Boaventura de Sousa Santos e A Educação
Boaventura de Sousa Santos e A Educação
Boaventura de Sousa Santos e A Educação
Resumo: O artigo faz uma análise sobre o pensamento de Boaventura Sousa Santos apontando caminhos na
perspectiva de provocar uma reflexão para novas práticas educativas a partir de suas contribuições no campo
epistemológico e educacional. Discute a construção de um projeto educativo emancipatório com alguns autores.
Diante da amplitude de sua obra, em sua incontestável qualidade e diversidade, o estudo ressalta a crise da ciência
moderna, ou seja, a transição paradigmática, o procedimento sociológico das socilogias das ausências e das
emergências e, suas implicações diante do processo de invenção de uma educação cosmopolita. Aponta uma
articulação das teorias de Boaventura de Sousa Santos com as possibilidades de apropriação nas práticas
educacionais cotidianas, focalizando a busca por uma emancipação do indivíduo por meio do conhecimento
prudente para uma vida decente.
Abstract: The article analyzes Boaventura Sousa Santos’ thinking pointing out ways in the perspective of arousing
reflections to new educative practices from his contributions in the epistemological and educational field. It
discusses the construction of an emancipatory educational project with some authors. In the face of the amplitude
of his work, in its incontestable quality and diversity, the essay highlights the crisis of modern science, in other
words, the paradigmatical transition, the sociological procedure of the sociologies of absences and of emergencies
and their implications in the face of the process of creation of a cosmopolitan education. It points out an
articulation of Boaventura de Sousa Santos’ theories with the possibilities of assumption in the everyday
educational practices, focusing the search for an emancipation of the individual through the prudent knowledge
for a decent life.
INRODUÇÃO
entretanto, não é a única possível, mas, apenas, a que historicamente lhe foi dada, baseada em
ritos, exercícios, invocação de autoridade, silêncio e imobilidade, relações impessoais, formais e
burocráticas. Visa à despersonalização dos papéis e/ou dos atores sociais, produzindo a
alienação do professor e do aluno com relação aos fins do seu trabalho. “Em face ao exposto,
torna-se evidente que a escola da modernidade industrial ainda é a que persiste e parece
efetivar-se, intensamente, na dicotomia entre os lugares e os espaços-tempos da criação e da
ação política” (CARVALHO, 2006, p. 6). O artigo propõe ressaltar as implicações do pensamento
desse pensador, quanto à concepção moderna do conhecimento, à organização curricular e à
formação do professor que predomina e são influenciadas na modernidade.
A investigação destaca as implicações das teorias de Boaventura de Sousa Santos,
especificamente na educação brasileira, buscando possibilitar atravessamentos e interações
por meio de análise da transição paradigmática, que é esboçada em quatro teses, na tentativa de
sinalizar uma nova via para a educação. Conclui que as reflexões de Santos trazidas à luz do
debate em plena transição paradigmática no campo educacional se fazem provocativas e
criativas, defendendo que todo conhecimento científico deve dialogar com o senso comum, com
a pretensão tanto de iluminá-lo, quanto de ser iluminado por ele, deslocando o desejo de controle
e previsão do imaginário científico para uma região de sustentação da incerteza e da
insegurança a partir da qual seja possível o “conhecimento prudente” compromissado com
uma "vida decente".
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3Pós-moderna/Pós-modernidade se apresenta como uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas
de verdade, razão, identidade e objetividade, a ideia de ordem e progresso ou emancipação universal, os sistemas
únicos e hegemônicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação através de olhares únicos
sobre a realidade. Busca ver o mundo como contingente, novo, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto
de culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de instabilidade e incerteza, em relação à
objetividade da verdade, da história e das normas, em relação às idiossincrasias e à coerência de identidades
colocadas pelo projeto de modernidade em que passamos a não perceber as diferenças que se apresentam no
cotidiano.
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interior de uma conformação cognitiva em que tanto ele como a ciência moderna supere-se a si
mesmo para dar lugar a outra forma de conhecimento. Bueno (2002, p. 202) aponta que esta
“[...] dupla ruptura possibilita o diálogo entre os discursos vulgares do senso comum e os
discursos elaborados da ciência [promovendo, segundo ela], um conhecimento que se move nas
relações entre ciência e senso comum”.
