O Sujeito Leitor - Fichamento

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LANGLADE, Gérard. “O sujeito leitor: autor da singularidade da obra literária”.

In: Leitura
subjetiva e ensino da literatura. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2013.

“A exclusão, ou ao menos, a marginalização, da subjetividade do leitor é habitualmente


apresentada como uma condição de êxito na leitura literária escolar e universitária.” (p. 25)

“[...] os distúrbios, as emoções, os devaneios, as associações de ideias ou mesmo vinculações


espontâneas, que têm duas raízes na personalidade profunda, na história pessoal, nas
recordações literárias ou lembranças de momentos vividos do indivíduo que lê, são
considerados elementos parasitas que falseiam, embaçam e emaranham a recepção de uma
obra a ponto de lançá-la para fora do campo da literatura.” (p. 25)

“O que desejo questionar inicialmente é a teimosa presença, às vezes a incongruente irrupção


desses ecos subjetivos que formam o cortejo da leitura de uma obra literária. Longe de serem
apenas escórias da atividade leitora, não seriam eles os indícios de uma apropriação de texto,
de uma singularização da obra realizada pelo autor?” (p.26)

“A irrupção da subjetividade na atividade leitora” (p. 26)

“Em Livre de lectures [...] notamos simultaneamente a consciência da irrupção da


subjetividade na leitura literária e sua estigmatização.” (p.26)

“ - primeiramente a incompreensão de Marthe Robert - “não consigo compreender o por


quê” como se a reação subjetiva fosse, por natureza, impossível de ser analisada,
constituindo-se em uma espécie de ponto cego da leitura;

- a seguir a exclusão “fora da literatura” daquilo que não é interpretável enquanto construção
estética;

- mas principalmente o fato de que, apesar de todas essas prevenções, Marthe Robert exponha
essas reações de leitora. Para que mencionar um efeito de leitura tão modesto e a respeito do
qual tão pouco pode ser feito?” (p. 27)

“A questão merece atenção sobretudo porque essa reação não é um momento isolado da obra.
A trivialidade das reações de literatura muitas vezes serve como critério de avaliação da
qualidade literária das obras.” (p. 27)

“- encontramos, além da incompreensão, a exclusão altiva e um tanto depreciativa, fora da


literatura, não somente de sua própria reação de leitora, mas também do próprio texto - “que a
literatura nem de longe chega a tocar”;
- por outro lado, se expressa aqui uma emoção sensual, seja explicitamente - “o prazer que
me causa”, “extremamente tentadores” -, seja estilisticamente por meio da evocação apetitosa
do café da manhã gargantuesco e do assassino devasso;

- finalmente o estatuto dessa evocação que não remeteria nem à literatura nem à realidade -
“que a literatura nem de longe chega a tocar”, “que em minha vida própria provocariam
náusea” - decorre estritamente da ordem do fantasmático? O prazer sentido, confesso, seria
devido a uma ativação fantasmática cuja eficácia, como foi demonstrado por Freud, estaria
garantida pela densidade do mistério de sua origem? Incompreensão, prazer e denegação
seriam assim os indícios do diálogo interfantasmático que Marthe Robert entretém com a
literatura policial.” (p. 28)

“Estamos diante de um paradoxo: Marthe Robert ao mesmo tempo parece reconhecer a


importância de uma reação subjetiva de leitora em sua aproximação de Proust - e do lugar da
madeleine nessa aproximação - e ocultar essa reação na objetivação de sua leitura de experta
Em busca do tempo perdido.” (p. 29)

“O trabalho de seleção [é exercido] sobre unidades textuais, em que o leitor investe,


sobretudo pelo pensamento e pelo devaneio [...]” (p. 29)

“Os sujeitos leitores na obra” (p. 29)

(leitor subjetivo)
“Um leitor construído pelas experiências de leitura fundadoras - eu ousaria dizer “arcaicas”? -
leituras da infância que permanecem ativas na leitura que dizemos privada [...] A semelhança
entre o léxico utilizado para falar dessas obras pessoais e o vocabulário amoroso é
perturbador: encontro, encantamento súbito, paixão etc.” (p. 29-30)

(leitor “conceitual”?)
“Esse leitor “conceitual” formado em estudos literários conhece as teorias da literatura,
beneficia-se de uma perspectiva histórica e de um conhecimento aprofundado, embora às
vezes indireto, das obras literárias maiores.” (p. 30)

“As reações subjetivas, ao invés de excluir as obras para “fora da literatura”, seriam na
verdade catalisadoras de leitura que alimentariam o trajeto interpretativo até sua dimensão
reflexiva.” (p. 30-31)

