TCC - Cervejas de Guarda Final

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INSTITUTO DA CERVEJA BRASIL

MESTRE EM ESTILOS

CERVEJA DE GUARDA: OS ESTILOS E


AS REAÇÕES DE ENVELHECIMENTO

Alexandre Madeira

Carolina Barioni

Everton Moraes

Michelle Rosas

Eliane Adesse

Emmanuel Boldrin

Gleison Palma

Gustavo Abreu

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ÍNDICE

1. Introdução …................................................................................................03
1.1. O que é uma cerveja de guarda ….......................................................................................04

1.2. A escolha dos estilos para guarda …....................................................................................04

2. A Química do Envelhecimento …................................................................. 07


2.1 Malte …............................................................................................................................... 08

2.2 Lúpulo …............................................................................................................................. 09

2.3 Ésters e Fenóis de Levedura ….......................................................................................... 10

2.4 Álcool ….............................................................................................................................. 11

2.5 Microorganismos na garrafa ............................................................................................... 11

3. Estilos de Cervejas Recomendados para a Guarda…......................................... 12


3.1 Escola Belga ........................................................................................................................ 14

3.2 Escola Alemã ……………..……………………………………………………….……………… 15

3.3 Escola Inglesa ……………………………………………………………………….……………. 17

4. Estudos Científicos sobre Envelhecimento …....................................................... 17


4.1 Investigação dos níveis de Beta-Damascenone - cervejas frescas x envelhecidas …………..………18
4.2. Evolução das Propriedades Químicas e Sensoriais durante o envelhecimento das cervejas de alta
fermentação ............................................................................................................................................... 19
4.3. Influência do processo na formação de Furfuril-Etil-Eter durante o envelhecimento........................... 26
4.4. Decréscimo de 4-Vynilguaiacol durante o envelhecimento e formação de Apocynol e Vanilina........... 27

5. Análise Sensorial Comparativa …................................................................ 29


5.1 Schneider Aventinus Eisbock …................................................................................... 29

5.2 Coopers Vintage Extra Strong Ale ……………………………………………………………… 31

6. Dica do Profissional.................................................…......................................... 33

7. Bibliografia............…................................................................................................. 35
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1. Introdução

A grande maioria das cervejas no mundo são produzidas para serem


rápidamente consumidas, permitindo aumento na producao da cervejaria,
mantendo a qualidade e frescor do produto, evitando a degradação da bebida
que, em sua grande maioria, é muito sensível e delicada.

Nas questões de qualidade, isso se refere principalmente sobre como se


compõe e se comporta a cerveja, seus ingredientes, seus métodos de produção
e armazenamento ao longo de toda a cadeia até a chegar ao copo do
consumidor.

Dependendo do estilo da cerveja, com o passar do tempo, suas características


mais desejadas se deterioram, tornando-se um produto menos atraente do que
quando frescas. Em outros estilos a cerveja que se beneficia do envelhecimento
e oxidação, trazendo novas características e complexidade ao conjunto.
Essas cervejas que se beneficiam do envelhecimento chamam-se
CERVEJA DE GUARDA

Nesse trabalho vamos explicar o que é uma CERVEJA DE GUARDA, quais os


estilos que melhor se adequam ao envelhecimento, os ingredientes, métodos de
produção, o que esperar do envelhecimento, e também melhores maneiras para
armazenar.

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1.1. O que é uma cerveja de guarda

Não há consenso na literatura quanto a uma definição precisa e definitiva sobre


o termo cerveja de guarda. Para fins desse artigo, cerveja de guarda será
considerada aquela

“que pode beneficiar-se sensorialmente de um período de tempo


dentro da garrafa antes de ser consumida”.

1.2. A escolha dos estilos para guarda

A escolha da cerveja a ser armazenada e consumida após guarda requer alguns


conhecimentos a saber:

a) Cervejas pouco alcoólicas – ABV inferior a 8 % - não devem passar pelo


processo de envelhecimento, porque o álcool atua como preservativo,
segurando a oxidação e conservando aromas de superfície.
Cervejas Ácidas e defumadas são a exceção pois possuem outros
preservativos - ácido láctico nas acidas e fenóis nas defumadas.

b) Cervejas alcoólicas verdes amadurecem e criam novos sabores.


Álcoois superiores são muito ásperos quando “frescos” em cervejas
alcoólicas e amadurecem/arredondam com o tempo criando sabores
doces (toffee e caramelo) e Frutados (damascos e uvas).

c) O malte, do claro ao escuro, desenvolve sabores diferentes com o passar


dos anos. Este é o ponto chave no desenvolvimento de sabores no
envelhecimento das cervejas.

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d) Cervejas âmbar desenvolvem dulçor, notas de xerez, enquanto cervejas
com alto percentual de maltes torrados, por exemplo stouts, apresentam
chocolate e vinho do porto.

e) Proteínas do malte decantam, causando a perda do corpo lentamente.


Nos primeiros anos de envelhecimento, a cerveja pode parecer engrossar
e estar se tornando um xarope, porém, isso é indicação de novos aromas
e sabores doces (vindo do envelhecimento do álcool) ao invés de
engrossar o corpo.

f) As cervejas claras de trigo não são boas candidatas para envelhecerem.


Rica em lipídeos, criam um sabor obsoleto quando envelhecida. A
turbidez por proteínas de trigo, decanta rapidamente (em torno de 6
meses), tornando a cerveja clara e com menor corpo.

g) Os lúpulos, parte integrante da cerveja, dependendo do tipo que for


usado, desaparecem com o tempo, alterando aroma, gostos e sabores.
Lúpulos americanos, com alto teor de alfa ácido trazem sabores de papel,
arruinando a cerveja. Lúpulos europeus, ricos em Beta-acidos, mantém o
amargor por mais tempo e com o envelhecimento, apresenta sabores
frutados como abacaxi, cerejas ou vinho.

h) Cepas de levedura com ésteres frutados voláteis mudam muito com o


passar do tempo. Ésteres de cervejas belgas e inglesas - maçã, pêra e
damasco - evoluem para frutas secas - passas, figo. A banana das
cervejas de trigo, tende a desaparecer rapidamente. Ésteres vindo de
Brett se desenvolvem lentamente criando perfil floral e frutado, lembrando
abacaxi e grapefruit.

