Gonçalo André Dias Pescada
Gonçalo André Dias Pescada
Gonçalo André Dias Pescada
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§ O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA
l* CONVERTOR E A SUA INFLUENCIA NA
ô MúsrcA EscRrrA PARA AcoRDEÃo
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AGRADECIMENTOS
Ao orientador Professor Doutor Christopher Consitt Bochmann, à esposa Patricia, aos filhos André e
Aos proÍessores / intérpretes Friedrich Lips, Mika Vãyrynen, Geir Draugwoll, Claudio Jacomucci, Matti
Aos pais Francisco e Alina Pescada e aos sogros Joaquim e Aurora Neto Martins.
Às entidades Fundação Calouste Gulbenkian, Cineteatro Vianense, Academia de Música de Lagos (Sr.
Viegas Gonçalves), ViKring MusiKorum (Dr. Herbert Scheibenreif), Universidade de Evora, à Biblioteca
O Funcionamento do Sistema Comertor e a sua lnfluência na Música EscrÍh para Acordeão - Análise
RESUMO
música escrita para acordeão, isto é, até que ponto a criação de um sistema que converte acordes
prê
definidos em baixos soltos veio ou não potenciar e valorizar a escrita erudita e a performance no
análise interpretativa de seis obras contemporâneas dos compositores Luciano Berio, Sofia
Gubaidulina, Franco Donatoni, Edison Denisov, Mauricio Kagel e Magnus Lindberg e a maneira como
estes compositores abordaram a possibilidade de escrever para um instrumento que já não realiza
apenas baixos standard mas também baixos soltos. O sistema convertor revolucionou a conceção do
Palavraschave: acordeã0, sistema convertor, baixos standard, baixos soltos, obras contemporâneas.
u"# &vsra Deparbmento de Música - Escola de Artes
The Convertor System Functioning and its lnfluence on Music Wrttten br the Accordion - lnterprehtirc
ABSTRACT
The research focused on the convertor system functioning and its influence on music written for
the
boosted and enhanced serious composition and performance on the accordion. A data survey was
carried out on the characteristics, functioning, possibilities, advantages and limitations oÍ the
convertor
the
system. The main part of the work involved the interpretative analysis of six contemporary works of
composers Luciano Berio, Sofia Gubaidulina, Franco Donatoni, Edison Denisov, Mauricio Kagel and
that
Magnus Lindberg and the way these composers treated the possibility of writing for an instrument
performs not only standard bass but also Íree bass. The convertor system has revolutionized the idea of
the accordion. lt was, undoubtedly, a key step in the development oÍ the accordion and the writing
possibilities for composition for the instrument.
Keywords: accordion, convertor system, standard bass, free bass, contemporary works
tv
u"# q*wwra Deoarhmento de Música - Escola de Artes
Ittorcr cERAL
iruoIcr DE FIGURAS
1
rnrnoouÇÃo
1. ESTADO DA ARTE..... 3
2.1.2. Os teclados--.... 22
2. 1.3. Os registos...--. 24
.)
2.I.4. O tole 5
2.2. O sistema 26
3.1. A transcrição- 40
v
u"# etwsra DeparEmento de Música - Escola de Artes
obra..-.
4.3.2, Análise interpretatÍva da --...----81
obra..--..
4.5.1. Noções gerais sobre o compositor e a -....-105
4.6.t. obra..-...
Noções gerais sobre o compositor e a .....-118
vl
u"# s*wwra Deparbmento de Música - Escola de Artes
CONCLUSÃO 167
BIBLIOGRAFIA
ANEXOS
vil
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
InoIce DE FIGURAS
Fig. 6: Physharmonika...--........
6
Fig. 8: Handâoline.- 6
Fig. 9:Symphonium 6
Fig. 14: Acordeão diatónico bissonoro (flutina), ca. 1835 (mão direita e mão esquerda).-........-----.8
Fig. 15: Concertina alemã, ca. 1850 (mão direita 16 botões, mão esquerda 14 botões).-.---.......----9
Fig. 16: Acordeão cromático de botóes, ca. 1870 (mão direita 46 botões, mão esquerda
12 botoes)..
Fig. 17 Acordeãoorgão, ca. 1860 (mão direita com teclado de piano de três oitavas)..--.........----.10
Fig. 18: Suporte com duas palhetas metálicas, na frente e no verso (unissonoro) -......11
Fig. 19: Teclado de botões da mão direita com 3 filas + 2 filas auxiliares (excerto)....
Fig.2L: Acordeão cromático de 1920 (106 botoes mão direih, 120 botões mão esquerda).---..-...14
Fig.27: Metodo para acordeão com baixos cromáticos, Mogens Ellegaard, 1964........---.........----..18
vlll
u# wwwrm Departamento de Música - Escola de Artes
Fig. 37: Notação dos registos junto ao teclado da mão direita (exemplo).... .-.---.----.--...24
Fig. 38: Patilha do sistema convertor e registos junto ao teclado da mão esquerda_--- ---------.-.-----..25
Fig. 39: Notação dos registos junto ao teclado da mão esquerda (exemplo)--- -----_-____--25
Fig. 42: Disposição do teclado da mão direita; disposição do teclado da mão esquerda
Fig. zl8: Ole Schmidt, Toccata n. ol op. 24 (escrita para bellow shake)...----......-_ 33
Fig. 49: Efrem Podgaits, Concerto n.o 2 "Viva Voce" (bellow shake)..... 33
Fig. 54: Efrem Podgaits, Concerto n.o 2 "Viva Voce" (vibrato com impulso da mão esquerda)........35
Fig. 55: Sofia Gubaidulina, De Profundis (vibrato com impulso de ambas as mãos).-_-_-------------.....35
Fig. 56: Vladimir Zubits§, Sonata n.o 2 (vibrato com o punho fechado na parte exterior
Fig. 59: Vladimir Zubits§, Partita Concertante n." 2 (eÍeito com a utilização do 36
Fig, 60: ViKor Vlassov, Passos (deslizar dedos no teclado apenas com efeito percussivo)._------------.37
x
u# &vsra Deparbmento de Música - Escola de Artes
Fig. 61: Vi6or Vlassov, Passos; e Vladimir Zubits§, Partita Concertante n.o 2 (batimentos
37
Fig. 63:Johann Sebastian Bach, Aria B\W 1068 (realização da linha infeíor nos baixos soltos)...-42
Fig. 65: Domenico Scarlatti, Sonata em Ré menor K1 (articulação legato na voz inÍerior).-.......--...43
Fig. 66: António Vivaldi, As Quatro Estaçóes (excertos do Allegro non molto - inverno, RY2g7
Fig.67: lsaac Albéniz, Astúrias (exposição inicial, reforço do tema na voz inferior),--.....-.--.......---..-M
Fig. 68: lsaac Albéniz, Astúrias (reforço da linha melódica pela voz inferior nos baixos soltos)...-...44
Fig.72: Wolfang Amadeus Mozart, Alla Turca: Allegretto em Lá Maior, Sonata n.o 11, K 331
Ferruccio Busoni....---. 47
F,A' 47
Fig.78:Johann Sebastian Bach, Passacaglia e Fuga em Dó menor B\W
Fig.79:Johann Sebastian Bach, Fantasia e Fuga em Sol menor BWV 542 (duas vozes inÍeriores
Fig. 80:Johann Sebastian Bach, Fantasia e Fuga em Sol menor BV1íV 542 (nota pedal).-.....---......48
Fig. 81: Ole Schmidt, Symphonic Fantasy and Allegro 0p. 20....--.. ..-.--...-..50
Fig. 84: Luciano Berio, Sequenza Xlll (apresentação em espelho das entradas temáticas)........--....56
Fig. 86: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolümento após o tema A).---.. ------.---.------57
Fig. 88: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento apÓs o tema A1).-......---.......-..,58
x
u# wwwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
Fig.97: Luciano Berio, Sequenza Xlll (balxo ostinato em contraponto com acordes e clusters
Fig. 99: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A4 - clímax
62
Flg. 100: Luciano Berio, Sequenza Xlll (tema A5)--. .-....-...62
Fig. 101: Luciano Berio, sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A5) 62
Fig.702: Luciano Berio, Sequenza Xlll (tema A6)--........ 63
Fig. 103: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A6)-----.-.......-.------63
Fig. 116:SoÍia Gubaidulina, De Profundis (motivo inicialem bellow shake e num registo grave)....7l
xt
u"# s&vora Departamento de Música - Escola de Artes
Fig. l2O:Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento B1 - tema do coral nauoz inferior)....... .--------72
5
Fig.128: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento A"' -trilos desconcertantes)
tig. 129:So1a Gubaidulina, De Profundis (elemento A" - jogo rÍünico pela ação dos clustersl-------75
movimento contrário)--.. 76
Fig. 134: SoÍia Gubaidulina, De Profundis (elemento C - motivo melódico iniciando na tessitura
77
Fig. 136: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento C' - expansão cromática em contraponto
77
Fig. 137: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento C' - jogo de timbres pela ação dos registos).-78
Fig. 139: Sofia Gubaidulina, De Profundis (final - exposição final e repouso na tessitura apda)..-.-78
Fig. 140: Sofia Gubaidulina, De Profundis (intervalo de 1.5.' realizado no teclado de botões da
mão direita) 79
Fig. 143: Franco Donatoni, Feria lV (duração dos sistemas de música e relação numérica).-. --------82
Fig.144: Franco Donatoni, Feria lV (duração das páginas e relação numérica em forma de
espe ---82
Fig, 145: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (quadro esquemático)....--......-..-.. ------------83
Fig. 146: Franco Donatoni, Feria lV (duração dos sistemas de música e relação numéíca)--.....--..84
xii
u# &wwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
Fig.1,47: Franco Donatoni, Feria lV, peça I (exposição inicial - secção A).-........-----......--------.......-94
Fig. 162: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção E).-------....... ------------__gg
Fig. 163: Franco Donatoni, Feria lv, peça ll (secção E - clusters arternados).----__-
Fig.164: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção E-Írase melódica no registograve)_------.....---90
Fig. 165: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção B trilos).-..
- ...........--.90
Fig. 166: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção B - exposição final)........ .---.........91
Fig.167: Franco Donatoni, Feria lv, peça ll (recurso às duas filas fixas de baixos)-......------........---.91
Fig. 168: Edison Denisov
Fig. 170: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (apresentação em espelho e sequencial
de secções) 95
Fig. 771: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (pequeno motivo de três notas)._--_---.......-----96
Fig. L72: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (exposição inicial - secção A)......-------.......---96
Fig. 173: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiàre (secção B - momento de homofonia)._---------96
Fig. 176: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção c - cânon após repouso no
97
Fig. I77: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção C - Ínfluência da secção A inicial).---98
xil
u# évwra Deparhmento de Música - Escola de Artes
- de homoÍonia)----....----98
Fig. 178: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção B momento
- entre as vozes).--..-..-....-.98
Fig. L79:Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção A diálogo
Fig. 1gg: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção D - influência da secção A inicial)----.101
do baixo)
lo2
- na nota Mi grave)--.- ....--LO2
Fig, 190: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção A repouso
(secção A - pequena coda final)......---.....-....-,102
Fig. 191: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre
Fig. L92: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (exposição final).-....-. .....-.........-- 103
bassoon no teclado
Fig. 193: Edison Denisov, Des ténàbres à la lumiàre (recurso ao registo
104
da mão direita)
para efetuar o
Fig. 194: Edison Denisov, Des tênêbres à la lumiêre (momento ideal
104
reposicionamento da mão esquerda)....-...-....-.
possÍvel no acordeão
Fig. 195: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (escrita apenas
104
105
Fig. 196: Mauricio Kage
08
Fig. 197 : Mauricio Kagel, Episoden Figuren (quadro esquemático)..................
Fig,2O2:MauricioKagel,EpisodenFiguren(episódio3-trilos)..................110
- jogo rítmico entre as vozes).....---.--....----- 110
Fig. 203: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 3
Fig. 204: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 4 - contraponto e intervalos de 3')---.-...-----.1 11
de 3").--_-. 111
Fig.207: MauricÍo Kagel, Episoden Figuren (episódio 5 - blocos de acordes)... 1,t2
Fig.208: MaurlcÍo Kagel, Episoden Figuren (episódio 6 - melodia
,tradicional,)
--.--.....112
Fig.209: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 6 - interlúdio com cruzamento de melodias) 112
Fig.22l: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (registo bassoon no teclado da mão direita).....-.. ..---.-lI7
Fig. 222: Magnus Lindberg--... 118
Fig.223: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (quadro esquemático)...---....---... __---.-.-----..lll
Fig.224: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (apresentação das secções)....-- 722
Fig.225: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (primeiro acorde arpejado suspenso)... ---..L22
Fig. 226: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (duas repetiçóes do acorde nos andamentos
comodo e animato)-_-.
........123
Fig.227: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (duas repetições do acorde no 1o andante e uma
)(v
u"# &vwra de Música - Escola de Artes
articulações diferentes).-
L25
acorde
Fig. 233: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secÉo B - recurso aos baixos standard,
de seis notas).........
t25
Fig.234:, Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção A - recurso aos baixos soltos)......... -.--.-......----.L26
Fig.236: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção B - recurso aos baixos standard).... --.------.....--L26
Fig.237: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção A - arpejos e acordes suspensos). --------........--.127
Fig. 238: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - motivo sequencial ascendente) -------.--....--..L27
padrão
Fig.239: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - diálogo entre as vozes,
L27
homorÍtmico)
128
Fig. 240: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - aceleramento do discurso),--.-.--.....-----------
Fig. 242: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção c - jogo rÍtmico em bellow shake, jogo
Fig.243: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - diálogo entre as vozes)--....-- --.L29
Fig.244: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - acordes de seis notas, baixos standard
r29
Fig. 245: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - tremulos) ---------"" 130
Fig. 254: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (pequeno motivo de três notas)
)(v1
u"* @www& Deparhmento de Música - Escola de Artes
Fig.263: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (extensão aguda - teclado mão esquerda)-----.......----.137
Fig. 264: Edison Denisov, Des Ténêbres à la lumiére (tessÍtura grave e aguda, Mi1 - SolT)....-.......138
Fig. 268: Luciano Berio, sequenza Xlll (clusters com intervaro definido).. ...----------___-_-- 140
Fig.269: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (clusters alternados nos dois teclados)...------....------.....140
Fig. 270: Sofia Gubaidulina, De Profundis (vários tipos de clusters).-.... _-__- 140
Fig.27l: soÍia Gubaidulina, De Profundis (glissandos sobre intervalos)..-...-......- -...-....141
Fig.272: Franco Donatoni, Feria lv, peça ll (glissandos sobre acordes).-----.....-----
--...-- 141
Fig.273: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (glissando sobre uma nota).._ -----.....-------....141
Fig. 27 4: Luciano Berio, Sequenza Xlll (bellow shake em nota prolongad t4t
Fíg.275: Sofia Gubaidulina, De Profundis (bellow shake com alteraçÕes no andamento
e na dinâmica).--.---.....____ t4r
Fig.276: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (bellow shake rÍtmico).---
.-.._.--142
Fig.277: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (bellow shake rítmico 142
Fig.278: Luciano Berio, sequenza Xlll (vibrato a culminar Írase melódica
Fig. 280: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (vibratos com passagem legato dos acordes)-----......-- 143
)(vI
u"# &wwra Deparhmento de Música - Escola de Artes
(re$sto bassoon).-...--...-...
Fig. 302: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre
158
Fig. 317: lnquérito, questão 2.
lt\flil
u#u*wwra de Música - Escola de Artes
rurnoouÇÃo
no
Em pleno séc. /ül e quatro décadas após o aparecimento em Portugal do sistema convertor
a primeira reflexão profunda
acordeã0, surge, através da investigação lelada a cabo nesta dissertação,
a performance no acordeão'
Esta metodologia Íoi complemenhda com a realização de três recÍtais que incluíram, entre
num instrumento
convertor. É tambem abordada a raiz popular do acordeão e a sua fansformação
I
u# wwwra Deparhmento de Música - Escola de Artes
O segundo capÍtulo apresenta uma classificação e descrição do acordeão com convertor com o
intuito de dar a conhecer os seus mecanismos e componentes intemos e externos. E feita uma
explicação sobre o sistema convertor e a disposição do teclado da mão esquerda, bem como referidas
interpretação de música transcrita. E igualmente ilustrada, num âmbito histórico, a escrita original para
e de uma figura esquemáticos é apresentada a estrutura das obras, que são posteriormente alvo de
O quinto capítulo é dedicado a questões relacionadas com os três recitais realizados no âmbÍto
dos recitais, estéticas musicais e breve caracteriza@o das obras (exclui as obras do capÍtulo anterior).
Por último, segu+se a conclusão que faz a exposição dos principais resultados, apresenta os
2
u'*évora Deoartamento de Música - Escola de Ailes
1. ESTADO DAARTE
associada aos instrumentos antecessores do órgâ0, dado o sistema de palheta por ambos utilizado.
Paralelamente, outros instrumentos antigos que utilizavam palhetas livres ou que faziam uso de fole
Sachs (1940) refer+se ao Sheng (fig. l), também denominado órgão de boca, como sendo um
dos primeiros instrumentos a ter utilizado o sistema de palheta livre (a passagem do ar taz vibrar a
própria palheta e esta vibração produz o som e determina a altura da nota) e situa a sua origem 3000
anos antes de Cristo. Segundo Tracy (1999), a sua invenção é atribuída à imperatriz chinesa Nyn-Kwa.
Sachs (1940) descreve o Sheng composto por um número variável de tubos de bambu (13 a 24) com
diversos comprimentos, encostados uns aos outros, que penetram numa tampa de madeira que cobre
reservatório através de uma boquilha lateral. Em vez de se soprar, pode-se aspirar o ar. A sua forma
pretendia imitar a ave Fénix, que após a morte pelo fogo renasceria das suas prÓprias cinzas.
O som do Sheng era produzido pela passagem do ar pelos tubos de bambu, com furos, que
eram tapados ou abertos pelos dedos do instrumentista, conÍorme as notas que se pretendessem tocar
3
É
fi9. 2).No interior de cada tubo, junto à base, existe uma palheta livre metálica. Quando o executante
tapa um determinado orificio, a palheta entra em vibraçã0. 0 número de notas deste instrumento é
Algumas fontes, tais como poemas, reproduçoes em vitrais nas catedrais, tapetes, lenços,
pinturas e iluminuras, revelam que na idade média existia também um órgão portátil (fig. 3), que se
podia transpodar com uma faixa em volta do pescoç0. Com uma tessitura entre duas e três oitavas,
era munido de tubos que soavam por ação do teclado de mão direita e do fole manuseado pela mão
esquerda. Usado em procissóes, foi bastante comum entre os séculos Xll e XVI (Encyclopadia
Britannica, 2008),
Após a Renascença, aparece o Regal: um pequeno órgão portátil com um único teclado,
inventado em Nuremberga por GeorgVoll (1530-1551), na segunda metade do séc. XVl, Podia ser de
menor, o Bible Regal (fig. 4), ou de maior dimensão, o Organ Regal (fig. 5). Era munido de dois foles e
de palhetas batentes. Estas palhetas não produzem o som, apenas vibram contra uma ranhura de
entrada de ar ativando assim o som. Requeria uma pessoa para acionar os foles e outra para tocar o
instrumento. 0 apogeu do Regal durou aproximadamente até à primeira metade do séc. XVlll (Regal,
20t4r..
4
u#évora Departamento de Música - Escola de Aftes
Sadie (1984) refere que o padre jesuíta Joseph-Marie Amiot ll7l8'1793) levou o Sheng da
China para S, Petersburgo em 1777 . Na Rússia, Christian Gottlieb Kratzenstein 1172*1795), eminente
fisico, médico e professor de medicina, examínando o instrumento, verificou que o seu agente sonoro
era uma lâmina de metal que vibrava por ação do ar produzindo sons graves e agudos e inventou um
instrumento que produzia cinco sons vocálicos pelo princípio da palheta livre. lnspirado
por esta
descoberta, Franz Kirsnik (1741-1802) aplicou em 1780 o sistema de lâminas livres de metal aos
Physharmonika (fig. 6), cuja patente viria a obter em 8 de abril de 1821 (Anton Haeckl, 2014). O
modelo francês da figura abaixo, atribuído a Alexandre Debain, possui um fole na parte de trás e 5
Fig 6: Physharmonika
Segundo Missin (2}l4l, ainda em 1821 surge um protótipo da harmónica ou gaita de boca,
construído por Christian Friedrich Ludwig Buschmann (1805-1864), fabricante alemão de instrumentos
musicais. Este pequeno instrumento musical, construído inicialmente como auxiliar parc afinaÇão de
ô,
Fig.7: Aura
5
uü. Y*r* Departamento de Música - Escola de Artes
mecânico e teclado de botoes - e o novo instrumento, designado por Handaeoline (fig. 8), foi
patenteado em Berlim em L822 (Sadie, 1984; Hermosa, 2013). Muítos investigadores na matéria
chegam a considerar a Handâoline como o primeiro acordeão da história da música e não o modelo
H
tilRlc3/._.
Fig. 8: Handâoline
outros instrumentos conhecidos na altura, no Sheng, Composto por teclado de botões na mão direita e
na mão esquerda, o som do Symphonium era atrvado através do ar soprado no orifício oval na parte da
frente do instrumento, que fazia vibrar o conjunto de palhetas, Permitia tocar todas as notas da escala
cromática e, qLler na entrada quer na sucção de ar, produzia a mesma nota (unissonoro), A patente foi
apresentava nas Íiguras no 43 e 45 esboços de foles que iria aplicar ao mecanismo do Symphonium
(fig. 10). Este novo instrumento, cuja forma ficou já patenteada em 1829 e que comeÇou a ser
produzido em 1830, viria a ser designado por concertina, embora o seu nome apenas tenha sido
6
U'#:evmnm Depattamento de Música - Escola de Artes
(1995) sugere que a aplicaÇão dos foles terá resultado do reconhecimento por Wheatstone que 0
A concertina (fig. 11) possuía inicialmente 12 botóes na mão direita e 12 botóes na mão
(brass), Tinha como
esquerda, localizados no centro de cada teclado e as palhetas eram de cobre
(posicionamento das notas) que possibilitavam um instrumento compacto e Íácil de tocar, A forma
típica adotada para a concertina seria hexagonal e a concertina inglesa era integralmente cromática
e
que o
Segundo Monichon (1971), as características da concertina influenciaram, mais do
I
a
I
Monichon (1971) refere que, a 6 de maio de L829,Cyrill Demian 11772-1847) e os seus filhos
Karl e Guido apresentaram em Viena um instrumento sob o nome de Acordeão (fig, 12), devido ao
produzirem
facto dos seus cinco botões no pequeno teclado da mão direita, quando pressionados,
ian consistia
acordes, A patente foi oficialmente concedid a a 23 de Maio (fig. 13). A construção de Dem
num instrumento de palheta livre que permitia obter sons diferentes ao abrir e fechar o fole.
1
u ü *vt*:r* Depaftamento de Música - Escola de Artes
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tig.12: Acordeâo, 1829 (máo direita 5 botôes) Fig. 13: Excerto da patente de Cyrill Demian, 1829r
A partir de 1830, o acordeão comeÇa a ser produzido em maior escala e são acrescentados
botões ao teclado da mão direita e adicionados botões na mão esquerda. Charles Buffet, na Bélgica,
Napoleon Fourneaux e Constant Busson, em França, são os construtores mais importantes (Sadie,
1e84).
Segundo Monichon (1971), cerca de 1834, A. Foulon conclui um modelo com oito botões
grandes e oito botões pequenos (duas escalas cromáticas), levando à obtenção dos meios-tons. Em
vez de acordes, cada botão do teclado da mão direita produzia duas notas diferentes (na abertura e
fecho do fole), permitindo tocar melodias em escalas diatónicas. Estes acordeões diatónícos e
bissonoros em tonalidades pré{eterminadas e que pretendiam imitar o som da flauta Íicaram também
Fig. 14 Acordeão diatónico bissonoro (ffutina), ca. i835 (mão direlta e mão esquerda)
8
u'*evora Depaftamento de Música - Escola de Aftes
Em 1837, Adolf Reisner propÕe uma nova disposição do teclado, a qual permite às válvulas
encontrarem-se junto ao teclado, sobre duas filas de botóes paralelas, Em 1840, partindo destes
pequenos
melhoramentos, Leon Douce constrói um acordeão com doze grandes botões e outros tantos
pela primeira uez, um teclado
no teclado da mão direita que produzem tons e meiostons, bem como,
de g botoes para a mão esquerda (embora este modelo não tenha tido grande sucesso comercial),
Ao
premir um botã0, este instrumento produzia o mesmo som na abedura e fecho do Íole (unissonoro),
acordeão com registos, Os diferentes timbres sonoros eram determinados pelo tamanho e forma
da
mão direita para a mão esquerda, servindo esta só de base (Monichon, 1971).
primeira concertina diatónica alemã (fig. 15), que adotou a forma quadrada e era bissonora. Tinha
por possuir maior
maior tessitura, ressonância e sonoridade que a concertina inglesa de Wheatstone,
número de botões e mais do que uma palheta, de aç0, por cada nota. A concertina alemã conduziu
depois à criaçào do bandoneon, inventado por Heinrich Band (1821-1860) em 1840 (Chemnitzer
concertina, 20141,
Fig. 15: Concedina alemã, ca. 1850 (máo direita 16 botóes, máo esquerda 14 botões)
9
u,9 Departamento de Música - Escola de Artes
Segundo Sadie (2001), o primeiro acordeão cromático com teclado de botões na mão direita
foí conskuído em 1850 pelo músico vienense Franz Walther (Íig. 16). O teclado da mão direita tinha 46
botoes (mais tarde expandido para 52) dispostos em três filas paralelas em intervalos de 3u menor,
cada fila à distância de meios tons. 0 teclado da mão esquerda tinha 8 botões diatónicos (mais tarde
expandido para 12) divldidos entre notas soltas e acordes de duas notas.
.ffi
Fig. 16: Acordeão cromático de botóes, ca. 1870 (máo direita 46 botóes, mão esquerda i2 botoes)
e Auguste Théophile Rousseau o primeiro acordeão unissonoro com um teclado de piano, designado
por Acordeão-Orgão {fig. U). Este instrumento misturava o teclado de piano (extensão de três oitavas)
[ilR 1030 ,
Fig. 17: Acordeãoorgão, ca. 1860 (máo direita com teclado de prano de três oitavas)
10
Departamento de Música - Escola de Artes
transpositor na
Em 1g67, o construtor Alexandre Neveux apresenta um acordeão com teclado
que
mâo direita, com 13 grandes botões e 16 pequenos, que se pode mover ao longo de marcas
permitem tocar acordes
indicam as tonalidades disponíveis, No teclado da mão esquerda, os botóes
Contudo, este
intercambiáveis, o que permitia desenvolver ainda mais as possibilidades harmónicas.
(Trossingen,
Na Europa central, as primeiras fábricas a surgir são a Hohner na Alemanha
em 1872) e a
1g57) e, em ltália, a Soprani (Castelfidardo, atelier em 1864, produção em maior escala
acordeóes teve início em Tula
Dallapé (Stradella, 1876), Entretanto, na Rússia, a produção em série de
cromático com três
circa 1g30. Em ig70, Nikolai Beloborodov (1828-tgl2) desenvolveu o acordeão
por bayan (Sadie, 2001)'
filas paralelas de botões no teclado da mão direita, mais tarde designado
provavelmente a casa
No final do séc. XlX, os fabricantes italianos em castelfidardo (muito
supofte duas palhetas
soprani) inventaram um sistema que consistia em colocar sobre o mesmo
Este sistema permitia
idênticas (fig. l8), dando o mesmo som na abeftura e fecho do fole (unissonoro).
para o teclado da mão
o protagonismo do teclado da mão direita e, em simultâneo, a oportunidade
esquerda se desenvolver. Estes novos instrumentos seriam designados por acordeões cromáticos
(Monichon, 1971l,.
