Esquema Ponzi
Esquema Ponzi
Esquema Ponzi
CARATERIZAÇÃO E
IDENTIFICAÇÃO DE ESQUEMAS
PONZI:
DONA BRANCA
ii
INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA
INSTITUTO SUPERIOR DE CONTABILIDADE E
ADMINISTRAÇÃO DE LISBOA
CARATERIZAÇÃO E
IDENTIFICAÇÃO DE ESQUEMAS
PONZI:
BRANCA
Constituição do Júri:
Presidente _______________ Especialista (Mestre) Gabriel Correia Alves
Vogal___________________ Especialista Arménio Fernandes Breia
Vogal___________________ Especialista (Mestre) Pedro Ramos Roque
Ao meu Pai.
i
Epígrafe
«O dinheiro faz homens ricos, o conhecimento faz homens sábios e a humildade faz grandes homens».
Mahatma Gandhi
ii
Agradecimentos
Ao meu orientador, Mestre Pedro Roque, um especial agradecimento pela sugestão do tema
desta dissertação de mestrado.
À minha coorientadora, Eng.ª Sofia Delgado por ter aceite o desafio de me orientar nesta
investigação; devo-lhe um especial agradecimento por me ter colocado a questão fulcral que na
busca da sua resposta, viria a dar origem ao modelo das cinco fases dum esquema Ponzi.
Aos meus orientadores, Mestre Pedro Roque e Eng.ª Sofia Delgado, agradeço também por
terem acreditado na minha proposta de trabalho e por todo o incentivo e auxílio na superação
dos desafios encontrados, pelo empenho com que orientaram este trabalho nas diversas fases,
pelo rigor e pela oportunidade das críticas e sugestões.
Aos meus colegas de turma, Diogo Regueira, Ivo Gregório, Luís Fonseca, Patrick Simões, Pedro
Gomes, Vanessa Aires, pela excelente camaradagem, pelo apoio e pelo muito que aprendi
convosco.
Ao meu melhor amigo Bruno Ramos, por quem tenho uma dívida de gratidão pelas suas ideias,
comentários, sugestões, paciência, disponibilidade e partilha de interesse comum em aumentar
o seu conhecimento.
Aos meus amigos, Inês Rosa, Pedro Morais, Pedro Ricou, Pedro Romão, pela partilha de artigos
sobre casos recentes de esquemas Ponzi, pela motivação, apoio e compreensão pela minha
ausência em alguns momentos.
Aos meus colegas de trabalho, Arménio Figueiredo, Conceição Almeida, Patrícia Duarte, Rita
Rodrigues, pelo interesse em compreender o tema, pela troca de ideias e pontos de vista
diferentes tão enriquecedores, pelas sugestões, pela inspiração, força e apoio.
À minha família, um sentido e particular agradecimento, por todo o apoio sem o qual seria
impossível aqui chegar, e também por compreenderem e suportarem tantas ausências
decorrentes de todas as obrigações e compromissos associados a esta empreitada.
iii
Resumo
Esta investigação objetivou estudar um tipo de fraude financeira milenar, que se tem repetido
em diferentes períodos e ocorrido em vários continentes, denominada por esquema Ponzi. Face
à aparente simplicidade e ao elevado lucro gerado, este esquema atrai a curiosidade e o interesse
mesmo de pessoas mais conservadoras. Numa fase inicial, a oportunidade de investimento só é
acessível a um grupo restrito. Contudo, posteriormente, estas propostas começam a ser objeto
de comentário e até de admiração pelo sucesso alcançado, alargando-se o universo de aderentes.
No mundo globalizado, face há grande oferta no mercado de produtos financeiros, complexos
e difíceis de entender, não se torna fácil resistir à tentação de investir neste tipo de produtos.
Embora já existam instrumentos de alerta para estas fraudes, tem-se verificado que não são
suficientes para permitir uma deteção e identificação atempada e impedir que sejam lesados
muitos investidores, tanto de pequenas poupanças como de grandes investimentos, assim como
para impossibilitar a afetação do sistema financeiro na área de atuação.
Tendo em conta este cenário, uma das motivações que esteve na origem da presente investigação
prende-se com a importância de se dispor de uma ferramenta que permita detetar, o mais cedo
possível, este tipo de fraude de forma a minimizar os danos. Neste contexto, surge a pergunta
de investigação: Como funciona um esquema Ponzi e de que forma é possível detetar e identificar, de forma
atempada, esta fraude financeira?
Pretendendo-se dar resposta à questão em causa, analisaram-se três casos de esquemas Ponzi,
Charles Ponzi, Bernard Madoff e o caso português Dona Branca, tendo-se identificado a
existência de caraterísticas e formas de funcionamento semelhantes, no desenvolvimento do
esquema. O resultado do estudo possibilitou a criação de um modelo padrão da evolução dos
esquemas Ponzi, denominado por «Modelo das cinco fases de um esquema Ponzi». Este modelo
permite ao auditor e ao investigador identificar a fase do esquema em que se encontra.
Alguns autores têm aconselhado a utilização das red flags como medida preventiva na deteção
das fraudes financeiras. Este Modelo aliado às red flags constitui uma ferramenta mais robusta à
identificação de fraudes, em momento oportuno. A aptidão desta técnica na deteção de padrões
sintomáticos dos esquemas Ponzi poderá também ser do interesse de investidores e de
reguladores financeiros, quando confrontados com propostas de investimento com
rendibilidades atrativas mas irrealistas, face a oportunidades similares existentes no mercado.
iv
Abstract
The following research had the objective of studying an ancient type of fraud that has been
repeated time over time throughout history and spread over the five continents – The Ponzi
Scheme. Because of it’s simplicity and the promised high profit margins this scheme attracts
people from all specters of society even the more conservative ones. Usually it starts off with a
very restricted number of individuals and as rumor of high gains spread out on a person to
person basis, more people get attracted to the scheme. At each new entrant, the pyramid scheme
gets fed on it’s basis, distributing the entrant money as earnings to the tiers above. This pyramid
chain keeps feeding itself as new entrants keep coming into the scheme. But as new entrants
start being scares, the high earnings stop being delivered and the as the base links break the
pyramid eventually collapses.
What is of a surprise is that in a globalized world, with the information age at our doorstep,
these kind of schemes are still possible to happen. This is mainly due to the overwhelming
amount of financial products, some of them of high complexity, difficult to understand and
with low yield’s compared to these apparently simple and high return proposals. If one adds the
economic cyclic downturns it becomes more clear to understand the appetite for these schemes.
In light of all this it became apparent that a better tool that would allow for early detection of
this type of fraud was necessary. As such the research question arises: How do Ponzi schemes work
and how they can be detected and identified at an early stage?
To answer this question, three well known and documented cases were analyzed: Charles Ponzi
case, Bernard Madoff case and the Portuguese case of Dona Branca. The main common
characteristics and ways of working between them were identified and analyzed. The resulting
study gave way to the identification of a pattern for these types of scheme evolution, which in
turn allowed to develop a model denominated «5 Step Ponzi Scheme Model». This model gives
an auditor and/or investigator to identify the development stage at which the scheme is. Some
authors have recommended the use of the so called red flags as a preventive measure for early
detection. When we use these red flags in conjunction with the «5 steps model» this makes up a
very robust model for identifying this type of fraud early. This tool is also applicable when
regulators and financial investors are taking investment decisions at which point the model can
come into play identifying if some high return proposals are realistic or a possible Ponzi scheme.
v
Índice
Dedicatória ................................................................................................................................................................ i
Epígrafe ..................................................................................................................................................................... ii
Agradecimentos ...................................................................................................................................................... iii
Resumo..................................................................................................................................................................... iv
Abstract ..................................................................................................................................................................... v
Índice ........................................................................................................................................................................ vi
Índice de Gráficos ................................................................................................................................................. vii
Índice de Quadros ................................................................................................................................................. vii
Índice de Figuras ................................................................................................................................................... vii
Índice de Abreviaturas ......................................................................................................................................... viii
I Capítulo – Introdução .......................................................................................................................................... 1
1.1 Justificação do tema ......................................................................................................................... 2
1.2 Problemática e pergunta de partida ............................................................................................... 3
1.3 Objetivos da investigação ................................................................................................................ 4
1.4 Metodologia e desenvolvimento do trabalho............................................................................... 4
1.5 Estrutura da dissertação................................................................................................................... 7
II Capítulo – Conceitos .......................................................................................................................................... 8
2.1. Fraude ................................................................................................................................................. 8
2.2. Esquema Ponzi ................................................................................................................................. 9
2.3. Esquema em Pirâmide ................................................................................................................... 10
2.4. Auditoria Forense ........................................................................................................................... 11
2.5 Red flags ........................................................................................................................................... 13
III Capítulo – Caraterização de esquemas Ponzi ............................................................................................. 14
3.1 Aparente legalidade do negócio.................................................................................................... 14
3.2 Elevados retornos sem risco ......................................................................................................... 15
3.3 Conquista da confiança.................................................................................................................. 16
3.4 Secretismo justificado dos detalhes do negócio......................................................................... 18
3.5 Necessidade de adesão imediata ................................................................................................... 19
3.6 Ocultação da fraude por atitudes positivas ................................................................................ 20
3.7 Red flags do esquema Ponzi ......................................................................................................... 21
IV Capítulo – Funcionamento do esquema Ponzi........................................................................................... 24
4.1 Mecanismos de divulgação ............................................................................................................ 24
4.2 Términos do esquema: colapso ou fim bem-sucedido? ........................................................... 27
4.3 Diferenças entre o esquema Ponzi e o esquema em pirâmide ................................................ 30
V Capítulo – Três casos de esquema Ponzi ...................................................................................................... 36
5.1 Charles Ponzi .................................................................................................................................. 36
5.2 Bernard Madoff .............................................................................................................................. 41
5.3 Dona Branca.................................................................................................................................... 54
VI Capítulo – Modelo das cinco fases do esquema Ponzi.............................................................................. 65
6.1 Apresentação do modelo............................................................................................................... 65
6.2 Aplicação do modelo em casos julgados .................................................................................... 69
6.3 Resultados ........................................................................................................................................ 71
VII Capítulo – Conclusões, limitações e trabalhos futuros ............................................................................ 75
Referências bibliográficas ..................................................................................................................................... 80
Anexo I.................................................................................................................................................................... 84
Anexo II .................................................................................................................................................................. 86
Anexo III ................................................................................................................................................................ 88
Anexo IV ................................................................................................................................................................ 89
vi
Índice de Gráficos
Índice de Quadros
Índice de Figuras
vii
Índice de Abreviaturas
viii
I Capítulo – Introdução
1. Introdução
A Auditoria, ao longo dos anos, tem vindo a desenvolver-se em função da realidade económica
onde se insere, e também em resposta a uma sociedade cada vez mais exigente e atenta. Este
acréscimo de atenção, em especial em resultado dos sucessivos escândalos financeiros com
repercussões nos mercados financeiros, na confiança dos investidores mas também na nossa
sociedade, levou ao surgimento de um novo ramo da auditoria, no sentido de colmatar o vazio
existente entre a função que a auditoria financeira proporciona e o que a sociedade dela exige,
denominado por auditoria forense. Para a sua adequada compreensão e, consequente, prevenção
e deteção de fraude, a auditoria forense requer conhecimentos para além da contabilidade e
auditoria, nomeadamente, nas áreas do direito, matemática, informática, psicologia,
criminologia, entre outras (Moreira, 2009). A fraude tem vindo a assumir nos últimos tempos
um protagonismo crescente, tanto pela frequência com que é praticada, como pelos elevados
montantes envolvidos, atingindo uma dimensão cada vez mais relevante e sendo exercida em
vários negócios sob diversas formas e diferentes níveis de complexidade.
Existem alguns estudos relevantes nesta área, designadamente sob o ponto de vista
comportamental, Frankel (2012) encontrou padrões comuns dos autores de esquemas Ponzi
assim como das suas vítimas, tendo identificado as reais motivações das pessoas ao aderirem a
esquemas Ponzi, posteriormente traçou o perfil do autor deste esquema e das suas vítimas no
que respeita a este tipo de fraude. Um estudo diferente de Artzrouni (2009) promoveu uma
investigação quantitativa onde se pretende demonstrar a dinâmica de um fundo de investimento
que promete mais do que pode oferecer, como um esquema Ponzi, aplicando uma equação
diferencial linear, com o intuito de se fazer uma análise ao comportamento da evolução do
esquema. O modelo matemático utiliza os dados disponíveis sobre o épico esquema de Charles
1
Ponzi de 1920 e ilustra uma versão filantrópica do modelo, tendo em mente os modelos de
Segurança Social. O estudo concluiu que o esquema pode funcionar e ser sustentável, desde que
a taxa de saída do valor da estrutura seja menor do que a taxa de entrada de dinheiro de novos
investidores. Outro trabalho, promoveu uma abordagem computacional ao modelo matemático
de Artzrouni, com recurso ao programa MATLAB ODE45, desenvolvido por Cunha, Valente
e Vasconcelos (2013). Alguns autores, como Sander, Cres e Kotz dedicaram as suas obras a
escreverem sobre casos concretos já ocorridos como são disso exemplo, o de Charles Ponzi ou
de Bernard Madoff.
A estrutura deste trabalho é composta por uma parte teórica de enquadramento e explicação do
fenómeno esquema Ponzi, uma parte de investigação qualitativa com o desenvolvimento de um
modelo de identificação das várias fases do fenómeno e, por fim, uma conclusão constituída
por uma reflexão sobre os esquemas Ponzi, pelas limitações do estudo e perspetivas de trabalhos
de investigação futuros.
Existem alguns sinais relevantes, denominados por alertas vermelhos (red flags), que dão a
indicação se um esquema Ponzi está a ser operado, porém, os mesmos têm-se revelado
improfícuos na prevenção e deteção oportuna deste fenómeno. Assim, evidencia-se que os
alertas vermelhos necessitam de uma ferramenta que os auxilie, por um lado, na identificação
da fraude por esquema Ponzi e por outro, permita saber em qual fase de desenvolvimento do
esquema se encontra. Isto porque, mediante a fase de desenvolvimento em que este fenómeno
3
estiver, pode determinar o nível de danos financeiros para as vítimas, e eventualmente,
salvaguardar as vítimas de danos financeiros caso a fraude seja detetada numa fase inicial. Neste
sentido, com vista a aprofundar o conhecimento científico acerca deste fenómeno, pretende-se
com este estudo examinar a seguinte problemática de pesquisa: a identificação, deteção e
funcionamento de um tipo de fraude financeira em particular, o esquema Ponzi. Deste modo, a
formulação da pergunta de investigação é: Como funciona um esquema Ponzi e de que forma é possível
detetar e identificar, de forma atempada, esta fraude financeira?
Este estudo tem como principais objetivos a caraterização dos esquemas Ponzi e em pirâmide,
com a finalidade de se entenderem as semelhanças e diferenças destes dois tipos de fraude
financeira, a análise do funcionamento do esquema Ponzi a partir da análise de casos já
identificados e julgados pelas autoridades, com vista a desenvolver uma ferramenta que permita
a deteção e identificação de esquemas Ponzi.
A razão de ser desta investigação assenta na vontade de teorizar e dar corpo científico à auditoria
forense, a partir da experiência adquirida e realizada a nível académico; da análise de três casos
judiciais de crime de fraude financeira com recurso ao esquema Ponzi; e das reflexões teóricas
de vários autores e artigos científicos.
4
Pode-se dizer que este trabalho é simultaneamente a síntese das reflexões realizadas ao longo da
investigação académica e, em resultado disso, a projeção de um modelo de deteção de fraude
financeira por esquema Ponzi para aplicação em futuras investigações académicas e judiciais
deste tipo de crime.
Estudo dos esquemas de Charles Ponzi, Bernard Madoff e Dona Branca, com base na
autobiografia de Ponzi; na sentença de Madoff e no testemunho de Harry Markopolos, que
identificou e denunciou a fraude de Madoff oito anos antes de ter vindo a público; e no
processo judicial de Maria Branca dos Santos;
Triangulação das fontes primárias (entrevistas, documentos não publicados) e das fontes
secundárias (livros, artigos científicos), visando assegurar a qualidade e credibilidade da
informação recolhida e das interpretações efetuadas e, dessa forma, contribuir para uma
maior profundidade e credibilidade do estudo;
5
significados através de narrativas verbais e de observações em vez de através de números. Este
autor carateriza investigação qualitativa como sendo profundamente interpretativa e descritiva
uma vez que o investigador interpreta os dados; descreve os participantes e os locais; analisa os
dados para configurar temas ou categorias; e retira conclusões. Por outro lado, considera o
investigador qualitativo enquanto principal instrumento de recolha de dados e, para isso
despende imenso tempo no local de estudo a compreender os contextos, usa, em simultâneo, a
análise e o processo de escrita, privilegiando os significados, o que experienciam, o modo como
interpretam as suas experiências e como estruturam o mundo social em que vivem.
Segundo Belfo e Martins (2011) uma das maiores preocupações de quem faz e usa investigação
é a sua generalização. O filósofo Aristóteles designou a argumentação lógica perfeita, constituída
de três proposições declarativas que se ligam de tal modo que a partir das primeiras duas
premissas, é possível deduzir uma conclusão, propondo-se o seguinte argumento:
Neste sentido, Belfo et al. (2011) defendem que aplicando a primeira premissa (premissa maior)
à segunda premissa (premissa menor) inevitavelmente somos conduzidos à conclusão.
De acordo com estes autores, os estudos de caso baseiam-se em generalização analítica, onde o
investigador procura generalizar um conjunto de resultados particulares para uma teoria
abrangente. O uso de replicação noutros estudos de caso, em ambientes onde a teoria avançada
especificou que os mesmos resultados do primeiro estudo de caso, seriam também esperados é
uma das táticas usadas para suportar fortemente essa teoria. Belfo et al. (2011) referem ainda,
que uma investigação com múltiplos estudos de caso é desejável quando o objetivo da
investigação é a descrição, a construção da teoria ou do seu teste em geral. Do mesmo modo,
justifica-se a metodologia seguida nesta investigação sobre o fenómeno esquema Ponzi, uma
vez que a investigação realizada faz a alusão contextual a três estudos de caso, originando a
construção de um novo modelo de deteção deste tipo de fraude.
6
Da mesma maneira, segundo Ramos (2010), para assegurar a qualidade da informação recolhida
e das interpretações efetuadas, pode ser feita a triangulação de informação, uma vez que permite,
fundamentalmente, que os investigadores tenham mais confiança nos resultados obtidos com a
investigação, estimulando novas maneiras de capturar o problema, melhora o rigor das suas
decisões através da recolha de dados de diferentes origens sobre o mesmo fenómeno e,
simultaneamente, diminui a possibilidade do enviesamento dos resultados obtidos. Desta forma,
um qualquer investigador pode repetir os mesmos procedimentos e deve chegar aos mesmos
resultados.
É importante mencionar que a escolha dos casos estudados teve em mente a credibilidade da
informação recolhida sendo para isso essencial ter coletado testemunhos reais que fazem parte
do processo judicial e a sentença dos casos julgados em tribunal, como foram os casos de Dona
Branca e Bernard Madoff. Do mesmo modo, no caso de Charles Ponzi, a sua autobiografia foi
fundamental para perceber como surge a sua ideia de negócio e o seu desenvolvimento desde o
início até ao seu término.
