Tese de Viviane Duek
Tese de Viviane Duek
Tese de Viviane Duek
NATAL-RN
2011
VIVIANE PREICHARDT DUEK
NATAL-RN
2011
Catalogação da Publicação na Fonte.
UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profª. Drª. Lúcia de Araújo Ramos Martins (Orientadora)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
____________________________________________________
Profª. Drª. Maévi Anabel Nono (Examinadora externa)
Universidade Estadual Paulista – UNESP
____________________________________________________
Profª. Drª. Rita Vieira de Figueiredo (Examinadora externa)
Universidade Federal do Ceará – UFCE
___________________________________________________
Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira (Examinador interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
____________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Ricardo Lins Vieira de Melo (Examinador interno)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
____________________________________________________
Profª. Drª. Débora Regina de Paula Nunes (Examinadora interna suplente)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Diálogo entre Maria Teresa Eglér Mantoan e um jovem professor, durante uma
conferência sobre Educação Inclusiva:
Ao meu marido Carlos por estar sempre comigo em todos os momentos. Seu amor,
incentivo e compreensão foram fundamentais para a conclusão deste trabalho. À minha tão
amada e desejada filha Lívia. Seu olhar, seu sorriso e seu abraço apertado a cada manhã me
deram forças para prosseguir. Sem vocês eu não teria conseguido. Obrigada!
Aos meus pais, Valdemar e Salete, pela força, apoio e carinho de sempre. Em
especial, a minha mãe, pelos longos períodos em que se ausentou da sua própria casa para me
ajudar nos cuidados com a Lívia tornado possível a produção deste estudo.
À Profª. Drª. Lúcia de Araújo Ramos Martins que com competência, ética e
delicadeza orientou este trabalho, sempre paciente e atenta às minhas necessidades e
incompletudes. Registro aqui a minha gratidão pela acolhida, pela confiança em mim
depositada e pelas aprendizagens compartilhadas.
À Profª. Drª. Maévi Anabel Nono, à Profª. Drª. Rita Vieira de Figueiredo, ao Prof.
Dr. Francisco de Assis Pereira, ao Prof. Dr. Francisco Ricardo Lins Vieira de Melo e à Profª.
Drª. Débora Regina de Paula Nunes, por aceitarem participar da banca, por ler e contribuir
com suas reflexões para o aprimoramento desta tese. Muitíssimo Obrigada!
À Profª. Drª. Maria da Graça Nicoletti Mizukami pelas valiosas contribuições para
que este trabalho chegasse a bom termo.
À Profª. Drª. Soraia Napoleão Freitas pela atitude amigável e solidária, não apenas
neste trabalho, mas nos mais diversos momentos de minha trajetória profissional. A você,
meu respeito e admiração.
Ao Prof. Dr. José Pires, por reafirmar a relevância deste estudo e pelas contribuições
oferecidas.
À querida amiga Josiane Pozzatti Dal-Forno que, apesar da distância, sempre esteve
ao meu lado, escutando e partilhando angústias, dores, alegrias e frustrações. Seu apoio e
amizade serviram de alento nos momentos mais difíceis. Obrigada por tudo, tudo mesmo!
Ao amigo Saimonton Tinôco da Silva, pela acolhida, pela convivência, pela parceria,
pelas aprendizagens e, sobretudo, pela amizade compartilhada. Você foi parte essencial desta
conquista.
Cette étude traite des processus d’apprentissage et de développement professionnel vécus par
des enseignants de l’enseignement fondamental ayant des élèves aux besoins spéciaux dans
leurs classes. Dans ce sens, on y a fait choix des cas d’enseignement et de la méthode des cas
en tant que recours méthodologique pouvant articuler la formation continue des enseignants
sous un regard inclusif. Dans cette recherche-intervention a été donc adopté le modèle
constructif-collaboratif dans la formation continue des enseignants, dont le principal but était
d’explorer les possibles contributions des cas d’enseignement, en tant qu’une stratégie
formative et d’investigation, dans les processus d’apprentissage et de développement
professionnel des enseignants de l’école régulière. Le recueil des données a été fait par
d’activités d’analyse, d’élaboration et de discussion collectives des cas d’enseignement,
desquelles ont participé huit enseignantes d’une école publique régulière de la commune de
Natal/ RN. Le référentiel théorique implique l’éducation inclusive, l’apprentissage à
l’enseignement, le développement professionnel des enseignants, la base des contenus de
l’enseignement et les cas d’enseignement comme des stratégies pour la formation continue
des enseignants sous un regard inclusif. Les résultats montrent que les cas d’enseignement
favorisent la description et l’analyse des pratiques pédagogiques utilisées par les enseignantes
de l’enseignement régulier, et l’établissement des processus réflexifs concernant les situations
rapportées et leur propre savoir-faire pédagogique, ici compris comme des indices de
changement. Ils ont signalé, en même temps, l’apport des cas d’enseignement à
l’explicitation, systématisation et l’étendue des connaissances professionnelles par rapport
aux processus éducatifs d’inclusion et à l’engagement des enseignantes de l’étude dans un
processus de raisonnement pédagogique. Les apprentissages mises en évidence dans la
recherche concernent notamment leur propre rôle en tant qu’enseignantes de l’enseignement
régulier, et le rôle des professionnels d’appui et des institutions spécialisées vis-à-vis
l’inclusion scolaire. Les analyses mettent en évidence que ce choix méthodologique s’est
avéré suffisamment adéquat au développement d’un processus de formation centré sur l’école,
permettant aux enseignants la quête, en leur milieu, d’alternatives envisageant la construction
d’une nouvelle logique d’enseignement ouverte à la diversité. On peut conclure donc que
lorsque les cas d’enseignement offrent des situations très proches de celles vécues par les
enseignants dans leur quotidien professionnel, ils jouent un rôle très important dans leur
processus d’apprentissage, car ils aident à mettre la formation en articulation avec les
expériences et les connaissances préalablement acquises.
Mots-clé: Éducation Inclusive. Formation Continue des Enseignants. Cas d’Enseignment.
Développement Professionnel. Connaissances Professionnells.
LISTA DE QUADROS
1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 15
1.1 DA MINHA TRAJETÓRIA À INTENÇÃO DA PESQUISA.......................... 15
APÊNDICES........................................................................................................... 311
1 INTRODUÇÃO
1
Apesar de reconhecer que a Educação Inclusiva e o termo “necessidades educacionais especiais” guardam um
sentido mais amplo, neste trabalho, a ênfase será dada às necessidades educacionais decorrentes de deficiências,
altas habilidades e transtornos globais do desenvolvimento.
16
de conhecer o modo como esses profissionais percebem e vivenciam esta realidade, uma vez
que não possuem formação especializada (DUEK, 2006).
O estudo apontou que a experiência docente junto ao aluno com necessidades
educacionais especiais em classe regular, é pontuada por dificuldades e desafios. Os dados
coletados por meio de entrevistas evidenciaram que, perante o novo, o desconhecido, essas
profissionais acabam angustiando-se: o que devo fazer com esse aluno? Como ensinar a quem
não consegue aprender? O conflito gerado pelo “não aprender” do aluno, resulta, não raro,
em sentimentos de rejeição, de frustração e de paralisia, retratando o processo vivido pelas
educadoras no momento em que as idiossincrasias deste aluno lhe invadem a sala de aula.
O estudo também mostrou a queixa freqüente das professoras na expectativa de obter
as respostas que tanto anseiam, recorrendo, sobretudo, ao profissional especialista
(educadoras especiais), em busca de “soluções” para os problemas enfrentados, na crença de
que ele, com seu conhecimento especializado, antecipará questões do seu saber-fazer junto ao
aluno com necessidades educacionais especiais, resultando na tão preconizada inclusão.
Nesse sentido, os dados da investigação serviram para corroborar a idéia de que a
organização da escola não favorece um maior contato entre os pares, dentro e fora da
instituição, o que compromete a existência de uma prática assídua de apoio pedagógico às
professoras da classe regular. Percebe-se, com isso, uma relação de subordinação do saber
“comum” ao “especializado”, de modo que essas profissionais ficam, muitas vezes, na
dependência da presença da educadora especial para acompanhar o aluno em sala de aula ou
desenvolver atividades de “reforço” na sala de apoio, isentando-se, assim, da sua
responsabilidade relativa às questões pedagógicas.
Outro aspecto relevante, e que se sobressai nessa análise, é relativo à existência de
uma formação que prepare as professoras para o trabalho com a inclusão. Por um lado, as
educadoras participantes do estudo reivindicam uma maior oferta e participação em cursos
que abordam a educação de pessoas com necessidades educacionais especiais. Por outro,
alegam que os conteúdos dos cursos ofertados pelas secretarias de educação e outras agências
formadoras têm pouca relação com o cotidiano da escola. Torna-se evidente, com isso, que
tais cursos, em geral, pouco contribuem para que transformações efetivas ocorram no
contexto das práticas.
Ainda em relação à formação continuada, as docentes apontaram a existência de um
espaço destinado ao compartilhamento de experiências entre seus pares e a reflexão sobre a
prática de sala de aula como fator essencial para se avançar na inclusão. Vimos que a ausência
de um ambiente favorável à divulgação de experiências pedagógicas entre os profissionais
18
que atuam na escola fazia com que estas fossem compartilhadas de maneira superficial,
ocorrendo, na maioria das vezes, em espaços e tempos reduzidos, como os intervalos das
aulas, e em encontros esporádicos nos corredores da escola.
A ausência de um registro das experiências pedagógicas desenvolvidas junto ao
aluno com necessidades educacionais especiais, servindo de suporte para o trabalho docente,
era outra queixa das professoras. É consensual o fato de não haver uma cultura de registro
detalhado das atividades executadas pelo professor em sala de aula. O procedimento usual
compreende, basicamente, o registro do conteúdo ministrado no diário de classe.
Resultado disso, é o contingente de professores que se diz despreparado, sem saber
como ensinar ao aluno que apresenta alguma demanda específica. Desse modo, foi possível
constatar que, embora as professoras participantes do estudo almejassem o aprimoramento da
sua prática, a noção de que não possuem conhecimentos suficientes, ou que já fizeram “tudo”
que poderiam ter feito para tentar ensinar ao aluno com necessidades educacionais especiais,
faz com que o mesmo seja, na maioria das vezes, ignorado ou até mesmo, esquecido, no
contexto da sala de aula. As professoras apontaram a inexperiência profissional, a ausência de
formação em educação especial, a falta de tempo para estudos, para planejamento das aulas e
para um atendimento mais individualizado em sala de aula, como fatores contribuintes desta
realidade.
Os achados dessa pesquisa, brevemente elencados, despertaram novas inquietações,
principalmente em relação à formação do professor, uma vez que a ele tem sido atribuído
papel essencial na concretização das políticas educacionais em sala de aula, dentre elas, a
inclusão. Nesta interface entre ser professora e ser pesquisadora, vi e vivi, na experiência de
outras profissionais, a importância e as agruras de uma formação continuada, em serviço, que
já não dava conta de atender às expectativas e às necessidades dos docentes em relação aos
pressupostos inclusivos.
Perante esse cenário, sentia-me “convocada” a continuar na trilha da pesquisa sobre a
Educação Inclusiva, enfocando justamente aquilo que tanto me inquietava: a formação
continuada de professores. Todavia, entre o mestrado e o doutorado se instituíram algumas
mudanças, que refletiram diretamente em minha trajetória profissional. Da mudança
geográfica resultou o confronto de idéias, valores, crenças, estilo de vida, gerando conflito,
mas também crescimento e amadurecimento pessoal e profissional. De todo modo, a mudança
de contexto gerou inseguranças e desafios a serem superados. Foi preciso recomeçar,
encontrar, novamente, o “meu lugar”.
19
No contato com estudos que apontam o potencial formativo e investigativo dos casos
de ensino, pude constatar que pesquisas empregando esta estratégia no campo da formação de
professores, em diversos níveis de ensino, ainda são incipientes no contexto brasileiro
(NONO, 2001, 2005; MUSSI, 2007; DOMINGUES, 2007). Em relação à educação de
pessoas com necessidades educacionais especiais, não foram encontradas investigações que
tenham se utilizado desta ferramenta como estratégia articuladora da formação de professores
que atuam junto a esses alunos em classes regulares, o que evidencia a relevância deste
estudo.
Ao mesmo tempo, esta investigação se orienta pelo modelo construtivo-colaborativo
de pesquisa-intervenção (COLE; KNOWLES, 1993), utilizando como principal estratégia de
coleta de dados, os casos de ensino. Tal opção vem ao encontro de nossas inquietações e
expectativas acerca de um modelo de formação continuada destinado aos professores, no
sentido de promover avanços na aprendizagem de todos os alunos, inclusive aqueles com
necessidades educacionais especiais em razão de alguma deficiência. Concebemos, assim, que
a escola deve ser um lugar de aprendizagem não somente para seus alunos, mas também para
os professores que nela atuam, respeitando e valorizando a diversidade que a compõe.
Nesta perspectiva, buscou-se desenvolver um estudo com o objetivo de investigar as
possíveis contribuições dos casos de ensino, enquanto estratégia formativa e investigativa,
para os processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional de docentes que atuam em
ambiente escolar inclusivo.
Ao investigar processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional de
professores do ensino regular, por meio de casos de ensino, procura-se de modo mais
específico:
• Investigar os diferentes tipos de conhecimentos nos quais professores que atuam em
ambiente escolar inclusivo se fundamentam para ensinar;
• Analisar como os diferentes conhecimentos profissionais são construídos,
organizados e mobilizados pelos professores no momento de ensinar turmas com
alunos com necessidades educacionais especiais;
• Analisar os processos de reflexão apresentados por professores diante de situações de
ensino vividas na escola regular;
• Analisar as potencialidades e os limites da ação formativa aqui descrita para a
constituição da escola como comunidade de aprendizagem.
22
Conforme o que foi definido como proposta de estudo, a pesquisa foi organizada em
7 capítulos. O primeiro, de caráter introdutório, situa a temática do estudo e as motivações
pessoais e profissionais que me impeliram a esta investigação, apresentando os principais
aportes teóricos.
O segundo capítulo contempla temas relacionados à Educação Inclusiva e aos
processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional de professores. Foram feitas
discussões sobre: mudanças no papel e na função da escola frente ao contexto educacional
inclusivo; implicações desse movimento para o trabalho do professor e para a sua formação.
Também são tecidas algumas reflexões em torno da formação centrada na escola enquanto
modelo de desenvolvimento profissional de professores para o ensino inclusivo, da base de
conhecimento para o ensino e do processo de raciocínio pedagógico.
O terceiro capítulo aponta aspectos conceituais dos casos de ensino, trazendo
algumas idéias acerca das possibilidades do uso de casos e método de casos como ferramenta
investigativa, que também podem servir como estratégia de ensino e de desenvolvimento
profissional de professores que atuam no ensino regular.
O quarto capítulo aborda as opções metodológicas, a natureza do estudo, o cenário da
pesquisa, o perfil das professoras participantes, os instrumentos e procedimentos de coleta e
análise dos dados, além de um detalhamento das diferentes fases do processo de intervenção.
No quinto capítulo são apresentados os dados produzidos a partir das análises
realizadas pelas professoras participantes da pesquisa em relação aos casos de ensino
apresentados, evidenciando as trajetórias profissionais de oito professoras que atuam em
classes do ensino regular, os conhecimentos profissionais que fundamentam suas práticas
pedagógicas e os processos de reflexão apresentados por elas, mediante esta estratégia
específica.
No sexto capítulo, está sistematizada a análise dos dados gerados com a elaboração
de casos de ensino pelas professoras do ensino regular. Destacam-se os conhecimentos
profissionais mobilizados por elas nas situações de ensino retratadas nos casos e o processo de
raciocínio pedagógico no qual se envolvem ao pensar o seu ensino. São realizadas, ainda,
algumas considerações aos processos de reflexão evidenciados a partir da elaboração dos
casos.
E, por fim, no sétimo capítulo, são tecidas algumas considerações finais, enquanto
uma tentativa de síntese dos principais resultados obtidos nesta investigação, à luz da
metodologia empregada, apontando limites e possibilidades da mesma para a formação
continuada de professores, com vistas ao ensino inclusivo.
23
torno do caráter elitista e classista da escola tradicional. Segundo Bueno (2001, p. 103) esse
movimento ganhou vulto nos anos 60 e “[...] fez aflorar, de forma incontestável, os problemas
da seletividade escolar; e passou a ser objeto de preocupação tanto dos gestores das políticas
quanto dos estudiosos e pesquisadores da educação nacional”.
No Brasil, a discussão em torno da política educacional inclusiva começa a se
delinear na década de 80, ganhando força, sobretudo nos anos 90, sob a influência de
organismos internacionais e da publicação de diversos documentos e diretrizes. Assim, a
reestruturação do sistema educacional em nosso país e sua conseqüente melhoria segue
recomendações, dentre outras, da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em
março de 1990 em Jomtien (Tailândia), a qual reafirmou o ideário proposto pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 19482. Nesse contexto, a importância da Declaração
Mundial de Educação para Todos resultante da conferência realizada em Jomtien (1990)
reside no avanço sobre a garantia do direito de todos à educação com a devida ampliação da
qualidade e universalização da educação básica3. Esse documento também faz menção à
educação como estratégia para satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem, de modo
que todas as pessoas possam desenvolver suas potencialidades na busca por conhecimentos e
informações, desenvolvendo atitudes e valores em favor do bem comum
Em meio a esse cenário foi realizada a Conferência Mundial sobre Necessidades
Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, em Salamanca (Espanha) em junho de 1994 e, cuja
ênfase recai sobre a necessária definição de políticas educacionais inclusivas. Dessa
conferência resultou a Declaração de Salamanca de Princípios, Políticas e Práticas das
Necessidades Educativas Especiais, que passou a considerar a inclusão dos alunos com
necessidades educacionais especiais, em classes regulares, como a forma mais avançada de
democratização das oportunidades educacionais.
Sob a égide de uma Educação para Todos tal declaração demarca a necessidade da
escola rever posturas e linhas de ação a fim de dar conta da diversidade que nela se apresenta.
Retomando, esse documento anuncia que todas as pessoas, independentemente de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas, etc., devem ter acesso às
escolas, que precisam acolher e valorizar as diferenças, promovendo mudanças em sua
estrutura pedagógica e organizacional, a fim de produzir respostas educativas adequadas às
necessidades de todos os seus alunos. Tal aspecto é evidenciado no trecho a seguir:
2
A Declaração Universal dos Direitos Humanos teve sua promulgação em 10 de dezembro de 1948, pela
Assembléia Geral das Nações Unidas.
3
Sobre essa questão ver TORRES, R. M. Educação para todos: a tarefa por fazer. Porto Alegre: Artmed, 2001.
26
que perto de 113 milhões de crianças permanecem sem acesso à escola; pelo menos 880
milhões de adultos são analfabetos, evidenciando que a qualidade do ensino e a aprendizagem
ainda não representam fator de justiça social e de melhoria nas condições de vida de grande
parte da população mundial.
Isso demonstra, por um lado, que se o movimento de universalização do ensino -
acesso e permanência - representou um abrir as portas da escola para os mais diversos grupos
sociais, entre eles das pessoas com necessidades educacionais especiais em razão de alguma
deficiência, por outro, apesar da geração de políticas e programas no campo educacional,
preocupados em salvaguardar o direito de todos à educação, o que se verifica é um
contingente expressivo de crianças e jovens que permanecem à margem, excluídos, da e na
escola.
Ferraro (1999), em análise ao quadro situacional da escolarização no Brasil,
distingue os alunos considerados excluídos da escola daqueles excluídos na escola. Apregoa a
exclusão na escola, resultante de mecanismos de reprovação e repetência, como mais grave
que a exclusão da escola, o que não significa, porém, minimizar o problema do não-acesso
escolar. Tais processos, associados à área das necessidades educacionais especiais, apontam
para a dupla exclusão a qual os indivíduos sob essa denominação estão sujeitos e, por
conseguinte, para as ambigüidades presentes no ensino que lhes é destinado.
Nessa direção parece ser consenso, entre autores da área educacional, tais como
Bueno (2001), Figueiredo (2002), Ferreira e Ferreira (2004), Freitas (2009), que embora a
ampliação do acesso escolar represente um avanço, não representa fator suficiente na garantia
do direito de todos à educação. Poder-se-ia dizer, assim, que, à revelia dos progressos
computados em nosso país, a idéia de inclusão restrita ao ingresso de alunos com
necessidades educacionais especiais no ensino regular tem contribuído para constituição
deste, como um campo confuso e paradoxal, haja vista que a entrada desses alunos na escola,
não parece vir acompanhada das transformações necessárias na organização desta instituição
que ainda resiste em reconhecer esse aluno, em promover a sua formação e desenvolver um
processo educativo relevante para ele.
Atentando para essa questão, Freitas (2009, p. 227) reitera que:
ângulo das ações e das atitudes dos professores, pois segundo Mittler (2003), os maiores
obstáculos à inclusão, referem-se às atitudes e às percepções dos professores. Nesse sentido, o
autor sugere que promover mudanças nas escolas e nas práticas docentes visando atender à
diversidade nela presente implica a superação de um modelo de deficiência baseado no
“defeito” para um “modelo social”. Isso significa deslocar o foco da pessoa para o contexto,
onde as limitações dos indivíduos com deficiência não advêm unicamente de suas condições
pessoais, mas da própria sociedade e do modo de lidar com elas.
Depreendemos, pois, que a inclusão exige mudanças não só nas práticas, mas
também na postura do professor que precisa reconhecer que todo estudante, independente de
suas características tem condições de aprender, visando romper com o padrão de normalidade
socialmente instituído e que ao reger as relações sociais atribui à deficiência uma conotação
negativa, de déficit, e ao indivíduo que a possui, um ser da ordem do “defeito”.
Mas o processo de mudança no trabalho docente não é algo simples de acontecer,
uma vez que a transformação da escola e das práticas nela desenvolvidas não se atém à
competência meramente instrumental por parte do educador, à implantação ou substituição de
estratégias e metodologias de ensino usualmente empregadas por outras, consideradas
inovadoras. Ao contrário, a efetivação de novas formas de organização do ensino que atendam
aos princípios inclusivos, alude à capacidade do professor redimensionar seu sistema de
representações, crenças e valores enquanto parte da sua identidade profissional, que se
encontra abalada em razão da inclusão, atentando, dentre outros aspectos, para os seus
conhecimentos e para a sua experiência, como bem refere Mantoan (2003a).
Atuar na perspectiva da diversidade remete à complexidade presente no ato de
ensinar e aprender, além da necessidade de se refletir sobre os limites e possibilidades da
atuação docente. De todo modo, não é possível pensar que os professores, sozinhos, serão
capazes de articular todos os enfrentamentos necessários à efetivação da inclusão, pois esta
tem como um de seus fundamentos básicos o compartilhamento da responsabilidade pelas
práticas inclusivas.
Concordamos com Jesus (2006, p. 97), ao afirmar que a qualificação do professor
representa uma forma de aprimoramento do atendimento educacional de alunos em geral e de
resgate na confiança dos docentes de que são capazes de construir novas alternativas e
desenvolver novas competências. Desse modo, importante se faz “[...] trabalhar com os
profissionais da educação, de maneira que eles, sendo capazes de compreender as próprias
práticas e de refletir sobre elas, sejam também capazes de transformar lógicas de ensino”.
32
Essa transformação diz respeito, dentre outros aspectos, a uma mudança nas formas
como são encaradas as dificuldades educativas. Nesse sentido, Ainscow (1997, p. 16)
complementa a necessidade de mudanças não só na prática, mas também na postura docente.
Para tanto, afirma que é preciso reforçar a confiança dos professores em si mesmos,
oferecendo-lhes suporte na tomada de decisões:
Mais adiante, esse mesmo autor afirma que a forma mais adequada de ajudar os
professores a responder às dificuldades educativas, rompendo com visões de ensino baseadas
na deficiência, implica:
Mantoan (2003b) também acredita que o apoio aos professores em momentos críticos
é fundamental para que os problemas sejam percebidos em suas reais dimensões e para que
“[...] se desfaça o mito de que são os conhecimentos sobre as deficiências e outros correlatos
que lhes faltam e lhes trarão alívio e competência para resolver essas situações-problema” (p.
32).
Para que os professores assumam o compromisso com os pressupostos de uma
educação inclusiva, criando as condições necessárias para a permanência, com qualidade, de
todo e qualquer aluno na escola, é preciso prestar apoio aos mesmos, apostando no valor da
escuta, no estabelecimento de relações dialógicas e reflexivas na escola como forma de
33
Logo, os professores são parte essencial do processo de transição das escolas comuns
em inclusivas, de modo que as mudanças impostas ao trabalho pedagógico colocam a
necessidade de um processo formativo mais coerente com os desafios que se apresentam no
cotidiano da sala de aula. Isso requer do professor disposição constante para aprender,
devendo a escola, investir no aprimoramento e desenvolvimento profissional de seus
docentes, proporcionando condições para a sua aprendizagem, a fim de que consigam
modificar sua prática, adequando-a à diversidade que compõe o seu alunado.
Seguindo essa lógica Mittler (2003) ressalta a formação dos professores, a
colaboração e o apoio de outros profissionais como alguns dos fatores capazes de alavancar a
transformação das escolas atuais em escolas inclusivas. Defende, assim, que “[...] ninguém
pode ser excluído de ser capacitado para a inclusão. Todos têm algo a aprender sobre ela” (p.
183). E complementa:
34
Nesta perspectiva, Martins (2009, p. 156) compreende que uma formação docente
mais articulada com a proposta de trabalho na diversidade apresenta-se como um grande
desafio e sem um fim a priori. Tal formação, segundo a autora, “[...] requer que o profissional
do ensino torne-se mais consciente, não apenas das características e potencialidades dos
alunos, mas, também, de suas próprias condições para atuar pedagogicamente com os
mesmos”.
Além da formação, considerada de suma relevância para uma nova constituição
escolar, Freitas (2008) situa outros fatores, como a existência de um currículo apropriado e
flexível enquanto alternativa na condução de práticas pedagógicas realmente heterogêneas.
Retoma, assim, o papel do professor atuante na escola comum que precisa “[...] reconhecer e
responder às necessidades diversificadas de seus alunos, bem como acomodar diferentes
potencialidades, estilos e ritmos de aprendizagem, assegurando, com isso, uma educação de
qualidade” (p. 24). Para ela,
uma cultura colaboradora, em que a reflexão sobre o próprio trabalho pedagógico seja um de
seus componentes” (FIGUEIREDO, 2008, p. 144).
De modo complementar, Mantoan (2002) afirma que os programas de formação
continuada junto a professores que atuam com alunos com necessidades educacionais
especiais devem possibilitar aos mesmos o exercício constante de reflexão sobre a prática
pedagógica, priorizando o compartilhamento de idéias, sentimentos e ações entre os pares
tomando consciência, a partir da problematização e do questionamento da própria prática, das
potencialidades do alunado, das dificuldades que enfrentam no cotidiano profissional e de
como estas influenciam na tomada de decisões por ações no momento em que planejam e
desenvolvem o seu ensino.
Comungamos da visão das autoras por entender o professor como alguém que não só
ensina, mas que também aprende ao ensinar, devendo a formação levar em conta a
diversidade dos educadores, seus pontos de vistas, suas experiências, crenças e valores,
ignorados, via de regra, nos processos formativos do professorado em geral. Nesse sentido, as
escolas têm uma importante contribuição a dar para os processos formativos tanto de seus
discentes quanto docentes. É preciso que as escolas se reorganizem criando espaços de
reflexão e compartilhamento de experiências dos educadores, oferecendo a eles a
oportunidade de fazer as conexões entre os seus saberes, as situações de sala de aula e o
contexto mais amplo no qual se inserem.
Ou seja, a escola enquanto espaço social privilegiado de transmissão de valores, de
sistematização e socialização de saberes deve, a partir dos desafios, buscar se constituir em
um campo gerador de discussões, de inovação, possibilitando ao professor compreender e
participar ativamente da criação de um processo de escolarização pautado nos princípios da
inclusão. Por isso, mais do que transmitir informações ela precisa promover um ambiente
educativo que possibilite a investigação, a construção, a troca e a análise de conhecimentos e
experiências, diante da diversidade e complexidade de situações nela vivenciadas.
Isso implica, não obstante, um trabalho em equipe e a reflexão sobre a prática
educativa desenvolvida em sala de aula, além da participação em encontros e grupos de
estudos, fundamentais para que o redimensionamento do contexto escolar de viés inclusivo
venha a ocorrer. Reafirmamos, assim, a idéia de que os professores são essenciais nos
processos de mudança não só da escola, mas da sociedade como um todo, podendo contribuir,
efetivamente, para a construção de uma nova lógica do ensino e um novo sentido para a
escola. Por isso, não podem ficar à margem, mas no centro do debate educativo.
37
4
Nesse modelo os professores são vistos como técnicos ou executores de tarefas que envolvem a transmissão de
conhecimentos.
39
fim de que consigam imprimir mudanças em sua atuação, alterando, assim, o quadro de
exclusões em que muitos alunos ainda se encontram.
Isso tem gerado reflexões e a busca por estratégias formativas e investigativas
orientadas a construir uma nova concepção de formação continuada (MIZUKAMI et al.,
2002), mais articulada com o contexto de atuação docente. Aumentam, assim, as pesquisas
realizadas junto às escolas sob o princípio da colaboração entre pesquisadores das
universidades e professores num processo de aprendizagem mútua.
Nesse sentido, Candau (1996), ao analisar a problemática da formação docente em
nosso país nos últimos tempos, explicita que os principais eixos de investigação e de consenso
entre os profissionais da educação apontam que a formação continuada deve ser repensada
tomando por base três aspectos fundamentais: a) a escola enquanto local propício para a
formação continuada; b) importância de se considerar os saberes docentes, construídos ao
longo da trajetória profissional; c) levar em consideração as diferentes etapas do
desenvolvimento profissional dos professores, respeitando as características e necessidades de
docentes que estão em momentos distintos da carreira.
O valor atribuído à escola como espaço de formação reconhece, entre outros
aspectos, que a aprendizagem da docência não ocorre em tempos e espaços únicos, de modo
que os programas de formação continuada devem levar em conta as necessidades do contexto
em que os professores atuam e suas respectivas características. Trata-se do reconhecimento do
potencial formativo das situações de trabalho, o que não significa dizer que estas irão resultar
em aprendizagens profissionais por si (GIOVANNI, 2003).
De tal modo, a centralidade dos programas de formação continuada na escola,
visando à aprendizagem dos profissionais que nela atuam com benefícios também para os
processos de ensino-aprendizagem nela desenvolvidos, exige que alguns elementos e
condições sejam assegurados. Nesse sentido,
[...] considerar a escola como locus de formação continuada passa a ser uma
afirmação fundamental na busca por superar o modelo clássico de formação
continuada e construir uma nova perspectiva na área de formação continuada
de professores. Contudo, não se alcança esse objetivo de uma maneira
espontânea, não é o simples fato de estar na escola e de desenvolver uma
prática escolar concreta que garante a presença das condições mobilizadoras
de um processo formativo. Uma prática repetitiva, mecânica, não favorece
esse processo. Para que ele se dê é importante que essa prática reflexiva,
uma prática capaz de identificar os problemas, de resolvê-los, e – as
pesquisas são cada vez mais confluentes – que seja uma prática coletiva,
uma prática construída conjuntamente por grupos de professores ou por todo
40
Ainda com base nesse autor afirmamos que a formação centrada na escola não se
resume à idéia de espaço físico em que esta formação acontece, mas refere-se a um novo
enfoque para redefinir os conteúdos, as estratégias, os protagonistas e os propósitos da
formação, desenvolvendo um paradigma colaborativo entre os professores. Esse paradigma
tem como principais pressupostos: a escola como unidade básica do processo de mudança; a
escola deve aprender a modificar sua realidade cultural; o desenvolvimento de novos valores
relacionados ao trabalho pedagógico, entre eles a interdependência, a abertura profissional, a
comunicação, a colaboração, a autonomia e a auto-regulação; respeito e reconhecimento ao
trabalho do professor; redefinição da gestão escolar. Sob essa perspectiva, a formação não se
dirige mais, unicamente, aos indivíduos, mas às organizações (CORREIA, 1997), implicando
em situações de natureza coletiva.
Desta feita, sinalizamos, uma vez mais, que cursos aligeirados ou de curta duração,
abarrotados de conteúdos teóricos, desvinculados da realidade de sala de aula, não tem se
revestido, em geral, em mudanças nos processos de ensino, com o objetivo de melhorar a
qualidade educacional oferecida a todos os educandos. Desse modo, a formação, bem como as
41
Esse mesmo autor afirma que o professor se envolve em diversas situações formais
de ensino, cujas atividades estão voltadas para a promoção de uma aprendizagem autônoma,
enquanto aquela que parece ser a mais significativa para o adulto. Segundo ele:
Do mesmo modo, nos reportamos a Martins (2006, p. 26) ao indicar que a formação
do professor para atuar na diversidade deve ir além dos cursos meramente informativos ou
dos treinamentos. A autora sugere que esta formação se dê, também, no ambiente de trabalho
com
uma disciplina. A estrutura sintática refere-se aos critérios estabelecidos por uma referida
comunidade disciplinar para validar o conhecimento produzido e nortear as pesquisas
desenvolvidas na área. Esse mesmo autor salienta que o domínio do conhecimento específico
da matéria a ser ensinada é fundamental, mas insuficiente para garantir a sua aprendizagem.
Por isso, é importante que o professor conheça os conceitos básicos da matéria que ensina,
bem como as formas de tornar esse conteúdo compreensível pelos alunos, promovendo a sua
aprendizagem.
O conhecimento de conteúdo pedagógico transcende uma área específica. Abrange
o conhecimento de teorias e princípios relacionados à educação, importantes para a
compreensão dos processos de ensino e aprendizagem; o conhecimento dos objetivos, metas e
propósitos educacionais; o conhecimento de condução e organização da sala de aula; o
conhecimento das características dos alunos nas suas dimensões, física, cognitiva, afetiva e
social. Compreende, também, o conhecimento de contextos educacionais, ou seja, o contexto
onde o professor atua, as formas de gestão e de participação, a comunidade e a cultura
escolar; o conhecimento do currículo e sua dimensão política responsável pelo modo como o
conhecimento escolar é organizado e sistematizado; o conhecimento de outras disciplinas que
possam contribuir para a compreensão dos conceitos da sua área; bem como dos fundamentos
históricos, filosóficos e políticos da educação. Em síntese, refere-se aos conhecimentos
necessários para que um dado conteúdo a ser ensinado seja transformado em conteúdo capaz
de ser aprendido.
O conhecimento pedagógico do conteúdo é considerado um tipo de conhecimento
que é próprio do professor, pois oriundo de sua experiência profissional. É constantemente
construído, revisado e ampliado pelo professor quando mobiliza outros conhecimentos ao
ensinar sua matéria de modo que o conteúdo seja compreendido pelos alunos. Resulta da
combinação entre o conhecimento da matéria e o modo de ensiná-la. Shulman, L. (1986)
considera que esse tipo de conhecimento, implica na capacidade do professor de transformar
em ensino o conhecimento que possui do conteúdo, por meio de uma atuação pedagógica que
leve em consideração a diversidade de habilidades, saberes e experiências que os alunos
apresentam. Esta categoria de conhecimento inclui a gama de estratégias que o professor
poderá utilizar a fim de favorecer a aprendizagem de um determinado conteúdo pelos alunos,
tais como: explanações, analogias, ilustrações, exemplos, demonstrações, metáforas,
representações (gráficas, visuais, etc.), explicações, situações-problema, entre outros. Inclui,
também, a compreensão do que facilita ou dificulta a aprendizagem de um tópico específico
48
(as concepções e pré-concepções que os estudantes de diferentes idades e origens trazem para
as situações de sala de aula).
Enfim, trata-se de um tipo de conhecimento cuja relevância para o processo de
aprendizagem da docência reside no
[...] fato de não ser um conhecimento que possa ser adquirido de forma
mecânica ou linear; nem sequer pode ser ensinado nas instituições de
formação de professores, uma vez que representa uma elaboração pessoal do
professor ao confrontar-se com o processo de transformar em ensino o
conteúdo aprendido durante o seu percurso formativo (GARCÍA, 1995, p.
57).
Segundo o autor o saber docente é polissêmico e precisa ser entendido num sentido amplo,
pois “[...] engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as
atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e
de saber-ser” (p. 60). Para ele, o saber docente é proveniente de várias fontes, constituindo-se,
assim, como um saber plural, formado pelo amálgama de saberes oriundos da formação
profissional, de saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
Os saberes da formação profissional são aqueles transmitidos pelas instituições de
formação de professores, oriundos das ciências humanas e das ciências da educação, que
devem ser incorporados às práticas dos professores. Inclui também os saberes pedagógicos,
relacionados a doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa
que conduzem a um sistema de representações e orientações da ação docente.
Os saberes disciplinares correspondem aos diversos campos de conhecimento,
alocados nas universidades, sob a forma de disciplinas. São saberes disponíveis na sociedade,
que emergem da tradição cultural e dos grupos sociais produtores de saberes.
Os saberes curriculares são apropriados pelos professores ao longo da carreira.
Correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos selecionados e categorizados
pela escola para a formação da cultura erudita. Trata-se dos programas escolares que os
professores devem aprender a aplicar.
Os saberes experienciais ou práticos fundamentam a prática docente e sinalizam a
competência profissional dos professores. São construídos pelos professores durante o
exercício de suas funções e da prática da profissão. Esse saber se origina da experiência sendo
por ela validado. Desse modo, a experiência constitui-se núcleo central do saber docente que
induz o professor a passar de uma relação de exterioridade com o saber para uma relação de
interioridade com a própria prática. De acordo com Tardif (2002, p. 49) os saberes da
experiência “[...] formam um conjunto de representações a partir das quais os professores
interpretam, compreendem e orientam sua prática cotidiana”.
Esse autor considera que o saber docente é, ao mesmo tempo, individual e social. É
individual porque cada professor possui uma história diferente e organiza seus saberes em
função das situações específicas por ele vivenciadas. É social porque é partilhado por todo
grupo de agentes que possuem formação comum e trabalham numa mesma organização. Além
disso, sua posse e utilização repousam sobre um sistema que vem garantir a sua legitimidade e
orientar o seu uso, ou seja, um professor nunca define sozinho seu saber profissional. É um
saber social porque seus objetos são práticas sociais, uma vez que o professor trabalha com
sujeitos em função de um projeto: transformar alunos, educá-los e instruí-los. O saber dos
51
professores é social porque evolui com o tempo e as mudanças sociais. Por fim, é social
porque é adquirido no contexto de socialização profissional, sendo incorporado, modificado e
adaptado em função dos momentos e das fases da sua carreira, onde o professor aprende a
ensinar fazendo o seu trabalho.
Nessa perspectiva, Tardif (2002) explicita alguns pressupostos norteadores de seus
estudos. O primeiro deles é que o saber dos professores deve ser compreendido em íntima
relação com o trabalho na escola e na sala de aula. O saber está a serviço do trabalho. Este
último atua como mediador das relações entre o professor e os seus saberes, fornecendo os
princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas. O segundo está relacionado à
diversidade ou pluralismo do saber docente, porque os professores na sua ação mobilizam
diferentes tipos de conhecimentos, provenientes de várias fontes e de naturezas diversas. O
terceiro pressuposto refere-se à temporalidade do saber, pois o saber docente é construído e
evolui com o tempo, sendo influenciado por ele. Esse saber é influenciado tanto pela história
de vida e trajetória escolar do professor, como pelo seu exercício profissional.
Sob tal ótica, Tardif (2002, p. 20) coloca que “[...] ensinar supõe aprender a ensinar,
ou seja, aprender a dominar progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho
docente”. O quarto pressuposto é relativo à experiência de trabalho enquanto fundamento do
saber. Os saberes advindos da experiência estão ligados à prática docente e às funções do
professor. Tais saberes tendem a ser mais valorizados pelos professores, pois sua utilização é
condicionada pelas situações específicas que enfrentam no seu cotidiano de trabalho. Os
saberes humanos a respeito de seres humanos referem-se ao quinto pressuposto. O trabalho do
professor é interativo. Implica relação direta com o objeto do seu trabalho através da interação
humana. Por fim, o autor se refere aos saberes e formação de professores. Para ele é
necessário repensar a formação para o magistério levando em conta os saberes docentes e as
realidades específicas de seu trabalho, de modo a contribuir para a renovação das concepções
acerca da formação de professores, assim como de suas identidades e papéis sociais.
Levando em conta o pluralismo e a heterogeneidade dos saberes dos professores, o
autor propõe um modelo tipológico a fim de identificá-los e classificá-los. Busca, assim,
relacioná-los com as fontes sociais de aquisição e os modos de integração no trabalho
docente. Tais aspectos são evidenciados no quadro abaixo:
52
5
Embora a autora focalize os alunos com deficiência mental, pensamos que esta perspectiva também se aplica à
outros alunos que apresentam necessidades educacionais especiais.
6
Esse autor apresenta seis modelos de desenvolvimento profissional, a saber: 1) autoformação; 2) reflexão,
apoio profissional e supervisão; 3) desenvolvimento curricular; 4) formação centrada na escola; 5) cursos de
59
teóricas, de modo que um mesmo modelo pode gerar diferentes práticas, o que irá depender
das intenções e os interesses adotados pelos formadores. Pode, ainda, haver complementações
entre eles, em determinadas situações de formação.
No âmbito desta pesquisa, o modelo de desenvolvimento profissional reconhecido
como formação centrada na escola assume lugar de destaque. Consideramos, assim, os
interesses e as necessidades dos professores e da escola, campo desta investigação, como
centrais. Nossa proposta formativa se baseou na colaboração entre os pares e na reflexão dos
professores sobre a prática pedagógica e os conhecimentos nela implicados.
Logo, partimos do pressuposto de que o professor, ao exercer a docência, coloca em
prática uma série de conhecimentos, além de construir outros que constituem a sua base de
conhecimento para o ensino. Também consideramos que o conhecimento dos professores
acerca do que deve ser aprendido, influencia a maneira como ele organiza o seu ensino, tendo
em vista outros tipos de conhecimento (do aluno, do currículo, do contexto, dos métodos e
materiais de ensino, etc.). No tocante à Educação Inclusiva isso equivale a pensar nas
modificações, transformações ou adaptações que o professor incorpora na organização e na
gestão da classe, na seleção, implementação e regulação das atividades e nos processos de
avaliação das aprendizagens, para responder adequadamente ao que ele percebe como sendo
as novas exigências dos programas de ensino (RODRIGUES, 2009).
A complexidade gerada pela realidade inclusiva nos leva a focalizar, neste estudo, a
possibilidade de acessar, por meio dos casos de ensino, os conhecimentos profissionais de
professores do ensino regular, os processos pelos quais são mobilizados, além de evidenciar
as fontes e a natureza desses conhecimentos. Cogitamos, também, que os casos, ao
apresentarem situações de ensino vivenciadas em um contexto específico, podem auxiliar no
estabelecimento de processos reflexivos pelos professores sobre tais situações, levando-os a
identificar aquilo que sabem ou deveriam saber de modo a transformar conhecimento em
ensino. Desta forma, apostamos na possibilidade desta estratégia contribuir para a ampliação
da base de conhecimento para o ensino e para o aprimoramento do processo de raciocínio
pedagógico de professores que atuam na escola regular, viabilizando a construção de uma
prática pedagógica pautada nos princípios da inclusão.
formação; 6) investigação. Tais modelos se baseiam em três abordagens conceituais: a) orientação tecnológica,
acadêmica; b) orientação prática interpretativa, cultural; c) orientação social reconstrucionista, crítica. Um
quadro detalhado dos diferentes formatos de desenvolvimento profissional em função da orientação conceitual
pode ser observado em Garcia (1999, p. 192).
60
Mais recentemente, a literatura que aborda esta questão apresenta uma variedade de
definições para o que venha a ser um caso de ensino, bem como formas e propósitos de
utilização. De acordo com Merseth (1996), um caso é um documento de pesquisa descritivo,
geralmente em texto narrativo, baseado em um evento ou situação da vida real e apresenta
uma faceta multidimensional que representa o contexto, seus participantes e a realidade da
situação. A autora aponta que há três elementos essenciais nos casos: são reais; fruto de
estudos e pesquisas; e promovem o desenvolvimento de múltiplas perspectivas por parte dos
usuários.
Complementarmente, Nono (2005, p. 68) afirma que os casos de ensino representam
situações escolares detalhadamente descritas, que possibilitam aos professores em formação e
em exercício refletir sobre eventos ocorridos em um determinado contexto. É um documento
descritivo, “[...] criado explicitamente para discussão e procura incluir detalhes e informações
suficientes para permitir que análise e interpretações sejam realizadas a partir de diferentes
perspectivas”.
Nesse sentido, Shulman, L. (1986, p. 11) elucida que:
É importante frisar, porém, que nem toda descrição de um evento ocorrido em sala
de aula, constitui-se em um caso de ensino a priori. O que, então, define um caso de ensino?
Segundo Shulman, L. (1992), o caso de ensino tem uma narrativa, uma história, um conjunto
de eventos que transcorre em certo tempo e em local específico. Apesar de não ser
imprescindível, é provável que inclua protagonistas humanos. Em geral, estas narrativas de
ensino possuem características comuns, como: apresentam princípio, meio e fim e podem
incluir, também, uma tensão dramática a ser aliviada; são particulares e específicas e não
sentenças genéricas; situam os eventos no tempo e espaço; revelam o trabalho de mãos,
mentes, motivos, concepções, necessidades, frustrações e falhas humanas; refletem o contexto
sociocultural no qual o evento ocorre.
Em acordo com isso, Shulman, J. H. (2000) afirma que um caso conta uma história
sobre algo, uma espécie de narrativa singular, com um ponto central. Para ela, o método de
casos, quando utilizado apropriadamente, auxilia os professores na conexão entre teoria e
prática, na interpretação de situações sob perspectivas múltiplas, na identificação de pontos
cruciais de decisão e alternativas de ação, no reconhecimento de riscos e benefícios potenciais
para as linhas de ação e na identificação de princípios e teorias em situações reais de sala de
aula. Ou seja, casos de ensino:
Não são simplesmente histórias que qualquer pessoa possa contar. Eles são
elaborados em narrativas convincentes, situados em um determinado
acontecimento ou uma série deles que se revelam com o tempo. Eles têm um
enredo que é focado em uma problemática com uma certa tensão que deve
ser aliviada. São recheados de problemas que podem ser enquadrados e
analisados a partir de várias perspectivas, e incluem os pensamentos e
sentimentos dos professores ao elaborarem suas descrições. Os casos
também abarcam comentários reflexivos do autor que levanta alguns
questionamentos sobre o que eles podem fazer diferente no futuro
(SHULMAN, J. H., 2002, p. 3).
[...] são a expressão do pensamento sobre uma situação concreta que, pelo
seu significado, atraiu a nossa atenção e merece a nossa reflexão. São
descrições, devidamente contextualizadas, que revelam conhecimento sobre
algo que, normalmente, é complexo e sujeito a interpretações. Os casos que
os professores contam revelam o que eles ou os seus alunos fazem, sentem,
pensam, conhecem (ALARCÃO, 2004, p. 52).
Com base nos autores supracitados, inferimos que os casos de ensino, ao envolverem
a descrição de fatos ou eventos ocorridos em um contexto escolar específico e que tem o
professor e seus alunos como seus reais protagonistas, representam uma estratégia profícua no
sentido de oportunizar aos profissionais do ensino regular a possibilidade de refletir sobre a
sua ação, individual e coletivamente. A experiência do professor, nessa perspectiva, assume
lugar de destaque na aprendizagem profissional da docência. Trata-se de aprender na prática e
pela prática, mobilizando e construindo novos saberes que servirão de base para o exercício
da docência.
Segundo Shulman, L. (1986), os casos de ensino podem ser de três tipos: protótipos,
precedentes e parábolas. Protótipos são os casos que exemplificam, ilustram e dão vida a
princípios teóricos ou a resultados de investigação. Mizukami (2000) afirma que, como
protótipo, o caso deve conter detalhes sobre a história e ser teoricamente especificado, a fim
65
- Escolher uma situação significativa ou crítica. O cotidiano de uma sala de aula é marcado
por diversos eventos que podem ser dilemas, confrontos, incidentes ou situações
emblemáticas que, de alguma forma, interferem nos processos de desenvolvimento
profissional de professores, na medida em que exigem do professor atitudes imediatas e
efetivas. Alguns alunos fizeram a tarefa. As atividades planejadas para ensinar determinado
conteúdo não estão sendo bem-sucedidas. O professor não obtém resultado ao solicitar leitura
prévia dos alunos para subsidiar o desenvolvimento da aula. Dentre tantos eventos, qual deles
escolher para elaborar um caso de ensino que tenha potencial formativo? De início, o
professor precisa desejar escrever sobre determinado evento, precisa ter interesse em se
aprofundar na situação. Em seguida, pode observar alguns critérios: a situação tem um “poder
emocional” sobre você? A situação apresenta um dilema sobre o qual você está inseguro
quanto à sua resolução? A situação requer a tomada de decisões difíceis? A situação o levou a
tomar decisões e a adotar atitudes sobre as quais você está insatisfeito, por não ter certeza de
que agiu corretamente? A situação tem implicações éticas e morais?
