Medcel - Neurologia
Medcel - Neurologia
Medcel - Neurologia
NEUROLOGIA
© 2017 by
O conteúdo deste livro é específico para provas, visando, principalmente, informar o leitor sobre as
tendências das avaliações e prepará-lo para elas. Além disso, não é recomendado para a prática médica
ou para a formação acadêmica. Acrescente-se que há a probabilidade de discordâncias entre conceitos das
diferentes instituições, e que as informações contidas neste material estão de acordo com o regime vigente
no momento da publicação, a serem complementadas conforme surgirem novos conhecimentos.
Julho, 2017
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da legislação vigente.
Direitos exclusivos para a língua portuguesa licenciados
à Medcel Editora e Eventos Ltda.
Av. Paulista, 1776 - 2º andar - São Paulo - Brasil
www.medcel.com.br
(11) 3511 6161
Autoria e colaboração
Atualização 2017
Victor Celso Cenciper Fiorini
Revisão técnica
Um excelente estudo!
METODOLOGIA MEDCEL
Antes de iniciar a leitura deste livro, independente do capítulo por onde você quer iniciar, faça esta pergunta a si
mesmo: “Eu sei estudar?”.
Questões
Dicas:
- Organize-se;
- Programe seus estudos determinando uma quantidade de horas por dia para dedicar-se a eles;
- Escolha os temas que vai estudar;
- Observe as estatísticas de cada especialidade e de cada tema;
- Leia os resumos e dê atenção aos ícones de dicas de cada capítulo;
- Faça anotações;
- Pratique resolvendo os exercícios;
- Faça intervalos; isso faz o cérebro reter mais informação.
Além de tudo isso, à medida que avançar no conteúdo dos capítulos, você vai perceber que criamos ícones que
destacam tópicos relevantes para memorização, como dicas, tratamento, quadro clínico etc. E mais: em cada
capítulo, você terá acesso a questões de aplicação e absorção, aliando a teoria ao dia a dia prático do médico.
Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso intercostal ou carina no trauma contuso (por exemplo, a avulsão do brônquio-fonte
da artéria mamária interna, ou fratura-luxação da coluna torácica. A direito). Acarreta alta mortalidade, geralmente no local do acidente.
Tratamento
maioria dos sangramentos é autolimitada e não necessita de trata-
mento cirúrgico hemostático específico, apenas de drenagem pleural, Os sinais e sintomas da lesão podem ser inespecíficos, como cianose, Diagnóstico
em 85% dos casos. O hemotórax pode ser classificado em pequeno hemoptise, enfisema subcutâneo e dispneia. Pode haver associação a
O diagnóstico de lesão da
(300 a 500mL), médio (500 a 1.500mL) e grande ou maciço (acima de fraturas de costela e esterno, e o pneumotórax é um achado comum. O
O tratamento do hemotó- árvore traqueobrônquica é
1.500mL). Clinicamente, há diminuição do murmúrio vesicular do lado principal elemento clínico para diagnóstico é o grande vazamento de ar
rax consiste na drenagem confirmado por broncosco-
afetado, com discreta macicez à percussão. O raio x de tórax evidencia após drenagem torácica.
de tórax, que remove o pia. Mais recentemente, tem
hemotórax a partir de 200mL de volume.
sangue, monitoriza o sido utilizada a tomografia
Em pacientes com insuficiência respiratória, pode ser necessária a in-
sangramento e diminui o computadorizada multislice,
O tratamento conservador não é recomendado, pois, se o hemotórax tubação seletiva do pulmão oposto ao lado da lesão. A intubação pode
por ser menos invasiva.
risco de formação de coá- não for drenado precocemente, haverá risco de evoluir para um hemo- ser difícil, em razão de hematomas, lesões orofaríngeas associadas ou
gulo. Haverá indicação tórax coagulado e até empiema. lesão traqueobrônquica. Nesses casos, indica-se a intervenção cirúr-
de toracotomia se houver gica imediata.
drenagem inicial acima C - Contusão pulmonar
de 1.500mL de sangue Aos pacientes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser postergado
ou superior a 200mL de
sangue por hora nas 2 a
Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais comum (Figura 10),
especialmente perigosa nos idosos, cuja reserva funcional pulmonar é
até a diminuição do processo inflamatório local e do edema. Em lesões
menores do que 1/3 do diâmetro da traqueia e em lesões brônquicas, Pergunta
menor. A insuficiência respiratória desenvolve-se progressivamente e pode-se optar pelo tratamento conservador. Lesões maiores de tra-
4 horas subsequentes. decorre de hemorragia e edema do parênquima pulmonar, levando a queia, carina e brônquio-fonte direito deverão ser tratadas por toraco-
hipóxia. tomia, sendo que lesões maiores do que 1/3 do diâmetro da traqueia 2014 - SANTA CASA-SP
geralmente são tratadas com reparo primário (Figura 11). 2. Um homem de 26 anos caiu de 3
metros de altura sobre um anteparo
e chegou ao pronto-socorro com
máscara de oxigênio com 10L/min.
Estava ansioso e gemente, referindo
muita dificuldade para respirar. Ao
exame clínico, apresentava palidez
cutânea, taquicardia e dispneia. O
murmúrio vesicular estava abolido
no hemitórax esquerdo, sendo pun-
cionado e a seguir drenado, com saída
Figura 10 - (A) Raio x de tórax com contusão pulmonar e (B) destaque para a presen- de grande volume de ar e imediata
ça de fratura de costela, muitas vezes associada aos casos de contusão melhora do quadro. O paciente evo-
luiu com enfisema de tecido celular
O quadro clínico é de insuficiência respiratória. O raio x de tórax inicial subcutâneo e borbulhamento pelo
pode ser normal e, após 24 a 48 horas, evidenciar área de contusão, dreno de tórax. O raio x pós-dre-
sendo a Tomografia Computadorizada (TC) o exame indicado para me- nagem apresentava fratura do 1º ao
lhor avaliação da área de contusão pulmonar. Uma complicação pos- 4º arcos costais à esquerda, pneu-
sível é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e pacientes com motórax de médio volume e dreno
doença pulmonar obstrutiva crônica. bem posicionado. Com relação ao
quadro, podemos afirmar que:
O paciente deve ser monitorizado com oximetria, gasometria arterial e
eletrocardiograma. Se a insuficiência respiratória for importante (paO2 Figura 11 - Lesão de traqueia visualizada à toracotomia a) com o diagnóstico inicial de
<65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a ventilação mecânica com Fonte: www.unifesp.br. pneumotórax hipertensivo, o
pressão positiva. A utilização de PEEP, pressão positiva das vias aéreas tratamento definitivo requer
em valores supra-atmosféricos no final da expiração, é benéfica, pois o uso de 2 drenos torácicos
aumenta o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual fun- E - Contusão cardíaca b) a punção do enfisema do te-
cional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental a restrição de cido celular subcutâneo em
líquidos intravenosos após a estabilização hemodinâmica. Pode ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado, por contusão da mus- vários pontos está indicada
culatura cardíaca, ruptura de câmara (em geral, apresentam tampona- c) a toracotomia ime-
D - Lesão da árvore traqueobrônquica mento cardíaco) ou laceração de válvula, em 15 a 20% dos traumatismos diata está indicada
de tórax graves, mais frequentemente em associação à fratura de es- d) a intubação endotraqueal está
Trata-se de um tipo incomum de lesão, que costuma passar desperce- terno. A lesão mais habitual é a do ventrículo direito, que se encontra contraindicada após a drenagem
bido no exame inicial. As lesões mais frequentes ocorrem próximas à mais próximo ao esterno em posição anterior. de pneumotórax hipertensivo
e) a broncoscopia está indicada
Resposta no final do capítulo
Convém saber que a leitura complementa as aulas e vice-versa, o que é fundamental para o sucesso na aprova-
ção. Daí a importância no planejamento de seus estudos.
Organize-se
Determine uma quantidade de horas diárias para seus estudos e procure ter disciplina para cumprir o planejado.
Desta forma, faz parte do planejamento separar o importante do urgente. É sabido que o urgente é o que era importante
e deixamos de fazer no prazo correto. Virou urgente, e, de urgente em urgente, acabamos nos sobrecarregando em
tarefas perdidas e não recuperamos mais o planejado. Sendo assim, foque no essencial e separe uma parte do seu tempo
para realizar, aos poucos, o que é urgente.
Em nossa metodologia, o aluno é direcionado a investir tempo no que realmente conta, ou seja, o que cai nas provas.
Estude pela estatística dos temas
No início de cada livro, você vai encontrar as estatísticas dos principais temas a serem estudados com prioridade.
Em todos os capítulos, temos ícones de resumo que Esgote o conhecimento dos assuntos – torne-se um
sintetizam a principal mensagem do capítulo, expert. Depois, crie uma estratégia para os temas de
facilitando a memorização dos tópicos de maior menor interesse. Tente observar a relevância dos
relevância. assuntos e, principalmente se tiverem alto índice de
incidência, faça com que se tornem interessantes!
Escolha os temas com os quais você tem maior
afinidade; afinal, é sabido que se aprende mais e Uma dica eficaz é tentar resolver as questões de um
melhor o que mais nos interessa! Quando temos tema específico mesmo sem ter estudado o assunto.
interesse por um assunto, o raciocínio é mais claro, Você vai sentir que precisa se aprofundar caso ele seja
e a compreensão tem mais profundidade. determinante para a sua aprovação.
Faça anotações
Anotar facilita a memorização porque o faz repetir o que acabou de ler. Além disso, automaticamente você resume
os pontos de maior importância, o que poupa tempo de estudo.
Antes de assistir à aula de um tema específico, leia o resumo do capítulo ou suas anotações – ao familiarizar-se com
o material antes da aula, o nível de aprendizado é amplamente superior com o mesmo tempo de estudo.
Isso também vai otimizar o seu estudo, pois você vai prestar atenção aos itens em que tem mais dificuldade e chegará
ao final da aula com um conhecimento mais sólido.
Aproveite melhor o texto com nossos recursos de aprendizagem
Eduardo Bertolli
1. Introdução
3
O trauma torácico responde por 20 a 25% das mortes em politrau-
matizados. Entretanto, 85% das vítimas podem ser tratadas ade-
quadamente com suporte respiratório, analgesia e drenagem pleural
(Figura 1). Desta maneira, a toracotomia será necessária em cerca de
15% dos casos. As mortes precoces, ainda no local do trauma, acon-
tecem, principalmente, por contusão miocárdica e ruptura de aorta.
A cada início de
em cada uma dessas situações, como toracocentese des-
Trauma Conteúdo:
compressiva, curativo de 3 pontas, suporte ventilatório,
drenagem pleural e pericardiocentese, respectivamente.
Devido à sua alta mortalidade, o trauma torácico é o 2º
Sempre didáticos, os
sos médicos, além de ser frequentemente utilizado para
simulações e provas práticas.
o conteúdo.
“selo d’água”, que funciona como válvula
Fonte: www.trauma.org.
consegue decidir se o
ridades do Advanced Trauma Life Support (ATLS®), sendo a via aé-
rea a 1ª etapa do tratamento, com a proteção da coluna cervical.
Uma via aérea pérvia não garante boa ventilação, e, nesse contexto,
as lesões torácicas devem ser diagnosticadas e tratadas no exame
tema é relevante
primário.
Colunas:
Sempre haverá uma coluna livre
para a inserção de destaques,
para melhor visualização das
imagens ou anotações.
Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso intercostal ou carina no trauma contuso (por exemplo, a avulsão do brônquio-fonte
Ícones: Tratamento
da artéria mamária interna, ou fratura-luxação da coluna torácica. A
maioria dos sangramentos é autolimitada e não necessita de trata-
mento cirúrgico hemostático específico, apenas de drenagem pleural,
em 85% dos casos. O hemotórax pode ser classificado em pequeno
direito). Acarreta alta mortalidade, geralmente no local do acidente.
informações que
sangue, monitoriza o sido utilizada a tomografia
Em pacientes com insuficiência respiratória, pode ser necessária a in-
sangramento e diminui o computadorizada multislice,
O tratamento conservador não é recomendado, pois, se o hemotórax tubação seletiva do pulmão oposto ao lado da lesão. A intubação pode
por ser menos invasiva.
risco de formação de coá- não for drenado precocemente, haverá risco de evoluir para um hemo- ser difícil, em razão de hematomas, lesões orofaríngeas associadas ou
gulo. Haverá indicação tórax coagulado e até empiema. lesão traqueobrônquica. Nesses casos, indica-se a intervenção cirúr-
Perguntas:
menor. A insuficiência respiratória desenvolve-se progressivamente e pode-se optar pelo tratamento conservador. Lesões maiores de tra-
4 horas subsequentes. decorre de hemorragia e edema do parênquima pulmonar, levando a queia, carina e brônquio-fonte direito deverão ser tratadas por toraco-
hipóxia. tomia, sendo que lesões maiores do que 1/3 do diâmetro da traqueia 2014 - SANTA CASA-SP
merecem destaque. geralmente são tratadas com reparo primário (Figura 11). 2. Um homem de 26 anos caiu de 3
metros de altura sobre um anteparo
e chegou ao pronto-socorro com
máscara de oxigênio com 10L/min. Ajudam a fixar o
Estava ansioso e gemente, referindo
conteúdo do
muita dificuldade para respirar. Ao
exame clínico, apresentava palidez
cutânea, taquicardia e dispneia. O
murmúrio vesicular estava abolido
capítulo,
no hemitórax esquerdo, sendo pun-
cionado e a seguir drenado, com saída
Figura 10 - (A) Raio x de tórax com contusão pulmonar e (B) destaque para a presen- de grande volume de ar e imediata
ça de fratura de costela, muitas vezes associada aos casos de contusão melhora do quadro. O paciente evo-
verificando o
luiu com enfisema de tecido celular
O quadro clínico é de insuficiência respiratória. O raio x de tórax inicial subcutâneo e borbulhamento pelo
pode ser normal e, após 24 a 48 horas, evidenciar área de contusão, dreno de tórax. O raio x pós-dre-
sendo a Tomografia Computadorizada (TC) o exame indicado para me- nagem apresentava fratura do 1º ao
entendimento
lhor avaliação da área de contusão pulmonar. Uma complicação pos- 4º arcos costais à esquerda, pneu-
sível é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e pacientes com motórax de médio volume e dreno
doença pulmonar obstrutiva crônica. bem posicionado. Com relação ao
quadro, podemos afirmar que:
do que está
O paciente deve ser monitorizado com oximetria, gasometria arterial e
eletrocardiograma. Se a insuficiência respiratória for importante (paO2 Figura 11 - Lesão de traqueia visualizada à toracotomia a) com o diagnóstico inicial de
<65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a ventilação mecânica com Fonte: www.unifesp.br. pneumotórax hipertensivo, o
pressão positiva. A utilização de PEEP, pressão positiva das vias aéreas tratamento definitivo requer
sendo estudado.
em valores supra-atmosféricos no final da expiração, é benéfica, pois o uso de 2 drenos torácicos
aumenta o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual fun- E - Contusão cardíaca b) a punção do enfisema do te-
cional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental a restrição de cido celular subcutâneo em
líquidos intravenosos após a estabilização hemodinâmica. Pode ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado, por contusão da mus- vários pontos está indicada
culatura cardíaca, ruptura de câmara (em geral, apresentam tampona- c) a toracotomia ime-
D - Lesão da árvore traqueobrônquica mento cardíaco) ou laceração de válvula, em 15 a 20% dos traumatismos diata está indicada
de tórax graves, mais frequentemente em associação à fratura de es- d) a intubação endotraqueal está
Trata-se de um tipo incomum de lesão, que costuma passar desperce- terno. A lesão mais habitual é a do ventrículo direito, que se encontra contraindicada após a drenagem
bido no exame inicial. As lesões mais frequentes ocorrem próximas à mais próximo ao esterno em posição anterior. de pneumotórax hipertensivo
e) a broncoscopia está indicada
Resposta no final do capítulo
Imagens:
O texto é sempre complementado por fotos, ilustrações ou
fluxogramas, o que torna o estudo ainda mais prático e de
fácil assimilação.
SIC CIRURGIA DO TRAUMA TRAUMA CRANIOENCEFÁLICOŶ
Tema frequente
uma diminuição do volume venoso e do líquido cerebrospinal (Figura 1).
Preconiza-se a avaliação do nível de consciência pela Escala de Coma
de Glasgow (ECG). Trata-se de um método facilmente exequível, com
base em 3 parâmetros clínicos que recebem pontuações (Tabela 5). A
de prova:
pontuação mínima é 3, e a máxima, 15, sendo classificado como coma-
toso todo paciente com escore <9. Quando se apresenta rebaixamento
do nível de consciência, é necessário revisar vias aéreas, ventilação,
Tema
Importante:
oxigenação e perfusão, pois alterações nessas funções vitais podem
destacadas
Abertura ocular (O) para manter a perfusão
sempre cobrados e,
Ao estímulo doloroso 2 cerebral. Pressão de per-
Sem resposta 1 fusão cerebral <70mmHg
Orientado 5 Figura 1 - Doutrina de Monro-Kellie relaciona-se a evolução
informações que
desfavorável. Outro
fazem a diferença
Sons incompreensíveis 2 Logo, a PPC é a diferença da PAM em relação à PIC.
no estudo e que
Localização da dor 5 20 a 25mL, a atividade
atenção.
eletroencefalográfica
Melhor resposta Flexão normal (retirada) 4
desaparece. Se menor de
motora (M) Flexão anormal (decorticação) 3 4. Avaliação inicial 5mL, há morte celular
precisam ser
Extensão (descerebração) 2 com consequente lesão
A avaliação inicial segue a padronização do Advanced Trauma Life Support
irreversível. Se a PAM
Sem resposta (flacidez) 1 (ATLS®). Como a hipóxia pode causar alteração do nível de consciência,
pacientes com rebaixamento sensório têm indicação de via aérea de- cai para valores menores
do que 50mmHg, há
sempre
Déficits neurológicos, motores e/ou sensitivos podem ser relatados, finitiva. A proteção da coluna cervical deve ser mantida até a exclusão
mas o exame neurológico pormenorizado deve ser realizado somente completa da lesão. A correção de perdas volêmicas também é impor- diminuição abrupta do
durante o exame secundário. tante, pois alguns casos de alteração neurológica podem ser secundá- fluxo sanguíneo cerebral.
rios a hipovolemia. Para evitar lesões,
E - Exposição com controle do ambiente
lembradas.
deve-se tentar manter a
Durante o exame primário, a avaliação neurológica consta de um PAM e evacuar hema-
Durante a fase inicial, o paciente deve ser despido para avaliação do exame rápido, em que se avaliam nível de consciência, pupilas e sinais tomas precocemente.
dorso, do períneo e das extremidades. É importante adotar medidas de localização de lesões. O nível de consciência é estimado pela ECG (ou
necessárias para a prevenção da hipotermia, como a utilização de co- GCS – Glasgow Coma Score), em que são atribuídos pontos às melhores
bertores, mantas térmicas e fluidos aquecidos. respostas do paciente em 3 parâmetros clínicos (Tabela 2).
Tabelas:
Como complementação dos parágrafos e dos ícones, você
conta com tabelas com informações sequenciais, para
visualização instantânea.
Vídeos:
Acionados via QR Code, os vídeos e as animações trazem explicações práticas e didáticas. Para visualizá-los:
1 - Instale qualquer aplicativo (disponível na AppStore ou no Google Play) leitor QR Code em seu celular ou tablet.
2 - Localize em seu livro as páginas que contêm um QR Code.
3 - Abra o aplicativo instalado e posicione o leitor do seu aparelho no centro da figura impressa.
4 - Assim que se abrir uma nova tela, pressione o botão “Play” do vídeo, para iniciar os estudos.
a) verificar as pupilas
capítulo, questões
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
dovia há 30 minutos, com trauma de crânio evidente, tra- Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
zido pelo SAMU, chega à sala de trauma de um hospital
terciário com intubação traqueal pelo rebaixamento do 2015 - UFG
todo o Brasil. choque hipovolêmico e infundiu 1L de solução cristaloide inconsciente, apresenta fluido sanguinolento não coa-
até a chegada ao hospital. Exame físico: SatO2 = 95%, FC = gulado no canal auditivo direito, além de retração e
140bpm, PA = 80x60mmHg e ECG = 3. Exames de imagem: movimentos inespecíficos aos estímulos dolorosos, está
raio x de tórax e bacia sem alterações. A ultrassonografia com os olhos fechados, abrindo-os em resposta à dor, e
FAST revela grande quantidade de líquido abdominal. A produz sons ininteligíveis. As pupilas estão isocóricas
melhor forma de tratar o choque desse paciente é: e fotorreagentes. Sua pontuação na escala de coma de
a) infundir mais 1L de cristaloide, realizar hipotensão Glasgow é:
permissiva, iniciar transfusão de papa de hemácias e en- a) 6
caminhar para laparotomia b) 7
b) infundir mais 3L de cristaloide, aguardar exames labo- c) 8
ratoriais para iniciar transfusão de papa de hemácias e d) 9
encaminhar para laparotomia
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
c) infundir mais 3L de cristaloide, realizar hipotensão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
permissiva, iniciar transfusão de papa de hemácias e
plasma fresco congelado e encaminhar para laparotomia 2015 - UFCG
d) infundir mais 1L de cristaloide, iniciar transfusão de 5. Um homem de 20 anos foi retirado do carro em cha-
papa de hemácias e plasma fresco congelado e encami- mas. Apresenta queimaduras de 3º grau no tórax e em
nhar o paciente para laparotomia toda a face. A 1ª medida a ser tomada pelo profissional
de saúde que o atende deve ser:
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão a) aplicar morfina
Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
b) promover uma boa hidratação
2015 - SES-RJ c) perguntar o nome
2. Para avaliar inicialmente um paciente com traumatis- d) lavar a face
mo cranioencefálico, um residente utilizou a escala de e) colocar colar cervical
Glasgow, que leva em conta:
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
a) resposta verbal, reflexo cutâneo-plantar e resposta Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
motora
b) reflexos pupilares, resposta verbal e reflexos profundos 2014 - HSPE
Anote:
c) abertura ocular, reflexos pupilares e reflexos profundos 6. Um pediatra está de plantão no SAMU e é acionado
d) abertura ocular, resposta verbal e resposta motora para o atendimento de um acidente automobilístico.
Ao chegar ao local do acidente, encontra uma criança
Comentários
Cirurgia do Trauma Comentários
Cirurgia do Trauma
Comentários:
Extensão (descerebração) 2
des proposta pelo ATLS®. A 1ª medida deve ser sempre
Sem resposta (flacidez) 1
garantir uma via aérea pérvia com proteção da coluna
cervical. Nesse caso, a fratura de face provavelmente in-
Logo, o paciente apresenta ocular 2 + verbal 2 + motor 4 = 8.
Gabarito = C
viabiliza uma via aérea não cirúrgica, e o paciente é can-
didato a cricotireoidostomia. Após essa medida, e garan-
Além do gabarito oficial divulgado pela instituição, nosso
corpo docente comenta cada questão. Não hesite em
retornar ao conteúdo caso se sinta inseguro. Pelo
contrário: se achá-lo relevante, leia atentamente o
capítulo e reforce o entendimento nas dicas e nos ícones.
Índice
1
Neste capítulo abordaremos medula espinal, menin-
ges, tronco encefálico, cerebelo, diencéfalo, telencéfalo,
vascularização do encéfalo e as barreiras encefálicas. O
sistema nervoso central é formado pela medula espi-
nal e pelo encéfalo. A medula espinal é envolvida pela
coluna vertebral e se estende da região do bulbo até as
primeiras vértebras lombares. Ao corte transversal, é
possível identificar a substância cinzenta (internamente)
e a substância branca (externamente). A substância cin-
zenta é formada pelos corpos celulares dos neurônios,
tem a forma de “H” e possui colunas anterior, posterior
Neuroanatomia
e lateral; já a substância branca é dividida em funícu-
los anterior, lateral e posterior. O funículo posterior
divide-se em grácil e cuneiforme. O tronco encefálico
localiza-se entre a medula e o diencéfalo, anterior ao
cerebelo, e nele fazem conexão 10 dos 12 pares de ner-
vos cranianos. Além disso, pode ser dividido em bulbo
(inferiormente), mesencéfalo (superiormente) e ponte
(entre ambos). O bulbo, ou medula oblonga, estende-
-se inferiormente como medula espinal, separando-se
desta por um plano horizontal imaginário no nível do
forame magno, e, superiormente, separa-se da ponte são envoltórios do sistema nervoso central constituídos
pelo sulco bulbopontino. Em sua parte inferior, a maio- por 3 membranas: dura-máter, aracnoide e pia-máter.
ria das fibras do trato corticospinal se cruza e forma a A dura-máter forma a paquimeninge, enquanto a arac-
decussação das pirâmides. A ponte localiza-se entre o noide e a pia-máter às vezes são consideradas formação
bulbo e o mesencéfalo, sendo que sua base possui um única, a leptomeninge. A dura-máter é a meninge mais
sulco longitudinal, sobre o qual está a artéria basilar. Na externa, resistente e inelástica, enquanto a aracnoide é
ponte, originam-se os nervos trigêmeo (V), abducente uma fina membrana. A sobreposição entre as meninges
(VI), facial (VII) e vestibulococlear (VIII). O mesencéfalo gera espaços de importância clínica. Entre a dura-máter e
localiza-se entre a ponte e o diencéfalo, e dele emergem a aracnoide, temos o espaço subdural. O espaço subarac-
o nervo oculomotor (III) e o troclear (IV). O cerebelo está nóideo fica entre a aracnoide e a pia-máter, é preenchido
alojado posteriormente ao bulbo e à ponte, separado pelo liquor, e em alguns locais há a formação de cisternas
do lobo occipital pelo tentório, ou tenda do cerebelo, (magna, pontina, quiasmática, interpeduncular, superior e
sendo um órgão essencialmente relacionado às funções da fossa lateral do cérebro). A pia-máter é a mais interna
motoras, como equilíbrio, coordenação dos movimen- das meninges, delicada, que se adere à superfície do encé-
tos e tônus muscular. Já o diencéfalo é único e mediano, falo e da medula, inclusive aos sulcos, às fissuras e aos
encoberto pelo telencéfalo, sendo dividido em tálamo, vasos que penetram no tecido nervoso. Por fim, o encéfalo
hipotálamo, epitálamo e subtálamo, todos em relação é irrigado pelas artérias carótidas internas e vertebrais,
ao III ventrículo. O telencéfalo é formado pelos 2 hemis- cujos ramos se anastomosam na base do crânio para for-
férios cerebrais, que são incompletamente separados. mar o polígono de Willis (formado pelas artérias cerebral
Os sulcos cerebrais determinam lobos, a saber: fron- anterior, média e posterior, artéria comunicante anterior e
tal, temporal, parietal, occipital e a ínsula. As meninges artérias comunicantes posteriores direita e esquerda).
2 sic neurologia
1. Medula
A - Conceito
A medula faz parte do Sistema Nervoso Central (SNC). Seu limite supe-
rior é o bulbo, no nível do forame magno. Já o limite caudal varia com a
idade, situando-se, no adulto, aproximadamente no nível da borda infe-
rior da 1ª ou 2ª vértebras lombares (L1 ou L2) e em L3 no recém-nascido.
B - Anatomia macroscópica
A medula possui forma cilíndrica, achatada no sentido anteroposterior,
e tem calibre irregular (intumescências cervical e lombar, que corres-
pondem às áreas de conexão entre a medula e os plexos braquial e
lombossacral, respectivamente). Além disso, termina afilando-se para
formar o cone medular, que continua com o filamento terminal, ambos
revestidos pela pia-máter. A continuação do filamento terminal dá ori-
gem a diversas raízes nervosas, cujo conjunto recebe o nome de cauda
equina. A compressão do cone medular ou da cauda equina dá origem
a síndromes clínicas distintas, típicas e que constituem urgências mé-
dicas, devendo ser rapidamente identificadas e tratadas. O conceito de
cone medular e filamento terminal é importante, devido à necessidade
de diferenciar entre síndrome do cone medular e síndrome da cauda
equina.
Ao corte transversal, é possível identificar a substância cinzenta (in-
ternamente) e a substância branca (externamente). A primeira tem a
forma de um “H” e possui colunas anterior, posterior e lateral (esta, só
na medula torácica). No centro dessa substância, encontra-se o canal
central da medula (Figura 1), resquício da luz do tubo neural.
A substância branca é dividida em:
--Funículo anterior: entre a fissura mediana anterior e o sulco lateral
anterior;
--Funículo lateral: entre o sulco lateral anterior e o sulco lateral
posterior;
--Funículo posterior: entre o sulco lateral posterior e o sulco mediano
posterior. Na coluna cervical, é dividido pelo sulco intermédio poste-
rior em 2 fascículos: grácil (medial) e cuneiforme (lateral).
Dica
Deve-se lembrar que
o funículo posterior é
subdividido na região
cervical, formando
fascículo grácil (medial) e
cuneiforme (lateral).
C - Segmentos medulares
Os filamentos radiculares unem-se para formar as raízes ventrais (mo-
toras) e dorsais (sensitivas) dos nervos espinais. Essas raízes, por sua
vez, se unem distalmente ao gânglio espinal (localizado na raiz dorsal)
para formar os nervos espinais. Existem 31 pares de nervos espinais,
distribuídos da seguinte forma:
--8 cervicais;
--12 torácicos;
--5 lombares;
--5 sacrais;
--1 coccígeo.
O 1º par cervical emerge entre o osso occipital e a 1ª vértebra cervical;
já o 8º par cervical emerge abaixo da 7ª vértebra cervical. Os nervos
espinais também emergem abaixo da vértebra de número correspon-
dente – Figura 2.
D - Topografia vertebromedular
O crescimento da medula e da coluna vertebral acontece no mesmo
ritmo até o 4º mês de vida intrauterina, a partir de quando a coluna
passa a crescer mais rapidamente do que a medula, causando alon-
gamento das raízes e diminuição do ângulo radiculomedular. Desta
forma, no indivíduo adulto, a medula termina no nível da borda infe-
rior da 1ª vértebra lombar, e, abaixo dela, existe a cauda equina, com-
posta apenas de raízes nervosas e filamento terminal. Por esse motivo,
Figura 2 - Nervos espinais
o segmento medular subjacente à vértebra não é exatamente o mesmo
desta. Por exemplo, abaixo da 3ª vértebra torácica, o segmento medu-
lar é o de T5. Assim, uma lesão óssea em T3, comprimindo a medula,
causa síndrome medular com nível medular em T5, ou seja, o nível me-
dular T5 equivale ao nível vertebral T3.
Para definirmos o nível das lesões vertebromedulares, podemos utili-
zar a seguinte regra: Dica
--Entre as vértebras C2 e T10: adicionamos 2 ao número do processo es-
Entre T11 e T12 surgem
pinal da vértebra e temos o número do segmento medular subjacente;
os 5 segmentos espinais
--Vértebras T11 e T12: correspondem aos 5 segmentos lombares; lombares, enquanto em
--Processo espinal de L1: corresponde aos 5 segmentos sacrais. L1 surgem os 5 segmentos
sacrais.
Tabela 1 - Motor: tratos descendentes (localizados na coluna anterior)
- Corticospinal lateral (cruzado) – motricidade voluntária: pe-
las fibras que cruzam na pirâmide bulbar. Dentro do trato,
as fibras motoras dos membros superiores são médias e as
dos MMII, laterais (Figura 3 - 1a); um miótomo é justamen-
Piramidal te o conjunto de músculos que recebe inervação de um
mesmo par de raízes motoras;
- Corticospinal anterior (direto) – motricidade voluntária:
pelos 10% das fibras que não cruzam nas pirâmides, e sim
no segmento da medula (Figura 3 - 1b).
- Rubrospinal: controla músculos responsáveis pela motrici-
dade da parte distal dos membros – músculos intrínsecos e
Extrapira- extrínsecos da mão e do pé (Figura 3 - 2a);
midal - Vestibulospinal: controla a musculatura axial, ou seja, do
tronco, assim como a musculatura proximal dos membros.
Manutenção do equilíbrio e postura básica (Figura 3 - 2c).
4 sic neurologia
2. Meninges espinais
Assim como o encéfalo, a medula encontra-se envolvida pelas menin-
ges, e estas também determinam os espaços meníngeos (Figura 4). Do
mais externo para o mais interno, temos:
neuroanatomia 5
3. Tronco encefálico
A - Conceito
O tronco encefálico localiza-se entre a medula e o diencéfalo, ventral-
mente ao cerebelo, e contém núcleos de substância cinzenta entreme-
ados por tratos, fascículos ou lemniscos de substância branca. Além
disso, participa do SNC segmentar, e nele fazem conexão 10 dos 12 pa-
res de nervos cranianos. Pode ser dividido em bulbo (inferiormente),
mesencéfalo (superiormente) e ponte (entre ambos). A seguir, temos o
estudo de cada parte:
B - Divisões
a) Bulbo
Também conhecido como medula oblonga, estende-se inferiormente
como medula espinal, separando-se desta por um plano horizontal
imaginário no nível do forame magno.
Superiormente, separa-se da ponte pelo sulco bulbopontino (Figura 6).
Dica Na parte inferior do bulbo, a maioria das fibras deste trato se cruza
e forma a decussação das pirâmides. As fibras dos nervos IX (hipo-
glosso), X (vago), XII (hipoglosso) e parte das do XI par craniano (aces-
No bulbo, originam-se sório) emergem do bulbo (Figura 6).
nervos glossofaríngeo
(IX), vago (X), acessório A metade caudal é percorrida por um canal contínuo com o canal cen-
(XI) e hipoglosso (XII). tral da medula, que se abre para formar parte do assoalho do IV ven-
trículo (Figura 7). Posteriormente, localizam-se os fascículos grácil e
cuneiforme.
neuroanatomia 7
Figura 6 - Vista frontal do bulbo, da ponte e do mesencéfalo Figura 7 - Vista dorsal do bulbo, da ponte e do mesencéfalo
b) Ponte
Localiza-se entre o bulbo e o mesencéfalo, sobre a porção
basilar do osso occipital e o dorso da sela túrcica do esfe- Dica
noide. Sua base possui um sulco longitudinal, sobre o qual
Na ponte, originam-se nervos trigêmeo
está a artéria basilar. O pedúnculo cerebelar médio ou braço
(V), abducente (VI), facial (VII) e vesti-
da ponte, formado por fibras transversais que saem desta,
bulococlear (VIII).
une-a ao cerebelo. Os seguintes nervos cranianos emergem
da ponte: raiz sensitiva e motora do V, trigêmeo; VI, abdu-
cente; VII, facial; e VIII, vestibulococlear (Figura 6). A parte
dorsal da ponte contribui para a formação do assoalho do IV
ventrículo.
c) Mesencéfalo
Localiza-se entre a ponte e o diencéfalo e é atravessado pelo
Dica
aqueduto cerebral (aqueduto de Sylvius), que, por sua vez (Fi- No mesencéfalo, originam-se os
gura 8 - A), une o IV ao III ventrículo. Do mesencéfalo emergem nervos oculomotor (III) e troclear (IV).
os nervos oculomotor (III nervo) e troclear (IV nervo).
Anteriormente ao mesencéfalo, encontra-se a glândula pineal
(epitálamo). O colículo inferior liga-se ao corpo geniculado me-
dial e participa da via auditiva; já o colículo superior se liga ao
corpo geniculado lateral e participa da via óptica.
Os pedúnculos cerebrais são 2grandes feixes de fibras que pe-
netram profundamente no cérebro e carregam informações
Dica
principalmente das vias motoras (Figura 6). A substância ne- O colículo inferior se liga ao corpo
gra mesencefálica é um grupo de neurônios dopaminérgicos geniculado medial (via auditiva),
que participa do circuito dos gânglios da base, importante enquanto o colículo superior se liga
para o controle dos movimentos. A degeneração de neurônios ao corpo geniculado lateral (via
de uma parte específica da substância negra é responsável pe- óptica).
los sintomas observados na doença de Parkinson.
8 sic neurologia
d) IV ventrículo
É delimitado anteriormente pelo bulbo e pela ponte e, posteriormente,
Dica pelo cerebelo.
