Manual Autogestão - APAES
Manual Autogestão - APAES
Manual Autogestão - APAES
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Thailane Tonete Muniz (SC) Ilda da Conceição Salvático Eduardo Souza Leite
“Quando tomamos um homem como ele é, nós o fazemos pior. Mas quando tomamos um homem como se ele já fosse o que ele deveria ser, nós o
promovemos para o que ele pode ser” (GOETHE apud GLAT, 2009).
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Nestes 60 anos de história do Movimento Apaeano no Brasil na luta em defesa das pessoas com deficiência, vejo
que a autodefensoria tem um papel fundamental no desenvolvimento e inclusão da pessoa com deficiência na socie-
dade e, com isso, vem conseguindo espaço e demonstrando seu valor em lugares que antes não poderiam ser desen-
volvidas. Ser autodefensor tem uma grande importância de representatividade na minha vida, pois, nestes anos como
autodefensor, pude aprender valores, aprendi a lutar por aquilo que acredito, em defesa da pessoa com deficiência, pois
antes só pensava em mim, mas hoje estendo as minhas atenções ao grupo, e tudo isso me fez crescer como pessoa. Ve-
nho falar aos autodefensores municipais e estaduais das Apaes sobre a importância dos papéis a serem exercidos dentro
das entidades em defesa do aluno com deficiência, sendo que essa representatividade não abrange somente a entidade,
mas tudo o que envolve a pessoa com deficiência na sociedade em que vive. Deficiente, sim. Incapaz, não. Para finalizar,
gostaria de ressaltar a importância do movimento apaeano na vida profissional e pessoal. Para mim, meu primeiro em-
prego foi na Apae de Colmeia, terminei meus estudos e hoje posso dizer que sou um cidadão honrado, participativo e
realizado e muito feliz.
Sou Thaylane Tonet Muniz, tenho 24 anos e sou Autodefensora Nacional. Tendo esse cargo tenho vários compro-
missos, o mais importante é representar todos os alunos das APAEs do nosso país. É necessário e importante que nós
autodefensores tenhamos momentos de reuniões, debates e palestras para discutir ações no nosso movimento, acre-
dito que um dos pontos mais importantes seja trazer as famílias de todos os alunos para dentro dos nossos momentos
nas APAEs, nossos familiares precisam conhecer nossa realidade e do que somos capazes. As pessoas com deficiência,
principalmente os alunos das APAEs, devem ser reconhecidos pelo que são capazes de fazer, pois conseguem viver na
sociedade como qualquer outra pessoa, conseguem praticar esportes, dançar, fazer teatro, ler, escrever e até trabalhar.
Eu, Thaylane, gosto muito quando participo de reuniões e posso dar minha opinião sobre vários assuntos, me sinto muito
bem quando minhas idéias são ouvidas e valorizadas, me sinto feliz. Tenho muito orgulho de representar meus amigos
das APAEs, nós podemos sim fazer a diferença.
O material é voltado aos profissionais, familiares e a todos que convivem com pessoas com deficiência. Tem uma perspectiva generalista, que
serve de orientação para diversos contextos de convivência e realidades socioeconômicas, regionais e afetivas.
O objetivo é contribuir para uma sociedade mais justa, baseada no respeito à dignidade humana, com vistas à inclusão social plena dos in-
divíduos e à promoção de uma maior qualidade de vida para todos. Mas, principalmente, afastar de vez os estigmas e preconceitos que orientaram
durante muito tempo a opinião pública acerca da pessoa com deficiência e que ainda hoje são determinantes de atitudes protecionistas e excluden-
tes, que impedem esses indivíduos de assumirem suas próprias vidas.
1 - Atualização do texto Autodefensoria / Autogestão: movimento em prol da autonomia de pessoas com deficiência mental – uma
proposta políticoeducacional (GLAT, 2004). Disponível em: <http://www.apaenet.org.br/images/ apostilas/auto_defensoria_auto_
gestao.pdf>. Acesso em: 20 set. 2011.
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Esse Movimento vem sendo, já há algumas décadas, bastante difundido em muitos países, inclusive no Brasil; no entanto, em muitos segmen-
tos da sociedade ainda é incipiente, ocorrendo de forma esporádica e assistemática. Esse é o caso das pessoas com deficiência intelectual e múltipla,
que ainda constituem um grupo tradicionalmente “protegido” tanto pelas famílias como pelas escolas, instituições especializadas e profissionais que
os atendem, dificultando a organização de programas voltados à promoção da sua autonomia.
O Movimento de autodefensoria no Brasil teve início em 1986, no IX Congresso Mundial da Liga Internacional de Associações para Pessoas
com Deficiência Mental (ILSMH) – hoje denominada Inclusão Internacional –, realizado no Rio de Janeiro, sob os auspícios da Federação Nacional
das Apaes. Um dos eventos mais importantes desse congresso foi o chamado “Congresso Paralelo”, do qual participaram mais de 150 pessoas com
deficiência intelectual, representando 15 países e falando mais de seis idiomas diferentes.
Os que tiveram o privilégio de participar desse evento experimentaram uma mudança radical de perspectiva, na medida em que, pela pri-
meira vez, paramos para ouvir efetivamente o que essas pessoas tinham a dizer sobre si mesmas, quais as questões que as afligiam e que estratégias
utilizavam para lidar com suas dificuldades. Desde então, essa proposta vem, aos poucos, se difundindo em nosso país, sobretudo pelo trabalho
pioneiro da Federação Nacional das Apaes. Porém, se tomarmos o universo das pessoas com deficiência intelectual e múltipla no Brasil, suas famílias
e os milhares de profissionais que com elas trabalham, verificamos que os conceitos de autogestão e autodefensoria ainda são muito pouco conhe-
cidos, e menos ainda implementados como programa familiar e/ou institucional.
Mais ainda, a própria noção de que indivíduos com deficiência intelectual e múltipla possam “falar por si” e “tomar suas próprias decisões”
nem sequer faz parte do universo conceitual da maioria das pessoas, sejam elas familiares, profissionais ou a sociedade em geral. E, infelizmente, não
existe, também, no imaginário dos próprios indivíduos com deficiência.