- Descrever o contexto. O professor não precisa iniciar o caso de ensino descrevendo os
eventos que geraram a situação. Esta é, entretanto, uma das maneiras de fornecer um pano de
fundo dos acontecimentos, inserindo a situação em um contexto mais amplo e detalhado. Com
isso, o professor pode refletir sobre aspectos que geraram a situação escolhida.
- Identificar os personagens do contexto. Ao escrever um caso de ensino, o professor deve
identificar quais são os personagens principais e secundários da trama. Quais os papéis
assumidos por cada personagem envolvido na situação? Quais as relações entre eles e com o
professor? É importante a apresentação dos sentimentos, dos objetivos, das expectativas de
cada pessoa envolvida no caso de ensino, incluindo o próprio professor que narra o incidente.
- Revisar a situação e a forma como agiu diante dela. O que ocorreu? Quais eram as
possíveis decisões a serem tomadas pelo professor diante dos acontecimentos? Quais os riscos
envolvidos em cada uma das decisões? Como o professor reagiu? Que sentimentos o levaram
a tomar determinada decisão? Se o professor não conseguiu agir diante do incidente ocorrido
em sala de aula, como pode acontecer em alguns casos, por que ele não agiu? Que
pressupostos e valores estiveram por trás da decisão?
- Examinar os efeitos de suas atitudes. Cada atitude do professor resulta em uma série de
reações. Quais foram, no evento descrito, algumas das reações em face das atitudes tomadas
pelo docente? Qual foi o impacto da decisão assumida sobre os alunos? E quais foram as
conseqüências da decisão tomada sobre o próprio professor?
69
Com base no acima exposto, podemos dizer que, no tocante ao contexto inclusivo, a
análise e a elaboração de casos de ensino é potencialmente válida pelo seu caráter
investigativo e formativo que permite, ao mesmo tempo, descrever, analisar e aprender com a
prática de sala de aula. Pois, como bem afirma Shulman (1996), um caso de ensino é uma
versão relembrada, recontada, revivida e refletida de uma experiência direta. E é esse
processo de relembrar, recontar, reviver e refletir o processo de aprender pela experiência
(MIZUKAMI, 2004).
Ademais, o uso da estratégia de casos de ensino, no contexto dessa proposta
investigativa, pode contribuir não apenas para o registro das práticas desenvolvidas pelos
professores em sala de aula, mas também, para que eles tomem a distância necessária à
reflexão intencional e sistematizada da prática, tendo condições de repensá-la e redimensioná-
la, visando à inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais e o avanço na
escalada da sua aprendizagem.
Assim, o foco, nessa investigação, recai sobre a possibilidade dos casos de ensino
oferecerem aos docentes que atuam na escola regular a oportunidade para que venham refletir
sobre diferentes aspectos de sua atuação em sala de aula e para sistematizar seus
conhecimentos profissionais, constituindo-se em poderoso instrumento para a aprendizagem e
para o desenvolvimento profissional de professores.
71
7
Trata-se da obra The reflective practitioner, de 1983 (MIZUKAMI et al., 2002).
72
conceito de reflexão no meio educacional. A principal contribuição deste teórico foi a de ter
atribuído um novo estatuto à dimensão prática do trabalho docente, em contraposição às
correntes que circunscrevem o professor como um técnico apenas e a prática pedagógica
como um espaço de ajustamento dos conhecimentos oriundos da ciência aplicada.
Em contrapartida, o modelo da racionalidade prática, proposto por Schön, concebe
que o professor, em seu contexto de trabalho, é constantemente confrontado com situações
singulares e incertas que precisam ser investigadas e compreendidas. Sob essa ótica, defende
que a formação do profissional inclua um forte componente de reflexão a partir dos problemas
concretos conferidos pela prática, pois somente por essa via um profissional é capaz de
aprender e de tomar as decisões apropriadas frente às zonas de indeterminação das situações
reais (ALARCÃO, 1996).
O paradigma do professor reflexivo inaugura novas perspectivas no campo da
formação, tanto em termos teóricos como práticos, conferindo ao professor papel ativo na
formulação dos propósitos e finalidades do seu trabalho, devendo assumir funções de
liderança nas reformas escolares. Nesse enfoque, há a necessidade de reformulação das bases
da formação profissional, apostando na capacidade do professor em analisar situações que
vivencia em sala de aula, de modo a intervir sobre elas. Volta-se o olhar para a prática e o
conhecimento que se origina a partir da reflexão na e sobre a ação. Esse movimento
formativo, que ganha força nos dias atuais, é reafirmado por diversos autores, como explicita
Alarcão (1996, p. 174): “[...] refletir para agir autonomamente parece ser uma das expressões-
chave no contexto educativo internacional deste final de século XX”.
Dito de outro modo, ao conceber o professor como um profissional reflexivo, Schön
reconhece a existência de um saber técnico direcionado para a resolução de problemas, o que
denominou de conhecimento na ação. Sob essa ótica, a compreensão e a melhoria do trabalho
do professor só se tornam possíveis através da reflexão sobre sua própria experiência. Por
meio da reflexão o professor é capaz de construir seu próprio conhecimento, “[...] ainda que
este conhecimento, fruto da experiência e da reflexão passadas, se tenha consolidado em
esquemas semi-automáticos ou em rotinas” (PEREZ-GÓMEZ, 1995, p. 104).
Formar o professor na perspectiva proposta por Schön (2000) implica considerar três
tipos de reflexão por ele definidos: reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão
sobre a reflexão na ação. Nesse sentido, o autor analisa que a reflexão na ação acontece no
próprio contexto da atividade, sem interrupção, de modo que possa intervir na situação ainda
em desenvolvimento. Ao refletir na ação, o profissional estabelece um diálogo com a
situação, pensa sobre ela, procurando reorganizar o que está fazendo. Trata-se, segundo esse
73
autor, de um processo que o profissional realiza mesmo que sua ação seja improvisada e não
consiga descrever e/ou explicar a sua ação. Esse processo de reflexão na ação não requer o
uso de palavras.
Embora as análises de Schön sobre os processos de reflexão sejam direcionados a
diversos profissionais, o seu trabalho também tem se mostrado pertinente para reexaminar o
trabalho e a formação dos professores. Nesse sentido, ele argumenta que a reflexão na ação
de um professor implica em voltar-se para o aluno, familiarizar-se com o saber que este
demonstra, prestar atenção, ser curioso, ouvi-lo, surpreender-se. Nesse caso, o professor deve
atuar como uma espécie de detetive que procura descobrir as razões que levam as crianças a
dizer ou a fazer determinadas coisas. Sobre isso, o referido autor afirma:
sentidos e encaminhamentos. Esse processo implica uma observação e uma descrição da ação
já realizada, exigindo o uso de palavras. Do mesmo modo, ajuda o profissional a pensar em
ações futuras, compreender os problemas, descobrir novas soluções, destinada a gerar
mudanças na prática.
Em outras palavras, dizer-se-ia que:
professor partilhar experiências, saberes, crenças e modos de agir em interação com os seus
pares, haja vista a dificuldade do sujeito, individualmente, produzir mudanças efetivas.
Assim sendo, poderíamos dizer que através da reflexão na ação o professor
estabelece um diálogo com a ação, tendo um caráter mais imediato em que ele procura
encontrar soluções mediante a urgência em que as situações ocorrem na prática, enquanto a
reflexão realizada em um momento posterior à ação consiste em lançar um olhar,
retrospectivo e prospectivo, sobre a prática educativa, abrindo possibilidades de mudanças na
atuação docente.
Outro autor que contribui com esta temática é Zeichner (1993), ao situar o papel da
reflexão no âmbito da formação docente e da ação profissional dos professores. Ele
problematiza, dentre outros aspectos, o caráter individualista de reflexão proposto por Schön
haja vista que atribui, em demasia, ao profissional a capacidade de identificar e gerenciar
situações difíceis. Também pontua que o processo reflexivo não deve ficar restrito ao
contexto imediato da prática, sob o risco de se produzir uma formação docente assentada em
um modelo de reflexão reducionista, uma vez que desconsidera a análise do conjunto de
fatores que atravessa a educação escolarizada, situados para além do contexto da sala de aula.
Define, portanto, que o ensino reflexivo requer que os professores, ao invés de
refletir apenas sobre a aplicação em suas salas de aula das teorias geradas fora delas,
critiquem e desenvolvam suas teorias práticas à medida que refletem sozinhos ou em conjunto
na ação e sobre ela, acerca do seu ensino e das condições sociais que delineiam suas práticas.
Nesta perspectiva, a prática reflexiva só tem sentido se engajada num contexto social mais
amplo no qual a prática educativa se insere, não podendo, assim, se resumir a uma ação
isolada do professor. Uma prática reflexiva comprometida com questões mais amplas, que
extrapolam as situações pontuais de sala de aula, só é passível de acontecer “[...] em
comunidades de professores que se apóiam mutuamente e em que um sustenta o crescimento
do outro” (ZEICHNER, 2008, p. 543).
Podemos reunir às considerações anteriores as análises de Alarcão (1996; 2001;
2004) a respeito da formação reflexiva de professores. Para ela, o entorno epistemológico que
a formação continuada dos professores assume, na atualidade, presume a transposição de uma
atitude reflexiva excessivamente centrada no professor isolado e auto-suficiente para uma
prática reflexiva construída no coletivo, organizando o que ela denomina de “escola
reflexiva”. Escola reflexiva entendida como aquela que ao formar também forma a si mesma,
por meio de um trabalho participativo e colaborativo. Sobre isso esclarece:
76
Isso nos permite pensar, em comunhão com o já exposto no capítulo anterior que,
assim como a escola reflexiva, uma escola com proposta inclusiva necessita se constituir em
espaço de diversidade, de colaboração e trabalho em equipe, comprometida com a
aprendizagem de todos que dela fazem parte: professores e alunos. Isso irá exigir, de todos os
envolvidos no processo educacional inclusivo, uma reflexão sistemática e cooperativa sobre
as situações práticas vividas no contexto escolar, com vistas à melhoria do ensino
desenvolvido e ao aprimoramento da instituição de modo geral.
Por isso, reafirmamos, com base em Jesus (2003) que a construção de um projeto
educacional inclusivo requer uma abordagem coletiva de atuação, em que o professor se sinta
desafiado a procurar uma ação alternativa, recebendo auxílio dos colegas e sendo apoiado em
suas tomadas de decisões. Do mesmo modo, Porter (1997) afirma que as escolas que
pretendem atender as necessidades educativas dos seus alunos, introduzindo mudanças em
suas formas de atuação, devem se reorganizar, a fim de proporcionar um ambiente
enriquecedor para os professores, ajudando-os a verem a si próprios como “solucionadores de
problemas”. Segundo o autor, isso contribuiu para a formação do sentimento de equipe entre
os profissionais da escola, em que a colaboração substitui a competição e o isolamento, dando
lugar à confiança necessária para que busquem adquirir novos conhecimentos, competências e
práticas.
Em uma escola aberta e democrática todos os seus membros devem ser “[...]
incentivados e mobilizados para a participação, a co-construção, o diálogo, a reflexão, a
iniciativa, a experimentação” (ALARCÃO, 2001, p. 26). Portanto, a escola, concebida como
espaço de reflexão e de inclusão, deve proporcionar as condições necessárias para que seus
professores se desenvolvam profissionalmente, refletindo sobre suas práticas e sobre as
próprias condições em que atuam, a fim de promover melhorias no seu ensino. Deve,
igualmente, propiciar a vivência de ações reflexivas em torno das situações cotidianas,
buscando soluções conjuntas para os problemas enfrentados no cenário escolar, promovendo,
assim, uma formação continuada gerada a partir das próprias necessidades vivenciadas.
77
Nesta perspectiva, Alarcão (2004) chama a atenção para o fato de que a postura
reflexiva na tarefa de ensinar não se constrói de maneira espontânea, mas precisa ser
desenvolvida. Para tanto, é necessário a utilização de estratégias capazes de promover a
atividade reflexiva e a participação ativa do professor no seu processo formativo, favorecendo
o desenvolvimento profissional e a aquisição das habilidades e competências necessárias para
lidar com exigências impostas pelas reformas educacionais.
Entre as estratégias capazes de fomentar a reflexão no contexto escolar,
possibilitando a efetivação de uma proposta educacional inclusiva, inserem-se os casos de
ensino e métodos de casos enquanto instrumentos que podem servir como exemplos de
situações práticas enfrentadas nas escolas; oportunidades para praticar processos de tomada de
decisões e de resolução de problemas em eventos específicos e contextualizados, além de
estímulo à reflexão pessoal e coletiva (MERSETH, 1996). Logo, os casos de ensino, ao
retratarem a prática pedagógica, surgem como importantes ferramentas para a reflexão sobre a
ação e para a “[...] preparação do professor para que desenvolva os conhecimentos e as
habilidades necessários à análise e intervenção em sala de aula” (MIZUKAMI, 2000, p. 154).
Reforçando tais aspectos, Nono (2005) afirma que os casos de ensino são
ferramentas capazes de possibilitar o estabelecimento de relações entre questões educacionais
mais amplas e contextos educacionais mais específicos e de familiarizar o professor com
processos de reflexão em torno de suas práticas. Argumenta, também, que se analisados
metódica e regularmente
Assim sendo, apostamos nos casos de ensino e métodos de casos, enquanto estratégia
possível de embasar metodologicamente a formação de professores em uma perspectiva
inclusiva, de modo que estes venham a refletir de maneira deliberada e sistemática sobre o
ensino que é oferecido nas escolas. O intuito é o de contribuir para a instauração de um
espaço de diálogo, oportunizando ao corpo docente da escola, discutir e trocar idéias sobre a
prática pedagógica e sobre os problemas encontrados no trabalho junto ao aluno com
necessidades educacionais especiais. Assim, podem colocar em pauta seus saberes, suas
crenças e suas concepções, de modo que sejam confrontados, revistos e transformados, e
também, para que os professores tomem consciência do seu papel na efetivação da proposta
educacional inclusiva, buscando alternativas para melhor lidar com essa realidade.
Sustentando a hipótese de que os casos de ensino podem contribuir para o
estabelecimento de processos reflexivos nos professores da escola regular, reportamo-nos a
Hatton e Smith (1995) que, atentos para a questão da reflexão na formação de professores e as
diferentes estratégias que podem ser empregadas com o objetivo de propiciar processos
reflexivos, realizaram um estudo sobre a temática, identificando, através de relatos escritos
por professores em formação, quatro tipos de escrita, sendo três deles considerados como
diferentes tipos e/ou níveis de reflexão, a saber: escrita descritiva, reflexão descritiva, reflexão
dialógica e reflexão crítica.
A escrita descritiva, na perspectiva dos autores, não pode ser considerada reflexiva,
uma vez que comporta, apenas, o registro de eventos vividos ou de situações relatadas pela
literatura, sem a tentativa de buscar justificativas/explicações para os mesmos. A reflexão
descritiva é entendida como reflexiva, visto que contempla não apenas a descrição de eventos,
mas alguma tentativa por parte do professor de justificar – de forma descritiva - a sua
ocorrência. Tais justificativas são geralmente baseadas em opiniões pessoais ou na literatura
sobre alunos, englobando pontos de vista diversificados. A reflexão dialógica representa um
diálogo consigo mesmo, explorando a experiência, eventos e ações, na medida em que busca
explicações para os mesmos a partir da formulação de hipóteses. Configura-se como uma
reflexão analítica e ou integrativa de fatores e de perspectivas e pode reconhecer
inconsistências nas tentativas de oferecer explicações e críticas. A reflexão crítica demonstra
uma compreensão de que as ações e eventos não ocorrem de forma descontextualizada,
isolada, mas inseridos em contextos mais amplos, históricos, culturais e sociopolíticos.
Em seu estudo, Nono (2005) elaborou um esquema constituído por quatro dimensões
para análise dos processos reflexivos evidenciados pelas professoras participantes de sua
investigação, mediante a estratégia de casos de ensino. Trata-se, conforme a autora, de um
79
esquema que visa orientar o acesso às diferentes dimensões da reflexão realizadas pelas
professoras da sua pesquisa. Define o termo dimensão pelo seu caráter abrangente e pela idéia
de continuidade que ele comporta na medida em que considera que os processos reflexivos
não possuem um caráter fragmentado, mas contínuo. Tais dimensões ocorrem em um
momento posterior à ação docente, quando as professoras analisam e/ou elaboram casos de
ensino.
A primeira dimensão do processo reflexivo se refere à capacidade das professoras
em descrever/explicitar suas próprias formas de ação em sala de aula, e formas de ação de
outros profissionais. A segunda dimensão compreende a capacidade de as professoras
descreverem/explicitarem teorias pessoais, assim como conhecimentos e crenças que orientam
suas ações. Na terceira dimensão as professoras procuram examinar suas formas de atuação e
os conhecimentos que parecem fundamentá-las. Tal processo pode compreender a busca das
fontes de constituição desses conhecimentos e ações, a tentativa de estabelecer relações entre
suas práticas e as teorias pessoais que as informam, a comparação entre seus modos de
atuação em diferentes momentos da carreira e perante as diferentes solicitações da prática, a
busca por justificativas diversas para seu desempenho profissional, o estabelecimento de
relações entre aspectos práticos e teóricos do ensino, análise dos efeitos de sua atuação sobre
os demais sujeitos envolvidos no ato pedagógico, bem como a influência das ações dos outros
sobre a própria atuação. Por fim, a quarta dimensão da reflexão docente envolve uma revisão
das ações e conhecimentos profissionais, incluindo: a compreensão dos fatores que levaram
ao redimensionamento da atuação, ou, ainda, a manutenção de suas formas de agir e de seus
conhecimentos, aliada a uma maior possibilidade de entendimento sobre eles.
Tendo em vista o acima exposto, e considerando os objetivos desta investigação,
optamos por nos basear no esquema elaborado por Nono (2005), a fim de orientar a análise
dos processos reflexivos explicitados pelas professoras do ensino regular participantes desta
investigação, por ocasião da análise e da elaboração de casos de ensino. Pretendemos, com
isso, discutir limites e potencialidades dos casos de ensino e métodos de casos servirem de
estímulo à reflexão docente, permitindo às professoras do ensino regular, que atuam com
alunos com necessidades educacionais especiais em suas salas de aula, transitar nessas
dimensões da reflexão.
80
A sociedade atual vem passando por um quadro de grandes mudanças, que impõe
diversos desafios à escola contemporânea, dentre eles, a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais. O movimento em prol da universalização do ensino, assentado nos
ideais de uma educação inclusiva, democrática e de qualidade para todos, faz surgir novas
necessidades relativas à profissionalização docente.
Desta feita, uma escola, empenhada na melhoria do seu ensino, requer um
compromisso dessa instituição para com a formação continuada de seus professores, como
meio para buscar respostas para suas angústias, dúvidas e inquietações, envolvendo a escuta,
o acolhimento e a mediação de conflitos e dilemas vividos no processo educacional inclusivo.
Trata-se, portanto, de uma escola que não apenas ensina, mas que também aprende ao ensinar.
Reali (2004) ressalta que a escola, enquanto uma organização que aprende, consiste
em local privilegiado para promoção do desenvolvimento profissional de professores. Desse
modo, parte-se do pressuposto de que, em se tratando do ensino inclusivo, as propostas de
formação permanente ou em serviço devem partir do saber-fazer dos professores,
considerando que os mesmos já possuem conhecimentos, experiências e práticas ao entrar em
contato com a inclusão.
Com isso, amplia-se o debate em torno do tipo de formação que deve ser
proporcionada aos educadores, bem como o interesse de pesquisadores em educação por
novas estratégias e modelos investigativos, visando intervir no cotidiano escolar, contribuindo
81
para mudanças no agir docente. Isso tem gerado um aumento nas pesquisas realizadas nos
últimos anos, em parceria entre pesquisadores de universidades e professores das escolas.
Cole e Knowles (1993) explicitam que abordagens tradicionais de pesquisa sobre o
desenvolvimento do professor, que desconsideram os seus conhecimentos, seus modos de
ensinar e o seu contexto, estão, cada vez mais, dando lugar a abordagens alternativas.
Segundo os autores, os modelos atuais de pesquisa diferem dos tradicionais, pois trazem
elementos subjetivos do professor, acessados por meio de relatos autobiográficos, narrativas e
histórias de vida. O professor, assim, ganha voz e é ouvido pelo pesquisador, rompendo com a
visão de reprodutor de saberes alheios ou como mero fornecedor de dados para pesquisas,
para se transformar em colaborador do processo investigativo.
Nesse contexto, optamos pelo desenvolvimento de uma pesquisa-intervenção
ancorada no modelo construtivo-colaborativo (COLE; KNOWLES, 1993), o qual concebe o
professor como sujeito ativo do seu processo de formação, mediante a valorização dos saberes
que ele próprio constrói no exercício da profissão, em contextos de trabalho específicos.
Trata-se de um modelo que prevê o estabelecimento de uma verdadeira parceria entre
pesquisador e professores, levando a aprendizagens mútuas. As relações estabelecidas entre
ambos passam a se constituir por processos multifacetados e não hierarquizados.
Reali et al. (1995), com base em Lucarelli (1990), afirmam que uma das principais
características de tal modelo é a valorização da prática do professor como eixo central de
análise. Ou seja, a pesquisa colaborativa permite que a realidade das escolas, suas práticas,
anseios e problemas, sejam colocados, pelos professores e pesquisadores, em parceria, no
centro do debate educativo, possibilitando a construção de novos conhecimentos, propostas e
soluções.
Nessa vertente de pensamento, Jesus (2006, p. 103) coloca que esse tipo de
investigação prevê uma relação de colaboração do pesquisador com os professores, no intuito
de auxiliá-los “[...] a articular suas próprias preocupações, a planejar as ações e estratégias
para mudança, a detectar os problemas e os efeitos das mudanças, bem como a refletir sobre
sua validade e conseqüências”. A autora ainda enfatiza que, através desta relação de
colaboração entre os diferentes sujeitos envolvidos no processo, é possível contribuir para a
articulação entre o saber teórico e prático, visando a construção de uma lógica de ensino que
acolha a diversidade.
Complementando essa visão, Pimenta, Garrido e Moura (2001), explicitam que a
pesquisa colaborativa tem como princípio básico a co-responsabilidade do pesquisador e
professores para com o projeto desenvolvido, estabelecendo uma relação de parceria entre
82
ambos. Objetiva, assim, a criação nas escolas de uma cultura de análise das práticas nela
realizadas, a fim de possibilitar que os professores, auxiliados pelos pesquisadores, venham
transformá-las. Caracteriza-se por um viés participativo-reflexivo, com base no diálogo e
negociação constantes, visando o aprimoramento profissional de todos os envolvidos.
Consequentemente, essa perspectiva de investigação pode ser vista simultaneamente
como atividade de pesquisa e de formação. Ao assumir essa dupla vertente, o projeto
colaborativo apresenta potencial para responder às necessidades de desenvolvimento
profissional ou de aperfeiçoamento dos docentes, por meio de um processo de reflexão crítica
sobre a prática, de partilha e de apoio mútuo (MIZUKAMI et al., 2002; DESGAGNÉ, 2007).
Nesse viés, o pesquisador assume, também, o papel de formador. A ele compete criar
as condições necessárias para que os professores reflitam sobre algum aspecto da sua prática,
atuando como um facilitador do processo de construção de conhecimentos dos docentes por
meio das relações estabelecidas entre ambos.
Objetivo Geral
Investigar as possíveis contribuições dos casos de ensino, enquanto estratégia
formativa e investigativa, para os processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional
de docentes que atuam em ambiente escolar inclusivo.
Objetivos Específicos
• Investigar os diferentes tipos de conhecimentos nos quais professores que atuam na
escola regular se fundamentam para ensinar;
• Analisar como os diferentes conhecimentos profissionais são construídos,
organizados e mobilizados pelos professores no momento de ensinar turmas com
alunos com necessidades educacionais especiais;
• Analisar os processos de reflexão apresentados por professores diante de situações de
ensino vividas na escola regular;
• Analisar as potencialidades e os limites da ação formativa aqui descrita para a
constituição da escola como comunidade de aprendizagem.
gerais sobre algo alcançando “[...] rápida e simultaneamente um grande número de pessoas”
(LAVILLE; DIONE, 1999, p. 184).
O questionário teve como finalidade a caracterização do grupo participante da
pesquisa, a partir de informações pessoais, dados sobre a formação (inicial e continuada),
precedentes de situações de trabalho com a inclusão escolar e percepções e/ou dificuldades
sobre a prática pedagógica com alunos com necessidades educacionais especiais. Além disso,
buscamos conhecer temas de interesse, relativos à inclusão desses alunos no ensino regular,
para que fossem abordados na atividade de formação.
Vislumbrando a possibilidade de realizarmos uma intervenção, propondo aos
professores do ensino regular uma ação formativa em contexto, acreditamos que não
poderíamos fazê-lo sem considerar os interesses e necessidades do grupo, pois, assim como
Silva (2003), entendemos que a formação contínua dos professores do ensino regular requer o
envolvimento daquele a quem esta se destina. Segundo a autora, a análise conjunta e
partilhada das necessidades de formação é o que viabiliza a formação contínua dos
professores “[...] de modo que a negociação dos programas de formação que daí decorram
seja uma questão quase possível” (p. 67).
Dessa forma, o referido questionário trouxe informações relevantes para o
planejamento e desenvolvimento desta pesquisa-intervenção, em que foram considerados
dados mais gerais, que nos permitiram traçar um perfil do grupo participante, além das
temáticas/assuntos que gostariam de discutir por meio dos casos de ensino. O modelo do
questionário utilizado encontra-se no apêndice A.
educacionais especiais, bem como dos alunos com seus pares. Também atentamos para
aspectos relacionados à organização da classe, conteúdos e estratégias de ensino utilizadas
pelas professoras. Dentre os diversos aspectos que pudemos constatar, em nossas
observações, destacamos a arrumação da sala, comumente organizada em U para facilitar a
circulação dos alunos, inclusive daqueles que fazem uso da cadeira de rodas. Também
observamos que o trabalho em pequenos grupos é prática comum adotada pelas professoras,
segundo critério de que aqueles que têm maior facilidade poderão auxiliar o colega que
apresenta alguma dificuldade. O principal recurso utilizado é o quadro negro. As professoras
procuram se sentar próximas aos alunos com necessidades educacionais especiais para
facilitar a interação e o acompanhamento das atividades. Não observamos, nesse período, o
planejamento ou elaboração de atividades diferenciadas, sendo comum, ainda, a queixa das
professoras sobre o seu não saber como lidar pedagogicamente com tais alunos em sala de
aula.
A realização das observações contribuiu para que tivéssemos maior clareza de como
a política inclusiva é traduzida pelas professoras da referida escola. Ou, como bem afirmam
Ludke e André (1986, p. 26), através da observação do cotidiano escolar foi possível nos
aproximarmos da “perspectiva dos sujeitos”, da sua visão de mundo, compreendendo aí “[...]
o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações”.
Isso foi fundamental para o estabelecimento de vínculos entre a pesquisadora e as
professoras da instituição de ensino, traduzindo-se numa postura de confiança e envolvimento
com a pesquisa. Segundo Neto (2002, p. 55), a entrada no campo requer que busquemos uma
aproximação com as pessoas que farão parte do estudo, e essa “[...] deve ser uma aproximação
gradual, onde cada dia de trabalho seja refletido e avaliado, com base nos objetivos
preestabelecidos”.
Para as observações não estabelecemos categorias prévias, realizando, apenas,
anotações em um diário de campo, de fatos e/ou momentos que mais nos chamaram a atenção.
Mais uma vez, Neto (2002) esclarece que o diário representa um recurso pessoal que
acompanha o pesquisador, de modo que esse pode colocar nele, diariamente, suas percepções,
angústias, questionamentos e informações que não são obtidas por intermédio da utilização de
outras técnicas.
Nesse diário, além de descrever o conteúdo do que era observado no cotidiano
escolar, procuramos registrar nossas impressões, reflexões e inquietações sobre o processo
vivido, assim como os sentimentos e as tomadas de decisão nos diversos momentos,
86
Considerando o fato de que uma ação formativa desenvolvida em contexto tem como
característica principal atender aos interesses e necessidades dos professores, adequando-se ao
seu cotidiano de trabalho, mostrou-se fundamental a realização de uma avaliação ao final
desse processo, com o intuito de considerar tais dados para o desenvolvimento e proposição
de ações futuras, bem como a validade da ação empreendida.
A avaliação foi realizada de forma coletiva, por acreditarmos que esta seria mais rica
em discussões e informações sobre o processo vivido. Para tanto elaboramos um roteiro de
questões (APÊNDICE H) focalizando aspectos como: aprendizagens ocorridas, individual e
coletivamente, pontos fortes e fracos da intervenção, relevância dos temas abordados,
validade/adequação do uso da estratégia de casos de ensino para o desenvolvimento
profissional, conhecimentos construídos acerca da educação inclusiva, sugestões sobre o
próprio processo de formação continuada. Assim como os demais encontros, este também
teve duração de 1 hora e 30 minutos, sendo gravado em áudio e posteriormente transcrito.
90
8
Variedade de condições não sensoriais que afetam o indivíduo em termos de mobilidade, de coordenação
motora geral ou da fala, como decorrência de lesões neurológicas, neuromusculares e ortopédicas, ou, ainda, de
malformações congênitas ou adquiridas (BRASIL, 1999, p. 26).
9
O termo “Paralisia Cerebral” designa diversos distúrbios motores e alterações posturais permanentes, causados
por lesão cerebral (encefálica não progressiva) ocorrida antes, durante ou depois do nascimento, podendo ou não
estar associado a outras alterações, a saber: déficits sensoriais, dificuldades de aprendizagem, alteração da
percepção, déficit intelectual e problemas emocionais (GERSH, 2007).
10
Hidrocefalia é o acúmulo anormal de líquido cefalorraquidiano (liquor), dentro do cérebro. Ela pode ocorrer
por aumento da produção (mais raro) ou por obstrução ao livre trânsito do líquido no interior das cavidades
ventriculares do cérebro.
11
A Síndrome de Asperger compõe a categoria dos Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) que se
caracterizam por prejuízos severos e invasivos em diversas áreas do desenvolvimento, como: (a) habilidades de
interação social recíproca, (b) habilidades de comunicação, e (c) presença de comportamentos, interesses e
atividades estereotipadas (LOPES-HERRERA; ALMEIDA, 2007).
12
A “deficiência mental” vem sendo reconceituada como “deficiência intelectual”. De acordo com o sistema de
classificação da American Association for Mental Retardation (AAMR, 2002), a Deficiência Mental é
caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual global, acompanhadas por dificuldades
acentuadas no comportamento adaptativo, manifestadas antes dos dezoito anos de idade. Sua conceituação
envolve cinco dimensões que se referem a diferentes aspectos do desenvolvimento do indivíduo, do ambiente em
que vive e dos suportes de que dispõe: habilidades intelectuais; comportamento adaptativo; participação,
interação e papel social; saúde; contextos (CARVALHO; MACIEL, 2003).
13
O indivíduo com Altas Habilidades/Superdotação caracteriza-se por notável desempenho e elevada
potencialidade em qualquer dos seguintes aspectos isolados ou combinados: capacidade intelectual geral; aptidão
acadêmica específica; pensamento criativo ou produtivo; capacidade de liderança; talento especial para artes
dramáticas e/ou música; e capacidade psicomotora (BRASIL, 1999).
14
A classificação dos tipos de deficiência foi informada pela escola. O uso do termo deficiência é utilizado no
sentido de diferenciar tais alunos dos demais que podem vir a apresentar algum tipo de necessidade educacional
especial.
92
escola eram os motivos mais comuns. A precariedade das instalações da escola, no ano de
2008, em razão da obra que estava sendo realizada era considerada, pela direção e pelos
professores, como fator agravante desta situação.
Quanto à equipe da escola, esta era constituída por um número de funcionários
bastante razoável para a realização das atividades burocráticas, administrativas e pedagógicas.
É importante ressaltar, contudo, a insatisfação dos professores e gestores da escola quanto à
inexistência de apoio especializado para alunos com necessidades educacionais especiais
matriculados na escola, bem como para os profissionais que trabalham com esses alunos em
sala de aula. Informações relativas aos funcionários da instituição podem ser visualizadas no
quadro a seguir:
Instalações Quantidade
Direção 1
Secretaria 1
Sala dos professores 1
Cozinha 1
Refeitório 1
Salas de aula (EI e Ensino Fundamental) 8
Sala de Informática 1
Sala de Vídeo 1
Sala de Artes 1
Sala de Apoio/Reforço 1
Quadra de esportes 1
Biblioteca 1
Parque Infantil 1
Banheiro Masculino 4
Banheiro Feminino 4
Banheiros Adaptados 2
Fonte: Quadro elaborado pela autora com base nos dados fornecidos pela escola.
Convém registrar que, como a obra só foi concluída no final do ano de 2008, durante
o processo de intervenção, os profissionais da escola campo da investigação, desenvolviam
suas atividades em dois espaços, de modo que as aulas eram ministradas nas salas da sede
nova, enquanto que as demais instalações, como secretaria, sala de informática, sala dos
professores, biblioteca, sala de vídeo, quadra de esportes, cozinha, refeitório, banheiros e área
de recreação, eram compartilhadas com outra escola da rede, situada no mesmo quarteirão
onde estava sediada.
Atualmente, além dos banheiros adaptados, as novas instalações da escola possuem
rampas de acesso aos diversos ambientes da escola, salas com portas que permitem a
passagem da cadeira de rodas e piso tátil, aspectos estes que se constituem em fatores de
acessibilidade.
Ainda em relação à infra-estrutura, observamos que a quadra de esportes tem
cobertura, o que facilita a realização das aulas de Educação Física mesmo nos dias de chuva
ou sol intenso. Também existe uma área coberta na escola, onde funciona o refeitório e são
realizadas as reuniões e festividades da escola, sendo utilizada, também, como auditório. A
94
sala de artes, biblioteca e sala de informática, além de amplas, são climatizadas. Em relação à
biblioteca, porém, observou-se que a altura das estantes dificulta o acesso aos livros
localizados na parte superior, particularmente pelos alunos que utilizam cadeira de rodas.
As demais salas de aulas são menores, o que não chega a comprometer a circulação
dos alunos, pois as carteiras estão, em geral, organizadas em semicírculo ou em pequenos
grupos (duplas ou trios). Todas dispõem de um quadro branco e um quadro verde. Em termos
de mobiliário e material pedagógico, notamos que há, na escola, apenas uma mesa adaptada
para alunos com paralisia cerebral.
Uma vez apresentada a escola onde a pesquisa foi realizada, passamos a descrever o
grupo participante da pesquisa.
15
No período de realização desta pesquisa havia apenas uma coordenadora pedagógica para os dois turnos, pois
a outra coordenadora esta de licença devido a problemas de saúde.
95
Função Freqüência
Diretora 1
Vice-diretora 1
Coordenadora Pedagógica 1
Inspetora Educacional 1
Orientadora Educacional 1
Professor Polivalente 12
Professor de Educação Física 2
Sala de Informática 2
Professora de Artes 1
Professora de Literatura 2
Professora de Reforço 1
Apoio Pedagógico 1
Total 26
16
Optamos por caracterizar se a professora possui ou não experiência com tais alunos, uma vez que esta não é,
necessariamente, contínua ou recente.
96
Em relação à faixa etária, podemos observar que a idade do grupo varia entre 28 e 63
anos, sendo que duas professoras estão na faixa dos 21-30 anos, nove na faixa dos 31-40,
quatro na faixa dos 41-50 anos, cinco estão na faixa dos 51-60 e duas estão na faixa dos 61-65
anos. A maioria (34,6%) tem entre 31 e 40 anos de idade. Apenas 2 (7,7%) possuem entre 21
e 30 anos, enquanto que 42,3% se encontram em faixa etária superior aos 41 anos de idade.
Vale ressaltar que quatro (15,4%) entrevistadas não informaram a idade. Do total de
participantes, 25 (96,2%) são do sexo feminino e apenas 1 (3,8%) é do sexo masculino.
Todas as participantes possuem nível superior em áreas diversas: Educação Física
(2), Artes (1), Letras (1) e Biologia (1). O curso superior de graduação predominante no grupo
é o de Pedagogia (21). Dezesseis professoras já possuem ou estão cursando algum curso de
pós-graduação lato sensu.
Até aqui, foram destacadas características gerais do grupo participante da
intervenção. Conforme apresentado anteriormente, das 26 participantes, apenas 8 concluíram
todas as atividades e, por esse motivo, fizeram parte do grupo de sujeitos analisados nesta
pesquisa e apresentados no tópico seguinte.
Flora
A professora Flora é casada e tem 55 anos. Concluiu o curso de Pedagogia em 1997
pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) e leciona nos anos iniciais do
Ensino Fundamental há 25 anos. Trabalha, atualmente, com crianças do 1° ano no turno
matutino. Além da graduação possui especialização na área de Ensino Fundamental concluída
em 2006 na Universidade Potiguar (UNP).
No ano em que a pesquisa foi realizada a professora não possuía alunos com
necessidades educacionais especiais em sua sala de aula. Em suas análises, relata que, durante
o percurso de sua trajetória profissional, vivenciou experiências tanto em instituição privada
quando na rede pública, as quais foram permeadas por expectativas, conflitos, frustrações,
desafios e conquistas. Descreve que um dos maiores desafios enfrentados em sua vida
profissional ocorreu em 2006, quando foram matriculadas três alunas com necessidades
educacionais especiais em sua sala de aula, afirmando ter sentido receio e insegurança.
No tocante à sua formação, embora não especifique, diz que as primeiras
informações sobre a Educação Inclusiva vieram com o curso de especialização. Para ela
ser/estar professora é aceitar desafios. Nesse sentido, afirma que o seu melhor como
professora é estar aberta a aprender e o desejo de poder contribuir para o avanço do processo
educacional inclusivo, o que considera algo essencial nos dias atuais.
Sônia
Sônia é solteira e tem 43 anos. Concluiu o curso de Pedagogia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2004. Possui especialização na área de Gestão
Escolar pela Universidade Potiguar (UNP), concluída em 2007. Trabalha como professora do
Ensino Fundamental há 16 anos. Iniciou seu trabalho em uma escola particular e atua na rede
municipal há oito anos. Sônia trabalha na escola investigada no turno matutino e vespertino,
com turmas de 3º ano.
Na ocasião da realização dessa pesquisa, ela possuía uma aluna com Síndrome de
Asperger em sala de aula. Sua primeira experiência com a inclusão foi no ano de 2000. Diz
que para realizar o seu trabalho contava com poucas informações, adquiridas na formação
acadêmica, relativas às “[...] dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência e o
respeito que devemos ter por essas pessoas sem, no entanto, tratá-las como coitadas ou
incapazes” (Caso 1, Set./2008). Dentre os cursos que participou, nos últimos cinco anos
98
Ana
Ana leciona há 5 anos e começou sua trajetória profissional quando ainda cursava
Pedagogia, em uma instituição privada localizada na zona sul de Natal, como auxiliar em uma
turma de Educação Infantil, nível III, com crianças entre 4 e 5 anos de idade. Atualmente, é
professora concursada na rede pública municipal de ensino de Natal/RN, atuando com uma
turma de 2º ano. Diz que, ao assumir esta turma sentiu ansiedade, pois sabia que era uma
realidade totalmente diferente daquela que conhecia/vivenciava: “[...] outro nível de ensino,
outro nível social, diferentes exigências, mas uma coisa em comum: a obrigação/o dever de
democratizar o saber sistematizado, isto é, possibilitar o acesso dos meus alunos aos
conhecimentos teóricos/práticos da vida social” (Caso 1, set./2008).
Na ocasião da realização desta pesquisa a professora afirmou possuir dois alunos
com necessidades educacionais especiais, ambos sem diagnóstico. Ao falar de sua vivência
com a inclusão se reporta ao contexto familiar e descreve a experiência com o irmão que
apresenta deficiência intelectual. No tocante à sua trajetória profissional, diz ter recebido
informações, no curso de Pedagogia, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), na disciplina de “Introdução à Educação Especial”, sobre nomenclaturas, tipologias
das deficiências e aspectos metodológicos. Para ela, uma das maiores dificuldades na inclusão
está relacionada às metodologias de ensino. Acredita que o que tem de melhor como
professora é “[...] a consciência de que meu papel como educadora é possibilitar aos meus
alunos a oportunidade de aprender, paralelamente, a consciência de que essa caminhada é
desafiadora e não deve ser desestimuladora. [...]. Que a partir da formação que tive devo me
esforçar, ao máximo, para garantir à todos a democratização do saber” (Caso 1, set./2008).
Célia
Célia tem 39 anos e é casada. Concluiu o curso de Pedagogia pela Universidade
Potiguar (UNP), em 2002, e a especialização na área de Didática do Ensino pela mesma
99
instituição, no ano de 2007. Atua como professora há 21 anos. Iniciou seu trabalho em uma
escola particular.
Sua primeira experiência com a inclusão foi no ano de 1993, com uma aluna com
deficiência auditiva. Em sua formação acadêmica diz ter recebido informações relativas ao
processo histórico da educação inclusiva e o que esta vem a ser, quem são as pessoas
consideradas com necessidades educacionais especiais e metodologias de ensino. Os
principais cursos que realizou, nos últimos anos, estão relacionados ao ensino da matemática e
letramento. No momento da pesquisa atuava no 5º ano e tinha um aluno com altas habilidades
em sua sala de aula. Por isso, sua principal preocupação é em relação às estratégias de ensino
que deve utilizar para motivar e desenvolver as potencialidades do seu aluno. Cansaço, busca,
desejo, aprendizagem são palavras que melhor traduzem sua fase profissional.
Clara
Clara tem 35 anos e é casada. Concluiu o curso de Pedagogia pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em 2001. Trabalha como professora do ensino
fundamental há aproximadamente 5 anos. Começou a lecionar quando ainda cursava
Pedagogia, tendo experiência tanto na rede privada de ensino, quanto pública, onde atua há 3
anos.
Dentre as participantes dessa pesquisa, a professora Clara é a única sem experiência
anterior com alunos com necessidades educacionais especiais, tendo, em 2008, um aluno com
paralisia cerebral em sua sala de aula. Em sua formação acadêmica diz ter cursado disciplinas
na área da Educação Especial, embora não chegue a especificar os
conhecimentos/informações recebidos/as. Diz ter interesse por temas relacionados às
metodologias de ensino para motivar os alunos, uma vez que as maiores dificuldades que vem
encontrando no seu trabalho diário estão relacionadas ao desinteresse e indisciplina.
Responsabilidade, comprometimento, vontade, esperança são palavras que, para ela,
melhor traduzem o ser/estar professora no momento atual. Afirma que o seu melhor como
professora é a determinação e o compromisso para com os seus alunos, de modo que estes se
tornem pessoas “[...] atuantes em nossa sociedade e, para isso, devem se transformar em
cidadãos cumpridores de seus deveres e conhecedores de seus direitos” (Caso 1, set./2008).
Dalva
Dalva é casada e tem 53 anos. Concluiu o curso de Artes pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (UFRN), em 1996. Trabalha como professora do Ensino
100
Aline
Aline é casada e tem 29 anos. É licenciada em Educação Física pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), desde 2003. Possui uma Especialização sobre
Cultura do Movimento Humano. Trabalha como professora há, aproximadamente, 8 anos. Ao
longo de sua trajetória profissional já passou por clubes, escolas privadas, e, atualmente,
trabalha em duas escolas públicas, nos turnos matutino e vespertino, com crianças da
Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental.
Segundo ela “[...] todos os ambientes de trabalho por onde passei, me trouxeram
contribuições e abriram meus olhos para a diversidade de público que o profissional tem que
estar preparado para trabalhar” (Caso 1, set./2008). Em sua formação inicial diz ter recebido
informações sobre a inclusão escolar, sem especificar, porém, que informações seriam estas.
A professora demonstra preocupação com a carência afetiva das crianças, o que,
segundo ela, acaba se traduzindo em indisciplina e agressividade no meio escolar.
Compreende, nesse sentido, que a educação é o principal recurso na melhoria da vida dos
alunos, inclusive daqueles que apresentam alguma necessidade educacional especial.
Durante a realização desta pesquisa, por atender várias turmas, trabalhava com
alunos com características diversas: paralisia cerebral, deficiência intelectual, transtorno
global do desenvolvimento. Acredita que o maior desafio que o professor enfrenta com a
inclusão é que esta seja feita de maneira plena, “total”. Apesar das adversidades que enfrenta
considera-se feliz e realizada com a profissão. “Alegria, paciência, tolerância, dedicação,
amor ao próximo, atitude, planejamento, meta, objetivo, realização e nunca se acomodar” são
palavras que melhor caracterizam a sua fase profissional, na atualidade. Considera que o que
tem de melhor como professora de Educação Física “[...] é o domínio dos conteúdos, a
101
facilidade de me expressar oralmente, sou objetiva, atenciosa e sou boa de improviso, quando
necessário” (Caso 1, set./2008).
Liana
Liana é solteira e tem 59 anos. Graduou-se em Letras pela Universidade Federal do
Rio Grande do Norte (UFRN) em 1976. Leciona há 36 anos. Trabalhou em diversas escolas
ao alongo de sua trajetória e com alunos com diferentes deficiências. No momento da
pesquisa a professora não trabalhava com alunos com necessidades educacionais especiais.
Diz que o número elevado de alunos em sala de aula é o que dificulta a inclusão. Sua principal
preocupação diz respeito às atitudes dos professores em relação às pessoas com deficiência,
desacreditadas, em geral, pelo sistema de ensino. Dedicação, perseverança, amor pela
profissão e pelo outro são palavras que a caracterizam como profissional. Acredita, portanto,
que o que tem de melhor como professora é “[...] a compreensão de que cresço com os
alunos” e que com paciência e dedicação é possível contribuir para o crescimento de todos.
Nossa proposta formativa desde a sua idealização até sua execução propriamente dita
foi composta pelas seguintes fases: (a) fase preliminar de aproximação com o campo; (b) fase
de planejamento e estruturação da atividade formativa; (c) fase de desenvolvimento da
intervenção. Tais fases, suas dificuldades e desafios enfrentados com o desenvolvimento desta
proposta formativa, serão explicitados a partir deste momento.
realizada, permitindo traçar um perfil dos participantes e obter informações sobre seu
contexto de trabalho. Também foram adotados alguns procedimentos éticos com a entrega, à
diretora da escola, de um ofício solicitando sua autorização para o desenvolvimento da
pesquisa (APÊNDICE I) e, às professoras, um termo de autorização (APÊNDICE J) para
divulgação dos dados coletados.
Os primeiros contatos com a direção da escola locus desta investigação aconteceram
em maio de 2008, via telefone. Na oportunidade foi agendada uma visita à instituição para
maior detalhamento de nossa proposta investigativa. Ao longo de nossa conversa, a equipe de
direção mostrou-se bastante receptiva à intenção de estudo, colocando-nos a par de algumas
das dificuldades que vinham enfrentando na inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais na escola e a sua preocupação em promover a formação continuada de
seus profissionais para melhor atender a essa clientela. Assim, a direção se comprometeu em
conversar com os professores e agendar um momento para que pudéssemos nos reunir com os
mesmos para saber de seu interesse e disponibilidade em participar do estudo.
Nosso primeiro encontro com o grupo de professores da escola ficou agendado para
o final do mês de maio. Convém mencionar que, no momento anterior à reunião, enquanto
aguardávamos na sala dos professores pudemos conversar informalmente com alguns
docentes ali presentes. Ao compartilhar suas dúvidas, angústias e dilemas vividos em sala de
aula, logo percebemos a expectativa de uma professora que atuava, naquele momento, com
uma aluna com Hidrocefalia, sobre a possibilidade de desenvolvermos um trabalho de apoio
em sala de aula. Compreendemos que tal expectativa se deve, por um lado, ao fato de que o
professor do ensino regular sente-se despreparado para atuar com esses alunos e, por outro, à
visão de que, enquanto profissionais da universidade somos detentores de um conhecimento
que é capaz de atender a todas as suas angústias. Para evitar confusões, explicamos a esta
professora que nossa intervenção não se daria em sala de aula, especificamente com o aluno,
mas seria um trabalho com os professores, contribuindo para o aprimoramento de sua
formação. Quase que num impulso a professora se coloca na defensiva dizendo que não
poderia participar devido a problemas pessoais, além de falta de interesse nesse tipo de
proposta. A ela interessava algo mais diretivo e pontual, que lhe aliviasse – de imediato - a
sobrecarga de trabalho gerada pela presença daquela aluna em sala de aula. Desmistificar tal
visão se tornou, naquele instante, o nosso primeiro desafio, no sentido de sermos aceitos pelos
professores da escola, buscando a adesão dos mesmos à pesquisa.
