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Currículo e Escola

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CURRÍCULO

E SOCIEDADE:
tendência de desenvolvimento
e sua repercussão em uma
formação avançada*

MARCONDES FREIRE MONTYSUMA

Aceito para publicação em janeiro de 2001


RESUMO

O presente trabalho pretende estabelecer um vínculo entre Currí-


culo e Sociedade, dando uma definição das categorias com que
se vai trabalhar.
Se estabelece mediações entre as diversas definições que assu-
me o Currículo na Sociedade e na escola, propondo resgatar o
papel social do professor, alunos e técnicos.
Se concebe o Currículo como um conjunto de conhecimentos
científicos e culturais, que deve ser situado em seu tempo histó-
rico.
Finalmente analisa-se o Currículo de um ensino avançado, tendo
como parâmetro a escola “Samuel Sanguili” em Matenzaz-Cuba,
que se propõe formar estudantes conscientes de seu tempo histó-
rico e de sua responsabilidade para com a sociedade.
Palavras-chave: currículo, tempo histórico, formação avançada.

* Este texto é fruto das reflexões feitas na disciplina de Currículo e Programa sob
a orientação da Dr. Adela Hernández, professora do Mestrado em Ciências da
Educação Superior – CEPES de la Universidad de la Habana – Cuba.

C o n t e x t o e E d u c a ç ã o - E d i t o r a U N I J U Í - A n o 1 6 - nº 6 1 - J a n . / M a r . 2 0 0 1 - P. 1 1 1 - 1 2 7
CURRÍCULO Y SOCIEDAD:
TENDENCIA DE DESARROLLO
Y SU REPERCUSIÓN EN UNA FORMACIÓN AVANZADA

RESUMEN: El presente trabajo pretende establecer un vinculo


entre Currículo y Sociedad, dando una definición de las
categorías con que se va a trabajar.
Se establecen mediaciones entre las diversas definiciones que
asume el Currículo en la sociedad y en la escuela, procurando
rescatar el papel social del Profesor, alumnos y técnicos.
Se concibe el Currículo como un conjunto de conocimientos
científicos y culturales, que hay que ubicarlos en su tiempo
histórico.
Finalmente hace sugerencias para un Currículo de enseñanza
avanzada, en la escuela “Samuel Sanguili” en Matenzaz-Cuba,
que se propone formar estudiantes conscientes de su tiempo
histórico y su responsabilidad con la sociedad.

Palabras-clave: currículo, tiempo histórico, formación


avanzada.

RESUMÉ AND SOCIETY:


DEVELOPMENT TENDENCIES
AND ITS REPERCUSSION IN ADVANCED TRAINING

ABSTRACT: The present work intends to establish a link between


Resumé and Society by giving a definition of the categories that
will be worked with. It is established mediations between the
several definitions that Resumé takes on Society and in school,
proposing to redeem the social role of the teacher, students and
experts. It is conceived Resumé as a set of scientific and cultu-
ral knowledge which must be situated in its historical time.
Finally, it is analyzed the Resumé of advanced teaching, having
as parameter the school of “Samuel Sanguili in Matenzaz-Cuba,
which sets forth to graduate students aware of their historical
time and their responsibility to the society.

Keywords: Resumé, historical time, advanced training.


