Fotografia, Cinema e Vídeo-Arte
Fotografia, Cinema e Vídeo-Arte
SUMÁRIO
Introdução: conceito histórico de obra de arte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
O Momento Futurista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Arte e mídia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68
Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
Vocabulário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
De pé não lindo,
Veja-se a capacidade da arte: podemos ler esse poema de Catulo, grande poeta romano do
século I a.C. (antes de Cristo), e considerá-lo moderno. Quantas civilizações foram necessárias para
que chegasse até nós? No entanto, ainda hoje nos soa familiar. Manteve-se compreensível, belo, ao
longo do tempo. Ainda vale a pena. Isso porque, mesmo diante dos novos conceitos estéticos que
ao longo da história necessariamente surgem, a grande arte sempre fica. A arte muda, mas o artista
e suas obras, quando valem a pena, permanecem. Na história da arte, aplica-se perfeitamente o
conceito do filósofo alemão Heidegger, para quem Deus é a história.
Dom Quixote e seu fiel escudeiro Sancho Pança andam à solta pelos supermercados. Frases
inteiras de Shakespeare convivem com as telenovelas, ainda que seu público específico não se dê
conta disso.
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Fonte: Tupungato/shutterstock
“Ser ou não ser? Eis a questão!”; “Há mais coisas entre o céu e a Terra do que sonha nossa vã
filosofia!”; “A sorte está lançada!”; “Até tu, Brutus!”. Quem, neste vasto mundo, nunca ouviu algo
semelhante a isso? Essas frases shakespeareanas soltas no tempo e no espaço só vêm reforçar a
ideia de que exércitos passam, mas a arte, não. No entanto, ela não é estática, como poderíamos
imaginar diante de toda essa idiossincrasia do universo muitas vezes irracional do belo.
O conceito histórico de obra de arte muda ao longo dos tempos. Isso não significa exatamente
que ela se torne melhor ou pior, como também não significa uma evolução ou uma linha evolutiva
em relação aos movimentos anteriores, mas uma transformação necessária em função do momento
histórico em que surgem.
Ninguém pode afirmar, por exemplo, que a obra do grande retratista e pintor espanhol do Barroco
Diogo Velázquez (1566-1660) – que influenciou tanto os pintores realistas e impressionistas, como
Édouard Manet (1832-1883), para quem Velázquez era o “pintor dos pintores”, quanto grandes nomes
da arte moderna como o cubista Pablo Picasso (1881-1973) e o surrealista Salvador Dalí (1904-
1989) – é superior à do pintor pós-impressionista e litógrafo francês Toulouse-Lautrec (1864-1901),
precursor dos cartuns e dos cartazes de cinema e de teatro que surgiriam mais tarde. Podemos
apenas afirmar que a obra desses dois grandes gênios da pintura diferem muito uma da outra e no
entanto foram importantes em suas épocas, influenciaram toda uma era de produções estéticas
tornaram os dois igualmente gigantes dentro da história da arte.
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Velázquez até mesmo mereceu várias releituras de seus quadros em obras de Picasso e de Dalí,
que não escondiam uma efusiva admiração por ele.
Isso nos faz lembrar que uma grande obra nunca pode ser reproduzida tal qual foi feita e sim
transmudada em outra, de mesmo valor estético ou ainda maior. Pinturas consideradas padrão
máximo de arte num determinado período histórico deixarão de o ser num outro. Os belíssimos
acervos renascentistas, que tanto nos impressionam até hoje, têm como exemplos máximos a
famosa e icônica Mona Lisa (1503-1506), do versátil pintor, desenhista, escultor, arquiteto, astrônomo
e engenheiro hidráulico Leonardo da Vinci (1452-1519), e o conjunto de quadros e afrescos de seus
companheiros de jornada artística, como Rafael Sanzio (1483-1520) e Michelangelo (1475-1564) - a
tríade que daria as bases da pintura no Alto Renascimento. Essas obras não podem ser imitadas
por nossos contemporâneos sem cair no kitsch ou na vulgaridade dos falsos retratos a óleo das
feiras de praças públicas. No entanto, caem muito bem quando imitadas num filme de Kurosawa.
El Greco (1541-1614) reproduzido na tela de cinema tem muito valor.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Rashomon_poster_2.jpg.
Vamos considerar que uma obra icônica, quando refeita em outros meios, pode adquirir muito
valor. Também podemos considerar que a arte é dinâmica e que o artista, se merece de fato assim
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ser chamado, torna-se logo em sua época a “antena da raça”. Isto é: capta tudo em sua arte-antena
de acordo com o que seu coração puder capturar de seu momento histórico, como bem definiu o
grande poeta e ensaísta norte-americano Ezra Pound, no início do século XX.
“Antena da raça”: o que vem a ser esse conceito? Trata-se de uma definição útil e bastante precisa
da importância do artista e do ato criador, que Pound nos legou para explicar o funcionamento do
universo da arte. Quem pretender se aprofundar no assunto, está num de seus livros de ensaios
literários de leitura fundamental, ABC da literatura (Cultrix, 1973).
Para o poeta norte-americano, todo grande artista é uma espécie de radar dos anseios e dos
objetivos sociais e psíquicos do mundo, os quais costuma captar e revelar com grande antecedência,
em suas obras. Ele captura com suas realizações tudo o que os desejos humanos querem ou
precisam ver, ouvir, apreender, descobrir e muitas vezes entender de seu momento histórico em
termos estéticos.
A arte moderna de vanguarda sempre chocou o leigo, que a considera até hoje um produto
infantil ou vindo da bestialidade de um louco. E o que dizer da arte eletrônica? Parece feita para a
incompreensão do público em geral. Sobre o estranhamento do universo estético, Pound alerta que,
antes de decidirmos se um homem é um louco ou um bom artista, seria justo nos perguntarmos
se ele está vendo algo que nós não vemos. Ele pergunta a seus leitores: “Acaso o seu estranho
comportamento não será motivado por ele ter sentido a aproximação de um terremoto ou farejado
o fogo de uma floresta que nós ainda não sentimos ou cheiramos?” (POUND, 1993, p. 78).
Nosso tema é difícil. Estaremos falando das artes da mídia e da videoarte, por isso iniciamos
com os conceitos poundianos, tão úteis e esclarecedores para a análise literária, que devem estar
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Para Pound, tanto a Grécia quanto Roma civilizaram via linguagem. Para ele, em consequência,
a linguagem de um país esta nas mãos de seus escritores. Pound (1993, p. 37) considera que “o
homem lúcido não pode permanecer quieto e resignado enquanto seu país deixa que a literatura
decaia e que os bons escritores sejam desprezados”. Aí está a contribuição que esse grande pensador
da literatura deu à história da arte.
Dentre seus conceitos sobre criar, Pound determinou um tipo de classificação aos poetas que
pode facilmente ser usada para qualquer artista, quer seja do medievo ou das artes tecnológicas.
Dizia ele que, na arte, existem as seguintes classes de criadores (POUND, 1993, p. 42):
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3. Diluidores: Homens que vieram depois das duas primeiras espécies de escritores
e artistas e não foram capazes de realizar tão bem o trabalho.
Veja que, por essas definições, não é difícil colocar em categorias de importância o que ocorre,
por exemplo, no país em termos de literatura atual, ou mesmo o que aconteceu no modernismo
no Brasil e no mundo. Podemos também perceber que os conceitos que valem para a literatura
igualmente haverão de valer para as artes plásticas, a arquitetura, a escultura, o teatro, a dança etc.
E, quando falamos em Leonardo da Vinci, Velázquez, Toulouse Loutrec; Michelangelo, Fra Angelico,
Pablo Picasso, Salvador Dalí e Marcel Duchamp, estamos falando não só de grandes gênios da
pintura, mas de gênios que foram inventores em sua obra, por isso deixaram legados e influências.
SAIBA MAIS
De maneira mais simples, podemos dizer que o Renascimento, em especial o italiano, revisitou todos
os conceitos de arte ocidental a partir dos princípios da arte clássica grega e romana, principalmente
da pintura e da escultura. Ele também serviu de base para todas as manifestações artísticas que
surgiram desse período em diante até Picasso e sua arte cubista. Desde o início do século XV, e de
maneira especial no século XVI, em busca de um novo conjunto de conceitos e valores artísticos,
e também como uma resposta para o estilo gótico que inspirou os artistas europeus durante os
séculos XIII e XIV, os artistas e pensadores do Renascimento foram inspirados pelas ideias e formas
das antigas Grécia e Roma.
Acima de tudo, a arte renascentista foi impulsionada pela forte noção de humanismo que se
manifestava na arte clássica dessas civilizações, o que estabeleceu os parâmetros de uma filosofia
que serviu de base para todas as realizações do período. O humanismo renascentista, de inspiração
clássica, minimizou o dogma religioso e secular dos períodos da Idade Média anteriores e atribuiu
maior importância à dignidade e ao valor de cada indivíduo.
http://www.suapesquisa.com/renascimento/
O campo dos especialistas surgiu depois, nos séculos seguintes. No entanto, do modernismo
para cá, isto é, do século XX até o século XXI, novamente o grande artista tem que dominar vários
meios. As artes eletrônicas impulsionam para isso, exigem que assim o seja. Um poeta, por exemplo,
que se pretender sério e comprometido com seu tempo, se não dominar outras linguagens além da
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escrita, quer seja fotografia, desenho, cinema, design, música ou audiovisual - como se fosse um
renascentista da era eletrônica -, não conseguirá sobreviver no universo dos multimeios.
A poesia concreta esta aí para comprovar. Seus artistas dialogam com a pintura, a escultura,
as artes plásticas, a música popular e erudita etc. Vêm provar que poesia não é só um fenômeno
do bicho papel.
O cinema exige do cineasta muitos domínios: o roteiro, a cenografia, a direção de arte e de ator,
a música e a sonoplastia. Assim também ocorre com a videoarte: seus artistas têm que dominar
no mínimo as artes eletrônicas e as artes plásticas.
Desde o século XX, os artistas tiveram que novamente desenvolver diferentes habilidades,
pois a intersemiose de suas artes assim exige. Foi assim com Ezra Pound (1889-1972 – figura 4),
poeta, músico, tradutor e ensaísta. Com sua ampla cultura, que envolvia, entre outros, o domínio
de diferentes idiomas, deixou ensaios importantes para a compreensão da arte e da literatura do
século XX. No mesmo patamar estão os ensaios filosóficos do alemão Walter Benjamin (1892-
1940) sobre A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica e ainda as teorias sobre cinema
em sua gênese deixados nos ensaios críticos do grande cineasta e inventor do cinema de arte, o
russo Serguei Eisenstein (1898-1948). São esses os três pensadores em que iremos nos apoiar para
compreender o universo da arte autônoma e sua passagem para as chamadas artes tecnológicas
ou arte das mídias.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ezra_Pound_2.jpg.
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CURIOSIDADE
O poeta, músico, tradutor e ensaísta norte-americano Ezra Pound foi uma bela, arrogante e barulhenta
figura humana em sua época. Politicamente, como muitos homens do período, por ser visceralmente
contra a usura e o capitalismo de seu país, deixou-se arrastar pelo fascismo italiano, pagando um alto
preço por isso. Além de preso, foi internado num hospício por 13 anos. Apesar dos grandes tropeços
políticos, Ezra Pound foi um homem de cultura incomum, dominando diversos idiomas e conhecendo
muito da estética ocidental e oriental. Em arte, além de se tornar um dos maiores poetas do século
XX, sempre foi um homem muito lúcido. Seus ensaios sobre estética são referência na história da
arte do século XX.
A influência de Pound na literatura e na arte permanece forte até nossos dias, alastrando-se para
além dos países de língua inglesa. No Brasil, foi admirado por grandes nomes da literatura, como os
poetas Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, mas sua grande influência faz-se
sentir especialmente no grupo da poesia concreta, pioneira da poesia visual no mundo. Sua biografia
é extremamente interessante e curiosa. Veja em:
http://jardel-dias.blogspot.com.br/2012/10/ezra-pound-pequena-biografia.html
Outra lição que se deve guardar sobre esse universo complexo é que a arte pode ser engajada
ou não. Seu valor normalmente transcende esses aspectos da criação, pois não é o tema que faz
a arte, mas a arte que faz o tema. Em arte, forma também é conteúdo, e gostar ou deixar de gostar
de uma obra artística não importa muito, já que muitas vezes não se gosta de um tipo de arte por
não compreendê-la.
O gosto nunca é uma boa medida para o julgamento estético. Não é ele que determina se uma
obra é boa ou péssima, se ela tem valor estético ou não. Podemos não gostar de Beethoven, ou
mesmo preferi-lo a John Cage, mas isso não diminuirá em nada a importância desses dois artistas
para a história da arte. O julgamento de uma obra de arte dá-se ao longo da história, por isso muitos
artistas que em seu tempo foram esquecidos podem resplandecer séculos depois.
Só assim se pode entender de que forma a arte dos extraordinários afrescos e das antigas
esculturas gregas (2000 a.C.-500 a.C.), como a Vênus de Milo, ou as surpreendentes pinturas
góticas medievais do pintor italiano Fra Angelico (1395-1455) chegaram até nós. Da mesma forma
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o apreço enorme que sentimos ao nos depararmos com os belíssimos quadros renascentistas de
Leonardo da Vinci (1475-1564). Ou o quanto nos assombramos maravilhados (e não há nenhum
exagero nisso!) diante dos afrescos da Capela Sistina, uma obra finalizada em 1512 pelo pintor,
escultor, poeta e arquiteto Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni, conhecido simplesmente
como Michelangelo (1475 -1564), que nem parece possível de ser concebida por um homem. Sim,
uma obra que tem algo de inumano em sua perfeição, o que se confirma na história comovente de
sua realização. Trata-se de um feito que vem demonstrar o que pode ser a força de vontade e gênio
criador de um grande artista.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Creation_of_Adam.jpg.
