Choque Acentual Nespor Vogel
Choque Acentual Nespor Vogel
Choque Acentual Nespor Vogel
ABSTRACT: Nespor and Vogel (1986) state that the constituents called for in Prosodic Phonology,
specially the phonological phrase, can account for some rhythmical phenomena in poetry. Our purpose is
to verify this statement phocusing on the occurence of stress clashes in a sample of Cecilia Meireles'
poetry and the conditions available to resolve these clashes.
1 Introdução
O presente trabalho tem por objetivo examinar as condições que regem a correspondência entre
estrutura métrica e estrutura lingüística na poesia em língua portuguesa, com enfoque para o choque de
acento. O Choque de Acentos ocorre quando dois acentos estiverem linearmente adjacentes,como no
exemplo Jesus Cristo (ROMANCE XXXIV ou DE JOAQUIM SILVÉRIO); quando o acento na primeira
palavra do sintagma apresenta-se recuado para a esquerda (Jésus), temos um caso de resolução de
choque. Estudos sobre a estrutura rítmica do português brasileiro afirmam que há resolução de choques de
acento (Collischonn, 1993); mas que essa resolução é restrita à posição interna da frase fonológica
(Abousalh, 1997). A investigação propõe-se então a verificar, a partir de dados da linguagem poética,
como são resolvidos os casos de choque de acentos e se esta resolução é mesmo restrita à posição interna
da frase fonológica.
2 Fundamentação teórica
sílaba σ
pé Σ
Palavra fonológica (ou prosódica) W ou ω
Grupo clítico C
Frase fonológica φ
Frase entonacional I
enunciado U
1
Além do recuo, outras soluções apontadas são apagamento de acento, inserção de pausas e mudanças de
contornos entoacionais. Essas estratégias são relativamente fáceis de serem distinguidas pelo ouvido e os
falantes também são perfeitamente capazes de identificar os casos em que há ocorrência de choques.
574 FRASE FONOLÓGICA E CHOQUES DE ACENTO
Abousalh (1997), retomando a questão do choque de acentos na língua portuguesa, conclui que,
para que um choque de acentos seja obrigatoriamente reajustado, ele precisa ser interno a uma mesma
frase fonológica. Ou seja, a autora afirma que choques de acento em fronteiras de frase fonológica não
necessitam de reajuste e que o recuo ou apagamento de acento para desfazer choques só se manifestam
sistematicamente no interior do espaço delimitado pelas fronteiras de frase fonológica. Essa constatação
poderia explicar por que nem sempre ocorre a resolução de choques: haveria, nestes casos, uma fronteira
de domínio prosódico (mais especificamente, de frase fonológica) e esta seqüência de acentos adjacentes
não configuraria então um caso de "choque" em português.
Na seção seguinte, serão explicitados os objetivos da pesquisa aqui delineada e as hipóteses que
norteiam a elaboração dos experimentos.
2 Objetivos e hipóteses
O objetivo maior deste trabalho é examinar vários princípios que foram propostos para caracterizar
a relação entre a estrutura métrica e a estrutura prosódica (Nespor e Vogel, 1986; Kiparsky e Hanson ,
1996; Hayes, 1989; Hayes e Kaun, 1996). Essas propostas se baseiam em línguas como o italiano, o
inglês, o grego e o finlandês; mas não há estudos nesses moldes sobre a língua portuguesa.
Esses trabalhos apontam para casos em que não há correspondência entre posição métrica forte e
sílaba tônica. Alguns desses casos são devidos a que, pelo lado da língua, há choque de acentos. Como
vimos, na língua falada comum, i.e., não-poética, ocorre o recuo de acento.