Sua cavidade prolonga-se de cada lado até os forames de Luschka
As aberturas presentes no (aberturas laterais do IV ventrículo). Medialmente, existe o forame de
IV ventrículo para espaço Magendie (abertura mediana do IV ventrículo). Através desses forames,
subaracnoide são os fora- o liquor passa da cavidade ventricular para o espaço subaracnóideo.
mes de Luschka (laterais) Continua inferiormente com o canal central do bulbo e superiormente
e de Magendie (medial). com o aqueduto mesencefálico (ou de Sylvius), por meio do qual se co-
munica com o III ventrículo.
4. Cerebelo
A - Conceito
Está alojado na fossa cerebelar do osso occipital, posterior ao bulbo e à
ponte, compondo parte do teto do IV ventrículo. É separado do lobo oc-
cipital pelo tentório, ou tenda do cerebelo. Liga-se à medula e ao bulbo
pelo pedúnculo cerebelar inferior; à ponte, pelo pedúnculo cerebelar
médio; e ao mesencéfalo, pelo pedúnculo cerebelar superior. É um ór-
gão essencialmente relacionado às funções motoras, como equilíbrio,
coordenação dos movimentos e tônus muscular.
neuroanatomia 9
B - Anatomia macroscópica
O cerebelo (Figura 9) possui 2 regiões distintas: uma porção mediana,
constituída pelo vérmis, e a zona intermédia, e uma lateral, composta
pelos hemisférios cerebelares, 2 massas volumosas que se ligam à por-
ção mediana.
Figura 9 - Cerebelo
5. Diencéfalo
A - Conceito
O nome cérebro se refere a 2 estruturas encefálicas: o diencéfalo e o te-
lencéfalo (hemisférios cerebrais).O diencéfalo é único e mediano, enco-
10 sic neurologia
B - Estruturas
a) Tálamo
São 2 massas ovoides e volumosas de substância cinzenta, unidas me-
dialmente pela aderência intertalâmica e localizadas uma de cada lado
na região laterodorsal do diencéfalo. A extremidade posterior apre-
senta o pulvinar, que recobre os corpos geniculados lateral e medial. A
porção laterossuperior participa do assoalho do ventrículo lateral e é
revestida por epêndima (camada de células responsável pela produção
de liquor). A face lateral é separada do telencéfalo pela cápsula interna,
Dica feixe de fibras que liga o córtex cerebral a centros nervosos subcorti-
cais. E a face inferior é contínua com o hipotálamo e o subtálamo.
O tálamo relaciona-se
As principais funções talâmicas relacionam-se com a sensibilidade
com funções de sensibi-
(exceto a olfatória). A estrutura talâmica compreende vários núcleos,
lidade (exceto olfatória), compostos fundamentalmente por substância cinzenta. Esses núcleos
além de motricidade e estão envolvidos na transmissão dos impulsos sensitivos às suas res-
emoções. pectivas áreas no córtex, integrando e modificando-os. Motricidade,
comportamento emocional e ativação cortical são outras funções
relacionadas.
neuroanatomia 11
Dica
O hipotálamo localiza-se abaixo do tálamo (Figura 5) e se relaciona com
funções associadas ao controle visceral. Além disso, inclui estruturas
localizadas nas paredes laterais do III ventrículo: corpos mamilares,
quiasma óptico, túber cinéreo e infundíbulo. O hipotálamo possui
funções associadas ao
O epitálamo está situado na região posterior do III ventrículo. A estru-
controle visceral.
tura mais evidente é a glândula pineal ou epífise (Figuras 5 e 7), que é
única e mediana e pode encontrar-se calcificada nos indivíduos mais
velhos. A principal função da pineal é a síntese de melatonina, para
controle do ciclo sono–vigília.
Dica
O epitálamo possui
envolvimento no ritmo
circadiano.
6. Telencéfalo
A - Conceito
O telencéfalo é formado pelos 2 hemisférios cerebrais, que são incom-
pletamente separados pela fissura longitudinal do cérebro, e cujo asso-
alho é formado pelo corpo caloso (principal estrutura de união entre os
2 hemisférios) e pela lâmina terminal e comissura anterior, que formam
a parede anterior do III ventrículo.
Os hemisférios contam com os ventrículos laterais, que são suas cavi-
dades, e apresentam 3 polos (frontal, occipital e temporal) e 3 faces (su-
perolateral, medial e, finalmente, a base do cérebro, ou face inferior).
12 sic neurologia
B - Sulcos e lobos
A superfície cerebral (Figura 12) apresenta os giros ou circunvoluções
cerebrais que existem para aumentar a superfície cortical. Esses giros,
nem sempre constantes, são delimitados por sulcos. Os mais impor-
tantes são:
--Sulco lateral ou de Sylvius: separa o lobo frontal do temporal;
--Sulco central ou de Rolando: separa o lobo frontal do parietal e é mar-
geado pelos giros pré-central (anterior) e pós-central (posterior).
Os sulcos cerebrais determinam lobos, alguns recebendo o mesmo nome
do osso do crânio correspondente topograficamente (frontal, temporal,
parietal, occipital), e a ínsula, que se situa profundamente no sulco late-
ral e, ao contrário dos demais lobos, não se relaciona a ossos do crânio.
Figura 12 - (A) Vista lateral, (B) vista superior do cérebro e (C) vista medial
neuroanatomia 13
C - Faces cerebrais
a) Superolateral
É a face que se relaciona com os ossos da calota craniana, sendo, por-
tanto, convexa.
O lobo frontal apresenta 3 sulcos:
--Pré-central: paralelo ao sulco central;
--Frontal superior: parte perpendicular da porção superior do sulco
pré-central;
--Frontal inferior: parte perpendicular da porção inferior do sulco
pré-central.
O giro pré-central é a área motora primária, situado entre os sulcos
central e pré-central. O giro frontal inferior do hemisfério esquerdo é
chamado também de giro de Broca, sendo o centro cortical da expres-
são da linguagem.
O lobo temporal apresenta 2 sulcos principais:
--Temporal superior: corre paralelo ao ramo posterior do sulco lateral,
terminando no lobo parietal;
--Temporal inferior: é paralelo ao sulco temporal superior, mas nem
sempre contínuo.
Entre esses sulcos, está o giro temporal médio; abaixo, o giro temporal
inferior e, acima, o giro temporal superior. O centro cortical da audição
(giro de Heschl) se situa no giro transverso anterior, posteriormente ao
sulco lateral. A parte posterior do giro temporal superior esquerdo é a
área de Wernicke, responsável pela compreensão da linguagem.
O lobo parietal apresenta 2 sulcos principais:
--Pós-central: paralelo ao sulco central;
--Intraparietal: variável e perpendicular ao sulco pós-central.
O giro pós-central é a área sensitiva primária e está situado entre os
sulcos central e pós-central.
O lobo occipital é pequeno nessa face e apresenta giros variáveis. O
lobo da ínsula localiza-se profundamente ao sulco lateral.
b) Medial
É mais bem representada num corte sagital mediano (Figura 12 - C) e apre-
senta, além dos giros, formações tele-encefálicas inter-hemisféricas:
--Corpo caloso: é a maior comissura inter-hemisférica formada por fi-
bras mielínicas, que comunicam áreas simétricas do córtex cerebral
de cada hemisfério;
--Fórnice: surge e segue em direção à comissura anterior. Não é to-
talmente visível ao corte sagital, pois se trata de um feixe de fibras
distribuído em 2 metades laterais, que se unem medianamente para
formar o corpo do fórnice;
--Septo pelúcido: situa-se entre o corpo caloso e o fórnice e é formado
por 2 lâminas delgadas de tecido nervoso, que delimitam a cavidade
do septo pelúcido.
O lobo occipital apresenta 2 sulcos principais:
--Calcarino: inicia-se abaixo da glândula pineal e segue num trajeto ar-
queado em direção ao polo occipital. No sulco calcarino está o centro
cortical da visão;
--Parieto-occipital: separa o lobo occipital do parietal.
14 sic neurologia
c) Inferior
Também chamada de base do cérebro (Figura 13), pode ser dividida em
2partes: a do lobo frontal (sobre a fossa anterior do crânio) e a outra,
muito maior, que pertence quase toda ao lobo temporal (sobre a fossa
média e a tenda do cerebelo).
D - Ventrículos laterais
Os ventrículos laterais esquerdo e direito (Figura 8 – vista anterior)
são as cavidades dos hemisférios cerebrais revestidas por epêndima
e que contêm o LCE. Comunicam-se com o III ventrículo pelo respec-
tivo forame interventricular ou de Monro e possuem 1 parte central e 3
cornos que se projetam nos lobos frontal, occipital e temporal, denomi-
nados, respectivamente, cornos anterior, posterior e inferior.
Os plexos coroides são constituídos pelo epêndima que reveste os ven-
trículos e a pia-máter (Figura 4). Esse plexo continua com o III ventrículo
por meio do forame de Monro e atinge o corno inferior sobre o fórnice e
a fímbria. Os cornos anterior e posterior não têm plexos coroides.
Estruturas Funções
- Relés que retransmitem informações sensoriais para o
Pergunta
Bulbo – tálamo e centros de outras porções do tronco cerebral;
medula 2014 - CERMAM
oblonga (mie- - Centros autonômicos para a regulação das funções 1. Os tumores cerebrais podem
lencéfalo) viscerais (cardiovascular, respiratória) e atividades do
manifestar-se clinicamente
sistema digestivo.
através de sintomas generaliza-
- Ajuste de movimentos em curso, encarregando-se de dos que refletem a hipertensão
verificar a cada momento, permanentemente, se cada intracraniana ou de sintomas
movimento se inicia no instante correto, se é execu- localizatórios, que refletem a lo-
Cerebelo tado de acordo com a necessidade ou a intenção do calização do tumor. Com relação
executante e se termina no momento adequado; às manifestações clínicas e à lo-
calização específica, relacione as
- Ajuste feito com base em informações provenientes do
cérebro e da medula.
colunas a seguir:
A - Lobo frontal
B - Corpo caloso
7. Meninges do sistema nervoso central C - Ponte/bulbo
D - Mesencéfalo/pineal
E - Cerebelo
A - Conceito F - Ângulo pontocerebelar
Trata-se dos envoltórios do SNC, constituídos em 3 membranas: a dura- I - Puberdade precoce
-máter ou paquimeninge, a aracnoide e a pia-máter, às vezes conside- II - Espasticidade
radas formação única, a leptomeninge. III - Surdez ipsilateral
IV - Distúrbios da marcha
a) Dura-máter V - Perda de memória
VI - Nistagmo
É a meninge mais externa, resistente e inelástica, já que é rica em fibras
colágenas, além de vasos e nervos. Essa inervação rica é que confere a) A-IV, B-V, C-II, D-I, E-VI, F-III
praticamente toda a sensibilidade intracraniana, incluindo a maioria b) A-IV, B-III, C-I, D-VI, E-II, F-V
das cefaleias, visto que o encéfalo não possui terminações nervosas. c) A-II, B-V, C-II, D-VI, E-III, F-I
A vascularização ocorre pela artéria meníngea média, ramo da artéria d) A-III, B-IV, C-II, D-I, E-V, F-III
maxilar. e) A-IV, B-VI, C-II, D-I, E-V, F-V
- Pregas da dura-máter do encéfalo Resposta no final do capítulo
- Cavidades da dura-máter
Ocorrem em áreas onde os 2 folhetos da dura-máter se separam. Os
principais são o cavo trigeminal, que abriga o gânglio trigeminal, e os
seios da dura-máter, abordados a seguir:
• Seios da dura-máter (Figura 16): trata-se de túneis venosos revesti-
dos de endotélio, mais rígidos do que as veias e onde desemboca o
sangue das veias jugulares internas. Os seios se comunicam com as
veias da superfície craniana através das veias emissárias.
18 sic neurologia
Figura 16 - Seios venosos da dura-máter: (A) vista superior e (B) vista lateral
neuroanatomia 19
b) Aracnoide
É uma fina membrana virtualmente separada da dura-máter pelo es-
paço subdural e distanciada da pia-máter pelo espaço subaracnóideo,
preenchido pelo liquor, além de possuir as trabéculas aracnoides que se
prendem à pia-máter.
- Cisternas subaracnóideas (Figura 17)
Correspondem às dilatações do espaço subaracnóideo, preenchidas
por liquor, que existem quando há um maior distanciamento entre a
aracnoide, que se justapõe à dura-máter, e a pia-máter, que adere ao
encéfalo. As principais são:
• Magna ou cerebelomedular: corresponde ao espaço entre a face in-
ferior do cerebelo e a face dorsal do bulbo. É considerada a maior
cisterna, comunica-se com o IV ventrículo por intermédio do forame
de Magendie e é utilizada para a punção liquórica suboccipital;
• Pontina: localizada anteriormente à ponte;
• Quiasmática: localizada à frente do quiasma óptico;
• Interpeduncular: situada na fossa interpeduncular;
20 sic neurologia
Dica
As cisternas subarac-
nóideas são: magna,
pontina, quiasmática,
interpeduncular, superior
e cisterna da fossa lateral
do cérebro.
c) Pia-máter
A mais interna das meninges é uma membrana delicada que se adere
à superfície do encéfalo e da medula, inclusive aos sulcos, às fissuras e
aos vasos que penetram no tecido nervoso a partir do espaço subarac-
nóideo, formando os espaços perivasculares que contêm liquor e amor-
tecem a pulsação das artérias sobre o tecido adjacente.
B - Liquor
Também chamado de LCE, é um fluido cristalino que ocupa as cavida-
des ventriculares e o espaço subaracnóideo. Tem a função de proteção
mecânica contra choques, ou seja, amortecimento, além de reduzir o
peso do encéfalo que está submerso nesse líquido.
O liquor normal do adulto é cristalino, apresenta de 0 a 4 leucócitos/
mm3, menor quantidade de proteínas do que no sangue e pressão de 5
FSC = PA - PV
RCV
FSC = PA
RCV
c) Polígono de Willis
Trata-se de uma anastomose arterial de forma poligonal localizada na
base do cérebro, em torno do quiasma óptico e do túber cinéreo, abaixo
da fossa interpeduncular e substância perfurada anterior (Figura 19). É
formado pelas porções proximais das artérias cerebrais anterior, média
Dica
e posterior, artéria comunicante anterior e artérias comunicantes pos- O polígono de Willis é
teriores direita e esquerda. Cada comunicante posterior une a artéria formado pelas artérias
carótida interna à cerebral posterior, ou seja, unem o sistema carotídeo cerebral anterior, média
ao vertebral. No entanto, em condições normais, não há passagem sig- e posterior, artéria
nificativa de sangue de um sistema para o outro; esta ocorre apenas comunicante anterior e
nos casos de obstrução.
as artérias comunicantes
posteriores direita e
esquerda.
Pergunta
2012 - HPM-MG
2. Complete as lacunas do texto
Figura 19 - Polígono de Willis
e, a seguir, assinale a alternativa
que contém a sequência correta:
C - Drenagem venosa do encéfalo O território cerebral irrigado
pelas artérias _________________
As veias encefálicas, em geral, não acompanham as artérias, sendo corresponde a cerca de 2/3
maiores e mais calibrosas do que elas, com paredes finas e desprovi- _________________do encéfalo,
das de musculatura. Drenam para os seios da dura-máter e daí para as sendo um acidente vascular po-
veias jugulares internas. A regulação da circulação venosa é feita pela tencial causador de hemiparesia
aspiração da cavidade torácica, força da gravidade e pulsação das ar- e _________________. Já o território
térias. Vale lembrar que o leito venoso é muito maior do que o arterial, cerebral irrigado pelas artérias
_________________corresponde
sendo, por esse motivo, mais lenta sua drenagem; além disso, a pressão
a cerca de 1/3 _________________
venosa é muito baixa e varia pouco pela grande capacidade de disten-
do encéfalo, sendo um acidente
são das veias e dos seios. vascular potencial causador de
_________________, _________________e
- Veias cerebrais _______________________.
As veias cerebrais podem ser agrupadas em sistema venoso superficial
e profundo. a) vertebrobasilares; anteriores;
ataxia; carótidas; posterior; dis-
--Sistema venoso superficial: trata-se das veias cerebrais superficiais fasia; disfagia; vertigem
que drenam o córtex e a substância branca adjacente, sendo que as b) carótidas; anteriores; disfagia;
veias que se localizam na região superior do hemisfério drenam para vertebrobasilares; posterior; dis-
o seio sagital superior, e as da região inferior, para os seios da base e fasia; vertigem; ataxia
o seio transverso; c) carótidas; anteriores; disfasia;
--Sistema venoso profundo: trata-se das veias que drenam o sangue vertebrobasilares; posterior; dis-
de regiões localizadas profundamente no cérebro (como cápsula in- fagia; ataxia; vertigem
terna, corpo estriado, diencéfalo) e confluem para um único tronco d) vertebrobasilares; posteriores;
venoso, mediano, denominado veia cerebral magna ou veia de Ga- vertigem; carótidas; anterior; dis-
fagia; disfasia; ataxia
leno, logo abaixo do esplênio do corpo caloso, a qual desemboca no
Resposta no final do capítulo
seio reto.
24 sic neurologia
9. Barreiras encefálicas
A - Conceito
São mecanismos seletivos para a troca de substâncias entre o tecido
nervoso, o sangue e o liquor. Dessa forma, existem 3 barreiras: a hemo-
encefálica, a hemoliquórica e a liquor-encefálica (esta última é pouco
importante – são citadas 3 barreiras, mas apenas 2 são descritas). A
última é mais permeável e fornece passagem a mais substâncias, en-
quanto as outras 2impedem a passagem de agentes tóxicos para o cé-
rebro. No entanto, nem sempre ocorre contenção total de determinada
substância, podendo haver apenas maior dificuldade. Fica claro que o
fenômeno de barreira não é geral a todas as substâncias e varia para
cada barreira.
B - Barreira hemoencefálica
Seria formada basicamente por 2estruturas, a despeito da divergên-
cia entre alguns autores: o neurópilo e o capilar cerebral. O primeiro
é o tecido entre os vasos e os corpos celulares, que, no encéfalo, é
muito estreito. O segundo, sobretudo o endotélio dos capilares cere-
brais, é apontado por alguns autores como o principal contribuinte
para a existência da barreira hemoencefálica, visto que, no encéfalo,
as células endoteliais são unidas por junções íntimas que impedem a
passagem de macromoléculas, não têm fenestrações e não são con-
tráteis, o que protege o cérebro em situação com grande liberação de
histamina. Em algumas regiões do encéfalo, essa barreira não existe,
como a área póstuma, pineal, neuro-hipófise e plexos coroides, de
função endócrina comprovada ou discutida. Existem, também, áreas
mais permeáveis a determinadas substâncias do que outras, como
certos fármacos que penetram com mais facilidade no núcleo cau-
dado e no hipocampo.
C - Barreira hemoliquórica
Localiza-se nos plexos coroides, sendo que seus capilares não partici-
pam do fenômeno, ou seja, existem substâncias que podem atravessar
os capilares fenestrados dos plexos coroides, mas que são barradas
ao nível da superfície do epitélio ependimário voltada para a cavidade
ventricular. Isso ocorre porque esse epitélio é provido de junções ínti-
mas que impedem a passagem das macromoléculas.
A - Mielínicas
No sistema nervoso periférico, as células de Schwann formam, em ge-
ral, a bainha de mielina e o neurilema. A primeira é interna e composta
apenas por membrana celular consequente às várias voltas que a célula
de Schwann dá em torno do axônio, sem citoplasma entre as voltas. Já
o neurilema é externo e composto pelo citoplasma e pelo núcleo, as
estruturas restantes da célula. Essas bainhas são interrompidas em in-
tervalos aproximadamente regulares para cada tipo de fibra localizada
entre elas e são chamadas internódulos. Dessa forma, cada internódulo
é ocupado por apenas 1 célula de Schwann. No SNC, não há formação
do neurilema (Figura 20).
A bainha de mielina, por ser originada da membrana plasmática, é for-
mada por lipídios e proteínas, que conferem a ela capacidade isolante,
permitindo, assim, que o impulso seja conduzido mais rapidamente.
Por ser assim, o impulso é conduzido de forma saltatória, com poten-
ciais de ação apenas nos nódulos de Ranvier.
B - Amielínicas
No sistema nervoso periférico, as fibras pós-ganglionares do sistema
nervoso autônomo e algumas fibras sensitivas são envolvidas pelas cé-
lulas de Schwann (neurilema), sem ser formada a bainha de mielina. No
SNC, as fibras amielínicas não apresentam envoltórios verdadeiros. As-
sim, os prolongamentos dos astrócitos podem apenas tocar os axônios
amielínicos.
Nessas fibras, não há como o impulso ser conduzido de maneira salta-
tória e, portanto, é conduzido mais lentamente, já que os potenciais de
ação não têm como se distanciarem.
Figura 20 - Produção de mielina no sistema nervoso central pelo oligodendrócito e no sistema nervoso periférico pela célula de
Schwann
26 sic neurologia
Resumo
Quadro-resumo
- Trato: feixe de fibras nervosas com aproximadamente a mesma origem, mesma função e mesmo destino. Podem ser
mielínicas ou amielínicas;
- Fascículo: refere-se a um trato mais compacto, porém o emprego de fascículo, em vez de trato, deve-se mais à tradi-
ção do que a uma diferença fundamental existente entre eles;
- Lemnisco: o termo significa “fita”. É empregado para alguns feixes de fibras sensitivas que levam impulsos nervosos
ao tálamo;
- Funículo: o termo significa cordão e é usado para substância branca medular. Um funículo contém vários tratos ou
fascículos;
- Decussação: formação anatômica constituída por fibras nervosas que cruzam obliquamente o plano mediano e que
têm, aproximadamente, a mesma direção (decussação das pirâmides);
- Comissura: formação anatômica constituída por fibras nervosas que cruzam perpendicularmente o plano mediano e
têm, por conseguinte, direção diametralmente oposta (corpo caloso);
- Fibras de projeção: são aquelas que saem dos limites dessa área ou desse órgão do SNC;
- Fibras de associação: são aquelas que associam pontos mais ou menos distantes dessa área ou desse órgão do SNC
sem, entretanto, o abandonar;
- Giro pré-central: é a área motora primária, entre os sulcos central e pré-central;
- Giro pós-central: é a área sensitiva primária, entre os sulcos central e pós-central;
- Encéfalo: é irrigado pelas artérias carótidas internas e vertebrais;
- Ramos da artéria carótida interna: artéria oftálmica, artéria comunicante posterior, artéria coróidea anterior, artéria
cerebral média (principal, que vasculariza a maior parte de cada hemisfério cerebral), artéria cerebral anterior;
- Artérias vertebrais: unem-se para formar a artéria basilar;
- Ramos das artérias vertebrais: artéria espinal anterior, artérias espinais posteriores, artérias cerebelares inferiores
posteriores;
- Ramos da artéria basilar: artéria cerebelar superior, artéria cerebelar inferior anterior, artéria do labirinto;
- Artéria basilar: bifurca-se na região proximal do mesencéfalo, formando as cerebrais posteriores direita e esquerda;
- Mesencéfalo: dele emergem o III (oculomotor) e o IV nervos (troclear);
- Ponte: dela emergem os nervos V (trigêmeo), VI (abducente), VII (facial) e VIII (vestibulococlear);
- Comunicação entre os ventrículos laterais e o III ventrículo: é realizada por meio do forame de Monro, e a ligação
entre o III e IV ventrículos é feita por meio do aqueduto cerebral (também chamado aqueduto mesencefálico ou de
Sylvius);
- Bulbo: dele emergem os seguintes nervos cranianos: hipoglosso (XII), glossofaríngeo (IX), vago (X) e acessório (XI).
Dermátomos
C3 Face anterior do pescoço
C4 Acrômio e clavícula
C5 Face anterior do braço
C6 Margem radial do antebraço e polegar
C7 Dedos 2 a 4
C8 Dedo mínimo e margem ulnar do antebraço
T1 Margem anterior do antebraço
T2 Face interna do braço
T3 Abaixo do ângulo de Louis
T4 Mamilos
T6 Processo xifoide
T7/T8/T9 Abdome e costas
T10 Umbigo
T12 Acima do ligamento inguinal (virilha)
L1/L2/L3 Face anterior da coxa
L4 Face interna da perna
L5 Margem interna do pé e hálux
S1 Borda externa do pé e face posterior da perna
S2 Face posterior da coxa
S3/S4/S5 Região do períneo
Dermátomo é a porção da pele que contém a área inervada por um nervo.
Respostas
das questões do capítulo
1. A
2. C
Maria Aparecida Ferraz Mauro Augusto de Oliveira
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
2
O exame neurológico é uma ferramenta fundamental
para o diagnóstico em Neurologia. Há várias formas de
conduzir um exame neurológico, podendo-se avaliar o
paciente por segmentos corpóreos ou sistema funcio-
nal. Ele é dividido em funções cognitivas, motricidade,
sensibilidade e nervos cranianos. O exame cognitivo,
por sua vez, é composto pela avaliação do nível de cons-
ciência (por exemplo, pela escala de coma de Glasgow)
Semiologia e
e pelo conteúdo da consciência, por meio de testes que
avaliem memória, linguagem, praxias, gnosias, aten-
ção e funções executivas (por exemplo, o mini-exame
propedêutica
do estado mental). A avaliação da motricidade divide-
-se em motricidade voluntária, involuntária e reflexa. Na
voluntária, são avaliadas a força muscular e a coordena-
ção. Na involuntária, observam-se o tônus, o trofismo
neurológica
e a presença de movimentos involuntários anormais
(temores, tiques, balismo, coreia, atetose, distonia etc.).
A motricidade reflexa é reavaliada por meio da pesquisa
de reflexos superficiais e profundos. A sensibilidade
pode ser dividida em 2 modalidades: superficial (tato,
pressão, dor e temperatura) e profunda (artrestesia
e palestesia). Na avaliação da sensibilidade, também
podemos pesquisar os sinais de irritação meníngea. O
exame do equilíbrio e da marcha é útil para a avalia-
ção tanto da motricidade quanto da sensibilidade. Por
fim, no exame dos pares cranianos, devemos observar,
de forma voluntária ou reflexa, o olfato (I), a visão (II), a
motricidade ocular extrínseca (movimento dos olhos, III,
IV e VI) e intrínseca (pupilas, III e simpático), o fundo de
olho (II), a sensibilidade da face (V), os músculos mas-
tigatórios (V), a mímica facial (VII), a audição (VIII), o
equilíbrio (VIII), a deglutição (IX e X), a voz (IX e X), fun-
ções autonômicas (X), a movimentação do pescoço e do
músculo trapézio (XI) e a motricidade da língua (XII).
semiologia e propedêutica neurológica 29
1. Introdução
O raciocínio neurológico baseia-se na obtenção dos diagnósticos sin-
drômico, topográfico e etiológico. Para o sindrômico, é necessário pes-
quisar sintomas (por meio da anamnese) e sinais (por meio do exame
neurológico). Para o diagnóstico topográfico, ou seja, onde está a lesão, é
necessário o conhecimento da anatomia e da interpretação dos achados
do exame neurológico. Por exemplo, um quadro de fraqueza em ambas
as pernas pode ser decorrente de uma lesão no encéfalo (meningioma
de foice que se expande lateralmente e comprime a região medial de
ambos os hemisférios cerebrais, na área do homúnculo de Penfield, res-
ponsável pela inervação dos membros inferiores), ou da medula (lesão
medular torácica que compromete a via corticospinal para inervação
motora dos membros inferiores) ou dos nervos periféricos (por exemplo,
na síndrome de Guillain-Barré, com acometimento dos nervos motores
dos membros inferiores). Em cada um dos casos, os achados do exame
neurológico serão diferentes. O diagnóstico etiológico depende de infor-
mações colhidas na anamnese, como tempo de instalação dos sintomas,
progressão, antecedentes pessoais e familiares, uso de medicações, ex-
posição a agentes tóxicos, medicamentos e hábitos de vida, entre outros.
Há várias formas de conduzir um exame neurológico; o importante é
acostumar-se com um método e respeitar uma sequência lógica para ne-
nhum item relevante ser perdido. Pode-se avaliar um paciente por seg-
mentos corpóreos: no cefálico, avaliam-se pares cranianos, sensibilidade,
motricidade e sinais de irritação meníngea; nos membros e no tronco,
examinam-se motricidade, coordenação, sensibilidade e funções autonô-
micas. Outra forma de abordar o paciente neurológico é avaliando cada
sistema funcional (psiquiátrico, motricidade, coordenação, sensibilidade,
sinais de irritação meníngea e pares cranianos).
Com essas informações, consideraremos os diagnósticos diferenciais,
solicitando exames complementares específicos para determinar a
etiologia da doença.
A - Nível de consciência
Caracteriza-se pelo grau de interação que o indivíduo tem com o meio
ambiente e a percepção de si, ou seja, o quão acordado ou alerta ele
está. Esse deve ser sempre o passo inicial para o exame neurológico,
fornecendo subsídios para uma avaliação neurológica completa.
A preservação do nível neurológico adequado depende, anatomica-
mente, da substância reticular ativadora ascendente que se localiza no
tronco encefálico e em parte do diencéfalo. Para ocorrer comprometi-
mento, são necessárias lesões no tronco encefálico (acidentes vascula-
res encefálicos, romboencefalite, tumores do sistema nervoso central),
no tálamo bilateral (trombose venosa cerebral, isquemia) e nos hemis-
férios, bilateralmente (anóxia, metabólico/medicamentoso, trauma
cranioencefálico).
30 sic neurologia
B - Qualidade da consciência
a) Orientação e atenção
A atenção é fundamental para que possamos examinar as demais fun-
ções intelectuais. O exame cognitivo no paciente desatento é bastante Dica
prejudicado. A atenção depende da ativação cortical pela formação re-
ticular ativadora ascendente-mesencefálica e pelos núcleos intralamina- São regiões importantes
res do tálamo, além da atividade da área pré-frontal (responsável pelo na atenção: área pré-
planejamento motor e comportamental do indivíduo) e dos giros angular -frontal (lobo frontal) e
e supramarginal – no lobo parietal direito, responsáveis pela exploração giros angular e supra-
e pela percepção de ambos os lados do corpo e do espaço (o lado es- marginal (lobo parietal
querdo só responde pela atenção do lado contralateral). Lesões corticais direito).
à direita causam heminegligência ou hemi-inatenção. Na heminegligên-
cia, o paciente ignora estímulos realizados à sua esquerda, devendo ser
semiologia e propedêutica neurológica 31
Causas de delirium
- Anticolinérgicos: anti-histamínicos, atropina, hioscina,
difenidramina, tricíclicos;
- Antimicrobianos: quinolonas, aciclovir, macrolídeos,
sulfonamidas, cefalosporinas, aminoglicosídeos, anfote-
Dica
ricina; Em doenças que com-
- Analgésicos: opioides, anti-inflamatórios não esteroides; prometem a atenção, a
- Corticosteroides;
- Agonistas dopaminérgicos: levodopa, pramipexol, bro-
orientação temporal é a
mocriptina, amantadina; primeira acometida, se-
Medica-
mentos
- Anticonvulsivantes: ácido valproico, fenitoína, carbama- guida do espaço e, então,
zepina; das pessoas.
associados - Antidepressivos: mirtazapina, inibidores de recaptação
de serotonina, tricíclicos;
- Sedativos: benzodiazepínicos, barbitúricos;
- Relaxantes musculares;
- Cardiovasculares: antiarrítmicos, betabloqueadores,
metildopa, clonidina, diuréticos, digitálicos;
- Gastrintestinais: bloqueadores H2, metoclopramida,
loperamida, antiespasmódicos;
- Outros: fitoterápicos, lítio, donepezila, fenotiazinas.
b) Linguagem
As afasias são distúrbios adquiridos de linguagem, caracterizados por Tema
comprometimentos parciais ou totais da capacidade de expressar e frequente de prova
compreender pensamentos e emoções por meio de símbolos linguísti-
cos escritos ou falados, carregados de significado (semântica = ideia), O conhecimento das di-
algumas vezes, erroneamente diagnosticados como estado confusio- ferentes formas de afasia,
nal. Apenas a área cortical relacionada com a linguagem está envolvida, do local de acometimento
e não devem existir lesões de vias sensitivas ou motoras relacionadas a e das características pode
fonação e/ou audição, bem como alterações afetivas. ser cobrado em provas de
As áreas envolvidas na linguagem são especialmente as regiões perissil- concursos médicos.
vianas. Cerca de 95% dos destros e 50% dos canhotos têm o hemisfério
esquerdo como dominante para a linguagem (surgido evolutivamente
pela aquisição de habilidades manuais no ser humano). A área de Broca
localiza-se no giro frontal inferior esquerdo e se relaciona com a ex-
pressão da linguagem, enviando as informações para o córtex motor
primário, que realiza tal função. Então, liga-se por meio do fascículo ar-
queado, com a área de Wernicke, ligada à percepção e à compreensão
da linguagem. Esse feixe íntegro faz a comunicação entre a área que
decodifica e a área que exprime a linguagem (Figura 2).
Aspectos avaliados na linguagem:
--Nomeação: todos os tipos de afasia cursam com déficit de nomeação.
O exame é feito pedindo-se para o paciente nomear 5 cores, 5 objetos
e 5 partes do corpo;
--Fluência verbal: é examinada ao se pedir que o paciente fale o maior
número de palavras relacionadas dentro de um minuto. Exemplo: pa-
lavras que comecem com a letra “a” (fluência fonêmica) ou nomes de
animais (fluência semântica);
--Repetição: solicita-se que o paciente repita uma sentença com pelo
menos 6 palavras (“nem aqui, nem ali, nem lá”);
--Compreensão: primeiramente, realiza-se uma pergunta cuja res-
posta não seja verbal (“mostre 2 dedos com a mão direita”) e, depois,
uma pergunta em que a resposta seja simples (“eu estou usando cha- Figura 2 - Principais áreas cor-
péu?”); finalmente, pode-se pedir para o paciente interpretar um di- ticais ligadas à linguagem
tado popular.
semiologia e propedêutica neurológica 33
Global - - - -
Broca - - - +
Dica Wernicke
Condução
-
-
+
+
-
-
-
+
Convém recordar-se, Transcorti-
- - + -
principalmente, da afasia cal mista
de expressão (área de Transcorti-
- - + +
Broca) e da afasia de cal motora
compreensão (área de Transcorti-
- + + -
Wernicke). cal sensitiva
Anômica - + + +
c) Agnosias
Trata-se da incapacidade de reconhecer objetos e símbolos, por lesão
na área secundária, não proveniente de déficit sensitivo ou sensorial
(visual, tátil ou auditivo), nem de distúrbio de atenção ou da consciên-
cia. Os impulsos chegam dos órgãos sensoriais às áreas de aferência
cortical sensitivas, inicialmente primárias, que repassam para áreas
secundárias e, posteriormente, terciárias. A primária recebe a infor-
mação inicial das fibras sensitivas; na secundária e na terciária, ocorre
progressiva integração de informação de outras áreas.
--Agnosia visual: o paciente vê o objeto, mas não o reconhece por meio
da visão, porém pode reconhecê-lo pelo tato ou pela audição, por
exemplo;
--Prosopagnosia: o paciente tem incapacidade de reconhecer rostos
familiares;
--Estereognosia: o paciente é incapaz de reconhecer objetos pela pal-
pação, também chamada agnosia tátil ou holognosia.
d) Apraxias
Trata-se da incapacidade de executar um ato motor aprendido e propo-
sitado com habilidade, na ausência de um distúrbio primário da aten-
ção, compreensão, motivação, força, coordenação ou sensação, que
pudesse evitar a consecução do ato espontaneamente. Assim, um in-
divíduo pode não ser capaz de abanar a mão, quando assim for instru-
ído, mas pode acenar quando ele espontaneamente escolher fazê-lo.
Compreende um distúrbio da atividade gestual num indivíduo cujos
aparelhos de execução da ação estão intactos (ausência de distúrbios
motores) e com plena consciência do ato a cumprir.
