SOARES, Marcos. A Neurociencia e As Provas Judicais
SOARES, Marcos. A Neurociencia e As Provas Judicais
SOARES, Marcos. A Neurociencia e As Provas Judicais
1 Introdução
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no interior do seu corpo; de forma mais específica no seu cérebro, órgão humano o qual
desenvolve em grande medida a tarefa de formar as decisões.
Como o senso de justiça aponta que um fato sobre o qual deve recair a norma não pode
ser jamais um evento aleatório, mas sim algo que tenha realmente ocorrido, é tarefa
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primordial no processo judicial a busca pela verdade . Já dizia Benthan: “La falsedad es
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la sirventia de la injusticia”.
Além desse problema, há outro que pode existir quando o objeto de análise da
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A neurociência e as provas judiciais
veracidade não diz respeito a um fato percebido diretamente, mas sim de forma indireta
(por exemplo um fato passado ou único, que são os mais comuns nos processos
judiciais). A forma lógica de comprová-los se dá por meio de inferências indutivas, que
não sempre encontram a verdade. Destarte, por meio de uma generalização, mesmo
diante de premissas certas, é possível advir uma conclusão equivocada.
Assim, deve-se dizer que é impossível ter certeza de que o resultado probatório, ou seja
a conclusão advinda da valoração das provas, coincida todas as vezes com o que tenha
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realmente acontecido. Por isso, como ensina Jordi Ferrer Beltrán , uma hipótese
provada não é sinônimo que o fato correspondente seja verdadeiro, mas sim que haja
uma grande probabilidade que assim o seja. Como o resultado probatório nem sempre
coincidirá com a verdade, a solução é que o julgador se contente para a formação da sua
convicção com o grau de probabilidade de que o fato tenha ocorrido.
Por muito tempo, durante os últimos séculos, perdurou a crença de que o juiz detinha
alguma habilidade particular – carismática – para aceder a verdade dos fatos. Esta ideia,
por incrível que pareça, foi admitida inclusive entre os profissionais do direito e pela
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jurisprudência, e somente em época bem recente passou a ser objeto de revisão crítica
. A aceitação a essa condição dos juízes deveu-se a razões políticas, ligada à ideia de
concentração do poder nas mãos de uma classe detentora do controle social e político.
Nesse tempo, qualquer decisão judicial era considerada fundada em razão, mesmo que
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irracional.
Admitir que um juiz possa julgar conforme suas preferências pessoais é afrontar o
princípio democrático que desde o século XX predomina nos Estados Constitucionais. É
garantia fundamental de qualquer cidadão o devido processo legal, em que possa ser
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julgado por um juiz isento de parcialidade. Como diz Perfecto Ibáñez , é da essência da
racionalidade jurídica que o juiz esteja equidistante das partes e isento de interferência
pessoal ou política ao proferir suas decisões. Essa posição de imparcialidade do juiz é
essencial para a obtenção de um conhecimento de qualidade e de equilíbrio de uma
decisão.
Logo, aceitar a ideia de que o juiz é possuidor de um dom superior é continuar na idade
média defendendo o misterioso e inexplicável que reluz na pessoa do magistrado. Mas o
juiz não tem essa aptidão sobrenatural, e suas condições físicas, psicológicas e
biológicas são as mesmas de qualquer ser humano. Parece absurdo ter que dizer isso,
mas por um bom tempo, isso foi aceito, ou melhor imposto aos que se serviam da
justiça.
No entanto, mesmo não aceitando a comunidade jurídica esta ideia, é de se notar que o
sistema da livre valoração da prova somado ao desconhecimento por parte da
comunidade científica de métodos racionais de valorar a prova, dá ao magistrado ainda
hoje uma enorme discricionariedade: comumente preenchida com a intuição, crença
pessoal, ideologia política, ou sesgos psicológicos. Em que pese, uma evolução, o
problema ainda persiste.
prova seja controlada é preciso saber se foi obedecido um método adequado, e isto só é
possível se houver uma explicação pública de como o resultado probatório foi alcançado,
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ou seja, com uma motivação. Michele Taruffo parte do pressuposto de que o que não é
motivável não existe para o direito. Este pensamento afina-se à racionalidade que deve
existir no momento de valoração das provas, retirando-se a possibilidade de julgar com
base na intuição, crença pessoal, emoção, ou outro atributo exclusivamente subjetivo.
Não é crível que um juiz possa dizer que acreditou numa testemunha pois sua intuição
assim o sinalizou, ou que por ter vivido situação semelhante na sua família sabe bem do
sofrimento que é um abuso sexual durante a infância. Ou ainda, por ter acordado de
mau humor ou com fome resolveu prejudicar uma parte com quem não teve empatia.
Foge da racionalidade e de um controle intersubjetivo uma motivação deste tipo. Por
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isso é preciso fundamentar a valoração das provas em elementos objetivos e racionais.
