterações farmacodinâmicas pouco conhecidas, a far-


macocinética das drogas no envelhecimento já está bem estabelecida.
Sabe-se que algo em torno de 70% das reações adversas em idosos decor-
rem de alterações relacionadas à dose, sendo passíveis de prevenção.
Tanto o efeito terapêutico quanto o tóxico são diretamente relacionados
à concentração plasmática da droga.

Farmacocinética
✔ Absorção
A absorção de fármacos sofre poucas alterações com a idade e as modi-
ficações encontradas não se manifestam universalmente. Uma diminui-
ção da secreção de ácido clorídrico, com aumento do pH, pode acarretar
diminuição da absorção de certas substâncias, como ferro e cetoconazol.
A redução da motilidade gastrintestinal prolonga o tempo de esvazia-
mento gástrico.

A utilização da via sublingual evita a primeira passagem de fármacos


pelo fígado e pode ser útil para o uso de medicamentos atuantes no
sistema cardiovascular e nervoso.

✔ Distribuição
As modificações na composição corporal acarretam aumento do tecido
adiposo com a idade (15% para 30% do peso entre os 25 e 75 anos),
elevando o volume de distribuição das drogas lipossolúveis, como ben-
zodiazepínicos e propranolol. Conseqüentemente, tais substâncias são
liberadas mais lentamente, havendo aumento da sua meia-vida plasmá-
tica. Nesse mesmo período de tempo, a massa tissular total sofre uma
redução de 30%, devendo-se tal perda, principalmente, à atrofia da
musculatura esquelética.

O conteúdo de água intracelular também se reduz, sendo 20% menor em


septuagenários, ocasionando diminuição do volume de distribuição de
substâncias hidrossolúveis. A maior concentração plasmática aumenta o
risco de reações adversas. Exemplos de fármacos hidrossolúveis são os
diuréticos e digitálicos.

255
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

O envelhecimento também ocasiona diminuição das proteínas plasmá-


ticas em torno de 20%, reduzindo, assim, sua ligação com as drogas.
Uma vez que as proteínas se ligam aos fármacos para mantê-los ina-
tivos, a diminuição das mesmas acarreta uma maior fração de droga
livre no plasma, possibilitando uma maior concentração nos receptores
teciduais. Anticoagulantes, antiinflamatórios não hormonais (AINH) e
sulfoniluréias circulam ligados às proteínas e atingem maior fração livre
com a idade.

Assim, vemos que as alterações da composição corporal decorrentes da


idade impõem a modificação da posologia da maioria dos medicamentos
administrados aos idosos.

✔ Metabolismo
O fígado é o órgão responsável pela biotransformação dos medicamen-
tos. Além da redução do volume (20% entre 20 e 80 anos de idade),
há um decréscimo de fluxo sangüíneo com a idade, levando à menor
depuração dos medicamentos dependentes de fluxo, como propranolol e
nifedipina. A primeira fase da biotransformação (fase I) envolve reações
químicas que têm a participação de enzimas de um conjunto denomi-
nado Citocromo P450. Nesta etapa, os medicamentos são transformados
em metabólitos ativos ou inativos para, em seguida (fase II), ligarem-se
a substratos endógenos e serem excretados pelas fezes ou pela urina. As
reações da fase I estão diminuídas no envelhecimento, possibilitando o
surgimento de interações medicamentosas e modificação da meia-vida
de diversos fármacos, como veremos adiante.

✔ Excreção
A reserva funcional do sistema gênito-urinário declina com a idade,
havendo uma redução da filtração glomerular em torno de 40% por volta
dos 70 anos. A capacidade de concentração urinária também decresce.
Assim, medicamentos de excreção renal, como digoxina, lítio, furose-
mida e outros, têm suas meias-vidas aumentadas no idoso. E como há
uma diminuição simultânea da massa muscular esquelética, a creatinina
sérica deixa de ser um bom indicador da função renal. Nestes casos,
lança-se mão de fórmulas, como a de Cockroft & Gault:

(140 – idade) x peso(kg)


72 x creatinina sérica (mg/dl)

Observação: Para mulheres, multiplicar o valor final por 0,85.