De fato, a visão popular – assim como a “científica” ou clínica – que se tem sobre uma pessoa que seja diagnosticada como tendo uma de-
ficiência intelectual é de alguém incapaz de aprender, que não tem controle sobre seu próprio comportamento, sem condições de viver de forma
independentemente no dia a dia, e que, portanto, necessitará de assistência direta de profissionais e proteção da família durante toda sua vida.
Isso é um mito. Certamente pessoas com deficiência intelectual e múltipla terão muita dificuldade em aprender pelos métodos tradicionais,
poucas alcançarão os níveis mais altos de escolaridade, ou chegarão a ocupar uma posição de destaque no mundo profissional. Mas isso não signi-
fica, de forma alguma, que, se devidamente orientadas, elas não possam ter uma vida autônoma, produtiva e feliz.
Esse é o ponto principal que precisa ser compreendido. A deficiência é uma condição orgânica, que traz dificuldades e limitações, maiores
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E que desenvolvimento ou projetos existenciais poderão ter seres humanos que, desde a infância, foram socializados para a incapacidade, a
restrição e a dependência?
A verdade é que raramente é dada às pessoas com deficiência, e especificamente àquelas que têm deficiência intelectual e múltipla, a oportu-
nidade de aprender a se impor no mundo, a expressar seus sentimentos e desejos, a se arriscar e lutar por aquilo que almejam ou em que acreditam.
Não se transmite a elas a ideia de que são capazes de tomar decisões a respeito de seu destino, e a assumir responsabilidade sobre si mesmas e suas
escolhas. Muito menos lhes são dispostos os meios para tal.
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E assim nós, “pais e amigos dos excepcionais”, somos os autoapontados porta-vozes de suas necessidades e interesses. Mas, quando lhes
damos a palavra, encontramos um quadro bastante diferente do esperado, pois essas pessoas têm sua própria compreensão de si mesmas, sua
situação de vida e suas experiências, a qual é frequentemente diferente da dos seus familiares e profissionais.
Atualmente, a inclusão social e educacional de pessoas com deficiências é a palavra de ordem, sendo eixo prioritário de políticas públicas,
ações afirmativas, projetos político-pedagógicos e programas de atendimento a essa população. No entanto, todos sabemos que a inclusão, na prá-
tica, está longe de se tornar uma realidade, mesmo nos países mais desenvolvidos.
Talvez, mais até do que as barreiras objetivas, as barreiras subjetivas ou atitudinais são o que emperra o processo de inclusão. E não poderia
ser de outra forma, porque a integração ou inclusão social é, antes de tudo, um processo subjetivo e espontâneo, que envolve, diretamente, o re-
lacionamento entre seres humanos. Entre uma maioria hegemônica constituída pelos “normais” (considerado o modelo do ser humano “perfeito”,
aquele “criado à imagem e semelhança de Deus”, ou o ser baseado na razão pura do Racionalismo), e uma minoria estigmatizada constituída dos
“deficientes” (os anormais, imperfeitos, defeituosos, doentes, os descartáveis).
Pode-se promulgar leis que obriguem as escolas regulares a aceitarem alunos com deficiências em suas classes, e as empresas a contratarem
uma cota de trabalhadores que tenham deficiências. Mas não se pode fazer uma lei que obrigue alguém a ser amigo de uma pessoa com deficiência,
a contratá-la para trabalhar em sua casa ou cuidar de seus filhos, a interagir com ela quando a encontrar em eventos sociais!
Sob o ponto de vista legal, já é garantida a inclusão física ou espacial. Cabe, porém, a instituições como Apaes e outras, aos familiares e profis-
sionais, enfim, à sociedade civil solidária, incentivar a conscientização e mudança cultural. Entretanto, é preciso destacar que a verdadeira inclusão,
que se constitui na aceitação social plena e no respeito às diferenças, só pode ser conquistada por eles mesmos! O máximo que podemos e devemos
fazer é proporcionar-lhes os meios para desenvolver sua autoestima, confiança e descobrir sua identidade pessoal.
Nesse sentido, é fundamental que sejam elaboradas estratégias que auxiliem as pessoas com deficiências, e mais, especificadamente, com
deficiência intelectual e múltipla, a se conscientizarem de sua condição biopsicossocial, e aprender que, apesar de todas as suas dificuldades, elas
são pessoas como todas as demais, e têm todos os direitos de usufruir das oportunidades disponíveis em sua comunidade.
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Para garantir o direito à cidadania plena, a pessoa com deficiência precisa, primeiro, aprender como romper e/ou superar as barreiras que a
impedem de viver uma vida mais digna e feliz. Aí é que entra, justamente, o conceito de Autodefensoria ou autogestão. Esse Movimento que, como
já mencionado, engloba tanto o aspecto político como o educacional (no sentido amplo do termo), se norteia por cinco princípios ou diretrizes
fundamentais interdependentes: a eliminação de rótulos, identidade pessoal, autonomia, luta por direitos e inclusão social. Esses princípios serão
brevemente apresentados a seguir.
1. Eliminação de rótulos: quando nos referimos a pessoas com deficiência, a pessoa deve ser considerada em primeiro lugar, não a defici-
ência. O lema dos autodefensores poderia ser resumido no seguinte slogan: “antes de sermos deficientes, somos pessoas”! Justamente por isso
o Movimento de Autodefensores nos Estados Unidos e Canadá é denominado People First (Pessoas primeiro).
Já vem sendo há muito discutido o efeito deletério que o rótulo de deficiente tem sobre a qualidade de vida desses indivíduos. O Mo-
vimento de Autodefensoria reivindica que as pessoas com deficiência intelectual sejam tratadas com dignidade e respeito, sem que a sua
condição seja um “cartão de visita” que de imediato as estigmatize e segregue, ou um fator limitador, a priori, das oportunidades, inclusive
educacionais, que lhes são oferecidas.
