Promessas Não Cumpridas Da Democracia
Promessas Não Cumpridas Da Democracia
Promessas Não Cumpridas Da Democracia
1.INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, no caput do Artigo 1º, garante que a República
Federativa do Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito e, no parágrafo
único do artigo 1º, dispõe: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente”. Mais adiante, no inciso III, do artigo 3º,
consagra que um dos objetivos fundamentais da República consiste em “erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”.
2. DEMOCRACIA
A democracia, segundo José Afonso da Silva, “é a realização de valores,
dentre eles, igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana. É muito mais que
governo, é regime, forma de vida e, principalmente, processo”.
Em O Futuro da Democracia: Uma Defesa das Regras do Jogo, Norberto
Bobbio ensina que a palavra democracia pode ser definida das maneiras as mais
diversas, afirmando que não existe definição que possa deixar de incluir em seus
conotativos a visibilidade ou transparência do poder: “O poder está no núcleo mais
interno do poder”. (BOBBIO, 1986, p. 21)
O autor traz, ainda, aquilo que afirma ser uma definição mínima de
democracia, segundo a qual por regime democrático entende-se primariamente: “Um
conjunto de regras de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que
está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados:
Tal definição formal, parece muito pobre para os movimentos que se proclamam
de esquerda. Porém, a verdade é que não existe outra definição igualmente clara e
esta é a única capaz de nos oferecer um critério infalível para introduzir uma primeira
grande distinção entre dois tipos ideais opostos de formas de governo[2].
Há, portanto, enorme dificuldade em se conceituar a democracia, sobretudo
porque o termo carrega em si a característica fundamental de que está sempre a ser
construído, de que é criação ininterrupta.
Além disso, com esteio nas lições de Streck e Morais, “é evidente que a
democracia requer uma grande dose de justiça social”, não sendo possível falar em
democracia em meio a indicadores econômico-sociais que apontam para a existência
de uma grande parcela da população vivendo abaixo da linha da pobreza (STRECK E
MORAIS, 2001, p. 104).
É exatamente desta matéria bruta e não do que foi concebido como nobre e
elevado que devemos falar; em outras palavras, devemos examinar o contraste entre
o que foi prometido e o que foi efetivamente realizado (BOBBIO, 1986, p. 23).
Diante dessas constatações, Bobbio permite-nos uma reflexão abrangente da
situação do processo democrático e de suas contradições, enumerando o que chamou
de promessas não cumpridas da democracia moderna.
Daí é que nas palavras de Pedro Demo: “os direitos passam a concessão. O
Estado já não cumpre deveres, mas doa favores. Os líderes fundam o povo, não o
contrário. A legitimidade não se elabora na criação comunitária, mas se decreta.”
De acordo com o argumento segundo o qual o único modo de fazer com que
um súdito se transforme em cidadão é o de lhe atribuir aqueles direitos que os
escritores de direito público tenham chamado de activae civitatis, ou na tradução:
cidadania ativa, direitos do cidadão; a partir daí, a educação para a democracia
surgiria no próprio exercício da prática democrática. (BOBBIO, 1986, p. 31)
Pode-se dizer que a apatia política atinge hoje a maioria dentre os que têm
direito ao voto. Do ponto de vista da cultura política, estas são pessoas que não estão
orientadas nem para os output nem para os input. São simplesmente desinteressados
daquilo que, como se diz na Itália de Bobbio, acontece no “palácio”.
Tendo por base a ideia de que a tecnocracia é a antítese da democracia, de que a democracia
assenta-se em um poder disperso, onde todos devem decidir sobre tudo e de que na
tecnocracia apenas os técnicos envolvidos podem tomar decisões, com quem deve
permanecer o poder de tomar as decisões, com aqueles que representam a realidade do povo
ou com aqueles que detém a técnica? Daí a contraposição da decisão política frente a decisão
técnica, o poder disperso frente ao poder concentrado. (BOBBIO, 1986, p. 34)
Frente a problemas tais como o controle da inflação, o enfrentamento de uma crise econômica
mundial, o desemprego e uma má distribuição de renda fica a pergunta: “Não são eles de tal
envergadura que requerem conhecimentos científicos e técnicos para serem resolvidos?”
Notadamente, a resposta é sim (BOBBIO, 1986, p. 36).