Esta dissertação está dividida em sete capítulos. Este primeiro capítulo, introdutório do tema de
estudo proposto sobre a fraude financeira do tipo esquema Ponzi. No segundo capítulo, inicia-
se a revisão da literatura e são desenvolvidos os conceitos de fraude, esquema Ponzi, esquema
em pirâmide, auditoria forense e red flags. O terceiro capítulo enumera as caraterísticas do
fenómeno esquema Ponzi e apresenta as red flags mais comuns deste tipo de fraude financeira.
O quarto capítulo expõe o funcionamento do esquema Ponzi e apresenta a diferença entre este
tipo de esquema fraudulento e um esquema em pirâmide. No quinto capítulo, são desenvolvidos
três casos identificados e cujos autores dos esquemas Ponzi foram julgados em tribunal, e que
marcaram o seu tempo: Charles Ponzi, Bernard Madoff e Dona Branca. O sexto capítulo
apresenta o modelo das cinco fases do esquema Ponzi. Este trabalho termina, no sétimo
capítulo, com a apresentação das principais conclusões, a menção de limitações da investigação,
e a indicação de possíveis linhas futuras de investigação relacionadas com o tema de fraude
financeira com recurso a esquemas Ponzi.
7
II Capítulo – Conceitos
2.1. Fraude
Existem várias definições aceites pela comunidade científica, pelo que se apresentam algumas
definições identificadas da revisão de literatura realizada, de onde se salientam as seguintes:
De acordo com Roque (2013), na vida empresarial pode considerar-se que fraude é qualquer ato
ou omissão intencional destinada a enganar outrem, resultando no sofrimento de perda da
vítima, por forma, a que o autor obtenha um ganho.
Para o autor Cres (2014), a fraude é um tipo de ignorância criada de forma deliberada, pelo seu
operador que, do ponto de vista legal, consiste na deturpação intencional de factos materiais
passados ou correntes, quando o fraudador age, de modo a criar uma convicção na mente da
vítima e, consequentemente fá-la interagir com essa recém-criada convicção, sofrendo a perda
de valores ou de dinheiro.
Do mesmo modo, Wells (2009) entende que «a fraude pode incluir qualquer crime para a
obtenção de lucro utilizando como principal modus operandus o logro» (Wells, 2009, 18). Uma vez
que o logro é o cerne da fraude importa definir este conceito: «Lograr implica impor uma ideia
ou crença falsa que provoque ignorância, perplexidade ou impotência» (Wells, 2009, 18). Por
outro lado, o conceito defraudar é utilizado quando as vítimas sofrem o encanto e a persuasão
no logro por parte do defraudador. A fraude, como é definida pela Association of Certified Fraud
Examiners (ACFE) dos EUA, abrange três tipos: Apropriação de Ativos, Corrupção e a Fraude
cometida no Relato Financeiro.
De acordo com Frankel (2012) um esquema Ponzi defrauda investidores do seguinte modo: o
autor do esquema oferece aos investidores a realização de investimentos com retornos
extraordinários, acima do mercado, ao mesmo tempo que garante a segurança do capital inicial
investido uma vez que se apresenta como sendo sem risco ou de baixo risco. Presume-se que
os lucros derivam de algum negócio, produto, ou investimento financeiro. Esta autora defende,
que na verdade não existe qualquer negócio, produto ou investimento financeiro, isto porque o
esquema funciona simplesmente com a entrada de capital para pagar os lucros aos investidores
e, por vezes, os seus próprios investimentos são pagos pelos novos investidores que aderem ao
esquema quando lhes são feitas promessas semelhantes. Os esquemas Ponzi são oportunidades
de investimento oferecidas com condições favoráveis e um interesse exacerbado em fazer
fortuna. O objeto pode ser a capacidade reconhecida de gerir grandes fundos por parte do autor
do esquema, ou num conhecimento especial acerca de uma transação financeira ou ainda numa
experiência superior no mercado de valores mobiliários como foi o caso de Bernard Madoff.
Segundo Cres (2014), os objetos utilizados são meros veículos num processo de transações
financeiras em que à medida que se vão desenvolvendo, reforçam a ideia originalmente
apresentada de que aquela oportunidade de investimento é, de facto, altamente rentável e bem-
sucedida. O autor do esquema pode também reforçar a noção de ser um administrador
financeiro dotado de um vasto conhecimento e reconhecida habilidade, para fazer uma gestão
superior à média do mercado. Para Cres (2014), nos esquemas Ponzi, o investimento tem um ar
exótico, representa uma inovação ou, por vezes, uma capacidade ou um conhecimento superior
não disponível para investidores e público em geral. Deixa a impressão generalizada de ser algo
novo, nunca antes percebido. Em alguns casos, os objetos do investimento são apresentados
9
como um novo produto que é expetável ter sucesso no mercado, em outros casos, o operador
argumenta ter efetivado contratos de compra do produto com empresas na maioria das vezes
localizadas em sítios longínquos. Uma vez que o fraudador jamais vai operar, comprar, produzir
ou vender o objeto de negócio, as dificuldades para a captura da rendibilidade prometida são
irrelevantes. Assim, é irrelevante a natureza do ativo de investimento, porque a sua função
consiste em criar na imaginação dos investidores a crença de que estão diante de uma
oportunidade única, capaz de gerar a rendibilidade extraordinária que o promotor do esquema
promete (Cres, 2014).
Para o juiz Anderson, que presidiu a um dos julgamentos de Charles Ponzi, o esquema consiste
simplesmente na fraude de pagar aos primeiros investidores com a contribuição dos investidores
mais recentes que haviam aderido ao esquema. O juiz James D. Olmstead, que presidiu ao
processo de falência da empresa de Ponzi, explicou que se tratava de um esquema no qual Ponzi
roubava Pedro para pagar Paulo (Cres, 2014).
11
De acordo com Silva (2013 apud Nehim e Dunh 2005) existe uma divisão clara entre perícia
judicial, em que o auditor forense assume um papel de testemunha pericial, e, a investigação de
demonstrações financeiras. Reforçando esta perpetiva, para Silva (2013 apud Lugo e Cano 2001),
a auditoria forense é a «forma de combater a corrupção, porque permite que um especialista
emita juízos técnicos que dão ferramentas à justiça para atuar com maior rigor e celeridade».
Moreira (2009) refere que, aos profissionais a quem for dado o papel de estar na linha da frente
no combate à fraude e que assumam efetivamente essa responsabilidade devem ter dedicação
exclusiva, dado a abrangência de conhecimentos que este papel implica, pois quanto melhor se
conhece o fenómeno da fraude mais se tem a convicção que o seu combate exige dedicação
exclusiva, planeamento e metodologia de trabalho próprios.
Segundo Roque (2013), no contexto organizacional, se, num primeiro momento, a investigação
da fraude era uma atividade que estava essencialmente reservada às polícias e entidades oficiais
de investigação, nos últimos anos, tem vindo a crescer e a ganhar importância, por entidades
privadas, os auditores forenses.
Os Estados Unidos da América (EUA) têm uma classe profissional especialista autónoma no
combate à fraude, função independente da função da auditoria tradicional: os Certified Fraud
Examiners (CFE) e os Certified Forensic Accountants (CFA). Cumpre também destacar uma outra
opção, por parte do Canadá, em criar, não uma função autónoma mas uma especialização por
parte do auditor tradicional, Chartered Accountants - Investigative and Forensic Accounting (CA-IFA).
Estas duas opções, já efetivas, quer a opção que privilegia uma nova e independente classe
profissional, quer a opção por dar uma especialização ao auditor tradicional, estão a
desempenhar uma função suportada numa nova área do conhecimento, a Forensic Accounting,
expressão que foi muito provavelmente usada pela primeira vez por Peloubet, em 1946
(Moreira, 2009).
De acordo com Roque (2009), quando um auditor forense é chamado a intervir num processo
de fraude, procede à investigação da fraude, de forma independente, com vista ao apuramento
dos factos e, consequentemente, da prova.
A prova deve ser sempre obtida em conformidade com as leis e regulamentos e ser
suficiente e apropriada. O auditor forense, para cada linha de investigação, desenvolve o
seu trabalho analisando exaustivamente a informação disponível, a qual, quando obtida
com recurso aos sistemas de informação, permite efetuar testes com base no universo
estatístico e não apenas sobre uma amostra estatística. O acesso à informação é
independente e a informação retirada dos sistemas informáticos é objetiva.
De uma maneira geral, uma red flag ou bandeira vermelha é um indicador de potenciais
problemas numa atividade económica, isto é, trata-se de uma caraterística ou evento que,
potencialmente indica a existência de problemas que podem afetar negativamente o valor dessa
atividade económica. As red flags possíveis de uma atividade económica são ilimitadas, e indicam
a contingência de existir fraude, que de outra forma, apenas seria anunciada ou detetada mais
tarde. Segundo Murcia, Borba e Schiehll (2008), pode-se dizer que a ocorrência de uma fraude
está vinculada à existência de condições ou ambientes favoráveis, para que ela ocorra. De acordo
com estes autores (2008, apud Albrecht, 2003), as red flags são sinais que podem indicar a
existência de uma fraude. Reforçando esta perspetiva, para Murcia et al. (2008, apud Parodi,
2005), as red flags são indicadores de alerta que visam prevenir e detetar uma possível fraude.
Pode-se dizer, que estes sinais funcionam como um «termómetro» na prevenção e deteção das
fraudes.
13
III Capítulo – Caraterização de esquemas Ponzi
O capítulo que a seguir se apresenta aborda a panóplia das caraterísticas mais proeminentes dos
esquemas Ponzi surgidos ao longo do último século.
Cres (2014) defende que existem outros elementos que poderão estar presentes em esquemas
Ponzi, afetando o desenrolar do desfecho da ação, depois de a fraude ser revelada,
nomeadamente, a prevalência de uma economia política, do investimento por afinidade, da ação
estatal e das iniciativas de terceiros lesados.
De outro modo, Frankel (2012) destaca o poder de atração que os esquemas Ponzi têm sobre
as sociedades. Um aspeto da sua atração é uma promessa de retorno elevado juntamente com
baixo risco (ou aparentemente nenhum). Um segundo aspeto do poder de atração é a história e
explicações excecionais e criativas para a oferta, concebido para satisfazer a curiosidade dos
potenciais investidores. Um terceiro aspeto a salientar tem que ver com o facto de as ofertas
serem únicas e escassas. O secretismo e sigilo do investimento são outro aspeto que podem, de
alguma forma, atrair investidores a entrar num esquema Ponzi, uma vez que o sigilo pode tornar
as histórias dos seus autores mais críveis, ao mesmo tempo que ajuda ao autor a esconder a
verdade sobre o esquema Ponzi.
Também os autores Kotz (2014) e Sander (2009) defendem que a estrutura e imagem de muitos
esquemas Ponzi pode ser legal, respeitável, e familiar, e que muitos esquemas Ponzi espelharam
o funcionamento e estrutura dos bancos e outras instituições financeiras. Qualquer pessoa e
mesmo investidores institucionais (exemplo caso Madoff) estão sujeitos a entrar num esquema
Ponzi sem se aperceberem.
Charles Ponzi relata na sua autobiografia uma explicação similar, conseguindo convencer um
inspetor de que o seu negócio era legítimo, realmente rentável e seguro, saindo do seu escritório
com uma nota promissória assinada por Ponzi:
[…] the inspector was well impressed by the general outline of my plan. He pronounced it
legitimate (subject to further corroboration by the postal authorities.) On many points it
appeared to him as clear as mud. But on all of the others he did not understand, he was
thoroughly in accord with me. (Ponzi, 1935, Chapter XV)
No caso Dona Branca lê-se na pronúncia do Ministério Público que «A “Organização Dona
Branca” faz constar ser detentora de uma atividade negocial rendosa, nomeadamente em
“investimentos imobiliários”» para, deste modo, justificar a legalidade do seu negócio e dos seus
rendimentos elevados. A aparente legalidade do negócio oculta a real operação da empresa, que
funciona em esquema Ponzi dificultando a deteção de fraude financeira.
15
Os operadores do esquema, como os vendedores em geral, despertam a atenção das vítimas por
via de ofertas atraentes. Os dois primeiros componentes de tais ofertas são retornos muito altos
e sem qualquer risco, que são dois termos antagonistas. Todos os esquemas Ponzi compartilham
as duas variáveis anteriormente mencionadas, de forma muito eficaz, apresentando um retorno
prometido invulgarmente elevado, pelo menos acima do mercado ou de um benchmarking.
Segundo Frankel (2012), uma oferta de investimento, por exemplo, com uma rentabilidade de
10 por cento ao mês, persistindo mesmo quando as taxas de empréstimos gerais do mercado
são entre 5 e 10 por cento ao ano, leva a que as pessoas venham a aderir irrefletidamente a estes
fabulosos retornos prometidos. Os esquemas Ponzi são considerados atrativos, uma vez que
acompanham uma taxa de juro muito alta, com a garantia de um risco muito baixo.
O esquema de Madoff prometeu retornos mais baixos do que os oferecidos na maioria dos
esquemas, apesar de serem ainda mais elevados do que o habitual. No entanto, o seu esquema
implicou, inacreditavelmente, um retorno consistentemente superior aos valores de mercado.
Esta consistência teve um efeito semelhante ao risco reduzido, uma vez que desta forma baixou
a ansiedade dos investidores avessos ao risco e atraiu investidores conservadores, a longo prazo,
conseguindo atrair investidores não profissionais. Bernard Madoff ofereceu aos membros do
seu clube exclusivo, um investimento constante, com retornos de dois dígitos, mesmo quando
o mercado registou oscilações negativas. Esses termos naturalmente atraíram investidores que
estavam suficientemente impressionados com os retornos, aceitando consequentemente, o
aparente baixo risco do investimento (Sander, 2009). O baixo risco, conforme é exposto nas
histórias de fraudadores, é por vezes, apoiado por uma garantia prometida, como uma hipoteca
de imóveis, seguros, ou Estado.
16
permanente de cultivar uma relação de confiança com os participantes do seu esquema, e por
outro lado, para a envolvente exterior.
De uma maneira geral, uma instituição bancária vende confiança. As pessoas depositam as suas
poupanças num banco que lhes transmita a segurança e a confiança suficiente de que jamais
serão lesados por escassez de recursos financeiros dessa instituição. Segundo Costa (2012), uma
das tarefas mais importantes dos assessores financeiros é a de se responsabilizarem pelas
decisões do investidor. Se dois investidores fizerem a mesma operação mal sucedida, mas um
deles tiver a ajuda de assessor financeiro, e o outro não, certamente o investidor que tomou a
decisão sozinho, por não ter quem culpar pelo fracasso, sentirá arrependimento maior. Ter um
assessor financeiro funciona como ter «recall psicológica», pois, se os investimentos correrem
bem, o investidor pode ficar com os créditos da decisão, mas se o investimento correr mal, o
investidor pode proteger o seu ego e diminuir o seu arrependimento, colocando a culpa no
assessor. Neste fenómeno psicológico, conhecido como o viés da autoatribuição, a pessoa
atribui tudo ao assessor, as competências associadas ao seu sucesso, mas também lhe atribui a
responsabilidade pelos fracassos.
Neste sentido, Bernard Madoff foi o assessor financeiro mais bem-sucedido ao longo de décadas
e, por isso, digno de confiança dos seus clientes. É da natureza humana querer confiar em
alguém, particularmente se a pessoa for um amigo ou se a pessoa parecer inteligente e
competente, como era Charles Ponzi, Bernard Madoff e Dona Branca. Nos três esquemas
Ponzi, operados por estes autores, várias pessoas retiraram as suas poupanças do banco para
depositarem as suas economias nas mãos de pessoas de aparente credibilidade e confiança.
No caso de Charles Ponzi, e referindo-nos à epígrafe anterior, contratou Ettore Giberti, também
imigrante italiano e seu primeiro investidor e angariador de clientes. A admiração por Ponzi era
explícita: «Ponzi, o italiano que inventou o dinheiro», diziam. As pessoas aclamavam-no por
onde passava. Chegou a ser indicado como candidato para as próximas eleições locais,
denominado de «mago das finanças» (Cres, 2014).
No caso de Madoff, o autor Sander (2009) descreve a confiança cega em Bernard Madoff como
um homem de voz suave, gentil, afável e de modos agradáveis, com um rosto juvenil, um sorriso
engraçado e com uma reputação sólida há anos. Visto pela sociedade como um super investidor,
no sentido de ser considerado um investidor sólido, tendo ocupado posições de poder e de
autoridade no complexo mundo financeiro, levou-o a um merecimento de confiança de quem
o rodeava. Outra componente na conquista de confiança em Madoff são as experiências comuns
17
vividas entre esse grupo de pessoas, como são disso exemplo o facto de ter participado nos
mesmos jantares, frequentado os mesmos acontecimentos sociais, alguns de apoio a interesses
de caridade comuns, poderão eventualmente ter doado para as mesmas associações de caridade,
frequentado a mesma sinagoga, jogado golfe ou fazendo vela juntos, eventualmente trocando
as suas histórias favoritas sobre Wall Street e conversando sobre os mesmos assuntos financeiros,
políticos, religiosos e sociais. Este grupo de pessoas teria, provavelmente, a mesma perspetiva
em relação ao dinheiro e à riqueza, e ao estilo de vida que estas posses poderiam proporcionar.
Porque não avançar quando surge a oportunidade de investir no que já pensavam conhecer, de
investirem com quem conheciam de perto, e com alguém que partilhava as mesmas ideias e
caráter? Até porque fazem parte de uma comunidade que ter o privilégio de o poder fazer, é
bastante exclusiva, tornando-se assim uma oportunidade única em investir com alguém de uma
elevada posição social, tal como eles também pertencem (Sander, 2009).
À semelhança de Madoff, no caso Dona Branca, a mesma, era igualmente, a marca de confiança,
construída essencialmente pelo cumprimento do pagamento dos juros prometidos ao longo de
seis décadas (Diogo, 1992).
Tamar Frankel (2012) defende que o secretismo e sigilo do investimento são outro aspeto que
pode atrair investidores a entrar num esquema Ponzi, uma vez que o sigilo pode tornar as
histórias dos seus autores mais credíveis, ao mesmo tempo que ajuda o autor da fraude, a
esconder a verdade sobre o seu esquema Ponzi.
Fábio Cres (2014) afirma que, por vezes, as fraudes financeiras estão cobertas de um manto de
exclusividade, estando disponível apenas para poucos investidores.
Harry Markopolos (2009) descreve no seu testemunho, um episódio de uma viagem que fez à
Europa, em 2002, que ilustra a confiança cega dos investidores em Bernard Madoff, assim como
o uso do sentimento de exclusividade gerado nos investidores. Durante essa viagem, encontrou-
se com clientes privados de 14 bancos franceses e suíços e de hedge funds (vide Anexo I) e todos
se vangloriavam que embora o hedge fund de Bernard Madoff estivesse fechado para novos
investidores, todos eles tinham um acesso especial ao Madoff, sendo que o mesmo aceitava
dinheiro destes novos investidores, como é disso exemplo, a citação de Markopolos, em 2009:
«they had special access to Madoff and he’d accept new money from them.»
18
Bernard Madoff desejava continuar a ser um corretor, que tivesse a guarda dos ativos dos
clientes, em vez de um fund adviser1 (que é mais regulamentado em alguns aspetos). A sua atitude
reservada violava políticas de negociação do mercado financeiro junto dos investidores
institucionais, obrigando-os a pedir e a receber esta informação, antes de fazer qualquer
investimento. Além disso, Madoff não cobrava as habituais taxas de desempenho dos gestores
de 2 por cento dos ativos sob gestão e 20 por cento dos lucros (Markopolos, 2009).
se proteger contra o risco do preço das ações, caso estas venham a diminuir (Frankel, 2012).