2. Afirmação de sua identidade pessoal: relacionado à questão da eliminação de rótulos, um dos objetivos do Movimento de Autodefen-
soria é auxiliar pessoas com deficiência a afirmarem, nas diferentes fases da vida, sua identidade pessoal. Uma das consequências deletérias
dos estigmas ou rótulos diagnósticos, no caso a deficiência, é que, a partir do momento em que um indivíduo é classificado como deficiente
(e isso vale para todas as outras categorias de estigma), tudo o que ele faz ou é passa a ser interpretado ou explicado em função dos atributos
estereotipados do estigma. Como esses rótulos são sempre depreciativos, todas as potencialidades, aptidões e características pessoais do
indivíduo são subestimadas, ou mesmo ignoradas: “não aprende porque tem deficiência intelectual”. Em outras palavras, ele deixa de ser con-
siderado como sujeito, o “João”, e passa a ser apenas um exemplo do rótulo: “aquele rapaz retardado”.
3. Autonomia e participação: por autonomia entendemos a capacidade do indivíduo de gerenciar sua própria vida cotidiana, ou o má-
ximo possível de aspectos dela, visando o atendimento de suas necessidades individuais e ampliação de suas oportunidades, através de suas
próprias opções. Nesse sentido, o desenvolvimento da independência e autonomia, sobretudo em suas escolhas, é talvez o aspecto mais im-
portante do Movimento de Autodefensoria.
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Segundo ele, atitudes de superproteção agridem a dignidade humana, pois impedem que essas pessoas experimentem situações coti-
dianas de risco necessárias para o crescimento e desenvolvimento humano normal: “negar a qualquer pessoa a sua cota justa de experiências
que envolvam risco é mutilá-las ainda mais para uma vida saudável”. Nesse sentido, cabe aos profissionais e familiares que lidam com pessoas
com deficiência incentivar, seja através de programas específicos, seja no contato diário, a independência, autonomia e poder decisório.
4. Defesa de seus próprios direitos: a defesa dos direitos pela própria pessoa com deficiência é a essência do movimento de autodefen-
soria, como o próprio termo diz. Pessoas com deficiência são capazes, e devem ser estimuladas, a falar por si próprias e a ser os defensores de
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Uma das atividades do programa de autodefensoria são os encontros e fóruns em que são discutidas diversas questões da vida diária,
bem como direitos e deveres. Como produto, é elaborada, conjuntamente, uma carta com as principais reinvindicações dos participantes que
envolvem direitos de capacidade civil, direitos políticos, sociais, trabalhistas e educacionais.
5. Inclusão social: é importante lembrar, ainda, que o objetivo último de um programa de autogestão e autodefensoria é incentivar e
capacitar pessoas com deficiências a se “arriscar” no mundo social mais amplo, na medida de suas condições, frequentando os espaços educa-
cionais, de trabalho e lazer disponíveis na sua comunidade.
Nesse sentido o grupo de autodefensores torna-se um espaço de solidariedade, incentivo e amizade, em que as pessoas podem trocar
experiências, sentimentos e expectativas, contribuindo não só para o bem-estar de si mesmas, mas para um conjunto social, mais justo e igua-
litário.
Finalizando, vale ressaltar que ao longo de todo o texto foram feitas referências às pessoas com deficiência intelectual e múltipla de modo
genérico, pois as questões abordadas afetam a todas elas. No entanto, é preciso cuidado para que não se reforce a noção, infelizmente ainda bastan-
te presente, de que se trata de um grupo homogêneo, com as mesmas características cognitivas, psicomotoras e psicológicas. Muito pelo contrário,
pessoas com deficiência intelectual e múltipla menos acentuada, por exemplo, têm mais em comum em seu processo de desenvolvimento e socia-
lização com os ditos “normais” do que os mais acentuados.
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No entanto, independente do tipo ou grau de comprometimento, todas as pessoas têm o direito de se autodeterminar e gerir sua própria
vida. Precisamos reverter a tendência histórica de “superproteger” nossos filhos, amigos ou estudantes com deficiência, a falar por eles. Precisamos
mudar nossa mentalidade, nossa maneira de atuar, e deixar cada vez mais que eles tomem a palavra, que expressem seus desejos e descubram,
através de suas vitórias e derrotas, a melhor maneira de fazer com que seus direitos sejam respeitados.
É preciso que tenhamos consciência que suas vidas são suas e não nossas. E são eles que, na medida de suas possibilidades – que certamente
são maiores do que a priori acreditamos –, têm de lutar para que suas vidas sejam as mais criativas, independentes e significativas possível.
O movimento de autodefensoria de pessoas com deficiência intelectual teve início na Suécia, durante os anos 1960. Nessa ocasião, um grupo
de pessoas com deficiência intelectual recebeu apoio na iniciativa de organizar e gerenciar seus próprios grupos de lazer. Para isso, desenvolveram
capacitações que visavam orientar os integrantes a como tomar suas próprias decisões.
Entre os anos de 1968 e 1970, foram realizadas várias conferências com o objetivo de redigir documentos nos quais constassem as propostas
das próprias pessoas com deficiência intelectual em relação à forma de tratamento que gostariam de receber e como ter suas ideias e vontades
respeitadas. Inicialmente com poucos participantes, à medida que os trabalhos foram se desenvolvendo esse número foi aumentando e trazendo
novas perspectivas. A dificuldade inicial refletia, com clareza, a já discutida representação da incapacidade da pessoa com deficiência intelectual de
assumir responsabilidade sobre suas decisões, introjetada, de forma muito forte, nelas próprias. Foi, na realidade, um resgate da autoconfiança. O
reconhecimento de que as pessoas com deficiência intelectual eram capazes de se organizar e decidir sobre seu próprio destino foi se fortalecendo
e, em pouco tempo, espalhou-se pela Grã-Bretanha e pelo Canadá.
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Desse encontro, então, e como consequência dessa insatisfação, resultou um posicionamento do grupo que, retornando aos Estados Unidos,
preocupou-se em organizar o Movimento de Autodefensoria ao qual deram o nome de People First. Conforme já mencionado, a tradução desse
termo seria “Primeiramente, pessoas” ou “Em primeiro lugar, pessoas”, com o significado de enfatizar que, antes de tudo, eles devem ser considerados
como pessoas e não como “deficientes”.