Ocorrem por lesões em áreas motoras secundárias, próximas da área
motora primária.
e) Memória
A memória é dividida em imediata, recente e remota. A avaliação da
memória imediata é feita no exame da atenção, sendo esse tipo refe-
rente à de ultracurta duração.
34 sic neurologia
3. Motricidade
A - Algumas definições Dica
--Paresia: fraqueza com déficit parcial da força muscular;
Convém lembrar-se da
--Plegia: perda ou déficit total da força muscular;
diferença entre paresia
--Monoparesia: perda parcial de força em 1 membro;
(perda parcial da força
--Hemiparesia: fraqueza em 1 hemicorpo;
muscular) e plegia
--Paraparesia: membros simétricos comprometidos;
(perda total da força
--Tetraplegia: 4 membros comprometidos com perda total da força;
muscular).
--Diplegia: 2 hemicorpos comprometidos com perda total da força (du-
plicidade de lesões/tempos diferentes).
semiologia e propedêutica neurológica 35
B - Vias motoras
A via motora é composta pelo neurônio motor superior (ou I neurônio
motor ou neurônio piramidal). Inicia-se no córtex motor (área motora
primária no giro pré-central, homúnculo de Penfield), e seus axônios
seguem pelo centro semioval, depois pela cápsula interna, descendo
no pedúnculo cerebral (mesencéfalo) e na ponte. Após isso, cruza a li-
nha média na decussação das pirâmides (bulbo). O trato corticonuclear
termina nos núcleos motores dos pares cranianos, enquanto o trato
corticospinal desce pela medula, e suas fibras terminam nos neurônios
motores espinhais alfa e gama, que inervarão, respectivamente, fibras
musculares e fusos neuromusculares (Figura 3).
Figura 3 - Via motora (trato corticospinal) com trajeto do neurônio motor superior
e inferior
- Lesões
Figura 4 - Representação es-
quemática das fibras que
controlam a mímica facial. Em
Tabela 4 - Topografias e achados das lesões do neurônio motor superior
amarelo e azul-claro, estão as
fibras do neurônio motor supe- Bexiga
rior. Notar que parte das fibras Topo- Pare- Propor- Nervos
Lado Face neuro-
cruza o plano mediano e inerva grafia sia cionada cranianos
gênica
os 2 andares da face contrala-
teral, enquanto as fibras que Córtex Hemi Contra Sim Não Não Não
seguem ipsilaterais inervam Cápsula
apenas o andar superior ipsila- Hemi Contra Sim Sim Não Não
interna
teral. Assim, o andar superior
da face recebe inervação de Tronco Hemi Contra Sim Sim Sim Não
ambos os hemisférios, enquan- Medula
to o andar inferior recebe ape-
cervical Hemi Ipsi Não Sim Não Sim
nas informação do hemisfério
contralateral unilateral
36 sic neurologia
Bexiga
Topo- Pare- Propor- Nervos
Lado Face neuro-
grafia sia cionada cranianos
gênica
Medula
cervical Tetra Bi Não Sim Não Sim
completa
Medula
torácica Mono Ipsi Não Sim Não Sim
unilateral
Medula
Bilate-
torácica Para Não Não Não Sim
ral
completa
Dica
A síndrome de Brown-
-Séquard caracteriza-se
por paresia espástica/
perda de sensibilidade
proprioceptiva e vibrató-
ria e tato discriminativo
ipsilateral, bem como
perda de sensibili-
dade termoalgésica
contralateral.
Figura 5 - Representação esquemática dos achados na síndrome de Brown-Séquard
semiologia e propedêutica neurológica 37
1 + - - -
2 + + - -
Paresia
3 + + + -
4 + + + +/-
5 + + + + Normal
E - Tônus e trofismo
Com a inspeção, palpação e movimentação ativa e passiva do músculo
examinado, é possível avaliar o tônus (estado de tensão permanente
dos músculos; quando um músculo está em repouso, é simples verifi-
car que não é completamente flácido, mas tem um grau de tensão que
pode ser constatado à palpação ou à movimentação passiva pela cons-
tante atividade dos neurônios gama) e o trofismo, ou massa muscular
(variação da secção transversa do músculo, variação do número de sar-
Vídeo
cômeros no músculo em paralelo ou variação do número de sarcôme-
ros do músculo em paralelo ou em série).
O trofismo pode ser classificado como:
Tônus e trofismo
--Normotrófico;
--Hipotrófico: por lesão do sistema nervoso periférico ou desuso;
--Hipertrófico: algumas distrofias musculares.
O tônus, por sua vez, pode ser classificado como:
--Hipotônico: ocorrem lesões do sistema nervoso periférico ou
cerebelares;
--Hipertonia espástica: sinal “do canivete” (o aumento de resistência ao
estiramento passivo é maior no início do movimento e diminui gra-
dativamente) – lesão do trato piramidal (exemplos: acidente vascular
cerebral, mielopatias);
--Hipertonia plástica (“roda denteada”): síndromes extrapiramidais
(exemplo: doença de Parkinson);
--Hipertonias especiais: hipertonia de descerebração, hipertonia de de-
corticação, tétano (opistótono), cãibras e psicogênica.
F - Reflexos
--Reflexos profundos: obtidos pela percussão osteotendínea ou fáscia
do músculo avaliado, podem estar normais, ausentes, diminuídos ou
vivos (o reflexo é obtido mais facilmente, amplo e brusco). O reflexo
exaltado acontece com a percussão de área maior do que a habitual
em pontos que comumente não o desencadeariam, apresentando-se
de forma policinética, ou seja, um único estímulo desencadeia mais de
1 resposta;
--Características fisiológicas: período de latência, período refratário, fa-
diga, fenômeno de adição, princípio de inervação recíproca e lei de loca-
lização (área reflexógena). Com base nessas características, podem-se
definir hiper-reflexia como diminuição do tempo de latência, aumento
da amplitude de movimento, obtenção de várias respostas quando da
aplicação de estímulo único; pelo aumento da área de obtenção do re-
flexo e pela impossibilidade de inibir voluntariamente o reflexo;
--Clono: é um sinal típico de hiper-reflexia, pois, por estiramento mus-
cular, obtêm-se repetidas contrações rítmicas involuntárias esgotá-
veis ou inesgotáveis (reflexos aquileu e patelar são exemplos);
semiologia e propedêutica neurológica 39
G - Distúrbios de movimento
Ocorrem principalmente por lesão dos chamados núcleos/gânglios
da base (dito sistema extrapiramidal). Nesse item, são importantes a
observação do paciente e os dados de história, pois os exames de ima-
gem não oferecem tanto auxílio. Seguem alguns conceitos:
--Tremor: movimentos rítmicos de contração alternada de músculos
agonistas e antagonistas (por exemplo, tremor essencial, fisiológico,
parkinsoniano);
--Coreia: movimentos involuntários bruscos, breves, migratórios e er-
ráticos (por exemplo, coreia de Sydenham, doença de Wilson);
--Atetose: movimentos sinuosos lentos em torno de um eixo longo do
membro afetado;
--Balismo: movimentos bruscos, breves, proximais, semelhantes a chu-
tes e arremessos;
--Mioclonia: contrações involuntárias súbitas (mioclonia pós-anóxia ce-
rebral, doenças neurodegenerativas) que lembram pequenos sustos.
São positivas quando causadas por contrações musculares súbitas e
negativas (asterix da hepatopatia, encefalopatia urêmica) quando há
cessação abrupta da contração muscular;
--Tique: movimentos estereotipados, breves, repetitivos, suprimíveis,
possivelmente motores e/ou vocais (como síndrome de Gilles de la
Tourette);
--Distonia: por contração sustentada concomitante de músculos ago-
nista e antagonista, levando a abalos lentos, movimento articular
mantido e torção ou postura anormal.
H - Síndromes extrapiramidais
Podem ser divididas em:
--Rígido-acinéticas (hipocinéticas): parkinsonismo (idiopático, induzido
por drogas como cinarizina, haloperidol, alfametildopa, multi-infarto,
semiologia e propedêutica neurológica 41
Vídeo Síndrome
piramidal
Síndrome
periférica
Síndrome
extrapiramidal
Força muscular Diminuída Diminuída Normal
Síndrome pirami- Hipertonia Hipertonia
dal versus síndrome Tônus Hipotonia
espástica plástica
extrapiramidal Reflexos tendi-
Exaltados Hiporreflexia Normorreflexia
nosos
Reflexos cutâ-
Abolidos Presentes Presentes
neo-abdominais
Reflexo cutâ- Extensão (sinal Flexão ou
Flexão
neo-plantar de Babinski) sem resposta
Características
Tipos Patologias
semiológicas
Talonante (ata- A base é alargada, pisada com
xia sensitiva, energia ao solo, com toque ini- - Tabes dorsalis;
marcha atáxica cial do calcanhar e o olhar em - Deficiência de vita-
espinal, tabé- direção aos pés, sendo impos- mina B12.
tica) sível com os olhos fechados.
Características
Tipos Patologias
semiológicas
O paciente anda com os pés
juntos ao chão, não conse-
Marcha aprá-
guindo executar o movimento
xica (magnética) Hidrocefalia de pres-
do passo. Os pés parecem
ou marcha de são normal/lesões
“grudar no chão”, como se
pequenos pas- frontais
controlados por um ímã (por
sos
isso a chamada “marcha mag-
nética” ou apráxica).
Possivelmente
Há oscilações da bacia, as
encontrada em
pernas estão afastadas, há
qualquer processo
hiperlordose lombar, como se
que cause fraqueza
Marcha anse- o paciente quisesse manter o
dos músculos pél-
rina ou marcha corpo em equilíbrio, em posi-
vicos, como nas
de “pato” ção ereta, apesar do déficit
polineuropatias,
muscular. Ocorre inclinação do
pseudomiopatias,
tronco para um lado e para o
miosites, polimiosites
outro.
e gravidez
Dica
No nervo periférico,
fibras que conduzem dor
caminham com fibras
motoras, tato e sensi-
bilidades superficial e
profunda.
B - Lesões centrais
Sistema
Sensibilidade Sensibilidade pro-
Lesão Força Reflexos nervoso
superficial funda
autônomo
- Acima da lesão:
- Dermátomos
normais; - Dermátomos cima
- Cervical: te- acima da lesão:
- No nível da da lesão: normal;
traparesia; normal; Bexiga
Secção medular lesão: abolidos - Dermátomos
- Torácica: - Dermátomos neurogê-
completa bilateralmente; abaixo da lesão:
paraparesia abaixo da lesão: nica
- Abaixo da lesão: ausente (nível
crural. ausente (nível
exaltados bilate- sensitivo).
sensitivo).
ralmente.
- Acima da lesão: - Dermátomos
- Cervical: - Dermátomos
normais; acima da lesão:
hemiparesia acima da lesão:
Hemissec- - No nível da normal;
ipsilateral; normal; Bexiga
ção medular lesão: abolidos - Dermátomos
- Torácica: - Dermátomos abai- neurogê-
(síndrome de ipsilateralmente; abaixo da lesão:
monopare- xo da lesão: ausen- nica
Brown-Séquard) - Abaixo da lesão: ausente (nível
sia crural te (nível sensitivo)
exaltados ipsila- sensitivo) contra-
ipsilateral. ipsilateral.
teralmente. lateral.
- Dermátomos cima
da lesão: normal;
Lesão do funí- - Dermátomos
Bexiga
culo posterior abaixo da lesão:
Normal Normais Normal neurogê-
(tabes dorsalis – ausente (nível
nica
neurossífilis) sensitivo);
- Pode não haver
nível sensitivo.
Degeneração
combinada suba-
Exaltados nos 4 Diminuída nos 4 Sem alte-
guda da medula Tetraparesia Normal
membros membros rações
(deficiência de
vitamina B12)
Diminuída no tórax
e nos membros
Síndrome sirin- superiores apenas Sem alte-
Normal Normais Normal
gomiélica para dor e tempe- rações
ratura (distribuição
“em xale”)
Bexiga
Síndrome da Paraplegia Anestesia perineal
Aquileus abolidos Normal neurogê-
cauda equina crural (“em sela”)
nica
Bexiga
Síndrome do Paraplegia Anestesia perineal
Normais Normal neurogê-
cone medular crural (“em sela”)
nica
7. Sinais meníngeos
Estão presentes nos quadros inflamatórios das meninges, decorrentes
de infecção (bactérias, fungos, vírus) ou sangramento. Denomina-se
meningismo a síndrome com rigidez de nuca sem inflamação meníngea,
em infecções sistêmicas, principalmente entre crianças pequenas. Nas
inflamações das meninges, estão presentes sinais e sintomas como dor,
rigidez de nuca, cefaleia, fotofobia, náusea, febre e calafrios.
--Sinal do desconforto lombar: o paciente, em decúbito dorsal, com
coxa a 90° em relação à maca e pernas paralelas a ela, faz uma força
com cada um dos pés em sentido horizontal, para frente, contra a re-
sistência do examinador. Nos casos alterados, refere desconforto na
região lombar. É o sinal mais precoce de irritação meningorradicular;
--Rigidez de nuca: caracteriza-se por espasmo da musculatura do pes-
coço com dor à flexão e resistência ao movimento passivo, impossi-
bilitando ao médico colocar o queixo do paciente no próprio peito,
embora os movimentos laterais e rotatórios do pescoço estejam pre-
servados (aqui, a dificuldade será em caso de artrose cervical). Rigi-
dez extrema leva a opistótono com a cabeça lançada para trás. No
paciente em estado de coma profundo, ou com meningite fulminante,
pode estar ausente. Também pode ser encontrada em casos de her-
niação das tonsilas cerebelares ou aumento da pressão liquórica. A
restrição ao movimento do pescoço pode acontecer em abscessos re-
trofaríngeos e linfadenopatia cervical;
--Sinal de Kernig: com o quadril e os joelhos flexionados, há incapaci-
dade de estender o joelho bilateralmente, diferente da irritação radi-
cular lombossacra no sinal de Lasègue (elevação da perna estendida,
geralmente unilateral). O aumento da dor na perna afetada, por eleva-
ção da perna oposta, confirma compromisso radicular, e esse achado
constitui o sinal de Lasègue cruzado ou sinal cruzado positivo. Para
alguns autores, a presença do sinal cruzado é certeza de hérnia discal;
--Sinal do pescoço de Brudzinski: na tentativa de flexionar o pescoço
com uma das mãos do examinador segurando o tórax, provoca-se a
flexão dos quadris e dos joelhos bilateralmente;
--Sinal de Lasègue: com o paciente em decúbito dorsal e perna em com-
pleta extensão, observe o movimento passivo de flexão da coxa sobre
a bacia, que desperta no lado afetado; a partir de certo grau de eleva-
ção do membro inferior, há dor no trajeto do ciático (entre 10 e 60°),
resultante de estiramento no nervo. Um teste de Lasègue cruzado
refere-se à elevação da perna não afetada causando dor na perna afe-
tada (levantar o membro inferior que não está doendo); quando pre-
sente, é altamente específico de compressão radicular por hérnia de
disco;
semiologia e propedêutica neurológica 49
8. Nervos cranianos
Tema A síndrome de nervos cranianos pode ocorrer isoladamente ou asso-
ciada a outras síndromes por lesões em outros sistemas de fibras loca-
frequente de prova lizados no tronco cerebral, no cérebro, no cerebelo e na medula.
--Nervo olfatório (I nervo craniano): as alterações de olfação podem
Os nervos periféricos, ser ocasionadas por lesões no epitélio olfatório na concha nasal su-
sua semiologia e lesões perior, ou por alteração no nervo e no trato olfatório ou no córtex
são questões sempre entorrinal e em regiões do hipocampo (crises uncinadas olfativas com
presentes nas provas de percepção de odor desagradável podem ser causadas por tumores de
concursos médicos. lobo temporal). Pode ocorrer por rinossinusites ou tumores da fossa
anterior craniana, como meningiomas, ou mesmo por traumas de crâ-
nio. Hiposmia ou anosmia pode ser provocada por várias drogas, anti-
bióticos e, inclusive, por meningites;
--Nervo óptico (II nervo craniano): o olho funciona como uma câmara
escura de orifício. Assim, um raio de luz que incide obliquamente so-
bre ele projetar-se-á diametralmente oposto ao lado de onde partiu.
Por exemplo, uma imagem situada à direita do indivíduo cairá so-
Dica bre a retina do lado esquerdo em ambos os olhos. No caso do olho
direito, a retina esquerda chama-se nasal, pois fica próxima ao na-
O nervo olfatório possui riz; no olho esquerdo, a retina do lado esquerdo chama-se temporal,
origem aparente no bulbo pois fica próxima ao osso temporal. Do mesmo modo, imagens em
olfatório. relação a cada um dos olhos podem estar nos campos visuais nasais
ou temporais. Uma imagem à direita do indivíduo estará no campo
visual temporal do olho direito e nasal do olho esquerdo. A imagem
do campo visual temporal incidirá sobre a retina nasal, e a imagem
do campo visual nasal incidirá sobre o temporal. Uma mesma ima-
gem estará, ao mesmo tempo, no campo nasal de um olho e tempo-
ral do outro, e incidirá sobre o campo temporal do 1º olho e nasal do
segundo (Figura 12 - A).
Figura 12 - Via visual: (A) representação dos campos visuais nasal e temporal em relação às imagens projetadas sobre a retina
nasal e temporal e (B) as principais lesões da via visual
50 sic neurologia
Figura 14 - Músculos oculares extrínsecos: (A) a posição de cada músculo no globo ocular e (B) o vetor de força de cada um. Notar
que o músculo oblíquo superior faz o olho abaixar e a inciclodução, ou seja, aproxima o polo superior do globo ocular do nariz. O
oblíquo inferior levanta o olho e faz a exciclodução, isto é, afasta o polo ocular superior do nariz
Figura 15 - Paralisia do oculomotor direito, gerando ptose palpebral, midríase (dilatação pupilar) e desvio inferolateral do globo
ocular, pela ação dos músculos reto lateral (inervado pelo VI) e oblíquo superior (inervado pelo IV)
Figura 16 - Paralisia do nervo troclear direito. Na parte inferior, vemos que o tilt head contralateral melhora a diplopia, pois a
inclinação da cabeça deixa de necessitar do uso do oblíquo superior direito, e passa a usar o oblíquo inferior direito
52 sic neurologia
Dica
O nervo oculomotor inerva
os músculos reto superior,
inferior, lateral e oblíquo
inferior. O troclear inerva o
músculo oblíquo superior, e o
abducente inerva o músculo
Figura 17 - Paralisia do VI nervo à direita: (A), na posição primária do olhar, não há
diplopia; (B) quando o paciente olha para a esquerda, também não há diplopia; e reto lateral.
(C) com o paciente olhando para a direita, há diplopia por fraqueza do músculo reto
lateral direito
Pergunta
2013 - SANTA CASA-SP
3. Um paciente de 58 anos está em acom-
panhamento ambulatorial por hipertensão
arterial sistêmica, diabetes mellitus, dis-
lipidemia, insuficiência renal crônica Figura 19 - Teste de Weber para avaliação de perda condutiva ou neurossensorial
estadio II e obesidade. Faz uso de enalapril,
atenolol, hidroclorotiazida, metformina, --IX e X nervos cranianos:
glimepirida e ácido acetilsalicílico. Vem ao
• IX nervo (glossofaríngeo) inerva palato e língua;
consultório queixando-se de diplopia há
3 semanas, sem qualquer outra queixa. Ao • X nervo (vago) inerva cordas vocais e palato.
exame clínico, nota-se a alteração ilustrada A pesquisa clínica é feita pelo reflexo do vômito (nauseoso), com esti-
a seguir, quando se pede para o paciente mulação por espátula da parede posterior da orofaringe, sem sensa-
olhar para o sentido indicado na seta. ção de vômito na lesão dos nervos IX
e X. Deve ser levado em conta diante
de outros achados e está alterado nas
seguintes situações: lesões supranu-
cleares (processos difusos – ambos
os hemisférios) e lesões que afetam
Qual é o nervo craniano envolvido na alte- os núcleos bulbares (demais nervos
ração neurológica desse paciente? cranianos – síndromes bulbares). O
IX nervo também é responsável pela
a) III gustação do terço posterior da língua.
b) IV O reflexo palatino é a elevação do pa-
c) V lato com a estimulação da úvula e do
d) VI palato mole. Nas lesões unilaterais,
e) VII ambos estão desviados para o lado Figura 20 - Sinal “da cortina” por
paralisia do IX e X à direita
Resposta no final do capítulo normal (sinal “da cortina” – Figura 20).
54 sic neurologia
Abdu-
- Movimentos da mastigação. mandíbula.
Dica
Movimentos oculares Diplopia
cente O nervo hipoglosso surge
- Paladar; no sulco lateral anterior
- Sensibilidade geral gustativa - Perda do paladar dos 2 ter- do bulbo, em frente às
e sensibilidade da orelha ços anteriores da língua; olivas.
externa e do trágus; - Boca seca;
Facial
- Inervação das glândulas - Perda do lacrimejamento;
sublinguais e submandibu- - Paralisia dos músculos da
lares; face.
- Expressão facial.
semiologia e propedêutica neurológica 55
Resumo
Quadro-resumo
Exame neurológico
- Avaliação cognitiva: atenção, linguagem, agnosia, apraxia, memória;
- Equilíbrio e marcha;
- Avaliação da sensibilidade;
Vivos/aumentados
Reflexos Diminuídos (hipoativos)/abolidos
(hiperativos)
Em extensão (sinal de
Reflexo cutâneo-plantar Em flexão ou abolidos
Babinski)
semiologia e propedêutica neurológica 57
Síndromes Etiologias
- Tumores: meningioma/schwannoma;
- Traumáticas;
Hemissecção medular
- Degenerativas (coluna cervical) – hérnia de núcleo
pulposo.
- Dissecção da aorta;
- Cirurgia abdominal;
Artéria espinal anterior
- Fratura-luxação da coluna;
- Vasculites.
Respostas
das questões do capítulo
1. C
2. C
3. D
4. B
Mônica Ayres de Araújo Scattolin
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini
3
A dor é definida como “uma experiência emocional e
sensorial desagradável associada a uma lesão tecidual
real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão”.
Em sua caracterização semiológica, devem ser descritos
localização, irradiação, qualidade/caráter, intensidade,
início e duração, relação com funções orgânicas (dor
torácica – relação com respiração), evolução, fatores
desencadeantes ou agravantes, fatores atenuantes e
manifestações concomitantes. A dor pode ser dividida
em nociceptiva (estimulação persistente de nocicepto-
res térmicos, químicos ou mecânicos; subdivide-se em
Dor
somática superficial e profunda e visceral), neuropática
(lesão primária ou disfunção do sistema nervoso), psico-
gênica (fatores psicológicos) e mista. Em determinadas
situações, os sinais de dor dos receptores dos órgãos
internos são incorretamente interpretados como pro-
venientes de áreas distantes dos reais estímulos, sendo
a dor referida. A dor irradiada é sentida à distância de
sua origem, mas obrigatoriamente em estruturas iner-
vadas pela raiz nervosa ou pelo nervo cuja estimulação
é responsável pela dor. Já a dor fantasma compreende o
fenômeno pelo qual um indivíduo que sofreu uma ampu-
tação continua a sentir dor nesse local, o que se deve
à projeção imprecisa da dor pelo encéfalo. A dor mus-
culoesquelética caracteriza-se como crônica quando
persiste por mais de 3 meses, sendo as doenças mais
comuns desse grupo as cervicalgias, lombalgias, sín-
drome da dor miofascial e fibromialgia. Dentro dela, 2
afecções se sobressaem: a síndrome da dor miofascial
(presença de trigger points) e a fibromialgia (presença
de tender points). O tratamento da dor, em geral, deve
basear-se na etiologia, fisiopatologia e repercussões,
envolvendo a eliminação do fator causal com medica-
mentos analgésicos e adjuvantes, sendo que substâncias
capazes de diminuir a condição inflamatória também
podem ser empregadas.
60 sic neurologia
1. Definição
Dica A dor é definida, pela International Association for the Study of Pain,
como “uma experiência emocional e sensorial desagradável associada
a uma lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tal le-
Convém lembrar-se do
são”. A sensação dolorosa tem papel fisiológico e funciona como sinal
método mnemônico da de alerta para a percepção de algo que está ameaçando a integridade
dor – “ILICIDAS”: Início, física do organismo.
Localização, Intensidade,
Caráter, Irradiação, Em sua caracterização semiológica, os seguintes aspectos devem ser
descritos: localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade, iní-
Duração, Alívio/piora e
cio e duração, relação com funções orgânicas (dor torácica – relação
Sintomas associados. com respiração), evolução, fatores desencadeantes ou agravantes, fa-
tores atenuantes e manifestações concomitantes.
2. Classificação
A dor aguda caracteriza-se por resposta orgânica protetora, pois alerta
o indivíduo para uma lesão iminente ou real dos tecidos, induzindo a
respostas reflexas e comportamentais coordenadas com o intuito de
manter o dano tecidual o mais controlado possível. Quando a dor passa
a se repetir ou sustentar-se por período prolongado, deixa de apre-
sentar vantagens biológicas e passa a causar sofrimento, sendo classi-
ficada como dor crônica, gerada por impulsos de pequena magnitude
produzidos por atividade neural anormal. Essa dor geralmente não é
bem localizada e tende a ser maciça, contínua ou recorrente. A Figura 1
apresenta uma das possíveis formas de classificação da dor.
A - Dor referida
Em determinadas situações, os sinais de dor dos receptores dos ór-
gãos internos são incorretamente interpretados como provenientes de
áreas distantes dos reais estímulos, particularmente como se viessem
da superfície corpórea. Assim, a dor visceral pode ser confundida com
a dor somática – e é a dor referida.
A explicação mais aceita para esse fenômeno é a convergência de im-
pulsos dolorosos somáticos e viscerais para neurônios nociceptivos
comuns localizados no corno dorsal da medula espinal. Tendo a pele
suprimento nociceptivo muito mais exuberante do que as estruturas
somáticas profundas e viscerais, a representação talâmica e cortical
destas últimas é muito menor. Com isso, os impulsos dolorosos prove-
nientes das estruturas profundas seriam interpretados pelo cérebro
como oriundos do tegumento.
B - Dor irradiada
Trata-se de um tipo de dor referida sentida à distância de sua origem,
mas obrigatoriamente em estruturas inervadas pela raiz nervosa ou
pelo nervo cuja estimulação nóxica é responsável pela dor. Ocorre, por-
tanto, em virtude do comprometimento direto de um nervo ou de uma
raiz nervosa espinal. Um exemplo clássico é a dor ciática provocada
pela compressão de uma raiz nervosa por hérnia de disco lombar.
C - Dor fantasma
Compreende o fenômeno pelo qual um indivíduo que sofreu uma am-
putação continua a sentir dor nesse local, o que se deve à projeção
imprecisa da dor pelo encéfalo. Os neurônios que suprem a estrutura
afetada foram lesionados, mas as porções remanescentes continuam a
enviar impulsos nervosos para a mesma região do encéfalo relacionada
Figura 3 - Mecanismo da dor referida a essa estrutura. As sensações evocadas são projetadas para a área le-
no infarto agudo do miocárdio: a dor
é sentida na superfície do ombro e na sionada, proporcionando a dor.
face interna do braço esquerdo, obe-
decendo à distribuição metamérica
3. Definições práticas
--Analgesia: ausência de sensibilidade à dor, embora outras sensibilida-
des possam continuar presentes;
--Anestesia: ausência de toda sensação;
--Alodínia: sensação desagradável, dolorosa, provocada por estímulo tá-
til, sobretudo se repetitiva, de uma área com limiar de excitabilidade
aumentado (parcialmente desaferentada ou hipoestésica). Pacientes
podem descrever que o contato com o lençol gera estímulo doloroso;
--Desaferentação: efeito da eliminação da atividade neural aferente,
Dica devido a neurônios interrompidos;
--Dor heterotópica: termo comum para designar a dor sentida em ou-
Convém notar a diferença: tra área, não em seu verdadeiro local de origem;
hiperalgesia é sensibilidade
--Hiperalgesia: sensibilidade aumentada à dor;
aumentada à dor, enquanto
--Hiperpatia: sensação mais dolorosa do que a habitual, sobretudo se
alodínia é a percepção da dor
repetitiva, de área com limiar de excitabilidade aumentado;
quando o estímulo não é dolo-
roso (tátil). --Disestesia: sensações anormais diante de um estímulo nociceptivo;
--Neuralgia: dor neurogênica ao longo da distribuição periférica de um
nervo;
dor 63
4. Classificação da intensidade
A intensidade da dor é resultante da interpretação global dos seus as-
pectos sensitivos, emocionais e culturais. Sua magnitude é o principal
determinante se um esquema terapêutico deve ser modificado. Para
melhor classificação, preconiza-se o uso de escalas analógicas visu-
ais ou de representação gráfica não numérica como as demonstradas
na Figura 4. Também podem ser utilizadas escalas multidimensionais,
como o questionário de dor de McGill, em que são avaliados, além da
intensidade da dor, aspectos como os sensoriais e os afetivos.
6. Dor musculoesquelética
A dor musculoesquelética caracteriza-se como crônica quando persiste
por mais de 3 meses. As patologias mais comuns desse grupo são as
cervicalgias, lombalgias, síndrome da dor miofascial e fibromialgia.
64 sic neurologia
A dor lombar aguda apresenta remissão em 90% dos casos. São fato-
res contribuintes para cronicidade a falta de correção dos fatores de-
sencadeantes, fatores psicossociais, alterações posturais, imobilidade,
Quadro clínico comorbidades (doenças psiquiátricas, uso de drogas), fatores mecâni-
cos e degenerativos e lesões estruturais do sistema nervoso.
O quadro clínico da síndrome
da dor miofascial envolve dor A - Síndrome da dor miofascial
muscular com musculatura Caracteriza-se pela presença de dor muscular que afeta, geralmente
tensa, isolada, em várias de maneira isolada, várias regiões do corpo, como as colunas cervical e
regiões do corpo, presença de lombar e as cinturas escapular ou pélvica. Ocorre em ambos os sexos,
trigger points em músculos mais comumente entre pessoas acima dos 30 anos. Várias sinonímias
vulneráveis e diminuição foram utilizadas: mialgia, miofasciite, miofibrosite, miogelose, fibrosite,
da dor após estiramento reumatismo muscular ou de partes moles e tensão muscular.
muscular. Acredita-se ser causada pela atividade dos pontos-gatilho (trigger
points) distribuídos ao longo de músculos vulneráveis (Figura 5) e que
são decorrentes de sobrecargas dinâmicas (traumatismos, excesso de
uso) ou estáticas (sobrecargas posturais) durante as atividades da vida
diária e ocupacionais.
B - Fibromialgia
Tratamento
Analgésicos anti-inflama-
A fibromialgia afeta, aproximadamente, 6% da população geral e é 8
tórios são medicamentos de
vezes mais frequente em mulheres entre 20 e 55 anos. É uma síndrome
reumática não articular, de origem desconhecida, caracterizada por
escolha no controle da dor na
dor musculoesquelética difusa e crônica e pela presença de múltiplas síndrome da dor miofascial,
regiões dolorosas (tender points), sobretudo no esqueleto axial. Dentre associados a fisioterapia.
os sintomas frequentemente associados, podem estar presentes fa-
diga, distúrbios do sono, rigidez matinal, ansiedade e depressão.
O diagnóstico baseia-se somente em critérios clínicos, pela ausência
de exames complementares que a identifiquem. Segundo o American
College of Rheumatology, foram estabelecidos os seguintes critérios
diagnósticos: dor difusa presente no esqueleto axial e em ambos os he-
micorpos, acima e abaixo da cintura; dor em 11 ou mais dos 18 pontos
dolorosos (tender points) e dor crônica por mais de 3 meses. Diagnóstico
O diagnóstico de fibromialgia
é estabelecido por presença
de dor difusa em esqueleto
axial, simétrica, em 11 dos
18 pontos, por mais de 3
meses: suboccipital (inserção
do músculo suboccipital),
cervical baixo (atrás do
terço inferior do esterno-
cleidomastóideo), trapézio,
supraespinhoso, 2ª junção
costocondral, epicôndilo
lateral, glúteo médio, tro-
Figura 6 - Tender points cantérico e joelho (acima da
linha média).
O tratamento baseia-se na abordagem interdisciplinar, incluindo con-
trole da dor e da fadiga, melhora do padrão de sono, controle do
estresse, tratamento das alterações de humor e condicionamento fí-
sico. A Tabela 3 resume as diferenças entre a síndrome miofascial e a
fibromialgia.
Síndrome dolorosa
Características Fibromialgia
miofascial
Assimétrica e local “em
Dor Simétrica e difusas
pontada”
Preferencialmente entre
Idade Qualquer idade
40 e 60 anos
Síndrome dolorosa
Características Fibromialgia
miofascial
Radiação Espalhada/crônica Em pontos específicos
Amplitude do
Sem restrição Com restrição
movimento
Contração local à
Ausente Frequente
palpação
7. Dor neuropática
Estima-se que 5% dos pacientes com lesão traumática de nervos apre-
sentem dor; já a prevalência de neuropatia dolorosa em diabéticos é de
cerca de 15%. Entre pacientes com acidente vascular cerebral, 8% apre-
sentam dor neuropática central, e 28% daqueles com esclerose múlti-
pla sofrem de dores neuropáticas.
O diagnóstico é feito na presença da descrição da dor, na avaliação de
sinais objetivos de disfunção nervosa ou de testes confirmatórios e na
resposta ao tratamento com medicamentos indicados para o manejo
da dor neuropática. As medicações mais usadas são os anticonvulsi-
vantes (carbamazepina, gabapentina e pregabalina), antidepressivos
(tricíclicos e venlafaxina), antagonistas de receptores N-Metil D-Aspar-
tato (NMDA) e opioides. Estes últimos devem ser reservados àqueles
com dor refratária.
A - Neuralgia do trigêmeo
O nervo trigêmeo é responsável pela sensibilidade da face desde a
parte frontal do couro cabeludo até o queixo e pode ser dividida em 3
“faixas” – V1, V2 e V3. A neuralgia do trigêmeo é uma dor lancinante,
que pode ser referida como choque, pontada ou agulhada, em 1 ou 2 ra-
mos contíguos do trigêmeo, em metade da face, dura alguns segundos
e pode ser desencadeada por estímulos sensitivos, como o vento, esco-
var os dentes, alimentar-se ou mesmo tocar a face. A dor é de tal inten-
sidade que frequentemente leva o paciente a procurar auxílio médico
hospitalar com urgência. Sua causa mais comum é uma compressão
neurovascular, mas outras doenças, como esclerose múltipla e tumo-
res, podem levar a esse quadro. A neuralgia do trigêmeo deve ser dife-
renciada da dor facial atípica, de características diferentes, e causada
por outros agentes. Dentre as principais causas de dor facial atípica,
destacam-se infecção por herpes-zóster (a dor é contínua e não paro-
xística, associada a vesículas e crostas), doença dentária, doença orbi-
tal, arterite temporal ou, novamente, tumor intracraniano. É comum o
paciente ser submetido equivocadamente a extrações dentárias para o
tratamento de neuralgia do trigêmeo.
O tratamento da dor é feito com o auxílio de anticonvulsivantes (car-
bamazepina, gabapentina, pregabalina, oxcarbazepina) e baclofeno, e,
em casos de procura ao serviço de emergência, a dor pode ser aliviada
com dose de ataque de fenitoína (“hidantalização”), de modo seme-
lhante ao que é prescrito para o tratamento do estado de mal epilép-
tico. Um curso rápido com corticoides pode ser realizado até que os
dor 67
a) Definição
Condição dolorosa regional associada às alterações sensoriais decor-
rentes de um evento nocivo. Nestas, após o trauma, a dor é o sintoma
principal, podendo estar associada a coloração da pele, mudanças de
temperatura do membro, atividade sudomotora anormal ou edema.
Segue a terminologia adotada pela International Association for the
Study of Pain em 1993:
--SDCR tipo I: distrofia simpática reflexa;
--SDCR tipo II: causalgia.
