Roteiro Da Viagem Vasco de Gama Alvaro Velho
Roteiro Da Viagem Vasco de Gama Alvaro Velho
Roteiro Da Viagem Vasco de Gama Alvaro Velho
ç
DE
VASCO DA GAMA
11 ICJCJCJEXCJ\111
~EGUNDA EDIÇlO
POR
LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
MDCCCLXI
ADVERTENCIA DA SEGUNDA EDICÃO o
'
achasse alguma cousa escripta por elle mais ex-
. '
.
XIII
..
.. ••
•
I ..
Li/A. tl4 I"'''. Ntu:timJ
. :·
•
PROLOGO DÂ PRIMEIRA EDiçlO
,
•
lVIII
Logo abaixo se lê
Dô Theotonio;
e quasi no fim da pagina, 'em letra dos nossos
dias, que nos parece da mão d'um dos biblio-'
'thecarios do referido mosteiro, o titulo
.•
l)escobrimento da lndia por D. Vasco
da Gamma,
.
XIX
•
XII
•
•
•
XXIV
.
da Gama; pois diz Mariavel que ella coo se halla
ni se encu.entra » •
Seja, porem, quem for esse bibliographo,
quanto a nós, tanto elle como os mais escripto-
res que temos citado se enganaram.
Quando Ramusio fez a sua Collecção de Via-
gens não poupou diligencias para alcançar os
impressos e manuscri.ptos de mais nomeada e
veracidade, ·que fizessem a seu intento de dar
reunidas n'um CQrpo todas as noticias relativas
aos descubrimentos e navegações dos moder-
nos. Não só quem ler os prologos dos Giumas,
editores .c:Ta collecção, .ficará convencido disso,
mas tambem quem se lembrar de que alli appa-
recem algumas relações, escriptas por portu-
gueses, e cuj~ existenci~ ignoraríamos se lá não
se encontrassem. Sendo isto certo, não nos· pa-
rece de crer que a narração da viagem-de Vasco
da Gama, _por elle proprio escriptá, fosse tão
desconhecida, que es~apasse ás indagaçõés de
Ramusio; e tanto mai~ que não foi por abun-
dancia de ou~ras relações que elle a ommi ttiu,
visto que para•inserir na sua collecção alguma
I
lliX
~A8TANDEDA A~O~V.O
C::A8TANBEDA ANON:YIIO
(miDEM) PAG.71
•
11111
• •
-·
lUIII
•
XXXV
IL
ILI
. '
1 É erro manifesto do bispo Osorlo dizer que a armada na
volta para Portugal dobrou o cabo de Boa Es:perança a 26 de
abril de 1499. Vimos que o dobrou a 20 de março•
•
•
XLII
•
Em nome de Deus, Amem. Na era de mill
cccCLXLVII mandou ell Rey Dom Manuell, o pri-
meiro deste nome em Portugall, a descobrir,
· quatro navios, os quaees hiam e1n busca da es-
peçiaria, dos quaees navios hia por capitam
moor Vasco da Gama, e dos outros d'uum delles
Paullo da Gama seu irmãoo, e d' outro Nicollao
Coelho.
2
E foy de noute tamanha a Çarraçam que se per-
deo Paullo da Gama de toda a frota per huum
cabo e pello outro· o capitam moor. E depois que
amanheçeo nom ouvemos vista delle, nem dos
outros navios, e nós fezemos o caminho das Ilhas
do Cabo Verde como tinhamos ordenado, que
quem se perdese que se seguise esta rrota. Ao
domingo seguinte em amanhecendo ouvemos
vista da Ilha do Sall, e loguo dii a huuma ora
ouvemos vista de tJ:~s navios, os quaees fomos
demandar, e ·achámos a naoo dos mantimentos
e Nicollao Coelho, e Bertolameu Diz 1 que hia
em nosa companhia até a !tfina, os quaees tam-
bém tinham pe~didos o. capitam moor. E depois
de sermos juntos, seguimos nosa rrota, e fale~
ceunos o vento, e andámos em calmaria até a
quarta feira pella manham. E aas dez oras do
dia ouvemos vista do ·capitam moor avante nós
obra de cinquo legoas, e sobre a ta~de nos vie-
mos a falar com muita alegria, onde tirámos
muitas bombardas e tanjemos trombetas, e tudo
com muito prazer pollo termos achado. E ao ou-
tro dia que era quinta feira chegámos á Ilha, de
Samtiago, onde pousámos na praya de Santa Mar-
na com J:p.uito prazer e folgar' e aly tomámos
carnes e augoa e lenha, e corregendo as vergas
QOS navios porque nos era necesario. E huuma
1 Lea-se Dias, e BB8im nos outros logares acüame.
fiUyn.t& .feira que eram tres dias d' agosto parti---
.mo& em leste, e hindo huum dia com sb.ll que-
brou a verga. ao capitam moor, e. foy em XVII,I
dias d'agosio, e seria. isto cc legoas da Ilha de
Sam.tiaguo, e pairámos com o traquete e pap~o
dous dias e huuma noute, e em :u.u do dito mês
hindo na volta do mar ao sull e a quarta do su-
dueste, achámos muitas aves feitas com~ gar-
çõees, e quando vêo a noute ~ravam contra o
. rrigas 1 como
sUS>este muito . aves que hiam pera
terra, e neste mesmo dia vimos huuma baléa, e
isto bem oytocentas legoas em mar.
. '
A vinte e sete dias do mês d; outubro vespora
de Sam-Simam e Judas, que hera sêsta feira,
achámos muitas baléas, e huumas que se cha- ·
mam quoquas', e lobos· marinhos. ·
• Lea-se rijas.
• Provavelmentephocas. •
'·
vista. de terra, a 1 emtam nos ajuntAmos todos e
salvámos o ca.pitam. moor com muitás bandeiras
e estemdartes e bombardas e todos vistidos ·de
festa, e em este mesmo dia virámos bem junto
com terra na volta do mar, porém nom ouvemos
conhecimento da terra.·
• Lca-se e.
• Quer dizer: á excepção ele 110l'OeBte.
3 Lea-se ou.
Nesta terra ha. homeens baços, lJUe nom co-
mem senam lobos marinhos e bo.léas e carne de
gazellas e rraizes d' ervas, e andam cubertos com
pelles e trazem huumas baynhas em suas natu-
ras. E as suas annas sam huums cornos tosta-
dos metidos em huumas varas d'azambujo e tem
muytos cãees como os de Portugal!, e asy mesmo
ladram.
I .
14
nenhumna lança por força que leve os nom pode
ferir, e outros mais pequenos, e outros- muito
pequeninos," e os grandes dam urros como leões~
e os pequeninos como ca"9ritos. E aquy fomos
huum dia a folgar e vimos antre grandes e pe-
quenos obra de tres mill, e tiravamoslhes d~
mar com as bombardas. E neste ilhéo ha bnu-
mas aves que sam tamanhas como patos e nam
voam porque nom rem penas nas aast, e cha-
inamThes fotylicayos, e matámos delles quantos-
quisemos, as quaees aves azurram como asnos.
I Azas.
t5
ie Nossa Senhora da Comcepçam pella manham,
dlmos nossas vellas e seguymos noso caminho..
E á terça feira seguinte, que era vespora de
Santa Lwüa, ouvcmos _huuma grande tormenta,
e corremos á popa com o traquete muito baixo,
e neste rroota perdemos Nicollao Coelho, e em
_ este dia pella manham quando vêo ao sol posto·
viram-o da gavea a rree de nós quatro ou çin-
quo legoas, e pareceunos que elle nos vira; fe-
zemos foreos 1 e estevemos a corda. "E acabando-
se o quarto p~eiro elle vêo ter comnosco, naín
porque elle nos tevese visto de dia, mas porque
o vento era pella bolina e nom podia al fazer
senam v.iir ter na nosa esteira:
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que eram de~ dias de janeiro, ouvemos vista
de huum rrio pequeno, e aquy pousámos ao
longo da costa. E ao oub·o dia fomos em os ba-
tés em terra; bonde achámos muitos homeens
e inolhetes negros, e sam de gramdes corpos,
e huum senho1· antre elles. E o capitam moor
mandou sair em terra huuln. Martim Affonso,
que andou em Manicongo muito tempo, e outro
homem com elle. E elles lhes fezeram gasalhado.