Mesmo com todo esse cuidado, o resultado da pintura não estava agradando ao artista, que,
num ímpeto de loucura, despediu todos os seus assistentes, retirou tudo o que tinha sido pintado até
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aquele momento e resolveu fazer tudo novamente, sozinho. Tratava-se ali de um trabalho hercúleo,
que só um herói trágico poderia realizar, mas foi a isso que ele se propôs.
No fim de 1508 e no início de 1509, recomeçou seu trabalho, numa situação absolutamente
adversa, como não poderia deixar de ser, e sob a mais sórdida pressão. O papa enfurecido não
lhe pagava nada, sua família tirava todo seu dinheiro, atormentando-o com pedidos sem fim, e o
trabalho avançava lentamente, pois a tinta dos primeiros afrescos, de tão frágil, começava a derreter,
comprometendo os resultados. A certa altura, sentindo-se adoentado pelo excesso de trabalho, o
pintor exaurido resolveu num ímpeto fugir de Roma. Mas, para sorte de toda a humanidade, o papa
impediu-o de tal intento, desculpando-se enfim e entregando-lhe o dinheiro que devia. Quatro anos
depois, parte de trabalho insano, que comprometeu definitivamente sua saúde, ficou pronto.
No dia de Finados de 1512, o pintor entregou ao papa assombrado a decoração do teto, que
estava pronta. Entre espaços intercalados por pilares, as áreas de suas representações arquitetônicas
revelavam-se. Entre triângulos, o artista concebeu as figuras dos profetas. Nos retângulos, foram
postos os principais episódios do Gênesis: Deus separando a luz das trevas; Deus criando o sol e a
lua; Deus separando a terra da água; a criação de Adão e de Eva; a expulsão do Paraíso e o pecado
original; o sacrifício de Noé na construção de sua barca e o Dilúvio Universal. Todos os personagens
bíblicos retratados por Michelangelo têm um traço pessoal, vindo da genialidade do artista. Criou
um Noé, por exemplo, embriagado. Essas representações hoje nos parecem cinema, quadrinhos
feitos por um ser absolutamente fantástico.
Só essa parte de sua obra já seria suficiente para transformar Michelangelo num dos maiores
criadores da história da arte do Ocidente. Mas seu trabalho não se encerrou ali. Mais de 20 anos
depois, em 1536, o artista voltou à Capela Sistina para pintar os afrescos destinados ao Juízo Final,
colocando-os na parede atrás do altar. Essa segunda parte de sua obra foi executada ao longo de
cinco anos. Quando foi terminada, em 1541, algumas pinturas do início de seu trabalho já estavam
um pouco apagadas.
Façanha como essa não mais seria possível entre nós. Nem sequer os murais gigantescos
do mexicano Diego Rivera (1886-1957) têm o afã de Michelangelo, ainda que belos e importantes.
Muita coisa ocorreu na história da arte desde a construção da Capela Sistina até hoje. Muito se
revolucionou para que houvesse a passagem das artes tradicionais para as artes tecnológicas, até
que chegássemos às artes da mídia: a fotografia, o cinema e a videoarte.
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Podemos arriscar que nem os homens do Renascimento são os mesmos de nossa época. O
tempo é outro, os homens são outros, a pressa é outra. No século XX, descobrimos a velocidade.
Em pleno século XXI, ainda vivemos sob esse signo. Em termos de tempo, envolvimento pessoal
e genialidade, poderíamos arriscar que somente algumas obras clássicas do cinema de arte se
aproximam em gigantismo das construções renascentistas.
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no Brasil como Trono manchado de sangue, é uma adaptação de Macbeth, de Shakespeare passada
na Idade Média asiática. Logo foi considerado uma das mais célebres adaptações shakespeareanas.
Para esse filme, resolveu, por exemplo, construir um castelo medieval autêntico do período
Sengoku japonês. Exigiu que a atuação da atriz principal Isuzu Yamada, que faz a mulher de Macbeth,
fosse realizada com técnicas utilizadas no sofisticadíssimo teatro Nô. Esse tradicional e dificílimo
teatro japonês, por suas excelências, foi considerado patrimônio cultural intangível da humanidade.
Já num dos momentos mais pungentes desse filme, na batalha em que milhares de cavalos
seriam mortos, drogou com sonífero 100 animais e, enquanto eles desmaiavam, filmou essa cena
em câmara lenta, recriando um espetáculo imagético impar, que lembra um dos quadros de El
Greco. Todos esses detalhes encareciam absurdamente seus filmes. Quando não tinha mais quem
patrocinasse as chamadas extravagâncias do genial mestre, tentou se matar cortando os pulsos.
Felizmente, não conseguiu.
Outro grande criador de obras-primas do cinema de arte dos anos 1950- 1960, o italiano Federico
Fellini (1920-1993), também ficou famoso pela exuberância plástica de seus filmes. Por exemplo,
ao adaptar para as telas, em 1969, Satyricon - um clássico da literatura latina, escrita pelo prosador
romano Petrônio, nos anos 60 d.C. -, Fellini recriou em cena uma das partes do quadro renascentista
O jardim das delícias terrenas. Este é um tríptico de Hieronymus Bosch, que descreve a história
do mundo a partir da criação, apresentando o paraíso terrestre ao centro e o inferno nas laterais.
O genial cineasta recriou justamente a parte central da obra de Bosch, que retrata os prazeres da
carne, com seus desinibidos participantes em cenas espetaculosas e sem nenhuma culpa.
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Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Las_Meninas,_by_Diego_
Vel%C3%A1zquez,_from_Prado_in_Google_Earth.jpg.
Um dos mais famosos trabalhos do grande retratista espanhol Velázquez é As meninas, que
hoje se encontra no Museu do Prado, Espanha. Detalhes dessa obra foram refeitos pelos pintores
de vanguarda Pablo Picasso e Salvador Dalí, no início do século XX.
Fonte: http://www.multiculturalkitchen.org/wp-content/uploads/2016/07/
velazquez-picasso-dali-infanta-margarita-noticias-totenart-2.jpg.
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Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Mona_Lisa,_by_Leonardo_da_Vinci,_from_C2RMF_retouched.jpg.
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Esse retrato, por tudo que encerra de significativo na história da arte, foi reproduzido e
dessacralizado no dadaísmo pelo grande artista plástico Marcel Duchamp (1887-1968). Sua Mona
Lisa de bigodes (1919) inaugura um novo momento das artes plásticas ocidental. Curiosamente, no
Brasil, bem antes de Duchamp, o escritor satírico Juó Bananére, nosso irreverente pré-dadá e pré-
antropofágico personagem do início do modernismo brasileiro, já deixava sua versão dessacralizada
do ícone renascentista: uma fotomontagem do rosto de Hermes da Fonseca sobreposto ao famoso
quadro de Da Vinci. Embaixo do retrato, nos moldes do que faria depois o próprio Duchamp, Bananére
escreveu o seguinte rótulo: “Clichê do Imparcial”, dentro de uma crônica hilária em que narra o roubo
de um retrato do marechal. Isso se encontra dentro do número 127 do jornal O Pirralho, editado nos
anos 1910 pelo poeta e escritor modernista Oswald de Andrade.
Fonte: centralasian/everystockphoto
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A versão da Mona Lisa de Marcel Duchamp foi realizada em 1919. O artista, no intuito de
dessacralizar obra tão icônica, pintou a personagem com uma pera, bigodes e a irreverente frase
escrita embaixo: LHOOQ, que significa “Elle a chaud au cul”, ou “Ela tem fogo no rabo”, numa
referência desmistificadora a seu meio riso sensual. Segundo Duchamp: “O mais curioso sobre
este bigode e a pera é quando são observados e a Mona Lisa converte-se num homem. Não é uma
mulher disfarçada de homem; é um homem autêntico, e essa foi a minha descoberta”.
Fonte: Arquivo Pessoal de Cristina Fonseca (Livro “ Juó Bananére - O Abuso em Blague”, 1993, pg.34).
O dadaísmo, que em 2016 está fazendo 100 anos, foi um dos mais corrosivos movimentos de
vanguarda dos meados do século XX. Instaurou o conceito de antiarte, que depois seria adotado em
muitos trabalhos conceituais do século XX e XXI, inclusive da videoarte. O grande mentor dadaísta
foi Marcel Duchamp, um dos artistas mais importantes do período, ao lado de Picasso. Duchamp
foi um pintor, escultor e poeta francês, cidadão dos Estados Unidos a partir de 1955 e inventor dos
ready-mades. Foi um dos artistas mais influentes da modernidade. Sua marca encontra-se em
toda a arte conceitual que surgiu depois dele, inclusive na pop art de Andy Warhol e depois nas
artes eletrônicas. Não seria exagero considerar que, em se tratando de artes plásticas, instalação e
artes da mídia, os artistas que surgiram a partir da segunda metade do século XX são todos filhos
de Duchamp (figuras 12 e 13).
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Fonte: Duchamp/everystockphoto
A obra Roda de bicicleta pertence ao movimento conhecido como dadaísta e foi elaborada por
Marcel Duchamp em 1913. Hoje se encontra no Museu de Arte Moderna de Nova York. Em concreto,
a eleita é a terceira versão de uma obra, e podemos situá-la dentro de suas ready-mades.
Fonte: Duchamp/everystockphoto
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A fonte foi um dos trabalhos de Duchamp que mais escândalo provocaria em sua época. Trata-se
de um urinol de porcelana branco, considerado uma das obras mais representativas do dadaísmo
francês. Criada em 1917, foi colocada no museu com a assinatura de um dos pseudônimos do artista.
É uma das mais notórias obras de Duchamp, com cópias no Museu de Arte de São Francisco e no
Museu de Arte da Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, no museu de arte moderna Tate
de Londres e no Museu de Arte de Filadélfia.
Os astros
Alta
Argêntea
Ainda hoje, a base da cultura ocidental vem da Antiguidade grega, que se desenvolveu entre 2000
a.C e 500 a.C. Desse período histórico, sobraram algumas estátuas, restos arquitetônicos locais,
objetos em cerâmica, peças teatrais e fragmentos literários compostos por trechos de poemas e
narrativas esparsas de um povo que já não existe e que não originou, como se pode pensar, a cultura
grega da atualidade. A Grécia de Homero, da famosa escola de mulheres da ilha de Lesbos, onde Safo
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escrevia seus poemas, dos filósofos Aristóteles, Sócrates e Platão, das tragédias dos dramaturgos
Sófocles e Ésquilo, das comédias de Aristófanes, perdeu-se ao se misturar com outros povos.
A Grécia, ao lado da Mesopotâmia, formava o maior império da Antiguidade. Ela era composta
de cidades-estados independentes, como Esparta e Atenas, muito diferentes entre si, pois cada
uma delas tinha sua própria organização social, política e econômica. Mas, se a Hélade grega era
formada por um conjunto de diferentes lugares e povos gregos, unia-se no entanto por conta do
idioma e das mesmas crenças religiosas. Podiam, por isso, participar de Jogos Olímpicos e de
manifestações artísticas e teatrais comuns a todas elas, na medida em que sua pátria era sua língua.
A chamada cultura helenística é resultado da fusão da cultura helênica grega com a cultura
ocidental. Foram as conquistas do Egito, da Mesopotâmia, da Síria, da Pérsia e até da Índia, realizadas
por Alexandre Magno ao longo de 13 anos de peripécias militares (336-323 a.C.), que favoreceram
o surgimento dessa nova cultura, que resultaria no helenismo. Apesar de herdada da Grécia, diferia
desta, no entanto, pois tinha influência de elementos orientais.
Depois da morte de Alexandre Magno, houve a divisão e esfacelamento de seu império, nos
séculos II e I a.C. Isso facilitaria a conquista da Macedônia pelos romanos, que a partir desse domínio
entraram em contato com a Grécia, parte das terras dominadas. Mesmo os romanos, com toda sua
brutalidade, acabaram por se curvar diante do esplendor da cultura helenística.
As heranças da antiga cultura grega ocorreram inicialmente no campo da filosofia, das artes
plásticas, da arquitetura e do teatro. Ao longo dos séculos, chegou aos nossos dias, dando origem
às atuais ciências humanas, exatas e biológicas. Na filosofia, por exemplo, o helenismo fez surgir
o estoicismo, o epicurismo e o ceticismo. Na matemática, sobressaíram nomes como Euclides e
Arquimedes, que desenvolveriam a geometria e a física. Na astronomia, destacaram-se Aristarco
e Hiparco. Fato é que nós todos, ocidentais, ainda hoje somos filhos do mundo grego.
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Fonte: Shiler/shutterstock
Ao lado da renascentista Mona Lisa, é uma das obras de arte mais visitada pelos turistas que vão
ao Museu do Louvre, na França, e uma das estátuas gregas mais conhecidas no mundo. Popularizou-
se de tal modo na atualidade que talvez seja o monumento grego mais reproduzido em nossa era.
Dela, já se fez reproduções em estatuetas, filmes, estampas, cinzeiros e toda sorte de material
de consumo. Ainda assim, poder vê-la de perto é uma experiência estética gratificante. Podemos
afirmar, com isso, que a Vênus de Milo não perdeu completamente sua aura. Mas conceitos como
“reprodutibilidade técnica” e “aura” são assuntos que veremos nos próximos capítulos.
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Dalí, em Figueras, Espanha. Dalí afirmava que sua obra era inspirada nas teorias psicanalíticas
de Sigmund Freud, que descobriu ser o corpo humano cheio de gavetas secretas, que somente
a psicanálise poderia desvendar. Dizia que sua deusa Afrodite (como era conhecida na Grécia),
batizada de Vênus pelos romanos – representante do amor sexual e da beleza física –, encerrava
em seu corpo a única diferença entre a antiga Grécia e o mundo contemporâneo: o platonismo,
substituído depois de Freud pelos segredos do Id.
Fonte: http://www.salvador-dali.org/obra/obra-escultorica/en_index/.