O Movimento People First lutou, então, pela defesa da desinstitucionalização de pessoas com deficiência intelectual, que passaram a residir
na comunidade e a participar socialmente 3. Com um crescimento vertiginoso na participação social, foram organizadas outras conferências e con-
venções, que resultaram em um processo de aprendizagem importante, especialmente no tocante à liderança. Isso porque os líderes não poderiam
ser pessoas sem deficiência, o que permitiu que a maior parte dos aspectos relacionados ao planejamento e à organização das ações estivesse nas
mãos de pessoas com deficiência intelectual, que conseguiram mostrar seu potencial colhendo resultados muito positivos. Em 1980, aconteceu no
Kansas, Estados Unidos, uma conferência que reuniu pessoas com variadas dificuldades de desenvolvimento. Nessa ocasião, os delegados decidiram
formar uma coalizão de forças que passou a chamar United Together (Juntos e unidos), que, entre outros princípios, demandava cidadania e auto-
nomia que até então lhes era negada.
A partir daí, outras organizações surgiram, com o objetivo de dar às pessoas com deficiência intelectual a oportunidade de envolvimento nos
Movimentos com as mesmas defesas. Com essa mesma intenção, foram organizados manuais e outros materiais de orientação para a organização de
grupos de autodefensoria. Nesses materiais, eram abordados aspectos tais como: o que é a Autoadvocacia, como formar um grupo, como fazer um
grupo funcionar, trabalhar com consultores, trabalhar com o apoio de consultores, redigir planos, formar comitês, legalizar organizações, trabalhar
com outros grupos, efetuar a publicidade, organizar convenções e captar recursos.
Além de livros para orientação, também foram organizados vídeos, slides e pôsteres que tiveram como objetivo ensinar às pessoas com de-
ficiência intelectual sobre seus direitos. O Movimento de Autodefensoria continuou a se expandir e, em 1981, nasceu o primeiro grupo na Austrália.
Dessa forma, começa a se concretizar uma influência muito grande do movimento não só na Europa e América do Norte, mas em várias partes do
mundo, o que possibilitou o início de uma grande alteração na forma de ver e entender as pessoas com deficiência intelectual.
Atualmente, a maioria das pessoas que executam a função de autodefensores do People First são pessoas com deficiência intelectual, sen-
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No Brasil, o Movimento de Autodefensoria vem sendo organizado e estimulado pelo Movimento Apaeano. As Apaes, instituições tradicionais
no trabalho com pessoas com deficiência intelectual, imbuídas da convicção de que a participação social é peça fundamental para um desenvolvi-
mento completo, vêm, cada vez mais, organizando-se para solidificar os princípios da Autodefensoria.
O primeiro passo para a organização desse movimento, no país, foi dado, conforme já relatado, durante o 9º Congresso Mundial da Liga Inter-
nacional das Associações para Deficiência Mental, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 1986. Seguindo esse modelo, começaram a acontecer
vários encontros de discussão locais e estaduais que culminaram em 2001, durante o 20º Congresso da Federação Nacional das Apaes em Fortaleza,
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Consideramos que toda dinâmica de trabalho, fundamentada nos princípios já expostos, tem como ponto central a atuação junto à família,
uma vez que ela, pelo acúmulo cultural, muitas vezes torna-se a primeira barreira que a pessoa com deficiência intelectual e múltipla encontra para
o desenvolvimento de sua independência.
Toda família sofre as influências das mudanças nos valores sociais. Foi assim na transição da sociedade tradicional, sociedade moderna, so-
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Nas últimas décadas, a concepção cultural a respeito da pessoa com deficiência intelectual e múltipla vem tendo novos olhares na socieda-
de. Mas essa mudança, certamente, leva tempo e depende, sobretudo, de um trabalho insistente e corajoso com os familiares, para estimulá-los à
promoção da autonomia da pessoa em suas relações. Devemos ter um cuidado especial com a superproteção e desenvolvermos a consciência de
que, para o desenvolvimento humano, é necessário que os indivíduos assumam responsabilidades e sofram as vicissitudes do cotidiano da vida,
aprendendo a partir de suas próprias experiências, ainda que elas sejam negativas.
Um dos meios para se alcançar a autonomia é agir de forma a estabelecer e manter os canais de comunicação abertos entre os membros da
família. Isso é um exercício diário que toda família deve ter, pois o vínculo dos pais e dos irmãos é contínuo e deve ser estimulado através do diálogo,
construindo uma relação de respeito e confiança.
As relações próximas dos irmãos têm uma importante função no desenvolvimento do indivíduo com deficiência, que é a compreensão dos
papéis sociais e cognitivos, que contribuem significativamente para construção da personalidade. É também através da relação próxima com os
irmãos que geralmente a pessoa com deficiência é integrada em ciclos de amizade e eventos sociais com maior frequência.
Nesse sentido, o Movimento Apaeano, por ser constituído por pais e amigos, tem uma atuação de fundamental importância na modernização
das relações familiares das pessoas com deficiência intelectual e múltipla, reforçando sua socialização, tendo a família como espaço de estímulo para
as primeiras relações de independência.
Essa nova compreensão vem ganhando força nacional principalmente após 2006, com a publicação da Convenção dos Direitos das Pessoas
com Deficiências da Organização das Nações Unidas e ratificada em 2008, pelo Brasil, como emenda constitucional. Pois, por essa legislação, a pes-
soa com deficiência passa a ser considerada a partir de suas características pessoais.
O parágrafo 1˚ diz que: “Pessoas com Deficiência são aquelas que têm impedimento de natureza física intelectual e sensorial, os quais, em
interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas” (BRASIL, 2009, p. 3).
3- Vale lembrar que até meados da década de 1970 era comum pessoas com deficiência intelectual, em muitos países da Europa, América do Norte, entre
outros, serem internadas a vida toda em grandes instituições totais, ou exclusivamente para deficiência intelectual ou mesmo em hospitais psiquiátricos. A
conhecida filosofia de Normalização e Integração surgiu justamente nesse movimento anti-institucionalização.