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i) Fenóis de especiarias - pimentas, cravo e fumaça - subprodutos da
fermentação, evoluem para baunilha, couro e tabaco. Aromas terrosos
associados a levedura em muitas cervejas belgas e algumas cervejas de
trigo alemãs, evoluem como únicas, tornando-se mais complexas com o
envelhecimento. A fumaça das Rauchbiers, evolui similarmente.

j) Sabores de madeira (wood ou barrel-aged) mantem-se constante


com o envelhecimento. Um raro aspecto de cervejas envelhecidas em
toneis de madeira é que as vezes, os aromas tendem a “crescer” com os
anos. Lentamente, sabores de baunilha tentem a desaparecer permitindo
cinamomo mais evidente. O côco advindo da madeira tende a
permanecer.

k) Cervejas ácidas (Lambics, Gueze, Flanders...) “amaciam” com os anos.


A acidez muito presente em cervejas jovens, advinda do ácido láctico
amadurecem lentamente com o tempo, tornando-se mais elegantes,
complexas e deixando outros sabores se firmarem. Algumas vezes,
cervejas muito velhas, aparentam estarem mais acidas devido a outros
sabores complementares terem diminuído.

l) Cervejas com Brettanomyces continuam fermentando na garrafa, criando


novos fenóis, ao mesmo tempo que vão secando a cerveja.
Cervejas com esta cepa apresentam grande mudança quando
envelhecidas. Durante o tempo de adega, a ação lenta das leveduras
consome todo e qualquer açúcar disponível tornando a cerveja seca e
com imenso potencial para novos aromas, principalmente fenóis.
Importante: Bretts, consomem oxigênio, deixando estas cervejas com
níveis mínimos de oxidação.

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m) As Cervejas não pasteurizadas são bons exemplos para cervejas de
guarda, pois as leveduras ajudam no envelhecimento.
Sem pasteurização as chances de oxidação das cervejas diminuem
consideravelmente. Quando pasteurizadas, tendem a um potencial de
guarda mais limitado. Muito dos sabores desenvolvidos aqui, dependem
de vários fatores, mas cervejas ácidas (via maltes torrados), alcoólicas,
temperatura de adega ou pressão, influenciam na autólise da levedura.

n) Cervejas devem ser envelhecidas, preferencialmente, em temperatura de


fermentação. Quando armazenadas em ambientes muito quentes, novos
processos químicos se iniciam, trazendo sabores indesejáveis a cerveja.
Em contrapartida, quando em ambientes muito frios, o envelhecimento é
retardado e muito lento, num processo não natural. Temperatura ideal
seria algo como 13ºC.

o) O Tamanho da garrafa e tipo de lacre afetam o envelhecimento.


Garrafas grandes envelhecem mais lentamente. Em contraste, diferentes
fechos variam a entrada de oxigênio, afetando o envelhecimento. Tampas
metálicas são geralmente mais seguras, seguidas das rolhadas e flip
tops.

2. A química do envelhecimento

Muitas são as perguntas relacionadas a CERVEJA DE GUARDA como por


exemplo: O que é envelhecer a cerveja? O que é guarda? O que é oxidação?
O que esperar de evolução de uma cerveja com o tempo?
Observa-se que algumas respostas estão na produção, tais como malte, lúpulo,
subprodutos de fermentação (ésteres e fenóis), álcool, madeira (quando
presente), oxigênio e microbiota que podem se combinar e alterar quimicamente

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com o tempo.

2.1. Malte

Os grãos e adjuntos fornecem principalmente açúcares, aminoácidos e proteínas


para a cerveja. Nos processos que envolvem altas temperaturas, estes
compostos sofrem diversas reações físico-químicas, entre elas, uma muito
conhecida - a Reação de Maillard - que gera melanoidina, substância que ajuda
na pigmentação da cerveja , além de outros produtos, que ao longo da produção
e armazenamento da cerveja, ajudarão a consumir o oxigênio dissolvido no
meio, estabilizando a cerveja.

Neste ponto, devemos analisar rótulo a rótulo e uma coisa interessante a fazer é
provar e/ou perguntar aos cervejeiros e cervejarias os tipo de malte utilizado e o
tipo de fervura empregada, lembrando que fervuras longas favorecem a
formação das tais melanoidinas.

Assim, estilos com alto dulçor residual, tosta e caramelização começam com um
ponto a favor nas cervejas de guarda. Ao longo do tempo estas substâncias
evoluem em outras, como vinho do Porto, Xerez, amêndoas e chocolate.
Interessante perceber que notas delicadas como uma leve tosta e café tendem a
se desaparecer com o tempo, transformando-se em chocolate amargo. O tempo
médio dessa reação é em torno de 3 a 4 anos.
Outro fator importante é a quantidade de açúcar residual. Além de agir como
antioxidante natural, a alta quantidade de açúcar residual ajuda a compensar a
perda natural de corpo da cerveja, contribuindo para um bom equilíbrio por mais
tempo.
Isso ocorre devido à oxidação destes açúcares, formando subprodutos, que se
unem as proteínas, que se precipitam, causando uma diminuição no corpo da
cerveja. Assim, a maior quantidade de açúcar pode ajudar a retardar esse
processo de perda de corpo.

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Claro que há exceções como no caso das belgas escuras e secas, apesar de
terem pouco açúcar residual, compensam por terem muito fenólico e
melanoidinas. Outra exceção são as cervejas Lambic e suas variantes, que
possuem leveduras selvagens que consumem o oxigênio, que não prejudicará o
seu perfil de malte ou corpo.
É importante lembrar que a qualidade do insumo utilizado na produção da
cerveja - o grão, o malte, a malteação.- talvez não sejam tão evidentes numa
cerveja fresca, mas se tornam mais evidentes com o passar dos anos. Um bom
malte, pode até custar mais caro, porém, em cervejas de guarda, isso se torna
um ponto de atenção bem forte.

2.2. Lúpulos

Além das já conhecidas propriedades bacteriostáticas do lúpulo, a sensível


ajuda na estabilidade da cerveja (vide a história das IPAs).

Importante ter em mente que sabores, aromas e amargor do lúpulo, irão


desaparecer com o tempo, emergindo na cerveja as nuances do maltado, às
vezes, desequilibrando o conjunto. Acontece principalmente por oxidação e
luminosidade.