Percebe-se que nenhum dos métodos apresentados pelos estudiosos até hoje foram
suficientes para zerar a subjetividade do juiz ao valorar uma prova, talvez jamais isto
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seja possível . Mas quase todos propõem algo em comum: a necessidade da
aproximação do direito aos conhecimentos já sedimentados em outras ciências, pois são
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os dados científicos que garantem maior força a inferência probatória. Amalia Amaya
aponta que a “ the most important topic in the agenda of the ‘the new evidence
scholarship’has been the study ot the nature ” . Logo, é necessário que o raciocínio
probatório seja complementado e auxiliado por outras ciências. Esta é a forma de
restringir ao máximo a subjetividade do juiz, tornando a valoração objetiva e motivável.
O raciocínio probatório é composto por uma cadeia de argumentos que podem ou não
levar a comprovação de uma hipótese fática. Para compreender o esquema racional que
envolve uma argumentação (cadeia de argumentos) basta analisar a estrutura de um
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argumento. Um argumento segundo Stephen Toulmin é composto pelo fato probatório
e a hipótese a ser provada, e entre eles há um elo que é a inferência.
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A inferência deve estar sustentada por uma garantia , formada por regra geral,
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normalmente de natureza empírica, ligada à máxima experiência ou à sana crítica. Mas
tanto a máxima experiência e a sana crítica são conceitos deveras vagos que, por si sós,
não tem a aptidão de apontar qual a estrutura racional e empírica que suporta uma
inferência. Critérios são apontados por Daniel González Lagier como aptos a estruturar
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racionalmente uma inferência probatória. Entre eles se destacam a quantidade e a
diversidade dos meios probatórios; a demonstração de impossibilidade de ter ocorrido
hipótese diversa da que se quer provar e a coerência. E, ainda, se a máxima experiência
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tem corroboração ou comprovação científica. Jordi Nieva Fennol aponta ser
fundamental trazer fundamentos de outras ciências à valoração das provas. Pois a
ciência jurídica ainda não conseguiu, talvez jamais consiga, expressar mais
racionalmente do que estabelecer como critério de racionalidade aos juízes as regras de
“máximas experiências” e “sana crítica”; mais que isso, seria regressar ao sistema legal
de valoração das provas. Identifica que para cada meio de prova normalmente há uma
ciência diversa que a jurídica apta a conferir racionalidade a sua respectiva inferência.
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A neurociência e as provas judiciais
A percepção de que as provas devem ser vistas de forma multidisciplinar não é tão
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recente. É defendida por William Twining há quase duas décadas, que por sua vez diz
que a ideia inicial é de Bentham, quando em 1810 expressou: “The field of evidence is
no other than the field of knowledge”. Atualmente é evidente a aproximação de diversas
ciências ao campo das provas judiciais. A biologia, em diversos aspectos, mas sobretudo
com os exames do DNA, a medicina, a psicologia, a informática e muitas outras áreas do
conhecimento científico trazem bases sólidas e racionais para as inferências probatórias.
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Como diz Twining : “ Evidence as a multi-disciplinary subject is about inferencial
reasoning”. É o momento, portanto, de sedimentar esta aproximação, seja para ampliar
o leque dos meios probatórios, como também para garantir uma racional valoração das
provas, a qual deve ocorrer tanto para a formação dos meios de prova, como também
para valorá-los.
6 Aproximações das demais ciências à formação dos meios de prova (dados probatórios)
A valoração das provas se dá sobre o conjunto de elementos de juízo, que são os meios
de prova. Os meios de prova são os dados voltados a esclarecer a ocorrência ou não do
enunciado fático. É “tudo aquilo que permite conhecer os fatos relevantes da causa, ou
seja, o que permite formular ou verificar enunciados assertivos que servem para
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reconstruir esses fatos” . São meios de prova, entre outros, as declarações das
testemunhas, partes e experts, a apresentação de documentos, os laudos periciais, o
reconhecimento judicial.
É no campo da formação das provas técnicas que nas últimas décadas se viu cada vez
mais respaldo científico. Isto é facilmente perceptível diante de novas mas também
outras tradicionais ferramentas que envolvem as provas técnicas. Uma das mais
famosas é o exame do DNA, que serve tanto de meio de prova para comprovar o
vestígio de um crime, como também a filiação de certa pessoa. Nota-se que os avanços
de cada prova científica estão ligados ao avanço da ciência à qual conecta-se, por sua
vez, à medicina, psicologia, física, biologia e química.
No entanto a experiência passada, muitas vezes timbrada por uma empolgação inicial,
com a descoberta de uma nova tecnologia que pudesse servir como meio de prova,
aponta a ocorrência de equívocos decorrentes de falhas do mecanismo técnico, ou na
apreciação das informações por ele transmitidas.
É por essa razão que atualmente os exames via polígrafos não são na maior parte dos
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A neurociência e as provas judiciais
casos admitidos como meio de prova. A perspectiva inicial quanto ao uso do polígrafo foi
que seria ele capaz de demonstrar quando uma pessoa estivesse mentindo. Todavia,
percebeu-se que este somente registra uma atividade fisiológica referente à excitação do
sistema nervoso, que pode estar ligada ou não a uma mentira. Essa associação
praticamente automática entre polígrafo e detecção de mentira gerou muitos equívocos
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em valorar os resultados da sua utilização.