E o capitam mandou áquelle senho1· huuma ja-
queta e huumas calças vermelhas e· huuma ca-
rapuça e huuma manilha. E elle dise que qual-
quer cousa que ouvese em sua terra que nos
fose rieces~ria que nolla daria de mui boa von-
tade. E isto emtendia o dito Martim .Affonso: e
aqnella noute foy o dito Martim Affonso · e o
outro com aquelle senhor a dormir a suas ca-
sas,' .e nós tornámonos pera nosos navios. E indo
aquelle senhor pello caminho vistio aquillo que
lhe deram, e dizia aaquelles que ho vinha~ rr~
ceber com muito comtentamento: «vedes o que
me deram 'f, e elles bati~mlhe as palmas por cor-
tesia e isto fezeram por tres ou quatro vezes até
que chegou á aldêa, onde andou per todo o lo-
gar asy' vistido como hia até que se meteo den-
tro em casa, e mandou agasalhar aos dons ho-
mens que biam com elle em hum cerrado e alü
lhes mandou papas de. milho, que ha muito na-
19 •
quella terra, e huuma galinha como as de Por-.
tugall. E toda aquena noute vieram muitos ho-
mens e molheres a vellos, e quando vêo a ma-·
nham o senhor os foy ver e lhes dise que se
viesem, e-mandou dous outros homens com elles,
e deulhes galinhas pera o capitam moor, dizen-
dolhes elle que hia amostrar aquillo que lhe de-
ram a huum grande senhor que elles tinham,
e segundo nos parecia que serla o rrey daquella
terra, e quando chegaram ào porto onde os bar-
quos estavam já Vinham com elles bem duzen-
tos homens que vinham a vellos.
•
!I
Esta gente he negra, e sam homMs de boons
eorpos, andam nús, soomente trazem huuns pa--
nos d' a.lgodam pequenos com que cobrem sus
vergonhas, e os senh01-es desta terra trazem- es.
tes panOs maiores. E as molhares moças, que
nesta terra parecem bem, trazem os beiços fu.
-rados por trés lugares, e alii lhes trazem !J_uuns
pedaÇos d' estanho retroçydos. E esta. jemte fol-
gava muito comnosco, e nos traziam aos navios
diso que· tinham em almadias que elles tem.
E n6s iso mesmo hiamos há sua aldêa a tomar
agoa.
•
amgra pera saberem o t:ra.to- desta jemte, e que
Nicollao Coelho rose primeiro com o seu n~vi& .
a S<mldar a. barra, e que se fose pera eriltrrar
que emtrariam. E. imdo Nicollao Coelho pera.-
emtrar foy dar na pomta daquella ilha e que-
brou o governalho1, e asy como· den asy sayo-
pera o àlto, e eu era alii com elle. E tanto que
saimos pera o alto amanhámos nosas vellas e
deitámos as· anquoras dous tiros de bésta da pO-
Toaçam.
•
!S
das estas cousas vinham aquy de carreto e que
aqnelles mouros o traziam, salvo o ouro, ·e que
peta diante pera onde nós hiamos avia muito, e .
que as pedras e o aljofar e especiaria era tanta
que nam era. necessario rresgatalla mas apa-
nha.la aos cestos. E isto tudo emtendia huum
marinheiro que o capitam moor levava, o qual
fora já cativo de mouros e portanto emtendia
estes que · a.quy achámos. E mais diseram os
ditos mouros que aviamos, que neste caminho
que levavamos achariamos muitos baixos, e que
tambem achariamos muitas cidades ao longo do
mar e que aviamos de ir topar com huuma· ilha
em que estavam ametade mouros e ametade
éhristãoos, os quaees christãoos tinham guerra
com os mouros, e que em esta ilha avia muita
rriqnesa.
• Parece qne I!C deve ler: que fONe ende (d'ahi) a o• lfOCor-
rer.
em o navio Berrio, e os mouros, como já d' antes
fogisem, quando vieram • ir o navio á veDa fogi-
J1ml muito mais, e acolheram-se a teiTa ante que
a. elles cb.egase o Berrio, e asy nos tomimos ao
pouso. E ao domingo (ijS;émos no~ mis~ em a
ilha debaixo de huum arvoredo muito alto. E de-
pois de dit~ a misa nos viemos pera as náos, e
logu:o nos fezemos á vella e começ&mos de se-
guir nosa via com muitas galinhas e muitas ca-
bras e pombas que aquy rresgatámos por huu-
mas comtinhas amarellas de vidro.
• Genovesas.
a Moraes dá 1\Õmente a esta palavra a signifi.eaçlo de cor de
atrelltm: Aqui significa tWtllada, isto é, que imita no sabor a.
avcllan.
Naqodle dia que Nioollao Coelho emtrou o
Enhor que em esta. 1 veio ao navio com muita
gente, e el1e o agasalhou muito bem e lhe deu
hunm capuz vermelho, e o senhor a elle huu-
mas contas pretas que elle trazia por que rreza1
as quaes lhe deu por ~~eguro, e pedio o batel a
Nicola0 Coelho pera. se ir nelle, · e elle lho deu.
E depois que
foy em terra. levou coms~go a sua
casa squelles que hiam com elle e os comvidou
e depois lhes mandou que se viesem, mandou e
a Nioolao Coelho huum pote de tam.aras pisadas
~ quaees tinham eonserva de cravos e cami-
-.àos. E a.sy depois,mandou ao capitam .moor
muitas COU8&S. E isto foy emquanto lhe parecia
que nós eFatnOs turcos ou mouJ;os de aJguuma.
()Utra parte, porque elles nos perguntavam qu.e
se vinhamos de Torquia., e que lhes mostrue-
mos os ~cos de .nosa. terra e QS livros de itosa.
ley. E .depois que · soube1·am que nós eramos
dui.stãoos <>rdenaram de nos tomarem e mata-
rem .á treiçam, mas o pilloto seu que comnosco
iev~vamos ~os descobrio todo o que elles horde-
'navam de fazer contra n6s se o poderam poer
anobd..
• Talvez altos.
31
ria, a qual esmva da outra parte da terra firm~,
da qual agoa bebem os da ilha por hü nom aver
outra senam se for salgada.
•1 Lea-se dell(L
4
50
avia muito que leixaramos de ver, e huma sesta
feira, que foram xvn· dias de _mayo, vimos
huuma terra alta, a qual avia vinte e tres dias
que nom viramos terra, vindo sempre em estes
dias com vento á popa, que. ao menos que po-
dyamos andar em esta travesa seriam seiscen-
tas legoas. E averia de nós aa terra, ao tempo
que a vimos, oyto legoas, e aly lançaram o
prumo e acharam quorenta e cinquo braças,
he aquella noute fezemos o .-caminho ao su-
sueste por nos arredarmos da costa, e ao outro
dia .viemolla .dem~ndar e nom· nos chegámos.
tanto a ella que o piloto podése aver prefeito
· conhecimento da terra, isto pollos muitos chuy-
veiros e trovoadas que. faziam em esta terra
nesta travesa e costa por que navegavamos.·
E ao dominguo fomos juntos -com huumas
montanhas, as quaees estam sobre a cidade de
Calecut, e chegámonos tanto a ellàs até que o
pilloto que levavamos as conheceo e nos dise
que aquella era a terra honde nós desejavam.os
d'ir. E em este dia á tarde fomos pousar abaixo.