Os 2 principais componentes do lúpulo, o alfa e o beta acido, curiosamente, se


desenvolvem de forma diferente com o .passar do tempo. Os alfa-acidos se
degradam com o tempo, criando entre outras coisas o Trans-2-Nonenal
(papelão). Por outro lado, os Beta-ácidos se degradam muito lentamente,
mantendo o amargor da cerveja por mais tempo. Além disso, entre essa
degradação, ésteres podem se combinar trazendo notas frutadas, vínico, mofo e
também agregando complexidade ao conjunto.

Por isso, é importante, na concepção de uma receita para cerveja de guarda se


atentar as variantes dos componentes do lúpulo que será utilizado, dando

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preferência a um ratio mais alto de beta que alfa ácidos, ajudará a controlar
principalmente o tal “papelão”

.2.3. Ésteres e Fenóis da levedura

Entre cervejas Ales e Lagers, as primeiras saem na frente, pela faixa de


temperatura ser mais elevada (entre 18 e 24ºC), muitas vezes, dispensando uso
de tecnologias como geladeira ou adegas climatizadas.

Outro ponto entre Ales e Lagers está na questão dos sub-produtos de


fermentação. Enquanto Ales podem produzir muitos ésteres, fenóis, álcoois
superiores entre outros, gerando maior complexidade na bebida, as lagers
podem gerar o mesmo, porém numa quantidade bem menor, produzindo
cervejas mais neutras de sabor, dando destaque ao lúpulo (que pensando em
guarda, que brevemente decaem no aroma, amargor e sabor) e ao malte, ou
seja, teremos nuances mais definidas e unidimensionais como caramelo e xerez.

Em cervejas frescas é comum encontrar notas frutadas, que lembram banana,


pêssego, maçãs. Em cervejas com guarda é comum notas de figo seco, uva
passas, ameixas secas.

Justamente por essa degradação dos lúpulos e sensação de aumento do


maltado que a complexidade de esteres se faz importantíssimo nas cervejas de
guarda, principalmente nas Barley Wines, Flanders Brown e IS. Lembre-se das
notas que temos quando estes estilos estão mais frescos e como elas evoluem
conforme o passar do tempo.

O “amadurecimento dos fenóis por outro lado, trás algo não tão lógico como dos
ésteres. Por exemplo, fenóis de cravo e apimentado tendem a evoluir para um
adocicado de baunilha, enquanto que fenóis “defumados” (vindo de maltes
defumados) tendem a tabaco e couro.

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2.4. Álcool

Álcool etílico produzido pelas leveduras, tende a ser mais aceito em cervejas
mais fortes, responsáveis por trazer sensação de picância, aquecimento e algo
desagradável quando muito fresco ou em excesso, lembrando solventes.

Com envelhecimento, ele se equilibra no conjunto, potencializando algumas


notas e trazendo mais complexidade e notas vinificadas, amadeiradas como
xerez, amareto, porto...

Algumas combinações como com aldeídos (ácidos presentes na cerveja), criam


novos e distintos ésteres como por exemplo, frutado com o vinificado do álcool
combinado com o aroma de chocolate de Imperial Stouts envelhecidas dão a
sensação de cerejas pretas. Outra combinaçãoo conhecida é a do vinho do
porto vinda do Xerez e melanoidinas envelhecidas.

Cervejas que tem um aroma fortemente alcoólico e maltes torrados, tem grande
potencial para envelhecimento. Muito semelhante a guarda de vinhos Borgonha,
que novos ainda estão verdes para consumo e com envelhecimentos viram
nobres jóias.

É importante lembrar que a presença de álcool (cervejas bem alcoólicas) é um


dos parâmetros realmente importantes para se envelhecer uma cerveja.

Álcoois superiores, que desempenham uma grande variedade de reações ao


longo do tempo, mudam bastante o perfil da cerveja. Em termos gerais, o álcool
ajuda a preservar a estrutura da cerveja; quanto mais alcoólica, mais devagar
ocorrerão as reações químicas e mais chances de encontrar aromas incríveis
com o passar dos anos.

2.5 Microorganismos na garrafa

Muitas cervejas não passam por pasteurização e ainda contém microorganismos


na garrafa que contribuem para o envelhecimento da cerveja. Eles consomem
oxigênio, reabsorvem compostos e suavizam sabores, entre outras coisas.
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Eventualmente estes microorganismos, geralmente Saccharomyces morrem e
sofrem autólise, que pode ser, ou não, a ruína da cerveja. Embora muita coisa
possa acontecer em decorrência da autólise podemos esperar algumas coisas,
como em cervejas muito escuras podem aparecer notas de ferrugem e molho
shoyo, enquanto em cervejas mais puxadas para o marrom tende a aparecer
notas umami que contribuem para uma experiência interessante e por fim, as
mais claras, principalmente nas Gueuze notas agradáveis de tosta e amêndoas,
clássicas em Champagne.

Lactobacillus costumam morrer rapidamente e contribuem muito pouco, a acidez


quando não há ação de outros microorganismos produtores de ácido, diminui
com o tempo. Em cervejas com presença de Brett e Pediococcus a tendência da
acidez é aumentar no começo e quando não houver mais atividade dos mesmos
a acidez torna a diminuir.

Brettanomyces consomem oxigênio e como sobrevivem por um período muito


maior que os outros microorganismos, em especial a Saccharomyces, cervejas
na presença dela tendem a não apresentar notas de oxidação, ou apresentam
muito pouco. A Brett pode consumir compostos da autólise de Saccharomyces,
também protegendo dos problemas que isto poderia trazer.

As notas “selvagens” da Brett tendem a se manter constante, podendo


apresentar um certo aumento no começo da refermentação na garrafa, porém
após atingirem o pico, se mantém constante. Vale notar que as Bretts, por
consumirem diversos compostos e quase todos açúcares, podem deixar a
cerveja muito seca e unidimensional.

3. Estilos de Cervejas Recomendados para a Guarda

É comum vermos várias bebidas que são guardadas propositalmente para que
sejam degustadas após um certo período de tempo, vinhos, whiskies são bons
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exemplos. Em relação ao whisky a guarda feita antes mesmo do envase é bem
comum, trazendo para a bebida um caráter mais complexo do que já se tem
normalmente. Já os vinhos costumam serem guardados engarrafados e
consumidos após um período pré determinado. A guarda de uma bebida, se feita
da forma correta, pode trazer novas notas e mudar muito positivamente o caráter
sensorial da bebida, trazendo uma complexidade enorme assim como uma
evolução e um balanceamento maior entre as notas já encontradas e esperadas,
e com cervejas não é diferente, desde que a cerveja seja escolhida de forma
correta bem como o seu armazenamento durante o período de guarda.

