A Variante de Lucas

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A variante de Lucas 

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ON DECEMBER 27, 2017 BY VICTOR LEONARDO BARBOSAIN UNCATEGORIZED

Milhares de cristãos celebraram ontem (25/12) o nascimento do 


Senhor Jesus Cristo. Ainda nesse mesmo clima de celebração do natal
(que tradicionalmente termina apenas em 06 de janeiro¹), passemos a
olhar com atenção o texto grego de Lucas 2.14, um do textos mais belos
e recitados do Novo Testamento, o cântico angelical.

Não são poucos os cartões dessa época que trazem a leitura do texto a
seguir:

“Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens de boa
vontade”. (Versão de Figueiredo).

Essa foi a leitura a qual me habituei na infância católica (ainda que


popularmente se falasse “nas alturas” ao invés de “no mais alto dos
céus”), porém quando li o texto de Lucas na versão corrigida,
claramente ficou perceptível a diferença na última linha do verso:
“Glória a Deus nas alturas, paz na terra, boa vontade para com os
homens” (ARC)

Porém, um leitor da Revista e Atualizada pode notar uma sutil


diferença também:

“Glória a Deus nas maiores alturas,

e paz na terra entre os homens,

a quem ele quer bem” (ARA).

A leitura da Nova Versão Internacional tenta esclarecer ainda mais o


sentido dado na Atualizada:

“Glória a Deus nas alturas,

e paz na terra aos homens

aos quais ele concede

o seu favor” (NVI).

As diferenças nas traduções seriam apenas uma questão de tradução? é


o que veremos a seguir.

Explicando as variantes:

A diferença em português, na verdade, se dá pela diferença entre os


textos gregos adotados pelas versões: A  ARC segue a leitura
encontrada no texto grego Tradicional do novo Testamento, enquanto
que a tanto a ARA quanto a NVI seguem a leitura do texto grego
Eclético (conhecido como crítico). Uma olhada na passagem em ambos
os textos ajuda a esclarecer a diferença que, em grego, se dá pela
diferença de uma única palavra e sua flexão: eudokia (ou eudokias).

O texto Tradicional segue a leitura encontrada na grande maioria dos


manuscritos gregos, que apresentam a palavra eudokia, como se lê a
seguir:

δοξα εν υψιστοις θεω

και επι γης ειρηνη

εν ανθρωποις ευδοκια (Elzevir, 1624).

Já no texto Crítico o texto é lido assim:

Δόξα ἐν ὑψίστοις θεῷ

καὶ ἐπὶ γῆς εἰρήνη

ἐν ἀνθρώποις εὐδοκίας. (NA 27 edition).

A diferença parte de uma única letra: o “sigma” grego, que possui um


som de “s” no final do cântico, faz toda a diferença, sem o sigma final, a
palavra torna-se o nominativo eudokia, enquanto que com o sigma, um
genitivo (da boa vontade).  Há uma outra  leitura variante  encontrada
em alguns manuscritos que omitem a peposição “en”, lendo-se então 
se lê “ἀνθρώποις εὐδοκίας” (“aos homens de boa vontade”), essa é a
leitura encontrada nas tradição latina dos textos bíblicos, tanto
da Vetus Latina quanto na Vulgata, o que explica a popularidade dessa
versão no Brasil e outros países influenciados pelo catolicismo. Os
críticos textuais, porém, favorecem muito mais a leitura como
registrada no Texto Eclético.
Os defensores do Texto Crítico afirmam que a ausência do sigma no
final da palavra indica claramente um lapso textual por parte de um
escriba descuidado, oque acabou por deixar a leitura como “ἐν
ἀνθρώποις εὐδοκία” (“Boa vontade para com os homens”). Tal
explicação é possível, todavia, é difícil imaginar como um lapso textual
está presente na grande massa dos manuscritos gregos e versões
antigas como a Harclana síriaca e a Peshita (esta última uma das
traduções mais antigas da Bíblia), os pais da Igreja que falavam grego
geralmente liam eudokia ao invés de eudokias, como por exemplo
Eusébio de Cesária, Dídimo, e Cirilo de Alexandria²,  o que claramente
favorece a antiguidade da leitura tradicional. Não há motivo
substancial para abandonar a leitura tradicional do Texto grego. De
maneira interessante, os dois manuscritos que formam a base do texto
Crítico, Alef e B, tiveram o sigma final apagado do manuscrito³ (ainda
que é possível ver o resíduo da leitura original). Não há base suficiente
no contexto da passagem que indique uma certo intencionalidade da
boa vontade de Deus ser apenas para “aqueles a quem ele ama”, mas
sim, sua boa vontade para com toda a humanidade, como refletido em
João 3.16,

Celebrando o dom de Deus:

A mensagem do hino claramente indica algo universal, feito por Deus,


em favor dos homens. O texto de Lucas reflete a excelência e
importância do nascimento de Cristo. Não se trata simplesmente de
um nascimento, mas de uma pessoa que “se fez carne” (Jo 1.14). O
Natal reflete uma verdade teológica fundamental, em que celebra-se
uma doutrina basilar da Fé Cristã: a Encarnação do Verbo e sua
habitação entre os homens.  Então, inicia-se o evangelho. É assim que o
anjo anuncia o nascimento do salvador aos pastores: “eis que vos
evangelizo com uma mensagem de grande alegria”. Vemos porque
Jesus encarnou e nasceu: para a nossa plena salvação. Os pais da igreja
foram unânimes em declarar tal verdade fundamental:

“Se o homem não necessitasse ser salvo, de nenhuma maneira o Verbo teria se
encarnado” (Irineu).

“Não existe outra causa da encarnação senão esta; Deus nos viu perdidos,
perecidos, oprimidos pela tirania da morte, e se compadeceu de nós” (João
Crisóstomo).

É por isso que ainda que não seja uma festa obrigatória dentro do
escopo da Escritura, é mais do que natural haver alegria por parte do
crente. Não há como não nos alegrarmos ao meditarmos no
nascimento do Salvador. Quando lemos o evangelho de Lucas e vemos
a canção celestial, sentimo-nos compungidos a participar de tal festa. E
não há como não querermos participar. Assim como os pastores,
sentimos o desejo de ir até Belém, pois ali vemos o céu descendo na
terra, ali vemos algo ainda melhor que a canção angelical. Ali vemos
Deus manifestado em Carne (1Tm 3.16). E como os magos, sentimos
profunda alegria.

Em Cristo contemplamos a glória de Deus, a paz é anunciada e trazida


aos homens, e a boa vontade graciosa de Deus é expressa. É por isso
que cantamos com os anjos:

Glória nas alturas a Deus.

Sobre a terra, Paz.

Para os homens, Boa-vontade.

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