Os critérios do caso Daubert hoje são considerados os mais abalizados para a admissão
de um meio de prova técnica em um processo judicial. É sobre os meios de prova que se
faz as inferências para verificar a comprovação do enunciado fático, que pode levar
alguém à condenação. Logo, a aproximação dos conhecimentos técnicos com respaldo
científico para a constituição de meios de prova é fator importante para garantir uma
maior racionalidade na inferência. Mas, em que pese a evolução avassaladora, e a
importância da interferência da tecnologia na produção dos meios de prova, é preciso
respeitar os critérios científicos assinalados.
7 A neurociência
A neurociência é a ciência que estuda o cérebro e seu funcionamento; é uma das áreas
da medicina que mais se tem avançado nos últimos anos. Esta evolução está ligada ao
estabelecimento de ferramentas tecnológicas capazes de observar por sinais e imagens e
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a estrutura do cérebro em movimento. O estudo das neurociências ajudam a
compreender a complexidade do funcionamento cerebral e as articulações entre o
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cérebro e o comportamento.
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Por sua vez, Camilo José Cela Conde e Enric Munar Roca estão desenvolvendo
interessante pesquisa “Crimen, juicio y moral: un modelo de interpretación de la
dinámica de las redes cerebrales en juicios morales realizados por jueces y delincuentes”
na Universitat de les Illes Balears voltada a identificar o que passa no cérebro dos juízes
e criminosos ao tomar decisões morais.
São várias as aplicações da neurociência ao direito atualmente em curso. Uma das mais
interessantes tem como base os experimentos de Libet na década de 80 do século XX.
Alguns autores diante do resultado desses experimentos chegam a defender que a
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liberdade humana é uma mera ilusão. Após os experimentos de Libet fortaleceu, por
exemplo, na área do direito penal, o questionamento sobre a existência do livre-arbítrio,
e qual a repercussão disso na culpabilidade.
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incipiente, padecendo de confiabilidade suficiente as suas aplicações.
Após a constituição dos meios de prova, eles serão valorados pelo magistrado. A
valoração é uma decisão a respeito da comprovação ou não, por meio dos elementos
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probatórios, da hipótese fática enunciada. Jordi Nieva Fennol diz que “a valoração da
prova é uma atividade mental do juiz na qual avalia criticamente os dados que percebe,
e que não se realiza em uma fase absolutamente precisa do processo”. Assinala Amalia
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Amaya “ Moreover, it is hard even to image how we can imbibe the evidence we
‘see’without perfoming some sort of mental analysis.”
Descartes dizia que a mente era uma substância distinta do corpo humano. Defendia a
teoria dualista na qual a realidade era formada por entidades físicas e mentais. A mente
era algo livre e indestrutível, enquanto que o corpo era determinado, divisível e
destrutível. A mente, portanto, não era ligada ao corpo. Atualmente é dominante entre
os filósofos e cientistas a teoria monista, segundo a qual só existe uma entidade que é a
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física; estando a mente a ela integrada. Mas onde a mente – que é da onde vêm as
decisões, a consciência, os sentidos, as sensações, e os sentimentos – está situada neste
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contexto físico? António Damásio aponta para um sistema pelo qual: “Não existe
mente sem corpo. Nosso organismo contêm um corpo, um sistema nervoso e uma
mente que é derivada de ambos”. Nota-se, nesta linha, que as decisões não são
tomadas exclusivamente no âmbito do cérebro, mas dentro de um sistema complexo
maior que envolve todo o organismo humano, que por sua vez, é afetado pelo entorno, o
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ambiente externo. No mesmo sentido Taruffo diz que a consciência não é algo que
sucede no cérebro, como a digestão que se produz no estômago, mas sim do contato
com o mundo exterior, em completa interação de cérebro, corpo e mundo”.
Esse radicalismo final de Hacker e Bennet é revisto por Lagier, John Searle e Thomas
Nagel. Dizem eles que os atributos mentais de uma pessoa não podem ser reduzidos às
condições do que foi externamente observável. Lagier assinala que com esta redução da
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A neurociência e as provas judiciais
Conclui Lagier que se os estados cerebrais são condições suficientes dos estados
mentais, e se a relação causal é “entre tipos de estados cerebrais e tipos de estados
mentais, técnicas neurocientíficas suficientemente avançadas, confiáveis, levariam a um
valor probatório decisivo, porque seria impossível estar nesse estado cerebral e não ter o
estado mental correspondente”.