Como sabemos existem diversos estilos de cervejas em todo mundo, leves,


amargas, encorpadas, adocicadas, alcoólicas entre outros perfis. Sendo assim
teoricamente temos uma gama diversa de estilos a serem escolhidos para a
guarda, mas para que os estilos escolhidos para a guarda sejam corretos temos
que seguir alguns critérios pois se a escolha do estilo for equivocada, os
resultados obtidos após o período de guarda podem ser negativos.

Para quem deseja criar uma adega especial apenas com cervejas de guarda,
deve-se levar em consideração alguns aspectos, como por exemplo, cervejas
mais lúpuladas como a IPA ou APA, não são recomendadas para a guarda, pois
cervejas com altas concentrações de lúpulo são feitas para serem consumidas o
mais fresca possível, para que assim o consumidor tenha uma maior percepção
dos aromas e sabores que o lúpulo proporciona, e também pelo fato de que o
lúpulo por ser muito sensível contribui com o que o processo de oxidação da
cerveja ocorra mais rapidamente e também podendo dar aspectos sensoriais
não desejáveis.

O recomendado é que as cervejas escolhidas para um período de guarda sejam


cervejas alcóolicas e mais encorpadas, também vale ressaltar que os estilos de
cervejas produzidas através de fermentação espontânea (Lambics e Wild Beers)
também são boas escolhas na hora de se guardar cervejas.

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Com o envelhecimento na maioria dos casos, as notas sensoriais de cada estilo
tendem a ficarem mais suaves e mais equilibradas entre sí, a percepção do
álcool também pode suavizar, além é claro da possibilidade de novas nuances
aparecerem, oferecendo mais complexidade e personalidade a cerveja. Logo
abaixo listaremos alguns dos estilos que são recomendados no que se refere a
guarda de cervejas.

3.1 - Escola Belga

Dentro da escola belga podemos dar como exemplos de cervejas para guarda
as Flanders Red Ale/Brown Ale (Oud Bruin), Belgian Dark Strong
Ale/Quadruppel. Falando das Flanders a diferença entre a Red Ale e a Brown
Ale, é que a acidez e o frutado da Red são mais evidentes do que na Brown Ale,
sendo que na segunda é possível ser percebido notas suaves de chocolate ao
leite, o que não é aceitável na versão Red. Nas Flanders as notas acidas e
frutadas tendem a ficarem mais suaves e equilibradas conforme o
envelhecimento, tornando a cerveja mais suave em um contexto geral.

No que se refere as Dark Strong Ale e Quadruppel, as diferenças entre ambas


são quase nenhuma, muitos dizem até serem o mesmo estilo de cerveja, mas
normalmente a quadruppel atinge um teor alcoólico de no máximo 14%
enquanto a Dark Strong Ale no máximo 11%. Na quadruppel também não é
desejável perceber notas achocolatadas, já na Dark Strong Ale podem ser
percebidas tais notas em intensidades baixas. O envelhecimento dessas
cervejas pode trazer além de um equilíbrio maior entre suas notas sensoriais, as
notas vínicas que facilmente são percebidas em ambas, podem ficar
suavemente mais intensas.

Descritivo de Estilos

 Flanders Red Ale – Cor vermelha escura, de bordô a marrom-


avermelhado. Boa transparência. Espuma branca a bronzeado muito
claro. Nos aromas um complexo perfil ácido e frutado equilibrado com o

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malte que muitas vezes dá uma impressão parecida ao vinho. O frutado
nos lembra a frutas vermelhas e roxas. Fenóis podem estar presentes em
quantidades baixas para dar complexidade. Um caráter acético
proeminente é inadequado. Sem aroma de lúpulo. Uma Ale frutada, como
vinho tinto, em equilíbrio com os sabores de malte. O final seco somado
as demais características anteriores nos fazem lembrar de um bom vinho.

 Flanders Brown Ale (Oud Bruin) – Cor marrom, de boa formação de


espuma. Espera-se aromas de malte torrado, porém muito suaves assim
como aromas remetendo a madeira podem estar presentes. Nos sabores,
cacau e chocolate podem aparecer também em baixos níveis. Acidez
presente por conta de lactobacillus, pode entrar em harmonia com o
caráter maltado e adocicado. O amargor fica em níveis baixos a médios e
seu corpo também transita entre um corpo leve a médio.

 Belgian Dark Strong Ale – Cerveja de coloração entre o âmbar escuro ao


marrom castanho. São cervejas muito complexas que possuem altos
níveis de ésteres remetendo a frutas passas como uvas, figos, tâmaras.
Notas maltadas como caramelo e sabores adocicados devem ser
perceptíveis mas não devem ser exageradas. Notas de chocolate podem
ser perceptíveis em níveis suaves. Desejável também que possua notas
vinificadas. Notas lúpuladas não são predominantes e notas fenólicas
como o cravo não devem ser percebidas. Possui altos níveis de álcool
que são facilmente percebidos, pois a cerveja traz também uma ótima
sensação de aquecimento vindos do álcool.

3.2 - Escola Alemã

Na escola alemã dominada em sua maioria por cervejas Lagers, podemos citar
dois estilos que podem ter bons resultados em um período de guarda. As
Doppelbocks e as Weizenbocks. No caso das Doppelbocks, o seu já

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considerado alto teor alcoólico e sua base totalmente maltada combinam
perfeitamente para um envelhecimento positivo. As Weizenbocks também de
caráter maltado e alto teor alcoólico também são boas pedidas para um
envelhecimento, no caso da segunda, a complexidade de aromas e sabores são
maiores por serem cervejas com notas fenólicas e frutadas.

Descritivo de Estilos

 Weizenbock – Uma cerveja em que sua coloração pode variar de um


exemplar claro até mesmo a exemplares de cor escura, transitando de um
dourado a marrom. Geralmente são cervejas de boa formação e
estabilidade de espuma que se faz densa no copo. Contém uma doçura
vinda do malte que contrasta com notas fenólicas que remetem a cravo e
também por ésteres lembrando banana, notas que somadas lembram o
caráter sensorial de uma Weiss. Amargor vindos de lúpulo são percebidos
em baixas concentrações. Nas versões escuras, um leve caráter de malte
torrado pode ser perceptível no sabor, e um nível ainda menor de
intensidade nos aromas.