19
Segundo Cres (2014), o discurso dos autores do esquema, é voltado para a necessidade de ação
imediata e permanente, «pois há sempre o risco de perder a oportunidade.» (Cres, 2014). Esta
argumentação retira ao investidor a ponderação sobre algumas caraterísticas do negócio,
provocando um processo de tomada de decisão sob pressão e com tempo de reflexão reduzido,
fazendo-o decidir em favor do investimento proposto. Cres (2014) entende que em comparação
com investimentos reais, os negócios fraudulentos são situações colocadas como muito mais
urgentes, estando presente no discurso dos promotores frases como «não perca a oportunidade»
ou «aja rapidamente». O problema diz Frankel (2012), é que as pessoas tomadas por esquemas
Ponzi não param para pensar. Frankel (2012) sugere que ambos, os autores e as suas vítimas,
desfrutam da fantasia de serem mais inteligentes do que os demais e compartilham o segredo
para o rápido enriquecimento. «Estes são os investidores inteligentes e bem informados que
acreditam no seu poder intelectual», diz Frankel (2012). «Eles gostam de se sentirem exclusivos.
Gostam de participar num grupo seleto, e os fraudadores dão-lhes esse sentimento» (Frankel,
2012). Aos clientes de investimento de Madoff era repetidamente passada a mensagem de
exclusividade e de confiança. Se investisse com Bernard Madoff, seria um dos poucos a ter o
privilégio de o fazer. Seria uma oportunidade que apenas surgiria uma vez na vida, e ninguém
poderia perde-la e deixar de se juntar a Madoff (Sander, 2009).
Outra caraterística do esquema Ponzi, que vários autores mencionam, diz respeito à ocultação
da fraude por atitudes positivas. É comum os operadores do esquema adotarem uma atitude
filantrópica, doando montantes elevados a instituições de solidariedade. Sander (2009, 45) refere
que «[d]esde 2004 até à data da sua prisão, em Dezembro de 2008, Madoff foi depositário da
Universidade de Hofstra», que integra a Faculdade de Direito, que Madoff frequentou mas sem
terminar o curso. Talvez a caraterística mais surpreendente do fundo de Bernard Madoff,
estimado entre 50 e 65 mil milhões de dólares, não é a sua magnitude ou alcance mundial, mas
sim a identidade dos seus investidores. Muitas pessoas sofisticadas e chefes de grandes
organizações foram enganados. Entre eles estavam as empresas de investimento, de gestão de
bancos estrangeiros, hedge funds, investidores individuais ricos, firmas de corretagem, fundos de
pensões, instituições de caridade, universidades e companhias de seguros. Todos esses
investidores contaram com a reputação de Madoff para obterem o «retorno absoluto» de lucros,
em todas as situações, tanto num mercado em baixo como em cima. Bernard Madoff, à medida
que o tempo passava e o seu património aumentava, começou a gastar uma parte dos seus
20
elevados rendimentos em contribuições para uma grande variedade de doações e ações de
caridade. Na família, houve dois casos de linfoma: o seu filho Andrew foi diagnosticado em
2003 e viria a morrer em 2014 e o seu sobrinho Roger, morreu da mesma doença em 2006. A
família de Madoff doou cerca de seis milhões de dólares para a investigação médica. Bernard
Madoff estava envolvido nos círculos judeus em Nova Iorque e noutros pontos do país e do
mundo.
A Organização Dona Branca, quando teve necessidade de divulgar as condições aliciantes dos
seus «empréstimos», com vista a atrair mais pessoas a entrar no seu esquema, concede uma
entrevista ao jornal Tal & Qual (T&Q) invocando que a sua atividade «só quer ajudar os pobres»,
canalizando «para actividades compensadoras dos valores que recebera a título de empréstimo,
distribuindo os benefícios daquelas actividades pelos mutuantes, a devoção ao Padre Cruz» e
afirmou que não pagava juros, mas sim entregava «parte do leão» dos beneficiários que o
dinheiro emprestado lhe proporcionava (nº 25 da Acusação, 1 junho 1985).
Perante um esquema Ponzi, qualquer pessoa, está sujeita a tornar-se vítima, caso não atenda às
pistas deixadas pelos seus operadores. Como observado neste capítulo, embora haja uma
variedade de esquemas Ponzi, todos eles têm caraterísticas em comum. Primeiro, o operador do
esquema promete retornos muito elevados com baixo risco. Em segundo lugar, em cada
esquema, a fonte dos pagamentos aos investidores é dispendiosa e o negócio não pode ser
testado por comparação porque o esquema ou a história é uma novidade. Em terceiro lugar, em
cada esquema Ponzi, mesmo que os fraudadores não sejam uma instituição financeira,
continuam a emitir as suas obrigações. Em quarto lugar, na maioria dos esquemas, o operador
tenta estabelecer relações pessoais estreitas com os investidores; e quinto, quando os esquemas
implicam títulos, não há cumprimento da lei de valores mobiliários.
Segundo Cunha et al. (2013), este fenómeno é de fácil explicação após a sua implosão, embora
a sua perceção não seja fácil num momento prévio e oportuno.
Para Frankel (2012), privado de todos os desvios, sentimentos, excitações e fascínios, estes
elementos são fáceis de identificar. Qualquer esquema deve levantar um sinal de perigo - uma
red flag.
21
Cres (2014) partilha da mesma opinião ao afirmar que, identificar estas «pistas não é um trabalho
difícil, bastando ao interessado olhar aspetos externos do negócio, comparando com
oportunidades de investimento reais.»
Por exemplo, alguns autores como Kotz (2014), Frankel (2012), Cres (2014), e Benson (2009),
realçam algumas red flags que consideram típicas de um esquema Ponzi conforme resumidamente
apresentadas no quadro abaixo:
22
Autor Red Flags
H. David Kotz 1. Parece bom demais para ser verdade.
2. Promete retornos excessivamente consistentes.
3. O investimento é retratado como sendo sem risco, ou com a garantia de não perder nenhum
dinheiro.
4. O investimento é extraordinário, complicado e difícil de entender.
5. O investimento é oferecido apenas por pertencer a um grupo como: religião, clube ou família.
6. O investimento é apresentado como sendo uma «oportunidade única na vida».
7. A única maneira de poder participar no investimento é sendo indicado por outro cliente.
8. O sigilo é necessária em conexão com o investimento.
9. A empresa é regulamentada.
10. O aderente deve verificar qual o nome da entidade que consta nos cheques que lhe fazem
chegar.
11. A empresa não fornece os documentos necessários.
12. O gestor ou consultor de investimentos tem pouca experiência em investir dinheiro de
outras pessoas.
13. Os pedidos de informações adicionais são confrontados com resistência na resposta,
afirmando o gestor que não precisa desse investimento.
14. Extratos de conta fornecidos com erros.
15. A oportunidade de investimento precisa de dinheiro para manter a estrutura a funcionar.
16. São colocados bloqueios ao tentar retirar o dinheiro.
17. A empresa não disponibiliza informações financeiras auditadas.
18. Os investimentos requerem grandes somas de dinheiro e não são diversificados.
Tamar Frankel 1. Retorno muito alto com baixo risco.
2. A origem dos retornos mais elevados é um mistério.
3. Ofertas contínuas de obrigações da empresa.
4. Atividades do gestor fora das normas legais.
Sandra S. Benson 1. Taxas de retorno garantidas devem ser investigadas.
2. Os aderentes devem analisar o negócio para obterem todas as informações sobre os
investimentos.
3. Os investidores não devem aceitar explicações vagas de conselheiros.
4. Se um investimento é legítimo, a divulgação deve ser completa.
5. Não deve haver acumulação de funções dos gestores do negócio.
6. Os investimentos não devem basear-se em emoções irracionais.
7. As pessoas não devem aderir ao negócio por questões de afinidade quer seja ela social,
cultural, religiosa ou étnica.
8. Qualquer auditor deve conhecer a atividade do negócio e os respetivos procedimentos
especializados e se as rendibilidades históricas divulgadas são corretas.
Fábio Cres 1. Retornos extraordinários em curto período.
2. Menos riscos e esforços que investimentos reais.
3. Exclusividade que investimentos não têm.
4. Necessidade de adesão imediata.
5. Promotores desconhecidos.
De um modo geral, cada país tem publicado red flags para identificação de esquemas Ponzi
através das diversas entidades reguladoras e de defesa do consumidor aí existentes, no sentido
da população em geral ter acesso a mais informação e, em caso de dúvida de existência desta
modalidade de fraude financeira, poder evitar aderir a um investimento especulativo e de índole
duvidosa.
23
IV Capítulo – Funcionamento do esquema Ponzi
Este capítulo aborda, no primeiro ponto, os meios utilizados pelos operadores do esquema
Ponzi para divulgarem o seu negócio e as técnicas usadas para atraírem novos investidores,
essenciais para alimentarem o esquema Ponzi. O segundo ponto aborda o término dos esquemas
Ponzi. Os esquemas Ponzi são, muitas vezes, associados à imagem de uma pirâmide. Os
investidores posicionados no topo da pirâmide ganham sempre o valor investido mais os juros
prometidos, ao contrário dos últimos investidores a entrar no esquema, os que estão na base da
pirâmide. Há uma tendência generalizada em associar o esquema Ponzi a uma fraude do tipo
esquema em pirâmide. No terceiro ponto, são identificadas as diferenças entre esquema Ponzi
e esquema em pirâmide.
Sendo que os esquemas Ponzi necessitam de um número cada vez maior de investidores para
sobreviverem, a sua longevidade depende de um sistema de distribuição de valores mobiliários
eficaz. Os investidores podem ser recrutados por publicidade, mais localizada ou mais
abrangente, ou, nesta nova era através da internet. Para que o fraudador atinja os seus objetivos,
a divulgação deve ser eficaz, mas ao mesmo tempo com uma descrição associada que permita
preservar o esquema e diminuir o risco da descoberta da fraude.
No seu estudo Frankel (2012), verificou que os investidores podem servir como uma «força de
vendas». A primeira «força de vendas» de Charles Ponzi, os seus investidores iniciais, foram os
24
membros da sua família, amigos e conhecidos de longo prazo. Uma vez convencidos, os
membros do grupo de afinidade são propensos a investir em conjunto e, por outro lado, são
também os mensageiros para divulgar a oferta de investimentos exclusivos. Depois dos
investidores de primeira linha receberem os altos retornos, estes ficam propensos a reinvestir o
valor do seu investimento de curto prazo, ou mesmo a aumentá-lo. Quando os investidores
estão convencidos, servem como uma «força de vendas» não remunerada, ajudando a
estabelecer a confiabilidade do autor do esquema perante amigos e amigos de amigos. Os
investidores espalham a palavra, como um favor para os seus recrutas - talvez na esperança de
reciprocidade de tratamento, e a fim de demonstrarem a sua própria sabedoria, por forma a
exibirem o seu achado (Frankel, 2012).
Cres (2014) entende que os operadores de esquemas Ponzi procuram revestir a oportunidade
de investimento com atributos que permitam a associação positiva de que se trata de um negócio
benéfico, simples e compatível com os investidores. No entanto, a oportunidade simples e
compatível, é também, apresentada como única, fugaz, altamente rentável e totalmente sem
risco. Para reforçar o elemento «retorno extraordinário», os fraudadores superestimam as
hipóteses de ganhos e minimizam a possibilidade de perdas. Na argumentação dos seus
promotores, um esquema Ponzi será sempre um negócio certo, sendo esse o motivo de que o
objeto de investimento recairá numa ideia incomum, inusitada, levando investidores a acreditar
nas possibilidades de grande sucesso com um risco mínimo (Cres, 2014).
Os aderentes iniciais investem de forma prematura motivados pela ascensão social, crendo
serem mais espertos que os demais. Cres (2014) afirma que os aderentes iniciais, quando
comparados com os aderentes tardios, «apresentam atributos comuns, […] tendo mais educação
formal, uma posição socioeconônica mais alta, grande habilidade de lidar com incertezas e
riscos, maior acesso à informação e mais habilidade para compreender situações abstratas».
Dessa forma, acreditam que nunca seriam enganados. Estes traços de personalidade podem
fazer deste grupo de pessoas vítimas de fraudes de investimento, embora em casos de esquema
Ponzi, representem o grupo das potencialmente beneficiadas, desde que saibam sair do esquema
no tempo adequado. Os fraudadores, conhecendo os anseios das vítimas, que veem nos
investimentos especulativos o elevador direto para a ascensão social e financeira, concentram
os seus esforços nesse grupo de pessoas, convictos que a super confiança, levá-los-á a tomar
decisões erradas (Cres, 2014).
Autores como Sander (2009), Frankel (2012), Cres (2014) e Kotz (2014) são unânimes ao
considerarem que os promotores de fraudes cultivam a imagem de sucesso, construída a partir
25
da exteriorização de bens de riqueza, como carros caros, casas em zonas valorizadas, acessórios
de luxo, roupa de marcas de qualidade superior, joias e um lifestile exclusivo.
Outra técnica estratégica adotada pelos fraudadores no seu plano de ação é a sua integração na
comunidade de investidores, uma vez que determina o modo e a velocidade de adoção da
proposta de investimento e, por outro lado, investidores e promotores de fraude estão
conectados constantemente, criando uma rede de interligações que facilita a divulgação do
esquema. A vantagem para a divulgação da fraude por esta via, decorre do facto da confiança
mútua inerente ao relacionamento entre os membros, reforçar a recomendação de um deles.
Contudo, Cres (2014) ressalva que escolher um grupo de afinidade pode representar maior
probabilidade de deteção de fraude, dado que os investidores podem trocar informações sobre
os seus investimentos, impressões sobre desconfianças e agirem de forma concertada e
coletivamente contra o fraudador. A recomendação oral é um entre vários métodos de
divulgação de produtos, serviços e inovações, constituindo um poderoso instrumento de
marketing. Em esquemas Ponzi que têm na confiança um elemento construtivo, a divulgação
social é requisito indispensável. No entanto, promotores de esquemas Ponzi podem divulgar o
negócio, de modo impessoal, para alcançar uma base de investidores mais ampla e difusa que
permita um crescente volume potencialmente disponível para a fraude.
Nesse sentido, no esquema de Dona Branca, a primeira divulgação jornalística do seu negócio,
em 1983 pelo semanário T&Q, como a «“banqueira” mais simpática do mundo» pagando
«pontualmente juros de dez por cento ao mês (120 por cento ao ano)» estando «tão seguro nas
mãos desta mulher de cabelos brancos como nos cofres da mais sólida instituição de crédito»,
contribuiu para a corrida de entregas de dinheiro e um avolumar da sua atividade, acabando por
ter que abrir vários escritórios em Lisboa e contratar mais colaboradores para receber os novos
clientes. Este exemplo de difusão feita a partir da comunicação social permite visibilidade a nível
nacional, e por conseguinte, o alcance de um maior número possível de pessoas. Desta modo,
a velocidade de crescimento de um esquema Ponzi, é mais rápida tendo como único objetivo a
entrada de dinheiro novo para manter o esquema a funcionar.
Outro mecanismo de divulgação adotado ao longo dos tempos, pelos autores dos esquemas
Ponzi, é o recrutamento de vendedores, os consultores de investimentos e os gestores de fundos
de investimento, remunerados para difundir o seguro e rentável negócio, com vista a angariar
mais investidores particulares e institucionais.
26
Em 1920, Charles Ponzi usou vendedores remunerados para aliciarem mais clientes para o seu
negócio. A partir de 1983, Dona Branca criou uma organização constituída por angariadores
remunerados, disseminados pelo país para publicitarem a imagem de seriedade de Dona Branca
(Pronúncia do Ministério Público, 1985). Até 2008, Madoff usou vendedores de fundos de
alimentação, atraídos para o seu esquema Ponzi com a promessa de comissões generosas. Os
gestores de fundos de todo o mundo - América Latina, Ásia e Europa - dirigiram-se a grandes
bancos com vista a angariarem clientes para investir no fundo de Madoff (Henriques, 2012).
Em 2008, um terço de todos gestores de fundos de Genebra haviam investido com Madoff, no
montante de 14 mil milões de dólares (Frankel, 2012). Sendo bem remunerados, alguns
corretores tornaram-se parceiros dispostos a colaborar com estes fraudadores. Além disso,
planeadores de esquemas Ponzi, podem recrutar vendedores que têm os seus próprios clientes,
como os corretores de seguros. Estes podem influenciar os seus clientes para contrair
empréstimos para, por exemplo, investirem o dinheiro em notas promissórias de curto prazo,
que ostentem, uma elevada taxa de juros. As notas podem ser emitidas por empresas start-up3 de
risco, ainda assim representadas como investimentos seguros (Frankel, 2012).
Noutros casos, os clientes confiam no seu agente de seguros, uma vez que são frequentes os
casos em que já o conhecem há algum tempo. Assim, estes clientes ficam suscetíveis em assumir
que qualquer oferta do seu agente deverá ser confiável. Consequentemente, os agentes quando
se tornam promotores de esquemas Ponzi, exercem menos esforço para ganhar a confiança dos
clientes. Normalmente, todos os divulgadores, sejam eles investidores voluntários ou
vendedores remunerados, são eficazes em espalhar a reputação de sucesso e confiabilidade dos
autores do esquema. Aqueles que descobrirem que o esquema é uma fraude, mas não queiram
de alguma forma, envolver-se, são propensos a deixar o esquema em silêncio, sem denunciar.
Por norma, as pessoas raramente querem expor o seu próprio grupo ou profissão a situações de
fraude, assim como, raramente admitem a amigos, conhecidos ou clientes que sofreram uma
perda e que eram participantes de tal fraude (Frankel, 2012).
Os casos de esquemas Ponzi identificados pelas autoridades nos vários países culminaram no
colapso abrupto ou precipitado do esquema, lesando quase sempre os investidores, deixando-
3Start-up é uma sociedade não cotada em bolsa, com elevado potencial de crescimento e de
valorização.
27
os por vezes em situação de falência económica total. Mas será que um esquema Ponzi pode ser
bem-sucedido? Se sim, em que circunstâncias?
Um esquema Ponzi típico funciona com a simples movimentação de recursos, onde o dinheiro
que entra serve para pagar os juros e o capital inicial dos investidores anteriormente aliciados
para o esquema, os mais antigos, enquanto a outra parte, é desviada para despesas da estrutura
do negócio e para benefício dos operadores da fraude. O esquema será sustentável, enquanto o
capital investido por novos investidores, crescer a taxas que permitam aos operadores pagar a
rentabilidade prometida.
Segundo Cres (2014), o efeito resultante desse fluxo de investidores e do crescimento das
obrigações para o esquema é como uma «bolha», que quando atinge o ponto máximo causa
danos ao seu redor. O esquema terminará quando os juros devidos em certo momento forem
maiores do que o montante investido no esquema. É neste ponto que os investidores se tornam
vítimas.
No seu livro, Cres (2014) refere três vencedores do Nobel da Economia que escreveram artigos
nesse sentido. O primeiro foi Paul Samuelson (Nobel em 1970) quando em 1967 escreveu «logo
ficou claro que o sistema não poderia contar com ondas de jovens ou crescimento da
produtividade rápida para gerar o robusto retorno que fez o programa tão popular nos primeiros
anos» (Cres, 2014), indicando que se podia esperar o colapso do sistema, uma vez que a taxa de
oferta de novos aderentes não era sustentável. Mais tarde, Milton Friedman (Nobel em 1976)
28
escreveu um artigo, em 1999, sobre o sistema da segurança social ao qual deu o título de «O
maior esquema Ponzi na Terra». Finalmente, Paul Krugman (Nobel em 2008) escreveu em 1997:
A Segurança Social é estruturada a partir do ponto de vista dos beneficiários como se fosse
um plano de pensões comum: o que as pessoas recebem depende do que elas colocam.