Fixada, deste modo, a premissa de que a atividade cerebral – em que pese não ser o
único fator – está envolvida diretamente no processo de tomada de decisões, pode-se
concluir que o ato de valoração da prova do juiz está ligado ao funcionamento do seu
cérebro; e desta forma condicionado aos conhecimentos da neurociência.
salto. Todavia, o cerco à subjetividade do julgador deve ir mais adiante. E esse mais
adiante, diga-se, não é para fora. Mas sim para dentro do cérebro do julgador. Qualquer
valoração da prova partirá do cérebro do juiz. E deverá ele se ater, se o fim for mesmo
se aproximar a maior objetividade possível, longe da discricionariedade e subjetividade,
saber como funciona o seu cérebro. Este conhecimento é fundamental pois, como será
apresentado no próximo tópico, o estudo do cérebro, através da neurociência, trouxe
dados científicos sólidos indicando que ele funciona através de dois sistemas: um rápido
e outro devagar. O primeiro ligado à intuição, instinto, e o outro à racionalidade,
estratégia. Saber usar esses dois sistemas, e controlar o primeiro, através dos dados da
neurociência, é tarefa primordial em busca da racionalidade na valoração das provas,
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evitando-se desvios cognitivos.
Neste campo, a neurociência nos últimos anos vem fornecendo sólidas informações que
podem auxiliar ao juiz a melhor cumprir o seu papel decisório.
O cérebro é órgão que existe em alguns seres, entre eles os humanos, há dois milhões
de anos. As características do cérebro do homo sapiens o possibilitou dominar o planeta
Terra, acarretando, inclusive, na extinção dos demais, como os homoerectus e o de
neandertal. O nosso cérebro – somos espécies do homo sapiens – destaca-se pela
cognição histórica e por transmitir informações sobre coisas que não existem. “Até onde
sabemos, só os sapiens podem falar sobre tipos e mais entidades que nunca viram,
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tocaram ou cheiravam”, diz Harari. A capacidade de abordar ficções, como o direito,
empresas, estados, instituições, história, entre tantas outras, é a característica mais
peculiar da comunicação dos sapiens.
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Estudos comprovam que primeiramente apareceu no cérebro a estrutura ligada ao
instinto, o hábito e à intuição. Foi com o homo sapiens que se notou a evolução do
cérebro com o surgimento das suas camadas externas voltadas para a estratégia e
razão; derivando daí a cognição fictícia e os pensamentos mais complexos.
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Daniel Goleman confirma essas duas formas de funcionamento do cérebro. A única
diferença é que as nominou diferente de Kahneman; em vez de sistema 1 chamou de
movimento ascendente, e o sistema 2 nominou de movimento descendente. Diz ele que
o ascendente ocorre quando as informações saem dos gânglios basais (parte inferior do
cérebro) ao neocortéx (camadas superiores do cérebro), e o descendente seria o
movimento contrário. Acrescenta que são dois sistemas distintos contudo influenciáveis
um pelo outro.
O método racional há muito tempo é explorado pela ciência, bem mais que o intuitivo.
“A mente intuitiva é um dom sagrado e a mente racional, um servo fiel. Criamos uma
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sociedade que honra o servo e se esqueceu do dom”, disse Albert Einstein certa vez.
Por isso nota-se ultimamente o foco maior da ciência a forma e a importância das
deliberações rápidas advindas de uma primeira impressão frugal e intuitiva.
Há, ainda, uma vantagem especial em se utilizar o inconsciente como meio de tomada
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de decisões. É que com ele não haverá muito gasto de energia , o que normalmente
ocorre ao utilizar o sistema “2” do cérebro.
Estudos atuais indicam que o aproveitamento do sistema 1 (ou ascendente) está ligado
aos hábitos. O hábito consiste na repetição de comportamento de forma inconsciente, e
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está inserido no sistema 1. Charles Duhigg , em sua pesquisa, aponta que ao agir de
forma habitual há menos gastos de energia, pois com o hábito se desliga o esforço
racional e metódico. A vantagem é que essa energia economizada, na atividade cerebral,
pode ser realocada em outros propósitos.
Em que pese partirem de setores distintos do cérebro, o hábito pode ser moldado pelo
comportamento racional. Pode ele ser controlado e construído conforme a nossa vontade
consciente. Esse é um ponto importante da teoria de Duhigg, que sinaliza o controle e
entendimento do hábito como forma de aprimorar o comportamento humano. Isto quer
dizer que o sistema 1 do cérebro controlado pelo sistema 2 pode trazer vantagens
enormes para a tomada de decisões.
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A neurociência e as provas judiciais
O que se vê, portanto, é que o sucesso está relacionado às tomadas de decisões rápidas
e as sensações intuitivas, mas também ao esforço, cientificidade, dedicação e, repetição,
moldado pelo sistema 2 (movimento descendente) do cérebro.
Para se obter êxito nas atividades humanas é preciso muita atenção aos sistemas de
funcionamento do cérebro, o rápido e o devagar. E dentro das atividades humanas vê-se
a área jurídica como campo primordial para aplicação dos novos conhecimentos da
mente humana. A estrutura do direito, bem como a valoração das provas, sofre muita
influência de como o cérebro funciona.
No capítulo anterior deparou-se com a validade dos fundamentos científicos quanto aos
sistemas de funcionamento do cérebro e a sua repercussão na tomada de decisões, o
que tem grande impacto ao ato de valorar as provas.