UMA APROXIMAÇÃO DO TEMA
A categoria Currículo é particularmente nova, de uso relativa-
mente recente entre nós. “Nem o dicionário da Real Academia Espa-
nhola da Língua nem o de María Molinar o recorre em sua acepção
pedagógica”. E está relacionada com a concepção filosófica, políti-
ca e cultural. É guia da experiência que o aluno obtém na escola, tem
sido considerado também como programa de atividades planejadas,
61 devidamente seqüencial, ordenadas metodologicamente em função
dos resultados de aprendizagem pretendidas; como plasmação do
plano reprodutor para a escola que têm uma determinada sociedade.
Ordenando o conjunto de definições, acepções e perspecti-
vas, o currículo pode ser analisado desde cinco âmbitos formalmen-
te diferenciados:
• o ponto de vista sobre sua função social, tanto que é o enlace entre
a sociedade e a escola;
• projeto ou plano educativo, pretendido ou real, composto de dife-
rentes aspectos, experiências, conteúdos, etc.;
• se fala de currículo como a expressão formal e material desse
projeto que deve apresentar-se baixo um formato de seus conteú-
dos, orientações, seqüências para abordá-lo, etc.;
• se referem ao currículo aqueles que o entendem como um campo
prático. Ao entendê-lo assim, supõem a possibilidade de: 1) anali-
sar os processos instrutivos e a realidade da prática, a partir de
uma perspectiva que os dota de conteúdo; 2) estudá-lo como
território de interseção de práticas diversas, que não só se refi-
ram aos processos de tipo pedagógico, interações e a prática em
educação.
• também se referem a ele quem exerce um tipo de atividade discursiva
ANO 16
acadêmica e investigativa sobre todos estes temas.” (J. G. Sacristán,
1989, p.15, grifo do autor)
JAN./MAR.
O currículo é visto também como ideologia, Althusser o con-
sidera como forma de transmissão diferencial, que é garantido pelo 2001
fato de que as crianças de diferentes classes sociais saiam da esco-
la em diferentes pontos dos anos escolares. Os que saem antes
113 “aprenderam” as atividades e valores próprios das classes subalter-
nas, os que forem até o fim seriam socializados no modo de olhar o
mundo, próprio das classes dominantes. (Moreira e Silva, org., 1994,
p.24)
No primeiro momento o currículo é visto como uma orienta-
ção que se impõe de cima, como imposição destas idéias sobre a
sociedade e o mundo, cheio de ideologia e que não é criticado pelos
que recebem esta ideologia.
“Um refinamento dessa visão se amplia em pelo menos três di-
mensões. Em primeiro lugar, a ideologia dificilmente teria efeitos
61
se não contasse com algum consentimento dos envolvidos, isto
é, a ideologia não é totalmente elaborada a partir de cima, com
materiais “originais”, mas se aproveita de materiais preexistentes
na cultura e na sociedade, pelo geral, pertencentes ao domínio do
senso comum. Em segundo lugar, a ideologia não é um tecido
uniforme, homogêneo e coerente de idéias, uma construção
logicamente consistente. Em vez disso, ela é feita de fragmentos,
de matérias de diferentes naturezas, de diferentes espécies de
“conhecimentos”. Por último, a ideologia não sofre resistência
por parte dos quais é dirigida. [...] Em terceiro lugar neste proces-
so de refinamento do conceito, os mecanismos de transmissão
foram sendo vistos como muito sutis.” (Moreira e Silva, org., 1994,
p. 24, 25)

O currículo está vinculado à cultura, que é um conjunto de


valores materiais e espirituais criados e que se criam pela humanida-
de no processo da prática socio-histórica e se caracterizam pela
etapa historicamente alcançada no desenvolvimento da sociedade.
No sentido mais estreito se pode falar da cultura material (téc-
nica, experiência de produção, valores materiais) e espirituais (ciên-
cia, arte, filosofia, moral, educação, etc.).
A cultura é um fenômeno histórico, que se desenvolve em
dependência da substituição das formações socioeconômicas.
ANO 16
Em seu livro Currículo e Ideologia, Apple nos mostra que não
são questões acadêmicas os ataques da direita às escolas, o clamor
JAN./MAR.
à censura e o que deve e o que não deve ser ensinado, o crescimento
da pressão em muitos países pelas metas das indústrias e empresas
2001
se torna objetivo da educação.
Para Apple, a educação está profundamente ligada à política
da cultura. 114
“A decisão de definir o conhecimento de alguns grupos como
digno de ser transmitido às futuras gerações, enquanto o outro
grupo mal vê a luz do dia, revela algo extremamente importante
acerca de quem detém o poder na sociedade.” (Michael W. Apple,
in Moreira e Silva, org., 1994, p.42)

Neste aspecto, o currículo é entendido como do Estado, en-


quanto poder de classe, pode ser oficial e pode pretender transmitir
uma cultura oficial, mas o resultado nunca é o pretendido porque
61 essa transmissão ocorre em um contexto cultural de significado ati-
vo dos materiais recebidos.

