Giria
Giria
Giria
Londrina
2003
Vícios
BAGULHO (maconha): AF traz na entrada 1 como semente de uva e de
outros
frutos, contida no bago; na entrada 8 como forma vulgar para maconha. É
uma
metáfora criada a partir da analogia com a aparência da semente e da cor
amarronzada da maconha quando preparada em pequenas porções para
serem
comercializadas. Vale lembrar, ainda, que as mercadorias, fruto de roubos e
furtos,
também são chamadas de bagulho.
BALINHA (porção destinada a fazer cigarro de maconha): Substantivo
formado a
partir de bala + inha, SG traz como vocábulo usado apenas nos presídios
para as
pequenas quantidades de maconha vendida. É uma metáfora baseada na
analogia
com a aparência da bala, pois essas balinhas normalmente possuem o
mesmo
formato e tamanho de uma bala normal e são embrulhadas com papel ou
plástico.
Funciona como uma extensão do significado de bala.
BOTINHA (cigarro com filtro): SG não traz esse vocábulo, já AF identifica
apenas
como bota de cano curto para senhoras e crianças. Temos neste exemplo
uma
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metáfora construída pela similaridade da bota cobrir apenas um pedaço da
perna,
deixando o restante à mostra. O filtro do cigarro, normalmente de cor mais
acentuada, vai até certa altura, como a bota, o restante do cigarro terá uma
cor
diferente (normalmente branco), como acontece com a bota. Um outro ponto
em
comum é a proteção, pois tanto o filtro do cigarro quanto à bota são
elementos que
fornecem uma maior proteção. Esta protege os pés e uma parte da canela,
enquanto
aquele protege os lábios e o paladar.
BRANCA (cocaína): É uma metáfora a partir de uma analogia direta com a
cor da
cocaína, sempre branca.
BRIZOLA (cocaína): SG usa a definição gíria, mas faz uma ressalva, pois
restringe a
utilização do termo aos policiais. Esta lexia passou a ser utilizada na década
de 80
depois de um grande escândalo, de ampla repercussão na mídia nacional,
envolvendo a filha do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola,
presa por
porte ilegal de cocaína. No Sistema Penitenciário, essa criação
antropomórfica
aparece, ainda, com variação fonética, brise e brisa.
CAIÇARA (fumo de corda): Os internos do Sistema Penitenciário que
possuem
pouco dinheiro, mas não conseguem abandonar o vício do cigarro, optam
pelo fumo
de corda, que é comprado em pequenas embalagens de 100 gr e que já
vem
fatiado. Durante muitos anos uma das marcas mais comuns era o Fumo de
Corda
Caiçara. Hoje essa marca já não existe mais, porém o nome continua, trata-
se de
uma metonímia em que se utiliza a marca pelo produto.
CARETA (cigarro): AF traz esse vocábulo na entrada 5 como gíria brasileira,
mas no
sentido de pessoa que não faz uso de drogas, não fazendo referência a
cigarro. Já
SG na entrada 2 identifica-o como cigarro. É uma metáfora que faz analogia
com a
definição de AF, se pensarmos que o cigarro é uma droga socialmente
aceita e seu
usuário não é condenado pelo uso, enquadrando-se como um não usuário
de droga,
portanto dentro da lei.
CHOCA (bebida alcoólica fermentada feita dentro da cadeia): AF define
como um
tipo de jogo de bola, que não tem relação de sentido com o usado nas
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penitenciárias. É uma metáfora calcada no fato de essa bebida ser feita à
base de
arroz e de casca de legumes que ficam durante muitos dias fermentando em
um
recipiente tampado. Essa bebida possui cheiro e aparência desagradável. O
termo
faz menção ao ovo choco, ou seja, podre, além de ter um caráter pejorativo
revelador do valor negativo da bebida de baixa qualidade.
COFRE (pessoa que carrega objetos no ânus): Para AF esse substantivo
designa
uma espécie de caixa onde se guarda jóias, dinheiro, documentos ou
objetos de
valor. É uma metáfora criada a partir da reificação, com base na analogia de
que
tanto o cofre, assim como as pessoas, possuírem em compartimentos
internos, de
tapa
violento no rosto, em que momentaneamente se perde o sentido, com a
sensação
alucinógena provocada pelo uso da maconha.
DEZESSEIS (viciado): AF define como numeral cardinal. É uma metonímia
que
acontece através do empréstimo do código penal no qual o artigo 16
enquadra o
usuário de entorpecentes, cria-se, dessa forma, uma reificação, utilizando o
número
da infração cometida pelo próprio indivíduo.
DOZE (traficante): Esta criação também se dá a partir do empréstimo do
Código
Penal em que se utiliza o artigo 12, que qualifica o tráfico, para referir-se à
pessoa
que cometeu este ato delituoso, através de uma reificação.