É fundamental para quem valore a prova que tenha a consciência de como pode estar
influenciado por emoções, carga cultural, tradição, intuição, sentimentos e outros
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pensamentos.
O Juiz ao valorar a prova o faz através do seu cérebro. E se a decisão advêm do cérebro
92
é inevitável que passe pelo sistema 1 (rápido). Atahualpa Fernandez assinala que esta
percepção rápida advinda da atividade cerebral precisa ser estudada, pois “o direito não
é, e jamais será predominantemente, um sistema teórico-racional de pensamentos, ao
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A neurociência e as provas judiciais
menos enquanto a genética não produza inéditos milagres nos cérebros das pessoas”.
Mesmo que seja inevitável que qualquer decisão parta do sistema 1, não se pode admitir
que seja ela concluída sem a atuação do Sistema 2; caso contrário será ela totalmente
93
irracional. Isto pois, o sistema 1, o automático, “é uma verdadeira usina de
enviesamentos, distorções e erros em cascata e manipula as informações, longe do
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abrigo seguro da prudência, incorrendo em inconsistências e ilusões de controle.”
Vê assim que a valoração racional da prova deve contar necessariamente com a atuação
do Sistema 2 do cérebro. O sistema 1 deve ser encarado como uma barreira a ser
ultrapassada. Não vale o argumento apenas de negação, ou de vedação de se decidir
com base na intuição. É necessário saber como superar essa barreira, através de um
procedimento. Este procedimento deve contar de forma imprescindível com a certificação
que o sistema 1 do cérebro é algo natural e que estará sempre presente em qualquer
decisão. No entanto, é necessário que o jurista que irá valorar a prova se mantenha
alerta “para resistir às deliberações forjadas pelos preconceitos explícitos ou implícitos,
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que derivam de áreas cerebrais primitivas, em lugar das justificações consistentes.”
Isto pois “o cérebro do intérprete, em suas zonas impulsivas, produz automatismos que
podem compeli-lo ao rumo errôneo, a não ser que haja tempestivo exercício do poder de
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veto das áreas corticais mais novas, em termos evolucionários”.
O homem como ser vivo é movido por instintos e emoções. Não adianta fechar os olhos
a esse dado do ser humano. Para a valoração da prova é preciso partir de uma premissa
real: o sistema 1 do cérebro estará sempre presente. Para que seja controlada, ou
mesmo diminuída a influência do sistema 1 no momento da valoração das provas, o
julgador deve admitir que a influência existe e pode ele estar sendo levado a decidir por
ela. E este controle, se dá pelo sistema 2 do cérebro. Sem uma intervenção do sistema 2
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“há uma tendência de que as decisões resultem de intuições”. A boa notícia é que o
sistema automático, ou 1 do Cérebro, pode ser “programável pelo sistema mais novo da
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racionalidade”.
Nessa perspectiva, mesmo que os hábitos não se extingam, podem eles serem
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substituídos, e muitos vieses irracionais serem eliminados.
O juiz ciente de que seu cérebro possui o sistema 1 de processamento das informações,
ao valorar um depoimento de uma testemunha, por exemplo, com o sistema 2 afastará
ao máximo os seus preconceitos, crenças, para chegar mais próximo da verdade. O
mesmo poderá ocorrer com a valoração de qualquer outro meio de prova, como
documentos, exames periciais e reconhecimentos pessoais, ou durante uma inspeção
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judicial.
Ademais, para a utilização desse conhecimento não haverá qualquer violação as normas
morais ou violação à direitos fundamentais, como a intimidade. O que se terá será tão
somente a gerência pelo próprio juiz do conhecimento de como são formadas as suas
decisões, com base em dados científicos da neurociência cognitiva.
A maneira como deve se dar tal educação dos juízes pode ser traduzida pelas palavras
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de Nunes, Santos e Pedron referindo-se a Burke. Dizem que “O desenviesamento (
debiasing) deve passar primeiramente, pelo conhecimento, pelos próprios sujeitos do
processo (em especial, juízes, advogados, e membros do ministério público), da
possibilidade de que estejam decidindo com base em critérios extrajurídicos ou opções
argumentativas não racionalizadas adequadamente, ainda que de forma inconsciente.”
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Afirmam, outrossim, com base em estudo de Brandom deverão os sujeitos
empregarem “todo o seu know how em uma interação que distingue razões de não
razões a partir da extração de consequências e com uso de projeções”, não havendo de
tal modo o “descarte das crenças e dos desejos manifestos comportamentalmente”,
mas, ao contrário, o seu uso para avaliar a racionalidade.
Fica claro que é pressuposto para uma postura racional a percepção, e o não desprezo,
dos fenômenos dos vieses cognitivos. Essa percepção pode ocorrer extra processo, ou
seja, o magistrado fazer por si só uma análise das suas crenças, sesgos psicológicos,
intuições, e demais situações advindas do sistema 1 do Cérebro, como também permitir
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durante a própria atividade processual , que os demais sujeitos do processo caso as
percebam as manifestem.