“A cultura e o cultural, neste sentido não estão portanto naquilo


que se transmite, se não naquilo que se faz com o que se transmi-
te. [...] Assim, nessa perspectiva, a idéia de cultura é inseparável
da de grupo e classes sociais. Em uma sociedade dividida, a cultu-
ra é o terreno por excelência aonde se dá a luta pela manutenção
ou superação das divisões sociais.” (Moreira e Silva, org., 1994,
p.26, 27 – grifo dos autores)

O poder se manifesta nas relações de poder, quero dizer, na


dominação de um indivíduo ou grupo por outro, em uma visão crí-
tica às relações de poder que se manifestam na divisão de classe,
etnia, gênero ou credo. Essas divisões constituem tanto a origem
como o resultado das relações de poder. É nessa perspectiva que o
currículo está centralmente envolvido na relação de poder. Um con-
junto de conhecimento organizado em currículo nunca é neutro,
sempre parte da visão de alguém ou de um grupo acerca do que seja
conhecimento legítimo.
Reconhecer que o currículo está atravessado por relações de
poder, não significa ter identificado essas relações. Grande parte da
tarefa de análise educacional crítica consiste precisamente em efe-
tuar essa identificação. Precisamente porque é difícil identificar es-
ANO 16
sas relações que a concepção crítica busca investigar, que estão
presentes em numerosos atos e relações do cotidiano da sala, que
JAN./MAR.
são expressões sutis de poder, e que compõem o currículo oculto da
escola.
2001
Na luta pelo poder e por construir um currículo que garante
sua visão de mundo em todo momento surge o debate sobre um
115 currículo nacional ou “comum” e isso nos faz pensar que é bom, e
que poderemos acabar com a dualidade no ensino, nos países
Latinoamericanos e do Caribe, onde o nível de alienados sociais sobe
a números alarmantes, mas, no mundo globalizado caberia pergun-
tar – A quem corresponderia elaborar esse currículo? – Apple res-
ponde a esta pergunta assim:
“Um currículo nacional é visto pela direita como essencial para
evitar o `relativismo’. Para muitas de suas propostas, um currículo
unificado deve basicamente transmitir a `cultura comum’ e a alta
cultura que dela se originou. Qualquer outra resultaria incoerente,
61
na ausência de cultura, no `vazio’, simplesmente.
Desse modo, uma cultura nacional é ‘definida’ em términos
excludentes, nostálgico e freqüentemente racistas.” (Michael W.
Apple, 1994, p.79)