O tipo II difere do tipo I pela existência de traumatismo (lesão nervosa Quadro clínico
real), em que a dor não se limita ao território de inervação do nervo
lesado. O quadro clínico da sín-
drome dolorosa complexa
b) Manifestações clínicas regional envolve dor em
--Dor do tipo queimação, profunda, lancinante e quente: contato físico, queimação, associado a
mudanças de temperatura e estresse emocional podem ser fatores alterações autonômicas
desencadeantes da dor; (temperatura, coloração,
--Alterações autonômicas: vasomotoras, diferença de temperatura, co- sudorese) e perda de
loração, quando comparadas com o membro contralateral; ou sudo- função motora.
motoras, em que a região acometida pode apresentar sudorese ou
anidrose;
--Edema e alterações tróficas da pele e fâneros: podem ou não estar
presentes;
--Perda da função motora: distúrbios de motricidade como fraqueza,
distonias, espasmos musculares, tremores, aumento do tônus e difi-
culdade de movimentação do membro.
Em alguns pacientes, a dor miofascial mostra-se mais importante do
Tratamento
que a própria SDCR. A dor miofascial se estabelece por desuso do mem- O tratamento da sín-
bro acometido (amputação fisiológica) e/ou excesso de uso do membro drome dolorosa complexa
sadio contralateral. regional envolve fisio-
terapia, antidepressivos
c) Tratamento tricíclicos, anticonvulsi-
--Fisioterápico: estimulação transcutânea (TENS) e reabilitação do vantes ou opioides e blo-
membro, aumento da movimentação; queio simpático (injeção
--Farmacológico: antidepressivos tricíclicos, gabapentina, pregaba- local – guanetidina).
lina e opioides; também pode ser tentado o uso de duloxetina ou
venlafaxina;
68 sic neurologia
8. Dor oncológica
A dor acomete de 60 a 80% dos pacientes com câncer, de 25 a 30% na
Dica ocasião do diagnóstico e até 90% dos indivíduos com doença avançada.
A invasão tumoral óssea é a causa mais comum, habitualmente, de dor
Grande parte das dores nociceptiva somática, a menos quando há a invasão de estruturas ner-
oncológicas acaba por vosas, em que passa a ter também componente neuropático. O tumor
ativa os nociceptores por pressão, isquemia ou secreção de substân-
apresentar caráter misto.
cias álgicas. A invasão tumoral visceral é a 2ª causa mais comum de
dor e acontece por estiramento de cápsula, obstrução de vísceras ocas,
carcinomatose peritoneal e neoplasia de pâncreas.
Em alguns, o tratamento (radioterapia, quimioterapia e cirurgias) é o
que causa a dor neuropática crônica. As síndromes pós-cirúrgicas crô-
nicas podem acontecer pós-mastectomia, toracotomia, esvaziamento
cervical e amputação. Além disso, os pacientes podem ter patologias
que cursam com dor, como doenças degenerativas da coluna, úlce-
ras perfuradas, emergências vasculares e obstruções intestinais, nem
sempre resultantes da doença oncológica.
9. Síndromes dolorosas
A - Dor talâmica
Lesões talâmicas, dependentes de sua localização e extensão, podem
levar a dor em parte ou toda a metade do corpo contralateral. A dor
é em queimação, com uma quantidade particularmente desagradá-
vel, sem que o paciente tenha dificuldade para descrever. Ela tende a
se desenvolver durante a recuperação parcial de um déficit sensorial,
causado por lesão talâmica subjacente. Estimulação cutânea leve pode
Quadro clínico produzir sensação muito desagradável e dolorosa. Com essa combi-
nação de perda de sensibilidade sensorial, a dor espontânea cutânea
A síndrome de Déjérine- pervertida passou a ser chamada de síndrome de Déjérine-Roussy ou
-Roussy (acidente vas- síndrome do acidente vascular encefálico talâmico – infarto da por-
cular encefálico talâmico) ção posterolateral do tálamo. Esta se caracteriza como um distúrbio
apresenta hemiplegia hemianestésico, seguido de dor talâmica (bem mais comum): parado-
xalmente, o paciente sente uma dor espontânea vívida de forte in-
leve, hemianestesia
tensidade, persistente, paroxística e geralmente intolerável e rebelde
superficial, hemiataxia
ao tratamento analgésico, além de movimentos coreoatetósicos nos
leve e astereognosia, com membros ipsilaterais ao lado comprometido no hemicorpo contralate-
dores vivas no lado he- ral (que apresenta anestesia para todas as modalidades sensoriais, me-
miplégico e movimentos nos frequentemente na face). Os acidentes vasculares encefálicos são a
coreoatetósicos. causa mais frequente de dor. A lesão é isquêmica em cerca de 90% dos
casos. Há indícios de que haja maior frequência de dor central após in-
farto isquêmico do que após hemorragia encefálica.
- Tratamento
Não há procedimento comprovadamente eficaz para o tratamento da
dor central. Poucos tratamentos foram testados em ensaios bem deli-
neados. Os melhores resultados parecem ser obtidos com a combina-
ção de tratamentos. O tratamento reduz a dor, mas não a elimina. Não
dor 69
B - Dor radicular
A dor de origem radicular classicamente irradia da região medular en-
volvida para o dermátomo correspondente. Dores não irradiadas rara-
mente são secundárias a envolvimento radicular. Outra característica
Dica
marcante da dor radicular é sua piora com manobras que aumentem
a pressão intraespinal, como a tosse ou a manobra de Valsalva. Adi-
cionalmente, algumas manobras que tracionam as raízes exacerbam
consideravelmente a dor. A manobra de Lasègue é classicamente asso- Há piora da dor radicular
ciada a radiculopatias lombossacrais L5 ou S1. Caracteriza-se por dor à à realização de manobra
elevação da perna acima de 30o. Sua sensibilidade para a detecção de de Valsalva ou Lasègue.
radiculopatias ativas é bastante grande. Infelizmente não existe uma
manobra confiável para tracionar as raízes cervicais.
70 sic neurologia
10. Tratamento
Tema O tratamento deve basear-se na etiologia e na fisiopatologia da dor e
das suas repercussões, envolvendo a eliminação do fator causal com
frequente de prova medicamentos analgésicos e adjuvantes. Substâncias capazes de dimi-
nuir a condição inflamatória também podem ser empregadas. Os anal-
As recomendações para gésicos são classificados em 3 categorias: opioides (narcóticos), não
o tratamento da dor, opioides e adjuvantes.
bem como sua evolução,
podem ser cobradas em O protótipo dos analgésicos opioides é a morfina. O seu espectro de
provas de concursos ação é comparável com os demais, mas difere na intensidade do seu
efeito e nos efeitos colaterais. Os analgésicos não opioides incluem vá-
médicos.
rias classes de substâncias com diferentes mecanismos de ação. Além
dos Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs) clássicos (ácido acetil-
salicílico, ibuprofeno, diclofenaco, naproxeno) e dos inibidores seleti-
vos da cicloxigenase-2, também são membros desse grupo substâncias
como paracetamol, flupirtina e metamizol (dipirona). A ação dos AINEs
é dupla: interferem no sistema das prostaglandinas e reduzem a infla-
mação, o edema e a irritação.
Os medicamentos adjuvantes são utilizados para potenciar a eficácia
analgésica de fármacos analgésicos no tratamento de sintomas con-
comitantes que aumentam a intensidade da dor e para proporcionar
efeito analgésico independente para tipos específicos, como a dor
neuropática.
As principais classes de medicamentos adjuvantes são os anticonvulsi-
vantes, antidepressivos, ansiolíticos, neurolépticos, relaxantes muscu-
lares e corticosteroides. A ação dos antidepressivos no tratamento da
dor crônica é consequência da ampla variedade de ações nos mecanis-
mos neurorregulatórios da percepção e da transmissão da dor. No caso
da dor musculoesquelética, os relaxantes musculares podem ser utili-
zados apenas por curto período e em casos de dor crônica agudizada.
dor 71
Pergunta
2015 - UNAERP
1. São recomendações gerais no
tratamento farmacológico da dor,
exceto:
Pergunta
2013 - UNESP
2. Um homem de 68 anos, ex-tabagista e ex-etilista desde os 18 anos, está abstêmio há 6 meses, quando foi diagnosticado com
carcinoma espinocelular de laringe. Realizou quimioterapia, radioterapia e laringectomia total. Apesar disso, teve recidiva tu-
moral. Queixa-se de dor cervical contínua (tipo queimação), com momentos de paroxismo (tipo choque), com intensidade 10 (em
escala de zero a 10). Está recebendo dieta via gastrostomia e nunca fez uso de opioides. O provável diagnóstico fisiopatológico
da dor e o melhor esquema analgésico são, respectivamente:
a) nociceptiva exclusiva; morfina de liberação lenta de 12/12h, dipirona em gotas de 6/6h, amitriptilina ao deitar e gabapentina
de 8/8h
b) nociceptiva exclusiva; morfina de liberação rápida em solução oral de 6/6h e amitriptilina ao deitar
c) neuropática exclusiva; amitriptilina ao deitar e gabapentina de 8/8h
d) mista; morfina de liberação rápida em solução oral de 6/6h e amitriptilina ao deitar
e) mista; morfina de liberação rápida em solução oral de 4/4h, dipirona em gotas de 6/6h, amitriptilina ao deitar e gabapentina de 8/8h
Resposta no final do capítulo
72 sic neurologia
Resumo
Quadro-resumo
- A dor pode ser dividida em nociceptiva, neuropática, psicogênica e mista. O controle efetivo requer que sejam toma-
dos em consideração seus mecanismos subjacentes para permitir a seleção de um tratamento bem direcionado;
- Na dor referida, os sinais de dor dos receptores dos órgãos internos são incorretamente interpretados como prove-
nientes de áreas distantes dos reais estímulos;
- A síndrome miofascial é caracterizada por resposta muscular local à manipulação do ponto-gatilho, dor, restrição
de amplitude de movimento, fraqueza sem atrofia e sensibilidade aumentada sobre um ponto de espessamento
muscular;
- A fibromialgia é uma síndrome reumática não articular caracterizada por dor musculoesquelética difusa e crônica e
pela presença de múltiplas regiões dolorosas.
Classificação da dor neuropática
Sistema nervoso central
- Lesões vasculares;
Causas mais fre-
- Esclerose múltipla;
quentes
- Trauma.
Lesões medulares 1ª sinapse do corno posterior da medula pelas vias ascendentes
- Tálamo;
- Córtex;
- Substância branca cortical;
Lesão encefálica
- Bulbo;
- Ponte;
- Mesencéfalo.
Sistema nervoso periférico
- Mononeuropatia: herpes-zóster, diabetes, periarterite nodosa, artrite reumatoide, lúpus
eritematoso sistêmico, trauma, tumor, HIV, hipotireoidismo, porfiria, isquemia;
Nervo espinal e - Polineuropatia: diabetes, uremia, álcool, Guillain-Barré, beribéri, amiloidose, isoniazida,
periférico cloranfenicol, organofosforado, pelagra, HIV, tuberculose, mieloma, hipotireoidismo,
vincristina etc.;
- Avulsão do plexo braquial.
- Neuralgia do trigêmeo;
- Neuralgia do glossofaríngeo;
- Herpes-zóster agudo;
Nervos cranianos
- Neuralgia pós-herpética;
- Dor facial atípica;
- Neuralgia traumática.
Síndrome de dor complexa regional
Tipo I Distrofia simpático-reflexa
Tipo II Causalgia
Dor fantasma
- Acomete 60 a 85% dos que sofreram amputação dos membros;
- Ocorre na área do corpo em que foi feita a amputação;
- A sensação mais intensa corresponde à região com maior representação cortical.
Respostas
das questões do capítulo
1. E
2. E
Mônica Ayres de Araújo Scattolin
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini
4
A dor de cabeça é uma queixa recorrente ao médico e
corresponde a 4 a 9% das consultas na atenção primá-
ria. As cefaleias podem ser classificadas, quanto à sua
etiologia, em primárias (sem etiologia demonstrável
pelos exames clínicos ou laboratoriais usuais) ou secun-
dárias (substrato orgânico identificável) e, quanto ao
modo de instalação e à evolução, em agudas, subagu-
das (atingindo o ápice em dias ou até 3 meses) e crônicas
(superior a 3 meses). Os principais tipos de cefaleia pri-
mária são migrânea, cefaleia tensional e cefaleia em
salvas. A migrânea é o distúrbio neurobiológico com
Cefaleias
base gênica que pode estar associado a alterações do sis-
tema nervoso e ativação do sistema trigeminovascular.
A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral,
de caráter pulsátil, que aparece na maioria dos casos
antes dos 20 anos, com piora aos esforços e acompa-
nhada de sintomas como palidez, sudorese, náuseas/
vômitos, fono ou fotofobia, iniciada após jejum, con-
sumo de chocolate, distúrbios emocionais, sono, álcool
e estímulos sensoriais. A crise divide-se em 4 fases: pre-
monitória, aura, cefaleia e resolução; e o tratamento se
baseia em medidas gerais (retirada de fatores desenca-
deantes), associadas a analgésicos simples (crises leves)
ou triptanos (crises moderadas a fortes). A cefaleia ten-
sional é a mais comum, prevalente em adultos jovens (35
a 78%), sendo mais comum entre mulheres, e tende a
ser bilateral, de caráter em pressão ou aperto, cujo tra-
tamento é feito com analgésicos simples. A cefaleia em
salvas tem maior incidência no sexo masculino e início
habitual no adulto jovem (10 anos mais tarde do que a
migrânea) e evolui por crises com duração média de 30 a
180 minutos, que se repetem várias vezes ao dia (salvas).
A dor é de grande intensidade (terebrante) e de loca-
lização preferencialmente fronto-orbitária, podendo
irradiar-se para o hemicrânio e/ou para a hemiface ipsi-
lateral. O tratamento agudo é feito com oxigenoterapia
100%, 7L/min, por 15 minutos, sumatriptano 6mg SC ou
ergotamínicos 1mg 2x/d, enquanto profilaxia com vera-
pamil, valproato de sódio, prednisona ou carbonato de
lítio. As cefaleias secundárias são consequência de uma
agressão ao organismo, de ordem geral ou neurológica.
A doença primária pode estar relacionada a várias etio-
logias: infecciosa, inflamatória, parasitária, traumática,
vascular, tumoral e metabólica. Sinais que demons-
tram a organicidade da cefaleia são início abrupto (1º
episódio), início após trauma, >50 anos, sinais neuroló-
gicos deficitários, papiledema, rigidez de nuca, febre,
mudança abrupta no padrão da dor e alteração da cons-
ciência. Alguns exemplos são a cefaleia da hemorragia
subaracnóidea e a arterite temporal.
74 sic neurologia
1. Introdução
As dores de cabeça correspondem de 4 a 9% das consultas na atenção
primária, sendo que aproximadamente 1% das cefaleias é secundário
a doenças potencialmente fatais ou incapacitantes. Estima-se que, ao
longo da vida, 93% dos homens e 99% das mulheres apresentarão o
quadro, e 76% das mulheres e 57% dos homens terão ao menos 1 epi-
sódio por mês.
Inflamação, irritação, deslocamentos, tração, dilatação ou destruição
de estruturas sensíveis à dor desencadeiam fenômenos dolorosos. O
cérebro, o crânio, a maior parte da dura-máter, o epêndima e os plexos
coroides são insensíveis a dor. As estruturas extracranianas sensíveis
a ela são pele, tecido subcutâneo, músculos, nervos, membranas sub-
mucosas, dentes e alguns vasos sanguíneos maiores. Já as estruturas
intracranianas sensíveis a dor são seios venosos, veias de maior calibre
e a dura-máter que as circunda, artérias durais e artérias do polígono
de Willis.
A sensibilidade das estruturas intra e extracranianas, da face e da ca-
beça até a região do vértex, são mediadas pelo nervo trigêmeo. Peque-
nas áreas são inervadas pelos pares de nervos VII, IX e X. Já a dor na
região occipital do crânio é mediada pelos nervos occipitais superiores
com raízes originadas nos primeiros segmentos cervicais.
2. Classificação e diagnóstico
A “Classificação e Critérios Diagnósticos das Cefaleias, Neuralgias Cra-
nianas e Dor Facial”, realizada pela International Headache Society
(IHS), encontra-se na sua 3ª edição e tem a intenção de padronizar,
tanto em pesquisas como na clínica, a definição dos tipos de cefaleias,
sendo a do tipo tensional a mais prevalente, seguida pela migrânea. A
Tabela 1 resume os diferentes grupos diagnósticos.
Tabela 3 - Indicações de exames de neuroimagem nos pacientes com cefaleia e sinais de alarme
Sinais de alarme nas
Comentários
cefaleias
Cefaleia súbita é aquela que atinge a intensidade máxima de sintomas dentro de 60
A 1ª ou pior cefaleia segundos. É conhecida como cefaleia “em trovoada” (thunderclap headache). Existem
da vida do paciente várias causas, mas a mais temida é a hemorragia subaracnóidea (HSA), com altas taxas
ou cefaleia de início de morbimortalidade. Cerca de 90% dos pacientes com HSA apresentarão alteração na
súbito tomografia. Sempre devemos considerar o diagnóstico de HSA em pacientes com cefa-
leia súbita ou a pior dor da vida.
Cefaleias de início A possibilidade de um processo expansivo cerebral ser a causa de uma cefaleia com mais
recente (menos de 1 de 1 ano de duração é menor do que 1%. Para casos iniciados há menos tempo, a realiza-
ano) ção de um exame de neuroimagem está indicada.
Nos pacientes com mais de 50 anos, a incidência de neoplasias primárias do Sistema Ner-
voso Central (SNC) ou metastáticas para o SNC é maior. Além disso, a arterite de células
Cefaleia nova após os gigantes é uma causa de cefaleia a partir dos 50 anos, caracterizada por cefaleia, claudi-
50 anos cação mandibular, episódios de amaurose fugaz e polimialgia reumática. A VHS costuma
estar acima de 50mm/h, e a biópsia de artéria temporal fecha o diagnóstico. O trata-
mento é realizado após a confirmação diagnóstica com corticoides e imunossupressores.
cefaleias 77
Dica homens acontece aos 5 anos, e nas mulheres, entre 12 e 13 anos. Na mi-
grânea sem aura, o pico se encontra nos homens aos 10 e 11 anos, e nas
mulheres, entre 14 e 17 anos. A prevalência antes da puberdade é maior
A migrânea possui
em homens e aos 40 anos a proporção é de 3,5 casos em mulheres para
prevalência maior no cada caso em homens. Início após os 50 anos é raro.
sexo masculino antes da
puberdade e no sexo fe- A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral (60% dos ca-
minino após a puberdade. sos), de caráter pulsátil, que aparece, na maioria dos casos, antes dos
20 anos. Piora habitualmente com os esforços físicos ou manobras que
aumentam o fluxo sanguíneo cerebral e melhora com as condições que
diminuem o afluxo de sangue ao segmento cefálico.
Acompanhando a dor, observam-se, com grande frequência, palidez,
sudorese, anorexia, náuseas e vômitos, foto e fonofobia e, mais rara-
mente, distúrbios autonômicos. Muitos pacientes referem fatores de-
sencadeantes variados, como jejum, chocolate, distúrbios emocionais,
modificações no padrão de sono, estímulos sensoriais (olfativos, visu-
ais, auditivos) e ingesta de bebidas alcoólicas.
A Tabela 4 descreve os critérios diagnósticos para os quadros de migrâ-
nea com e sem aura.
a) Equivalentes de enxaqueca
--Migrânea acompanhada: sinais e sintomas de sofrimento encefálico
aparecem posteriormente ao início da dor de cabeça. Manifestação
sensitiva é o mais frequente, mas também podem estar presentes
déficit motor, distúrbios de linguagem e ataxia;
--Migrânea complicada: relacionados à crise aparecem sintomas neu-
rológicos que persistem após a cefaleia ter cessado ou por mais de
24 horas. Em alguns raros casos, pode não haver regressão ou esta
ser parcial (sequela). Pode ser dividida em oftalmoplégica, hemiplé-
gica (familial), da artéria basilar (Bickerstaff) e migrânea retiniana;
--Migrânea oftalmoplégica: rara e vista mais frequentemente em
crianças e adultos jovens, é uma dor unilateral associada a paresias
do III (mais comum), IV e VI nervos cranianos. Há relatos de lesão
permanente do III nervo. No 1º episódio deve ser feito diagnóstico
diferencial com aneurisma da artéria comunicante posterior.
Na migrânea hemiplégica familiar, a aura é representada por défi-
cit motor (hemiplegia ou hemiparesia), sendo indispensáveis história
idêntica em, pelo menos, 1 parente de 1º grau e exames complemen-
tares sem anormalidades para a caracterização do quadro. A enxa-
queca hemiplégica costuma ser hereditária, autossômica dominante,
geralmente por alteração dos genes CACNA1A, ATP1A2 e SCNA1 para
canais iônicos. Já na migrânea basilar (ou de Bickerstaff), a dor é pre-
dominantemente occipital e os sintomas dizem respeito a distúrbios
funcionais no nível do tronco cerebral ou dos polos occipitais, como
diplopia, disartria, parestesia perioral (durando de 20 a 30 minutos),
vertigem, zumbido, ataxia, alteração do nível de consciência, paresias
e parestesias bilaterais. Na migrânea retiniana, temos uma associa-
ção de isquemia do nervo óptico, podendo levar a amaurose e perda
de visão do lado acometido. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial
com arterite temporal.
c) Tratamento
O tratamento inicia-se com medidas gerais, como evitar, quando pos-
sível, fatores referidos como desencadeantes de crises; tratar doenças Tema
concomitantes, particularmente hipertensão arterial e depressão; va- frequente de prova
ler-se de técnicas de relaxamento físico e mental; regular o padrão de
sono e aconselhar a prática de atividades físicas. Também podem ser O tratamento da migrâ-
utilizadas técnicas cognitivas comportamentais e acupuntura, além de nea está sempre presente
massagens e compressas. Os objetivos do tratamento são tratar a crise em questões de concursos
migranosa rapidamente e com eficácia, com mínimos efeitos adversos; médicos.
recuperar a capacidade funcional do paciente, e minimizar as necessi-
dades de visita hospitalar de emergência.
Analgésicos simples, como paracetamol ou AINH (naproxeno sódico,
ibuprofeno, diclofenaco de sódio, ácido tolfenâmico), são eficazes para
o tratamento sintomático e devem ser ingeridos precocemente após o
início dos sintomas. É importante evitar o uso abusivo desses analgési-
cos, sob o risco de desencadeamento de cefaleia resultante do uso ex-
cessivo de medicações abortivas de crise.
Tratamento
Os triptanos são medicações agonistas dos receptores serotoninérgi- O tratamento da migrâ-
cos com eficácia comprovada no tratamento sintomático e devem ser nea envolve medidas
considerados dentro de uma abordagem estratificada de controle da gerais (retirada de fa-
dor para as crises moderadas e fortes. Sensação de calor, peso, formi- tores desencadeantes),
gamento e opressão torácica são os efeitos colaterais mais comumente associado a analgésicos
descritos em adultos. Estão contraindicados a pacientes com histórico
simples (crises leves)
de insuficiência arterial, periférica, cerebral ou coronariana, a quadros
ou triptanos (crises de
de isquemia ou infarto do miocárdio e na presença de angina ou claudi-
cação. Também não devem ser utilizados nos casos de gravidez, ama- moderadas a fortes).
mentação, hipertensão arterial não controlada, uso concomitante de Antieméticos podem
inibidores da recaptação de serotonina ou lítio, uso de ergotamina nas ser associados quando a
últimas 24 horas e enxaquecas com aura prolongada, hemiplégica ou migrânea está associada
basilar. a náuseas (auxiliam no
Antieméticos, como a clorpromazina, também fazem parte do arsenal mecanismo). Corticos-
terapêutico abortivo das crises. O status enxaquecoso corresponde a teroides, por sua vez,
crise com duração superior a 24 horas, e o uso de corticosteroides pode podem ser associados em
estar associado a demais medicações abortivas nesse caso. status enxaquecoso (crise
superior a 24 horas).
Tabela 5 - Eficácia e efeitos colaterais das principais drogas usadas nas
crises
Paracetamol + +
AINH ++ +
Sumatriptana +++/++++ +
Naratriptana ++ +
Zolmitriptana +++ +
Clorpromazina +++ ++
Dexametasona ++ +
82 sic neurologia
Ganho ponderal,
Mania, retenção
xerostomia, sono-
Amitriptilina ++++ urinária, arritmia
lência, hipotensão
cardíaca
ortostática
Ganho ponderal,
Síndromes parkinso-
Flunarizina +++ depressão, sonolên-
nianas
cia, parkinsonismo
Náuseas, dispepsia,
parestesia, perda
Litíase renal, glau-
Topiramato ++++ de peso, glaucoma
coma, depressão
agudo, litíase renal,
depressão
f) Tratamento profilático
--Betabloqueadores: o propranolol é a droga mais utilizada na infân-
cia, pelo perfil de segurança, apesar das poucas evidências científicas.
A dose utilizada é de 1 a 2mg/kg/d, em 2 tomadas. A introdução da
medicação deve ser feita em doses crescentes (3 a 4 semanas). Es-
tão contraindicados a pacientes com asma brônquica, diabetes e ar-
ritmias cardíacas;
--Bloqueadores dos canais de cálcio: existe um único estudo controlado
na profilaxia da enxaqueca na infância sobre o uso de flunarizina na
dose de 5mg/d. O nimodipino mostrou eficácia na profilaxia da enxa-
queca na infância em doses que variam de 10 a 20mg 3x/d;
--Fármacos antiepilépticas (FAEs): no passado, fenobarbital, carbama-
zepina e fenitoína eram utilizados no tratamento profilático da en-
xaqueca, nenhum deles com eficácia cientificamente comprovada. O
divalproato de sódio, atualmente, demonstrou ser eficaz na profilaxia
em adultos em estudos controlados. Na infância, um estudo aberto
sugere a eficácia na profilaxia na dose de 15 a 45mg/kg/d (a mesma
para epilepsia). Topiramato, gabapentina e lamotrigina não têm sua
eficácia demonstrada por estudos científicos quanto à profilaxia de
enxaqueca na infância;
84 sic neurologia
Fase aguda
- AINHs (ibuprofeno; naproxeno);
Preventivo
- Identificação de fatores desencadeantes;
U Unilateral
L Lítio
V Verapamil
A Ácido valproico
E - Síndrome SUNCT
Definida como cefaleia breve, unilateral, neuralgiforme, com hipere-
mia conjuntival e lacrimejamento, é pouco frequente (1:15.000), ligeira-
mente mais predominante em indivíduos do sexo masculino (proporção
homem:mulher de 1,5:1) e idade média de apresentação por volta dos
50 anos.
A síndrome, geralmente, afeta o ramo oftálmico do trigêmeo, embora
raramente possa afetar qualquer parte da cabeça. Na maioria dos ca-
Dica
sos, os ataques são desencadeados por estímulos cutâneos. Tipica- A síndrome SUNCT é
mente, um paciente com SUNCT pode ter de 50 a 100 ataques diários, composta de cefaleia
de predomínio durante o dia e duração de 1 a 15 minutos. Os ataques breve, unilateral, neu-
podem ser acompanhados por forte hiperemia conjuntival ipsilateral e ralgiforme, associada a
lacrimejamento. Também são frequentes congestão nasal e rinorreia.
hiperemia conjuntival e
Faz diagnóstico diferencial com a neuralgia do trigêmeo, e seu trata- lacrimejamento.
mento é difícil e de baixa eficácia, podendo ser utilizadas drogas como
carbamazepina, lamotrigina, gabapentina ou topiramato.
88 sic neurologia
Enxaqueca ou migrânea
2015 - HCV Sem aura
2. Sobre as cefaleias, assinale a - Mais comum;
alternativa correta:
- Duração de 4 a 72 horas (sem tratamento/tratamento sem sucesso);
a) a enxaqueca é mais prevalente - Localização unilateral, pulsátil, com intensidade moderada ou forte (inter-
em mulheres dos 30 aos 50 anos ferindo nas atividades diárias) e piora com a atividade física (impedindo a
b) é característica das cefaleias realização);
primárias a associação a sinais e - Acompanhando a dor, náusea e/ou vômitos, fotofobia e fonofobia.
sintomas sistêmicos, como mial-
Com aura
gia e febre
c) a enxaqueca é um tipo de cefa- - Mesmas duração e características da cefaleia sem aura, acrescidas de
leia que tem sinais que podem ser distúrbios visuais como escotomas, visão embaçada, distorção em 1 he-
chamados de aura, sendo o que a micampo visual ou parte dele. Associadamente a esses sintomas visuais,
podemos encontrar parestesia ou paresia num hemicorpo ou distúrbios
diferencia da cefaleia tensional
da fala. Quando o déficit motor causa hemiplegia completa, a enxaqueca é
d) medicamentos das classes dos conhecida como hemiplégica (familiar ou esporádica);
tricíclicos e dos betabloqueadores
são os mais usados para a profi- - A aura pode evoluir entre 5 e 60 minutos.
laxia da enxaqueca e da cefaleia Tipo tensão
tensional
- Duração de 30 minutos a 7 dias;
e) analgésicos como dipirona e
ácido acetilsalicílico são inefica- - De localização bilateral (algumas vezes difusa ou holocraniana), em pres-
zes na enxaqueca são ou aperto (não pulsátil), intensidade fraca a moderada, não agravada
pelo esforço físico – podendo este ocasionar diminuição. A dor aparece
Resposta no final do capítulo
mais no final da tarde, relacionada aos estresses físico, muscular e emocio-
nal. O paciente pode referir parestesias no couro cabeludo;
- Mais comum em mulheres, com pico na 4ª década;
- Acompanhando a dor, baixo percentual de fenômenos acompanhantes;
quando presentes, os mais relatados são náusea e fotofobia.
Em salvas
- Diariamente, no mesmo horário, clinicamente sempre na mesma altura
do ano, nos chamados períodos de salva; os períodos de remissão duram
meses ou anos;
- Crises com frequência de dias intercalados até 8 por dia;
- Predominante no sexo masculino;
- Duração de 15 minutos a 3 horas sem tratamento;
- Localização unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal de forte
intensidade, em surtos, com predomínio no período noturno;
- 1 dos seguintes, ou ambos:
· Pelo menos 1 dos seguintes sinais ou sintomas ipsilaterais:
* Hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento;
* Congestão nasal e/ou rinorreia;
* Edema palpebral;
* Sudorese frontal ou facial;
* Rubor frontal ou facial;
* Sensação de plenitude auricular;
* Miose e/ou ptose palpebral.
· Inquietude ou agitação.
- Fatores desencadeantes:
· Bebidas alcoólicas;
· Drogas vasodilatadoras (histamina, nitroglicerina).
cefaleias 89
Secundária
a ataque A dor é pulsátil, usualmente de intensidade leve ou
isquêmico moderada e curta duração, nem sempre guardando
transitório e estreita relação com a artéria comprometida. Pode
a acidentes surgir concomitantemente à instalação dos sintomas
tromboem- deficitários ou precedê-los em poucos minutos.
bólicos
90 sic neurologia
-gatilho da face podem iniciar uma crise. Muitas vezes, a dor provoca
espasmos nos músculos faciais do lado afetado, gerando tique dolo-
roso (tic douloureux).
A etiologia não é totalmente conhecida, embora alguns pacientes te-
nham compressão microvascular do nervo ou causas identificáveis.
Como 15% dos casos são causados por alterações como tumores, escle- Tratamento
rose múltipla ou malformações arteriovenosas, deve ser considerada
a investigação por imagem. A carbamazepina é a medicação habitual- Carbamazepina é droga
mente utilizada como 1ª escolha. de escolha na neuralgia
do trigêmeo.
Tratamento cirúrgico
- Quando não responde aos medicamentos;
- Descompressão microvascular (Figura 5);
- Radiocirurgia Gamma Knife®;
- Percutâneo: eletrocoagulação por radiofrequência;
- Rizotomia com glicerol (via transoval).
Resumo
Quadro-resumo
- As estruturas sensíveis a dor incluem os vasos sanguíneos, as meninges e os nervos cranianos, e o nervo trigêmeo
atua como retransmissor da dor para o encéfalo;
- A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral de caráter pulsátil, que aparece na maioria dos casos antes
dos 20 anos, piora com a atividade física e é acompanhada de vômitos, náuseas, fonofobia e fotofobia;
- A cefaleia tipo tensão tem caráter de pressão ou aperto, localização bilateral, intensidade fraca ou moderada e não
agravada por atividades físicas. Quando uma cefaleia com as características da CTTE acomete o paciente por perío-
do igual ou superior a 15 dias/mês (180 dias/ano), está caracterizada a cefaleia do tipo tensional crônica;
- A cefaleia em salvas apresenta dor de grande intensidade (terebrante) e localização preferencial fronto-orbitária,
podendo irradiar-se para o hemicrânio e/ou para a hemiface ipsilateral. O paciente não consegue ficar quieto em
razão da dor. Na grande maioria dos casos, esta é estritamente unilateral, mas com possível mudança de lado e, até
mesmo, ser bilateral. Com grande frequência, vem acompanhada por distúrbios autonômicos usualmente do mesmo
lado da dor. A ingestão de bebidas alcoólicas desencadeia e/ou agrava os ataques. Há certo predomínio à noite;
- As cefaleias secundárias são consequência de uma agressão ao organismo, de ordem geral ou neurológica;
- A cefaleia da hemorragia subaracnóidea é súbita e acentuada, acompanhada de náuseas ou vômitos, conhecida com
cefaleia “sentinela” ou cefaleia “trovão” (thunderclap headache) – ambas são emergências clínicas que necessitam
de uma avaliação rápida;
- A neuralgia do trigêmeo é uma síndrome de dor facial descrita como choque ou punhalada na distribuição de 1 ou
mais ramos do trigêmeo. A dor é súbita e lancinante e, geralmente, dura de segundos a 2 minutos.
Respostas
das questões do capítulo
1. C
2. A
3. A
Jamile Cavalcanti Seixas
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini
5
As doenças cerebrovasculares são a 2ª causa de mortali-
dade e a principal causa de morbidade no mundo, enquanto
no Brasil, atualmente, é a 2ª causa de mortalidade, após as
causas cardiovasculares, mas são a 1ª causa de morbidade.