Por sua vez os juízes não poderão considerar a exposição ou demonstração pelas partes
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A neurociência e as provas judiciais
de seus vieses cognitivos algo pejorativo, mas fator que o faça compreender aquilo que
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as vezes nem ele mesmo conhecia.
Sendo a valoração da prova ato decisório do juiz, e portanto sujeito aos equívocos
oriundos do sistema 1, conclui-se como relevante que os juízes tenham conhecimento
básico de como funcionam seus cérebros.
15 Considerações finais
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Como assinala propriamente Molina Garcia , o direito, como ciência, deve abraçar sua
condição interdisciplinar; abrir seus conteúdos e revisar seus dogmas, instituições,
regras e princípios. Ou seja, deve-se admitir uma análise não só dos conteúdos
sociológicos, econômicos e políticos, mas também incorporar a seus estudos elementos
que derivem da psicologia, biologia e neurociência.
Diante da pergunta do porquê a matéria probatória tem especial apelo e chama atenção
114
das pessoas em geral, William Twining sustenta como motivo, que todas as disciplinas
carregadas de empirismo compartilham de uma mesma família com problemas sobre
provas e inferências. O que se buscou neste trabalho foi minimizar um pouco os
problemas, fazendo a conexão de ciências diferentes, que diante da complexidade da
natureza são exigidas a caminharem juntas, intercruzarem para evoluírem, sob a ótica
da racionalidade.
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1 ALLEN, 2011.
pelo entorno (objetos e eventos no ambiente que circunda o organismo), mas mesmo
com base neste enfoque, aponta a imprescindibilidade e relevância do sistema nervoso
para a tarefa de sentir, pensar e decidir (DAMÁSIO, 2018).
11 António Damásio diz que “Nenhum dos cinco sentidos produz sozinho uma descrição
abrangente do mundo externo, embora nosso cérebro por fim integre as contribuições
parciais de cada sentido em uma descrição global de um objeto ou evento. O resultado
dessa integração dá uma descrição aproximada do objeto ‘inteiro’. Dessa maneira, é
possível gerar uma imagem razoavelmente abrangente de um objeto ou evento.
Provavelmente não será uma descrição ‘completa’, mas com certeza para nós, é uma
rica amostra de características; de qualquer modo, é tudo o que temos, dadas a
natureza da realidade à nossa volta e a estrutura dos sentidos. Felizmente, todos nós
estamos imersos nessa mesma ‘realidade’, que nos chega por amostras incompletas, e
todos temos limitações comparáveis na capacidade de formar imagens.” (DAMÁSIO,
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A neurociência e as provas judiciais
2018:97).
13 E não custa dizer que ainda hoje percebe-se, como ocorre no Brasil, uma idolatria
irracional sobre a pessoa do juiz, como também de outras autoridades, incluindo
membros do Ministério Público.
19 A busca pela racionalidade para motivar a valoração probatória está presente desde
há muito tempo na história processual. Mas foi no século passado que estudiosos como
Serra Domingues, Francesco Carnelutti e Michele Taruffo passaram persegui-la com mais
intensidade, sob uma perspectiva epistemológica.
23 E se for, junto a possibilidade das decisões judiciais serem praticadas por inteligência
artificial. Sobre o tema processo judicial e inteligência artificial vide NIEVA FENNOL
(2018).
26 As garantias são vínculos por meio dos quais certas afirmações se convertem em
razões pertinentes para apoiar as conclusões. São as “licenças da inferência”. Por sua
vez, uma garantia pode ser apoiada por um respaldo, que é o que demonstra a correição
ou a vigência dessa regularidade. Segundo Toulmin (2007: 140) os respaldos são
“outras garantias” que se situam “detrás de nossas garantias para mostrar sua
legitimidade”. São afirmações categóricas que servem para justificar a legitimidade da
garantia. Ainda sustenta Toulmin que como a garantia é composta por uma regra geral,
é possível haver uma exceção, que possa refutar essa regra. São os refutadores (
rebuttals), “circunstâncias através das quais a autoridade geral da garantia é deixada de
lado”. E para que um argumento seja plenamente válido deve ser afastada a incidência
do refutador.
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27 Essa garantia, ensina Daniel González Lagier, pode ser também de natureza
normativa ou conceitual.