(uni ssonoro)
Fig. 18: Suporte com duas palhetas metálicas, na frente e no verso
Segundo Sadie (1984), a evolução do instrumento para uma sonoridade uniforme (não era
os fabricantes
11
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tjt r.. ,-,:..1
Depaftamento de Música - Escola de Artes
A partir daqui deu-se a criação de inúmeras experiências até ao princípio do século seguinte, O
teclado de botoes da mão direita foi sendo aperfeiçoado no sentido de alcançar a disposição de notas
mais racional, inspirando-se muitas vezes nas evoluções doteclado do piano (Monichon, 1g7I).
Circa 1900 surgiu o modelo de 3 filas no teclado da mão direita com uma dedilhação conhecida
se poder transpor instantaneamente para qualquer tonalidade sem ter que se alterar a dedilhação
inicial (fig' 19). Este sistema proposto naquela altura é o mesmo que é utilizado nos nossos dias
(Monichon, I97l).
a E
EA
a B/H
* a
Fig. l9:
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Teclado de botões da máo direita com 3 filas + 2 filas auxiliares (excerdo)
permitiam ouvir sons graves e outros dois botoes com os acordes fundamentais (tónica/dominante).
Em i867, A. Neveux adicionou aos quatro botoes um sistema transpositor em que os botões eram
fixados sobre placas desmontáveis segundo as tonalidades das músicas a tocar, o que obrigava a
mudar a disposição das placas. Em 1885, surgem na Eurooa modelos que cômnortavam arÁ 6 !:,otões
Segundo Hermosa (2013), ao longo do século XIX o teclado da mão esquerda continuou a
12
u-*évora Departamento de Música - Escola de Artes
Segundo Do6orski (2004), o modelo construído por Mariano Dallapê em 1890, em Stradella
(ltália), possuía 112 botoes no teclado da mão esquerda. A inclusão de notas acidentais, com
Íazia a síntese das invenções até à data: apresentava 3 Íilas de botóes cromáticos
no teclado da mão
de sétima
direita, o teclado da mão esquerda produzia acordes perfeitos maiores, perfeitos menores e
(fig' 20)' Designado
da dominante a partir dos 12 sons cromáticos, e era unissonoro nos dois teclados
como Harmónica, rapidamente ficou conhecido como acordeão cromático (Monichon, 1985)'
Sadie (1980) refere que, em 1910, surge na Europa um sistema que acrescentava três filas
no
permitindo a realizaçáo de trechos musicais a várias vozes. Uma das desvantagens deste sistema era o
nove). outra
espaço disponÍvel no teclado para conter mais estes botões (o número total de filas era de
para alcançar
desvantagem era a deslocação pouco confortável do braço esquerdo do instrumentista
o
No período que se segue iria aparecer um número incalculável de sistemas e seria conseruado
,,bassi
sistema de sciolti" na mão esquerda (baixos soltos/cromáticos, também designados como
agora à mão
baixos bassetti e como tal notados nas partituras com o símbolo B.B.). Este sistema daria
13
u,.#revcra Departamento de Música - Escola de Artes
E dentro deste período que o acordeão alcança a sua forma atual, possuindo já vários registos de
timbre e de som, 106 botões no teclado direito, 120 botoes no teclado esquerdo, registos de queixo e
caixas de ressonância (fig, 21). Monichon (1984) refere que, em 1912, a casa Hohner produziria os
seus primeiros baixos cromáticos e a cooperativa Stradella um instrumento de 120 baixos com três
Fig.21: Acordeão cromático de 1920 (106 botôes mão direita, 120 botões mão esquerda)
vantagens de um teclado na mão esquerda com baixos soltos/cromáticos e com baixos standard,
comeÇam a surgir várias tentativas híbridas e modelos pioneiros por toda a Europa. Em 1959, Vittorio
Mancini inventou em CastelÍidardo (ltália) um novo sistema designado por convertor que permitia
converter os botóes existentes, alternando entre acordes predefinidos (baixos standard) e notas
paftir desta transformação, o pensamento musical, para quem executa o acordeã0, será totalmente
diferente.
pelas Íábricas italianas Pigini, Victoria, Armando Bugari, Ballone Burini, Borsini, Scandallí e também da
L4
u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
Hoje em dia, com a evolução técnica, já se constroem acordeÓes que podem emitir sons
produzidos eletronicamente (sistema midi), acoplados ao som natural produzido por palhetas, o
qLle
a6
A raiz popular do instrumento está identificada na descrição da patente solicitada em Viena
de maio de 1g2g. cyrill Demian 11772-1847) descreve que podem ser interpretadas no acordeão
várias marchas, canções e melodias conhecidas, mesmo por um leigo em mÚsica, apÓs uma curta
O período que decorreu de 1829 a 1900 é bastante favorável ao sucesso popular do acordeã0.
populares e logo
0 público interessa-se por este instrumentebrinquedo, primeiro em Viena nos estratos
de seguida em paris, na pequena burguesia que o escolhe como instrumento de eleição e o
introduz
pelos vários
Em paralelo, vão surgindo pela Europa diversos métodos de estudo produzidos
método para
construtores da época. Em 1835, o construtor A. Reisner publicou em Paris um segundo
acordeão e organizou um conjunto de récitas para demonstrar a qualidade dos seus instrumentos.
Foi
Conservatório, interpretado por Louise Reisner (fig' 23), sua filha (Monichon, 1971)'
15
Depafiamento de Música - Escola de Artes
Segundo Doktorski (1998), a mais antiga e conservada obra original composta para o
instrumento é Théme varlé trés brillant pour accordéon methode Reisner, escrita em 1836 por Louise
Reisner (Íi9.24]l. Esta obra para acordeão diatónico a solo corresponde a um tema com variações em
trct2.1,...l:
J
-"-
Fig. 23: Louise Reisner (detalhe de imagem maior) Fig.24: Thême varie trés brillant, 1836(excerto)
reconhecimento de que o instrumento existente não permitia tocar todos os acordes possíveis nem
executar qualquer peça de música. Na descrição da patente, Douce identiÍicava o acordeão como um
instrumento musical muito imperfeito, que podia ser tocado por amadores mas que não tinha a honra
Monichon (I971) refere que, em 1850, era comum a interpretação no acordeão de canções da
época (muitas delas para dançar) e de trechos de árias de ópera. A lenta evolução do teclado da mão
esquerda, condicionado ao sistema tonal, não permitia ainda ao acordeão superar o contexto da
música popular.
poucos compositores clássicos que na altura escreveram para acordeão utilizavam-no pontualmente
nas suas obras para exagerar algum momento mais burlesco ou servir de acompanhamento. São os
16
u$ Depa rtamento de Música - Escola de Artes
Só a partir do modelo cromático com baixos soltos, que surgiu após 1900, o acordeão ganhou
a capacidade de interpretar peças polifonicas e vários estilos musicais tais como a harmonia, a fuga e
n nnnrrrnnnrn
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ii:r!rrr'-,,-,,,
lQ7
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-t Contrrclo o reoertório a Solo Dara o instrumento, no Campo da
original escrito por compositores prestigiados, bem como ajustamentos mecânicos no acordeão que o
tornassem apto a interpretar qualquer tipo de repertório. Ernst Hohner (1886-1965) tomou a dianteira
e abordou o compositor Paul Hindemith (1895-1963), cuja obra Kammermuslk no.1, op' 24/l escrtta
em 7922 incluía o acordeão cromático na orquestra de câmara. Paul Hindemith recomendou o jovem
compositor Hugo Herrmann (1896-19671para essa tarefa.
Segundo Fett (1957), e do compositor Hugo Herrmann (fig. 25) a primeira obra original a solo
para acordeão cromático com baixos soltos: Sleben Neue Spielmuslken, op 57/1, 1927 (fig.26l.
FlrelLnLt b*r'rgr .!-ra
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Fig.25 Hugo Herrmann tig.26: Sieben Neue Spielmusiken, op 57fl, 1927 (excerto)
que, em 1948, se oficializou graÇas à ação do seu diretor, Hugo Herrmann. Durante este período Íoi
profÍcua a composição e edição de obras para acordeão por parte de compositores e de fábricas
alemãs (Doktorski, 1998).
17
u:p:*w*rm Departamento de Música - Escola de Artes
superior parabayan (acordeão russo de botões). Em 1937, o compositor russo Tikhon Sotnikov (1901-
1975) escreveu o primeiro concedo para bayan e orquestra sinfónica (DoKorski, 1998).
A invençâo do sistema convertor por Viüorio Mancini em 1959, que permitia alternar os botões
do teclado da mão esquerda entre acordes pré{efinidos e notas cromáticas, deu um novo impulso à
Murray (2005) refere que, em 1964, o acordeonista dinamarquês Mogens Ellegaard (1935-
1995) redigiu um método para acordeão com baixos cromáticos, pensado para os teclados de 9 filas
de botões existentes na altura (tig. 27). Para além da sua técnica e virtuosidade ter inspirado muitos
compositores escandinavos (TorbjÕrn Lundquist, Arne Nordheim, Per Norgard, Ole Schmidt, entre
outros), Ellegaard estreou várias obras, realizou vários registos a solo, em música de câmara e com
orquestra, abrindo caminho às gerações vindouras e estabelecendo uma grande influência ao nível da
MOCENS ELLIG,{ÂRD'S
COMPREHENSIVE METIIOI)
Íor the
CHROMATIC FREE BASS SYSTEM
(Barcrti or Barirone Barcs)
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Fig.27: Método para acordeão com baixos cromáticos, Mogens Ellegaard, 1964
18
u:ü§v&r& de Música - Escola de Artes
e de
Em matéria de composição de repertório original para acordeão com baixos cromáticos
por vários concursos e competições internacionais, tais como a Coupe Mundial (1" edição em
Paris,
unido, 1951), CastelÍidardo (ltália, desde 1975), Arrasate (País Basco, Espanha, desde 1975)
e
Lindberg e outros), a
renome internacional (Berio, Denissov, Gubaidulina, Kagel, Donatoni, Hosokawa,
A nível internacional,
com orquestra, têm aproximado o instrumento de um meio musical mais erudito'
Elsbeth Moser,
os pedagogos/intérpretes Friedrich Lips, Teodoro Anzellotti, Stefan Hussong, Mie Miki,
vindo a criar uma nova
Mika Vâyrynen, lfraki Alberdi, owen Murray, Matti Rantanen, Max Bonnay, têm
Música portuguesa, 2014l,. Compositores como António Victorino D' Almeida (n. 1940), Carlos
Marecos (n. 1963), Paulo Jorge Ferreira (n. 1966) e Sérgio Azevedo
(n. 1968) contemplam o acordeão
As primeiras peças a solo para acordeão com convertor em Portugal surgem na década
de
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destinam-sc r sugcnr a di8ira§.io para sugttr la digitation poul «Bassc.ti, dr!r1:,riô,r ro, .Bâssüilrl
(Bâssetti».
Apenas em 2002 surgiu a primeira obra cÍclica original, de Paulo Jorge Ferreira, intitulada
Suite no I lmagens de Pac-Chen. O primeiro concerto para acordeão e orquestra foi composto em
Música em Portugal. No ano letivo 2000 /2OOl, a Escola Superior de Artes Aplicadas do lnstituto
Politécnico de Castelo Branco torna-se pioneira no que respeita ao ensino de acordeão a nível superior
20
u"*évora Depa rtamento de Música - Escola de Artes
acordeã0. Será necessário também abordar aspetos de caráter geral ligados à performance, tais como
Para Henrique (1999), o acordeão é classificado na famÍlia dos instrumentos de sopro, como
um aeroÍone portátil de palheta livre. E constituído por dois teclados. Um para a mão direita e outro
para a mão esquerda. 0 teclado da mão direita possui duas variantes: semelhante ao teclado do piano
fig. 2gl ou constituído por botões (fig. 30). O teclado da mão esquerda é constituído apenas por
botões. Os dois teclados são ligados por um fole que, acionado pela mão esquerda, fornece ar
que
Fig.29: Acordeão com teclado de piano Fig. 30: Acordeão com teclado de botoes
que o braço
colocadas nos ombros. A correia do lado direito fica um pouco mais folgada para permitir
que o fole
fique mais livre. A parte direita do instrumento apoia-se mais sobre a perna esquerda para e
toda a parte esquerda do instrumento possam Íuncionar livremente. 0 fole é manuseado com o braço
esquerdo.
2t
Uüj#W*r& Departamento de Música - Escola de Artes
2.L.1. A palheta
Sadie (1980) e Ulrich (19921 Íazem uma descrição pormenorizada em relação aos vários
papel fundamental. E um dispositivo de metal, cujas vibrações provocadas pela ação do fole produzem
o som. A frequência sonora é definida pelo tamanho e pela massa da palheta, por isso cada uma tem
um tamanho diferente das demais. Para afinar o ínstrumento é necessário limar a palheta em certos
As palhetas são colocadas aos pares em suportes metálicos e produzem uma só nota: uma a
abrir o fole (ar aspirado) e outra a fechálo (ar pressionado). Cada palheta possui uma pequena tira de
corrror que evita a passagem do ar pelo oriÍício da palheta que não é acionada (fig. 31), Os suportes de
palhetas são depois fixados em blocos de madeira (fig. 32), também designados vozes, através de
Anzaghi (1951) descreve com detalhe visual as partes exteriores que integram o acordeão:
correias ou alças de suporte, registos, teclados, caixas harmónicas, fole, botão de fecho do fole, botão
2.L.2. Os teclados
Nos teclados, cada botão está ligado a uma vareta metálica e respetiva alavanca, cuja
extremidade termina numa válvula que abre e fecha os orifícios correspondentes às palhetas. Ao
pressionar um botão, a válvula correspondente é aberta, permitindo que o ar passe através da palheta
e produza o som.
22
u#Éevora Departamento de Música - Escola de Artes
Nos modelos mais comuns de acordeão com convertor, o teclado da mão direita (fig. 33) possui
106 botoes alinhados em cinco filas (as duas últimas filas são auxiliares) e o teclado da mão esquerda
(Íig. 34) possui 120 botões alinhados em seis filas. Um dos botões do teclado da mão esquerda não
aciona qualquer palheta, permitindo abrir ou fechar o fole sem produção de qualquer nota musical.
Fig. 33: Mecanismo do teclado da mão Fig. 34: Mecanismo do teclado da máo esquerda
direita
Segundo Llanos & Alberdi (20021, o teclado da mão direita possui uma tessitura de cinco oitavas
e uma 3u menor (de Mil a SolT), num total de 64 notas, enquanto o teclado com convertor da mão
esquerda possui uma tessitura de quatro oitavas e uma 6u maior (de Mil a Dó#6), num total de 58
notas. No entanto, instrumentos mais atuais com maior número de registos na mão esquerda podem
O teclado da mão direita está associado geralmente a quatro blocos de palhetas, também
designados como vozes, cada um com a sua afinaçã0, por forma a produzir diversos timbres. Um
bloco assume a afinação base em uníssono (o usual no acordeão de concerto tem sido A=442h2l,, o
segundo bloco é afinado uma oitava inferior, o terceiro bloco é aÍinado uma oitava superior e o quarto
bloco (trémulo) é afinado ligeiramente acima da afinação base (Cole & SchwarE, 2012l,.
A caixa harmónica, que se encontra localizada entre o fole e o teclado (quer do lado direito, quer
do lado esquerdo), tem como função permitir a receção e o controle do ar através do fole e a
amplificação sonora das frequências. No acordeão de concerto, para conseguir um som mais cheio e
profundo, dois dos quatro blocos de palhetas do teclado da mão direita são colocados em ângulo de
900 em relação aos restantes na caixa harmónica, criandose uma espécie de câmara de ressonância,
também designada por cassotto (Accordion reed ranks and switches, 2006).
aa
u.ü. *=§*§",3 Departamento de Música - Escola de Artes
2.1.3. Os registos
através do acionamento de registos que permitem alterar o timbre do som e que enriquecem a
registos, cujas teclas de acionamento se situam junto ao teclado da mão direita (fig. 35). Para facilitar
ou permitir a mudança de registos sem interromper a emissão de som, existem também 8 botões na
parte superior do instrumento que são acionados com o queixo do instrumentista (fig. 36), Alguns
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Fig. 35: Teclas de registos junto ao teclado da mâo direita Fig. 36: Botoes de registos de queixo
Cada seleção ou combinação de blocos de palhetas tem a sua própria notação e designação
instrumental tendo em conta o timbre final produzido (fig. 37). Assim, por exemplo, no teclado da mão
direita podem-se obter timbre s de plccolo (bloco de palhetas com a 8" superior) ou de oboé (bloco com
a afinação de base e bloco com a 8" superior), Segundo Draugsvoll & Hojsgaard (2011), na
combinação de registos de diferentes oitavas, é a oitava inferior que define o som obtido.
24
u:*evora Depa Ítamento de Música - Escola de Artes
O mecanismo dos baixos é constituído por uma grande quantidade de varetas de aço/titânio,
correspondendo cada vareta a uma nota dos baixos. Cada vareta é atravessada
por uma série de eixos,
que realizam o movimento de abertura das válvulas. Os eixos das varetas são pressionados sobre
alavancas fixadas por todo o sistema. Por sua vez, estas alavancas abrem o número necessário de
portanto
válvulas para produzir o acorde. Os botoes dos baixos e contrabaixos abrem uma só válvula, e
combinados de diversa forma através do acionamento de registos que alteram o timbre dos sons
geralmente situados 6 registos que permitem uma maior profundidade ou não do som obtido (fig. 38).
Nesta matéria, Tong l2}l4l refere que os registos não estão todos disponiveis na opÇão baixos
palhetas tem a sua
soltos, nem na opção baixos standard. Cada seleção ou combinação de blocos de
própria notação e designação que se aproxima da linguagem vocal. Assim, podem-se obter timbres de
soprano, alto, tenor e baixo em nuances mais ou menos suaves (fig. 39).
I I I
I tt
I
a II
Fig. 38: Patilha do sistema conveftor e registos junto ao teclado da Fig. 39: Notação dos registos iunto ao teclado da
mão esquerda mão esquerda
2.1.4. O fole
A vibração das palhetas só é possível pela ação do Íole, que representa o "pulmão" do
em
acordeão e o meio para conseguir a expressividade musical. E feito de cartã0, dobrado usualmente
17 pregas, recoberto de tela e colado nos ângulos internos com couro brando. A extremidade de cada
.)ç,
u'*evara Deoartamento de Música - Escola de Artes
prega está recoberta com uma pele fina e os ângulos externos são revestidos de metal. As molduras
externas de madeira de ambos os lados permitem fixar o fole às caixas harmónicas por cavilhas ou por
parafusos (fig. a0). Esta construção garante a resistência e qualidade do fole, sem perdas de ar
(Anzaghi, 1951). A mão esquerda, que desliza entre a correia e a caixa harmónica, regula o movimento
do fole.
Apesar da existência de um único fole a ligar os dois teclados poder significar normalmente a
produção de igual dinâmica na mão direita e na mão esquerda, a utllização adequada dos registos
permite controlar e equilibrar um pouco a dinâmica nos dois teclados (Draugsvoll & Hojsgaard, 2011).
Segundo Hermosa (2013), o sistema convedor foi inventado em 1959 por Vittorio Mancini em
Castelfidardo (ltália). 0 sistema convertor consiste num mecanismo (fig. 41) acionado por uma patilha
junto ao teclado da mão esquerda, que permite converter botoes existentes, alternando entre acordes
26
u'-*evora Departamento de Música - Escola de Ades
soltos. os baixos standard permitem a harmonização de uma melodia e são constituídos por notas
quatro filas, que podem ser
graves em duas filas de botões e por acordes pré<1eÍinidos nas restantes
direita.
habitualmente usado na Europa (sistema c), em que as notas graves no teclado da mão esquerda
27
U:üiWW*fm Depaftamento de Música - Escola de Aftes
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Fig. 42: Disposiçâo do teclado da mão direita; disposição do teclado da mão esquerda
com baixos standard e com baixos
soltos (sistema convertor acionado)
28
u# &vora Deparhmento de Música - Escola de Artes
permite
A conjunção das quaüo filas de baixos soltos com as restantes duas filas de baixos
sons muito graves, o que constitui uma característica única do acordeão com
convertor'
Prelúdios e Fugas
em qualquer teclado. Assim, no repertório podem passar a constar obras tais como:
de Dmitri Shostakovich,
do Cravo Bem Temperado de Johann Sebastian Bach ou os Prelúdios e Fugas
Sonatas de Domenico Scarlatti, peças adaptadas do repertÓrio organístico e cravo (Jean Philippe
até às obras originais,
Rameau, François Couperin, Dietrich Buxtheude, César Franck, entre outros,
a ter em
segundo Dmitriev (2001), a dedilhação constitui um dos aspetos mais importantes
conta pelo executante, pois permite uma maior fucilidade, compreensão do texto
e conforto na
desde muito cedo os dedos
execução (fig. 43), para o instrumentista, é necessário começar a trabalhar
pressão exercida. A ordem
4 e 5 que correspondem fisicamente a dedos mais fracos em termos de
lógica e natural de execução deverá ser a dedilhação com os dedos 2, 3,
4,5 ou vice-versa, evitando
pressionados em simultâneo'
botões nos teclados permite que dois ou mais botóes possam ser
3 2 Z3 4
4
5
5
11
L.H. R.H.
Não é desejável
filas na máo direita e uma fila na mão esquerda, permitem várias opções de execução.
29
u"* &wwwm Departamento de Música - Escola de Artes
repetir o mesmo dedo em notas diferentes, no entanto, numa textura a várias vozes, por vezes o
polegar assume essa funçã0. A parte inicÍal da Sonata n.o 1 do compositor Anatoly
Kusyakov (n. 1945)
é disso um exemplo (frg.44l.
Largo rubato
ê P.
4
No acordeão com convertor a articulacão é de extrema importância, pois permite, por exemplo,
na escrita para várias vozes musicais, destacar a melodia principal, sustentar uma determinada Írase
no baixo ou criar um certo ambiente de preparação para o material seguinte. As articulações mais
utilizadas úo o Legato, o Staccato e o Tenuto. No entanto, existe dentro destas três articulações uma
grande diversidade de outras articulações, como é o caso por exemplo do legatÍssimo, do pizicato
e do
detaché (destacado).
Na obra Fantasia 84 do compositor Jürgen Ganzer (n. 1950) é possivel, através da combÍnação
dos registos e da articulaçáo tenuta em ambas as mãos, destacar a melodia principal realizada em
Também nas Fugas do Cravo Bem Temperado de J. S. Bach (168s,1750) se torna evidente a
30
u# évora Deparbmento de Música - Escola de Artes
Em relação ao uso da dinâmica, para Lips (2000), a dinâmica obtida no acordeão com
convertor está diretamente associada à pressão exercida no fole. 0 controlo da pressão exercida pelo
braço esquerdo permite obter sonoridades desde ppp até fff. Pela ação do Íole e dos registos utilizados
Deúdo à limitação da extensão do fole (quer a abrir quer a Íechar), toma-se necessário
perceber o início, o meio e o fim da frase musical, por forma a evÍtar um indesejável movimento de
úragem do fole a meio da frase. Para Leeuw (2001), um dos futores importantes na execução musical
do acordeão com convertor tem que ver com o equilíbrio entre a respiração do instrumentista e a
A acentuacão poderá ser realizada através do movimento brusco do fole, da ação do corpo ou
do impulso da mão ou da pema. A escrita para acordeão com convertor permite efetuar a acentuação
através do impulso de uma mão enquanto a outra realiza um texto diÍerente. Cabe ao intérprete
escolher a técnica mais eficaz para realizar a acentuação. 0s símbolos frequentemente utilizados são:
Após uma compreensão dos mecanismos e dos aspetos ligados à performance, este ponto
46). No teclado de botões é possÍvel executar este efeito abrangendo um gande número de nohs
devido à disposição do teclado. O clusterpode ser executado em ambos os teclados do acordeão. A
forma de executar um clusterpoderá ser com a mão fechada (gfupo restrito de notas) ou com a mão
aberh (número mais amplo de notas). Geralmente, vem notado na partitura a tessitura e o intervalo
entre as notas no qual o cluster deve ser executado.
31
Deparbmento de Música - Escola de Artes
V V
O qlissando é uma técnica bastante utilizada na escrita contemporânea para acordeão (frg.47).
No acordeão com teclado de botões, tendo em conta a disposição de notas, o glissando é executado
por intervalos de terceira menor. Contudo, podem surgir outros tipos de glissando: cromático
(deslizando os dedos 2,3 e 4 em simultâneo nas três filas de botões), em acordes (deslizando dois ou
unhas apenas pelos botões). 0 glissando pode ser executado ascendentemente ou descendentemente
e em ambos os teclados, embora no teclado do lado esquerdo, devido à posição da mão, não seja
r-t {-ffi-
oibr
I tl lrtL
Segundo Lips (2000), todas as técnicas relacionadas com o fole derivam dos movimentos
básicos de abrir e fechar o Íole e suas diferentes combinações. O bellow shake é uma técnica utilizada
no acordeão que se traduz num movimento rápido (abrir e Íechar) e regular do fole. A articulação do
fole deverá ter o mesmo som quer a abrir quer a fechar. Os movimentos deverão ser executados o
mais relaxado possÍvel. Existe diversa notação utilizada para o movimento de abrir e Íechar do fole,
V
Para abrir
Para fechar l'l
32
u#,&vora Departamento de Música - Escola de Artes
1) Movimento normal
v l''l (fig.zt8)
>
tY --=i* !I Á J'5
c?esc.
7rI
(Bellows §hake) --
lt
-{o=- _F!Far1
ffi
6
Fig. zl8: Ole Schmidt, Toccab n. "1 op. 24lescrtla para bellow shakd
Fig, 49: Efrem Podgaits, Concerto n.o 2 "Wva Voce" (bellow shakel
3) Triotet$rês impulsos -tercinas) - movimento normal de abrir e fechar o fole com ligeira acentuação
no primeiro de cada três impulsos (fig. 50). O Íole poderá continuar a abrir e Íechar ou iniciar o
primeiro impulso sempre da mesma forma (abrir o fole).
*
3 3 3
A
Í E
ou
888
Fig. 50: Viktor Vfassov, Surte lbellow shake em tercinas)
4) Ricochete triotet- Este movimento consiste em três impulsos, sendo o terceiro impulso efetuado na
parte superior do fole, isto é, abre, fecha e Íecha na parte superior (fig. 51).
u
:>v >u
Fig. 51: Viatchesfav Semionov, Sonata n.o I (ncochete tioleti
33
u"# wwwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
L
5) Ricochete (4 semicolcheias)
d Semelhante ao Ricochete triolet mas com mais um quarto impulso,
ou seja, abre, fecha, fecha em cima e deixa cair o Íole. O próximo impulso será novamente de abertura
do fole.
6) Ricochete com cinco figuras - Semelhante ao ricochete normal mas com mais um quinto impulso,
isto é, abre, fecha, fecha atrás, fecha em cima e deixa cair o fole (Íig. 52).