Desta feita, nossa atuação, naquele momento, se deu no sentido apresentar nossa
proposta de formação e seus objetivos. Também fizemos alusão aos casos de ensino como
103
Ainda em relação aos dados obtidos, por meio da análise individual e coletiva dos
casos de ensino, estabelecemos um tópico enfocando os processos reflexivos apresentados
pelas professoras do ensino regular, situado no final do capítulo.
Na segunda parte de nossa análise são apresentados e discutidos os dados obtidos,
por meio da elaboração de casos de ensino, pelas professoras participantes desta investigação,
a partir de suas próprias experiências com alunos com necessidades educacionais especiais, no
ensino regular. Para tanto, organizamos cada caso em um tópico específico, onde procuramos
evidenciar os conhecimentos profissionais mobilizados por elas em sua atuação pedagógica e
o processo de raciocínio pedagógico pelo qual constroem, organizam e utilizam tais
conhecimentos.
Em outro tópico, enfocamos os processos reflexivos apresentados pelas professoras
participantes do estudo, analisando as potencialidades da estratégia de elaboração de casos de
ensino em promovê-los e explicitá-los.
111
educacionais especiais, cada professora vivencia esse momento de forma particular, com base
nos conhecimentos que possui, nas relações que trava no seu ambiente de trabalho e
experiências anteriores.
As situações de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais,
presentes nos registros das professoras, evidenciam reações e sentimentos conflitantes que
parecem estar intimamente relacionados à crença de que não sabem ou não estão preparadas
para lidar com esses novos sujeitos em sala de aula, exigindo-lhes novas capacidades e
saberes, e a construção de uma série de estratégias, até então, desconhecidas. Revelam, ainda,
preconceitos e estereótipos direcionados a esses alunos.
Aluno normal é normal, aquele que entende o que eu falo, responde com
coerência, se desloca normalmente, etc.. “Especial” tem alguma limitação,
talvez pequena, mas tem, por isso é “especial” (Dalva, Caso 1, set./2008).
A menina, segundo a mãe, tem apatia e o menino tem paralisia cerebral, não
fala e usa cadeira de rodas [....] acreditava que eles não teriam muito
progresso, além da socialização ser um “bicho de sete cabeças” (Clara, Caso
1, set./2008).
[...] no meu entender, muitas vezes, o professor tem essa rejeição quando a
criança com deficiência chega, porque no fundo, no fundo, vai ser mais
trabalho pra ele, não há como fugir dessa realidade. [...]. Então, um dos
pontos dessa rejeição também é por isso, porque a professora que tinha 30
alunos que podiam ir ao banheiro sozinhos e ela podia estar na sua “zona de
conforto” enquanto o aluno ia ao banheiro, hoje ela não vai mais ficar, hoje
ela tem que acompanhar, tem que se desdobrar, tem que fazer força, tem que
esperar meia hora... isso é a situação ideal? Não é! (Aline, Caso 1, Encontro
Coletivo, 12/09/2008).
Este fragmento explicita que o pouco contato e a falta de orientação para trabalhar
com alunos com deficiências, além dos estereótipos que podem gerar, se constituem em
fatores desencadeadores desta rejeição/recusa, ao passo que tira o docente da sua “zona de
conforto”, exigindo-lhe um desprendimento e um tempo maior de dedicação a esse aluno, o
que nem sempre conflui com as condições de trabalho existentes nas escolas.
Pelo acima exposto, podemos inferir que a inclusão ainda é motivo de dúvidas,
conflitos e interrogações entre essas profissionais, na medida em que buscam se apropriar
desta realidade. Entretanto, não podemos perder de vista, nesta discussão, o fato de que a
inclusão, mais que um mero modismo, representa um direito e uma conquista das pessoas
com deficiência de terem acesso aos mais diversos espaços sociais, dentre eles, a escola. A
deficiência, portanto, não diz respeito a um conceito abstrato, mas historicamente construído,
como bem afirma Mantoan (2003b, p. 28):
Nessa direção, a professora Ana pontua que a assunção do processo inclusivo, nas
escolas, passa pela aceitação dos profissionais do ensino e afirma:
[...] eu acho que a primeira coisa que um educador tem que ter, ao receber
esse aluno na sala de aula, é dizer: “- posso não saber fazer, mas tenho que
aceitar essa criança, tenho que aprender com ela, porque ninguém está
preparado”. Eu acho assim, ninguém está preparado pra receber uma criança
dessas, ninguém tem essa receita (Ana, Caso 1, Encontro Coletivo,
12/09/2008).
117
digno de ter sua singularidade reconhecida e respeitada, onde o foco recaia sobre a diferença e
não meramente sobre a deficiência (DUEK, 2006).
Desta feita, as análises realizadas pelas professoras apontam que o estranhamento
decorrente dos primeiros contatos com esses alunos vem acompanhado, não obstante, por
sentimentos de pena e de comiseração, os quais parecem ser ressignificados a partir da
convivência em sala de aula. A experiência de trabalhar com esse alunado vem contribuindo
para que as professoras participantes do estudo revejam seus (pré-)conceitos e posturas,
auxiliando na formação de atitudes positivas, de reconhecimento e valorização das diferenças.
O trecho a seguir elucida essa questão:
[...] foi a convivência com essas crianças que me ajudou a mudar aquela
visão de “pena’ de “coitadinho” e passei a aceitar e respeitar as suas
diferenças. [...]. Quanto ao desenvolvimento desses alunos, [...] é possível
observar avanços na sua aprendizagem dependendo da intervenção do
professor, seja individualizada ou em grupo (Flora, Caso 1, set./2009).
Transparece, nesse relato, uma mudança gradual nas concepções e ações desta
professora em relação à pessoa com deficiência. Trata-se de um processo contínuo, em que a
imagem que ela tinha desses alunos foi, aos poucos, dando lugar ao investimento nas suas
capacidades. Além disso, demonstra ter consciência do seu papel de mediadora da
aprendizagem, cabendo a ela organizar situações de ensino com o objetivo de que o aluno
avance/progrida em seu percurso de escolarização.
Sobre isso, Carvalho (2004b, p. 36) comenta que a nossa constituição é dinâmica,
porque evoluímos e nos modificamos, de modo que a percepção sobre a diferença do outro
também pode ser alterada, na medida em que temos a oportunidade de conviver com ela. Para
a autora, incluir “[...] implica, incondicionalmente, na mudança de atitudes frente às
diferenças individuais, desenvolvendo-se a consciência de que somos todos diferentes uns dos
outros e de nós mesmos”.
Incluir exige, pois, maior desprendimento e abertura por parte do professor, bem
como disposição para aprender e refletir sobre a própria prática, colocando-se no lugar de
agente produtor do seu saber. Isso significa dizer que, ao lado das condições físicas e
materiais, amplamente necessárias para a segurança e bem-estar de todo e qualquer aluno na
escola, as atitudes da comunidade escolar são cruciais para o avanço da inclusão.
De qualquer forma, “esse é um processo doloroso” como algumas professoras, em
diversos momentos, fizeram questão de frisar, marcado por sentimentos contraditórios em
119
relação à inclusão e ao papel que lhes cabe nesse processo. Analisados em conjunto, estes
registros mostram diferentes reações frente à diferença em que as professoras parecem passar
por um movimento intenso de descobertas, delineando a possibilidade de mudanças na forma
de ver e se relacionar com as pessoas com necessidades educacionais especiais em razão de
alguma deficiência. Nesse percurso, vão se revelando concepções e dificuldades vividas com
a inclusão, bem como posturas e formas de lidar com a “nova” situação que se apresenta,
discutidas no tópico a seguir.
como na parte pedagógica que também deixa a desejar por falta de recursos,
estratégias e falta de auxílio ao professor (Aline, Caso 1, set./2008).
O que tenho presenciado na verdade é uma falsa inclusão, pois as escolas, de
certa forma, são obrigadas por lei a receber esses alunos, mas não estão
preparadas para desenvolverem um trabalho competente com eles, assim
sendo, o aluno, na maioria das vezes está na escola, mas é como se não
estivesse (Sônia, Caso 1, set./2008).
[...] incluir não tem receita, por isso, a maior dificuldade que vejo é
fazer/possibilitar o avanço dessas crianças cognitivamente (Ana, Caso 1,
set./2008).
A meu ver “incluir” não significa simplesmente matricular o aluno com
necessidades educacionais especiais na sala de ensino regular, ignorando as
suas necessidades [...]. Vejo a inclusão como a possibilidade de se trabalhar
a cidadania, o respeito, a socialização, o direito à igualdade e o aprendizado
com as diferenças [...] a inclusão traz vantagens, favorecendo não só o
desenvolvimento do aluno, a interação com os demais colegas, a autonomia,
bem como melhoria das habilidades profissionais (Flora, Caso 1, set./2008).
A meu ver, a inclusão [...] é excelente, tanto para a criança especial quanto
para os alunos ditos “normais”, pois ambos têm muito a aprender um com o
outro, assim como o docente que vai ampliar seus conhecimentos para
trabalhar com tais crianças especiais (Clara, Caso 1, set./2008).
A partir desses relatos, pudemos detectar que, ao apresentarem visões distintas sobre
o fenômeno da inclusão, estas profissionais tendem a se colocar, ora como partícipes, ora
como expectadoras da situação. Tais atitudes refletem a maneira como a inclusão é concebida
por essas docentes: como produto ou como processo. De acordo com Anjos, Andrade e
Pereira (2009), a inclusão ao ser definida como produto acabado resume-se à sua aceitação ou
não pelas pessoas; enquanto processo, a inclusão representa tentativas, erros e acertos de todas
as pessoas envolvidas. Assim como as autoras, pensamos que esta distinção se faz necessária,
visto que a partir da postura que as professoras assumem perante esta realidade fica
pressuposta ou não a possibilidade de interferir nela.
A idéia de inclusão como produto pode ser percebida, de forma mais contundente,
nos relatos das professoras Dalva e Aline, ao apontarem a falta de condições da escola para
receber esses alunos como fator impeditivo da inclusão, ao invés de um projeto a ser
construído e, do qual, o professor também é parte integrante. Essa atitude, conforme nos
lembra Silva (2008), é representativa da descrença no processo inclusivo de alunos com
necessidades educacionais especiais, pois atribuída ao campo das idealizações e, por isso,
incapaz de ser concretizada na escola tal como hoje se constitui.
De modo semelhante, Sônia também entende que a inclusão desse aluno, no ensino
regular, é uma condição difícil de ser alcançada. A idéia que parece vigorar, em seu discurso,
121
é a de que a inclusão é fruto de um movimento externo aos muros da escola. Por entender a
inclusão como algo que se situa do lado de “fora” da sala de aula, afirma que a mesma, tal
como ocorre, se caracterizaria por uma “falsa inclusão”, isto é, uma situação em que o aluno
está na escola “mas é como se não estivesse”. Nesta perspectiva, inclusão e exclusão, ao
invés de conceitos antagônicos, surgem como faces da mesma moeda, segundo afirma
Lunardi (2001), uma vez que a participação do aluno com necessidades educacionais
especiais em um processo de escolarização junto a outros alunos, não significa estar incluído e
usufruir dos benefícios que supostamente a inclusão proporciona.
Queremos chamar a atenção, ainda, para a afirmação da professora Aline de que
“[...] o caminho, realmente, é incluir essas crianças em uma escola regular”, dando a
entender que a proposta da inclusão representa um elemento de justiça social para com
aqueles indivíduos que, historicamente, tiveram os seus direitos negados. Isso, se somado à
idéia de que a escola não está preparada para atender a esses alunos, demonstra que o
processo de apropriação do ideal inclusivo pelos professores do ensino regular, a exemplo da
professora Aline, é composto de idas e vindas, podendo se mostrar, por vezes, paradoxal. Ou
seja, mesmo acreditando na inclusão enquanto um direito que deve ser assegurado pela escola,
esta professora vivencia um conflito pessoal de modo que ainda não é capaz de se colocar
como parte ativa na busca pela concretização deste processo. Por isso, confirmamos o exposto
por Carvalho (2004b, p. 61), de que não poderá existir uma legítima inclusão escolar, se “[...]
desconsideramos os apelos de nossos professores, aprisionando-os num ideal do qual ainda
não se apropriaram, pois isso leva tempo e é um movimento de dentro para fora”.
Preocupadas com os desdobramentos da proposta inclusiva para a atuação docente,
estas profissionais compartilham a idéia de que a inserção do aluno com necessidades
educacionais especiais na sala de aula regular ocasiona dificuldades para o professor. Estas,
por sua vez, podem estar relacionadas ao sentimento de impotência do docente diante das
próprias limitações (falta de conhecimento, dificuldade de interação com o aluno); e do seu
contexto de trabalho (falta de recursos materiais e humanos, inadequação do espaço físico,
turmas numerosas, etc.); frustração por não conseguir realizar o seu trabalho; etc.
O depoimento da professora Dalva foi selecionado uma vez que possibilita ilustrar
esses aspectos. Nele, é possível perceber que a situação por ela vivida, quando se deparou
com a necessidade de levar uma aluna com paralisia cerebral ao banheiro, colocou-se como
algo inusitado, fugindo às suas atribuições como profissional do ensino. Nesse sentido,
destaca que o aluno com deficiência física ou com alguma outra limitação, poderá requerer
122
Temos vivido uma situação aqui na escola com uma aluna, ela tem Paralisia
Cerebral e usa cadeira de rodas, ela sentiu necessidade de ir ao banheiro e a
gente foi. Nós estamos vivendo [...] uma situação ruim, muito ruim, porque
eu não entendia o que a menina falava, como lidar, porque ela é cadeirante,
então aquela questão de se deslocar. A gente saiu, foi ao banheiro, mas foi
complicado, porque nem eu, nem ela [referindo-se à professora de
Literatura] ficamos com ela diretamente. Uma olhava pra outra pensando
como a gente podia se ajudar. Então, como é difícil trabalhar uma situação
dessas, muito difícil (Dalva, Caso 1, Encontro Coletivo, 12/09/2008).
Chama a atenção, na fala acima, a aflição desta professora por não conseguir atender
à aluna com paralisia cerebral. Por um lado, essa questão nos remete à fragilidade que o
professor sente na sua formação, à falta de treinamento e ao fato de que a presença de uma
dada peculiaridade em sala de aula está a lhe exigir novos conhecimentos e habilidades
profissionais, bem como modificações em sua prática pedagógica, ajustando-se às
necessidades do contexto e da aluna em questão. Por outro, alerta para os estereótipos e
preconceitos comumente destinados às pessoas com deficiência e o cuidado que se precisa ter
para que as diferenças dos alunos não sejam encaradas como entraves à prática docente e, sim,
como um recurso que carece ser valorizado e explorado em benefício de todos (BAPTISTA,
2001).
Ganha relevo, nesta discussão, a demanda do professor do ensino regular por
conhecimento e por um maior apoio em sala de aula. No tocante ao primeiro aspecto, Melo e
Ferreira (2009) afirmam que a obtenção de conhecimentos acerca de determinadas
especificidades representa um elemento importante na desmistificação de representações
equivocadas dos professores em relação aos alunos com necessidades educacionais especiais
inseridos nas escolas comuns, o que poderá ter reflexos positivos para sua atuação
profissional, bem como para a aprendizagem dos referidos estudantes.
Com base em resultados obtidos em sua pesquisa, realizada com professores que
atendem a alunos com deficiência física na Educação Infantil, esses mesmos autores definem
que
A questão do apoio, por sua vez, ecoa na fala das professoras como pré-condição
para que a inclusão do aluno com necessidades educacionais especiais, na escola regular
aconteça. A professora Dalva diz que a vivência com a aluna com paralisia cerebral apontou
para o fato de que o apoio, na escola investigada, ocorre de maneira improvisada e bastante
superficial, por restrições do próprio corpo docente que não dispõe de profissionais
“habilitados” capazes de “lidar com essa situação”. Deixa transparecer, assim, que a escola
vem se mobilizando no sentido de efetuar a matrícula desses alunos, sem, contudo, garantir as
condições necessárias para o atendimento educacional dos mesmos.
Tal aspecto também foi enfatizado na pesquisa realizada por Melo e Ferreira (2009),
na qual os sujeitos investigados atribuíram grande importância aos profissionais da saúde,
sobretudo ao fisioterapeuta, para prestar informações e orientações acerca da condição da
deficiência física apresentada pela criança, uma vez considerado o papel desse profissional
como fundamental na promoção e efetivação da inclusão dessas crianças na escola regular.
Depreendemos, pois, que a demanda por profissionais “habilitados” encontra-se
intimamente relacionada à idéia de que o professor do ensino regular não dispõe dos
conhecimentos necessários para atender aos estudantes com alguma demanda específica,
inseridos nas classes regulares. Sem conseguir enxergar a processualidade da inclusão e da
própria ação pedagógica, a professora Dalva, na continuidade do seu relato, remete-se à falta
de conhecimento como condição fixa e imutável, ignorando o fato de que muitos
conhecimentos são construídos no próprio contexto da prática.
[...] Tem situações que eu não sou capacitada, então, como é que eu vou lidar
com uma necessidade física, psicológica, ou qualquer outra, que não é da
minha alçada. Eu sou professora de Artes, eu não tenho conhecimento para
124
trabalhar com uma pessoa que tem uma limitação neurológica, psicológica,
eu não sou preparada para isso (Dalva, Caso 1, Encontro Coletivo,
12/09/2008).
Ao afirmar que os alunos com necessidades educacionais especiais não são da sua
“alçada”, a professora demonstra sua tendência em deslocar a responsabilidade a outros
profissionais, trazendo implícita a idéia de que a aprendizagem destes educandos ocorre por
processos diferenciados, o que, supostamente, requer métodos e técnicas especializadas, além
de conhecimentos que estão fora do seu alcance. Mantoan (2002), por sua vez, atenta para o
fato de que o trabalho com esses alunos prescinde de técnicas e métodos, necessariamente
diferentes dos que já são empregados nas escolas, sugerindo que ensinar na perspectiva
inclusiva, ao invés de individualização/diferenciação para alguns, implica em uma
reorganização geral da prática pedagógica, empregando estratégias capazes de atender a
todos.
Essa questão torna-se bastante delicada, haja vista que a existência de dispositivos de
apoio, sobretudo aqueles ditos “especializados”, pode servir para alavancar a inclusão, ou,
ainda, servir de “desculpa” para o eterno despreparo da escola, de modo que esta nunca
chegue a ocorrer de forma plena, criando, assim, uma linha divisória muito tênue entre os
processos geradores da inclusão e da exclusão de determinados alunos na sala de aula.
Em meio a esse cenário, procuramos chamar a atenção do grupo participante da
pesquisa, para o fato de que receber apoio não é o mesmo que transferir responsabilidades,
pois, como bem afirma Rodrigues (2008, p. 11), na perspectiva da promoção da educação
inclusiva, “[...] o professor com todo o conjunto de competências e experiências que tem é
certamente o principal recurso em que a Educação Inclusiva pode se apoiar”.
Parece fundamental, portanto, que a escola, enquanto instituição, “acorde” para a
inclusão, indo além das questões de ingresso e de acessibilidade do aluno com necessidades
educacionais especiais, buscando formas que permitam qualificar a sua permanência no
ensino regular. Este acordar da escola, segundo Moreira (2004), é complexo, pois a passagem
para a inclusão significa mudança na dinâmica institucional e em cada um de nós,
reconhecendo que todos, professores, alunos, funcionários e comunidade em geral são, de
alguma forma, co-sujeitos desse processo, o que conduz, invariavelmente, à uma outra forma
de ver a inclusão, concebida, então, como processo.
A concepção de inclusão como processo, por sua vez, pode ser abstraída do relato da
professora Ana, ao afirmar que para incluir não existe receita e que o ensino inclusivo é
125
aquele que visa “[...] possibilitar o avanço dessas crianças cognitivamente”. Isso revela, não
obstante, o compromisso da professora para com a aprendizagem do aluno, indicando uma
visão de inclusão como algo que vai além da socialização, e que diz respeito, também, aos
aspectos de ordem cognitiva, evidenciando a necessidade de promover a aprendizagem desses
alunos, independente de suas características.
Flora e Clara parecem compartilhar desta visão, ao apontarem que a inclusão, em
seu decurso, traz benefícios para todos os envolvidos nesse processo, porque promove, entre
outros aspectos, a interação e a troca de saberes entre os pares. Acreditam, ainda, que a
convivência com as diferenças contribui para dirimir atitudes preconceituosas e para
construção de relações assentadas em valores como o respeito e a solidariedade. Para
Karagiannis, Stainback e Stainback (1999), as vantagens de se incluir alunos com
necessidades educacionais especiais na classe regular são inquestionáveis e vão, desde o
progresso no desenvolvimento do próprio aluno, como na melhoria das habilidades
profissionais.
Inicialmente as professoras destacam os benefícios da inclusão para o aluno com
necessidades educacionais especiais, na medida em que este passa a conviver com os colegas,
revertendo-se em ganhos sociais, afetivos e cognitivos. Também destacam os benefícios da
inclusão para os demais alunos, que passam a reconhecer e valorizar as diferenças. Sobre isso
a professora Flora aponta que “[...] a presença desses alunos com os demais, em ambiente de
sala de aula do ensino regular é de fundamental importância, pois constatamos, na prática, que
o contato com eles desperta valores e a turma torna-se mais cooperativa e humana”.
Nestas circunstâncias, a inclusão surge como uma resposta ao próprio desafio que ela
impõe, de mudança no modo de ver e de se relacionar com as pessoas que tem alguma
deficiência. Sobre isso a professora Clara, na continuidade do seu discurso, expressa a
possibilidade da inclusão contribuir para a superação de atitudes tais como: “[...] a
discriminação por diversas pessoas, a falta de esclarecimento por parte de familiares, de como
melhor agir em determinadas situações”. Esse aspecto corrobora com o anteriormente
exposto, ao mencionarmos reações comuns entre os profissionais da educação, as quais
indicam que as barreiras atitudinais ainda estão muito presentes no contexto escolar, sendo
motivo de preocupação para esta professora.
Além do que já fora mencionado, estas professoras afirmam que a inclusão escolar
vem contribuindo para a melhoria de sua ação pedagógica, e para a aquisição e ampliação de
seus conhecimentos profissionais. Situam que a convivência com esse aluno se reverte em
126
Enquanto professora, aprendi muito mais com todos meus alunos do que
realmente ensinei e tudo que aprendi me valeu para conhecer o verdadeiro
mundo e pude perceber tudo o que ele nos oferece, além de rever alguns
conceitos e práticas e crescer como pessoa. Passei a respeitar ainda mais os
seres humanos e compreender as individualidades, tornando-me uma pessoa
melhor, mais humana e mais paciente (Clara, Caso 1, set./2008).
especiais, a professora Célia procura utilizar estratégias que facilitem a aprendizagem pelo
aluno: “[...] peço que sentem na frente os que apresentam problemas de concentração, não
exijo que copiem tudo para os extremamente dispersos mas só um pouco e tento ajudar com o
resto da cópia, coloco recados de incentivo no caderno, converso com a família pedindo que
apóiem os estudos em casa”.
Percebemos que, a partir da análise e discussão em torno das dificuldades e desafios
que a professora Adriana enfrentou ao receber uma aluna com Síndrome de Down em sua sala
de aula, as professoras participantes da pesquisa puderam refletir sobre as próprias limitações
e dificuldades oriundas do cotidiano de trabalho em turmas com alunos incluídos, bem como
o que é preciso e o que têm feito para superá-las. Demonstram, com isso, que não estão
alheias às implicações da inclusão para a sua prática, assumindo, para si, parte da
responsabilidade pela tarefa de educar esses alunos.
É certo, pois, que a inclusão representa, para as professoras deste estudo, um grande
desafio a ser enfrentado, englobando condições físicas e materiais existentes nas escolas,
assim como, atitudes e comportamentos, apontados como dificuldades a serem superadas de
modo a facilitar não apenas o acesso da criança com necessidades educacionais especiais à
escola, mas também, a sua aprendizagem.
Assim, se por um lado, a inclusão parece ser motivo de resistência e engessamento
docente, por outro, ela vem representando elemento que serve para impulsionar a melhoria e o
aprimoramento das práticas escolares. Ou, como bem afirma Eizirik (2001), trabalhar com o
diferente coloca o professor na condição de quem, ao lidar com o “desafio da dificuldade”
está sempre se refazendo e se reconstruindo, produzindo assim, novos sentidos e realidades
acerca do seu ensino.
Vimos, até aqui, que a inclusão impõe novas exigências aos professores do ensino
regular, ampliando a complexidade da docência. Com isso, passam a questionar a sua
formação, bem como o que é preciso saber e fazer para ensinar alunos com necessidades
educacionais especiais inseridos em classe regular. Logo, esta realidade sugere o desafio
posto a esses profissionais que precisam aprender a trabalhar com esse novo grupo de
indivíduos que acorre à escola.
128
Perante esse cenário, ser professor implica ter a consciência de que a formação é algo
contínuo e processual, que estamos sempre aprendendo com o outro e com as situações que se
apresentam, dentre elas, a inclusão. Ou, conforme afirmam Jesus e Gobete (2006, p. 6): “[...]
trata-se, portanto, de uma nova forma de estar na profissão entendendo que a
imprevisibilidade e a mudança constantes dos contextos de atuação exigirão dos profissionais
da escola uma formação ao longo da vida”.
Nesse sentido, a análise do primeiro caso de ensino contribuiu para que as
professoras colaboradoras refletissem, individual e coletivamente, sobre o caráter de
continuidade da aprendizagem da profissão e sobre a dimensão formativa da escola, local em
que a prática acontece. Permitiu, por essa via, problematizar o tipo da formação destinada ao
educador para atuar em uma perspectiva inclusiva considerando, não obstante, a concepção de
formação aí implicada. Trechos de seus registros retratam as análises feitas pelas professoras
sobre seus processos de aprender a trabalhar com alunos com necessidades educacionais
especiais, e apontam, de modo geral, que a aprendizagem da docência não se encerra no curso
de formação inicial, ocorrendo ao longo da carreira, inclusive no próprio local de trabalho, na
interação com os colegas e com os alunos. A formação, assim, constitui-se um processo
análogo de construção de si do sujeito, no qual, o professor mobiliza e constrói saberes que
servem de subsídio para sua atuação profissional.
Tais aspectos são evidenciados nos relatos das professoras deste estudo que, ao
analisarem seus processos de desenvolvimento profissional, se dizem despreparadas para o
trabalho com a inclusão, admitindo a existência de lacunas em sua formação. Nesse sentido,
consideram que muito da aprendizagem docente ocorre na prática de sala de aula, na
convivência com o aluno com necessidades educacionais especiais, conforme fragmentos
abaixo:
conhecimentos nesta área. Observamos, assim, um movimento em que ela procura fazer a
relação entre a prática de sala de aula e a teoria, num caminho inverso àquele usualmente
proposto nos cursos de formação: “Diante dessa nova experiência fui obrigada a refletir sobre
a minha prática e buscar fundamentação teórica para poder ajudar as crianças”. Isso reafirma
o aspecto anteriormente exposto de que a convivência com os alunos representa um fator de
aprendizagem e de melhoria da prática docente.
Além das fontes de saberes já mencionadas, tais como: a relação com os alunos, as
trocas com os colegas, os livros, os cursos e a própria prática, ao analisarem seus processos de
desenvolvimento profissional, as professoras dão indícios para pensarmos no tempo como
fator que exerce influência sobre o processo de aprender a trabalhar com a inclusão. Para
Tardif (2002, p. 20), o saber docente é temporal por ser construído de modo processual, ao
longo da carreira. Nesse sentido, afirma que “[...] ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja,
aprender a dominar progressivamente os saberes necessários a realização do trabalho
docente”. O tempo contribui, segundo esse autor, para a constituição da identidade
profissional do professor. Assim, destaca que “[...] a dimensão temporal do trabalho, isto é, a
experiência da prática da profissão numa carreira, é crucial na aquisição do sentimento de
competência e na implantação das rotinas de trabalho” (p. 107).
Considerando tal perspectiva, nota-se que, com o tempo e a experiência adquirida, há
uma tendência dessas professoras de se sentirem mais seguras para realizar o trabalho com
alunos “incluídos” em suas salas de aula, conforme relata Ana, ao considerar que sua
experiência anterior influencia o modo como exerce a docência na atualidade: “[...] a sensação
que tenho é que, a cada ano, as experiências vivenciadas me capacitam/encorajam ainda mais
e me instigam para novos aprendizados”.
Apesar de evidenciarem a prática como fonte principal de aprendizagem e produção
de saberes, os conhecimentos adquiridos na academia e as questões teóricas também foram
enfatizadas pelas professoras do estudo. Nesse sentido, Ana ressalta a importância dos cursos
de formação inicial para o seu processo de aprendizagem da docência, destacando a relação
entre teoria e prática como necessária para o desenvolvimento do seu ensino. Destaca, ainda,
que o momento da aula é dinâmico, no qual teoria e prática se complementam a todo instante.
Acredita que é na relação pedagógica que os conhecimentos aprendidos nos cursos de
formação são validados ou não, indicando quais práticas, atitudes e metodologias são mais
adequadas para cada situação. A prática, portanto, provoca um movimento de retomada crítica
dos saberes adquiridos em outras instâncias, à exemplo da formação profissional. Ou, como
bem afirma Tardif (2002, p. 53): “Ela filtra e seleciona os outros saberes, permitindo assim
131
aos professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-los e, portanto, objetivar um saber
formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo de validação constituído
pela prática cotidiana”.
Sobre isso vale reproduzir a seguinte análise:
A universidade, sem dúvida, foi a maior responsável por tudo que aprendi
para que pudesse me tornar professora. A prática da sala de aula e o dia-a-dia
na escola estão sendo minha segunda universidade, pois aliado ao
conhecimento da graduação e Pós-Graduação, tenho melhorado minha visão,
adquirido mais experiência e, consequentemente, me tornado uma professora
melhor (Aline, Caso 1, set./2008).
Os relatos acima indicam a influência do curso de graduação como uma das fontes de
aprendizagem docente, mas não a única. A percepção de que o curso de formação inicial não
dá conta da complexidade que caracteriza a aprendizagem da docência, leva essas professoras
a uma reflexão quanto à importância de continuarem buscando e construindo, no cotidiano da
profissão, os conhecimentos necessários para o ensino. Sobre isso, Clara destaca a
importância do docente estar sempre “[...] em busca de novos conhecimentos, para que se
possa encontrar saídas para determinadas situações” tendo a consciência “de que jamais
termina a aprendizagem de qualquer ser humano e muito menos de um professor”. Célia
defende que “[...] é impossível ensinar e nada aprender [...]. Por isso que a aprendizagem da
docência não acaba jamais”. Dalva compartilha dessa visão ao afirmar: “[...] onde termina a
132
Com base nesses fragmentos, podemos inferir que as professoras têm a compreensão
de que o processo de aprendizagem da docência é gradual e contínuo, e exige abertura e
disponibilidade para aprender, para adaptar-se às exigências da escola contemporânea, dentre
elas, a inclusão. É representativa, nessa discussão, a demanda por uma formação continuada
na qual figure a dinamização de espaços de discussão coletiva, de temas ou de casos
existentes nas escolas. Sobre essa questão outra professora enfatiza:
133
Enquanto professora, aprendi muito mais com todos meus alunos do que
realmente ensinei [...] e pude rever alguns conceitos e práticas e crescer
como pessoa. Contudo, há necessidade de sempre estar trocando
experiências, se reciclando e lendo para sanar situações que possam surgir
no cotidiano escolar (Clara, Caso 1, set./2008).
saber: “E agora? O que vou fazer?”; “Do conhecimento do aluno à sua inclusão”;
“Relatando um caso de inclusão no ensino regular”. O estudo dos referidos casos permitiu
que as professoras refletissem sobre diversos aspectos relacionados ao ensino de alunos com
necessidades educacionais especiais, colocando-se no lugar das protagonistas das situações
relatadas, expondo suas próprias formas de atuação, além de concepções sobre o ensino,
avaliação, professor, aluno, estratégias pedagógicas, entre outros.
Com isso, tivemos condições, enquanto pesquisadores, de nos aproximarmos dos
conhecimentos valorizados pelas professoras participantes da pesquisa no desenvolvimento de
uma prática inclusiva. Assim, procuramos sistematizar os conhecimentos sinalizados pelas
mesmas, considerados essenciais para o atendimento educacional de alunos com necessidades
especiais.
Parte desses conhecimentos advém de experiências anteriores ao ensino e outros,
ainda, são construídos e formalizados no exercício profissional. Trata-se de um conjunto de
conhecimentos que pode servir como uma referência ao perfil do profissional do ensino para
atuar em uma perspectiva inclusiva, lembrando que estes, embora sejam apresentados na
forma de categorias, se inter-relacionam a todo instante na prática docente, de modo que não é
possível considerá-los isoladamente.
Fica patente que essas professoras, ao se depararem com um aluno que foge ao
denominado “padrão da normalidade”, sentem-se despreparadas e inseguras, sem saber por
onde andar em sua prática pedagógica, de modo a ir ao encontro das necessidades de todos os
seus alunos. Isso nos leva a pensar que mesmo aquelas profissionais preocupadas com a
aprendizagem de seus alunos, na incerteza de como lidar com as diferenças em sala de aula,
mantêm sua prática inalterada, conforme afirmou Sônia, face às características do seu
alunado.
Isso revela, não obstante, a dificuldade da escola, a exemplo de outras instituições de
ensino, em lidar com alunos que, por algum motivo, diferem do socialmente instituído,
requerendo apoios específicos para avançar em sua aprendizagem. Acreditamos que, na escola
investigada, ainda está presente a concepção de deficiência atrelada à questão da
anormalidade, do desvio, resultando em uma visão estereotipada do aluno que a possui,
considerado, em geral, como: agressivo, sem limites, incapaz, dependente, desinteressado,
sendo assim tratado no cotidiano escolar.
[...] Por ser uma criança agressiva [referindo-se à uma aluna com
deficiência], não era bem aceita pela turma, pois batia nos colegas, riscava e
rasgava as atividades (Flora Caso 2, set./2008).
Eu tenho uma criança agora, no 2º ano, que não tem nenhum problema
diagnosticado, ele é apenas uma criança sem limites. Quando eu entrei na
turma, a primeira coisa que as crianças disseram foi “hoje Vitor não veio,
hoje vai ser tranqüilo” (Ana, Caso 2, Encontro Coletivo, 30.09.2008).
Sou professora de Artes. Sinto que alguns alunos até querem fazer a
atividade, mas não conseguem devido a sua limitação (Dalva, Caso 2,
set./2008).
137
[...] uma experiência que considero fracassada, foi com Luis, pois acho que o
mesmo perdeu o interesse e a motivação para freqüentar a escola já que
nunca mais apareceu alegando estar doente (Clara, Caso 2, set./2008).
Nas primeiras falas, Flora e Ana deixam transparecer a idéia de que a falta de
informação sobre alunos com necessidades educacionais especiais, com ou sem diagnóstico
de alguma deficiência, favorece a perpetuação dos estigmas e preconceitos presentes no senso
comum também entre as gerações futuras. Já o discurso da professora Dalva mostra que o
foco recai sobre as limitações do indivíduo, ao invés das possibilidades de intervenção no seu
contexto de escolarização, reforçando o estereótipo de incapacidade a ele atribuído. Clara,
por sua vez, demonstra o desconhecimento acerca das condições do aluno, quando menciona
o suposto desinteresse do mesmo como fator preponderante de seu afastamento da escola, sem
considerar as causas de sua desmotivação para continuar frequentando as aulas.
Uma das considerações a que se pode chegar com esses depoimentos é a de que os
significados atribuídos à deficiência, pelas professoras, guardam relação com a percepção
acerca das dificuldades do aluno com necessidades educacionais especiais frente às
solicitações do meio escolar. Notamos, com isso, pouca clareza sobre as diferenças dos alunos
e de como lidar com elas no âmbito da sala de aula o que acaba por legitimar a supremacia da
deficiência sobre as demais características do indivíduo, negando a ele, qualquer possibilidade
de mudança.
Autores como Marques (2001) e Ribas (1994) enfatizam que a percepção acerca das
diferenças tem a ver com os valores culturais que definem o lugar ocupado pelos indivíduos,
no grupo social no qual está inserido. Também a escola, ao incorporar os valores vigentes,
define um protótipo de aluno ideal, calcado em um padrão de normalidade. Assim, tudo que
se afasta do padrão esperado, caracteriza o desvio, o anormal, o estranho, o diferente.
Segundo Marques (2001), essa é uma tendência na atual sociedade moderna marcada pelo
desejo do normal, que implica na criação da categoria da anormalidade, estabelecendo o
antagonismo normal versus anormal. No caso da pessoa com deficiência, esta carrega consigo
a marca da diferença, sendo estigmatizada17, uma vez que não corresponde à norma instituída,
de sujeito produtivo/eficiente. Nesse ínterim “ser “deficiente”, antes de tudo, é não ser
“capaz”, não ser “eficaz” (RIBAS, 1994).
17
O termo estigma, segundo Goffman (1988), foi criado pelos gregos simbolizando uma marca corporal que
indicava a depreciação moral da pessoa que a possuísse. Desse modo, cada grupo social utiliza-se dessas
“marcas” como forma de classificar as pessoas em categorias específicas e, geralmente, desacreditadas.
138
Retomando essa questão, podemos dizer que a escola, desde a sua criação, e ao longo
de sua existência, sempre estabeleceu critérios no intuito de definir o grupo dos escolarizáveis
e dos não escolarizáveis, ou seja, dos que podem e dos que não podem estar nela, de modo
que aqueles que não se “encaixam” na sua estrutura devido às suas peculiaridades são vistos,
não raro, como indesejáveis. O que há, nesse sentido, é uma naturalização dos processos de
exclusão, pois como bem afirma Veiga-Neto (2001, p. 117), a norma exclui “[...] sem que
essa exclusão implique um juízo prévio de natureza [...]. Ela tem as suas exigências. Naturais
nunca, sociais sempre”.
Tal aspecto fica bastante evidente no momento em que a professora Dalva discorre
sobre a idéia de que ao aluno “especial” caberia um ensino igualmente “especial”, e que o
melhor seria encaminhá-lo para a escola especial, como o único lugar possível para ele,
contribuindo para a perpetuação de estereótipos e preconceitos ainda vigentes nas escolas.
Essa fala provoca uma reflexão sobre a idéia de que o lugar do aluno com
necessidades educacionais especiais é fora da escola regular (FERREIRA; FERREIRA,
2004), denunciando, não obstante, a visão negativa e parcial que se tem dessas pessoas,
concebidas como aquelas que precisam se ajustar para poder estar na escola e não o seu
contrário, como prevê a inclusão.
É possível afirmar, ainda, que conceitos enviesados sobre a condição peculiar de
determinados alunos, acabam por produzir um quadro de indiferença às singularidades
próprias de cada sujeito, em que, não raro, “[...] o indivíduo não é alguém com uma dada
condição, é aquela condição específica e nada mais do que ela” (AMARAL, 1998, p. 17).
Portanto, a imagem que o professor faz do aluno influencia nas expectativas a ele
direcionadas, afetando, sobremaneira, a forma de educar e de se relacionar com este
educando. Isso significa dizer que o docente, ao ver o aluno como inapto para estar na escola
assim o rotula, o que pode trazer consequências negativas a sua aprendizagem criando um
139
Percebemos, com essas análises, que pensar no aluno com necessidades educacionais
especiais – suas especificidades e características – implica considerá-lo em sua totalidade e,
no caso da pessoa com deficiência, ver para além desta. A construção da deficiência, nessa
perspectiva, tem uma estreita relação com as condições e/ou oportunidades vivenciadas pela
pessoa que a possui, de modo que a compreensão acerca desse fenômeno implica reconhecer
os fatores a ele relacionados, sejam estes pertencentes ao entorno social ou advindos do
próprio indivíduo.
141
inclusiva. Afinal: até que ponto o desejo do diagnóstico reflete a intenção do professor de
realizar um trabalho, visando o desenvolvimento das capacidades e potencialidades do aluno
com necessidades educacionais especiais?
Frente a tal questionamento, a professora Célia assim se manifesta:
É que parece assim, que o diagnóstico é a porta de saída serve pra validar o
fato do aluno... se o aluno tem diagnóstico, está validado que ele não
aprende, então eu vou me isentar disso [...] até por uma questão de defesa
nossa que somos obrigados a assumir um papel na educação pro qual a gente
não foi preparado, estamos sendo preparados no processo (Célia, Caso 3,
Encontro Coletivo, 02/10/2008).
Por meio desta fala, a professora parece alertar para o fato do diagnóstico ser
tomado, muitas vezes, de forma acrítica pelos profissionais da escola, servindo para legitimar
a incapacidade do aluno e isentar o professor de sua responsabilidade no seu processo de
escolarização. Ou seja,
sala de aula, planejando e organizando situações de ensino condizentes com a sua condição.
Logo, o diagnóstico representa um primeiro passo ou mais um elemento na busca por
conhecer esse educando, em que o professor, apoiado nas informações nele contidas, poderá
engendrar estratégias de intervenção na prática pedagógica.
Essa compreensão é de fundamental importância ao professor da classe regular. Ou
seja, é preciso que o professor tome esse diagnóstico como algo inconcluso/incompleto
atentando para o fato de que ele não irá garantir todas as informações/esclarecimentos sobre a
condição do educando, tornando-se necessário que o professor, a partir desse diagnóstico,
continue buscando o conhecimento sobre o aluno, seja no cotidiano escolar, seja com
familiares ou até mesmo com outros profissionais que o acompanham. Pois, como afirma
André (2006), o diagnóstico é apenas uma etapa do processo e não um fim em si mesmo,
sendo necessário interpretá-lo de modo a prover medidas de intervenção/corretivas.
Nota-se, contudo, que, na ausência desse diagnóstico, o aluno surge como uma
verdadeira incógnita para o professor que apresenta dúvidas sobre quem é o aluno com
necessidades educacionais especiais, que necessidades seriam essas e como lidar com elas em
sala de aula. Isso ficou evidente nos diversos momentos em que as participantes desta
pesquisa se reportaram àqueles alunos que não tinham um “diagnóstico fechado”, mas que por
seu padrão comportamental (inquieto, agressivo, calado, apático, distraído, etc.) induziam
essas profissionais a pensar que se tratava de um aluno com “necessidades educacionais
especiais”.
Esse aspecto nos remete à discussão, mais uma vez, sobre qual concepção de
deficiência que se tem, haja vista que essa vem se alterando ao longo dos tempos, não se
apresentando de forma homogênea. Tal dúvida foi discutida, basicamente, à luz de dois
modelos distintos de deficiência: o modelo médico e o modelo social. No modelo médico a
deficiência é concebida como patologia, havendo uma supremacia dos fatores orgânicos,
entendida, pois, enquanto doença que deve ser tratada a fim de que o indivíduo consiga se
integrar ao ambiente em que vive. Sassaki (1997) pontua que o modelo médico serve, ainda
hoje, de critério definidor do “normal” e do “patológico”, o que vem dificultando a aceitação
dessas pessoas pelos demais membros da sociedade e a eliminação de barreiras físicas e
atitudinais que, muitas vezes, impedem que as pessoas com deficiência usufruam de seus
direitos como cidadão. Já no modelo social a deficiência é considerada como uma categoria
socialmente construída. Desse modo, Sassaki (1997) argumenta que para compreender o
fenômeno da deficiência, não se pode considerá-lo como sendo particular e exclusivo do
indivíduo que a possui, cabendo ao meio produzir os mecanismos para atender às suas
144
De tal modo, já é possível perceber por parte de algumas docentes, que o termo
“necessidades educacionais especiais” é utilizado para definir um grupo mais amplo de
pessoas, não se restringindo àquelas que apresentam deficiências. Nesse sentido, destacamos,
mais uma vez, a fala da professora Liana, representativa de muitas outras nesse estudo:
[...] nós temos alunos que não são diagnosticados, mas que podem ter
alguma deficiência, que por algum motivo não aprendem, eles podem ter
146
Esta foi uma situação impar em nosso estudo, pois, até então, a professora não tinha
clareza do nível de compreensão desse aluno, talvez por associá-la à sua condição (de ter
paralisia cerebral), e o seu comprometimento motor à sua capacidade cognitiva.
147
[...] até então, Luis ficava ali na sala e eu tinha ele como assim, não
aprendeu, e não ia aprender. Aí, depois que eu conversei com você
[referindo à pesquisadora] eu comecei a fazer atividades com ele, [...] sentar
18
com ele [...] mas tudo depois que você falou isso , porque nessa parte
cognitiva eu pensei que ele não conseguiria (Clara, Caso 3, Encontro
Coletivo, 02/10/2008).
Essa fala nos reporta à idéia de que para compreender a deficiência, não basta olhar
para o indivíduo que a possui, buscando em seu organismo ou em seu comportamento,
atributos ou propriedades, que possam ser identificados como sendo a própria deficiência ou
algum correlato. É preciso olhar para o contexto que, com seu sistema de crenças e valores,
trata de identificar quem é ou não deficiente (OMOTE, 1996).
Na esfera educacional isso significa que as dificuldades de aprendizagem podem
estar associadas a fatores que extrapolam a questão orgânica propriamente dita. Ou seja, as
dificuldades dos alunos não estão ligadas apenas a fatores intrínsecos, mas também, aos
fatores externos, do próprio contexto escolar. Assim, as dificuldades poderão ser acentuadas
ou atenuadas, em razão dos estímulos e das condições oferecidas pelo meio, colocando, ou
não, a pessoa em situação de deficiência.
Essa discussão suscitou os conhecimentos das professoras sobre o aluno com
necessidades educacionais especiais, dando a entender que se trata de indivíduos cujas
especificidades precisam ser aceitas e atendidas pela escola, sem que isso implique qualquer
prejuízo à natureza e à extensão da deficiência que venham a apresentar, bem como
ingenuamente, acreditar que a simples mudança terminológica “[...] signifique o fim de
representações depreciativas e estigmatizantes dessas pessoas” (MOREIRA, 2004, p. 27).
Logo, as dúvidas e indagações aqui cogitadas demonstram que o trabalho ora
iniciado não dá conta do desmonte de muitas das representações em torno da deficiência,
sugerindo que este é um processo árduo e prolongado. No entanto, é uma, dentre tantas
iniciativas em voga, que tratam de reafirmar que nosso esforço em prol da inclusão desses
alunos no ensino regular não é em vão.
Assim, se por um lado, ainda nos deparamos com a existência de visões
estereotipadas em torno dos alunos com necessidades educacionais especiais na escola,
também encontramos profissionais dispostos a rever suas posturas, ressignificando-as.
Acreditamos que é justamente nesse movimento que reside a possibilidade de mudança por
18
Referindo-se às diversas intervenções da pesquisadora/formadora ao longo de todo o processo formativo, no
sentido de chamar a atenção do grupo sobre o papel do professor no processo de ensino-aprendizagem, face à
atual política inclusiva.
148
[...] o que precisa saber para ser um professor, conhecimentos que eu preciso
ter para ser professor, eu peguei isso, primeiramente, de uma forma geral,
não só para crianças com necessidades educacionais especiais. Eu acho que
os conhecimentos que a gente precisa ter para ser professor, em primeiro
lugar é conhecer o como que você vai trabalhar porque, como já foi
colocado aqui, cada aluno manifesta um comportamento diferenciado [...].
Em segundo lugar o professor precisa ter o domínio do conteúdo, [...] é
aquela questão do conhecimento teórico, científico. [...] além da gente ter a
consciência do que precisa ser aprendido pelo aluno naquele momento,
naquela fase, naquela faixa etária, nós precisamos saber nos comunicar com
cada um deles, porque tem aluno que só compreende de uma determinada
forma, tem outro que tem que ser de uma forma um pouco mais agressiva,
tem outro que é mais assim, e, por último, eu acho que pra ser professor a
149
gente tem que saber avaliar, avaliar se a nossa forma de conduzir as coisas
com aquela turma... eu, por exemplo, venho de duas realidades bem
diferentes, [...] muitas coisas que eu aplico aqui não funcionam na outra
escola, apesar de serem os mesmos conteúdos, um arremesso, por exemplo,
mas os alunos de lá, eu tenho que ter um outro tipo de estratégia, de postura
frente à eles, porque são alunos muito mais agressivos, muito mais
desinteressados, então assim, o conhecimento e a forma de a gente colocar
esse conhecimento, a gente tem que adaptar de acordo com a necessidade.
Eu acho que, basicamente, é isso que um professor precisa saber. É o
“basicamente” que envolve muita coisa (Aline, Caso 4, Encontro Coletivo,
05/11/2008).
