Capítulo 5 - Benerval - Mat o Que Ensinar
Capítulo 5 - Benerval - Mat o Que Ensinar
Capítulo 5 - Benerval - Mat o Que Ensinar
Introdução
Roger C. Shark (2005) inicia seu artigo intitulado “O
que saber e como aprendê-lo” com a questão: “O que uma
pessoa educada deveria saber?”. Essa é uma pergunta
fundamental e todos aqueles que trabalham com Educação,
conscientemente ou não, buscam respondê-la e/ou balizam
suas ações pautados no tipo/ideal de “pessoa educada que
desejam formar”.
Nessa direção, atendo-nos à Matemática e a seu processo
pedagógico de ensino-aprendizagem, questionamos: o que uma
pessoa adulta que passou pelo sistema escolar deve saber? Ou,
ainda, o que uma pessoa adulta que passou pelo sistema escolar
efetivamente sabe de matemática? Tem sido comum a ideia de
que ser educado é “saber coisas1”. E em todas as áreas do
conhecimento há grupos de pessoas – especialistas – buscando
definir o que deve fazer parte desse rol de “coisas” que uma
criança que ingressa nos sistemas de ensino deverá saber quando
finalizar o processo de escolarização.
É aqui onde se localiza o ponto de inflexão da curva do
ensino, pois qual é o conjunto de coisas matemáticas que
uma pessoa deveria saber? É possível que exista tal conjunto
A questão político-social na
formação do educador de Matemática
Adicionalmente a essas questões, devemos ressaltar que, em geral,
como apontam algumas pesquisas (Araújo, 1990; Santos, 2002; Ricci,
2003; Curi, 2004), os licenciandos, em sua grande maioria, são pessoas
egressas das camadas populares, economicamente desfavorecidas de
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o que não mereceria ser tratado por nós, caso isso não trouxesse
consequências pedagógicas para o ensino da Matemática.
Skovsmose (2001, p. 13), ao fundamentar a vertente que rotula
como “Educação Matemática Crítica – EMC”, apresenta-nos um quadro
bastante consistente em termos dos caminhos históricos que a EM tomou
nos últimos anos, quando a coloca como área científica ou “disciplina
científica”, tendo seu início nos anos 60, com o seu desenvolvimento
pautado em questões que se relacionavam com os “objetivos da
disciplina”, com os “métodos utilizados” e com os “relacionamentos deste
novo campo com as outras disciplinas científicas mais estabelecidas”.
De fato, a EM, como apontam Dante (1991, p. 45) e Fiorentini e
Lorenzato (2006, p. 5), começou a configurar-se como um campo
essencialmente transdisciplinar, relevando contribuições de outras áreas, tais
como: Psicologia, Sociologia, Antropologia, Didática, Filosofia, História,
Estatística, Semiótica, Economia e, fundamentalmente, Matemática.
Entretanto, com toda essa gama de influências, ainda é comum em muitos
centros de formação de professores a dicotomização entre os matemáticos e
os educadores de matemática, como já pontuamos.
Caminhos possíveis:
o aluno como foco do processo pedagógico
Muitos formadores de professores de Matemática já estão
defendendo outros modelos de formação que não deem tanta ênfase ao
ensino dessa Matemática acadêmica, congelada. Entre eles figura com
uma presença bastante marcante Ubiratan D’Ambrosio, que defende uma
formação diferente daquela que se aproxima dos cursos de bacharelado.
Quando D’Ambrosio (1999, p. 15) aponta como necessária uma educação
multicultural e, essencialmente, transdisciplinar, evidencia a necessidade
de se (re)pensar a formação docente. De fato,
margem imposta por uma realidade histórica, até onde uma ação pautada na
conscientização leva aqueles que buscam a sua libertação. Situações que,
depois de percebidas e dialogicamente discutidas as raízes de sua existência e
consequentemente problematizadas, se tornam um “percebido-destacado”. E
tal percepção impõe novas decisões. Por isso, mesmo sendo um fato concreto,
as “situações-limites” devem ser encaradas e superadas por meio dos
“atos-limites” – aqueles que se dirigem à superação e a negação do dado, em lugar
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de implicarem sua aceitação dócil e passiva (Freire, 2000, p. 90).
Assim, após a fronteira imposta pelas “situações-limites”, encontra-se
o “inédito-viável” (Freire, 2000, p. 94, 2002, p. 11 e 205-7). Aquilo que antes
era visto como sonho, como utopia, como uma possibilidade mesmo que
longínqua, que se sabia da existência, mas que apenas com uma luta
consciente, com o suporte de uma pedagogia própria, é que se torna “viável”,
não mais “inédito”. É esta a principal tarefa do educador libertador: buscar
com seus educandos o “inédito-viável”.
Considerações finais
Diante do exposto, fica evidente que o educador pensado aqui
deve ser fruto de um processo de formação permanente. Tendo em vista
que ele não pode ser formado numa única instância, num único momento
de sua vida profissional, sua formação é permanente na mais profunda
compreensão desse termo.
Porém, ao mesmo tempo em que não podemos esperar que os centros
de formação inicial o formem, tampouco devemos deixar de relevar as
possíveis contribuições que podem representar aquelas instâncias.
Assim, todos os envolvidos com tais centros e comprometidos com
a construção de um mundo menos desigual, que sonham com o
“inédito-viável” em termos de uma sólida formação inicial de educadores,
devem atuar politicamente para a superação das “situações-limites” que a
ideologia dominante impõe aos currículos daqueles cursos.
Diante disso, e retomando a nossa questão inicial, atrelamos
cultural e socialmente o que “uma pessoa educada deve saber”. Pois, de
Referências
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tendências. Tese (Doutorado) – FE-USP, São Paulo, 1990.
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