+H
Fig 52: Sofia Gubaidulina, Etexpecto (ricochete com cinco impulsos)
Segundo Lips (2000), o fole do acordeão tem a mesma função que um arco de violino. Assim,
estas várias técnicas de fole permitem grande expressividade na interpretação das obras.
realizaçáo de uma variedade de vibratos no acordeão. Este efeÍto consiste em fazer oscilar o som
contínuo, aumentando também a expressiúdade na execução. Pode ser executado em dinâmicas (de
pppa {fr, em crescendo ou diminuendo. Este aspeto técnico pode serexecutado de diversasÍormas:
em contacto com os botões, com as mãos ou com as pernas nos teclados, com as mãos abertas e a
pequena distância dos teclados, entre outros. Segundo Lips (2000), a forma de execução depende da
do instrumento.
Andante
*--81 e
m. d.
tup otôr
m. s.
Fig. 53: Viktor Vlassov, Suite (übrato com impulso da mão direib)
34
u"#r*vara Deparbmento de Música - Escola de Artes
Fig. 54: Efrem Podgaits, Concerto n.o 2 "Vhm Vace" (vibralo com impulso da mão esquerda)
3) gscilaçao de ambas as mãos em contacto direto com a nota ou acorde que se executa (fig. 55)
c .....fu.*+
hhhb
Fig. 55: Sofia Gubaidulina, De Profundis (vibrato com impulso de ambas as mãos)
4) Oscilação com o punho fechado na parte exterior do teclado - mão direita (fig. 56)
ea l0- lE sc.
molte rlü
Íflfrf
FrEÍaÂli.rsid
aafto dím. poúos psçê1 mcrende ,flng§rg€§si&j{c
- +++++ +
E
Fig. 56: Vladimir Zubitsky, SonaE n.o 2 (übrato com o punho fechado na parte exterior do teclado - mão direita)
a tempo
*
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ItF#*
> >
Fig.57: Vladislav Zolohryov, Children's Suite n." 1 (vibrato com oscilação da pema)
35
Deparbmento de Música - Escola de Artes
composição contemporânea. Este efeito permite baixar a frequência de qualquer nota e obtém-se
premindo ligeiramente o botão, auxiliado por um movimento de fole (fi9. 58). Pode ser efetuado com
uma, duas ou três notas em simultâneo e, geralmente, é produzido pelo teclado da mão direita.
Segundo Lips (2000), a frequência da nota é modificada porque uma grande tensão no fole
força uma gande quantidade de ar a entrar numa válvula apenas ligeiramente aberta, logo a palheta
emÍte um som desafinado. Draugsvoll & Hajsgaard (2011) acrescentam que é raro conseguir uma
modificação superior a meio tom nos registos agudos e superior a um tom nos registos graves.
ReÍerem também que a execução do efeito se torna problemática acima da frequência do Ré2 no
e â
olbt noÍ
>-
Fi g. 58 : Sofi a Gubaid ulina, De Profundis lportamenlol
pf
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l/
ffi
ou
Fig. 59: Vladimir Zubits§, Partita Concertante n.' 2 (efeito com a utilização do fole)
36
usévora Deparhmento de Música - Escola de Artes
x
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ir \d/
Fig. 60: Vihor Vlassov, Passos (deslizar dedos no teclado apenas com efeito percussivo)
*1 .\
outr
Fig. 61: Vihor Vlassov, Passos; e Vladimir Zubits§, Partib Concerbnte n.o 2 (baümentos no Íole)
eeeeee
Fig.62: Alexander Schurbin, Sonata n.'2 (percutiros registos)
efeitos produzidos num acordeão com convertor oferecem ao executante e aos compositores um leque
bastante alargado de possibilidades expressivas, cada vez mais requisitadas na escrÍta contemporânea
para o instrumento.
possÍveis de realizar não se esgotam nos exemplos acima descritos. Nesta matéria, Draugsvoll &
Halsgaard (2011) afirmam que no\ras e melhoradas técnicas estão constantemente em
desenvolvimento.
37
u# wwww& Deparbmento de Música - Escola de Artes
No entanto, estes autores alertam também que a escrita oíginal para acordeão carece de um
grafismo próprio e também uniforme entre os compositores. Esta questão toma-se ainda mais
premente no caso de notação de efeitos que são únicos do acordeão. A diferente notação na escrita
para acordeão dificulta, por vezes, o facil entendimento da partitura por parte do executante.
Ao nÍvel das limitações atuais do acordeão com sistema convertor, podemos apontar algumas
Uma das limitações do sistema convertor reside no ruído produzido pelo mecanismo que aciona
o convertor, ou seja, um ruído quando a patilha é pressionada para baixo e outro quando a patilha é
libertada. Apesar de ser conhecida e de estar descrita a melhor Íorma e o melhor momento na
execução de uma peÇa para acionar o sistema convertor, tal como descreve Lips (2000), na maior
Outra limitação reside na dimensão e localização da patilha que aciona o convertor. A patilha e
de grande dimensão (longitudinalmente conesponde quase a uma fila botoes) e localiza-se junto à fila
interior de botões do teclado da mão esquerda. Esta característica física exige uma maior amplitude de
movimento por parte da mão esquerda para efetuar o seu acionamento, podendo esta deslocação
prejudicar a execução, especialmente em passagens rápidas.
A atual construção do teclado da mão esquerda, em que os botões das seis f las se encontram
no mesmo nível para serem pressionados, diÍiculta a utilização do polegar para além da primeira fila de
botões. Apesar de já terem sido produzidas outras altemativas na disposição do teclado, como é o caso
da invenção de Anders Grsthe com a primeira e a segunda fila rebaixadas (Farmen, 2009), ainda não
foi encontrada a solução ideal que permita uma mais completa e independente utilização da mão
esquerda no acordeão com convertor.
Tal como referem Draugsvoll & Hojsgaard (2011), a mão esquerda encontra-se presa na
correia para o manuseamento do fole, o que a torna menos ágil que a mão direita, em particular na
execução de grandes intervalos e passagens virtuosísticas. O próprio gau de ajuste da correia para o
38
u# &vqara Deparbmento de Música - Escola de Artes
e Íecho
manuseamento do Íole, necessário para uma adequa da realuafio de movimentos de abertura
Segundo Draugsvoll & Hojsgaard (2011), a existência de dois teclados controlados por um
único fole condiciona a produção de diferentes dinâmicas em simultâneo na mão direita e na mão
esquerda. Assim, há geralmente uma predominância dos sons graves. O equilíbrio sonoro entre os dois
exige do
teclados apenas é parcialmente conseguido através de uma apropriada utilização de registos e
vozes (blocos de palhetas utilizados) ou combinações de vozes (registos) escolhidos. Assim, um registo
que utilize quatro vozes produz o maior volume de fortíssimo e o inverso aplica-se a um registo que
utilize apenas uma voz. Se o executante pretender alcançar o mesmo efeito, terá de aumentar
adequadamente a pressão no fole (Lips, 2000).
por outro lado, a localização de vários blocos de palhetas em caixas harmónicas que não
possuem ressonância tem como consequência uma significativa perda de intensidade sonora,
especialmente em grandes espaços de concerto (Draugwoll & Hojsgaard,201l). Este
Segundo Lips (2000), a intensidade sonora é naturalmente maior a abrir o fole do que a
pelo
fechar, devido a uma maior pressão do ar que é aspirado. Esta limitação deve ser tida em conta
Face ao exposto, ressalta que o mecanismo que aciona o sistema convertor, bem como a
mecânica do atual acordeão, ainda poderão ser inovados e melhor adaptados às exigências do
instrumenüsta.
39
u*évora Deparhmento de Música - Escola de Artes
3.1. Ahanscrifio
No campo da transcrição existe um número infindável de obras que têm sido interpretadas no
acordeão com convertor, como por exemplo obras para órgao (de J. S. Bach, Dietrich Buxtheude, Jean
Philippe Rameau, François Coupeín, César Franck), concertos para piano e para violino, andamentos
No que diz respeito à transcriçã0, todos os recursos possÍveis de utilizar com o acordeão com
convertor são imprescindÍveis, não só para permitir tecnicamente a execução das obras, como também
para enriquecer e aumentar a expressiúdade musical. Assim, o uso de bellow shake, a combinação de
Tal como refere Lips (2000), o objetivo não deverá ser uma colagem à interpretação original
nem a utilização de uma profusão de técnicas ou efeitos que distraiam os ouvintes. O acordeão não
deverá almejar a imitação de outros instrumentos, mas antes a sua sonoridade individual deve ganhar
o seu próprio espaço no mundo da música clássica. Neste aspeto, na interpretação de obras para
órgão, sendo o acordeão um instrumento de porte de pequena dimensã0, o seu volume sonoro
Outra importante questão a ter em conta pelo executante tem a ver com a disüibuição das
várias melodias entre os dois teclados, particularmente na música poliÍónica contrapontística (de que
são exemplo as fugas). Muitas vezes, existe dificuldade na escolha do teclado onde interpretar as vozes
intermédias, isto é, pautas que vêm escritas na clave de Fá sã0, por vezes, executadas também no
teclado da mão direita. Segundo Lips (2000), esta distribuição deveÉ ser ajustada ao longo da
execução da peça, eútando sempre que possÍvel o cruzamento de melodias entre teclados.
Na interpretação de obras transcritas para acordeã0, por vezes a execução de alguns acordes
escritos no acompanhamento presta-se mais ao uso do sistema standard (acordes prédefinidos). Neste
conte1o, também devem ser estudados os melhores momentos de acionamento do sistema convertor,
40
u# &wwrm DeparEmento de Música - Escola de Artes
combinando a utilização dos baixos compostos com os baixos soltos, que poderão reforçar o texto
musical.
Quanto à escolha mais adequada de registos, trata-se de tarefa fulcral na transcrição, por
forma a ser alcançado o melhor equilíbrio sonoro ao longo de toda a peça e que mantenha audíveis as
melodias principais. Neste aspeto, há que tomar especial cuidado com as linhas do baixo que, tocadas
no acordeão, ganham por si uma natural profundidade sem necessidade, muitas das vezes, em registá-
Na área da transcrição, foi e continua a ser Íundamental o trabalho realizado por grandes
intérpretes como Friedrich Lips, Mika Vayrynen e Claudio Jacomucci, entre outros, cujo trabalho de
adaptação das obras clássicas para o acordeão tem permitido o desenvolvimento do instrumento a
wrios nÍveis, bem como o aumento do seu prestÍgio e até fascínio entre a classe erudita,
A transcrição de um variado reportório para o acordeão, com obras para órgão, concertos para
piano e para violino, andamentos de óperas, etc., torna-se possÍvel devido a vários fatores,
nomeadamente:
mãos e, assim, a execução de obras com maior número de vozes melódicas independentes.
. O teclado constituído por botÕes permite uma maior proximidade das notas musicais a
executar, sendo possível executar três vozes melódicas simultaneamente no teclado da mão
direita. Por vezes, o dedo polegar poderá executar duas ou três notas em simultâneo.
. Na interpretaÇão de peças para órgão, a combinação do registo agudo com o registo grave
permite uma sonoridade tímbrica semelhante ao órgão de tubos e a articulação entre este
registo e os registos médios, ou por exemplo o registo grave executado numa oitava superior,
permite uma maior clareza e definição no discurso podendo assim destacar-se qualquer voz
melódica.
filas, em articulação com as quatro filas de notas soltas, permite por vezes a execução de
notas graves (bordões) longas enquanto uma melodia ou contraponto decore nas notas mais
4L
u"# é:wora Deparhmento de Música - Escola de Artes
a A possibilidade de Íazer crescendos e decrescendos pela ação do fole toma o discurso musical
a Por vezes, acordes escítos no acompanhamento poderão ser realizados em baixos prá
definidos (standard).
entanto, correspondem a obras famosas do reportório transcrito para acordeão que constituem um
forte testemunho do trabalho de transcrição com uso do sistema convertor, para além de eüdenciarem
Na áía em Ré maior B\IVV 1068 de J. S. Bach (168S1750), a voz do contrabaixo poderá ser
realizada com o sistema convertor acionado, permitindo a audição das oitavas numa tessitura de sons
agudos / graves (fig. 63). Nesta peça, será também importante a escolha dos registos a utilizar e a
,wl (PT,) T
I n ra,tÚtrt, \kü tall ----------:=:li \tatla
Ê_ .
--i
Fig. 63: Johann Sebastian Bach, Á,ria BWV 1068 (realização da linha inferior nos baixos soltos)
Nas sonahs de Domenico Scarlaüi (168S1757), será importante definir também o uso de
registos, utilizando por vezes a açáo do Íole para contrastar as dinâmicas Íorle / piano. A distância
entre sons agudos e graves no acompanhamento podera ser resolüda utilizando os baixos soltos e, por
vezes, a execução de acordes repetidos poderá ser efetuada nos baixos standard. Algum fraseado que
aparece na melodia, repetindo em várias oitavas no sentido descendente, geralmente nos finais,
poderá ser executado no teclado da mão direita, utilizando o registo bassoon (bloco de palhetas com a
8" inferior).
42
u# &wwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
Allegrissimo
Fig. 64: Domenico Scarlatti, Sonata em Mi menor K 98 (articulação sbccato na voz inÍerior)
ALLEõRI !. rrr;
lr
Fig. 65: Domenico Scarlatti, Sonata em Ré menor Ki (articulação legato na voz inferior)
acompanhamento. A articulação neste teclado, deverá ser mais leve e staccatto para não sobressair
em relação à melodia principal (fig. 64). No segundo exemplo, a voz superior assume um papel
importante logo no início. Neste momento a articulação legato permitirá ouvir com clareza toda a
exposição (fig. 65).
vezes a necessidade de reforçar uma nota executada no teclado da mão esquerda, através dos baixos
Por sua vez, a utilização do bellow shake nesta obra é essencial (Íig. 66). A utilização de
registos médios, tais como clarinete ou violino, é necessária para destacar uma melodia no teclado da
mão esquerda.
43
u#,&vora Deparhmento de Música - Escola de Artes
pn*o@ y r 3,rrúlê
r! r Btatlz
Fig. 66: António Virraldi, As Quafo Estações (excertos do Allegro non molto - inverno, RY297 e do Presto - verão, RV315)
Na peça Astúrias de lsaac Albeniz (186G1909), a utilização do sistema convertor logo no início
possibilita o reforço da melodia implícita lfre. 67 e fig, 68). A utilização dos registos pela ordem
sendo reÍerida por Friedrich Lips (2000). Nos acordes arpejados, o reÍorço das linhas de baixo
possibilita uma maior definição da tonalidade, para além do recurso aos baixos soltos evitar grandes
deslocações da mão esquerda no teclado. Nesta peça, o Llso do bellow shake é também uma
@ Y
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.à ÉiÉ;
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@ rurcalo it ccttto
Fig.67: lsaac Albéniz, Astúrias (exposição inicial, refurço do tema na voz infurior)
Piü lento
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.-
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espr. e ruba!o
-T--
E
Fig. 68: lsaac Albéniz, Astúrias (reforço da linha melódica pela voz infurior nos baixos soltos)
4
u# wwwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
)
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r-I tr
.)
JL L
JL tl JL
a)
uso do bellow shake será um dos recursos possiveis a utilizar na sua execução (fig. 70). Ao longo da
obra, a adequada combinação de registos constitui uma técnica indispensável a utilizar. Nas cadências,
mostra-se apropriado o uso de registos tais como o piccolo e o bassoon, que permitem obter
respetivamente sonoridades uma oitava acima e uma oitava abaixo da extensão do teclado (fig. 71). O
uso do registo master nas sonoridades tuttt permite um maior enchimento e reforço sonoro, assim
como a utilização do registo violino nas cadências solistas permite uma maior deÍinição e clareza do
discurso.
Gioacchino l{ossirri
Àllegro vrvace
n n n tt
U
Íps {
e*e&&t & &&*
B
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?ffi -H,...]-rl-::-:j:
ad llbilum
I ôaa
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Fig. 71: Gioachino Rossini, Fígaro (cadências percorrendo toda a extensão do teclado)
45
u# évora Deparbmento de Música - Escola de Artes
ser executada nos baixos standard, utilizando para o eÍeito os acordes predefinidos lfig. 721. A
utilização dos registos úolino / clarinete também é fundamental para realçar o conkaste entre as
dinâmicas.
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Fig 7 4:, Luis de Pablo, Retratos y Transcripciones
46
Departamento de Música - Escola de Artes
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No que diz respeito às peças transcritas para acordeão com convertor aprêsentadas nos
recitais deste progama de doutoramento, estas foram constituÍdas por: Fantasia e Fuga em Sol menor
B!1N 542, Chaconne da segunda partita em Ré menor BWV 1004 e Passacaglia e Fuga em Dó Menor
BIÍ'V I{,
l.
J.5. Ro.'f...
Fig.76: Johann Sebastian Bach, Fantasia e Fuga em Sol menor B\W S42
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Çe'e Ê .). .ã
Fig.77: Johann Sebastian Bach, Chaconne em Ré menor BWV 1004 - transcrição de Ferruccio Busoni
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Fig. 78: Johann Sebasüan Bach, Passacaglia e Fuga em Dó menor B\W 582
sucede com a Chaconne em Ré menor BWV 1004 (fiç.771, onde a clave de Fá é realizada no teclado
da mão direita e a clave de Sol é realizada no teclado da mão esquerda. Nas outras peÇas, a
47
u#,&vwra Deparhmento de Música - Escola de Artes
a linha melódica da pauta intermédia é realizada no teclado da mão esquerda. Na Fantasia e Fuga em
ora no teclado da
sol menor BWV 542 lfig.76l,, as linhas melódicas da pauta intermédia são realizadas
possibilidade de articular as duas filas fixas de baixos graves com as quatro filas de baixos soltos.
Esta
na mão esquerda;
Fig79:Johann Sebasüan Bach, Fantasia e Fuga em Sol menor BWV 542 (duas vozes inferiores
restantes vozes na mão direita)
Regista-se também a possibilidade de realizar uma nota pedal enquanto as vozes agudas
no teclado da mão
continuam a sua atividade, bem como executar e destacar em simultâneo a melodia
t.
Fig.80: Johann sebastian Bach, Fanhsia e Fuga em Sol menor B!{t/ 542
(nob pedal)
O principal desafio neste tipo de obras consiste em adaptar para acordeão a escrita
oíginal,
pedais. As
que corresponde a uma escíta para varias vozes e que recone por vezes às notas
pode executar determinado
dificuldades mais evidentes consistem em escolher qual o teclado onde se
§
u# &wwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
' A proximidade e disposição dos botões em ambos os teclados permite abranger duas oitavas
com grande facilidade; por vezes, é possÍvel executar trechos a 3 vozes no teclado da mão
direita.
' A proximidade e disposição dos botões no teclado da mão esquerda permite combinar as duas
filas fixas de baixos graves com as quatro Íilas de baixos soltos acionadas pelo sistema
convertor.
' A possibilidade de utilizar registos com sonoridade tímbrica semelhante ao órgão e utilizar
registos a uma sÓ voz para equilibrar o discurso ou destacar uma melodia.
. A possibilidade de executar uma nota pedal, em simultâneo com notas mais agudas no mesmo
teclado (esquerda).
Por outro lado, o resultado obtido na transcrição deste tipo de obras pode ficar de alguma
' A articulação do Íole pode prejudicar as melodias; é necessário escolher o local de viragem
mais adequado para não cortar frases a meio.
' Certas melodias no teclado da mão esquerda não têm o mesmo peso sonoro do teclado na
mão direita.
acordeão está em constante aperfeiçoamento. Não só porque na execução de determinada obra pode
existir liberdade para o instrumentista selecionar os recursos disponÍveis, mas também porque se
mantêm em curso vários desenvolvimentos mecânicos no instrumento e porque as combinações de
No que respeita às composições originais para acordeão com convertor, este trabalho tem sido
largamente desenvolvido desde a segunda metade do séc. XX. Compositores como Hugo Henmann,
Ole Schmidt, Fellice Fugaua e Bogdan Precz desempenharam um papel pioneiro na escrita para
49
u"#,&vora Deoarhmento de Música - Escola de Artes
conseguiram nas suas obras uma maior aproximação às reais possibilidades de exeução do
instrumento.
Em Portugal, Vitorino Matono foi um dos pioneiros na escrita para acordeão com convertor,
sobretudo a partir da década de 1980. Muito antes deste período, um dos primeiros concertos para
acordeão e orquestra (de câmara), "symphonic Fantasy and Allegro" 0p. 20, foi escrito em 1958 pelo
Flet.
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Neste exemplo, a escrita para acordeão desenvolv+se numa pauta musical dupla com clave de
Sol na 2" linha e clave de Fá na 4" linha. Contudo, após o aparecimento do sistema convertor, a escrita
original para acordeão passou, também, a ser desenvolúda em ambas as pautas na clave de Sol.
50
u# @www& Deparhmento de Música - Escola de Artes
Entretanto, no campo da música contemporânea surge cada vez mais o interesse em escrever
reportório oíginalmente pensado para acordeão, no sentido de criar um programa atual e renovado
que vá ao encontro das exigências do reportório modemo mas também das possibilidades sonoras do
instrumento.
51
usévora Departamento de Música - Escola de Artes
intérprete, isto é, encontrar um conjunto de medidas e processos que permihm ao intérprete conhecer
O termo análise interpretatirm surge, nesta dissertação, como um testemunho Úvo do ponto de
vista do intérprete em relação às obras estudadas no que diz respeito à sua compreensão, à resolução
acordes, elaboração de matrizes), tornou-se essencial identificar, numa primeira Íase, algumas
esquemática e, mais tarde, expositiva da obra. Nesse sentido, foram criados alguns esquemas de
relaÇão entre secções e foram expostos formas de interpretar determinadas passagens. Por exemplo:
bellow shake, utilização de registos, articulafro do fole, realização de um acorde em stacato ou legato,
como realizar diferentes articulações, questÕes de dinâmica, como solucionar a execução de eÍetos
(portamentos, clusters, glissandos), como fazer ouvir determinada frase musical no teclado da mão
esquerda ou no teclado da mão direita, que registo utilizar ou que articulação utilizar nos diÍerentes
teclados, como utilizar o convertor, reconhecimento das nomenclaturas, que dedilhaçóes utilizar numa
determinada passagem, que postura uülizar para obter determinada sonoridade, crescendo,
É de salientar que do ponto de vista interpretativo, isto é, para quem executa, as questões são
obüamente diferentes do que para quem compõe ou para quem dirige. Neste campo, o conhecimento
do instrumento e das técnicas e possibilidades a ele inerentes sã0, certamente, uma mais valia que
52
u# @www& Departamento de Música - Escola de Artes
obras originais para o instrumento. Desde então, o relacionamento entre compositores e intérpretes de
elevado nível técnico tem sido fundamental para o aprofundamento de uma escrita própria para o
acordeão.
sistema convertor, utilizando técnicas e estéticas musicais diÍerentes, dos compositores Luciano Berio,
Sofia Gubaidulina, Franco Donatoni, Edison Denisov, Mauricio Kagel e Magnus Lindberg.
solo que exploram novas possibilidades técnicas e sonoras dos instrumentos. Exploram o potencial
trabalho em curso, um processo sem fim de contributos e de elaboração (Centro Studi Luciano Berio,
2009). Gartmann (2007l,conclui que se tratam de verdadeiros trabalhos de investigação musical e, por
Apresentam como ponto de partida o Íacto de serem construídas através de sequências dos
campos harmónico e melódico. 'A linha melódica desta Chanson cruza massas de som, umas vezes
densas, outras vezes rarefeibs; descreve desassossego inesperado. fste moüvo essencial e remoto
53
u# &vora Departamento de Música - Escola de Artes
que é
retorna aos seus lugares frsicos, à memória do instntmento, auança as hipóteses polifontcas em
pimeiramente obscurecido e reemerge então para limpar as sombras, num rondó enigmáÜco"
(Delaney, 20021.
Escrita com e para o acordeonish Teodoro Anzellotti, a Sequenza Xlll tem uma duração
encontra na vertente tradicional do acordeã0, tal como descreve o compositor (Berio, 1996), a obra
toma por vezes momentos de virtuosidade intensa com motivos rápidos e sequenciados que surgem
A Sequenza Xlll (Chanson) aproxima-se de um rondÓ com variações, tal como sugere o autor
(Berio, 1996). Segue uma estrutura de espiral: a meio do quarto sistema, retoma a estrutura do início
E composta por 10 entradas temáücas. As notas melódicas Mi-Si-Fá# estão na base do motivo
principal e surgem ao longo da peça numa mesma ordem descendente que o ouvinte identifica e
diferentes, destacandose a ausência do Do# que apenas surgirá na exposição final do tema
(Gartmann, 2OO7l.
desenvolvimento que toma rumos diferentes e que desemboca novamente no motivo temático
anteriormente exposto. Neste aspeto, Garfinann QA07l já havia notado que nenhuma duração de nota
é repetida nas várias entradas temáticas. Na estrutura de espiral destaca-se também o imporhnte
A apresentaçao do material inicial surge por uma melodia que wi ficando cada vez mais densa
(aumento de notas, acordes). Por sua vez, observa-se um aumento de amplitude, intensificação do
que
ritmo, paragens (repousos) constantes nos acordes, por vezes culminados por vibratos, dinâmicas
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Deoarhmento de Música - Escola de Artes
Abaixo é apresentado um quadro sinóptico (fig. 83) das 10 entradas temáticas da Sequenza
Xlll (Chanson). Todas as entradas apresentam igual andamento (semínima : 66), registo (medio -
clarinete), dinâmica ppp e articulação legato. Na estrutura da obra destaca-se também que as 10
entradas temáticas se podem dividir em variações longas (apresentação da totalidade do motivo inicial)
A sistema l: otema surgea 2vozes, em intervalosde 4u ede 5", numa sonoridade ppp, E
apresentado num tempo lento de semínima = 66, molto tranquilo, legato. 0 final do tema
(tema)
é anunciado com um acorde homoÍónico que conclui em vibrato.
A1 Sistema 4: Preparação de Fá# para Fà na linha do baixo. Tema com variaçÕes na linha
inferior (baixo praticamente reduzido a uma nota pedal Dó), na linha superior (pequena
alteração rÍtmica e na duração de algumas notas) e no acorde de repouso (mais denso e
com maior tensão provocada pelos meios tons).
A2 Sistema 6: Passagem de Solb para Fá na uoz inferior. Tema com variações na linha
(variação
inferior (baixo elaborado sobre o intervalo Fá-Dó), na linha superior (a partir da 4' nota
registam-se alterações rítmicas e na ordem das notas em comparação com o tema
curta)
inicial). Não existe acorde de repouso.
A3 Sistema 13: Na linha do baixo e na linha superior, as notas iniciais do tema são fugazes e
a entrada do tema encontra-se desfasada. A linha do baixo apresenta variações no tempo
das notas de base. Na linha superior as notas têm variações na duração e no ritmo. O
acorde final de repouso é maÍs denso e com maior tensão provocada pelos meÍos tons.
A4 Sistema 2l:
Declinação de Solb paraFér na linha do baixo. O tema é iniciado na linha do
baixo e apresenta variaçÕes no ritmo e na duração das notas, com destaque para uma
(variação
suspensão prolongada sobre a nota Dó. De uma forma desfasada, um trémulo inicia a
curta)
exposição do tema na linha superior. Nesta linha, regista-se um repouso prolongado sobre
a 2u nola (Si) e variações na parte final do tema através de apogiatura e utilização de
bellow shake no acorde.