O MOMENTO FUTURISTA
Une automobile de course avec son coffre orné de gros tuyaux, tels des serpents a l’haleine
explosive… une automobile rugissante, qui a l’air de courir sur de la mitraille, est plus belle que la
Victoire de Samothrace.1
Le Futurisme
FilippoTommaso Marinetti
Não foi à toa que o grande poeta do início do século XX Filippo Marinetti afirmaria, entre outras
coisas, que “um automóvel de corridas é mais belo do que a Vitória de Samotrácia”. Marinetti foi
1 Um automóvel de corrida, com seu capô adornado de grossos tubos, iguais a serpentes de explosivos venenos... um
automóvel rugindo como se corresse sobre metralha, é mais belo do que a Vitória de Samotrácia.
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o mentor dos famosos Manifestos Futuristas, publicados no jornal francês Le Figaro, de Paris, em
1909, que daria início ao Modernismo em arte e literatura do século XX.
Com suas afirmações bombásticas e ideias iconoclastas, Marinetti afirmava que a nova beleza
do mundo, quer seja na arte ou na vida não era mais a escultura de uma obra clássica antiga, e
sim o recém-inventado automóvel e todos os signos que isso pudesse representar. Para ele e seus
seguidores, a beleza eram a tecnologia e a velocidade.
Três grandes obras desvendavam a natureza humana de forma singular: A interpretação dos
sonhos (1900), de Sigmund Freud; A evolução criadora (1907), de Henri Bergson; e as teorias do
filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em seu Assim falou Zaratustra (1883), que, apesar de pertencer
ao final de outro século, ao falar de seu “sobre-homem”, provocava ímpetos de liberdade no novo
homem que surgia.
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Os dândis da época iam dando espaço a uma nova categoria de ser humano: o jovem esportista,
que cantava a intrepidez, a vida ao ar livre e o desafio das alturas nos seus arriscados passeios de
balão. As mulheres iam se libertando de vestimentas mais austeras e aos poucos revelando partes
de sua nudez. E as artes, ao retratar esse intrépido e fervilhante mundo novo, passaram a propor
movimentos ousados e radicais.
Surgiu o tempo dos “ismos”, que mudaria totalmente as formas de expressão estética conhecidas
até ali. Um “momento futurista” que estava muito além do primeiro movimento com esse nome, pois
pertenceu a todas as vanguardas do período, vindos de uma profunda mudança de mentalidade que
daria cabo definitivo à assentada e fútil belle époque. E, se o futurismo italiano usou esse rótulo para
fixar seu próprio movimento, isso não quer dizer que o restringiu, pois as manifestações futuristas
foram o início de toda essa fase utópica e profética que invadiria o mundo cultural, político e social
numa grande agitação revolucionária totalmente inovadora. Foi um movimento que já anunciava
tudo isso, que traria consigo um mundo impossível de ser imaginado pelos antigos, e, com ele, o
choque do novo.
Fonte: pryzmat/shutterstock
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genialidade na forma e no movimento, reforçando a ideia de grandes criadores que foram os gregos
da Antiguidade e por que influenciaram com seus trabalhos toda a arte ocidental.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:FilippoTommasoMarinetti.jpg.
Filippo Tommaso Marinetti foi o fundador de um dos primeiros e mais emblemáticos movimentos
de vanguarda do início do século XX: o futurismo. Seu manifesto foi publicado em 20 de fevereiro
de 1909, com grande repercussão, no Le Figaro, o mais importante jornal parisiense do período.
Além de escritor, poeta, editor, ideólogo e jornalista, foi um grande ativista político, que abraçou
erradamente o fascismo, mas nem por isso deixou de ter papel fundamental nas artes do século
XX. Sua influência sobre os movimentos modernos que se seguiram foi importante e duradoura.
Seus companheiros de movimento foram os artistas plásticos Umberto Boccioni, Luigi Russolo
e Carlo Carrà, autores do Manifesto dos Pintores Futuristas (1910), no mesmo ano em que Boccioni
redigiria o Manifesto Técnico da Pintura Futurista. A Primeira Guerra Mundial (1914-1918), no entanto,
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tão cantada pelos futuristas, foi um golpe fatal ao movimento: boa parte de seus artistas foram
mortos em combate, como Boccioni, ou vencidos pelo renascimento tradicionalista que surgiria em
seguida no país. Depois da guerra, alguns jovens artistas tentaram reavivá-lo, mas sem sucesso.
Marinetti morreu em Bellagio em 2 de dezembro de 1944.
As primeiras obras de Marinetti foram poemas publicados nas revistas literárias da época e mais
tarde em sua própria revista, intitulada Poesia. Entre obras teatrais, romances e textos ideológicos
de sua autoria, citam-se Le roi Bombance (1909), Mafarka le futuriste (1910), Guerra sola igiene del
mondo (1915) e Futurismo e fascismo (1924). Mas seu enorme Manifesto Futurista é considerado
sua obra mais importante.
Foi nesses manifestos que ele pôde externar sua oposição ao tradicionalismo e ao academicismo,
numa proposta de destruição das velhas fórmulas para criar uma arte livre, capaz de expressar se
louvor a nova sociedade industrial que surgia. O futurismo foi um movimento radical, que propôs pela
primeira vez o verso com palavras em liberdade, como ele dizia, e a utilização da onomatopeia como
legítimo procedimento estético literário. Pregou uma ruidosa antitradição, celebrando a demolição
completa do passado: o amor à velocidade, à mecânica, à eletricidade, ao dinamismo e à guerra.
Com a passagem da monarquia para a república e a consequente libertação dos escravos, surgiu
um novo grupo de desvalidos, os negros, e uma nova classe social, a dos proletários imigrantes. O
momento político era marcado pela violência turbulenta e singular das inúmeras revoltas monarquistas,
que logo seriam esmagadas e resultariam no fortalecimento do exército como organização. Com o
fim do governo carismático de Floriano Peixoto e do consequente “florianismo”, o país começaria
a abrir espaço para uma verdadeira modernização, que algumas presidências depois despontaria
definitivamente na figura singular de Rodrigues Alves: um presidente que promoveria uma fase
de avanços significativos no país, com a urbanização do Rio de Janeiro, por iniciativa do prefeito
Pereira Passos, e o combate à febre amarela pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz.
O governo de Rodrigues Alves seria estremecido apenas com a Revolta da Vacina, que logo
seria contida e daria início a um período de relativa calmaria e prosperidade econômica.
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Essas figuras modernas e já modernistas abalavam a política e a cultura nacional, mas ainda
conviviam lado a lado com homens de outro século, originários de uma elite branca encasacada
e de cartola, como o poeta parnasiano Olavo Bilac e o jurista Rui Barbosa. Ambos eram legítimos
representantes de uma oligarquia poderosa e intocável do período, que desfilavam pelas ruas e
salões da cidade expressando-se num fraseado francês, aliado a uma elegância inglesa de sobretudo
preto de lã totalmente imprópria ao verão carioca. Eram eles as sobras tristes do século XIX, que
logo ruiria, levando abaixo o quadro triste de um mundo severo, religioso, solene e patriarcal que já
não caberia no novo século.
Mas o golpe fatal às águas estagnadas do período foi dado pela literatura, que veio revelar as
tensões da vida nacional antes mesmo dos modernistas. Tanto o complexo ensaio social de Euclides
da Cunha denominado Os sertões quanto o romance antiflorianista do mulato genial Lima Barreto
denominado Triste fim de Policarpo Quaresma, bem como as atuações incisivas do escritor Monteiro
Lobato, tiveram um papel histórico fundamental, que ajudaria o país a entrar no novo século.
E foi nesse quadro insólito que o país via surgir entre nós, simultaneamente ao mundo europeu,
a fotografia.
Sim, a fotografia também é nossa! E foi graças a ela e aos iluminados iluministas de Manguinhos
- saneadores capitaneados por Oswaldo Cruz - que se pôde conhecer pela primeira vez a partir
de imagens o verdadeiro rosto do país. Cruzando o Brasil de norte a sul, em combate aos males
tropicais, os saneadores foram pioneiros na utilização da fotografia como registro científico.
Foram nossos primeiros fotógrafos e muitas vezes nossos primeiros cineastas documentaristas,
pois, além de fotografias, realizaram pequenas filmagens com as pioneiras câmeras que surgiam.
Nessa operação, foram além: seus cliques reveladores desvendaram por meio de imagens toda a
exuberância de nossa flora e fauna e também todo o abandono das gentes brasileiras espalhadas
por Norte e Nordeste, Sul e Centro-Oeste.
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Miséria para todos os lados. Já na época, era essa nossa triste realidade. As imagens que
trouxeram impuseram-se rapidamente entre os intelectuais e toda a classe artística e política
citadina, desvendando a todos o Brasil profundo. Começava aí nosso “momento futurista”: o
desencadeamento do modernismo e a pré-história de nossas artes tecnológicas. Mas isso é um
tema tão instigante que merece ser retomado mais adiante na apostila.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Alberto_Santos-Dumont_(1898).jpg.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Voo_do_14_bis.jpg.
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Acredite em mim
Esta difícil de compreender tudo isso? Pois vamos a exemplos para ficar mais fácil. O Renascimento
surgiu ao final da Idade Média, influenciado pela antiguidade clássica e pelas tradições gregas e
romanas. Ao impor esteticamente o ideal do humanismo, introduzindo uma corrente de pensamento
antropocêntrica, ou seja, que elegia o homem como centro do universo, necessariamente se oporiam
às obras da cultura medieval, que, por serem teocêntricas, colocavam Deus como centro do universo.
Isto é: o divino como motor de todas as coisas. Da Antiguidade pagã greco-romana à Idade Média,
quanta mudança histórica, filosófica e estética se passou! E quanto o homem teve que caminhar
para chegar até os conceitos artísticos medievais e depois para superá-los completamente no
Renascimento! Não foi fácil chegar a essa etapa. Foram necessárias grandes rupturas políticas,
além de séculos de mudanças estéticas.
Na Idade Média, a existência de Deus era algo indiscutível, por isso o divino estava em tudo e
sobre todas as coisas do mundo. Esse conceito da existência inequívoca da divindade implicava
uma profunda visão religiosa de mundo, imposta muitas vezes pelo grande poderio da Igreja, de
fato o segundo poder, depois do Estado. O Renascimento, no entanto, inverteria esses valores,
na medida em que passou a defender que a natureza e principalmente o homem ocupam o papel
central na vida.
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Sob a égide do ideal de beleza helênico, os pintores renascentistas, imbuídos da nova visão ética
de mundo, buscam uma nova realidade estética. A partir daí, e até o advento do modernismo, na
virada do século XX, os artistas passaram a considerar, por exemplo, que as estátuas gregas eram
o grande modelo de perfeição humana. A pintura a óleo logo se transformou no padrão da pintura
do período. As formas simétricas, a ordem e o espírito clássico eram fundamentais e tornaram-se
o motor da nova pintura, que descobriu a perspectiva central e com ela a possibilidade de criar
obras mais realistas.
Não fosse a descoberta da perspectiva central, os renascentistas não conseguiriam atingir a fúria
de perfeição com que se atiravam na reprodução da natureza e das formas humanas. Nessa época
de grandes retratos - como o da famosa Mona Lisa, de Leonardo da Vinci -, a impressão que se tem
é de que aqueles rostos têm vida; podem nos seguir com seus olhares muitas vezes enigmáticos e
trazem alma integradas à pintura. Nesse aspecto, até hoje impressionam, pois têm algo que seria
destruído em outras obras com a descoberta da fotografia: a “aura” do artista.
Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/File:Entrega_de_las_llaves_a_San_Pedro_(Perugino).jpg.
E o que seria essa “aura” que tanto valor conquistou no mundo da arte? A pincelada do artista,
que representa o momento mágico do encontro elevado entre criador e criatura. Isto é: aquele
momento único em que o criador inspirado consegue realizar sua obra; a mão do artista que só
pode ser sentida pessoalmente, no encontro estético entre o observador e a obra criada. Estar
diante da Mona Lisa faz-nos pressentir o próprio Leonardo da Vinci no seu momento máximo de
criatividade, em que pode emprestar toda sua excelência de grande inspirado na criação de sua
obra, única, intransferível e inimitável.
Nesse sentido, sempre valeu a pena atravessar oceanos, cidades e bairros para encontrar uma
obra-prima, que só podia ser vista pessoalmente. Sem vê-la, não dava para sabê-la. E foi assim até
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meados do século XIX, um século que o filósofo Walter Benjamin definiria como a era da reprodução
técnica - que surgiu justamente com a invenção da fotografia.
ACONTECEU
A fotografia foi responsável por mudanças radicais no mundo da arte, da moda e, por que não, das
imagens. Por exemplo, os quadros realistas, que antes eram pintados pelos grandes artistas, a partir
daí já não fazem mais sentido. A fotografia, desse modo, contribuiria para que a arte abstrata se
instaurasse. Ainda possibilitaria a reprodução de obras que antes só podiam ser apreciadas ao vivo
nos museus. A reprodutibilidade técnica das obras de arte, ao mesmo tempo em que faz delas algo
banal, também reaproxima um público mais simples de sua existência. Para Benjamin, a fotografia,
que a princípio não vale nada, ganha valor estético na medida em que trabalha com a memória. O
cinema, fotografia em movimento, também foi analisado pelo autor, que só viu valor estético nessa
forma de arte quando pode ser utilizada pela política, isto é, pode criar filmes de cunho político e
ideológico.
A história da fotografia é mais antiga do que se pode imaginar. Tem suas raízes na Antiguidade,
quando se descobriu que algumas substâncias, ao contato com a luz, se alteram, e também com a
descoberta da câmara escura. Apesar desse conhecimento, só no século XIX cogitou-se unir esses
dois fenômenos, o que resultou na invenção da fotografia. Thomas Wedgwood foi o pioneiro dela ao
tentar fotografar algo. Mas foi Luis de Daguerre quem, na década de 1820, desenvolveu um processo
alcunhado de daguerrótipo, no qual, com poucos minutos de exposição na câmera que ele mesmo
criou, conseguiu resultados surpreendentes nos detalhes e no aparecimento de claros pela fotografia.