Neste episódio, a professora demonstra que realizou uma leitura da situação, o que
lhe possibilitou adequar a sua prática pedagógica às especificidades da aluna, articulando
diversos conhecimentos no momento de ensinar. O olhar atento da professora para a condição
peculiar da aluna e do seu contexto de atuação foi fundamental para essa reorientação na sua
prática. A partir do momento em que a professora seleciona estratégias e materiais, no intuito
de tornar o conhecimento acessível à aluna, ela confirma o entendimento de Shulman, L.
(1986) ao considerar que o conhecimento pedagógico do conteúdo é um tipo de conhecimento
que se refere à compreensão do professor do que pode facilitar ou dificultar o aprendizado de
um conteúdo específico pelo educando, tornando-se, assim, capaz de criar oportunidades
adequadas à aprendizagem de cada um.
Ao analisar o episódio apresentado por Flora, podemos considerar que ela
flexibilizou sua ação, adequando atividades, instrumentos e materiais, além de valorizar o
trabalho em parceria entre os alunos, de modo a atender as necessidades da aluna com
Paralisia Cerebral, processo no qual ela pôde transformar conhecimentos em ensino. Nesse
151
Trata-se de uma situação vivida com a sua turma do 2º ano do Ensino Fundamental
em que, ao trabalhar um determinado conteúdo, nesse caso, formas geométricas, a professora
procurou envolver seus alunos em atividades com algum sentido para eles, facilitando a
aprendizagem dos estudantes. Partindo dos conhecimentos prévios dos alunos sobre o
conteúdo abordado, ela busca articular estratégias de ensino que valorizem questões do
cotidiano, presentes em sala de aula, o que demonstra sua preocupação em não trazer o
conhecimento pronto, privilegiando a construção coletiva do mesmo. Com isso, ela evidencia
que a sua prática é guiada por uma concepção de ensino e aprendizagem calcada na
concepção de aluno como partícipe deste processo, digno de confiança na sua capacidade de
aprender e construir o próprio conhecimento, a partir da interação com os objetos e com o
meio.
152
Em suas análises, Ana também enfatiza que para poder avançar no ensino dos
conteúdos procura “[...] sondar a história de vida daquela criança (se possível com a família) e
conhecer as principais potencialidades e dificuldades daquele aluno” (Caso 4, Nov./2008).
Assim, em outro exemplo, ela descreve como abordou um conteúdo de português, a fim de
favorecer a aquisição da escrita pela turma toda e por Rafael que, segundo ela, apresentava
dificuldades mais acentuadas que os demais, precisando de uma estratégia diferenciada para
aprender.
Isso confirma que “[...] o ensino superior em termos de formação inicial não garante,
por si só, o domínio satisfatório dos conceitos básicos envolvidos com as diferentes áreas do
conhecimento e tampouco o conhecimento de como ensinar tais conceitos de forma que os
alunos aprendam” (MIZUKAMI, 2008, p. 390). A autora complementa que a existência de
políticas de formação implicadas com os processos de aprendizagem da docência em
diferentes contextos, poderia representar uma alternativa a esse impasse, competindo à
universidade possibilitar a continuidade dos processos formativos dos professores durante
suas trajetórias profissionais, o que contribuiria para a construção/ampliação deste e de outros
conhecimentos profissionais.
Seguindo esta lógica, Sônia acredita que ainda precisa aprender a trabalhar com
educandos com necessidades educacionais especiais, sinalizando a importância da prática na
construção do conhecimento pedagógico de conteúdo e, no caso da inclusão, aponta a
vivência no cotidiano com esses alunos como fonte de aprendizagem. Apesar de ter
154
experiência anterior com a inclusão, se sente bastante insegura e, até mesmo, frustrada em
relação à sua atuação junto a uma aluna com Síndrome de Asperger, matriculada em sua sala
de aula, afirmando:
[...] ainda estou na busca por aprender e o pouco, mas o pouco mesmo que
aprendi por incrível que possa parecer, aprendi com as experiências que tive
com esses alunos tão especiais. E se querem saber, sinto-me na maioria das
vezes frustrada com relação a minha atuação nesses momentos porque quase
sempre fico sem saber como agir diante das dificuldades que se apresentam
(Sônia, Caso 3, out./2008).
Quando solicitada a descrever o modo como ensina seus alunos com necessidades
educacionais especiais, esta professora demonstra disposição para enfrentar desafios, no
exercício da prática, na medida em que objetiva sair do lugar comum de “incapacidade”, no
qual, muitos profissionais vêm se colocando quando o assunto é a inclusão. Tal atitude
mostra-se fundamental para a constituição de um novo perfil profissional, buscando, por meio
de um processo de reflexão crítica de sua atuação, construir os conhecimentos e as habilidades
necessárias para lidar pedagogicamente com as demandas desse alunado.
Não encontramos, em seus relatos, dados suficientes para analisar seu conhecimento
pedagógico do conteúdo. Seria interessante que esta professora conseguisse perceber a
importância dos pares para o seu processo de aprendizagem docente, da reflexão sobre a
prática e do compartilhamento de experiências para a explicitação deste e de outros
conhecimentos que, seguramente, estão na base de sua atuação.
A partir do relato de Dalva, que trabalha com a disciplina de Artes, é possível
verificar que o seu conhecimento pedagógico do conteúdo também vem sendo construído na
prática, embora nem sempre demonstre ter consciência disso. Isso fica evidente no momento
em que a professora afirma que para ensinar não há receita, que cada profissional tem um
155
Embora afirme utilizar várias estratégias que poderiam favorecer a aprendizagem dos
alunos, inclusive daqueles que apresentam necessidades educacionais especiais, a professora
parece não perceber que estas podem criar novas possibilidades para rever sua atuação junto
aos mesmos. Isso pode estar relacionado a uma atitude pessoal, de resistência, uma vez que se
sente desconfortável com a situação, não se mostrando disposta a enfrentá-la.
Seus relatos nos levam a crer que essa professora não tem procurado contemplar os
alunos com necessidades educacionais especiais no planejamento e desenvolvimento de suas
aulas. Isso corrobora com a visão de Aisncow (1997), ao afirmar que os professores, por
acreditarem que é mais difícil ou até mesmo impossível trabalhar com os alunos ditos
“especiais” no ensino regular, tendem a ignorar vastas oportunidades de aprendizagem e de
aperfeiçoamento das práticas pedagógicas. Assim, é de se pensar que a efetivação de um
156
ensino inclusivo passa por uma questão de aceitação do professor em trabalhar e aprender
com as diferenças de toda ordem, que os alunos apresentam.
Por outro lado, ao falar de seu ensino, a professora Aline demonstra que trabalhar
com alunos com necessidades educacionais especiais tem representado um verdadeiro
aprendizado para ela, e que a experiência com esses alunos, aliada aos conhecimentos teóricos
adquiridos na formação inicial, vem contribuindo para que se torne uma professora melhor.
Afirma que, para ensinar, procura conhecer os interesses da turma, fazendo um levantamento
de jogos e brincadeiras que os alunos gostam e/ou conhecem, e atividades que gostariam de
vivenciar nas aulas.
Deixa transparecer, em seu relato, seu modo de atuação respaldado em uma
perspectiva inclusiva, procurando integrar os alunos com necessidades educacionais especiais
nas atividades: “[...] hoje em dia não me angustio com a chegada de um aluno especial, tento
incluí-lo nos jogos e nas brincadeiras na aula” (Caso 3, out./2008). Para tanto, diz realizar
modificações em suas aulas, tais como:
A partir desse fragmento, podemos afirmar que a professora Aline vem construindo
seu conhecimento pedagógico do conteúdo, no cotidiano escolar, articulando diversos tipos de
conhecimento (dos materiais, do conteúdo, dos alunos), realizando modificações que também
são exemplos de adaptações, a fim de favorecer todos os alunos, inclusive aqueles que
apresentam necessidades educacionais especiais em razão de alguma deficiência. Esse assunto
será aprofundado na próxima categoria de análise que irá tratar das adaptações curriculares.
A professora Liana, já com certa experiência profissional, ao falar sobre o modo
como planeja e desenvolve o seu ensino, chega a comparar o planejamento das aulas ao de
uma festa em que assim como os noivos em um casamento escolhem a comida e decoração
pensando em encantar os convidados, também o professor precisa, ao preparar uma aula,
pensar: “[...] o que pode entusiasmar os alunos? Eles gostam de torneios? Quais as maiores
dificuldades? Quais os alunos que gostam de falar? De aparecer? De representar? Os tímidos?
E assim vai atendendo, se não a todos, mas dando oportunidades diferentes de superação, pois
assim é a vida” (Caso 4, Nov./2008). Trata-se, a nosso ver, de uma postura coerente à
157
Nessa perspectiva, vale ressaltar, conforme Zanluchi (2005, p. 90), que o lúdico tem
funções específicas para o ser humano. Sobre isso argumenta:
É possível constatar, com essas falas, que a interação com alunos com necessidades
educacionais especiais pode auxiliar na superação dos sentimentos de medo e insegurança,
comumente evidenciados pelos professores ao se depararem com alunos considerados
destoantes ou que fogem ao “padrão” com o qual estão acostumados a trabalhar. Além disso,
a inclusão possibilita ao professor compreender melhor a condição desses educandos, criando
novas estratégias e organizando situações de ensino mais adequadas às suas necessidades.
Assim, percebe-se que “[...] o desafio agora é restaurar a confiança dos professores em sua
própria competência para ensinar crianças que há anos têm sido colocadas à margem da
educação comum” (MITTLER; MITTLER, 1999, p. 46).
Acreditam, ainda, que, no contato com esse aluno, é preciso que se estabeleça uma
relação de confiança entre ele e o professor. Esse aspecto foi bastante enfatizado no momento
162
A partir da análise dos casos de ensino, estas professoras começam a se dar conta de
que o trabalho com a inclusão prescinde de receitas e de modelos previamente estabelecidos.
Logo, voltamos a insistir que o conhecimento pedagógico do conteúdo está intimamente
relacionado a outros tipos de conhecimentos, a exemplo do contexto e dos alunos, sendo
fortemente influenciado pelas concepções docentes sobre ensino e aprendizagem.
Em suma, ao estudarem os casos de ensino as professoras participantes da pesquisa
puderam analisar a atuação pedagógica das protagonistas dos casos em relação ao aluno com
necessidades educacionais especiais e avaliar a sua pertinência para a aprendizagem e
desenvolvimento dos mesmos, traçando um paralelo com sua própria forma de ensinar. Isso
significou, em muitos momentos, a impossibilidade do professor, sozinho, ter todas as
respostas para os problemas que enfrenta no seu cotidiano de trabalho junto a esses alunos,
apontando para a necessidade, diante da inclusão escolar, do professor estar sempre buscando
novas oportunidades para ampliar seus conhecimentos e outras possibilidades para a
superação das dificuldades implícitas a esse processo.
A discussão em torno de tais aspectos mostrou-se profícua do ponto de vista da
identificação das estratégias de ensino passíveis de serem utilizadas no trabalho com o aluno
com necessidades educacionais especiais, as quais não necessariamente, diferem daquelas
empregadas com os demais alunos, mas que se revelaram como “caminhos possíveis”, diante
de uma realidade específica. Além disso, serviu para criar um momento extremamente fértil
164
de tomada de consciência quanto ao como ensinam seus alunos num contexto voltado para a
promoção da Educação Inclusiva.
19
Embora cientes da complexidade que reveste o termo currículo, adotamos, para fins desta análise, a definição
proposta por Manjón, Gil e Garrido (1997, p. 53) ao entenderem o currículo como “[...] o conjunto de
experiências (e sua planificação) que a escola, como instituição, põe ao serviço dos alunos com o fim de
potenciar o seu desenvolvimento integral”.
165
envolvendo a instituição como um todo. As adaptações de pequeno porte tratam de ações que
o professor desenvolve para aprimorar a participação dos estudantes nas atividades propostas
na classe, enquanto as adaptações de grande porte envolvem ações de natureza política,
administrativa, burocrática, financeira, etc. (BRASIL, 1999; BRUNO, 2006).
Essas também podem se distinguir entre as adaptações de acesso ao currículo e as
adaptações curriculares propriamente ditas. As primeiras consistem na criação de condições
físicas, ambientais e materiais na unidade escolar, adequando o ambiente físico da mesma; a
aquisição de mobiliário necessário e dos equipamentos e recursos materiais específicos, e a
adoção de sistemas alternativos de comunicação. As adaptações curriculares, por sua vez, são
as que permitem que conteúdos e objetivos de ensino sejam modificados, suprimidos e/ou
acrescidos, como forma de responder às necessidades específicas de cada aluno. Envolvem,
também, ajustes nos métodos e técnicas de ensino e/ou de avaliação, nos agrupamentos, na
temporalidade do processo de escolarização, dentre outros aspectos (BRASIL, 1999).
Com base em tais considerações, é imprescindível que a escola se organize no
sentido de realizar adaptações, a fim de garantir uma real escola para todos. Trata-se,
portanto, de experiências que envolvem desde mudanças na organização dos alunos,
diferenciação na abordagem dos conteúdos e no tempo previsto para realização das atividades,
inovações nos recursos materiais e didáticos, bem como estratégias de ensino, procedimentos
e instrumentos de avaliação específicos para a situação apresentada. Em suma, as adaptações
correspondem à oferta de uma resposta educativa que contemple a diversidade e respeite as
diferenças individuais, a partir de um currículo que seja comum a todos os alunos
(GONZÁLEZ, 2002).
Logo de início, as professoras do estudo demonstram pouco conhecimento sobre as
adaptações curriculares, o que são e como fazê-las, dando a entender que este é um tema
pouco discutido na escola em que atuam. De um modo geral, compreendem que adaptar o
currículo significa “torná-lo acessível” a todos os alunos. Disso emerge uma primeira
problemática: como tornar o currículo acessível, considerando a diversidade do alunado?
Partindo desse questionamento, um primeiro aspecto que se destaca em relação às adaptações
curriculares refere-se ao conteúdo a ser ensinado, isto é, o que ensinar.
Embora não seja nosso objetivo investigar o conhecimento específico da matéria,
acreditamos que ele é de fundamental importância para que o professor possa organizar
situações de ensino que favoreçam a aprendizagem dos estudantes, inclusive, daqueles com
dificuldades em aprender em decorrência, ou não, de alguma deficiência. Partindo das
situações descritas nos casos de ensino e do seu cotidiano de trabalho, pudemos observar que
166
Mas no caso das crianças especiais a gente sabe que, por exemplo, no caso
de Leandro [...] essa criança não vai conseguir atingir determinados níveis de
compreensão. [...] digamos que ela chegue na idade do Ensino Médio, é
pouco provável que ela consiga aprender logaritmo e outras coisas. [...].
Então, eu acho que a angústia da professora Janaína é justamente essa, ou
seja, eu preciso avançar pros meus alunos regulares, digamos assim, ela
coloca um conteúdo e explica normalmente, pra essa criança ela faz outra
atividade porque ela se depara com a limitação, tem a consciência de que ela
não vai conseguir avançar no tempo da turma e ela precisa avançar no
conteúdo, então é um desequilíbrio constante (Aline, Caso 2, Encontro
Coletivo, 30/09/2008).
Esse comentário serviu como ponto de partida para reflexão do grupo participante do
estudo sobre o fato de que, mesmo na vigência de algum comprometimento cognitivo, este
tende a variar de pessoa para pessoa. Ao se referirem aos alunos matriculados na escola,
constatam que “cada pessoa tem uma condição”, e mesmo aqueles educandos com o mesmo
tipo de deficiência poderão apresentar necessidades e possibilidades diferenciadas de
aprendizagem. Essa compreensão é fundamental para que o professor do ensino regular venha
a desmistificar a idéia de que os alunos com deficiência, seja ela de natureza física, mental ou
sensorial, formam um grupo homogêneo, generalizando as condições dos mesmos em relação
à aprendizagem dos conteúdos/conceitos.
Dito de outro modo, não é possível generalizar o ensino destinado a esse alunado,
nem os recursos e estratégias adaptativas que serão realizadas, pois estas dependem do tipo de
necessidade educacional especial apresentada. Podemos inferir, assim, que nem todos os
alunos com deficiência respondem da mesma forma, uma vez que, apresentam especificidades
não só em termos cognitivos com acentuada variação em seus padrões de aprendizagem, mas
também do ponto de vista sócio-afetivo. Ou seja, “[...] o ensino, ainda que coletivo, só será
aprendido individualmente, isto é, ensina-se coletivamente, mas a aquisição do conhecimento
é individual de e para cada um” (LIMA; LIMA, 2009, p. 106).
Um ponto que merece destaque nessa discussão é quanto à seleção e organização dos
conteúdos que devem ser ensinados aos alunos, haja vista a preocupação das professoras
quanto à finalidade e relevância do conteúdo específico a ser trabalhado. Acreditam que é
atribuição da escola e dos professores que nela atuam reconhecer e selecionar aqueles
conteúdos realmente importantes para um determinado aluno ou grupo de alunos, de modo a
tornar o currículo acessível a todos: “[...] precisa saber qual é a deficiência específica dele, pra
saber que adaptações eu vou fazer pra esse aluno, e o que é, realmente, importante para ele
aprender, que conteúdos eu vou trabalhar” (Célia, Caso 4, Encontro Coletivo, 05/11/2008).
Isso corrobora com a visão de Shulman ao mencionar que se espera do professor
“[...] que ele entenda por que um determinado tópico é particularmente central em uma
disciplina enquanto outros podem ser periféricos. Isto será importante no julgamento
pedagógico subseqüente a respeito da ênfase curricular relativa” (SHULMAN, L. 1986, p. 9).
Adaptar o currículo, portanto, não representa criar um currículo novo, ou um
currículo à parte, diferente. A idéia central reside na perspectiva de que a presença de uma
dada peculiaridade em sala de aula poderá requerer uma flexibilização no trabalho
pedagógico, cabendo adaptações, mais ou menos significativas, seja no tempo, nos recursos,
nos objetivos, etc., segundo as necessidades específicas de cada aluno. Tal processo requer,
168
Ainda em relação aos conteúdos do ensino (e acesso a eles), Carvalho (2008) diz que
as adaptações curriculares são essenciais no sentido de adequá-los às características e
necessidades específicas dos diferentes alunos. Sobre isso, a autora pontua:
serem ensinados implica saber, dentre outros aspectos, que alunos queremos formar perante a
sociedade que temos e a que almejamos construir.
Do mesmo modo que os conteúdos, também são necessárias adaptações dos recursos
materiais, atividades e estratégias de ensino, visando a participação dos alunos, mesmo
daqueles com comprometimentos acentuados, em sala de aula. Nesse sentido era evidente a
preocupação do grupo sobre: como abordar os conteúdos? Que materiais e estratégias
utilizar?
Tais questionamentos nos conduziram à discussão sobre que adaptações podem e/ou
devem ser realizadas pelo professor do ensino regular já no momento do planejamento. De
maneira geral, as professoras do estudo colocam que é imprescindível respeitar o ritmo de
cada um, realizando um planejamento flexível, com atividades e recursos didáticos
diversificados, com oportunidade para que os alunos questionem, e possam interagir e ajudar
uns aos outros.
Ao descrever sobre a organização do ensino que desenvolve a professora Flora
afirma que realiza adaptações em seu planejamento “[...] visando à aprendizagem do aluno”
(Caso 4, Nov./2008). No tocante ao processo de planejamento, Célia pontua que, diante das
dificuldades de aprendizagem presentes em sala de aula procura “[...] readaptar ou adaptar as
atividades, na medida do possível” no sentido de “atender às demandas dos alunos e do
grupo” (Caso 4, Nov./2008). Para Ana “[...] as estratégias e adaptações dependem de cada
conteúdo e objetivo proposto” (Caso 4, Nov./2008). Aline diz que “[...] como professora de
Educação Física, procuro sempre incluir os alunos especiais nas aulas, modificando a forma
de ensinar e realizar alguns movimentos” (Caso 4, Nov./2008). Para Clara, “[...] uma das
maiores dificuldades para desenvolver as atividades pedagógicas é encontrar uma maneira de
despertar o interesse do nosso alunado para o conteúdo abordado”. Por isso, ela busca adaptar
a forma de trabalhar os conteúdos em sala de aula por meio de atividades estimulantes, que
possibilitem uma “[...] aprendizagem de forma prazerosa, mais significativa e de
entendimento mais fácil” (Caso 4, Nov./2008). Sônia acredita que a superação da dissonância
entre o tempo para o ensino e o tempo para aprender exige do professor adequar “[...] as aulas
às necessidades dos alunos, sejam especiais ou não, mas particularmente à esses”, no entanto,
afirma que tem muitas dúvidas e não sabe “[...] como fazer isso acontecer” (Caso 4,
Nov./2008). Dalva atribui ao contexto a dificuldade em realizar um planejamento adaptado às
especificidades dos alunos, chegando a mencionar que “[...] “ele [aluno com PC] não é
lembrado por mim em meus planejamentos, devido a ser esse tempo semanal curto, eu me
esqueço deles” (Caso 4, Nov./2008).
170
[...] na época que ela foi minha aluna, no primeiro ano que ela chegou aqui
na escola, então eu trabalhava com a Auxiliadora, então a gente ia
arranjando formas, uma delas era, a gente pegava o lápis e passava fita
adesiva, na época a gente fazia isso, colocava fita adesiva até ficar bem
grossinho. A folha, por exemplo, a folha para ela fazer a tarefa, como caía
tudo, a gente colocava fita adesiva e colava na mesa. Nós começamos, pra
fazer o nome, quando ela chegou, ela colocava umas duas letras do nome
dela numa folha de papel. Depois nós fomos dividindo a folha assim, ao
meio pra ela já usar um espaço menor, chegou no final do ano, ela já
escrevia o nome dela na folha (1/4 de folha) (Flora, Caso 4, Encontro
Coletivo, 05/11/2008).
171
20
Isso pode ocorrer devido a espasmos, isto é, contrações musculares bruscas dos membros superiores.
172
A partir desse relato fica evidente que atuar na perspectiva inclusiva não significa
propor um ensino diferente, mas uma diferenciação nos métodos, no tempo, nos materiais,
entre outros, possibilitando a participação do aluno com necessidades educacionais especiais
nas atividades escolares. Sobre isso, Coll (2003, p. 14) argumenta: “[...] o que é “especial” nas
NEE não são os alunos, mas sim as formas de ensino – recursos, organização, apoios, ajudas,
etc. – utilizadas para satisfazê-las”, visão da qual compartilhamos.
As professoras também citam atividades envolvendo o lúdico, o concreto, o trabalho
em grupo, como exemplos de adaptações possíveis de serem realizadas. Pontuam que
atividades com alfabeto móvel, jogos, dominó de palavras, entre outros, podem motivar e
facilitar a aprendizagem de todos os alunos. Acreditam que o trabalho em grupo favorece a
interação entre os alunos, permitindo a troca e o compartilhamento de saberes, em um
processo de ajuda mútua, conforme podemos observar nos relatos situados a seguir:
[Nas minhas aulas] faço uso de recursos pedagógicos como: alfabeto móvel,
jogos, bingo de letras e dominó de palavras. Faço, ainda, uso de música, pois
além de prender a atenção, permite trabalhar conteúdos, a oralidade e a
expressão corporal. Por entender que a sala de aula é um espaço de
socialização e aprendizagem, procuro envolver alunos com nível de
aprendizagem diferentes, seja em grupo ou dupla, permitindo, assim, trocas,
interação e ajuda mútua (Flora, Caso 4, Nov./2008).
O trabalho em grupo é uma das atividades que possibilita e potencializa o
processo de ensino-aprendizagem e a interação entre os alunos ditos
“normais”, e dos mesmos com os portadores de necessidades, permitindo
uma convivência e o entendimento melhor das limitações de tais alunos,
passando a respeitá-los e a vê-los com um novo olhar, graças à interação e
vivência entre ambos (Célia, Caso 4, Nov./2008).
Filmes seguidos de comentários e desenhos. Atividades em grupos
pequenos, onde um possa ajudar o outro. Pesquisas com apresentação.
Vivenciar, sempre que possível, experiências em sala de aula (Liana, Caso
4, Nov./2008).
das letras do alfabeto e das famílias silábicas por todos os estudantes e, no caso de alunos com
comprometimento motor, pode representar uma alternativa à escrita, uma vez que o dispêndio
de energia, nesse tipo de proposta, é menor (BRASIL, 2002a). Fica evidente, assim, que, se
por um lado existem alunos que, em decorrência da sua condição singular, apresentam
necessidades que só serão satisfeitas mediante a provisão de recursos e materiais específicos,
por outro, há casos em que materiais e estratégias de ensino são de uso comum, trazendo
benefícios para todos os estudantes, com ou sem necessidades educacionais especiais.
Na continuidade de nossas discussões, as professoras também apontaram que alguns
alunos, devido à sua condição específica, têm dificuldades em comunicar-se, fator esse que
prejudica a sua aprendizagem e, por isso, requer adaptações. Sobre isso, Sônia descreve a
dificuldade de Jéssica em estabelecer um diálogo como uma barreira na sua comunicação com
a aluna: “Assim de dialogar com você, não. Mas, se você perguntar alguma coisa ela
responde” (Caso 2, Encontro Coletivo, 30/09/2008). No caso de Maria, que tem paralisia
cerebral, Flora também argumenta que a comunicação era um obstáculo, devido à dificuldade
da aluna em articular as palavras: “Às vezes, ela fala e não se faz entender, aí ela fica agitada,
mexe os braços” (Caso 4, Encontro Coletivo, 05/11/2008).
A partir das dificuldades evidenciadas, procuramos, enquanto
pesquisadoras/formadoras, instigar o grupo no sentido de identificar formas alternativas de
comunicação, que viessem facilitar o acesso desses alunos à informação de modo geral, bem
como a compreensão dos conteúdos escolares. De acordo com Deliberato (2008, p. 233), “[...]
a área da comunicação suplementar e alternativa pode ser um meio facilitador para os
aspectos comunicativos, para a construção da linguagem e, dessa forma, um instrumento para
a aprendizagem”.
Nesse sentido, é importante esclarecer que a comunicação alternativa refere-se a
outra forma de comunicação em substituição, por exemplo, ao canal da fala e da escrita,
enquanto que a comunicação suplementar visa ampliar, por meio de gestos, pranchas, dentre
outros, as habilidades comunicativas que o indivíduo possui, mas que são insuficientes para
suas trocas sociais. Formas alternativas e/ou suplementares de comunicação podem ser
apoiadas, com uso de objetos, figuras, símbolos, entre outros, ou não-apoiadas, isto é,
produzidas pelo próprio usuário, sem auxílio de outra pessoa ou equipamento (gestos,
expressões, etc.).
As análises em torno de situações relatadas nos casos de ensino, associadas às
necessidades dos alunos com deficiência matriculados na escola, possibilitou às professoras
do estudo, situarem alguns recursos desde os simples, como desenhos, figuras, imagens,
174
pranchas e objetos, além de outros mais sofisticados, como o uso da informática, enquanto
adaptações de acesso ao currículo:
imediata como para elaboração e interpretação de frases ou textos, “[...] com o objetivo de
ampliar a aquisição de novos conceitos e estruturas lingüísticas”, além de enriquecer o
vocabulário (DELIBERATO, 2008, p. 244).
As professoras também mencionaram o computador como um recurso que pode
ampliar as possibilidades de comunicação do aluno com necessidades educacionais especiais,
facilitando o seu envolvimento nas atividades e o registro das mesmas. Verificamos,
entretanto, que embora a informática tenha sido apontada como um recurso importante para o
processo de escolarização desses alunos, não há, na escola investigada, um trabalho
sistematizado nesse sentido. As professoras afirmam que, apesar dos alunos frequentarem,
semanalmente, o laboratório de informática, não é feito nenhum trabalho específico com o
aluno com necessidades educacionais especiais. Reconhecem, assim, a necessidade de haver
uma maior interação e parceria entre a professora da classe regular e da sala de informática,
como forma de favorecer o desenvolvimento e a aprendizagem desse alunado.
O fato da escola não possuir, no período em que esta pesquisa foi realizada,
computadores adaptados21 para a condição desses alunos, leva o grupo a questionar o que
seria preciso providenciar, em termos de adaptações, para que pudessem fazer uso desse
recurso com sucesso. Na semana destinada para discussão do último caso de ensino, as
professoras, que haviam assistido uma reportagem no jornal local, realizada em uma
instituição especializada, citam uma adaptação no teclado utilizando “[...] a colméia pro aluno
que tem muito espasmo” e também “[...] um capacete com uma ponteira para colocar na
cabeça da criança pra teclar” como possibilidades de adaptações, sobretudo para alunos que
apresentam comprometimento motor. A possibilidade de o aluno receber a ajuda de um
colega ou do próprio professor para manusear o mouse ou o teclado, buscando promover a sua
participação nas aulas, também foi enfatizada.
Outro aspecto discutido foi em relação ao espaço físico como fator que pode
contribuir ou dificultar o acesso ao currículo de educandos com deficiência física e/ou
sensorial, uma vez que os mesmos fazem uso, em geral, de cadeira de rodas, muletas,
bengalas, para se locomover. Ao considerarem a realidade da escola em que atuam, as
professoras expressam:
21
Esse fato retrata uma situação ainda bastante comum em muitas escolas públicas do nosso país quanto ao
acesso a recursos como computador e internet (32% e 15% respectivamente, conforme Censo Escolar 2004-
2005), e quando estes estão disponíveis, raramente são adequados às necessidades de sua clientela e encontram-
se repletos de “barreiras digitais”, tornado evidente que tais recursos ainda são privilégio de poucos
(FERNANDES; ANTUNES; GLAT, 2007).
176
22
De acordo com Camisão [2003?] esse conceito foi ampliado para o de Desenho Universal que busca promover
condições de acesso à locomoção, comunicação, informação e conhecimento para todas as pessoas.
177
Em contrapartida há aquelas que acreditam que apesar dos avanços e de uma maior
preocupação com a questão da acessibilidade23, esta ainda não está garantida na escola em que
atuam.
23
O Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004, define acessibilidade como “condição para utilização, com
segurança e autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos
serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e meios de comunicação e informação por pessoa portadora de
deficiência ou com mobilidade reduzida”. Segundo esse mesmo decreto barreiras são entendidas como qualquer
entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento, a circulação com segurança e a
possibilidade das pessoas se comunicarem e terem acesso à informação. Estas podem ser: urbanísticas,
envolvendo edificações, espaços de circulação e os transportes, bem como referentes aos sistemas de
comunicação e informação.
178
professoras a identificarem uma adaptação que poderia ser feita na cadeira da aluna, através
de “[...] um apoio pra cabeça ficar sempre reta”, melhorando, inclusive “[...] a deglutição
dela” e evitando que engasgue. Neste caso, como podemos deduzir, alguns pequenos ajustes
poderiam trazer grandes benefícios à aluna, que passaria a ter condições de ficar na posição
sentada, com o apoio para a cabeça. Fica evidente, com esses relatos, que as professoras
entenderam que o mobiliário escolar deve ser adequado às necessidades do aluno, sendo
fundamental para o seu bem-estar e para uma maior participação nas atividades escolares.
Já no caso de Maria, que tem Paralisia Cerebral, seria necessário substituir a cadeira
da aluna, que está pequena para ela devido às alterações no seu crescimento, dificultando a
sua locomoção, e gerando certo desconforto. Tais mudanças implicam custos mais elevados e
o envolvimento de outras instâncias (governamentais, encaminhamentos, etc.) para suprir tais
necessidades24. Uma opção seria o apoio de escolas, instituições especializadas,
universidades, centros de pesquisa e de profissionais da área da saúde, conforme o disposto no
Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004, que estabelece normas gerais e critérios básicos
para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Nesse viés, as professoras citam dificuldades relativas ao encaminhamento desses alunos e
suas famílias que, segundo elas, nem sempre se mostram dispostas e em condições de
acompanhar tais alunos, o que, muitas vezes, está atrelado a uma questão de ordem financeira,
trazendo limites de intervenção à escola.
Por fim, outro aspecto que assume grande relevância nesta discussão é relativo à
avaliação, que, assim como demais elementos da prática pedagógica, requer adaptações.
Segundo Moreira (2004), a avaliação, historicamente, se vinculou à idéia de analisar e julgar
práticas sociais, assumindo uma perspectiva supostamente mais técnica e que pouco evoluiu
no sentido de uma ação avaliativa reflexiva, diagnóstica e mediadora. A autora acrescenta que
pensar a avaliação, quando se busca atender aos princípios de uma educação que deseja
incluir, que não é indiferente à diversidade, é um enorme desafio, visto que não dispensa a
revisão da própria prática pedagógica, no seu pensar e fazer docente.
Seguindo esta lógica de pensamento, Oliveira e Machado (2007) definem que
adaptações curriculares avaliativas são imprescindíveis, ao mesmo tempo em que se
constituem na etapa mais complexa do caminho pedagógico da inclusão. O grupo participante
da pesquisa parece compartilhar desta visão, afirmando que para avaliar alunos com ou sem
necessidades educacionais especiais é preciso levar em consideração a sua realidade, o seu
24
Orientações relativas ao mobiliário escolar e ao espaço físico podem ser encontradas nas normas de
acessibilidade editadas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (NBR 9050, 2004).
179
Acho que a chegada de uma criança com deficiência nos obriga a repensar
nossa prática, ou seja, fazer adaptações na forma de planejar, de como
ensinar e de como avaliar. Nesse sentido é importante conhecer o aluno,
registrar seus avanços e dificuldades e, a partir daí, buscar estratégias que
despertem interesse e o estimulem a participar das atividades, visando uma
melhor integração (sejam em trabalhos em duplas ou em pequenos grupos) e,
ainda, ter o cuidado de avaliá-lo a partir do que o aluno mais gosta,
respeitando, claro, seu ritmo (Flora, Caso3, out./2008).
Essas falas sugerem que as adaptações podem ocorrer por meio de modificações nas
técnicas ou instrumentos de avaliação utilizados, adequando-os aos diferentes estilos e
possibilidades de aprendizagem dos alunos, procurando avaliar o aluno em todas as suas
dimensões: físicas, cognitivas, sociais e afetivas. Partindo desta lógica, a idéia inerente, em
seus excertos, parece ser a de que a avaliação deve ocorrer de modo gradual e contínuo,
através de diversos recursos e estratégias que permitam ao professor acompanhar os
progressos e identificar pontos críticos que precisam ser melhorados.
180
Eu entendo que a idéia do relatório é que aquele aluno que vai pro professor,
que o professor tenha esse relatório pra conhecer aquele aluno. O que o
professor registrou sobre aquele aluno. [...]. Isso é importante pra gente não
ter sempre que recomeçar do zero (Sônia, Caso 3, Encontro Coletivo,
out./2008).
A Flora falou uma coisa aqui, da Maria, sobre a evolução dela, sobre as
intervenções que ela [professora] fez... seria interessante, nesse caso, termos
um gráfico da evolução da Maria desde que ela começou. Não é nada
complicado, mas um relato, porque esse seu relato é muito produtivo [...].
Isso seria um material rico pra nós, professores (Célia, Caso 4, Encontro
Coletivo, Nov./2008).
25
A produção de relatórios parciais e finais já é uma prática empregada na escola investigada. Segundo
informações obtidas junto às professoras, sua elaboração consiste no seguinte roteiro: (1) Caracterização do
aluno: síntese dos dados escolares/familiares relevantes; (2) Avaliação do aluno no início do ano letivo (aspectos
sociais, afetivos, cognitivos); (3) Maiores dificuldades; (4) Potencialidades e interesses; (5) Encaminhamentos e
estratégias empregadas; (6) Principais avanços ao longo do ano; (7) Recomendações para o ano seguinte.
182
Esse dilema faz todo sentido, pois ficamos sem saber o que realmente é
melhor para o desenvolvimento dessa criança: permanecer nesse nível de
ensino como mais uma oportunidade ou avançar com o grupo ao qual já está
adaptado? (Sônia, Caso 2, set./2008).
Neste caso, temos que ter consciência que mesmo não atingindo o mesmo
nível da turma, temos que levar em conta os pequenos avanços, mantendo-o
no grupo com o qual já formou laços afetivos. Temos um exemplo positivo
na escola que é o caso de Maria, com paralisia cerebral que a cada ano segue
com a turma e vem se desenvolvendo de acordo com as suas potencialidades
(Flora, Caso 2, set./2008).
O aluno precisa ser promovido, pois haveria mais ganho intelectual e social.
Talvez faltasse esse entendimento para Janaína (Célia, Caso 2, set./2008).
Se eu fosse a professora aprovaria o aluno, pois considero importante esta
criança criar vínculos afetivos com um grupo. Até porque cada professora
que passar por esta criança tem a responsabilidade de fazê-la avançar, no que
puder. Também porque não existem parâmetros definidos sobre o que cada
criança pode ou não aprender. O mais importante é não deixar de lhe
proporcionar atividades mais adequadas à sua condição (Ana, Caso 2,
set./2008).
[...] sabemos que cada criança tem seu ritmo de aprendizagem e devemos
respeitar os limites de cada um, quanto mais de um aluno especial. Por isso,
no caso de Leandro, acredito que ele ainda vá despertar e adquirir as
competências necessárias em seu momento, portanto, o deixaria acompanhar
a turma já que estão adaptados a ele e o mesmo aos demais, enfim, sem
interromper o elo de amizade que construíram (Clara, Caso 2, set./2008).
Como aprovar alguma coisa que não está correta? Não houve aprendizagem.
Avalia-se o que se aprende. Qual a finalidade do aluno na sala? Se não
houve entendimento, nem compreensão por parte do aluno sobre o que foi
ministrado pela professora não pode ser aprovado (Dalva, Caso 2,
set./2008).
Os excertos traduzem a idéia de que é necessário fazer uma “leitura” da situação que
se apresenta, considerando todas as variáveis, sociais, cognitivas e afetivas, envolvidas no
processo de ensino e aprendizagem. As professoras valorizam, assim, a convivência e o
vínculo com os colegas, como elementos que devem ser considerados na promoção ou
retenção do aluno com necessidades educacionais especiais, visto que pode influenciar o seu
desenvolvimento e a sua aprendizagem. Também não é possível descuidar, na visão destas
professoras, dos elementos de ordem afetiva, avaliando-se os impactos da retenção e/ou
promoção para a constituição da subjetividade e da identidade deste educando. Ao cogitarem,
ainda, que “[...] não existem parâmetros definidos sobre o que cada criança pode ou não
aprender” demonstram a crença de que o tempo que cada aluno necessita para construção dos
conhecimentos e habilidades poderá variar, dependendo do ritmo próprio de cada aluno ou do
desenvolvimento de um repertório anterior, que seja indispensável para novas aprendizagens
184
(BRASIL, 2006b). Esses, entre outros aspectos, presentes nas falas dessas professoras, são
considerados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1999) como essenciais para
orientar as decisões em torno da promoção ou retenção de alunos com necessidades
educacionais especiais na série, etapa, ciclo ou outros níveis.
Essa mesma questão, quando discutida na coletividade docente, trouxe muita
inquietação no grupo investigado, visto que, com a proximidade do final do ano, a decisão
sobre aprovar ou não os alunos era iminente. Vimos, no contexto trabalhado, que ainda
vigoram muitas dúvidas quanto à sua promoção e/ou retenção, principalmente no tocante à
ausência de “critérios claros para avaliação desses alunos”, supostamente sem relação com
aqueles definidos para o ensino, esperando que instâncias externas à escola possam defini-los.
O grupo investigado também analisou o fato de muitos alunos terem apresentado
progressos sociais e afetivos consideráveis, mas que, apesar de seus avanços na aprendizagem
dos conteúdos, ainda não tinham condições de acompanhar o nível da série/ano seguinte.
Temem que, ao aprovarem o educando com necessidades educacionais especiais, não seja
dada continuidade ao trabalho e ele fique desassistido. Perante esse movimento fez-se
necessário retomar que as decisões que geram as adaptações curriculares devem ser
partilhadas por todos que compõe a comunidade escolar (BRASIL, 2006b), o que implica
assumir responsabilidades pelo aprendizado de todos os alunos no seu nível de
desenvolvimento.
Cogitar a realização de adaptações curriculares reveste de possibilidades a inclusão
de alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular, uma vez que estas
medidas concorrem para a efetivação de uma educação mais justa, democrática e de qualidade
para todos. Sob esta ótica, reafirmamos que promover tais adaptações não significa, conforme
Oliveira e Machado (2007), empobrecer ou desvitalizar o currículo escolar, e, sim,
empreender um trabalho atento de avaliação da instituição e de diversificação do desenho
curricular, adequando o ensino às características e peculiaridades dos alunos, garantindo-lhes
condições de participação essenciais para o seu desenvolvimento e aprendizagem.
Atuar profissionalmente em meio à diversidade não é tarefa simples, uma vez que as
condições existentes no contexto de trabalho interferem, sobremaneira, no desenvolvimento
da ação docente. Assim, nessa categoria específica, pretendemos analisar os conhecimentos
185
das docentes participantes dessa pesquisa no tocante ao seu contexto de atuação, bem como
dos fins, metas e propósitos educacionais, tomando como referência a base de conhecimento
explicitada por Shulman, L. (1986; 1987).
O conhecimento do contexto de trabalho, da realidade dos alunos e dos princípios e
metas da educação inclusiva são considerados como conhecimento fundamental para o
exercício da docência, possibilitando lidar melhor com as situações que se apresentam no
cotidiano profissional. Conforme análises sobre a trajetória profissional das professoras desta
pesquisa, vimos que elas se mostram, em geral, favoráveis à inclusão, enquanto processo que
vai além da mera inserção do aluno com necessidades educacionais especiais nas classes do
ensino regular. Consideram, ainda, que o modo como a escola está organizada (condições
físicas, recursos humanos e materiais, formação continuada dos professores, etc.) interfere no
desenvolvimento de uma prática educacional inclusiva. Assim, apresentam uma série de
obstáculos oriundos do cotidiano profissional, além de pontuarem alternativas de
enfrentamento e questões a serem consideradas pelas políticas educacionais relativas à
inclusão.
Nas análises sobre os casos de ensino estudados, as professoras deixam transparecer
a idéia de educação como um direito de todos, que independe das características pessoais
(físicas, intelectuais, etc.) e das condições contextuais (econômicas, sociais, familiares, etc.)
que os indivíduos apresentam. Nessa direção, concebem que a Educação Inclusiva tem como
finalidade maior proporcionar a aprendizagem de todos os alunos, cabendo à escola garantir
as condições necessárias para que isso ocorra: “[...] a escola é responsável em propiciar o
direito de todos de aprender” (Flora, Caso 2, set./2008).
Essa mesma professora sugere que a inclusão tem como princípio o reconhecimento
e a valorização das diferenças e que estas deveriam constituir a base da prática pedagógica. O
atendimento de tal princípio exige, segundo ela, uma profunda transformação da escola e da
sociedade como um todo, adequando-se à condição do sujeito e não mais o contrário. Isso
indica uma compreensão da inclusão como um processo amplo, que extrapola o âmbito
escolar, e que diz respeito a um grupo igualmente amplo de pessoas.
É difícil, da forma como é feito. Joga-se o aluno em sala junto com os outros
para que a professora se vire sozinha, em alguns casos. Isso não é legal
(Dalva, Caso 2, set./2008).
[...] atualmente, há uma exigência quanto aos conhecimentos acerca da
inclusão para que se possa ingressar na profissão. No entanto, desconheço
quem se sinta habilitado para trabalhar com a inclusão, até porque sabemos
que, como a maioria das decisões, essa também foi tomada à revelia dos
educadores, uma vez que foi uma decisão imposta por lei. Embora
compreendamos tratar-se de um direito, não nos foi dada a oportunidade de
uma formação séria para esse novo atendimento. Diante disso pergunto: que
inclusão é essa? (Sônia, Caso 3, out./2008).
Realmente, é de cima para baixo, a gente não recebeu apoio, a estrutura,
alguém que possa nos ajudar nisso. Na sala de aula, é de cima para baixo,
você vai receber o “aluno da inclusão”, tudo bem, mas e aí, cadê a
preparação, cadê o apoio pra nos ajudar? (Clara, Caso 4, Encontro Coletivo,
05/11/2008).
O sentimento de crise, identificado nas falas acima, adverte para a distância entre as
diretrizes políticas e a maneira com que a educação inclusiva é vista no sistema regular de
ensino, por aqueles que vivenciam essa realidade no seu cotidiano profissional. O
descompasso observado nos remete ao pensamento de Mantoan (2003a, p. 60), ao afirmar
que, ensinar, na perspectiva da inclusão, implica na ressignificação do papel do professor, da
escola, da educação e das práticas usuais ao contexto excludente do nosso ensino,
simplesmente porque “[...] não se pode encaixar um projeto novo, como é o caso da inclusão,
em uma velha matriz de concepção escolar – daí a necessidade de se recriar o modelo
educacional vigente”.
187
O caminho, rumo à recriação desse modelo educacional, como nos fala a autora, tem
se mostrado tortuoso e pontuado por dificuldades, que nos remetem às condições existentes
no contexto educativo em que as participantes dessa pesquisa trabalham. Essas condições
estão relacionadas às limitações dos recursos humanos e materiais da escola; à falta de tempo
para estudo e planejamento; ao desconhecimento/desinformação sobre a inclusão de alunos
com necessidades educacionais especiais; além da ausência de uma formação sistemática,
voltada para o seu cotidiano de atuação. Tais aspectos, abordados tanto nas análises
individuais quanto coletivas dos casos, e problematizadas ao longo de todo o processo de
intervenção, serão discutidos neste tópico. Para fins didáticos e de organização da escrita,
procuramos, na medida do possível, analisá-los separadamente.
Destacamos, inicialmente, o relato da professora Ana quando afirma que, ao
desenvolver o seu trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais no ensino
regular, “[...] a maior dificuldade encontrada é não ter um profissional de apoio em sala de
aula” (Caso 2, set./2008). A professora Dalva também entende que a falta de profissionais
especializados na escola dificulta o trabalho com esses alunos. Para ela, “[...] deve haver um
profissional especializado para lidar com essa situação” em sala de aula, pois, embora acredite
“[...] que a escola, seu espaço e convivências com outros alunos sejam benéficos para o aluno
[...], a sala de aula, só por estar nela, não terá resultado” (Caso 2, set./2008). Tal circunstância
é reforçada por Liana ao afirmar que “[...] já passaram por mim cinco alunos com
necessidades educacionais especiais e a maior dificuldade foi não contar com o “verdadeiro
apoio pedagógico” (Caso 2, set./2008); e por Célia que considera fundamental a presença de
“[...] especialistas nas áreas de psicologia, psicopedagogia, dentre outros, para alavancar a
inclusão” (Caso 3, out./2008). Essas falas, representativas de muitas outras nesse estudo,
apontam para a importância atribuída à presença de profissionais especializados nas escolas,
para prestarem apoio aos alunos e professores do ensino regular.
Tal aspecto foi retomado em momentos de discussão coletiva, reiterando a
necessidade da escola dispor de profissionais de apoio que auxiliem no trabalho com o aluno
incluído em classe regular.
Às vezes, uma criança com necessidade educacional especial, ela não tem só
a questão neurológica, às vezes tem até uma questão de locomoção, imagina
esse professor, pra dar conta de tudo isso. [...] essa criança precisa muito
mais do que você ir na carteira dela, dando um apoio quando se pode porque,
infelizmente, a realidade é essa. Então deveria ser lei mesmo, não sei nem se
é, de se ter mais um profissional dentro dessa sala de aula (Ana, Caso 4,
Encontro Coletivo, 05/11/2008).
188
Jéssica, até o ano passado, foi tratada, assim, de forma especial. Tudo que
ela fazia era engraçado, tudo voltado pra Jéssica, ela era o foco,
supervalorizada, também é uma forma de exclusão. É uma exclusão também,
189
porque eu estou considerando essa pessoa, uma das coisas que eu aprendi
[...] foi isso, ele é uma pessoa que precisa de apoio, precisa de apoio, mas
tem que dar esse espaço para que ela cresça com os outros. Aí Jéssica, esse
ano, com Elisa, Elisa fez a verdadeira inclusão de Jéssica este ano. Elisa era
a professora de apoio, e ela fez a inclusão de Jéssica este ano. Hoje Jéssica
está aí, ninguém mais fica, olha Jéssica, vem aqui Jéssica, porque antes
Jéssica ficava com uma professora de apoio, mas que ficava colocando
Jéssica num pedestal. Agora, não, agora Jéssica é igual a todos os alunos. Ela
se senta, ela vai pro auditório, ela pega o microfone, ela canta, porque ela
adora cantar, depois ela sai, fica ali passeando com os meninos, e essa é que
é a inclusão, não é? (Liana, Caso 1, Encontro Coletivo, 12.09.2008).