A transição paradigmática, na perspectiva de Santos, é esboçado em de quatro teses. A
primeira atribui uma nova centralidade nas ciências sociais antipositivistas, compreendendo
que todo conhecimento científico-natural é conhecimento científico-social, pois todo “[...]
conhecimento científico é socialmente construído, o seu rigor tem limites ultrapassáveis e a sua
objetividade não implica em sua neutralidade” (SANTOS, 2004a, p. 9).
Esse ponto de vista aponta uma revalorização dos estudos humanísticos e o
compromisso da ciência pós-moderna com a criação de espaços dialógicos e comunicacionais
que requisitam o abandono do dogmatismo, sem, contudo, abraçar o ecletismo. O conhecimento
do paradigma emergente se funda na superação do dualismo entre natureza/cultura,
natural/artificial, mente/matéria, observador/observado, animal/pessoa, buscando, sobretudo,
que essa superação ocorra sob a escudo das ciências sociais antipositivistas, as quais
transportam a marca pós-moderna desse paradigma.
Para Santos (2004, p. 72), “[...] não existe natureza humana porque toda a natureza, por
si só é humana”. Dessa forma, é necessário desvendar divisões que impossibilitam de vermos as
fronteiras em que a ciência moderna fragmentou a realidade, no sentido de entender e fazermos
entender que o mundo que hoje é natural ou social amanhã será ambos. Essa primeira tese, ao
criticar a especialização e a superespecialização, contrapõe-se à fragmentação das disciplinas e
suas consequentes abordagens hiperespecializadas, estruturando-se em torno de temas
adotados por grupos sociais concretos, progredindo ao encontro uns dos outros.
A segunda tese, “todo conhecimento é local e total”, trata da reintegração do
conhecimento a partir das composições interdisciplinares e transdisciplinares em torno de
temas cuja dinâmica dessa produção implica a valorização da exemplaridade de determinado
conhecimento, a possibilidade de migração de conhecimentos locais e de transgressões
metodológicas. À medida que a exemplaridade dos projetos cognitivos locais é projetada e
incentivada a migrar para outros lugares, de forma a ser usada fora do seu contexto de origem,
reduz-se o distanciamento entre o local e o global/total. Esse conhecimento traz grandes
potenciais para o pensamento e para a prática educativa.
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Observa que a ciência deve romper com o “conhecimento” evidente do senso comum para
depois romper com esse rompimento, pois, ao semear a ideia de que aprendemos em toda parte
e que os processos sociais de aprendizagem não podem ser resumidos a formalidade das práticas
educativas escolares, reacende uma nova face para a educação, porque, na medida em que
tecemos nossas redes, individuais e sociais, vamos aprendendo no movimento dinâmico e
modificando trajetórias. Como afirma Oliveira (2006, p.15), “[...] relacionando tessitura de
identidades com processos educativos”.
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Fazendo uso de perguntas simples, porém provocativas e que exigem respostas não
muito simples, o autor nos remete à refletir sobre que tipo de contribuição o conhecimento
científico tem oferecido às nossas vidas. O que se percebe, na realidade, é a busca por mudanças
na forma de se entender a ciência, pelas teorias propostas, estabelecidas e algumas que se
mostram cristalizadas, não emancipatórias e que não libertam os sujeitos. Podemos perceber
que os saberes populares, designados de senso comum, costumam contemplar valores culturais,
sociais e muitas vezes religiosos, assim são marcadamente caracterizados por práticas
totalizantes, por uma visão integradora, que não desperdiça experiências no processo
educativo. Esta pode ser, portanto, uma das possibilidades de racionalidade que se apresenta
como contra-hegemônica à racionalidade moderna ocidental, em especial na educação. Na
escola, coexistem saberes, tempos e espaços diferenciados, que são regidos sob formas e
normas que buscam a homogeneização, que acaba resultando em perdas.