256
Grandes síndromes geriátricas

Além desses fatores, o fluxo plasmático renal também declina em torno


de 50% entre os 40 anos e os 90 anos, predispondo os rins a distúrbios
circulatórios na vigência de quadros em que há hipotensão arterial.

A presença de doença renal crônica é diagnosticada quando o ritmo de


filtração glomerular (RFG) é inferior a 60ml de sangue por minuto por
1,73m2 de área da superfície corporal, ou na presença de proteinúria. A
gravidade da insuficiência renal crônica pode ser classificada em:

t Estágio 1– RFG ≥ 90ml/min/1,73m2


t Estágio 2 – RFG entre 60 e 89ml/min/1,73m2
t Estágio 3 – RFG entre 30 e 59ml/min/1,73m2
t Estágio 4 – RFG entre 15 e 29ml/min/1,73m2
t Estágio 5 – RFG < 15ml/min/1,73m2

ATIVIDADE 14

Calcule a depuração de creatinina de Dona Safira, moradora da rua Bahia, n. 20,


que apresenta creatinina plasmática de 1,8mg/dl.

Farmacodinâmica
A farmacodinâmica se relaciona aos efeitos do fármaco no seu receptor,
levando em consideração a intensidade e a duração do efeito de uma
determinada concentração do fármaco no local.

Ao contrário das alterações farmacocinéticas no envelhecimento, já bem


conhecidas, a farmacodinâmica ainda necessita de estudos. Sabe-se que
as alterações nos receptores surgem mais tarde, por volta dos 70 anos,
explicando diferenças nas reações adversas a medicamentos, como ben-
zodiazepínicos, por exemplo.

257
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Iatrogenia
Reações adversas a medicamentos (RAM)
Foto 5 – Iatrogenia

Foto: Manu Castilho (2008).


A Organização Mundial da Saúde (MERLE et al., 2005) definiu RAM
como qualquer efeito nocivo, não intencional e não desejado de uma
droga, ocorrendo em doses usadas para profilaxia, diagnóstico ou tra-
tamento. A incidência de reações adversas pode aumentar em até sete
vezes nos idosos, sendo que entre as causas mais comuns de RAM estão
as interações medicamentosas, descritas a seguir.

Interações medicamentosas
Quando dois ou mais medicamentos são administrados, pode ocorrer
uma indiferença farmacológica, ou seja, cada um acarreta os efeitos
desejados, sem qualquer interação entre ambos. Por outro lado, quando
eles interagem, a ação de um interfere com os efeitos do outro, podendo
haver sinergismo, caso em que há potencialização, ou antagonismo
quando um prejudica a ação do outro. Isto ocorre nas seguintes situações:

✔ competição de dois fármacos pelo mesmo receptor;


✔ um provoca retardo na absorção do outro (exemplo: anticoli-
nérgicos retardam a absorção de outros medicamentos quando
administrados simultaneamente);
✔ um pode acarretar deslocamento do outro em sua ligação com
a albumina;
✔ interferência com a biotransformação (por indução ou inibição
enzimática).
258
Grandes síndromes geriátricas

O Quadro 11 demonstra como a biotransformação pode ser modificada


pelos efeitos dos fármacos na enzima 3A4 do Citocromo P450, decor-
rente de interação medicamentosa. Quando uma substância (substrato)
é metabolizada pela enzima e se adiciona uma outra que seja inibidora
da mesma, pode haver uma acentuação do efeito da primeira droga. Isso
acontece porque o metabolismo do substrato passa a ser reduzido, em
virtude da inibição da enzima 3A4 do CitP450.