Nesse conjunto de doenças, estão presentes o acidente vas-
cular cerebral isquêmico, o ataque isquêmico transitório,
a demência vascular e a encefalopatia hipertensiva, sendo
as 2 primeiras as principais doenças. O Acidente Vascu-
Doenças cere-
lar Cerebral Isquêmico (AVCI) é um episódio de disfunção
neurológica decorrente de isquemia focal cerebral, medu-
lar ou retiniana, com sintomas típicos e lesão em exames
de imagem, enquanto o Ataque Isquêmico Transitório (AIT)
possui, como causa, a mesma disfunção neurológica, porém
sem lesão aos exames de neuroimagem. Uma das manifes-
tações, sobretudo em ateromatose carotídea, pode ser a
amaurose fugaz, e sem lesão isquêmica no exame de ima-
brovasculares
gem. O AIT deve ser conduzido como emergência médica,
pois 10 a 20% dos pacientes podem evoluir com AVCI em
90 dias, 50% nas primeiras 48 horas, e cerca de 1/3 desen-
volve um AVC em um período de 5 anos. As principais
etiologias do AVCI são aterosclerose de grandes artérias, holter ou looper para a avaliação de arritmias e defini-
oclusão de pequenas artérias, embolia cardíaca, vasculi- ção de causas cardíacas de embolia encefálica, bem como
tes e causas indeterminadas. Os locais acometidos podem de exames laboratoriais para a pesquisa de trombofilias,
ser, principalmente, artéria cerebral anterior, média ou pos- sorologia para Chagas e sífilis etc. Pacientes com infartos
terior, artéria basilar e artéria vertebral, além das artérias extensos podem evoluir com hipertensão intracraniana
cerebelares e artérias perfurantes, com diferentes acha- (rebaixamento da consciência, piora dos déficits, anisoco-
dos clínicos em cada um dos casos. Na avaliação inicial do ria), sendo que a identificação daqueles que são de risco
AVC agudo, há basicamente 2 métodos de imagem úteis: a pode ajudar na indicação de craniectomia descompres-
tomografia computadorizada de crânio sem contraste e siva e prevenção de óbito ou sequelas decorrentes dessa
a ressonância magnética de crânio. A trombólise intrave- complicação tardia. A hemorragia intraparenquimatosa
nosa é considerada método de escolha para o tratamento espontânea decorre da ruptura de um vaso com extrava-
específico do AVC, sendo a medicação de escolha o trom- samento de sangue para o parênquima cerebral. Na sua
bolítico alteplase, na dose de 0,9mg/kg (máximo 90mg), etiologia, a hipertensão arterial é mais habitual, em sítios
sendo infundidos 10% em bolus e o restante em bomba de típicos do encéfalo, principalmente em locais de irrigação
infusão em 1 hora. Tal medicamento é indicado sempre que de artérias perfurantes, como núcleos da base, tálamo,
são preenchidos critérios de inclusão (por exemplo, persis- ponte e cerebelo. A hemorragia subaracnoide, ou hemor-
tência do déficit neurológico, imagem sem contraste e sem ragia meníngea, acontece, na maioria das vezes, devido à
evidência de hemorragia, início dos sintomas <4,5 horas) e ruptura de um aneurisma das artérias intracranianas, cuja
afastados aqueles de exclusão (sangramento ativo, suspeita manifestação clínica mais típica é a cefaleia súbita (“a pior
de hemorragia subaracnoide, por exemplo). Além do trata- da vida”), espontaneamente ou relacionada a esforço físico
mento específico, o tratamento geral é feito com controle ou relações sexuais. Associados a cefaleia, podem ocorrer
de temperatura, mantendo a PA sem medicação (exceto se sinais de irritação meníngea ou rigidez nucal. Padrão-ouro
acima de 220x120mmHg em casos não trombolisados ou é a realização da arteriografia cerebral, que pode servir
185x110mmHg em casos trombolisados), jejum nas primei- como tratamento intravascular do aneurisma. O vasoes-
ras 24 horas e avaliação fonoaudiológica após, fisioterapia e, pasmo é o principal responsável pelo déficit isquêmico
finalmente, investigação dos fatores de risco para profilaxia cerebral tardio e pela isquemia cerebral tardia, condições
secundária, por meio de Doppler de carótidas e vertebrais que afetam o prognóstico, sendo mais frequente entre o
ou angiografia por ressonância, cateterismo ou tomogra- 3º e o 14º dias pós-sangramento. Para o seu tratamento,
fia para a avaliação dos vasos cervicais e intracranianos à recorre-se ao uso de nimodipino oral e, de maneira contro-
procura de estenoses que exijam tratamento intervencio- versa de acordo com a literatura atual, à terapia dos 3 “Hs”,
nista (stent ou endarterectomia), ecodopplercardiograma que inclui hipertensão arterial farmacologicamente indu-
para a procura de lesões cardíacas e eletrocardiograma, zida, hipervolemia e hemodiluição.
doenças cerebrovasculares 97
1. Introdução
As doenças cerebrovasculares são a 2ª causa de mortalidade e a prin-
cipal causa de morbidade no mundo, enquanto no Brasil, atualmente,
é a 2ª causa tanto de mortalidade quanto a 1ª de morbidade, ultra-
passando as causas cardiovasculares. Em 2012, o Acidente Vascular
Cerebral (AVC) foi a causa de 83 mil óbitos e de 187 mil internações
hospitalares. As doenças cerebrovasculares podem ser divididas em:
--Assintomáticas;
--Disfunções cerebrais focais:
--Ataque Isquêmico Transitório (AIT);
--Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI).
• Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico (AVCH):
* Hemorragia intraparenquimatosa ou AVCH;
* Hemorragia subaracnoide (HSA);
--Demência vascular;
--Encefalopatia hipertensiva.
B (Blood pressure) – PA
>140x90mmHg (PAS >140 e/ 1 ponto
ou PAD >90)
98 sic neurologia
- 2 pontos: hemiparesia;
C (Clínica) - 1 ponto: distúrbio de linguagem sem
hemiparesia.
- 2 pontos: 60 minutos;
D (Duração) - 1 ponto: 10 a 60 minutos;
- 0 ponto: <10 minutos.
Importante
D (Diabetes) 1 ponto A suspeita clínica rápida
de AVC (FAST) do AVCI
Predição de AVC (escores
versus risco de AVCI em 48
envolve: F (Face) – alguma
- Escore = 4 pontos, com alto risco de alteração na face (pedir
horas)
AVCI;
- 0 a 1: 0%; para sorrir); A (Arms) –
- Escore <4 pontos, com baixo risco de
- 2 a 3: 1,3; AVCI. diferença entre a altura
- 4 a 5: 4,1; dos braços elevados; S
- 6 a 7: 8,1.
(Speak) – alteração na
fala; e T (Time) – horário
3. Acidente vascular cerebral isquêmico do início dos sintomas
(agir rápido).
Caracteriza-se tipicamente como episódio de disfunção neurológica de-
corrente de isquemia focal cerebral ou retiniana, com sintomas típicos
que duram mais do que 24 horas e com lesão em exames de imagem
(tomografia computadorizada ou RM de crânio). Deve ser diferenciado
do AIT, em que não há evidência de lesão tecidual, apesar de compar-
tilharem da mesma fisiopatologia. Portanto, AIT e AVCI são espectros
de uma mesma doença vascular isquêmica encefálica, cuja definição
dependerá dos métodos de imagem utilizados. Desta forma, a persis-
tência dos sinais clínicos ou a presença de alterações nos exames de
imagem é que definem o AVCI. A aplicação desse conceito tem grande Dica
impacto na prática clínica atual, pela possibilidade do uso de trombolí-
Há diversas escalas
tico no AVCI agudo e pelo fato de os resultados desse tratamento esta-
rem diretamente relacionados à precocidade de administração. para a avaliação do AVC
(suspeita clínica, e não
A - Fisiopatologia avaliação – são escalas de
triagem), como FAST, es-
O AVCI deve-se à redução do fluxo sanguíneo para determinada área do cala de Cincinnati, LAPSS
encéfalo, gerando, consequentemente, isquemia com necrose e perda e, mais recentemente, a
de tecido cerebral. A redução do fluxo sanguíneo pode acontecer por escala ROSIER.
redução global de sangue ao encéfalo ou por obstrução de uma arté-
ria cerebral por conta de um êmbolo (arterioarterial ou cardíaco), uma
trombose arterial ou uma inflamação nos vasos (vasculite).
B - Etiologia e investigação
Os principais mecanismos estão relatados na escala de classificação
etiológica de TOAST.
- Embolia cardíaca;
E - Cardioembolia
Dentre as causas de cardioembolia, estão as arritmias, como a fibri-
lação atrial, e lesões cardíacas estruturais, como miocardiopatia dila-
tada, valvulopatias graves e trombos intracavitários.
A profilaxia secundária mais indicada é o uso de anticoagulantes, clas-
sicamente inibidores da vitamina K, como o Marevan®. Recentemente,
foram aprovados os novos anticoagulantes, como os inibidores do fa-
tor Xa ou diretos da trombina a pacientes com o diagnóstico de fibri-
lação atrial. A grande vantagem dos novos anticoagulantes é a não
necessidade de medições rotineiras de RNI (Relação de Normalização
Internacional) para avaliar o nível de anticoagulação. Não se indica ri-
varoxabana por aumento de risco de sangramento intracraniano. Os
utilizados hoje são apixabana e dabigatrana, este último com maior
risco de sangramento gastrintestinal. A desvantagem dos novos anti-
coagulantes é a impossibilidade de reversão da anticoagulação de ma-
neira rápida (apesar do recente lançamento do anticorpo monoclonal
antidabigatrana, idarucizumab – Praxbind® –, ainda não está larga-
mente disponível).
doenças cerebrovasculares 101
F - Outras etiologias
Dentre outras, vale citar as causas inflamatórias, como as vasculites
(primárias, sistêmicas ou infecciosas, como no caso da neurossífilis),
e as causas genéticas, como CADASIL (Cerebral Autosomal Dominant
Arteriopathy with Subcortical Infarcts and Leukoencephalopathy).
G - Fatores de risco
Podem ser divididos em não modificáveis e modificáveis. Os principais
fatores de risco não modificáveis são a idade, sendo mais comum em
indivíduos com idade mais avançada; o sexo, com maior prevalência
Dica para o masculino; a raça, com predomínio em negros; e a presença de
história familiar, materna ou paterna. Dentre os fatores de risco modifi-
São fatores de risco não cáveis, segundo o estudo Interstroke, são 10 os fatores de risco que ex-
modificáveis para AVCI: plicam 90% dos AVCs: hipertensão arterial, tabagismo atual, obesidade
idade avançada, sexo abdominal (relação cintura–quadril), dieta pobre em vegetais e grãos e
masculino, raça negra e rica em carnes, ovos e frituras, inatividade física, diabetes mellitus, uso
história familiar positiva. de álcool, estresse psicossocial e depressão, doenças cardíacas e níveis
E são fatores de risco mo- elevados de apolipoproteína. Dentre as várias causas cardíacas relacio-
dificáveis: hipertensão nadas com o risco de AVCI de origem embólica, a fibrilação atrial é das
arterial, diabetes mellitus, mais importantes. A doença carotídea assintomática (estenose >50%)
dislipidemia, doença está presente entre 7 e 10% dos homens e entre 5 e 7% das mulheres
cardiovascular prévia e acima de 65 anos. O risco anual de AVC é de 3,2% entre os pacientes
tabagismo. com estenose entre 60 e 99; no entanto, há variação. Estudos popu-
lacionais, notadamente o de Framingham, demonstraram que a asso-
ciação de fatores de risco aumenta exponencial, e não linearmente, o
risco de AVC.
Tema
frequente de prova
Compreender as mani-
festações clínicas asso-
ciadas a cada território
arterial pode resultar
em acertos importantes
nas provas de qualquer
concurso médico.
Figura 5 - Territórios de irrigação encefálica
I - Manifestações clínicas
A seguir, algumas síndromes envolvidas:
d) Artéria basilar
--Síndrome de Millard-Gubler-Foville (ponte baixa anterior): síndrome
cruzada do VII e/ou VI par. Hemiplegia braquiocrural contralateral,
paralisia facial periférica ipsilateral, acometimento do VI par ipsilate-
ral (diplopia e estrabismo convergente);
--Síndrome do tegumento pontino (ponte média dorsal): síndrome
cruzada sensitiva do V par, síndrome cruzada dos VII e VI pares, sín-
drome vestibular ipsilateral, síndrome de Horner ipsilateral, ataxia
cerebelar ipsilateral, perda da sensibilidade vibratório-proprioceptiva
contralateral.
e) Artéria vertebral
Síndrome de Wallenberg: síndrome sensitiva cruzada do V par (hemi/
hipoanestesia contralateral + hemi/hipoanestesia facial ipsilateral, dis-
fagia + disfonias graves – síndrome bulbar), pelo comprometimento
do núcleo ambíguo dos IX e X pares, síndrome vestibular ipsilateral,
síndrome de Horner ipsilateral, ataxia cerebelar ipsilateral, soluços
incoercíveis.
As manifestações clínicas da vítima de AVCI podem variar, a depen-
der do território (anterior ou posterior) e do tipo de artéria acometi-
dos (grandes ou pequenas artérias), conforme a escala de Oxfordshire/
Bamford:
Parâmetros Pontuação
0 = alerta; 1 = desperta com estímulo verbal; 2 = des-
1a - Nível de cons-
perta somente com estímulo doloroso; 3 = resposta
ciência
reflexa a estímulo álgico.
1c - Comandos:
abrir/fechar olhos, 0 = ambos corretos; 1 = 1 correto; 2 = ambos incor-
apertar e soltar retos.
mão
2 - Motricidade
ocular (voluntá- 0 = normal; 1 = paresia do olhar conjugado; 2 = des-
ria ou “olhos de vio conjugado do olhar.
boneca”)
5 - Motor membro
superior: braços
entendidos a 90° 0 = sem queda; 1 = queda, mas não atinge o leito; 2 =
(sentado) ou a 45° força contra gravidade, mas não sustenta; 3 = sem força
(deitado) por 10 contra gravidade, mas qualquer movimento mínimo
segundos. conta; 4 = sem movimento.
6 - Motor membro
inferior: elevar MSD_____________ MSE_____________ MID____________
a perna a 30° MIE______________
deitado por 5
segundos.
L - Tratamento
Critérios de inclusão
- Diagnóstico clínico de AVCI em qualquer território arterial; Tema
frequente de prova
- Persistência do déficit neurológico;
- Ressonância/tomografia de crânio sem contraste e sem evidência de É conveniente saber os cri-
hemorragia; térios de inclusão e exclusão
- Ausência de hipodensidade na tomografia de crânio da entrada acometen-
para trombólise, pois são
do área >1/3 do território de ACM; cobrados em muitas provas
de concursos médicos.
- Início dos sintomas <4,5 horas (se notados ao acordar, considerar como
início o último horário em que estava acordado assintomático);
- Idade >18 anos.
Sinais de alerta
- Idade >80 anos; Pergunta
- Déficit neurológico grave: escala NIHSS >22.
2014 - AMP
Critérios de exclusão 2. Com relação ao tratamento da fase
- Sintomas leves (escala NIHSS <4), exceto afasia, ou que melhoram comple- aguda do Acidente Vascular Ence-
tamente; fálico (AVE) isquêmico, é correto
afirmar que:
- Sangramento ativo (gastrintestinal ou urinário, nos últimos 21 dias);
- Suspeita clínica de HSA, apesar da tomografia normal; a) sintomas com rápida melhora não
- Distúrbios hemorrágicos conhecidos, incluindo, mas não limitados a:
contraindicam o uso de trombolítico
· Plaquetas <100.000; (rt-PA)
· Heparinização plena nas últimas 48 horas com tempo de tromboplastina b) a presença de edema na imagem
parcial ativada alargado; tomográfica de crânio, com desvio de
· Uso de anticoagulantes orais com RNI >1,5. linha média, não contraindica o uso
de trombolítico (rt-PA)
- Cirurgia extensa ou trauma nos últimos 14 dias;
c) o uso de trombolítico pode ser feito
- História de hemorragia intracraniana em qualquer momento, malforma- em até 6 horas após o ictus
ção arteriovenosa ou aneurisma cerebral; d) coma secundário ao AVE não con-
- Realização de neurocirurgia, trauma cranioencefálico grave ou AVCI nos traindica o uso de trombolítico (rt-PA)
últimos 3 meses; e) sintomas mínimos de AVE con-
traindicam o uso de trombolítico
- Punção arterial em local não compressível nos últimos 7 dias; (rt-PA)
- Glicose sérica <50mg/dL ou >400mg/dL; Resposta no final do capítulo
b) Escore ASPECTS
O escore ASPECTS avalia a extensão do comprometimento da ACM e
risco de sangramento com o tratamento trombolítico. Subdivide o ter-
ritório da ACM em 10 regiões padronizadas, avaliadas em 2 cortes da
tomografia de crânio, na altura do tálamo e nos núcleos da base, e o
próximo corte logo acima dos núcleos da base (Figura 7).
Cada uma das áreas marcadas em vermelho (Figura 7), com hipodensi-
dade precoce na tomografia sem contraste, diminui 1 ponto no escore.
Sendo assim, uma tomografia normal tem escore de 10, e um escore
zero indica isquemia difusa em todo o território da ACM.
Pontos:
• 7 a 10: baixo risco de hemorragia;
• 5 a 7: risco alto de hemorragia.
Dica
Não esquecer que, quanto
menor é o escore AS- Figura 7 - Escore ASPECTS: (A) Circulação anterior; (P) circulação posterior; (C) cau-
dado; (L) núcleo lentiforme; (IC) cápsula interna; (I) ínsula; (M1) córtex anterior da
PECTS, maior é o risco de artéria cerebral média; (M2) córtex da artéria cerebral média lateral à ínsula; (M3)
sangramento. = córtex posterior da artéria cerebral média; (M4), (M5) e (M6) territórios da artéria
cerebral média anterior, lateral e posterior imediatamente superiores a M1, M2 e
M3, rostrais aos núcleos da base
110 sic neurologia
c) Cuidados pós-trombolíticos
--O paciente trombolisado deve ser transferido para unidade de trata-
mento intensivo ou de AVC;
--Não se devem oferecer heparina, antiagregantes plaquetários ou an-
ticoagulantes orais nas primeiras 24 horas;
--Verificar escore de AVC do NIH a cada 15 minutos durante a infusão, a
cada 30 minutos nas próximas 6 horas e, após, a cada hora até com-
pletar 24 horas;
--Monitorizar a PA com frequência antes, durante e até 36 horas após o
tratamento trombolítico;
--Havendo qualquer suspeita de hemorragia intracraniana, suspender
o rt-PA e solicitar tomografia de crânio com urgência, hemograma, TP,
KTTP, plaquetas e fibrinogênio.
d) Antiplaquetários e estatinas
Importante
O uso de ácido acetilsalicílico na fase aguda, nas primeiras 48 horas do
AVCI, foi avaliado por 2 grandes estudos, o CAST e o IST, em não can-
didatos a trombólise nas doses de 160 e 300mg, respectivamente, de-
monstrando diminuição do risco de recorrência precoce sem aumento Quando se trata de conduta
no risco de complicações hemorrágicas. Não há estudos que deem su- imediata com relação à PA na
porte ao uso de outros antiagregantes na fase aguda. Recentemente, fase aguda do AVC, devemos
o FASTER e o EARLY, realizados com o objetivo de testar a dupla an- ter em mente 2 situações:
tiagregação com ácido acetilsalicílico e clopidogrel ou dipiridamol, não pacientes candidatos a
trouxeram evidências suficientes para o uso rotineiro. Em 2013, a publi- trombólise intravenosa ou
cação de um estudo chinês na revista New England Journal of Medicine, intra-arterial (pressão sistó-
o CHANCE, demonstrou benefício na utilização da dupla antiagregação lica >185mmHg ou diastólica
por curto período (21 dias) na população chinesa com AIT ou AVCI leve
>110mmHg) – administrar
com escala NIHSS 4 ou menor.
nitroprussiato 0,5µg/kg/
As estatinas foram avaliadas pelo estudo SPARCL, que demonstrou min IV em dose inicial. Caso
que atorvastatina 80mg iniciada precocemente diminuiu em 16% o a pressão não seja mantida
risco de recorrência sem modificar a mortalidade. Outros estudos, me- <185mmHg, não administrar
nos expressivos, com sinvastatina 40mg no 1º dia seguida por 20mg rt-PA; pacientes não candi-
por 3 meses, têm demonstrado benefício. A interrupção durante o AVC
datos a trombólise (pressão
agudo está associada a pior prognóstico.
sistólica <220mmHg ou
e) Anticoagulação diastólica <120mmHg) – tra-
tamento conservador, exceto
A heparina não fracionada ou de baixo peso molecular não é recomen- nos casos de infarto agudo do
dada para uso na fase aguda do AVCI. Seu uso foi relacionado a maior
miocárdio, edema agudo de
risco de sangramento e não interferiu no desfecho prognóstico, inclu-
pulmão, dissecção de aorta,
sive de pacientes com AVC cardioembólico. O uso em casos de doença
vertebrobasilar ou dissecções arteriais é sustentado por alguns cen- encefalopatia hipertensiva
tros médicos, no entanto não há suporte na literatura para rotina. ou sinais e sintomas como
náuseas e vômitos, cefaleia,
f) Controle de pressão, glicemia e temperatura agitação. Se PA >220x120m-
mHg, administrar nitro-
O controle da pressão é extremamente controverso no AVCI agudo, e
sua elevação é extremamente frequente na fase aguda do AVC e asso-
prussiato 0,5µg/kg/min IV
ciada a pior desfecho neurológico. Estudos prévios demonstram que a em dose inicial. O objetivo
diminuição dos níveis pressóricos nas 24 horas iniciais foi associada a é reduzir em torno de 15%
pior desfecho; no entanto, recentemente foi publicado o estudo ChiPS o valor inicial da PA em um
duplo-cego randomizado, que objetivou o tratamento da pressão sis- período de 24 horas.
tólica >160mmHg sem mudança prognóstica. Pacientes selecionados
podem se beneficiar da elevação pressórica à custa de volume ou de
doenças cerebrovasculares 111
h) Hemicraniectomia descompressiva
Trata-se de uma técnica que vem ganhando espaço no tratamento do
AVCI maligno da ACM, principalmente quando realizado precocemente,
dentro das primeiras 48 horas, preferencialmente nas 24 horas iniciais,
levando a melhor desfecho em morbimortalidade.
As técnicas atualmente aceitas para craniectomia adequada incluem
craniectomia ampla com duroplastia e sem ressecção rotineira de te-
cido cerebral. As complicações mais comuns são hidrocefalia, infec-
ções, convulsão, herniação paradoxal e a síndrome do sinking skin flap,
quando a pressão atmosférica ultrapassa a pressão intracraniana.
112 sic neurologia
j) Neuroprotetores
Diversos agentes já foram testados para neuroproteção no AVCI agudo,
mas nenhum demonstrou benefício.
Figura 8 - Atendimento e conduta em pacientes com suspeita de acidente vascular cerebral isquêmico
c) Crises convulsivas
Dependendo da série que analisa a frequência de crises convulsivas nos
primeiros dias pós-AVCI, ela pode variar de 2 a 23%. O estado de mal
convulsivo é raro, sem necessidade de profilaxia de crise.
a) Primários
--Hipertensão arterial sistêmica (40 a 70%);
--Angiopatia amiloide (5 a 10%).
b) Secundários
--Malformações vasculares (4 a 10%);
--Neoplasias intracranianas (2 a 10%);
--Coagulopatia, anticoagulantes (9 a 14%);
--Transformação isquêmico-hemorrágica;
--Trombose venosa cerebral;
Dica
--Vasculites; O Acidente Vascular
--Uso de drogas ou medicações. Cerebral Hemorrágico
(AVCH) hipertensivo
O AVCH hipertensivo é o mais habitual, em sítios típicos do encéfalo, acontece em sítios típicos,
principalmente em locais de irrigação de artérias profundas, como nú-
na irrigação de artérias
cleos da base (putâmen), tálamo, ponte, cerebelo e substância branca
subcortical. Já os decorrentes de angiopatia amiloide acontecem pre-
profundas (núcleos da
dominantemente nas regiões lobares (mais frequentemente parietal e base, tálamo, ponte e
occipital), em razão dos acometimentos de vasos de circulação distal cerebelo).
(Figura 9).
B - Manifestações clínicas
Podem ser semelhantes às do AVCI, geralmente com sinais de hiper-
Quadro clínico tensão intracraniana, como cefaleia, vômitos, sonolência e crises con-
vulsivas, que são os mais comuns; no entanto, a distinção clínica não
O AVCH geralmente é suficiente para guiar o manejo. O prognóstico pode ser avaliado por
apresenta sinais de hi- meio do Índice de Hemorragia Cerebral (ICH).
pertensão intracraniana C - Diagnóstico por imagem
(cefaleia súbita, vômitos,
sonolência e crises O diagnóstico por imagem pode ser realizado com tomografia de crâ-
convulsivas). nio sem contraste ou ressonância de crânio com acurácia semelhante
para hemorragia aguda. A última tem vantagens durante a investiga-
ção etiológica, como identificação de micro-hemorragias corticais na
angiopatia amiloide, tumores cerebrais ou detecção de malformações
vasculares (Figura 10).
Figura 10 - (A) Tomografia com hemorragia lobar versus (B) ressonância magnética
com micro-hemorragias
D - Conduta
Assim como o AVCI, o AVCH deve ser tratado como urgência neuroló-
gica, apesar de as condutas serem diferentes. Não existe tratamento es-
pecífico para o AVCH; os ensaios clínicos com fator VIIa falharam até o
momento por aumentar o número de eventos tromboembólicos e car-
diovasculares. Níveis elevados de PA são extremamente comuns no
AVCH. Hipertensão sistólica associa-se a expansão do hematoma, dete-
rioração neurológica, óbito e sequelas tardias. Um dos maiores receios
no tratamento do AVCH associado a aumento dos valores da PA sempre
foi que, no caso da existência de uma área perilesional de penumbra, ou
seja, de uma área de hipoperfusão sanguínea ao redor do hematoma,
a diminuição dos valores de PA pudesse causar sofrimento dessa área
por isquemia e consequentemente aumentar o grau de sequelas. Entre-
tanto, demonstrou-se que não há área significativa de penumbra ao re-
dor do hematoma, nem que uma redução agressiva da PA cause redução
do fluxo sanguíneo cerebral nestes pacientes. Dados do INTERACT2, um
grande estudo randomizado, em pacientes com AVCH há menos de 6 ho-
ras e PA sistólica entre 150 e 220 mmHg, comparando uma estratégia
agressiva de redução da PA (atingir valores <140mmHg em 1 hora, man-
tendo-os assim por 1 semana) versus a estratégia convencional (alvo da
116 sic neurologia
Tratamento
realizada angioplastia com balão ou injeção de vasodilatadores direta-
mente no vaso acometido. O acompanhamento deve ser realizado com
Doppler transcraniano e vigilância clínica.
No vasoespasmo, adota-
-se a terapia dos 3 “Hs”: A hidrocefalia pós-HSA é complicação bem documentada – que deve
Hipertensão arterial ser suspeitada em caso de rebaixamento da consciência ou piora neuro-
lógica dias a semanas após uma HSA tratada. Os produtos da degrada-
farmacologicamente
ção do sangue intraventricular obstruem as granulações de Pacchioni,
induzida, Hipervolemia e impedindo a drenagem do liquor produzido. Ela pode ser diagnosticada
Hemodiluição. por tomografia de crânio sem contraste e deve ser tratada cirurgica-
mente, com uma Derivação Ventricular Externa (DVE), mantendo-se o
paciente sob vigilância em ambiente de terapia intensiva. Após alguns
dias em uso da DVE, fecha-se a válvula, aguarda-se por 6 horas e re-
pete-se a tomografia. Caso a hidrocefalia aumente, o paciente é con-
siderado incapaz de reabsorver o liquor produzido, sendo indicada a
derivação ventriculoperitoneal (definitiva). Se o volume dos ventrícu-
los não aumentar, retira-se a DVE, pois há evidências de que o paciente
voltou a reabsorver o liquor.
As crises convulsivas são frequentes e podem aumentar o risco de res-
sangramento. Atualmente, anticonvulsivantes estão restritos aos que
apresentem crises epilépticas nos primeiros dias pós-HSA, pois o uso
prolongado dessas medicações além de 3 meses está associado a prog-
nóstico cognitivo pior.
120 sic neurologia
Pergunta
2014 - UFSC
5. Uma paciente de 70 anos procura o ambulatório de Clínica Médica com história de perda súbita de visão no olho esquerdo, que
durou cerca de 1 hora, seguida de recuperação completa; esse episódio havia ocorrido há 2 semanas. Naquela ocasião, havia sido
avaliada na Emergência, onde realizou tomografia de crânio, que descartou alterações isquêmicas, e ECG, que evidenciava ritmo
sinusal. Foi encaminhada para realizar um Doppler das artérias carótidas, que evidenciou estenose da artéria carótida direita
de 40%. Assinale as medidas adequadas na prevenção de acidente vascular cerebral no caso:
Resumo
Quadro-resumo
Introdução
- No Brasil, as doenças cerebrovasculares representam 1ª causa tanto de mortalidade quanto de morbidade;
- Podem ser divididas em:
· Assintomática;
· Disfunções cerebrais focais: AIT e AVCs;
· Demência vascular;
· Encefalopatia hipertensiva.
AVCI
- Sintomas típicos >24 horas e presença de lesão em exames de imagem;
- O AIT é secundário a doença vascular isquêmica, apresentando sintomas semelhantes, porém sem evidência de
lesão isquêmica nos exames de imagem;
- O AIT pode evoluir para AVCI;
- Há redução do fluxo sanguíneo e, consequentemente, isquemia com necrose e perda de tecido cerebral.
Etiologia
- Aterosclerose de grandes artérias:
· A principal artéria extracraniana acometida é a carótida interna;
· Na doença aterosclerótica de grandes vasos com estenose de lúmen de grandes vasos da artéria carótida interna
≥70%, indica-se endarterectomia como profilaxia secundária;
· Na doença aterosclerótica de grandes vasos intracranianos, está indicado o uso de dupla antiagregação por 3
meses.
- Oclusão de pequenas artérias (lacunar):
· Geralmente com infarto <15mm (lacunar);
· Profilaxia secundária: controle de fatores de risco cardiovascular, uso de antiplaquetário, anti-hipertensivos e
estatinas.
- Embolia cardíaca;
· Profilaxia secundária: uso de anticoagulantes (inibidores da vitamina K) e inibidores do fator Xa ou diretos de
trombina.
- AVCI de causa indeterminada.
Fatores de risco
- Não modificáveis: idade avançada, sexo masculino, raça negra, história familiar;
- Modificáveis: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, doença cardiovascular prévia, obesida-
de, tabagismo, ingestão abusiva de álcool e sedentarismo, anticoncepcionais orais.
Manifestações clínicas
De acordo com o território e a artéria acometidos
Tratamento
- Trombólise intravenosa e intra-arterial:
· Método de escolha para tratamento específico (alteplase 0,9mg/kg – máximo 90mg), infundido 10% em bolus e o
restante em bomba de infusão em 1 hora;
· Para a trombólise, devem-se seguir os critérios de inclusão e exclusão.
- Antiplaquetários e estatinas:
· Ácido acetilsalicílico na fase aguda (<48 horas) demonstra diminuição do risco de recorrência precoce sem aumento
no risco de complicações hemorrágicas;
· Estatinas iniciadas precocemente diminuem em 16% o risco de recorrência sem modificar a mortalidade.
- Anticoagulação:
· Heparina não fracionada ou de baixo peso molecular não são recomendadas para uso na fase aguda do AVCI.
- Controle da pressão, da glicemia e da temperatura;
- Hemicraniectomia descompressiva:
· No tratamento dos AVCIs malignos da ACM.
- Profilaxia de trombose venosa profunda e lesão aguda da mucosa gástrica:
· Enoxaparina 40mg/d ou heparina não fracionada 5.000UI 2 a 3x/d é recomendada a pacientes com imobilidade,
devendo ser iniciada em até 48 horas do evento;
· O uso indiscriminado de inibidores da bomba de prótons ou de antagonistas H2 pode levar a aumento do risco de
pneumonia hospitalar. Assim, o uso profilático deve ser reservado àqueles com alto risco de sangramento digestivo.
Complicações neurológicas e conduta
- Edema cerebral:
· Complicação comum nos AVCIs extensos;
· Hemicraniectomia precoce (<48 horas);
· Tratamento clínico: monitorização invasiva de pressão intracraniana, cabeceira elevada a 30°, evitar hiponatremia,
evitar pCO2 entre 30 e 35, boa perfusão cerebral;
· Uso de manitol.
- Transformação hemorrágica:
· Evento frequente em até 30% dos AVCIs.
- Crises convulsivas:
· O estado de mal epiléptico é raro. Não há necessidade de profilaxia.
Hemorragia intraparenquimatosa espontânea
- Ruptura de vaso com extravasamento de sangue para o parênquima cerebral;
- Cerca de 20% de todos os AVCs.
Etiologias
- Primárias:
· Hipertensão arterial sistêmica (40 a 70%);
· Angiopatia amiloide (5 a 10%).
- Secundárias:
· Malformações vasculares (4 a 10%);
· Neoplasias intracranianas (2 a 10%);
· Coagulopatia, anticoagulantes (9 a 14%);
· Transformação isquêmico-hemorrágica;
· Trombose venosa cerebral;
· Vasculites;
· Uso de drogas ou medicações.
Manifestações clínicas
- Semelhantes às do AVCI, além de sinais de hipertensão intracraniana;
- O prognóstico é avaliado por meio do ICH.
Diagnóstico por imagem
Tomografia de crânio sem contraste ou RM de crânio
doenças cerebrovasculares 123
Conduta
- Não existe tratamento específico para o AVCH;
- Controle pressórico nas primeiras horas, com níveis abaixo de 140x90mmHg;
- Sangramento por uso de drogas anticoagulantes: reversão rápida com plasma fresco congelado e/ou complexos
pró-trombínicos;
- Prevenção de trombose venosa profunda;
- Tratamento cirúrgico reservado para hematomas cerebelares >3cm, com sinais de compressão do tronco encefálico
ou hidrocefalia.
HSA
- Ruptura de um aneurisma das artérias intracranianas;
- Patologia grave, com letalidade aproximada de 50%.
Manifestações clínicas
- Cefaleia súbita (espontânea ou ao esforço físico);
- Sinais de irritação meníngea;
- Possíveis sintomas compressivos, dependendo do tamanho do aneurisma.
Diagnóstico
- Tomografia de crânio sem contraste, visualizando sangue em cisternas cerebrais (escala tomográfica de Fisher);
- Em casos de pequeno volume de sangramento, punção lombar com estudo do liquor;
- Padrão-ouro para a investigação do aneurisma: arteriografia cerebral.
Tratamento
- Clipagem cirúrgica ou embolização do aneurisma;
- Uso de anti-hemorrágico (ácido tranexâmico) – associado a menor risco de ressangramento;
- Uso de nimodipino (60mg VO 4/4 horas, por 21 dias) – melhora do prognóstico e da ocorrência de ICT;
- Para vasoespasmo, terapia dos 3Hs: Hipertensão arterial induzida, Hipervolemia e Hemodiluição;
- Uso de anticonvulsivantes – restrito aos primeiros dias pós-HSA.
TVC
- Devida a trombose dos seios venosos cerebrais;
- Cefaleia, difusa ou localizada, associada a déficits focais;
- Fatores de risco: doenças relacionadas a hipercoagulabilidade, infecções parameníngeas, gravidez e anticoncepcio-
nais orais;
- Diagnóstico: tomografia de crânio contrastada, porém angiorressonância venosa como método diagnóstico de
eleição;
- Tratamento: anticoagulantes e inibidores da vitamina K.
Respostas
das questões do capítulo
1. B
2. E
3. B
4. A
5. B
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
6
O estado de consciência refere-se à capacidade de inte-
ração que o indivíduo tem com o meio e a percepção de si.
O nível de consciência indica o quão acordado ou alerta
o paciente está, depende da integridade da substância
reticular ativadora ascendente e pode variar em vigilân-
cia, sonolência, torpor e coma. A avaliação mais objetiva
da consciência é feita por meio da aplicação da escala de
coma de Glasgow, que avalia 3 parâmetros de resposta:
abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor res-
posta motora. Com relação a alterações da atenção, o
déficit global da atenção denomina-se delirium (estado
confusional agudo). Nesse caso, normalmente, não há
Coma e altera-
sinais neurológicos focais, com a possível presença de
movimentos involuntários, como tremores, mioclonias
ou asterix (flapping). Entre pacientes conscientes, a
ção do estado de
consciência
avaliação da resposta motora pode ser realizada com a
solicitação de comandos; entre inconscientes, ela deve
ser realizada por meio das respostas motoras reflexas,
avaliadas por meio de estímulos dolorosos aplicados na
face, no tronco e nos membros. Respostas importantes
possíveis são decorticação (adução e flexão dos bra-
ços), descerebração (extensão e pronação dos braços)
ou a ausência de estímulos. Padrão respiratório é outro
ponto a ser avaliado, podendo haver padrões como de
Cheyne-Stokes, hiperventilação neurogênica central,
respiração apnêustica, respiração atáxica etc. As anor-
malidades dos movimentos oculares entre indivíduos
comatosos podem indicar lesão estrutural. Os centros
do desvio conjugado horizontal dos olhos estão locali-
zados no lobo frontal (área 8 de Brodmann – síndrome
de Foville superior) e na ponte (formação reticular para-
mediana pontina – síndrome de Foville inferior). Pupilas
e reflexo fotomotor direto e consensual também fazem
parte da avaliação. A evolução de pacientes com alte-
ração do nível de consciência pode deteriorar-se para
uma situação de irreversibilidade e ausência de funções
encefálicas, o que caracteriza a morte encefálica, cujo
diagnóstico deve preencher critérios como diagnóstico
da doença ou situação que precipitou a condição clínica,
afastamento de situações que simulem morte encefá-
lica, ao exame neurológico Glasgow 3, pupilas médias
ou midriáticas, motricidade ocular negativa, resposta
motora inexistente, apneia oxigenada até paCO2 entre
55 e 60 e observação clínica mínima de 6 horas. Exames
confirmatórios da ausência de atividade cerebral e do
fluxo cerebral são obrigatórios.
coma e alteração do estado de consciência 125
1. Introdução
O estado de consciência se refere à capacidade de interação que o indi-
víduo tem com o meio e com a percepção de si. As alterações do estado
de consciência podem ser uma manifestação secundária a patologias
neurológicas (encefalites, hemorragias intracranianas) ou sistêmicas
(delirium, sepse grave) e podem ser classificadas conforme as altera-
ções do nível e do conteúdo de consciência.