Então não parece um esquema de redistribuição. Na prática, revelou-se fortemente o
contrário desse parecer, mas só por causa de seu aspeto de esquema Ponzi, no qual cada
geração leva mais do que coloca. Bem, o esquema Ponzi vai acabar em breve; graças à
demografia, a alteração será de que o destinatário típico daqui em diante terá somente
aproximadamente tanto quanto ele colocou (e os jovens de hoje podem vir a receber menos
do que eles colocaram no sistema).
Contudo, Cunha et al. (2013) mencionam que a curta duração habitual de esquemas Ponzi,
apesar da longevidade do caso Madoff, em contraponto com a alta longevidade dos sistemas de
segurança social, desde 1889 na Alemanha ou desde 1935 nos Estados Unidos, é motivo
suficiente para DeWitt (2009), excluir o funcionamento de um esquema Ponzi nos sistemas de
segurança social.
Os autores Cunha et al. (2013) desenvolveram no seu estudo académico, uma abordagem
computacional ao modelo matemático desenvolvido por Artzrouni (2009) para a análise dos
esquemas Ponzi. O modelo descreve a dinâmica de um fundo de investimento que promete
taxas de rendibilidade superiores aquelas que pode na realidade oferecer. Estes autores
apresentaram no seu trabalho várias simulações numéricas para esquemas filantrópicos
verificando-se que, mesmo a longo prazo, um fundo dentro das condições da figura 1 do Anexo
II, é sempre solvente, uma vez que o valor do capital inicial no esquema será suficiente para
garantir a sua sustentabilidade. Este estudo esclarece que o esquema filantrópico pode funcionar
de forma sustentável «para sempre», desde que exista um alto investimento inicial (por exemplo,
um investimento numa política de emprego do governo para criar um novo sistema de segurança
social). Ressalvam, no entanto, que essa sustentabilidade a longo prazo pode ser ameaçada pela
variação das taxas de investimento, taxas de resgate e taxas nominais.
O esquema Ponzi é um termo genérico para designar os padrões não sustentáveis de operações
financeiras. Os criadores destes esquemas só podem cumprir os seus compromissos de pagar
altas taxas de juros, se puderem recolher dinheiro de novos empréstimos, ou seja, se tiverem
novos clientes e investidores. As taxas de juros prometidas são tão elevadas, quando comparadas
com as taxas praticadas pelos setores financeiros regulados, que a sustentabilidade do esquema
requer um fluxo contínuo de dinheiro novo e num ritmo rápido.
29
Inicialmente, muitos investidores estão tão satisfeitos com seus altos retornos que permitem a
recapitalização dos seus ganhos, no mesmo regime. O esquema pode funcionar e ser sustentável,
desde que a taxa de saída do valor do fundo seja menor do que a taxa de entrada de dinheiro de
novos investidores.
30
Ênfase no recrutamento: o programa concentra-se exclusivamente em recrutamento de
outras pessoas para participar no negócio, em contrapartida de uma taxa. Recebem-se mais
compensações para o recrutamento de outras pessoas do que para as vendas do produto.
Inexistência de um produto ou serviço genuíno para venda: o que se propõe ser vendido
como parte do negócio, é de difícil quantificação, como os chamados serviços «tech» ou
produtos, tais como ebooks ou de publicidade online, em sites pouco usados. Alguns
fraudadores escolhem produtos exóticos para dificultar a existência de prova de que a
empresa opera um esquema em pirâmide.
Não demonstram a receita de venda: é comum a renitência quando se pede para ver
documentos, tais como demonstrações financeiras auditadas que mostrem que a empresa
gera receita com a venda de seus produtos ou serviços. Regra geral, em empresas de MMN
os lucros legítimos derivam principalmente da receita com a venda de produtos, e não a
partir do recrutamento membros.
Comissão de estrutura complexa: é espectável que as comissões sejam baseadas nas receitas
provenientes da venda de produtos ou serviços, mas nestes esquemas apresenta-se uma
comissão sobre as vendas efetuadas pelas pessoas que se recrutaram, mais as comissões por
cada pessoa que consegue angariar, para o suposto negócio, aumentando a complexidade
do número de comissões à medida que o negócio cresce.
31
Figura 1 – Funcionamento de um Esquema em Pirâmide
Neste exemplo, podemos verificar, uma estrutura de treze níveis, em que cada participante tem
a possibilidade de recrutar seis novos participantes abaixo dele. Estamos perante uma pirâmide
constituída por 6 pessoas no primeiro nível, o nível superior; 36 pessoas abarcam o segundo
nível, estando preparadas para assumirem a posição mais lucrativa no topo da pirâmide; 216
pessoas no terceiro nível; 1.296 participantes no nível seguinte; 7.776 pessoas no quinto nível.
Os demais níveis evidenciam a ampliação da base da pirâmide. No sexto nível, seriam mais de
46 mil pessoas ligadas a mais de 279 mil participantes no nível abaixo. Por fim, na base da
pirâmide, no oitavo nível, estariam mais de 1,6 milhão, contingente maior do que população de
muitas cidades.
Caso esta pirâmide tivesse somente nove níveis, na sua base figurariam, mais de 10 milhões de
pessoas, o equivalente à população de muitos países, como Portugal. Fica evidente que,
dificilmente todos os participantes conseguirão ser atendidos, e que o esquema acaba por si só
desgastado, esgotando o seu crescimento.
Segundo Cres (2014), as pirâmides estão fadadas ao fracasso, uma vez que, esgotada a adesão
de novos aderentes, cessa o recrutamento e a movimentação dos recursos, e os participantes
situados na base perdem o seu dinheiro. Estes jamais recuperarão o investimento inicial, e
tampouco receberão a fortuna prometida pelos recrutadores. Estes, embora dependam de novas
adesões, não reingressarão no esquema, provocando o colapso da estrutura. Assim, para que
32
um esquema de pirâmide funcione plenamente, é necessário que haja um número infinito de
pessoas interessadas em participar neste esquema financeiro (Cres, 2014).
De acordo com Frankel (2014), a genialidade deste regime é que as vítimas pagam aos
fraudadores por uma história, e pelo privilégio de vender essa história a outros, e não pagam
uma vez, mas continuamente, contanto serem remunerados pelos seus recrutas. As vítimas
tornam-se, em certa medida, fraudadores. Para distinguir um sistema de pirâmide a partir de um
sistema de distribuição legítima a vários níveis, é necessário apenas descobrir quem está a
comprar. Se os compradores são os consumidores, o sistema é um sistema de distribuição
multinível. Se a maioria dos compradores são os distribuidores futuros, e se os mesmos estão a
pagar pelo privilégio de venda, é provável que o sistema seja um esquema ilegal em pirâmide.
Segundo Cres (2014), no esquema Ponzi, o promotor tem o controlo e pode decidir, na maioria
das vezes, quando descontinuar o esquema. Por outro lado, nas pirâmides financeiras, os
promotores ou iniciadores não têm qualquer controlo sobre o andamento da movimentação
financeira, no que depende das ações dos novos participantes. Outra diferença entre os dois
tipos de fraude prende-se com a liberdade de escolha do promotor, ou seja, consiste no facto
de o retorno financeiro obtido pelo participante num esquema Ponzi estar correlacionado,
exclusivamente, com o capital por ele investido, contrariamente a uma pirâmide financeira, em
que um investidor receberá retornos crescentes em função do número de novos participantes
que entrem abaixo dele na estrutura da pirâmide. O esquema Ponzi funciona estritamente no
contínuo pagamento dos primeiros participantes com os recursos oferecidos pelas entradas mais
recentes, sem a preocupação com o recrutamento ou com a posição ocupada na estrutura por
cada participante, mas sim com a entrada de novos recursos financeiros.
Naturalmente, esquemas Ponzi e pirâmides financeiras estão relacionados, porque ambos
envolvem pagamentos aos participantes que estão no negócio há mais tempo, com o dinheiro
dos participantes que estão ainda a entrar, sendo dessa forma irrelevante a transação com o
ativo-objeto ou com os produtos envolvidos. No entanto, numa pirâmide, o aliciamento típico
promete altos retornos depois de um único pagamento, restando ao participante tornar-se
distribuidor de um produto, o que tipicamente não se trata de um produto genuíno ou
competitivo no mercado. Quase sempre esse produto não existe ou somente pode ser vendido
para outras pessoas se estas se tornarem distribuidores. O participante deve pagar uma taxa para
estar envolvido no negócio e recrutar novos participantes e dessa forma lhe permitir receber
pagamentos. Já nos esquemas Ponzi, aos participantes são oferecidos altos retornos com baixo
ou mesmo nenhum risco, simplesmente ao entregarem os seus recursos para investimento num
33
negócio que não existe. Neste tipo de fraude, o retorno do participante depende
proporcionalmente do capital investido e do tempo de participação, sem existir a necessidade
de recrutar qualquer participante.
Outro aspeto de diferenciação destes dois tipos de fraude consiste no grau de interação com o
promotor do negócio. Na pirâmide financeira, o participante não tem que necessariamente
conhecer o promotor original, dado que os participantes mais recentes entram em níveis mais
afastados do promotor. No esquema Ponzi, o participante tende a interagir diretamente com o
operador do esquema, tornando todo o relacionamento mais pessoal, o que favorece a aplicação
de atributos do promotor na conquista de investidores.
Por último, a velocidade do colapso, é também distinta, nas duas modalidades de fraude. Na
pirâmide financeira, o colapso dá-se de imediato, dado que o negócio exige um crescimento
exponencial no número de novos participantes a cada nível, o que se torna muito difícil ou
mesmo impossível em certo momento. Por sua vez, os esquemas Ponzi podem apresentar um
padrão e colapso mais lento ou podem oscilar no sentido do fim, dependendo de como os
participantes reinvistam os seus ganhos e de como o operador lida com as primeiras oposições
ao esquema (Cres, 2014).
A SEC identifica algumas diferenças comuns entre os dois tipos de fraude financeira:
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Quadro 2 – Diferenças entre esquema em pirâmide e esquema Ponzi
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V Capítulo – Três casos de esquema Ponzi
«A new rainbow had come within my range of vision. The most spectacular I ever saw. With renewed energy and
enthusiasm, I chased after it. I caught up with it. When I did, I found fifteen million dollars at the end of it. I
should have called it a day. And quitted while the quitting was good. I didn't. Hence, this story.»
Charles Ponzi
Numa procura constante de ideias que atrairiam investidores, Charles Ponzi teve uma ideia
inteligente para ganhar dinheiro, de forma fácil e rápida. Ponzi foi responsável pela
correspondência trocada com o exterior na empresa Wichita Falls Motor Truck Company, e
aprendeu sobre o funcionamento dos cupões de resposta, postais internacionais que ele julgava
serem reembolsáveis pela emissão dos governos nas suas próprias moedas (Frankel, 2012).
Estes cupões eram pequenos pedaços de papel que se enviam pelo correio para o estrangeiro,
podendo o destinatário responder sem ter de pagar o selo (Sander, 2009). Em agosto de 1919 -
numa altura em que o mundo estava a viver o rescaldo da Primeira Guerra Mundial - Ponzi
recebeu uma carta de Espanha com um cupão de resposta internacional preso no canto e «at the
top, the value appeared in Spanish and read: "30 centavos".» (Ponzi, 1935), ou seja, havia sido
adquirido em pesetas por um sexto do valor pelo qual poderia trocá-lo, em dólares, nos EUA
(Cres, 2014). No verso do cupão estava uma legenda «This coupon may be exchanged at any post-office
of any country in the Universal Postal Union for a postal stage of the value of 25 centimes, or its equivalente.»
(Ponzi, 1935) e Charles Ponzi identificou assim uma oportunidade de negócio, onde acreditou
que lhe poderia trazer lucros enormes, beneficiando das tarifas postais em diferentes países, para
comprar cupões de resposta internacional, de forma mais barata num país e trocá-los por selos
de um valor mais elevado noutro país (Kotz, 2014).
A autora Tamar Frankel expõe o seguinte exemplo para ilustrar o raciocínio do cálculo que
Ponzi terá verificado: «[…] [H]e would buy 100 stamps for 100 Italian lire, which are worth, say, $20. If
the price of the lire rose and their value increased to $30, he would surrender the stamps for the 100 lire and buy
dollars with the lire, at a profit of $10 - or a 50 percent return.» (Frankel, 2012, 15) No papel estes
cálculos pareciam convincentes, e o esquema previsto executou-se, uma vez que se apresentava
como sendo simples, aparentemente infalível e legal. No entanto, o plano carecia de recursos
para comprar uma quantidade adequada de cupões, para ser bem-sucedido a longo prazo.
36
Num primeiro teste de investimento, Ponzi converteu uma quantidade de dólares (segundo a
SEC foi um investimento de 30 dólares) em liras italianas e adquiriu cupões desse valor, nessa
moeda, tendo como retorno previsto 400 por cento por operação (Cres, 2014). A duração
necessária para terminá-la, dependia de fatores como a velocidade em que se daria a
transferência dos recursos para Itália e do trânsito da correspondência, as idiossincrasias das
instituições postais de cada país, o tempo exigido pelos correios dos EUA para remir os cupões
em selos, e não em dinheiro como Charles Ponzi inicialmente pensava (Cres, 2014). Os gastos
de maior peso da transação eram as taxas bancárias no envio do capital para os outros países e
as oscilações nas taxas de câmbio, que reduziam o lucro previsto devido à volatilidade do valor
dos cupões de resposta internacional. Todavia, Ponzi lançou o seu projeto sem hesitação e com
o maior entusiasmo, mesmo sem ter um planeamento a longo prazo (Frankel, 2012).
Charles Ponzi começou por aliciar pessoas do seu ciclo familiar e amigos, na cidade onde vivia,
em Boston, para a excelente oportunidade de investimento do seu negócio, conseguindo angariar
os primeiros fundos. O número de investidores começou a aumentar, à medida que os primeiros
iam recebendo o pagamento prometido, e por isso, passavam a palavra a pessoas próximas para
estas também terem a oportunidade de usufruir do vantajoso lucro, seguro e sem risco. Cres
(2014) refere que é no momento em que Ponzi atinge os «15 investidores, representando um
montante de 870 dólares para a aplicação no seu negócio postal […] que […] resolveu
estabelecer-se para captar mais recursos». Charles Ponzi afirmou «I realized that I needed a certain
prestige. Such as a firm name lends. Because it has the appearance of greater stability. And so, I decided to form
a company.» (Ponzi, 1935, Chapter XIII).
Ironicamente, a empresa de Ponzi viria a chamar-se Securities Exchange Company (Kotz, 2014)
tendo Charles Ponzi prometido aos seus clientes, segundo o site da SEC, «um lucro de 40% em
apenas 90 dias, à vista das contas de poupança bancárias.» Em resultado desta oferta de
investimento proposta por Ponzi, formaram-se filas de investidores ávidos por saírem de uma
situação financeira aflitiva e, se possível, enriquecerem rapidamente. Na porta 27 da School Street,
onde se localizava a empresa, começou o negócio mais fabuloso e auspicioso (Ponzi, 1935,
Chapter XIV).
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Célere crescimento do esquema Ponzi
Charles Ponzi, convencendo parentes e amigos a investir nas suas notas promissórias, prometeu
um retorno de 10 por cento ao um mês, quando os bancos estavam a pagar cerca de 5 por cento
ao ano (Frankel, 2012). O investimento era formalizado por meio de notas promissórias
assinadas por Ponzi, sendo esta a única garantia do negócio (Cres, 2014). Foi nos últimos dias
de 1919, que o grupo de 15 pessoas emprestou dinheiro a Charles Ponzi, representando o
montante acima referido de 870 dólares, para a aplicação do seu negócio postal. Até 1 de janeiro
de 1920, tinha exatamente 18 investidores, representando um montante total de 1.770 dólares,
e na segunda semana de fevereiro pagou a estes investidores 2.478 dólares (Ponzi, 1935, Chapter
XIV).
Quando Charles Ponzi começou a pagar esse retorno incrível, outros investidores bateram à sua
porta, trazendo milhões (Frankel, 2012). Desde então, o número de investidores cresceu
exponencialmente e de forma constante (Ponzi, 1935, Chapter XIV). Milhares de pessoas
queriam comprar as notas promissórias que Ponzi emitia, sem qualquer limitação de valores,
surgindo longas filas, estendidas por vários quarteirões (Cres, 2014). Ponzi decide contratar mais
12 funcionários para atender a multidão de investidores.
Em maio desse ano, mais de duas mil pessoas emprestaram perto de meio milhão de dólares a
Charles Ponzi. Sem ter onde colocar este dinheiro, todo o espaço do escritório servia, desde
sacos em armários e gavetas até cestos de lixo (Cres, 2014). No final de julho, a Securities Exchange
Company tinha recebido quase 15 milhões de dólares em depósitos, de exatamente 30.219
investidores. (Ponzi, 1935, Chapter XIV). A especulação de divisas dos selos não poderia ser
materializada em tal escala, e em todo o caso, o investimento não chegava perto dos 15 milhões
de dólares que os investidores lhe haviam confiado. (Frankel, 2012). Não está esclarecido quanto
Charles Ponzi terá investido no seu empreendimento, embora uma publicação da SEC tenha
sugerido que o seu investimento ascendeu a cerca de 30 dólares (SEC, 2015).
Em pleno verão nos EUA, os termómetros aqueciam e a economia também seguia quente em
Boston. Charles Ponzi estava no centro das atenções da população, que entusiasmada pelo
aparente sucesso do esquema de enriquecimento rápido, alimentava as longas filas de
investidores na Securities Exchange Company. Todo este frenesim em torno de Ponzi levou as
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autoridades municipais, estaduais e federais a questionarem-se sobre o negócio de Charles
Ponzi, ao mesmo tempo que os jornais passaram da admiração à desconfiança do investimento
dos cupões de resposta internacional.
Nos últimos dias de julho de 1920, o jornal Boston Post publicou um artigo, no qual demonstrava
que o negócio com os cupões de resposta internacional não era sustentável, porque a quantidade
de cupões resgatados, nos EUA, naquele período, era insuficiente para compor o volume de
recursos que Charles Ponzi vinha transacionando, colocando mesmo em causa a legitimidade
do investimento da Securities Exchange Company (Cres, 2014). Esta notícia provocou a primeira
corrida de investidores à porta 27 da School Street para resgatarem o seu dinheiro, e o início de
uma auditoria aos livros contabilísticos pelas autoridades. Em 27 de julho, o governador do
Estado de Massachusetts, Calvin Coolidge, determinou ao procurador-geral do Estado, J. Weston
Allen, que realizasse uma auditoria completa às atividades de Ponzi (Cres, 2014).
Charles Ponzi enfrentou a primeira fase de resgates com otimismo e confiança. Declarou aos
jornais que pagaria a todos os investidores que se dirigissem à Securities Exchange Company (Cres,
2014). Ofereceu cachorros quentes e café aos investidores que aguardavam do lado de fora dos
escritórios da sua empresa, enquanto, com simpatia e um sorriso, ia tranquilizando os
depositantes quanto ao rumo do seu negócio. Ponzi causou uma imagem positiva, e muitos
investidores chegaram mesmo a mudar de ideias. Àqueles que desejavam a restituição do valor
das notas promissórias, Charles Ponzi pagou a todos com cheques do seu recém-comprado
banco, Hanover Trust Company (Ponzi, 1935, Chapter XVIII). Além de ter suportado bem a
corrida de investidores para resgatarem o seu dinheiro, Charles Ponzi colaborou com as
autoridades na realização dos trabalhos de auditoria, prestando todas as informações solicitadas
(Cres, 2012). Embora estas atitudes tenham ajudado a recuperar um pouco do seu prestígio, o
jornal Boston Post continuou a noticiar a investigação que havia desenvolvido sobre o negócio de
Charles Ponzi.