Importante frisar que, naquele momento, não houve questionamento por parte do
grupo, quanto ao trabalho desenvolvido pela professora de apoio, o qual teria resultado na
“verdadeira inclusão” da aluna, que passou a ter maior envolvimento e autonomia nas
atividades escolares. Também foi apontada a mudança de postura por parte da professora de
apoio como fator determinante para que Jéssica avançasse, uma vez que, não era mais vista
como alguém diferente dos demais alunos, mas digna de confiança em suas potencialidades.
No decorrer das análises em torno dos casos de ensino, a visão relativa ao trabalho da
professora de apoio, presente no relato de Liana, apesar dos avanços percebidos, foi se
modificando, passando por um processo de intensas críticas e questionamentos por parte dos
profissionais da escola, sobretudo no que tange à concepção se este seria, de fato, um trabalho
de ‘inclusão’.
Assim, ao analisarem a situação relatada pela professora Janaína do caso de ensino
“E agora? O que vou fazer?” em comparação com o caso vivenciado na escola, a professora
Aline tece o seguinte comentário:
O clima gerado demonstra o abalo nas certezas do grupo sobre o tipo de trabalho
desenvolvido e a sua validade para a inclusão do aluno com necessidades educacionais
especiais no ensino regular, atentando, entre outros aspectos, para o fato de que a
190
responsabilidade pela aprendizagem dos alunos deve ser assumida por todos os envolvidos
nesse processo: pais, alunos, professores, gestores e comunidade escolar em geral.
A professora Liana, que no primeiro encontro, havia anunciado o trabalho da
professora de apoio como um trabalho de inclusão, ponderou, convidando o grupo a refletir
sobre o modo como este apoio vem se instituindo na escola investigada:
Há uma clara manifestação, por parte de Liana quanto ao trabalho desenvolvido pela
professora do caso estudado como sendo um trabalho que não visou à inclusão do aluno o
que, por sua vez, gerou uma inquietação quanto ao atendimento educacional prestado à aluna
na escola. Esse sentimento tomou conta do grupo que demonstrou certa indignação com o fato
de ser realizado um trabalho isolado com Jéssica em sala de aula, que ficaria a mercê da “boa
vontade” dessa profissional, o que caracterizaria, segundo elas, uma forma de exclusão ou,
como chegam a afirmar: “isso não é inclusão”.
Mas era preciso considerar, ainda, a perspectiva da professora da classe regular que
trabalhava com Jéssica no ano em que a pesquisa foi realizada, e que se mostrou bastante
contrariada acerca dos comentários feitos. Vimos esta como uma reação comum, uma vez que
as críticas destinadas à professora de apoio pareciam se estender à professora da classe.
Houve um esforço, por parte de Sônia, no sentido de desmistificar, junto ao grupo, a idéia de
trabalho segregado. Na medida em que relatava a experiência vivenciada com Jéssica, a
professora diz que o trabalho com a professora de apoio era integrado (não era isolado),
passando a afirmar, logo em seguida, que “[...] no momento em que eu estava com os outros,
ela estava com Jéssica”, dando a entender, justamente, o contrário. O trecho a seguir, elucida
essa questão:
Com base nos fragmentos acima, entendemos que, se por um lado tal reivindicação
se faz legítima, tendo em vista que um apoio dessa natureza pode favorecer tanto a inserção
quanto a permanência das crianças com necessidades educacionais especiais na escola,
alavancando o processo de inclusão, por outro, não se pode, como bem afirma Dal-Forno
(2010), tomar esse apoio de forma isolada, tampouco pode ser aceito como fator determinante
na aprendizagem destas crianças.
Dito de outro modo, é importante que haja o apoio de outros profissionais sempre
que isso se fizer necessário. Isso não significa, porém, isentar o professor do ensino regular de
realizar um ensino de qualidade, transferindo a responsabilidade pela aprendizagem destes
alunos a outros profissionais, sobretudo os especialistas, entendidos como aqueles que “[...]
possuem conhecimentos específicos a respeito de suas diferenças e por isso sabem lidar com
elas” (DAL-FORNO, 2010, p. 194).
Consideramos este movimento que se instalou no grupo de suma importância, pois
mostra a relevância de uma ação formativa no molde aqui proposto para o estabelecimento de
processos de reflexão sobre a prática da inclusão e a mudança de olhar daí decorrente, tendo
início o questionamento a determinadas ações instituídas na escola. Nesse sentido, é relevante
trazer a conclusão do grupo, sobre as implicações da inclusão para a organização do trabalho
pedagógico: “[...] incluir exige uma cultura de colaboração nas escolas, professores
dialogando, trabalhando juntos para melhorar a sua prática” (Síntese Coletiva, Caso 2,
30/09/2008). Em outras palavras, a construção de uma escola inclusiva implica em um
trabalho conjunto, de parceira, onde se tem a clareza de que a aprendizagem de todos os
alunos, com ou sem necessidades educacionais especiais, é responsabilidade da escola como
um todo, e não do professor apenas: “[...] temos que ter a compreensão de que a escola está
recebendo esse aluno, não o professor” (Sônia, Caso 2, Encontro Coletivo, 30/09/2008).
192
Do intenso debate parece ter resultado a compreensão de que o apoio, quando feito à
parte, contribui para a realização de uma inclusão às avessas, em que o aluno - apesar de estar
inserido na sala de aula - continua segregado, em uma instituição que ainda insiste em negá-lo
e não aceitá-lo como seu aluno, como bem definem Ferreira e Ferreira (2004). Mais uma vez,
as considerações do coletivo são significativas: “Professor de apoio e professor do ensino
regular precisam decidir juntos os rumos, as estratégias e intervenções mais adequadas para
que o aluno seja capaz de avançar na sua aprendizagem” (Síntese Coletiva, Caso 2,
30/09/2008).
As palavras de Silva (2008, p. 227) reforçam essa idéia, ao descrever que é preciso
ter claro que o professor de apoio “[...] se constitui em um parceiro, aquele que auxilia o
professor titular e que não deve, em hipótese alguma, substituí-lo assumindo suas
responsabilidades frente aos alunos que necessitam de maior ajuda pedagógica em razão de
uma deficiência”.
A partir dessas análises, percebemos que a demanda pelo conhecimento
especializado pode estar relacionada ao desconhecimento e à desinformação de muitos
professores sobre o processo de ensino-aprendizagem do aluno com necessidades
educacionais especiais, conforme definem as falas abaixo:
Acredito que a principal reflexão que se pode extrair da situação vivida pela
professora Janaína é que, apesar das dificuldades relativas à docência de
alunos com deficiência, não se pode deixar de continuar tentando se
194
Diante dos desafios, não podemos cruzar os braços, muito pelo contrário,
devemos ir em busca de novas alternativas para responder nossas dúvidas e
inquietações. Devemos, portanto, estar sempre estudando e nos
aperfeiçoando, bem como fazendo da nossa sala de aula um ambiente de
socialização, de aprendizagem, de respeito, de formação de valores e de
ajuda mútua (Flora, Caso 4, Nov./2008).
[...] eu acho assim que já devia ter um preparo maior na nossa graduação [...]
não pagar uma disciplina de educação especial como complementar, como é
o caso da UFRN que a gente paga uma disciplina de Introdução à Educação
Especial e as outras são complementares. Eu acho que tem que se mudar
isso, porque esse é um alunado que requer toda uma preparação, é claro que
a gente vai aprender muita coisa na prática, mas a gente precisa estudar mais,
que metodologias utilizar, porque, às vezes, a gente vai aprender fazendo,
mas se esse aprender fazendo, depois, não estiver adequado? [...] eu acho
que a nossa formação ainda deixa a desejar (Ana, Caso 4, Encontro
Coletivo, 05/11/2008).
Na seqüência da sua fala, complementa: “[...] acredito que o currículo dos cursos de
Pedagogia e outras licenciaturas deveria ser reformulado, no qual a disciplina de “Introdução
à Educação Especial” deveria ter uma maior integração com as outras disciplinas para o
exercício da docência” (Ana, Caso 4, Encontro Coletivo, 05/11/2008).
A preocupação explicitada pela professora quanto à distância existente entre os
conteúdos da formação e a realidade escolar, nos reporta ao desafio que as instituições
formadoras enfrentam de preparar o professor para lidar com aspectos concretos do contexto
educativo. Sobre isso, Feldens (1998) argumenta que a ausência do respeito e atenção ao
“mundo real das coisas escolares” e sociais é uma característica dos programas de formação, o
que resulta num professor despreparado para lidar e trabalhar com a heterogeneidade das
classes, a diversidade de estágios de desenvolvimento, de atitudes, personalidades, de
heranças e vivências culturais, de relações com a linguagem e o saber dos alunos e suas
comunidades.
Tais constatações nos levam a pensar que a formação, assim como as práticas
subsequentes, permanece inalterada, voltada para um grupo de alunos que não representa a
totalidade daqueles que hoje acorrem à escola, o que acaba por acirrar o quadro de exclusões
que ainda se faz presente em nosso sistema de ensino. Nestas circunstâncias, Moreira (2004)
destaca a urgência da revisão dos currículos nas licenciaturas e da sua adequação às
exigências sociais e educacionais, como é o caso dos princípios inclusivos, proporcionando
aos professores em formação compreender o que seja uma educação que atenda as
necessidades especiais dos alunos e, conseqüentemente, uma educação para todos que rompa
com o paradigma da exclusão.
De modo complementar, González (2002) argumenta que todos os alunos, futuros
professores, deveriam receber uma preparação básica que os habilitasse a desenvolver um
trabalho com alunos com necessidades específicas, de modo a oferecer-lhes respostas
196
26
Atualmente, a Lei nº 10.436/2002 regulamenta a inserção da disciplina de Libras – Língua Brasileira de Sinais
- nos cursos de formação de professores, como parte integrante do currículo.
197
[...] não basta inserir fisicamente o educando na escola, muito pelo contrário,
torna-se necessário que o poder público não apenas divulgue, por intermédio
dos meios de comunicação, mas também execute efetivamente políticas
inclusivas adequadas, que se modifique o ambiente escolar para torná-lo, de
fato, receptivo às necessidades de todos os alunos (Flora, Caso 2, set./2008).
Tendo em vista as condições aqui descritas e o papel atribuído à escola e aos seus
profissionais, as falas, de modo geral, apontam para a co-existência de diferentes tempos
nesse espaço. De um lado, o tempo da elaboração e implementação das políticas educacionais
e, de outro, o tempo demandado pelo professor para a acomodação das inovações erigidas do
paradigma inclusivo.
Desta maneira, ações de formação desenvolvidas, sejam elas de iniciativa das escolas
ou de outras instâncias formadoras, a exemplo das Universidades, que não levem em
200
Essa fala contempla a idéia de que a inclusão é um projeto sem volta e do qual a
escola e a sociedade em geral não pode se esquivar, se ausentar ou, até mesmo, se exonerar, e
que a qualidade do ensino depende, entre outros fatores, da ação e do compromisso do
professor para com o ensino que realiza, visando atender a todos, sem exceção. Essa reflexão
chama a atenção para a necessidade de ressignificação das práticas escolares e do papel do
educador no processo de ensino e aprendizagem, assim como do próprio processo inclusivo.
Essa idéia pode ser assim resumida:
A rua de acesso à inclusão não tem um fim porque ela é, em sua essência,
mais um processo do que um destino. A inclusão representa, de fato, uma
201
Com base nas análises precedentes, inferimos que, embora o processo de mudança
nas escolas - essencial para que a inclusão aconteça - ocorra a passos lentos e de forma
bastante sutil, exigindo mudanças nas concepções e na organização escolar, ele vem, pouco a
pouco, mobilizando essas professoras no sentido de superarem barreiras em prol de um ensino
de melhor qualidade para todos.
Em suma, o grupo investigado acredita que a construção de uma prática inclusiva
passa, também, pela questão da formação, sinalizando para a importância dos cursos de
licenciatura contemplarem, em seus currículos, informações relativas à inclusão, além da
necessidade do envolvimento e comprometimento de toda a equipe escolar com o processo de
formação continuada. Nesse ínterim, valorizam o trabalho de parceria, a troca com os pares, a
convivência com os alunos, entre outros aspectos, como fatores relevantes para a
aprendizagem da docência e para a construção de uma filosofia inclusiva nas escolas.
muito menos ao aluno”. Outras professoras afirmaram a importância da análise dos casos de
ensino para refletirem sobre a própria trajetória como docentes. Nesse sentido, Célia escreve:
“Essa leitura foi relevante e extremamente significativa para mim, por me ajudar a refletir e
escrever sobre minha trajetória”. Para Sônia, a análise dos casos de ensino “[...] me fez pensar
sobre a minha própria trajetória”. Por fim, Flora também diz sobre o sentimento de “[...]
satisfação em poder estar revivendo um pouco a minha história como educadora (Caso 1,
set./2008).
Esses relatos confirmam que, através da análise dos casos de ensino, essas
professoras têm condições de observar, descrever e analisar suas práticas, envolvendo-se em
um processo inicial de reflexão sobre o próprio ensino que desenvolvem. Tais resultados
corroboram com aqueles encontrados nas pesquisas desenvolvidas por Mussi (2007) e Nono
(2005) para quem o ‘parar para pensar’ sobre a própria prática e conseguir descrevê-las é um
processo que deve ser exercitado, explicitado, compartilhado, na medida em que pode
conduzir o professor a alcançar outras dimensões dos processos reflexivos em torno destas
descrições iniciais.
Na medida em que as professoras deste estudo assumem uma postura de
observadoras de suas próprias ações, descrevendo-as, elas expõem conhecimentos, valores,
crenças e concepções que orientam as suas práticas profissionais, alcançando o que aqui
denominamos de segunda dimensão dos processos de reflexão docente. Portanto, ao
explicarem, ou tentarem explicar o que fazem em determinada situação de ensino, ou o que
fariam se estivessem no lugar de outras profissionais, as professoras revelam seu
entendimento sobre ensino, aprendizagem, avaliação, planejamento, papel do professor, aluno
e o próprio processo inclusivo. Além disso, expressam entendimento sobre o contexto
educativo e a realidade social em que desenvolvem a docência, assim como a influência das
condições de trabalho e das políticas educacionais para a sua atuação profissional.
Em linhas gerais, os relatos demonstram que as professoras valorizam ações docentes
pautadas na idéia de ensino como um processo de mão dupla, em que professor e aluno
aprendem enquanto interagem. Nesse ínterim, concebem que o planejamento deve se basear
no conhecimento dos alunos e suas características, sendo organizado de maneira flexível e
diversificada a fim de atender os diferentes ritmos e estilos de aprendizagem presentes na sala
de aula. Além disso, representa elemento de reflexão e análise sobre a prática docente, de
modo que o professor possa reorientá-la, sempre que julgar necessário, buscando as
estratégias mais adequadas para atender às demandas do grupo de alunos. Em relação ao papel
do professor, apontam que é o de mediador da aprendizagem, cabendo a ele organizar
204
àquelas que, de fato, parecem orientar sua atuação. Há, por assim dizer, certa discrepância
entre o que elas afirmam que fariam se estivessem no lugar das protagonistas dos casos
analisados e o que realmente fazem em situação real. Alarcão (1996) esclarece que, nesses
casos, a pessoa tende a expor a sua “teoria de ação” e não aquela a qual realmente recorre na
situação, sem, muitas vezes, ter consciência de que existe uma defasagem entre elas.
Com base no acima exposto, entendemos que, se existe uma distância entre as
intenções e ações e/ou entre as concepções e práticas, muitas destas profissionais apresentam,
em contrapartida, disposição em superar determinadas formas de pensar e agir, o que nos
encaminha para uma terceira dimensão dos processos de reflexão docente. Notamos, assim,
que ao analisar individual e coletivamente casos de ensino elaborados por outras docentes, as
professoras que atuam no ensino regular, sentem-se estimuladas a realizar um exame de suas
concepções e práticas, construindo e reconstruindo conhecimentos que embasam suas ações.
Esse dado confirma resultados obtidos por Nono (2005), situando a adequação da realização
de novos estudos que focalizem métodos de casos como capazes de garantir um envolvimento
cada vez maior das docentes em processos reflexivos.
Além dos relatos já apresentados no decorrer deste capítulo, a análise realizada por
Clara reflete a presença dessa dimensão do ensino reflexivo, ao pontuar que o trabalho
envolvendo a análise dos casos, contribuiu para que ela repensasse a sua postura frente ao
aluno com paralisia cerebral. Esta professora afirma que, ao ter a oportunidade de refletir
sobre o seu ensino, reavendo aspectos de sua atuação junto a esse educando, passou a ter um
outro olhar sobre ele, seguido da reorientação da sua prática pedagógica com vistas à sua
inclusão.
[...] Luis, por sua vez, já não obteve o resultado esperado no aspecto
cognitivo, pois não reconhecia sua capacidade, até que você (referindo-se à
pesquisadora) apareceu com a proposta de seu trabalho e me fez perceber
que seria possível sim ensinar e educar meu aluno, daí passei a realizar
atividades diferenciadas em que Luis pudesse fazê-las, já que anteriormente
ele só riscava e rabiscava (Caso 1, set./2008).
A fala dessa professora é indicativa de que a sua visão acerca do aluno com paralisia
cerebral pôde ser atualizada pelo movimento de reflexão realizado no momento em que se
remeteu à sua própria trajetória profissional. A participação da professora Clara neste
processo de intervenção possibilitou a ela elaborar novos formatos na concepção que têm
206
acerca da deficiência, contribuindo para a construção de novas imagens sobre o ser do aluno,
vendo-o como um ser dotado de sentimentos e potencialidades como todo ser humano.
Essa dimensão do ensino reflexivo também pode ser observada no relato da
professora Sônia ao afirmar a intenção em rever a sua prática de modo a torná-la mais
adequada às necessidades de seus alunos: “A partir dessas análises, sobre os casos, venho
procurando fazer alguma coisa que possa trazer um melhor resultado, pois não tem nada que
me angustie mais do que ver uma criança ou adolescente sem saber ler ou escrever. Esse é,
para mim, o maior desafio” (Caso 3, out./2008).
Além disso, constatamos que as professoras do ensino regular, ao analisarem os
casos de ensino, identificaram em diversos momentos fontes de constituição de seus
conhecimentos profissionais para buscar estabelecer relações entre aspectos teóricos e
práticos do seu ensino. Procuram, também, justificativas para o seu desempenho profissional,
analisando os efeitos de sua atuação sobre a aprendizagem dos alunos, bem como a influência
das ações dos alunos e dos pares sobre a prática que desenvolvem.
As professoras situam, em geral, que a construção dos conhecimentos necessários
para atuar com alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular vem
ocorrendo de forma processual. A formação inicial, estudos teóricos, a prática em sala de
aula, a convivência com esses alunos, a troca de experiências com os pares e o próprio
trabalho com os casos de ensino são apontados como fonte de constituição dos seus
conhecimentos profissionais.
Outro momento significativo e que indica a presença desse nível de reflexão entre as
professoras do estudo, pode ser abstraído do diálogo abaixo, estabelecido a partir do
compartilhamento de uma experiência de ensino junto a uma aluna com Paralisia Cerebral,
vivenciada nas aulas de Educação Física. Trata-se de um momento que é representativo da
207
Eu até fiz uma vivência uma vez [...] logo no início do ano, quando era
brincadeira de pular corda, o que é que a gente fazia, nós amarrávamos uma
corda na cadeira dela, porque Maria não tem coordenação motora para girar
a corda, então, o que é que a gente fazia, amarrava a corda na cadeira dela e
uma outra criança, do outro lado, ficava girando. Então, de certa forma, ela
participava da brincadeira, mas, chega um ponto em que ela mesma se
incomoda de estar naquela situação que não deixa de ser uma situação
passiva (Aline, Caso 1, Encontro Coletivo, 12/09/2008).
- Pegar a corda, dois meninos segurando e passar com a cadeira por cima
(Flora, Caso 1, Encontro Coletivo, 12/09/2008).
- A gente já faz isso, coloca a corda no chão (Aline, Caso 1, Encontro
Coletivo, 12/09/2008).
- Haveria outra solução? (Pesquisadora).
- Outra solução pra isso?!?!? (Dalva, Caso 1, Encontro Coletivo,
12/09/2008).
208
Eu tentei fazer, uma vez, a corda rodando e tentar passar ela direto, só que eu
tive medo [...]. A gente faz uma brincadeira com os alunos, a corda roda e
você tem que passar direto, com a corda girando, sem tocar na corda
(brincadeira do relógio). E eu pensei em empurrar a cadeira direto (Aline,
Caso 1, Encontro Coletivo, 12/09/2008).
Esses relatos sugerem a importância dos casos de ensino como uma das ferramentas
que podem auxiliar as professoras a revisitarem o seu ensino, avaliando o valor de
determinadas estratégias por elas empregadas, construindo novos conhecimentos, além de
210
mostrou-se disposta a modificar suas concepções sobre a aluna com paralisia cerebral e,
assim, introduzir mudanças no seu modo de ensinar. O fragmento a seguir elucida esta
questão:
27
Entre as crianças com paralisia cerebral são comuns transtornos no desenvolvimento da fala e da linguagem,
decorrentes de alterações do aspecto motor-expressivo da linguagem, determinadas por uma perturbação mais ou
menos grave, de controle dos órgãos bucofonatórios, que pode afetar a execução (disartria) ou a própria
organização do órgão motor (apraxia) (BASIL, 2004).
214
Em uma de nossas aulas desenvolvi uma atividade com alfabeto móvel onde
íamos dizendo as letras, utilizando-as para formar palavras. Maria conseguiu
realizar a atividade sozinha, levando, apenas, um pouco mais de tempo para
finalizá-la. Outra atividade que exigiu adaptação foi no dia em que propus
aos alunos, que eles pesquisassem em jornais, livros e revistas, as letras do
alfabeto. Depois de recortá-las e ordená-las, deveriam fazer a colagem das
letras no caderno. Maria realizou a mesma atividade de colagem ordenando
as letras do alfabeto móvel em uma folha. A folha foi fixada na mesa, com
fita adesiva, proporcionando a ela maior autonomia na realização da tarefa.
Ao trabalhar o assunto “meios de transporte” ela conseguiu, com ajuda,
recortar e colar as gravuras, além de fazer o desenho do meio de transporte
terrestre. No início, necessitava de todo espaço de uma folha de papel ofício
para escrever apenas duas letras do seu nome e, aos poucos, fui adaptando
folhas menores para que controlasse o espaço ocupado. Também engrossei
um lápis utilizando fita adesiva facilitando um melhor apoio. Antes de
chegarmos no final do primeiro semestre ela já conseguia escrever seu nome
em um quarto de folha. Aos poucos, começou a escrever palavras e até
frases.
Certo dia, pedi aos alunos que escrevessem sobre o que haviam feito no final
de semana. Depois de orientar a turma, sentei junto a Maria para auxiliá-la
individualmente na produção do texto. Comecei perguntando o que havia
feito no final de semana. Disse que havia ido à uma festa. Então pedi que ela
registrasse seu texto em uma folha, mas ela não quis fazer a atividade. Então
pedi que ela fosse falando as frases e eu iria colocando no papel. Depois do
texto pronto, ela produziu um desenho sobre o seu final de semana.
Cabe ressaltar que Flora ilustrou o caso elaborado por ela com exemplos de
atividades realizadas pela aluna com paralisia cerebral, organizadas e arquivadas em uma
pasta, permitindo notar os progressos de Maria no decorrer daquele ano letivo. Apesar de
descrever, ao longo do caso de ensino, dúvidas e dificuldades que enfrentou no trabalho
desenvolvido com a aluna, esta professora demonstra possuir conhecimentos de acordo com a
base explicitada por Shulman (1986; 1987).
Um desses conhecimentos é o conhecimento de conteúdo pedagógico, relativo às
teorias e princípios da educação, ao conhecimento dos alunos, ao manejo da classe e ao
contexto de trabalho. Com a escrita deste caso, tal conhecimento é explicitado no momento
em que a professora demonstra compreender as implicações da paralisia cerebral para o
processo de ensino e aprendizagem, além da maneira de organizar a turma (em grupos e/ou
215
pares) a fim de facilitar a interação dos alunos e a construção do conhecimento pelos mesmos.
Em relação ao conhecimento específico da matéria, demonstra ter entendimento do assunto
com habilidade para abordá-lo junto aos alunos, explicitando, assim, domínio do
conhecimento pedagógico do conteúdo. Esse conhecimento, referente ao como ensinar ou
como transformar conhecimento em ensino, é explicitado no momento em que seleciona e
utiliza materiais e estratégias diversificadas, apropriadas para atender as necessidades da
aluna com paralisia cerebral e da turma em geral. O domínio de tais conhecimentos e a forma
como os articulou, na prática, permitiu que ela lidasse com a complexidade imposta pela
presença da aluna com necessidades educacionais especiais em sala de aula, adequando
atividades e materiais à sua condição.
Além dos conhecimentos profissionais que esta professora demonstra possuir, a
experiência registrada ilustra o seu envolvimento em um processo de raciocínio pedagógico,
na medida em que expõe sua forma de atuação junto à aluna com paralisia cerebral,
destacando procedimentos didáticos realizados, materiais utilizados, interação entre os pares,
de forma a garantir a transformação do conhecimento em ensino. Na perspectiva de Shulman
(1987), o ponto de partida e de chegada deste processo será sempre um ato de compreensão
ou, como afirma, “ensinar é, primeiramente, compreender”. Podemos inferir, desta forma, que
a professora Flora alia a compreensão do assunto a ser abordado, à compreensão das
características dos estudantes, dentre eles, a aluna com paralisia cerebral, para dar início ao
seu ensino. Demonstra, assim, que ao ensinar determinado conteúdo aos seus alunos, precisa
fazê-lo de diferentes modos, a fim de que este possa ser entendido por eles. Novamente,
Shulman (1987) é elucidativo ao afirmar que, sob algumas condições, como no caso da
inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais, o ponto de partida para o
raciocínio sobre a instrução pode se concentrar não necessariamente na compreensão das
idéias ou do conteúdo a ser ensinado, mas em um determinado conjunto de valores,
características, necessidades, interesses ou possibilidades de um indivíduo ou grupo de
formandos.
Pensando a promoção de uma Educação Inclusiva, Aranha e Laranjeira (1996, p. 33)
oferecem uma visão complementar dessa questão, ao afirmarem que, na relação pedagógica,
cabe ao professor compreender a si mesmo, assim como, “[...] compreender o seu aluno-
parceiro, para que dele possa atender as necessidades”. Para essas autoras, a elaboração do
plano de ensino, pelo professor, depende de informações sobre o nível em que o aluno se
encontra nas diferentes áreas do conhecimento, sobre como ele constrói o conhecimento, e
quais são as suas necessidades educacionais específicas. Somente assim será possível planejar
216
prática, de forma a estimular o interesse da aluna e envolvê-la nas atividades propostas: “[...]
diante dessa vivência, foram surgindo pistas de como trabalhar de forma mais dinâmica com a
turma”. Apresenta, assim, um estilo flexível de ensinar, sendo que, através da convivência
posta pela prática, procurou superar as dificuldades oriundas do cotidiano da docência visando
responder às necessidades da referida aluna. Observamos, assim, que a instrução ocorreu
através de uma relação de reciprocidade, em que aluna e professora ensinaram e aprenderam
juntas, construindo e compartilhando conhecimentos. Esse aspecto confirma o princípio da
bidirecionalidade do ato educativo, ou seja, que “[...] o ensinar e o aprender são processos
interdependentes, que ocorrem a partir de, e na relação entre professor e aluno”, sendo
fundamental que o professor conheça o seu alunado: em suas peculiaridades de existência e
funcionamento (ARANHA; LARANJEIRA, 1996, p. 30).
Na avaliação que realiza sobre a aprendizagem da aluna com paralisia cerebral,
notamos que esta ocorre antes, durante e depois da instrução, colocando-se, portanto, de
forma processual, o que lhe permitiu acompanhar não só os progressos da aluna, mas,
também, a validade de determinadas metodologias empregadas no seu ensino. A postura
adotada pela professora Flora nos parece bastante coerente com o princípio da Educação
Inclusiva, haja vista sua preocupação em avaliar a aluna de forma integral, considerando todas
as dimensões do seu desenvolvimento e aprendizagem: motora, afetiva e cognitiva. Podemos
inferir, assim, com base em Aranha e Laranjeira (1996, p. 33), que a avaliação da professora
foi direcionada no sentido de buscar identificar as necessidades educativas da aluna, planejar
os passos de sua intervenção, “[...] implantá-los e reajustá-los, em função dos efeitos
observados no desenrolar do processo de ensino aprendizagem”. Sobre isso, vale reproduzir o
seguinte trecho, do caso elaborado:
desenvolvimento e aprendizagem da aluna: “[...] hoje, ao refletir sobre essa experiência, faço
uma avaliação positiva do trabalho desenvolvido, pois as atividades propostas atenderam às
necessidades de Maria e nossos objetivos foram alcançados”.
Além disso, seu relato confirma que, parte dos conhecimentos necessários para
ensinar numa perspectiva inclusiva é construída no próprio exercício profissional, no convívio
com o aluno com necessidades educacionais especiais, o que leva à conclusão de que a
inclusão representa um fator importante na transformação de práticas excludentes que ainda
vigoram na escola regular. A experiência junto à aluna com paralisia cerebral parece ter
mobilizado a professora Flora nesse sentido, ou seja, de que incluir é um aprendizado que
exige esforço e desprendimento, coragem de mudar e inovar, de assumir riscos na sua prática
pedagógica, demonstrando com isso, uma nova compreensão acerca do seu ensino, dos
alunos, e do próprio processo inclusivo nas escolas.
Quando socializado no coletivo, esse caso surgiu como sinônimo de uma experiência
bem sucedida, servindo de exemplo e fonte de inspiração para a maioria das professoras
investigadas. A partir do seu relato foi identificada uma série de estratégias empregadas no
ensino da aluna com paralisia cerebral. Entre elas, podemos citar: (1) apoio da professora; (2)
apoio dos colegas; (3) atividade colaborativa em grupos; (4) confecção e/ou adaptação de
materiais pedagógicos; (5) uso do objetos/materiais manipuláveis; (6) atividades de expressão
corporal (música, dança...); (7) modificação no espaço físico da sala de aula (reorganizar as
carteiras, arranjos de duplas e grupos, etc.). A utilização de tais estratégias e/ou materiais
(adaptados ou não) parece ter viabilizado a participação da aluna nas atividades, bem como o
alcance dos diversos objetivos previstos para a série, relacionados à leitura, escrita,
vocabulário, expressão, dramatização, ritmo, coordenação motora fina, etc.
A partir da experiência vivida por Flora, as demais professoras puderam se
posicionar quanto à validade e possibilidades de adaptar técnicas de ensino e materiais
pedagógicos à condição dos alunos com necessidades educacionais especiais, favorecendo a
sua inclusão. Consideraram, de maneira geral, que todas as estratégias empregadas pela
219
professora para o ensino da aluna com paralisia cerebral são viáveis, podendo ser
implementadas até mesmo em níveis mais avançados de ensino, onde a complexidade dos
conteúdos trabalhados tende a ser maior.
Em suma, o relato produzido demonstra a implicação desta professora com a
docência e com seu próprio processo de desenvolvimento profissional. É um evento que nos
permite tecer relações entre a formação docente e a prática educativa, dificuldades enfrentadas
no trabalho com alunos com necessidades educacionais especiais, conhecimentos necessários
para o desenvolvimento de uma Educação Inclusiva, adaptações curriculares, dentre outros.
Desse modo, consideramos relevante a utilização deste caso de ensino em programas de
formação inicial e/ou continuada de professores, servindo de exemplo e fonte de discussões
em torno dos diferentes tipos de conhecimentos envolvidos na atuação de professores do
ensino regular.
A partir dessa experiência, a professora fala das aprendizagens que teve e da
mudança de visão acerca da inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais
especiais: “Aprendi que a inclusão é possível, foi a partir dessa experiência que passei a
acreditar no processo inclusivo”. Tal aspecto, certamente, guarda relação com a maneira como
a professora organiza ou pretende organizar o seu ensino em situações futuras, pois, como
bem afirma Shulman (1987), as expectativas docentes, a compreensão que estes têm dos
alunos, entre outros aspectos, está fortemente atrelada aos seus modos de ensinar.
Para Flora, elaborar um caso de ensino constituiu-se em um momento de reflexão
sobre a sua prática pedagógica e sobre os seus processos de aprendizagem e desenvolvimento
profissional, confirmando o pressuposto de que “[...] ensinar é, essencialmente, uma profissão
aprendida” (SHULMAN, 1987, p. 9). Para ela, escrever um caso de ensino:
[...] embora ele estivesse em sala de aula, acreditava que não teria muito
progresso. Também não me sentia responsável pelo fato dele não estar
aprendendo, de não conseguir fazer as atividades, e atribuía isso às suas
limitações. Acreditava que a socialização, a convivência com os outros
alunos já representava um avanço.
Com a leitura do fragmento acima podemos inferir que, para esta professora, a
inclusão para o aluno com paralisia cerebral, primeiramente, limitava-se à sua socialização e
ao curso das aprendizagens espontâneas. A análise desta concepção também nos possibilita
entender que a única aprendizagem válida para a escola continua sendo a intelectual. Assim,
221
as outras dimensões do indivíduo aparecem reduzidas ou, simplesmente, ignoradas, pelo ato
pedagógico, sem atentar para o que cada um é e o que pode vir a ser. Nestas circunstâncias, os
outros ganhos, em termos de desenvolvimento, possíveis de se efetivar no espaço escolar,
ficam relegados a um plano secundário tendo o indivíduo, reduzidas chances/possibilidades
de avançar (LUSTOSA; FREIRE, 2007).
Portanto, ao aceitar que a socialização “basta” para esse aluno, a professora reforça
uma percepção de “inclusão excludente”, conforme afirma Baptista (2001), produzindo a
ilusão de que o simples fato de estar com os demais se constitui em fator de igualdade em que,
mais uma vez, tem-se o padrão, como medida.
Por outro lado, o relato da professora em questão, permite acompanhar mudanças na
maneira de conceber a inclusão, viabilizada pela sua participação na ação formativa ora
proposta. Conforme narra, as discussões no coletivo da escola lhe possibilitaram “despertar”
para a necessidade de uma transformação na sua prática pedagógica, seguida de um
investimento maior na aprendizagem do aluno com paralisia cerebral, desacreditado, por ela,
até então. Esse movimento veio acompanhado, não obstante, de dúvidas e inquietações sobre
como poderia ensinar o seu aluno.
Afirma que mesmo com dificuldades, tem procurado rever a sua postura diante de
Luis, buscando outros caminhos, a fim de lidar com a nova situação, dando início a um
processo de revisão e reestruturação da sua prática pedagógica de modo a promover avanços
na aprendizagem deste educando, conforme ela mesma destaca: “[...] Luis, ao contrário do
que eu supunha, não representava um obstáculo, mas um desafio que sinalizava para a
necessidade de transformar a minha prática”. Sob essa perspectiva, a diferença do aluno passa
a ser percebida por esta professora “[...] como um recurso a ser explorado e não como uma
limitação a ser superada” (BAPTISTA, 2001, p. 38).
Um trecho do caso elaborado ilustra a disposição desta professora para refletir sobre
sua prática pedagógica e (re)orientar suas intervenções pelas observações e análises que
realiza acerca da condição do aluno com paralisia cerebral, dificuldades e saberes que este
possui.
Logo de início fiquei confusa: de onde partir? Por onde começar? Refletindo
sobre a situação, fui encontrando formas de começar meu trabalho com Luis.
Procurei, inicialmente, me aproximar e interagir mais com ele, a fim de
conhecer melhor suas dificuldades, seus interesses, e assim poder intervir de
modo mais adequado. Descobri que Luis reconhecia as letras e os numerais,
e embora apresentasse dificuldades para escrever e para verbalizar seu
pensamento, compreendia e percebia o mundo a sua volta. A partir do que ia
222
Podemos deduzir, com este caso de ensino, que a professora Clara demonstra forte
implicação com seu processo de aprendizagem e desenvolvimento profissional, o que vem lhe
permitindo (re)construir sua identidade docente, transformando-a em inclusiva. Essa
redefinição na identidade do professor do ensino comum, conforme argumenta Pires (2008),
se faz urgente, na medida em que os educadores se deparam com a necessidade de saber lidar,
na escola, com a diversidade e as diferenças.
224
Com Luis aprendi que, às vezes, para se ver bem, é preciso mudar o foco do
nosso olhar. Foi assim que, revendo o papel do aluno, pude rever meu
próprio papel como profissional, e a responsabilidade que me cabe no
processo de ensino-aprendizagem. Passei de uma visão do aluno como o
único responsável e que precisa se adequar à escola para outra, em que a
escola e seus profissionais precisam oferecer condições para que todos
aprendam.
Por fim, um último ponto que merece destaque, é quanto à importância da professora
do ensino comum buscar ajuda junto a outros profissionais, inclusive os da própria escola.
Nesse momento, a professora da sala de informática, que estava presente no encontro de
discussão, reitera a sua intenção de trabalhar em parceria com Clara para que, juntas,
pudessem pensar na melhor forma de atender a Luis. Vimos aí o potencial do trabalho com os
casos de ensino para fomentar a efetivação de parcerias nas escolas. Ademais, lembramos que
a utilização do computador como recurso à aprendizagem já era uma prática realizada na
escola locus desta investigação. Retomamos, assim, a discussão em relação ao uso do
computador enquanto recurso que visa facilitar o acesso do currículo ao aluno, servindo ora
como recurso principal, ora como recurso complementar, dependendo dos conteúdos e dos
objetivos propostos. Fizemos tal afirmação, pois era muito comum, entre as professoras, a
idéia de que apenas através do computador seria possível ensinar/trabalhar com esses alunos,
concepção que, a nosso ver, precisa ser desmistificada, pois não é o recurso em si, mas o uso
que se faz dele, o diferencial no ensino de qualquer aluno, inclusive daqueles com alguma
deficiência. Assim, ao contrário do que muitos professores costumam formular, ensinar, na
perspectiva da inclusão, em muito se afasta da pretensa utilização de métodos e técnicas de
ensino específicas para esta ou aquela deficiência (MANTOAN, 2002).
Pelo acima exposto, podemos deduzir que a professora Clara, de forma flexível, e
com a convivência posta pela prática, vem procurando responder às dificuldades que se
apresentam no contexto da docência e às características do aluno com paralisia cerebral. Por
isso, se utilizado em programas de formação, este caso de ensino permite pensar o processo de
aprendizagem profissional da docência, mudanças nas concepções e atitudes docentes, bem
como a importância do trabalho coletivo, da troca com os pares, da formação continuada
centrada na escola, etc.
A professora Clara, ao viver esta situação, apresenta disposição para refletir e para
revisar o seu trabalho, anunciando que aprendeu: “[...] que, em muitos casos, as necessidades
de mudanças estão sendo sinalizadas pelos próprios alunos, cabendo ao professor redirecionar
o seu olhar e, consequentemente, a sua ação, estando mais atento para os avanços, mesmo que
estes pareçam mínimos”. Também enfatiza que aprendeu ao escrever esse caso de ensino,
227
necessidades educacionais especiais, ela diz: “Simplesmente não sei o que fazer com esses
alunos em sala de aula”.
O episódio descrito retrata uma situação de ensino que não foi bem-sucedida,
ocorrida no ano de 2008, em que procurou articular o conhecimento específico da matéria
com uma atividade prática, neste caso, a releitura, pelos alunos, de uma obra de arte. A
professora relata que a abordagem desse conteúdo é importante, pois é uma oportunidade dos
alunos terem acesso a tais obras de maneira sistematizada, o que não seria possível de outra
forma. Embora a estratégia de releitura seja bastante comum no seu cotidiano profissional,
representando uma proposta de trabalho que é bem aceita pelos alunos em geral, ela não
conseguiu realizá-la com toda a turma e, mais especificamente, com Luis, personagem central
de seu relato. Um extrato do caso descrito por Dalva nos possibilita compreender o dilema
por ela vivido:
Fico muito frustrada e angustiada quando vejo Luis na sala de aula, pois
percebo o seu desejo em envolver-se e participar das atividades. Mas,
sinceramente, não sei se isso é possível. Além das limitações do próprio
aluno também tem a questão do tempo da aula que é curto, apenas uma hora
semanal em cada turma e do material que é coletivo, não tem para todos. Em
uma de nossas aulas, quando terminei de organizar a turma para dar conta de
Luis ele estava lá, sentado, triste, com a cabeça debruçada sobre os braços.
Olhei para ele e tive vontade de chorar. Foi deprimente.
A professora afirma que a docência pode ser algumas vezes, frustrante, como no caso
da inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola regular. Na
sequência do seu relato, ela oferece indícios de como planejou e desenvolveu uma aula, com o
objetivo de que os alunos fizessem um desenho/releitura de uma obra de arte. A abordagem
do conteúdo consistiu, basicamente, na leitura de um texto informativo sobre o pintor e sua
obra, selecionados previamente pela professora, e a utilização de materiais como folhas de
papel, giz e lápis para colorir.
Sobre isso, vale a pena reproduzir o trecho da professora na elaboração do caso de
ensino:
copiem. Depois faço a leitura coletiva e algumas perguntas pra ver o que a
turma entendeu. Então distribuo cartões com as instruções sobre a atividade
que eles irão realizar, no caso a releitura da obra. Nesse momento distribuo o
material como papel, giz de cera, lápis para colorir, etc. Tem vezes, também,
que trabalho com os contrastes, como o preto e o branco, por exemplo. Após
receberem o material começa o trabalho de releitura pelos alunos. Algumas
vezes, esse trabalho é realizado individualmente, outras, em pequenos
grupos. Mas o fato é que quando eu fui trabalhar com Luis faltavam cinco
minutos pra terminar a aula. Ele foi pra casa sem fazer a atividade, porque
precisaria de um tempo maior pra ele e de uma pessoa do lado para ajudar,
precisaria prender o papel na mesa, ter um lápis ou giz de cera mais grosso,
enfim, dar uma arrumada pra Luis poder fazer alguma coisa. Mas aí esse
tempo não dá pra trabalhar, não dá pra fazer isso, conciliar a sala de aula
com ele. Essa situação tem me angustiado bastante.
para atender aos seus objetivos de ensino, fornecendo aos alunos instruções específicas e
criando oportunidades para o aprendizado, embora este, no final, seja consolidado por eles
próprios.
Transpondo essa questão para a Educação Inclusiva, inferimos que a transformação
dos conhecimentos em ensino não ocorre de forma unilateral, visto que o processo de ensinar
e aprender se caracteriza numa via de mão dupla, que se desenrola na relação professor-aluno,
tendo, assim, um caráter de reciprocidade (MÜLLER; GLAT, 1999). Com esse entendimento,
cabe ao professor conhecer as especificidades do seu alunado, seu processo de construção do
conhecimento para, a partir disso, poder planejar o seu ensino, estruturando formas variadas
de representar o conhecimento, tornando-o compreensível aos alunos que se pretende ensinar.
Tomando por base a situação relatada, vimos que não houve, por parte da professora Dalva,
preocupação com a elaboração de um planejamento pedagógico que contemplasse as
especificidades do aluno com paralisia cerebral em sala de aula. No momento em que ela
deixa de prever formas e estratégias capazes de facilitar o envolvimento e a participação do
referido aluno, na atividade proposta, demonstra sua dificuldade em adaptar o seu
planejamento à realidade do contexto e dos alunos a quem deve ensinar.
O caso produzido também possibilita discutir a instrução, isto é, as formas como esta
professora organizou e conduziu as atividades em classe e os motivos que justificam suas
escolhas pedagógicas. Convém chamar a atenção, aqui, para a postura por ela adotada, ao
dizer da impossibilidade de envolver Luis no trabalho de releitura, optando por excluí-lo da
atividade, uma vez que ele não apresentava, conforme narra, habilidade para escrever,
desenhar ou pintar. Tal prática evidencia um estilo de ensino pouco flexível, no tocante à
abordagem dos conteúdos, à utilização de recursos materiais e estratégias pouco
diversificadas, que não atenderam às necessidades educacionais de Luis. A intenção da
professora em concluir aquilo que havia proposto, dentro do horário previsto para a aula,
demonstra, ainda, a falta de consideração pelos interesses e pelo ritmo do aluno com paralisia
cerebral. O ensino, assim, é dirigido para o coletivo, não respeitando as diferenças presentes
na classe.
Isso guarda relação com o “ranço” da seletividade escolar, que ainda marca as
relações e práticas escolares na atualidade. Sobre isso, Sacristán (1998, p. 194) elucida: “[...] a
homogeneização que a vida escolar e a rotina impõem nos hábitos profissionais dos
professores/as reflete-se numa metodologia com atividades pouco variadas nas aulas que não
permite a expressão de distintos estilos de aprender, condições e capacidades pessoais”. Ainda
com base neste autor, afirmamos que muitas das limitações que os alunos com necessidades
231
assim poder trabalhar com eles. Acredito que, no meu caso específico, com o
tempo e as condições que disponho para trabalhar seja muito difícil conciliar
de modo a atender as demandas de Luis em sala de aula. Precisa dar mais
tempo a ele, material diferenciado, além de um apoio maior. Mas como fazer
tudo isso considerando o tempo de aula que disponho, os materiais, etc.?
Da pergunta posta pela professora, no trecho acima, resta-nos indagar: como fazer
para que todos os alunos, inclusive aqueles com alguma necessidade educacional especial,
possam se envolver e participar das atividades propostas na aula de Artes? Esta questão
norteou as discussões no coletivo da escola que, diante do relato da professora Dalva, sentiu-
se mobilizado no sentido de buscar “soluções”, identificando estratégias que poderiam ter sido
utilizadas por ela, a fim de favorecer o envolvimento de Luis no trabalho de releitura.
Inicialmente, foram levantados os principais pontos, considerados críticos no
planejamento e desenvolvimento da aula, a saber: (1) falta de apoio da professora; (2) falta de
apoio dos colegas; (3) tempo insuficiente para realização da atividade; (4) falta de recursos
materiais adaptados à condição do aluno com paralisia cerebral.
Em relação ao apoio, foi aconselhado que a professora procurasse interagir mais com
o aluno, a fim de conhecê-lo melhor, identificando suas habilidades e capacidades. Acreditam
que, a partir disso, Dalva poderia selecionar tarefas e papéis que o aluno tivesse condições de
desempenhar em aula. A principal sugestão, nesse sentido, foi a de que a professora
compreendesse que, mesmo que o aluno com paralisia cerebral não apresente condições de
realizar a atividade como os demais, isto é, com a mesma destreza e precisão nos
movimentos, ele poderia participar do que Lima e Lima (2009) chamam de “fases do
trabalho”, recortando, colando, dobrando, dando idéias, etc. Nesse sentido, uma professora
chega a afirmar: “[...] se ele não puder fazer tudo, a gente tem que tentar descobrir o que ele é
capaz de realizar” (Flora, Encontro Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2010). Conforme
Micheletto (2009), as relações estabelecidas entre o professor e seus alunos são fundamentais
para o processo bi-direcional de construção da aprendizagem e do desenvolvimento das
crianças, na disciplina de Arte, visão da qual compartilhamos.
Em relação ao grupo de alunos, argumentaram sobre a possibilidade da professora:
(a) realizar modificações no espaço físico da sala; (b) contar com a assistência de um colega;
(c) propor atividades em grupos. Afirmaram que de tais estratégias poderiam facilitar a
interação e a colaboração entre os pares, auxiliando Luis no momento de sistematizar o
conhecimento: “[...] poderia pensar em como vai organizar a sala e os alunos. Dividir em
233
grupos, duplas ou trios, trabalhando com as ajudas entre os alunos, um auxiliando o outro”
(Clara, Encontro Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2008).
A questão das ajudas, o trabalho em grupo e participativo em sala de aula, é
repetidamente anunciada pela literatura que aborda a questão da inclusão escolar, como
benéfica não só para o aluno com necessidades educacionais especiais, mas para os estudantes
em geral. O mesmo serve para o ensino de Artes no que destacamos, com base em Micheletto
(2009, p. 59): “[...] a relevância dos compromissos, perspectivas e posicionamentos que
precisam ser assumidos pelos educadores na disciplina de Arte em seu trabalho em sala de
aula, no sentido de viabilizar a influência mútua dos alunos com deficiência junto aos demais
colegas”. A arte, assim, deve ser entendida como elemento de mediação das relações sociais
em sala de aula, visando alavancar potencialidades de todos os envolvidos no ato educativo.
A esse respeito, foi retomada a discussão sobre a necessidade desta ajuda ser
supervisionada, de perto, pelo professor da classe, que deve estar disposto a intervir, quando
necessário, pois, segundo afirmam as professoras participantes da pesquisa, nem todos os
alunos apresentam “perfil” para prestar esse auxílio ao colega, realizando, muitas vezes, a
tarefa em seu lugar. Nesse sentido, analisamos como fundamental que o professor consiga
atuar na direção de criar um ambiente que estimule as interações em sala de aula, favorecendo
a superação dos estereótipos, medos e preconceitos que os demais alunos apresentam em
relação aqueles com alguma necessidade educacional especial, e que podem de alguma forma,
dificultar a inclusão escolar, acarretando segregação em relação às atividades desenvolvidas
em sala de aula.