A - Nível de consciência
O nível de consciência indica o quão acordado ou alerta o paciente está,
é dependente da integridade da substância reticular ativadora ascen-
dente (Figura 1) e pode variar desde a vigilância, que é o estado máximo
de nível de consciência, até o coma. Para que lesões afetem o nível de
consciência, é necessário que afetem o tronco encefálico, o diencéfalo
ou os hemisférios cerebrais bilaterais. É importante lembrar que as le-
sões restritas aos hemisférios cerebrais precisam ser extensas para
causarem coma, ao contrário daquelas restritas à formação reticular,
que podem ser pequenas.
Deve-se lembrar de que o metabolismo cerebral é elevado, com neces-
sidade alta de glicose e oxigênio. Assim, doenças que levam ao coma
precisam ser rapidamente resolvidas para evitar lesões extensas e de-
finitivas. A história clínica e o exame físico geral são de extrema impor-
tância e devem ser dirigidos para as alterações que possam dar pistas
quanto à causa da alteração do nível de consciência.
B - Conteúdo de consciência
Consiste no somatório das funções nervosas superiores cognitivas do
indivíduo (atenção, memória e linguagem) e das emoções, tendo como
substrato anatômico o córtex cerebral. É importante ressaltar que a
avaliação do conteúdo da consciência é mais bem realizada quando o
nível de consciência se apresenta preservado.
126 sic neurologia
Tabela 1 - Classificação
Tema
ção, é ideal a descrição pontual de cada avaliação para que os próxi-
mos examinadores possam traçar a progressão do coma, facilitando a
comparação. frequente de prova
A avaliação mais objetiva da consciência é feita por meio da aplicação
da escala de coma de Glasgow, que avalia 3 parâmetros de resposta:
Convém aprender a escala
abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora. de coma de Glasgow, pois
pode ser cobrada tanto
Tabela 2 - Escala de coma de Glasgow em provas teóricas como
em provas práticas de
Parâmetros Respostas observadas Escores concursos médicos.
Abertura espontânea 4
Estímulos verbais 3
Abertura ocular
Estímulos dolorosos 2
Ausente 1
Orientado 5
Confuso 4
Melhor resposta
Palavras inapropriadas 3
verbal
Sons ininteligíveis 2
Ausente 1
Localiza estímulos. 5
Não há resposta. 1
A atenção é uma função nervosa superior que pode ser definida como
a capacidade de direcionar, preferencialmente, recursos de processa-
mento mental e canais de resposta a estímulos relevantes. Devem-
-se diferenciar esses casos de quadros específicos, como síndrome de
hemi-inatenção (ou heminegligência), caracterizada pela presença de
déficit atencional lateralizado.
A situação clínica em que há, agudamente, déficit global da atenção
denomina-se delirium (estado confusional agudo – diferente de de-
mência, em que há alteração crônica da atenção). Nesses casos, nor-
malmente, não há sinais neurológicos focais, com a possível presença
de tremores, mioclonias ou asterix (flapping). Na grande maioria das
vezes, tem origem metabólica e/ou infecciosa.
Algumas manifestações, consideradas cardinais dos quadros de deli-
rium, são:
128 sic neurologia
B - Resposta motora
Entre pacientes conscientes, a avaliação da resposta motora pode ser
realizada com a solicitação de comandos, sendo graduada a força mo-
tora em cada membro.
Entre pacientes inconscientes, deve ser realizada por meio das res-
postas motoras reflexas, que são avaliadas por meio de estímulos
dolorosos aplicados na face, no tronco e nos membros. A retirada e
a localização do estímulo doloroso devem ser pontuadas e descritas
como simétricas ou assimétricas. Três respostas motoras são particu-
larmente importantes:
coma e alteração do estado de consciência 129
a) Rigidez de decorticação
Após estímulo doloroso, o paciente apresenta adução e flexão dos bra-
Dica ços, com extensão das pernas. Ocorre em lesões acima do núcleo rubro
do mesencéfalo, geralmente tálamo e hemisfério cerebral.
Na decorticação (acima
do núcleo rubro), há
b) Rigidez de descerebração
adução e flexão dos Após estímulo doloroso, o paciente apresenta extensão e pronação dos
braços, enquanto na des- braços, com extensão das pernas. Ocorre em lesões do tronco cerebral,
cerebração há extensão e abaixo do núcleo rubro do mesencéfalo e acima dos núcleos vestibula-
pronação dos braços. res do bulbo (Figura 2).
Lesões
Podem causar síndrome de Horner, que se caracteriza
hipotalâmicas
por pupilas reagentes bilateralmente e miose ipsilate-
e do tronco
ral à lesão.
encefálico
Figura 8 - Alterações na pupila de pacientes com lesões que causam coma em dife-
rentes níveis do cérebro
Pergunta
A glicemia capilar deve ser medida no 1º momento do atendimento e,
em caso de hipoglicemia, a tiamina deve ser reposta o mais rápido pos-
sível, e posteriormente se faz a reposição de glicose, devido ao risco
de desencadeamento de encefalopatia de Wernicke em pacientes com
2012 - UERN déficit dessa substância. O uso de naloxona ou flumazenil deverá ser
1. Um homem é admitido em es- realizado em todas as vezes em que houver suspeita de intoxicação
tado de coma, sem história clínica por opioide ou benzodiazepínico, respectivamente. Em caso de sus-
bem definida. Qual das medidas a peita de trauma cranioencefálico ou politrauma, o colar cervical deve
seguir não é imperiosa? ser mantido.
B - Morte encefálica
Oculoce-
Presente Ausente Ausente Ausente
fálico
Corne-
Presente Presente Ausente Ausente
ano
Res-
Decortica-
posta a Descerebração -- --
ção
dor
coma e alteração do estado de consciência 137
5. Coma induzido/sedação
A sedação pode se dar em amplo espectro de condições, desde o estado
vígil, orientado e tranquilo a hipnose, depressão do comando neural da
ventilação, redução do metabolismo (AMIB, 1999) e estabelecimento
do estado de calma.
- Indicações
--Controle da ansiedade e da agitação;
--Intubação orotraqueal;
--Adaptação a aparelhos e procedimentos médicos;
--Evitar a retirada inadequada de cateteres e outros dispositivos;
--Evitar aumento do consumo de O2;
--Fornecer conforto e segurança ao paciente;
--Estresse pode levar a alterações fisiológicas, como aumento do tô-
nus simpático e do catabolismo, liberação de glucagon, cortisol e ou-
tros hormônios levando a isquemia, alterações hidroeletrolíticas e
imunossupressão.
3 Obediência a comandos
138 sic neurologia
Dormindo
4 Tranquilo, pronta resposta à percussão glabelar ou estímulo sonoro
6 Sem resposta
Resumo
Quadro-resumo
- Após o atendimento inicial e a avaliação neurológica, o médico que assiste o paciente com alteração de estado de
consciência deve estar apto a reconhecer as situações de lesão difusa ou multifocal do sistema nervoso central e a
presença de encefalopatias focais, quer por lesões supratentoriais, quer por lesões infratentoriais;
II - Hipotermia.
III - Choque.
IV - Encefalite de tronco.
VIII - Catatonia.
IX - Reação conversiva.
Respostas
das questões do capítulo
1. A
2. D
3. E
Mônica Ayres de Araújo Scattolin
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini
7
A epilepsia é um distúrbio cortical cerebral causado
pela predisposição persistente do cérebro a gerar
crises epilépticas e pelas consequências neurobioló-
gicas, cognitivas, psicossociais e sociais da condição.
O paciente apresenta, durante a vida, diversas crises
epilépticas, além de anormalidade da atividade neu-
ronal, caracterizada por alteração súbita e transitória
de comportamento e/ou motricidade e/ou sensibili-
dade e/ou do sistema nervoso autonômico, com ou sem
comprometimento da consciência. Além disso, apresen-
tam-se picos de incidência no 1º ano de vida, voltando a
Epilepsia
aumentar após os 60 anos. O paciente pode apresen-
tar crises desencadeadas por período de pródromos,
fatores precipitantes (luminosos), aura (localiza foco
epiléptico) e fenômenos pós-ictais (confusão, liberação
esfincteriana etc.). As crises podem ser classificadas em
focais (parciais), quando afetam apenas parte de um
dos hemisférios cerebrais, e, dentro destas, em simples
ou complexas (sem e com comprometimento do nível
de consciência, respectivamente), ou generalizadas,
quando ocorre o acometimento de ambos os hemisfé-
rios simultaneamente. As crises generalizadas podem,
ainda, ser subdivididas em tônicas (corpo rígido), clôni-
cas (contrações ritmadas), tônico-clônicas, mioclônicas
(contrações não ritmadas), atônicas ou ausência (perda
de contato com o meio). O eletroencefalograma cola-
bora na definição da epilepsia, na localização da zona
epileptogênica e na monitorização do tratamento. A
ressonância magnética é mais sensível do que a tomo-
grafia de crânio para identificar lesões estruturais
relacionadas à epilepsia, estando indicada em casos de
crises focais. A tomografia, no entanto, é apropriada
para as situações de emergência e é capaz de diagnos-
ticar a lesão associada às crises epilépticas em cerca
de 30% dos casos. O diagnóstico diferencial é feito com
crises de hiperventilação, migrânea, ataque de pânico,
crises psicogênicas, síncopes, entre outras causas. A
convulsão febril acontece na infância, geralmente entre
3 meses e 5 anos, associada a febre, na ausência de
infecção intracraniana ou de outra causa neurológica
definida, exceto nas crianças que tenham tido convul-
sões afebris. Podem ser simples/benignas (única crise
tônico-clônica generalizada, em geral de aproxima-
damente 5 minutos) ou complexa/complicada (crises
focais e/ou com duração maior do que 15 minutos e/ou
se recorrência em menos de 24 horas e/ou com manifes-
tações neurológicas pós-ictais).
epilepsia 141
1. Introdução
A epilepsia é o mais comum dos distúrbios neurológicos crônicos gra-
ves. Sua incidência anual varia de 30 a 50 novos casos em cada 100.000
indivíduos (0,03 a 0,05%), sendo maior no 1º ano de vida e voltando a
aumentar após os 60 anos. Embora, na epidemiologia das doenças neu-
rológicas, o acidente vascular cerebral apresente maior incidência, sua
prevalência é semelhante à da epilepsia porque esta apresenta menor
mortalidade.
A maior incidência de epilepsia em países com recursos limitados é de-
corrente das assistências pré-natal e materna deficientes, dos altos
índices de prematuridade, de tocotraumas, de desnutrição e de infec-
ções, particularmente as advindas de parasitoses.
A prevalência da epilepsia ativa, que inclui apenas casos com crises nos
últimos 5 anos, está estimada em 5 a 9 em cada 1.000 pessoas (0,5 a
0,9%). A probabilidade geral de ser afetado pelo distúrbio ao longo da
vida é de cerca de 3%.
2. Definição
A epilepsia é um distúrbio cerebral causado pela predisposição per-
sistente do cérebro a gerar crises epilépticas e pelas consequências
neurobiológicas, cognitivas, psicossociais e sociais da condição – a Ta-
bela 1 descreve os elementos necessários para a definição conceitual.
Uma crise epiléptica deve ser cuidadosamente avaliada, pois nem to-
das podem representar epilepsia. Nesta, a pessoa apresenta crises
recorrentes devidas a um processo subjacente crônico. Dessa forma,
alguém que apresente crises isoladas ou recorrentes secundárias a
circunstâncias corrigíveis ou evitáveis não tem propriamente epilep-
sia (Tabela 1).
Dica pregado para eventos não epilépticos. Convulsões Não Epilépticas Psi-
cogênicas (CNEPs) são eventos com abalos motores em que não há
alteração de atividade elétrica cerebral concomitante.
Para ser considerada epilep-
sia, há necessidade de predis- Como a epilepsia não é uma entidade nosológica única, mas resultado
posição persistente do cérebro de várias condições diferentes que ocasionam disfunção cerebral, al-
guns preferem o uso do termo no plural, porém a Comission on Classifi-
a novas crises.
cation Terminology da International League Against Epilepsy preconiza
o singular, embora reconheça a diversidade.
142 sic neurologia
Importante
A crise não necessita ser “não provocada”, desde que
História de
exista predisposição persistente do cérebro a gerar crises
pelo menos
epilépticas. Crises múltiplas que ocorrem em período de
1 crise
24 horas são consideradas evento único. O estado de mal epiléptico é
Predis- É a parte mais importante do conceito. Assim, a ocor- uma emergência neurológica
posição rência de apenas 1 crise, desde que exista probabilidade que se caracteriza pela pre-
persistente aumentada de recorrência, é suficiente para o diagnós- sença de uma crise duradoura,
do cérebro tico. que não mostra sinais clínicos
Alterações neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e de interrupção após o tempo
Condições
associadas
sociais podem estar presentes em algumas pessoas com habitual de duração da maioria
epilepsia. das crises, ou ainda a ocor-
Para o diagnóstico preciso das crises, a anamnese é essencial. Os prin- rência de crises recorrentes
cipais pontos a serem investigados e descritos são: sem que a função do sistema
nervoso central retorne ao
A - Presença de pródromos período interictal. A definição
operacional é a de uma crise
Antecedem em dias ou horas a crise e não ocorrem em todos os pa-
epiléptica com duração
cientes. As crianças podem procurar a mãe com reações como medo,
indisposição ou cefaleia. maior ou igual a 5 minutos ou
repetidas crises de duração
B - Fatores precipitantes menor, porém sem recuperação
da consciência entre elas.
As crises podem ser espontâneas ou precipitadas por estímulos senso- Alguns autores vêm adotando
riais, emocionais, tóxicos, metabólicos ou suspensão ou troca de me- períodos de tempo menores
dicação. A precipitação sensorial ocorre na chamada epilepsia reflexa,
como critério de diagnóstico
mais comumente em resposta a um estímulo luminoso intermitente.
Também devem ser investigadas situações como febre ou doença para o estado de mal epiléptico,
sistêmica. considerando que a maioria
das crises que cedem esponta-
C - Aura neamente o faz nos primeiros 5
a 10 minutos de seu início.
Trata-se de sintoma subjetivo sem sinais objetivos que possam ser
observados por um terceiro, mas que são percebidos pelo paciente. É
descrita em 50 a 60% e pode ser dividida em somatossensorial, visual,
auditiva, olfatória, gustatória, abdominal, autonômica e psíquica.
Trata-se de elemento diagnóstico valioso, pois ajuda a indicar a prová-
vel área de origem cerebral da manifestação, correspondendo a uma
crise focal. Tem, portanto, valor localizatório e indica o início das crises.
As auras autonômicas são frequentes na epilepsia do lobo temporal,
Dica
em geral, resultado da ativação da ínsula. O estado de mal epiléptico
caracteriza-se por crise com
D - Frequência das crises duração igual ou superior a 5
a) Duração minutos, ou repetidas crises
sem recuperação da consciência
Crises generalizadas ou focais de longa duração podem evoluir para entre elas (também de forma
estado de mal epiléptico. recorrente por 30 minutos).
b) Componentes da crise
Deve ser descrita a semiologia da crise, desde o início até o término.
Nas epilepsias focais motoras, por exemplo, é importante registrar em
que membro se iniciam os movimentos, a sequência das contrações
(tônicas e/ou clônicas), se existe a propagação para outras partes do
epilepsia 143
E - Fenômenos pós-ictais
São manifestações diversas que ocorrem após a crise, incluindo con-
3. Classificação
As crises epilépticas podem originar-se em uma área do cérebro (cri-
ses focais) ou de todo o encéfalo desde o início (crises generalizadas).
Dentre as focais, a subdivisão em com comprometimento do nível ou
do conteúdo da consciência (discognitiva), sem comprometimento do
nível da consciência e crise focal evoluindo para crise convulsiva bilate-
ral é a utilizada atualmente (Tabela 3). Algumas provas ainda utilizam a
terminologia “focais simples” para as crises sem comprometimento da
consciência, e complexas para as discognitivas.
- Etiologia
A epilepsia pode ter origem em praticamente todas as doenças e dis-
túrbios graves, como anomalias congênitas, infecções, tumores, doen-
ças vasculares, doenças degenerativas ou de lesões estruturais. As
causas podem ser estruturais, genéticas, metabólicas ou desconhe-
cidas. A Tabela 4 traz um resumo das possíveis etiologias, segundo a
idade de apresentação.
4. Investigação diagnóstica
Dica
Pacientes que apresentam a 1ª crise não provocada devem realizar
estudo eletroencefalográfico, exame de imagem do sistema nervoso
central e exames laboratoriais de acordo com as condições clínicas. Na
Uma crise convulsiva criança, a presença de uma crise convulsiva febril simples não indica
febril simples na criança investigação de imagem.
não é indicação de inves-
Os exames laboratoriais podem revelar alterações metabólicas que jus-
tigação de imagem. tifiquem a crise. Causas possíveis incluem hipoglicemia, hiponatremia,
hipocalcemia, estados hiperosmolares, encefalopatia hepática, uremia,
porfiria, abuso ou abstinência de drogas, eclâmpsia, hipertermia, ence-
falopatia hipertensiva e hipoperfusão cerebral. Após uma crise gene-
ralizada tônico-clônica, é comum acidose láctica, e a prolactina se eleva
após as crises desse tipo e as focais.
O eletroencefalograma colabora na definição da epilepsia, na localiza-
ção da zona epileptogênica e na monitorização do tratamento (Figura
5). A presença de eletroencefalograma normal não exclui a presença
de epilepsia e ele está alterado em cerca de 50% dos pacientes no mo-
mento da sua 1ª crise convulsiva. A incidência de anormalidades au-
menta quando novos eletroencefalogramas são realizados, o paciente
está em privação de sono e técnicas de ativação como hiperventilação
e fotoestimulação intermitente são usadas. Anormalidades como es-
pículas anormais, descargas poliespiculares e complexos ponta-onda
são características específicas presentes no eletroencefalograma. O
exame de videoeletroencefalograma é particularmente útil na defini-
ção de eventos paroxísticos não epilépticos.
Diagnóstico
O eletroencefalograma
colabora na definição
da epilepsia, localização
da zona epileptogênica e
monitorização do trata-
mento. Já a ressonância
magnética está indicada
em casos com início após
Figura 6 - Ressonância magnética de encéfalo que mostra esclerose de hipocampo à os 25 anos.
esquerda, a causa mais frequente de epilepsia focal de difícil controle
Fonte: www.medicinanet.com.br
5. Diagnóstico diferencial
As condições que podem mimetizar uma crise epiléptica são descritas
na Tabela 7. Um ponto estratégico da investigação é a abertura ocu-
lar presente ao início da crise. Olho fechado é típico de pseudocrises,
e olhar fixo (staring), característico de crises do lobo temporal. O des-
vio do olhar é frequentemente visto em crises não temporais, como as
frontais, e para cima é comumente encontrado nos quadros de síncope
(Figura 7).
6. Tratamento
O tratamento depende, sobretudo, da causa da epilepsia. Antiepilépti-
cos em geral são a 1ª forma de tratamento realizada e ao menos 50%
dos pacientes com epilepsia recém-diagnosticada respondem ao 1º
FAE administrado. A escolha depende do tipo que a pessoa apresenta
e uma escolha inapropriada pode causar piora das crises. A Tabela 8
descreve o mecanismo de ação, a indicação e os efeitos adversos dos
FAEs. Os efeitos colaterais, por sua vez, podem ou não ser dependentes
da dose utilizada.
Os FAEs tradicionais primeiramente utilizados são fenobarbital, feni-
toína, carbamazepina e valproato de sódio. Os benzodiazepínicos (dia-
zepam, clonazepam, nitrazepam e clobazam) são drogas adjuvantes,
pois quando usados cronicamente cursam com desenvolvimento de to-
lerância. São, porém, drogas importantíssimas no controle agudo das
crises, como no estado de mal epiléptico. Drogas com mecanismos ga-
baérgicos têm maiores efeitos na função cognitiva do que drogas com
efeito predominante nos canais de sódio.
Para crises focais ou parciais, o fenobarbital tem efeitos colaterais mais
evidentes do que a fenitoína e a carbamazepina. Em mulheres, deve-
-se evitar a primeira devido a hirsutismo, embrutecimento facial e hi-
pertrofia gengival. A carbamazepina é superior ao valproato de sódio
no controle de crises do lobo temporal e igualmente eficaz nas crises
tônico-clônicas secundariamente generalizadas.
O tratamento medicamentoso é iniciado, normalmente, após 2 crises
não provocadas. O objetivo inicial é a monoterapia, e a dose deve ser
aumentada gradualmente até o controle da crise ou a presença de si-
nais de toxicidade. O FAE só atingirá o seu equilíbrio metabólico após
o período de, pelo menos, 4 meias-vidas. O tempo para atingir o equilí-
brio sérico é de 3 dias para a carbamazepina e o valproato, 5 dias para
a fenitoína e 3 semanas para o fenobarbital.
A dosagem sérica do FAE pode ser útil na monitorização, embora a re-
lação dosagem–efeitos adversos seja muito variável. A monitorização
tem significação clínica particularmente útil no caso de carbamazepina,
fenitoína, etossuximida e fenobarbital.
Quando as crises não são controladas com a associação de FAE ou
quando se descobre uma lesão no cérebro (malformações vasculares,
tumores etc.) ou em alguns casos mais específicos, é considerada a
abordagem cirúrgica. Pacientes com epilepsia do lobo temporal unila-
teral, epilepsia associada a tumores de baixo grau ou epilepsia extra-
temporal com lesão estrutural bem definida e em área não eloquente
são candidatos a cirurgia.
Aproximadamente 70 a 80% daqueles com epilepsia atingirão o con-
trole das crises, sendo que 50% poderão interromper o tratamento
medicamentoso sem recidivas.
Tema
frequente de prova
- Mal epiléptico
O tratamento do estado
O tratamento do estado de mal epiléptico está sumarizado a seguir: de mal epiléptico é tema
--Passo I: estabelecer a via aérea – pode interromper o estado de mal – recorrente em provas de
se for necessária intubação orotraqueal – vecurônio (0,1mg/kg); concursos médicos.
--Passo II: avaliar pressão arterial, monitorização e acesso venoso e co-
letar exames gerais, tiamina 100mg e glicose de 50% (20mL);
epilepsia 153
Locais de
ação
Indicações Efeitos adversos Pergunta
Hiperplasia gengival,
Fenitoína Canal de Na+ Crises focais hirsutismo, dismorfismo 2012 - UERN
facial, ataxia 2. Qual das condutas citadas a
seguir não é indicada no atendi-
Sedação, irritabilidade, mento inicial de um paciente em
Crises focais tontura, disfunção cog- estado de mal epiléptico?
Fenobar- Receptor
e generaliza- nitiva, insônia, alteração
bital GABA
das do humor, diminuição da
a) manutenção da pressão arterial
libido
abaixo de 120x80mmHg
Etossuxi- Canal de Ca2+ Crise de Sintomas gastrintesti- b) proteção do paciente para evitar
mida tipo T ausência nais lesões por trauma
c) administração de diazepam e,
Gabapen- Sedação, ataxia, fadiga,
Desconhecido Crises focais na sequência, fenitoína
tina tremor, tontura, cefaleia
d) monitorização
Eritema cutâneo, Resposta no final do capítulo
Canal de Na+, Crises focais síndrome de Stevens-
Lamotri-
receptor de e generaliza- -Johnson, tontura,
gina
glutamato das diplopia, náusea, sono-
lência, hepatotoxicidade
Sedação, anorexia,
perda da noção de
Canal de Na+, Crises focais tempo, nefrolitíase,
Topira-
atividade do e generaliza- tremor, dificuldade de
mato
GABA das concentração, labilidade
emocional, acidose
metabólica, parestesias
Pergunta
2014 - CERMAM
3. Com relação à crise epiléptica, assinale a alternativa incorreta:
a) a Ressonância Nuclear Magnética (RNM) do cérebro complementa o estudo eletroencefalográfico, devendo ser realizada em
todos os pacientes com mais de 18 anos com suspeita de epilepsia
b) na investigação das crises, a punção lombar será mandatória se houver suspeita de meningite ou encefalite
c) as drogas empregadas no tratamento da epilepsia podem levar a osteopenia ou osteomalacia e, com isso, aumentar o risco de
fraturas ósseas
d) história prévia de neoplasia de mama pode sugerir necessidades de estudo de imagem cerebral, pelo risco aumentado de as
metástases servirem de focos convulsivos
e) no tratamento das crises, a falta de resposta a determinada droga anticonvulsivante, como a carbamazepina ou a fenitoína, im-
pede a resposta a outra droga, sendo recomendadas outras formas de tratamento
Resposta no final do capítulo
epilepsia 155
Resumo
Quadro-resumo
- A epilepsia é uma condição com tendência ao desenvolvimento de crises não provocadas e recorrentes;
- O exame físico e os estudos laboratoriais e de imagem podem ser úteis na identificação da etiologia da crise;
- As crises epilépticas podem originar-se em uma área do cérebro (focais) ou de todo o encéfalo desde o início (gene-
ralizadas);
- As condições que podem mimetizar a crise epiléptica são hiperventilação, migrânea, ataque de pânico, crises psico-
gênicas, síncopes, amnésia global transitória, ataque vascular transitório e distúrbio comportamental do sono REM;
- Crise convulsiva febril ocorre na infância (3 meses a 5 anos), associada a febre, na ausência de infecção intracraniana
ou de outra causa neurológica definida;
- Tratamento da 1ª crise: uma série de pessoas apresenta apenas 1 crise epiléptica, que nunca mais se repete, mesmo
sem tratamento. Para considerarmos epilepsia, devemos lembrar que as crises tendem a ser recorrentes e, nesse
caso, não o são; portanto, não podemos diagnosticar como epilepsia. Existem várias situações que podem desenca-
dear crises agudas, como distúrbios tóxicos e metabólicos, que provocam mecanismos de hiperexcitação cerebral
e, depois de tratados, as crises deixam de ocorrer. Assim, a questão de tratar ou não esse paciente ou aguardar o
aparecimento de nova crise para, com certeza, firmar o diagnóstico de epilepsia reside em uma série de fatores, que
incluem agressão prévia ao cérebro, tipo de crise, alterações no eletroencefalograma ou nos exames de imagem, em
que circunstâncias a crise foi desencadeada e perfil psicológico familiar e do paciente. Só assim, com base nesses
fatores, é que poderemos optar por tratar ou não o paciente.
Respostas
das questões do capítulo
1. E
2. A
3. E
Jamile Cavalcanti Seixas
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini
8
Demência é uma síndrome caracterizada pelo prejuízo
da memória e acomete, pelo menos, mais outro domínio
cognitivo (afasia, apraxia, agnosia, função executiva). A
Doença de Alzheimer (DA) é considerada a forma mais
comum de demência entre os idosos, em torno de 55% de
todos os casos. O diagnóstico é de exclusão, após serem
afastadas causas orgânicas ou demências de outras
causas, e baseia-se na evidência (anamnese e exame
de estado mental) de comprometimento importante no
aprendizado e na memorização, associado a (ao menos
1): dificuldade em lidar com tarefas complexas, dificul-
Demências
dade no raciocínio, habilidade espacial e orientação
prejudicadas, distúrbio de linguagem – tais alterações
devem interferir significativamente no trabalho, nas ati-
vidades sociais e nos relacionamentos. As demências
podem ser, de maneira generalista, classificadas em cor-
ticais (DA e demência frontotemporal) ou subcorticais
(doença de Huntington, Parkinson, demência vascu-
lar e por HIV), ou mesmo classificadas em primárias
ou secundárias. A avaliação diagnóstica começa com a
coleta de uma boa história clínica, associada a exames
como Ressonância Nuclear Magnética (RNM) de encé-
falo. Também se deve realizar o miniexame do estado
mental, em que há suspeita de demência quando <28
pontos para indivíduos altamente escolarizados, <24
pontos para indivíduos com ensino fundamental e <18
para indivíduos analfabetos. O tratamento nas fases ini-
ciais da DA baseia-se no uso de donepezila, rivastigmina
ou galantamina, enquanto em fases avançadas se indica
memantina. A associação a antidepressivos pode ser
positiva no controle de sintomas depressivos. Outras
demências são demência vascular, demência por cor-
púsculos de Lewy, demência frontotemporal e doença
de Creutzfeldt-Jakob.
demências 157
1. Introdução
Demência é uma síndrome caracterizada por prejuízo da memória e
acomete, pelo menos, mais outro domínio cognitivo (afasia, apraxia,
agnosia, função executiva). Domínios como esse devem apresentar de-
clínio importante em comparação ao nível funcional prévio do indiví-
duo e ser graves o suficiente para interferir nas funções diárias e na
independência do paciente.
A Doença de Alzheimer (DA) é considerada a forma mais comum de
demência entre os idosos, em torno de 60 a 80% dos casos. E, embora
existam diversas definições para a síndrome demencial, a do DSM-IV é
amplamente aceita e inclui os itens a seguir.
Diagnóstico Tabela 1 - Definições de acordo com o DSM-IV
Os 4 passos do diagnóstico de
- Evidências, por meio da história e do exame do estado mental do pacien-
uma síndrome demencial são: te, de que existe um comprometimento importante no aprendizado e na
1 - Estabelecimento de memorização, bem como alteração em, ao menos, 1 destes itens:
um declínio cognitivo a · Dificuldade em lidar com tarefas complexas;
partir de um nível funcional · Dificuldade no raciocínio;
· Habilidade espacial e orientação prejudicadas;
prévio. · Distúrbio de linguagem.
2 - Estabelecimento de que
- Os sintomas cognitivos devem interferir significativamente no trabalho,
o déficit cognitivo interfira nas atividades sociais e nos relacionamentos;
nas atividades funcionais
de trabalho do indivíduo, - Deve haver um declínio significativo em relação ao nível funcional prévio;
além da interação social ou - Essas alterações não devem ocorrer, exclusivamente, durante o curso de
de atividades de vida diária. delirium;
3 - Estabelecimento de - Devem-se afastar causas psiquiátricas como causa primária;
déficits cognitivos em pelo
- Devem-se afastar causas sistêmicas ou outra doença cerebral que justifi-
menos 2 de seus domínios. que o quadro.
4 - Com relativo nível de
confiança, estabelecimento A identificação de um paciente com demência não é simples. Na maio-
da doença ou dos fatores ria das vezes, não é ele quem se queixa de alteração na memória, e sim
envolvidos na etiologia da um familiar.
demência. O diagnóstico definitivo para a maioria das síndromes demenciais
depende do exame neuropatológico. Entretanto, no dia a dia, o seu
diagnóstico é essencialmente clínico, e exames de neuroimagem e de
laboratório são solicitados com o objetivo de afastar causas reversí-
veis, como depressão, uso de medicações e deficiência de vitamina B12.
2. Epidemiologia
O número de pessoas afetadas pela demência vem crescendo signifi-
cativamente com o envelhecimento da população mundial. Um estudo
de revisão de literatura observou que a prevalência duplicava a cada 5
anos de aumento da faixa etária. As taxas médias de prevalência va-
riam de 1,17%, na faixa de 65 a 69 anos, a 54,83%, na faixa acima de 95
anos. Tal aumento acontece em virtude da ocorrência mais comum de
condições predisponentes, como doenças degenerativas e vasculares,
entre outras, a partir da 7ª década de vida.
No Brasil, foi publicado um estudo populacional, realizado em idosos vi-
vendo na comunidade, em que foi visto que a prevalência de demência
variou de 1,6%, entre aqueles entre 65 e 69 anos, a 38%, entre aqueles
com idade superior a 84 anos.
158 sic neurologia
3. Classificação
As demências podem ser classificadas, de acordo com a área cerebral
envolvida, em:
Esse tipo de divisão sofre muitas críticas, pois muitos tipos de demên-
cias têm componentes corticais e subcorticais simultaneamente, e as
alterações neuropsicológicas não estão restritas a um ou outro sis-
tema. As demências também podem ser classificadas, quanto à sua
etiologia, em:
Outros 29% 5%
Fonte: BRODATY, 2004.
4. Avaliação diagnóstica
Pergunta A avaliação diagnóstica do paciente com demência começa com a coleta
de uma boa história clínica. Geralmente, são os familiares que trazem
2015 - FMJ as informações a respeito da história cognitiva e da alteração compor-
1. Uma mulher de 68 anos, hipertensa, tamental apresentada. A história medicamentosa é muito importante
tem apresentado, há 8 meses, perda nesse contexto: algumas medicações podem levar a distúrbios cogni-
gradual da memória, sendo que no úl- tivos, como determinados analgésicos, anticolinérgicos, sedativo-hip-
timo mês deixou de reconhecer alguns nóticos, entre outros, devendo ser lembradas nas situações em que se
familiares. Há 1 semana, não se ali- suspeita de demência.
menta e se nega a conversar. O médico
que presta assistência à família há Após detalhado exame físico neurológico, deve-se proceder a uma ba-
longa data, diante do caso, introduziu teria de testes neuropsicológicos com o objetivo de avaliar as funções
polivitamínicos e donepezila. Assinale cognitivas. O miniexame do estado mental (MEEM) é o teste cognitivo
a alternativa correta: mais amplamente utilizado na prática clínica, em que geralmente o
examinador leva em torno de 7 minutos para abordar as funções cog-
a) o diagnóstico é doença de Alzhei- nitivas, incluindo orientação, evocação, atenção, cálculo, linguagem e
mer, pois a paciente apresenta perda praxia.
de memória, associada a outra função
cognitiva Tabela 6 - Miniexame do estado mental
b) trata-se de um quadro de depres-
Qual é a hora aproximada?
são, comum em pacientes dessa faixa
etária, e a donepezila pode trazer be- Em que dia da semana estamos?
nefícios após 14 dias Orientação temporal
Que dia do mês é hoje?
(5 pontos)
c) a suspeita é de uma síndrome de- Em que mês estamos?
mencial, e devem ser realizadas RNM
de encéfalo, escalas de depressão e co- Em que ano estamos?
leta de sorologias para hepatites Em que local estamos?
d) a terapia com donepezila está in- Que local é este aqui?
dicada na doença de Alzheimer como
Orientação espacial Em que bairro estamos ou qual é o endereço
teste terapêutico a fim de excluir ou- (5 pontos) daqui?
tras causas de demência
e) suspeita-se de uma síndrome de- Em que cidade estamos?
mencial, devendo ser solicitadas RNM Em que estado estamos?
de encéfalo, dosagem de vitamina B12, Registro (3 pontos) Repetir “carro, vaso, tijolo”.
VDRL, TSH e sorologias para hepatite
Atenção e cálculo Subtrair: 100 - 7 = 93 - 7 = 86 - 7 = 79 - 7 =
e HIV
(5 pontos) 72 - 7 = 65
Resposta no final do capítulo
160 sic neurologia
Memória de evocação
Quais foram os 3 objetos perguntados?
(3 pontos)
Nomear 2 objetos
Relógio e caneta.
(2 pontos)
Repetir (1 ponto) “Nem aqui, nem ali, nem lá”.
Comando de estágios Apanhe esta folha de papel com a mão
(3 pontos) direita, dobre-a ao meio e coloque-a no chão.