 Doppelbock – Cerveja de coloração escura que vai do âmbar escuro ao


marrom escuro. Boa formação formação de espuma como a grande
maioria das cervejas alemãs. Possui uma doçura vinda do malte que
domina o perfil sensorial, mas não deve ser desagradável. Pode conter
notas torradas e de caramelo ou toffee em níveis suaves. Ésteres podem
ser perceptíveis, desde que estejam em baixas intensidades, assim como
o amargor de lúpulo que também podem ser encontrados em baixas
intensidades porem os aromas de lúpulo devem estar ausentes. O seu
teor alcoolico gira em torno do mediano ao alto, e a percepeção do álcool
na cerveja pode ser percebido através de aquecimento, porém não
devem estar em níveis altos.

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3.3 - Escola Inglesa

Na escola Inglesa, temos alguns estilos considerados clássicos na questão de


envelhecimento e guarda de cervejas, a Barley Wine e a Russian Imperial Stout.
No caso da Barley Wine temos uma cerveja bem maltada, alcoólica e com um
amargor marcante característico. Já na Russian Imperial Stout, temos todas
aquelas notas torradas de café, cacau, chocolate e podendo ter também uma
base bem sutil de caramelo.

Descritivo de Estilos

 Russian Imperial Stout – Cerveja de coloração marrom escuro ao preto,


espuma creme a bege. Aromas de chocolate, cacau e café são
perceptíveis. Aroma de lúpulo podem estar níveis medianos e ésteres em
elevados níveis de percepção. Sabores de chocolate, cacau, café estão
presentes em maior evidencia, o amargor deve ser encontrado em altos
níveis porem não deve ser mais perceptível e relação ao caráter geral da
cerveja. Aroma de lúpulo pode variar do herbáceo, cítrico e floral
dependendo do tipo de lúpulo selecionado, porem em níveis baixos.

 Barley Wine – Cerveja de coloração acobreada até o marrom escuro.


Corpo alto e possuindo um dulçor residual vindo do malte. A
harmonização dos álcoois e as notas esterificadas dão muita
complexidade a cerveja. Notas vinificadas toque de caramelo são
considerados pontos positivos no estilo. O alto teor alcoólico pode ser
facilmente percebido tanto nos aromas quanto na sensação de
aquecimento oferecidas.

4. Estudos Científicos sobre Envelhecimento

A estabilidade sensorial das cervejas durante o envelhecimento tem sido matéria


de estudos nas últimas décadas, pelo fato de ainda ser um dos maiores e menos
entendidos problemas na indústria cervejeira. Para cervejas, é necessário
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aperfeiçoar a produção e seus processos aumentando a vida de prateleira (Shelf
life), tendo em vista o cenário atual de um mercado extremamente competitivo e
em constante crescimento.

A literatura científica nos apresenta trabalhos com objetivos variados, que nos
ajudam a entender o que acontece química e biologicamente nos processos de
envelhecimento de cervejas, tanto em cervejas de guarda quanto em cervejas
convencionais.

A seguir, apresentamos um resumo de alguns estudos, que foram publicados


em revistas do ramo cervejeiro e de alimentos, e que fortalecem e aumentam o
conhecimento do que ocorre no envelhecimento e quais são as reações e
consequências do processo.

4.1 Investigação dos níveis de -Damascenone em cervejas comerciais frescas


e envelhecidas

Em 2002, Chevance e colaboradores investigaram na Bélgica, os níveis de -


Damascenona em cervejas comerciais belgas frescas e envelhecidas.

Esse composto é identificado por aromas frutados e florais, que remetem a


pêssego, lichia, uvas. É um dos principais compostos aromáticos das rosas. Em
água possui um limiar de detecção baixo de 0,02-0,09 ng/g. Em cervejas frescas
a concentração de -Damascenona varia de 6 – 25 ng/g, o que nos ajuda a
entender porque em cervejas belgas, geralmente aparecem frutas amarelas
como pêssego nos sabores e aromas.

No entanto, o estudo comprovou que, em um envelhecimento artificial de 5 dias


a 40oC os níveis desde composto aumentaram consideravelmente e em alguns
estilos podem chegar a 210 ng/g. Também analisaram a concentração presente
no mosto cervejeiro, apresentando altos níveis de 450 ng/g que através da

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fermentação ocorre degradação e absorção por meio de reações enzimáticas na
rota metabólica da levedura.

Figura 1: Estrutura molecular da -Damascenona.

4.2 Evolução das Propriedades Químicas e Sensoriais durante o envelhecimento


das cervejas de alta fermentação

Vanderhaegen e colaboradores estudaram também na Bélgica no ano de 2003,


a evolução das propriedades químicas e sensoriais durante o envelhecimento de
cervejas de alta fermentação. Para a pesquisa foi utilizado uma cerveja
comercial clara (Pale) de alta fermentação (não informado rótulo ou estilo),
porém com 7,5% de teor alcoólico v/v, obtida de uma cervejaria belga. Foram
realizadas cinco condições de envelhecimento, variando temperatura (0, 20 e
40oC) e tipo de atmosfera no headspace das garrafas (Ar e CO2), conforme
tabela a baixo.

Tabela 1 – Condicoes de envelhecimento, temperatuar e atmosfera

Foram analisados e registrados durante o período de seis meses de


envelhecimento as mudanças nas concentrações de ésteres de acetato, ésteres
etílicos, carbonilas, compostos de Maillard, dioxanos, e éteres furanicos. Os
métodos utilizados para análise das amostras foram quantitativos em

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equipamentos e metodologias pré-determinados, e qualitativos, por meio de um
painel de colaboradores treinados para analisar sensorialmente as amostras.

Após a análise sensorial na primeira sessão, o painel de colaboradores foi


questionado para descrever as características de aromas e sabores de cada
cerveja envelhecida. Com base nos resultados da primeira degustação, foram
selecionados os seis principais descritores de aroma e sabor, também para
servirem com base de comparação na avaliação sensorial posterior ao
envelhecimento.