desta cidade de Calecut duas legoas, e isto por-
que ao pilloto pareçeo por huma villa que alii
estava, a que chamam Capua, que era Calecut,
e abaixo desta villa está outra que se chama
Pandarramy, e pousámos ao longuo da costa
obra de huma legoa e mêa da ten·a. E depois
51
que asy estevemos pousados vieram de terra a
n6s quatro barcos, os quaees vinham por saber
que jente eramos, e nos diseram e amostraram
Calecut. E ao outro dia iso mesmo vierâm es-
tes barcos aos nossos navios, e o capitam moor
mandou huum dos degradados a Calec~t, e
aquelles com que elle hia levarano bonde es- ·
tavam dous mouros de Tunez que sabiam fal-
lar castellano e januês, e a primeira salva que
lhe deram foy esta que se ao diànte segue:-
Al.diabro que te doo: quem te traxo aquà ?-
e preguntaram-lhe que vinhamos buscar tam
lonje, e elle· lhe rrespondeo: -vimos buscar
christãos e especiaria.- Elles lhe disseram: -
porque nom manda quà elrey de ·Castella e
elrey de França e a senhoria de Veneza?-
e elle lhe rrespondeu que elrey de Portugall
nom queria consentir que elles quà mandasem,
e elles diseram que fazia bem. Emtam o aga-
salharam e deramlhe de comer pam triguo
com meU, e depois que comeo vêose pera os
navios e vêo com elle huum daquelles mouros,
o quall tanto que foy em os navios começou de
dizer estas palavras: -boena vemtura, boena
ventura: muitos rrobis, muitas. esmeraldas:
muitas graças devês de dar a Deus por vos
trazer a terra bonde hà tanta rriquesa.- Era
pera n6s isto tanto espanto, que o ouviamos
'·
.52
fallar e nam o criamos que homem ouvesse
tam longe de Portugall que nos emtendese
nossa falia.
•
57
onbro lançadas (e onbro he ho esquerdo) e por
debaixo do oubro do braço direito asy como
trazem os creligos cl'avangelhos a estolla. Es-
tes nos lançaram agoa benta; dam hum barro
branco q1,1e ·os christãos desta terra R.Costumam
de poonr em as testas· e nos peitos e der1·edo:r
do pescoço e em os buchos dos braços. Toda
esta çerimonia fezeram ao capitam, e lhe da-
vam aquelle barro que poséae, e o capitam o
tomou e o deu a guardar dando• emtemder
que depois o pomria. E outros muitos santos
estavam pintados pellas parredes da igreja, os
quaes tinham diademoas, e a sua pimtur~ ·bera
em diversa maneira, ·porque os dentes eram
tam grandes que sayam da boca huma polega-
da, e cada santo tinha quatro e çinquo braço&,
e abaixo desta igreja estava hum gram tanque
lavrado de quautaria asy como outros muitós
que pello caminho tinhamos 'visto.
...
58
elrey hum irmãoo do baile, o quall era senhor
nesta terra, o qual vinha pera ir com o capitam,
e trazia muitos tambores e anafis e charamelas
e huma espingarda, a qual hia tirando ainte
nós, e asy levaram o capitam com muito acata-
mento, tanto e. mais do que se podia em Espa-
nha fazer a hum rrey. E a jemte era tanta que
nom tinha conto, e os telhados e casas eram to-
dos chêos, afóra a que comnosco hia de IToldam,
amtre a qlall jemte hiriam ao menos dous mil
homens d'armas. E quanto mais nos chegava-
mos pera os paços onde elrey estava tamto
mais jemte rrecrecia. E tanto que chegámos ao
paço vieramse pera o capitam homes muito hom-
rrados e grandes senhores, afóra outros muitos
que já hiam com elle, e seria huuma ora de
soll. Quando chegámos aos paços emtrámos por
huma porta a hum terreiro muito grande, e
ante que chegasemos á porta onde ElRey es-
tava pasámos quatro portas, as quaees pasámos
per força dando muitas pancadas á jente, e
quando chegámos á derradeira porta onde el-
rey estava safo de dentro huum velho, home
baixo de corpo, o qual! he como bispo, e o rrey
se n·ege por elle nas cousas da igreja, o quall
abraçou o capitam há emtrada desta porta, e á .
emtrada della se fyriram homens, e nós emtrá- ·
mos com muita foi-ça.
59
Elrey estava cm huum patim lançado de
co~tas em huuma camilha, a qual tinlm estas
cousas: hum pano de veludo verde debaixo, e
em çima hmm1 colcham muito bom, e em cima
do colcham huum pano d'algodam muito alvo e
delgado, mais que nenhuum de linho, e tam-
bem tinha almofadas deste theor. E tinha á
mã.oo escequerda 1 huma copa d'ouro muito
. grande d'altura de hum pote. de mêo almude,
e era de largura de dons ·parmos 2 na boca, a
quall era muito grosa ao parecer, na qual ta-
lha lançavà bagaço de hull}as ervas que os ho-
mens desta terra comem pella calma, a qual
erva chamam atambm·; e ela banda dirrcita es-
tava hum bacio d'ouro quanto hum homem po-
. dése abranjer com os braços, em o quall esta-
vam aquellas ervas, e muitos agomís de prata,
e o céo de çima era todo dourado. E asy como
o capitam emtrou fez sua ITeverença segundo
costuro~ daquella . terra, a qual he ajuntàr as
mãoos e alevantalas pem o çéo, como acostu-
mam os christãoos alevantar a Deus, e asy como
as alevantam abremas e çari'am os punhos mui
asynha. E elle acenou ao capitam com a mão
derreita que se fose pera debaixo daquelle çer-
• Lea-se esquerda.
• Lea-se palmos.
60
rado onde ellé estava; porem o capitam nam
chegava a elle, porque o costume da terra he
nom chega~ nenhum homem hao rey, salvo
chegava a elle huum seu privado que lhe es-
tava dando aquellas ervas, e quando alguum
homem lhe falia tem a mãoo ante a boca E" es-
taa arredado. Asy como acenou ao capitam,
olhou pera nós outros, e mandou que nos asen-
tasemos em hum poyall perto delle, em lugar
gue nos via elle estar, e mandou nos dar agoa
ás mãos, e mandou trazer huma Íl"llyta que he
fecta como melõees, salvo que de fóra sa.m. cres-
pos, mas de dentro sam doces, e tambem nos
mandou trazer outra fruyta que salll; como figos
e sabe muito be:m, e tinhamos homcs que nol-
los estavam aparando, e elrey estava olhando
como nós comiamos, c estava-se rryndo pera
nós, e falava com aquelle seu privado que es-
tàva á sua ylharga dando-lhe a comer nqucllas
ervas. E depois disto olhou no capitam, que es-
tava asentado defronte, c dise que faláse com
aquelles homes com que estava, qu~ eram muito
honrrados, e que lhes disése o que ellc quisése,
e que elles lho diriam. Respondeo o càpitam
mor que elle era embaixador d'elrey de Portn-
gall, e que llw trazia huuma embaixada, e que
ha nom avia de dar, salvo a elle. ·Dise elrey
que era muito bem, e logo o mandou levar den-
61
tro a hnma camara, e como foy dentro, elrey
se alevantou donde estava e se foy pel'R o ca-
pitam mor, e nós ficámos em aquelle logar. Isto
s~rria .alii junto com o soll posto; e asy como
elrey se alevantou, foy loguo hum homem ve-
lho que estava dentro naquelle patim e alevan-
tou a camilha, e a baixella ficou alii. Elrey
como foy onde estava o capitam lançou se em
outra camilha em que estavam muitos panos
lavrados d'ouro, e fez pregunta ao capitam: que
era o que queria? E o capitam lhe dise como
era embaixador de hunm ·rey ~e Portugall, o
quall .era senhor de muita terra e era muito
rrico de todas as cousas mais que nenhum rey
daquellas partes, e que avia sesenta anos que
os reys seus anteçessores mandavam cada ano
navios a descob1ir contra aquelas partes, por
quanto sabiam que em aquellas partes avia rreis
christaos como elles, e que por este rrespeito
mandavam a descobtir esta terra; e nam por-
que lhes fose necesatio ouro nem prata, porque
tinham tamto em avondança que lhes nom era.