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Todas essas reflexões nos convencem da necessidade de uma atualização atitudinal, advinda das exigências das transformações sociais e
tecnológicas na perspectiva do desenvolvimento humano nas relações familiares. A família também deve ser integrada em um processo de cons-
cientização continuada e programática, sendo estimulada a refletir sobre suas relações internas, abrindo espaço para que cada membro tenha a
possibilidade de se manifestar, aprendendo a partir do compartilhamento das suas experiências.
Devem ser apontados à família estímulos para que a pessoa, desde criança, seja incentivada ao desenvolvimento da sua autonomia e também
aos poucos possa tomar conhecimento de seus direitos fundamentais. Devem ser, ainda, buscadas, algumas estratégias, por meio de mobilizações,
para que a pessoa assuma a luta pela defesa de seus direitos, por melhores condições de vida.
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Eduardo Barbosa, no documento “Autogestão e Autodefensoria: conquistando autonomia e participação”, publicado em 2009, pela FENAPA-
Es, diz que:
O Programa Nacional de Autogestão e de Autodefensoria é uma das mais importantes iniciativas do Movimento Apaeano. Tem como finalidade contribuir para o desenvolvimen-
to da autonomia da pessoa com deficiência intelectual e múltipla frente a sua realidade, dando-lhe estímulo para tornar-se autodefensora; e, neste papel, ampliar sua possibilidade de
atuar, efetivamente, influenciando o cotidiano de sua família, da comunidade onde vive e da sociedade em geral. Tornando-se, portanto, um agente político comprometido com o bem
comum (FENAPAES, 2009, p. 9).
O programa de Autogestão e Autodefensoria do Movimento Apaeano é representado por pessoas com deficiência intelectual e múltipla e
visa desenvolver suas potencialidades, capacitando-as e orientando-as para que sejam protagonistas de seus pleitos, como os direitos de acesso
à educação, saúde e assistência social, bem como assumindo suas obrigações como cidadãos de direito, empoderando-se de suas capacidades,
opinando, dialogando, integrando segmentos representativos e decisórios. Esses requisitos são fundamentais para cumprir o objetivo de reduzir as
barreiras atitudinais, sociais e culturais que impedem a plena participação do indivíduo na sociedade em que vive.
Embora a opinião de alguns pais ainda seja a de que eles (pais) conseguem falar em nome de seus filhos com deficiência intelectual, exter-
nando suas vontades e desejos, a experiência atual do Movimento Apaeano tem demonstrado que muitas pessoas com deficiência intelectual e
múltipla, quando apoiadas e orientadas, têm voz própria para expor suas necessidades e expectativas, e não se sentem à vontade quando seus
anseios são representados por terceiros. Como já discutido, quando lhes é dada a palavra para expor suas ideias e sentimentos, diferentemente do
que supõe o senso comum, são capazes de manifestar interesses coerentes, como reinvindicações por oportunidades de trabalho, de estudo e de
convivência em nível de igualdade com as demais.
Defendemos que somente a pessoa com deficiência intelectual e múltipla pode manifestar seus anseios de adulto, pois durante muito tempo
em nossa sociedade foram consideradas como eternas crianças, tendo sido limitados seus direitos civis e políticos.
Para um trabalho efetivo e continuado com o núcleo familiar, é necessário que cada Federação Estadual das Apaes e unidades apaeanas de
todo Brasil planejem, organizem e implementem as coordenadorias municipais, regionais e estaduais de Autogestão, Autodefensoria e Família. Só
assim fortaleceremos a rede de trabalho pela autonomia e participação da pessoa com deficiência intelectual e múltipla.
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Entendemos a autogestão como um programa a ser desenvolvido tanto pela família quanto pela instituição, visando à autonomia e a inclusão
social do indivíduo com deficiência intelectual e múltipla. No âmbito do trabalho das Apaes, ele se constitui como um tema transversal, englobando
todas as atividades e faixas etárias, abarcando atividades específicas, bem como do cotidiano. O programa de autogestão, portanto, envolve o tra-
balho de todas as áreas de atendimento, permeando todos os programas e níveis de ensino.
Os principais aspectos a serem priorizados nas diferentes áreas estão especificados abaixo, com exemplos de diferentes graus de alcance
(variação individual).
Independente do grau de desenvolvimento verbal-cognitivo atual do indivíduo e suas perspectivas, em curto prazo de inclusão social, ele
deve ser capacitado, através de atividades específicas e /ou integradas na programação dos diferentes serviços, para:
a) expressar seus sentimentos e desejos;
b) identificar suas habilidades e interesses;
c) reconhecer seus limites e alternativas para superá-los/compensá-los.
Em outras palavras, através do desenvolvimento de suas habilidades de reflexão e comunicação, eles devem aprender a reconhecer aspectos
de suas vidas que podem ser ampliados/enriquecidos, bem como identificar em que dimensões ou aspectos de suas vidas podem, a curto e médio
prazo, alcançar maior autonomia.
Alguns aspectos a serem levados em consideração estão apontados abaixo. Também urge a discussão sobre o nome mais adequado para
essa função:
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2.3 – Procedimentos/estratégias para a atuação com família e equipe profissional e de gestão da instituição:
a) início do programa: individual ou coletivo – identificação das necessidades dos alunos/usuários e possibilidades existentes na instituição/
comunidade – metas a curto e médio prazo;
b) acompanhamento: para manutenção, generalização e ampliação dos aspectos em que autonomia está sendo conquistada.
Aqui é fundamental o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar e com a família, para que a programação específica em todas as áreas de
atendimento seja levada com a perspectiva do desenvolvimento da autonomia, conforme exemplificado anteriormente.
Como primeiro espaço de desenvolvimento, a família deve estar atenta para usar as atividades diárias como exercício para o desenvolvimento
da independência, trabalhando em conjunto com a escola, amigos e outras instâncias sociais.