A5 Sistema 23: Apresentação das 3 notas iniciais do tema (Mi-Sí-Fá#) na linha superior,
(variação
terminando a última num vibrato. Em simultâneo, a linha do baixo foge ao tema e
apresenta um contraponto inquietante.
curta)
A6 Sistema 25: Preparação de Solb para Fá na linha do baixo. Tema com variações na linha
inferior, em particular o final que se apresenta numa descida cromática. Na linha
superior, as variações prendem-se com uma pequena ornamentação no final. Não existe
acorde de repouso.
A7 Sistema 30: Passagem de Solb para Fá na voz inÍerior. Apresentação muito curta do tema
(variação e desfasada entre as linhas superior e inferior. A linha do baixo apenas retoma 2 notas e
curta) a linha superior as 3 primeiras notas do tema inicial.
55
u"# évora Deparbmento de Música - Escola de Artes
A8 Sistema 32: Tema com variações na linha superior, ao nÍvel de alteraçÕes rÍtmicas e, a
partir da 6u nota, na posição das notas em comparação com o tema inicial. Em
simultâneo, a linha do baixo foge ao tema e é elaborada sobre o interualo RêFá menor.
Não existe acorde de repouso.
A9 Sistema 38: O final da obra retorna ao ambiente inicial, ou seja, lontano, legato, dinâmica
ppp. E um final inconclusivo e misterioso, terminando na 2u nota (Si) da sequência de 3
notas iniciais (Mi-Si-Fá#). Apresenta variações ritmicas e na posição das notas. O baixo
ostinato é constituído por uma célula de 5 acordes prêdefinidos que se váo repetindo,
Fig 83: Luciano Berio, Sequenza Xlll (quadro esquemáüco)
alternadamente entre variaçóes longas e curtas e em forma de espelho, de tal forma que o A4 e o A5
são variações curtas (c), o A3 e o A6 são variações longas (l), e assim sucessivamente (fig. 84).
sistema: t4613 21 23 25 30 32 38
entrada temática: A A1(l) A2(c) A3(l) A4(c) A5(c) A6(l) A7(c) A8(l) Ae
\--l
Fig. 84: Luciano Berio, Sequenza Xlll (apresentação em espelho das enÚadas temáticas)
Na Sequenza Xlll (chanson), Luciano Berio apresenta um motito inicial lÍrico, em andamento
lento, fazendo lembrar uma canção (fig. 85). Pelo uso dos registos adequados e numa articulação
legato com sonoridade ppp, o interprete atinge o ambiente lontano, lento e legato pretendido na
introdução.
) = 6ô. ma fle:sibile
â
\:7 vib. -
n
sernprc PW e lontailo
56
Deparbmento de Música - Escola de Artes
em movimento contrário em relação à voz inferior. A nota Mi inicial que entra no tempo fraco será uma
constante em toda a peça. O baixo inicial evolui por intervalos de 5" perÍeita (Fá-Dó, Sol-Ré),
Após um sustentado Lá no baixo e uma pequena inflexão de meietom para Láb, inicia-se o
prolongados são concluídos com vibratos (fig. 86). A dinâmica é contrastante e acompanha de uma
forma natural a conclusão das pequenas frases, fechandoas em ppp. A apresentaÇão do tema A e seu
A meio do segundo sistema, aproximamonos de uma estrutura cada vez mais densa do
material apresentado. A linha do baixo retoma intervalos de 5u e, por sua vez, aparece um
Fig. 86: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após o tema A)
No terceiro sistema assiste-se a uma intensificação sonora do material, que prossegue até ao
Fà# na linha do baixo. Numa espécie de cromatismo, a inflexão para Fà natural irá dar origem, no
sistema 4, à reexposição do tema inicial com variaçÕes. A apresentação do tema A1 termina com um
J- rib.
-a
-
*f-
57
u# évora Deparbmento de Música - Escola de Artes
De seguida, na linha do baixo, o repouso na nota Sib com inflexão para a nota Lá hz a
mais agitado e também grandes contrastes na dinâmica e no andamento, este último muitas vezes de
Íorma súbita (fig. 88). De alguma forma, o compositor volta a pegar no material iá apresentado, agora
acelerando o ritmo (as Íguras rítmicas passam de semibreves, mínimas e semínimas para colcheias e
-L_Í
^f PPP
Fig. 88: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após o tema A1)
O tema inicial volta a aparecer no sistema 6, novamente preparado por uma inflexão de Solb
para Fá na linha do baixo. Numa versão curta, o tema A2 (ng. 89) frz a transição para a parte
virtuosística e também para a primeira utilização do sistema convertor (mudança de baixos soltos para
bellow shake (em longas notas de repouso) e regsta-se uma sensação de aceleração provocada pelas
Na mudança para os baixos standard, acordes de sétima são alternados com acordes menores
e, por vezes, maiores. Nesta parte, surgem diversas sequências homonÍtmicas de fusas em tempos
rápidos, pelo que a sincronização entre os dois teclados e a precisão ritmica são fundamentais para
uma maior clareza na exposição (fig. 90), Estes motivos são intercalados por um prolongado intenalo
Lá-Sol, que é realizado em bellow shake numa tentativa de manter o ritmo acelerado (fig. 91).
58
u'# &wwra Deparhmento de Música - Escola de Artes
J =84
m.---7
m_
Fig. 90: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A2)
rit.
1.
Em seguida, a estrutura avanÇa para uma tessÍtura aguda. A chegada ao Sib agudo vai elevar a
melódica da nota aguda, do motivo sequencial na voz intermédia e do motivo melódico realizado nos
acordes prêrlefnidos na voz grave (fig. 92), Este plano irá culminar num baixo ostinato.
4= -J-
hl
at
plrP
P =-:
7 M
superior e inferior em contraponto e em movimento contrário (fig. 93). 0 compositor recorre aqui à
mudança do convertot para baixos soltos (notação Mlll) na tentativa de uma maior clareza no discurso
J=roa
?-
Fig. 93: Luciano Berio, Sequenza Xlll (contraponto entre as vozes com recurso ao sistema convertor)
59
usévora Deparbmento de Música - Escola de Artes
No sistema 13, o tema é retomado, embora de forma desfasada entre as duas linhas de
música e com as notas iniciais ocultas pelos ornamentos. 0 tema A3 regressa ao ambiente calmo e
J =oo e
J=s
tr -.1- rffi
t#
M-.-- E E
L!
Fig 94:- Luciano Berio, Sequenza Xlll (tema A3)
Surgem vários trémulos em ambos os teclados, ostinatos, jogos rÍtmicos (diversos motivos a partir de
um pequeno grupo de notas), clusters com intervalo definido, dinâmicas radicais (pp, F, silêncio, tffl. O
tempo passa de semínima = 66 a semínima : 84. Quase todo o desenvolúmento é executado numa
tessÍtura de reduzida amplÍtude e num ritmo bastante agitado, intercalado com momentos inesperados
e repentinos de repouso prolongado (fig. 95). A apresentação do tema A3 e seu desenvolvimento dura
8 sistemas e meio.
,a
Fv-
d M
d
Fig. 95: Luciano Berio, Seguenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A3)
Um baixo ostinato irá dar origem a uma espécie de jogo ritmico entre os acordes prêdefinidos
(Láb menor e Sib diminuto), enquanto a voz superior articula o seu discurso em accelerando e em
torno de moümentos cíclicos que produzem pequenas escalas. Estas escalas serão, mais tarde,
dobradas por intervalos de terceira em movimentos frenéticos ascendentes e descendentes sempre em
legato. Por vezes, há um repouso em acordes sonoros ou em momentos de silêncio, antes de serem
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u# wwwra DeparEmento de Música - Escola de Artes
J = lo"t
A^u
Ja.. t.
d
m-.-
Fig. 96: Luciano Berio, Sequenza Xlll (repouso prolongado)
através da execução de um baixo ostinato em movimento rápido em contraponto com a voz superior,
rrh
J=toJ --
gzP
*:Ml
^,
{!
Fig.97: Luciano Berio, Sequenza Xlll (baixo ostinato em contraponto com acordes e clusters na voz superior)
Em seguida assistese a um retomar da acalmia inicial da obra, embora com certos laivos de
agtaçã0. No sistema 21, há um regresso ao motivo inicial, preparado por uma descida cromática de
Solb para Fá na linha do baixo. O tema A4 é apresentado pela linha do baixo e, de Íorma desÍasada,
pela linha superior. Constitui uma variação curta, onde se destaca o trémulo na linha superior e o
nv_--
4.,
Fig. 98: Luciano Berio, Sequenza Xlll (tema A4)
corresponde ao clímax da obra. Num discurso agitado (semínima = 84), em sonoridade fff e notas
rápidas (fusas), várias figurações na forma de arpejos apresentam inÍormação de continuidade que se
cruza pelos dois teclados (fig. 99). Este diálogo acentuado entre as vozes é caracterizado por uma forte
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u"# évsra Deparbmento de Música - Escola de Artes
i(6t 1ól
ffi qil
Fig. 99: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A4 - clÍmax da obra )
por forma a destacar o clímax da obra e equilibrar a sonoridade entre os dois teclados, o
compositor opta pelo regsto master na linha do baixo e pelo registo de oboé (adiciona uma 8'
No sistema 23, o contraponto apresenbdo na linha do baixo mantém-se inalterado mas a voz
superior regressa novamente às origens, apresentando as 3 notas iniciais do tema. O tema A5 é uma
i ='* rrb.
-........-
,{
jogo
momentos de silêncio com clusters e acordes que se repetem espaçadamente como imitação. O
sonoro entre os acordes da voz inferior e o cluster da voz superior, com notas acentuadas ou tocadas
em staccato, a par da altemância de dinâmica forte e piano, revela a intenção de eco (fiS. 101). A
apresentação do tema A5 e seu desenvolvimento dura 2 sistemas.
FI
--l---
-J-
-Í Í
Fig 101: Luciano Berio, sequenza Xlll (excerto do desenvoMmento agós tema A5)
62
u# &wwwm Deparhmento de Música - Escola de Artes
baixo, com a consequente aparição do tema A6 no sistema 25 (ttg. 102). As variações cromáticas e
c^/
) =aa
92, 104) e de dinâmicas (de ppp ate fff), por vezes de forma súbita, o desenvolvimento volta a recorrer
a trémulos em ambos os teclados e ao uso de acordes pré<1efinidos. A apresentação do tema A6 e seu
existência. A voz inÍerior assume por vezes a preponderância face à voz superior, que incidirá o seu
discurso musical sobre pequenos motivos colmatados por trémulos. Motivos sequenciais em
movimento rápido aparecem também na voz superior, em contraponto com a voz inÍerior (fig. 103).
Neste ponto, o acionamento do convertor para os baixos soltos contribui para uma maior distinção
entre a tessitura aguda e gravê e permÍte também uma maior perceção do discurso melódico.
accel.
) =st
roli.
J--
Fíg 103: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A6)
Em seguida, o discurso acelera, invertem-se os papéis entre as vozes e a linha inferior com os
63
u# évora Departamento de Música - Escola de Artes
versão curta e desfusada em relação ao tema inicial, no sistema 30 e agora apresentado o tema A7
Fe. 104).
r5
e
x5
-J-
alternado entre acordes pré<lefinidos e baixos soltos (fig. 105). O andamento acelera até semínima =
ll2 e são apresentados vários jogos rÍtmicos em tercinas entre os dois teclados, combinando
diferentes ritmos em simultâneo. A linha do baixo concentra-se no desenho de acordes
prMefinidos Ré
-.1
m
-=ff
Fig. 105: Luciano Berio, Sequenza xltl (excerto do desenvolvimento após tema A7)
O compositor volta a utilizar material exposto em secçÕes anteriores (no desenvolvimento após
por
o tema A2), mas agora de uma forma mais densa. A sequência de acordes intensifica-se, surgindo,
No sistema 32, o jogo rÍÍnico na voz inÍerior com os acordes prêrlefinidos Ré menor e Fá
menor mantém-se e faz contraponto com o tema inicial na voz superior, apresentado em notas longas
ffie. 106). O tema A8 iÉ repousar no intervalo de nona (Sol-Láb) sustentado pela nota Ré no baixo.
J =fi,
-{0)
Fig 106: Luciano Berio, Sequenza Xlll (tema A8)
64
u"* &wwrm Deparhmento de Música - Escola de Artes
apresentado com grande amplitude na tessitura (através do uso dos registos e da gande extensão dos
J =50 n
A^. )=«
_-:== J, PPP
r6
Fig. 107: Luciano Berio, Sequenza Xlll (excerto do desenvolvimento após tema A8)
O jogo ritmico na voz inferior é retomado, com os acordes prédefinidos Ré menor e Fá menor
e oscilando também com Fá menor e Lá menor. Em simultâneo, a voz superior desdobra-se no motivo
inicial, apresentando agora as primeiras quatro notas {Mi, Si, Fá#, Sib) numa espécie de Íinal que se
adivinha pela dinâmica em crescendo e pela abertura do registo médio no instrumento. O início do
tema começa a aparecer mais amiúde, numa espécie de stretto a uma voz que nos remete para o final
da obra.
5 acordes pré<lefinidos, reconhecido de secçÕes anteriores (no desenvolvimento após o tema A2), é
alimentado numa espécie de coda por pequenos resquícios do tema inicial na voz superior (Mi, Si). O
0 motivo final, em ppp e num repouso prolongado sobre a nota Si na uoz superior (2' nota do
motÍvo Mi-SÍ-Fá#), deixa-nos um final inconclusivo e misterioso (fig. 109). Deixa em aberto algo que
poderá ficar na cabeça do ouvinte em constante ebulição, numa espécie de desüno incerto.
65
u"# &vCIra Departamento de Música - Escola de Artes
15
=
Y
A x5
De seguida, é apresentada uma análise sobre alguns aspetos que se destacam na Sequenza
Xlll (Chanson) ao nÍvel da utilização de vários recursos disponíveis no acordeão com sistema convertor.
conshnte transição I alternância entre os baixos standard e baixos soltos pela ação do convertor.Para
o efeito, o compositor utilizou a notação Mll- baixos standard (Íig. 110) e Mlll- baixos soltos (fig. 111)'
Talvez dos compositores em estudo neste capítulo do programa de Doutoramento, Luciano Berio seja
o
compositor que realiza a melhor simbiose entre estes dois sistemas. A combinação de acordes
de grande riqueza sonora, criando um efeito de massa densa e que na velocidade pretendida só são
possÍveis de realizar nos baixos standard. Por sua vez, o sistema de baixos soltos confere uma maior
nitidez no discurso, permitindo também percorer várias oitavas no teclado da mão esquerda. A
utilização destes dois sistemas tem associada, no conte*o da obra, a passagem do acordeão da
-J-
7 d
7
Fig. 110: Luciano Berio, Sequenza Xlll (recurso aos baixos standard)
vrb
J=rru
-.._
No que diz respeito ao uso de registos, Luciano Berio utiliza navoz superior apenas os registos
médios (clarinete, violino) na expectativa de obter uma linguagem clara e transmitir tranquilidade na
exposição. Recone pontualmente à junção do registo agudo (oboe) por Íorma a obter algum brilho no
discurso. O recurso isolado ao registo de trémulo/musette perto do final da obra, em simultâneo com a
utilizaÇão de baixos standard, parece intencional por parte do compositor que pretenderá recordar a
raiz popular do instrumento. Gartmann (2007) refere que, apesr de toda a complexidade, o ritmo
presente na obra é mais reminiscente das pulsaçóes da música ligeira e que os sistemas finais da peça
criam uma síntese dos dois mundos musicais do acordeão (ligeiro e erudito).
Quanto à linha do baixo, geralmente surge através de um registo a uma voz, sendo utilizado o
registo master apenas no auge da obra (sistema 21), não só para dar corpo sonoro a esta secção mas
também para tornar o discurso perfeitamente percetível e audÍvel em relação ao material exposto na
voz superior.
Gartmann |.2007].refere que a obra apresenta intervalos harmónicos e acordes que apenas são
possíveis de executar no acordeão, pois no teclado da mão direita é exequÍvel realizar até três oitavas
ffie. 112).
.J
De Profundis foi a primeira peça escrita por Sofia Gubaidulina (ng. 113) para acordeão, em
colaboração com o acordeonista Friedrich Lips, que participou também na sua redação e arranjo,
designadamente ao nÍvel dos efeitos sonoros no instrumento (Boosey & Hawkes, 20t41.
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está presente o crescimento a partir das profundezas. O lado mais escuro é representado pelo registo
mais grave e o divino pelo registo mais agudo. A peça apresenta um acentuado contraste entre os
eÍeitos aplicados e a melodia do salmo que vai aparecendo ao longo da obra (Kholopova, lgg1).
sua forma geral pode ser condensada em três elementos principais (Kholopova,1992):
! o sofrimento humano nas profundezas (A), descrito quase sempre por cromatismos;
! sons corais que simbolizam esperanÇa na saída do abismo (81), confianÇa em momentos
lntrodução Compassol: Dá-nos a imagem de apresentação das profundezas, recorrendo aos sons
mais graves do teclado da mão direita, num registo médio/grave, em bellow shake. O
ínício surge por um acorde dissonante, em intervalos de segunda menor encadeados.
Duração de 12 sistemas
B1 Compasso 15: Tema coral num registo brilhante (médio/agudo) realizado no teclado da
mão esquerda (acordes em bloco de duração longa e sonoridades maiores), enquanto o
teclado da mão direita realiza pequenas deambulações. Descreve a esperanÇa na saída
das profundezas. Duração de 28 compassos
A Compasso 43: Descida cromática espaçada por acordes simultâneos nos dois teclados,
concluídos em vibrato. Sonoridade ppp com ligeiros sforzandos, num registo a uma voz.
Movimentos em glissandofazem o regresso à tessitura e registo grave, provoca a imagem
de um lamento. Duração de 23 compassos
A Compasso 66: Registo master, glissandos e clusters em sentido ascendente, jogo rítmico e
adiculação legato / staccato com reminiscências à secção A. Pretende descrever a
segunda tentativa de subida das profundezas. Duraçãto de 27 compassos.
82 Compasso 93: Num andamento mais rápido e numa dinâmica Í em crescendo, o tema
coral é apresentado na mão direita enquanto a mão esquerda realiza células cromáticas
em movimento contrário. Dá-nos a imagem de um momento de confiança. Duração de 7
compassos.
A compasso 100: continuidade em relação a secção A" anterior, mas agora com maior
amplitude nos intervalos que concluem os glissandos. Transmite uma terceira tentativa de
subida das proÍundezas, Duração de 6 compassos.
69
u#evora Departamento de Música - Escola de Artes
A peça retrata o instrumento nas suas capacidades máximas, quer sonoras, de efeitos,
tímbricas e interpretativas. A compositora recorre a vários efeitos, tais como o bellow shake, o
podamento, que consiste em desafinar uma nota ate um tom abaixo do real, e dá especial ênfase aos
Sofia Gubaidulina (picón, 2005). A compositora aplica na sua mÚsica uma espécie de lmpressionismo
associando as sonoridades graves ao poder das trevas, inquietação interior, angústia e estabelecendo
um fim último para o ser humano que é a busca da luz, tranquilidade, confianÇa, paz.
Musikverlag Hans Sikorski, possui 212 compassos (algumas partes com efeitos são executadas em
tempo livre, sem indicação de compasso).
Nesta peça, a religião é transmitida através da música por meio de paletes sonoras que se
associam a imagens / intenções de ilustrar algo através da música expressa. De Profundis inspira-se
no Salmo 130 da Bíblia "Do fundo do abismo, clamo a vós, Senhor", que permanece simbolicamente
"Descreve a viagem espirituat da alma humana desde os pontos mais escuros e profundos do
A obra cria uma imagem do sofrimento humano e retrata uma esperanÇa que nasce no melo
peça
da dor. A parte coral da Peça reÍlete conceitos de esPerança, confiança e misericÓrdia. Em toda a
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uü wwffiY& Departamento de Música - Escola de Artes
está presente o crescimento a partir das profundezas. O lado mais escuro é representado pelo registo
mais grave e o divino pelo registo mais agudo. A peça apresenta um acentuado contraste entre os
efeitos aplicados e a melodia do salmo que vai aparecendo ao longo da obra (Kholopova, 1992).
sua forma geral pode ser condensada em três elementos principais (Kholopova,1.992l:
r o sofrimento humano nas profundezas (A), descrito quase sempre por cromatismos;
' sons corais que simbolizam esperanÇa na saída do abismo (81), confianÇa em momentos
lntrodução Compassol: Dá-nos a imagem de apresentação das profundezas, recorrendo aos sons
mais graves do teclado da mão direita, num registo médio/grave, em bellow shake. O
ínício surge por um acorde dissonante, em intervalos de segunda menor encadeados.
Duração de 12 sistemas
B1 Compasso 15: Tema coral num registo brilhante (médio/agudo) realizado no teclado da
mão esquerda {acordes em bloco de duração longa e sonoridades maiores), enquanto o
teclado da mão direita realiza pequenas deambulações. Descreve a esperança na saída
das profundezas. Duração de 28 compassos
A Compasso 43: Descida cromática espaçada por acordes simultâneos nos dois teclados,
concluídos em vibrato. Sonoridade ppp com ligeiros sforzandos, num registo a uma voz.
Movimentos em glissando fazem o regresso à tessitura e registo grave. Provoca a imagem
de um lamento. Duração de 23 compassos
A Compasso 66: Registo master, glissandos e clusters em sentido ascendente, jogo rítmico e
adiculação legato / staccato com reminiscências à secção A. Pretende descrever a
segunda tentativa de subida das profundezas. Duração de 27 compassos.
82 Compasso 93: Num andamento mais rápido e numa dinâmica f em crescendo, o tema
coral é apresentado na mão direita enquanto a mão esquerda realiza células cromáticas
em movimento contrário. Dá-nos a imagem de um momento de conÍiança. Duração de 7
compassos.
A compasso 100: Continuidade em relação a secção A" anterior, mas agora com maior
amplitude nos intervalos que concluem os glissandos. Transmite uma terceira tentativa de
subida das profundezas. Duração de 6 compassos.
69
u# stwwra Deparbmento de Música - Escola de Artes
BI.' Compasso 106: Em sonoridade ff e num registo médio agudo, é apresentado um motivo
ascendente em forma de cânon que repete materialjá apresentado em 81. Faz recordar a
esperança na saída das profundezas. Duração de 8 compassos.
A"' Compasso 114: Sempre realizado em trilo, desfasamento ítmico entre os teclados, com
cromatismos melódicos e harmónicos em oscilação e crescendo, em tessitura e dinâmica
ffi. Provoca a imagem de agitação interior. Duração de 8 compassos.
A" Compasso 122: Jogo rÍtmico de clusters entre os dois teclados, baseado na exposição
final da secção 4". Sempre em sonoridade fff, o caos agudiza-se com a progressão na
tessitura e a adição de bellow shake no final. Pretende representar uma tentativa
desesperada de subida do abismo. Duração de 4 sistemas.
B3 Compasso 123: Textura harmónica em fff. Regresso ao tema coral na mão direita,
acompanhado de sequências cromáticas em sentido ascendente na mão esquerda.
Culmina num cluster em ambos os teclados em sonoridade extrema (ffi e em movimento
ondulatório descendente, seguido de repouso. Descreve o pedido de misericórdia, o
clamor e o suspiro. Duração de 27 compassos.
A' Compasso 149: 0s portamentos e os vibratos, numa dinâmica muito contrastante (de ppp
a f0 e pela ação de um registo grave, introduzem um acorde prolongado de meios tons
que se extingue gradualmente nota a nota. Provoca a imagem de um lamento. Duração de
2 sistemas e meio.
c Compasso 150: A textura passa a uma voz, com início na tessitura grave. O crescendo de
dinâmica ate fÍf e a abertura de tessitura pretendem representar uma longa caminhada até
à luz. Duração de 30 compassos.
c' Compasso 180: Num registo mais agudo, são realizados trémulos em sonoridade p e
numa textura densa. A alternância entre acordes consonantes e clusters vai-se expandindo
em tessitura e conclui num acorde maior (Mi-Sol#Si) com um jogo de mudança
sequencial de registos agudos/graves. Descreve a denadeira subida cromática para a luz.
Duração de 13 compassos.
Final Compasso 193: Em sonoridade piano, o acorde maior (Mi-Sol#Si) da secção anterior
inicia a exposição do tema coral na mão direita e mantém-se como acorde pedal na mão
esquerda até ao final da obra. Numa espécie de coda, são retomados elementos da
secção 81 e atingidos os sons mais agudos no teclado da mão direita. Dá-nos a imagem
daluz. Duração de 20 compassos.
Fig. 114: Sofia Gubaidulina, De Profundis (quadro esquemáüco)
Relaüvamente à apresentação dos elementos principais, observa-se que o tema coral (B) surge
de forma intercalada com o tema do soÍrimento humano nas profundezas (A), que ocupa grande parte
da obra. A altemância com a subida até à luz (C) apenas surge no final da obra. 0 padrão de
70
u"# @wwr& Deparbmento de Música - Escola de Artes
elemento: ABAABABAABAC
A introdução surge por um acorde com dois intervalos de 2" menor encadeados, em tessitura
grave (as notas mais graves do teclado da mão direita), criando um ambiente escuro (Mi-Fá e Sol-Láb).
Numa sonoridade pp e registo médio grave, é executado em bellow shake em tempo ad libÍtum (fig.
116). Nesta imagem do abismo, o motivo inicialvai-se tomando mais agitado e cada nova expansão é
realizada numa tessitura progressivamente mais aguda, mas regressando sempre ao acorde inicial.
G J L.J LJ Ll L
ea)
sernq?e
á\
! selwre
w
Fig. 116: Sofia Gubaidulina, De Profundis (motivo inicial em bellow shake e num registo grave)
No acorde inicial (dois intervalos de 2' menor encadeados), as notas graves Mi e Fá serão
mantidas numa espécie de bordão, enquanto a 2" menor superior do acorde vai aumentando
progressivamente por meios tons até ser atingida a distância de 5' perfeita, regressando ao primeiro
ri
PP
p gw
Fig. 117: Sota Gubaidulina, De Profundis (desenvolvimento do motivo inicial)
sonoridade fortissimo e súbita mudança de teclado com exposição do motivo inicial em cluster na mão
7L
u# &vara Deparbmento de Música - Escola de Artes
-fi opp
Fig. 118: Sofia Gubaidulina, De Profundis (sfozando e mudança de teclado)
definida para o registo agudo (fig. 119). Nesta exposiçao do elementoA, que pretende representar a
primeira tentativa de sair do abismo, o caos seÉ criado pelas sonoridades dissonantes
complementadas pelos clusters, executados em moúmento ascendente no teclado da mão esquerda.
Esta sonoridade dissonante resolverá numa sonoridade de acordes maiores, dando origem ao
coral executado por notas longas no teclado da mão esquerda, em ondulações cromáticas. Esta
aparição do elemento Bl evoca a esperança na saída do abismo e é executada num registo brilhante
(medio/agudo). Os acordes que constituem o coral serão sustentados por deambulações ascendentes
e descendentes em direção a uma tessifura cada vez mais aguda ffig. 120).
LO@
r a
I rrz4
Fig. 120: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento 81 - tema do coral na voz inêrior)
do elemento A) e reproduz um lamento (fig. 121). Nesta descida cromática, os acordes simultâneos
são realizados numa sonoridade ppp com ligeiros sfozandos. Segu+se um rodopio de clusters em
72
u# @wwY& Departamento de Música - Escola de Artes
o
hhwb
lntervalos de 5" diminuta (trÍtono) realizados em vibrato concluem o elemento A'. Estes
intervalos são deslocados por glissandos para uma 2u menor abaixo e, na conclusã0, para intervalos
^v6
oibralo <
elemento A" (elemento A com variações) e dá-nos a imagem da segunda tentativa de saída do abismo.
