40-106-2-RV Batista Novaes e Domingues

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APRENDENDO A COSTURAR: NARRATIVAS E MEMÓRIAS DE

COSTUREIRAS DA CIDADE DE VIÇOSA -MG

Novaes, Clarissa Alves de; Mestra; IF Sudeste de Minas Gerais - Campus Muriaé,
clarissa.novaes@ifsudestemg.edu.br

Batista, Fabiano Eloy Atílio; Doutorando; Universidade Federal de Viçosa,


fabiano.batista@ufv.br

Domingues, Carolina Ângelo Jerônimo; Mestra; IF Sudeste de Minas Gerais -


Campus Muriaé,
carolina.domingues@ifsudestemg.edu.br

Área temática: moda e memória

Resumo: O presente trabalho busca trazer um resgate das histórias e memórias relativa
ao aprendizado das costureiras que residem na cidade de Viçosa – MG. Busca-se, por
meio desse trabalho, investigar os processos de afetividade e de como elas aprenderam
o ofício de costura.
Palavras chave: Costura; Trabalho; Memória.

1. INTRODUÇÃO

Este estudo constitui-se a partir de um resgate das memórias relativas


as competências das costureiras que reformam e customizam peças do
vestuário na cidade de Viçosa - MG.
Para tanto, considerou-se a construção de seus saberes de costura no
intuito de levantar tais questionamentos: Com quem aprendeu o ofício? Passou
seus conhecimentos adiante? Como construíram seus saberes relacionados ao
ofício de costura?
Nesta pesquisa, abordaremos a aprendizagem como um processo
intimamente relacionado com as práticas sociais, não contando apenas com uma
mudança individual e sim um aspecto da prática social e os seus processos de
reprodução e transformação (LAVE; WENGER, 1991; SANTOS; SILVA 2012).
Assim, estudaremos como o conhecimento passado por gerações
através da costura tornou para as mulheres, proprietárias de ateliês no Centro
da cidade de Viçosa- MG, uma forma de trabalho, de geração de renda e
afetividade.
A análise de dados desta pesquisa foi realizada segundo o método
qualitativo de estudo de caso. Sendo assim, a análise da entrevista buscou
preservar os registros de eventos e realizações passadas, permitindo que os
pesquisadores entendessem os fenômenos conforme as perspectivas dos
participantes e da situação estudada. A partir desse ponto, construiu-se uma
interpretação do fenômeno observado que foi fundamentado no referencial
teórico (MINAYO, 2007).
Para a coleta de dados utilizou-se a entrevista semiestruturada e
observação direta, por se tratar de um estudo mais aprofundado escolheu-se
intencionalmente de acordo com as características três costureiras localizadas
no bairro Centro. Dessa forma, para o presente estudo, trabalhamos com três
mulheres. O trabalho de campo foi realizado antes do período de pandemia, e
contou com a participação de Cristiana, Elis e Maria.

2. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

A pesquisa aqui realizada buscou entender como se aprendeu o ofício de


costura para cada uma das três participantes. Assim, quando perguntadas
quanto à influência na sua carreira elas respondem, com muita confiança e
orgulho, contando sobre a lembrança da mãe costurando na máquina.

“Aprendi a costurar olhando minha avó e minha mãe que eram


costureiras. Mas eu acredito em dom... Deus me deu esse dom da
costura e aprendi muito rápido. Aos sete anos tive hepatite e fiquei de
cama, minha mãe me dava tecido e eu costurava roupinhas para minha
boneca. A minha tia eu via costurar, era a que eu via mais costurando,
mas eu acho que é dom mesmo” (Entrevista de Elis).
Essas afirmativas corroboram com Charlot (2000), quando aponta que o
aprender faz parte da identidade do sujeito, construído socialmente, de como ele irá
se comportar no mundo e de como ele observará o mesmo.