Recapitulando, autogestão e autodefensoria abrangem tanto a dimensão existencial quanto política. Em termos existenciais, representa o
processo pelo qual, gradativamente, a pessoa com deficiência intelectual e múltipla vai adquirindo autonomia e assumindo o gerenciamento de sua
própria vida. Politicamente, é quando a pessoa começa a ampliar sua participação na vida da comunidade. Isso se concretiza, sobretudo, quando ela
passa a integrar um grupo de autodefensores, engajando-se em movimentos (espontâneos ou mais estruturados) em prol da defesa de seus direitos.
E, mais ainda, na medida em que se torna um suporte aos colegas menos conscientes e/ou com menos nível de desenvolvimento.
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É preciso combater a segregação, a rotulação e a superproteção. Esse eixo do programa deve ser desenvolvido em todo o ciclo de vida da
pessoa com deficiência intelectual e múltipla, como descrito abaixo:
4.1. Infância
Objetivo
Promover plena autonomia da pessoa com deficiência intelectual e múltipla na infância, com ações que estimulem as habilidades de lingua-
gem, socialização, motricidade, além de habilidades afetivas e cognitivas.
São as primeiras oportunidades dadas à criança para o desenvolvimento do conhecimento de si mesma, do ambiente à sua volta, oportuni-
dades de interagir, escolher, entender os limites, modificar a si e o seu meio.
Metodologia
Todos os atendimentos oferecidos pelas Apaes têm como finalidade o desenvolvimento integral de seus usuários considerando o ciclo de
vida da pessoa com deficiência intelectual e múltipla, então todos os profissionais devem desenvolver ações que promovam a autogestão dessas
pessoas e sua família. Essas ações devem ser realizadas dentro dos outros programas já desenvolvidos nas Apaes, por meio de projetos que têm
como centralidade o desenvolvimento da identidade da pessoa com deficiência intelectual e múltipla.
Exemplos de projetos
Projeto Vestir – Autogestão nas atividades de vestuário
A pessoa apoio permite que a criança participe do vestir e do despir, aprendendo a vestir peças mais simples, a escolher as roupas no guar-
da-roupa.
No momento de comprar, deve ser informada sobre a adequação das roupas para o frio, o calor, festas e brincadeiras em casa etc. – as grandes
escolhas começam com pequenas escolhas. É preciso dar oportunidades na rotina do dia a dia para a criança aprender e exercer o direito de escolha.
Projeto de Brincar – Autogestão nas atividades lúdicas
Permitir que a criança conheça desde cedo os movimentos que seu corpo é capaz de realizar, as brincadeiras e jogos que lhe agradam e que
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Valorizar as novas conquistas motoras – como comer, sentar, andar, falar, apontar etc. –, conquistas de comunicação e sociais, proporcionando
que a criança construa seu autoconceito positivo, que estimula seu progresso e a motiva a vencer novos desafios.
4.2. Adolescência
Na fase da adolescência, as pessoas com deficiência intelectual e múltipla, assim como qualquer adolescente, tendem a desafiar figuras de
autoridade, a se autoafirmarem através da rebeldia e oposição, têm muita energia e disposição e curiosidade acerca da afetividade e sexualidade.
Objetivo
a) Oportunizar a troca com seus pares, aprender e ensinar, ajudar e ser ajudado nas ações do dia a dia através de vivências com pessoas que
têm interesses parecidos;
b) orientar sobre as transformações hormonais, corporais e afetivas próprias da puberdade;
c) evitar a infantilização;
d) possibilitar o despertar do interesse de preparação para a atividade laboral;
e) possibilitar a adequação do comportamento frente às demandas sociais esperadas para a adolescência.
Metodologia
Os temas propostos devem ser do interesse do adolescente e contextualizados de forma prática e com imagens para que a aprendizagem
aconteça. Temas distantes de seu contexto não despertam seu interesse e não proporcionam aprendizagem significativa para a vida, tendo também
como centralidade a questão da identidade.
Exemplos de projetos
Projeto Conhecer – Autogestão nas atividades de autoimagem
A pessoa apoio deve propor dinâmicas e dramatizações que trabalhem os papéis e estereótipos com relação ao masculino e feminino: mitos
e tabus, namorar e ficar, constituição da própria família, direitos e deveres, maternidade e paternidade responsável.
Projeto Afetividade 1
Propiciar às pessoas com deficiência intelectual e múltipla conteúdos relacionados às formas de relacionamento humano, diferença de gêne-
ros, transformações no corpo, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis, dentre outras.
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A metodologia deve favorecer suas condições para tomar decisões, realizar atividades de sua própria escolha e se responsabilizar por elas,
dando-lhe o direito de gerenciar vários aspectos da sua vida, desde habilidades básicas de alimentação, autocuidado, vestuário até a ampla defesa
de seus direitos políticos (voto) e formação da própria família.
Exemplos de projetos
Projeto Descoberta da Identidade
Trata-se do desenvolvimento do autoconhecimento e conhecimento da própria condição: identificação de suas potencialidades, fraquezas,
interesses.
Busca o reconhecimento da importância de que a própria pessoa conheça sua deficiência: onde, quando e como vai precisar de ajuda e apoio,
conseguindo expor a situação aos outros com clareza.
Projeto Cidadão
Saber fazer uso de documentos de identificação e de indicações sobre endereços e telefones de contato, pessoas a serem acionadas em caso
de necessidade. Conhecer a importância e função de documentos básicos – certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF, carteira de trabalho,
carteira de habilitação, título de eleitor. Consciência dos fatos políticos e sociais de maiores repercussão na atualidade.
Projeto Afetividade 2
Desenvolver temas com as pessoas com deficiência intelectual e múltipla, tais como: namoro, amizades, casamento, formas de evitar o abuso
e a violência sexual, entre outros.
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Nessa fase do ciclo de vida, é necessário um envolvimento de outros membros da família para apoiar a pessoa com deficiência intelectual e
múltipla em processo de envelhecimento, uma vez que nessa fase os pais já se encontram idosos ou falecidos, portanto sem condições de dar esse
suporte.