Em sequência, os colaboradores colocaram as intensidades de cada aroma e


sabor. Os resultados são apresentados nas figuras abaixo, os aromas e sabores
são afetados significativamente pelo tipo de condição de envelhecimento.
Amostras armazenadas a 40oC perdem o sabor esterificado e frutado inicial, e
desenvolvem sabores de madeira e vinho do porto. Nestas condições ocorrem
também um aumento significativo nos aromas e sabores de solvente, leve
incremento de papelão e aumento de pungência. Para amostras com Ar no
headspace, o aroma pronunciado é de caramelo e frutas vermelhas. A oxidação
faz com que o gosto amargo reduza e evolua para dulçor, além de aquecimento
e sensação alcoólica.

20
Figura 2. Comparação das condições de envelhecimento.

O estudo também avaliou a evolução dos compostos voláteis de moléculas


pertencentes a seis classes químicas: ésteres de acetato, ésteres etílicos,
carbonilas, dioxanos, e éteres furanicos. O comportamento de cada composto
durante o envelhecimento será discutido a seguir.

Ésteres de acetato:

Durante o envelhecimento, as concentrações de todos os ésteres de acetato


reduziram. Um exemplo é a hidrólise do acetato de isoamila apresentado na
figura 3A abaixo, que é um dos principais ésteres formado na fermentação
principal, e que apresenta a Banana como descritor. Os resultados nos mostram
também que a hidrólise independe do tipo de atmosfera utilizada, tanto a 20oC,
quanto a 40 oC. A figura 3B nos mostra que a velocidade de hidrólise dos ésteres
depende do peso molecular. Esteres com maior tamanho hidrolisam com maior
velocidade, porque estas reações possuem menor energia de ativação.

21
Figura 3: Evolução da concentração de ésteres de acetato durante o envelhecimento.

Ésteres etílicos:

Os resultados mostram que tanto a formação quanto a hidrólise de ésteres


etílicos ocorrem durante o envelhecimento. A hidrólise ocorre geralmente com
ésteres etílicos lineares sintetizados pela levedura na fermentação principal, por
exemplo, hexanoato de etila estava presente acima do limiar de detecção na
cerveja fresca, e abaixo depois do envelhecimento. Os efeitos da hidrólise são
os mesmos que para os ésteres de acetato.

Em contraste a hidrólise, a esterificação do etanol com ácidos orgânicos também


ocorre durante o envelhecimento. Em cervejas frescas a concentração de
ésteres etílicos é relativamente baixa. Os principais precursores ácidos são
originados do lúpulo ou levedura. Os ácidos extraídos do lúpulo são ácido 3-
metilbutirico, ácido 2-metil butirico e ácido 2-metilpropilico. A degradação
oxidativa dos alfa ácidos e beta ácidos, também aumentam a concentração
desses precursores, e isso pode explicar o incremento nos níveis do éster etílico
3-metilbutirato de etila durante o envelhecimento, figura 4C.

22
Figura 4. Evolução da concentração de ésteres etílicos durante o envelhecimento.

Compostos Carbonila (Aldeídos e Cetonas):

São compostos que formam um grupo heterogêneo e importante de moléculas


que se incrementam durante o envelhecimento. Alguns deles aumentam
especificamente na presença de oxigênio, e podem ser utilizados como
marcadores de processos de oxidação em cervejas de garrafa. A presença de
acetaldeido, principalmente formado a partir do álcool etílico, é muito rápida, em
especial para temperatura de 40oC na presença de ar (Figura 5A). Em 20oC a
oxidação continua durante 120 dias. As dicetonas vicinais (diacetil) e 2,3
pentanodiona claramente aumentam durante o envelhecimento. A formação de
diacetil por reações de Maillard podem ser explicadas por seu forte aumento a
40oC, apresentado na figura 5B. A presença de ar e alta temperatura de
armazenagem podem causar diacetil, e passar do limiar de detecção afetando o
sabor da cerveja.

23
Figura 5. Evolução da concentração de Acetaldeído e Diacetil durante o envelhecimento.

Compostos de Maillard:

Durante o envelhecimento da cerveja, vários compostos heterocíclicos foram


detectados, que são intermediários de reações de Maillard entre açúcares e
aminoácidos. Apesar do 2-furfural ser frequentemente citado como indicador de
dano térmico durante certos estágios do processo de produção, ele é
incrementado durante o envelhecimento e levemente dependente da atmosfera
utilizada.

Dioxano:

Foram dois dioxanos detectados que aumentaram significativamente durante o


envelhecimento, 2,4,5 trimetil – 1,3-dioxano e 2-isopropil-4,5 dimetil-1,3-dioxano.
Essas moléculas são originadas da condensação do 2,3 butanodiol e um
aldeído.

Éteres furanicos:

Os éteres furanicos, em especial o 2-furfuril-etil-eter, também conhecido como


FEE, são fortemente incrementados durante o envelhecimento. No entanto,
essas moléculas não são significativamente formadas durante o processo de
produção, as moléculas precursoras são etanol e um álcool furanico, que estão
24
relativamente em altas concentrações em cervejas frescas. Ocorre a eterificação
por catalize ácida em meio aquoso. A velocidade de formação de FEE a 40oC é
aproximadamente duas vezes mais rápida do que a 20oC, e o ar no headspace
não afeta a velocidade, conforme figura abaixo.

Figura 6. Evolução da concentração de dioxano e FEE.

O impacto do FEE no sabor da cerveja foi avaliado por um painel de 15


membros, a distribuição individual da estimativa de threshold é analisado na
figura abaixo, sendo que o threshold estimado para esse composto ficou em
6g/L. Um claro e distinguível aroma e sabor relacionado a solvente e
aquecimento aparece após 20g/L. Em conclusão, o 2-furfuril-etil-eter afeta o
sabor de cervejas envelhecidas porque em 6 meses de armazenamento tanto a
20 quanto a 40oC a concentração ultrapassa demasiadamente o threshold .

Figura 7. Distribuição da melhor estimativa de treshold para o 2-furfuril-etil-eter.

25
4.3 Influência do processo de produção na formação de Furfuril-Etil-Eter durante
o envelhecimento da Cerveja

Em sequência dos estudos realizado por Vanderhagen e colaboradores, o grupo


de pesquisa avaliou a influência do processo de produção de cerveja na
formação de furfuril-etil-eter durante o envelhecimento. Esse estudo mostra que
esse composto é principalmente formado por reações de Maillard durante a
fervura do mosto e na malteação. Os experimentos foram realizados em escala
piloto, utilizando diferentes tipos de malte, e também extrato de malte, com
mesmas condições de fervura, e diferentes condições de fermentação. Foram
analisados compostos voláteis no mosto e na cerveja. E a condição de
envelhecimento foi na temperatura de 60oC no período máximo de 21 dias.