Quadro 11 – Interações medicamentosas


Substrato Inibidor Indutor
Benzodiazepínicos Antifúngicos (fluconazol, Anticonvulsivantes
cetoconazol) (carbamazepina, fenobarbital,
fenitoína)
Bloqueadores de canais Antibióticos (claritromicina, Rifampicina
cálcio (anlodipina, diltiazem, metronidazol, norfloxacina)
nifedipina)
Estatinas (lova, prav, atorv) Antidepressivos (ISRS)
Losartan Omeprazol

ATIVIDADE 15

Agora veja a seguinte situação: Dona Ana, moradora da rua Acre, n. 2, tem 79
anos, trata-se regularmente com anlodipina, na dose de 5mg, duas vezes ao dia.
Ela vem à consulta com um quadro de infecção do trato urinário e o médico,
acertadamente, prescreve-lhe norfloxacina – 400mg, duas vezes ao dia, basea-
do no antibiograma. No terceiro dia de tratamento com o antibiótico, ela sofre
uma queda e os familiares relatam a você que, naquele momento, a sua pressão
estava baixa. Que tipo de interação pode ter ocorrido? Justifique.

Envie para o tutor.

259
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Polifarmácia
Foto 6 – Idoso separando sua medicação

Fonte: Moraes (2008)

Outro problema de saúde pública é a polifarmácia. Como não há ainda


um consenso para definir tal condição, esta será aqui considerada como
o uso de cinco ou mais fármacos ao mesmo tempo.

Há uma associação inequívoca entre polifarmácia, RAM e menor qua-


lidade de vida dos idosos. Entre os principais fatores de risco para o uso
excessivo de fármacos estão os seguintes:

✔ desejo dos pacientes de receber uma prescrição médica sempre


que comparecem a uma consulta;
✔ não relato de sintomas que podem ser reações adversas de outros
fármacos, ocasionando a prescrição de um medicamento para tratar
aqueles sintomas;
✔ consultas com múltiplos médicos.
Ainda devemos levar em conta a adesão ao tratamento, significativa-
mente reduzida na vigência de polifarmácia.

260
Grandes síndromes geriátricas

Adesão
Foto 7 – Adesão
Foto: Manu Castilho (2008).

A adesão ao tratamento refere-se à extensão em que o comportamento


do paciente coincide com a orientação do médico, aqui interessando o
uso dos fármacos na posologia prescrita. Problemas de adesão não se
restringem aos idosos, mas sabe-se que de 30% a 50% deles não tomam
seus medicamentos corretamente.

O principal fator de risco para a não adesão é a polifarmácia, descrita ante-


riormente. Mas os seguintes fatores também devem ser considerados:

✔ regimes complexos, com várias doses ao longo do dia;


✔ não compreensão ou negação da doença;
✔ comunicação pobre entre médico e paciente;
✔ insatisfação com o médico;
✔ tratamentos prolongados;
✔ embalagens difíceis de abrir;
✔ custo elevado da medicação.

Por outro lado, a adesão ao tratamento pode aumentar quando se provê


orientação clara sobre a doença e seu tratamento, de forma verbal e
escrita, ou quando se reduz o número de medicamentos, usando-se
esquemas simplificados.

261
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Entretanto, se por um lado a polifarmácia preocupa a equipe de saúde,


por outro, a subutilização de fármacos potencialmente benéficos tam-
bém é objeto da atenção dos médicos que lidam com idosos.

Subutilização de fármacos potencialmente benéficos


O envelhecimento populacional propiciou o aumento da prevalência de
doenças crônicas e, com elas, a necessidade de uso prolongado de dife-
rentes fármacos. Percebe-se a ocorrência de subutilização de fármacos
potencialmente benéficos em pacientes com múltiplas doenças crôni-
cas não relacionadas entre si, quando uma delas é considerada menos
importante do que a outra.