O nascimento público da fotografia, no entanto, só viria a acontecer em 1839, data da primeira
máquina fotográfica introduzida no mercado.
http://pointdaarte.webnode.com.br/news/a-historia-da-fotografia/
Assim como o século XX poria fim à ideia de aura na obra de arte, também poria fim ao culto das
estátuas gregas, consideradas ícones da perfeição estética até o século anterior. Essas esculturas,
que tanto haviam influenciado a arte de outros séculos, acabariam por ser substituídas por novos e
inusitados padrões estéticos no modernismo. A partir das vanguardas do século XX, as obras mais
radicais não só abandonariam o helenismo como acabariam admitindo e se deixando influenciar
pelas novas tecnologias como um novo instrumental de trabalho. E o que parecia mais impossível
em se tratando de estética ocorreu: surgiu então o que se entende por artes tecnológicas. Estamos
falando da fotografia, do cinema e da videoarte.
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para boa parte dos habitantes do planeta neste século XXI, que poderíamos definir como o século
da imagem.
Vivemos no século da imagem e por isso também no século das celebridades, dos selfies, dos
Facebooks repletos de fotos nossas em todas as situações possíveis. Somos cercados de imagens
nossas e do mundo, bombardeando-nos intensamente todos os dias.
No entanto, ainda hoje temos culturas inteiras na África ou mesmo nas áreas indígenas do
México que não se deixam fotografar, pois acreditam que a máquina tem a capacidade de roubar a
alma. Para a semiótica da fotografia, no entanto, essas culturas, cuja atitude parece tão primitiva
aos olhos da modernidade, não estão completamente erradas. Isso porque, de acordo com os
ensinamentos dessa ciência e filosofia que estuda as linguagens verbais e não verbais, a fotografia
tem a capacidade de revelar a vida de uma época. Isso ocorre pelo registro do espaço humano,
existencial, cultural e geográfico de um momento histórico; assim, pela imagem, passa também,
necessariamente, a história de uma vida, sua biografia e, por que não acrescentar, seus sentimentos,
as emoções de um instante, o que se entende por “alma”. Algumas fotos até mesmo são tão repletas
de “alma” que chegam a impressionar. Outras ainda têm a capacidade de mover ou mesmo modificar
comportamentos.
Nenhuma linguagem criada pelo homem provocou mais assombro e encantamento do que a
fotografia. Ver-se retratado numa foto é tão surpreendente e revelador que, até hoje, qualquer pessoa
que se olhe pela primeira vez num retrato está sujeita a sentir algum tipo de estranhamento. Por
mais que a humanidade tenha se familiarizado com a fotografia, ainda assim há muitas defesas ao
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olhar para sua própria imagem. As reações são surpreendentes, e as pessoas sempre acabam por
apontar defeitos: ou se acham muito magras, ou muito tristes, ou muito feias, e assim vai.
A fotografia, com sua capacidade única de capturar o instante, parece revelar algo que muitas
vezes não percebemos estar ali no contexto apreendido. Fotos de miséria, por exemplo, quanto
desconforto, horror e revolta são capazes de despertar! Algumas delas, por isso mesmo, tornam-se
emblemáticas ou, como ensina a semiótica, icônicas.
A famosa foto da criança vietnamita nua correndo pela rua, queimada com napalm, tirada na
Guerra do Vietnã, em 1972, pelo fotógrafo Nick Ut; as imagens de crianças subnutridas no Sudão,
na África, produzidas pelo fotógrafo sul-africano Kevin Carter em 1994; ou ainda as imagens das
Torres Gêmeas em chamas, registradas por diferentes fotógrafos no 11 de setembro de 2001, são
emblemáticas, mudaram o mundo. Todas elas são fotos inesquecíveis, capazes de falar mais do
que mil palavras. Comunicam imediatamente e com poder imenso de penetração para o mundo
todo, quer seja ocidental ou oriental. Nesse sentido, a fotografia é mesmo uma linguagem feita
para as massas.
Uma foto é capaz de atingir a todos; do analfabeto ao doutor, do leigo ao entendedor, gente
de todos os países, credos e religiões, em qualquer época ou momento. Esse, de fato, é um dos
segredos e fascínios da fotografia.
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SAIBA MAIS
A fotografia, desde sua invenção, sempre foi uma atividade de destaque no cenário brasileiro. Como
nosso país foi o último lugar das Américas a abolir a escravidão, parte significativa dessa prática
pôde ser documentada por fotos, que servem para contar a história do período. Outro fato curioso
foi a relação do médico sanitarista Oswaldo Cruz com a fotografia, já que ele nutria por essa forma
de registro uma forte admiração e considerava o registro fotográfico como uma fonte essencial para
documentar as descobertas científicas.
No livro Modernistas da ciência: Oswaldo Cruz (2003, pp. 78-9), Cristina Fonseca mostra como se deu
essa relação:
Poucos sabem, mas a história da fotografia brasileira deve muito ao médico, cientista e saneador
Oswaldo Cruz. Pelo menos no que se refere a sua expansão e adoção como fonte documental.
Oswaldo Cruz viveu impregnado dos sentimentos de sua época. Sua história de vida confunde-se, em
muitos momentos, com a história da medicina experimental e do modernismo científico brasileiro e
mundial.
O grande mérito do cientista foi o de participar da vanguarda médica mundial e trazer novos e
ousados procedimentos científicos ao país, no momento em que eles ocorriam também na Europa.
Oswaldo Cruz foi um homem moderno: acreditava na ciência não só como forma de desenvolvimento
de um país, mas também de desenvolvimento do próprio homem. Entusiasta da tecnologia, das
grandes invenções e da fotografia, acreditava, como os primeiros homens do século XX, que a
fotografia era a prova ocular da história.
Por isso, desde o início de sua carreira, estava sempre acompanhado de um fotógrafo. Incentivou
seus cientistas a também fotografar e a filmar as descobertas. Com isto, o arquivo de Oswaldo Cruz
sobre o Brasil se tornou um dos mais ricos acervos do país. A amplitude do movimento sanitarista
brasileiro se deveu ao fato de Oswaldo Cruz, desde o início de seu mandato como diretor da saúde
pública do governo Rodrigues Alves, em 1903, organizar expedições de combate às endemias rurais
em várias regiões brasileiras, além de visitas e inspeções de saúde nos portos brasileiros. Com
essas viagens, foram os médicos do Instituto Manguinhos os responsáveis pelos primeiros registros
fotográficos sociológicos e antropológicos do Brasil.
Nas visitas às pequenas comunidades regionais, descobriram o homem do Sul, do Centro Oeste, do
Norte e do Nordeste, seus hábitos, costumes, modo de vida e moradia. A partir desses contatos e da
análise da situação socioeconômica e cultural da população visitada, os cientistas analisavam as
doenças. Os resultados desse procedimento foram extraordinários. Os médicos, ao levar educação,
higiene e cura às populações carentes de locais distantes e outrora esquecidos, descobriram in loco
os focos de endemias a serem combatidos, criando um verdadeiro movimento pró-higienização de
âmbito nacional.
Oswaldo Cruz organizou expedições científicas com pesquisadores como Carlos Chagas, Adolpho
Lutz e Belisário Penna, que saiam do Instituto Manguinhos (criado pelo próprio Oswaldo Cruz) e
percorriam o Brasil, de Norte a Sul, para sanear seus portos e o interior.
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Esses pesquisadores não só descobriram doenças e suas curas, como também, em seu retorno,
revelaram para a população litorânea, através de precioso material iconográfico que produziram,
principalmente a fotografia, o verdadeiro rosto do Brasil.
A partir dessas viagens, Oswaldo Cruz e seus pesquisadores começaram a descobrir um novo país,
mais abrangente do que a pequena elite branca considerava. Graças a fotografia, pode mostrar que o
Brasil era formado por índios, mestiços, negros e imigrantes, que não tinham direito a cidadania. Um
país miserável, doente e abandonado pelas Instituições.
Ao registrar tudo o que viam, seus cientistas também foram pioneiros de procedimentos audiovisuais
que começavam a ser utilizados pela arte: Provavelmente um dos primeiros filmes documentais
brasileiros, por exemplo, foi realizado por Carlos Chagas em Lassance, Minas Gerais,em 1910, quando,
seguindo os conselhos de Oswaldo Cruz, filmou os doentes de um estranho mal que acabava de
descobrir: a doença do barbeiro.
A originalidade dos feitos de Oswaldo Cruz esta na extraordinária amplitude de sua visão de Brasil,
num momento em que a recente libertação dos escravos e o fenômeno de industrialização, com a
leva de imigrantes que aqui aportavam, determinava uma nova fisionomia de país: Um Brasil novo,
não mais luso-brasileiro, mas vivendo de uma urbe internacional que se formava, principalmente
em São Paulo, mas que ainda era muito provinciana. E tudo isso foi detalhadamente documentado
pelo cientista, que sempre levou consigo, em todas as viagens pelo norte, sul e nordeste, o fotógrafo
português J.Pinto, como gostava de ser chamado Joaquim Pinto da Silva. J. Pinto foi, desde o início,
o fotógrafo responsável por grande parte da iconografia do Instituto Manguinhos, bem como pelos
trabalhos de fotografia científica e fotomicrografia.
Foto de Oswaldo Cruz feita por J. Pinto.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Oswcruz.jpg.
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Expedição pelo rio Amazonas, 1912 - fotos de J. Pinto em expedição de saneamento. Fonte:
arquivo Cristina Fonseca para o livro “Modernistas da Ciência”, 2003: 82.
Fonte: (Arquivo pessoal de Cristina Fonseca para o livro “Modernistas da Ciência”, 2003: 96)
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Esse processo primitivo de fotografia vinha acompanhado de uma série de problemas. Um dos
mais graves era que o daguerreótipo não permitia cópias. Apesar disso, a partir de 1839, depois de
muita pesquisa e aperfeiçoamentos, o método revolucionário de Daguerre difundiu-se. Tornou-se
muito usado até 1854, quando foi substituído por um novo método fotográfico inventado três anos
antes pelo arquiteto inglês Frederick Scott Archer, com placas de vidro recobertas por uma película
transparente de colódio com iodeto, banhadas com nitrato de prata.
De lá para cá, até chegar à fotografia digital dos dias de hoje, tanto as câmaras e os equipamentos
fotográficos, como lentes, quanto os processos e as técnicas utilizados para as fotos evoluíram
aceleradamente. Foram muitas as personalidades, em épocas diversas, que contribuíram para esse
processo. Podemos mencionar os nomes de B. J. Sayce e W. B. Bolton, que em 1864 descobriram
a preparação da emulsão de brometo de prata em colódio, que representou um grande passo à
frente nas pesquisas. O avanço foi maior ainda em 1862, com C. Russel, que produziu placas secas
de brometo de prata gelatinoso.
Anos depois, em 1871, R. L. Maddox substituiu o colódio por gelatina, e, em 1873, H. W. Vogel
descobriu que, ao juntar certas tinturas à emulsão, ou mergulhando as placas em uma solução de
tinturas, aumentava a sensibilidade às cores. Partindo desse princípio, que já enunciava a fotografia
colorida, muitos estudos foram levados adiante por diversos técnicos. Em 1914, a Eastman Kodak
fabricou o primeiro filme pancromático, de emprego generalizado a partir de 1925. De acordo com
Fonseca (2003, p. 79):
O Brasil do século XIX tem muito a acrescentar para a história da fotografia. Poucos
sabem, mas existem historiadores brasileiros que garantem com provas irrefutáveis
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de que a fotografia foi inventada no Brasil. Afirmam ter sido em 1833. Dizem que foi
obra do francês radicado no país, Hercule Florence, que nessa época já se utilizou
de uma câmara escura. Seria este um caso semelhante ao de Santos Dumont e seu
14 Bis.. Fato é que a fotografia sempre encantou os brasileiros. Foi o Imperador
D. Pedro II – um apaixonado pela Câmara escura - quem deu à fotografia o status
de arte, sendo ele o responsável pela presença de grande parte de nossa memória
visual do século XIX.
FIGURA 24 – Daguerreótipo
Fotografia e arte
O filme fotográfico de hoje consta de duas capas: a base flexível e transparente, introduzida
por George Eastman em 1889, e outra sensível à luz, formada por diversos compostos de prata
dissolvidos em gelatina, semelhante à usada por R. L. Maddox em placas de vidro em 1871.
Fato é que a fotografia, nascida como simples diversão, veio para ficar. O homem assombrado
que viu sua própria imagem ser capturada e transportada magicamente ao papel, revelando para
si mesmo nuances de sua própria personalidade, jamais poderia imaginar quanto poder resultaria
dessa invenção.
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Na atualidade, já nem se pode imaginar um mundo sem fotografia. Ela não só veio para ficar,
mas desempenha papel importante na ciência, na indústria e no comércio. Tornou-se imprescindível
em certos ramos especializados: A medicina emprega a fotografia em ligação com o microscópio e
o raio-X; a pesquisa científica e tecnológica junta a foto ao microscópio para estudar as moléculas
de uma estrutura metálica ou ao telescópio para analisar o céu. A foto é instrumento auxiliar na
criminologia, na cartografia (fotos aéreas), na educação, na publicidade e no jornalismo. E mais:
tornou-se arte.
A fotografia é arte na condição de memória e iconografia. Ela é mais arte ainda quando revela o
olhar do artista, um olhar incomum que é feito pelo recorte de quem captura a imagem no instante
em que ela acontece.
Olhar de quem vê
Como na literatura e na pintura, a fotografia também tem seus grandes nomes, gênios dessa
arte que puderam recriá-la de forma muito singular. Tinham domínio absoluto dessa linguagem e
souberam, a partir dela, influenciar a própria pintura do século XX.