necessario avello desta· terra; os quaes capi-
taeens hiam e handavam em hum ano e dons
até que lhes falecia o mantimento, e sem acha-
l'fllll Dada se tornavam pera Portugall. E· que
ago;ra huum rrey que se chamava Dom Manueil
lhe mandara fazer estes tres naVios e o mandara
62
por capitam mor delles, e lhe disera que elle se
nom tornase pera Portugnll até que lhe nam
descobdse este rrey dos christãoos, e que se se
tornáse que lhe mandada cortar a cabeça, e que
se o acháse que lhe désc duas cartas, as quaes
cartas lhe elle daria ao outro dia, e que asy lhe
manda dizer por palavra que elle era seu irmão
e amiguo. ElRey rrespondco a isto e dise que
elle fose bem vindo, e ·que asy, o avia elle por
irmão e amigo, e que cllc l11c mandaria embai-
xadores a ~ortugall com elle, dizendo o capitam
que asy lho pedia de merçêe, por quanto elle
nom ousaria pareçer presente elrey seu senhor
se nom levú.se alguns- homens de sua terra. Estas
e outras muitas cousas pasáram ambos dentro
naquella cámara, c por- quanto era jtí muito noute
elrey lhe disc _que -o: com quem queda elle
pousar, se com christão~, se com mouros?»-
E o capitam lhe rrespondeo que nem com chri-
stãos nem com mouros, c que lhe pedia por
mercê que lhe mandasc dar lmma pousada so-
bre sy cm que nom este..vése ninguem. E elrey
lhe dise que asy o mandaria: e nisto se despe-
dio o capitam delRey, e vêo ter comn~sco onde
·estavamos lançados, em huma varanda onde es-
tava hlml grande castiçall d'arame que nos alu-
meava, e isto seriam já bem quatro oras ~a
noute. Emtam nos fomos todos com o capitam
63
caminho da pousada e hiàm comnosco muita
gente imfinda, e a aguoa da chuva era tanta
que as n·uas hiam chêas, e o capitam hia ás
costas de seys homes e andámos tanto pella ci-
dade que o capitam se emfadou de andru.· e se
aqueixou com hum mouro honn·ado que he fei-
tor delRey, o qual hia com elle pera o apousen-
tar. E o mouro o levou a sua casa a huum ter-
reiro que estava dentro nella, em o quall estava
hum estrado cuberto de ladrilho, em que esta-
vam muitas alquatifas estemdidas c dons casti-
Çaees daquelles delrey muito grandes, c esta-
vam açesos em çima delles huns candieiros
grandes de ferro com azeite ou manteiga, e es-
tavam quatro matullas 1 em cada candieiro, as
quaes davam grande lume, e estes mesmós can..
dieiros. costumam clles trazer por tochas. E
aquelle mouro fez trazer alii huum cavallo pera
o capitam ir á pousada, e vinha sem sella. E o
capitam nam quis cavalgar, e fomosnos cami-
nho da pousada, em a qual estavam já quando
chegámos çertos homens dos nossos com a cama
do capitam e outro muito fato que ho capitam·
levava ·de que avia de fazer serviço a elrey•.
E á terça feira tinha o capytam estas cousas
pera mandar a elrey: a saber, doze lanbés, e
•
67
:maar ·e o trouxer& a sua ter.ra.. Dise emtam el-
my que lhe dése a carta que trazia. Dise o ear
pitam que lhe pedia por mercê, porqnanto os
mooros lhe queriam mall e nam.a.viam. de di?.er
BeiD8Jll. o contrario, que mandáse chamar hum
ehrill!lf:mn que soubése· fallar a.rra.via dos mouros.
Dise elrey que era. mui bem, e loguo mandou
ehamar hum mancebo pequeno de corpo que
eàamavam Quar.am; e dise o capitam que trazia
8uas cartas, huma era escripta em a. sua lingua-
jem .e a outra em moo.risoo, e que a que vinha
em linguajem. que elle a emteadia muito bem.·,
e .que sabia ·que. vinha muito boa., e1que a outra.
elle nom ha emtendia, ·oe cque' aay >001110 ·podia
viir bem, asy podia viir algnma. cousa errada;
e po:rque o christmn nom sabia ler :mourisco io-
máram quatro moul'C!s ·a carta e ~ramna antre
~ e depois vieram· a ler a.Bte elrey, da qual
ea.rta. elrey ficou eomtente, e preguntou ao ca.-
pytam. que mercadorias avia em sua terra. Dise
o capitam que avia muito trigo, muitos panos,
muito ferro, muito arrame, e MY. dise outras
muiia.s. EJ;rey lhe pregnntou se' trazia alguma
mercadoria. Dise que traroia de todas as cousas
hum pouco pera amostra, e que lhe dése elle li-
ç~ que viese aos navios pera a mandar pô.r
fora, e que ficariam na pousada quatro ou çin-
flUO àomens. Dise elrey que nam, que elle se
5.
68
fose emboora, que leváse todos os seus homeens
comsyguo, e que mandáse amarrar mui bem
seus navios, e que trouxése sua mercadoria em
terra, e que ha vendêse o milhor que podése.
E depois do capitam se despidir d'elrey vêose
pera a pousada e nós outros com elle, e porque
era já tarde nom ·se ocupou o capitam de partir.
E quando vêo a quinta feira pella .manham trou-
xeram ao capitam hum cavallo sem sella, e o ca-
pitam nom quis hir em elle, e dise "lue lhe trou-
xesem hum cavallo da terra,_ que f!8JI1 as andas,
porque nom avia ~e cavalgar em cavallo sem
sella. Emtam o leváram a casa de hum merca-
dor muito rrico que se chama Guzerate, o quall
mandou fazer prestes h umas daquellas andas;
e como foram preste$ partio logo o capitam nel-
las com muita gente caminho de Pandarani onde
estavam os navios, e nós outros nom podémos
aturar depos elle e ficámos muito detrás. E nós
hindo asy chegou o baille e pasou por nós, e
chegou bonde hia. o capitam, e nós outros ~rrá
mos o caminho e fomos muito por dentro do sar-
tam. E aquelle baile mandou hum homem de-
pós nós que nos emcaminhou. E quando chegá-
mos a Pandarany achámos o capitam dentro em
hum estaoo 1, dos quaees avia muitos per estes • I
I
69
caminhos péra os pasaJeiros e caminhantes se
acolherem das chuvas. Estava com o dito capi-
tam o baile e outra muita gente, e como n6s
chegámos dise o capitam ao baille que lhe man-
dase dar huma almadia pera hirmos pera os
navios, e elle com os outros .diseram que era já
tarde, co~o de fecto era já soU-posto, e que ao
·outro dia se iria. E o capitam ll1es dise que se
lha emtam nom desem que se tornaria a elrey,
porque elle o mandára .vir aos navios, e que el-
les o queriam deter, e que aquillo era mall fecto
sendó elle christãoo como ell~íJ. E vendo elles
como o capitam avia menencoria diseramlhe
que fose, e que lhe dariam tl'inta almadias se
tamtas fosem necesarias. Emtam nos leváram
. ao lomguo da praya, e o capytam parecendo-
lhe aquillo mall mandou diante tros homens e
que se achasem os batés' dos navios e hii este-
vése seu irmãoo, qp.e se escondêse. Foram elles
e nam acháram nada, e tornáram-sc, e nós le-
váramnos por outro cabo, e nom nos podémos
emcontrar. Emtam nos leváram a casa de hum
mouro, porque isto hera já muito noite, e como
alii chegámos elles diseram que queriam hir em
busca dos tres homens que nom .tornáram mais
a n6s, e· como se elles foram mandou o capitam
vasto aposento, patente sempre aos viandantes para repousarem
ou pernoitarem.