Numa segunda-feira, 2 de agosto de 1920, o jornal publicou um artigo, com o título de capa
«Ponzi irremediavelmente insolvente» (Ponzi, 1935, Chapter XXVII). O jornal verificou com a
União Postal Universal (UPU) (vide Anexo III) os registos de distribuição e resgate de cupões
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de resposta internacional, descobrindo que a UPU havia emitido à volta de um milhão de cupões
num ano, no total de 58 mil dólares, uma quantia muito abaixo daquela movimentada por Ponzi
(Cres, 2014).
Em Nova Iorque, o número de cupões resgatados equivalia a 370 dólares (Cres, 2014).
Representantes dos Correios dos Estados Unidos declararam oficialmente que «não há negócio
algum, tal qual Charles Ponzi declara estar a conduzir, em curso em qualquer lugar do mundo,
seja com cupões de resposta internacional ou com ordens de pagamento, em qualquer taxa de
câmbio» (Cres, 2014). Consequentemente a corrida aos «depósitos» ganhou novo vigor e Ponzi
afirmou que: «for the next two or three days I paid out close to two millions.» (Ponzi, 1935, Chapter
XXVII).
Os auditores proibiram Charles Ponzi de contrair novos empréstimos, para ter recursos
disponíveis para pagar resgates e eventuais novas operações ou investimentos, até ao término
do trabalho de auditoria, e este declarou-lhes ter-se esquecido de indicar outros ativos de que
dispunha, os quais provariam qua a sua condição financeira era de total solvência (Cres, 2014).
No entanto, quando o procurador-geral sugeriu auditar os seus ativos, Ponzi opôs-se. Diante
esta recusa, os trabalhos de auditoria ficaram por ali, uma vez que tinham caráter voluntário
(Cres, 2014).
Quando os rumores de que Charles Ponzi estava falido subiram de tom, e os investidores
clamaram pelo seu dinheiro, ele pagou-lhes rapidamente, para reduzir as suas obrigações com
retornos mais elevados, o que contribuiu para ir esgotando os seus recursos (Frankel, 2012). O
comissário do setor bancário, Joseph C. Allen, deu início a uma nova investigação, em 27 de
julho, que visava, por um lado, obter informações sobre as operações do Hanover Trust Company,
uma vez que o banco operava várias contas de Ponzi e este detinha uma participação de 38 por
cento do capital social, e por outro, alargar a investigação a outros bancos onde Charles Ponzi
tinha contas, sendo a sua expetativa que os saldos dessas contas fechassem negativas, já na
segunda-feira dia 9 de agosto (Cres, 2014). De facto, confirmou-se a previsão do comissário do
setor bancário, e nesse dia o advogado de Ponzi avançou com o processo de falência, tendo a
Securities Exchange Company encerrado definitivamente (Ponzi, 1935, Chapter XXVII).
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A 12 de agosto, Charles Ponzi foi detido pelas autoridades, com base na acusação de fraude
postal (Cres, 2014). Foi condenado e enviado para a prisão; quando se encontrava em liberdade,
foi deportado para sua terra natal, em Itália (Frankel, 2012).
Em suma, durante todo o período do negócio, Charles Ponzi operou 15 milhões de dólares,
honrou o pagamento das notas promissórias em aproximadamente 5 milhões de dólares, deixou
pendente o pagamento de 7 milhões de dólares e obteve um ganho de 3 milhões de dólares
(Ponzi, 1935, Chapter XXV). Considerando o processo inflacionário da moeda norte americana
e utilizando a atualização de preços em 2016, através do índice de preços ao consumidor (CPI
– Consumer Price Index), estima-se que teriam sido entregues a Charles Ponzi cerca de 204 milhões
de dólares, ele teria pago aproximadamente 68 milhões de dólares aos seus investidores,
registando um buraco à volta dos 95,8 milhões de dólares e um proveito a rondar os 41 milhões
de dólares (US Inflation Calculator, 2016).
Empresa familiar
Desde o início, a BMIS caraterizou-se por ser uma empresa familiar, gerida inicialmente por
Bernard e Ruth, que era a responsável pela contabilidade (Sander, 2009). A atividade da empresa
era a negociação de títulos. Em 1965, o irmão mais novo de Bernard Madoff, Peter, entrou para
a empresa antes de ter obtido o diploma de Direito. Peter teve uma filha chamada Shana, a qual
veio a integrar-se nos quadros da BMIS, em 1995, como advogada, e em 2007 casou com o
antigo regulador do mercado de valores mobiliários, Eric Swanson. Bernard e Peter tinham uma
irmã, de nome Sondra, tendo o seu filho, Charles Weiner, entrado na empresa em 1978,
acabando por se tornar diretor administrativo. Após a conclusão das suas licenciaturas, Mark e
Andrew também entraram para a empresa do pai, em 1986 e 1988, respetivamente. Mark chegou
a codiretor de transações, especializando-se em títulos cotados, e Andrew também geriu
operações de transações para a BMIS, concentrando-se principalmente nas empresas do
mercado Nacional Association of Securities Deals Automated Quotations System (NASDAQ), ocupando
um cargo no Conselho Consultivo para o Plano Tecnológico do NASDAQ.
O negócio da BMIS
De acordo com Sander (2009), nos anos 60, não existiam plataformas de transações eletrónicas,
computorizadas e ligadas em rede, nem o acesso direto e fácil aos mercados, para a negociação
de ações, como existe atualmente. Nessa altura, existiam menos intervenientes no mercado
bolsista de Nova Iorque, e o número de ações transacionados também eram menores. Bernard
Madoff começou a negociar valores mobiliários nas folhas cor-de-rosa – eram folhas impressas,
diariamente, em papel cor-de-rosa, pelo Gabinete Nacional de Cotações, que listavam as
cotações das ações pelos corretores, e onde cada cotação indicava o nome do corretor, a ação e
os preços de bid (compra) e de ask (venda). O preço de compra mais baixo era o preço que o
corretor pagaria pelas ações, e o preço de venda mais alto era o preço pelo qual venderia as
ações que um investidor quisesse comprar. A diferença, ou margem, representava o lucro que o
42
corretor faria com esse título. As folhas cor-de-rosa4 eram uma forma legítima de transacionar
ações de empresas mais pequenas, sem volume suficiente para serem cotadas na Bolsa de Nova
Iorque ou que não cumpriam os requisitos da SEC. Enquanto corretor de folhas cor-de-rosa,
Bernard Madoff terá ganho dinheiro com a compra e venda de ações de empresas mais
pequenas, sem serem cotadas na Bolsa de Nova Iorque. Mais tarde, Bernard Madoff começou
a competir diretamente com as bolsas maiores, transacionando manualmente, e depois
eletronicamente, para clientes de corretores. Nessa época, trouxe o seu irmão Peter para o
negócio, e compreendeu que, ao informatizar e automatizar as bolsas pequenas, poderia
concentrar-se nas maiores, onde as margens eram mais atrativas. Desta forma, começou a criar
um modelo eletrónico que gerou uma revolução em todos os mercados, ao construir a base
tecnológica que ajudaria a definir o NASDAQ, tal como é hoje em dia (Sander, 2009).
Segundo Sander (2009), Bernard Madoff foi um pioneiro com grandes ideias, ganhando
dinheiro, boa reputação e prestígio no mercado bolsista de Nova Iorque. Uma vez obtida uma
sólida reputação, como um dos pioneiros, líderes e negociadores mais proeminentes de Wall
Street, Bernard Madoff assumiu posições de liderança em organizações de relevo do mercado
financeiro. Trabalhou na Associação Nacional de Corretores de Bolsa, uma associação do setor
do mercado de valores autorregulado (atualmente conhecida como FINRA – Financial Industry
Regulatory Authority). Foi vice-presidente da National Association Securities Dealers (NASD), bem
como membro do seu conselho de administração e presidente da seção de Nova Iorque. Bernard
Madoff desempenhou também funções de liderança na comissão de transações da Associação
do Mercado de Capitais, nos anos 90 e início dos anos 2000, representando firmas de corretagem
em discussões com reguladores sobre as regras de negociação para as transações eletrónicas e
para as novas redes tecnológicas. Assumiu vários cargos na administração do Mercado Acionista
NASDAQ, participando na comissão executiva e atuando como presidente da sua comissão de
transações, tendo sido presidente do conselho de administração (Sander, 2009).
4Atualmente, são transacionadas em folhas cor-de-rosa eletrónicas as ações de empresas legítimas que
preferem não passar por todo o processo de cumprimento de requisitos requeridos pela Comissão de
Valores Mobiliários americana e pela Sarbanes-Oxley, como é exemplo a Adidas.
43
Operando em esquema Ponzi
Bernard Madoff reconheceu que a sua atividade se resumia a gerir um esquema Ponzi, e
entregou-se às autoridades quando o seu esquema colapsou. A questão que persiste, até hoje,
em relação à fraude de Bernard Madoff é: quando terá começado a operar em esquema Ponzi?
Nenhum autor avança com uma data específica, nem o próprio Bernard Madoff clarifica esse
ponto, embora tenha afirmado que, eventualmente, tenha iniciado o esquema Ponzi em 1992 -
existindo quem defenda que essa foi uma data usada como estratégia para efeitos de defesa em
julgamento (Henriques, 2012).
Neste trabalho apenas serão mencionados factos ocorridos ao longo da atividade da BMIS,
através da recolha de dados de vários autores, do testemunho de Harry Markopolos e da
sentença proferida no Tribunal de Nova Iorque, a 29 de junho de 2009.
Segundo Henriques (2012), em 1962, quando a corretora BMIS tinha apenas dois anos, Bernard
Madoff investiu dinheiro de algumas dezenas de familiares, amigos e amigos de parentes. Em
maio daquele ano, o mercado de ações atingiu uma bolha, embora não tenha sido um
acontecimento que ficou marcado na história do mercado bolsista, na época foi a pior semana
no mercado desde o crash de 1929. Bernard Madoff tinha colocado o dinheiro dos seus clientes
em novos e frágeis títulos no mercado de venda livre (over-the-counter OTC) e foi exterminado.
Confrontado com uma escolha, entre admitir o fracasso - revelando que tinha perdido o
dinheiro dos seus clientes -, ou cobrir esses prejuízos de modo a que os seus clientes pensassem
que Bernard Madoff era um génio, ele não hesitou. Bernard Madoff cobriu as perdas, e mentiu
sobre isso (Henriques, 2012).
Bernard Madoff afirma que, após o crash de 1987, alguns de seus maiores investidores individuais
entraram em pânico e resgataram o seu dinheiro, apesar de terem garantido que iriam reinvestir
os seus lucros. Bernard Madoff declarou que se esforçou e que foi honesto até 1992, mas a partir
dessa data não conseguiu gerir o fluxo de caixa por mais tempo e começou a misturar os fluxos
de dinheiro com um esquema Ponzi.
Henriques (2012) sugere a teoria de que quando o mercado permitiu a Bernard Madoff ser visto
como um génio, através da negociação honesta, foi honesto; quando isso não era possível,
Bernard Madoff deixou de o ser, recorrendo a um fundo de valores com um funcionamento
típico de um esquema Ponzi.
44
Captando recursos
De acordo com Sander (2009), os primeiros clientes de Madoff eram membros da sua família e
pessoas que o seu sogro conhecia. A fraude por afinidade foi um veículo essencial na carteira
de clientes da BMIS, desde o início. Neste caso, o grupo alvo de Bernard Madoff foi a
comunidade judaica, da qual ele próprio fazia parte. Muitos dos seus clientes tinham ligações
com negócios, círculos sociais e filantrópicos dentro da comunidade judaica. Bernard Madoff
teve bons amigos e mentores ao longo do caminho, tais como o magnata do vestuário Carl
Shapiro, que o tratou como um filho, tendo-lhe entregue os seus investimentos, quase desde o
início. Com o crescente prestígio no circuito de Wall Street, foram vários os grandes clubes de
judeus do país a aguardar a oportunidade para investir com Bernard Madoff, assim como
algumas instituições de caridade judaicas e universidades (Sander, 2009).
Como é caraterístico nos esquemas Ponzi, após o pagamento dos primeiros reembolsos aos
investidores iniciais, estes comentam o investimento bem-sucedido que fizeram com Bernard
Madoff. Num ambiente social e descontraído, como jantares de beneficência, partidas de golfe,
regatas de vela, os investidores mencionam aos seus pares a solidez e os ganhos obtidos através
dos investimentos do Bernard Madoff, despertando o interesse dos demais, que passam a
também querer investir com ele.
Segundo Sander (2009), Bernard Madoff deu inicialmente nas vistas e ganhou dinheiro a
transacionar valores mobiliários de venda livre não cotadas em bolsa, ou não cotados na Bolsa
de Nova Iorque – primeiro, com folhas cor-de-rosa e depois, à medida que a tecnologia evoluía,
por telefone, telégrafo e finalmente por computador. Todavia, também compreendeu a
possibilidade de transacionar ações maiores, juntamente com os grandes intervenientes, ao
estabelecer a sua própria banca de transações para os valores mobiliários da Bolsa de Nova
Iorque (Sander, 2009). Revelador de um instinto nato na negociação de títulos, pioneiro no
desenvolvimento da negociação de títulos computorizado e dinamizador na criação do mercado
bolsista do NASDAQ, Bernard Madoff é, aos olhos de todos, um homem de capacidade impar
na negociação de títulos no mercado financeiro. Bernard Madoff é visto como um homem de
confiança e competente para gerir e fazer crescer as economias de uma elite abastada que, para
além dos lucros e segurança, valoriza a redução de riscos de eventuais perdas que o mercado
bolsista tem registado ao longo da sua história.
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Nessa altura, a lista de interessados cresce a bom ritmo, para além da vontade dos investidores
em carteira de manter e renovar o investimento do capital inicial, e em alguns casos, chegando
mesmo a aumentar significativamente o montante a investir com Bernard Madoff.
Fase de captação
De acordo com um contabilista de Palm Beach, chamado Richard Rampell, com o passar dos
anos, o investimento mínimo aumentava continuamente, passando de um milhão para cinco
milhões de dólares, e depois para dez milhões dólares. Mais, «como a rendibilidade se mantinha
constante… começou a surgir uma certa mística em torno de Madoff no clube» e toda a gente
queria entrar (Sander, 2009). Alguns investidores tinham mesmo receio de retirar os fundos, e
até o dinheiro que haviam ganho, com medo de não conseguirem voltar a investir no fundo,
devido essencialmente à mensagem de exclusividade em investir com Bernard Madoff difundida
pelos seus mensageiros.
Para começar a expandir para além do seu próprio círculo de influências nos clubes de campo,
num primeiro momento, Bernard Madoff cortejou organizações de caridade, a maioria das quais
era judaica, de caracter local e regional, quer em Nova Iorque quer na Florida, tornando-se num
dos doadores. Mais tarde chegava a membro da administração e, por fim, era escolhido para
gerir os fundos dessas organizações, na totalidade ou em parte. Num segundo momento, criou
uma rede dos denominados fundos de alimentação e de promotores, para angariarem ainda mais
investidores (Sander, 2009).
Assim, com o passar do tempo, Madoff começou a captar recursos em dinheiro de hedge funds,
e as suas vítimas incluíram israelitas, árabes, industriais latino-americanos, banqueiros suíços,
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famílias com pedigree, como a Greenwich, e vários fundos de pensões (Henriques, 2012). À
medida que o tempo passava, especialmente nos anos 90 e 2000, Madoff alargou o seu alcance,
procurando seduzir um maior número de novos investidores, conseguindo angariar um
conjunto ainda maior e mais diversificado de investidores (Sander, 2009). Bernard Madoff,
enquanto gestor e operador de um esquema Ponzi, distingue-se dos outros fraudadores por ter
conseguido, durante décadas, atrair para o seu esquema clientes sofisticados e institucionais.
De acordo com Markopolos (2009), Bernard Madoff assumia-se como gestor de um hedge fund
e descrevia a sua estratégia como concentrando-se em ações do índice Standard & Poor (S&P)
100. Apresentou, em média, uma rendibilidade anual de 10,5 por cento, ao longo dos últimos
17 anos de vida do esquema. Com efeito, Markopolos, no seu memorando enviado à SEC, em
2005, sublinha o facto de Bernard Madoff apenas ter sofrido sete quebras mensais nos últimos
catorze anos. No seu testemunho, Markopolos explica que, no período de 1991 a 2001, os
retornos registados do fundo Fairfield Sentry eram de dois dígitos, conforme quadro e gráfico
abaixo. Todos os anos subsequentes, os retornos estavam na casa de um dígito, um sinal claro
de que Bernard Madoff precisava de cortar os pagamentos aos investidores antigos, a fim de
economizar dinheiro para manter o seu esquema, uma técnica comum de manutenção do
esquema Ponzi.
Annual Returns
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005
2,83% 18,58% 14,67% 11,65% 11,49% 12,95% 12,99% 14,00% 13,40% 14,18% 11,55% 10,68% 9,33% 8,21% 7,07% 2,25%
47
Gráfico 1 - Fairfield Sentry Performance Data
Numa entrevista de 1992 concedida ao Wall Street Journal, Madoff descrevia a sua estratégia:
De acordo com a análise de Sander (2009) a alguns documentos e entrevistas, que surgiram
depois do eclodir do escândalo, a sua estratégia principal, ou pelo menos a sua estratégia
anunciada, era investir nas ações principais do S&P 100 (nas maiores empresas americanas) e
empregar estratégias de opções relativamente simples, para reforçar a rendibilidade. Bernard
Madoff evitou exageros de publicidade de rendibilidades espantosas e criou um fundo, ou a
imagem de um fundo, com rendibilidades estáveis e sólidas, mas relativamente modestas, não
havendo muita informação sobre o fundo. Esperava-se que as pessoas soubessem das suas
vantagens e da sua consistência através da informação difundida de boca-em-boca. Esta era
outra caraterística da marca Madoff: uma marca que representava confiança, exclusividade e o
privilégio de se conseguir entrar nos círculos onde se era reconhecido (Sander, 2009). Bernard
Madoff, enquanto gestor de um hedge funds premier, conseguiu manter o seu esquema Ponzi sem
suspeitas, ao afirmar que utilizava a estratégia de conversão split-strike, o que permitia obter
fluxos de retorno excecionalmente estáveis e com baixa volatilidade.
48
Markopolos (2009) observa que existem muitas partes móveis nesta estratégia e que é complexa
o suficiente, «que até mesmo profissionais de mercados de derivados com experiência teriam
dificuldades em manter o controlo em todas as partes móveis e compreendê-las na totalidade».
Por outro lado, Bernard Madoff sabia que a maioria dos investidores não iria perceber esta
negociação, e teriam vergonha em admitir a sua ignorância financeira. Deste modo, Bernard
Madoff teria menos perguntas para responder. Em esquemas Ponzi, o operador nunca quer que
as vítimas compreendam o negócio, nem que lhes coloquem muitas questões.
O esquema Ponzi, para se manter, necessita de quantidades de dinheiro novo, cada vez maiores.