Clusters executados no teclado da mão direita são expandidos em movimentos cromáticos ascendentes
e enÍatizados em sÍozando, sempre em direção a um registo mais agudo (fig. 123). Seguese uma
alteração para registo médio/grave, com movimentos contrários realizados pelas duas mãos (fig. L2al
e)rr,
vibr. \_.r: Y
-:
non I
Fig. 123: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento A" - expansão dos cluster)
!.h
at 'I
-------t*F--{--=
g -----:-- lÍ-
Fig. L24: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento A" - movimento contrário das vozes)
73
u# évrara Deparbmento de Música - Escola de Artes
A obra regressa a um tema coral (elemento B2), que descreve um momento de confiança em
momentos melhores. O motivo cromático descendente (Fá, Mi, Re#) é apresentado em contraponto
Plú mosso
,é
---J-
A secção A" anterior é neste momento repeüda, mas com maior amplitude nos intervalos que
concluem os glissandos. Este elemento A" evoca a terceira tentaüva de subida das profundezas. O
ambiente provocado pelo intervalo de 2" menor (Ré#, Mi) e clusters ascendentes cria um estado de
)=)
W
trt -{
{
0 motivo canónico lfrg. L27l surge num impulso ascendente, sendo as notas consecutivamente
apoiadas por passagens cromáticas (Ré, Mib, Sib, Si, Dó, Do#, Ré). Este elemento Bl' repete material
Loco
@ )"*
-{-+--
a.a
fr-g'.4
--{?.|-,+Sd--r-
-%
Fig. L27: Sofa Gubaidulina, De Profundis (elemento B1'- cânon)
74
u"# @wwY& Deparbmento de Música - Escola de Artes
apresentado, ou seja, motivos cromáticos surgem agora em simultâneo e à distância de uma 8u entre
os teclados (fig. 128). Este bloco, intenso de cromatismos, coresponde ao elemento A"' e transmite
agtação interior. Num crescendo de tessitura, o discurso aumenta até à sonoridade fff.
E=l
bh
_*#
-_F_-l-jF-+_-qt__
Uma curta secção apresenta um jogo ítmico de clusters entre os dois teclados (fig. 129).
Neste ponto de grande tensão, realizado em ffÍ, o regresso ao elemento A" (à exposição final da secção
A") procura descrever uma tentativa desesperada de subida das profundezas. Regista-se uma
progressão na tessitura e o recurso a um cluster realizado em bellow shake no final, que tará a
?r)
ffi 7
tr E
Fig.l29: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento A" - jogo rítmico pela ação dos clusters)
num grito de agonia (clamor ao Senhor) e num suspiro de exaustão. Acordes maiores são
contraponto com um motivo que se expande (teclado da mão esquerda), em sonoridade fff (Íig. 130).
Este motivo irá desembocar no clímax da obra: um cluster em ambas as extremidades dos teclados
agudo e grave, em sonoridade ffi (fig. 131). Ambas as mãos aparecem em contraste pela ação dos
75
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
I =es
fli-{--::-------
tu 1-
Ú-- -
ffi
Fig. 130: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento 83 - acordes cromáticos em sonoridade fff)
a)
^
5Ê
Fig. 131: SoÍia Gubaidulina, De Profundis (elemento 83 - cluster em glissando e em movimento contrário)
r)
,I rí
Fig. 132: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento 83 - efeito pelo movimento do fole)
que consiste em desafinar uma nota até à extensão máxima de um tom descendente pela ação do fole
e equilíbrio do botão acionado (Íig. 133). Surge então um ambiente a uma voz que se desloca até às
profundezas, num registo que roça a nota mais grave produzida no acordeão (Mi1),
e â
z>lbr. non
+
-
Fig. 133: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento A'- portamento)
76
u#r evora Departamento de Música - Escola de Artes
Um motivo melódico, a uma voz, iniciado na tessitura grave é depois expandido e desenvolvido
em direção a uma tessitura aguda, sendo relevante o movimento cromático utilizado (fig. 134). Trata-se
da apresentação do elemento C, que descreve uma longa caminhada até à luz, em articulação legato,
).r*
non síbr,
Fig. 134: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento C - motivo melódico iniciando na tessitura grave)
..-
O material que se segue comeÇa com um acorde maior (teclado da mão direita) e sucessivos
acordes realizados em trémulo, em contraponto com um cluster em glissando que se vai expandir na
mão esquerda no sentido ascendente (fig. i36). Seguidamente, a progressão de acordes consonantes
alternada com clusters vai-se expandindo em tessitura e conclui num acorde maior (Mi-Sol#-Si). Este
contraste culmina num registo agudo, sendo a mudança de sonoridade intensificada por um jogo de
registos master e musette (fig. 137). Esta secção corresponde ao elemento C' e transmite a derradeira
e J--J
ri{l+l-
-)
=
a9 7??
p lremolo ?ff
fr,.
-.".....ffitl,_
-_,_1
Fig. 136: Sofia Gubaidulina, De Profundis (elemento C' - expansão cromática em contraponto com cluster)
77
u*évora de Música - Escola de Aftes
/ã
@
acorde de Mi
Seguidamente, é apresentada uma reexposição do coral, que retoma o anterior
maior (fig. 13g). Este final que se aproxima retoma elementos da secção 81 e
atinge os sons mais
l.J
IE aÍ,F< u
--{--------ts
,Ú P
realizado em
A peça termina em ppp, com o acorde de Mi maior na voz inferior como bordão,
em trémulos com
simultâneo com motivos brilhantes na voz superior que descem e sobem e concluem
I
I
,..4
tessitura aguda)
Fig. 139: Sofia Gubaidulina, De ProÍundis (fnal - exposição final e repouso na
profundis ao nível da utilização de vários recursos disponíveis no acordeão com sistema convertor'
78
u"* évara Departamento de Música - Escola de Artes
Sofia Gubaidulina escreve apenas para baixos soltos e retrata o teclado da mão esquerda de uma
forma semelhante, em termos de importância, ao teclado da mão direita. A notação utilizada para a
mão esquerda é a notação utilizada na escrita russa para bayan (acordeão cromático de botões).
B
- designação para os baixos soltos
tr - designação para as duas filas fixas de baixos
A escrita de Sofla Gubaidulina foi concebida originalmente para acordeão de botoes com
convertor' Uma característica que retrata este ponto é o Íacto de surgirem na obra De Profundis alguns
acordes e tessituras que não são possíveis realizar em acordeão com teclado de piano (fig, 1a0).
tÍ
-#
Fig. 140: Sofia Gubaidulina, De Profundis (intervalo de 15." realizado no teclado de botóes da mão direita)
No que diz respeito ao uso de registos, a compositora procura utilizar grande parte da palete
disponível' Nesta peça em particularr surge com grande frequência o registo bassoon (grave), o registo
musette para vozes agudas (com a utilização do piccolo) e o registo master quando é necessário criar
Ao nível de efeitos, Sofia Gubaidulina surge como uma compositora inovadora para a sua
época. Nesta peça foram exploradas ao limite várias possibilidades de efeitos (vibratos, clusters,
glissandos, bellow shake, portamentos, eÍeitos com o botão do ar). Todos estes efeitos pretendem
ser
intencionais, retratando simbolicamente sentimentos, comportamentos ou emoções da alma humana
fole para atingir sonoridades ppp, ÍfÍf, crescendos, decrescendos e sforzandos, muitas vezes
combinados de Íorma súbita.
79
u*évora de Música - Escola de Artes
yott know why I love this monster [accordionJ so much? ' lt breathesl"
,,Do (Gubaidulina)' Este
(Williams, 2004)..
(Levine, n.d.).
,Donatoni,s ,radically different approach' was nothing else than bricolage' Bricolage, by
80
uü *w*rm Departamento de Música - Escola de Artes
Feria lV é uma obra que se divide em duas peças, a primeira num tempo moderado e
inalterável (sempre semínima 63), a segunda num tempo mais lento mas acelerando
progressivamente até ao final (semínima = 49/60]l. Dedicada ao acordeonista Claudio Jacomucci, a
obra tem uma duração total aproximada de 11'e, na edição de 1997 da universal Music publishing
Ricordi, desenvolve-se em 120 sistemas de música (20 páginas). A peça
I é composta de 66 sistemas
de música (11 páginas)e a peça ll contém 54 sistemas de música (9 páginas).
Observando a textura e articulação, verifica-se que a peÇa I é composta por três secções,
algumas com variantes, que se vão intercalando. Os acordes em bloco
da secção A surgem
recorrentemente e representam o ponto mais alto da peça (página 7), com recurso isolado à
acentuação e ao registo master,
A dinâmica sobe por todos os graus de pp a ft, descendo depois gradualmente até à
sonoridade pianíssimo. Este percurso ascendente e descendente de dinâmicas é acompanhado,
respetivamente, pela utilização de registos mais e menos agudos e também por
registos mais e menos
sonoros (adição ou subtração de vozes).
Peça I
81
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
A componente duraçáo tem grande importância na peÇa l, de tal forma que se pode encontrar
uma relação numérica na duração dos sistemas de música que expõem as secções. A diferença no
número de sistemas entre a 1u e a 2" exposição corresponde logo a seguir ao somatório dos sistemas
da 3, e da 4" exposição. Após uma paragem de seis sistemas no meio da peça, esta relação repetese
secção: ABB'ABACC' B
Fig. 143: Franco Donatoni, Feria lV (duraÇão dos sistemas de mÚsica e relação numérica)
Por outro lado, se atendermos à componente duração mas na ótica do número de páginas que
expõem as secções, encontramos relação numérica que revela a forma de espelho entre os números 1
e 3, sendo o ponto de viragem o meio da peça na página 6, num total de 11 páginas (fig. laa)'
Fig. 144: Franco Donatoni, Feria lV (duração das páginas e relação numérica em Íorma de espelho)
82
u-#révora Departamento de Música - Escola de Artes
Na peça ll, de certa Íorma Franco Donatoni reformula material apresentado na peÇa I e usa
também a técnica do detalhe de material, criando assim novos motivos. A dinâmica está em lugar de
destaque, alternando ciclicamente entre ff e pp. A articulação apresenta a forma de estaÍeta, em que
cada exposição de uma secção dá o mote parc a articulação da secção seguinte (legato+tenuto >
tenuto; legato+staccato ) staccato; staccato+legato ) legato). Abaixo é apresentada
Peça ll
lnterlúdios médio
{clarinete}
D 6 sistemas; Acordes em bloco ff Staccato, Master; baixo 3
1 página; flogo rÍtmico) acentuação VOZES
semínima = 58
E 6 sistemas; Apogiaturas mão pp Staccato, Agudo (piccolo);
1 página; o direita; clusters mão Clusters fÍ legato no Íinal baixo 1 voz
mais rápido esquerda
possível
B 6 sistemas; Homofonia; trilos na ÍÍ legato master; baixo 3
1 página; mão direita VOZES
semínima :60
Fig. 145: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (quadro esquemático)
numérica com os números 1 e 2, quer na ordem '21' quer na ordem '12'. Após dois conjuntos de 2i
sistemas em andamento crescente, os últimos 12 sistemas apresentam um andamento rápido sem
83
u-*évora Departamento de Música - Escola de Artes
no sistemas: 21 21 12
Fig. 146: Franco Donatoni, Feria lV (duração dos sistemas de música e relação numérica)
De seguida, é apresentada de Íorma mais detalhada a estrutura de cada peça da obra Feria lV
A peça I começa com blocos de acordes em pianíssimo e staccato que alternam com
momentos de silêncio, assemelhandese à técnica de pintura conhecida como pontilhismo (fig. L471.
Nesta secção A, o acorde inicial vai desembocar em si próprio, esgotando pelo meio todas as notas
possíveis da escala cromática. O tempo semínima=63 define um andamento lento e os registos (médio
/ uma voz no baixo) equivalem a uma sonoridade clara e limpa. Os tempos de silêncio estão
,=.. e
r
@
Fig. 147 Franco Donatoni, Feria lV, peça I (exposição inicial - secção A)
execução (secçao B). Surgem agora ramificações dos acordes anteriormente apresentados, numa
espécie de arpejos ascendentes apresentados através de Íusas com o total de doze notas cromáticas
(ÍiS. 148). Do ponto de vista do intérprete, para uma execução virtuosa, clara e convincente é
necessária a perÍeita articulação entre as duas mãos, evitando o corte a meio do texto e retratando
uma linha contínua. O silêncio existente entre cada apresentação da série dodecafÓnica é fundamental
84
u-#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Na página 4 surge uma apresentação diferente, embora continuando com o movimento rítmico
atrás exposto (fusas). Nesta secção B', a linha do baixo constitui o fio condutor, realizando um percurso
e
A
t_\
116
I
/..\ I
rotineiro (fig. 150). Trata-se novamente da secção A, embora com modificações na Íorma e no
conteúdo musical.
\J
tnf
ry a V
página 2 mas em movimento descendente. A linha melódica é apoiada em contraponto paralelo por
uma linha de baixo e toda a secção é (quase) homorrítmica e executada na dinâmica fode (fig. 15U.
85
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Em seguida é retomada a secçáo A, agora numa fusão entre o material inicial e o material da
página 5. Em registo master e sonoridade ff, na página 7 são apresentados acordes sustentados e
acordes de curta duração que desaparecem no vazio (silêncio), integrando uma estrutura cada uez
mais densa e carregada (fig. 152). Este momento corresponde ao clímax da peça.
e
,-
V
A secção C surge na página 8. E caracterizada por trilos que percorrem um sentido ascendente
e que são culminados por apogiaturas (fig. 153). Neste diálogo entre os dois teclados são por vezes
apresentadas figurações rápidas com os 12 tons cromáticos. Na linha superior, a melodia Sol, Sib, Mi-
Fá#, Sol vai-se destacando em vários momentos. A meio da página 9, o compositor parece reinventar a
Seguese o confronto entre as duas vozes na página 10. Trata-se da secção C', com similitudes
com a secção C anterior. A melodia superior Sol, Sib, Mi, Fá#, Sol é recombinada, primeiro num jogo
rítmico e depois em blocos de acordes (fig. 154). Apesar das semelhanÇas destes últimos com a
86
u-#Éévora Departamento de Música - Escola de Artes
A secção final surge na página 11, numa espécie de improviso em movimento rápido, num
discurso melódico e fluído, da tessitura aguda para a grave (fig. 155). Esta secção B recombina
material anteriormente apresentado e realiza agora uma monodia descendente, sempre no teclado da
mão direita. Este impulso final irá desembocar e repousar num Fá# grave que será suspenso numa
Fig. 155: Franco Donatoni, Feria lV, peça I (exposiçáo final - secção B)
Fig. 156: Franco Donatoni, Feria lV, peça | (exposição final - secção B)
A peça ll da obra Feria lV comeÇa em fortíssimo, em oposição ao início da peça l. Num tempo
23 linhas melódicas realizadas no teclado da mão direita (fig. 157). As frases comeÇam no sentido
ascendente em movimento rápido, mas voltam a descer e repousam numa nota longa, num fio
contínuo em termos de espectro sonoro. As notas Ré, Sol, Láb, Dó, Lá, Sib iniciam a exposição.
87
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Fig. 157: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (exposição inicial - secção A)
ô
E
l{1
sentido descendente, onde a perfeita articulaçáo entre as duas mãos do intérprete é fundamental (fig'
159). Por vezes, o discurso é interrompido por pequenas apresentaçÓes de notas repetidas que
a
* _lt
fr
Fig. 160: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção C - interlúdios com notas repetidas)
88
u"#révora Departamento de Música - Escola de Artes
Na página 18, dá-se um regresso aos acordes em bloco (fig. 161), algo reminiscente com a
exposição inicial da peÇa l. Esta secção D é agora executada num jogo rítmico. Embora não esteja
indicada na edição de 1997 da Universal Music Publishing Ricordi, as possibilidades do acordeão com
convertor permitem arealizaçáo desta secção em bellow shake, tal como se confirma na interpretação
do acordeonista Claudio Jacomucci a quem a obra Íoi dedicada, Em sonoridade fortíssimo e registo
master, neste momento de clÍmax da peça os acordes são intercalados pontualmente por glissandos
e
a
a
{f
§
I
--
Fig. 161: Franco Donatoni, Feria lV, peça Il (secção D - execução em bellow shake)
interlúdios da secção C anterior, criando agora novos motivos a partir das notas repetidas. No
andamento mais rápido possível de executar, desenvolvese em dinâmica pp e num registo agudo,
exigindo ao intérprete algum cuidado no que se refere à dedilhação aplicada. Nesta secção, os
movimentos rápidos são alternados por clusters em glissando descendente efetuados no teclado da
A
\:7 J, üeLo.e tlt"
*€4
40,
Uma mudança de tempo gara semínima = 60 marca um momento de transição para uma
nova secção. As duas mãos começam a realizar clusters em glissando alternadamente numa súbita
dinâmica em fortíssimo (Íig. 163). Em contraste, no final da página 19 é apresentada uma frase
melódica em sonoridade pianíssimo, num registo grave na mão esquerda (fig, 164).
89
u#évora Depaftamento de Música - Escola de Artes
J-eo
6112
Fig. 163: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção E clusters alternados)
-
no registo grave)
Fig. 164: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção E-frase melódica
e (.-.)
90
u*evora Depaftamento de Música - Escola de Artes
Fig. 166: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (secção B - exposição final)
De seguida, é apresentada uma análise sobre alguns aspetos que se destacam na Feria lV ao
utiÍiza apenas a escrita para baixos soltos. No entanto, recorre por vezes na peÇa ll às duas filas fixas
de baixos (com a notação S), tendo em conta a proximidade das notas aqui disponíveis em relação
aos
baixos soltos realizados nesses momentos (Íig. t671.
mEm
Fig. 167 Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (recurso às duas filas fixas de baixos)
Os efeitos utilizados nesta obra são clusters e glissandos, sendo de realçar que para estes
Nesta obra, o teclado da mão direita e o teclado da mão esquerda complementam-se (motivos
melÓdicos têm início num teclado e são concluídos no outro) e todas as questões de articulação,
dinâmicas, andamento e registos são rigorosamente definidas.
91
u#évora de Música - Escola de Artes
documentacion de la musique contemporaine, 2009). Nas palavras do compositot,"l love to write qulet
(Oron, 2006)' O
0s tÍtulos das obras de Denisov revelam muitas vezes cores impressionistas
que a música deve lrazer aluz
próprio compositor, em entrevista com Bruce Duffie em 1991, deÍende
beleza, de bondade e de luz cruzam as
às pessoas, salvandoas, agindo sobre a alma. os conceitos de
'o da luz'.
suas obras, característica que marcou Denisov como compositor
tempo
o seu estilo de composição é refinado, ricamente detalhado e elaborado, ao mesmo
romântico e melancÓlico, criando texturas cromáticas elaboradas e micropolifonia (centre de
92
Uüi WWW\& Departamento de Música - Escola de Artes
Em 1987, Edison Denisov compôs uma Fantasia para temas de canções soviéticas dos
anos
trinta, para acordeão, piano e percussã0. o acordeonista Friedrich Lips estreou a peÇa, mas aguardava
a promessa de uma obra a solo desde 1973. Como forma de se redimir, Denisov
escreveu mais tarde,
já em Paris e pouco tempo antes de falecer, a peÇa "Des
ténêbres à la lumiere" (Lips, 2009). Escrita
para o acordeonista FriedrÍch Lips, a obra tem uma duração
aproximada de 15' e, na edição de 1996
de J. HamelÍe & C" Editeurs, desenvolve-se em 1i 1 compassos.
Enquanto que na maioria das obras o percurso do "caos à luz" é marcado por lutas e por
obstáculos, algo diferente aparece na obra de Denisov: a pazmarca a música do princípio ao fim. o
compositor quer apresentar a inspiração do intelecto, a calma contemplação de
uma pessoa de idade
avançada. As sombras de p e de pp dominam a obra; o dolce, o dolcissimo e o espressivo sáo
característicos. 0s ritmos complicados (9/8, 11/9,5/4, etc.) não despertam nenhum passo caótico,
pelo contrário, inspiram mesmo um mundo bem equillbrado de pensamentos.
De tempos a tempos,
bonitos harmónicos criam ressonâncias de extrema riqueza sonora (Lips, 1996).
0 título da peça "Das trevas à luz" retrata a passagem de ambientes escuros, relacionados
com o profano e com as trevas, para ambientes de pureza, iluminados e com brilho.
Na música, estes
ambientes são personificados pela tessitura dos sons, ou seja, sons graves associados
a ambientes
tenebrosos e sons agudos relacionados com ambientes luminosos, próximo
do divino (Kouprovskaia-
Bruggeman, 2011).
Segundo Lips (2009), cada compasso apresenta as suas dificuldades rítmicas. o lento
desenvolvimento da peça é baseado nas nuances de piano e pianíssimo, que
criam a imagem de uma
93
u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
luz que continua brilhando. Denisov (1995) esclareceu que todos os ritmos conflituantes não são
matemáticos, mas antes sublinham a liberdade e independência de linhas polifónicas. Até certo ponto,
constituem uma'improvisação'.
Observando a textura, verifica-se que a obra é composta por três diferentes secções e outra
que combina aquelas três. Por outro lado, ao longo da obra as secçóes A, B e C vão também sofrendo
influências mútuas. A dinâmica concentra-se em volumes reduzidos, embora surja por três vezes a
sonoridade forte, a segunda das quais representa o ponto mais alto da peça (compasso 66). A
articulação legato, sempre presente, unifica o material desenvolvido em ambos os teclados. Abaixo é
apresentado um quadro esquemático da estrutura da obra Des ténêbres à la lumiêre (íg. 169).
A Compasso 11: Regresso ao primeiro motivo, mas agora em movimento paralelo das vozes
e numa textura polifónica por vezes a 4 vozes. Duração de 6 compassos e 7z'
B Compasso 22: Retorno à homoÍonia a 4 vozes com predominância de tercinas, mas aqui
em movimento descendente. A secção é concluída por uma melodia acompanhada, na
transição entre os compassos 23 e 24. Duração de 2 compassos e 72.
D Compasso 39: Regresso ao andamento inicial. Secção com inÍluências das secçÕes A
(estética),8(material -tercinas) eC(construção).Atexturaalarga-se(ate6vozes) ea
tessitura média desce até à nota mais grave do teclado da mão esquerda (Mi1), Duração
de 11 compassos e %.
94
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
longo da execução da obra, em contraponto com a tensão provocada pela textura densa das
Após uma apresentação de secções (4, B, C) na forma de espelho, é acrescentada mais tarde
uma nova secção (D) que Íaz a tusão das três anteriores. Segue-se uma exposição sequencial das
secções C e D, intercaladas primeiro com a secção B e, para terminar, com a secção A (fig. i70).
espelho sequência
Fig. 170: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (apresentação em espelho e sequencial de secções)
um pequeno motivo de três notas com meietom seguido de um tom (Dó#-Re-Dó; Si-DeSib; Lá-Si-Láb),
que permite a criação de uma espécie de escala que poderá surtir eÍeito em ambos os sentidos
95
u"*evora Departamento de Música - Escola de Artes
ascendente ou descendente (fig. 171). Este motivo minimalista representa uma assinatura do nome do
Fig. 171: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (pequeno motivo de três notas)
O início da peça começa com uma melodia tranquila em dinâmica p na voz inferior, na
tessitura grave, que se vai expandindo no sentido ascendente e vai sendo harmonizada por pequenas
figurações rÍtmicas navoz superior em movimento contrário, isto é, no sentido descendente ltig.172l.
Nesta secção A, o motivo inicial surge de uma forma muito simples e natural a uma voz, à qual se
sobrepõe uma segunda voz. As primeiras doze notas correspondem a uma apresentação serial
*,1
5:4
t, :=-
-3 ,
w dol,ce
()
Fig. 173: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção B - momento de homofonia)
96
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Segue-se a secção C a meio do compasso 8, com uma entrada desfasada a duas vozes, com o
mesmo motivo melódico e numa imitação com relação intervalar de 4" perfeita entre as duas vozes
(Sol-Ré, Fá#-Do#, Fá-Dó, etc.). Este motivo canónico (fig. 174l deslocar-se-á no sentido descendente,
?'. I
No compasso 11, aparece novamente o tema na linha de baixo, agora começando em Sol#
(fig. 175). Nesta segunda apresentação da secçãoA, a deambulação na voz superior rádar origem a
rJ
77:B<
Fig. 175: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção A - segunda apresentação)
A secção anterior irá repousar num acorde de Lá menor na sonoridade forte no compasso 17,
originando a descida sob a forma de cânon desfasado, desta vez num âmbito interualar de 6' maior
(fig. 176). A secção C irá culminar em trilo num Lá grave, seguido de um momento de diálogo entre as
duas vozes ltig.I77l com evidente influência da secção A inicial (repetição do motivo melódico).
Fig. 176: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção C - cânon após repouso no acorde de Lá menor)
97
u*evora Departamento de Música - Escola de Artes
Póco
*7:8a
gr'dalce
7:8
Fig.l77: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção C - influência da secção A inicial)
No compasso 22, reaparece um pequeno momento de homofonia a 4 vozes (fig. 178). Esta
secção B é desta vez concluída com uma espécie de cadência, onde um acorde de repouso na linha
5:4
Fig. 178: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção B - momento de homofonia)
momento de pergunta-resposta entre as vozes superior e inferior (fig. 179). A textura é aqui realizada a
2etambéma3vozes.
TOco ?§y.
*r-
Fig. 179: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção A- diálogo entre as vozes)
No compasso 36, voltamos a um pequeno episódio de imitação entre as vozes (fig. 180). 0s
trilos que caracterizam igualmente a secção C surgem no final, culminando sobre a nota Lá. Toda a
98
Departamento de Música - Escola de Artes
Poco agitato
l-
ty w
Fig. 180: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção C - imitação entre as vozes)
No compasso 39, comeÇa um novo momento que recebe influências das secções anteriores
(fig. 181). Trata-se da secção D, que vai também originar algo de novo no discurso de Denisov, isto é,
I
,
,,
I nl , r
espr
;6
h
-,?
Fig. 181: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção D - início de uma nova frase)
homofónico (secção B). Esta curta exposição a 4 vozes constitui um espaÇo de repouso, quer para o
ZP
*3
Fig.782: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção B - momento de homofonia)
No final do compasso 54, voltamos a uma textura simples a duas vozes, com pequenas
desÍasamento existente, embora as pequenas frases terminem em uníssono, criando assim pontos
99
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Poco tato
p? 7:8
-31
*5:44
Fig. 183: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção C -textura simples a duas vozes)
-9:8-
aJ L.JJJJ.J.] -17:10
7:B 1r?é ?! Poc0
ô
-
t2r
-7:8-
Fig. 184: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secçâo C - momento de complementaridade)
No compasso 60, entramos numa textura mais densa, embora os motivos melódicos e rítmicos
se vão repetindo à mesma distância numa espécie de jogo entre a voz superior e a voz inferior (fig.
185). Trata-se novamente da secção D, com influências de secções anteriores, Os motivos de três
notas com meiGtom seguido de um tom são evidentes, quer nos trilos quer nos diferentes conjuntos
rítmicos.