Escrever uma frase
Escrever uma frase que tenha sentido.
completa (1 ponto)
Ler e executar (1 ponto) Feche os olhos.
Copiar 2 pentágonos com intersecção.
Copiar diagrama
(1 ponto) Diagnóstico
Quando há suspeita de
síndrome demencial,
Fonte: Brucki, S.M.D., Nitrini, R., Caramelli, P., Bertolucci, P.H., Okamoto, I.H. sempre solicitar, também,
Sugestões para o uso do miniexame do estado mental do Brasil. Arq. Neu-
ropsiquiatr. 2003; 61(3B): 777-81.
RNM de encéfalo, do-
sagem de vitamina B12,
O MEEM pontua até 30 pontos. Utilizando o ponto de corte de 24, te- sorologia para sífilis, TSH
mos: <24 pontos para indivíduos altamente escolarizados, <18 pontos e sorologias para hepatite
para indivíduos com ensino fundamental e <14 para indivíduos anal- e HIV.
fabetos, determinando quadro de possível demência. O MEEM tem
sensibilidade de 87% e especificidade de 82%, porém esse teste é in-
fluenciado pela idade, pelo grau educacional e pelos distúrbios visuais,
motores e de linguagem.
5. Doença de Alzheimer
A DA é um distúrbio neurodegenerativo, de causa não conhecida e que
acomete sobretudo idosos, além de ser considerada a causa mais co-
mum de demência. Os tratamentos atualmente disponíveis modulam o
seu curso e amenizam os sintomas, porém não há cura, e a doença, ine-
vitavelmente, progride em todos os casos.
A - História da doença
Alois Alzheimer, médico alemão que viveu entre a 2ª metade do século
XIX e o início do século XX, publicou, em 1907, um caso peculiar de uma
paciente atendida inicialmente aos 51 anos, quando passou a apresen-
tar sintomas delirantes caracterizados por ciúmes intensos com rela-
ção ao marido. Além disso, desenvolveu alterações de linguagem e de
memória, bem como desorientação no tempo e no espaço, que se ins-
talaram logo em seguida e com piora progressiva. A paciente faleceu
4 anos e meio após o início dos sintomas, em estágio avançado de de-
mência, e foi submetida a exame anatomopatológico.
Alzheimer observou o acúmulo de placas características no espaço ex-
tracelular, chamadas placas senis, e lesões neurofilamentares no inte-
rior de neurônios, distribuídas difusamente pelo córtex cerebral. Com
o aumento substancial da expectativa de vida da população mundial
verificado nas últimas décadas, a DA tornou-se um sério e importante
problema de saúde individual e coletiva.
demências 161
B - Quadro clínico
O distúrbio de memória é uma característica essencial na DA e fre-
quentemente constitui a 1ª manifestação clínica.
A memória declarativa para fatos e acontecimentos (onde guardou um
objeto, o que comeu no café da manhã etc.), que depende da região
temporal mesial e das estruturas neocorticais, está profundamente
afetada na DA, enquanto os sistemas subcorticais responsáveis pela
memória processual e pela aprendizagem motora são relativamente
poupados até muito tarde na doença.
Alteração em outros domínios cognitivos pode aparecer ao mesmo
tempo ou após o desenvolvimento do distúrbio de memória. Distúrbios
de linguagem (como anomia e diminuição na fluência verbal) e habilidades
visuoespaciais tendem a aparecer precocemente, enquanto função exe-
Quadro clínico cutiva e alterações comportamentais se manifestam mais tardiamente.
Na DA, há perda inicial Sintomas neuropsiquiátricos também são comuns entre pacientes
da memória, seguida por com DA, particularmente no meio e no final do curso da doença. Po-
dem surgir como alterações de personalidade, incluindo apatia, isola-
distúrbios de linguagem
mento social ou desinibição. Os pacientes podem, ainda, ter agitação,
e perda de habilidades agressividade, alucinações e delírios. Delírio de roubo e ciúmes atingem
visuoespaciais. Sintomas mais de 30%, principalmente homens. Alucinações visuais são possíveis
neuropsiquiátricos em até 20%, embora sejam mais comuns e precoces entre aqueles com
ocorrem em curso mais doença por corpúsculos de Lewy.
avançado da doença.
Nos estágios mais precoces, os pacientes comumente têm exame neu-
rológico normal, com exceção do exame cognitivo. Sintomas piramidais
e extrapiramidais, mioclonias e crises epilépticas costumam surgir no
estágio mais tardio da doença. Se esses sinais e sintomas aparecem no
início, um diagnóstico alternativo deve ser considerado.
Graus de Alzheimer:
--Estágio 1: esquecimento; desorientação progressiva para realizar as
atividades rotineiras; prejuízo da capacidade de julgamento; perda da
espontaneidade; depressão e medo;
--Estágio 2: piora do esquecimento; piora da desorientação; vaguear; in-
quietação e agitação, especialmente à noite; ações repetitivas; possí-
veis contrações musculares; desenvolvimento de sintomas psicóticos;
--Estágio 3: agitação; desorientação; psicose; incapacidade de reconhe-
cer a si próprio e os demais; comprometimento da fala (perda de ca-
pacidade de falar); necessidade de colocar tudo na boca; necessidade
de tocar tudo ao seu redor; perda total de controle sobre as funções
do corpo;
--Estágio 4: dificuldade de alimentação; alteração dos reflexos; déficits
motores; confinamento ao leito; incontinência urinária e fecal; crises
epilépticas; estado vegetativo precedente a morte.
C - Neuroimagem
Apesar de o objetivo do exame de imagem ser descartar outras causas
de demência, podemos avaliar o grau de atrofia hipocampal (Figura 1).
Dica
Na histopatologia da DA,
há depósitos amiloides
(placas senis) e agregados
de proteína tau (emara-
nhados neurofibrilares).
Figura 2 - Fisiopatogenia
F - Tratamento
Nas fases iniciais, também conhecidas como pré-demência ou com-
prometimento cognitivo leve amnésico, não existe indicação de medi-
cações específicas. A única maneira até o momento de desacelerar a
progressão do comprometimento cognitivo leve é a boa nutrição (an-
tioxidantes, ômega-3), além de exercícios físicos e atividades cognitivas
como palavras cruzadas.
demências 163
6. Demência vascular
7. Outras causas
A - Demência frontotemporal
Trata-se de uma condição resultante de progressiva degeneração do
lobo frontal e/ou temporal. É causa importante de demência pré-senil
(20%), e os seus sintomas habitualmente se iniciam aos 40 a 65 anos.
Quadro clínico
Clinicamente, são 3 as variantes: Os sintomas na de-
--Variante comportamental: letargia e falta de iniciativa. É muito co- mência frontotemporal
mum desinibição com comportamento social inadequado; iniciam-se aos 40 a 65
--Afasia progressiva primária: redução progressiva da fluência da fala; anos, podendo acometer
--Demência semântica: dificuldade progressiva de compreensão e comportamento e causar
nomeação. afasia progressiva ou
O diagnóstico geralmente é clínico, com alteração do comportamento demência semântica.
social, testes neuropsicológicos com redução importante da capacidade
executiva e/ou linguagem e exames de imagem com atrofia predomi-
nantemente frontal ou frontotemporal que pode ser uni ou bilateral.
C - Doença de Creutzfeldt-Jakob
Dica
Trata-se de um tipo de doença causada por príons e é a principal re-
presentante das demências rapidamente progressivas. Incide em todas
as populações humanas: 1 caso para 1.000.000 de habitantes por ano.
Normalmente, aparece na meia-idade, com pico de incidência entre 50 Na doença de Creutzfeldt-
e 70 anos. Há as formas esporádicas, familiares e iatrogênicas. Classi- -Jakob, observa-se curso
camente, apresenta curso rápido de deterioração cognitiva, associado rápido de deterioração
a distúrbios do movimento (coreia, distonia, parkinsonismo), mioclonias cognitiva, associado a
intensificadas e provocadas pelo som, além de crises epilépticas. distúrbios do movimento.
O diagnóstico de certeza deve ser realizado com biópsia, no entanto,
devido ao risco biológico de contaminação, não é realizado como 1ª es-
demências 165
Pergunta
2015 - UEL
3. Com relação às demências, considere as afirmativas a seguir:
I - Na demência por corpúsculos de Lewy, costumam ser observadas alucinações visuais e parkinsonismo.
II - A demência da hidrocefalia de pressão normal cursa com distúrbio da marcha com alargamento da base de suporte e incon-
tinência urinária.
III - A demência frontotemporal costuma cursar com mudança da personalidade (por exemplo, desinibição) e alterações da
linguagem.
IV - A doença de Alzheimer moderada costuma cursar com flutuação de sua apresentação ao longo das 24 horas do dia e exacer-
bação noturna dos sintomas.
Estão corretas:
a) I, II
b) I, IV
c) III, IV
d) I, II, III
e) II, III, IV
Resposta no final do capítulo
Resumo
Quadro-resumo
Introdução/epidemiologia
- Trata-se de uma síndrome caracterizada por prejuízo da memória e acomete, pelo menos, mais outro domínio cogni-
tivo, com declínio importante e interferindo nas funções diárias e na independência do paciente;
- Na maioria das vezes, a identificação da demência é feita por meio de um familiar do paciente, e o diagnóstico defi-
nitivo para a maioria das síndromes demenciais depende do exame neuropatológico;
- No Brasil, a prevalência variou de 1,6%, entre os indivíduos com idade de 65 a 69 anos, a 38%, entre aqueles com
idade superior a 84 anos.
Classificação
- De acordo com a área cerebral envolvida:
· Demências corticais (Alzheimer e demência frontotemporal);
· Demências subcorticais (Parkinson, coreia de Huntington, paralisia supranuclear progressiva, demência vascular
subcortical, demência por HIV).
- De acordo com a etiologia:
· Primárias ou degenerativas (DA, por corpúsculos de Lewy, frontotemporal);
· Secundárias (hipotireoidismo, com relação a álcool, uso de medicações, vascular, neoplasias intracranianas,
doenças carenciais, doenças infecciosas). Algumas potencialmente reversíveis.
Diagnóstico
- Coleta de boa história clínica;
- Exame físico neurológico detalhado;
- O MEEM é o teste cognitivo mais amplamente utilizado.
DA
- É considerada a causa mais comum de demência;
- Quadro clínico:
· Distúrbio de memória (1ª manifestação clínica);
· Distúrbios de linguagem e habilidades visuoespaciais que tendem a aparecer precocemente;
· Função executiva e alterações comportamentais que se manifestam mais tardiamente;
· Sintomas neuropsiquiátricos também comuns;
· Sintomas piramidais, extrapiramidais, mioclonias e crises epilépticas costumam surgir no estágio mais tardio da
doença.
- Fatores de risco:
· Idade;
· Sexo feminino;
· Baixa escolaridade;
· História familiar;
· Doença coronariana;
· Hipertensão arterial sistêmica;
· Níveis elevados de homocisteína no sangue;
· Antecedente de traumatismo craniano grave;
· Dieta rica em gordura e presença de polimorfismo específico no gene da apolipoproteína E.
- Fisiopatologia:
· PPA – beta-amiloide → oligômeros – ADDL → Tau-hiperP-tau → disfunção sináptica → estresse oxidativo → disfunção
mitocondrial → inflamação → distúrbios vasculares = placas senis e/ou degeneração neurofibrilar.
- Tratamento:
· Demência leve: inibidores da acetilcolinesterase (donepezila, rivastigmina e galantamina);
· Demência moderada a grave: inibidor do receptor N-metil-D-aspartato (memantina);
· Demência associada a depressão: inibidores da receptação de serotonina (fluoxetina, citalopram, escitalopram)
ou trazodona.
demências 167
Demência vascular
- Comprometimento cognitivo com interferência funcional de uma etiologia vascular;
- Subdivisão em 3 grupos:
· Demência por múltiplos infartos: piora do quadro cognitivo, “em degraus”;
· Demência por infarto estratégico;
· Demência vascular subcortical: a mais comum de comprometimento cognitivo vascular.
- Fatores de risco:
· Hipertensão arterial sistêmica;
· Idade.
- Tratamento:
· Profilaxia secundária para doenças cerebrovasculares;
· Inibidores da acetilcolinesterase e antagonista do receptor N-metil-D-aspartato.
Outras causas
Doença por corpúsculos de Lewy
- Pode haver sinais parkinsonianos associados a demência, como alucinações, flutuações cognitivas e intolerância aos
neurolépticos;
- Evolução em 3 estágios.
Doença de Creutzfeldt-Jakob
- Causada por príons;
- Rapidamente progressiva;
- Acontece entre 50 e 70 anos;
- Diagnóstico:
· Biópsia;
· Ressonância nuclear magnética;
· Eletroencefalograma;
· Dosagem de proteína 14-3-3 no liquor.
Demências reversíveis
Medicamentos Anticolinérgicos, psicotrópicos, sedativos, hipnóticos, analgésicos
Doenças do sistema nervoso central Hidrocefalia*, neoplasias primárias ou secundárias (lobo frontal)
Diferenças
Delirium Demência Depressão
Atenção Dificuldade em manter Distração com facilidade Sem mudanças
Nível de Alterado/
Inalterado Inalterado
consciência diminuído
Respostas
das questões do capítulo
1. E
2. B
3. D
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
9
A síndrome parkinsoniana caracteriza-se por tremor,
rigidez, bradicinesia e instabilidade postural, sendo
necessários 2 dos sintomas para definição. Pode ter,
como causa, drogas, acidente vascular cerebral, toxinas,
doença de Parkinson ou outras doenças neurodege-
nerativas. Na doença de Parkinson em si, há condição
crônica e progressiva de perda relativamente seletiva
de neurônios dopaminérgicos presentes na substância
negra da via nigroestriatal. A incidência é maior após
Doença de
os 50 anos, no sexo masculino, com alguma relação de
fatores ambientais, como agrotóxicos, e de proteção,
por tabaco e cafeína. Observam-se tremor de repouso,
Parkinson
rigidez, bradicinesia ou hipocinesia, postura flexionada,
perda de reflexos posturais e freezing. Os neurônios
sobreviventes na substância negra e no locus coeru-
leus contêm inclusões citoplasmáticas eosinofílicas
conhecidas como corpúsculos de Lewy. Diagnósticos
diferenciais podem ser tremor essencial (simétrico, de
intenção, com melhora ao consumo de bebida alcoólica),
degeneração corticobasal (parkinsonismo sem tremor,
ausência de resposta a levodopa, fenômeno da “mão
alienígena”), atrofia de múltiplos sistemas e paralisia
supranuclear progressiva. O tratamento visa à redução
da progressão da doença e ao controle dos sintomas. As
principais classes medicamentosas em uso, atualmente,
são levodopa, anticolinérgicos, amantadina, inibidores
da monoaminoxidase (IMAOs), inibidores da COMT (cate-
col-O-metiltransferase) e agonistas dopaminérgicos.
170 sic neurologia
1. Introdução
Parkinsonismo, ou síndrome parkinsoniana, é uma síndrome clínica
caracterizada por tremor, rigidez, bradicinesia e instabilidade postu-
ral. São necessários 2 desses sintomas para diagnosticar o quadro de
parkinsonismo, que pode ter como causas desde drogas, acidente vas-
cular cerebral, toxinas, Doença de Parkinson (DP), até outras doenças
degenerativas (atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supranuclear
progressiva). A DP é uma condição crônica e progressiva, neurodege-
nerativa, que se caracteriza pela perda relativamente seletiva dos neu-
rônios dopaminérgicos da substância negra da via nigroestriatal.
2. Epidemiologia
A DP é uma doença com incidência maior após os 50 anos e rara antes
dos 20 (Parkinson juvenil). Estima-se prevalência de 1 a 3% em pacien-
tes com mais de 65 anos e prevalência mundial de cerca de 5.000.000,
sendo 200.000 no Brasil. Em muitos estudos epidemiológicos, tem-
-se verificado maior prevalência no gênero masculino. Além disso, tem
sido associada a exposição de alguns fatores ambientais à sua maior
incidência (herbicidas, pesticidas) e alguns fatores protetores (tabaco,
cafeína).
3. Quadro clínico
Diagnóstico Atualmente, a síndrome parkinsoniana é descrita como uma combina-
ção de 6 características básicas:
O diagnóstico da sín- --Tremor de repouso;
drome parkinsoniana é
--Rigidez;
estabelecido por tremor
ou bradicinesia associada --Bradicinesia ou hipocinesia;
a (mais 1) rigidez, postura --Postura flexionada;
flexionada, perda de --Perda dos reflexos posturais;
reflexos posturais e --Fenômeno de congelamento (freezing).
freezing.
Devem-se observar 2 dessas características para definir o diagnóstico
clínico, sendo 1 delas, obrigatoriamente, tremor ou bradicinesia.
A - Bradicinesia
Bradicinesia é descrita como pobreza de movimentos e lentidão na
iniciação e execução de atos motores, voluntários e automáticos,
na ausência de paralisia. Amimia, hipomimia ou fácies “em máscara”
(perda da expressão espontânea – Figura 1) também são manifes-
tações da bradicinesia. Outras consequências incluem alterações na
marcha (marcha em bloco, realizada a passos pequenos, com perda
do balanço normalmente associado dos braços), na postura (sentar-
-se imóvel – rigidez cérea), no tronco (dificuldade em levantar-se de
cadeira baixa, virar-se na cama e sair do automóvel) e na fala (hipo-
fonia e aprosódia – perda da inflexão da voz, quase monótona) e na
escrita (letras pequenas e escrita lenta – micrografia), além das alte-
Figura 1 - Hipomimia facial rações observadas durante atos motores complexos, como vestir-se,
escovar os dentes, engolir; também pode haver salivação excessiva
por disfagia.
doença de parkinson 171
B - Rigidez
Dica
A hipertonia presente na DP pode ser chamada hipertonia plástica ou
rigidez, pois existe resistência à movimentação passiva em todo o mo-
vimento, o que a difere da espasticidade ou da rigidez elástica (pre-
sente em lesões piramidais), em que a resistência é maior no início do Convém lembrar que,
movimento. Associa-se à presença do “fenômeno da roda denteada”, nas síndromes extrapi-
que se caracteriza por períodos de liberação rítmicos e intermitentes ramidais, há o sinal da
durante a movimentação passiva (Figura 2). “roda denteada” (rigidez
plástica), enquanto nas
piramidais há o sinal
“do canivete” (rigidez
espástica).
C - Postura em flexão
Inicia-se nos braços e se dissemina progressivamente por todo o corpo.
O aumento do tônus muscular mantém a cabeça e o tronco inclinados
para frente, a coluna em cifose torácica e os cotovelos, os quadris e os
joelhos flexionados, conferindo assim, ao deambular, marcha em bloco,
com o tronco inclinado para frente, como se à procura de seu centro de
gravidade (Figura 3).
Figura 3 - Postura
parkinsoniana
D - Tremor
O tremor parkinsoniano mais típico é observado durante o repouso,
diminuindo ou desaparecendo quando se inicia o movimento, podendo
também manifestar-se na manutenção prolongada de uma postura.
Sua frequência é de cerca de 4 a 6Hz. Acomete preferencialmente os
membros, podendo atingir o segmento cefálico (neste, a característica
despertada mais comumente é o “bater de dentes”). Na sua forma mais
conhecida, acomete os dedos das mãos, com a característica de “con-
tar dinheiro” ou “rolar pílulas”. Pode ser mais bem visualizado durante
a marcha.
G - Outros achados
É importante ressaltar que pacientes com DP podem ter manifestações
não motoras prévias, que podem aparecer anteriormente às manifes-
tações motoras, contribuindo de forma importante para o impacto da
doença na qualidade de vida.
4. Etiologia
A etiologia da DP não é conhecida, mas deve ser multifatorial, envol-
vendo elementos ambientais e genéticos. Tem sido atribuída associa-
ção epidemiológica positiva com a exposição de alguns metais, como o
manganês, e com o petróleo, e alguns fatores protetores têm sido as-
sociados, como a cafeína e o tabaco. Diversas hipóteses têm sido pro-
postas para explicar a origem da DP. Para cada uma delas há pontos a
favor e pontos contrários, de modo que se pode pensar que a origem
da doença seja uma combinação, talvez, desses fatores, aliados a ou-
tros que possam vir a ser descobertos. Atualmente, é possível dividir os
fatores etiopatogênicos da DP em 5 grupos (Tabela 2).
doença de parkinson 173
Tabela 2 - Etiopatogenia
1 - Neurotoxinas ambientais.
3 - Alterações mitocondriais.
4 - Predisposição genética.
5 - Envelhecimento cerebral.
5. Patologia
Os neurônios sobreviventes na substância negra e no locus coeruleus
contêm inclusões citoplasmáticas eosinofílicas conhecidas como cor-
pos de Lewy, ou corpúsculos de Lewy, que são a característica patoló-
gica da doença (Figura 4).
6. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se em impressões clínicas. Não existem exames
fisiológicos ou testes sanguíneos que confirmem o diagnóstico. Para o
diagnóstico definitivo, é necessária a confirmação anatomopatológica.
É aceito que bradicinesia e mais 1 de 2 critérios cardinais (tremor de
repouso e rigidez) devem estar presentes para o diagnóstico. Alguns
outros critérios também indicam esse diagnóstico, como excelente
resposta à terapia dopaminérgica e início assimétrico dos sintomas. É
importante afastar outras causas de parkinsonismo no momento de
concluir o diagnóstico.
A - Parkinsonismo secundário
São condições que causam parkinsonismo cuja causa específica pode
ser identificada. As primeiras descrições foram relatadas na década
de 1920 e, posteriormente, na época da 2ª Guerra Mundial, devido a
um quadro pós-encefalítico viral conhecido como encefalite letárgica.
Atualmente, as principais causas são as medicamentosas e as vascula-
res (Tabela 3).
C - Doenças heredodegenerativas
Em algumas outras doenças heredodegenerativas, o parkinsonismo
aparece geralmente como característica menos preponderante dentre
outras manifestações clínicas. As principais doenças que assim se apre-
sentam são a de Huntington, a neuroacantocitose, a doença de Ma-
chado-Joseph (SCA3) e a doença de Wilson.
Tabela 3 - Classificação
Parkinsonismo primário (idiopático)
DP: esporádica ou familiar
Parkinsonismo secundário
- Induzido por drogas: neurolépticos, antieméticos (metoclopramida), lítio,
antivertiginosas (cinarizina, flunarizina);
- Hidrocefalia de pressão normal;
- Infeccioso: pós-encefalítico, sífilis, AIDS, príon;
- Parkinsonismo vascular;
- Induzido por toxinas: manganês, monóxido de carbono, MPTP (1-metil-4-
-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina), metanol;
- Estrutural: tumores, trauma cranioencefálico, hematoma subdural;
- Metabólico: hipoparatireoidismo.
Síndromes Parkinson-plus
- Atrofia de múltiplos sistemas;
- Degeneração corticobasal;
- Paralisia supranuclear progressiva;
- Síndromes demenciais: demência por corpúsculos de Lewy e doença de
Alzheimer.
doença de parkinson 175
7. Diagnóstico diferencial
A resposta à terapia com dopaminérgicos (levodopa e apomorfina)
torna mais provável o diagnóstico de DP. Uma meta-análise sugere
que um teste com tais medicações é útil a pacientes em que há dúvida
diagnóstica, mas se deve acrescentar que até 30% podem não respon-
der à terapia dopaminérgica e de 20 a 30% dos que respondem apre-
sentam, nos anos seguintes, diagnóstico de outra síndrome associada
ao parkinsonismo.
A seguir, serão descritos alguns dos diagnósticos diferenciais para pa- Quadro clínico
cientes com DP.
O tremor essencial é
A - Tremor essencial geralmente simétrico,
de intenção, e apresenta
Aflige cerca de 5% da população e geralmente é simétrico, mas pode melhora ao consumo de
ser unilateral no início do quadro. Esse tremor é do tipo de intenção, na bebida alcoólica.
frequência de 4 a 12Hz, e pode envolver braços, boca, voz, pescoço; en-
quanto o tremor da DP é, caracteristicamente, de repouso. Geralmente
176 sic neurologia
C - Degeneração corticobasal
Quadro clínico Refere-se a pacientes com sintomas de parkinsonismo, mas com apra-
xia, afasia, ausência de tremor e resposta a levodopa. Um sinal muito
Na degeneração corticobasal, característico, mas não patognomônico, é a presença do fenômeno da
há parkinsonismo sem tre- “mão alienígena”, que consiste na perda da percepção do paciente de
mor, ausência de resposta a que aquele membro lhe pertence, com perda do controle e da coorde-
levodopa, fenômeno da “mão nação nesse membro, que parece mover-se ou levitar, independente-
alienígena”, hiper-reflexia, mente da vontade do paciente.
apraxia e perda sensorial São características da degeneração corticobasal:
cortical. --Síndrome rígido-acinética progressiva (evolução mais rápida do que
a DP); assimetria acentuada da síndrome parkinsoniana; distonias
frequentes, mioclonias associadas; disfunção cortical: hiper-reflexia,
apraxia e perda sensorial cortical; movimentos “em espelho” de um
braço (“mão alienígena”); mioclonia cortical; neuroimagem: atrofia as-
simétrica dos lobos frontal e parietal; nenhuma resposta a levodopa.
A - Anticolinérgicos
Os anticolinérgicos são utilizados devido ao predomínio de acetilcolina
observado no estriado dos pacientes com diminuição de neurotrans-
missão dopaminérgica a partir da substância negra. São particular-
mente eficazes em indivíduos com tremor intenso, principalmente
entre jovens com função cognitiva preservada, e devem ser evitados,
se possível, em muito idosos.
Tratamento
Anticolinérgicos são
Tabela 8 - Drogas anticolinérgicas contraindicados no glau-
Triexifenidil Iniciar na dose de 0,5 a 1mg, 2x/d, podendo ser coma de ângulo fechado,
(Artane®) aumentado gradativamente até 2mg, 3x/d (6mg/d). miastenia gravis, úlcera
Usar na dose de 0,5 a 2mg, 3x/d, também com péptica estenosante,
Benzatropina megacólon e risco de
aumento gradual.
Iniciar com dose de 2mg/d, podendo-se aumentar dia- retenção urinária.
Biperideno
riamente em 2mg; dose máxima de 16mg/d, dividida
(Akineton®)
em 2 a 3 tomadas.
178 sic neurologia
Importante B - Amantadina
É utilizada no tratamento dos pacientes na fase inicial. Age aumen-
A síndrome de desregulação tando a liberação de dopamina para a fenda sináptica e exerce ação
dopaminérgica foi inicialmente bloqueadora de receptores N-Metil-D-Aspartato (NMDA).
descrita em pacientes com abuso
da medicação com levodopa, A droga deve ser iniciada em doses baixas (50mg/d), em especial no
idoso, com aumento em 2 semanas, monitorizando efeitos colaterais,
que apresentavam alteração do
até a dose máxima de 100mg, 2x/d. Em adultos jovens, a dose pode
controle dos impulsos que con- chegar a 300mg/d.
dicionava a medicação exces-
siva, levando ao aparecimento de C - Levodopa
discinesias, alterações do humor
e comportamentos repetitivos É um precursor da dopamina que, ao atravessar a barreira hematoen-
anormais. É conhecida como cefálica, descarboxila-se em dopamina e atua estimulando os recep-
tores dopaminérgicos nos núcleos da base, levando a maior equilíbrio
pudding, que significa compor-
entre atividade dopaminérgica e colinérgica.
tamentos motores estereotipados
prolongados, complexos e sem O tratamento deve ser individualizado, iniciado com doses baixas, que
propósito, como desmontar e devem ser aumentadas gradualmente para minimizar o risco de efei-
tos colaterais agudos. A meia-vida da droga é curta. É possível iniciar o
(tentar) montar repetidamente
tratamento com 2 ou 3 tomadas, porém, com a progressão da doença,
aparelhos como rádio, organizar
geralmente há a necessidade de diminuir o período entre as doses.
fichários ou cortar revistas. Uma
vez diagnosticada a síndrome, D - IMAOs
o tratamento inclui a redução
ou a parada da medicação Os IMAOs atuam inibindo irreversivelmente a enzima monoaminoxi-
dopaminérgica. dase-B (MAO-B), que tem distribuição generalizada no cérebro e im-
pede a degradação de dopamina no sistema nervoso central. Além
disso, os fármacos como a selegilina podem atuar impedindo a recap-
tação de dopamina ao nível da sinapse.
Há estudos que tentam provar que a selegilina apresenta efeito prote-
tor ou lentificador na DP, contudo, até hoje, não existem conclusões de-
finitivas sobre esse efeito. De qualquer forma, por esse motivo, a droga
deveria ser considerada tratamento inicial da DP, apesar de oferecer
efeito sintomático leve.
A dose inicial deve ser de 5mg, 2x/d, mas, em idosos, pode-se optar por
iniciar com doses mais baixas, até menores do que 5mg/d, a fim de evi-
tar efeitos colaterais. A dose máxima é de 10mg, 2x/d.
E - Inibidores da COMT
A levodopa é metabolizada perifericamente por 2 enzimas: a descar-
boxilase e a COMT. Mesmo sendo regularmente administrada em as-
sociação a um inibidor da descarboxilase, a ação da COMT periférica
converte a levodopa em 3-O-metildopa (3-OMD), e somente 10% da
droga chegam intactos ao cérebro.
Em pacientes que usam levodopa e ainda apresentam sintomas par-
kinsonianos, a associação a um inibidor da COMT é benéfica, princi-
palmente para aqueles com flutuações motoras. Em alguns estudos,
demonstrou-se redução em até 40% dos períodos de função motora
muito comprometida (períodos de off) com uso de inibidores da COMT.
doença de parkinson 179
Há, atualmente, uma nova linha de pesquisa que estuda a possível re-
dução nas complicações motoras relacionadas ao uso de levodopa em
longo prazo. Se isso for comprovado, será viável a indicação de que ela
seja sempre usada associada a um inibidor da COMT, além do inibidor
da descarboxilase.
F - Agonistas dopaminérgicos
Esta classe de drogas age estimulando diretamente receptores dopami-
nérgicos no corpo estriado do cérebro, sem necessidade de conversão
da droga para um metabólito ativo que exerça seus efeitos farmacodinâ-
micos. Além disso, a meia-vida da maioria das medicações dessa classe
é mais longa do que a das formulações de liberação regular da levodopa.
Alguns estudos têm mostrado possível efeito protetor dessas drogas so-
bre os neurônios dopaminérgicos. Fazem parte desse grupo, até o mo-
mento, no Brasil, a bromocriptina (Parlodel®) e o pramipexol (Sifrol®).
Os efeitos colaterais mais frequentes dos agonistas dopaminérgicos
são hipotensão, taquicardia, síncope, alucinação e discinesias.
Dica
progressivo, com sintomas motores, cognitivos e psiquiátricos; com
movimentos involuntários, diminuição da capacidade intelectual e mu-
danças no comportamento e na personalidade. Muitas pessoas com o
A doença de Huntington gene incomum do Huntington começam a apresentar sintomas entre
é de caráter autossômico 35 e 45 anos.
dominante, com sintomas Há também a forma juvenil (Huntington juvenil ou variante de West-
neurodegenerativos pro- phal), em que a rigidez muscular (ausência de movimentos) é o principal
gressivos motores, cogni- sintoma. Essa forma tem início antes dos 20 anos. A doença deve-se à
tivos e psiquiátricos. mutação no gene Huntington por expansão, na repetição da sequência
de trinucleotídeos CAG e que pode ser analisada por meio de estudo
molecular. O tratamento, hoje em dia, é apenas sintomático.
b) Atetose
--Pode afetar os 4 membros ou ser unilateral, além de afetar pescoço,
face e língua;
--Os movimentos são lentos, sinuosos e sem propósitos, podendo ser
confluentes;
--Além disso, podem terminar em posturas extremas e mantidas.
c) Hemibalismo
--Lesão no núcleo subtalâmico contralateral;
--Afeta primariamente os músculos proximais dos membros;
--Os movimentos são violentos e de natureza súbita (alta velocidade,
grande amplitude).
Atetose
- Também uma doença do estriado;
- Movimentos de contorção, vagarosos e de caráter vermiforme;
- Mais comum em extremidades (dedos e punhos);
- Os movimentos atetósicos podem ser uni ou bilaterais e comprometem as
atividades diárias. São movimentos irregulares, grosseiros e de natureza
sinuosa;
- Os membros afetados estão constantemente em movimento e caracteris-
ticamente desaparecem durante o sono.
Distonias
- Contrações musculares sustentadas, causando abalos lentos, tremores,
movimentos de torção e posturas anormais;
- Contração simultânea de músculos agonistas e antagonistas;
- Diagnóstico com base nas manifestações clínicas.
Focais
São as formas mais comuns (cervical, cordas vocais, face, lábios, língua,
mandíbula e membros).
Hemidistonias
Comprometem 1 hemicorpo.
Generalizada
Compromete todo o corpo.
Tiques
- Movimentos estereotipados breves, repetitivos, usualmente rápidos e sem
propósito, e que envolvem múltiplos grupos musculares;
- São suprimíveis, ainda que em parte, pela vontade e precedidos por urgên-
cia premonitória.
Simples
Afetam apenas 1 grupo muscular (piscar, contorcer o nariz, sacudir o pescoço).
Complexos
Apresentam envolvimento coordenado de vários grupos musculares (sal-
tar, fungar, bater com cabeça e ecopraxia – movimentos de imitação).
Vocais
- Gemidos (tique simples), ecolalia, palilalia, coprolalia (tique complexo);
- Ocorrem na ausência de lesões neurológicas (tiques motores simples), na
síndrome de Tourette (distúrbio genético acompanhado de tiques motores
e vocalizações), no trauma cranioencefálico, no acidente vascular cerebral
e no uso de drogas neurolépticas.
Mioclonias
- Contrações espontâneas involuntárias e súbitas, breves, com abalos
lembrando pequenos solavancos, como choques ou sustos, originadas no
sistema nervoso central e envolvendo a face, o tronco ou as extremidades;
- A maioria é causada por contrações musculares abruptas (mioclonia
positiva), porém podem ser resultantes de cessação súbita de descargas
musculares (mioclonia negativa).
Balismo
- Movimentos involuntários amplos, de início e fim abruptos, envolvendo
frequentemente os segmentos proximais dos membros, podendo acome-
ter o tronco e o segmento cefálico;
- Deslocamentos bruscos, violentos, colocando em ação grandes massas
musculares, assemelhando-se a chutes ou arremessos.
Hemibalismo (de 1 lado do corpo)
- Incomum;
- Movimentos anormais, involuntários (como arremesso do membro);
- Lesão vascular do núcleo subtalâmico contralateral.
doença de parkinson 185
Tremor
Essencial
É postural, progressivo e pior com a ação (5 a 8 ciclos/s).
Fisiológico
Está presente e é estimulado por ansiedade, hipertireoidismo e abstinên-
cia ao álcool (8 a 12 ciclos/s).
Cerebelar
- Tremor de intenção;
- Aumenta com o movimento e é acompanhado de hipotonia e ataxia.
Tremor de repouso
- Sinal de “contar pílulas”;
- Característico da doença de Parkinson (4 a 6 ciclos/s).
Tremor ortostático
Aparece nas pernas após longos períodos em posição ereta.