Uma forma para se obter mais recursos financeiros, é criar um novo produto igualmente atrativo
quando comparado com o já implementado. Bernard Madoff percebeu que uma forma de
manter o seu esquema a funcionar era estabelecer parcerias com fundos de investimento com
prestígio junto dos investidores e, a partir daí, criar uma rede de fundos de alimentação, através
de operações de fundos de fundos, usadas para canalizar ou alimentar os investimentos para o
seu esquema. É exemplo disso a Fairfield Greenwich (foi a maior perda individual do colapso do
esquema de Madoff, no valor de 7,5 mil milhões de dólares), uma família de fundos, constituída
nos anos 80, na sequência da fusão de duas empresas, uma pertencente a um bancário executivo
e outra a um antigo advogado especialista da divisão de aplicação de regulamentação da SEC.
A partir do início dos anos 90, a Fairfield Greenwich, detentora do prestigiado fundo Sentry Fund,
começa a trabalhar com Bernard Madoff. Desde então, o fundo Fairfiel Sentry Ltd apresentou
uma linha em sentido ascendente, de uma forma constante, de dezembro de 1990 a maio de
2005, apesar do indicador S&P 500, ter registado valores inferiores, comparativamente a esse
fundo desde 2002, conforme gráfico abaixo:
49
Gráfico 2 – Desempenho da Fairfield Sentry Ltd
Em junho de 2005, Frank Casey (gestor de fortunas, com um hedge fund de 5 mil milhões de
dólares) enviou a Markopolos informação, mostrando que Bernard Madoff estava a tentar
emprestar fundos, a partir de um importante banco europeu. Esse foi o primeiro sinal de que
Bernard Madoff estava a fazer esforços para manter vivo o seu esquema Ponzi. Em abril de
2007, é lançado um novo fundo denominado Wickford Fund LP, que prometia reembolsar um
swap entre 3-3 ¼ vezes, e tinha como verdadeira função alimentar o esquema Ponzi de Bernard
Madoff, através do método exposto na figura abaixo:
50
O Wickford Fund LP apresentou-se com caraterísticas de rendibilidade atrativa, numa altura em
que o mercado financeiro estava instável e dava os primeiros sinais de queda, na sequência da
crise subprime5.
Este foi outro sinal de que Bernard Madoff estava com poucos recursos e falta de novos fundos
para manter o seu esquema Ponzi a funcionar. A fim de manter o pagamento de fundos para os
investidores existentes, um operador de esquema Ponzi deve assegurar que os novos fundos
estão continuamente a entrar, para compensar a saída de pagamentos a investidores antigos.
Criar um produto de troca alavancado, foi um sinal de que a entrada de novos dólares não era
suficiente para manter o esquema, e que era necessário criar incentivos adicionais para atrair
dinheiro novo.
5 Crise subprime é uma crise financeira desencadeada em 24 de julho de 2007, a partir da queda do índice Dow Jones motivada
pela concessão de empréstimos hipotecários de alto risco (em inglês: subprime loan ou subprime mortgage), prática que arrastou
vários bancos para uma situação de insolvência, repercutindo fortemente sobre as bolsas de valores de todo o mundo. A crise
foi motivada pela insistente manutenção de juros reduzidos pelo Fed (o sistema de bancos centrais dos EUA), em uma economia
extremamente aquecida. A crise subprime foi imediatamente percebida como grave (segundo muitos economistas, a mais grave
desde 1929), com possibilidade de se transformar em uma crise sistémica, entendida como uma interrupção da cadeia de
pagamentos da economia global, e que tenderia a atingir, de maneira generalizada, todos os setores económicos. É considerada
como um prenúncio da crise económica de 2008.
51
um operador de esquema Ponzi, quando pretende aumentar a confiança junto dos seus clientes
e evitar perguntas difíceis.
Bernard Madoff expandiu a sua ação ao longo de uma rede de fundos, gestores de fundos e
promotores, que canalizavam enormes quantidades de dinheiro de todo o mundo para a sua
operação. É comum alguns fundos de investimento atuarem como «fundos de fundos». Um
fundo ao retalho lida diretamente com o cliente, discutindo objetivos de investimento e
descobrindo investimentos que cumpram esses objetivos. O fundo dos fundos coloca o
dinheiro dos clientes numa série de investimentos, alguns dos quais fazem parte de outros
fundos, normalmente, hedge funds. O objetivo é poupar ao cliente o trabalho de procurar e
investigar os fundos individuais, e oferecer alguma diversificação, caso algum dos fundos
adquiridos venha a ter problemas. Alguns destes fundos de fundos entregaram grandes quantias
de dinheiro a Bernard Madoff, transformando-se em fundos de alimentação, pelo modo como
trouxeram ativos até à rede de Madoff. Na lista das vítimas do escândalo Bernard Madoff
constam os maiores fundos de alimentação do esquema Ponzi:
mil milhões de
Fundo de alimentação
dólares
Fairfield Greenwich Advisors 7,50
Tremont Capital Management 3,30
Banco Santander 2,87
Kingate Management 2,80
Bank Medici of Austria 2,10
Ascot Partners 1,80
Access International Advisors 1,40
Union Bancaire Privée 1,00
Nataxis 0,554
Fonte: Adaptado, Sander, 2009
O ano 2008 foi atípico para todas as bolsas financeiras mundiais, em consequência,
principalmente, da crise do mercado imobiliário nos EUA de 2007, como efeito do elevado
número de instrumentos hipotecários de alto risco, cuja capacidade de adiantamento era quase
52
nula ou mesmo nula. Em 2008, o banco Lehman Brothers faliu, à semelhança das empresas
refinanciadoras de hipotecas Fannie Mae e Freddie Mac. Os reflexos da crise foram devastadores,
sendo que outros 100 bancos fecharam nos anos seguintes. Em 2008, no meio do colapso geral
do mercado, o hedge fund gerido por Madoff declarou um rendimento positivo de 5,6 por cento
até ao mês de novembro, embora o índice S&P 500 tivesse caído 38 por cento (Sander, 2009).
A 1 de dezembro de 2008, dez dias antes de o esquema eclodir, Bernard Madoff pediu ao seu
velho amigo, mentor e figura parental, o idoso magnata de 95 anos Carl Shapiro, 250 milhões
de dólares, prometendo pagar rapidamente e com juros. A 3 de dezembro, Martin Rosenman,
empresário no ramo do petróleo, manifestou a Bernard Madoff interesse em investir dez
milhões de dólares, tendo Madoff afirmado que «o fundo estava fechado até dia 1 de Janeiro de
2009, mas que […] poderia transferir o dinheiro para a conta da BMIS, onde seria mantido até
o fundo abrir» (Sander, 2009). O dinheiro foi transferido a 5 de dezembro, e a 9 de dezembro,
dois dias antes da detenção de Madoff, Rosenman foi notificado pela BMIS por o seu dinheiro
ter sido «recebido e investido» (Sander, 2009).
Bernard Madoff acaba por ser julgado e condenado a 150 anos de prisão.
53
5.3 Dona Branca
Maria Branca dos Santos nasceu em Lisboa, a 20 de junho de 1911, sem ter chegado a conhecer
a mãe, ficou órfã de pai aos 13 anos de idade, viveu com uma tia e, mais tarde, «com uma vizinha
que emprestava reduzidas importâncias de dinheiro» a pessoas de nível económico baixo
dedicadas «ao pequeno comércio de venda de peixe e outros. Sem a instrução primária, sabia
escrever e ler mal, no entanto tinha apetência para os números. Aprendeu o negócio com essa
vizinha, mutuando dinheiro e recebendo um pequeno juro sobre as quantias emprestadas»
(Diogo, 1993, 13). «[I]niciou o “negócio” dos empréstimos e juros quando tinha 15 anos» (Parte
III da contestação de Maria Branca dos Santos 3º Juízo Criminal, 1ª Seção, Proc. 1444). A partir
dos 25 anos de idade passou a viver com um homem que também recebia e emprestava dinheiro
cobrando um juro. O companheiro faleceu na década de sessenta, tendo-lhe passado o seu
negócio e deixado cinco mil escudos (Diogo, 1993), o equivalente nos dias de hoje a cerca de
180 mil euros. Dona Branca continuou com a atividade sozinha, sem ajuda de ninguém,
recebendo em sua casa as pessoas que lhe entregavam quantias em dinheiro. Dona Branca
gerava, em todas as pessoas que lhe entregavam dinheiro, a convicção da integral devolução das
quantias entregues a qualquer momento, e cumpriu durante quase seis décadas. Dona Branca
faleceu, na Clínica Dr. Ferreira e Silva, a 3 de abril de 1992.
Portugal vivia numa conjuntura económica difícil e numa situação social periclitante, em
consequência da crise dos preços do petróleo dos anos 70 e do regresso a Portugal Continental,
num curto espaço de tempo, de um elevado número de portugueses descapitalizados, oriundos
das ex-colónias. Estes factos originaram, por um lado, desemprego, inflação, défice comercial e
elevada dívida pública, ameaças de bancarrota, pressões do Fundo Monetário Internacional
(FMI), e, por, outros conflitos laborais e descrença no futuro. Após a revolução de 1974, com
a fuga de capitais e o encerramento da Bolsa de Valores, as disponibilidades financeiras da banca
nacionalizada levaram a uma «redução das reservas de caixa as quais chegaram a 1,5 milhões
inferiores às legais» (Diogo, 1993, 286), restringiram o crédito ou tornou-se muito oneroso, sem
criarem incentivos à captação de poupanças. A partir da década de setenta, Portugal passou por
um processo inflacionário significativo.
Já em 1970 e 1971 a inflação registada pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi acentuada
com um aumento de 6,62 por cento, mantendo-se a tendência de subida considerável dos preços
internos. Nos dois anos seguintes a inflação indicava remarcação de preços de 11,12 por cento
54
e 13,05 por cento ao ano. Em 1974, ano da revolução, o IPC registou uma inflação de 26,19 por
cento. Entretanto, nos dois anos seguintes, a inflação registada foi de 17,25 por cento e de 19,90
por cento, e em 1977 o IPC atinge 27,06 por cento. A inflação, embora mais baixa, mantém-se
com dois dígitos nos anos seguintes. Quando Dona Branca era objeto de comentário nos
círculos financeiros, políticos e sociais de Lisboa, o processo inflacionário ganha nova força.
Em 1983, o IPC registou uma inflação 24 por cento e no ano seguinte de 28,39 por cento.
O período de 1983-1984 caraterizou-se por uma elevada dívida externa, com grande dificuldade
na obtenção de empréstimos a taxas suportáveis. O governo adotou uma política de austeridade,
agravando a situação económica e social de muitas famílias devido, principalmente, à subida dos
preços dos bens essenciais e dos impostos. Ganham novo folego situações paralelas como o
contrabando, a corrupção, o trabalho sem imposto e de tipo «biscate», as economias paralela e
subterrânea, as vendas «a pronto» por meio de cheques pós-datados (sem faturação), as vendas
ambulantes, as feiras e os empréstimos a juros de 25 por cento ao mês (Diogo, 1993). Agudizava-
se a crise socioeconómica, visível nos salários em atraso, na fome sentida por uma população
empobrecida e na precariedade laboral. A situação social degrada-se e regista-se um novo fluxo
emigratório.
No início da década de 80, Portugal vivia uma depressão económica e uma inflação galopante.
Uma parte da população lutava para manter o seu padrão de consumo, procurando
oportunidades de investimento que as livrassem das perdas financeiras sendo, naturalmente,
uma época permeável à corrupção e aos negócios com rendibilidade elevada, célere e sem risco.
Conforme já referido, Dona Branca iniciou a sua atividade económica ainda jovem, como meio
de sobrevivência, nos moldes em que a sua vizinha lhe ensinou: mutuando dinheiro e recebendo
um pequeno juro sobre as quantias emprestadas. Com o passar do tempo, Dona Branca
consegue obter algum lucro e, mantendo a mesma metodologia, continua a receber pequenas
quantias em dinheiro, em troca de um pequeno juro, que por sua vez emprestava ao dia, a um
juro ligeiramente superior ao das instituições bancárias (Dona Branca, 1984), principalmente a
pequenos comerciantes. As pessoas honravam o seu compromisso pagando no dia estipulado,
permitindo a Dona Branca cumprir o pagamento dos juros prometidos a quem lhe emprestava
o dinheiro. O facto de emprestar dinheiro a terceiros, que lhe era entregue em «depósito» pelos
seus clientes, geralmente, a juros superiores àqueles que pagava e por períodos curtos (no
máximo até seis meses), permitiu-lhe pagar os juros dos seus depositantes e assim cumprir
55
sempre os pagamentos, no prazo estipulado, restituindo o capital inicial que lhe era entregue.
Dona Branca demonstrava ter princípios e por isso era digna de confiança dos seus clientes, a
qual é criada sobretudo pelo rigoroso e atempado cumprimento dos juros prometidos aos seus
depositantes. O seu negócio de «moldes artesanais» revelava-se simples, consistente e seguro,
atendendo a que, no início, o seu negócio era de dimensão reduzida e num círculo limitado de
pessoas (Inquérito Preliminar, 1985). A atividade era desenvolvida em sua casa e os seus clientes
apenas tinham conhecimento dela através de outros clientes. Embora mal soubesse ler e
escrever, Dona Branca anotava num pequeno livro o nome das pessoas que lhe entregavam
dinheiro e a respetiva quantia (Dona Branca, 1984). Tendo o domínio absoluto da sua atividade,
na época, este tipo de controlo era o necessário e suficiente.
Novos clientes
Inicialmente Dona Branca não necessitava de fazer publicidade ao seu negócio. As vantagens
de depositar as respetivas economias na Dona Branca eram divulgadas pelos seus clientes, que
enalteciam a segurança do investimento, aos familiares e amigos. A afinidade entre os clientes
era o meio essencial para se poder depositar dinheiro na Dona Branca. Ela tinha relutância em
aceitar dinheiro de algumas pessoas, no entanto, quando estas referenciavam um familiar ou
amigo que já «emprestava» dinheiro a Dona Branca, esta acabava por recebê-lo. Deste modo era
garantida a confidencialidade e secretismo da sua atividade.
Expansão do negócio
Conforme referido anteriormente, aos 25 anos Dona Branca foi viver com um homem que se
dedicava à mesma atividade de mutuação e de empréstimo de dinheiro em troca de um juro
superior ao remunerado nos depósitos. Com o falecimento do seu companheiro, Dona Branca
herdou cinco mil escudos e a sua carteira de clientes. Desde então, o ritmo da atividade de Dona
Branca alterou-se, qualitativa e quantitativamente (Diogo, 1993). Conhecida pela sua
simplicidade, simpatia, humildade e por cumprir sempre a data de pagamento dos juros
prometidos aos seus depositantes, Dona Branca conquista, naturalmente, a confiança dos
clientes do seu falecido companheiro que, com ela, querem continuar a depositar as suas
economias e receberem os respetivos juros. Assim, Dona Branca passa a emprestar dinheiro
com juros superiores àqueles que pagava, entre 12 a 15 por cento. Por outro lado, recebe um
maior volume de depósitos que remunera a um juro menor, 10 por cento. A diferença entre o
que recebia dos mutuários e o que pagava aos depositantes constituía o seu lucro.
56
De pequena mutuária a «Banqueira do Povo»
Com o passar dos anos a carteira de clientes de Dona Branca cresce a bom ritmo. A sua fama,
de pessoa idónea e cumpridora de palavra, chega a um número cada vez maior de pessoas,
essencialmente na zona de Lisboa. A informação sobre seu negócio, em particular sobre a
crescente rendibilidade dos juros prometidos, sem risco, criando a ideia de que bastaria
referenciar um familiar ou amigo e entregar o dinheiro a Dona Branca e, dessa forma, obter um
lucro fácil e célere, leva cada vez mais habitantes da área metropolitana de Lisboa a procurarem
a senhora simpática que ajuda os pobres desfavorecidos. Para muitas dessas pessoas constituía
a forma de aceder a um rendimento mensal, que lhes permitisse assegurar o sustento da família,
pagar os estudos dos filhos, a renda da casa e em alguns casos, cirurgias necessárias e
dispendiosas para recuperar a saúde dos enfermos. Numa altura de crise socioeconómica
profunda vivida em Portugal, Dona Branca, ao emprestar dinheiro aos pobres e desfavorecidos,
nos momentos mais críticos das suas vidas pessoais, é naturalmente apelidada por «Banqueira
do Povo». Aos olhos de uma população empobrecida e carenciada, Dona Branca é vista como
a solução para os problemas financeiros de várias famílias. Alguns, com trabalho precário,
encontraram em Dona Branca a garantia de uma remuneração mensal segura, o que representava
para essas famílias o salário do tão almejado emprego que teimava em não aparecer. Com o
número crescente de clientes, Dona Branca começa a ter a colaboração de pessoas que lhe são
próximas e, por isso, dignas da sua confiança, como o seu enteado, a sua afilhada e outros
amigos, conferindo um cariz familiar ao negócio. Estes colaboradores com mais conhecimentos
académicos, no entender de Dona Branca, eram pessoas mais preparadas para gerirem de forma
competente o seu negócio e capazes de garantir a perpetuação da sua atividade.
A lista de clientes engrossa e Dona Branca deixa de ter o controlo sobre as quantias recebidas,
bem como dos duplicados dos depósitos, passando a fazer fé nos recibos de quitação das
quantias entregues (Dona Branca, 1984). O valor do juro mensal sobre o valor dos depósitos
que começou por ser ligeiramente superior ao das instituições bancárias, com o passar dos anos
foi subindo até atingir os 10 por cento ao mês, em 1980 dando origem a uma rendibilidade que
excedia largamente o valor dos juros anuais de 30 por cento praticados pela banca nacionalizada,
na modalidade de depósitos a prazo. Por outro lado, com o dinheiro assim obtido, Dona Branca
cedia-o a terceiros, carecidos de meios financeiros para aplicação imediata, mediante o
pagamento de quantias mensais, a título de juro, fixadas entre 12 por cento e 15 por cento, com
a obrigação de uma devolução rápida das quantias cedidas (nº 2 da Acusação, 1985).
57
Nessa altura, a atividade de Dona Branca mantinha-se sem contabilidade organizada. A
operação baseava-se num ritmo estável de depósitos e numa rede de confiança, que continuava
a impedir a entrada no negócio de pessoas desconhecidas ou sem recomendação (Cres, 2014).
A 5 de março de 1983, pela primeira vez, um órgão de comunicação social noticiou a atividade
de Dona Branca. Na edição nº 140 do semanário T&Q, o jornalista José Rocha Vieira escreveu
um artigo sobre o negócio de Dona Branca, recorrendo a depoimentos de quatro clientes da
banqueira. Estes afirmaram que «a mulher é um autêntico banco», garantindo que os recursos
estavam «tão seguros nas mãos dessa mulher de cabelos brancos como nos cofres da sólida
instituição de crédito». Por sua vez, Dona Branca afirmou que podia pedir dinheiro emprestado
e pagar os juros que quisesse, sem revelar, no entanto, a proveniência da rendibilidade dos juros
mensais de 10 por cento (120 por cento ao ano), uma vez que «o segredo é a alma do negócio»
(Dona Branca, 1983).
Desde então, Dona Branca rodeia-se de vários colaboradores e cria uma vasta rede de
angariadores por todo o país, aumentando, em consequência, o volume dos depósitos e vê-se
na necessidade de abrir novas instalações para receber as pessoas que, devido à quantidade, já
não podiam ser atendidas apenas na sua residência (Extrato das alegações orais do Ministério
Público, produzidas na audiência do julgamento).