Tempo I
5 d *J_
2
rJ- ,.-
Fig. 185: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secçâo D - diálogo entre as vozes)
Este jogo vai acentuar-se a partir do final do compasso 65, isto é, enquanto uma voz se
desloca numa espécie de escala, a outra voz desempenha uma função de acompanhamento pela aÇão
de longos trilos (Íig. 186). O crescendo, que se estende até ao compasso 67, termina num grande
momento de tensão realizado com trilos e Íiguras rÍtmicas agudas, em sonoridade forte e na 8u
superior (clímax da peça). ! .)
100
u#evora Departamento de Música - Escola de Artes
Agitato
4
0
Fig. 186: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção D - clímax da peça)
em dinâmica ppp, a estrutura da obra torna-se mais complexa com contraponto muito livre, em que as
/-ü B
-.5
Fig. 187: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secçáo D - contraponto livre)
A partir da segunda metade do compasso 83, surgem pequenos grupos isolados e executados
em dinâmicas pp, numa clara influência da secção A inicial, que fazem a transição para uma espécie
17.8e
r!
a-d
Fig. 188: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção D - influência da secção A inicial)
No compasso 87 retomamos o momento inicial (secção A), em que uma melodia na tessitura
grave aparece na linha do baixo, sendo acompanhada pela voz superior que toma agora um corpo
101
u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
TempoI
? poco
h §
Este momento Íaz um percurso ascendente até ao compasso 92 e depois desce até à tessitura
grave, atingindo momentos de verdadeira poliÍonia entre as vozes. Esta última secção irá repousar, no
compasso 100, num Mi grave (nota mais grave do teclado da mão esquerda) que irá servir de bordão
í:
.f .! r 7 t
,
, L I íl I I
r Jí[l.Tiir I 1)"1- ry t-
5;4
(Bbtr_____
Fig. 190: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secção A - repouso na nota Mi grave)
Por sua vez, no compasso 102, assistimos a um resquício das primeiras notas do motivo inicial
da peça, numa espécie de pequena coda final que se irá repetir nos compassos seguintes (Íig. 191).
Nesta fase Íinal da obra, a oposição entre o agudo e o grave é intensa, provocando a perceção dos
sons agudos como um ambiente de pureza e paz interior. A sensação é intensificada pelas sonoridades
7:B 9:0
rry-- [eggt ero -
-
Fig. 191: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (secçáo A - pequena coda final)
t02
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
na voz grave o bordão Mi e na voz intermédia pequenas deambulações que constituem motivos
anteriormente apresentados (fig. 192). As linhas inferiores são realizadas no teclado da mão esquerda.
A peça termina numa sonoridade ppp, sendo necessário um excelente equilíbrio da pressão exercida
no fole por forma a manter os três planos num patamar de sonoridade audÍvel.
@r
AJ
U LEL..J-,t
#
-9:6 ê.
I
(B)
-l
De seguida, é apresentada uma análise sobre alguns aspetos que se destacam na obra Des
ténêbres à la lumiêre ao nível da utilização de vários recursos disponíveis no acordeão com sistema
convertor.
Denisov apresenta na sua obra uma escrita apenas para baixos soltos, sem qualquer tipo de
equilíbrio sonoro entre os dois teclados no sentido de atingir uma real clareza na execução/audição,
registos por parte do intérprete. Assim, será fundamental selecionar os registos mais adequados.
bassoon (8' inferior) na mão direita por forma a executar o trecho musical na tessitura pretendida. Este
103
u"*évora Depa rtamento de Música - Escola de Artes
49
_---J
,-J-
-ii-
Fig. 193: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (recurso ao registo bassoon no teclado da mão direita)
conjugar as duas filas Íixas de baixos com as quatro Íilas de baixos soltos, permitindo a audição, em
simultâneo, de sons muito graves e sons muito agudos no teclado da mão esquerda. Para poder ser
executada esta exposição nas linhas inferiores, deverá ser efetuado um reposicionamento da mão
esquerda no compasso 101 (fig. 194). Aqui, aproveitando os momentos de pausa (silêncio), a mão
direita do intérprete desloca-se para o Mi grave do teclado da mão esquerda enquanto a mão esquerda
faz o trajeto (salto) para o mesmo Mi em Írente ao Dó central. Este reposicionamento da mão esquerda
=-PV
Fig. 194: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (momento ideal para efutuar o reposicionamento da mão
esquerda)
O compositor utiliza também, em algumas passagens, uma escrita que apenas é possível de
executar no acordeão com convertor, dada a proximidade das vozes entre os teclados (fig. 195)'
6r*
6:
47.t,.^."*
Fig. 195: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (escrita apenas possível no acordeão com convertor)
104
u'ü ww*rm Departamento de Música - Escola de Artes
Kagel (fig. 196), que se converteu num dos mais significativos autores de teatro instrumental (Kagel,
P., n.d.). Sadie (1980) refere que, no seu conceito de teatro inskumental, a música de Kagel foca-se na
igual importância dos sons produzidos e das ações físicas executadas pelos instrumentistas e
O espírito teatral e o humor de Mauricio Kagel estão sempre subjacentes nas suas últimas
Muitas das suas últimas obras contêm instruçoes teatrais especíÍicas para os intérpretes, tal
como adotar certas expressões faciais durante a execução. O seu trabalho pode ser mesmo comparado
Nas palavras de Kagel, "Yo compongo al mismo tiempo visualy musicalmente" (Solare, 1999)
música concreta, do Dadaísmo ou da música aleatória, Muitas das suas obras utilizam tambem
técnicas de colagem musical. Kagel afirmou que "an essential aspect of my work is strict composition
105
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
abordagem antissistemática', inÍluenciada por uma ambiguidade essencial: a conexão de Kagel com as
Nos últimos anos de composição de Kagel, na sua escrita reconhece-se a preocupação com
episódios de materiais desconexos, a forte atenção sobre as cores sonoras e a necessidade de dar
A obra Episoden, Figuren, com duração aproximada de 14', foi estreada pelo acordeonista
Teodoro Anzellotti, com o qual Mauricio Kagel colaborou intensamente ao longo de várias reuniões' Na
do acordeão, que apesar dos antepassados com vários milénios apenas existe realmente há alguns
séculos atrás.
Nesta composição, Mauricio Kagel tem muitos desenhos (figuras) que voltam a encontrar-se
"fnfeitiçado pelos encantos antigos do acordeão, era apropriado para mim envolver-me com a
retórica de frguras musicais. Assim eu sofri para compor com som'formas palpáveis, e para tecêJas em
episódios de uárlos comprimentos. [Jma vez que o acordeão é um instrumento que permite diferentes
efeitos sonoros com os botoes da máo esquerda e da mão direita, as lfguras uagueiam de um lado ao
outro, sendo transformadas de acordo com o seu registo e tessitura. Ninguém consegue conter um
sorriso quando pensa no acordeão. E como se todas as peças tocadas no acordeão tivessem as suas
longe de desinteressante: uma nova Música Noua podeia ser feita com muitos instrumentos do
género" (Kagel, 1998).
sonoros ao longo da obra, podemos ldentifcar 12 episódios diversos. Ao longo destes episódios, as
figuras cruzam os dois teclados constantemente. O inicio de cada episódio é marcado por mudança de
i06
u#:evora Departamento de Música - Escola de Artes
registo(s) e e precedido por um repouso mais ou menos prolongado em notas, acordes ou pausas,
Desta Íorma, os episódios são intercalados com pequenas frases (interlúdios) de preparação de uma
nova ideia. Abaixo é apresentado um quadro esquemático da estrutura da obra (fig. 197).
5 Compasso 93: Este episódio regressa à ideia do anterior, onde as semicolcheias ganham
importância acentuada. Em Prestissimo, é apresentada uma repetição homofónica nos
dois teclados que já não se limita ao intervalo de 3". O material vai-se extinguindo
ritmicamente, passando a acordes acentuados. Repouso novamente no final com acordes
e uma única nota de ligação ao episódio seguinte. Duração de 54 compassos.
9 Compasso 217: Num ambiente quase coral homofónico, surgem notas pedal na mão
esquerda e são desenvolvidos acordes que transitam entre os dois teclados de forma
suave. Os vibratos encontram novas cores neste episódio. Duração de 31 compassos.
107
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
10 Compasso 248/259: Episódio com influências do episódio 8, que começa com uma
espécie de canção em intervalos de 3u (interlúdio ad libitum). Segue-se um momento
polifónico que se transforma em homofónico (quintinas de semicolcheias e trios de
colcheias). Termina com acorde de repouso em f crescendo. Duração de 23 compassos
12 Compasso 308: Um acorde pedal realizado na 8u aguda na mão direita é transferido sem
alterações para a mão esquerda. A voz superior realiza grupos de notas em andamento
rápido variável e aparece uma encenação facial. Após exploração da tessitura aguda, no
final os motivos fazem um percurso descendente e cruzam os dois teclados numa
tessitura grave. De forma progressiva, extinguem-se. Duração de 1 compasso (4 sistemas)
Fig. 197: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (quadro esquemático)
num andamento calmo. Em termos de relações entre os vários episódios, ao nÍvel do material
apresentado, verifica-se uma forte influência do episódio 4 sobre o 5 (contraponto de semicolcheias e
compasso nem andamento definido), os restantes episódios podem agrupar-se nos conjuntos
108
u#Éévora Departamento de Música - Escola de Artes
inicial consiste num pequeno motivo que repousa numa nota longa (fig. 199). Este primeiro motivo
aparece de uma forma complexa pelo desfasamento rítmico existente entre as vozes (textura
e
a ,t
D *í -*.1-%-
4 Pp '\P
qPP
- -:--
O Y
Fig. 199: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio I - exposiçáo inicial)
acompanhado pela voz inferior composta por uma nota longa (bordão) e por grupos de tercinas
semelhantes e homogéneas (fig. 200). Nos compassos finais do episódio, surge um pequeno interlúdio
que faz depois a ponte para uma troca de funções (a melodia passa para a uoz inÍerior e o
c) ca.g2,nonrubato
:
=
J
o wP)
4 rJ-
3 3 LJJ
Após uma nota longa de repouso, no compasso 22 surge o episodio 2 com um motivo fugitivo
realizado na mão esquerda. A voz principal começa no teclado da mão esquerda e a voz superior,
composta por grupos sequenciais, estabelece o contraponto (fig. 201). Neste quadro, há uma mudança
abrupta de caráter e estilo, caracterizada fortemente pelo andamento Presto e pelos grupos de Íusas
109
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
e
64 leggiero
p Í
-4
e llüchtig I lugitíae e L3)
r-
1) wiederholungad tibitum
repeliüonadlibitum
No compasso 32, entramos numa textura diferente (episodio 3) onde a relaÇão horizontal
desempenha um papel fundamental. Os trilos prolongados {frg. 202l,dão lugar a insistentes trémulos,
Em seguida surge um momento fodemente marcado pelo jogo ritmico entre as vozes. O motivo
da pauta superior é composto por motivos rápidos e sequenciais de 2" maior e menor, em movimento
descendente e em movimento contrário com os arpejos da voz inferior (fig. 203). 0 episÓdio conclui
2 Í
4-t- J- ç- -'-t
3
Fig. 203: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 3 - jogo rítmico entre as vozes)
No compasso 62, entramos num novo quadro desenvolvido sobre o intervalo de 3" e em
andamento acelerado (Prestissimo). Neste episodio 4, Mauricio Kagel contrapõe grupos sequenciais de
quatro semicolcheias, iniciando no desenho melódico do acorde de Lá menor, enquanto a voz inferior
se desenvolve em grupos sequenciais de tercinas sempre sustentadas por notas longas {fi9.204l..
i10
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
Prestissimo (J ca.170)
c -
=---r'
A atividade constante exercida pelo contraponto e cruzamento de quatro por três figuras taz
pressupor que estas notas longas constituem a frase melódica principal deste quadro. 0 final do
episódio caracteriza-se por um acentuado repouso em andamento calmo, semínima:60 (fig. 205).
o
Fig. 205: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 4 - momento de repouso)
quadro semelhante ao anterior. No entanto, agora a repetição homoÍónica nos dois teclados não é
Prestissimo come
-l
-lGÉ,-!-c*
2 p
4 ! l (!l d" )
:I--Í'--l-"tffiT-
tig.206: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 5 - contraponto e intervalos diversos de 3')
Este contraponto com desenhos melódicos diÍerentes irá culminar em blocos de acordes
(semínimas) acentuados, executados em dinâmica flf con tutta la forza, numa relação fortemente
vedical e que repete ao final de 8 compassos (fig. 207),. O final do episódio é marcado por uma suave
transição de registos sobre linhas corais, num ambiente calmo e tranquilo em sonoridade ppp, fazendo
111
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
#
#
o (fr)
2ffi,,*utlotofo*
&'l . L I
;i'i-!ií|- çr1- {H ffi -rf.-ú--
0 episodio 6, com início no compasso 147 e que se situa a meio da peça, constitui um
:.d-'À\
,f
al
3
'I 't!
í'l
fr,* 4 legatissimo PP
r bi-=
,ll-),
fi qf-f a
Fig. 208: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 6 - melodia 'tradicional')
Nos compassos Íinais deste episódio, assistimos a um pequeno interlúdio onde se regista o
cruzamento de melodias entre os dois teclados (fig. 209) e que Fará a ponte para um novo quadro.
? ^f =-P ú
e-G- ,
L-3 -_)
3
e
Fig.209: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 6 - interlúdio com cruzamento de melodias)
articulação e na dinâmica. Num jogo rítmico, a voz superior deslocar-se-á numa abertura constante de
registo e tessitura e também numa estrutura cíclica (fig. 210). 0s motivos rítmicos têm influência do
t12
uüévora Departamento de Música - Escola de Artes
m q
t*, dolce e leggiero
e
Fig. 210: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 7 - contraponto em jogo ritmico)
a , a I L.t :*
fltü, &, tt b, tí 1)
ffi
":*Í '*' -trL: ::--l
' tr' rL.- "
/:\
(,
Fig.21l: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 7 - clímaxda obra)
No quadro que se inicia no compasso 202, assistimos a uma troca de vozes em relação ao
episódio anterior. No episódio 8, a voz superior apresenta agora uma espécie de improviso, que se
desenvolve num andamento presto (variante da apresentada no episódio 2). Em simultâneo, a voz
inferior apresenta os grupos de semicolcheias da voz superior do episódio 7, compostos por grupos
ü
I8
í*? Ê\ íç-^f ffrV\
ryP
-- -Í
Fig.212: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 8 - contraponto alterado em jogo ritmico)
A dinâmica é crescente até fff e a tessitura é alargada. A partir do compasso 2I4, um pequeno
interlúdio coralcom sonoridade decrescente até pp (fig. 213)fará a ponte para o próximo quadro.
113
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
.» =.» (loco)
..1
wa( 9ta).. .
n
t?
4 (ffis
& o --- 'o
LJ-J
A partir do compasso 217 surge um ambiente quase coral homofónico (episodio 9),
caracterizado pelo movimento homogéneo, mas em movimento contrário das vozes, num registo
e legatixino
o
Fig.2I4: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 9 - melodias em movimento contrário)
staccato são executadas espaçadamente sobre um acorde pedal na mão esquerda. Este discurso
rítmico irá Íazer a transição para acordes que transitam entre os dois teclados. Neste ponto, a
mudança de acordes de um teclado para o outro deverá ser ao máximo impercetivel como se de um
discurso a uma voz se tratasse. A passagem dos acordes deverá ser feita de uma forma cuidada,
criando a ilusão de legato perfeito. Neste aspeto, o compositor pede, por vezes, a realização do efeito
vibrato (fig. 215), que poderá ser realizado pela mão contrária à que se encontra a executar o acorde
Moderato () ca.76l
molto tmryuíllo e legatissimo! t-l
uibr.
I
rn <t P PT oibr.
*9p <
-
114
u#Éévora Departamento de Música - Escola de Aftes
No compasso 248, aparece uma secção ad libitum que indica o possível corte para o
compasso 259. Neste compasso tem início o episodio 10, que comeÇa uma espécie de reexposição do
material anteriormente exposto no episódio 8. A voz superior revela um padrão homorrítmico assente
nas mesmas notas musicais, embora a regularidade seja desfasada lÍig.216l. Esta pequena exposição
é sempre sustentada pela nota Ré acima do Dó central, enquanto a voz inferior define o padrão
e 8w-
accelerando
Fig.276 Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio 10 - contraponto com regularidade desfusada na voz superior)
Aquele interlúdio irá desembocar no compasso 271 numa estrutura de acordes na forma de
passagem de testemunho (episódio 11). Os acordes deslocam-se em diálogo alternado entre os dois
teclados (fre.217l,.
I n
Segue-se um acorde pedal na voz inferior e, na voz superior, acordes executados em staccato
com ritmo irregular repetem a estrutura ao final de seis compassos (fig. 218). A sonoridade vai
desaparecendo até pp.
115
u#évora Departamento de Música - Escola de Aftes
rallentando pocoaPoco..,.(Íall.pocoapoco)
- dinWoWo --
Àin. wcriw
=# ritmo irregular)
1l - exposiçáo de acordes em staccato com
Fig. Zlg: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (episódio
- - -w
e @p)
Fig.2l9: Mauricio Kagel, Episoden Flguren (episódio 12 - encenação final, tessitura aguda)
Esta tessitura aguda irá contrastar depois com a parte final tocada a uma sÓ voz, embora
para a plateia).
sustentado pelo momento de silêncio final (em que é encenado um sorrido Íixo
- (tàchtlúanxtaum)l0o*ingandsmiling) - - - - - - làchelndqslanmlafrudgrin
11
(qp) .) >P fr rí
EII-
Fig.22O: Mauricio Kagel, Episoden Figtrren (episódio 12 - exposição final, tessitura grave)
Nos três últimos sistemas, o compositor indica que a música deve ser tocada
em simultâneo
audiência. Segundo Anzellotti existe aqui uma tensão entre a aÇão sonora e cénica, tendo
em conta o
De seguida, é apresentada uma análise sobre alguns aspetos que se destacam na obra
Episoden Figuren ao nível da utilização de vários recursos disponíveis no acordeão com sistema
convertor.
escreveu apenas para baixos soltos. Ao nÍvel dos eÍeitos, recorre às acentuações executadas com o fole
termos técnicos nos dois teclados, pela passagem do mesmo texto ora no teclado da mão direita ora
no teclado da mão esquerda. O cruzamento de vozes entre os dois teclados também sucede
pontualmente na peça.
Quanto aos registos, a sua utilização por Kagel é bastante diversificada pois utiliza 7 diferentes no
teclado direito e 3 diferentes no teclado esquerdo. Por vezes, num texto mais lírico o compositor
recorre a registos médios (violino, clarinete). Em acordes sfoaando ou em momentos de dinâmica ff, o
compositor escolhe o registo master. E ainda em outras passagens de caráter virtuosístico, surge a
cada um dos teclados, ou seja, o registo bassoon na mão direita ltig.221l e o registo de 8, aguda na
mão esquerda. Estes momentos estão por vezes associados a trocas de funçoes entre as vozes.
movendo
n
@
-
b'.í
§
)2, ,' , b"ú
Fig. 221: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (registo bassoon no teclado da mão direita)
t17
u'.ü evora Departamento de Música - Escola de Artes
ambiente sonoro diferente (música descritiva). No final, o compositor utiliza como efeito a
por último, de destacar na obra o minucioso detalhe escrito relativamente a todas as condições
pudesse surgir ao intérprete, mas por outro lado sugere também que nenhuma liberdade de
execução
lhe é oÍerecida.
Após um interesse inicial pelo rigor do serialismo e pelo espectralismo francês (construção
integradas de maneira muito pessoal, ocorreu durante o seu período parisiense, de 1981 a 1993
(lrcam-Centre PomPidou, 201 3).
melodia) foram novamente reinterpretados para a era pós-serial (Boosey & Hawkes, 2}l4l' E esta
118
U'.ü: WWW\& Departamento de Música - Escola de Artes
orientação neoclássica nas suas harmonias e design formal que faz com que as suas obras sejam
A partir de 1988, Lindberg optou por trabalhar mais com a harmonia e as cores sonoras. As
suas peÇas estão cheias de todo o tipo de figuração e texturas intrincadas, mas subjacente a todas elas
estão harmonias triádicas ressonantes (de alto contraste, como as três cores primárias). Lindberg
desenvolveu o que ele designa de 'técnica da chaconne' para organizar as suas harmonias, ou seja,
uma progressão cíclica de acordes percorre a peÇa, por vezes submersa, às vezes evidente. O
compositor desenvolveu também uma forte noção sobre a forma narrativa, com uma preocupação com
e ritmo. Muitas vezes o compositor aplica a técnica da chaconne, onde a narrativa musical é construída
sobre uma sequêncta harmónica repetida (Nieminen, 2OO7l.0 espectralismo francês contribuiu para o
Lindberg explica: "l bui/t a series of chords that comprlsed somehow the skeleton of the who/e
work. They are omnipresent, they give the work form and identity" (EôtvÕs, lgg4],.
Segundo Martin (2010), este sistema harmónico sofisticado para organizar progressões de
acordes dodecafónicos tem o propósito de alcançar a unidade harmónica. Lindberg escreve as suas
A sua linguagem musical é geralmente muito complexa mas também cheia de força e
vivacidade (Ondine, 2014). O virtuosismo instrumental é uma característica de grande parte da sua
obra (Los Angeles Philharmonic,2014). O próprio compositor declarou "only the extreme is interesting'
(Nieminen, 2007l,.
ApÓs o primeiro estilo composicional, as obras de Lindberg exibem regras de composição mais
Íoi uma característica de Lindberg é a velocidade com que sua música evolui, caleidoscópica de cor e
119
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Jeux d'anches é uma trama incrivelmente densa de padrões harmÓnicos na forma de arpejos
com notas sustentadas. Depois da mudança da sequência de acordes poderosos, a peÇa transforma-se
dramaticamente e, quando parece encaminhar-se para uma segunda parte, a música para (Mobia,
n.d.).
Magnus Lindberg, apesar de muita atividade musical, apresenta essencialmente uma peça
A expressão jeux d'anches flogos de palhetas) é um termo organístico, utilizado entre outros
por César Franck, para descrever as sonoridades dos instrumentos de palheta, escrevia Lindberg sobre
a sua obra. Nesta obra para acordeão solo, Lindberg tenta combinar a escrita serial e espectral
(Dalbert, 1991).
Jeux d'anches foi suscitada pelo acordeonista finlandês Matti Rantanen (n. 1952), a quem a
obra é dedicada. Tem uma duração aproximada de 9' e, na edição de 1993 da editora Wilhelm Hansen
Observando a textura, o andamento e o espectro sonoro, veriÍica-se que a peça é composta por
secções que se distinguem pela utilização de baixos soltos e de baixos standard, pela aplicação de
pulsações ou figurações mais ou menos rápidas e pelo recurso a sonoridades distintas. Por outro lado,
nesta peça a articulação desempenha um papel fundamental. O processo de composição rigoroso leva
a que o resultado Íinal seja caracterizado por uma riqueza sonora onde se pode ouvir sons com vários
tipos de acentuação, tenutos, staccatos, e espectros de sons que surgem sob a forma de acordes
t2t
u*rávora Departamento de Música - Escola de Ades
pulsação (tranquillo, comodo, animatd e de figuras rÍtmicas, podem ser agrupados numa secção A. 0
prédefinidos nos baixos standard, pode ser classificado como secção B. Seguese um retorno à secção
A realizada nos baixos soltos, com os andamentos moderato e andante. Ainda neste andamento
andante há um regresso aos baixos standard, ou seja, à secção B. O Íinal do andante retoma a
execuçáo em baixos soltos, correspondendo à secção A.
Do andamento uivo em diante, a pulsação vai acelerando, o volume sonoro cresce, as Íiguras
tornam-se mais rápidas e os andamentos com duração mais curta. Alguns trechos que se seguem em
acordes arpejados que se vão prolongando e anunciando o final da obra. Assim, todo o material
exposto do andamento vivo em diante pode ser considerado como secção C. O padrão de
andamento:
tralouillo, andante - moderato, andante - andante - - andante - - vtvo...
comodo, animato
secÇão: A(b.soltos) B(b.standard) A(b.soltos) B(b'standard) A(b.soltos) C
Por outro lado, o pensamento harmónico de Lindberg permanece evidente em Jeux d'anches,
tendo em conta as sonoridades que se repetem ao longo da obra, algumas das repetições ocorrendo
em momentos chave. Por exemplo, a sonoridade do primeiro acorde arpejado suspenso (SitrLáb-Fá#-
Mi-Ré) apresentado no andamento tranquillo (Íig. 2251 é recorrente e, com ou sem ligeiras
modificaçóes, repete-se com evidência nos andamentos seguintes (Íig. 226, fig. 227 , tig. 2281. No final
na peça, são recordadas insistentemente a primeira e a última nota daquele acorde (Sib, Ré), até que
(s)
t
I
PP
Fig.225 Magnus Lindberg, Jeux d'anches (primeiro acorde arpejado suspenso)
122
u# évora Departamento de Música - Escola de Ades
t I
*3r
Fig.226: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (duas repetiçóes do acorde nos andamentos comodoe anrmatQ
t i
,b
R.l,i
( §,.^;\
\ re"[; )
h7 hi?Jtni
L, H.
*3
:-naihf 'í§
-ft1Magnus Lindberg, Jeux d'anches (duas repetições do acorde no lo andante e uma repetiçâo no 2" andantel
Fig.227:
t b b
i-
sub. np {»d cresc.) ' 3-
Fig.228: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (uma repetição do acorde no sconevolee duas repetiçóes no viuace e /eggerid
9-r
t23
u#évora Departamento de Música - Escola de Aftes
A peça começa numa tessitura aguda (nota mais aguda do teclado da máo esquerda - Do#6) e
com registos de uma voz acionados em ambos os teclados (fig. 230). A voz superior entra em intervalo
de 3u menor (R+Fá) no tempo fraco e o discurso musical processa-se num aceso diálogo entre as
vozes, sendo a voz inferior executada nos baixos soltos (notação B.B.). Este primeiro bloco na secção A
Tran -54
e I
v
ilbb P '>7F
@E
Fig. 230: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (exposição inicial - secção A)
Um novo bloco é depois iniciado, agora à distância de uma oitava inferior em relação ao
anterior, num andamento um pouco mais rápido, oscilando por vezes, entre as duas oitavas, num
Comodo J =or
v -b il
+,J
+6s
rhf.-P
Fig. 231: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção A - intensificação dos acordes arpejados)
Na página 2 seguese um andamento mais rápido, onde a articulação dos sons, com recurso a
acentuaçóes e a tenutos, assume uma função preponderante (fig. 232). De destacar uma evidente
apresentação serial no compasso de entrada e início do seguinte, perfazendo os 12 sons.
124
u-*évora Departamento de Música - Escola de Artes
Animato J -el
-í-
gí*
wll,/
Fig.232: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secçáo A - andamento mais rápido, recurso a articulaçóes diferentes)
primeira vez, um acorde de seis notas arpejado suspenso na voz superior (fig. 233). Para a realização
deste acorde é necessária a utilização do indicador para pressionar duas notas em simultâneo.
Andante ):n
t
r,. |1
t- 4-
I ---:-------T---------
(S*i\
r (€aú / tJ_Jrrl ------:-- t-t-l--:]jJ " ul-[4i
F-.-J
ls,g.l? ll 7 x mi 1 ', 7l'íj.il-n'?