Esse estudo combinado com o estudo prévio apresentado no tópico 1.2, indicam
que o FEE e possivelmente outros compostos furanicos são tipicamente
componentes de cervejas especiais. Os parâmetros que estimulam a síntese de
FEE são, alto teor de etanol, cor escura, a baixo pH. A maioria das cervejas
consideradas “Specialty Beers” diferem de cervejas consideradas Pilsen por pelo
menos um desses parâmetros. No entanto a formação de FEE pode induzir a
mudança no sabor durante a armazenagem, a velocidade de deterioração dos
sabores durante o envelhecimento também depende de outras características do
perfil de sabor da cerveja fresca. Além disso, o desenvolvimento de FEE se
incrementou com a carga térmica total do mosto durante os estágios de
produção. Novas tecnologias e condições de processo que reduzem esses
parâmetros, vao produzir cervejas que são menos sucetíveis a produção de
furfuryl-etil-eter durante o envelhecimento.

26
4.4 Decréscimo de 4-Vynilguaiacol durante o envelhecimento e formação de
Apocynol e Vanilin na cerveja

Compostos fenólicos voláteis já são reconhecidos há muito tempo como


importantes contribuidores para os aromas e sabores de varias bebidas, tanto
alcoólicas quanto não alcoólicas. Os dois principais compostos fenólicos voláteis
em cervejas são o 4-Vinilguaiacol (4VG), e o 4-Vinilfenol (4VP). Dependendo do
estilo de cerveja a presença destes elementos são desejadas (on-flavours), ou
não desejadas (off-flavours). O descritor mais comum para estes elementos é
cravo e noz moscada. São esperados intensamente em Weizenbiers, e
moderamente em cervejas belgas como Belgian Blonde Ale, Dubbel, Tripel e
Belgian Dark Strong Ale.

O 4VG e o 4VP são produtos da descarboxilação de ácidos fenólicos e de


ácidos ferúlicos, que são encontrados principalmente da parede celular de
algumas plantas, em especial o trigo, o que ajuda a entender porque em
Weizenbiers o cravo é tão intenso. Existem duas rotas de ativação desses
compostos 4VG e 4VP. A primeira é pelo impacto da alta carga térmica durante
fervura do mosto, tempo de Whirlpool e até mesmo na pasteurização, e a
segunda maneira é por atividade enzimática de descarboxilação durante o
processo fermentativo de leveduras de alta fermentação, ou seja, são
principalmente sub-produtos de fermentação da levedura.

O objetivo desse estudo é investigar o decréscimo de 4VG durante o


envelhecimento, estudar o efeito da temperatura, pH e velocidade de
degradação do oxigênio, além de identificar os principais produtos formados a
partir desta degradação.

Os primeiros resultados mostraram que para duas cervejas belgas distintas e


comerciais envelhecidas a 20oC por 40 dias, o comportamento tanto do 4VG
quanto do 4VP foram diferentes. Na primeira cerveja, no começo do
envelhecimento ainda ocorreu a ação enzimática da levedura e o teor de 4VG
aumentou 0.22 mg/L e de 4VP aumentou 0.08mg/L, e após esse incremento, as
27
concentrações desses compostos foram sendo consumidas com tempo de meia
vida em torno de 34 semanas. Na segunda cerveja, envelhecida a 40oC ocorreu
um decréscimo imediato, chegando a metade do valor inicial em 31 semanas. E
essa abstenção do acréscimo da concentração inicial dos compostos fenólicos é
devido a duas razões, primeiro o processo de acondicionamento dessa cerveja
na garrafa, utiliza uma levedura diferente da fermentação principal, e que essa
não possui a enzima necessária para fazer a descarboxilação dos ácidos, e
segundo depois da fermentação todos os precursores já tinham se convertido a
4VG.

Figura 8. Concentração de compostos fenólicos voláteis vs tempo. A primeira amostra contém


6,9% de teor alcoólico v/v e 12 EBC, com teores iniciais de 0,61 mg/L de 4VP e 1,37mg/L de
4VG, a segunda amostra contem 9,3% de teor alcoólico v/v e 14 EBC, com teores iniciais de
0,65 mg/L de 4VP e 2,71 mg/L de 4VG.

Em novo experimento, para facilitar a identificação de compostos formado pela


decomposição do 4VG, usou-se envelhecimento forçado a 60oC no período de 3
semanas, com concentração inicial de 3,5 mg/L de 4VG, e foi estudado o efeito
da presença de oxigênio, pH e teor alcoólico. Os resultados mostraram que
amostra contendo oxigênio possuía menor concentração de 4VG do que a
amostra com atmosfera de CO2, 1,9 e 2,36 mg/L respectivamente. E foi
identificado a formação de vanilina (composto referente a Baunilha), atribuindo

28
que seja um possível produto da oxidação do 4VG, porque foi encontrado mais
baunilha na amostra contendo oxigênio.

5. Análise Sensorial Comparativa

5.1. Schneider Aventinus Weissenbock


A Scheider Aventinus é conhecida como uma das mais complexas e intensas
cervejas de trigo no mundo. Nessa degustação, foram analisadas duas amostras
dessa cerveja: um exemplar relativamente jovem, do ano de 2017, e um mais
antigo, com quatro anos de envelhecimento, do ano de 2014.

(i) Aventinus 2017

A Schneider Weisse Aventinus 2017 mostrou-se uma cerveja de coloração ambar escuro,
com boa formação e persistência de espuma. Apresentou aromas frutado remetendo a
frutas passas, leve fenólico, caramelo e notas vínicas evidentes. Na boca, o que se sente
nos aromas se repete acompanhado de uma sensação de secura e aquecimento alcoólico.
Corpo alto e baixo amargor. No aftertaste, fica a sensação alcoólica acompanhada da
secura. No geral, uma ótima cerveja, equilibrada entre suas notas adocicadas, frutadas e
vínicas. Destaque também para o álcool que ficou bem inserido

29
(ii) Aventinus 2013

Em comparação a amostra anterior (2017), é possível perceber todos os aspectos


sensoriais, porém em menores intensidades. Algo que foi percebido também é que
as notas fenólicas evoluíram, além de ficarem mais suaves e igualmente equilibradas
com as demais notas percebidas, foi possível perceber notas rústicas que remetiam a
couro, mas também de forma bem sutil e equilibrada. No geral a cerveja ficou mais
suave em suas percepções sensoriais e mais complexa devido as notas rústicas
percebidas.