O interesse do público em investir neste negócio foi vivido com euforia tal que a abertura de
nove escritórios em diferentes zonas de Lisboa, permitiu, por um lado, divulgar a notícia do
grandioso negócio e por outro, fazer entrar uma maior quantidade de dinheiro de terceiros, num
curto espaço de tempo, no seu esquema Ponzi. Assim, Dona Branca pode pagar aos
depositantes mais antigos o valor dos juros prometidos, que se iam vencendo. Afluíam aos seus
novos escritórios milhões de escudos, devido à campanha publicitária, passando a ser comum
haver dinheiro espalhado por cima das secretárias, dentro de gavetas, em sacos do lixo (nº 39
da Acusação, 1 junho 1985), à semelhança de Charles Ponzi. Devido ao alargamento geográfico
da área de atuação, Dona Branca passou a assinar cheques e recibos em branco, confiando na
58
boa-fé dos seus funcionários e distribuiu-os pelos seus colaboradores e angariadores para estes
os entregarem aos milhares de depositantes que a eles se dirigiam.
Celebridade além-fronteiras
Caseira e piedosa mulher de riso simpático, Dona Branca personifica valores tradicionais
portugueses. É uma seguidora de Padre Cruz, um padre populista que trabalhou em Lisboa
antes da Guerra e cujo retrato enfeita as paredes das casas de muitas famílias operárias
portuguesas. Insiste que não dirige um banco, que se limita a distribuir benefícios, e que os
seus clientes não são depositantes, mas pessoas que lhe emprestam dinheiro sobre o qual
paga juros.
O Frankfurter Rundschau, sobre a difícil situação económica portuguesa, publica uma opinião
intitulada «Ernâni Lopes travou demasiado a economia». O jornalista Werner Herzog alude ao
empobrecimento crescente da população e assinala: «[o] Governo tenta convencer a população
a aguentar, mas já quase ninguém ouve os políticos. Pessoas como Dona Branca são mais
importantes. Portugal precisa de milagres e o milagre de Dona Branca […] dá esperança aos
lisboetas para saírem da crise». A partir de então a imprensa escrita e a estação televisiva estatal
RTP dedicaram a sua atenção ao fenómeno Dona Branca, motivando várias pessoas a
levantarem todas as suas economias dos bancos e a depositarem as mesmas na simpática anciã
de 72 anos. Tal prática passou a ser recorrente, para natural desagrado das instituições bancárias,
como também se verificou com Charles Ponzi. Em 22 de maio de 1984 o negócio da «banqueira
do povo» provocou um aceso debate numa reunião do Ministro das Finanças, Ernâni Lopes,
com os presidentes dos bancos nacionalizados, tendo estes demonstrado preocupação pelo
impacto da atividade de Dona Branca (nº 206 T&Q, 5 junho 1984).
59
Aparente solidez financeira de Dona Branca
No sentido de melhor fazer acreditar na solidez, seriedade e grandeza da sua atividade, Dona
Branca adquiriu viaturas de alta cilindrada, das marcas Mercedes Benz, Jaguar, Triumph e BMW
(nº 59 da Acusação, 1 junho 1985). Entre 1983 e 1984 Dona Branca entregou a vários
construtores valores monetários, superiores a 236 milhões de escudos (atualizado ao IPC de
fevereiro de 2016, aproximadamente 26 milhões de euros), para a aquisição ou a título de sinal
de 37 imóveis, em vários locais do país (Algarve, Lisboa e arredores), sendo que os contratos
foram celebrados em nome de colaboradores ou de filhos menores de colaboradores, tendo
apenas Dona Branca usufruto de uma das propriedades. Todos estes negócios foram realizados
por ela, com quantias recebidas dos novos depositantes. Dona Branca comprou ainda, para si e
para os seus colaboradores, vários objetos de ouro e prata.
Princípio do fim
Segundo a Acusação do Ministério Público, é na sequência deste evento, que poderia levar à
exposição da situação real da atividade de Dona Branca, ou seja, mostrar a inexistência de
numerário suficiente para restituir, em caso de solicitação dos depositantes, que Dona Branca
decide reunir-se com os seus colaboradores e angariadores para, em conjunto, fundarem uma
Organização, aproveitando a imagem de confiança, segurança e credibilidade conquistada por
ela ao longo de mais de cinco décadas.
Para a concretização deste plano, a nível nacional, os dirigentes preconizaram uma publicação,
aliciante e atrativa, da atividade de negócios e fins beneméritos de Dona Branca, de forma a
envolverem as pessoas ávidas «de um lucro fácil, fabuloso, rápido e sem tributação», pela
ingenuidade e boa-fé ou a ganância dessas pessoas e captarem as suas poupanças para o
hipotético ramo imobiliário (nº 17 da Acusação, 1 junho 1985).
Em 3 de fevereiro de 1984, o semanário T&Q publicou uma reportagem sobre Maria Branca e
uma entrevista concedida por escrito, embora mal soubesse ler e escrever, onde era evidente a
60
tentativa de convencer o público da seriedade e grandeza da Organização e de Dona Branca
para obter uma grande atração de eventuais depositantes. Com esta entrevista, que funcionou
como uma campanha publicitária, conseguiram que milhares de pessoas entregassem, por erro
e engano, àquela Organização, avultadas quantias em dinheiro (nº 23 da Acusação, 1 junho
1985).
O «caso Dona Branca» chegou à Assembleia da República, em fevereiro de 1984, pela mão do
Partido Comunista que, através de requerimento, pediu ao governo informações sobre as
diligências que iria tomar para averiguar a ilicitude das atividades da «banqueira do povo» (nº
206 T&Q, 5 junho 1984). Segundo a publicação nº 206 do semanário T&Q, «a primeira
diligência oficial destinada a combater o fenómeno Dona Branca foi promovida pela Alta
Autoridade contra a Corrupção», tendo reunido na Procuradoria-Geral da República, a Inspeção
de Crédito do Banco de Portugal e a Polícia Judiciária.
durante muito tempo aplicou o dinheiro que lhe foi confiado em operações ativas de crédito;
até 1983 desenvolveu sozinha a atividade que lhe foi imputada;
61
em março de 1983 começou a atender clientes, pessoalmente ou com a participação dos
seus colaboradores;
a partir do início de 1984 foram raros os empréstimos que concedeu;
durante muitos anos e até 17 de setembro de 1984 se dedicou à recolha de fundos de
pessoas indeterminadas;
desenvolveu, sem margem para dúvidas, uma atividade tipicamente bancária na sua vertente
passiva;
e os seus colaboradores atingiram poupanças, que lhe foram confiadas, num total suposto
de, pelo menos, dezassete biliões, quinhentos e cinco milhões, quatrocentos e oitenta e seis
mil escudos (Diogo, 1993, 255) (atualizado ao IPC de fevereiro de 2016, 1.653.234.025,29
euros).
Entre 13 e 17 de junho de 1984 foram realizados novos depósitos no montante de 1,4 mil
milhões de escudos (atualizado ao IPC de fevereiro de 2016, 141 milhões de euros), valor esse,
ainda assim, inferior ao necessário para o esquema Ponzi de Dona Branca poder continuar a
funcionar. Nos meses de junho e de julho, quando todos os colaboradores sabiam que os fundos
da Organização já estavam exauridos, continuavam a incentivar e a aceitar depósitos, mas já não
pagavam aos depositantes antigos o juro prometido nem devolviam os capitais iniciais entregues
e então solicitados. Em agosto e setembro foram realizados depósitos ligeiramente superiores a
315 milhões de escudos (atualizado ao IPC de fevereiro de 2016, aproximadamente 31 milhões
de euros), montante esse insuficiente para pagar o valor do investimento dos depósitos antigos
e dos juros que continuavam a crescer de forma exponencial, como é caraterística num esquema
Ponzi.
Acusada de associação criminosa, burla agravada e cheques sem cobertura, Dona Branca foi
detida, a 8 de outubro de 1984, ficando presa na cadeia das Mónicas (Diogo, 1993).
64
VI Capítulo – Modelo das cinco fases do esquema Ponzi
Neste capítulo é apresentado um modelo constituído por cinco fases do esquema Ponzi. Este
modelo é o culminar de uma análise aprofundada a três casos identificados e julgados por fraude
do tipo esquema Ponzi, concretamente o esquema original do Ponzi, o caso português Dona
Branca e o maior esquema de fraude financeira de sempre de Bernard Madoff. Este modelo
resulta da identificação de fases comuns nos três esquemas operados por pessoas com origens
e vivências díspares, em anos destintos, indo desde o início do século XX até ao início do século
XXI, e operado em países com realidades socioeconómicas diferenciadas.
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sucedido, ao mesmo tempo que, dentro do grupo de afinidade, se difunde, por via oral, o
sucesso do esquema. A vantagem da difusão do esquema por recomendação oral, decorre
do facto de que a confiança mútua entre os membros reforçar a recomendação de um dos
seus pares, originando e garantindo uma divulgação oral célere e bem-sucedida. A fraude
por afinidade, cuja execução se concentra em grupos étnicos, religiosos ou funcionais,
explora a confiança e a amizade que existem nesses grupos de pessoas que têm algo em
comum, levando mais pessoas a quererem aderir a este investimento que promete lucros
elevados, rápidos e sem risco. Esta é a essência da fraude por afinidade, muitas vezes usada
pelos operadores do esquema Ponzi.
Fase de declínio: ocorre quando o valor dos juros prometidos a pagar é superior ao valor
do fundo do esquema. Apenas com a entrada de novos dinheiros no fundo é possível
recuperar a autonomia financeira do esquema Ponzi, voltando a posicionar-se na fase de
manutenção do investimento. Esta fase carateriza-se pela ocorrência massiva de resgates, e
o operador do esquema Ponzi paga a todos os investidores que o solicitem, usando
primeiramente o capital inicial investido pelos clientes. Embora o gestor tente, de forma
subtil, mas eficaz, dissuadir os investidores a efetuarem resgates, pode chegar um momento
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em que deixa de ser bem-sucedido. Nessa situação, são mais os investidores a quererem
sair do que a quererem permanecer no esquema Ponzi. Com o pagamento imediato a todos
que o solicitem, o esquema chega a um ponto em que fica sem reservas e com um montante
muito abaixo do valor do capital dos investidores. Caso a entrada de novos valores deixe
de se verificar, o gestor do esquema Ponzi deixa de poder cumprir o pagamento dos juros
a todos os investidores antigos, tendo de optar por selecionar um número restrito de
investidores a quem dará prioridade, para pagar pelo menos uma parte dos juros
prometidos e tentando adiar o prazo de pagamento dos juros aos restantes investidores.
Nesta fase, se as autoridades intervirem, decidindo pôr fim ao hipotético negócio ou
investimento, o número de vítimas lesadas será quase total, com perdas financeiras iguais
ao valor do capital investido, mais os juros prometidos.
Fase de colapso: é a fase que dita o término do esquema Ponzi, uma vez que já foram
esgotados todos os recursos financeiros do seu fundo. Todavia, até ao último minuto, o
gestor é capaz de incentivar e aceitar a entrada de novos dinheiros, assegurando elevados
retornos e sem risco. Sem novas entradas de dinheiro, o esquema chega ao fim. Nesta fase
o operador do esquema Ponzi ainda deve dinheiro aos investidores, sendo comum
selecionar algumas pessoas (investidores, funcionários, familiares) a quem pretende
entregar algum dinheiro, evitando graves prejuízos a essa elite, antes de ser detido pelas
autoridades policiais do país onde opera o esquema ou de fugir para outro país, de
preferência sem acordo de extradição.
Fase de captação
Fase de
Fase de manutenção Fase de Fase de
crescimento do declínio colapso
exponêncial investimento
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6.2 Aplicação do modelo em casos julgados
Os esquemas de Charles Ponzi, Dona Branca, Bernard Madoff, estão associados a esquemas de
investimento. Conforme anteriormente mencionado, procurou-se encontrar um modelo a partir
de um comportamento padrão da evolução e desenvolvimento da vida de um esquema Ponzi.
Neste sentido, analisaram-se os três esquemas mencionados, que se consideram de referência
para a análise deste tipo de fraude.
Neste ponto é validado e evidenciado que as cinco fases do modelo estão presentes em cada um
dos casos estudados, nomeadamente Charles Ponzi, Dona Branca e Bernard Madoff
verificando-se a sua ocorrência em todos eles, conforme ilustra a matriz abaixo, em que se
indicam as diversas fases do esquema, e a caraterísticas associadas a cada uma delas:
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Casos de Esquema Ponzi
FASES
Charles Ponzi Dona Branca Bernard Madoff
Captação de recursos
Entrada de novos dinheiros
Atrair pessoas de um grupo de afinidade
Conquistar a confiança dos investidores
Promover novas entradas de recursos a todo o momento
Garantir um investimento seguro e sem risco independentemente da
fase do esquema em que se encontra
Aceitar novos dinheiros até ao último minuto de vida do esquema
Crescimento exponencial
O esquema funciona
A estratégia de investimento funciona
Concretização de um elevado retorno aos primeiros investidores
A confiança dos investidores está conquistada
Demonstrar aos investidores e ao mercado o bom desempenho do
investimento
Surgem novos investidores
Investidores antigos renovam o investimento inicial
Investidores antigos aumentam o valor investido
Manutenção do investimento
O gestor consegue ter proveitos iguais ao valor a pagar aos investidores
Quando o gestor não tem ganhos iguais à distribuição, tem reservas
para cobrir essa falha
O gestor sendo sofisticado, tem nos seus documentos de subscrição
n.d.
uma claúsula de pré-aviso de alguns meses em caso de resgate
O gestor aguenta facilmente a estrutura
É o momento certo para criar um novo produto ou fundo de
n.a.
investimento
Alguns investidores apercebem-se que a performance do gestor parece
n.a.
impossível
Alguns investidores começam a resgatar
O gestor controla a situação
Continua a ter reservas e ainda não gastou o capital dos investidores
O gestor não tem qualquer problema em pagar uma vez que tem
recursos para o fazer
O gestor faz questão de pagar
Declínio
Início dos resgates massivos
O esquema já não tem reservas nem proveitos para pagar a todos os
investidores
O gestor paga a todos os investidores que solicitam o resgate
O gestor tenta de forma subtil mas eficaz disuadir os investidores a
fazerem resgates
O gestor vai buscar dinheiro ao capital investido pelos investidores
Nos periodos seguintes, a situação complica-se: muitos investidores
querem sair
O esquema chega a um ponto que fica sem reservas e com um
montante muito abaixo do valor do capital dos investidores
O gestor começa a pensar em soluções alternativas para sair do esquema
Pode optar por ficar no país e enfrentar a justiça pagando aos melhores
advogados
Colapso
O esquema sem qualquer recurso financeiro
Deve dinheiro aos investidores que restaram
O gestor é preso
O gestor já fugiu n.a. n.a. n.a.
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Esta matriz permite por um lado, identificar os sinais de alerta vermelho caraterísticos em
esquemas Ponzi, e, por outro, validar a ocorrência de pontos comuns no desenvolvimento de
um esquema Ponzi, desde o seu início até ao seu fim. Do mesmo modo, permite ao auditor ou
investigador da fraude, identificar em que fase de desenvolvimento o esquema Ponzi se
encontra. Este pode significar um dado importante para as autoridades, uma vez que,
dependendo da fase em que o esquema Ponzi se encontre no momento da sua deteção, poderá
determinar o impacto de danos financeiros para os seus aderentes.
6.3 Resultados
Embora tenha sido o esquema com a duração mais curta, nove meses, face aos outros esquemas
estudados, foi o primeiro a conseguir angariar uma quantia elevada, inimaginável quando foi
iniciado por Charles Ponzi.
No seu esquema a fase de captação foi uma constante, desde o primeiro momento que lança a
sua ideia inusitada de ganhar dinheiro de forma fácil, célere e sem riscos. Esta fase mantém-se
ao longo do esquema, apenas termina uns dias antes de Charles Ponzi ser detido pelas
autoridades locais da cidade de Boston.
A fase de manutenção é relativamente curta, uma vez que Charles Ponzi não consegue lançar as
notas promissórias de um novo produto que tinha em mente: a exploração de navios
transatlânticos.
O declínio do esquema de Charles Ponzi é abruto. Sob investigação praticamente desde o início,
a desconfiança foi tomando conta dos seus clientes que regressaram aos escritórios de Ponzi,
mas, desta vez, para resgatarem tudo o que tinham investido e os juros prometidos por Charles.
Sem novas entradas de dinheiro, o esquema Ponzi estava condenado ao fracasso. Nessa altura,
Charles Ponzi sabe que ainda tem a opção de fugir para outro país, todavia, acreditava
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efetivamente na sua ideia de negócio, e estava confiante que pagando aos melhores advogados
iria conseguir sair imune de qualquer acusação de fraude que lhe pudesse vir a ser imputada.
O colapso do esquema de Charles Ponzi ocorre com a sua detenção. Nesse momento, Charles
Ponzi ainda possuía recursos financeiros suficientes para pagar parte do valor do capital
investido dos seus clientes, mas não os juros prometidos. A prisão veio precipitar o fim do
esquema.
Tendo sido o maior esquema Ponzi desenvolvido, durante décadas, em Portugal, o caso Dona
Branca foi vivido como um fenómeno capaz de gerar riqueza junto dos mais desfavorecidos,
alcançando um mediatismo além-fronteiras.
A fase de captação no esquema de Dona Branca esteve sempre presente, desde o início ao fim
do esquema. No entanto, ao nível de volume de dinheiro captado, teve uma evolução ascendente
surpreendente, até para a operadora do esquema. Verifica-se que a fase de captação, neste caso,
tem vários estágios, que acompanham as quatro fases posteriores do esquema Ponzi. Começa
por captar quantias reduzidas e, gradualmente, a um ritmo lento, vai recebendo montantes
maiores, até que, no último ano do esquema, entram milhares de contos na expetativa de serem
convertidos em mais de 120 por cento em juros ao final de um ano.
Neste caso pode-se dizer que existiram dois momentos, separados por um longo período de
tempo, de crescimento exponencial do esquema Ponzi; o primeiro ocorreu nos anos sessenta,
com a fusão do negócio herdado por via da morte do companheiro da operadora do esquema,
aumentando-o em volume de negócios e alargando a sua carteira de clientes; e o segundo deu-
se no início dos anos oitenta, tendo registado um pico entre 1983 e início de 1984, na sequência
da fama alcançada através dos meios de comunicação social disponíveis na época.
Dona Branca foi mestre na manutenção do seu esquema Ponzi, mesmo sem ter sido uma gestora
sofisticada, era quase analfabeta, conseguiu manter o seu esquema a funcionar sem percalços de
maior, durante sensivelmente duas décadas. Dona Branca não recorreu ao lançamento de um
produto ou negócio novo para captar novos clientes com vista a prolongar a duração do seu
esquema, uma vez que era detentora de um dom natural e exímio para conquistar a confiança
das pessoas que a ela se dirigiam, por serem referenciadas por outros clientes, que já sabiam que
Dona Branca cumpria sempre a sua palavra e no dia combinado pagava os juros prometidos. É
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esta confiança que garante a segurança e reduz o risco do investimento a quase nulo, levando o
esquema Ponzi de Dona Banca a ser bem-sucedido ao longo de várias décadas.