-
h,
L. ).i
-Jjí.--t-
!ttt J-'
Fig. 233: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção B - recurso aos baixos standard, acorde de seis notas)
Na página 4, há um regresso a uma pulsação mais calma e aos baixos soltos pela ação do
registo convertor, num discurso que se processa no registo agudo e onde se destaca o diálogo entre as
vozes na textura polifónica (Íig.234). Nesta secção A, a mão esquerda realiza trilos e vários intervalos
de 3'. As melodias agudas e graves são por vezes acompanhadas de articulação constrastante. Este
125
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
Moderato J =or
l-5
r-3- L"_."._*,
J
-í- {
*6
+ I*-"Ê:- x -.,--.-Pb*1T
r
/ L.H. *l- í
,,á = I
thP
Fig.234 Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secçáo A - recurso aos baixos soltos)
Ainda em baixos soltos, na página 5 começa um novo bloco num andamento andante em
sonoridades fortes, intensamente marcado pela linguagem homorrítmica e com padrões melódicos (fig.
Andante ) =72
1
, --t -í-3-
* t ú*;"j.: t****J*#Í'u*
-JE 4
PoL/
ar
?6é0
orê'tL"---
Fig. 235: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção A- linguagem homorrítmica, repetição de padrôes melódicos)
Na voz superior, os motivos rápidos são intercalados com momentos de maior repouso em acordes
prolongados (fig. 236). Por outro lado, nesta secção B a articulação ocupa um lugar importante,
protagonizada por legatos, tenutos e acentuações.
6-
!..d. I
1 r*3<
(s,'",a W 11 711
1@' 7 1 7 1 '-' e. ,
L. |l ----r-E-
(c)
Fig.236: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secçáo B - recurso aos baixos standard)
126
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
A secção A reaparece na página 7. A tessitura dauoz inÍerior, em baixos soltos, desloca-se até
aos graves, enquanto a voz superior realiza arpejos e acordes arpejados suspensos lÍig.2371. A
b \ {
4
L3r >: h :,
6
1.s. I \
,,
L, ll. 4e» q
# lnP
Fig. 237: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção A - arpejos e acordes suspensos)
De seguida, aparece um muito curto bloco de transição (dois compassos) constituído por um
motivo sequencial que evolui no sentido ascendente num percurso rápido e vivo (fig. 238). Aqui, a linha
inferior deverá ser realizada com recurso às duas filas fixas de botões (notação S). E neste andamento
n Vivo Í=no
U
\g*-./ v
l+- 4ç \
E
Fig. 238: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - motivo sequencial ascendente)
Seguese um bloco fortemente marcado pelo movimento contrário das vozes num jogo
melódico, por vezes homorrÍtmico (fig. 239), que culminará num trilo longo e em uníssono sobre as
Scorrevole
tt
-í-
-lrí 1
rt.ry inr' ua:c)
Fig.239: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secçáo C - diálogo entre as vozes, padrâo homorritmico)
t27
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Na página 8 tem início um novo bloco, agora em andamento mais rápido, sendo a adiculação
(staccato, legato, acentuação, tenuto) fortemente marcada (fig. 240). Existe uma recombinação do
material anteriormente exposto, como por exemplo o movimento contrário das vozes numa textura
homorritmica.
0s últimos 10 compassos deste bloco, com uma aceleração do discurso provocada pelas
figurações cadavez mais rápidas, pelo bellow shake em ponto de tensão, pelo registo a três vozes na
linha inferior, pelos sÍozandos sobre acordes e pela homorritmia em fff, representam o clímax da obra
$9. 2a\. Especial enfoque para as dinâmicas pretendidas, onde a passagem imediata de um acorde
em sforzando para uma sonoridade mpapenas é possível executarpela açãoconcertada e rigorosa da
pressão exercida no manuseamento do fole.
{l À
^, ^ ^ ^ r? à
I I : t >)
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-
lrrt Il
l -
:-=L- I
lt - )
9cllow thol,.et $*7-11- \<{-ttí-{ ____Éfl
i; ; ) !)
H ,{,
A partir do agitato da página 10, entramos num momento de bellow shake em movimento
rápido (ma presto possibilel caracterizado por um forte jogo rÍtmico que assenta na ação dos acordes
executados na voz superior. Esta estrutura vai sendo intercalada com jogos sonoros (espectrais)
resultantes de uníssonos entre os dois teclados, mas em que os registos acionados em cada um
produzem cores distintas (Íig. 2421. A sonoridade pretendida é forte e a execução rápida e precisa.
128
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
$etk nrtes
Fig. 242: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - jogo rítmico em bellow shake, jogo sonoro entre teclados)
A partir do Viuace e leggerio da página 10, entramos num momento de diálogo entre as vozes
(fig. 243) que irá culminar numa estrutura intensa de acordes arpejados suspensos realizados em
sonoridade fode e bastante cheia (recurso ao registo master), Os primeiros dois compassos deste
andamento são também um testemunho da escrita serial de Lindberg.
, t
I 32
li?
-n/
Fig.243: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C- diálogo entre as vozes)
Na página 11, estruturas de acordes prédefinidos (baixos standard), numa espécie de baixo
ostinato sobre acordes de sétima, acompanham a construção de acordes de seis notas arpejados
suspensos na voz superior (tig. 244ll. Para a realizaçáo destes acordes de seis notas é necessária a
utilização do polegar para pressionar duas notas em simultâneo. Até ao Íinal deste bloco, o andamento
vai acelerando.
FF)
).= 6çgsf6ranlo
-
-rl
Nt, & Pbo cfetl, -
Fig.244: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - acordes de seis notas, baixos standard ostinato)
-r,{
129
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
O penúltimo bloco prolonga o material anteriormente exposto, mas agora em andamento ainda
mais rápido (prestd e adicionando motivos sequenciais e trémulos (fig. 2451. A linha inferior em baixos
standard retoma os ostinatos sobre acordes de sétima da dominante, A dinâmica sobe até fff, ponto a
L7,
't -,1!-./ .\/ t2 -JLJ
u t çi-.,^l^ I
ffi
Tr..rã"t 7 t'1
--§
Fig.245 Magnus Lindberg, Jeux d'anches (secção C - tremulos)
0 bloco final regressa a um tempo calmo e repousante, realizado em baixos soltos, onde as
mínimas e as semibreves têm lugar de destaque {tiç.246l,. Trilos e trémulos introduzem figuras de 9
fusas em movimento repetitivo nas notas Sib e Ré, acompanhadas por um intervalo bordão na voz
inferior também sobre as notas Sib e Ré. A massa sonora diminui ea dinâmica vai-se
progressivamente extinguindo até pp, tornando quase inaudível o momento final (tig. 247).
I lz=-
ffi.t 12:
9-
PP
De seguida, é apresentada uma análise sobre alguns aspetos que se destacam na obra Jeux
d'anches ao nÍvel da utilização de vários recursos disponíveis no acordeão com sistema convertor.
130
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
escreve para os dois sistemas: baixos soltos e baixos standard. Lindberg utiliza as filas de acordes prê
definidos na sua escrita, nomeadamente ao nivel de pequenos motivos que se repetem numa espécie
de preenchimento sonoro de fundo, enquanto a mão direita realiza um texto diferente. 0s acordes pré-
definidos utilizados são todos aqueles possíveis (maiores, menores, de sétima e diminutos). Lindberg
utiliza a notação convencional (M, m, 7, dl para mencionar os acordes pretendidos. Ao mesmo tempo,
apresenta numa pauta adicional o som real pretendido e que deve ser produzido no acionamento dos
acordes pré<iefinidos.
Por vezes essa sonoridade real não é possível uma vez que os acordes prédeÍinidos já saem
de Íábrica, aquando da construção dos instrumentos, dispostos de certa maneira e com determinada
inversão. Esta questão requer do intérprete uma certa sensibilidade e capacidade de optar e escolher
Ao nível dos efeitos, Lindberg utiliza o bellow shake e o glissando. A sua escrita criativa orienta-
se para novos desafios possíveis no acordeão com convertor de botões, nomeadamente através da
realizaçáo de acordes no teclado da mão direita com 6 ou 7 notas (Íig.2481. Esta execução torna-se
possÍvel pela ação do dedo polegar ou indicador, que consegue pressionar 2 ou 3 notas em simultâneo
Especial destaque também para o momento de transição para o Tempo alla breve. Pela sua
construção, os acordes pretendidos na voz superior em adiculação com as notas mais graves na
mesma voz só seráo possÍveis num teclado cromático de botões (dada a proximidade das notas
tocadas nos botões), podendo neste caso o dedo polegar tocar as três notas em simultâneo (fr9.249l,.
131
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Outra característica da obra reside na escrita de motivos sequenciados que se tornam fáceis de
realizar no teclado de botóes cromático, devido à ordem de posicionamento das notas/botóes (fig'
2S0). Ou seja, sem alteração no posicionamento dos dedos, a mão desloca-se ao longo do teclado da
,-í.--.7.
, -----l
,
-lt
I
Fig. 250: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (motivos sequenciados)
decrescendos sobre a mesma nota acionada e também a repetição de notas na mesma tessitura em
132
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
Após a análise interpretativa das 6 obras contemporâneas de Luciano Berio, Sofia Gubaidulina,
Franco Donatoni, Edison Denisov, Mauricio Kagel e Magnus Lindberg efetuada no capitulo anterior,
entre
mostra-se interessante organizar e dedicar um capítulo exclusivamente à correlação/comparação
perceber
as várias obras, nomeadamente no que se reÍere à escrita para o instrumento, no sentido de
quais as semelhanças / diferenças entre as várias abordagens musicais e também qual a evolução do
que se segue refere os pontos que mais se destacam relativamente a cada obra / compositor'
Quanto à abordagem musical, Luciano Berio é o único compositor que apresenta uma forma
através de
rondó / espiral com entradas temáticas sucessivas, onde muitas harmonias são construídas
acordes prêdefinidos (fig. 251).
texturas diferentes, uma série dodecafónica onde as 12 notas da escala cromática estão sujeitas
a uma
relação ordenada e não hierárquica (fig. 253). Donatoni escreve por secções, manipulando os
dois
Edison Denisov recorrê a um pequeno motivo de três notas (Íig. 254) que, encadeado, se
(sons
transforma numa escala ascendente ou descendente. A sua obra faz a distinção entre o caos
graves) ealuz (sons agudos). O discurso é caracterizado por momentos de grande atividade melÓdica
Mauricio Kagel apresenta uma obra contrastante ao nível de episódios sonoros (fig. 255) e
Magnus Lindberg constrói um esqueleto harmónico com espaÇo para momentos de grande
intensidade virtuosística (fig. 256) e apresenta como inovador os acordes de 7 notas no mesmo
teclado.
vib
--l-
G J LJ LJ L.l
e, L /â
""*p'"
semp"e
gp
í7,%
9:A-
ÂL 29 067
Fig. 254: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (pequeno motivo de três notas)
134
u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
>- çF?
r-3----r
3 Lj----J
Edison Denisov apresenta uma escrita bastante densa em termos de horizontalidade mas, no
entanto, com vários padrões rítmicos que se repetem ao longo da peça, originando canônes rítmicos e
melódicos. Mauricio Kagel, tal como Franco Donatoni, apresenta um discurso em blocos contrastando
movimentos rápidos com movimentos lentos, e por vezes estruturas de acordes em bloco contrastam
-*+F-.{+D-- ffi1)--
,......i..'."-"_
t* .*
a) 3 g, dolce e bggim
ffi) 4
tff --f-tu!-
1 +
Fig. 258: Franco Donatoni, Feria lV, peça I (acordes em bloco / passagens rápidas)
Mauricio Kagel apresenta jogos rÍtmicos e melódicos entre as vozes, por vezes assumindo uma
troca de funções entre essas vozes. Recorre também à interpretação cénica por parte do intérprete
135
u"*evora Departamento de Música - Escola de Artes
enquanto executa a obra, pela ação de pequenos gestos, movimentos faciais e olhares ou sorrisos
Franco Donatoni, utiliza ambas as vozes como complemento, sendo a frase musical repartida
entre os teclados. Magnus Lindberg utiliza acordes de 7 notas para a mão direita, execução apenas
Sofia Gubaidulina utiliza, por vezes, sequências de acordes cromáticos que tomam a mesma
posição no teclado pela utilização das duas Íilas auxiliares existentes no teclado de botões (fig. 259).
lmagem semelhante também acontece no discurso de Mauricio Kagel (fig. 260). Magnus Lindberg
utiliza, em vários momentos, motivos que se expandem de uma forma sequenciada, permitindo ao
intérprete a mesma posição dos dedos executando no teclado o mesmo desenho melódico (fig. 26U.
De salientar que esta técnica é bastante apropriada para o teclado cromático de botões.
ta
1..-i-r___
-:1.§a-81ts--r--Y==
U
3
& t
n Vivo {:no
g
lWF2'ít+!2 1'.\L-"/
8- 4+- 4+' \
i
Fig.26l: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (discurso sequenciado)
136
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
mil - solT fa#l - do#7 mil - solT Íál - ré#7 lá2 - ré7
tessitura no teclado direito fá2 - si6
Íá1 - re5 mi1 - dó#6 Íá#L -lá5 mi1 - dó#6 rel - dó7 mil - re6
tessitura no teclado esquerdo
pp-ff ppp-f ppp - fff pp - fff
ppp - fff ppp - fíff
amplitude da dinâmica
amplitude de andamento 49-63
tranquilo / 40 - 170 54 -96
50-112 84 - 100
agitado
m
contrastante contrastante legato contrastante contrastante
articulação legato
(p) ú
Ç
Fig.263: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (extensao aguda - teclado mão esquerda)
r37
u"#Éévora Departamento de Música - Escola de Artes
No que diz respeito à tessitura, Sofia Gubaidulina, a par de Edison Denisov, percorre
a máxima
tessitura possível nos dois teclados. Já as tessituras mais curtas encontram-se na obra
de Luciano
Berio. Edison Denisov consegue, pela ação dos registos, atingir uma oitava inferior ao que possível
é
executar no teclado (Íig. 264). Tal como Sofia Gubaidulina, ao longo da peça o compositor
atinge a
--- -l
@r
_J
5:6
doT,cissimo
Fig.264: Edison Denisov, Des Ténêbres à la lumiére (tessitura grave e aguda, Mi1 - SolT)
Quanto à dinâmica, é menos ampla nas obras de Franco Donatoni e de Edison Denisov e, pelo
contrário, mais ampla na obra de Sofia Gubaidulina. No entanto, em termos globais, todas
as obras
registam sonoridades com elevado contraste. As sonoridades fodes são, na sua maioria,
atingidas
paulatinamente por crescendos ou decrescendos que antecedem ou procedem
os pontos de tensão.
Mauricio Kagel apresenta a maior variação nos andamentos, enquanto a obra de Franco Donatoni
contém a menor amplitude de andamento.
r-3 r-3
r-3
-
r3- r*? "'-
-t :iL+i.(tW
tou*,
h,{ #
- ro, tu
?a.o
oreít. ----
Fig.265: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (articulação)
138
u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
e
i'
t"f ''1.
F
-Í---t-.-----r-ff
Ao nível da duração das obras, Edison Denisov construiu a obra mais extensa, enquanto a obra
cluster X X X
glissando X X X
bellow shake X X X x
vibrato X X X
podamento X
efeitos de percussão X
baixos soltosstandard X X
cruzamento de vozes X X X x
nota pedal X X X X
139
u#:évora Departamento de Música - Escola de Artes
Em relação ao cluster, nas obras de Luciano Berio, Sofia Gubaidulina e Franco Donatoni a sua
forma e intensidade de utilização é muito variada. Na Sequenza Xlll (Chanson), Luciano Berio recorre
muito pontualmente a clusters com intervalo definido na voz superior e estes têm uma função sonora e
Profundis uma proÍusão de clusters de vários tipos (em glissando, com e sem intervalo definido), que
contêm uma Íunção descritiva ou rítmica (fr9.270ll. A utilização pontual de clusters na obra Feria lV de
Franco Donatoni apenas ocorre no Íinal da peça ll, encontram-se integrados num jogo rítmico-
.J-eo
a7-+-
54r2
Fig.268: Luciano Berio, Sequenza Xlll (clusters com Fig.269: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (clusters
intervalo definido) alternados nos dois teclados)
,L
noi
B Etr
.tr
-FF
Fig.270: Sofia Gubaidulina, De Profundis (vários tipos de clusters)
No que respeita aos glissandos, são utilizados pelos compositores Sofia Gubaidulina, Franco
Donatoni e Magnus Lindberg. Na obra De Profundis, os glissandos são uma constante, seja sobre
intervalos ou sobre acordes e associados ou não a clusters ltig.271l. Já na obra Feria lV, na parte final
140
u"*évora Depa rtamento de Música - Escola de Artes
W
*{
Fig.277: Sofia Gubaidulina, De Protundis (glissandos sobre Fig.272: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (glissandos
intervalos) sobre acordes)
3
6
{crerc.)
Fig.273: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (glissando sobre uma nota)
Em termos de bellow shake, é frequentemente explorado pelos compositores, por vezes até ao
limite da sua capacidade expressiva. Luciano Berio, SoÍia Gubaidulina e Magnus Lindberg fazem uso
desta técnica nas suas obras. Além disso, embora não seja feito qualquer tipo de indicação na
paditura, Franco Donatoni apresenta na peça ll da sua obra uma escrita que possibilita a execução em
Luciano Berio utiliza muito pontualmente o bellow shake e apenas para colorir um momento de
repouso prolongado e de transição entre uma passagem rápida e outra mais calma (fig. 274). Sofia
Gubaidulina recorre insistentemente ao bellow shake na introdução da sua obra, utilizando também
accelerandos e ritardandos em movimentos de fole diretos, a abrir e a fechar (fi9. 275). Franco
Donatonie Magnus Lindberg Íazem uso da técnica de bellow shake na ótica de jogo rítmico {1fr9.276l. e
r:\
f
?PP I ?PF
Fig.27 4: Luciano Berio, Sequenza Xlll (bellow shake em Fig.275: Sofia Gubaidulina, De Protundis (bellow shake
nota prolongada) -
com alteraçÕes no andamento e na dinâmica)
141
u#:évora Departamento de Música - Escola de Artes
A
\7
â.
a\
llj
Agitato J =r+
, tna. yre$'ysib;le
Quanto à técnica de execução do übrato, é utilizada por Luciano Berio, Sofia Gubaidulina e
Mauricio Kagel. Na Sequenza Xlll (Chanson), o vibrato surge invariavelmente associado ao culminar de
Írases melódicas, quer no início quer no fim da obra fi9.278lr. Em De Profundis, os vibratos ganham
destaque num bloco próprio e são intensiÍcados por súbitas mudanças de sonoridade entre sfozando
e ppp (fig. 279l,, pelo que são realizados com oscilação de ambas as mãos em contacto direto com o
acorde que se executa. Na obra Episoden Figuren, os vibratos estão associados à passagem de
acordes num legato cuidado (fig, 280) e são realizados pela mão contrária à que se encontra a
vib e
mf ::> Ilw
-':::
Fig.278: Luciano Berio, Sequenza Xlll (vibrato a culminar Fig. 279: Sofia Gubaidulina, De Profundis (vibratos com
Írase melódica) mudança súbita de sonoridade)
1.42
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
ffi
aibr
,' aibr
- *Í :- nf,
Fig. 280: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (vibratos com passagem legato dos acordes)
indica de forma clara em De ProÍundis que pretende que o portamento provoque a desafinação das
notas até à extensáo de meio tom descendente, o que conferirá um tom lamurioso.
e â
olbr. no^
p<->- .< >- é <
Nas seis obras em questão, os eftitos de percussão também foram apenas utilizados em De
Profundis (fig. 2821. No contexto descritivo da obra, Sofia Gubaidulina pretendia com este efeito
.)
Luciano Berio e Magnus Lindberg são os compositores que melhor apresentam a simbiose
entre baixos standard e baixos soJtos pela ação do convertor, enquanto a abordagem dos restantes
compositores se limita aos baixos soltos. Luciano Berio cria, inclusive, notações prÓprias para o
intérprete se poder situar (fig. 283), enquanto Lindberg opta por escrever o acorde real que quer ouvir
Mll d
't
d 1 m d
7 7
m
L#
fl.}.i
( §,.^;\
\ rwl; ) G3
( 7 H ?ilülJni
L. H.
J|*3
O cruzamento de rozes é utilizado por Luciano Berio, Edison Denisov, Mauricio Kagel e Magnus
Lindberg. Todos estes compositores adotam esta técnica de uma forma esporádica nas suas obras,
alguns apenas numa única vez isolada ltig. 285, tig.286, ítg.287 , fig. 288). Ocorre sempre no decurso
de um trecho musical, embora Mauricio Kagel lhe confira algum destaque ao integrar esta tecnica num
-3 -
Fig. 285: Luciano Berio, Sequenza Xlll (cruzamento de Fig. 286 Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre
vozes) (cruzamento de vozes)
Andantino (J ca.66)
J ca.56
-í-
4 *f .r--J l_3J
4 ?
-"-\ Y
libenmmte P
Fig.287 Mauricio Kagel, Episoden Figuren (cruzamento Fig. 288: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (cruzamento de
de vozes) vozes)
movimento homorrítmico executado em simultâneo entre a voz superior e a voz inferior, em direçoes
opostas.
144
u#évora Depaftamento de Música - Escola de Artes
vib- -
J=104
5-
a-
--*-'-
lqPP
I
Fig. 289: Luciano Berio, Sequenza Xlll (movimento contrário Fig.290: Sofia Gubaidulina, De Protundis (movimento
de vozes) contrário de vozes)
-
êt
\- (^.)
-?P-
- dol.ce
* í-
-J
tig.29l: Franco Donatoni, Feria lV, peça ll (movimento Fig.292: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre
contrário de vozes) (movimento contrário de vozes)
Fig. 293 Mauricio Kagel, Episoden Figuren (movimento Fig. 294: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (movimento
contrário de vozes) contrário de vozes)
Lindberg utilizam esta técnica que depende de um controlo e pressão adequada sobre o fole do
instrumento. Uma vez descoberta esta técnica torna-se possível, no acordeão, preparar todos os inícios
e finais de frase e também tornar o campo expressivo muito mais rico e diversiÍicado. Enquanto
Gubaidulina apresenta esta técnica como um curto apontamento em De ProÍundis (fi9. 2951, iá
Lindberg confere-lhe um maior destaque ao inclui-la no clímax da obra Jeux d'anches (Íig. 296).
-,</!-nf
Fig.295: SoÍia Gubaidulina, De Profundis (crescendo e Fig.296l. Magnus Lindberg, Jeux d'anches (crescendo e
decrescendo nas mesmas notas) -Ír-hy
decrescendo nas mesmas notas)
145
u-#révora Departamento de Música - Escola de Artes
para o outro, mantendo a continuidade do som, também obtém este efeito. Os diÍerentes timbres dos
teclados (conseguidos pelo acionamento dos registos) produzem este eÍeito. Edison Denisov, Mauricio
Kagel e Magnus Lindberg utilizaram esta técnica nas suas obras (fig. 297, Ítg. 298, tig. 299). 0s
últimos dois compositores concederam algum destaque a este efeito, Mauricio Kagel através de uma
exposição mais demorada e Magnus Lindberg através da sua repetição ao longo da obra.
-9:8-
Iry --*= :::=-
€
-7:
Ftg.297: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre Fig.298: Mauricio Kagel, Episoden Figuren
(eco/ressonância) (eco/ressonância)
4
I Y
Fig. 299 Magnus Lindberg, Jeux d'anches (eco/ressonância)
Sofia Gubaidulina, Franco Donatoni, Edison Denisov e Mauricio Kagel também recorreram à
utilização de registos extremos (bassoon/piccolo) nas suas peÇas (fig. 300, 301, 302, 303). No caso
particular da obra de Denisov, não existe qualquer indicação de registos, mas por exemplo existe uma
passagem para uma tessitura bastante grave no teclado da mão direita que só é exequível com o
e ,
146
ugévora Departamento de Música - Escola de Artes
n
ê
,b;,1
4
§ -./:\ -.
Fig. 302: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (registo Fig. 303: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (registo
bassoon) bassoon)
possivel num instrumento polifónico e cromático como o acordeã0. São executadas três melodias em
simultâneo, duas das quais realizadas num dos teclados, direito ou esquerdo. Esta técnica
é
possibilitada pela proximidade dos botóes do acordeão e foi utilizada por Luciano Berio, Edison Denisov
-J -.1-"-
4l
=
-a,
P
/-T--\
hív?\
-l-
'l M m
Fig. 304: Luciano Berio, Sequenza Xlll (duas vozes na mão direita)
lgJ
=-
-
Fig. 305: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiere (duas vozes na mão esquerda)
t47
u#Éévara Departamento de Música - Escola de Artes
ríls.nnlu
b
v
r II-__--
hot /t'tt.
Fig. 306: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (duas vozes na máo direita)
Sofia Gubaidulina, Edison Denisov, Maurlcio Kagel e Magnus Lindberg também utilizaram a
técnica da noh pedal nas suas obras (fig. 307, fig. 308, fig. 309, fig. 310). O prolongamento do som
originado por uma ou mais notas em simultâneo produz um efeito semelhante a um bordã0. Aqueles
compositores reservam este efeito para a parte final das suas obras.
,rf I
--'77.--
ru:--
teqqt ero
-
Fig. 308: Edison Denisov, Des ténêbres à la lumiêre (nota pedal na voz inÍerior)
--..7 -fr-+
I
- dim. poa a poco -
---+- --_+-----.:
Fig. 309: Mauricio Kagel, Episoden Figuren (acorde pedal na voz inferior)
148
u*évora Departamento de Música - Escola de Aftes
g_t 9-1
Fig. 310: Magnus Lindberg, Jeux d'anches (notas pedal na voz inferior)
No decorrer da aprendizagem das seis peças contemporâneas, surgiram várias questões que
se relacionam com a metodologia utilizada pelo intérprete no sentido de apreender o conteúdo das
obras.
No que diz respeito ao estudo e execução das dinâmicas utilizadas, na música contemporânea
o contraste sonoro está intrinsecamente ligado à forma de expressão. Para o intérprete, será
absolutamente essencial exagerar nas dinâmicas no sentido de tornar o discurso apelativo e mais
interessante.
Para a execução deste tipo de obras, uma boa independência de mãos deverá permitir uma
com vozes diferentes e melodia e acompanhamento. Em certos casos, para enÍatizar uma frase é
necessário recorrer a articulações diferentes entre os teclados em simultâneo para obter o resultado
desejado (por exemplo, tocar o motivo temático em legato na mão direita enquanto a mão esquerda
realiza o texto musical em staccato).
Por vezes, surge a necessidade do intérprete complementar uma ação com o movimento do
corpo. lsto é, uma acentuação deverá ter uma preparação do corpo, o qual deverá acompanhar o
impulso consequente. Por exemplo, para realçar a melodia principal executada no teclado da mão
esquerda, o intérprete deverá direcionar o corpo para o teclado da mão esquerda por forma a enfatizar
Ao nÍvel do estudo de cada uma das seis obras, são de realçar alguns aspetos específicos que
inÍluenciam em grande medida a interpretação que é exigida pelo compositor. Nas obras de Luciano
149
u#Éévora Departamento de Música - Escola de Artes
Berio e Magnus Lindberg, será importante estudar isoladamente os acordes prédefinidos no que diz
respeito à sua localização bem como à sua relação com o próximo acorde. Na Sequenza Xlll (chanson),
que utiliza pequenos jogos rÍtmicos e baixos ostinatos, convém trabalhar isoladamente estes pontos.
leitura da peça será de extrema utilidade. Em De Profundis, os eÍeitos deverão ser experimentados de
várias Íormas, exagerando nas dinâmicas, percebendo qual a melhor postura física para obter
determinado efeito.