Em relação ao tempo destinado para a atividade de releitura, percebeu-se a
necessidade de que houvesse ampliação e maior flexibilização do mesmo. Nesse sentido, a
principal sugestão ficou por conta do sequenciamento dos conteúdos, visto que um
determinado conteúdo e/ou atividade não precisa, necessariamente, ser abordado em apenas
uma aula: “[...] outra possibilidade seria retomar a atividade com as crianças [...] até porque
uma atividade não tem que ser encerrada num único dia, no momento em que a gente quer
retomar a gente pode retomar, eu mesma já retomei várias vezes, nesse caso, acho que seria
uma opção” (Ana, Encontro Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2008). Retomar a atividade
em outra aula, destinando um tempo maior para a turma em geral e para Luis, em particular,
parece ser um fator essencial para uma prática exitosa.
Também o fato de Luis apresentar limitações motoras que prejudicam o ato da
escrita, impedindo-o, por exemplo, de copiar um texto na velocidade dos outros alunos gera,
no grupo investigado, outras sugestões para abordar os conteúdos, como a preparação e
234
fornecimento prévio do material (textos, imagens, etc.), que será utilizado, além da confecção
e/ou adaptação de diferentes materiais/objetos que pudessem ser manipulados pelo aluno.
Poderia ter preparado o material dele antes. Também poderia fazer uma
adaptação no lápis, colocando aquela esponjinha (Ana, Encontro Coletivo,
Casos Elaborados, 28/11/2008).
Luis faz colagem com ajuda, ele escreve também com ajuda. Então, nesse
caso, acho que poderia ter feito uma colagem da obra em forma de quebra-
cabeças, com uns quadrados maiores pra ele ordenar e colar (Clara,
Encontro Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2008).
Recursos materiais, como tinta, argila, massa de modelar, também foram sugeridos, a
fim de possibilitar outras formas de expressão pelo aluno com paralisia cerebral, realizando,
por exemplo, pintura a dedo ao invés de utilizar o lápis ou giz de cera para colorir, uma vez
que estes podem ser de difícil manuseio pelo aluno, além de quebrarem facilmente ao cair no
chão. De acordo com Silva (2010), os modos de ensinar Arte para crianças com necessidades
educacionais especiais, podem se diferenciar em alguns momentos. Assim, para que tenham
acesso ao conhecimento, alguns estudantes poderão requerer suporte pedagógico e material,
eventualmente dispensável para os demais estudantes. Ainda sobre a questão dos materiais no
ensino de Artes, concordamos com a perspectiva de Micheletto (2009) e de Silva e Simó
(2008), ao afirmarem que os objetos pedagógicos ampliam as possibilidades de construir e
reconstruir o saber artístico, devendo ser entendidos, portanto, como instrumentos de
interação do aluno com o mundo das artes, vinculado à reflexão e exploração das
possibilidades expressivas.
Frente às sugestões dadas pelas colegas, a professora Dalva fica pensativa, acenando
com a cabeça em sinal de concordância, e afirma: “Isso foi ótimo, foi ótima essa sua idéia,
vou tentar colocar em prática, eu nunca tinha pensando em trabalhar dessa forma” (Encontro
Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2008). A estratégia [colagem] foi posteriormente colocada
em prática, gerando avanços na participação do aluno. Nesse sentido, a professora chegou a
relatar, informalmente, que mesmo com muita dificuldade o aluno conseguiu realizar o
trabalho de colagem, envolvendo-se mais na atividade. Gostaríamos de chamar a atenção,
aqui, para o fato de que as contribuições/reflexões do grupo sobre o caso descrito parecem ter
contribuído para que a professora Dalva se envolvesse em uma nova compreensão acerca do
seu ensino, possibilitando a retomada das atividades por ela desenvolvidas.
235
O relato produzido por Dalva revela, dentre outros aspectos, sua frustração em
relação ao processo educacional inclusivo, motivo que a levou a escolher este episódio de
ensino, conforme relata: “[...] não concordo com a maneira como a inclusão vem ocorrendo
nas escolas, da forma como é jogada essa responsabilidade sobre o professor, que é mal
compreendido, pois ninguém olha o lado do professor, as suas angústias”. O desejo desta
professora de ser “ouvida”, de ter suas angústias e frustrações acolhidas coloca em relevo um
aspecto importante quando se trata do movimento inclusivo nas escolas, relativo ao “peso”
que tem recaído sobre os “ombros” dos profissionais do ensino regular, que precisam dar
conta desta realidade sem que tenham, em muitos casos, as condições necessárias para isso
(físicas, materiais, formativas, psicológicas, etc.).
Parece-nos, fundamental, portanto, a compreensão de que a inclusão, como bem
afirma Glat (1997; 2004), não pode ser vista, simplesmente, como um problema de políticas
educacionais ou de modificações pedagógico-curriculares, pois incluir é, antes de tudo, um
processo subjetivo e inter-relacional. Por isso, talvez, tão importante quanto dominar
conhecimentos específicos da sua área de atuação e do próprio processo educacional de
alunos com necessidades educacionais especiais, seja a sensibilidade e a criatividade do
professor, bem como a sua disponibilidade para enfrentar desafios e aprender com as
experiências vividas.
Ao concluir o seu relato esta professora afirma que a inclusão, nos moldes atuais,
“[...] não passa de uma ilusão, de uma utopia”, deixando transparecer a resistência e a
descrença nesse processo, e a idéia de um ensino homogeneizador em que as diferenças se
constituem como um obstáculo à prática docente. Tal concepção pode estar influenciando a
maneira como organiza o seu ensino e a atenção que destina (ou não) ao aluno com paralisia
cerebral em sala de aula. Nesse sentido, complementa: “[...] eu gostaria de dizer que acredito
na inclusão, eu espero dizer isso um dia, quem sabe, futuramente, você [referindo-se à
pesquisadora] volte aqui na escola e eu te diga que acredito na inclusão. Quem sabe, um dia,
eu pense desta forma” (Encontro Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2008).
Com base no acima exposto, podemos inferir que “[...] o movimento de inclusão
tem desestabilizado as certezas dos professores de arte, que não tiveram na sua formação
conteúdos que os preparassem para o ensino de arte no contexto da diversidade”, exigindo
uma rápida reformulação da universidade no sentido de oferecer a formação necessária para
responder às novas demandas da escola atual (REILY, 2010, p. 99).
Acreditamos, portanto, que o caso de ensino elaborado pela professora Dalva suscita
a necessidade de se discutir, nos programas de formação docente, crenças e concepções dos
236
professores do ensino regular acerca do processo educacional inclusivo, bem como atitudes
relativas às pessoas com necessidades educacionais especiais. Permite, ainda, que o professor
reflita sobre o seu processo formativo, sobre o seu papel na inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais nas escolas comuns, sobre o sentido/significado de
trabalhar na diversidade, além da importância de reconhecer e valorizar as diferenças no
processo de ensino e aprendizagem.
Portanto, refletir sobre a Educação Física e sua relação com o processo da Educação
Inclusiva é algo urgente e necessário que:
[...] nos remete aos aspectos históricos da inserção dessa disciplina nas
escolas brasileiras e do modelo pedagógico que orientou e ainda orienta
algumas intervenções pedagógicas na instituição escolar. Nesta, a
seletividade e o enaltecimento aos mais aptos sempre estiveram em pauta nas
ações pedagógicas dos professores. Temos um componente curricular que
tem a função de acessar os alunos a uma cultura do movimento, mas esse
acesso parece não ser para todos, pois sempre testemunhamos cenas de
exclusão daqueles que não dispõem de capacidades para atender as
solicitações de práticas padronizadas na máxima da excelência das
execuções, e essas nem todos são capazes de realizar (MELO, 2008, p. 381).
Retomando o caso relatado por Aline é possível perceber como algumas das questões
acima mencionadas, sobretudo a seletividade e a exclusão daquele que não se mostra capaz de
executar certos padrões de movimento, ainda assombram o cotidiano das aulas de Educação
Física. Nestas circunstâncias, fica evidente o empenhamento da professora em romper com
tais preceitos. Descreve, assim, que a convivência com a aluna com paralisia cerebral lhe
possibilitou “voltar à superfície”, admitindo a possibilidade de incluí-la nas aulas de Educação
Física. Ao descentrar o olhar sobre as limitações físicas da aluna, a precisão na execução dos
movimentos perde a relevância dando lugar à vivência dos movimentos, de modo que Maria
pudesse “[...] desfrutar desse espaço28 junto com os demais”.
A partir disso, a professora Aline nos dá indícios de como procurou reorientar a sua
prática, adaptando atividades e materiais pedagógicos, a fim de atender a aluna em suas
peculiaridades, viabilizando a sua participação nas aulas de Educação Física. Os trechos a
seguir ilustram a maneira como conduziu o seu ensino:
28
Referindo-se à quadra poliesportiva, onde acontecem as aulas de Educação Física.
238
A partir dos trechos acima, identificamos, de acordo com a base explicitada por
Shulman, L. (1987) alguns dos conhecimentos profissionais mobilizados pela professora
Aline ao planejar e desenvolver o seu ensino. Podemos inferir, inicialmente, que ela apresenta
conhecimento do conteúdo específico, dominando conceitos relativos aos fundamentos
básicos de sua área de atuação (correr, saltar, pular, arremessar, etc.), estudando diferentes
formas de ensiná-los, adequando-os à realidade dos seus alunos. Também demonstra que vem
construindo o seu conhecimento pedagógico do conteúdo no próprio contexto da docência,
ao selecionar materiais e organizar estratégias de ensino que viabilizem a experiência motora
da aluna com paralisia cerebral. Por outro lado, a professora demonstra lacunas em relação ao
conhecimento de conteúdo pedagógico, relativo aos princípios mais gerais da educação, ao
conhecimento dos alunos, ao manejo da classe e ao próprio contexto de trabalho. Embora,
aparentemente, tenha conseguido atingir os objetivos com a referida aluna, a maneira como
organizou os alunos e o próprio espaço físico da aula, a distribuição dos materiais, entre
outros aspectos, evidenciam que ela, enquanto profissional, teve dificuldades para articular
tais elementos, acarretando, muitas vezes, em um envolvimento parcial de Maria nas
atividades.
Todavia, acreditamos que as tentativas da professora foram válidas e demonstram o
continuum que envolve o processo educacional inclusivo, em que o professor, à medida que
vai buscando se apropriar desse novo paradigma tem a oportunidade de rever, reconstruir e
ampliar sua base de conhecimento para o ensino. Isso se clarifica no momento em que a
professora descreve o que ocorreu consigo como uma espécie de “deslizamento” de uma
condição de total paralisia para outra, em que procurou, com base nos conhecimentos que
dispunha naquele momento e outros elaborados a partir da própria experiência, incluir a aluna
nas atividades, procurando superar as dificuldades impostas pela situação.
Com efeito, os encaminhamentos dados pela professora, ao relatar a experiência
vivida, explicitam o seu envolvimento em um processo de raciocínio pedagógico. A partir da
compreensão que apresenta dos conceitos a serem ensinados e das características da aluna
com paralisia cerebral, ela procura abordar os conteúdos da Educação Física de diversas
239
A despeito de tais análises, desperta nossa atenção o fato de que a aluna com
paralisia cerebral exibia, durante as aulas, animação e desejo em participar das atividades.
Logo, na avaliação da professora “essa foi uma experiência muito gratificante”, em que, “[...]
dentro do possível, durante a aula de Educação Física, a Maria brincou, jogou, se divertiu e,
notoriamente, se desenvolveu”. A expressão “dentro do possível”, utilizada pela professora, é
representativa de que não são as limitações da aluna que a impedem de uma participação mais
efetiva nas aulas, mas suas próprias limitações profissionais em não saber oferecer outras
atividades e modos de interação entre os alunos. Nesse sentido, conclui: “[...] nunca consegui
com que ela participasse da aula inteira, em atividade, o tempo todo, pois as crianças
“normais” querem jogar e brincar da forma “regular”, sem adaptações, em determinados
momentos da aula”.
Tal aspecto relaciona-se diretamente com a reflexão por parte da professora sobre a
sua atuação, assumindo que a sua maior dificuldade estava em conciliar os interesses da turma
com os de Maria e desenvolver, nos alunos, atitudes positivas, de colaboração e ajuda, uma
vez que muitos a viam como um empecilho às suas brincadeiras. A idéia que veicula a
qualidade do ensino à existência de turmas homogêneas atua como um fator que impede as
escolas de avançarem rumo ao desenvolvimento de uma Educação Inclusiva. Nesse sentido,
Rodrigues (2006) sinaliza que a qualidade na educação está mais ligada às classes
heterogêneas, na medida em que estas, por suas diferenças aparentes, são mais análogas com a
complexidade das situações sociais.
Percebemos, assim, que a professora Aline caminha para uma nova compreensão
acerca do seu ensino, na medida em que expressa a intenção de retomar, com novos tons, as
atividades desenvolvidas, sobretudo no que tange às interações entre os alunos, ainda que não
apresente muita clareza de como viabilizar isso na prática: “[...] acredito que promover a
interação e a colaboração, criando oportunidades para que todos participem das atividades,
ainda é meu maior desafio nas aulas de Educação Física, com vistas à inclusão. Tenho que
repensar minha atuação nesse sentido”.
A dificuldade explicitada pela professora, ancorada em forma de desafio, isto é, do
que ainda precisaria fazer para a promoção de uma Educação Física Inclusiva, deu a tônica da
discussão realizada no coletivo da escola, em torno desse caso de ensino. O foco principal
recaiu sobre a possibilidade de promover uma maior interação entre os alunos, substituir a
competição por atitudes de cooperação e participação, acolhendo os diferentes ritmos e
interesses presentes nas aulas, viabilizando, assim, a inclusão de todos.
241
29
Convém pontuar que, por diversas vezes, ao longo dessa intervenção, a professora de Educação Física se
queixou da “solidão pedagógica” por ela vivida, em razão de ser a única, em seu turno, a trabalhar com este
componente curricular, sem ter com quem dialogar a respeito das situações que enfrentava no cotidiano da sua
prática pedagógica.
242
Foi pensando desta forma que começaram a surgir as primeiras sugestões, no sentido
de auxiliar a professora Aline a rever e reestruturar a sua ação pedagógica com vistas à
promoção de uma Educação Física Inclusiva. Mesmo inseguras, algumas docentes se
arriscaram a falar: “diminuir o ritmo das brincadeiras”; “ajudar o colega”; “dar a mão”;
“esperar/dar a vez”. Tais atitudes foram consideradas básicas não apenas para as aulas de
Educação Física, mas especialmente nestas, devido a natureza das atividades desenvolvidas
neste componente específico envolverem a promoção de destrezas motoras. Ainda assim,
tinham dificuldades para visualizar isso “na prática”.
Foi então que resolvemos intervir, propondo a idéia de trabalhar por meio dos Jogos
Cooperativos (BROTTO, 1997). Nesta perspectiva, a mudança já iniciaria pelo próprio
objetivo do jogo, passando pelas regras, chegando à organização do ambiente físico e do
próprio grupo de alunos. Em termos “práticos” isso significaria que, em um jogo com bola,
por exemplo, ao invés do objetivo ser o de vencer a partida, fazendo o maior número de gols
e/ou de pontos, a finalidade poderia ser atingir o maior número de passes possíveis,
recomeçando a contagem sempre que a bola tocasse o chão. Outra opção seria estipular um
número prévio de passes. Sempre que o grupo conseguisse alcançá-lo marcaria um ponto. Em
ambos os casos, a regra deixa de ser a competição e passa a ser a cooperação. A motivação
não é vencer e, sim, continuar jogando. Para tanto, os alunos precisam trabalhar juntos,
colaborando uns com os outros, a fim de atingir uma meta comum. Dentro desta perspectiva,
cada um contribui com o que sabe e com o que pode fazer. Logo, é possível criar e recriar as
regras, conforme as características do grupo, o grau de satisfação e as dificuldades
encontradas.
Aline, que já conhecia a proposta dos Jogos Cooperativos, falou que se tratava de
uma proposta viável, mas temia que os alunos não estivessem dispostos a jogar sempre desta
forma, preferindo a maneira “normal” de jogar. Insistimos na idéia de que essa resistência, por
parte das crianças, era compreensível, o que não significava se render a ela. Ilustramos que,
assim como nós professores, que perante a diferença/deficiência resistimos a um novo modo
de ensinar tendo, por vezes, dificuldades em pensar em outra possibilidade de fazer aquilo
que, anos a fio, é feito do mesmo jeito e com certa segurança, os alunos também podem
resistir àquilo que desconhecem. Neste caso, o mais importante seria tentar, oferecendo a
maior variedade de experiências corporais possíveis. Ademais, a discussão e (re)construção
das regras com os alunos também era essencial, reconhecendo que tais atitudes e
comportamentos não podem ser impostos, mas precisam ser vivenciados.
Ou, como bem referem os Parâmetros Curriculares Nacionais:
243
De toda forma, entendemos que o presente caso retrata uma experiência em que a
professora pensou sobre a sua prática pedagógica, com a clara intenção de adequá-la às
necessidades da aluna com paralisia cerebral, considerando o que é específico da sua área de
atuação: o movimento humano. Logo, ao elaborar este caso, diz que o mesmo provocou
reflexões acerca da importância de se “[...] transformar a angústia em estratégias, a ansiedade
por resultados em paciência, pois tudo tem seu tempo, e que é possível sim incluir o aluno”.
Tal atitude mostra que:
Nesse sentido, a professora diz que, a partir desta experiência, aprendeu “[...] que é
possível fazer a inclusão de alguma forma”, embora isso dependa de vários fatores, inclusive
o próprio aluno e o seu desejo de ser/estar incluído. Ademais, afirma que para incluir é
preciso “[...] vontade por parte de todos, governo, escola e sociedade, de incluir este cidadão,
de fato, na sociedade”. Portanto, se utilizado em programas de formação inicial e/ou
continuada, este relato pode contribuir para que o professor de Educação Física aguce o seu
olhar sobre a própria atuação e as concepções a ela subjacentes, em que pese a necessidade de
questionar as finalidades do próprio ensino. Também pode servir como fonte de estímulo e de
exemplo de adaptação de atividades e materiais para redefinição das práticas escolares em
Educação Física, minimizando “[...] os discursos de professores que ainda insistem em crer na
impossibilidade de implantar nas escolas uma educação física para todos” (MELO, 2008, p.
386).
244
A professora deixa transparecer, em seu relato, que esta experiência foi frustrante e
motivo de insatisfação. Logo, justifica que o episódio descrito foi escolhido em razão da sua
“[...] frustração, como profissional, de não conseguir atuar pedagogicamente com Jéssica em
sala de aula”. Deduzimos, assim, que os conhecimentos profissionais que a professora Sônia
dispunha não lhe possibilitaram lidar de forma adequada com a nova situação que se
apresentava, de modo a atender às demandas da aluna com Síndrome de Asperger, no
contexto da sala de aula.
A evidente dificuldade da professora em articular os conhecimentos que,
seguramente, estão na base de sua atuação pedagógica, ilustra, em parte, o processo de
desqualificação dos saberes docentes, por ocasião da insegurança vivenciada pelos
professores ante a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais na escola
regular. Insistem, portanto, em negar o saber adquirido, seja na formação inicial, seja na
própria experiência como docente, incorrendo ao lugar comum de incapacidade para
ensinarem a esses alunos, pois destoantes do perfil do aluno com o qual estão acostumados
(DUEK; MARTINS, 2009).
Portanto, limitações em torno dos seus conhecimentos profissionais, aliadas a uma
atitude de resistência e insegurança frente ao novo, ao desconhecido, podem ter atuado como
limitadores da sua ação docente. Isso vai ao encontro do que constatou Zanata (2004) em sua
pesquisa, isto é, que alguns professores não lidam bem com a inclusão, pois não sabem como
agir frente ao novo, chegando a demonstrar um comportamento que parece se assemelhar ao
de um professor iniciante, provavelmente por ser inexperiente neste contexto específico.
Isso nos leva a inferir que o envolvimento desta professora em um processo de
raciocínio pedagógico também ocorre, embora com algumas falhas, impossibilitando-a de
transformar, adequadamente, conhecimento em ensino. Em relação à compreensão, apontada
por Shulman, L. (1987), como o ponto de partida para o ensino, constatamos que, apesar de
afirmar, no início do seu relato, que teria buscado informações sobre a Síndrome de Asperger,
estas não foram suficientes para que Sônia conseguisse atender às demandas de Jéssica em
sala de aula. Isso contradiz, portanto, a expectativa docente de que para incluir, primeiro, é
preciso dominar conhecimentos referentes, primordialmente, “[...] à conceituação, à etiologia,
aos prognósticos das deficiências, e dos problemas de aprendizagem e que precisam conhecer
e saber aplicar métodos e técnicas específicas de aprendizagem escolar desses alunos”
(MANTOAN, 2003a, p. 80).
Por conseguinte, esta professora sente dificuldades em vislumbrar formas de
transformação do conhecimento em ensino, eximindo-se, de certa forma, do seu papel, de
246
sociais e o estabelecimento de uma ligação entre o professor e esse aluno como fundamentais
para que este educando se desenvolva. Esta relação é o que viabiliza a mediação da
aprendizagem.
Concluímos desta forma, que com a saída da professora de apoio há uma mudança na
organização social do grupo, em que Jéssica fica sem referências, desestruturando-se. Tal
aspecto surge como um agravante, dificultando a sua inclusão. Assim, na falta de alguém que
lhe fosse significativo em sala de aula, isto é, na falta desse vínculo, Jéssica volta a apresentar
um comportamento considerado inadaptado, ausentando-se com frequência da sala de aula ou,
como diz a professora, “circulando pela escola”. Face à desestrutura da escola, portanto,
subestima-se a premência da inserção destes alunos no espaço escolar (FERNANDES et al.,
2007).
Mas, segundo uma avaliação feita por Sônia, Jéssica surpreendeu pelos seus
avanços, tanto na questão sócio-afetiva, quanto em relação ao desempenho acadêmico30 se
comparada aos demais alunos, contrariando as expectativas lançadas sobre ela. Sobre isso,
vale reproduzir o seguinte trecho do caso elaborado:
Contrariando o que havíamos lido, Jéssica passou a nos tocar, tanto Elisa
quanto a mim. Ela vinha, abraçava e dava um beijo meio que lambido e
gostava de pegar no cabelo. [...]. Quando chegava na sala, pela manhã ela
falava “bom dia” e dava “tchau” para todos antes de ir embora. Em relação à
aprendizagem dos conteúdos foi outra surpresa, pois, com o tempo, ela
demonstrou mais conhecimento acerca da leitura e escrita do que alguns
ditos normais da sala.
Até onde podemos notar, mesmo identificando elementos que apontavam no sentido
de uma (re)estruturação do processo de intervenção junto a essa aluna, a professora insiste em
manter uma postura de indiferença diante das dificuldades, necessidades e possibilidades de
ensino de Jéssica naquele contexto. Logo, na reflexão que faz sobre esta situação, Sônia
admite ter se colocado numa condição de “expectadora da situação”, desperdiçando a
oportunidade de aprender com a experiência vivida. Ao manter a sua prática inalterada,
entendemos que esta professora não conseguiu alcançar uma nova compreensão acerca do seu
ensino em que pudesse buscar uma forma de realizar um trabalho produtivo com Jéssica, a
30
Essa percepção da professora se justifica, uma vez que a Síndrome de Asperger se diferencia do Autismo
essencialmente pela ausência de déficits significativos da linguagem ou do desenvolvimento cognitivo. Algumas
chegam a apresentar nível intelectual e lingüístico elevado (FERNANDES et al., 2007).
248
partir das suas habilidades e potencialidades. Tais aspectos podem ser verificados no
fragmento que segue:
O caso produzido por Sônia demonstra que ela não se sentia autorizada a
desenvolver uma proposta pedagógica para a sua aluna, delegando esta responsabilidade à
profissional de apoio, presente em sala de aula. Essa desautorização do ato pedagógico, junto
a alunos com necessidades educacionais especiais nas escolas regulares, pode ocorrer por
diversas razões, desde a falta de formação, falta de estrutura escolar, de conhecimentos
específicos, até questões mais subjetivas do educador. Outrossim, não são raros aqueles que
optam por fugir à situação que lhes causa estranhamento ou desconforto, deixando de investir
no trabalho pedagógico com esses alunos. Na visão de Mantoan (2003a, p. 28), os professores
criam “válvulas de escape”, e assim, continuam a discriminar os alunos que não dão conta de
ensinar. A autora continua: “Estamos habituados a repassar nossos problemas para outros
colegas, os “especializados” e, assim, não recai sobre nossos ombros o peso de nossas
limitações profissionais”.
Queremos destacar, também, que embora Sônia enalteça o trabalho realizado pela
professora de apoio em sala de aula, nesta situação específica, o apoio realizado não parece ter
contribuído para a melhoria da prática dessa profissional e para uma maior autonomia em seu
trabalho, do mesmo modo que não contribuiu para a inclusão de Jéssica nesta escola. Isso
evidencia um aspecto por demais discutido ao longo desta intervenção, que diz respeito ao
fato de que, para que a escola seja inclusiva, é preciso que seus professores também o sejam
(ou queiram ser!). Portanto, não basta um professor, apenas, como parece ter sido o caso,
dispor-se a ser inclusivo, acompanhando e assumindo o processo educacional desse alunado.
Mittler (2003) afirma que a Educação Inclusiva oferecida na classe regular não é
incompatível com a noção de apoio. O que se sabe, porém, é que existem “[...] muitas formas
pelas quais apenas a presença de um apoio na sala de aula pode inconscientemente segregar
249
um aluno na sala de aula regular” (p. 35). Segundo esse autor, uma das formas de apoio é
referente ao ensino colaborativo, caracterizado
Por fim, ainda é preciso pontuar que rotinas escolares bem definidas e o trabalho
individualizado ou em pequenos grupos podem facilitar a aprendizagem do aluno com
Síndrome de Asperger. Portanto, um arranjo de sala de aula bem estruturado, com espaços
determinados para as diferentes atividades, facilita a adaptação destes educandos à classe, já
que estes tendem a apresentar pouca tolerância às mudanças ambientais, de objetos e móveis.
O tempo de utilização dos materiais e de realização das atividades também carece de
estruturação, minimizando ao máximo o “caos” que um ambiente complexo pode representar
para esse aluno. Ou seja, o contexto de aprendizagem, organizado da forma mais constante
possível, pode diminuir em muito a ansiedade do aluno que apresenta comportamento não-
adaptativo (NUNES, 2008; FERNANDES et al., 2007).
Estas são algumas das principais estratégias que compõem o rol de possibilidades
para o trabalho com alunos que apresentam Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD)
e que caberiam, a nosso ver, para o caso ora analisado, em que a professora poderia ter feito
uso de canções, brincadeiras, pinturas, filmes, histórias, rodas de conversa, dramatizações,
cantinhos na sala, etc., como forma de favorecer a aprendizagem de Jéssica, melhorando e
251
Aprendi que não podemos deixar de lado as experiências vividas, pois elas
servem de base para evitarmos novos erros. Ao relatar sobre essa vivência
percebi que tenho me deparado com situações angustiantes, e que, ao invés
de vivê-las com sabedoria, estou simplesmente deixando-as passar. Não
estou aproveitando-as para aprender mais, para melhorar como pessoa e
como profissional.
Esse relato demonstra que o exercício de refletir sobre uma situação e escrever sobre
ela pode favorecer o surgimento de novas posturas entre os profissionais do ensino, mais
favoráveis à inclusão escolar, bem como para que aprendizagens possam fluir. A esse
respeito, cabe reiterar a consideração de Merseth (1996) para quem a utilização de casos de
252
O caso de ensino descrito por Célia traz uma experiência vivida em 2008 com um
aluno com Altas Habilidades31, matriculado no 5º ano. A professora diz ter selecionado esta
situação uma vez que a convivência com esse aluno lhe possibilitou refletir e mudar sua
prática pedagógica para ajudá-lo. Diferentemente da maioria das profissionais que recebem
alunos com necessidades educacionais especiais em classe regular, a professora diz que ao
saber que se tratava de um aluno com Altas Habilidades ficou tranquila, acreditando que não
seria necessário realizar um trabalho diferenciado com o mesmo. Pensamos que a reação da
professora foi devido ao fato de que as pessoas com altas habilidades não são, em geral,
consideradas como tendo necessidades educacionais especiais. Ao contrário, recai sobre elas,
31
Apenas retomando e “esmiuçando” o conceito de Altas Habilidades/Superdotação proposto pelo MEC/SEESP,
temos que, “[...] entre os tipos de altas habilidades/superdotação, apontam-se tradicionalmente: o tipo intelectual,
que apresenta flexibilidade, independência, fluência de pensamento, produção intelectual, julgamento crítico e
habilidade para resolver problemas; o tipo social, que revela capacidade de liderança, sensibilidade interpessoal,
atitude cooperativa, sociabilidade expressiva, poder de persuasão, influência no grupo; o tipo acadêmico, com
capacidade de atenção, concentração, memória, interesse e motivação pelas tarefas e capacidade de produção; o
tipo criativo, com capacidade de encontrar soluções diferentes e inovadoras, facilidades de auto-expressão,
fluência, originalidade e flexibilidade; o tipo psicomotorcinestésico, que se destaca por sua habilidade e interesse
por atividades físicas e psicomotoras, agilidade, força e resistência, controle e coordenação motoras; finalmente,
o tipo talentos especiais, que revelam destaque em artes plásticas, musicais, literárias e dramáticas, revelando
especial e alto desempenho” (BRASIL, 2002b, p. 21).
253
o mito de que são competentes em todas as áreas do currículo escolar (RECH; FREITAS,
2005).
O convívio com esse aluno, porém, tratou de lhe mostrar uma realidade diferente.
Mesmo apresentando indicadores de Altas Habilidades/Superdotação na área acadêmica32,
mais especificamente na matemática, Tiago passou a apresentar acentuadas dificuldades em
relação à leitura, interpretação e produção de textos. Ao perceber a dificuldade de Tiago e da
turma em geral, a professora organizou um projeto que intitulado “Pare no p da Poesia”, com
o objetivo de ampliar as habilidades e competências linguísticas dos estudantes, abordando os
conteúdos das diferentes áreas do conhecimento de forma interdisciplinar.
Conforme descreve, o desenvolvimento do projeto consistiu na realização de doze
oficinas de leitura e escrita, cada uma com tempo variável, de acordo com o envolvimento e o
interesse da turma pelo tema/assunto abordado. Alguns trechos do caso de ensino ilustram a
maneira como Célia procedeu em sala de aula, convocando os alunos a tomarem parte do
trabalho proposto:
32
“O aluno com perfil acadêmico pode destacar-se em uma área específica ou em um conjunto de áreas. Um
aluno pode ter grande facilidade para matemática, desempenho regular em ciências físicas e biológicas,
dificuldades em português. Outro aluno pode ter destaque no conjunto de todas as matérias” (BRASIL, 2006a, p.
129).
254
Habilidades, desempenhando seu papel de forma natural, procurando atender o grupo como
um todo, sem colocar o aluno com Altas Habilidades em evidência. Vimos isso como um
aspecto positivo de sua atuação, pois evidencia o compromisso desta professora em ensinar a
todos os alunos sem exceções e/ou exclusões. Corrêa, Siqueira e Silveira (2006, p. 220)
afirmam que atividades diferenciadas, como esta, desenvolvida pela professora Célia, mesmo
que não sejam dirigidas, exclusivamente, a alunos com Altas Habilidades/Superdotação,
representam ações pedagógicas que “[...] certamente qualificam o currículo, beneficiando a
todos os alunos e potencializando interesses”.
Em relação à avaliação, vimos que esta ocorre durante todo o processo de ensino, em
que a professora, ao constatar as dificuldades dos alunos, se utiliza destes dados para
reorientar a sua ação pedagógica. Desta forma, a avaliação está diretamente relacionada com a
reflexão que a professora realiza acerca do seu próprio ensino. Ao considerar os efeitos do seu
ensino sobre a aprendizagem dos alunos, pontua que o projeto desenvolvido trouxe bons
resultados, constatando que os alunos se envolveram e aprenderam ‘com’ e ‘através’ das
atividades desenvolvidas nas oficinas. Aposta, portanto, que o trabalho a partir deste projeto
rendeu frutos, influenciando positivamente a aprendizagem dos alunos, dentre eles, Tiago,
identificado como tendo Altas Habilidades/Superdotação: “Considero que, com esse trabalho,
a turma melhorou e Tiago também. Sua leitura está mais fluente, já não se sente intimidado
quando é chamado a ler um texto, interpreta e escreve suas idéias com clareza, realizando as
atividades com mais interesse e segurança”.
Ainda que tenha realizado um trabalho caracterizado pela diversificação de
estratégias e metodologias de ensino, Célia, por meio de um exercício de reflexão crítica
sobre sua própria atuação, não descarta a necessidade de buscar outros caminhos para
trabalhar com Tiago, no sentido de desenvolver seu talento na área da matemática,
demonstrando, assim, uma nova compreensão acerca do seu ensino. Nesse sentido, conclui o
seu relato dizendo: “[...] há um material para ajudá-lo a avançar, mais e mais, na sua
superdotação em matemática. Pretendo trabalhar nesse sentido. Espero, com isso, continuar a
tecer a minha teia do conhecimento e Tiago a dele”.
A experiência vivida por Célia, quando compartilhada com as demais professoras do
estudo, trouxe à tona uma questão ainda pouco discutida na escola, quando se trata da
inclusão escolar relativa aos alunos com Altas Habilidades/Superdotação, os quais nem
sempre são facilmente identificados e, por isso, vistos de maneira equivocada. Voltamos,
aqui, à discussão sobre os mitos, decorrentes, em geral, da falta de informação por parte dos
professores acerca das especificidades desses educandos.
256
Procuramos esclarecer, nesse sentido, que um dos fatores que, por vezes, dificulta a
inclusão escolar de alunos identificados como tendo Altas Habilidades é a visão de que eles
são excelentes alunos em todas as disciplinas e que não precisam de nenhum tipo de ajuda do
professor. Este é um mito, que tem consequências graves, podendo levar ao abandono deste
aluno pelo professor, gerando seu desinteresse e desestímulo, conduzindo, não raro, a
condutas indisciplinares desses alunos em sala de aula (PLETSCH; FONTES, 2007). Muitos
professores, também por desconhecimento, reagem ao comportamento do aluno com atitudes
de punição, ao invés de pensarem em alternativas que pudessem contemplar o ritmo de
aprendizagem, atendendo às diferenças individuais (CORRÊA; SIQUEIRA; SILVEIRA,
2006). O relato da professora Célia, ao afirmar que Tiago, em anos anteriores, teria dado
“muito trabalho” na escola, parece confirmar tais aspectos.
Importante ressaltar, também, que a inclusão desses alunos pode ser dificultada na
área sócio-afetiva, em particular, no relacionamento com pessoas da mesma faixa etária. De
acordo com Pletsch e Fontes (2007), isso pode ocorrer na medida em que estes alunos têm
suas habilidades subutilizadas, sentindo-se excluídos dentro do próprio espaço escolar, o que
pode levar a dificuldades emocionais e de ajustamento social, que se configuram em atitudes
anti-sociais. Novamente o relato da professora Célia é significativo dessa questão, ao afirmar
que antes do trabalho com o projeto com poesias, Tiago era um desses alunos que “ficava na
sua” e que precisava ser “chamado” a participar.
Uma vez problematizadas essas questões, no grupo investigado, prosseguimos em
direção à identificação do que é possível fazer para se atender adequadamente ao aluno com
Altas Habilidades/Superdotação, na escola regular. Logo, partimos da premissa de que, à
escola, cabe “[...] estimular a aprendizagem através de práticas educacionais desafiadoras e
enriquecedoras, tanto na sala de aula, como em atividades extracurriculares, constituindo,
assim, o diferencial de contemplar as necessidades dos educandos” (CORRÊA; SIQUEIRA;
SILVEIRA, 2006, p. 222).
Constatamos, inicialmente, a dificuldade das profissionais participantes desta
intervenção em pensarem no aluno com Altas Habilidades/Superdotação como aquele que
necessitaria de algum tipo de intervenção por parte do professor. Partimos, então, da própria
experiência relatada, indagando se o trabalho com projetos seria uma opção para ensinar esses
alunos. Prontamente, as professoras responderam que sim, pontuando que essa forma de
trabalhar e abordar os conteúdos se mostrava válida para o ensino não só de alunos com
necessidades educacionais especiais, mas de todos os alunos.
257
33
Segundo o “modelo dos três anéis” proposto por Renzuli, habilidades gerais ou específicas acima da média,
envolvimento com a tarefa e criatividade são componentes do comportamento de Altas
Habilidades/Superdotação, sendo que nenhum desses traços isoladamente garante a alta habilidade, mas sim a
complexa interação entre eles. Por habilidade acima da média entendem-se as competências superiores em
qualquer campo do saber ou do fazer, manifestadas com freqüência e duração relativamente prolongada e que se
repetem em diversas situações. Envolvimento com a tarefa refere-se ao expressivo nível de interesse, motivação
e elevado desempenho pessoal na sua realização, enquanto a criatividade pode ser observada nas diferentes
formas de expressão do pensamento e da ação, seja através da linguagem escrita, falada, gestual, plástica,
matemática, teatral, musical, filosófica, etc. (PLETSH; FONTES, 2007).
34
A professora mencionou durante o encontro o projeto Contando e Encantando, desenvolvido em parceria com
a outra turma de 5º ano da escola, cuja idéia central consistia no levantamento e estudo de contos e histórias que
são contadas pelos alunos para turmas de crianças menores, como na Educação Infantil.
258
[...] poderão ser desencadeadas dentro das escolas, por iniciativa dos
professores, e sem necessidade de grandes aparatos. O importante é
259
reconhecer que esses sujeitos existem, estão nas nossas salas de aulas, e cabe
a nós, enquanto professores, ajudá-los no desenvolvimento de seus talentos
(CORRÊA; SIQUEIRA; SILVEIRA, 2006, p. 220).
Ana, que é iniciante na profissão, foi a única a relatar uma experiência vivida no
contexto da escola particular, no ano de 2007. Ao saber que receberia uma aluna com
necessidades educacionais especiais em sua turma de Educação Infantil conta como reagiu:
“Fiquei apreensiva, mas não senti medo, e, sim, curiosidade, em saber o que a criança tinha, o
que já conseguia fazer e quais suas dificuldades”. Desse modo, buscou junto à professora do
ano anterior, informações que pudessem servir de ponto de partida para o planejamento do seu
ensino: “[...] procurei sua professora do ano anterior e tentei sondar todas essas questões.
Descobri que Clarice apresentava um déficit cognitivo, além de limitações motoras”.
Entendemos que a forma como a professora encarou a situação, buscando conhecer a
aluna, suas limitações, assim como suas habilidades, demonstra abertura e disposição para
lidar com o novo, com o desconhecido. Além disso, demonstra a crença na possibilidade de
aprendizagem da aluna, o que é considerado positivo, uma vez que, segundo Ferreira (2007a),
há uma tendência entre os profissionais do ensino comum e até mesmo da educação especial,
de terem a socialização como objetivo primeiro ou único da inclusão de alunos com
dificuldades acentuadas, como no caso daqueles que apresentam algum déficit intelectual.
35
Para aprofundar este aspecto consultar: PÉREZ, S. G. P. B. Mitos e crenças sobre as pessoas com altas
habilidades: alguns aspectos que dificultam o seu atendimento. Cadernos de Educação Especial: Santa
Maria/UFSM, v. 2, nº 22, p. 45-59, 2003.
260
As primeiras semanas de aula foram bem difíceis. Havia dias em que Clarice
chegava bastante agitada, sem aceitar a interação com os colegas. Nesses
dias, se agarrava ao meu pescoço e gritava bastante, chegando a me arranhar,
se tentasse conversar com ela. [...]. Admito que, no início, seu
comportamento me causou muita angústia e insegurança, pois não sabia o
que fazer, nem como interagir com ela. Mas, com o tempo e à medida que
foi se adaptando à rotina escolar, começou a se sentir mais segura comigo.
Porém, a turma não tentava interagir com ela e, por isso, a única pessoa com
quem ela mantinha alguma interação era eu.
Ao observar que, mesmo com a diminuição das atitudes agressivas por parte da aluna
com deficiência intelectual, mantinham-se as dificuldades de interação com os colegas, a
professora sentiu necessidade de intervir, realizando um trabalho de “[...] sensibilização com a
turma através de conversas, brincadeiras, dinâmicas de grupo e contações de histórias”. Era
seu objetivo discutir aspectos relativos à diversidade, despertando nos alunos valores de
respeito e solidariedade frente às diferenças. Conforme narra, os desdobramentos dessa
iniciativa foram positivos, pois os colegas passaram a compreender melhor Cecília e suas
necessidades, desencadeando “[...] as primeiras tentativas de interação com ela”.
Ainda sobre a questão das interações, vale reproduzir outro trecho do caso elaborado
por Ana, que serve para ilustrar a maneira como gerenciou a situação em sala de aula:
Valorizando a dimensão das relações interpessoais, mas sem ficar presa a ela,
verificamos que a professora Ana demonstra preocupação em contribuir para que a aluna com
deficiência intelectual avance cognitivamente, isto é, para que ela aprenda. Deixa
transparecer, assim, que somente a socialização não é suficiente para que a inclusão seja
efetivada, sendo preciso atuar de forma mais próxima à aluna, a fim de garantir progressos
também no campo acadêmico.
Para a professora, as principais dificuldades da aluna estavam relacionadas à
oralidade, envolvendo-se pouco nas conversas do grupo e apresentando um vocabulário
262
restrito, atrelado às suas necessidades básicas como beber água, por exemplo. No tocante à
alfabetização, ainda não reconhecia as letras do seu nome, nem conseguia escrevê-lo.
Também não reconhecia o desenho como uma forma de comunicação. Em relação à
matemática, não tinha noções de quantidade e não reconhecia os numerais. Além disso,
limitações na coordenação motora fina, dificultavam o registro/sistematização dos conteúdos.
Trechos extraídos do caso elaborado confirmam a disposição da professora Ana em
refletir sobre o seu ensino, visando atender às necessidades educacionais da aluna com
deficiência intelectual.
Ciente de que “[...] não existem receitas para trabalhar com esses alunos”, a
professora Ana se apóia nos seus próprios conhecimentos profissionais para gerenciar as
situações de ensino-aprendizagem junto à aluna com deficiência intelectual. Os
conhecimentos que mobilizou ao ensinar e outros, construídos no próprio curso desta
experiência pedagógica, foram essenciais para que ela pudesse lidar com as diferenças
significativas desta aluna, respeitando suas necessidades, seu ritmo e estilo próprio de
aprendizagem. Logo, o episódio descrito confirma o fato de que, à medida que os professores
vivenciam a realidade inclusiva nas escolas do ensino comum, vão descobrindo maneiras de
como lidar com a situação que se apresenta, articulando estratégias de enfrentamento para os
problemas que emergem do cotidiano, construindo e reconstruindo seus conhecimentos
profissionais.
263
uso de objetos concretos, de recursos visuais e auditivos, além da organização de uma rotina
escolar com cantinhos da leitura, a posição que este aluno assume na sala, o ensino
colaborativo ou de tutorias, são de fundamental importância para que ele possa compreender e
significar conceitos básicos como o antecessor e o sucessor de um número, análise e síntese,
sequenciação de fatos, etc.
Em relação à avaliação que faz das aprendizagens de Cecília, a professora afirma
que foram possíveis alguns avanços, tanto do ponto de vista afetivo e social quanto cognitivo.
Considera que, dentro de suas possibilidades, ela se desenvolveu e aprendeu: “[...] embora
Clarice não tenha desenvolvido as mesmas habilidades e competências como as demais
crianças, ela conseguiu desenvolver outras que não conseguia, ou seja, houve aprendizado”.
Essa fala nos remete à importância de uma prática avaliativa cujo parâmetro seja o próprio
aluno, isto é, que ele seja avaliado por “ele mesmo”, evitando-se comparações que classificam
os alunos entre “bons” e “ruins”, como comumente se verifica nas escolas. Trata-se de uma
avaliação, segundo Batista (2008), onde é tão importante conhecer o que o aluno “não sabe”
ou suas dificuldades, como aquilo que ele já sabe sobre determinado assunto, assim como os
seus interesses, o que deverá servir de subsídio para o planejamento da intervenção
pedagógica do professor, bem como para reorientação da mesma. Deve, portanto, ser
processual e contínua a fim de indicar o caminho a ser percorrido para se alcançar o
conhecimento que ainda não foi construído pelo aluno.
O caso relatado também permite discutir a reflexão em que a professora Ana revisita
a própria experiência e os sentimentos nela envolvidos, encaminhando-se, assim, para nova
compreensão acerca do seu ensino, da aluna com deficiência intelectual, bem como do seu
papel e dos demais alunos para a efetivação do processo inclusivo.
Das discussões empreendidas, a partir desse caso de ensino, vale destacar aquela
referente ao comportamento apresentado pelo aluno com deficiência intelectual na escola,
fortemente influenciada pela idéia de que a agressividade é uma característica inerente a esses
alunos, em razão da condição que apresentam. As professoras parecem não se dar conta de
265
que muitos episódios de agressividade podem estar relacionados à falta de adaptação por parte
desses alunos em relação à rotina escolar, sendo motivo de ansiedade e frustração,
provocando reações consideradas inadaptadas, como no caso da própria Cecília, no início do
episódio descrito e que, aos poucos, segundo relato da professora Ana, passou a apresentar
progressos, dando indícios de maior adaptação ao meio escolar e na forma de interagir com os
colegas.
Isso, certamente, reflete o que procuramos esclarecer junto ao grupo, ou seja, de que
comportamentos como os expressos por esta aluna não estão, necessariamente, relacionadas
ao quadro de deficiência intelectual, como habitualmente pensam os professores do ensino
regular. Enfatizamos, porém, que alunos com deficiência intelectual tendem a apresentar,
segundo Fierro (2004), certa “rigidez comportamental”, de modo que variações na rotina
(nova situação ou tarefa) e nos relacionamentos interpessoais podem causar insegurança e
ansiedade. Aspecto esse que costuma diminuir, ou até mesmo desaparecer, na medida em que
essas crianças vão se desenvolvendo e conseguem se vincular, formando laços de amizade
com seus pares.
Nessa vertente de pensamento, retomamos a importância da ação desenvolvida pela
professora Ana quanto à promoção de relações de amizade no meio escolar, sobretudo em se
tratando de alunos com deficiência intelectual e seus pares. Tal prática pode ser vista como
relevante e coerente com os princípios da Educação Inclusiva, uma vez que “[...] desenvolver
amizades significa viver e aprender junto. Significa intencionalidade, participação na
comunidade e inclusão” (STRULLY; STRULLY, 1999, p. 170).
De igual modo, as professoras participantes desta pesquisa-intervenção,
reconheceram o valor dos relacionamentos interpessoais para a socialização e para a
aprendizagem de alunos com deficiência intelectual. Entendem, assim, que é preciso “[...]
tentar uma aproximação afetiva com o aluno” (Sônia) e trabalhar para que os alunos “[...]
aprendam a ser mais cooperativos e mais humanos” (Flora) (Encontro Coletivo, Casos
Elaborados, 28/11/2008).
Lembramos que tais aspectos são extremamente importantes do ponto de vista da
Educação Inclusiva, uma vez que as implicações da deficiência intelectual sobre o ritmo de
aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo e social desses alunos, não deve ser visto como
fator impeditivo para que eles tenham a oportunidade de conviver e interagir com os demais,
usufruindo das mesmas oportunidades de ensino e aprendizagem.
Acreditamos que, se utilizado em programas de formação de professores, o presente
caso de ensino poderá potencializar a reflexão sobre a inclusão de alunos com deficiência
266
intelectual, na escola regular, com destaque para o papel da Educação Infantil nesse processo.
Se analisado por outros profissionais, permite discutir temáticas como: características do
aluno com deficiência intelectual; importância das interações para a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos com e sem necessidades educacionais especiais; papel do
professor como mediador do processo de ensino-aprendizagem, entre outros.
36
Conforme esclarecimento anterior, neste estudo, o termo “deficiência intelectual” está sendo empregado em
substituição ao de “deficiência mental”, conforme aprovado na Declaração de Montreal sobre Deficiência
Intelectual, 2004. Manteremos, no entanto, o termo original quando se tratar de citações retiradas de publicações
e/ou documentos legais, que façam menção à mesma.