70
-conprar muitas galinhas e muito arroz, e come-
mos ainda que estavamos muito quansados d'a.n-
dar todo aquelle dia. E elles dêsque se foram
nunca mais tornáram senam pella ma.nham, di-
zendo o capitam que lhe parecia aquella jente
de boa condiçam, porque aquillo que lhes feze-
ram de os nom leixarem hir o outro dia á noute
·O fezeram por lhes pareçer que lhes faziam niso
boa obra, ainda que por outra parte tinhamos
todos delles má sospeiçam, e nos parecyam maU
pello que tinhamos já pasados os outros dias em
Calecut. E quando ao outro dia elles vieram
dise o capitam que lhe desem barquas em que
fose a seus navios, e elles começáram todos a
mormurar huns contra os outros; e diseram que
mandáse trazer seus navios mais pera junto com
terra, e que emtam hiria a seus navios. Dyse o
capitam que· se elle mandáse vir os navios que
páreçeria a seu irmãoo que o tinham preso, e
que por força lhe faziam fazer aquillo, e que
emtam alevantaria as vellas e que se hiria pera
Portugall. Diseram elles que se elle nom man-
dáse trazer os navios junto com terra que nom
avia d'ir a elles d'outra. maneira: dise emtam o
capitam que elrey Camolim o mandara vir pera.
seus navios, e que pois elles o nam queriam lei-
xar hir asy como o elrey mandara, que elle se
tornaria a elle, e que elle era christam. como
7t
eUe, e que 8e elle o nam leixáse hir e quisese
qu.e elle esteyése em sua terra que elle folgaria
muito, Elles. diseram que sy, que (ose, porem
nom davam a iso logar, porque as portas d'onde
estavan;tos foram loguo todas cerradas, e muyta.
jente d'armas dentro que nos guardava, em màr-
neira que nenhum de nós safa f9ra que nom
fosem com elle muitos. homens. E depois torná,..
ra.m a cometer que lhes desemos as vellas e os
governalhos 1 : ~se emtam ~ capitam que. lhes
nam avia de dar nenhuma daquellas cousas, ·
pois elrey Camolim o mandar~ vir pera seus
navios sem nenhuma condiçam; que fezesem el-
les o que quisesem delle, que elle nom lhes avia
de dar nada.
1 Lea-se alambrea.
• Lea-se bahar.
79
meyro que lhe podéee falar se pasúam quilo
dias, e quando o que este qecado levava emtrou
ltonde elrey estava elle o olhou com máoo sem-
hran1le e lhe pergamt.ou que queria, ~ elle lhe
deu o n-ecado do capitam na m&Deira açima ea-
cripto, e como lhe mandava aquelle serviço.
Dise elrey que aquillo que lhe levava que ho
clesem ao feitor e nom ho quis ver. E d.ise que
disesem ao capitam que pois se queria hir que
lhe dése seiscentos xarifes 1 e que se fose emboo-
:m, e que asy era o costume daquella terra e dos
que a e11a vinham. Dise emtam Diogo Diz, que le-
va-n. este rreeado, que elle tomaria com aquella
noeposta ao capitam. E asy como elle partio par-
tiram certos homens com elle, e como foram na
eua onde estava a mercadaria em Calecut me-
teram homens dentro com elles que ós gua.rda-
vam que nom aaisem., e asy mesmo mand.á.ram
loguo apregoar por toda a eidad.e que nenhuma
'barca nom fose a boordo dos navios. E asy como
elles viram que estavam presos, mandáram hum
moço negro que com elles estava, que fose ver
ao longo da costa se acharia quem o trouxése
aos navios, e que d.isése como eram presos por
mandado delrey. E elle foyse ao cabo da cidade
encle moravam huuns pescadores, -e hum delles
1 Lea.-se a:erajinB.
-80
o trouxe por tres fanóes, e isto porque a noute
se comesava a cerrat:, e nos os podiam ver da ci-
dade, e asy como o poseram a bordo logo se
partio ~ faz~r mais tardança; e isto foy a
huma segunda feira, q~e eram treze dias do
mês d'agosto de 1498.
86
ventura, e que os da terra diziam gue elle era
christãoo e que viera a Calccut por mandado
d'elll'ey de Portugall, pello quall ante se queria
vir com ellcs que estar em terra honde esperava
que cada dia o matasem. E quando vêo ás dez
oras do dia vyei·am sete barcas com muita gen-
te; tres dellas traziam sobre as tostes alanbés
postos, daquelles que. nos fycáraní em terra,
dandonos a emtendcr qlJ.e alü traziam a merca-
doria toda. Estas tres chegavam se aos navios
c as outras quatro ficavam de largo, e nam se
chegavam ta!lto que nom andasem hum bom
pedaço arredados dos navios, c diziam que po-
sesemos os homens cm a nossa barca eque elles •
ponriam a mercadoria em ella e que tomariam
os seus homens. E depois .de conhecermos esta
ri'aposía o capitam moor lhes dise que se fosem
que nom queria mercadoria, scnam levar os ho-
mens a Portugall, c que aguardasem bem que .
elle esperava çcdo tornar a Calecut, e que en-
tam sabe1iam se' eramos ladrõoes como lhes di-
ztam os mouros.
87
. tena com paz e amigos da jente, ouve por con-
selho o capitam moor com os outros capitãees
de nos partirmos e levarmos aquelles homens
que tinhamos, porque aquelles tornando a Cale-
cut fariam fazer as amisades, e logo fezemos as
vellas e nos partimos caminho de Portugall,
1in.do todos muito ledos por sermos tam bem
aventurados de acharmos huma, tam grande
cousa como tinhamos achada. A quinta feira
oras de mêo dia, amdando nós em calma abaixo
de Calecut obra de huuma legoa, vi~r.am a nós
obra de setenta barcas com muita gente im:fin-
da, e traziam davante hum emparo de pano ver-
• melho dobrado como loudell 1 muito forte. Estas
sam as suas armas do corpo e das 1nãos e. da
cabeça ...." E como chegáram dos navios a tiro
de bonbarda tiraramlhes logo do navio do capi-
tam moor e asy dos outros navios. E vinriam
depós nós asy obra de huma ora e mêa. Elles
indo asy depós nós deunos huma trovoada que
nos levou pera o mar, e quando. viram que já
nom podiam fazer nada tornáram-se pera terra.
E nós syguiiP.os nosso caminho.
t Talvez travessa.
ti Ter~•sem.
abobaras e pipinos: preguntoulhe emtam o ca-
pitam moor que se avia alii naquella terra ca-
nella ou gingivre ou outra alguma especiaria:
diseram que canella avia muita, mas que nom ·
avia outra. nenhuma ~speciaria. Mandou loguo
o capitam com elles dous· homens a terra pera
lhe trazerem amostra della, os quaes os leváram
a huma mata em que avia im:fimdas arvores
della, das quaes arvor~s cortaram dou'S grandes
rramos com sua folha, e nós fomos com os bat6s
pera avermos de tomar augoa, e a<"hámos aquêl-
les dous homens com os rramos que traziam da
canella, e com elles vinham já obra de vinte hQJ
mens, os quaes troxeram ao capitam muitas ga-
linhas e leite de vaquas e abobaras, e diseram
ao capitam que mandáse com elles aqueles dous
homens, porque elles tinham d'alii huum pedaço
muita quanella seca, e que ha hiriam ver e tra-
o
de letras ou palavras.
• I"ea-se pollo.
s Lca-sc perto.
logo com ella, e nom achámos em ella salvo
mantimento e armas, e o mantimento era coquos
e qu~tro talhas de huuns queijos d'açuquar de
palm~, e todo o ali era arêa que ·vinha por las-
tro: as outras sete deram comsyguo em seco, c
com os batés as fomos esbombardear.
.