“É dizer que o texto vive de suas ressonâncias com as lembranças, as imagens mentais, as
representações íntimas de si, dos outros, do mundo do leitor.” (p.31)

“Na leitura crítica, o leitor está principalmente atento aos elementos relacionados a uma
literariedade construída por meio de códigos específicos da literatura (gênero,
intertextualidade etc.). Porém, em uma atitude de leitura “normal” - quando leio “um livro em
minha poltrona para meu prazer” - , minha atenção não está focalizada exclusivamente nesses
traços estéticos, nesses índices da referência literária, o que não significa que sejam ignorados
por mim, que os apague artificialmente de meu espírito; estão, entretanto, associados a outros
elementos que remetem a minha personalidade global: meus conhecimentos literários e
minhas leituras anteriores, sem dúvida, mas também minha experiência de mundo, minhas
recordações pessoais, minha história própria. Não estarei agindo como sujeito literário, mas
simplesmente como sujeito.” (p. 32)

“[...] toda leitura provém de um sujeito, ela só está separada desse sujeito por mediações raras
e tênues, pelo aprendizado das letras, alguns protocolos retóricos, para além dos quais é o
sujeito que rapidamente se encontra em sua estrutura própria, individual” (p. 33)

“O texto “singular” do leitor” (p.33)

“Assim, toda obra literária engendra uma multiplicidade de obras originais produzidas pelas
experiências, sempre únicas, dos leitores empíricos.” (p. 33)

“[...] um texto quer deixar ao leitor a iniciativa interpretativa” mas “em geral ele (o texto)
deseja ser interpretado com uma margem de unicidade”. O leitor está, pois, em liberdade
vigiada.” (p.33)

“ [...] o texto literário é [com efeito] construído de modo a controlar sua própria
decodificação.” (p.34)

“[...] duas teorias da realização do texto pela leitura.” (p. 34) :

“De um lado, aqueles que pretendem que todos os leitores - talvez fosse conveniente dizer
todos os verdadeiros leitores, isto é, aqueles que têm os meios de respeitar adequadamente as
regras - se encontrarão, grosso modo, em um espaço interpretativo da obra objetivável graças
à evidenciação das injunções do texto; de outro, aqueles que, como Pierre Bayard,
consideram a obra literária como, por essência, “móvel”, estimando que cada leitor produz
um texto singular.” (p. 34)

“ Se admitirmos que uma obra literária se caracteriza por seu inacabamento , somos levados a
pensar que ela só pode realmente existir quando o leitor lhe empresta elementos de cenário,
paisagens, traços físicos e de caráter dos personagens etc.” (p.35)

“O leitor, por exemplo, dá sentido ao comportamento e à ação das personagens a partir de


“teorias” psicológicas tomadas da experiência que adquiriu, seja diretamente, seja por meio
de saberes construídos.” (p.35)

“O discurso do leitor inscreve em uma teoria ou uma moral as reações subjetivas que
experimentou no decorrer da leitura: fascinação, rejeição, perturbação, sedução, hostilidade,
desejo etc. As reações dos alunos, como as de todo leitor, a respeito de obras que os tocam
são significativas dessa implicação, basta ouvi-los.” (p. 36)

“Sim, sob o efeito de sua recepção da obra, o leitor empresta às personagens uma identidade
mundana, uma vida fora do texto etc. Porém, ao mesmo tempo, o leitor guarda a consciência
da natureza virtual dessa existência, da “realidade fictícia” (Picard) das personagens e das
aventuras que vivem. É precisamente a distância tranquilizante da ficção que permite essa
perturbadora confusão com o real.” (p. 36)

“Conclusão”

“No entanto, considerar a implicação do sujeito leitor como uma necessidade funcional da
leitura literária - o que procuro fazer aqui - só pode nos levar a considerar os elementos de
subjetividade produzidos pela atividade leitora por mais estranhos ou desorientados que
possam parecer à primeira vista. É também necessário admitir que as coerências
interpretativas mais próximas do leitor assentam em boa parte em uma forma de
“secularização” da obra [...]” (p. 37)

“Do meu ponto de vista, essa leitura participativa [...] está no fundamento mesmo da leitura
literária. Ela realiza, com efeito, a indispensável apropriação de uma obra por seu leitor com
um movimento duplo de implicação de distância , em que o investimento emocional,
psicológico, moral e estético inscrevem a obra como uma experiência singular.” (p. 37)

“Se pensamos com J. Bellemin-Noël que a “literatura não existe, [mas que] só existem livros
lidos, já não seria hora de acolher, até mesmo encorajar, as leituras reais dos alunos, isto é,
leituras marcadas por “reações pessoais, restritas e parciais, maculadas de erros e confundidas
pelo jogo múltiplo das conotações”?” (p.38)

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