O declínio do esquema Ponzi de Dona Branca decorre da insuficiente entrada de dinheiro novo
para continuar a alimentar o fundo, agravado por fatores associados à desorganização que, nesta
fase, imperava, como o desvio de dinheiro por parte de colaboradores, os pedidos de reembolso
com o mesmo recibo em escritórios diferentes e resgates indevidos de clientes, que se
aperceberam da falta de controlo dos recibos, e, também, pela compra de bens móveis e imóveis
para proveito próprio com o dinheiro dos seus clientes.
O colapso do esquema da Dona Branca dá-se quando a sua conta do Banco Português do
Atlântico fica com saldo negativo. Com o fundo descapitalizado, e com entradas de dinheiro
inferiores ao valor necessário para pagar os juros prometidos mais o capital inicial investido, o
esquema Ponzi chega ao fim.
O esquema de Bernard Madoff foi o maior esquema Ponzi de que há registo, atingindo 65 mil
milhões de dólares, quando considerados os valores dos juros.
A fase de captação foi orquestrada de forma notável por Bernard Madoff, no coração de
Manhathan. Madoff construiu uma marca de confiança em torno do seu próprio nome, e com
ela atraiu dinheiro dos investidores mais sofisticados para o seu fundo de investimentos. Numa
primeira fase, da abastada comunidade judaica e, posteriormente, de instituições financeiras,
instituições filantrópicas, fundos de investimentos, fundos de pensões e bancos.
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Bernard Madoff revelou ser um gestor exímio de expectativas, exclusividade e secretismo e ter
um apurado sentido de oportunidade lançando novas propostas de investimento no exato
momento em que o seu esquema Ponzi precisava de ser alimentado. Para tal, criou uma rede de
angariadores que se estendia a vários continentes e aliciavam clientes maioritariamente
institucionais (bancos, seguradoras, fundos de pensões), que tinham elevadas quantias de
dinheiro disponíveis para entrarem no seu privilegiado hedge fund premier. A manutenção do seu
esquema Ponzi também beneficiou de parcerias com outros fundos de investimento, como foi
o caso da empresa Fairfiel Greenwich, detentora do prestigiado fundo Sentry Fund que desde a
década de 90, registou uma rendibilidade constante de dois dígitos durante 17 anos. O primeiro
sinal de que Bernard Madoff estava a fazer esforços para manter a funcionar o seu esquema
Ponzi, verificou-se em 2005, quando Madoff tentou oferecer fundos a partir de um importante
banco europeu. Passados dois anos, Bernard Madoff, em parceria com o banco HSBC e a
Fairfield Greenwich, lançam um novo produto Wickford Fund LP, numa tentativa de recuperar os
recursos financeiros que estavam a ser resgatados.
A fase de colapso do esquema Ponzi de Bernard Madoff ocorre também em 2008, uma vez que
o registo dos valores das entradas de dinheiro no seu esquema continuou a ser menores do que
o valor que teria de ser pago. O valor do capital inicial investido pelos seus investidores começou
a esgotar-se. Madoff reduziu as contribuições filantrópicas e acaba por gastar também o valor
das reservas do fundo do seu esquema Ponzi. Na parte final, quando já não dispõe dos seus
recursos financeiros, aceitou, até à véspera de se entregar às autoridades por fraude financeira,
valores na ordem dos milhões de dólares, para poder entregar esse dinheiro a um reduzido
número de pessoas, por si selecionadas, preservando-os de um grave dano financeiro.
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VII Capítulo – Conclusões, limitações e trabalhos futuros
Este capítulo dedica-se a reunir as principais conclusões deste estudo, a mencionar as limitações
da investigação e a indicar possíveis linhas futuras de investigação relacionadas com o tema da
fraude financeira por recurso a esquemas Ponzi.
Conclusões
Do estudo elaborado verifica-se que, embora exista uma variedade de esquemas Ponzi, todos
têm caraterísticas e formas de funcionamento comuns. Pode afirmar-se que os esquemas Ponzi
se apresentam como uma oportunidade de negócio única, com elevados retornos, sem risco,
envolta de secretismo e sigilo para, por um lado, evitar que o autor da fraude tenha que explicar
os detalhes do negócio e, por usa vez, para ludibriar com maior eficácia as suas vítimas. Estes
esquemas fraudulentos partilham um conjunto de caraterísticas que podem servir de red flags,
para que os potenciais investidores estejam atentos e tenham tempo para pensar antes de
tomarem a decisão de se envolverem numa proposta com rendibilidade invulgarmente elevada
face ao disponível no mercado ou de benchmarking.
O fraudador, algumas vezes, percebe a necessidade de criar uma imagem de prosperidade, com
o que obtém alguns pontos adicionais em termos de credibilidade e também tem de se mostrar
envolvido com o objeto de que trata o negócio, embora seja na realidade inexistente. Charles
Ponzi, Dona Branca e Bernard Madoff, ostentaram bens de luxo sustentando a convicção para
o exterior que os seus negócios eram lucrativos e robustos. Por outro lado, ao demonstrarem
possuir recursos financeiros acima da média também servia para fortalecer a ideia de serem
pessoas com uma invulgar capacidade e competência para negociar e visualizarem antes dos
outros boas oportunidades de negócio.
O método preferencial de divulgação usado por estes fraudadores é por recomendação oral.
Todavia, podem surgir situações em que, por falta de recursos financeiros da estrutura do
esquema Ponzi, utilizem a publicidade convencional, para que, dessa forma, tenham a
possibilidade de chegar a um maior número de pessoas, e de forma mais rápida. Desta forma, o
operador do esquema Ponzi consegue captar recursos financeiros de forma célere, para poder
efetuar os reembolsos aos investidores antigos. Pode-se concluir que a velocidade de
desenvolvimento de um esquema Ponzi depende do volume de entradas de dinheiro para a sua
estrutura, e que este está diretamente ligada ao ritmo de difusão do suposto sucesso do negócio.
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Outro aspeto relevante deste estudo foi o interesse em clarificar a diferença entre esquemas
Ponzi e em pirâmide. Embora ambos os esquemas operem sob o princípio de reembolsar aos
participantes mais antigos com o dinheiro dos mais recentes, há algumas diferenças. Um típico
esquema Ponzi apresenta-se como um investimento, em que o operador interage diretamente
com os participantes, e os reembolsos não dependem do recrutamento de novos membros, mas
antes da entrada de dinheiro novo, ao passo que num esquema em pirâmide é comum usar-se
o disfarce da venda de um produto ou serviço usando o MMN como fachada, e os pagamentos
dependem de uma comissão associada à entrada de novos membros. Quando o recrutamento
de novos membros deixa de existir, o esquema em pirâmide termina. Apenas os primeiros
participantes interagem com os promotores no topo da pirâmide.
Conclui-se ainda que existem técnicas e métodos comuns utilizados pelos operadores de
esquemas Ponzi para captar recursos financeiros para a sua estrutura, nomeadamente por via da
fraude por afinidade e através da participação de profissionais detentores de confiança, como
são os agentes seguradores, os consultores financeiros ou os gestores de fundos de investimento
e de fundos de pensões.
Esta investigação permitiu criar o modelo das cinco fases do esquema Ponzi. Este modelo
pretende ser uma ferramenta que deve ser aliada das red flags na deteção deste tipo de fraude,
com a vantagem de possibilitar a identificação da fase de desenvolvimento em que se encontra
o esquema Ponzi. Este modelo pode revelar-se importante, na medida em que permite ao
investigador do esquema fraudulento perceber o nível dos danos financeiros a que as pessoas
ludibriadas estão expostas, de acordo com a fase em que se encontra o esquema Ponzi, no
momento da sua deteção.
Pode-se concluir que uma fraude financeira somente será bem-sucedida para o fraudador,
quando conjugadas duas partes, conseguir captar o dinheiro das pessoas e escapar ileso com
esses valores. Sem esta segunda parte, pouco adianta à primeira funcionar a contento. Deste
modo, um fraudador competente e sofisticado planeia as suas ações desde o início, arquitetando
um plano de ilusões para ludibriar as suas vítimas e preparando a sua estratégia de saída para
quando estiver prestes a ser desmascarado. Nesse sentido, Charles Ponzi, Bernard Madoff e
Dona Branca foram grandes fraudadores pela metade, uma vez que foram génios na primeira
parte da fraude, mas um fracasso na segunda.
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Em suma, um esquema Ponzi, desde que tenha montantes a entrar superiores aos que estão a
sair, será bem-sucedido, e terminará quando esta relação se inverter, esgotando os seus recursos
financeiros.
Limitações da investigação
Embora existissem alguns artigos publicados em Portugal sobre este tema, somente existia um
trabalho académico dedicado a esta temática, onde se faz uma abordagem computacional ao
modelo matemático de Artzrouni, com recurso ao programa MATLAB ODE45. Até ao
momento do desenvolvimento desta dissertação, da pesquisa efetuada não foi conhecido
nenhum trabalho de revisão de literatura sobre esquemas Ponzi, nem sobre as formas de deteção
deste tipo de fraude. Nesse sentido, a falta de pesquisa aprofundada sobre este tema, representou
uma limitação do trabalho, uma vez que, para ser possível passar para outro nível de
investigação, o trabalho desenvolvido nesta dissertação, de caráter qualitativo, tinha de ser feito.
Desde o início desta investigação, percebeu-se que esta seria uma temática com inúmeros
pontos, a necessitarem de análise aprofundada e a merecer ser objeto de estudo pela comunidade
académica, uma vez que está-se em presença de uma fraude que, quando detetada causa graves
danos na sociedade, a vários níveis, nomeadamente, social, económico, financeiro, familiar, ético
e moral.
Nessa linha de pensamento, seria interessante a realização de um estudo sobre a corelação com
a conjuntura económica, social e política, em que estes esquemas operam, ou seja, perceber se
este tipo de fraude financeira, que se apresenta como sendo segura e com rendibilidades acima
do mercado, têm mais aderência quando a economia de um país está a atravessar um momento
de crise financeira e com restrições de acesso ao crédito, ou se a proliferação de esquemas Ponzi
ocorre mesmo em economias sólidas e em franco crescimento económico. Deste modo, poder-
se-ia perceber, por exemplo, se a motivação dos investidores decorre de necessidades básicas
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associadas a carência financeira, ou da ganância em lucrarem, mesmo se com recurso a negócios
desonestos.
Outro estudo que se considera pertinente seria analisar o processo de investimento, para apurar
como estes gestores e profissionais fazem as suas diligências destas instituições legais, e como
avaliam cada produto financeiro antes de o recomendarem aos seus clientes. Nesse sentido, para
essa investigação futura, seria importante a realização de um questionário como o proposto no
Anexo IV. Este poderá, numa primeira fase, ser inquirido em Portugal, sendo o universo
constituído por entidades gestoras de fundos de investimento mobiliário e imobiliário, bancos,
seguradoras, entidades gestoras de fundos de pensões, fundações e empresas do PSI 20.
Posteriormente, ou em paralelo, seria interessante alargar o universo para uma escala
internacional, por exemplo, nos EUA, Reino Unido, França, Suíça, Brasil, Estados Árabes
Unidos, entre outros. Deste modo, tentar-se-ia saber o universo que trabalha com esquemas
Ponzi; qual a metodologia de investimento seguida por essas entidades no processo de
investimento; a análise comportamental em relação ao risco seguida pela entidade; a avaliação à
relação de confiança entre o produto/fundo financeiro oferecido versus entidade financeira
promotora e entidade aderente; a análise efetuada pela entidade para verificar se tem alguma
ferramenta para identificar fraudes, por exemplo, através do excesso de pagamento de
comissões, de esquema Ponzi, entre outras; saber se as entidades tem comissão de risco.
Uma investigação futura de particular interesse para os profissionais de auditoria, seria analisar
a perceção dos auditores portugueses sobre a relevância das red flags na avaliação do risco de
fraude financeira por esquema Ponzi.
Outro trabalho futuro a desenvolver, seria realizar uma investigação quantitativa no âmbito da
evolução da estrutura financeira de um esquema Ponzi, passível de se identificar em que etapa
do modelo das cinco fases se encontra, trabalhando o valor do capital inicial a investir para
assegurar o valor do capital inicial investido, o valor de novas entradas, a taxa de rendibilidade
prometida pelo fundo, a taxa nominal presente, a taxa irrealista de captura de mercado para
novos investimentos e a taxa de resgate para os depósitos acumulados, praticadas pelos
operadores de esquemas Ponzi. Seria também interessante saber qual o período de carência
necessário para assegurar o pagamento dos investidores antigos com o dinheiro dos novos, o
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valor das reservas necessário para assegurar que, mesmo sem a entrada de novos dinheiros, a
estrutura do esquema teria disponibilidade financeira para pagar os juros prometidos e aguentar
a estrutura por mais algum tempo. Do mesmo modo, seria ainda pertinente identificar, do ponto
de vista quantitativo, o melhor momento para o fraudador lançar um novo produto, permitindo
solidez e robustez à estrutura do esquema Ponzi, dilatando o prazo para que o esquema passasse
para a fase de declínio.
79
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Tal e Qual - Dona Branca – o fim!. Jornal Tal & Qual. Nº 219. (1984)
83
Anexo I
Hedge Fund
Os hedges funds são conjuntos de investimentos privados, cuja gestão é principalmente restrita
em duas áreas: quem pode investir e como são transacionados. Na génese da criação dos hedges
funds, em 1949, esteve um australiano radicado nos EUA, Alfredo Jones, que decidiu reduzir o
risco de sua carteira de ações através de posições de venda (uma posição de venda no mercado
de ações indica que o investidor vendeu as ações a descoberto, ou seja, que não possuía,
acreditando numa queda das suas cotações) em outras ações. Assim, ao manter uma posição de
compra em ações que acreditava terem potencial de venda em papéis nos quais estava
pessimista, Jonas conseguiu reduzir a exposição ao risco no mercado de ações. Estava criada a
estratégia long/short no mercado de ações. Trabalhando tanto com posições de compra como de
venda, Jones reduzia o risco, pois caso o mercado como um todo caísse, iria ganhar pelo menos
uma parte de suas posições (aqui, as de venda, ou short). Esta estratégia, em forma de uma
espécie de seguro, ou hedge (cobertura), contra uma reação adversa do mercado, Jones criou o
conceito de investimentos que ajudariam os investidores a cobrir o risco das quebras do
mercado ou de acontecimentos não previstos: o hedge fund. Os hedge funds são hoje um tipo de
fundo de investimento privado acessível apenas a um número limitado de pessoas, já que o
capital mínimo para investir é elevado. Em Portugal, existem hedge funds que não necessitam de
estar registados na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), pelo que são
considerados como fundos secretos ou não regulados. Os hedges funds empregam uma grande
variedade de estratégias e, em algumas ocasiões, nem sequer estão «cobertos» contra o mercado.
Este tipo de fundos são estruturados em forma de associações, sendo o sócio geral o
administrador da carteira de investimentos, o qual está encarregado de tomar as decisões quanto
ao investimento, enquanto outros investidores exercem o trabalho como sócios limitados. O
objetivo dos gestores de fundos hedges é obter benefícios muito mais elevados do que os fundos
de investimento tradicionais ou outros veículos de investimento, e ao mesmo tempo não querem
estar dependentes de um mercado. É comum, em várias ocasiões, os mercados financeiros com
alta volatilidade serem escolhidos para investir, já que podem produzir melhores resultados. A
vantagem dos hedges funds está na possibilidade de aplicar uma ampla variedade de estratégias e
combinar investimentos bolsistas de curto e longo prazo, para proteger uma carteira face às
oscilações do mercado. Os hedges funds podem investir numa maior diversidade de produtos (por
exemplo, bens imóveis, arte, produtos agrícolas, domínios web, matérias-primas, moedas, e até
em produtos sem ativo subjacente) que os fundos de investimento tradicionais (por exemplo,
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ações, dívida pública), ganhando com as variações de preço. O gestor de hedge funds pode colocar
em prática a técnica de alavancagem, vendas a descoberto, troca de empréstimos por ativos,
entre outras formas de forma a obter a máxima rentabilidade para os seus clientes. Contudo,
embora os investidores possam ter ganhos superiores à média, os hedges funds também são
conhecidos por serem arriscados, quando adotam estratégias que envolvem alavancagem, como
Bernard Madoff utilizava, ou seja, o uso de derivados para multiplicar o desempenho do fundo.
Na prática, os hedges funds são fundos de investimento altamente especulativos, que visam
rentabilizar ao máximo os capitais que lhes são confiados.
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Anexo II
Sendo,
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Fig. 1 – numerical simulation for the philanthropic scheme
87
Anexo III
A União Postal Universal (UPU), com sede em Berna, foi criada em 1874, na sequência das
resoluções do Tratado de Berna, tendo como missão fomentar a cooperação entre os serviços
postais dos países-membros, estabelecendo regras sobre trocas postais internacionais. Em 1906,
foi criado o cupão de resposta internacional, para facilitar a comunicação postal mundial, dado
que permitia o pagamento antecipado do retorno de correspondência enviada a outro país (Cres,
2014). O cupão podia ser trocado livremente entre países-membros, com um valor fixo de 28
centavos de franco suíço ou em valor equivalente em moeda dos países participantes do
programa. A UPU determinava o valor de troca do cupão de resposta como sendo equivalente
a 25 centavos de franco suíço, que poderiam ser trocados por produtos postais (selos), em
quantidade equivalente, conforme a moeda do país onde a permuta ocorresse (Cres, 2014). A
fixação do valor de troca, em cada país-membro, refletia, assim, a intenção de uniformizar o
valor do cupão, favorecido pelo câmbio fixo entre as várias moedas nacionais (Cres, 2014). Com
a débil economia mundial nos anos pós Primeira Guerra Mundial, muitas moedas nacionais
sofreram oscilações de valor, e à medida que a frequência dessas variações foram aumentando,
a UPU passou a ter dificuldades em acompanhá-las, deixando de atualizar os valores de troca
em cada país-membro. Deste modo, surgiram oportunidades de especulação entre algumas
moedas e os cupões de resposta internacional, que Charles Ponzi soube aproveitar, colocando
o cupão de resposta internacional numa posição central de euforia financeira no pós-guerra.
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Anexo IV
Processo de investimento
Perguntas:
a. Política de investimento:
o Qual é a política de investimento seguida?
Direto? Eles próprios procuram
Indireto? Via apresentadores ou via apresentação de investimento
Ambas
Diligência financeira?
• Interna
• ROC
• Peritos em auditoria forense
• Agências de rating
• Banco de Portugal
• CMVM
• Outros
• n/a
o Diligência financeira?
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• Analise dos 2 últimos relatórios auditados
• Analise dos 3 últimos relatórios auditados
• Avaliações independentes
• Análise de balancetes (recentes)
• Cross-check
• Outros: indicar qual
• Não quer responder
2. Monitorização do investimento
a. Medidas internas de controlo?
i. Não
ii. Sim
Relatórios financeiros obrigatórios
Reuniões periódicas
Contactos regulares com a equipa de gestão
Pedidos formais pontuais à equipa de gestão
Cruzamento de dados/informação
Benchmarking
iii. Não quer responder
c. Peritos internos?
i. Área de atuação
Controlo sistemático dos custos operacionais do fundo
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Esquema Ponzi
Validação da veracidade da informação dos relatórios financeiros
Acompanhamento junto do gestor do fundo/produto financeiro na
venda e compra do investimento
Documentos falsos
Cruzamento da informação prestada
3. Saída do investimento
a. Motivações da saída do investimento
i. Necessidade de liquidez
ii. Alteração da política de investimento
iii. Modificação do portfólio
iv. Perda de confiança no gestor
v. Sinais de fraude
vi. Alterações regulatórias
vii. Incertezas macroeconómicas
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