, Ao outro dia pella manham, estando nós pou-
sados, vieram a nós sete homens em huuma bar-
ca, e diseram como aqueles navios eram de Ca-
lecut, e que vinham _em nossa busca, e que se
nos tomáram que nos matáram todos. Ao outro
dia, depois que partimos daquy, fomos a pousar
aalem d'onde de primeiro estavamos dous tiros
de bombarda, em huma ilha em a quallnos di-
seram que avia agoa. l\1andou logo o capitam
mora Nycolao Coelho em hum bateU armado
a ver onde estava a aguada, o quall achou em a
dita ilha huum edeficio de huuma igreja do
grande quantaria, a quall estava derrubada dos
mouros, segundo os da terra diziam, .senam
quanto a capella estava cuberta de palha, o
elles faziam oraçam a tres pedras negras, as
quaees estavam em mêo do corpo da capella;
e mais achámos, álem desta igreja um tanque
de quantaria, iso mesmo lavrado, em o quall to-
mámos quanta agoa quesemos, c em cima de
toda a· ilha estava húm grande tanque d' altura
95
de quatro braças 1, e mais achámos defronte
desta igreja" huma praya em a quall espalmá-
mos o navio Berrio, e o navio do capitam mpor:
o Rafaell nom foy a monte por respeito dos in-
comvenyentes abaixo escriptos.
atropelar-11e.
'99
101
sem ter outra nenhua doença; da qual nos mor-
rêram em o dito tempo trinta homes, af6ra ou-
tros tantos que já eram mortos, e os que nave-
gavam em cada naoo seryam sete ou oyto ho-
mens, e estes nom eram ainda sãos como aviam
de ser, do que vos afirmo que se nos mais du-
rára aquelle tempo quinze dias andaramos por
ese mar atravês, que nom ouvera hii quem na-
.vegara os navios. Em tall ponto eramos que era
já todo composto•: e andando n6s asy ne~ta
coyta 2 faziamos muitos prometimentos a santos
e pititores 3 pe)los navios. E os capitães tinham
já fecto comselho que se nos vento igual acu-
dise, que nos tornáse a terra da India d'onde
partiramos, de arribarmos a ella. Quys nos Deus
por sua misericordia dar tal vento, que em obra
de seis dias nos trouxe a terra, com a quall fol-
gámos tanto como se for~ de Portugall, porque
. esperavamos com ajuda de Deus guareçer em
ella como da outra vez. E foy huma quarta feira
dous dias de fevereiro da era de mill ccccLXLIX
anos; e porque já eramos perto de terra e era
de noute fezemos em outra banda e payrámos;
e como foy manham fomos a demandálla terra
pera sabermos h.onde Nosso Senhor nos tinha
1 Talvez ducomposto, isto é, desordenado, indisciplinado.
1 Amicçlo, trance.
a Advogados, protectores, que pedem a Deus, ou, talvez, p&-
tlitorios•
•
•
102
Outro regno
. -
Quprongoliz he de christãoos e o· rey chris-
tãoo: estaa de Calecut tres dias per mar <le bom
vento: este rrey poderá ajuntar quatro mi1l ho-
mens de peleja: aquy ha muita pimenta, e va.U·
aquy huma farazalla nove fano~ens, e em Ca.-
lecut val quatorze~
Outro rreino
Outro regno
Outro regno
Outro rreiDo
Outro rreyno
Tenae-Pumi-Paramganda-Uja pee-
Quilaba-Gouaa-Aja paa-A rreco-A xi-
rama-Cuerapa -Cutotopa -Anapa- Cana-
pa-Gande-Rremaa-Mamgala.
•
•
•
NOTAS ·
•
•
..
•
126
data em dez dias a versilo de Ramusio que collóca a che-
gada em 18 do mesmo mez.
Desta fórma, combinando as datas e os textos da.. edi-
çlo de 1509', da. de Grynéu de 1537 e da versão italiana.
de Ramusio, podemos fixar as daw seguintes para as
quatro viagens de Americo V espucio :
• •
t27
respeito com o que escreveu na memoria cDa Antigui-
dade da Observaçilo dos Astros» inserida no tomo v, par- ·
te 1.•, pag. 77 das Mem. da Academia, onde diz que o
mesmo gentil-homem florentino viajara com V asco da
Gama ; asserçilo esta que, além de contraclictoria, é in-
sustentavel á vista do contendo da relação a que se re-
fere.
II
•
cre~eram; sllo tambem primeiros no conceito que nos de-
vem merecer. Castanheda, BaiTOs, Goes, Faria e Sousa1
unanimemente assignam, como dia da partida, um sab-
bado 8 de julho de 1497, e o seu testemunho é corrobo-
rado pela auctoridade do nosso anonymo, que, se :ffira
necessario, podéra decidir a questllo, tanto pelo grão de
crença que merece, como pela coherencia com que, par-
tindo desta, procede em todas as mais datas da sua nal'-
rativa.
Pelas citaçaes anteriores vê-se que é insustentavel ou-
tra data para a partida de Vasco da Gama que nllo seja
a de 8 de julho de 1497. Cumpre-nos agora rectificar uma
citaçllo incorrecta que, a este respeito, na referida Noti-
~ia se encontra. Diz-se ahi que na Asia de Faria e &a-
sa, c. 4.0 parte La, falta o dia da partida de Vasco da
Gama. Ora, veri:fiéa.ndo esta citaçllo, achamos mqi ex-
pressamente em Faria e Sousa as palavras cSalio dei
puerto de Lisboa um salJado., oclw de julio de 1497 :e.
Notaremos de passagem outra pequena falta de exacçlo
na citaçllo que na Noticia se adduz relativamente á par-
tida de João da Nova no anno de 1501. Aflirma-se alli
que a «Asia» de Faria e Sousa, e a Dec. 1, liv. 5. 0 , c.10. 0
de Barros poenÍ a partida deste capitllo no mesmo mez e
•
.135
anno que o codice n. 0 10023 que 8. colloca a 15 de rn&l'ÇO
de 1501, mas que não indicam o dia. Isto é exacto seS-
mente em quanto a Faria e Sousa; porque Barros esta-
belece o dia 5 do mesmo mez e anno, como é facil de ve-
rificar.
'
Accrescentaremos que suspeitamos que a data de 19
de novembro de 1509 em que Faria e Sousa colloca a
partida de D. Fernando Coutinho (Asia, tomo I, parte .2.•
c. 3. 0 ) é erro de copia ou de impressão, no referido histo-
riador. Na aMemoria de todas as arp~.adas:o, que anda
annexa á sua Asia (e que é aquella a que s~ refere a
nota b do proemio das navegaç&s de Cadamosto, na col-
lecção das noticias das n~es ultramarinas da acade-
mia), nlo especifica Faria e Sousa senão o anno das par-
tidas, o~ttindo mez e dia pelo motivo que preceden-
temente adverte de ser anotorio que es entre febrero e
abril ordinariamente», notando que aquando partieron
en otros tiempos lo dizemos en aquellas de que se supo.»
E quando chega á armada do commando de D. Fran-
cisco Coutinho, aponta o anno sómente; donde deveria-
mos concluir, f!egundo as indicaç(les do mesmo Faria e
Sousa, que a armada partiu entre fevereiro e abril, o que
vae de encontro com o dia 19 de novembro. Com effeito
a data 12 de março é aquella que é geralmente indicada.,
conforme com o codice 10023.
A circumstancia de não assignalar a cMemoria das
armadas» de Faria e Sousa os dias da partida, e a de
abranger o periodo de 1412 a 1640 mostram ~ que
nlo póde o Diario do coàice 10023 ser a memoria apo:a-
tada de Faria e Sousa. Quanto á possibilidade· de ser ou
não este e:Diario:o aquelle que deixou m.anuscripto e
prompto coin as licenças para a impressão Francisco Luis
Ameno, como diz Barbosa na Bib. Lusit., tomo IV, pag.
.