A relação com o saber é a relação com o mundo, com o outro e com


ele mesmo, de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender.
(...) é o conjunto (organizado) das relações que um sujeito mantém com
tudo quanto estiver relacionado com 'o aprender' e o saber (CHARLOT,
2000, p. 80).

Este saber tem uma relação com a identidade, com sua história, com a
maneira na qual o indivíduo compreende a vida, com a imagem que tem de si
mesmo e com as relações que tem com os outros. Portanto, podemos dizer que
os saberes são adquiridos nos espaços familiar, social, profissional e cultural.

“Eu sou filha de costureira, sempre tive curiosidade, vai vendo e no


ensinar a gente aprende. Minha cunhada também me ensinou muito.
Minha mãe me ajudava quando eu era pequena, fazia roupa de
boneca. Minha mãe costurava em casa e ia à casa do freguês. Ela ia à
casa das pessoas que tinham máquina e lá ela fazia o que eles
queriam... às vezes a peça, às vezes uns concertos, mas era mais peça
mesmo”. (Entrevista de Cristiana).

O aprender tem relação com o saber. Sendo assim, cada sujeito ocupa
um espaço e uma posição na sociedade. Pode-se dizer que esta relação de
saber também é uma relação de poder e somente quando algo tem interesse
apropria-se daquilo e o torna pessoal e valoroso (CHARLOT, 2000; SANTOS;
SILVA, 2012).

“Aprendi com minha mãe. Eu sou de uma família numerosa, de 11


irmãos... então eu aprendi do jeito que dava, ficava observando e
quando minha mãe não tava na máquina, coisa rara de acontecer, e
eu também tinha tempo porque também não podia ter muito tempo
livre. Minha mãe tava na máquina ou no fogão ou lavando roupa e eu
cuidando dos meus irmãos mais novos. Não tinha tanto tempo, mas
quando tinha tempo, um pouquinho que era, eu ia lá na máquina
rapidinho e passava um paninho na máquina. Às vezes minha mãe me
deixava com um pano que não era trabalhoso e era lá de casa para eu
passar a costura.... Mas aí minha cunhada depois que eu casei me
ensinou mais, era bonito ela costurando, caprichosa demais, precisa
de ver.… e tive aula com uma professora chamada Dona Luzia e foi
por uns 5 meses” (Entrevista de Maria).

O interesse por trabalhos manuais é apontado pelas costureiras como


uma forma de inicialização. Pelo gostar e pelo aprender a costurar, as
participantes afirmam que iniciaram com a costura a mão: Elis fazendo roupinhas
para boneca e logo após o uso da máquina reta; Maria fazendo panos de prato
com a avó e a tia; Cristiana bordava as fraldas, toalhas e roupinhas da filha
quando estava grávida. Elis e Maria tiverem um interesse desde criança pela
costura, já Cristiana teve maior interesse com a costura quando engravidou.
O uso e manuseio das máquinas overloque e galoneira foram
aprendidas com a prática em seus próprios ateliês e no caso de Cristiana, em
máquinas de colegas, pegando retalhos e treinando em cada máquina. Cristiana
não tem em seu ateliê a máquina galoneira e sente muita falta deste maquinário,
já que entende a necessidade de um bom acabamento nas roupas. Ela não sabe
manusear muito bem a máquina já que utilizou apenas em uma confecção que
sua irmã trabalhava.
O aprendizado dessas mulheres foi obtido antes de entrarem no mundo
do trabalho remunerado, realizando costuras para sua família paralela ao
envolvimento em outras atividades domésticas.
Tendo a prática como segundo ponto destacado pelas costureiras, o
cotidiano delas é de aprendizagem e desafio. A curiosidade e o empenho por
descobertas são citados assim como o sonho em serem criadoras de suas
próprias peças. O conhecimento é acumulado ao longo do tempo, ligado à
prática, aos valores, à cultura, às vivências e às experiências. Todas fizeram
algum curso de corte e costura e moldes e modelagem mesmo já sabendo
costurar. As participantes dizem que com o curso a confiança aumenta e se
sentem mais capacitadas, mas somente na prática é que realmente se aprende.