Podemos dizer, em termos olísticos, que currículo é a organi-


zação lógica dos conhecimentos, saberes culturais e espirituais pro-
duzidos e transmitidos historicamente pela humanidade, ampliada
por sua função social, que busca expressar o real da experiência,
formal, informal e de conteúdos.
A educação, a Ciência e a Tecnologia não são elementos que
se colocam para o cidadão comum como objetos de utilidade ime-
diata, mas, intuitivamente, sabemos que, de alguma forma, sua exis-
tência está ligada a eles. A ciência têm ramificações em vários domí-
nios da vida humana, fazendo parte da história de sua racionalidade
e cultura, devendo pois, ser criticamente apropriada por todos; é o
pressuposto básico da universalização do saber e da ciência.
Para além dos esquemas, dos pressupostos lógicos das teo-
rias, das ciências e da tecnologias, a ciência tem conexões com o
real, com o chamado campo de aplicação tecnológica e explicações
dos fenômenos naturais. Ainda que haja desconfianças e temores
ANO 16
enquanto ao uso que dela se faz – este ponto merece um amplo e
profundo debate porque têm reflexos na vida de todo o planeta –
JAN./MAR. como por exemplo os transgênicos, a poluição das águas e dos len-
çóis freáticos, poluição da atmosfera, o desmatamento irracional,
2001 super-população nos grandes centros urbanos, e as guerras que mar-
cam a expansão capitalista, têm acarretado um mal sem precedente
à humanidade. A ciência pode, e, é o que se pretende, contribuir
com a promoção da existência material e espiritual do homem. 116
Sem a pretensão de fazer da ciência uma espécie de redentora
de todos os males, tal diretriz constitui-se em um desafio que deverá
ser objeto de permanentes reflexões, pois temos que nos voltar ao
homem concreto, cheio de contradições, que aspira a universalida-
de, mas tem sua vida limitada a uma determinada realidade material,
social e histórica.
O outro aspecto se refere a delimitação do campo de atuação,
da didática e seus objetivos, que nos remete a uma conjugação de
61 conhecimento científico universalmente produzido, com a aplicação
adequada às regiões, sem cair no reducionismo tecnológico.
Não se pode esquecer do problemático distanciamento entre
ensino, pesquisa e extensão, entre teoria e prática, e entre conheci-
mento formal e realidade material-social que se produziu na cultura
ocidental a partir do surgimento do Taylorismo-Fordismo. Tais
dicotomias exercem influência também, na natureza do conjunto de
valores socialmente atribuídos aos atores do processo educacional:
professores, alunos e técnicos. Os primeiros são olhados, sobretu-
do, como possuidores do saber, os segundos, como eternos apren-
dizes e os terceiros, como executores de tarefas.
Dentro desse quadro, fica claro que um projeto curricular e
didático só terá condições de ser potencializado, na medida em que
seja possível estabelecer mediações entre as diversas esferas da ati-
vidade acadêmica e, no limite do possível, no momento em que fo-
rem criadas as condições para a superação das diversas dicotomias
apontadas anteriormente.
Como conseqüência, o projeto curricular e didático depende
não somente dos princípios que orientam a estrutura curricular e a
intermediação do conteúdo, senão também de reorganização na di-
nâmica da burocracia dos departamentos e cursos, e o estabeleci-
mento de novas relações entre universidade e o sistema de ensino do
estado e municípios. Para isto, devemos ter em conta três princípios
ANO 16
orientadores interdependentes: o enriquecimento do conhecimento
técnico-científico; o aprofundamento do compromisso político; e a
JAN./MAR.
ampliação da participação dos estudantes e técnicos na estrutura
acadêmico-burocrática.
2001
O corpo do conhecimento científico tem sido continuamente
enriquecido pelo fluxo das conquistas efetuadas no terreno da teoria
117 e da experimentação. O conjunto de conhecimento, longe de ser
acumulativo e linear, se viabiliza com os tropeços, com avanços e
retrocessos, num processo que engloba, em maior ou menor grau, o
formalismo, a teoria e o experimento.
A ciência, por outra parte, mais que uma obra de cientistas
ilhados e detentores da verdade, é uma construção dos homens,
sujeitos a contradições, e por mais perene que pareça, sofre tremo-
res na estrutura quando se apresentam novos postulados teóricos.
Os descobrimentos científicos, ao mesmo tempo, não são resulta-
dos naturais do processo lógico do conhecimento; grande parte de-
61
les ocorrem por acaso, no recesso dos laboratórios, na escuridão da
noite. De maneira geral, o conhecimento científico têm seu grau de
desenvolvimento limitado pelo tempo histórico.
Outro aspecto do conhecimento é o que historicamente está
caracterizado como corpo de formações destinadas a responder
questões de ordem prática e tecnológica. No curso da divisão do
trabalho e segmentação das profissões, verifica-se uma separação
cada vez maior entre tecnologia e ciências, entre explicações
fenomênicas e situações experimentais.
A ênfase dos cursos de graduação foi sendo dado em um ou
outro aspecto e, até onde foi possível visualizar, por exemplo os
cursos de engenharia, como aqueles em que o corpo do conheci-
mento se agrega mais em torno das tecnologias. Enquanto os cursos
das chamadas ciências humanas, foram sendo corporificados em
torno dos aspectos formais, com as discussões do conceito, com o
exercício do formalismo, sem preocupação com a aplicação imedia-
ta desses conhecimentos, e sem se aprofundar nos aspectos do cor-
po do conhecimento.
Até o momento, esses procedimentos fazem parte do quefazer
acadêmico e deles se nutre a ciência como tal. Ainda que, a tendên-
cia não seja reduzir o conhecimento a tais aspectos esquemáticos,
ANO 16
os mesmos contribuem para que a ciência esteja, cada vez mais,
longe do contato com a realidade fenomênica e material que rodeia a
JAN./MAR.
existência humana.