'
136
136, podemos affouta~ente decidir a questão pela nega-
tiva. Na bibliotheca portuense existe uma copia d~ste
inedito de F. L. Ameno, e á vista della se conhece a dif-
ferença que tem do codice 10023: 1.0 porque abrange ·
desde 1410 até 1761; 2. 0 porque :fixa a partida de Vasco, ·
da Gama em 8 de julho de 1497. Mais poderiamos dizer
sobre a fonte dond~ derivou o Diario do codice 10023;
mas seria isso alheio do nosso assumpto.
'
- .
Rio do Infante Rio do Infante Rio do Infante
(15legoas) (15 legoas) (20 legoas)
Derradeiro padrão
de.Bartholomeu.Dias
(5 legoas)
Ilhéus Chios Ilhéus Chios Ilhéus Chãos
(5legoas) (5legoas) (5 legoas)
Sul
•
14-6
gem nl.o há outro, e por isso lhe puz este nome ... e an·
tes de chegar ao Rio do Infante oito legoas se descobrem
na praia algumas abertas de ribeiros, e adiante ·tres .le-
goas estio humas barreiras, ao pé das quaes está. o pe--
nedo que se chamá~es~ o qual é uma pedra com dego-
lada no meio que parece ilheo mas não o é.»
Nesta conformidade se devem emendar as erradas de-
marcaç<'Ses admittidas pelos esariptores que citámos, e
que se encontram em grande numero de mappas com
maior ou menor confusão.
Quanto á correspondencia dos nomes modernos com
. os que se leem no presente Roteiro, ve-se que subsistem
ainda, mais ou menos con:ompidos, os dos ilhéus Chios
e da Cruz. O rio do Infante, aBBim denómina4o do com-
panheiro de Bartholomeu Dias (Joio Infante segundo
Barros, ou Lopo Infante segundo Go~s), é hoje conhe-
_oido pelo nome de Groote- Visoo Rivier~ La. Grande Ri-
vi~re des Poissons; e não se deve dar fé á:quelles mappas
que· o cónfundem com o rio de S. Christovam, que, se-
gundo Perestrello, fica oito legoas para o ~orte.
•
pouco importantes, e que frequentemente se encontram
nos escriptores das cousas da. lndia..
J olo de Barros (Dec. 1, liv. 4.o, ca.p. 4.0 ) diz: cdia de
Reis entrá.ram no rio delles, e alguns lhe c~mam dd Co-
bre• ; sendo evidente do texto do nosso auctôr, corrobo-
rado por Goes, Castanhedo. e Osorio, que a 6 de janeiro
andava a armada á vella e sómente a 1O ou 11 entraram
no rio do Cobre. Barros parece confundir n'um mesmo
rio os dous, dos Reis e do Cobre, que se acham distin-
ctos na carta do oceano oriental por Bellin juncta á His-
toria Geral das Viagens, em que o rio dos Reis é marcado
muito mais ao sul que o rio do Cobre (ou aguada da Boa
Paz); e n'um dos mappas de Linschott achamos o rio doe
Reis correspondendo ao rio d'Aroé do ma.ppa de d'Anvil-
le, a que já a.lludimos, onde figura como desembocando
na. bahia de Lourenço Marques.
_ _ A aguada da Boa Gente tem conservado seu primeiro
nome, e é ainda hoje mais geralmente denominada a
«aguada da. Boa Paz», ficando ao norte da bahia da. La-
gôa (ou de Lourenço Marques), e entre' o rio chámado
da Lagôa e o rio Inhampura.
10.
!48
Goes (P. I, c. 37) diz que cada metical valia 420 réis;
Barros (Dec. I, liv. 4. 0 , c. 4. 0 ) que 30 meticaes podéram
ser até 1~000 réis.
Goes Osorio
•
Pag. 35... cvimos ~muma ilha mui grande
que nos demorava ao norte.»
. A ilha de Momfia.
·Barros (Dec. 1, liv. 4.0 7 cap. 5. 0 e 11.0 ) diz que aos bai-
xos de que neste logar se fala se dera o nome de S. Ra-
phael não tanto pela circums~cia de o navio deste nome
alli tocar em secco, como porque ahi se perdera na. volta
para Portugal, o que á vista do que diz o nosso auctõr
·a pag. 104 é evidente engano. Goes segue este. (Veja~se
c. 44. 0 ) As serras de S. Raphael vem a ficar na terra
firme opposta á ponta mais septentrional.da ilha de Zan-
zibar. Acham-se marcadas (as serras, terra ou baixas)
em quasi todos os mappas.
154
É a ilha d'Anchediva.
lbid... «Üaell. »
.
· Cael é mencionada por Duarte Barbosa, 'por Luiz Bar-
thema (que lhe •chama Chail_, como se póde ver em Ra-
musio), e por outros mais modernos, e já. o tinha sido por
Marco Polo. Hugo de Linschot, no mappa que nos appr~
senta apag. 20 de suas Navegarjies_, assignala Cael; mas a
incorrecção da deli:tJ.eaç!o das costas e a pequenez de sua.
escala não nos subministram luz alguma para determinar
.a situação deste logar. Duarte Barbosa porém é tão ex-
plicito que podemos decidir que Cael ou Callet, cidade
sitúada na provincia ou territorio então chamado Quili-
care ou Calle-care1, a pouca distancia para o sul do cabo
de Calymere, tomou subsequentemente o n()me do dis-
tricto, ~ encontra-se hoje nos mappas com as denomina-
çê'Jes de Killicare, Quillicari, etc. Na versão italiana do.
livro de Duarte Barbosa, que nos conservou Ramusio,
achamos apontadas 90 milhas como distancia entre o cabo
Comorim e Cael, o que na traducçlo, cotejada com uma
copia portuguêsa, que a academia real das sciencias de
Lisboa publicou, se verteu por 80 milhas, usando-se pro-
vavelmente de outra escala de milhas. Nlo faça duvida
o dizer o nosso auctor, sob a fé de quem lh'o communi-
cara, e discordando de Barbosa, que Caell era reino dis-
tincto de Coulão, porque este ultimo viajante, que escre-
veu em -1516, nos informa de que o regulo que gover-
nava em Caell pelo rei de Coullo, era «tão rico e pode-
171
gem seer muy lomga, que pa880u de dous annos, como
tambem por nos :ffazer mays verdadeira. emformaçam
da terra e cousas della. E vemdo nós ho muito seruiço
quê a nós e _a Rossos rregnnos na dita v-Jagem e des~
cubrymento fez, e gramde proueito que nom somente a
elles ditos n081!0& rregnnos mas a toda ha ·crystamdade
se pode seguir e da.nyfyca.mento que aos ymfiees se es-
pera. por atee ho tempo dagora. terem o logramento da
dita Imdya e mais prymcipallmente pollo muito seruiço
que a no88o senhor esperamos que se sigua por todas
has gemtes da dita Imdya parecer que ;ligeyra.mente se
poderám. trazer ~ verdadeiro conhecimento de sua samta
:ffee pollo muyto que ja dela tem alguuns deles serem
e estarem nela imteyramente confyrmados, queremdo-
lhe em alguuma parte agalardoar ho .muito que nos
nysto tem seruido como todo primcipe deue fazer aa-
queles que asy gramdemente e bem ho seruem. E por
lhe :ffazermos graça e merçee de n~so propyo moto li-
ure vomtade certa syemçia poder rreal e aussoluto, sem
nollo elle pedyr nem outrem por elle, lhe :ffazemos pura.