Por exemplo, nos casos em que uma palavra oxítona é seguida por uma palavra iniciada por sílaba
acentuada, espera-se que a regra fonológica de resolução do choque se aplique obrigatoriamente para
evitar o choque, surgindo uma nova configuração acentual como no exemplo a seguir:
Na linguagem poética, não é somente esta a solução empregada. Nespor e Vogel (1986) listam
outras soluções para casos em que choque de acentos provoca a não-correspondência entre posições
métricas fortes e sílabas tônicas. Kiparky e Hanson (1996) ressaltam que palavras monossílabas sempre
podem ocorrer associadas a posições metricamente fracas, ou seja, elas ficam sem acento. Outro aspecto
levantado por essas análises é a observação de que a não-correspondência entre posição métrica forte e
sílaba acentuada é mais livre no lado esquerdo do que no lado direito de cosntituintes prosódicos.
Em suma, a presente pesquisa, a partir dos princípios delineados na teoria chamada de métrica
gerativa, buscou levantar dados sobre a língua portuguesa, para a discussão sobre estrutura métrica e
constituintes prosódicos, com especial enfoque sobre o choque de acentos, as possibilidades para a
resolução destes choques e, ainda, o papel que a frase fonológica (como definida na fonologia prosódica)
tem na compreensão da estrutura métrica da poesia.
Foram definidos os seguintes objetivos para a pesquisa:
(a) ampliar a compreensão das condições que permitem o choque de acento no português
brasileiro;
(b) verificar as condições em que é permitido recuo ou deslocamento de acentos como resolução
de choque de acento;
(c) fornecer alguns elementos para a discussão do papel da frase fonológica na resolução de
choque de acentos;
(d) verificar se os princípios relatados na literatura lingüística sobre a estrutura métrica na poesia
podem ser observados na poesia em língua portuguesa (inicialmente na poesia de Cecília
Meireles).
4 Metodologia
deslocamento ou apagamento de acento e, no caso de deslocamento, se este foi para a direita ou para a
esquerda (recuo).
Ainda algumas informações sobre o tratamento dos dados, ou seja, as anotações que cada verso
recebeu:
(a) essa notação faz parte de um projeto mais amplo que busca analisar do ponto de vista
lingüístico o ritmo poético;
(b) essa notação se dá nos moldes de Hayes e Kaun (1996);
(c) quanto aos constituintes prosódicos considerados, não trabalhamos com a noção de
Grupo Clítico; constituintes como Enunciado e Frase Entonacional não são relevantes para o
presente trabalho (i.e. todas as fronteiras de Enunciado e de Frase Entonacional são também
fronteiras de Frase Fonológica); como o pé (prosódico) é uma noção controversa (e não tem
papel nos trabalhos analíticos de Hayes), não será considerado aqui;
(d) considera-se que, em caso não-marcado, os limites de um verso coincidam com limites
de Frase Fonológica; no interior dos versos decassílabos, são esperadas fronteiras de Frase
Fonológica entre a quarta e a sexta posições;
(e) em caso não marcado, um complemento não ramificado será adjungido à frase
fonológica que contém o seu núcleo (Hayes e Kaun, 1996, p.251). Frota observa (nota 2) que o
tipo de reestruturação encontrado em italiano e inglês também está disponível para o
português;
(f) as posições métricas podem variar, especialmente no início dos versos (isto é, um
decassílabo pode ser todo iâmbico, mas pode também ser, em parte, trocaico ou datílico);
procuramos respeitar ao máximo a correspondência entre posições métricas fortes e sílabas
tônicas;
(g) espera-se também que palavras funcionais monossilábicas, como as preposições “de”,
“em”, “por” e os artigos “a“ e “o” não recebam acento, i.e., que não correspondam a posições
métricas fortes.3 Além destes, palavras monossílabas não funcionais, como verbos,
substantivos, etc., podem ocorrer em posições metricamente fracas do verso, desde que
ladeadas por outras sílabas tônicas.