ATIVIDADE 16

Assinale, nas situações a e b, as doenças que, na sua opinião, receberiam me-


nos atenção por parte da equipe de saúde da família. Justifique.
a) Osteoartrose sintomática (com dor) em um indivíduo psicótico
b) Dislipidemia em um paciente portador de doença pulmonar obstrutiva crônica

A subutilização de fármacos potencialmente benéficos já foi evidenciada


nas seguintes situações:

✔ Asma
✔ Hipertensão arterial
✔ Dislipidemia
✔ Prevenção de AVC
✔ Prevenção de osteoporose
✔ Depressão
✔ Controle da dor

Certamente, as razões principais para os médicos prescreverem menos


fármacos do que o necessário decorre do medo de provocarem RAM ou
de uma tentativa de evitar a polifarmácia.

262
Grandes síndromes geriátricas

Drogas potencialmente impróprias para idosos (DPI)


A tentativa de se reduzir os problemas com a prescrição para idosos
levou à criação de um consenso baseado em um painel de especialistas,
em 1997, o qual tem sido usado nas unidades de formação de recursos
humanos em geriatria e também na regulamentação de instituições
geriátricas (BEERS, 1997).

Quadro 12 – Critérios de Beers de má prescrição em idosos


Analgésicos e Carisoprodol Pode provocar sedação, fraqueza, confusão mental (ação anticolinérgica). Sua ação no idoso
antiinflamatórios é questionável.
(Miocitalgan®, Beserol®, Dorilax®, Tandrilax®, Mioflex®)
Fenilbutazona Associada a maior risco de toxicidade medular (aplasia de medula).
Butazolidina®
Indometacina Apresenta maior risco de toxicidade para o SNC e gastrotoxicidade elevada, devendo ser
evitado em idosos. A preferência deve ser pelos analgésicos (paracetamol) ou AINE com
baixo grau de gastrotoxidade (nimesulida, ibrupofen, etc).
Propoxifeno Oferece pouca vantagem quando comparado com paracetamol e apresenta toxicidade para
o SNC e coração pelo acúmulo de metabólitos tóxicos. Pode causar constipação intestinal,
desequilíbrio, depressão do sistema nervoso central e declínio cognitivo.
Meperidina Não é bom analgésico narcótico. Pode causar ansiedade, tremor, mioclonia, convulsão e
confusão mental.
Relaxantes São drogas pouco toleradas por idosos. Podem provocar hipotensão ortostática, depressão
musculares do SNC e ação anticolinérgica.
Orfenadrina,(Dorflex®) Carisoprodol (Beserol®, Tandrilax®,Mioflex®, Miocitalgan®,Dorilax)
Antidepressivos Amitriptilina Potente efeito anticolinérgico (constipação intestinal, retenção urinária, confusão mental,
glaucoma), antiadrenérgicos (hipotensão ortostática), sedação, quedas e cardiotoxicidade.
A nortriptilina é mais segura no idoso.
Fluoxetina Apresenta meia-vida prolongada no idoso, com risco de estimulação excessiva do SNC,
agitação, inapetência, perda de peso, insônia e reação extrapiramidal. Não deve ser utilizada
em idosos frágeis.
Anti-hipertensivos Metildopa Pode provocar bradicardia, hipotensão ortostática, hepatite auto-imune e agravamento ou
Aldomet® precipitação de depressão no idoso. Não deve ser utilizado em idosos.
Nifedipina de curta Potente ação hipotensora, com taquicardia reflexa. Aumenta a mortalidade cardiovascular
ação na presença de ICC e/ou insuficiência coronariana. Pode causar constipação intestinal.
Adalat 10mg ®
Reserpina Sedação, depressão, impotência sexual e hipotensão ortostática.
Antiarrítimicos Amiodarona Associado a prolongamento do intervalo QT-c e arritmias graves (torsades de pointes). Pode
induzir disfunção tireoideana (hipo ou hipertireoidismo), fibrose pulmonar. Eficácia duvidosa.
Disopiramida Quase todas as drogas antiarrítmicas provocam efeito inotrópico negativo podendo
descompensar a ICC. Apresentam, também, importante ação anticolinérgica.
Anti-histamínicos Algumas drogas anti-histamínicas têm potente ação anticolinérgica e não devem ser usadas
Difenidramina (Pulmotosse®, Benedryl®, nos idosos, particularmente aquelas usadas para gripe, resfriado e tosse, como associação.
Notuss®), hidroxizina, ciproheptadina, A ação sedativa pode provocar confusão mental e quedas.
prometazina (Fenergan®), dexclorfeniramina Deve-se dar preferência aos anti-histamínicos de segunda geração, como a fexofenadina
(Polaramine®), clorfeniramina (Descon®, (Allegra®), loratadina (Claritin®) e a cetirizina (Zetir® e Zyrtec®). Apresentam boa ação anti-
Benegrip®) histamínica e poucos efeitos no sistema nervoso central.