37
Dados da pesquisa realizada por Figueiredo e Gomes (2008) indicam que, no tocante à aprendizagem da
leitura e da escrita, as crianças com deficiência intelectual passam por etapas semelhantes às descritas por
Ferreiro e Teberosky (1986). Apresentam, portanto, hipótese pré-silábica, silábica, silábica-alfabética e
alfabética.
267
pequenos textos e histórias com certa fluência, embora não fizesse pontuação. Além disso,
interagia pouco com os colegas, dispersando-se com facilidade”. A professora também
observou que: “Isadora gostava muito de ir à biblioteca. Às vezes, ela saída da sala de aula
para ficar na biblioteca lendo. Era seu lugar preferido”.
Assim, decidiu iniciar um trabalho individualizado com esta aluna, fora da sala de
aula, voltado para o conhecimento da leitura e da escrita, conforme ela mesma descreve:
Passei a ficar com ela nos intervalos, trabalhando estrutura frasal, lendo
frases interrogativas, exclamativas, introdução de textos ou finalização.
Apresentava trechos ou frases para ela fazer concordância, pontuação, etc.
Também trabalhei com ela, a estrutura de um texto: recortava artigos de
jornais e revistas em partes, para que organizasse a sequência lógica dos
fatos. Ela sentia dificuldade em sistematizar os conteúdos gramaticais.
Então, passei a trabalhar nos textos as estruturas mais simples. Com o tempo,
seus avanços foram ficando mais evidentes. Ela já fazia descrição de
pessoas, acontecimentos ou fatos, demonstrando compreensão do que lia.
Dando continuidade ao caso elaborado, vimos que o apoio extraclasse realizado pela
professora não se deu com a intenção de substituir o que era realizado por ela em sala de aula,
assumindo, antes, um caráter complementar, no sentido de potencializar as oportunidades de
participação da aluna com deficiência intelectual nas atividades propostas em aula. Ao
produzir o caso, relata como se deu esse processo:
sempre via bons resultados, principalmente com os alunos mais tímidos que
acabavam surpreendendo. Considero este projeto o mais gratificante na
minha trajetória como professora.
com a aluna com deficiência intelectual, notamos que ela oferece diferentes tipos de apoio à
Isadora, conforme dificuldades observadas em sala de aula. Um desses apoios refere-se ao uso
de recortes de frases e/ou de pequenos textos para auxiliar a aluna com deficiência intelectual
na organização da informação, segundo a lógica do texto. A professora também ofereceu
outros suportes, explorando elementos do próprio texto, como: o título, as imagens, o
contexto, os personagens, etc., de modo que os alunos em geral e Isadora em particular
fossem capazes de regular seu próprio processo de compreensão acerca do material lido
(FIGUEIREDO; GOMES, 2008).
Parece relevante, nesse sentido, o fato desta professora proporcionar o contato com
vários gêneros textuais, permitindo que seus alunos reconheçam e se apropriem das
características e especificidades de cada um deles. A este respeito, Figueiredo e Gomes (2008)
situam que a disponibilização de diversificado material de leitura e o emprego de estratégias,
tais como a organização temporal dos fatos presentes no texto e o reconto oral, a fim de
elencar os principais eventos da história, auxiliam a produção escrita do aluno com
deficiência intelectual, servindo, também, como elemento motivacional, uma vez que, esses
alunos podem apresentar dificuldades para realizar o reconto de uma história com certa
complexidade de idéias se comparado à produção de textos com imagens e à escrita de um
bilhete, por exemplo.
Observamos, ainda, que a professora, em sua prática, lida com a leitura e a escrita de
modo significativo para os alunos, mobilizando seus conhecimentos anteriores e resgatando
suas vivências, de modo que estas possam ser transpostas para o material escrito. Tudo isso
contribui, segundo afirma Lustosa (2009b), para a sistematização de situações de ensino-
aprendizagem mais próximas da realidade e das possibilidades dos alunos evitando, assim,
práticas artificiais de leitura e escrita, isto é, sem relação com o contexto de vida do aluno.
Olhando mais atentamente para a prática desenvolvida pela professora Liana,
observamos que ela assume uma importante postura de mediadora entre os alunos e o
conteúdo abordado. Sobre isso, importa resgatar que a
Concluímos, assim, com base em Figueiredo e Gomes (2008, p. 172), que, ao avaliar
esta aluna, a professora buscou contemplar não somente “[...] os avanços na escrita, mas
também os ganhos na aquisição de atitudes tais como: cooperação, participação e interação no
grupo, bem como maior interesse por atividades relacionadas à leitura e a escrita”. O
fragmento a seguir, elucida esse aspecto:
Todo esse trabalho contribuiu para uma participação mais efetiva de Isadora
nas atividades realizadas em sala de aula. Percebi que ela, embora tímida, já
se mostrava mais motivada e envolvia-se mais nas tarefas propostas. O seu
relacionamento com os colegas também melhorou, mas, às vezes, ainda tinha
dificuldades em se expressar no grupo. Nesses momentos, procurava
conversar com ela individualmente sobre o que havia lido.
271
38
Letramento pode ser entendido tanto o processo como o estado de imersão do sujeito em práticas sociais que
usam a escrita e outras formas icônicas, como sistema simbólico, para tornar significativas as práticas
discursivas, nas quais concorrem diferentes níveis de habilidades de ler e escrever (FERREIRA, 2007a).
272
confrontá-las com a linguagem oral. Através das interações estabelecidas neste tipo de
produção há a exploração da diversidade de idéias e opiniões, de modo que cada um passa a
refletir e questionar as suas hipóteses, elaborando novas. Nesse processo vai modificando a
sua relação com a linguagem escrita, construindo e transformando o conhecimento individual.
Por fim, o terceiro aspecto diz respeito às expectativas positivas da professora em
relação à aluna com deficiência intelectual, desenvolvendo uma prática norteada pelo respeito
aos ritmos e às capacidades individuais, contrariando, assim, a perspectiva de um ensino
pautado em julgamentos pré-concebidos a respeito de suas (im)possibilidades de
aprendizagem. Conforme discutido em outros momentos deste estudo, as expectativas
docentes, lançadas sobre o aluno com necessidades educacionais especiais, influenciam na
maneira como desenvolvem o seu ensino, nas interações estabelecidas entre professor e aluno
e, em alguns casos, na aprendizagem destes.
Aspecto semelhante foi apontado na pesquisa realizada por Lustosa (2009a), ao
investigar práticas pedagógicas de leitura e escrita desenvolvidas por professoras que atuavam
em turmas de alunos com e sem deficiência intelectual. Verificou, nesse sentido, que a boa
receptividade quanto à inserção desses alunos na classe “[...] é um aspecto que vem
influenciar positivamente, visto que as relações que se estabelecem com o aluno (com
deficiência mental) em sala de aula passam também por esse eixo” (p. 7).
Por certo, o compartilhamento desta experiência com as demais participantes da
pesquisa, serviu para a identificação de um conjunto de estratégias passíveis de serem
utilizadas no ensino da leitura e da escrita junto a alunos com algum déficit intelectual
inserido na classe regular, em que pese o fato de que estas pouco diferem daquelas
comumente empregadas com os demais. A fala da professora Célia é elucidativa desse
aspecto: “[...] quando você tem um aluno que não consegue ler, todos estão avançando e
aquele ali não consegue... isso também não é uma inclusão que você tem que fazer? Você não
vai procurar estratégias? Claro que vai! É a mesma coisa com o aluno com deficiência”
(Encontro Coletivo, Casos Elaborados, 28/11/2008).
Nesse ínterim, análises realizadas a partir deste caso de ensino confirmam a
importância de que sejam oferecidas múltiplas situações de leitura e escrita aos alunos com
deficiência intelectual, pois quando estes
outras, no entanto, apresentavam uma postura reticente, indicativa, muitas vezes, do receio de
se expor, de se mostrar, e ser julgada por isso. Esta parece ter sido a situação de Sônia que, no
ano em que a pesquisa foi realizada, trabalhava com Jéssica, aluna com Síndrome de
Asperger. Curiosamente, no dia reservado à socialização e discussão dos casos elaborados, na
escola, ela optou por relatar uma situação de ensino vivenciada em outro momento da sua
carreira profissional: “No caso, eu tenho também a questão da Jéssica que está me
angustiando bastante, mas não foi a que eu resolvi relatar”. Quando questionada, em um
momento posterior, sobre os motivos da sua escolha, ela respondeu: “[...] não escrevi sobre a
Jéssica porque ia mexer com muita coisa e alguém poderia não gostar”. Resta aqui a dúvida:
esse “alguém” poderia ser ela própria? Somente após a nossa intervenção é que a professora
se mostrou disposta e confiante para escrever sobre a experiência vivida com Jéssica, que
tanta angústia lhe causava. Fato semelhante ocorreu com a professora Clara ao dizer que não
pretendia relatar uma situação envolvendo seu aluno com paralisia cerebral, “[...] porque eu
não fico muito entusiasmada em escrever sobre essa situação”; e com a professora Dalva que,
logo de início, afirmou não ter interesse em elaborar o seu próprio caso “[...] não, eu não vou
relatar esse caso”.
Outras professoras, ainda que não tenham verbalizado desta forma, também nos
davam indícios de sua resistência em escrever um caso. Nesse sentido, a falta de tempo e a
própria dificuldade em selecionar um episódio que pudesse ser transformado em um caso de
ensino foram pontuadas pelas professoras que, em diversos momentos, se reportaram à
pesquisadora afirmando não saberem, ao certo, que aspectos da sua prática seriam relevantes
para constarem do seu relato. Justificavam, em geral, que não viam como a sua experiência
poderia auxiliar outros profissionais a lidarem com a inclusão. Oscilavam, assim, entre o
medo de se expor e o desejo de compartilhar e refletir sobre as práticas desenvolvidas na
escola, aprendendo com a própria experiência e a das colegas.
Acreditamos que a resistência evidenciada pelas professoras do estudo guarda
relação, dentre outros aspectos, com o fato de que o exercício de reflexão, individual e/ou
coletivo, sobre uma situação específica de ensino e escrever sobre ela não é um processo
comum aos profissionais da área educacional. Com efeito, a opção pela elaboração do seu
próprio caso de ensino, já representa um ganho e aponta para a disposição dessas professoras
de refletir sobre a própria prática e sobre o processo educacional inclusivo, visando romper
com aquilo que suscita resistência (JESUS, 2003).
Esses dados confirmam aqueles referendados por Richert (1992), ao constatar as
resistências de muitos professores em escrever sobre o seu trabalho. Essa resistência, segundo
277
ele, está atrelada à idéia de que a docência é uma profissão do “fazer” e não do “escrever”. É
fato, portanto, que os professores dispõem de pouco tempo ou oportunidade para falar sobre o
que sabem e, muito menos, para escrever sobre isto. Deste modo, os casos escritos, bem como
a redação de casos, oferecem uma oportunidade para ser criado um registro do que os
professores sabem sobre seu trabalho e como eles sabem disso. Oferecer momentos para que
os professores possam escrever sobre suas experiências pedagógicas parece representar,
assim, o caminho para minimizar tais resistências, tornando essa tarefa mais fácil e melhor
compreendida pelos docentes, como uma forma de desenvolvimento profissional.
A partir da elaboração dos casos de ensino, as professoras parecem ter alcançado
uma segunda dimensão dos processos de reflexão, ao apontarem conhecimentos, crenças,
valores e concepções que orientam sua ação pedagógica. De acordo com Richard (1995), os
conhecimentos e as crenças que os docentes possuem acabam por guiar suas ações. Esse autor
também argumenta que as expectativas do professor em relação a um aluno em particular ou
em relação à turma toda afetam, substancialmente, o estilo de interação e de relação
estabelecida entre ele e seus alunos e, em alguns casos, o que os alunos aprendem.
Logo, o processo de elaboração de casos de ensino revela que as práticas docentes
não existem no vazio. Elas são permeadas pelos conhecimentos, valores, crenças e
concepções que estes têm acerca do ensino, da aprendizagem, dos alunos, da escola e do seu
próprio papel enquanto profissionais, interferindo em todo o processo de raciocínio
pedagógico vivenciado pelas professoras.
Observamos, nesse sentido, aspectos comuns que marcam os relatos do grupo
participante desta investigação. De um modo geral, essas professoras destacam suas crenças e
concepções relativas, especialmente, às características dos alunos com necessidades
educacionais especiais, às limitações e dificuldades destes em aprender como uma forma de
justificar suas (não) ações em sala de aula. Por outro lado, enquanto algumas afirmam que
para incluir não há receita, existem aquelas que insistem na idéia de uma preparação prévia
para ensinar esses alunos, como condição essencial para que a inclusão se efetive nas escolas.
Tais crenças e concepções parecem influenciar - para o bem e/ou para o mal - a ação
pedagógica das professoras, logo que entram em contato com a diferença destes educandos.
As reações destas professoras, ao se depararem com o aluno com necessidades educacionais
especiais, indicam que vislumbram desde uma verdadeira possibilidade de crescimento,
aprendizagem e aprimoramento pessoal e profissional até um verdadeiro empecilho ao
desenvolvimento da sua prática. Notamos, assim, que enquanto algumas conseguem reverter
esse quadro, outras permanecem mergulhadas em um mar de descrença e impossibilidades.
278
Gostaríamos de destacar, aqui, o valor dos encontros para discussão dos casos de
ensino elaborados pelas professoras do estudo, para desmistificar algumas dessas crenças,
como, por exemplo, no caso de alunos com Altas Habilidades/Superdotação, sobre os quais
paira a visão de “excelência” em todos os campos do saber e do fazer, ou ainda, que se trata
de pessoas com grande potencial, porém, rebeldes e indisciplinados. Dito de outro modo, a
partir da discussão dos casos de ensino elaborados pelas professoras deste estudo, foi possível
problematizar sobre o protótipo de aluno que povoa o imaginário das professoras, bem como
“[...] foi possível argumentar que tais atitudes e ações podiam caracterizar o que acontecia no
cotidiano escolar” (JESUS, 2003, p. 111). Sob essa ótica, as dificuldades de aprendizagem do
aluno com necessidades educacionais especiais tomam a proporção das dificuldades dos
professores em ensiná-los.
Uma terceira dimensão dos processos reflexivos também parece ter sido alcançada
por estas professoras, na medida em que, ao relatarem seus casos de ensino, expressam
mudanças nas formas de conceber e de atuar frente ao aluno com necessidades educacionais
especiais. Demonstram, portanto, disposição para refletir sobre a sua prática, sobre o seu
contexto de trabalho e sobre os alunos, com a clara intenção de reorientar as suas ações, a fim
de garantir a aprendizagem de todos.
A escrita dos casos surgiu como uma possibilidade de sistematização de suas
práticas, suscitando dúvidas e questionamentos sobre o trabalho que desenvolvem. Os casos
produzidos sugerem, portanto, o compromisso dessas professoras para com o seu ensino e,
apesar das adversidades que caracterizam o seu cotidiano profissional, mostram-se capazes de
tomar decisões, fazendo opções teórico-metodológicas, de modo a adequar o seu ensino ao
público por elas atendido.
Convém atentar, porém, que para algumas profissionais, a revisão da própria atuação
surge como um processo doloroso e difícil de ser concretizado. Por isso, embora
comprometidas com o seu trabalho, sentem-se incapazes de atuar na perspectiva de ensinar a
todos e apresentam dificuldade em romper com determinados conhecimentos e práticas que
compõe o seu repertório pedagógico.
Isso acarretou, por vezes, uma postura pouco crítica quanto às possibilidades de
intervenção dessas professoras, supervalorizando as dificuldades e as limitações dos alunos e
do próprio contexto escolar em que estão inseridas, como obstáculos à sua atuação
pedagógica. Indícios de crítica às próprias posturas profissionais puderam ser evidenciadas, de
maneira mais contundente, a partir da socialização e discussão dos casos elaborados. O tempo
para reflexão coletiva parece ter atuado como condição para estimular o desejo de mudança,
279
na medida em que o grupo era convocado a rever atitudes e práticas e, com isso, o seu papel
no processo inclusivo. Concordamos com Alarcão (2004, p. 45), quando argumenta que “[...]
é preciso vencer inércias, é preciso vontade e persistência” se quisermos, de fato, promover
uma prática educacional inclusiva nas escolas.
As professoras do ensino regular também evidenciaram, nos casos elaborados,
capacidade de avaliação e de revisão do ensino que desenvolvem, bem como dos
conhecimentos profissionais que possuem, com indícios de mudanças em suas formas de
pensar e agir, avançando em direção ao alcance da quarta dimensão dos processos reflexivos.
Os episódios descritos indicam a complexidade que marca a sala de aula devido à
multiplicidade, simultaneidade e imprevisibilidade de situações com as quais as professoras
precisam lidar quase sempre de forma imediata, tendo, em geral, pouco tempo para refletir
sobre elas.
De acordo com Mizukami (2000, p. 143):
sua atuação, de forma capaz de incitar uma melhor compreensão e transformação da mesma.
Os casos elaborados sugerem, assim, a importância dos professores poderem se envolver
continuamente em processos reflexivos de modo a promover revisão, avaliação e
transformação de suas práticas.
Para ilustrar o que acabamos de descrever, apresentamos algumas falas,
representativas das opiniões das professoras participantes desta pesquisa-intervenção acerca
da relevância da estratégia de elaboração e discussão de casos para seus processos de
aprendizagem da docência e para despertá-las para a importância do seu papel frente à
inclusão.
Eu acho que apesar de ser nova, a metodologia foi boa porque a gente passou
a pensar em casos reais que aconteceram, e a partir desses casos reais
passamos a pensar na nossa escola, casos que a gente tem aqui, ou casos que
a gente já vivenciou [...]. Para além do envolvimento para refletir, escrever,
o mais importante pode ter sido essa “mexida” que você [referindo-se à
pesquisadora] pode ter provocado em nós (Ana, Avaliação Final, dez./2008).
Eu me senti até “sortuda”, pois foi o primeiro ano que trabalhei com um
aluno com necessidades educacionais especiais e já tive a oportunidade de
participar desse curso. Eu acho que não tinha noção do quanto eu poderia
fazer a diferença na vida desse aluno. Foi como se eu despertasse para isso
(Clara, Avaliação Final, dez./2008).
Aprendi muito com a troca de experiências, os casos estudados, foi uma
formação continuada voltada para a inclusão de uma forma muito
diferenciada, diferente das tantas que eu já participei e acredito que deixou
um grande aprendizado para todos nós (Flora, Avaliação Final, dez./2008).
E outra coisa, [...] que é a dificuldade de conseguir colocar, relatar casos
como se a gente nunca tivesse vivido, e vivemos tantos, [...], eu quero ter um
registro, a partir de agora [...] Então, eu quero fazer esse registro, eu quero
pra mim isso, até pra eu me avaliar, pra ver desse tempo pra cá, o que vem
mudando, acho que a idéia era essa que a gente refletisse e procurasse
melhorar e eu acho que valeu, e muito! (Sônia, Avaliação Final, dez./2008).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As análises das professoras em torno das situações presentes nos casos de ensino
apontaram que as reações e o modo como cada uma vivencia a realidade inclusiva guarda
relação com os conhecimentos que possui, com as interações que estabelece com os pares,
com as condições e o apoio oferecido no ambiente de trabalho, com a maneira como percebe a
diferença/deficiência e suas implicações para a aprendizagem dos alunos, além da percepção
quanto às possibilidades de estarem continuamente aprendendo por meio da experiência.
Os dados assinalam a adequação do uso da estratégia de casos para promover
processos de reflexão docente sobre o seu fazer pedagógico, estabelecendo relações entre as
situações relatadas nos casos e a própria experiência em sala de aula. Nesse sentido, os casos
de ensino representaram para as professoras um momento para pensarem sobre seus modos de
ensinar, favorecendo, assim, a emergência de uma postura reflexiva. São importantes
ferramentas de investigação e sistematização da prática, contribuindo para a explicitação e a
tomada de consciência, por parte das professoras do estudo, das crenças, concepções e
conhecimentos que embasam suas ações em sala de aula.
Algumas crenças sobre os alunos com necessidades educacionais especiais e suas
condições de aprendizagem revelaram que estereótipos e preconceitos, baseados no senso
comum, ainda marcam as interações estabelecidas no meio escolar. As análises das
professoras em torno dos casos de ensino mostraram que a visão acerca desses alunos
interfere na maneira como elas pensam e desenvolvem o seu ensino - seleção e organização de
materiais pedagógicos, estratégias de ensino, avaliação do aluno, etc. - servindo, inclusive,
para justificar um maior ou menor investimento no processo de escolarização dos mesmos.
Com esta intervenção, crenças e concepções apresentadas pelas professoras do
ensino regular puderam ser questionadas, revistas e, em alguns casos, modificadas. Por esse
ângulo, acreditamos que o trabalho envolvendo os casos de ensino, na escola campo da
investigação, contribuiu para a instalação de um movimento inicial, de reconstrução da
identidade do professor do ensino regular que, historicamente, não se concebeu como
professor de alunos com deficiência. Observamos, assim, mudanças na postura e nas atitudes
de algumas profissionais, que passaram a ter um olhar mais atento às reais necessidades
educacionais dos alunos com necessidades educacionais especiais, resultando em alterações
na condução do processo de ensino-aprendizagem.
Isso indica mudanças, também, em relação à visão sobre o papel do professor do
ensino regular e do profissional de apoio, bem como das instituições especializadas frente à
inclusão escolar. De uma maneira geral, o grupo participante da pesquisa, ao longo de nossas
reflexões, percebeu que o apoio prestado, tanto por colegas da escola, quanto por profissionais
285
referidos alunos; perceberam que é possível ensinar turmas com alunos com necessidades
educacionais especiais e que, para isso, não há receitas ou modelos prontos.
Os resultados evidenciados pelas docentes ao longo do processo vivido apontam o
potencial dos casos de ensino para a articulação de propostas formativas centradas na escola,
embora com algumas limitações que são relativas, sobretudo, ao tempo necessário para o
desenvolvimento das atividades, envolvendo análise, elaboração e discussão dos mesmos.
Acreditamos que tal aspecto se deve, em parte, às características da própria estratégia de casos
de ensino que, segundo afirma Shulman, L. (1992), são demorados de serem produzidos.
Deve-se, também, ao cansaço que sentiam em virtude de uma jornada de trabalho extenuante,
comprometendo, por vezes, o envolvimento das professoras ao longo do processo formativo.
Une-se a isso, a existência de um calendário escolar “apertado”, com muitas solicitações,
ocasionando o cancelamento de alguns encontros, que precisaram ser marcados em outra data
e replanejados no intuito de seguir o ritmo de trabalho do grupo de profissionais. Tudo isso
gerou, em alguns momentos, uma dissonância entre o “tempo da pesquisa” e o “tempo da
escola”.
Tais aspectos considerados limitadores do processo formativo aqui descrito foram
percebidos por nós, enquanto pesquisadoras, e também pelas participantes desta pesquisa-
intervenção, ao avaliarem o “pouco tempo” para realização do estudo e elaboração dos casos
como um ponto negativo da ação proposta.
De todo modo, algumas dessas limitações puderam ser contornadas, em razão da
forma como os casos foram utilizados nesta pesquisa. Destacamos, nesse sentido, que foi
nossa preocupação selecionar situações de ensino, levando em conta o contexto escolar onde a
pesquisa foi realizada, bem como os interesses e as necessidades das professoras
participantes. Também nos preocupamos em elaborar um roteiro de questões abertas para
orientar as análises em torno de cada caso. Os casos selecionados para análise e os temas
abordados em cada um deles mostraram-se adequados aos objetivos propostos para esta
pesquisa, permitindo um aprofundamento gradual e contínuo das discussões em torno de
processos de ensino e aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais
inseridos em sala de aula regular.
Aparentemente, mesmo com limitações em torno do tempo, essas professoras se
mostraram motivadas a participar e a se envolver nas atividades de análise e discussão de
casos elaborados por professoras do ensino regular e na construção de um caso de ensino, a
partir de uma situação escolar vivenciada junto a alunos com necessidades educacionais
especiais, ao longo de sua trajetória profissional. A forma como o trabalho com os casos foi
289
desenvolvido também permitiu que professoras, que lecionavam em diferentes séries e que
apresentavam diferentes interesses e necessidades, pudessem pensar sobre suas práticas e se
envolver nas discussões, crescendo e aprendendo em colaboração. Nesse contexto, também os
gestores se colocaram como partícipes do processo formativo, envolvendo-se nas discussões,
refletindo e oferecendo exemplos e sugestões de melhorias da prática pedagógica.
Quanto às nossas indagações iniciais, os dados obtidos nesta investigação
demonstram que a opção metodológica se mostrou bastante adequada, tanto para a
investigação sobre os processos de formação docente, quanto para o desenvolvimento
profissional. A vivência desta experiência formativa, em parceria com as docentes da escola,
contribuiu para que elas se sentissem mais valorizadas e dispostas a refletir sobre a própria
prática, o que gerou questionamentos acerca de suas ações, traduzidos na inquietação sobre o
que fazer para modificá-las.
Reafirmamos assim, a necessidade de se pensar a formação de professores à luz do
trabalho docente e das condições em que ele ocorre, valorizando os saberes experienciais
construídos no exercício profissional, com a devida articulação de novos tempos e lugares de
aprendizagem. Para tanto, urge a instauração de uma parceria entre escola e universidade,
para o planejamento e desenvolvimento de projetos de formação continuada voltados às
necessidades dos professores, utilizando estratégias que fomentem uma atitude reflexiva, a
exemplo dos casos de ensino, visando à inclusão daquelas pessoas tidas, até então, como
incapazes de estarem na escola e de nela aprender.
Os dados obtidos nos oferecem pistas para pensar nos casos de ensino como um,
entre os inúmeros instrumentos que podem ser utilizados em processos de investigação e
formação de professores. Recomendamos, pois, o uso desta estratégia em processos de
formação que visam a reflexão da prática e a apropriação, pelos docentes, dos saberes que
sustentam suas ações em sala de aula, enquanto mecanismo propulsor de um ensino de melhor
qualidade para todos.
Isso demonstra a processualidade do trabalho ora proposto, em que nos foi possível
aprender, juntamente com o grupo participante da pesquisa. Aprendemos, por uma
determinada ótica, sobre a importância do nosso papel enquanto formadoras, a estarmos
atentas às necessidades das professoras, disponibilizando-nos a escutar e acolher os
sentimentos, as dúvidas e inseguranças dessas profissionais em relação ao processo
educacional inclusivo. Sob outra perspectiva, foi preciso trabalhar nossos próprios
sentimentos, angústias e concepções em relação ao processo vivido, no sentido de contribuir
para o avanço do grupo.
290
A busca deste equilíbrio se fez uma constante, de modo que, se por um lado, nos
cabe atribuir um ponto final a este trabalho, por outro, fica a certeza de que ainda temos muito
a aprender sobre as formas de utilização dos casos de ensino, no intuito de promover
processos de aprendizagem e desenvolvimento profissional docente.
O emprego desta metodologia foi algo altamente gratificante e, ao mesmo tempo,
desafiador, que exigiu saber lidar com as idas e vindas do processo, com os altos e baixos,
entendendo que estes são parte da jornada rumo à construção do conhecimento. Afinal, são os
impasses, os obstáculos, os dilemas que nos possibilitam crescer, pois instigam o desejo de ir
além do que está posto, vislumbrando novas estratégias, para então, podermos avançar.
Indicamos o uso dos casos de ensino e método de casos, uma vez que verificamos,
neste estudo, sua potencialidade investigativa e formativa, esboçando nesta investigação um
caminho possível para a promoção de processos de aprendizagem e desenvolvimento
profissional de professores que atuam em ambiente escolar inclusivo, com benefícios também
para a escolarização do aluno com necessidades educacionais especiais. Mas temos a clareza
de que, a despeito do significativo avanço em alguns aspectos do trabalho com os casos, há
muito ainda por ser feito, por ser revelado, compreendido e refletivo no tocante ao uso desta
estratégia no campo da educação e, mais especificamente, na formação de professores para
uma atuação efetiva com a diversidade dos alunos no ambiente regular de ensino.
Esperamos que outras pesquisas possam se beneficiar dos resultados ora
apresentados e que estes sirvam de indicadores para o planejamento de ações futuras,
sobretudo, aquelas que concebem a escola como espaço privilegiado de formação e
aprendizagem docente, haja vista os desafios impostos pelo paradigma educacional inclusivo.
291
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PLÁSTICAS, 19., 2010, Cachoeira. Anais... Rio de Janeiro: ANPAP, 2010. p. 2269-2283.
APÊNDICES
312
QUESTIONÁRIO INFORMATIVO
1. Identificação
Nome:______________________________________________________________________
Idade:________Sexo: _________ Estado Civil: _____________________________________
Endereço residencial: _________________________________________________________
Telefone: _________________ E-mail: ___________________________________________
2. Dados Profissionais
2.1 Grau de instrução:
a) ( ) Médio ( ) Superior Curso: _______________________________________________
Instituição: ____________________________________________________________________
Ano de Conclusão: ______________________________________________________________
Durante sua formação acadêmica, obteve informações sobre educação de pessoas com
deficiência? ( ) Sim ( ) Não. Caso afirmativo, quais informações?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
3. Atuação profissional
Local de trabalho ( ) Escola pública ( ) Escola privada
Nome da Escola: _____________________________________________________________
Endereço: __________________________________________________________________
Função que exerce: __________________________ Turno: ___________________________
Dias: _________________________ Horário de trabalho _____________________________
Modalidade de ensino que atua: ______________________________ Série (s) ___________
Disciplina (s) que leciona: _____________________________________________________
313
No momento atual, você possui alunos com deficiência na sua sala de aula? De que
tipo?_______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Quais as maiores dificuldades que você enfrenta no trabalho com este alunado?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Com base na sua realidade escolar e de sala de aula, que temáticas/problemáticas, você
gostaria que fossem abordadas nos nossos encontros, por meio dos casos de ensino?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Obrigada!
Atenciosamente
Sou professora de Educação Infantil há 16 anos e venho através desse relato descrever
um pouco sobre como foi receber Emanuela, uma criança de 8 anos com Síndrome de Down,
na minha sala de 1ª série do ensino fundamental.
Logo que soube que uma criança com deficiência mental viria para a minha sala, senti-
me muito insegura e ansiosa (as pessoas temem o que não conhecem ou o que ainda não
vivenciaram, isso é fato!). Eu não acreditava que alunos com deficiência conseguiriam
aprender e, pensava que ter uma criança com deficiência mental em classe, poderia no
máximo, trabalhar sua linguagem oral, socialização e coordenação motora ampla e fina.
Quando muito, acreditava nos benefícios para a própria pessoa com deficiência, sem, contudo
pensar que esses benefícios poderiam ocorrer para os demais alunos e para os adultos que
compunham o corpo de profissionais da escola, inclusive para mim, como pessoa e como
educadora. Foi necessário rever meus conceitos e práticas. Sempre levei em conta as
diferenças na aprendizagem de todos os alunos. Reconhecia que cada um aprende de uma
forma e num ritmo próprio. A diferença foi, agora, tomar consciência disso na prática. A
Emanuela me fez ver isso!
A socialização de Emanuela com o grupo não poderia ter sido melhor. A aluna chegou
ao mês de agosto, começo do segundo semestre do ano letivo de 2006, e percebi que logo no
início, ao seguir com ela na fila até a sala de aula, muitas pessoas nos olhavam com
curiosidade. Algumas mães chegaram a me perguntar: - “Você é a professora daquela
meninazinha?!”
As crianças de sala a acolheram com alegria e a perceberam fisicamente como outra
criança qualquer. Emanuela interagiu desde o começo muito bem com os colegas,
participando dos momentos de rodinha, no qual se expressava livremente sobre os assuntos
abordados na aula. Ela sempre se colocava e falava suas opiniões.
Durante seu processo de adaptação, em alguns momentos, o grupo cobrou dela o
cumprimento de regras que foram estabelecidas no início do ano, afinal, o grupo já
constituído e consciente das regras estabelecidas, não aceitava o descumprimento das
mesmas. No papel de professora percebi a necessidade de intervir naquela situação a fim de
minimizar tal conflito: o que fazer para que todos, inclusive Emanuela, respeitassem as regras
estabelecidas pela turma? Depois de muito refletir, concluí que o melhor, naquela
circunstância, seria agir da mesma forma como conduziria com qualquer outra criança. Então,
percebi a necessidade de conversarmos sobre o assunto na sala, com a presença da Emanuela,
pois era uma nova integrante que deveria estar a par dos combinados de convivência desse
grupo que agora fazia parte. As regras passaram a ser lidas diariamente, fato que
anteriormente à sua entrada, não era mais necessário, exceto ocorresse alguma transgressão,
uma vez que o grupo já as tinha internalizado.
No decorrer de algumas atividades desenvolvidas em sala percebi que o grupo
verbalizava a forma com que ela participava e realizava algumas produções, por exemplo: o
nível do seu desenho, de escrita, a velocidade com que realizava as tarefas propostas, a
316
mostrando para a turma o que ela realizava (faço isso comumente com os alunos do grupo).
Observei seu nível de escrita e planejei situações didáticas objetivando interações com
crianças de outros níveis, fazendo agrupamentos, favorecendo a cooperação e oportunizando a
troca de conhecimentos entre todos. Emanuela encontra-se no nível pré-silábico, mas já
identifica boa parte das letras do alfabeto e associa as letras aos nomes dos colegas de sala.
Ela ainda não reconhece o valor sonoro das palavras e sua escrita é representada utilizando
sempre as letras do seu nome. Percebo ultimamente que ela ampliou o seu interesse pelas
atividades que envolvem linguagem escrita, já manifesta vontade de estar em contato com
livros de histórias, se interessa pelas leituras, desenha, faz recontos, mesmo ainda sem atribuir
uma seqüência de fatos, ou produzir escritas convencionais.
Em relação à matemática, os objetivos de trabalho foram sempre desenvolvidos através
de uma atividade recreativa ou jogo de regras, por isso não tive a necessidade de rever
estratégias nesta área, pois Emanuela participa com interesse dos objetivos propostos. Nunca
aprendi tão verdadeiramente sobre o que representava a palavra processo.
A cada dia percebo que cada criança tem características, interesses, capacidades e
necessidades de aprendizagem que lhe são próprias. Vale ressaltar que qualquer criança
mesmo aquelas sem deficiência, podem em qualquer período de sua escolarização, enfrentar
dificuldades para aprender ou para ser aceita na comunidade escolar. Essas dificuldades de
aprendizagem surgem no dia-a-dia da escola e todas as mudanças geradas para superar tal
situação e as tentativas de responder às necessidades de aprendizagem das crianças, são
formas de inclusão. Assim, começo a perceber que a inclusão não depende de diagnósticos
médicos ou da identificação de categorias de deficiências, na qual muito mais se discrimina o
sujeito por suas características individuais do que se caminha para uma compreensão das
diferenças. Cada vez mais percebo que a inclusão é um posicionamento que cria
oportunidades para todos os alunos aprenderem por meio do uso de estratégias diversificadas
de ensino.
Aprendi ainda que lidar pedagogicamente com essas crianças não se restringe apenas à
participação em formações especializadas ou cursos de “capacitação” voltados para as
deficiências, pois é primordialmente a reflexão sobre a prática em sala de aula que deve se
somar ao conhecimento científico. Aprendi e continuo aprendendo com a formação, o
acompanhamento, as intervenções e discussões coletivas envolvendo professores e
pesquisadores da universidade que vem acompanhando o processo de inclusão em nossa
escola. Sei da necessidade e da importância de se buscar mais e mais conhecimentos sobre o
tema inclusão. Aprendi nesse percurso que são de singularidades e de diferenças que nos
constituímos como humanos!
Os sistemas de ensino e os programas curriculares deveriam se organizar de modo que
levassem em conta as diferentes características e necessidades das crianças. As escolas
deveriam apresentar um meio mais eficaz para combater as atitudes discriminatórias em
relação a qualquer condição diferenciada de seus alunos, criando comunidades
verdadeiramente acolhedoras em busca de construir uma sociedade mais justa e tolerante, e
assim, alcançar a educação para todos.
Agradeço pela presença de pessoas com necessidades educacionais especiais nas turmas
da educação comum, que vem mostrando aos educadores, às escolas e à sociedade em geral, a
necessidade já antiga de transformar concepções e práticas para atender a todos os alunos,
sem discriminação de qualquer natureza. Trata-se sem dúvida de uma proposta justa,
eminentemente humana e de legalidade jurídica, capaz de garantir a todos o direito de
aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e a aprender a conviver... nas
diferenças.
318
Após a leitura do caso de ensino, procure responder as questões abaixo de maneira bem
detalhada, incluindo reflexões e exemplos.
1. Adriana pode ser considerada hoje uma educadora inclusiva. Nesse relato, ela
apresenta um pouco do que tem sido sua trajetória profissional e como tem sido sua
experiência de ensinar uma turma que possui alunos com necessidades educacionais
especiais. E quanto a você? Há quantos anos está lecionando? Por quais escolas já
passou, públicas e/ou particulares? Com que série já trabalhou? Escreva um pouco
sobre sua trajetória como professora, destacando aqueles aspectos que você acredita
que foram importantes em sua vida profissional e merecem ser compartilhados com
outros profissionais. Sinta-se livre para falar das expectativas, satisfações e/ou
frustrações vivenciadas em sua trajetória na docência.
2. A professora Adriana, ao relatar aspectos da sua trajetória profissional, aponta alguns
de seus conflitos (teóricos/práticos), dificuldades, despreparo, expectativas, angústias,
contradições, concepções, compromisso, conquistas e desafios vividos ao tentar
desenvolver uma prática inclusiva. Pensando em sua carreira e no seu cotidiano como
professora, descreva as dificuldades, dilemas, conflitos, desafios que você tem
enfrentado desde que começou a trabalhar com alunos com necessidades educacionais
especiais. Como você tem lidado com essa situação?
3. Considerando o que você escreveu nas questões anteriores, responda: que palavras
traduzem/caracterizam melhor o ser/estar professora neste momento?
4. A professora descreve situações vivenciadas no cotidiano da sala de aula, sobre o
trabalho pedagógico com conteúdos específicos de algumas áreas do conhecimento em
uma turma que tem uma aluna com Síndrome de Down. Que situações vivencia na sua
prática cotidiana de sala de aula na presença de alunos com necessidades educacionais
especiais? Como você vê a questão da inclusão desses alunos no ensino regular? Quais
são as maiores dificuldades em ensinar uma classe que tem alunos com necessidades
educacionais especiais incluídos? A que você atribui essas dificuldades? O que você
tem feito para superá-las?
5. O que você tem de melhor como professora? Como se deu (vem se dando) essa
construção?
6. Quais os conhecimentos têm sido realmente importantes para você como professora,
no dia-a-dia com as crianças? Onde os aprendeu?
7. Adriana faz algumas considerações sobre sua formação para trabalhar com crianças
com necessidades educacionais especiais no ensino regular. Fala da parceria entre
universidade e escola, da importância das reflexões coletivas e da constante busca por
fundamentos teóricos que ajudem no entendimento das práticas. O que você pensa
sobre a escola como um espaço de formação do professor? E na sala de aula, o
professor aprende a partir das situações que enfrenta ao ensinar? Na sua opinião, onde
começa e onde termina a aprendizagem da profissão docente?
8. A leitura da trajetória da professora Adriana a ajudou a pensar sobre sua própria
trajetória? Que pontos desse relato você considera relevantes de serem destacados e
discutidos com seus colegas de profissão?
319
Estou perdida! De fato não sei como intervir para que Leandro avance em sua
aprendizagem. Ele chegou na minha turma este ano e se apresenta como uma verdadeira
incógnita para mim. Leandro é um aluno que já passou por diversos especialistas, entre
médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, o que resultou em diagnósticos também diversos:
Esquizofrenia, Hiperatividade, Psicose Infantil, Deficiência Mental e, finalmente, Transtornos
Globais do Desenvolvimento (Autismo). Envolve-se pouco em sala de aula, demonstra
agitação e ansiedade, principalmente no momento do intervalo. Apresenta dificuldades em
compreender o limite do outro, e em se aproximar das pessoas. Costuma agredir os colegas e
a mim. Não sei como reagir quando ele grita e começa a espalhar seu material escolar e dos
colegas pelo chão. Tenho tido dificuldades para me vincular afetivamente a ele, de me
aproximar e estabelecer um diálogo, o que tem me deixado muito frustrada e confusa. Há dias
em que o choro é inevitável. Sinto-me sozinha e desamparada, sem saber o que fazer. Tenho
sentimentos ambíguos. Acredito que, se o aluno com deficiência está na sala de aula, precisa
aprender tanto quanto aqueles que não apresentam nenhuma deficiência. Não consigo, porém,
visualizar isso na prática! Como Leandro fala pouco e, praticamente, não escreve, fico sem
saber quais atividades seriam as mais adequadas para que ele pudesse aprender. Há dias em
que me sinto culpada, pois não sei como envolvê-lo nas tarefas propostas em aula. Hoje, por
exemplo, começamos a estudar sobre a água. Como de costume, passei o conteúdo no quadro
e expliquei-o verbalmente para toda a turma. Para que Leandro não fique sem o conteúdo
registrado, preparo, sempre que possível, um material abordando o assunto da aula, só que de
maneira mais simplificada. Assim, enquanto os demais alunos realizam os exercícios, colo as
atividades em seu caderno, que acabam ficando como tarefa para casa e sendo respondidas
com a ajuda da mãe. Com freqüência, me pergunto se estou no caminho certo, se esta vem
sendo a melhor estratégia, e que outros recursos poderia utilizar para tentar ensiná-lo. Como
ele produz pouco enquanto está na escola, não tenho conseguido avaliar, com precisão, seus
avanços. Sinto que não estou sendo bem sucedida no meu papel como professora, o que me
deixa muito frustrada e insegura. O fato é que não está claro para mim o que devo fazer para
que esse aluno aprenda. Na medida em que o final do ano se aproxima, aumenta a dúvida se
devo ou não promovê-lo, uma vez que ele não demonstra estar conseguindo atingir os pré-
requisitos mínimos para o ano seguinte. Por outro lado, me pergunto se não seria melhor
aprová-lo, mantendo-o com o mesmo grupo de colegas. Tenho muitas dúvidas a respeito da
inclusão de alunos com deficiência, principalmente sobre como planejar, intervir e avaliar
esse alunado, segundo suas necessidades. Ainda estou à procura de respostas para as minhas
dúvidas e indagações a respeito de como incluir Leandro. Mas, enquanto elas não chegam,
continuarei tentando...
320
Após a leitura do caso de ensino, procure responder as questões abaixo de maneira bem
detalhada, incluindo reflexões e exemplos.
1. Neste texto, a professora Janaína expõe sua insegurança e angústia ao trabalhar com
alunos com necessidades educacionais especiais (autismo) no ensino regular. Como
você analisa a situação enfrentada pela professora?
2. A professora, ao relatar uma situação específica de ensino, explica como abordou o
conteúdo em sala de aula, elaborando um material diferenciado e, mais simples, para o
aluno com autismo, apesar de trabalhar o mesmo conteúdo com a turma. Como você
analisa esta situação? Você concorda com o modo como os conteúdos são abordados
pela professora? Se você fosse a professora de Leonardo, o que faria para ensiná-lo?
3. Se você estivesse no lugar da professora, que aspectos de sua atuação seriam
semelhantes ao da atuação da professora? Em que aspectos sua prática seria diferente,
nesta situação específica? Como você explica as possíveis semelhanças e diferenças?
4. Nesse texto, a professora diz não saber mais como intervir para que Leonardo avance
em sua aprendizagem. Que orientações (sugestões) você daria para ela?
5. Como professor, você já passou ou tem passado por situações parecidas? Como tem
sido, para você, lidar com a presença de alunos com necessidades educacionais
especiais em classe regular? Quais as dificuldades que tem enfrentado?
6. Considerando seu contexto de atuação, descreva detalhadamente uma atividade - ou
experiência -, bem sucedida e outra que não deu certo, implementadas por você com
alunos com necessidades educacionais especiais. Indique e analise, em ambas as
experiências, quais os fatores que podem estar relacionados ao sucesso e ao fracasso
das mesmas. Compare as duas experiências.
7. Há conhecimentos que você sente como lacunas para a docência com alunos com
necessidades educacionais especiais? O que lhe faz falta ou dificulta o seu trabalho
com esse alunado? Que sugestões faria às políticas públicas em relação ao trabalho do
professor do ensino regular?
8. Com a chegada do final do ano, a professora vivencia um dilema: se deve ou não
aprovar o aluno com autismo para o ano seguinte. Na sua opinião, o dilema vivido
pela professora faz sentido? Se você fosse a professora, o que faria? Comente sua
resposta.
321
Sou professora em uma escola que atua numa perspectiva inclusiva, atendendo alunos
com diferentes demandas: Síndrome de Down, Paralisia Cerebral, Deficiência Visual,
Autismo, entre outras. Com a chegada desses alunos, a escola vem se reestruturando, e já
dispõe de um banheiro adaptado e rampas de acesso. Conta, também, com uma sala de apoio
pedagógico. Neste espaço as educadoras especiais prestam atendimento àqueles alunos que,
pelas mais diversas razões, apresentam dificuldades ao longo do seu processo de
escolarização.
Minha turma é o 4° ano, formada por 24 alunos com faixa etária entre 8 e 9 anos. A
experiência que vou descrever diz respeito a Gabriel, um menino de 15 anos, com diagnóstico
de Deficiência Mental. Gabriel está na escola desde a educação infantil, e é considerado por
todos (professores, supervisores, pais e alunos) como uma criança difícil de se lidar, agressiva
e com dificuldade de estabelecer relações sociais. A mãe é presença constante na vida escolar
do filho, acompanhando seus progressos, e chegando a auxiliar em algumas atividades.
Desde o início do ano vou observando as crianças, pois acredito que é muito importante
conhecer o aluno e seus saberes, o que serve de subsídio para o planejamento das aulas,
selecionando estratégias adequadas para que eles aprendam mais e melhor. Costumo registrar
tudo em um caderno, no qual faço anotações sobre os alunos, suas dificuldades e seus
avanços. Gabriel participa pouco das atividades propostas, dispersando-se com facilidade. Seu
comportamento vem prejudicando não apenas o seu desempenho, mas da classe como um
todo. Suas maiores dificuldades concentram-se na área da linguagem oral e escrita. Apresenta
uma produção textual insipiente, com pouca coerência. Muitas vezes o que escreve, não passa
de letras ou palavras soltas, de difícil compreensão por parte de quem lê. Faz leitura de
pequenos textos e, na matemática, é capaz de resolver cálculos simples envolvendo as quatro
operações. Ficava claro para mim que apesar das dificuldades apresentadas, Gabriel possuía
noções básicas de leitura, escrita e cálculo. O grande desafio, agora, era motivá-lo a realizar
tarefas que exigiam certo grau de concentração. A socialização era outra preocupação.
Com a chegada de Gabriel, tive que mudar muitas coisas na minha sala de aula e na
minha maneira de atuar. No início das aulas ele sempre sentava sozinho, no fundo da sala,
isolado dos demais alunos. Passei, então, a estimular o trabalho em pequenos grupos, e o
trabalho colaborativo entre os alunos. Logo o sentimento de pertencer à turma ficou mais forte
e Gabriel já interagia com todos, sem grandes problemas. Com o tempo, os avanços em
relação ao seu comportamento foram ficando mais evidentes, a agressividade foi diminuindo e
os colegas passaram a aceitá-lo melhor. Pediam sua ajuda, mas também lhe cobravam postura
adequada em sala: não falar alto demais, esperar a sua vez, ter calma em situações de conflito.
Também fomos ficando mais próximos, estabelecendo um vínculo afetivo muito forte que,
aos poucos foi se desdobrando em cumplicidade e respeito mútuo.
Os progressos quanto à sua socialização com o grupo eram cada vez mais notórios,
sendo motivo de comentários por todos na escola. A preocupação, então, passou a ser em
relação à aprendizagem dos conteúdos: como motivá-lo a participar de atividades envolvendo,
leitura, escrita e cálculos? Nas atividades realizadas individualmente, Gabriel passou a se
sentar ao meu lado, o que ampliou sua capacidade de concentração. Com isso, também era
322
possível acompanhar melhor o seu desempenho. Percebia que quando as atividades lhe
pareciam pouco motivadoras ou ao se sentir cansado, realizava essas atividades de forma
rápida para terminar o quanto antes, especialmente em tarefas que empregavam lápis e papel.
Mostrava-se mais motivado com o trabalho em pequenos grupos, envolvendo atividades e
materiais concretos. Por isso, passei a incorporar, já no meu planejamento, estratégias que
despertassem o seu interesse. Ele adora dançar, e é o coreógrafo da turma. Utilizava a música
como uma estratégia para abordar diferentes conteúdos: multiplicação, alfabeto, datas
comemorativas. Foi uma das maneiras que encontrei de ele entender melhor o conteúdo e de
se envolver na atividade.
