[1] A resenha analisa a reedição em 2020 do livro "O Mez da Grippe" de Valêncio Xavier, publicado originalmente em 1981, que descreve a Curitiba de 1918 durante uma epidemia de gripe espanhola através de uma amálgama narrativa de diferentes formas literárias e não literárias.
[2] A reedição lança luz sobre como a literatura constrói a ideia de comunidade, colocando os leitores de 2020 em comunhão com a Curitiba e população de 1918 que vivenciaram a
[1] A resenha analisa a reedição em 2020 do livro "O Mez da Grippe" de Valêncio Xavier, publicado originalmente em 1981, que descreve a Curitiba de 1918 durante uma epidemia de gripe espanhola através de uma amálgama narrativa de diferentes formas literárias e não literárias.
[2] A reedição lança luz sobre como a literatura constrói a ideia de comunidade, colocando os leitores de 2020 em comunhão com a Curitiba e população de 1918 que vivenciaram a
[1] A resenha analisa a reedição em 2020 do livro "O Mez da Grippe" de Valêncio Xavier, publicado originalmente em 1981, que descreve a Curitiba de 1918 durante uma epidemia de gripe espanhola através de uma amálgama narrativa de diferentes formas literárias e não literárias.
[2] A reedição lança luz sobre como a literatura constrói a ideia de comunidade, colocando os leitores de 2020 em comunhão com a Curitiba e população de 1918 que vivenciaram a
[1] A resenha analisa a reedição em 2020 do livro "O Mez da Grippe" de Valêncio Xavier, publicado originalmente em 1981, que descreve a Curitiba de 1918 durante uma epidemia de gripe espanhola através de uma amálgama narrativa de diferentes formas literárias e não literárias.
[2] A reedição lança luz sobre como a literatura constrói a ideia de comunidade, colocando os leitores de 2020 em comunhão com a Curitiba e população de 1918 que vivenciaram a
A comunidade da epidemia: reedição de “O Mez da Grippe” de Valêncio
Xavier
“Um homem eu caminho sozinho
Nesta cidade sem gente As gentes estão nas casas A grippe.”
O trecho citado aparece logo no início da obra do escritor, jornalista e
fundador da cinemateca de Curitiba, o vanguardista Valência Xavier, e cabe como uma luva na descrição da atual situação da capital paranaense, apesar de transcorridos 40 anos da publicação da obra e mais de um século do tempo no qual se passa a narrativa: a Curitiba de 1918, tomada pela epidemia de gripe espanhola. Porém, no mesmo trecho, não passa desapercebida a grafia arcaica da palavra gripe com dois pês, e são essas marcas sutis que constroem um estranhamento anacrônico que permeará todo o texto. O livro, publicado em 1981, bebe inegavelmente em fontes vanguardistas – como a ideia de ready-made, plasmada e iconizada pela obra “A fonte” de Duchamp –, ao constituir-se de diversas formas literárias (cartas, poemas, diário) e não-literárias (notícias de jornais, boletins sanitários, tabelas de dados, anúncios publicitários) para formar um amalgama narrativo desconcertante e singular. A obra, escrita em formato de diário, contempla os três meses finais do ano de 1918, quando a epidemia de gripe espanhola chegou às terras paranaenses trazida por imigrantes sírios que moravam na então capital brasileira, o Rio de Janeiro. A reedição do livro em 2020, pela curitibana Arte e Letra, lança luz sobre a literatura como costura também da ideia de comunidade, e nesse sentido, da comunidade como nos traz Blanchot em “A comunidade inconfessável”: a vivência da morte tida como a experiência comunitária por excelência. A realidade da epidemia de 1918 nos coloca em comunhão comunitária, por meio da doença e da morte, com a Curitiba de 2020, através dessa literatura feita de “não-literatura” que instaura uma narrativa-kinema, para usar o termo de Luci Collin no texto de contracapa da mais recente edição da obra. O que aqui, há mais de um século, se viu é o que se vê agora, e se distingue do hoje quase que somente pelo uso da ortografia arcaica e pelas cifras reduzidas, constituindo com isso identidade de uma Curitiba que viaja através do tempo e se reencontra consigo mesma. À exceção de seu nome na capa, Valêncio Xavier não se preocupa em “sujar de autoria” sua obra, porque no pacto que se estabelece ao ingressar na narrativa, não há intenção alguma de distinguir claramente o que é autoral ou apropriação, num jogo detetivesco de imaginação que, se por um lado instiga, por outro não se configura como único caminho de leitura que valorize a narrativa. Ou seja, saber a autoria de cada trecho – se de fonte jornalística ou reprodução ficcional de um texto jornalístico, se anúncio publicitário de época (por exemplo, do xarope Bromil) ou criação valenciana, se depoimento real ou ficcional de Dona Lúcia – não se configura como questão-chave. Permitir-se viajar no tempo e espaço por meio de um fio narrativo disforme, inconstante e nada homogêneo, exigindo do leitor fôlego interpretativo para flanar entre o anúncio funerário e o poema erótico sem desfazer-se do ambiente epidêmico de 1918, parece ser, este sim, o grande trajeto que a obra propõe ao ser lida em 2020 ou 2021. Além de “restaurar” a literatura paranaense e devolvê-la ao público, profanando agambianamente o lugar sagrado que o livro de Valêncio Xavier havia adquirido (os exemplares antigos chegavam a custar 300 reais), a reedição de 2020 cria uma ponte temporal que amplifica e reverbera a Curitiba de 1918. Dessa forma, a cidade passa a configurar um espaço comum que une não só o leitor de qualquer parte do Brasil no atual momento, mas de qualquer lugar do mundo, caso por meio de traduções a obra transpusesse fronteiras.