DICHAVAR (ato de desmanchar torrão de maconha): Este termo consta
apenas de
SG como um termo típico dos grafiteiros, com o sentido de dispersar o
grupo quando
pegos em flagrante. Temos aqui uma aproximação fonética com o verbo
desmanchar > dismanchar > dichavar. Parece, ainda, relacionar-se com
chave e sua
função de abrir compartimentos, cofres, pois a ação de se desmanchar um
tablete
de maconha se aproxima de abrir em pequenas partes.
ESTAR DE CARA LIMPA (pessoas que não estão sob o efeito das drogas):
É uma
expressão metafórica, pois faz uma referência ao indivíduo com o rosto
limpo, ou
seja, sem resíduos ou sujeiras, uma pessoa apresentável, aceitável, o
mesmo
acontecendo com quem não utilizou drogas, estando em condições
apresentáveis.
FARINHA (COCAÍNA): AF não apresenta o sentido gírio, mas define o termo
como
pó a que se reduzem os cereais moídos. A metáfora ocorre neste termo a
partir da
analogia com a cor, normalmente branca, da farinha e com sua consistência
fina.
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pó. É
uma metáfora criada a partir da analogia com o fato de a cocaína e a poeira
serem
espécies de pó, embora de cores diferentes, mas com a mesma
consistência firme.
TALQUINHO (cocaína): Palavra formada a partir de talco + o sufixo
diminutivo –inho.
AF define como um produto feito do mineral ortorrômbico pulverizado, e que
se usa
medicinal ou higienicamente sobre a pele. A criação metafórica neste termo
se dá a
partir da analogia com a cor e consistência desse produto, sempre um pó
branco e
fino, muito semelhante à cocaína.
TIJOLO (tablete de maconha): AF define como produto cerâmico,
avermelhado,
geralmente em forma de paralelepípedo, muito usado em construções. É
uma
metáfora criada a partir da semelhança com a forma, e até mesmo com a
cor,
marrom, entre o tijolo e a forma como a maconha é embalada para
transporte.
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5.2.2. Violência
AGÁ (simular, fingir, dar cobertura): AF define como o nome da letra H. Essa
letra
não possui som, o que dificulta/engana o seu emprego adequadamente. É
uma
metáfora que faz analogia com o fato de um agá significar enganar,
dissimular uma
coisa que você não tem, assim como a letra H que não tem som. Pode
ainda ser o
resultado de uma associação fônica do nome da letra com alguns dos
componentes
fônicos da palavra enganar > enganá > engá > agá.
BERRO (revólver): Termo constante dos dicionários consultados, AF
observa na
entrada 4 que é uma gíria brasileira. É uma sinédoque em que se toma o
abstrato
pelo concreto, e até o efeito pela causa, pois é usado por uma
menção/aproximação
sinédoque que se baseia na parte pelo todo na qual o nome de uma parte
da roupa
substitui o próprio ser. Vale observar, ainda, que capa-preta, embora não
conste de
dicionários, é usado em muitos municípios do interior, especialmente no
estado de
São Paulo, para designar demônio. Os juízes responsáveis por dar a
sentença
condenatória representam, para os condenados, os homens maus, ou seja
demônios, pois retiram-lhes um bem precioso, a liberdade.
CASCÃO (guarda ruim): AF na entrada 1 traz como casca grossa, na
acepção 5
como crosta de sujidade na pele do corpo. É uma metáfora que explora a
reificação,
baseada na idéia de que o guarda ruim é sujeira. O termo é usado nas
penitenciárias para designar os funcionários da área de segurança que não
colaboram com os esquemas de tráfico e fugas, nem faz favores em troca
de
suborno. A partir de uma extensão de significado, pois, quem é sujeira é
porque
contraria o mundo do crime, ‘suja’ as intenções dos infratores e,
conseqüentemente,
é cascão.
CENTO E SETENTA E UM (faroleiro, malandro, pessoa que argumenta
bem): O
conhecimento das leis faz parte do cotidiano dos que convivem numa
penitenciária,
tanto pelos funcionários, quanto pelos que estão ali por determinação legal.
Esta
criação se caracteriza como um empréstimo do código Penal que, em seu
artigo
171, classifica o estelionato, crime em que se engana/ludibria as pessoas,
abusando
da boa fé alheia. Normalmente os indivíduos que cometem esse crime
argumentam
bem, são loquazes e muito simpáticos. É uma espécie de metonímia em que
se usa
o número do artigo do delito, pelo sujeito que o cometeu, através de uma
reificação
estabelece-se uma relação por dependência de idéia.
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como é visto esse guarda, um ser relacionado a tudo que for mal.
QUEBRAR A PERNA (prometer algo e não cumprir): AF traz apenas o verbo
quebrar
na entrada 2 como partir, romper; na 5 como infringir, violar, transgredir. É
uma
expressão sinedóquica que explora uma extensão do sentido vocabular,
baseada
em uma relação de vizinhança para alargar o sentido normal dessas
palavras a partir
da tomada de algo concreto, quebrar a perna, por algo abstrato, não cumprir
um
trato.