5 Resultados obtidos
A partir das observações feitas, foi possível constatar, mesmo numa pequena amostra do
Romanceiro, um número relevante de casos de choques de acento envolvendo seqüências constituídas de
dois monossílabos seguidos de uma palavra com a primeira sílaba acentuada. Na maioria destes casos, foi
verificado o apagamento do segundo monossílabo, resultando em uma seqüência de sílabas do tipo
forte/fraca/forte. É importante salientar que este tipo de resolução se apresentou dentro, mas também em
fronteira de frases fonológicas, como no verso com o pó do chão meu sonho confundia. Abaixo serão
apresentados alguns exemplos deste tipo de ocorrência:
W S W S W S W S W S
3
A lista completa destas formas, conforme Vigário (1999, p.256):
a. a, com, de em, por (e as contrações com artigos) preposições
b. o(s), a(s) artigos definidos
c. me, te, se lhe(s), nos, vos, o(s), a(s) pronomes pessoais
d. e, ou, mas conjunções
e. que, se, de, em, por, a complementizadores
576 FRASE FONOLÓGICA E CHOQUES DE ACENTO
Outros monossílabos também apareceram desacentuados, mas estes eram antecedidos de palavras
polissilábicas das classes de substantivos e verbos. Observou-se um número razoável de ocorrências
configuradas com uma seqüência de duas sílabas desacentuadas, em que o monossílabo desacentuado
encontrava-se antecedido por uma sílada também desacentuada. Nestes casos, os monossílabos
pertenciam às classes de preposições e advérbios e o choque dava-se com a palavra que o sucedia,
compreendida em uma mesma frase fonológica. Vejamos os exemplos abaixo:
Outra observação refere-se aos exemplos abaixo: monossílabos constituídos de verbo ( é e vou)
encontravam-se entre duas sílabas fortes e na fronteira entre duas frases fonológicas.
Gisela COLLISCHONN & Juliana SANTOS 577
Houve também casos em que um monossílabo acentuado em choque com uma palavra iniciada por
acento não perdeu o seu acento, o que acabou gerando um deslocamento do segundo acento para a direita.
Vale ressaltar que o choque nestes dois casos ilustrados a seguir ocorreram em uma fronteira de frase
fonológica. Além disso, podemos observar que as sílabas que receberam os acentos são sílabas pesadas, o
que acaba despertando a atenção para o papel do peso silábico no deslocamento em casos de choque de
acentos.
No verso abaixo, observou-se que o monossílabo acentuado manteve o seu acento e o choque foi
resolvido com o apagamento do acento da palavra seguinte:
esta opção de resolução por deslocamento para a direita somente está disponível quando a sílaba tônica
não for a sílaba mais forte na frase fonológica.)
Abaixo, é possível verificar duas ocorrências de recuo do acento para a sílaba à esquerda do
choque. No caso de ficou presa pode-se justificar este deslocamento levando-se em consideração o fato
de que ficou é um verbo de ligação e que a seqüência ficou presa está localizado na mesma frase
fonológica. Sendo assim, a sílaba tônica em presa recebe o acento da frase fonológica, e, portanto, não
está autorizado a se deslocar o acento. Por esse motivo, é o acento da primeira palavra, ficou, que tem de
se deslocar.
Gisela COLLISCHONN & Juliana SANTOS 579
Finalmente, destaca-se um caso de choque de acento resolvido com uma pequena pausa entre duas
sílabas fortes. Salienta-se que esta configuração pode estar sendo proporcionada em razão de o choque
ocorrer em uma posição de fronteira de frases fonológicas em que ambas as palavras recebem o acento da
respectiva frase fonológica.
Como é possível observar, a pesquisa encontra-se ainda em fase inicial e são poucos os dados
disponíveis para uma análise mais aprofundada. Entretanto, a partir dos dados já selecionados, pode-se
verificar que a continuidade deste estudo pode trazer valiosas contribuições para o estudo dos choques de
acentos e das possibilidades de resolução destes choques no português brasileiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABOUSALH, Elaine. Resolução de choques de acento no português brasileiro: elementos para uma
reflexão sobre a interface sintaxe: fonologia. Dissertação de mestrado. Campinas: Instituto de
Estudos da Linguagem, 1997.
BISOL, Leda. Introdução a estudos de fonologia do português brasileiro. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1999.
580 FRASE FONOLÓGICA E CHOQUES DE ACENTO