Temos o caso do grande artista construtivista russo, Alexander Rodchenko (1891-1956). Poderíamos
arriscar que depois dele a fotografia jamais seria a mesma. Ele foi um experimentador e, segundo os
conceitos apregoados por Ezra Pound, um grande inventor de procedimentos estéticos. Rodchenko
foi influenciado por Kazimir Malevich, pintor abstrato e mentor do suprematismo, e suas primeiras
obras são todas marcadas por essa corrente artística. O fotógrafo russo soube fazer com brilho a
ponte entre pintura e fotografia. A proposta inovadora de Rodchenko teve repercussões em toda a
arte moderna. Suas obras e influências continuam vivas nos dias de hoje.
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Fonte: http://www.tangerinemag.com.br/2014/12/alexander-rodchenko-e-influencia.html.
Alexander Rodtchenko foi artista plástico, fotógrafo, escultor, pintor e designer. Sua versatilidade
expressa bem a conturbada cena política e social da época em que viveu. Anos depois de sua morte,
ainda sentimos sua intensa influência no design e na publicidade atual. Seu estilo encontra-se
tanto em capas de álbum quanto em campanhas presidenciais, foi adotado por outros fotógrafos
da atualidade e muitas vezes pelo cinema. Seus ângulos inusitados sempre expressam uma forma
muito singular de olhar para o mundo.
Fonte: http://www.tangerinemag.com.br/2014/12/alexander-rodchenko-e-influencia.html.
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Provou que a forma, tanto quanto o conteúdo explicitamente ousado, é fundamental num projeto
de arte, constatação que antes dele nunca havia sido tão considerada na expressão artística. Com
isso, ele demonstrou que “forma” também pode ser política. Para os construtivistas, a arte deveria
ser socialmente útil, prática, explícita e funcionando como uma faceta da produção industrial.
Rodtchenko foi fiel a esses princípios, por isso seu trabalho está ligado à fotografia, às máquinas
e sua produtividade e também à engenharia arquitetônica e aos meios gráficos.
Rodtchenko era pintor e artista plástico. Deixou-se influenciar pelos dadaístas alemães e suas
críticas fotomontagens, criando ele próprio suas colagens, que utilizou na sua produção gráfica
de livros, cartazes e filmes. Todas essas inovações, que exerceu principalmente na publicidade,
provocaram uma verdadeira revolução gráfica, com grandes inovações no design e no layout de
jornais. Em seus trabalhos, teve como parceiros importantes artistas de sua época, como o cineasta
Dziga Vertov – precursor do cinema direto, uma linha de documentários que registram a realidade
sem rodeios - e o grande poeta do período Vladimir Maiakovski, de quem até ilustrou um poema.
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Descrição: Alguns ângulos inusitados da fotografia de Rodchenko hoje são banais na publicidade e nas revistas de moda elegantes
europeias e mesmo brasileiras. Fonte: http://www.tangerinemag.com.br/2014/12/alexander-rodchenko-e-influencia.html.
No quadro, em cada pincelada, sentimos a presença do artista, sua excelência técnica e sua
inspiração única. Isso, em certa medida, não ocorre com a fotografia, pois um bom equipamento
até na mão de um macaco, como já ocorreu, resulta em algo.
Segundo Walter Benjamin, a fotografia destruiu a aura das obras de arte, na medida em que pode
reproduzi-las pelos quatro cantos do mundo. Isso provocaria seu rebaixamento, a vulgarização da
obra, na medida em que, a partir da fotografia, a pintura, que se reservava aos museus, pode ser
impressa em suportes industriais, como capas de caderno, cinzeiros, camisetas etc.
Mas até o autor, que tem essa visão crítica sobre a fotografia, reconhece que, com o passar do
tempo, qualquer imagem vira memória. E, nesse processo, devido à carga emotiva e afetiva que
desperta, também ela passa a ter um certo “tipo de aura”.
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Ao virar memória, a fotografia passa a ter valor histórico e iconográfico. Torna-se o retrato
imagético de uma época. Vira documento. E a semiótica, nesse momento, serve como importante
instrumental de análise fotográfica, pois é uma ciência e filosofia que trabalha com as possibilidades
de leitura estrutural dos objetos analisados. Ajuda na observação dos inúmeros elementos que uma
imagem, às vezes tão banal, nos revela sobre o mundo e o ser humano dentro dele.
A semiótica é uma forma de leitura do mundo a partir das linguagens não verbais. Por isso,
para ela, a fotografia interessa na medida em que retrata, entre outras coisas, nossa capacidade
de ver e produzir linguagem. E, se impérios, países e civilizações foram construídos porque o ser
humano é pensante, capaz de recriar o mundo a partir de linguagens verbais, sonoras e visuais,
seria natural que, entre as artes tecnológicas, a fotografia desde o início assegurasse seu espaço
de importância. Dentro desse prisma, a semiótica ensina que a fotografia elevada à categoria de
arte vai criar uma nova modalidade artística: a estética do olhar. Um dom que nenhum macaco
consegue ter: só os grandes fotógrafos.
A fotografia tem se revelado como arte a partir, por exemplo, das surpreendentes fotomontagens
críticas e corrosivas de dadaístas como Raoul Hausmann, Hannah Höch e John Heartfield. Tem
impressionado ao revelar artistas surpreendentes, cuja fotografia pode alçar facilmente a categoria
de artes plásticas, como foi o caso de Rodckenko, na Rússia, ou do norte-americano Man Ray, ou
do francês radicado no Brasil Pierre Verger. Todos esses nomes acabaram elevando a fotografia à
categoria de arte, portanto são importantes para essa área da produção estética.
Com o novo conceito de fotografia elevada à categoria de arte, surgiram então nomes de grande
expressividade artística nessa área, muitos deles vindos da publicidade, outros do design da moda,
ou ainda do fotojornalismo. Este é o caso do premiado brasileiro Sebastião Salgado, um dos grandes
nomes da fotografia mundial. Seu original olhar é marcado pela grande preocupação com a miséria
humana em termos planetários. Busca assim a valorização de pessoas à margem da sociedade,
por isso seus livros têm sempre uma visão política. Vem daí sua importância mundial.
Seus grandes trabalhos, transformados em exposições e em livros de arte, são Outras Américas
(1986), que retrata as condições de vida dos camponeses latino-americanos; Trabalhadores (1993); e
Terra (1997), que trata da questão agrária no Brasil. Em 2000, realizou o projeto Êxodos, percorrendo
47 países para retratar a fuga do campo para as cidades.
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O cinema, criação dos idos de 1895, na França, tanto pela mão dos irmãos Lumière, quando se
trata de documentários, quanto, no mesmo período, de George Meliès, quando se trata de fantásticos
efeitos especiais e de ficção, de lá para cá, não parou de se inventar. Uma das maiores descobertas
do século XIX, tornou-se logo uma das artes marcantes do século XX.
Hoje, no século XXI, o cinema está novamente se reinventando. Isso por causa da internet, dos
novos meios de comunicação e das mudanças que se impuseram com o advento da televisão.
Pergunta-se muito o que será do cinema depois das TVs digitais com telões e também das experiências
em 3D. Por enquanto, as mudanças não foram suficientes para banir de vez a utilização da película
ou mesmo as salas escuras de projeção. De qualquer forma, o cinema hoje se integra às outras
artes das imagens em movimento, da televisão ao vídeo, num único denominador comum que as
define: o chamado audiovisual.
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Nesse amplo mercado que se anuncia, cinema passou a ser mais um dentre os múltiplos meios
que se desenvolvem. O vídeo, principalmente com o desenvolvimento das filmadoras em celular,
está se tornando uma espécie de caneta mais ou menos sofisticada de gravação.
Com todas essas transformações de um mundo que tem pressa e onde se expande a pobreza,
a película, por ser um meio muito caro de realização, pode se tornar arqueologia. Facilmente está
sendo substituída pelos meios HD de captação, que se resolvem na montagem com softwares
simples como o AfterEffects para se assemelhar a ela em resultados. Pode acontecer que, até
mesmo pela facilidade de outros recursos, os filmes feitos em películas tenham uma espécie de
supervalorização no mercado das artes.
Mas tudo isso ainda são especulações, num espaço em que todo dia se tem uma novidade
tecnológica para baratear os filmes. Esse barateamento, ao lado da facilidade de divulgação pela
internet, traz uma surpreendente realidade, a dos produtores independentes. Ainda não saíram
grandes obras desse meio como resultado de toda essa transformação. Tudo que se faz para a
internet é muito amador, mas, com certeza, uma hora, dentro de tantas realizações, o suprassumo de
excelência sairá. O certo é que a fotografia foi o início de tudo e que muita coisa ainda está por vir.
Todo século tem sua arte principal. O século XIX foi da pintura e da literatura; o século XX foi da
música, do design, do cinema, da TV, do vídeo e das instalações. Já podemos afirmar, com o que
se pronuncia, que, no século XXI, o audiovisual é o nosso tema.
Serguei Eisenstein
Ao tratarmos de arte tecnológica, não poderemos ignorar um dos maiores realizadores do
cinema do século XX: o russo Serguei Eisenstein (1898-1948). Usando a categoria poundiana para
literatura, e transportando-a para as artes tecnológicas do século XX, poderemos considerar, sem
nenhum equívoco, que Eisenstein foi um inventor. Criou procedimentos únicos de montagem, que
denominou montagem ideológica, e inventou o chamado filme de arte.
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Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sergei_Eisenstein_03.jpg.
Eisenstein veio de família rica: seu pai, o arquiteto Mikhail Ossipovitch Eisenstein, era descendente
de judeus alemães e suecos, e sua mãe, a próspera comerciante Iulia Ivanovna Konetskaya, era de
uma família russa ortodoxa. Sua mãe deixou Riga no ano da Revolução de 1905, levando Serguei
com ela para São Petersburgo, mais tarde Petrogrado. Em 1910, ela divorciou-se, e o pai então
abandonou a família e foi morar na França. A sólida formação de Eisenstein deu-se no Instituto de
Engenharia Civil de Petrogrado, onde estudou arquitetura e engenharia, a profissão de seu pai. No
entanto, ao abraçar a Revolução Russa, ainda na escola, em 1918, separou-se definitivamente do
pai, que apostava no lado oposto.
Em 1920, estudou japonês e chegou a ir para o Japão. O cineasta sempre disse que suas teorias
sobre montagem vinham do conhecimento desse idioma ideogramático: aprendeu cerca de 300
caracteres kanji, que ele dizia serem sua grande referência no seu desenvolvimento pictórico, e
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com isso ganhou uma exposição no teatro kabuki. Sua ligação com teatro não parou por aí, pois no
mesmo ano de 1920, ao voltar para Moscou, começou sua carreira como teatrólogo no movimento
Proletkult. Foi nesse momento que Eisenstein conheceu o grande teatrólogo russo Vsevolod
Meyerhold, com quem trabalhou como designer.
Em 1923, Eisenstein começou sua carreira como teórico, escrevendo A montagem das atrações.
Seus livros seriam tão importantes quanto seus filmes, pois neles ele expõe suas avançadas técnicas
de montagem, chamadas por ele de montagem intelectual ou dialética.
Apesar dos constantes atritos com o regime de Josef Stalin, pois sua visão de comunismo
diferia do stalinismo, conseguiu levar adiante sua obra por um bom período. Unindo arte e política,
realizou seu primeiro filme mais significativo, A greve, com 26 anos. Um ano depois, aos 27, faria
O encouraçado Potemkin, filme que, ao lado de Cidadão Kane, do cineasta norte-americano Orson
Welles, é considerado uma das mais importantes realizações na história do cinema.
Depois desse marco do cinema, foi chamado pela MGM dos Estados Unidos para fazer cinema.
Mas, no sistema norte-americano, seus trabalhos não deram certo. Afastou-se de Hollywood e foi
para o México, onde tentou realizar Que viva México, uma obra ambiciosa sobre a história do país,
mas, por falta de recursos econômicos, seu trabalho ficou incompleto.
Voltou a seu país, onde foi muito criticado pelo seu idílio capitalista. Mas logo recuperaria seu
prestigio ao lhe ser ordenado pelo próprio governo que realizasse o filme Alexandre Nevski, uma
obra-prima de propaganda antigermânica que, de forma semelhante a outros trabalhos desse mestre,
está acima das ideologias. Em seguida, já novamente com prestígio, realizaria Ivan, o Terrível, em
três partes. Mas só conseguiu realizar duas delas, pois logo começaria a guerra e tudo ficaria mais
difícil. Em 1948, o cineasta morreria de ataque cardíaco, sendo sepultado em Moscou.
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Todo o discurso narrativo das novelas e dos programas de auditório da TV, com suas gincanas,
atrações exóticas, cantores que se lançam, jurados, estardalhaços e publicidade interna, é uma
adaptação de famosos programas de variedades do rádio, como A hora do Casé, dos anos 1930/1940,
e de suas novelas radiofônicas. Os quadros cômicos da telinha vieram principalmente do teatro
de revista, com suas vedetes e seus fraseados e trocadilhos repletos de insinuações maliciosas.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Cameron_Prud%27homme_
Charme_Allen_Joan_Tompkins_David_Harum_1947.JPG.
A linguagem do rádio e do teatro foi tão decisiva para a televisão que logo depois de sua inauguração
surgiram os programas de auditório e os teleteatros, que tentavam emprestar respeitabilidade ao
meio. Mas o que vingou foram as novelas, que ainda hoje, no século XXI, mantêm-se estruturalmente
semelhantes às de outrora.
Por mais que alguns diretores queiram dizer que fazer cinema e fazer TV dá no mesmo, pois
tudo é audiovisual, a própria TV, no que tem de mais específico, nunca se viu como cinema, e nem
poderia ser. Ainda que hoje, no Brasil, muitos diretores construam ficção televisiva com película,
como se fosse cinema, tentando se esmerar nas paisagens, e outros, no cinema, queiram realizar
filmes como se fosse uma novela, usando para isso até as câmeras em BetaCam e HDCAM próprias
da telinha, nada adianta, pois são dois meios com linguagens que diferem na raiz.