Na obra de Franco Donatoni, será inicialmente bastante útil subdividir o tempo no sentido de
vezes, recorrer às filas auxiliares torna-se essencial, evitando quebras de frase e permitindo maior
conforto eclareza na exposição do intérprete. Nesta obra, a escolha dos registos é muito importante no
sentido de proporcionar um maior equilíbrio entre o volume sonoro dos dois teclados.
fundamental na interpretação da obra. As indicações devem ser realizadas de uma forma exagerada,
150
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
No âmbito desta tese de Doutoramento realizaram-se três recitais. A escolha do repertório para
os recitais teve como principal critério a necessidade de interpretar um conjunto de obras que
exemplificassem a importância da utilização do sistema convertor na composiçao para acordeão.
As obras apresentadas foram originalmente escritas para acordeão, exceto a Fantasia e Fuga
em Sol menor BWV 542, a Chaconne em Ré menor BWV i004 e a Passacaglia e Fuga em Dó menor
A escolha das peças de Bach surgiu no sentido de ilustrar o acordeão como um pequeno órgão
portátil, utilizando para o efeito os registos Basson, Violino, Orgão e Master, e também evidenciar as
convertor. Nestas peÇas, as principais técnicas de execução consistem em realizar notas pedais através
das duas filas Íixas de baixos soltos. A combinação destas duas Íilas fixas com as quatro filas de baixos
soltos em simultâneo permite executar trechos musicais a duas e três vozes e executar acordes com 5
notas no teclado da mão esquerda. No teclado da mão direita torna-se possível diferenciar os timbres
pela ação dos registos e realizar polifonia a três e quatro vozes pela proximidade dos botões ao longo
No campo das peças cíclicas originais para acordeão, foram selecionadas três sonatas: Sonata
n.o 1 de Anatoli Kujakov, Sonata n.o 1 op. 13 de Alexander Nagayev e Sonata n.o 3 de Vladislav
Zolotaryov. A escolha destas sonatas prendeu-se com a necessidade de apresentar obras de grande
dimensão (arge scale worfi, originalmente escritas para acordeão com convertor e compostas em
também as possibilidades harmónicas e melódicas do instrumento, sendo a escrita por vezes densa e
orquestral. Estas peças dão especial destaque ao uso de eÍeitos: bellow shake, vibrato e cluster.
No âmbito da música contemporânea, que constituiu a base central e fulcral da tese deste
renome internacional no sentido de investigar, não obstante as estéticas musicais diferentes de cada
um, a influência do sistema convertor na escrita para acordeão. Estas obras de Luciano Berio, SoÍia
151
u*évora Departamento de Música - Escola de Artes
Gubaidulina, Franco Donatoni, Edison Denisov, Mauricio Kagel e Magnus Lindberg foram jà
devidamente detalhadas em capítulo anterior. Através da análise interpretativa das obras foi possível
discernir as várias técnicas utilizadas na manipulação do sistema convertor e abrir um novo capítulo no
No Íinal de cada recital foram incluídas duas peças de curta duração, originais para acordeão,
escritas para a utilização do sistema convertor, numa linguagem mais acessível em relação às seis
peças contemporâneas. O objetivo foi o de explorar a musicalidade do intérprete, quer em termos de
viÉuosismo quer em termos de expressividade, com a particularidade de todas elas terem sido das
primeiras peças escritas pelos respetivos compositores para acordeão com convertor.
Para a realização dos três recitais deste programa de Doutoramento, foi fundamental a
participação do doutorando nas masterclasses com os proÍessores Friedrich Lips (2010, 2013,2014l,,
Mika Váyrynen (2010), Geir Draugsvoll (2011), Frédêric Deschamps (2013, 20141e Teodoro Anzellotti
{2014)., que contribuíram para a melhoria do desempenho técnico e artístico nas obras.
Abaixo são apresentados os programas de cada recital (fig. 311, fig. 312,fig.313) e efetuadas
152
u"*tívora Departamento de Música - Escola de Artes
A Fantasia e Fuga em Sol menor de J. S. Bach, é uma transcrição pelo doutorando da partitura
original escrita para ôrgáo. As principais técnicas utilizadas nesta obra são a utilização da nota pedal no
teclado da mão esquerda enquanto as 4 filas de baixos soltos realizam texto musical em simultâneo,
juntamente com a realização de texto musical a 3 e 4 vozes no teclado da mão direita pela ação do
polegar que, por vezes, se desloca por várias notas em redor. A obra é integralmente realizada em
baixos soltos.
A Sonata n.o 1 de Anatoli Kusyakov, é uma obra cíclica em quatro andamentos que ilustra
várias possibilidades sonoras do acordeão, com destaque para o uso de efeitos como o bellow shake, o
vibrato e o cluster. Várias mudanças de baixos soltos para baixos standard ocorrem ao longo da peça.
A Toccata n.o 1 de Ole Schmidt, constitui uma das primeiras peças escritas para acordeão com
convertor numa linguagem atonal. Recorre alternadamente a baixos soltos e a baixos standard, sendo
Por último, a peÇa Romance de Franck Angelisu, embora escrita numa linguagem tonal, remete-
acompanhamento, sendo este realizado nota a nota. De realçar o uso das dinâmicas e a ênÍase nos
Programa do 2o Recital
partitura original escrita para violino e também da transcriçáo para piano de Ferruccio Busoni (186G
1924)'. As principais técnicas utilizadas consistem na seleção dos registos apropriados e na alternância
A Sonata n.o I op. 13 de Alexander Nagayew é uma obra cíclica em três andamentos. Possui
uma escrtta orquestral, ilustrada pelo instrumento a solo, e também utiliza os efeitos de bellow shake,
vibrato e cluster.
Preâmbulo e Toccata de Bogdan Precz, é também uma das primeiras peças escritas para
acordeão com convertor numa linguagem atonal. Aparece como uma introdução ao período
contemporâneo, explorando vários timbres pela ação dos registos. Ao longo da peça ocorrem várias
mudanças de baixos soltos para baixos standard. E de salientar o contraste entre os sons agudos e
graves no preâmbulo com a vivacidade enérgica da toccata escrita num compasso 7/8, utilizando
Por último, a peça The Flight Beyond the Time de Petri Makkonen, surge num discurso de
grande viduosidade e num plano tridimensional (textura a três vozes distintas). Trata-se de uma peça
6
Biografia do compositor em http://www.bach-cantatas.com/Lib/Busoni-Ferruccio.htm, acedido em 24/lO/2014
7
Biografia do compositor em Anthologr oÍ Compositions for Button Accordion, Part X, Friedrich Lips (Ed.), Editora Muzyka,
2004
8
Biografia do compositor em http://www.acordeonisima.com/ampliarbiografia.php?idbio=98, acedido em 24/70/2014
e
Biografia do compositor em http://www.musiccompetition.rslbiographyFiles/a29fd26&3Íe14c5Íà403-
a46haf2lÍ99 Petri%20Makkonen.pdf, acedido em 24 / 70 / 2014
154
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
A Passacaglia e Fuga em Dó menor BWV 582 de Johann Sebastian Bach é uma transcrição
pelo doutorando da partitura original escrita para órgão. A principal técnica utilizada consiste em
articular, ao longo da peça, o texto musical realizado no teclado da mão esquerda entre as duas filas
Íixas de baixos soltos que realizam a pedaleira e as quatro filas de baixos soltos que produzem a2u voz
A Sonata n.o 3 de Vladislav Zolotaryov,o é uma obra cíclica de grande dimensão (large scale
work), originalmente escrita para acordeão com convertor e composta em quatro andamentos. A
escrita torna-se, por vezes, densa e orquestral. Destaca-se na obra o uso de efeitos, tais como bellow
ScherzoToccata de Petr Londonov,, surge como um pequeno apontamento para acordeão com
convertor num discurso fodemente marcado pelo virtuosismo, com recurso ao bellow shake e de
Fantasia 84 de Jürgen Ganzer" foi uma das primeiras peÇas do compositor para acordeão com
convertor e utiliza uma técnica muito especÍfica que consiste em executar a mesma nota, na mesma
tessitura, em teclados diÍerentes e com desfasamento rítmico, provocando uma espécie de
i55
u*evora Depafiamento de Música - Escola de Artes
7. |NQUÉRITOS E ENTREV§rAS
No intuito de perceber qual o conhecimento atual, qual o caminho futuro para o acordeão com
professores, alunos e concertistas de acordeão com convertor, fábricas e ateliers ligados à construção
do instrumento. 0 inquérito contém as questóes abaixo sobre o acordeão com convertor (fig. 314).
Português lnglês
2010 e setembro de 2072, No total, foram recolhidos 18 questionários respondidos, num total de 35
questioná rios distribuídos.
156
U',Vj#W*f& Departamento de Música - Escola de Artes
Todos os questionários Íoram recolhídos diretamente junto dos respondentes. Esta recolha
com professores, com intérpretes e com discentes, de participação como docente em concursos de
acordeão nacionais e internacionais, bem como de visitas a fabricas e ateliers nacionais e estrangeiros.
Os resultados para cada uma das questôes do questionário encontram-se tratados abaixo.
A totalidade dos inquiridos revela ter conhecimento sobre o sistema convertor e a maneira
como funciona (fig. 315).
0Y"
B Tem conhecimento
! lrlão tem conhecirnento
100/"
Quanto aos aspetos positivos, 65% dos entrevistados justifica que a principal vantagem do
sistema convertor reside na possibilidade de realizar contraponto e uma maior independência de mãos
No que toca a aspetos negativos, 70% dos inquiridos revela que a principal desvantagem do
sistema reside na perda de velocidade de execução e no ruído produzido pela mudança do convertor.
15% aborda também a longa distância até à patilha que permite acionar o convertor diÍicultando, por
157
u*évora Depaftamento de Música - Escola de Artes
5%
I menor velocidade na
1O/o execução
I ruído
40o/o
15o/" tr distância até à patilha
tr desconforto Íísico na
colocação da mão
30Y"
I outras desvantagens
Sobre o momento de criação do sistema convertor (fig. 318), 70% dos entrevistados aponta a
lábrica Hohner como pioneira na tentativa de criar um acordeão com baixos soltos por volta de
Lg4O/50, enquanto 65% dos inquiridos internacionais aponta também a intervenção de Mogens
Ellegard na década de 1950/60 como sendo dos primeiros intérpretes de acordeão com o sistema de
Por outro lado,55% dos entrevistados estrangeiros aponta para a década de 1980 as primeiras
nomeadamente, ltália e França, tais como: Pigini e Armando Bugari. Uma faixa de 35% revela também
que a génese do sistema convertor está na década de 1950 na Rússia, atribuída à construção do
tr Íábrica F{ohner;
1 940/50
1Oo/"
tr Íábricas Pigini e
Armando Bugari;
1970/80
30"/" tr Íábricas Rússia;
1950/60
filas auxiliares no teclado da mão esquerda e só em 1991, a entrada no país de um acordeão com
1O"/"
30"/"
Dos entrevistados com idade superior a 40 anos, 85% revelou ter começado a tocar acordeão
com convedor já após a idade adulta devido ao aparecimento tardio deste sistema. Dos entrevistados
entre os 30 e os 40 anos, 65% revelou ter iniciado o estudo do convertor entre os 15/20 anos de
idade. Dos entrevistados situados na Íaixa etária entre os 20 e os 30 anos, 70% refere ter iniciado o
estudo de acordeão com convertor entre os 13/15 anos de idade. E, por último, dos entrevistados
entre os 10 e os 20 anos, 80% referiu ter iniciado o estudo do acordeão com convertor entre os 10/12
159
U'.Vjev0ra Departamento de Música - Escola de Artes
anos (fig. 320). Dos dados observados, podemos concluir que nos dias atuais o estudo do acordeão
9lYo
807o
70%
60%
50Vo
40o/o
30Yo
20%
10%
lYo
30/40 20130 15120 15t20 13/15 10t12 13/15 10/12 8/1 0 10t12 8/10 6/8
ar]os anos anos aÍros anos anos anos anos anos anos anos anos
No que diz respeito ao estado atual, 60% dos inquiridos refere o acordeão com conveftor como
possibilitando a incorporação das notas soltas em alternância com os acordes prédeÍinidos apenas nas
seis filas de botoes existentes, em vez de filas auxiliares, como também, pela utllização e recurso aos
(fie.321).
10%
I bastante desenvolvido
I em desenvolvimento
160
U ,ü: *V*f{ã Depadamento de Música - Escola de Artes
Sobre a continuidade do sistema convertor, 65% dos inquiridos refere que, no futuro, irá
continuar a existir no sentido de utilizar, conjuntamente, os baixos standard e os baixos soltos. Pelo
contrário, 35% revela grandes certezas no fabrico de acordeoes apenas com baixos soltos, sendo a
A perceção das fábricas é ligeiramente diversa, sendo que 85% revela a necessidade de
construir instrumentos com ambos os sistemas enquanto a procura por parte dos clientes assim o
justificar. Até ao momento, 25% das fábricas referiu já terem recebido encomendas para construir
lntérpretes Fábricas
Relativamente às perspetivas para o futuro (fig. 323), questão de natureza aberta, 65% dos
inquiridos abordou a necessidade de se escrever, cada vez mais, repertório original para o instrumento,
criando para o efeito, uma simbologia específica que permita uma maior facilidade no reconhecimento
uma maior ergonomia em relação ao corpo humano (correias, localização dos registos, acabamento
das partes exteriores) e materiais mais resistentes nos mecanismos internos (palhetas, válvulas, etc.).
161
u;*evora Depadamento de Música - Escola de Artes
Também 45% dos respondentes revela a necessidade de fundir o acordeão com outros
instrumentos (música de câmara e orquestra) como forma de ampliar o reportório existente para
acordeã0.
escolas de música, sobretudo, ao nível de ensino das camadas mais jovens, criando para o efeito,
mecanismos, exercícios, e repertório original bem elaborado que motive a aprendizagem correta do
40%
30%
WN ffi WN
ffi
MM'
20/"
W ffi Wil 10./o
10o/o
0/o
ffiil ffi ffi W W
repertório construção música de reformado outros
original (organologia) câmara e ensino
orquestra
A par dos inquéritos, foram analisadas entrevistas concedidas por compositores, intérpretes e
erudito.
reconhece que a execução de música original escrita para o acordeão constituiu a direção certa, tendo
em conta que todos os instrumentos têm de possuir a sua identidade. Destaca a importância da
criação de música original por compositores de elevado nÍvel, sendo que parte deste acervo irá
permanecer como repedório standard para acordeão.
162
u-**vmnm Departamento de Música - Escola de Artes
clássica e contemporânea. Refere que a exposição do acordeão com outros instrumentos, num mesmo
público. Face às possibilidades de execução do instrumento, Lips responde "l play my accordion like
amadurecerem juntos. Nesta matéria, indica o dinamarquês Mogens Ellegaard como o acordeonista
recordando que em 1976 este acordeonista tocava num instrumento com 9 filas de botoes no teclado
da mão esquerda (3 filas de baixos soltos e 6 filas de baixos standard), enquanto na Rússia já se tinha
avançado para o acordeão com 6 filas de botões e convertor no teclado esquerdo. Ellegaard
reconheceu que o futuro seria o acordeão com convertor e passou a tocar num destes instrumentos,
com a disposição de notas nos teclados adaptada para o sistema C (notas graves nos botões
superiores dos teclados).
Segundo Lips, a influência de Ellegaard na Europa era tão grande que rapidamente todos os
fabricantes em ltália e na Alemanha passaram a produzir acordeões com 6 filas de botoes e convertor
no teclado esquerdo.
Lips refere que Ellegaard foi pioneiro ao reconhecer a necessidade de criar um repertório
original para o acordeão, pelo que colaborou intensamente com todos os compositores escandinavos,
Lips recorda que, em 1992, por iniciativa de Ellegaard, Íoi fundada a organizaçáo lnternational
Accordion Socie§ que, entre outras, se propôs realizar as tarefas de standardização de todos os
a Accordions Worldwide uma entrevista. Defende que Ellegaard teve uma proÍunda influência sobre o
163
u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
rumo de desenvolvimento do acordeáo na segunda metade do século XX, pois o instrumento estava
escrito em 1983 que "the transcription literature (was)...a temporary emergency solution". Pretendia
acordeão com baixos cromáticos, com destaque para a experimentação no novo campo da música de
Os acordeões dos anos 1960 e 1970 eram pesados e, na generalidade, desajustados para
crianças e jovens. Murray recorda que Ellegaard percebeu que esta situação condicionava o
desenvolvimento de técnicas de execução de elevado nível, que devem ser iniciadas nos primeiros anos
de estudo do instrumento. Ellegaard convenceu a fábrica Pigini a produzir modelos de acordeão com
convertor ajustados em peso e dimensão para crianças, desenvolvimento este que afetou
positivamente o ensino e a construção de instrumentos.
assemelham a uma grande orquestra. Na música russa, o acordeão (bayan) apresenta-se mesmo
esclarece que, em 1975, o ambiente acordeonístico era caracterizado por um número muito reduzido
de composições 'clássicas', especialmente na Íorma cíclica, o que já não satisÍazia os jovens músicos e
t64
u#:évora Departamento de Música - Escola de Artes
intérpretes em desenvolvimento. Estava latente a necessidade de conquistar novas formas com uma
composição não se encontram de forma alguma esgotadas, em particular no que diz respeito à música
de câmara.
Em entrevista realizada em 2004 por Kevin Friedrich, o acordeonista finlandês Mika Vãyrynen
salientou a importância de transcrições de qualidade que, em alguns casos, incluem pequenos arranjos
relevo internacional, situação que valoriza o instrumento e que o torna também mais respeitado entre a
Referiu a jovem idade do acordeão, o que não permite a comparação dos métodos e do
conhecimento da dinâmica corporal (a execução é iniciada pelo corpo e não pelos dedos) em relação
ao piano e ao violino, onde as técnicas foram testadas há centenas de anos.
Em 2013, Mika Vãyrynen concedeu nova entrevista a Kevin Friedrich e destacou como técnica
esquerda.
Numa projeção a longo prazo, prevê que nos próximos 50 anos o destino do acordeão será
comprovar as suas capacidades (e dos seus intérpretes), tendo em conta que o instrumento se
mantém praticamente desconhecido entre o grande meio musical.
Referiu que os acordeonistas, entre os quais releva Mogens Ellegaard, perceberam que era
necessária uma colaboração séria com compositores para que o instrumento Íosse aceite em
165
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
entendimento do intérprete sobre a música, mas também exigem que a sua capacidade técnica esteja
Massimo Pigini, diretor da Íábrica de acordeoes Pigini, foi entrevistado por Wallace Liggett em
1999. Referiu que na construção de acordeóes existirá sempre um compromisso entre o desejo
técnicoartístico do instrumentista e o peso{imensão do instrumento que ele poderá suportar'
dos registos de queixo com múltiplas posiçóes, que melhora significativamente o desempenho sonoro
no teclado da mão direita (evita quebras no som por motivo de acionamento de registos). Registou
também como exemplo a construção de um novo modelo de acordeão com 6,8kg (o peso mÍnimo
166
u#évora Depaftamento de Música - Escola de Artes
coNclusÃo
música escrita para acordeão, isto é, até que ponto a criação de um sistema que converte acordes pré-
definidos em baixos soltos com diÍerentes tessituras veio ou não potenciar e valorizar a escrita erudita e
a performance no acordeão.
a.C., a primeira patente na Austria em 1829 e a invenção do sistema convertor em ltália em 1959. Na
verdade, o acordeão vive num contrassenso pois apesar dos seus antepassados longínquos é na
difusão do sistema convertor pela Europa e o rumo de desenvolvimento do acordeão. O seu trabalho
pioneiro na encomenda de obras eruditas para o acordeão com baixos soltos junto de compositores de
renome, com destaque para a experimentação no novo campo da música de câmara, acelerou o
exemplos musicais apresentados ao longo da dissertação e nas obras apresentadas nos três recitais.
sistema convertor. A realização de intervalos sonoros alargados e combinação entre vozes graves e
vozes agudas no teclado da mão esquerda, dada a proximidade das notas dispostas nos botões,
constitui mesmo uma característica única do acordeão com convertor. Acresce o uso de registos e da
articulação, que permitem destacar uma melodia realizada em qualquer teclado. Para além disso, as
melhorias técnicas e fisicas que nos anos mais recentes têm sido introduzidas no acordeão têm
ampliado ainda mais as suas possibilidades técnicas e artísticas.
167
u #i: r*vora Departamento de Música - Escola de Artes
cada uez mais utilizadas na escrita contemporânea gara o instrumento, A criatividade dos
compositores, as características técnicas do acordeão com convertor e o elevado nível de execução dos
Berio, Sofia Gubaidulina, Franco Donatoni, Edison Denisov, Mauricio Kagel e Magnus Lindberg, Esta
condição, bem como o período em que foram compostos, condicionou a Íorma de escrita e o grau de
utilização dos recursos existentes no acordeão. Não obstante, as seis obras em questão constituíram e
continuam a ser obras de referência paru a escrita original, pensada para o acordeão moderno.
pensamento musical proporcionada pelo acordeão com sistema convertor, nomeadamente ao nivel da
de Edison Denisov as tessituras amplas apenas possíveis num acordeáo com convertor são
fundamentais para atingir os sons extremos graves e agudos. Por exemplo, na peça de Mauricio Kagel
as trocas de vozes, isto é, a passagem de um tema do teclado da mão direita para a mão esquerda, só
são possíveis pela disposição das notas no teclado após o convertor acionado.
Ao nível do pensamento musical de construtores, o sistema convedor foi responsável por uma
mudança nas linhas de produção das Íábricas e num reforço dos seus depadamentos de pesquisa e
investigação. Foram introduzidos novos modelos, diferentes materiais e o peso e a dimensão dos
intérpretes, com beneÍícios para ambas as partes. Por um lado, os intérpretes passaram a dispor de
novas soluções técnicas que proporcionam maior confodo e melhor desempenho, de que são exemplo
os registos de queixo com múltiplas posições. Por outro lado, os fabricantes passaram a dispor de
168
u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
novos métodos de produção, rigorosos e personalizados, que se enquadram nas exigências de cada
convertor, ou vãose tornando evidentes por via das novas exigências de execução ditadas pela
Face ao exposto, ressalta que o mecanismo que acciona o sistema convertor, bem como a
mecânica do atual acordeão e as suas partes exteriores, ainda poderão ser inovados e melhor
convertor menos ruidosos. Nesta matéria, Dmitriev (2001) avanÇa a possibilidade de construção de
teclados com espaçamento entre botóes adequado à fisionomia das mãos de cada instrumentista e
Lips (2000) posiciona o acordeão como "the player's entire human performing mechanism".
acordeão com convertor. Apesar de solicitaçÕes pontuais dos intérpretes junto dos fabricantes para a
construção de instrumentos apenas com baixos soltos, perspetiva-se a continuidade do acordeão com
intérpretes de elevada qualidade, com profundo conhecimento das reais capacidades do instrumento e
que possam atrair compositores, fazem antever uma nova linguagem para o instrumento.
nos conhecimentos, na interpretação e na execução musical pelo doutorando, pelo que são de
adquirir um conjunto de novos conhecimentos e técnicas, que de outra Íorma não alcançaria. Por
exemplo, técnicas como cruzamento de vozes, eco/ressonância, movimentos contrários das vozes,
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u#évora Departamento de Música - Escola de Artes
portamentos, ricochete, clusters em glissando, leitura de ritmos sobrepostos que saem fora dos
Após a performance e análise das obras em estudo, houve uma aproximação e um melhor
mostrou-se extremamente válido pela abertura e desafio de novas experiências ao nível da leitura, da
efeitos a utilizar, da sua localização e forma de execução precisa, bem como de uma maior facilidade
na execução. Estes conhecimentos transversais acabam por ser extensíveis a todas as outras peças do
repertório do doutorando.
Na vertente teórica, após a realizaçáo deste trabalho houve uma evolução e um crescimento
Muito poucos intérpretes se envolveram, até aos dias de hoje, na abordagem de obras de
extrema dificuldade técnica e interpretativa como as que são apresentadas e analisadas nesta
dissertação. Neste sentido, a investigação levada a cabo permite deixar para futuros intérpretes um
importante legado de informação.
Este trabalho abre novos caminhos na interpretação de obras contemporâneas. Constitui uma
fonte de consulta tanto para intérpretes que iniciam ou aprofundam a temática, como para
compositores que se interessem por escrever para acordeão e até para musicólogos ou interessados
acordeão.
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u"*évora Departamento de Música - Escola de Artes
instrumentos, pode-se aÍirmar que este instrumento atingiu já uma identidade prÓpria, em termos
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u#rávora Departamento de Música - Escola de Artes
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Depaftamento de Música - Escola de Aftes
U {k éVOfa
euEsrroNÁnro - o AcoRoeÃo coM coNvERToR
convertor e qual o
No intuito de perceber qual o caminho futuro para o acordeão com no acordeão, elaborou-
desenvolvimento do sistema convertor enquanto mecanismo integrado
se o presente questionário.
Identificacão do resoondente:
Idade: anos
Intérprete
Fabrica nte/representante de fábricas -
2.Quaissãoasprincipaisvantagens/desvantagensdetocarCom o sistema
convertor?
2.1, Vantagens (assinale com X a que considera mais importante)
Possibilidade de realizar contraponto
Maior independência de mãos na performance
Mais possibilidades interpretativas
Maior conforto na execução
Outras vantagens:
(assinale
4. Quando é que surgiu em Portuga I o primeiro acordeão com conveÊor?
com X o ano que considera mais correto)
r970
t976
1980
6.2. Quais as características atuais do acordeão com sistema convertor que considerou para
responder à questão anterior? (assinale com X a(s) que considera mais importante(s))
Utilização e recurso aos registos
Possibilidade de recurso a filas complementares (teclado de botões)
Qualidade e volume sonoro
Materiais utilizados na construção
Peso do instrumento
Conforto e adaptação das correias
Ruído produzido pelos mecanismos do convertor
Outras áreas
Identification:
Musician Age: years old
Manufacturer / factory representative -
2. What are the main advantages / disadvantages of playing with the convertor
system?
2.1. Advantages (tick with "X" what you consider the most important)
Ability to perform counterPoint
Greater independence of hands on performance
More interpretive Possibilities
Increased comfort in the execution
Other advantage:
2.2. Disadvantages (tick with "X" what you consider the most important)
Loss of speed execution
Noise produced by changing the convertor
Distance to the tab that triggers the convertor, making the change difficult
Physical discomfort in hand placement
Other disadvantage
3. Who were the creator of the conveltor system and the date of invention?
3.1. Creator (tick with "X" What you consider the most correct)
Hohner factory
Scandalli factory
Pigini and Armando Bugari factory
Russian factories
Other:
3.2. Date of invention (tick with "X" what you consider the most correct)
L940lso
19s0/60
L960170
L97Ol80
Other date:-
20-30 years
30-40 years
> 40 years
6.2. What are the current characteristics of the accordion with convertor system that you
considered to answer the previous question? (tick with "X" what you consider the most
important)
Use of registers
Possibility of using complementary lines (keyboard buttons)
Quality and loudness
Materials used in the construction
Instrument weight
Comfort and belts fit
Noise produced by mechanisms convertor
Others:
7. Is it possible and feasible in the future the two systems coexist (Standard and
Bassetti), on the same keyboard (left hand) or just free bass? (tick with "X" what you
consider the most correct)
Coexistence of two systems (standard bass and Bassetti bass)
Only free bass
8. What are the prospects for the future of the accordion with convertor system?
In terms of repertoire (written) of the instrument:
Other areas
Thank You!
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