Objetivo
Promover a qualidade de vida das pessoas com deficiência intelectual e múltipla em processo de envelhecimento através de ações que
promovam saúde e que desenvolvam a máxima autonomia nas habilidades de vida diária e prática, inclusão nas atividades sociais, culturais e edu-
cativas.
Metodologia
Trata-se de um trabalho multidisciplinar para pessoas com deficiência intelectual e múltipla e suas famílias que necessitam de apoios exten-
sivos e/ou generalizados nas áreas de saúde, motora, ocupacional, sensorial, cognitiva, alimentar, autocuidado, na vida em família e em sociedade.
Por meio de ambiências planejadas, atividades semanais próprias são programadas e organizadas em conjunto com os setores de assistência
social, terapia ocupacional, educativos, psicologia, nutrição, enfermagem, fonoaudiologia e fisioterapia.
As ambiências têm uma sequência do simples para o complexo e procuram incrementar o nível de dificuldade das tarefas segundo o progres-
so alcançado. O espaço tem de ser o mais similar possível das situações reais e tem os seguintes objetivos:
a) oferecer ambiente adequado e estimulador ao desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual e múltipla;
b) realizar atividades físicas, conforme a indicação, para manter a mobilidade articular, para evitar contraturas musculares, facilitando a movi-
mentação espontânea, o equilíbrio e a locomoção, e consequentemente a autonomia;
c) estimular o desenvolvimento da percepção sensorial, através de atividades e vivências proprioceptivas, cinestésicas, táteis, visuais, auditi-
vas, gustativas e olfativas;
d) proporcionar a integração social, ampliando o convívio, além do ambiente familiar.
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Objetivos específicos:
a) Manter e estimular as habilidades necessárias para a higiene pessoal; autonomia pessoal para colocar e retirar roupas; hábitos necessários
para comer e beber independentemente;
b) planejar e preparar alimentos e refeições
c) limpar e organizar o ambiente;
d) desenvolver consciência sobre situações de risco (segurança no lar e segurança pessoal).
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Objetivos específicos:
a) desenvolver habilidades de observação, recepção e escuta para comunicar-se com outras pessoas;
b) aprender a dar informações apropriadas sobre si e sobre o ambiente em que vive;
c) desenvolver a habilidade de autoexpressão e saber dar respostas aos outros;
d) manter diálogo com outras pessoas;
e) estimular o desenvolvimento da autoestima;
f ) trazer informações sociais num ambiente de descontração;
g) participar de eventos culturais e de lazer;
h) desenvolver atividades arte-educativas.
5. Formando Autodefensores
Orientamos, apenas, que os grupos de atividade e debates sejam organizados levando em consideração os diferentes níveis de desenvolvi-
mento e faixa etária dos membros, para garantir a participação efetiva de todos.
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Logo, para ocupar o cargo de autodefensor da instituição, a pessoa deve participar regularmente de algum programa da Apae, pois, caso
assuma o cargo, terá o dever de representar os demais colegas, devendo ter um contato próximo como todos. Lembramos, também, que, por ser um
programa voltado para pessoas com deficiência intelectual e múltipla, o cargo de autodefensor da Apae deve ser ocupado por pessoas com essas
condições.
Como já mencionado, a condição de deficiência intelectual e múltipla não impede a pessoa de absorver e desenvolver noções sobre seus
direitos, desde que esses sejam trabalhados adequadamente, levando em consideração as peculiaridades e nível de desenvolvimento de cada um.
5.3 Metodologia
Para iniciar um grupo de autodefensores, pode-se aproveitar os grupos
já existentes na instituição, como, por exemplo, grupos de psicologia, grupo de
teatro etc., ou criar um grupo específico para esse trabalho. A primeira condição,
todavia, é que haja um ou mais profissionais ou voluntários interessados que se
disponibilizem a organizar e implementar o programa, socializando-o na ins-
tituição, entre as famílias e na comunidade. Como dinamizador do grupo, seu
principal papel é garantir voz a todos os envolvidos. Sua ação tem a perspecti-
va de ajudar os integrantes do grupo a construir sua autopercepção, ou seja, a
consciência da sua própria condição, para poder descobrir como viver melhor
a partir dela. Para tal, o sujeito precisará, e o grupo o ajudará nisso, avaliar os
suportes que lhes são necessários para o seu melhor desenvolvimento. O fio
condutor do trabalho é que a consciência da autonomia pressupõe a avaliação
dos seus próprios limites e dos recursos e meios para superá-los.
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Na família, materializa-se uma nova atitude que permite, gradativamente reverter a situação de infantilização e superproteção (aberta ou ve-
lada) a que as pessoas com deficiência frequentemente são submetidas. Assim, ao romper a representação estereotipada em que o sujeito era visto
– e se via – exclusivamente como o “coitado”, o “dependente” e o “incapaz”, ele poderá superar esse estigma e desempenhar outro papel e contribuir
positivamente para a dinâmica e o cotidiano familiar, é claro que com suas possibilidades e limitações, como os demais membros.
No âmbito da Apae, estabelece-se um novo paradigma, uma nova filosofia e política institucional na medida em que os próprios usuários – as
pessoas com deficiência – passam a ocupar novos espaços, participando dos processos decisórios, reivindicando serviços e programas. E, finalmente,
na comunidade o sujeito deixa de ser o “deficiente”, o “anormal”, o “excepcional”, “o louquinho da Apae”, tornando-se um agente político de transfor-
mação representando seus pares em conselhos, comitês, fóruns, e ao mesmo tempo usufruindo dos recursos e serviços de saúde, educação, trabalho
e lazer aos quais, como qualquer outro cidadão, tem direito.
Finalizando, gostaríamos de ressaltar que o trabalho para a produção deste material nos mostrou que ainda são escassas no Brasil, tanto por
parte das iniciativas governamentais quanto da sociedade civil organizada, pesquisas sobre a condição da autonomia das pessoas com deficiência
intelectual e múltipla. Mas dentro das informações que, enquanto movimento social, conseguimos organizar, produzimos este material, com a in-
tenção de que sirva de documento norteador para ações afirmativas que promovam uma melhor qualidade de vida para as pessoas com deficiência.