Dessa forma, o procedimento de como se realiza a apreensão do saber e do ensino nesse
espaço fica comprometido, pois se valoriza um tipo de saber em detrimento daqueles
encarnados nos sujeitos. Esse artifício configura a afirmativa de que não existe Escola, mas
escolas dentro mesmo de uma mesma escola, “[...] assim como uma multiplicidade de
significados/significações/representações” (FERREIRA; EIZIRIK, apud CARVALHO, 2002, p.
29). Santos (2002b) analisa as questões que se constroem sob essa égide, quando afirma que
temos o direito a sermos iguais sempre que a diferença nos prejudica e a sermos diferentes
sempre que a igualdade nos descaracteriza.
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forma, segundo Santos, não surpreende que esses debates tenham sido intelectualmente
indolentes, sem proporcionar uma reestruturação do conhecimento, pois “[...] para haver
mudanças profundas na estruturação dos conhecimentos é necessário começar por mudar a
razão que preside tanto os conhecimentos como a estruturação deles. Em, suma é preciso
desafiar a razão indolente” (SANTOS, 2004a, p. 751).
A indolência da razão manifesta-se de quatro maneiras diferentes: a razão impotente,
que não se exerce por pensar que nada pode fazer contra necessidades exteriores a ela própria;
a razão arrogante, que, por conceber-se inteiramente livre, não tem necessidade de demonstrar
a própria liberdade; a razão metonímica, a qual se reivindica como a única forma de
racionalidade; e a razão proléptica, que não pensa o futuro por compreender que já o sabe.
Para tornar essa reestruturação possível, o autor propõe críticas às formas da razão indolente
que considera fundacionais: a razão metonímica e a razão proléptica, e fundamenta a razão
cosmopolita em três procedimentos sociológicos: a sociologia das ausências, a sociologia das
emergências e o trabalho de tradução.
Na busca por uma perspectiva para questionar a razão metonímica, seria, então, a
sociologia das ausências combinada com a sociologia das emergências. A razão metonímica, ao
perceber-se como a única forma de racionalidade possível, afirmando-se exclusiva e completa,
promove uma compreensão do mundo parcial e seletiva, ou seja, uma compreensão limitada do
mundo. Assim, para Santos (2004a), a razão metonímica não é capaz de aceitar que a
compreensão do mundo é muito mais do que a compreensão ocidental do mundo. Para Santos
(2004a, p. 796),
Em Oliveira, encontramos, por sua vez, que a razão proléptica concebe o futuro com
base no tempo linear, na história com sentido único e do progresso sem limites. À sua crítica
propõe-se a promover a dilatação do presente e a contração do futuro, este último, obtido pela
sociologia das emergências, utilizando-se o conceito do “Ainda-Não”: “O conceito que preside à
sociologia das emergências é o conceito de Ainda-Não [...]. O Ainda-Não é a categoria mais
complexa, porque exprime o que existe apenas como tendência [...]. O Ainda-Não é o modo
como o futuro se inscreve no presente e o dilata” (OLIVEIRA, 2006, p. 794-795).
Conforme Oliveira (2006) ressalta, há complementariedade entre esses dois
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Assim, o trabalho de tradução incide tanto sobre os saberes como sobre as práticas e os
seus agentes. A tradução entre saberes assume a forma de uma hermenêutica diatópica,
que consiste no trabalho de interpretação entre duas ou mais culturas com vistas a
identificar as diferentes respostas que fornecem para elas. Nesse sentido, a escola
deveria atuar como um espaço de incremento da produtividade dialógica transcultural.
Nesse sentido, o currículo escolar e, nele, o livro didático, as preleções dos professores e
professoras, etc. podem funcionar produzindo um espaço do outro sempre ocupado pela
idéia fixa estereotipada (violento, sujo, desordenado, mal-educado, etc.), desconhecendo e
desconsiderando a ambivalência das posições e dos entrelugares nos quais todos nós
estamos situados. Importa, assim, pensar o currículo escolar a partir dos processos e
produtos que estão em circulação nas práticas discursivas engendradas no trato da
questão da diferença no cotidiano escolar (CARVALHO, 2006, p. 8).
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REFERÊNCIAS
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FERRAÇO, C. E. Eu, caçador de mim. In: GARCIA, R. L. (Org.). Método: pesquisa com o cotidiano.
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SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez,
1996.
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