A questão não esta apenas na bitola utilizada, se digital, própria do vídeo, ou se de película, como
ocorre no cinema, mas na estrutura sígnica de cada meio específico. A começar pelas possibilidades
da tela grande do cinema e da tela pequena da televisão, e ainda pela sala escura do cinema, que
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provoca imediata introspecção, em contrapartida a uma sala de TV, que normalmente é a própria
sala das casas e leva a uma total dispersão, a ponto de uma pessoa assistir TV ao lado de outras
atividades caseiras, como cozinhar, fazer lição etc.
Na telenovela, por exemplo, o roteiro é uma obra em processo que depende do Ibope e tem
duração de até um ano em capítulos. Sua programação será entrecortada pela publicidade, portanto
fragmentada. Essa estrutura deve ser pensada na própria realização do roteiro. A publicidade é algo
tão sério na TV que, se não existir comercial interprogramas, estes não poderão existir. Há quem
afirme, com certo exagero, que, na TV, os programas são brinde, e os comerciais, a verdadeira
programação.
Em compensação, não existe filme com essa estrutura. O cinema não depende da publicidade
interna para existir, mas do público pagante. O marketing são os próprios filmes e suas histórias,
com capacidade ou não de atrair o público. O roteiro, então, torna-se fundamental. No universo do
cinema, seus galãs e mocinhas, bandidos inusitados, enredos intrigantes e cenários singulares
são o produto.
A tela pequena da TV, mesmo com o surgimento dos telões, não comporta certos planos e
sequências da tela grande do cinema. Só o cinema tem comportado histórias passadas em desertos,
como o famoso clássico norte-americano O sheik, estrelado por Rodolfo Valentino nos anos 1920,
filmado inteiramente no deserto do Saara; ou ainda uma cena que aconteça numa imensa plantação
de girassóis, como no emblemático Os girassóis da Rússia, outro clássico do cinema, dos anos
1960, estrelado por Omar Shariff e Julie Christie. Isso porque a televisão não comporta os grandes
planos gerais. TV é um evento para a audição, e cinema, um evento para o olhar.
A TV é feita de ondas eletromagnéticas, por isso sua imagem é gravada em fitas, depois editadas,
nunca filmadas como no cinema, pois TV é banda de som e não fotografia. Dessa forma, a TV
está mais para o rádio e a música do que para o cinema. Nesse aspecto, nada tem de parentesco
com a fotografia ou a pintura, menos ainda com o “sonho”, numa concepção muito específica e
cinematográfica. Nada. TV é arte eletrônica por excelência. Desse meio para a arte do vídeo - o
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O cinema é sequencial, e a TV, fragmentária. O cinema, ao contrário da TV, é feito por uma
sequência de fotogramas. Nele, as imagens são filmadas em rolo para depois serem montadas
em filme. Utiliza-se para isso uma mesa de montagem, e o profissional que cuida desse trabalho
chama-se montador. Aliás, a montagem é uma das partes fundamentais do cinema, o que dá a
estrutura do filme, realiza o que foi programado no argumento.
Cinema é sistema ótico, como a fotografia que o gerou - fotografia em movimento - e significa
“movimento da luz”; vem da expressão kinema, do grego movimento = kine e luz = nema. Portanto,
está mais para a fotografia e para a pintura do que para a música.
Pode-se concluir que a TV está para a música, o teatro, o rádio e a arte digital assim como o
cinema está para a fotografia e a pintura. Isso em resultados técnicos faz toda a diferença.
Na TV, por exemplo, os programas, como filmes, novelas, minisséries etc., são editados. O
profissional que cuida dessa área chama-se editor. Já no cinema, um filme sofre um processo de
montagem, realizado pelo montador. Compreender os mecanismos de construção de uma obra
audiovisual a partir da montagem ou da edição é compreender muito das diferenças desses dois
veículos e suas respectivas estruturas de roteiro já na formatação.
Fonte: antb/shutterstock
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Na TV, a grade horária determinará a duração de um programa. No cinema não existem grades
de programação a ser respeitadas: a liberdade de criação do roteirista é maior. Um longa-metragem,
por exemplo, pode ter de 63 a 190 minutos de duração que não haverá muito problema, pois isso
depende só do diretor e dos patrocinadores.
Naturalmente, hoje com o surgimento da TV digital e dos telões, bem como do chamado 3D, o
cinema e a televisão estão atravessando uma fase de profundas transformações; fala-se em cinema
digital substituindo a película, faz-se cinema digital, videoarte e arte do vídeo.
A montagem do cinema está sendo substituída pela edição em Avid, isto é, em computador.
Os famosos efeitos especiais não são mais feitos com trucagens, e sim com softwares de efeitos
em mesa de edição. O fato é que todas essas transformações estão criando novas linguagens, que
podem até ampliar, criar novas mídias e substituir as já existentes, mas nunca realizarão a mesma
coisa que uma película realiza, ou a TV tradicional.
Nessa esfera de criação audiovisual, a única zona híbrida que sempre existiu entre o cinema e
a TV foram e continuam sendo os documentários. Em parte, isso ocorre por causa de sua estrutura
fragmentária, que coincide tanto com a fragmentação da TV quanto com alguns aspectos do cinema.
Além disso, realiza-se com câmeras leves (como na TV) e usa depoimentos, valendo-se também
de atores e material iconográfico, como no jornalismo de tela, e tem um tempo de duração menor
do que o de um longa-metragem.
A videoarte é uma variante das artes eletrônicas e tecnológicas idealizadas na década de 1950.
Associa-se bem mais ao design eletrônico e suas variantes, como a computação gráfica, o webdesign
e as artes plásticas, e foge quase completamente do antigo conceito de televisão.
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A produção audiovisual hoje exige um roteirista eclético, capaz de passar pela publicidade, pela
arte do vídeo e pela videoarte, pelas chamadas novas mídias, como os filmes para celular, YouTube
etc., além dos tradicionais cinema e televisão.
Além dos videoclipes, outra novidade de nosso tempo foi o surgimento das pequenas narrativas
feitas para suportes novos e exibidas em novas salas de exibição. Hoje, uma ficção de um minuto
de duração convive com filmes repletos de efeitos especiais, realizados para séries de cinema e
com mais de três horas de duração. Por exemplo, as bem-sucedidas adaptações dos quadrinhos
de Batman e Super-Homem ou de livros com história fantástica como O senhor dos anéis e Harry
Potter.
A poesia, na TV, dá-se justamente naqueles seus aspectos que são puro vídeo: nas vinhetas de
abertura dos programas e nos clipes de música. Ali, a criatividade do roteirista associado à do diretor
de arte é exemplar. Fazer uma vinheta que resuma toda a história de uma novela e ainda por cima
seja muito bela e criativa é tão admirável que já se criaram profissionais que cuidam exclusivamente
disso e premiações exclusivas para eles, entre os famosos prêmios e “Oscars de televisão”.
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No cinema, cabe ao diretor de arte tornar viável as ideias e os efeitos mais extraordinários que o
roteirista colocar no papel: crocodilos voadores, homens máscaras, dinossauros gigantes, mágicas
de menino bruxo prodígio, máquinas de volta ao tempo ou as mirabolantes cenas dos filmes de terror,
como os zumbis da Noite dos mortos-vivos, de George Romero, ou as fantásticas transmutações
de Hora do pesadelo, em que o famoso personagem Freddy Krueger sai de uma torneira, explode
barrigas de adolescentes ou vira lata de feijão.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Night_of_the_Living_Dead_(1968)_theatrical_poster.jpg.
Até aqui estamos falando do cinema de entretenimento norte-americano, mas a poética mais
sofisticada ocorre principalmente nos chamados filmes “sérios” ou de arte. Isso indica filmes
de alto repertório, feitos para transmudar o espectador num ser pensante, com a ambição, em
muitos casos, de mudar o mundo. Temos grandes exemplos desse tipo de cinema. Basta falar dos
magníficos filmes do gênio russo Serguei Eisenstein, das décadas de 1920 e 1930, ou dos de outro
gênio cinematográfico, o italiano neorrealista dos anos 1950 e 1960 Federico Fellini. Nesses casos,
a poesia é mais sutil e dá-se no encontro de diálogos brilhantes, próprios da literatura, com grandes
e muitas vezes metafóricas imagens capturadas com excelência por extraordinários fotógrafos de
cinema, como o famoso mexicano Figueroa, um mito nessa área.
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Figueroa começou a atuar como diretor de fotografia nos anos 1930, na equipe do célebre diretor
mexicano Índio Fernandez, e depois, nos anos 1950, virou o fotógrafo exclusivo do importantíssimo
diretor espanhol Luis Buñuel. Suas imagens realizadas em branco e preto são por si verdadeiras
poesias, um exemplo de como a película pode chegar à excelência da pintura, quando não fazer
citações de grandes pintores da história da arte.
O diretor Ingmar Bergman, por exemplo, num de seus grandes filmes dos anos 1970, Gritos e
sussurros, reproduziu na tela, com atores, a imagem da Madona dando de mamar ao menino Jesus,
uma cena que lembra uma famosa pintura renascentista de Botticelli. Mas, na versão do cineasta,
a madona é a empregada da casa aristocrática que oferece o peito, num gesto de compaixão, para
uma personagem que agoniza, representada pela atriz Liv Ullmann.
O cinema é capaz dessas façanhas, o que transforma a sétima arte, nesses casos singulares
do encontro de grandes diretores com grandes roteiristas, numa das mais altas artes audiovisuais
de nosso tempo.
O diretor de arte ou editor de arte ou ainda production designer é o grande responsável pela
unidade e pela concepção visual de um produto, um filme, um anúncio ou mesmo um programa de
televisão. Em geral, ele dirige uma equipe de arte e, quando se trata de cinema, cuida até de figurino,
cenografia, maquiagem, adereços etc.
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Cabe a ele gerenciar as atividades de design e concepção artística no audiovisual, que pode ser
desde a concepção de videogames até de um filme publicitário ou uma propaganda para a internet
e a televisão. Dentro da publicidade, sua parceria é com o roteirista ou redator de criação. Nessa
área, ele precisa estar a par de todas as novidades técnicas do mercado e acumular um amplo
conhecimento em multimídia, design gráfico e audiovisual.
Com as novas mídias, a atuação do diretor de arte é imprescindível. A tendência é de que cada
vez mais, ao lado do roteirista, ele se torne um dos profissionais mais valorizados do mercado
audiovisual, tanto faz se na publicidade, no marketing, no vídeo, nos multimeios, nos jogos eletrônicos,
no cinema ou na televisão.
Enfim, numa idiossincrasia estranha, o ato de ler, para Borges, era até mais importante do que
o ato de escrever. Dizia-se ele um leitor assíduo e afirmava que escrever era numa certa medida
menos importante do que ter uma obra literária lida e relida e revista mil vezes pelo leitor. Ele deixou
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claro que o ato estético existe no encontro do leitor com a leitura, nunca apenas na criação literária
engavetada.
É curioso perceber que, em se tratando de videoarte, o mesmo pode ocorrer. Ela só existe no
encontro do criador com o espectador e nas transformações que porventura este puder exercer no
objeto vídeo. Enquanto isso, o vídeo em forma de TV só existe na concepção do óbvio intocável, isto
é: a novela que não muda, senão no seu título; o programa de auditório com seus apresentadores
comicamente desagradáveis de sempre. O mesmo vale para as apresentadoras simpáticas com seus
sofás que imitam a sala de visitas com sua falsa intimidade, seja a falecida Hebe Camargo, a pop
Luciana Gimenez ou a vivaz e multimilionária Oprah norte-americana – todas iguais. Assegura-se
na telinha que tudo permaneça semelhante, desde o evento da TV, nos idos 1950, até este século
XXI, e desde o surgimento da TV preto e branco até sua substituição pela TV em cores. Nada pode
mudar. Já na videoarte, a operação é completamente outra.
Igual ao leitor/criador imaginário de Borges, que existe como coautor da obra lida, a videoarte
existe para renovar a experiência do observador. Nela, o espectador torna-se um cocriador, cujas
percepções logo se transformam em interações e ações ativas, que o elevam imediatamente de
agente observador a elemento criador. Na videoarte, o público pode e deve livremente se tornar um
participante e como tal também um videoartista.
Enquanto na TV tradicional, assim como nos museus e nos jardins públicos, os cartazes de
avisos são sempre uma advertência negativa exigindo distanciamento - “Favor, não tocar”; “Favor
não pisar na grama”; “Favor permanecer atrás da faixa amarela” -, na videoarte, os avisos são do
avesso, pois as ordens são opostas. Dizem todos: “‘Favor tocar”; “Favor pisar”; “Favor aproximar-se
e mudar”.
Na videoarte, a obra só está completa em contato direto com a criação intelectual do observador
e sua correspondente resposta.
Origens da videoarte
A videoarte, ou arte do vídeo, é uma forma de expressão artística de vanguarda surgida nos idos
de 1960 que mistura, como o nome já diz, as artes plásticas ao vídeo e sua estética por meio de
processos eletrônicos. A expressão artística da videoarte se forma a partir da mistura das aplicações
da tecnologia do vídeo para as artes visuais.
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Três grandes nomes podem ser considerados os pais da videoarte, os pioneiros nesse tipo
de experimentação, quem deu parâmetros e realizou obras realmente importantes dentro dessas
manifestações. São eles: o coreano Nam June Paik, considerado o grande inventor dessa arte e
técnica, ao lado do alemão Wolf Vostell, e depois seu continuador, o nova-iorquino Bill Viola.
A videoarte é metáfora e símbolo. Pode ser crítica, corrosiva, impertinente, atuando contra a
própria TV. Nesse aspecto, coloca-se contra a sociedade industrial e o fazer mecânico do mundo
urbano capitalista, que tudo destrói, tanto na dominação insana da natureza quanto na criação de
uma tecnologia destrutiva e inútil. Ela também pode ter plasticidade e poesia incomuns, ou ainda
os dois elementos misturados em instâncias e momentos diferentes de sua realização.
Fonte: http://archiwalna.zacheta.art.pl/en/article/view/308/bill-viola.