263
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

Quadro 12 – Critérios de Beers de má prescrição em idosos (cont.)


Antiespasmódicos A escopolamina atravessa a barreira hematoencefálica, apresentando, portanto, importante
Diciclomina (Bentyl®), hyoscyamina ação anticolinérgica. Além disso, a sua efetividade nas doses toleradas pelo idoso é
(Tropinal®), propantelina, alcalóide questionável e não devem ser utilizadas, especialmente no longo prazo. A atropina possui
beladona (Atroverant®), escopolamina, efeito cardiovascular mais exuberante.
hyoscina (buscopan), homatropina. Atropina
(Vagoestesyl®)
Antipsicóticos O uso de antipsicóticos clássicos ou típicos, como o haloperidol e a tioridazina, é cada vez
menor, pelos potentes efeitos extrapiramidais, anticolinérgicos e maior risco de discinesia
tardia. Os antipsicóticos atípicos são mais tolerados e constituem-se em drogas de primeira
escolha para o tratamento da psicose na demência.
Barbitúricos Sua utilização como droga hipnótico-sedativa tem declinado com o aparecimento dos
benzodiazepínicos. Não tem seletividade pelo SNC, risco maior de abuso e droga-adição
e maior risco de interação medicamentosa (álcool, anti-histamínicos, IMAO), maior
metabolização da vitamina D (osteoporose) e K (sangramento). Maior risco de efeito
paradoxical (excitação) e reações de hipersensibilidade. A toxicidade do fenobarbital é
menor.
Benzodiazepínicos Curta ação O idoso é altamente sensível aos benzodiazepínicos. Sedação, quedas e efeito paradoxal são
Alprazolam (acima de as principais complicações. As doses citadas não devem ser ultrapassadas.
2mg) A dose do Lorazepam não deve exceder 2mg/dia.
Lorazepam (acima de
3mg)
Longa ação Apresentam meia-vida prolongada no idoso (> 5dias), podendo causar sedação, ataxia,
Diazepam® quedas e confusão mental. Recomenda-se o uso de benzodiazepínicos de curta ação
Limbitrol® (diazepam (Lorazepam, Alprazolam), se for o caso.
+ amitriptilina)
Flurazepam
Dalmadorm®
Biperideno Comumente usado em associação com haloperidol para reduzir o risco de efeito
Akineton® extrapiramidal, particularmente a distonia aguda. No idoso esta ação é questionável e sua
potente ação anticolinérgica oferece grande risco de toxicidade.
Clordiazepóxido Apesentam meia-vida prolongada no idoso (> 5dias), podendo causar sedação, ataxia,
quedas e confusão mental.
Cimetidina Inibe o metabolismo oxidativo de diversas drogas (CYP1A2), prolongando a vida-média
(warfarin, nifedipina, lidocaína, fenitoína, propranolol, teofilina, fenitoína e quinidina).
Também pode elevar o nível sérico de creatinina, não associada à insfuciência renal.
Portanto, não deve ser utilizada em idosos.
Clorpropamida Meia vida prolongada no idoso (> 3 dias), podendo provocar hipoglicemia prolongada e
secreção inapropriada de hormônio antidiurético (SIHAD).
Clorpromazina Risco de cardiotoxicidade, particularmente, hipotensão ortostática.
(Amplictil®)
Codergocrina Não apresenta nenhum efeito comprovado nas funções cognitivas, assim como outros
(Hydergine®) vasodilatadores cerebrais.
Digoxina Pode causar inapetência, náuseas, fadiga, confusão mental aguda (delirium),quedas e
arritmia cardíaca (intoxicação digitálica). A dose de manutenção raramente deve exceder a
0,125 mg/dia no idoso, pelo menor clearance renal. Doses menores podem ser necessárias
em alguns pacientes. A suspensão súbita pode provocar palpitação e piora da função
sistólica (ICC sistólica).
Dipiridamol de curta ação Pode causar hipotensão ortostática no idoso. Sua eficácia na anti-agregação plaquetária
(monoterapia) é bastante questionável. O dipiridamol de longa ação pode ser usado como
adjuvante da aspirina, na prevenção de AIT/AVC.