2001 Tal isolamento, contribui para se criar uma aura de mistérios


em torno da ciência, como se esta fosse dotada de magia e poderes
ocultos. Esse clima místico faz induzir os alunos, e não só a eles, a
sensação de que o conhecimento é seu senhor. 118
Seria possível estabelecer mediações entre o que denomina-
mos conhecimento formal e a realidade material, fenomênica e so-
cial que rodeia a existência humana, sem reduzir a ciência ao utilita-
rismo tecnológico?
Sem perder de vista a especificidade do conhecimento for-
mal, caracterizado por um conjunto de leis, teorias e procedimentos,
consideramos que tais mediações são possíveis, como também ne-
cessárias, sob pena de que a ciência, no período letivo e no curso,
61 seja tida, cada vez mais, como prática de necrófago.
O que foi desenhado anteriormente pode ser retomado, com
outras matizes, para analisar as relações estabelecidas entre a educa-
ção e a realidade social do homem. Devemos distinguir as formas de
abordar o conjunto de conhecimentos que constituem a educação,
dos da Física e Química, por exemplo.
Os objetos das investigações da educação se situam na esfera
das relações constitutivas da dinâmica educacional. O conhecimen-
to dessa área tem recebido o fluxo de novas contribuições teóricas,
e algumas universidades se destacam como locais de muitos inter-
câmbios acadêmicos, donde o ensino e a escola pública, em diver-
sos níveis de abordagem, são tomados como focos das discussões
das disciplinas como prática da Didática.
Ainda que os avanços alcançados nessas áreas sejam inegá-
veis, falta, no geral, o mesmo que no conjunto das disciplinas que a
compõem, as dimensões educacionais e o vínculo com a realidade
social-material, e por sua vez, o vínculo com a problemática do
ensino das áreas específicas, licenciatura em Física, Química, Ma-
temática e Biologia, por exemplo.
O entendimento de como se processa a dinâmica no interior
da classe e da escola, e o discernimento enquanto a natureza das
distintas teorias educacionais, é fundamental. Com tudo isso, é im-
portante estabelecer conexões entre esse corpo teórico e a escola ANO 16
que nós teremos, com a política educacional que vivemos. A quase
ausência absoluta das mediações entre o corpo de conhecimento da JAN./MAR.
educação e a problemática do ensino nas áreas das ciências da licen-
ciatura específica de formação de professores, pode estar ligada ao 2001
distanciamento mantido entre o conhecimento das Ciências da Na-
tureza e o da Educação e Ciências Humanas. Talvez o canal da co-
119 municação entre as duas áreas tenha sido obstruída pela idéia de um
suposto paradoxo entre a formação e conteúdo, como se estes cou-
bessem exclusivamente no corpo de conhecimentos das Ciências da
Natureza, e aqueles, ao corpo de conhecimento da Educação.
No contexto em que estamos trabalhando, ainda que haja dis-
ciplinas dedicadas a Educação, a formação do professor deve ser
uma preocupação de todas, no interior da faculdade e do curso de
Licenciatura em Educação.
Na dinâmica do processo de ensino, ocorre a intervenção de
uma série de variáveis. Ainda que a compreensão desse processo 61
seja a socialização do conteúdo, que é mediado por certos procedi-
mentos metodológicos que não se dão na causalidade, senão que
estão contaminadas de determinadas visões de mundo. Compreen-
demos que os cursos de Licenciaturas em Educação, como corpo
do conhecimento voltado para a formação de professor, é um dos
espaços da crítica e da construção da cidadania e, não somente o
local do exercício de atividades setoriais, ainda que no interior de
tais atividades se exerça a crítica. O que temos observado é que, em
função da natureza da estrutura do suporte, as Licenciaturas em
Educação, são reduzidas aos espaços de socialização da crítica.
Normalmente, estas assumem o caráter do formalismo curricular,
ficando restritivo a uma ou mais disciplinas.
Por outra parte, surgem questões que estão diretamente liga-
das ao quefazer imediato, mas que também são constitutivos do
processo de tomada de consciência crítica. O curso de Licenciatura
em Educação é também, local de apropriação crítica do conteúdo
científico-cultural.
Vivemos em uma sociedade dinâmica com problemas de or-
dem ético-moral em diversos níveis, entre eles o uso indevido do
conhecimento científico e do papel social do professor.

ANO 16
A ÉTICA E OS PARÂMETROS
CURRICULARES NACIONAIS
JAN./MAR.
Consideramos importante, que em debate desta natureza,
2001 deve-se ter claro que categorias as quais se está trabalhando, o que
elas representam e qual concepção de mundo pretendem vincular.
Visto que o livro didático, em última análise, é o único material didá-
tico que ainda chega na escola. 120
Neste aspecto, o livro está eivado de significado ético, que
orienta a concepção e formula a maneira como deve ser tratado nas
escolas. Neste ponto, precisamos fazer distinção entre problemas
morais e problemas éticos.
“Nas relações cotidianas dos indivíduos entre si, surgem conti-
nuamente problemas como este: devo dizer sempre a verdade ou
há ocasiões em que devo mentir? Podemos considerar bom o
homem que se mostra caridoso com o mendigo que bate à sua
61 porta e, durante o dia – como patrão – explora impiedosamente os
operários e os empregados da sua empresa?...” (Adolfo S. Vãzquez,
1984, p.5)