“Essas máquinas todas1 eu aprendi sozinha! Vi uma vez e depois fui


treinando! Só com treino mesmo para a gente saber, senão não pega
nada se ficar olhando. Quem olha e não faz, não aprende nunca, tem
que ser na prática! Aí eu fui com a coragem que Deus me deu, todo dia
aprendendo uma coisa e praticando, até que eu vi que já sabia resolver
aquilo e pronto, já sabia me virar” (Entrevista de Elis).

Dessa forma, de acordo com Sennet (2012), ideia e prática caminham


juntas. Lave e Wenger (1991), apontam que pela preocupação e paixão por
determinado assunto, aprofundam seu conhecimento e se especializam nesta
área por haver a interação contínua.

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As máquinas as quais Elis se refere são a reta, overloque e galoneira.
“Há, o que é a prática, né, minha filha mais nova eu lembro que tava
fazendo 9 anos e tava me pedindo roupa pra passear na casa das
amigas. Queria ir arrumada e já sabia o que queria! Lembro disso
direitinho. Aí depois um colega meu me levou para a confecção dele e
foi lá mesmo que aprendi porque eu treinei e era aquilo todo dia e lá
que eu perdi o medo... Eu tinha medo de cortar o pano e estragar a
roupa e lá na confecção eu perdi o medo sabe? Assim que a gente
aprende é no dia mesmo, nada como um dia após o outro para as
coisas melhorarem né? No trabalho e na vida” (Entrevista de Maria).

A prática do treinamento assinalada por Sennett (2012) é considerado


por ele um processo de capacitação, pois “à medida que uma pessoa desenvolve
sua capacitação, muda o conteúdo daquilo que ela repete” (p.49). Com isso, a
autocrítica pelo que está sendo feito ocorre de dentro para fora na rotina.

“Fiz um curso de corte e costura, mas a mulher fazia que nem eu fazia,
nas revistas manequim! Aí para mim não adiantou muito não, porque
aquilo eu já sabia! Fiquei uns 6 meses no corte e costura e pensei: não
tô aprendendo nada! Aí eu saí e fui praticando, sabe? A gente vai
fazendo, fazendo até que vai ficando bonitinho, ajeitadinho e a gente
vê que deu certo! É assim, todo dia fazendo um pouquinho que a gente
melhora nesse serviço e dá gosto de ver cada dia uma coisa mais
bonita que a outra e ver que eu que costurei bonito daquele jeito e a
cliente saiu satisfeita com aquilo” (Entrevista de Cristiana).