Bill Viola, por exemplo, que é um poeta da imagem, conquistando seus efeitos por meio de
fusões, montagens e superposições, tenta introduzir as pessoas às dimensões invisíveis da vida,
aquelas que nos escapam no dia a dia, pois ocorrem rápido demais para que possamos vê-las, ou
então que se tornaram imperceptíveis em função da distração de nosso olhar, sempre tão carregado
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de preocupações cotidianas. O artista, portanto, tenta nos lançar no efêmero das coisas, ao dar
visibilidade ao invisível.
Nam June Paik é considerado por muitos críticos o único criador da videoarte, o maior e mais
verdadeiro de seus estetas. Mas, na verdade, ele integra-se muito bem na tríade dos pioneiros. De
fato, foi quem desencadeou todo esse processo de criação. Nesse sentido, é considerado um gênio
da vanguarda das artes tecnológicas, mas seus outros companheiros foram fundamentais para dar
amplitude e novos caminhos a sua descoberta estética.
Famoso por suas declarações polêmicas, como a afirmação de que “A arte é pura fraude”, ou
ainda “Você só precisa fazer algo que ninguém tenha feito antes”, todas para um jornal coreano
de 1976, foi ele também quem cunhou o termo “autoestrada da informação”, antes mesmo do
surgimento da internet com suas verdadeiras generalizações.
Com tudo isso, Paik sempre fez jus à vanguarda neodadaísta de que fez parte ao lado de grandes
nomes da arte contemporânea do século XX, como os compositores eruditos Karlheinz Stockhausen
e John Cage ou ainda o grande mestre da dança de vanguarda Merce Cunningham e o escritor beat
Allen Ginsberg. Paik foi de fato um inovador e, antes de morrer, ainda pôde ser homenageado ao
receber a medalha Picasso da Unesco.
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Fonte: http://www.paikstudios.com/images/8.jpg.
Fonte: http://www.guerra-creativa.com/en/p/guerracreativa/The_Art_of_Wolf_Vostell.
Vostell surgiu em 1954 com suas famosas colagens, que denominava Dé-coll/ages, os seus
primeiros happenings e o uso de televisores nas suas obras. Trocou muitas cartas com Paik,
debatendo com este os caminhos da arte eletrônica. Essa troca de correspondência foi fundamental
para os dois artistas. Vostell foi um dos criadores do grupo Fluxus. São dele as primeiras instalações,
muitas vezes com TVs. Ele estourou publicamente em 1963 com um vídeo diferente de tudo o que
se produzia na TV, chamado Sun in your head, acompanhado de uma instalação composta por um
conjunto de aparelhos de TV que se denominava 6 TV Dé-coll/age.
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Foi pioneiro na utilização de novos e inusitados meios eletrônicos em suas obras de artes
plásticas; com esse procedimento, estava abrindo um universo inédito de possibilidades e diferentes
perspectivas de criação a todos os artistas plásticos espalhados pelo mundo. Vostell e suas
exposições singulares tornaram-se famosos mundialmente a partir de 1968, tornando-se referência
em seu campo de atuação até hoje, ano 2016. Ele não fazia cinema, não criava narrativas e enredos
temporais de historietas de TV, mas explodia o contexto linear de suas imagens e possíveis histórias
criando um conjunto de sensações que representassem uma ideia por completo.
Estava criando uma nova poesia num novo meio, onde o que vale é o presente absoluto, o resumo
sintético da mensagem, sem dar importância sequer a personagens, tempo linear ou qualidade de
imagens. Fazia um evento no qual a força motriz está no mundo das ideias geradas. Por não serem
cinema, seus trabalhos não são concebidos para exibições no conforto das salas escuras, mas em
espaços inusitados do rude desconforto das ruas.
Fonte: http://proyectoidis.org/wp-content/uploads/2015/11/90ger-wolf-vostell-potrait.jpg.
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um instrumental que veio para ficar. Pretende-se tão comunicativa quanto a própria televisão, ao
mesmo tempo em que exige de seu público criticidade em relação a esses novos meios.
Trata-se de uma reflexão dialética desses meios e as diversas formas da mídia. Não se trata de
jornalismo, publicidade ou informação, mas de um movimento com conformações próprias e que
se preocupa tanto com a ética quanto com a estética. É uma expressão artística cultural que incita
o público a ter um olhar de desconfiança e reflexão em relação as mídias e ao admirável mundo
novo em que elas se inserem.
A videoarte preocupa-se com os aspectos negativos da indústria cultural, por isso revê ideologias
e exige que o público também o faça. Nesse ponto, ela é o contrário de uma TV, que, com sua
programação confortavelmente kitsch, tem a intenção de dopar o telespectador. É o antipoder crítico
dos meios eletrônicos, que anula qualquer mínima possibilidade de ser atuante.
A videoarte exige até mesmo que o público saia da passividade do tradicional mundo das artes
plásticas e tenha uma atuação ativa frente a esse universo de arte eletrônica. Por isso os primeiros
videoartistas tinham como proposta estética invadir a televisão com seu experimentalismo, ou
ainda criar uma nova tele-visão de mundo. As transformações de atitude estética acabaram por
possibilitar a descoberta de uma linguagem própria da TV e ainda recriá-la como forma nas vinhetas
muitas vezes espetacularmente criativas da própria televisão.
A videoarte na TV acabou por inovar esse veículo dentro principalmente do que se chama
de identidade visual da telinha. Com isso, trouxe um novo dinamismo na forma mesmo como as
informações são transmitidas nesse meio, tornando-as menos cansativas ou mecânicas. Tudo isso
serviu para que o vídeo se tornasse acessível ao grande público, mudando tanto a forma como se
olha para a TV quanto a de olhar as artes plásticas em geral.
A videoarte só existe em seu caráter contestatório, que, de tão agressivo, acaba por gerar um
efeito que consegue questionar até suas próprias ferramentas de suporte, criando um ciclo de
realizações do qual faz parte se abastecer das críticas à medida que as realizações se processam
e, como um círculo que sempre retorna, voltar a se processar e se criticar consecutivamente. Está
nisso, até, seu grande valor.
Assim como o grafite e outras artes de rua, a videoarte aboliu os museus de sua existência e,
com ele, todas as outras possíveis instituições. Não necessitar e não querer estar nos museus é
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uma das construções mais sólidas da videoarte. Ela não precisa deles para se apresentar e com
isso acabou sendo parte de todo um conjunto de manifestações artísticas, como a performance.
A videoarte participa da ideia de arte-vida, de modo que mantenha uma concepção moderna
de transitoriedade da arte, assim como de transitoriedade da própria vida. Por isso ela, só acontece
integrada ao dia a dia nas ruas, misturada a seus transeuntes. Essa tática fortaleceu-se nos anos
1970, quando seus artistas passaram a usar os suportes das ruas em suas atuações: painéis
eletrônicos criados a princípio para notícias de última hora, performances e montagens de seus
apetrechos eletrônicos em bares e espaços públicos etc.
A TV passou a se utilizar das conquistas do vídeo, assim como videoartistas de gênio e fundamentais
para a história dessa arte, como Nam June Paik e Vito Acconci, atuaram sistematicamente para
criar um novo sentido para a televisão. A grande descoberta de Paik, entre tantas outras que foi
capaz de promover a partir desse veículo, foi a de se rebelar contra o próprio meio, pois para ele,
em uma sociedade tecnocrática, a recusa sistemática de submissão à lógica dos instrumentos do
trabalho seria sua maior crítica ao sistema de trabalho mecânico e convencional típico dos meios
eletrônicos.
Usando como fonte de inspiração um conjunto de referências passadas, como minimalismo, arte
abstrata, arte pop ou fotográfica, sempre unidas às novas tecnologias, Paik e Acconci buscavam
num primeiro momento de seus trabalhos em videoarte o tempo real da TV. Por isso, passaram a
fazer gravações espontâneas e sem edição, capturando o momento presente como experiência
radical do “aqui e agora”.
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Unida a essa tendência, surgiu entre os videoartistas uma outra, que mais tarde seria a referência
em webcams: o de um curioso autorretrato, que logo se transformou numa autogravação da pessoa
do artista em situações performáticas, nas quais ironizam seus próprios depoimentos diante das
câmeras. Trazia consigo a ideia de que os famosos depoimentos perante a câmera, tão banalizados
pela TV, precisavam ter conteúdo; para isso, capturavam diálogos em tempo real, forçando ao
máximo o estupor que seria isso na tela virtual. O vídeo era então transformado numa espécie de
“nova TV”, na qual se podia demorar o tempo que desejasse sem edição alguma.
Fazia-se ali uma acirrada crítica sobre a comunicação dos meios como foco de ação. Era como
se os videoartistas dissessem ou afirmassem ao público, com essa atitude, que uma TV tradicional
só tem aparência de conteudista quando propõe suas entrevistas ao vivo, mas que na verdade é tão
oca de significados quanto o que eles fazem. O que importava a esses artistas era demonstrar ao
seu público que, a partir da TV, não mais interessava vender uma obra de arte, mas sim seus efeitos.
Nesse ponto, como sintoma de recusa a esse papel passavam a caminhar pelo lado oposto, em que
não sugeriam efeitos nem se interessavam pela obra em si, mas pelos processos que levam a ela.
Houve, a partir da videoarte, um abandono sistemático ao apego material a sua obra, com a
consolidação dos projetos num nível inusitado do que seria a realização dela: a obra existe antes
mesmo de ter sido criada, pois é o puro ato do pensar do criador sobre ela, relegando a prática ao
supérfluo, que pode ser descartado e remontado com outro material para exibição, contanto que
a ideia se mantenha fiel.
Vale lembrar que, na arte conceitual - e a videoarte atua nesse espaço de concepção -, as decisões
do artista seguem um princípio de pensamento anterior à própria concepção de obra, e é isso que
vale, pois o resto seria uma execução mecânica. O que vale é a ideia que a concebeu como obra,
e, para ele, esse é o motor que realiza a arte.
Nesse sentido, podemos considerar que foi no outono de 1965 que surgiu o segundo momento
de criação da videoarte. Sua origem deve-se às gravações da procissão do papa Paulo VI feitas
por Nam June Paik em Nova York, com uma câmera Sony Portapak. Esse trabalho solidificou
definitivamente a videoarte ao ser exibido num café em Greenwich Village.
Por isso, pela liberdade de utilização e reutilização de imagens que é corrente entre os videoartistas,
eles valorizam o vídeo como uma mídia de impacto maior do que a película, pois tem essa capacidade
instantânea de permitir editar e modificar suas imagens.
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ARTE E MÍDIA
A videoarte integra-se ao mais moderno conceito de arte da atualidade, que são as artes da
mídia ou artemídia, uma expressão cunhada pelos ingleses como media ar”.
Fonte: Naeblys/shutterstock
E o que significa tudo isso? Uma forma de expressão artística que se apropria de recursos
tecnológicos das mídias e da indústria do entretenimento, na medida em que intervém em canais
de TV para propor alternativas de maior qualidade do que as existentes para as artes tecnológicas.
Lembrando Ezra Pound, antes de pensarmos que os artistas da artemídia são loucos, vamos
lembrar que a arte sempre foi produzida com os meios de seu tempo.
A arte renascentista valia-se das tintas a óleo, da perspectiva central e da reprodução mais que
perfeita da natureza humana e natural. Com a fotografia, como vimos anteriormente, reproduzir
uma árvore já não fazia tanto sentido, na medida em que uma foto pode fazê-lo de melhor forma.
Substituiu-se a pintura realista pela pintura abstrata. A fotografia ganhou movimento, tornando-
se cinema, e a arte abstrata foi caminhando para a arte conceitual. Marcel Duchamp, com seus
ready-mades, foi o precursor de tudo isso. Com sua Mona Lisa de bigodes, dessacralizava a arte
renascentista e mostrava que os tempos são outros. Uma privada colocada no museu escrito
embaixo “Fonte” quebrava a mítica do valor da arte, apontando que mesmo os objetos cotidianos
mais banais podiam ser valorizados de forma inconsequente se assinados e postos em exposição.
Derrubava-se ali também a noção de museu.
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Quando Ezra Pound abordou a questão da estrutura da escrita chinesa, que se apoia na
justaposição de imagens para dizer um novo significado, fazia a mesma coisa que o cineasta
Eisenstein em seus filmes ao propor a montagem ideológica, que nada mais é do que a união de
duas imagens muitas vezes em conflito, gerando novos conceitos.
E, se Picasso foi o artista mais influente do século XX por discutir em pintura o papel da arte,
Marcel Duchamp foi o segundo, por discutir o papel da antiarte.
As artes tecnológicas são filhas de todas essas revoluções promovidas pelas vanguardas
heroicas dos anos 1910/ 1920. Enquanto a vanguarda do cinema de arte foi beber da perspectiva
central renascentista, os artistas plásticos buscaram os novos materiais e estéticas oferecidos
pelas mídias. Não há duvidas de que as artes tecnológicas representem um avanço de expressão
da criação artística deste novo século, a que melhor exprime sua estética. Foram beber para sua
arte de fontes inusitadas, tiradas de aplicativos explicitamente destinados à criações eletrônicas
do dia a dia, como computação gráfica, hipermídia e vídeo digital para desenvolver sua arte.
Nan Jun Paik corroeu a lógica das imagens ao desviar o fluxo figurativo dos elétrons no interior
do cubo iconoscópico da TV. Essa foi sua grande revolução. Essa lógica já vinha sendo corroída
desde o modernismo cubista de Picasso e desde os primeiros quadros futuristas, inclusive Nu
subindo a escada, de Marcel Duchamp.
Isso tudo pode parecer estranho, mas, quando o artista foge dos programas previsíveis da
tecnologia, podemos dizer que algo estético acontece.