31 TWINING, 2003:97.
33 COLE, 2005.
34 VÁZQUEZ, 2015: 92 e 93. Em 1923, James Frye foi condenado por ter assassinado
Robert Brown. Inicialmente Frye confessou o crime, mas logo depois se retratou desta
confissão, e sua defesa ofereceu como prova de sua inocência que ele se submetesse ao
então muito novo método de análise de pressão sanguínea que supostamente servia
como detector de mentiras. Curiosamente, aponta VÁZQUEZ (2015), que esse
equipamento usado foi criado por William Moutlton Marston, criador do personagem
Mulher Maravilha, que entre suas habilidades estaria a aptidão mágica de obrigar as
pessoas a dizer a verdade. Enfim, o juiz de primeira instância excluiu esta prova pericial,
e condenou Frye. E o caso passou para a segunda instância, o fundamento do recurso
era que este equipamento demonstrava que as mentiras requeriam um esforço
consciente que refletia de forma particular no aumento da pressão sistólica, ao contrário
das afirmações verdadeiras. E a Corte de Apelação do Distrito de Columbia considerou
que “é muito difícil detectar o momento preciso em que um princípio ou descobrimento
científico cruza a linha que há entre sua etapa experimental e aquela em que é
demonstrável. Em algum lugar nesta zona de penumbra o valor da evidência a seu favor
deve ser reconhecido, e enquanto os tribunais recorrem um largo caminho para admitir
testemunhos de experts derivados de experimentos científicos ou descobertas bem
reconhecidas, e para isto as provas devem estar suficientemente fundadas para ter
aceitação geral na área relevante.” E o Tribunal considerou que a análise da pressão
sanguínea não estava suficientemente estabelecida pelas áreas da fisiologia e da
psicologia e excluiu a prova, confirmando a sentença que condenou Frye. Este critério do
caso Frye foi considerado adequado por grande parte dos Tribunais e da doutrina.
36 VILLAMARIN LÓPEZ, 2014: 33. A conclusão é que “o grave dano que pode causar
com um falso culpado, ainda que em uma porcentagem pequena de casos é
desaconselhável o uso do polígrafo, podendo no máximo ser usado em complemento a
outros procedimentos”. ( GONZÁLES e MANZANERO, 2018: 220/221)
46 O experimento de Libet sinalizou que quando é tomada uma decisão qualquer, seja
um movimento simples, como flexionar os dedos, o córtex motor do cérebro envia um
sinal elétrico aos nervos motores implicados no movimento. E se identificou uma certa
atividade elétrica no cérebro, cuja função parece se preparar para o movimento. E os
testes demonstraram surpreendentemente que este potencial preparatório não se
encontrava entre a decisão e o movimento, mas sim antes da decisão consciente
(aproximadamente 350 milésimos de segundo antes).
49 GONZALEZ LAGIER, Daniel. Tres retos de la neurociencia para el Derecho penal. Site:
[https://www.academia.edu/35430450/Tres_retos_de_la_neurociencia_para_el_Derecho_penal_1].
Acesso em: 29.01.2019.
57 NIEVA FENNOL, 2016: 704/707. Nieva Fennol defende a tese que não se pode
comparar os meios de prova neurocientíficos com outros, como o DNA, cujo objeto de
exame também é parte do corpo da pessoa. Diz que o potencial do cérebro é
impressionante, muito mais amplo que o DNA, e que “o cérebro somos nós”, “o cérebro
não é onde se encontra nossa intimidade, mas sim a própria intimidade. “Se ha
comprado el interior del cráneo con el interior del domicilio, señalando que si no se
puede acceder a este último salvo consentimento del reo o autorización judicial, con más
razon estaría vedado el acesso a algo irrefutablemente más íntimo como la cavidad
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58 VILLAMARÍN LOPEZ, 2014: 130/132. Entende Villamarín Lopez que não haverá
violação a tais direitos fundamentais se o investigado aceitar espontaneamente se
submeter aos exames neurocientíficos. Mas a informação obtida que não seja relevante
para o julgamento deverá ser destruída o quanto antes.
59 Diz FERRÉR BÉLTRAN (2007: 91), que mesmo sendo o conjunto probatório o objeto
sobre o qual o juiz toma a decisão final se o fato está provado ou não, não há
impedimento para que a valoração da prova seja realizada antes da sua formação ou dos
meios de prova. Há uma valoração in itinere que o julgador realiza durante a prática da
prova, mas esta valoração deve ter somente objetivo de detectar insuficiências em
relação ao peso ou a riqueza do conjunto de elementos de juízo para depois resolvê-la
(v.g., ordenar ou pedir de ofício uma nova prova para verificar a credibilidade de uma já
praticada, ou uma nova prova para verificar um conflito entre duas).
61 AMAYA, 2017:96.
62 Por esta linha o físico é o único irredutivelmente real e que, portanto, a mente deve
ser explicada a partir do material (ou eliminada). É a concepção dominante hoje entre
científicos e filósofos da mente. Mesmo para grande parte dos teóricos do monismo
prevalece a ideia dos estados mentais, isto quer dizer que eles devem ser aceitos.
Perfilha-se aqui a ideia de Daniel González Lagier (2016: 399) segundo a qual deve
prevalecer o materialismo ontológico, pois o mundo em que há vida é físico, mas
também deve ser considerada a existência dos estados mentais. Eliminar os estados
mentais seria uma loucura. Como aceitar que ninguém teve sede, dor, que nunca creu
em nada? Os estados mentais são perceptíveis por meio de experiência direta, por meio
da introspecção. Por sua vez, a eliminação da mente ao cérebro , “onde toda la vida
mental, espiritual, volitiva y cognitiva se reduciría al funcionamiento de las células
cerebrales y sus conexiones” teria uma grave consequência que seria o fim do
livre-arbítrio. E assim o homem estaria reduzido a uma “espécie de máquina do cérebro”
e “toda a sua vida estaria determinada mecanicamente pelo funcionamento sem controle
desta máquina” ( GONZÁLEZ LAGIER, 2016:391 e 393).