A ligação com o saber se dá nas relações com quem sabe, especialmente


no trabalho. Aquele que possui o saber transfere para quem está ligado a ele pela
história, interesses e projetos. As costureiras elaboram os saberes que não são
configurados como uma forma de se manter no mercado de trabalho, indo além
de uma tentativa de evitar o desemprego. Seus saberes envolvem conhecimentos
técnicos e é parte do processo de produção, não se limitando ao espaço de
trabalho, abrangendo outras esferas (ROSE, 2007).
Os trabalhadores adquirem saberes nas práticas cotidianas, no processo
de trabalho, na escola ou em cursos de aperfeiçoamento para desenvolver suas
atividades e resolver os problemas que surgem. Esses saberes interagem entre
si e são necessários ao processo de produção. Mais do que isso, os
trabalhadores elaboram saberes sobre o trabalho que formam conhecimentos
técnicos importantes na qualificação do trabalhador. (MENEZES, 2010;
SANTOS; SILVA, 2012).
Com relação ao passar os saberes da costura para outra pessoa, todas
foram unânimes em responder positivamente à pergunta, sendo que Maria e Elis
já deram aulas particulares para outras mulheres que foram em busca deste
conhecimento. Já Cristina passou seu saber sobre costura apenas à filha e
destaca que ela não leva esses ensinamentos adiante por falta de interesse.
Todas disseram que iniciaram o trabalho em seus ateliês quando os filhos já
estavam maiores.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o presente trabalho, foi possível concluir que antes, o ofício de costureira
passava de geração em geração, porém, hoje, ainda é exercido seguindo uma lógica de
mercado, no qual se almeja, além do lucro, a satisfação pessoal e profissional.
Em relação aos saberes adquiridos que envolve o grupo, há uma transmissão
na forma de aprendizagem prática. A aprendizagem se dá no dia a dia por intermédio
da família ou do colega de trabalho que ensina por meio do fazer, da ajuda, do olhar na
vivência experimentada.
As costureiras, além do aprendizado passado por geração pela mãe, tia ou
avó, também fizeram curso de corte e costura na expectativa de realizarem um melhor
trabalho. Todavia, após o início do curso as participantes viram que tais cursos não
acrescentaram conhecimento por já saberem o que lhes era passado e afirmam que a
prática é a melhor forma de se aprender seu oficio. O trabalho dentro do ateliê possui
parâmetros que atende às expectativas delas como carga horária flexível e o fato de
realizarem consertos ao invés de confeccionarem peças novas, o que é visto como algo
positivo, pois possibilita um maior número de clientes com um trabalho mais rápido. A
localização de seus ateliês também é uma estratégia para adquirir mais clientes.
O ofício de costureira é apresentado como uma profissão, não uma forma de
possuir uma renda exercendo uma atividade que será realizada até que elas encontrem
outra forma de geração de renda. É um modo de sustento, de ser uma mulher
economicamente ativa e inserida no mercado de trabalho.

REFERÊNCIAS

CHARLOT, B. Da relação com o saber: Elementos para uma teoria. Porto


Alegre: Artes Médicas, 2000.

LAVE, J.; WENGER, E. Situated learning: legitimate peripheral participation.


Cambridge, MA: Cambridge University, 1991.
MENEZES, I. D. de. Educação e Contemporaneidade. In: Revista da FAEEBA,
Salvador, v. 19, n. 34, p. 1-234, jul./dez. 2010. Disponível em:
https://www.revistas.uneb.br/index.php/faeeba/issue/view/223. Acesso em 16 de
setembro de 2020.

MINAYO, M. C. de S. O Desafio da Pesquisa Social. In: DESLANDES, Suely


F. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 25ª ed. Rio de Janeiro: Vozes,
revista e atualizada. Petrópolis, RJ, 2007.

ROSE, M. O saber no trabalho: valorização da inteligência do trabalhador.


Editora Senac. São Paulo, 2007.

SANTOS, E. H.. Saber. In: Fidalgo, Fernando; Machado, Lucília (EE.).


Dicionário da Educação Profissional. Belo Horizonte: UFMG, 2000.
SANTOS, Madalena Pinto dos. Encontros e esperas com os ardinas de Cabo
Verde: Aprendizagem e participação numa prática social. Tese de
doutoramento em Educação: Didática da Matemática. FCUL, 2004. Acessível
online em http://madalenapintosantos.googlepages.com/doutoramento<span.
Acesso em 16 de setembro de 2020.

SANTOS, I. N. L. dos. SILVA, M. de F. V. da. SABERES DA TRADIÇÃO NA


PRODUÇÃO DE BRINQUEDOS DE MIRITI – PATRIMÔNIO CULTURAL.
Revista Educação, cultura e Sociedade. Sinop/MT, v.2, n.2, p.63-77, 2012.
Disponível em:
http://sinop.unemat.br/projetos/revista/index.php/educacao/article/view/673.
Acesso em 16 de setembro de 2020.

SENNETT, R. O Artífice. 3 ed. Rio de Janeiro, Ed. Record, 2012.

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