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RATO DE XADREZ (preso que rouba as celas dos colegas): AF define
apenas rato,
na entrada 4, como ladrão. Trata-se de uma metáfora zoomórfica que se
baseia no
fato de esse tipo de animal se alimentar de restos e ser extremamente
ávido,
roubando na primeira oportunidade que surge. Além disso trata -se de uma
forma
disfêmica que retrata o desprezo pelo indivíduo capaz de roubar os
companheiros
do grupo, fato imperdoável e que pode levar até à morte no Sistema
Penitenciário.
RIPADO (condenado/vítima): É uma derivação sufixal de ripa (AF: pedaço
de
madeira comprido e estreito). SG traz ripar com sentido de bater/matar. É
uma
metonímia que explora a reificação, empregando uma palavra no lugar de
outra que
sugere, utilizando a designação do instrumento, pedaço de madeira, que na
mão de
alguns indivíduos pode se transformar em uma arma, pela vítima da ação
violenta.
RITA (colher afiada que serve como faca de cozinha): Neste termo ocorre
uma
antropomorfização, uma espécie de metonímia em que se emprega um
nome
feminino baseado em uma relação de dependência, criada a partir do fato
de a
cozinhando
e satisfazendo os desejos sexuais do parceiro, além da fidelidade, com o
comportamento de uma mãe, que ama e cuida dos filhos com desvelo e
carinho,
sempre pronta para apoiar e amar. Esse tipo de comportamento é gerado,
muitas
vezes, pelo vício, pois o indivíduo usa cigarro ou drogas e não tem como se
manter,
isso o leva a arrumar um parceiro que lhe dê assistência financeira, além de
proteção física em troca de favores sexuais.
MARICONA (homossexual não assumido, que tem mulher e filhos fora da
cadeia):
AF define como homossexual efeminado e idoso. No espanhol temos o
vocábulo
coloquial maricón com sentido de bicha, veado. Dentro do Sistema
Penitenciário,
trata-se de uma criação disfêmica, pois o maricona tem comportamento
masculino,
não assumindo publicamente sua relação homossexual, nem admitindo
comentários
irônicos a respeito do assunto.
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PENOSA (mulher que sai com muitos homens/galinha): É uma derivação
sufixal a
partir de pena + o sufixo –osa. AF define como a ave galinha, especialmente
as
magras. Essa criação se dá a partir do emprego figurativo de galinha, usado
para
mulher ou homem volúvel que se entrega com facilidade. No vocábulo
penosa, há
uma analogia com esse termo, ocorrendo uma criação sinedóquica a partir
de uma
relação de contigüidade em que se emprega a parte, penas, pelo todo,
galinha,
caracterizando-se em um zoomorfismo.
PERSEGUIDA (vagina): SG traz na entrada 3 o sentido de vagina. AF traz
com Bras.
PB, chulo, a vulva. É uma metáfora baseada no fato de o órgão sexual
feminino ser
um dos elementos que despertam maior desejo.
PIÁ (homossexual que não comercializa o corpo, mas mantém relações
sexuais
voluntariamente): Expressão que vem do tupi piá, com sentido de entranhas,
coração. AF traz na entrada 1 como índio jovem e na 3 como menino. SG
define
como garoto. É uma metáfora criada a partir da analogia entre a delicadeza
e
aquiescência do menino que se deixa dominar e a do detento que aceita o
relacionamento. Este indivíduo age dessa forma por inúmeras razões, seja
porque
gosta da relação homossexual, seja por buscar proteção, mantendo um
único
parceiro sexual.
PUTO (homossexual, que comercializa o corpo espontaneamente): AF traz
na
entrada 1 como adjetivo chulo com sentido de homossexual, na 2 indivíduo
devasso,
corrompido. Este termo veio do latim puttu, por putu, menino, sentido que
mantém
ainda no português lusitano. SG também define como homossexual. É uma
metáfora
criada a partir da analogia com puta, termo latino putta, por puta, menina,
que é
utilizado para as mulheres libertinas que comercializam o próprio corpo.
SOCA-PORVA (manter relações sexuais): É uma composição por
justaposição do
verbo socar + o substantivo pólvora. É uma criação metafórica disfêmica
que ocorre
pela analogia entre o ato de carregar os mosquetes, arma de fogo antiga,
com o
feitio da espingarda, porém mais pesada e que era carregada manualmente
pela
introdução, em seu cano, de pólvora, chumbo, os quais são comprimidos
por uma
vareta, com o ato de introdução do pênis na vagina feminina, isto é, o ato
sexual.
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TREME-TREME (motel): AF traz como um tipo de peixe. SG, na entrada 1,
dá com
sentido de sovina e na 2 como edifício de má fama. É uma metonímia em
que se
emprega um nome no lugar de outro sugerido, ou seja, ocorre uma relação
de
dependência. Essa criação se dá a partir do processo de composição por
justaposição, fazendo analogia com o movimento da cama, objeto que tem
em todos
os quartos de um motel, no momento da relação sexual com o próprio motel,
lugar
onde os casais vão com o objetivo de manter relações sexuais.