69 “Não está dizendo que as intenções são estados cerebrais, mas sim que são causadas
por estados cerebrais. Há relação causal entre os estados mentais e o funcionamento do
cérebro.” (GONZÁLEZ LAGIER, 2016: 408).
70 Diz Jordi Nieva Fenoll “Quiero decir con todo ello que sólo siendo conscientes de todo
lo que puede influir en cada caso concreto, será posible que los jueces eviten los juicios
de valor apriorísticos que impiden una debida valoración de la prueba, precisamente
porque son realizados mucho antes de la misma”. Acrescenta ainda dizendo: “ Y es que
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no debe olvidarse que la valoración de la prueba es una actividade que debe estar
dominado por la lógica, pero que se ve condicionado por la psicología del pesamiento
que describe la percepción judicial, así como por la sociología que desvela el entorno del
juez.” (NIEVA FENNOL, 2010:25).
72 No campo da valoração da prova Jordi Nieva Fenoll cita estudos de Serra Dominguez,
Montero Aroca e Gorphe, os quais apontam que as máximas experiências que permitem
estabelecer a relação inferencial entre premissas e conclusões estão intrinsicamente
ligadas a um enfoque psicológico, e que o raciocínio probatório quando abandona algo
tão inseguro como a intuição ou a imaginação, apenas o substituem pela expressão
“máximas de experiência”. Diz que “se bem que a intuição é um mecanismo
extraordinariamente eficaz para tomar decisões rápidas na vida cotidiana, seu uso não
pode estender-se à algo que não tem porque ser rápido, nem muito menos irreflexivo,
como uma sentença. Isto é, o uso na valoração da prova por parte do juiz desse
conjunto difuso que constitui as chamadas máximas experiências, não pode se levar ao
extremo de substituir com essas máximas aquilo que as provas dizem, ou preencher
lacunas com o que não foi dito.” (NIEVA FENNOL, NIEVA FENNOL, 2010:129 e 2018:
113, 206/207).
73 Constata Juarez Freitas que: “A primeira providência para não enveredar em desvios
cognitivos consiste em conhecê-los. Nessa linha, significativos achados sobre o
funcionamento do cérebro precisam, o mais cedo possível ser incorporados pela
hermenêutica jurídica, de molde a lucidamente escrutinar aquelas predisposições
conducentes a erros sistemáticos de julgamento” (FREITAS, 2013: 223).
78 GOLEMAN, 2014: 32
80 GOLEMAN, 2014:.50.
82 GLADWELL,2005: 19.
84 GOLEMAN, 2014: 24
85 DUHIGG, 2012.
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87 GLADWELL, 2008: 43 .
91 Diz Jordi Nieva Fennol que: “El juez tiene que saber por qué cree lo que piensa. Es
cierto que no estamos acostumbrados a dar razones de nuestras intuiciones, y a veces
hasta está socialmente mal visto buscar dichas razones (...), la convicción probatoria
debe ser una actividade principalmente producto de la razón, y no unicamente del
sentimento subjetivo”. (NIEVA FENNOL, 2010: 110).
97 FREITAS, 2013:226.
98 FREITAS, 2013:226.
101 “Mais do que nunca é imprescindível que o jurista mantenha a mente empenhada
em trocar hábitos nocivos por saudáveis, ciente de que somos inescapavelmente o
conjunto de nossas rotinas mentais, das simples às mais elaboradas” (FREITAS, 2013:
240).
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105 “De sorte que importa formar hábitos reflexivos e neutralizar, ao menos nas
situações de maior impacto, as decisões eviesadas” (FREITAS, 2013: 239).
108 NUNES, SANTOS e PEDRON, 2018: 86, 202. E que é necessário “perscrutar como
viabilizar que o processo como garantia permita possibilidades efetivas de
desenviesamento (debiasing) de modo a não se tornar um mero lócus de legitimação
das pré-compreensões cognitivas dos decisores.” ( 2018: 154 e 155)
110 Neste sentido afirmam NUNES, SANTOS e PEDRON ( 2018: 171) que “a
responsabilidade no processo se sofistica a partir da virada cognitiva empreendida pela
psicologia comportamental e pelos estudos empíricos das heurísticas e dos vieses
cognitivos no campo jurídico, uma vez que o primeiro passo, como já apontado, é o de
perceber a racionalidade limitada (ou irracionalidade-automatismos) nas práticas
processuais cotidianas que exigem um constante comportamento contraintuitivo por
parte de todos aqueles que participem do espaço processual.”
113 “Entiendo imprenscindible que la formación del juez cuente con una vasta cultura
general, a fin de que pueda afrontar los problemas probatorios con mayores garantias de
êxito”. (NIEVA FENNOL, 2010: 96).
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