(iii) comparação Aventinus 2017 x Aventinus 2013

30
5.2. Coopers Vintage Extra Strong Ale
A Coopers Vintage Ale é produzida com malte especial e passa por um longo
tempo de fermentação. Armazenada em barris de carvalho por bastante tempo,
elas também passam por uma segunda fermentação na garrafa, o que lhes
confere validade mais longa. Nessa degustação, foram analisadas duas
amostras dessa cerveja: do ano de 2012 e outra de 216

(i) Coopers Vintage Extra Strong Ale 2016

Tem coloração marrom claro / âmbar, turva, com rica espuma bege e de boa persistência,
sendo bem carbonatada. Em aroma, notas de castanhas, nozes com casca, amêndoas,
presença de álcool superior evidente, aroma de malte caramelizado em segundo plano. Os
sabores de nozes e castanhas abrem sendo tomados pelo álcool, que abre e então dá lugar
à uma finalização seca e trufada. Uma cerveja muito bem equilibrada, textura licorosa e
viva, baixo amargor, aquecimento alcoólico alto e de excelente carbonatação. Nota-se já
em aroma o potencial de guarda, que a esterificação irá se direcionar para frutas secas em
compotas. O álcool, ainda muito evidenciado, entrega que ainda está amadurecendo. A
cerveja jovem tem uma acidez em construção, ainda evidente a deixando adstringente,
mas que de forma nenhuma desequilibra ou diminui a complexidade da cerveja.

31
(ii) Coopers Vintage Extra Strong Ale 2012

Como já esperado, a Coopers Vintage Extra Strong Ale 2012, que tem na sua coloração
um tom mais escuro, quase marrom, turva e pouca espuma, mostra sinais claros do
amadurecimento nos ésteres. Em aroma, desaparecem as notas de castanhas, que dão
lugar às frutas secas como tâmaras, damasco, uvas e ameixas, compotas de laranja. Não
há sinais de oxidação, a evolução da cerveja deixou o álcool mais equilibrado, que já não
é percebido em primeiro plano no aroma, com caráter de malte caramelizado mais
presente do que a amostra jovem. O terroso e trufado também não aparecem mais, dando
espaço às laranjas em calda e finalização com notas de mel e própolis. Nesta amostra não
são mais notados características de amargor do lúpulo, ainda presentes na amostra mais
jovem. Ainda, existe um equilíbrio perfeito no aquecimento alcoólico ainda mais notado,
mais maduro e menos pungente.

32
(iii) Comparativo Coopers Vintage Extra Strong Ale 2016 x 2012

6. Dica do profissional

Não são apenas os rótulos internacionais que tem potencial de guarda. Se


considerarmos todos os critérios descritos durante esse trabalho, podemos
encontrar ótimos exemplares brasileiros. Victor Marinho, cervejeiro da Cervejaria
Dádiva ofereceu algumas opções de cerveja para guarda fabricadas
nacionalmente:

1) Printemps - Saison

2) Dádiva Três - Strong Golden / Belgian Specialty

33
3) Dádiva Status Quo

4) Dádiva TripelBock 28

5) Dádiva Odonata

“As 2 primeiras são claras. Porém ambas refermentaram na garrafa com


brettanomyces. Portanto podemos esperar uma evolução de notas selvagens,
couro, celeiro, fenóis de um modo geral.

Já as 3 últimas são escuras e com potencia alcóolica. Por isso podemos esperar
notas de oxidação de envelhecimento, como jerez/vinho do porto, assim como
aumento da sensação de corpo ( adocicado ) e redução de amargor.

Diria que para todas o ápice pode se dar entre 6 a 18 meses, porém tudo
depende da qualidade do envelhecimento. Armazenagem em temperatura
controlada é fundamental. Se mantiver em torno de 13ºC a 15ºC, esse tempo
pode estender.

No caso de um armazenamento a temperatura ambiente, podendo bater até 30-


35ºC, o tempo de envelhecimento é reduzido drasticamente podendo gerar off
flavours na cerveja."

34
Bibliografia

Livros:

DAWSON, Patrick. Vintage Beer: A Taster's Guide to Brews That Improve Over
Time . March 10, 2014

MOSHER, Randy . Tasting Beer: An Insider's Guide to the World's Greatest


Drink . 2nd edition

WHITE, ; ZAINASHEFF, Jamil . Yeast: The Practical Guide to Beer Fermentation


(Brewing Elements) Paperback – October 16, 2010

TECNOLOGIA Cervejeira. Senai Vassouras Rio de Janeiro

Artigos:
G1 - 30/03/2016 09h00 - Atualizado em 16/09/2016 12h43 Como são as cervejas
envelhecidas com madeira. Especial Publicitário – Somos todos Cervejeiros

Food Science and Technology - Ciênc. Tecnologia


Aliment. vol.30 supl.1 Campinas May 2010. Determinação de (E)-2-nonenal em
cervejas brasileiras utilizando microextração em fase sólida do headspace e
cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas. Rodrigo Scherer;
Roger Wagner; Cláudia Hoffmann Kowalski; Helena Teixeira Godoy*Engenharia
de Alimentos, Universidade de Campinas - UNICAMP - Cidade Universitária
"Zeferino Vaz", CEP 13081-970 - Campinas - SP

Journal of Agricultural and Food Chemistry. Investigation of the â-Damascenone


Level in Fresh and Aged Commercial Beers. FABIENNE CHEVANCE, †
CHRISTINE GUYOT-DECLERCK, JEÄROˆ ME DUPONT, AND SONIA COLLIN*
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Centre for Malting and Brewing Science, Department of Microbial and Molecular
SystemssFood and Microbial Technology, K.U. Leuven, Kasteelpark Arenberg 22,
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DELVAUX, HUBERT VERACHTERT, AND GUY DERDELINCKX Centre for
Malting and Brewing Science, Katholieke Universiteit Leuven, Kasteelpark
Arenberg 22, B-3001 Heverlee, Belgium

36

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