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BRASIL. Decreto nº 6949/2009. Promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo.
2009.
FENAPAES. Autogestão e autodefensoria: conquistando autonomia e participação. Brasília, 2009.
_______. Revista Mensagem da Apae, Brasília, 2013.
GLAT, R. Estudos sobre autopercepção: uma contribuição teórico-metodológica para o processo autodefensoria de pessoas com necessida-
des especiais. In: Anais do VIII Congresso Estadual das APAEs de Minas Gerais, v. 1, p. 37-39, 2002.
_______. A integração social dos portadores de deficiências: uma reflexão. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 2006
_______. Somos iguais a vocês: depoimentos de mulheres com deficiência mental. Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2009.
PEOPLE FIRST. Self-advocacy and Rights. Toronto: People First of Canada (mimeo).
PERSKE, R. The dignity of risk. In: WOLFENSBERGER, W (Ed.). The Principle of Normalization in Human Services. Toronto: National Institute of
Mental Retardation, 1972.
ANEXOS
ANEXO A – REFERÊNCIAS DO ESTATUTO DA APAE
Da Autogestão e Autodefensoria
Art. 75 – O Programa Nacional de Autogestão e Autodefensoria têm como finalidade contribuir para o desenvolvimento da autonomia da
pessoa com deficiência intelectual e múltipla frente à sua realidade, ampliando sua possibilidade de atuar influenciando o cotidiano de sua família,
da comunidade e da sociedade em geral.
Parágrafo Único. O Programa Nacional de Autogestão e Autodefensoria cria espaço institucional para a inserção dos autodefensores na es-
trutura do movimento, assegurando a participação efetiva da pessoa com deficiência intelectual e múltipla, nas Apaes, Federação das Apaes dos
Estados e Federação Nacional das Apaes.
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§ 1º A autodefensoria será composta de 4 (quatro) membros, sendo 2 (dois) efetivos, 1 (um) do sexo masculino e outro do sexo feminino e 2
(dois) suplentes, 1 (um) do sexo masculino e outro do sexo feminino.
§ 2º Poderão votar e ser votados os autodefensores titulares Estaduais no Fórum Nacional dos autodefensores ou seus suplentes no caso
ausência de seus titulares.
Art. 77 – Compete aos Autodefensores Nacionais:
I – defender os interesses das pessoas com deficiência, sugerindo ações que aperfeiçoem o seu atendimento e participação em todos os
seguimentos da associação;
II – participar das reuniões da Diretoria Executiva e do Conselho de Administração opinando sobre assuntos de interesse da pessoa com de-
ficiência;
III – participar dos eventos promovidos e organizados pela Federação Nacional das Apaes.
Parágrafo primeiro – A eleição será registrada no Livro de Atas próprio para esse fim, que deverá ser mantido sob guarda e responsabilidade
da FENAPAES.
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Seção II – Da convocação
Artigo 5° – A convocação para o Fórum Nacional de Autodefensores, onde também se realiza a eleição dos autodefensores da FENAPAES, será
realizada no site do Congresso Nacional das Apaes.
Parágrafo único – O presente regimento será divulgado no site da FENAPAES (www.apaebrasil.org.br) juntamente com a convocação para
a assembleia geral ordinária, constando como ordem do dia a eleição dos 2 (dois) autodefensores da FENAPAES, sendo um representante do sexo
masculino e um representante do sexo feminino (titular e suplente, respectivamente).
Artigo 6° – Serão convocados todos os casais de autodefensores estaduais titulares, ou seus suplentes no caso de ausência de seus titulares.
Artigo 7° – Os pais e/ou responsáveis e apoiadores poderão participar do fórum nacional sem direito a voto.
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Seção IV – Da campanha
Artigo 11 – Durante o período de eleição, bem como durante o fórum, poderão ser realizados exercícios de campanha, mediante confecção
de cartazes, realização de discursos e apresentações, que serão coordenadas pela comissão eleitoral.
Artigo 12 – Durante a campanha eleitoral, não serão permitidos uso de santinhos nem panfletos.
Artigo 13 – No dia da assembleia geral ordinária, será assegurado aos candidatos ao cargo de autodefensores o uso da palavra; o tempo será
definido igualmente entre os candidatos para a exposição de suas plataformas e metas de trabalho.
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O movimento das Apaes se caracteriza por sua organização estruturada, seguindo uma mesma linha filosófica, uma estratégia de atuação
e hierarquização de suas atividades, que têm priorizado a capacitação de todos os seus coordenadores, os quais, sensíveis às realidades estaduais,
regionais e locais, responsabilizam-se pela implementação de diretrizes comuns de atuação.
A coordenadoria da autodefensoria é um desafio e necessitará do desenvolvimento de inúmeras ações para consolidar o programa nacional-
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A Federação Nacional das Apaes espera que o coordenador, ao aceitar a responsabilidade e abraçar essa causa, seja um modelo no qual os
participantes desse processo se espelhem.
Então, o coordenador será o determinante das práticas abordadas no programa, assim como terá a responsabilidade de propor e fiscalizar as
ações dos responsáveis pela autodefensoria nas instituições.
Cabe ao Presidente da Federação Nacional das Apaes, Presidente da Federação das Apaes dos Estados, coordenadorias regionais e das Apaes
locais, indicar o coordenador para que essa área. Todavia, esse coordenador deve possuir os atributos de um empregador vigilante que lute para
garantir a plenitude dos direitos de cada cidadão matriculado nas Apaes, atuando nas outras áreas da instituição, levando orientação para o estímulo
da autonomia e independência da pessoa com deficiência intelectual e múltipla.
O papel do Coordenador do programa é o de provocador e não de indicador. Como provocador, espera-se que esse consiga despertar nos
alunos o sentimento de buscar conhecer mais sobre sua causa e que consiga estabelecer uma atividade crítica a respeito da sua situação como pes-
soa com deficiência em relação ao social.
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