264
Grandes síndromes geriátricas

Quadro 12 – Critérios de Beers de má prescrição em idosos (cont.)


Ferro A dose de sulfato ferroso raramente deve exceder 325mg/dia. A sua absorção é limitada e
pode provocar constipação intestinal e inapetência.
Laxativos estimulantes Podem causar diarréia e agravar a constipação (cólon catártico), na presença de uso
Bisacodil (Dulcolax®), cáscara sagrada etc. prolongado. A senne parece ser mais segura em idosos.
Pentoxifilina Não apresenta nenhuma ação no tratamento de déficit cognitivo. Seu uso na insuficiência
vascular periférica é questionável.
Ticlopidina Não é superior aos outros antiagregantes plaquetários e apresenta maior risco de reações
adversas nos idosos (neutropenia).

Fonte: Beers (1997).

Para finalizar, sugerimos alguns aspectos relacionados à prescrição


geriátrica:

✔ Mantenha um alto índice de suspeição para reações adversas.


✔ Evite tratamentos desnecessários.
✔ Considere a adesão, a informação e o tipo de embalagem.
✔ Inicie com doses baixas e aumente devagar.
✔ Interrogue sempre sobre automedicação.
✔ Mantenha os intervalos entre as doses os mais amplos possível
(uma ou duas vezes ao dia).
✔ Revise regularmente a prescrição.
✔ Conheça as reações adversas potenciais (exemplo: edema de
membros inferiores por antagonistas do cálcio).
✔ Esteja atento para possíveis interações medicamentosas.
✔ Tenha em mente o custo total do tratamento mensal.
✔ Conheça as comorbidades (exemplo: urgência urinária e hiper-
tensão – evite diuréticos).
✔ Informe a indicação (“para pressão”).
✔ Escreva a data de suspensão da medicação, se for apropriado.
✔ Saiba se o paciente consegue ler e se apresenta cognição intacta.

265
ENVELHECIMENTO E SAÚDE DA PESSOA IDOSA

ATIVIDADE 17

Agora leia o caso clínico da Dona Cristina, 82 anos, moradora da rua Maranhão,
n. 3, e responda às perguntas, propondo alternativas, caso discorde das condu-
tas adotadas por aqueles profissionais.

A paciente apresenta um quadro de rigidez, bradicinesia e tremor de repouso,


sugestivos de parkinsonismo.
1. Existe algum medicamento em sua prescrição que possa ser associado a tal
quadro? Neste caso, qual a conduta?
2. Dentre os medicamentos prescritos para esta senhora, quais são considerados
impróprios para idosos e que deveriam ser substituídos?
3. Considere a incontinência urinária e verifique se há possibilidade de modifi-
cação no esquema medicamentoso a fim de minimizar o problema.
4. Dentre as drogas prescritas, quais as que poderiam ser substituídas a fim de
se tratar a hipotensão postural dessa paciente?
5. Por que a clorpropamida não é a melhor escolha para o tratamento do dia-
betes da Dona Cristina?

Envie para o tutor.

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