De fato estes são problemas de ordem morais, visto que são


vivenciados pela sociedade no seu cotidiano da vida prática, embora
possa causar algumas discussões. “A ética poderá dizer-lhe, em ge-
ral, o que é comportamento pautado por normas, ou em que consis-
te o fim – o bom – visado pelo comportamento moral, do qual faz
parte o procedimento do indivíduo concreto ou o de todos.” (Adolfo
S. Vãzquez, 1984, p.7).
A ética é, na verdade, o estudo científico dos comportamen-
tos morais ao longo da história e sua generalização como – o bom –
comportamento para sociedade. Dito isso, cabe perguntar, a qual
sociedade a escola pretende formar segundo os Parâmetros
Curriculares Nacionais? E qual concepção de ética que pretende for-
talecer e articular na escola? Essas são algumas das perguntas que
temos que responder a fim de desvelar os reais motivos pelos quais
o governo reorganiza uma equipe para elaborar os Parâmetros
Curriculares Nacionais. Visto que em 1986, sob a orientação do en-
tão ministro da Educação e atual vice-presidente Marco Maciel, o
MEC/SEPS/CENAFOR, elaborou uma proposta de currículo para o
ensino médio (magistério), que além de consultarem 427 títulos,
apresentaram-na, em um cem números de encontros de áreas e
congressos. ANO 16
O que denota estes documentos, é que o governo, embora
faça uma construção das idéias galgada na participação coletiva, re- JAN./MAR.
mete em última análise a resolução dos problemas aos indivíduos em
particular, a exemplo da proposta realizada na Espanha, sob orienta- 2001
ção do professor César Coll, que traz aspectos sincréticos das vá-
rias escolas e tendências pedagógicas, e com forte viés positivista e
121 neoliberal, que por fim não foi implementada naquele país.
Na verdade o Governo assume duas posturas: uma que vai ao
congresso e impõe através de chantagens e manobras sua proposta
de LDB (Lei nº 9394/96) com seu projeto neoliberal de educação, a
revelia de toda discussão democrática e das entidades educacionais,
inclusive, do CRUB (Conselho de Reitores das Universidades Brasi-
leiras). E outra, que organiza uma equipe de “notáveis”, sob a orien-
tação de um “notável” neoliberal espanhol César Coll, afim de pro-
vocar um grande debate a nível nacional, e conseguir adeptos e
reprodutores de suas idéias e concepções. 61
Não obstante o exposto, é possível avançarmos nesta con-
versa, a partir das contradições em vários documentos das áreas
dos Parâmetros Curriculares nacionais que apontam para uma cons-
trução politécnica e interdisciplinar do saber. É, neste espaço, que
devemos atuar.
“Cada grau do conhecimento humano sensível ou racional, cada
modo de apropriação da realidade, é uma atividade baseada na
práxis objetiva da humanidade e, portanto, ligada a todos os ou-
tros vários modos, em medida maior ou menor.” (Karel Kosik,
1995, p.29-30