No entanto, mesmo quando demonstrava bom nível de desempenho na linguagem oral,
na compreensão de textos e na resolução de problemas, era mais lento do que seus colegas
para aprender. Para amenizar essa situação passei a organizar os alunos em pares, num
sistema de rodízio. Assim, a cada dia, Gabriel sentava com um colega diferente, que lhe
ajudava no registro e sistematização dos conteúdos. Para trabalhar com esse aluno, sempre
tive o apoio da educadora especial da escola, que me auxiliava dando dicas, sugestões de
atividades, textos para leitura e passando dados sobre as atividades que ele realizava na sala
de apoio. O desafio de levar Gabriel a ampliar sua capacidade de ler e produzir textos nos
levou a buscar novas estratégias. Assim, organizamos um trabalho utilizando o computador
como ferramenta de ensino-aprendizagem. O trabalho era feito semanalmente na sala de
informática, sob a supervisão da educadora especial. Através da informática percebemos que
sua motivação e envolvimento para com as atividades de leitura, escrita e cálculos eram
redobrados, facilitando a compreensão do conteúdo abordado.
Gabriel é bastante comunicativo, gosta de chamar a atenção e ser o centro das atenções.
Passei a explorar esta característica no momento de produzir textos e também na hora de
avaliá-lo. Costumava sentar ao seu lado, e pedia-lhe que me contasse uma história, e íamos
registrando-a juntos. Isso contribuiu muito para melhorar sua habilidade de produção de
textos. Por sugestão da educadora especial passei a registrar todas essas adaptações em uma
espécie de tabela para que outros professores pudessem vir a ter acesso ao trabalho
desenvolvido, inclusive com exemplos de atividades. Além disso, serviam de recurso para
reflexão e avaliação da minha prática, se os objetivos traçados estavam sendo alcançados ou
não, e quando era o momento de intervir, com a utilização de uma nova estratégia.
Gabriel foi meu aluno por dois anos consecutivos, o que lhe garantiu a aprendizagem
dos conteúdos mínimos para a série. Hoje ele está no quinto ano e já pode ser considerado um
caso de sucesso. Trabalhar com Gabriel foi, certamente, um grande aprendizado para mim. No
início, o conflito: por um lado, o desejo de fazê-lo aprender; por outro, o receio de fracassar,
já que não tinha formação para desenvolver esse trabalho. A ajuda veio, principalmente, do
coletivo da escola, nos encontros dos professores para estudo, onde eram tomadas decisões
conjuntas referentes ao currículo, e discutidas soluções de questões envolvendo alunos com
maior dificuldade em seu processo educacional. Foi assim que, com o tempo, a inclusão de
Gabriel passou a ser um desafio que consegui superar. Sua família, especialmente a mãe,
também foi presença marcante nesse processo, sempre envolvida com a escolarização e
demandas do seu desenvolvimento. O compromisso da mãe para que as coisas acontecessem e
por acreditar no potencial do filho, ajudaram para que este caso fosse bem sucedido. Gabriel,
antes visto como um problema na escola, tornou-se motivo de orgulho, e exemplo de que a
inclusão é um processo complexo, mas possível.
323
Após a leitura do caso de ensino, procure responder as questões abaixo de maneira bem
detalhada, incluindo reflexões e exemplos.
1. Neste texto, a professora Helena descreve como foi o processo de inclusão de um aluno
com deficiência mental no ensino regular. Para tanto, ela aborda diferentes aspectos
observados sobre o seu aluno, através de um levantamento no início do ano letivo. Você
elabora um levantamento inicial? Liste algumas características de sua turma.
2. Outros aspectos são considerados no levantamento inicial feito pela professora, como o
comportamento do aluno e o estabelecimento de vínculos afetivos. Você acha importante
considerar aspectos referentes a atitudes, vínculos afetivos e interações estabelecidas entre
os sujeitos do processo (aluno-aluno, professor-aluno) e o objeto de conhecimento? Como
podemos fazer isso? Comente suas respostas.
3. A professora, ao descrever seu aluno, relata informações que vão além dos dados
referentes à aprendizagem dos conteúdos em sala de aula. Você considera importante
conhecer esse tipo de dados: história familiar, trajetória escolar, comunidade a qual
pertencem os alunos, etc.? Por quê?
4. A professora tem o hábito de manter registros sobre suas aulas, como forma de poder
refletir sobre os progressos das crianças e sobre sua própria atuação. Qual é a sua opinião
sobre a utilização desse instrumento? Você tem o hábito de registrar situações vivenciadas
em sala de aula? Por quê? Quais instrumentos você utiliza?
5. A professora relata algumas das estratégias que utilizou para tentar ensinar Gabriel, um
caso que ela considera bem sucedido, um desafio que conseguiu superar. Considerando a
sua experiência (atual ou passada) com a inclusão de alunos com necessidades
educacionais especiais, como você ensina seus alunos, com e/ou sem necessidades
educacionais especiais? Descreva um exemplo.
6. Pela leitura do texto, procure identificar quais são os conhecimentos que a professora
possui sobre, ensino, aprendizagem e avaliação. Em seguida escreva quais são as suas
idéias sobre ensino, aprendizagem e avaliação do aluno com necessidades educacionais
especiais.
7. Em seu relato, a professora diz não possuir formação para trabalhar com alunos com
necessidades educacionais especiais no ensino regular, e destaca a importância das
discussões coletivas e da parceria entre diferentes profissionais da escola para o
desenvolvimento de uma prática inclusiva. Qual sua opinião sobre isso? Na sua escola
existem momentos para discussões coletivas? Como eles ocorrem (freqüência,
metodologia, etc.)?
8. Professor, considerando a sua experiência, como e onde você construiu seus
conhecimentos sobre o ensino inclusivo? O que o ajuda a tomar decisões em sala de aula?
Que momentos, pessoas ou cursos foram mais importantes para auxiliá-lo a aprender a
ensinar?
324
Quando iniciei minha prática docente, não pensava que teria alunos com necessidades
educacionais especiais em minha sala de aula. Durante muito tempo, só se pensava em
educação especial ao nível de profissionais interessados pelo tema, ou que tivessem as
aptidões necessárias para atuarem com tais grupos, pois se acreditava que esses alunos só
poderiam freqüentar escolas e, mais tarde, classes especiais, tendo como tutores os
profissionais capacitados e preparados para tal função. O tempo passou e as políticas
educacionais foram se modificando e dando mais espaço para esse aluno diferente, com
características, e até mesmo, traços físicos diferenciados dos demais.
No ano de 1998, atuando em uma turma de 1ª série do ensino fundamental, recebi
matriculada em meu grupo de alunos, Rafaela, uma adolescente com paralisia cerebral. No
primeiro momento foi um grande impacto, fiquei muito angustiada, sem saber o que fazer,
pois a inclusão estava batendo em minha porta, significando uma mudança de postura em
minha prática, um novo olhar acerca do diferente, e a questão de rever todos os meus
conceitos a respeito dessa nova realidade com a qual me deparava. Era um desafio chegando,
mas que me fez buscar novas alternativas, obter respostas para uma gama de questionamentos
e, inúmeras dúvidas que foram surgindo. Senti que precisava estudar mais, ler muito e me
aprofundar para compreender melhor o que estava acontecendo. Cerquei-me de livros,
participei de cursos, procurei profissionais especialistas na área para poder seguir com minha
tarefa, educar na diversidade, tão falada atualmente.
Rafaela chegou sem atendimento terapêutico, em nenhuma área, muito menos na área
pedagógica. Lembro da minha revolta, afinal, como pode ter chegado à escola e simplesmente
ter sido colocada numa sala de aula, sem ter passado antes por outros profissionais? A
comunicação foi a primeira barreira. Eu, assim como os alunos, tínhamos dificuldades em
entendê-la. Ela apresentava dificuldades na fala, comunicando-se por meio de palavras
isoladas e, muitas vezes, repetitivamente. Tinha dificuldade em segurar objetos pequenos e
precisava da cadeira de rodas para se locomover. Era uma adolescente que demonstrava
desejos, interesses e percebia-se uma grande potencialidade a ser desenvolvida. Senti a
importância de minha figura bem presente nessa nova caminhada com a aluna, percebi o
quanto deveria procurar novos caminhos para ajudá-la a recuperar o tempo que havia perdido
em sua trajetória educacional, e em todos os sentidos de uma cidadã com seus plenos direitos.
Passei a trabalhar com todos os alunos em conjunto, fui observando que o trabalho da
pessoa com deficiência no grupo preparava-a melhor para a vida na comunidade. Acredito
que os professores, assim como eu, melhoraram suas habilidades profissionais. Diversifiquei
mais minhas aulas, pois penso que o professor deve fazer do espaço de sala de aula, um
ambiente de socialização, de aprendizagens, onde os alunos adquiram normas e valores,
condutas de respeito, responsabilidade, solidariedade, cooperação, visão crítica, buscando
sempre a inclusão incondicional de todos os alunos na escola regular.
Confesso que foi um trabalho árduo, onde tive que mudar totalmente minha forma de
atuar, de me comunicar e de me relacionar com os alunos. A cada aula que dava ou preparava,
a dúvida: como poderia fazer para que todos os alunos, inclusive Rafaela, conseguissem
compreender o conteúdo abordado? Em meus planejamentos, passei a ter sempre o princípio
325
dos saberes já adquiridos pelos alunos, contemplando a história de vida de cada um, o
contexto cultural e social.
Sempre preocupada com a parte pedagógica, investi muito no trabalho em pequenos
grupos, geralmente em duplas, mesclando atividades onde hora um, hora outro, pudesse
demonstrar suas habilidades. Com isso, houve um respeito maior ao ritmo de aprendizagem
de cada aluno, levando em conta seus limites bem como suas potencialidades. Utilizei
materiais como: escala cuisenaire, material dourado e tampinhas, para trabalhar quantidade e
cálculos. Como Rafaela tinha a motricidade fina bastante comprometida, dificultando a
escrita, trabalhei muito com atividades concretas, fazendo a aluna perceber através do tato a
forma de escrever a letra ou palavra. Para tanto, utilizei alfabeto móvel, letras e números
emborrachados, ou confeccionados com lixa ou papelão. Também lancei mão de muitos jogos
e brincadeiras: bingo de letras, dos nomes dos alunos, entre outros. Sempre que possível,
organizava passeios, seguidos de textos espontâneos referentes aos mesmos, cartazes,
pesquisas de figuras, letras e palavras, músicas, poesias, textos, livros de histórias, entre
outros.
No início, logo que chegou à escola, Rafaela precisava ser carregada pelos professores
ou pelos colegas. Com o tempo, as barreiras arquitetônicas foram suprimidas, a fim de
garantir a acessibilidade da aluna. Como exemplo cito a ampliação da porta da sala de aula, a
construção de rampas e a adaptação do banheiro. O mobiliário também foi adaptado para que
Rafaela pudesse participar de maneira mais efetiva do processo ensino-aprendizagem, além de
um computador na sala de apoio, utilizado como meio de facilitar a sua aprendizagem.
Foi um ano de grande crescimento para mim, pois aprendi a trabalhar de forma
diferente, muitos conteúdos que trabalhava de forma tradicional, na expectativa de que todos
aprendessem tudo e ao mesmo tempo. Aprendi que, com materiais simples e a diversificação
das atividades, é possível melhorar muito a aprendizagem de todos os alunos, com e sem
deficiência. Aprendi, também, que um ser humano não é moldável por outro ser humano, mas
a troca de experiências, as condições e oportunidades, a interação com um meio rico em
estímulos, leva a modificações em nossos comportamentos, enriquecendo nossas capacidades.
Atualmente, possuo em minha sala de aula uma aluna com Síndrome de Down, e me
sinto mais preparada quanto à inclusão. Mas bem sabemos que muita coisa ainda tem para ser
feita, e para que possamos enriquecer nosso saber é necessário querer saber, querer se
modificar e só cabe a nós despertar-nos esse desejo. Muitos foram os desafios que passei e
ainda passo, mas posso garantir que foram de muita riqueza para minha carreira.
Após a leitura do caso de ensino, procure responder as questões abaixo de maneira bem
detalhada, incluindo reflexões e exemplos.
Prezado(a) Professor(a)
Este é o último caso de ensino a ser analisado. Gostaria que me respondesse: o que você
achou desse e dos outros casos? Acredita que, de alguma maneira, a estratégia de
analisar e debater os casos de ensino trouxe contribuições para você e para sua prática
de inclusão? Aguardo sua opinião?
Muito obrigada!
Um grande abraço
Viviane
327
Prezado(a) professor(a), nos últimos meses, você analisou algumas situações escolares
enfrentadas por diferentes professores que trabalham com alunos com necessidades
educacionais especiais em classes do ensino regular. A primeira situação surgiu do caso de
ensino Trajetória profissional de Adriana: o desafio de desenvolver uma prática inclusiva, e
relata a trajetória percorrida por uma professora do ensino fundamental, ao tentar ensinar uma
turma que possuía uma aluna com Síndrome de Down. O segundo caso E agora? O que vou
fazer? situou os dilemas e desafios enfrentados por uma professora frente à presença de um
aluno com autismo em sua sala de aula. O terceiro caso Do conhecimento do aluno à sua
inclusão, descreveu episódios vivenciados por uma professora ao tentar ensinar um aluno com
deficiência intelectual no ensino regular, abordando as estratégias e intervenções por ela
implementadas. Por fim, a última situação que você analisou Relatando um caso de inclusão
no ensino regular trouxe a experiência de uma professora quanto à organização de um
trabalho voltado para as necessidades educacionais de uma aluna com paralisia cerebral.
Agora é a sua vez de escrever um caso de ensino! Com base em situações cotidianas
vividas por você, em sua trajetória como professor(a), reportando-se, em particular, à sua
atuação com alunos com necessidades educacionais especiais, construa um caso de ensino.
Você deverá fazer o mesmo que as professoras dos casos que você leu fizeram, ou seja,
contar uma experiência que você viveu como professora ao tentar ensinar qualquer conteúdo
aos seus alunos. Imagine que o seu caso de ensino também será analisado por outros
professores. Por isso, procure descrever a situação que você escolher de forma detalhada, para
que o leitor saiba realmente o que aconteceu. Lembre-se, você deve descrever uma situação
real! Algumas instruções:
a) você deve descrever uma situação vivida na sua carreira ao tentar ensinar algum conteúdo
em uma turma que possui alunos com necessidades educacionais especiais. Você pode
escolher uma situação em que tudo correu bem ou em que as coisas não funcionaram como
você previa. O importante é que você escolha uma situação que tenha sido importante no seu
processo de aprender a ser professor.
b) descreva a situação com detalhes para que o leitor compreenda com clareza. Isso não
significa que você deva fazer um texto longo. Significa apenas que você deve dar os detalhes
da situação. Diga em que ano aconteceu o fato, o nível da turma, o que você pretendia ensinar,
como procedeu, se conseguiu ensinar ou não, quais as dificuldades enfrentadas, os dilemas
que surgiram, os conflitos, quais foram suas atitudes ao tentar ensinar, quais as conseqüências
de suas atitudes, quais as reações/falas dos alunos, etc. Você pode se orientar pelos casos que
leu: veja como as professoras descreveram as situações, apresentando o conteúdo, como
tentaram ensinar, as dúvidas que tiveram, como resolveram ou não os dilemas enfrentados.
c) depois que terminar o caso de ensino, responda:
1) por que você escolheu descrever essa situação?
2) o que você aprendeu quando viveu essa situação?
3) o que você aprendeu ao escrever esse caso de ensino?
328
2. O que você aprendeu por meio da análise, elaboração e discussão de casos de ensino e que
acredita que irá auxiliá-la no ensino de alunos com necessidades educacionais especiais?
5. Quanto à metodologia utilizada, como você avalia essa proposta formativa (estratégia
empregada, carga horária, tema abordados, ministrante, etc.)?
7. Você acredita que esse trabalho com casos de ensino contribuiu para o aprimoramento da
sua prática educativa junto a alunos com necessidades educacionais especiais?
329
____________________
Viviane Preichardt Duek
PPGED/UFRN
_______________________________
Diretora Administrativa da Escola
330
___________________________________
Assinatura do(a) professor(a)
331
ANEXOS
334
Sou professora do ensino regular há 25 anos, e venho através desse relato descrever
um pouco como foi receber em minha turma do 1º ano do ensino fundamental, no ano de
2005, Maria, uma aluna de 11 anos com paralisia cerebral que apresentava limitações
motoras, sensoriais e lingüísticas. No primeiro momento foi um grande impacto, senti medo e
insegurança, afinal, o desconhecido nos causa incertezas e nos obriga a mudar. Logo vieram
os questionamentos: o que fazer? Como ensinar? Como avaliar? Até então tinha um
entendimento errôneo e preconceituoso de que a criança com deficiência não conseguiria
aprender. Ao me deparar com essa experiência fui obrigada a mudar minhas atitudes,
passando a diversificar as aulas, mudando a forma de planejar e avaliar.
Esse foi um processo árduo, e implicou a superação de diversas barreiras. A primeira
delas foi relativa à comunicação, pois a aluna falava de forma desarticulada. Eu, assim como
os outros alunos, tínhamos dificuldade em entendê-la. Era uma situação muito angustiante
para todos, sobretudo para a aluna, por perceber que não era compreendida nem por mim,
nem pelos colegas. A questão motora também era motivo de preocupação, uma vez que ela
apresentava dificuldades para segurar o lápis por um período longo e de forma correta, além
da falta de mobilidade nas pernas, sendo indispensável o uso da cadeira de rodas, e de alguém
que a conduzisse. Isso, certamente, vinha influenciando negativamente na sua interação em
sala de aula, bem como no seu processo de aprendizagem.
Algumas dificuldades, sobretudo relativas à comunicação, foram sendo superadas de
forma mais espontânea, a partir da própria convivência com a aluna em sala de aula. O
trabalho com os pares foi um grande aliado nesse processo. A fim de favorecer a socialização
da aluna no grupo passei a organizar os alunos em duplas, sempre revezando os alunos de
forma que todos pudessem interagir com ela. Não demorou muito para que pudéssemos notar
os avanços na interação de Maria com os colegas, bem como sua disposição em participar das
atividades propostas em sala de aula.
Trabalhar com Maria foi, de fato, um desafio, talvez o maior de todos que enfrentei ao
longo de minha experiência como docente. A cada novo conteúdo a ser trabalhado a dúvida: o
que fazer para facilitar o seu envolvimento nas atividades? Qual estratégia mais adequada?
Como fazê-la avançar? Diante dessa vivência, foram surgindo pistas de como trabalhar de
forma mais dinâmica com a turma. Com ela, descobri que as atividades que mais lhe
despertavam o interesse eram as que continham jogos e músicas, principalmente quando eram
acompanhadas de movimento. Descobri, ainda, que algumas atividades precisavam ser
adaptadas ou com atendimento individualizado.
Com muita disposição e “jogo de cintura” fui aprendendo a trabalhar com Maria e
com a turma toda. A fim de conciliar as suas necessidades e dos demais decidi intensificar a
realização de atividades que já faziam parte do repertório utilizado em sala de aula, tais como:
alfabeto móvel, jogos de encaixe, dominó de palavras e números, recortes, colagem, pintura,
contação de estórias, músicas, dentre outras, sempre com o propósito de envolvê-la em todas
as atividades, inclusive nas apresentações de festividades promovidas pela escola.
Em uma de nossas aulas desenvolvi uma atividade com alfabeto móvel onde íamos
dizendo as letras, utilizando-as para formar palavras. Maria conseguiu realizar a atividade
sozinha, levando, apenas, um pouco mais de tempo para finalizá-la. Outra atividade que
exigiu adaptação foi no dia em que propus aos alunos, que eles pesquisassem em jornais,
335
Sou professora há, aproximadamente, cinco anos. Até agora não havia tido nenhum
aluno com necessidades educacionais especiais em sala de aula. Para minha surpresa este ano
recebi, em minha turma, Luis, que tem Paralisia Cerebral. Foi quando realmente me senti
perdida, despreparada, angustiada e insegura, sem saber como agir e trabalhar com esse aluno.
Luis não consegue se expressar verbalmente e precisa da cadeira de rodas pra se locomover.
Apesar de suas dificuldades, obteve uma boa socialização com o grupo que se preocupa
com o mesmo, respeita suas limitações, entende seu ritmo e o tratam muito bem. Já no aspecto
cognitivo, Luis apresentava resultados muito aquém dos esperados. Confesso que, para mim,
isso não chegava a ser um problema, pois embora ele estivesse em sala de aula, acreditava que
não teria muito progresso. Também não me sentia responsável pelo fato dele não estar
aprendendo, de não conseguir fazer as atividades, e atribuía isso às suas limitações.
Acreditava que a socialização, a convivência com os outros alunos já representava um avanço.
Era esse o meu pensamento até que a escola na qual trabalho, com o apoio de
pesquisadores da Universidade, começou a se organizar para discutir a questão da inclusão de
alunos com necessidades educacionais especiais. As discussões no coletivo, a troca com os
colegas me fez perceber que Luis, ao contrário do que eu supunha, não representava um
obstáculo, mas um desafio que sinalizava para a necessidade de transformar a minha prática.
Foi como se, de repente, eu despertasse para isso e pudesse ver o quanto havia desacreditado
de Luis, de suas capacidades, deixando de investir na sua aprendizagem. Aos poucos estou
tentando rever a minha postura em relação a ele e já dou os primeiros passos rumo a uma
nova ação pedagógica.
Admito que essa mudança não tem sido fácil. Logo de início fiquei confusa: de onde
partir? Logo de início fiquei confusa: de onde partir? Por onde começar? Refletindo sobre a
situação, fui encontrando formas de começar meu trabalho com Luis. Procurei, inicialmente,
me aproximar e interagir mais com ele, a fim de conhecer melhor suas dificuldades, seus
interesses, e assim poder intervir de modo mais adequado. Descobri que Luis reconhecia as
letras e os numerais, e embora apresentasse dificuldades para escrever e para verbalizar seu
pensamento, compreendia e percebia o mundo a sua volta. A partir do que ia observando,
resolvi estabelecer uma rotina, reservando um tempo da aula para trabalhar individualmente
com Luis. Também passei a realizar atividades diferenciadas para que ele pudesse fazê-las, já
que anteriormente só rabiscava.
Os avanços, mesmo pequenos, já começam a aparecer. Mas, nem sempre tenho obtido
êxito nesse tipo de abordagem, pois, muitas vezes, ao me sentar com Luis, logo preciso sair
para atender os outros alunos. Em uma de nossas aulas, levei um texto a partir do qual
pretendia trabalhar aumentativo e diminutivo. Passei o texto no quadro para a turma copiar,
enquanto pretendia fazer a leitura com Luis. Mal havíamos começado, quando tive que
levantar e resolver outros problemas na sala. Como são muitos os momentos em que preciso
intervir, não consigo dar atenção a Luis como deveria. Também há momentos em que os
outros alunos se aproximam para tirar dúvidas, e quando me dou conta, estão todos
aglomerados à nossa volta. Não sei o que fazer nessas horas, pois apesar de meus esforços,
nem sempre consigo atender a todos de maneira satisfatória.
Afinal: como conciliar os interesses e necessidades de Luis com o restante da turma?
Além da questão do tempo, necessário para que Luis consiga concluir as tarefas, acredito ser
necessário, também, disponibilizar apoios diferenciados na sistematização das atividades,
inclusive dos próprios colegas. Dias atrás, ao conversar com a professora da Sala de
337
Informática, constatamos que Luis se sente bastante motivado com as atividades realizadas no
computador. Já começamos a pensar em um trabalho nesse sentido o que poderia facilitar a
sistematização dos conhecimentos, representando uma alternativa ao uso do lápis e papel.
Mas confesso que ainda não sei, ao certo, como colocar isso em prática.
Por ser minha primeira experiência com um aluno com necessidades educacionais
especiais tenho muito a aprender e já começo a me interessar por cursos, estudos e pesquisas a
respeito do assunto. Mais uma vez exalto o trabalho de formação continuada que acontece em
nossa escola, que tem me deixado mais tranqüila e confiante, além de fornecer subsídios para
melhorar minha docência. A partir do trabalho de formação aprendi que é possível, sim,
ensinar e educar meu aluno.
Com Luis aprendi que, às vezes, para se ver bem, é preciso mudar o foco do nosso
olhar. Foi assim que, revendo o papel do aluno, pude rever meu próprio papel como
profissional, e a responsabilidade que me cabe no processo de ensino-aprendizagem. Passei de
uma visão do aluno como o único responsável e que precisa se adequar à escola para outra,
em que a escola e seus profissionais precisam oferecer condições para que todos aprendam.
Acredito ter dado o primeiro passo rumo à reestruturação da minha prática, pois esse é
um processo tortuoso e repleto de conflitos. De todo modo, trabalhar com Luis tem se
mostrado, por um lado, um grande desafio e, por outro, uma oportunidade única de
aprendizagem, onde luto, diariamente, para superação de meus próprios preconceitos,
dificuldades e dilemas profissionais, na busca por um ensino de melhor qualidade para todos.
Sou professora de Artes e atuo na rede pública de ensino há quase 20 anos. Penso que
trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais é algo muito difícil.
Simplesmente não sei o que fazer com esses alunos em sala de aula, como no caso de Luis,
que tem paralisia cerebral e está matriculado no 4º ano. Embora faça uso da cadeira de rodas
para se locomover, ele apresenta certa autonomia, chegando a se levantar e sentar sozinho na
carteira. No entanto, seu comprometimento motor impede que realize atividades de escrita,
desenho e pintura. Devo admitir que essa experiência tem sido realmente terrível para mim.
Fico muito frustrada e angustiada quando vejo Luis na sala de aula, pois percebo o seu desejo
em envolver-se e participar das atividades. Mas, sinceramente, não sei se isso é possível.
Além das limitações do próprio aluno também tem a questão do tempo da aula que é curto,
apenas uma hora semanal em cada turma e do material que é coletivo, não tem para todos. Em
uma de nossas aulas, quando terminei de organizar a turma para dar conta de Luis ele estava
lá, sentado, triste, com a cabeça debruçada sobre os braços. Olhei para ele e tive vontade de
chorar. Foi deprimente. O objetivo, nesse dia, era que os alunos fizessem um desenho, uma
releitura sobre a obra de um artista. Como é que eu faço? Primeiro seleciono um artista, pode
ser um pintor famoso, um escultor, etc., depois faço um levantamento das informações sobre
ele e sobre a obra escolhida para releitura. Também procuro levar imagens da tela e do pintor
para que os alunos possam relacionar a obra com o seu artista. Geralmente, começo passando
o texto no quadro para que eles copiem. Depois faço a leitura coletiva e algumas perguntas
pra ver o que a turma entendeu. Então, distribuo cartões com as instruções sobre a atividade
que eles irão realizar, no caso a releitura da obra. Nesse momento distribuo o material como
papel, giz de cera, lápis para colorir, etc. Tem vezes, também, que trabalho com os contrastes,
como o preto e o branco, por exemplo. Após receberem o material começa o trabalho de
releitura pelos alunos. Algumas vezes, esse trabalho é realizado individualmente, outras, em
pequenos grupos. Mas o fato é que quando eu fui trabalhar com Luis faltavam cinco minutos
pra terminar a aula. Ele foi pra casa sem fazer a atividade, porque precisaria de um tempo
maior pra ele e de uma pessoa do lado para ajudar, precisaria prender o papel na mesa, ter um
lápis ou giz de cera mais grosso, enfim, dar uma arrumada pra Luis poder fazer alguma coisa.
Mas aí esse tempo não dá pra trabalhar, não dá pra fazer isso, conciliar a sala de aula com ele.
Essa situação tem me angustiado bastante. Fico revoltada com tudo isso, com a forma como a
inclusão vem sendo feita nas escolas: joga-se o aluno na sala de aula e o professor que dê
conta. Não se tem a consciência de que o aluno é responsabilidade não só do professor, mas
de toda escola, além da família, claro. Atualmente, fala-se muito de educação na diversidade,
em respeito às diferenças. Será que estamos preparados para isso? Será que algum dia
estaremos? É tudo muito contraditório, especialmente se pensarmos no discurso de que temos
que tratar todos os alunos de maneira igual. No caso do aluno especial, ele está na sala de
aula, mas ele não é igual aos demais, senão não seria especial. Ou é todo mundo especial ou
ninguém é. Por isso, o que as políticas públicas têm chamado de inclusão, pra mim, não passa
de uma ilusão, de uma utopia.
339
Um caso especial
No ano de 2008 iniciei os trabalhos em uma nova escola. Durante a primeira reunião
pedagógica fomos informados da turma com a qual trabalharíamos e quem receberia alunos
com necessidades educacionais especiais. Soube, nesse dia, que ficaria com a turma do 3º ano
na qual estava matriculada Jéssica, com Síndrome de Asperger. Ao iniciarmos o ano letivo
contei com a presença de Elisa, que também era professora da escola, para realizar um
trabalho de apoio com Jéssica em sala de aula. Bastante apreensivas com a nova experiência,
ainda por vir, partimos em busca de informações em livros, na internet, com a família e
colegas da escola. Descobrimos, por meio de leituras e com a equipe pedagógica da escola,
que o comportamento das pessoas com essa síndrome é semelhante ao de um autista, ou seja,
não gostam do contato físico, tem tendência ao isolamento, agindo como se estivessem em um
mundo só seu, sem atentar para os estímulos do meio, uso do outro como ferramenta, etc.
Com esse pouco conhecimento aguardamos a chegada de Jéssica. Quando ela chegou
Elisa assumiu o seu papel de acompanhá-la e de preparar atividades de acordo com suas
limitações, mas ela sempre conversava e combinava comigo quais atividades realizar e como,
considerando o que eu estava trabalhando com os outros alunos. Jéssica tinha dificuldades em
se envolver nas atividades propostas e de permanecer em sala de aula, necessitando de alguém
para circular com ela pelas dependências da escola, pois não podia fazer isso sozinha, uma
vez que ela não consegue distinguir entre o que é certo ou errado, podendo se colocar em
situações de perigo.
Elisa trabalhou com Jéssica durante o primeiro período do ano, realizando um trabalho
que considero excelente, pois apesar da necessidade de Jéssica caminhar pela escola, Elisa
conseguia mantê-la na maior parte do tempo em sala. Ela costumava levar para a sala de aula,
massa de modelar, tinta, e quando Jéssica perdia o interesse pelo que estava fazendo Elisa ia
com ela para a caixa de areia ou dava uma folha com alguma atividade pra ver se ela
conseguia se concentrar.
Contrariando o que havíamos lido, Jéssica passou a nos tocar, tanto Elisa quanto a
mim. Ela vinha, abraçava e dava um beijo meio que lambido e gostava de pegar no cabelo. A
relação com os colegas também era muito tranqüila. Ela passava pela mesa e mexia no
material, pisava no pé, mas eles não revidavam, viam aquilo como uma forma dela expressar
carinho. Quando chegava na sala, pela manhã ela falava “bom dia” e dava “tchau” para todos
antes de ir embora. Em relação à aprendizagem dos conteúdos foi outra surpresa, pois, com o
tempo, ela demonstrou mais conhecimento acerca da leitura e escrita do que alguns ditos
normais da sala.
No segundo período a situação foi diferente. Elisa foi destinada para outra escola e
Jéssica ficou, temporariamente, na mão de um e de outro e aí tudo mudou. O trabalho não
fluiu da mesma forma. Ao invés de ficar na sala, ela passava a maior parte do tempo
circulando pelas dependências da escola, até porque, dependendo da pessoa que estava com
ela, não queria ficar presa a sala de aula ou então achava que eu deveria parar o trabalho com
os outros alunos pra ficar com ela o que nem sempre dava certo. Assim aconteceu até o final
do ano. Perdi praticamente todo o contato com Jéssica, parecia até que ela nem fazia parte da
turma. Mesmo com tantas dúvidas Jéssica foi aprovada para o 4º ano, pois a convivência e o
vínculo que se estabeleceu com a turma, foram considerados aspectos importantes nessa
decisão.
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Após algumas experiências, umas frustrantes e outras com êxito, hoje trabalho no
ensino fundamental com alunos do 5º ano, dentre o quais, um diagnosticado com
superdotação. Inicialmente, não considerei o fato de Tiago ser um aluno com necessidades
educacionais especiais por ter uma superdotação. Sabendo que ele já recebia atendimento
especializado, continuei dando minhas aulas normalmente, sem que fizesse nenhum
planejamento especial para ele, pois o mesmo não precisava, foi o que pensei. Ledo engano!
Ao avaliar a turma, procurando identificar avanços na aprendizagem dos alunos, notei
que Tiago, identificado como tendo talento acima da média na área da matemática,
apresentava dificuldades na leitura, escrita e interpretação de textos. Fiquei surpresa e confusa
ao mesmo tempo. Pensei se tratar de uma situação pontual, até perceber que o caso carecia de
uma atenção maior. Refletindo sobre o caso, cheguei à conclusão de que havia feito uma
leitura equivocada da situação, por não compreender que a superdotação não se dá em todas
as áreas do saber e do fazer.
Resolvi fazer uma nova avaliação da turma, a fim de identificar o nível de leitura dos
alunos. Constatei que, a maioria, não possuía leitura fluente, precisando, com urgência, de
uma intervenção nesse sentido. De modo geral, eram alunos que liam de forma palavreada/
silabada comprometendo, assim, a interpretação do texto. Tiago também apresentava a leitura
silabada, no entanto, ao ler para ele o que pedia o exercício de matemática e de outras
disciplinas percebia que, já na primeira leitura, feita por mim, compreendia os enunciados. A
produção escrita dos alunos também deixava a desejar.
Diante dessa realidade, resolvi lançar mão do texto poético para que os alunos
desenvolvessem a capacidade e habilidade de leitura oral, já que esse tipo de texto apresenta,
em sua maioria, rimas, que facilitam a leitura. Além disso, através dele, é possível trabalhar os
conteúdos de forma interdisciplinar. Foi assim que, desenvolvi com a turma, o projeto “Pare
no p da poesia”. O projeto consistiu na realização de oficinas de leitura e escrita. Doze, no
total. Em cada uma delas era abordado um tema diferente. Procurei seguir um cronograma,
estruturado ainda na fase de planejamento do projeto. O tempo de duração de cada oficina
variava conforme o interesse da turma pelo assunto trabalhado.
Através do projeto os alunos ficaram conhecendo, inicialmente, o que caracteriza um
poema (versos, estrofes, rima, etc.). Pesquisaram versos e poemas para serem lidos na sala de
aula. Também levei, para a sala de aula, poemas de autores consagrados (Vinícius de Morais,
Carlos Drumond de Andrade, Manuel Bandeira, entre outros) para serem ditos pelos alunos.
Estimulei a leitura de autores locais e regionais, que retratavam aspectos do próprio lugar
onde vivem. Também dei espaço para a produção coletiva e individual de poesias pelos
alunos. Estas eram escritas, compartilhadas no grupo, retomadas e aprimoradas, até ganharem
a sua versão final. Organizamos um mural para expor os trabalhos na própria sala de aula,
registrando a memória do grupo. As melhores produções, de cada aluno, foram expostas em
murais, distribuídos nos corredores da escola de modo que todos pudessem acessá-las. Ter o
seu trabalho exposto era motivo de orgulho e felicidade.
Sabemos que, em um grupo de alunos, sempre existem aqueles que são mais
extrovertidos, enquanto outros são mais calados, “na deles” como dizem as crianças. Tiago
era um desses alunos que costumava ficar “na sua”. Precisava ser “chamado” a participar das
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aulas. Com o projeto isso também melhorou. No início, participou timidamente dos momentos
de leitura dos poemas, mas, aos poucos, foi se soltando com o grupo. Além de recitar poemas
em sala de aula, para os colegas, Tiago se envolveu no sarau que realizamos na escola. Foram
produzidos cartazes de divulgação do “evento”, distribuídos convites para os alunos e para os
familiares que também puderam assistir à apresentação.
Com o sucesso do sarau, decidimos avançar um pouco mais, extrapolando os muros da
escola. Fomos “às ruas”, literalmente! O lugar, escolhido pelos próprios alunos, foi uma feira,
realizada semanalmente, no próprio bairro em que moram. Os alunos, organizados em
pequenos grupos, recitavam seus poemas. Enquanto alguns apresentaram maior desenvoltura,
outros, mais acanhados, contavam com o apoio dos colegas para ler o poema. Nesse dia,
Tiago surpreendeu ao recitar, sozinho, para um feirante, o poema que ele mesmo havia
produzido. Registramos o evento com fotos que foram, posteriormente, expostas na escola.
Considero que, com esse trabalho, a turma melhorou e Tiago também. Sua leitura está
mais fluente, já não se sente intimidado quando é chamado a ler um texto, interpreta e escreve
suas idéias com clareza, realizando as atividades com mais interesse e segurança.
Recentemente, soube que, nos anos anteriores, Tiago deu muito trabalho na escola em
termos de comportamento, o que me deixou surpresa, pois agora interage naturalmente com
todos. Também fiquei compreendendo, através de um curso de especialização sobre as
necessidades educacionais especiais, que há um material para ajudá-lo a alcançar, mais e
mais, na sua superdotação em matemática. Pretendo trabalhar nesse sentido. Espero, com isso,
continuar a tecer a minha teia do conhecimento e Tiago a dele.
Durante o ano de 2007, passei por uma situação nunca antes vivenciada. Enquanto nos
preparávamos para receber novas turmas da Educação Infantil, de uma instituição privada, fui
informada de que iria ter uma aluna com necessidades educacionais especiais. Fiquei
apreensiva, mas não senti medo e, sim, curiosidade em saber o que a criança tinha, o que
conseguia fazer e quais suas dificuldades. Por isso, procurei sua professora do ano anterior e
tentei sondar todas essas questões. Descobri que Clarice apresentava um déficit cognitivo,
além de limitações motoras.
As primeiras semanas de aula foram bem difíceis. Havia dias em que Clarice chegava
bastante agitada, sem aceitar a interação com os colegas. Nesses dias, se agarrava ao meu
pescoço e gritava bastante, chegando a me arranhar, se tentasse conversar com ela. Algumas
vezes, inclusive, foi preciso solicitar a presença da família para levá-la para casa, já que
nossas tentativas em tentar acalmá-la eram em vão. Admito que, no início, seu
comportamento me causou muita angústia e insegurança, pois não sabia o que fazer, nem
como interagir com ela. Mas, com o tempo e à medida que foi se adaptando à rotina escolar,
começou a se sentir mais segura comigo. Porém, a turma não tentava interagir com ela e, por
isso, a única pessoa com quem ela mantinha alguma interação era eu. Diante de tal
problemática, percebi a necessidade de conversar com a turma e explicar o que acontecia com
Clarice. Fiz todo um trabalho de informação e sensibilização com a turma através de
conversas, brincadeiras, dinâmicas e contações de histórias procurando discutir com eles a
questão das diferenças, despertando valores de respeito e solidariedade.
O resultado não poderia ter sido melhor, pois a turma começou a compreender melhor o
que acontecia com aquela criança e já podíamos sentir as primeiras tentativas de interação
com ela. Aos poucos, percebemos que Clarice também encontrava formas de tentar se
aproximar dos colegas. Começou a permitir o toque dos colegas, retribuindo, em geral, com
“empurrões”. Os alunos não revidavam, mas vinham até mim para reclamar que ela “estava
empurrando”. Diante da queixa dos alunos, comecei a olhar para essa aluna, nessas situações
de interação. Percebi que Clarice empurrava e corria. Parecia querer chamar a atenção dos
colegas para brincarem com ela.
Resolvi entrar no “jogo” dela, no intuito de levar os alunos a perceberem que aquele
comportamento era uma forma de brincadeira. Deixava que ela me “empurrasse” e saía
correndo atrás dela. Ela corria e depois parava, dizendo “estátua”. Então questionei junto à
turma: será que ela estava empurrando? Será que ela estava querendo brincar com vocês?
Vamos ver se ela consegue brincar com vocês? Aos poucos, o grupo foi compreendendo as
necessidades que a colega demandava e sua socialização foi se dando com muita atenção e
aceitação por parte da maioria das crianças. Clarice passou, então, a participar das
brincadeiras realizadas com o grupo, melhorando assim sua coordenação motora ampla.
No entanto, ainda não conseguia perceber seus avanços no campo acadêmico, pois
Clarice não participava das nossas conversas, sendo sua linguagem oral bastante atrelada às
suas necessidades imediatas como pedir água, chamar os nomes dos amigos, entre outras. Não
reconhecia o seu nome, nem conseguia escrevê-lo. Também não tinha noções de quantidade,
nem reconhecia os numerais. Além disso, apresentava dificuldades para registrar/sistematizar
as aprendizagens devido às suas limitações na coordenação motora fina. Quando lhe oferecia
papel e lápis, ela os manuseava apenas como forma de explorar a sua ação sobre eles.
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Mesmo sabendo que não existem receitas para trabalhar com esses alunos, estava
sempre preocupada em propor situações em que pudesse interagir ludicamente com o objeto
do conhecimento. Então resolvi partir do que observava na aluna, explorando o seu potencial.
Comecei a investir em atividades que trabalhassem memória, utilizando figuras, imagens,
música, contação de histórias, passeios, etc.
Lembro de um dia em que fizemos um passeio nos arredores da escola, para observar e
estudar as funções de cada parte da árvore. Como estratégia para que Clarice se envolvesse
mais ativamente, segurei em suas mãos e junto com ela fomos sentindo e nomeando cada
parte da árvore, explorando, também, formas, cores, texturas, cheiros, etc. Clarice ficou
bastante observadora, nomeando, quando solicitada, as partes da árvore. Ao retornarmos à
sala de aula, Clarice, assim como os demais, fez o registro desta experiência através do
desenho, Clarice, assim como os demais, fez o registro desta experiência através do desenho,
ainda que precisasse de “tradução” para compreender o que ela estava querendo expressar.
Quanto ao seu nome, através do seu crachá, todos os dias, sentávamos com ela e íamos
mostrando as letras e ensinando a reconhecer seu nome e reconhecer/nomear as letras
constituintes. Após determinado tempo, a aluna passou a reconhecer seu crachá entre os
outros e a nomear as letras que o formava. Em relação aos numerais (quantidade e
reconhecimentos dos números), propus várias situações de contagem de elementos concretos
como frutas trazidas pelas crianças, crianças presentes na sala, brinquedos, entre outros.
Clarice também passou a contar a seqüência numérica e a reconhecer alguns numerais.
A maior aprendizagem que tirei desta vivência é que embora Clarice não tenha
desenvolvido as mesmas habilidades e competências como as demais crianças, ela conseguiu
desenvolver outras que não conseguia, ou seja, houve aprendizado.
Esta experiência serviu para reafirmar a minha convicção de que o conhecimento não
tem limite, nem para mim, nem para meus alunos, que cada um é único e, ao professor, cabe a
importante tarefa de buscar superar as próprias limitações a fim de contribuir
significativamente para que cada um possa ter acesso ao saber. A verdade é que ninguém está
preparado para incluir esses alunos, ninguém tem essa receita, mas temos o dever de tentar.
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Sou professora de Português e após quase trinta anos de experiência em sala de aula,
deparei-me com um desafio: recebi Isadora, com deficiência mental, em uma turma de 5ª
série. O sentimento, naquele momento, não foi de angústia e, sim, de confiança de que,
mesmo com limitações, podemos (e devemos!), enquanto profissionais, realizar um trabalho
capaz de contribuir para o progresso do nosso aluno.
Inicialmente, procurei observar o seu nível de conhecimento em relação à leitura e à
escrita. Constatei que apesar de escrever de forma compreensível, ela estava sempre
“voltando”, pois tinha dificuldade em organizar as suas idéias. Lia pequenos textos e histórias
com certa fluência, embora não fizesse pontuação. Além disso, interagia pouco com os
colegas, dispersando-se com facilidade. Por outro lado, notei que Isadora gostava muito de ir
à biblioteca. Às vezes, ela saída da sala de aula para ficar na biblioteca lendo. Era seu lugar
preferido. Vi aí um canal de ligação, uma forma de interagir com ela.
Passei a ficar com ela nos intervalos, trabalhando estrutura frasal, lendo frases
interrogativas, exclamativas, introdução de textos ou finalização. Apresentava trechos ou
frases para ela fazer concordância, pontuação, etc. Também trabalhei com ela, a estrutura de
um texto: recortava artigos de jornais e revistas em partes, para que organizasse a sequência
lógica dos fatos. Ela sentia dificuldade em sistematizar os conteúdos gramaticais. Então,
passei a trabalhar nos textos as estruturas mais simples. Com o tempo, seus avanços foram
ficando mais evidentes. Ela já fazia descrição de pessoas, acontecimentos ou fatos,
demonstrando compreensão do que lia.
Enquanto prestava este atendimento mais individualizado, fora da sala de aula, também
desenvolvia um projeto de leitura e escrita com a turma. O objetivo maior era incentivar o
contato com os livros, desenvolvendo o hábito da leitura. A sistemática era a seguinte: cada
aluno pegava um livro na biblioteca, levava para casa e tinha um tempo para fazer a leitura.
Depois organizava momentos para que pudessem socializar o que haviam lido. Ficávamos no
pátio ou em sala de aula e conversávamos sobre aspectos da história. Perguntava sobre o título
da obra, o seu significado e a relação com o que foi lido. Também pedia que descrevessem
sobre os personagens e os fatos principais. Instigava os alunos a fazerem a relação entre o que
haviam lido e as questões do seu cotidiano, o que mudariam naquela história e como.
Também propunha outras formas de interpretação, através de desenhos ou reconto de
histórias.
Além dos livros, procurava estimular a leitura de outros tipos de textos. Uma atividade
muito gratificante era a cópia de pequenos textos retirados de jornais ou revistas, com notícias
que os alunos achassem interessante. Também escreviam sobre fatos ocorridos na localidade
em que moravam ou vistos na televisão. Os textos eram lidos na sala de aula em que eles eram
os “repórteres”. Trocávamos bilhetes e até poesias, muitos dos quais guardo até hoje.
Apresentação de jogral era outra atividade que eu gostava muito, pois sempre via bons
resultados, principalmente com os alunos mais tímidos que acabavam surpreendendo.
Considero este projeto o mais gratificante na minha trajetória como professora.
Todo esse trabalho contribuiu para uma participação mais efetiva de Isadora nas
atividades realizadas em sala de aula. Percebi que ela, embora tímida, já se mostrava mais
motivada e envolvia-se mais nas tarefas propostas. O seu relacionamento com os colegas
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também melhorou, mas, às vezes, ainda tinha dificuldades em se expressar no grupo. Nesses
momentos, procurava conversar com ela individualmente sobre o que havia lido.
Vendo o desenvolvimento de Isadora e as suas necessidades, senti a necessidade de
buscar apoio fora do ambiente escolar, em uma associação que prestava atendimento às
pessoas com deficiência. Com autorização da família, Isadora passou a freqüentar esta
associação. Íamos juntas até o núcleo onde aconteciam atividades artísticas e de informática.
Líamos tudo pelo caminho, as placas, o letreiro do ônibus, folhetos, etc., e assim ela foi
adquirindo maior autonomia, aprendeu a pegar um ônibus e andar sozinha para alguns
lugares, já que antes ficava apenas em casa, na dependência de alguém para ir de um local a
outro. Ela concluiu o ensino fundamental, fez o supletivo e já participou de várias mesas
redondas em seminários promovidos por diversas instituições onde conta sobre a sua história
de vida. Pensa em fazer vestibular e trabalhar.
Nosso relacionamento rompeu os muros da escola e nos tornamos grandes amigas. A
convivência com Isadora fez a diferença no meu trabalho como professora. Antes eu era
muito presa às prescrições, normas e regras. Mas, no decurso dessa experiência, fui
percebendo a necessidade de mudar, respeitando o tempo e vendo as capacidades de cada um.
Penso que foi isso que contribuiu para o sucesso desta experiência em que consegui
identificar os interesses e as necessidades de Isadora, trabalhando a partir deles. Hoje, sei que
mais importante que tudo é observar bastante, buscar identificação, conhecimento dos
interesses, das fragilidades.
4) Por que você escolheu descrever essa situação? Resolvi descrever este caso
porque foi uma situação que mais me ajudou a crescer, pois tive que buscar
ajuda fora do meu ambiente de trabalho, obtive sucesso e principalmente
porque, com Isabella, aprendi que cada ser humano é um desafio com grandes
possibilidades. É só acreditar!
5) O que você aprendeu quando viveu essa situação? Aprendi que cada pessoa
além de ser um desafio, nos ensina, nos faz crescer. Só lidando com Isabella, vi
o quanto cresci, o quanto me abri para aprender.
6) O que você aprendeu ao escrever esse caso de ensino? Ao escrever esse
caso, fiz o que nunca tinha parado para fazer: analisando para descrever as
situações, cheguei à conclusão de que o professor é um instrumento em quem
Deus confia sempre uma missão e que sempre existirá uma vitória; não a
vitória desejada, mas às vezes, uma vitória mais sublime.