O segundo obstáculo não previsto e que sobreveio de maneira inesperada foi o crescimento do
aparato burocrático. A burocracia, como bem nota Streck, surge em consequência do próprio
processo de democratização da sociedade que, na medida em que alargava as possibilidades
de participação social, permitia que novas demandas fossem propostas ao Estado. É aí que se
constitui um aparato burocrático responsável por responder às pretensões sociais cuja
característica é a de ser um “poder que se organiza verticalmente do alto para baixo,
contrapondo-se, assim, ao modelo democrático de um poder que se estabelece na base e se
eleva para o topo” (STRECK E MORAIS, 2004, p. 107).
“Assim sendo, aconteceu que o Estado social foi a resposta a uma demanda
vinda de baixo, a uma demanda democrática no sentido pleno da palavra”
(BOBBIO, 1986, p. 37-8).
O terceiro obstáculo também se refere ao alargamento da participação e ao acúmulo de
demandas, estando ligado ao tema do rendimento do sistema burocrático como um todo: a
questão da ingovernabilidade democrática.
Ademais, diante da rapidez com que as demandas chegam ao governo, torna-se contrastante a
lentidão que os complexos sistemas político-democráticos impõem à classe política no
momento de tomada das decisões. Há portanto uma verdadeira defasagem entre os
mecanismos, um cada vez mais acelerado e outro cada vez mais lento.
À guisa de conclusão, valemo-nos das ideias de Guillermo O`Donnell, para quem a existência
de cidadãos pobres e desiguais é inerente à dimensão burocrática do Estado, sendo certo que
este problema “é mais severo e sistemático quando o “sujeito dessas relações está em
situação de pobreza e desigualdade ampla e severa. Esses males cultivam o autoritarismo
social, amplamente praticado na América Latina por ricos e poderosos, e repercutem na
maneira em que as burocracias do Estado tratam muitos indivíduos. Essa é, acredito, outra
dimensão crucial da qualidade da democracia; na América Latina, com suas profundas e
persistentes desigualdades, essa dimensão é uma das mais deficientes” (O`DONNELL, 2002).[7]
4. Conclusões Articuladas
Por todo o exposto no presente trabalho, apresentamos as seguintes conclusões articuladas:
4. A Democracia tem como pressuposto a igualdade, de modo que em uma sociedade marcada
pela pobreza e desigualdade ampla e severa não há democracia real.
5. Por fim, forte nas lições de Guillermo O’Donnell, sem justiça social não há democracia e,
sendo esta um processo permanente de construção, somente superaremos os obstáculos à
concretização da democracia e realizaremos as suas promessas não cumpridas na medida em
que a República Federativa do Brasil se aproximar de seu objetivo constitucional de erradicar a
pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais, como previsto no inciso III, do artigo 3º,
da Constituição Federal.
5. Referências Bibliográficas
BOBBIO, Norberto. O Futuro da Democracia: Uma defesa das regras do jogo; tradução de
Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
O´DONNEL, Guillermo. Democracia Delegativa? Em: Novos Estudos Cebrap nº 31 – out. 91.
São Paulo, Ed. Brasileira de Ciências.
SILVA, José Afonso, Curso de Direito Constitucional Positivo, 30 ed., 2008, Malheiros.
STRECK, Lenio Luiz e BOLZAN DE MORAIS, José Luiz. Ciência Política e Teoria Geral do
Estado. Porto Alegre, 4 ed., 2004, Editora do Advogado.
Notas
Contrapondo o Estado despótico ao Estado democrático Bobbio afirma que aquele é o tipo
[2]
ideal de Estado de quem se coloca do ponto de vista do poder; no extremo oposto encontra-se
o Estado democrático, que é o tipo ideal de Estado de quem se coloca do ponto de vista do
direito
[3]Quando se refere à relação ente Estado liberal e Estado democrático, Bobbio afirma que a
concessão dos direitos políticos foi uma consequência natural da concessão dos direitos de
liberdade, pois a única garantia de respeito aos direitos de liberdade está no direito de controlar
o poder ao qual compete esta garantia. Para Bobbio o Estado liberal é o pressuposto não só
histórico como jurídico do Estado democrático. Ambos são interdependentes em dois modos:
na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas
liberdades para o exercício correto do poder democrático, e na direção oposta que vai da
democracia ao liberalismo, no sentido de que é necessário o poder democrático para garantir a
existência e a persistência das liberdades fundamentais. A prova histórica desta
interdependência está no fato de que Estado liberal e Estado democrático, quando caem, caem
juntos. Em BOBBIO, Norberto, op. cit. p. 33