A sociedade organizada têm um grande papel a desempenhar


neste debate e os professores em cada escola. “Por onde começar?
Pelos espaços em que é possível, de imediato, exercer-se o poder
que se tem, na perspectiva de ampliá-lo. Entendemos o poder como
o espaço de decisão. Há decisões que estão em nossas mãos, embo-
ra determinadas por outras mais amplas, mas que não são necessa-
riamente e sempre impeditivas, imobilizadoras. A proposta que apre-
sentamos é, nesse sentido, política, porque convida os professores
envolvidos na formação de futuros professores, a exercerem coleti-
vamente o poder que têm, para ampliá-lo no desejo da transforma-
ção da realidade social.” (Selma G. Pimenta; Carlos L. Gonçalves,
1990, p.133)
ANO 16
É nesta perspectiva que cremos que devemos avançar e
JAN./MAR. orientar nosso debate. A sociedade moderna, o mundo globalizado,
a comunidade científica nacional e internacional não aceita mais a
2001 crítica pela crítica, devemos propor algo novo, em um ambiente de
estrema competitividade devemos formar um profissional de perfil
amplo, capaz de solucionar problemas de ordem científica e técnica
que por ventura se lhe apresente no cotidiano. 122
A ORGANIZAÇÃO
DO DESENHO CURRICULAR
EM UMA FORMAÇÃO AVANÇADA:
uma experiência no socialismo real
Normalmente a preocupação fundamental dos professores e
especialistas, quando se cria um curso de Licenciatura em Educação
61 ou quando se discute o currículo de uma escola, têm sido listar as
disciplinas, compatibilizar carga e horário, estabelecendo pré-requi-
sitos e seqüência lógica dos conteúdos, organizando as disciplinas
do curso e justapondo no chamado desenho curricular para poste-
rior implantação.
O desenho curricular torna-se a expressão dos cursos das
licenciaturas em Educação ou da escola e, as disciplinas, seu ponto
de maior apoio.
Depois de implantadas, se evidencia o isolamento entre diver-
sas disciplinas, e a ausência de uma proposta Educacional que orien-
te a avaliação da dinâmica de seu desenvolvimento, que fica aos
cuidados e riscos dos professores.
Quando este se preocupa pelo enriquecimento dos conteúdos
que compõem o corpo de conhecimentos, há um resgate dos inte-
resses dos alunos, criando-se um ambiente de discussão e debate
agradável, ainda que, por diversas razões, nem sempre isso aconte-
ce, e o que se observa é a tendência à cristalização do próprio con-
teúdo como único diálogo entre professor e aluno.
Quando se pensa em mudar a configuração do curso, a pri-
meira atitude que se toma é a inclusão, a eliminação, ou modificação
dos conteúdos do desenho curricular. Essa ação rotineira modifica,
sem dúvida, o perfil do curso, pois pode criar, por exemplo, uma
ANO 16
disciplina de extrema importância para a formação do aluno. Toda-
via, pela própria natureza, tais modificações têm uma rede de ações
JAN./MAR.
bastante limitada.
Seria possível o estabelecimento de uma nova dinâmica no 2001
curso, e no seu desenho curricular? É preciso entender que o curso,
enquanto corpo de conhecimentos e estatuto ontológico, não se es-
123 gota no ajuste de disciplinas, tampouco se caracteriza pela soma
delas. Como conseqüência, a dinâmica do currículo não se esgota
na simples composição de diversas disciplinas, nas diversas espe-
cialidades distribuídas em seqüência lógica, ainda que isso seja im-
portante.
A dinâmica do currículo se dá, também, pela disseminação de
valores éticos que permeia o todo do quefazer acadêmico, por sua
constante avaliação e enriquecimento, pela mediação entre níveis de
conhecimento, pela conexão entre teoria e prática e pela inseparabi- 61
lidade entre o ensino, investigação e extensão.
Na experiência cubana, podemos notar na escola “Samuel
Sanguilo” em Matenzaz que é uma diretriz do Ministério de Educa-
ção, que todos os professores, da pré-escola à universidade, deve
ter curso superior, a nível de graduação e pós-graduação, lato sensu
e estrito sensu, embora seja esta uma preocupação recente. A parti-
cipação dos alunos nas organizações estudantis, como os “Pioneiros
José Martí” que representa os estudantes da pré-escola, até o pré-
universitário, que conta com 99% de participação e têm como “ob-
jetivo desenvolver nas crianças o interesse pelo estudo, seu amor
pela pátria e contribuir para a formação de bons hábitos”, na Federa-
ção de Estudantes do Ensino Médio (FEEM), que têm como “objeti-
vo fundamental desenvolver nos estudantes uma correta atitude no
cumprimento de seu primeiro dever: o estudo”, na FEU, (Federação
de Estudantes Universitários), no CDR (comitê de defesa da revolu-
ção) que participam cidadãos a partir de 14 anos, na juventude co-
munista e no partido comunista.
Participar dessas organizações não é só um dever, mas um
orgulho para todos, tendo essas organizações uma participação efe-
tiva na vida política, econômica e educacional do país, que têm re-
presentação desde o parlamento, ministérios, conselhos universitá-
ANO 16 rios, até conselho de direção escolar. Outro aspecto importante é o
trabalho voluntário e a escola no campo, onde professores e alunos
JAN./MAR. vão ajudar por um mês ou quinze dias a colheita no campo ou qual-
quer outra tarefa que se defina como forma de minimizar as contra-
2001 dições e a distância entre trabalho intelectual e manual.
Estes aspectos fazem parte do currículo e da formação do
aluno e do futuro cidadão. 124
Esses pontos, normalmente não contemplados nos currícu-
los das faculdades, cursos e escolas, dos países capitalistas, são
fundamentais como constitutivos de todos os cursos, e só poderão
ser entendidos e trabalhados, se os currículos abrirem espaços para
que isso se constitua como entidade orgânica do todo acadêmico.
No que se refere a organização do currículo, podemos rela-
cionar princípios que, parece, poderão orientar a dinâmica das ativi-
dades dentro do que estamos discutindo: mediação entre o conheci-
61 mento formal e a realidade material, social e fenomênica; resgate da
investigação e a extensão e indissociabilidade entre elas e o ensino;
mediações entre o corpo do conhecimento específico das Ciências
Naturais e os das Ciências Humanas, compatibilização entre a práti-
ca e a teoria em todos os níveis; e potencialização dos estudantes,
professores e técnicos como sujeitos do processo.
Assim colocado o problema, o currículo assume dimensões
mais amplas, olística, que saem do âmbito do pedagógico e buscam
significado no contexto social, fundamentado na reflexão filosófica
do conhecimento, ressaltando a complexidade do que significa tais
reflexões.
Nem um currículo se constitui como um guia acabado para a
escola e muito menos para os professores, é um conjunto de infor-
mações, conhecimentos comprometidos com uma determinada con-
cepção de mundo, de sociedade e de escola, que se manifesta no
próprio processo de investigação do real.