liure e imrreuogauel doaça.m deste dya pera todo sem-
pre antre viuos va.ledoyra, de trezemtos mill reis de
rremda em: cada huum anno de juro e herdade pera
elle e todos seus descemdemtes e em parte de pago
delles lhe damos ha dizyma noua do pescado da villa
de synes e de villa noua de mill fomtes asy e pella
maneira que ella a nós e á coroa do rregnno pertem.çe
e ao dyamte pertemçer pode em preço e contya. de sa-
semta mill reis que hachamos que vai cadanno, e poeto
que ao dyamte mais creça s~ pera .elle e pera seus
herdeiros e se menos valer nós nom seremos hobry~
·gado a lho compoer, a qnall dizima de nós tynha. dom
martynho de castel bramquo veedor de nosa :ffazemda
•
172
' e nolla. leix()u pera a .da.ftnos ao dito Vasco da. gama-e
a elle demos satisfaçam della em outra parte, e asy lhe
damos ·e queremos que aja. polas nosas &yS&It .da ~
'Villa de syties çemto e irymta. mill reis ·em cada humn
a.nno que he o preço que rrazoadamente aa ditas· syaas
hóra. valem; das quaees syslijf queremos e mandamos
que se n~m faça ·nenhum& d~ que seja MY pem
nós· como pera noso asemtamento nem pera outra ne-
JÍhttma eousa per e.peciall que seja atee ele seer aca-
bado de pagar da eopya dos ditos cemto e trymta·mill
reis, e lw que mays creçer ho nosso a.lmoxarife ho rre-
eadará pera nós e se men08 rremder ho 'Ule ffaJ.ever
auerá. pollas nosas sysas de samti.ago de cacem, e ele
poherá de sua mio rreeebedor na dita villa. de synes
que rreçeba ·e rrecade hos ·ditos çem.ro e trimta mill
reis. E acomtecemdo de os rremdeiros q11e forem das
sysas della perderem ou JWD. quererem pagar como
lido ob"rigados então nos praz que elle dito vaaco da
gama ou sseus herdeiros ou seu rreçebedor posa 0011-
tranger e ixeccutar os ditos :n-emdeiroB pollo que basy
deuerem atee eles per emcheo ~ quebra serem paguos
da dita oopya asy como farya ho 110810 ~e ar-
rooad&mdo ilera nós has ditas sysas, ho -quall lhe em-
1regará. para yso suas· fyamças e elles poderim apellar
ou agra'V&r pera ho nosso comtador ou pera noaa la-·
'ZIImlda sse nyso semtyrem serem agravados. E pera
·Mta pagua ser mays çeria e segum nós nom faemos
nenhuma quyta aos rremd.eim3 daa ditas sysu em ouo
qae pe~ nellas. ~ liae daD8B e qu__..s
cpe aja elle e uy·~~eus·~ndes poliu 1I88U sy.s
d.a·odita•Wla de s.mtiag(r ~ta mill reis em 08da
huum a:ano.hos.quaee~:aWldal e 1tae serAm. pagos· poB~
DOlO JTOOebedor deli.. aoe. ~ cJe aJ1DO per ,.._
.
173
cheo sem neles auer quebra paguamdolhe primeiro seu
•
quartel que outra nenhuma despesa que faça· e asy de
quartel cm quartel tee fym do anno. E asy mesmo lhe
pagará aos quartees sem quebra polia dita maneira
qualquer dinheiro que lhe faleço:;e em a dita villa de
synes para eompeymento dos cemto e trynta mill reis
levamdo certydão do noso comtador de beja da comtya
que quebrou nas ditas sysas de synes. Ao quall ~-
' damos que tanto que elas forem arremdadas e souber
o que asy nelas ha de quebra lhe dee logo a dita cer-
~o e o dito rreçebedor cobrará sseus conhecimentos
e os dará em comta ao nosso almoxarife ou rreçebedor
da dita villa de beja, ao qual mandamos per esta que
lhos rr~eba. E quamto he aos setemta mill reis que
faleçam pera comprimento dos ditos trezentos mill reis
lhe mandámos logo dar e asemtar asy de juro e derdade
em a casa do paço da madeira desta cydade de lixboa,
e ouve dello nosa carta patemte. E per esta mandamos
aoe ditos 1101!80 allmoxarife e_ comtador de beja que ho
metão logo em pose da dita dizima do pescado de sy-
nes e lha leixem ther lograr e pesuir e rremdar e arre-
cadar oomo lhe prouuer e asy lhe leixem auer rreceber
e an-ecadar pera sy em cada huum anno a. elle e a to-
dos seus herdeiros desçemdentes deste janeyro que ora
passou da era de mill e quynhemtos em dyante polias
diii..s sysas de synes .hos ditos cemto e trynta mill rei&
na maneyra que dito he per esta soo carta sem mai6
tJrar outl'a de nosa fazemda, e por ho trelado dellat que
fyeará rregistado no liuro do dito allmoxarifado lhe se-
1'811l levados em despesa os ditos çemto e trimta mill
• reis de synes e aay hos coremta mill reis que ha dauer
em aamtyaguo. Outro sy ho fazemos almi.ramte da dita
Imdya com todalas homrras priminemcias liberdádes
17i
•
poder jurd.yçam J.Temdas foros e d~ytos que co:in ho
dito almira.mta.do per direito deue auer e as tem ho
nosso almiramte destes rregnos segumdo mais compri-
damente se contem em seu rregymento, as quaees rrem-
das e direitos se emtemderâm dos lugares e terras que
.a nosso senhor aprouver della vyrem e estarem a nosa
obydyencya. Outro sy nos praz e "lhe outorgamos e lhe
fazemos doaçam e merçê .de juro e derdade deste dia
pera todo sempre que numca em tempo alguum posa
seer rreuogado que ho dito vasco da gama é todos
seus desçemdentes que herdarem e ouuerem hos ditos
trezemtos mill rreis de rrenda em cada vyagem que
emvyarmos nauyos á dita Imdya, emtemdendO"se cada.
anno huma vez, posam mamdar nelles duzemtos cruza-
dos e trazellos :qas mercadorias que lhe aprouuer sem
delas nos pagar outro direito nem tributo alguum saluo
pagar a vymtenna ha hordem de christo. E mandamos
aos noss.os capytãaes e feitores que lá. forem que lhe
leuem hos ditos duzemtos cruzados e os tragam empre-
guados nas ditas mercadoryas. E bem asy o ffazemos
a ele dito vasco da gama de dom, e por seu respeito yso
mesmo queremos e nos praz que ayres da guama e ta-
reyja da gama seus irmãaos sejam de dom e se posam
todos daquy em dyante chamar de dom e asy seus fy-
. lhos e netos e todos aquelles que deles descemderem.
A qual doaçam lhe asy fazemos deste dya pera todo
sempre de juro e derdade como dito he sem embarguo
de q\Iaeeaquer leix hordenaçéles direitos canonycos e
cyues grosas foros custumes opynyéles de doutores ca-
pytollos de éortes .e cousas que comtra esto sejam ou
ao dya.mte posam seer feytas, as quaees todas e cada •
huma dellas aquy avemos por expresas e decra.radas e
por de nenhum efeyto e vygor. E queremos e manda-
175
mos que esta nosa carta de doaçam tenha e Yalha asy
e tam comprydamente como nella he comtheudo e pro-
metemos põr nós e nossos soçesores que após nós ham
de vür de numca hyrmos comtra ella em parte nem em
todo amtes ha fazermos sémpre compryr e mamter como
nella he contheudo; e asy rrogamos ee mcomendamos
aos noBBos sobceBSOres por nosa bemçam que numca
comtra ella valo em parte nem em todo runtes ha. fa-·
çam asy compryr e manter como nella he decrarado
·por quamto asy he uosa merçc. Outro sy queremos c
mandamos que os herdeiros do dito vasco da guama
que esta mercê ouuerem derdar se chamem da gama
por lembramça e memorya do dito vasco da gama c
em testemunho e por fyrmeza de todo lhe mandamos
dar esta nosa carta per nós asynada e aselada de nosso·
selo pemdemte. Dada em a nosa cydade de lixbooa a
dez dias do mes de janeiro : guaspar. rrodrigues a fez
anno de nc;>sso senhor Jhesu Christo de mill e quynhem-
tos e dous.
Liv. m de D. João III, fol. 166.