Artemídia é o mesmo que fazer arte como metalinguagem das mídias. Isto é: buscar uma
estética e também uma ética para as artes eletrônicas, principalmente a televisão, que revolucionem
a conservadora produção industrial de estímulos agradáveis desses meios. Interfere neles na
medida em que atua com rebeldia estética no interior de modelos econômicos cristalizados, indo
contra a corrente e tornando-se uma poderosa forma de criticá-los de maneira contundente. Nesse
sentido, torna-se uma das mais poderosas armas de criação de que dispomos na atualidade, para
pensarmos a maneira como a sociedade contemporânea se constitui, se mantém e se reproduz.
Está fora dos guetos acadêmicos ou dos espaços tradicionais de arte. E a videoarte foi o primeiro
lugar onde essa consciência se constituiu de forma clara desde o início.
Artistas como Nan Jun Paik e Wolf Vostell desvendaram os sintagmas televisivos com performances
ao vivo a partir de instalações ou utilizando-se de registros cinematográfico. Os trabalhos plásticos
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da videoarte valem-se das pesquisas plásticas em vídeo a partir de distorções dos signos sonoros
da televisão, da fragmentação, do retalhamento e da desmontagem quase total de seus programas
ou de seus meios naturais. A TV, e não o cinema, é a referência mais direta e mais frequente da
videoarte nos seus mais de 50 anos de história.
Fonte: andersphoto/shutterstock
Um dos grandes nomes tanto da videoarte quanto da arte da mídia é o catalão Antoni Muntadas,
um dos artistas da arte eletrônica que mais questionaram a sociedade midiática. Suas obras
invariavelmente analisam toda a estrutura de poder que se encontra camuflada dentro das formas
aparentemente ingênuas de nossa sociedade. Além disso, ele retoma os ready-mades de Duchamp e
apropria-se das colagens feitas a partir de objetos e materiais industriais, duas formas de expressão
dadá que já são uma tradição dentro da arte contemporânea. Muntadas deixou-se influenciar pelo
alemão das instalações Merz, o artista Kurt Schwitters, e pelas estruturas fotográficas de Rodchenko
e retoma a iconografia de massa da pop art.
Muntadas recria uma espécie de poética da reciclagem que desmistifica e aponta de forma
implacável e sistêmica o modelo de organização e reprodução das formas de poder do mundo
contemporâneo. Ele mostra o imperialismo delas na tela pequena: a televisão.
CONCLUSÃO
Tudo que se entendia por arte do século XIX veio abaixo com as vanguardas do século XX. E
não se preocupem se vocês considerarem todo esse universo da arte atual muito estranho: Em
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nossa época, o universo da cultura mostra-se muito mais híbrido e turbulento do que foi em outros
tempos. A ideia de que se pode fazer arte nas mídias ou com as mídias é polêmica.
O intelectual com formação tradicional não acha possível apontar produtos como programas
de TV, videoclipes, música pop que, em termos de qualidade, possam ser considerados verdadeiras
obras de arte criativas de nosso tempo. Mas as mídias estão aí pedindo um reordenamento das artes.
Arte é um processo em permanente mutação. Era uma coisa para os arquitetos egípcios, outra
para os calígrafos chineses, outra para os pintores bizantinos, outra para os músicos barrocos e
outra ainda para os russos revolucionários de 1917, como o cineasta Eisenstein e o documentarista
Dziga Vertov.
O mundo das mídias, com sua ruidosa erupção no século XX, tem afetado substancialmente
o conceito e a prática de arte deste século XXI, transformando a criação artística no interior da
sociedade midiática numa discussão bastante complexa. Virou do avesso o conceito de arte e
cultura de massa. Por exemplo: cinema é arte ou meio de comunicação de massa? Ou as duas
coisas ao mesmo tempo? Nem mais saberemos responder.
A ideia de que se pode fazer arte nas mídias ou com as mídias está longe de ser matéria
de consenso. Mas existe, ao lado disso, o fato de que as artes tradicionais há muito tempo se
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encontram em fase de esgotamento. É nesse sentido que a artemídia pode ser vista como campo
de possibilidades e de energia criativa.
A videoarte ainda esta aí. Parece que veio para ficar. A arte eletrônica nasceu no ambiente
sofisticado da videoarte de Paik e de Vortell nos anos 1960, mas o fato é que o público dessa
nova arte, agora não tão nova assim, nem sempre consegue detectar que está vivenciando uma
experiência estética.
Para nós todos do século XXI, não parece difícil concebermos arte nos pintores de outros
séculos. Os gênios da pintura eram assim chamados porque a palavra gênio vem de engenho com
as mãos. O artista, portanto, é o que tem o dom divino de passar as ideias com as mãos. Ele é o
ser único que completa a ação divina da criação. Todos compreendemos e aceitamos esse fato
quando se trata de um Leonardo da Vinci ou de um Michelangelo, mas a fotografia veio modificar
esses parâmetros que pareciam tão resolvidos na história da arte.
Não adianta culpar os videoartistas pelo desconforto de todas essas transformações estéticas,
pois não são eles os responsáveis pela grande confusão e transformação dos parâmetros em arte.
Apenas enxergaram um caminho que veio se construindo desde o Renascimento para nossos dias
de forma muito clara para quem quiser ver e ouvir.
O pintor Mondrian, por exemplo, nos anos 1920, já pensava na bidimensionalidade da tela ao
trabalhar com seus quadrados e formas geométricas. Na literatura, O jogo da amarelinha, de Julio
Cortazar, escrito em 1963, inaugura a lógica de hipertexto como procedimento de arte antes mesmo
do hipertexto existir.
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Composition_A_by_Piet_Mondrian_
Galleria_Nazionale_d%27Arte_Moderna_e_Contemporanea.jpg.
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Mais do que criar novos produtos, as artes midiáticas lançam questões, dúvidas sobre a arte e
sua função. E essa é a grande indagação das artemídias, que têm na videoarte suas realizações mais
sofisticadas. Na atualidade do século XXI, a videoarte encaminha-se para as instalações interativas.
Os antigos vídeos com edições lineares vão dando espaço para softwares e outros programas digitais.
Alguns artistas aderiram às salas de cinema para a exibição de seus trabalhos; outros colocam-nos
nos próprios museus, algo impensado no início dos anos 1960. Há aqueles que participam de raves
e festas em torno de eventos musicais, criadores de websites e webdocumentários, além daqueles
que trabalham realizando vinhetas de televisão. Mas todas essas transformações não abalaram a
videoarte como meio de transmissão de ideias, apenas ampliaram seus espaços de atuação.
GLOSSÁRIO
Adaptado pela autora. Fonte de consulta: Chilvers (2007).
Antiarte: Manifestação radical das artes de vanguarda desencadeada pelos artistas dadá,
principalmente, que, a partir da demolição dos parâmetros da arte tradicional, busca uma arte
experimental, fora dos padrões convencionais, que supere os conceitos vigentes dos suportes
clássicos da pintura, da escultura e do próprio livro. Por isso, questiona o “bom gosto” burguês e
trabalha com objetos industriais, colagens, performances, happenings.
Artemídia: conceito que designa formas de expressão artística que se apropriam de recursos
tecnológicos das mídias e da indústria do entretenimento em geral, ou intervêm em seus canais de
difusão, para propor alternativas qualitativas. Compreende “as experiências de diálogo, colaboração e
intervenção crítica nos meios de comunicação de massa” e “abrange também quaisquer experiências
artísticas que utilizem os recursos tecnológicos recentemente desenvolvidos, sobretudo nos
campos da eletrônica, da informática e da engenharia biológica.” Inclui também artes visuais e
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Bitola: Distância entre dois trilhos de uma ferrovia, mais tarde usada para determinar a largura
de um filme cinematográfico, como as tradicionais formas 8 milímetros, 16 milímetros, 35 milímetros
e 70 milímetros.
Cubismo: Corrente artística que possuía como proposta a representação das formas em três
dimensões da natureza por meio de objetos geométricos em um só plano ao mesmo tempo,
deixando de lado a obrigação de mostrar a forma real dos objetos. Pablo Picasso foi um dos seus
representantes mais influentes.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cubismo
Fluxus: Movimento antiarte surgido na década de 1960 e ativo até a de 1970. Seus artistas
diziam-se influenciados por Marcel Duchamp e pelo dadaísmo da década de 1920 e pela Pop Art de
Andy Wahol. De cunho libertário, muitas vezes tentavam mesclar arte e vida realizando palestras,
happenings e performances, além de seus artistas manifestarem-se por intermédios das artes
plásticas, da música e da literatura. Organizado em 1961 pelo lituano George Maciunas (1931-1978)
por meio da famosa Revista Fluxus, teve artistas importantes em Estados Unidos, Europa e Japão.
Entre eles, George Brecht, John Cage, Jackson Mac Low e Toshi Ichiyanagi. Mais tarde, o alemão
Joseph Beuys, o coreano famoso pela criação do videoarte Nam June Paik, o alemão inventor das
instalações Wolf Vostell e a famosa japonesa Yoko Ono, mulher do beatle John Lennon.
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velocidade, e prega a destruição do velho em nome do novo e da vitalidade dos tempos modernos.
Seus grandes nomes, além do próprio Marinetti, foram Giacomo Balla (1871-1958), Carlo Carrà
(1881-1966), Umberto Boccioni (1882-1916), Gino Severini (1883-1966) e Luigi Russolo (1885-1947).
Muitos de seus integrantes, por se identificarem com o fascismo e fazer apologia da guerra, foram
para as trincheiras e morreram por lá.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Futurismo
Hai kai: Tipo de poesia japonesa que tem por definição a forma curta e a relação de duas imagens
ou ideias.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Haiku
https://pt.wikipedia.org/wiki/Gr%C3%A9cia
https://pt.wikipedia.org/wiki/Idiossincrasia
Iluminismo: Corrente filosófica e intelectual que surgiu na Europa após a Idade Média, buscava
a transformação e o progresso do ser humano e da sociedade por intermédio da “luz da razão”,
colocando o homem como centro das coisas, em oposição à visão da Igreja, com Deus como centro
de tudo.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Iluminismo
Instalação: Manifestação artística contemporânea ligada às artes visuais que surgiu na década
de 1960. Trata-se de montar elementos, na sua maioria industriais ou midiáticos, num ambiente
específico. Essa arte, que faz parte das artes conceituais, tem como característica dispensar a
marca da mão do artista, mas trabalhar com o universo das ideias concebidas ou a conceber. Uma
instalação pode ser multimídia ou não; pode se feita com objetos eletrônicos como TV e seus
suportes ou mesmo com objetos inúteis e restos de construção ou do universo urbano industrial.
Teve seu boom nos anos 1980 e mantém-se como o gênero de arte mais difundido na atualidade.
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https://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo
Pop art: Movimento de vanguarda americana da década de 1960, considerado por muitos como
um dos últimos das chamadas vanguardas heroicas do modernismo. Diziam-se filhos do movimento
dadá, mas na verdade suas ações diferem daqueles por considerarem a cultura de massa e o kitsch
industrial como algo que tivesse que fazer parte do universo da arte. Trabalhavam por isso com
materiais da mídia e da publicidade. Utilizam-se de cores saturadas e do kitsch industrial. Por aceitar
a crise da arte modernista e da arte em si no século XX, muitos consideram esse movimento como
sendo pós-moderno ou o início do pós-modernismo em arte. Fato é que ele é derivado de uma arte
surgida nos anos 1950 na Inglaterra, mas ganhou sua maioridade de fato nos Estados Unidos, graças
principalmente a um grande nome desse movimento: o norte-americano Andy Warhol, famoso por
suas latas de sopa Campbell pintadas num quadro e expostas no museu. Ele faz parte de um grupo
de artistas de muita repercussão nesse estilo, que inclui Roy Liechtenstein, Claes Oldenburg, James
Rosenquist e Tom Wesselmann.
Ready-made: Forma de fazer artístico criada por Marcel Duchamp que trabalha com a ideia
fundamental de antiarte, na medida em que não cria materiais, mas busca se utilizar de objetos
industrializados e colocá-los na categoria de artísticos conforme são assinados e entram num
museu. Por exemplo, a famosa privada, ou ainda uma roda de bicicleta. É uma forma iconoclasta
de acabar com os parâmetros da arte tradicional e criar no seu lugar uma arte de ideias, em que o
material proposto questiona o próprio fazer da arte, o artista e o papel fundamental do museu. O
que vale no caso é o gesto ou mesmo a assinatura e não o objeto em si, que Duchamp pregava que
deveria ser o mais banal e desprovido de ego possível.
Surrealismo: Idealizado pelo poeta e crítico André Breton, nasceu em Paris, no entreguerras
da década de 1920. Trata-se de outro dos grandes movimentos artísticos e literários da vanguarda
modernista do início do século XX. Composto em parte por artistas que vinham do dadaísmo, foi
muito influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856-1939), e por isso foge do
racionalismo e enfatiza o inconsciente e a escrita automática em suas criações. Seus nomes mais
conhecidos são Max Ernst, René Magritte, Joan Miró e Salvador Dalí nas artes plásticas, Antonin
Artaud no teatro e Luis Buñuel no cinema.
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Sfumato: Técnica à base de carvão, grafite ou pastel seco esfregado suavemente no suporte
para criar diferentes tonalidades gradativas. Do italiano, significa “evaporar como fumaça”.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Sfumato
https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%B3s-impressionismo
VOCABULÁRIO
Paideuma: Definição cunhada pelo ensaísta e poeta Ezra Pound para falar da seleção rigorosa
de conhecimentos essenciais da arte e da literatura de modo que viesse facilitar a outros artistas e
estudiosos de cultura a busca das pérolas do saber, evitando assim todo conhecimento superficial,
desnecessário ou obsoleto de cada item cultural por ele escolhido. Pound fez, por exemplo, não
só uma seleção de poetas fundamentais, como ainda dos poemas fundamentais de cada poeta
selecionado.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FERREIRA, Glória (org.). Crítica de arte no Brasil: temáticas contemporâneas. Rio de Janeiro: Funarte,
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FONSECA, Cristina. Modernistas da ciência: Oswaldo Cruz. São Paulo: Soriak, 2003.
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LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
MACHADO, Arlindo. O quarto iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos,
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