“Olhando o significado do conhecer, percebemos que o conheci-


mento não é só produto mas também processo e, como processo,
é entrelaçado pela ideologia. Considerando o significado de co-
nhecimento, identificamos dois momentos dinamicamente depen-
dentes mas, ao mesmo tempo, relativamente autônomos. O co-
nhecimento é simultaneamente processo de construção do real e
produto, ou seja, um corpo de informações sobre o real, sistema- ANO 16

tizado, elaborado, organizado. Ele se relaciona com o homem dis-


tintamente: ou ele é dominado pelo homem como produto, ou ele JAN./MAR.
é realizado pelo homem como processo. Essa falsa dicotomia en-
tre produto e processo nos permite identificar características dis- 2001
tintas entre esses dois momentos, mas não são de forma alguma
aspectos negativos de cada um dos dois momentos.” (Siomara B.
125 Leite; Moreira, org., 1994, p.12 – grifo da autora)
Crer-se que agora temos elementos para dizer que um currí-
culo com esta dimensão busca formar uma consciência científica,
ética, omnilateral e politécnica, fundamentada em uma filosofia, que
busca forjar um cidadão consciente de sua responsabilidade social e
consciente do seu tempo histórico.
Enquanto plasmação de uma política, está por demais claro,
resta saber se, na dinâmica da vida escolar esses objetivos são al-
cançados, e quais são as dificuldades para lográ-lo.
Essa experiência nos permite mirar o papel dos alunos em um
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ensino avançado como de sujeito e objeto do processo de constru-
ção do conhecimento, sujeito porque o aluno por intermédio das
interações com o professor, os outros alunos e a sociedade constrói
seu próprio conhecimento; e objeto porque sofre a influência do
professor e dos outros alunos, que o modifica e são modificados
por ele, ao mesmo tempo.
Neste processo é correto dizer que o discurso pedagógico se
constitui em um conjunto de regras que pelo geral é possível
contextualizar no conhecimento científico, transformando este em
conhecimento escolar.
Essas mediações só são possíveis se nós compreendemos o
papel da linguagem como lugar da construção de símbolos, imagens
e cultura, que constrói e reconstrói o sujeito histórico, no espaço
onde a totalidade e o particular se tornam um só.
Finalmente, quando Vigotsky fala que o ser humano adquire a
capacidade de ser tanto sujeito como objeto, nos assinala a possibi-
lidade de que uma pedagogia crítica, a cultura popular como objeto
de estudo deve reconhecer que o trabalho educacional é essencial-
mente contextual e condicional, somente pode ser discutido a partir
de um tempo, um espaço e um tema específico.
Consideramos ser este o pressuposto básico do currículo de
ANO 16 um curso que se propõe formar cidadãos, de um ensino avançado e
de uma formação de perfil amplo.
JAN./MAR.

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