Resumo
Quadro-resumo
- Característica patológica principal: degeneração da porção compacta da substância negra;
- Anormalidade neuroquímica: depleção seletiva da dopamina;
- Classicamente, pacientes com DP e parkinsonismo apresentam 4 sintomas principais: tremor de repouso (envolven-
do mão ou pé em oscilação rítmica entre músculos agonistas e antagonistas), rigidez (“roda denteada”), bradicinesia
(é o sintoma mais incapacitante) e instabilidade postural. Além desses, há o fenômeno de congelamento e postura
flexionada; expressões faciais se tornam fixas – hipomimia facial (“máscara facial”); a fala é monótona, de voz baixa,
e a cabeça não gira para acomodar novas direções do olhar;
- Várias doenças podem apresentar quadro semelhante; por isso, esse quadro é denominado parkinsonismo;
- O parkinsonismo pode, ainda, ser secundário ao uso de medicamentos, toxinas, trauma, entre outras condições;
- A levodopa é a medicação com melhor benefício sintomático, mas está associada a flutuações motoras quando
usada precocemente. Os anticolinérgicos devem ser evitados em indivíduos acima de 70 anos, devido aos efeitos
colaterais;
- O tratamento cirúrgico ablativo dos núcleos da base, com talamotomias e palidotomias estereotáxicas realizadas
por radiofrequência, e, mais recentemente, a técnica de estimulação cerebral profunda (segura e eficaz), está indi-
cado para um grupo selecionado de pacientes. Os objetivos desses procedimentos são buscar benefício terapêutico
mais constante para que os pacientes alcancem: (1) uma redução dos períodos off; (2) aumento do tempo on; (3)
redução das discinesias; (4) suspensão do tremor refratário ao tratamento medicamentoso; (5) melhoria no desem-
penho das atividades de vida diária; (6) melhoria da qualidade de vida.
Resposta
da questão do capítulo
1. E
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
10
Denomina-se unidade motora o neurônio motor inferior e
as fibras musculares inervadas por ele, incluindo o corpo
celular desse neurônio na medula espinal, a raiz anterior, o
plexo, o nervo, a junção neuromuscular e o músculo. Cada
uma dessas estruturas, quando lesionada, apresenta uma
manifestação clínica específica. A Paralisia Flácida Aguda
(PFA) é uma síndrome de rápida progressão (até 4 semanas),
caracterizada por fraqueza muscular, flacidez (hipotonia) e
reflexos profundos, geralmente hipoativos ou abolidos. No
Brasil, há notificação compulsória em pacientes abaixo de
15 anos (vigilância de poliomielite). A Síndrome de Guillain-
-Barré (SGB) representa a causa mais comum de PFA, sendo Doenças neuro-
musculares
doença desmielinizante, que acomete as raízes e os nervos
periféricos. Em 60 a 65%, inicia-se em prazo de 1 a 3 sema-
nas após diarreia (classicamente por Campylobacter jejuni)
ou infecção viral (processos gripais são fatores precipitantes
e mielopatias
importantes). Outros fatores são procedimentos cirúrgicos,
doenças exantemáticas agudas, infecções virais (citomegalo-
vírus, HIV), infecção bacteriana aguda e linfoma de Hodgkin.
Os principais sintomas são parestesias nas extremidades,
sensação de dormência e hipoestesia, perda de força simé-
trica de forma ascendente, 75% dos casos com envolvimento
de algum nervo craniano e disfunção autonômica (taqui- As características clínicas e os processos histopatológicos
cardia e hipo/hipertensão) em 50%. Há déficit simétrico, vão diferir em cada tipo de miopatia, e as principais inclu-
com fraqueza muscular progressiva ascendente, pareste- ídas nesse grupo são polimiosite (acometimento muscular
sia distal, arreflexia em todos os membros, de duração até proximal e simétrico, poupando a face), dermatomiosite
4 semanas; no liquor, observa-se dissociação proteico-cito- (acometimento motor associado a acometimento cutâneo),
lógica (a proteína se eleva, sem aumento de celularidade); miosite por corpúsculos de inclusão, além de outras, como
na eletroneuromiografia (ENMG), há sinais de desmieliniza- síndrome “overlap”, miopatia necrosante, miosite eosino-
ção (latência distal profunda, lentificação de condução e de fílica e miosite granulomatosa. As miopatias podem ter
onda F, dispersão temporal). O tratamento específico da SGB origens metabólica (disfunção tireoidiana), tóxica (barbi-
visa, primordialmente, acelerar o processo de recuperação, túricos, clorpromazina, lítio, salicilatos, corticosteroides,
e, para sua indicação, é necessária a determinação da gra- zidovudina) e hereditária (distrofias ligadas ao X). Já a
vidade clínica proposta por Hughes, sendo doença leve de 0 porfiria aguda intermitente é uma doença autossômica
a 2 e moderada a grave de 3 a 6, estando indicadas plasma- dominante, em que há dor abdominal e constipação, dor
férese e imunoglobulina a partir de 3, o mais precocemente muscular, polineuropatia periférica predominantemente
possível. A polineuropatia da doença crítica ocorre em cerca motora, simétrica e proximal, paresia de nervos cranianos,
de 50% dos que permanecem sépticos por mais de 2 sema- psicose, depressão, coma ou crises epilépticas. O diagnós-
nas. Em geral, os nervos cranianos e o sistema nervoso tico se faz por dosagem de ácido delta-aminolevulínico
autonômico são poupados. O principal diferenciador com a (ALA) e porfobilinogênio na urina ou de ALA sérico, e o tra-
SGB é que o liquor não tem aumento importante de proteína, tamento se faz com carboidratos intravenosos, hematina
enquanto a ENMG evidencia acometimento axonal puro. Já e cimetidina. A doença do neurônio motor é um termo que
a miastenia gravis é uma doença da junção neuromuscular, se aplica a síndromes clínicas com características próprias,
em que se evolui com fraqueza e fadiga flutuantes, que pio- como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), atrofia mus-
ram com o esforço físico repetitivo. Há 2 picos de incidência: cular espinal progressiva, esclerose lateral primária e
mulheres entre a 2ª e a 3ª décadas e homens entre os 50 e paralisia bulbar progressiva. A poliomielite aguda é uma
os 70 anos. Setenta por cento têm aumento do timo e 10 a doença que acomete o neurônio motor inferior, após
15% timoma. Há déficits neurológicos flutuantes, com piora infecção por poliovírus ou enterovírus não pólio, em que
ao fim do dia, podendo acometer musculatura ocular ou o quadro clínico se inicia com febre, fadiga, obstipação,
generalizada. O diagnóstico é feito com base no achado de vômitos, rigidez de nuca e dores nos membros inferiores,
fraqueza muscular, que aumenta com o esforço e melhora ao seguido de paralisia, que progride em 24 a 48 horas, com
repouso, podendo haver anti-AchR (80%) e ice pack test posi- déficit motor puro, assimétrico e de predomínio proximal.
tivos, além de ENMG com decréscimo >10% na estimulação Finalmente, mielopatia é o termo utilizado para diferentes
repetida. Não se deve esquecer de solicitar tomografia de distúrbios que acometem a medula espinal ou parte dela,
tórax (tamanho do timo), hemograma, funções renal e hepá- tendo a mielite transversa como principal representante,
tica, eletrólitos, VHS, TSH e T4 para diagnósticos diferenciais. com fase inicial de fraqueza muscular flácida, com hipo/
As miopatias inflamatórias, por sua vez, são doenças que arreflexia, retenção urinária e alterações sensitivas; após 2
têm em comum o acometimento imunológico do músculo. a 3 semanas, surgem sinais de liberação piramidal.
188 sic neurologia
1. Introdução
Denomina-se unidade motora o conjunto formado por neurônio motor
inferior (corpo celular no corno anterior da medula espinal, raiz ante-
rior, plexo, nervo, junção neuromuscular) e as fibras musculares iner-
vadas por ele. O principal neurotransmissor envolvido é a acetilcolina
(ACh), que participa da sinapse entre o neurônio motor inferior e a cé-
lula muscular. Na junção neuromuscular, a ação da ACh ocorre por meio
da ligação desse neurotransmissor ao seu receptor pós-sináptico. A
acetilcolinesterase é a enzima que degrada a ACh na junção neuromus-
cular, controlando a intensidade da ligação entre a ACh e seu receptor
na membrana da célula muscular.
A Paralisia Flácida Aguda (PFA) é uma síndrome de rápida progressão,
caracterizada por achados de síndrome do neurônio motor inferior:
fraqueza muscular, flacidez (hipotonia) e reflexos profundos geral-
mente hipoativos ou abolidos. O termo “agudo” representa a evolução
do déficit neurológico em horas a semanas, usado para progressão de
até 4 semanas, que é o período máximo de instalação da Síndrome de
Guillain-Barré (SGB), por exemplo.
No Brasil, a notificação de PFA é compulsória apenas para a faixa etária
inferior a 15 anos, devido à vigilância de poliomielite. Estudos nacionais
retrospectivos mostraram que, no período de 1990 a 1996, ocorreram
3.619 casos de PFA em menores de 15 anos, sendo a SGB responsável
por 46% dos casos. Outras etiologias foram mielite (3%), pólio pós-va-
cinal (2%), tumores (1%), trauma (1%) e causas diversas (32%; dentre
elas, encefalite e doenças cerebrovasculares). Em 14% dos casos, não
foi possível obter a caracterização etiológica.
2. Fisiopatologia
A principal característica da síndrome é a fraqueza muscular, devendo-
-se definir o local da lesão na unidade motora para o estabelecimento
da conduta de investigação e terapêutica.
- Junção mioneural;
- Músculo.
doenças neuromusculares e mielopatias 189
Dica
de 0,4 a 4 por 100.000 habitantes. É uma doença desmielinizante,
que acomete as raízes e os nervos periféricos. Ocorre tanto em ho-
mens quanto em mulheres, mais frequentemente entre 55 e 75 anos.
Em cerca de 60 a 65% dos casos, inicia-se em um prazo de 1 a 3 sema- O comprometimento muscular
nas após quadro de diarreia (classicamente pelo Campylobacter jejuni) gera apenas sintomas motores
ou de infecção viral (processos gripais são fatores precipitantes im- (predomínio proximal).
portantes). Outros fatores relacionados são procedimentos cirúrgicos,
doenças exantemáticas agudas, infecções virais (citomegalovírus, HIV),
190 sic neurologia
Tema ção com o vírus zika. A SGB é secundária a uma agressão imunológica
do sistema nervoso periférico, e a natureza dos antígenos que desen-
frequente de prova cadeiam a resposta inflamatória permanece desconhecida. Contudo,
o principal alvo da agressão é o complexo glicolipídico do axônio e da
A SGB pode estar presente mielina. Os autoanticorpos contra esses antígenos atuam bloqueando
nas provas de concursos a condução nervosa. Nas formas desmielinizantes, o infiltrado macro-
médicos, quase sempre fágico-linfocítico promove a desmielinização segmentar, com participa-
apresentando o “quadro ção do sistema complemento.
infeccioso prévio”.
B - Quadro clínico
O paciente com SGB apresenta manifestações neurológicas sensitivas,
motoras e autonômicas. Sem dúvida, o comprometimento motor é o
mais intenso, exceto no início do quadro, quando os sintomas geralmente
são sensitivos, e incluem dor radicular nos membros inferiores e pares-
tesias nas extremidades (pés e mãos), seguidas de sensação da dormên-
Dica cia e hipoestesia. Em seguida, há perda de força simétrica, que evolui em
algumas semanas, de forma ascendente, inicialmente distal nos mem-
Não esquecer que há rela- bros inferiores e posteriormente nos superiores, no tronco e na muscula-
tura intercostal. Os reflexos tornam-se abolidos à medida que a fraqueza
ção entre SGB e infecções
progride. Cinquenta por cento têm fraqueza máxima em 1 semana, 89%
virais ou diarreicas, em em 3 semanas e 90% em 1 mês. Cerca de 50% dos casos apresentam aco-
cerca de 60 a 65% dos metimento do nervo facial, e 10%, diplopia, podendo haver também dis-
casos. fagia (por lesão dos X e XI nervos). Em 75% dos casos, há envolvimento
de algum nervo craniano. Cabe ressaltar que a disfunção autonômica (ta-
quicardia e hipo/hipertensão) ocorre em 50% dos pacientes.
Tratamento Terapia Intensiva (UTI) para suporte clínico adequado, como ventilação
mecânica e monitorização dos parâmetros cardíacos e hemodinâmicos.
Se escala funcional ≥3, O tratamento específico da SGB visa, primordialmente, acelerar o pro-
recorre-se a plasmaférese cesso de recuperação, diminuindo as complicações associadas à fase
(2 a 6 sessões) ou gama- aguda e os déficits neurológicos residuais em longo prazo. As modali-
globulina 0,4g/kg/d, por 5 dades disponíveis são plasmaférese ou imunoglobulina, e a associação
de ambas não produz resultado adicional. Para indicação do trata-
dias consecutivos, para o
mento, alguns protocolos indicam a determinação da gravidade clínica
tratamento da SGB.
proposta por Hughes, sendo considerada doença leve de 0 a 2 e mode-
rada a grave de 3 a 6, sendo indicadas plasmaférese e imunoglobulina
a partir de 3, o mais precocemente possível. Os resultados esperados
com o tratamento são bem estabelecidos, com 80% de recuperação to-
tal do quadro e mortalidade de 5%.
0 Saudável
6 Morte
Tabela 9 - Tratamento
- Monitorização e suporte;
Grupo 2b
(generalizada
moderada a
20%
Sinais oculares e bulbares, envolvendo
variável da musculatura apendicular, sem Quadro clínico
crises
grave) O quadro clínico da
Grupo 3 (aguda Sinais generalizados com envolvimento miastenia gravis envolve
11%
fulminante) bulbar proeminente, com crises déficits neurológicos
flutuantes, com piora
Grupo 4 (grave
Generalizada, sinais bulbares proeminen- ao fim do dia, podendo
de instalação 9%
tes, com crises
tardia) acometer a musculatura
ocular ou generalizada.
b) Diagnóstico
O ponto-chave para o diagnóstico baseia-se na presença de fraqueza
muscular que aumenta com o esforço e diminui com o repouso.
196 sic neurologia
Dosagem de anticorpos
- Dosagem de anticorpos anti-AchR – positiva em 80% dos pacientes;
Prova terapêutica
O anticorpo está presente
Teste com anticolinesterásicos, feito por edrofônio (Tensilon®) ou neostig-
em cerca de 85% dos
mina
casos de miastenia gravis
na forma generalizada Teste do gelo (ice pack test)
e em cerca de 50% dos Avaliação da fenda palpebral antes e depois da colocação de uma bolsa de
casos na forma ocular. gelo por 2 minutos, com boas especificidade e sensibilidade para miaste-
Acima de 70% dos nia gravis (Figura 2)
soronegativos, ou seja, ENMG
com o anticorpo contrar-
receptor de ACh negativo, Estimulação nervosa repetitiva; valor do decremento acima de 10 ou 12%
como sendo o compatível com disfunção da junção neuromuscular do tipo
apresentam positivo para pós-sináptica
a MuSK. Esta é mais co-
mum nas formas bulbar e Outros exames complementares (não diagnósticos)
ocular, com pior resposta - Tomografia de tórax para verificar o tamanho do timo;
ao tratamento que não
- Hemograma, funções renal e hepática, eletrólitos, velocidade de hemosse-
seja plasmaférese. dimentação (VHS), TSH/T4 (hormônio tireoestimulante/tiroxina) livre para
realizar diagnóstico diferencial.
Figura 2 - Teste do gelo (ice pack test): (A) ptose evidente no olho direito antes de (B) colocar gelo sobre os olhos durante 2 minutos;
e (C) a ptose foi resolvida
c) Tratamento
--Medicamentoso: anticolinesterásico (piridostigmina), podendo-se
associar corticosteroide (prednisona) na menor dose possível para
manter o paciente bem. Imunossupressores também podem ser as-
sociados (até mesmo se o corticoide for contraindicado), sendo a aza-
tioprina a mais utilizada. A ciclosporina e a ciclofosfamida também
podem ser utilizadas;
--Cirúrgico: a timectomia sempre está indicada nos timomas. Quanto
aos pacientes sem timoma, há discussão na literatura, e as condutas
podem variar entre os serviços. Tal tratamento não determina a re-
missão da doença, mas parece manter o paciente melhor e podendo
usar menos medicação por alguns anos. Pode, ainda, não mudar a
evolução e, por isso, de forma geral, é considerado para mulheres jo-
vens que necessitam de dose alta de corticoide, no intuito de adiar a
imunossupressão;
--Plasmaférese e gamaglobulina: devem ser utilizadas em quadros de
crise miastênica, condição que se caracteriza por fraqueza muscular
aguda com insuficiência respiratória.
C - Miopatias
a) Miopatias inflamatórias e infecciosas
As miopatias inflamatórias são doenças que têm em comum o acometi-
c) Miopatias metabólicas
Muitos distúrbios endócrinos ou iatrogênicos podem levar à doença
muscular. A disfunção tireoidiana está frequentemente associada a
miopatia, que ocorre em 30 a 80% dos casos de hipotireoidismo, geral-
mente com fraqueza proximal, rigidez muscular e cãibras.
As manifestações neuromusculares associadas a hipertireoidismo são
mais variadas e incluem fraqueza muscular generalizada, fraqueza
muscular bulbar, miastenia gravis, paralisia periódica tireotóxica e of-
talmopatia tireoidiana. Também são comuns as miopatias metabólicas
por defeitos genéticos na via glicolítica (glicogenoses) e aquelas com
acúmulo de lipídios (lipidoses). No 1º grupo, destacam-se a deficiência
de maltase ácida (doença de Pompe) e a doença de McArdle, que é a
deficiência de miofosforilase. Entre as lipidoses, a mais comum é a de-
ficiência de carnitina-palmitoil-transferase.
d) Miopatias tóxicas
Podem resultar da agressão direta ou indireta (por distúrbio eletro-
lítico) de inúmeras substâncias. Como exemplo, podemos citar barbi-
túricos, clorpromazina, lítio, anfetaminas, salicilatos, corticosteroides,
zidovudina, entre outras. A miopatia associada a alcoolismo pode apre-
sentar-se de forma aguda ou crônica. A primeira ocorre em 5% dos pa-
cientes e desenvolve-se em horas a dias. Ocorre dor, a concentração de
creatinoquinase se eleva, e é comum mioglobinúria.
Tabela 13 - Miopatias
- Disfunção primária do músculo esquelético, determinando, na maioria das
vezes, fraqueza muscular proximal simétrica;
- Dificuldade em elevar os braços acima da cabeça (pentear o cabelo, al-
cançar objetos acima da cabeça). Na infância, podemos notar dificuldades
para correr ou pular;
- Os pacientes são incapazes de levantar-se do chão, a menos que usem
os braços e as mãos para escalar seu próprio corpo desde as pernas e as
coxas (manobra de Gowers);
doenças neuromusculares e mielopatias 201
D - Botulismo
O botulismo é uma forma de intoxicação alimentar rara, mas potencial-
mente fatal, causada por uma toxina produzida pela bactéria Clostridium
botulinum, presente no solo e em alimentos contaminados e mal conser-
vados (conservas caseiras ou enlatados). Tem evolução rápida, mas com
alta taxa de sobrevida, dependendo da quantidade de toxina liberada e
absorvida. O tempo de aparecimento dos sintomas ocorre 12 a 72 horas
após ingestão de alimentos, com aparecimento de fraqueza repentina,
e os sintomas evoluem de maneira descendente, acometendo músculos
Dica
da face, tronco e membros (maior intensidade nos membros superiores) No botulismo, há
sem, no entanto, alterar a sensibilidade ou os reflexos profundos. fraqueza repentina
Trata-se de doença neurológica aguda, que causa risco de morte por (paralisia flácida), com
neuroparalisia devido à neurotoxina produzida pelo Clostridium botuli- evolução descendente,
num. A neurotoxina atua na placa motora e liga-se às membranas pré-
preservando-se a
-sinápticas do nervo periférico, junção neuromuscular e autonômica. A
toxina bloqueia a liberação da ACh, o que resulta em fraqueza, paralisia sensibilidade. A con-
flácida e, muitas vezes, parada respiratória. A cura ocorre após novos firmação é feita pela
brotamentos nas terminações nervosas. O quadro clínico caracteriza- presença de toxina A,
-se por sintomas gastrintestinais. B ou E (mais comuns).
Os pacientes devem ser internados devido ao risco de aparecimento Realiza-se o tratamento
rápido de insuficiência respiratória e necessidade de assistência venti- pelo soro com antito-
latória. Após diagnóstico confirmado de botulismo (presença de toxina xina trivalente.
– tipos mais comuns A, B e E), está indicado o uso de antitoxina triva-
lente (ABE), desde que o paciente não seja alérgico a soro de cavalo.
Diagnóstico
O diagnóstico de porfiria
aguda intermitente é
realizado por meio da
dosagem de ALA e porfo-
bilinogênio na urina ou
de ALA sérico.
Figura 5 - Urina na porfiria intermitente: acúmulo de precursores do grupo heme
excretados na urina pode mudar a sua cor, após a exposição ao sol, do amarelo (à
esquerda) para vermelho ou marrom escuro, ocasionalmente até tom de púrpura
(à direita)
Fonte: Dr. Stéfano Gonçalves Jorge.
Dica
Apresenta evolução mais arrastada, com sinais de acometimento do
neurônio motor superior exclusivos, em, pelo menos, 3 anos antes de
envolvimento do neurônio motor inferior.
Na atrofia muscular, há
envolvimento apenas do c) Atrofia muscular
neurônio motor inferior, Caracteriza-se pelo envolvimento puro do neurônio motor inferior,
sem envolvimentos sen- sem envolvimento sensitivo e do trato piramidal, com evolução pro-
sitivo ou piramidal. gressiva, determinada geneticamente por várias mutações, podendo
envolver a musculatura bulbar e sendo, assim, denominada neuropatia
motora hereditária. O envolvimento de outros sítios patológicos não é
infrequente, principalmente nas formas recessivas, em decorrência das
alterações moleculares.
G - Poliomielite aguda
A poliomielite afeta cerca de 1/1.000 a 1/100 indivíduos. O vírus infecta
o corno anterior da medula e destrói os neurônios motores inferiores.
Os pacientes apresentam doença paralítica quando são expostos ao
vírus selvagem, e a infecção é subclínica em 72% dos casos. A doença
pode se expressar com padrão monofásico em adultos. Nos indivíduos
com menos de 15 anos, a doença é bifásica. Inicialmente, há febre, fa-
diga, obstipação, vômitos, rigidez de nuca e dores nos membros in-
Tabela 18 - Poliomielite
- Infecção viral aguda envolvendo o corno anterior da medula;
- Febre no início;
- Rapidamente progressiva;
- Assimétrica;
- Diagnóstico laboratorial consiste em isolamento do vírus (poliovírus), rea-
lizado a partir de amostra de fezes do caso ou de seus contatos. Deve ser
coletada até o 14º dia do início do déficit motor. Quando não for possível
colher as fezes, caso o paciente não evacue em 24 horas, proceder à coleta
por meio de swab retal;
- Pode se iniciar com fraqueza muscular em crianças (membros inferiores),
adultos jovens (membros superiores) e adultos (membros superiores e
inferiores);
- LCR inflamatório;
doenças neuromusculares e mielopatias 205
H - Mielopatias
Mielopatia é o termo utilizado para diferentes distúrbios que acome-
tem a medula espinal ou parte dela.
A mielite transversa tem incidência anual de 1 caso para 2.000.000 de
habitantes. Há a fase inicial de fraqueza muscular flácida, com hipo/
arreflexia, retenção urinária e alterações sensoriais. Após 2 a 3 se-
manas, surgem sinais de liberação piramidal. Um terço dos pacientes
apresenta recuperação neurológica total, e outro terço tem recupera-
ção parcial. Os agentes infecciosos mais frequentemente identificados
são Mycoplasma pneumoniae e herpes-vírus. Em nosso meio, devem
ser lembradas a esquistossomose e a cisticercose. A mielite transversa
Quadro clínico
pode ser uma característica de uma doença mais crônica, como a es- A mielite transversa
clerose múltipla ou neuromielite óptica (NMO, ou doença de Devic, ca- apresenta fase inicial
racterizada por neurite óptica e mielite transversa longitudinalmente
de fraqueza muscular
extensa, com a lesão se estendendo por mais de 3 corpos vertebrais).
flácida, com hipo/arre-
As doenças do tecido conectivo, particularmente o lúpus eritematoso
sistêmico, podem expressar-se neurologicamente como mielite trans- flexia, retenção urinária
versa. Achados clínicos incluem perfil inflamatório do liquor e ressonân- e alterações sensoriais,
cia mostrando lesão intrínseca da medula espinal, realçada geralmente sendo que após 2 a 3 se-
com a administração de gadolínio. É extremamente importante excluir manas surgem sinais de
lesões medulares, como abscesso epidural medular, que necessitam de liberação piramidal.
tratamento específico. O tratamento é realizado com corticosteroides
(metilprednisolona 1g IV durante 3 a 5 dias).
206 sic neurologia
- Distúrbios autonômicos:
· Insuficiência respiratória (se a lesão for de C3-C5);
· Hipotensão e bradicardia;
· Disfunções intestinal e vesical;
· Disfunção sexual.
Resumo
Quadro-resumo
- As PFAs incluem, em seu diagnóstico diferencial, doenças que atingem diferentes locais do sistema nervoso:
· Trato corticospinal e neurônio motor inferior (lesões medulares, por exemplo);
· Raiz e nervo periférico;
· Junção neuromuscular;
· Músculo.
- A SGB é o principal diagnóstico diferencial e pode apresentar-se na forma clássica ou em suas variantes;
- O diagnóstico depende de história, exame físico e exames complementares, como LCR e ENMG;
- Plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa são indicadas a pacientes com insuficiência respiratória ou déficit
neurológico importante;
- Polirradiculoneurite aguda: consiste em paralisias axonais agudas dos nervos periféricos mielinizados, os quais
perdem sua bainha de mielina, o que resulta em diminuição da velocidade de condução dos nervos, principalmente
na parte distal de suas fibras;
- Miastenia gravis: é a transmissão sináptica, mediante ACh, das fibras nervosas às fibras musculares estriadas. Pode
ser inibida por processo imunológico que bloqueia os receptores da membrana pós-sináptica das fibras musculares,
resultando em fatigabilidade anormal dos músculos;
- Botulismo: uma vez que a toxina botulínica evita a liberação pré-sináptica de ACh, na apresentação clínica, o paciente
está habitualmente alerta, orientado e afebril, mas com náuseas e vômitos, tonturas, boca seca, hipotensão ortostá-
tica e retenção urinária. No 1º dia, pode desenvolver fraqueza progressiva, incluindo paralisia dos músculos respirató-
rios. O exame sensitivo permanece normal;
- Porfiria Aguda Intermitente (PAI): é uma doença genética rara, autossômica dominante, decorrente de distúrbio na via
hepática da biossíntese do grupo heme, causado pela redução de níveis da enzima porfobilinogênio deaminase. Carac-
terizada por sinais e sintomas geralmente intermitentes, que incluem dor abdominal, náuseas, vômitos, constipação
ou diarreia, distensão abdominal, íleo adinâmico, retenção ou incontinência urinária, taquicardia, sudorese, tremores,
febre, neuropatia periférica, distúrbios hidroeletrolíticos e psiquiátricos. Existem muitos fatores desencadeantes de
PAI, como dieta hipocalórica pobre em carboidratos. Devemos lembrar que todos os procedimentos cirúrgicos utiliza-
dos para tratamento da obesidade mórbida podem desencadear crise de PAI;
- Poliomielite aguda: consiste em processo inflamatório da substância cinzenta da medula espinal, devido à infecção
dos motoneurônios alfa pelo vírus da poliomielite. A infecção é seguida de formação de anticorpos específicos, os
quais conferem imunidade definitiva. A paralisia afeta, ora 1 único músculo, ora grupo de músculos, 1 membro supe-
rior ou inferior ou os 2 membros inferiores (forma paraplégica da poliomielite). Os músculos de um mesmo miótomo
não são afetados de maneira uniforme;
doenças neuromusculares e mielopatias 207
- ELA: deterioração crônica e progressiva dos neurônios motores superiores (piramidal) e dos neurônios motores
inferiores. Produz fraqueza muscular, espasticidade, sinal de Babinski e hiper-reflexia (neurônio motor superior).
Há flacidez, atrofia, fasciculações e hiporreflexia (neurônio motor inferior). Os déficits são estritamente motores,
sem perda sensitiva significante. Não ocorre comprometimento da movimentação ocular e da função esfincteriana
(razões não explicadas).
Miopatias inflamatórias
- Dermatomiosite: há pacientes com envolvimento muscular acompanhado de dor. A fraqueza evolui de forma bem
variada, desde dias até meses. Os primeiros músculos são os proximais dos membros, incluindo os flexores do
pescoço. Somente após variável tempo de evolução os músculos distais são atingidos. Disfagia é outro sintoma
frequente. O acometimento dos músculos respiratórios é raro;
- Polimiosite: a doença se estabelece de forma subaguda ou crônica, sendo bem rara a forma fulminante. Também é
bem incomum antes dos 20 anos. Acomete caracteristicamente a musculatura proximal, incluindo os flexores do
pescoço. Músculos distais são atingidos de forma mais leve; porém, se estão normais, certamente não se trata de
polimiosite.
Mielopatia
Mielite transversa (diagnóstico diferencial): SGB, oclusão da artéria cerebral anterior quando esta fornece ambas
as artérias calosas marginais e infarto dos lobos parietais (paraplegia aguda com perda do controle esfincteriano,
hidrocefalia de pressão normal e histeria).
Respostas
das questões do capítulo
1. D
2. B
3. A
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
11
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença inflamató-
ria autoimune do Sistema Nervoso Central (SNC), mais
comum em adultos jovens e de maior incidência em
mulheres brancas, por volta dos 30 anos, que vivem
em regiões de baixa exposição solar. Caracteriza-se
por degeneração axonal e desmielinizante, na maioria
das vezes, por meio de surtos, definidos como disfun-
ção clínica com duração acima de 24 horas, de instalação
aguda ou subaguda e pico em dias ou semanas, seguidos
de remissão total ou parcial. Há algumas apresenta-
ções clínicas, como recorrente-remitente (forma mais
comum), primariamente progressiva, secundariamente
progressiva e recorrente progressiva. As principais Esclerose
múltipla
manifestações clínicas incluem neurite óptica (1º evento
desmielinizante em 20% dos pacientes com EM), mie-
lite transversa aguda, fadiga (presente em até 90%),
espasticidade, disfunção cognitiva, dor, sintomas uriná-
rios, constipação e intolerância ao calor (fenômeno de
Uhthoff). O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos
e radiológicos/laboratoriais, demonstrando dissemina-
ção no tempo e no espaço (evidência clínico-radiológica
de 2 ou mais lesões em locais diferentes e em momen-
tos diferentes, podendo ser apoiada pela presença de
bandas oligoclonais no exame de liquor). A ressonância
magnética pode mostrar lesões sugestivas, encontra-
das em regiões periventriculares, no corpo caloso, no
centro semioval, em estruturas profundas de substân-
cia branca, no tronco encefálico, cerebelo, medula e
núcleos da base. No tratamento da fase aguda, pode-se
utilizar metilprednisolona 1g/d IV, durante 3 a 5 dias; já
nas fases crônicas, ou em diferentes formas da doença,
outras drogas que podem ser usadas são fingolimode,
betainterferona-1b e 1a, natalizumabe, mitoxantrona,
ciclofosfamida, azatioprina e metotrexato. Outras doen-
ças desmielinizantes do SNC são a neuromielite óptica,
a encefalomielite disseminada aguda (ADEM) e a mielite
transversa.
esclerose múltipla 209
1. Introdução
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica complexa cuja
etiologia ainda não é totalmente conhecida, embora dados epidemio-
lógicos indiquem que fatores genéticos e ambientais sejam impor-
tantes para o seu surgimento. Trata-se de uma doença autoimune do
Sistema Nervoso Central (SNC) que afeta preferencialmente mulhe-
res jovens e é considerada autoimune, inflamatória, desmielinizante e
com degeneração axonal.
2. Epidemiologia
A EM é uma doença que afeta mais as mulheres, mas a razão para isso
não é conhecida. A média de instalação se dá aos 30 anos, sendo 5 anos
mais precoce na mulher em relação ao homem. A forma recorrente-remi-
tente tende a uma instalação mais antecipada, em torno de 25 a 29 anos,
enquanto a forma primariamente progressiva tem pico de instalação em
torno de 35 a 39 anos. A manifestação inicial acima dos 70 anos é muito
rara. A incidência e a prevalência variam consideravelmente no mundo,
e essa variação geográfica pode ser explicada por diferenças raciais (a
raça branca parece ser mais suscetível) e pela exposição ao sol, que se-
ria um fator protetor. Áreas consideradas com alta frequência incluem
Europa, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália. A preva-
lência nos Estados Unidos gira em torno de 100 por 100.000 (0,1%).
No Brasil, sua taxa de prevalência é de aproximadamente 15 casos por
cada 100.000 habitantes. Quanto maior a latitude, maior o risco, assim
a América do Sul é considerada região de baixa prevalência (Figura 1).
Alguns estudos observaram a associação da EM a outras doenças imu-
nomediadas, como a tireoidite autoimune. Além disso, pacientes com
outras doenças autoimunes parecem ter maior probabilidade de de-
senvolver EM ao longo da vida. Fatores genéticos parecem contribuir
na patogenia. Acredita-se que a presença do alelo HLA-DR2 e o poli-
morfismo do gene IL-7R aumentem o risco de EM. Parentes de 1º grau
têm, geralmente, risco de 10 a 25 vezes maior de desenvolvê-la em
comparação com a população em geral.
3. Fisiopatologia
A EM é uma doença heterogênea, com grande variação nas suas ca-
racterísticas clínicas e patológicas, sugerindo diferentes vias de lesão
tecidual. Inflamação, desmielinização e degeneração axonal são os
principais mecanismos patológicos que levam às manifestações clínicas
da doença, entretanto a causa da EM ainda é desconhecida. A teoria
mais aceita é que ela começa com uma alteração autoimune inflamató-
ria, mediada por linfócitos autorreativos. Com o tempo, a doença apre-
senta ativação das micróglias e neurodegeneração crônica. Evidências
que apoiam essa teoria são:
--Inflamação acompanhada de destruição da barreira hematoencefá-
lica, caracterizada como realce ao gadolínio na Ressonância Nuclear
Magnética (RNM), vista nos estágios precoces da doença;
--Células T inflamatórias, células B e macrófagos tipicamente vistos nos
exames histopatológicos de biópsia de lesões de EM;
--Aumento de IgG e IgM no liquor e na circulação periférica desses
pacientes;
--Redução da atividade da doença com o uso de imunomoduladores
que reduzem a resposta Th1 (exemplo: betainterferona), aumento
da resposta Th2 e Th3 (exemplo: acetato de glatirâmer) ou bloqueio
do movimento das células T através do sangue para dentro do SNC
(exemplo: natalizumabe).
Além disso, a perda da mielina e de oligodendrócitos e lesão axonal
são aspectos importantes da fisiopatologia. A progressão da doença
envolve a fase degenerativa, com atrofia cerebral e perda axonal. Essa
fase não está claramente relacionada com mecanismos imunes ou Figura 2 - Fisiopatologia da esclerose
inflamatórios. múltipla: (A) neurônio normal e (B)
desmielinização
4. Quadro clínico
A EM caracteriza-se, na maioria das vezes, por surtos, definidos como
disfunção clínica de instalação aguda ou subaguda que atinge seu pico
em dias ou semanas, seguidos de remissão total ou parcial. A duração
mínima de um surto foi estabelecida como de 24 horas. Sintomas clí-
nicos que duram menos do que isso, provavelmente, não representam
novas lesões ou piora de lesões prévias.
Existem alguns sinais, sintomas e outras manifestações ditas sugesti-
vas de EM, como:
--Neurite óptica: 1º evento desmielinizante em cerca de 20% dos pa-
cientes com EM e presente em 40% durante o curso da doença. Os
principais achados incluem manchas no campo visual (escotomas), dor
à movimentação ocular, diminuição do reflexo fotomotor e hiperemia
da papila óptica observada ao exame de fundo de olho;
--Síndrome cerebelar: caracteriza-se por sintomas axiais (marcha
ebriosa, nistagmo, fala escandida) e apendiculares (dismetria, disdia-
dococinesia e decomposição de movimentos), decorrentes de lesão
cerebelar ou de suas vias no tronco encefálico;
--Diplopia: lesão de vias específicas no tronco pode levar a alterações
da motricidade ocular extrínseca, causando desalinhamento dos
olhos e diplopia;
--Mielite transversa aguda: caracteriza-se pela associação da diminui-
ção da sensibilidade com nível sensitivo e da força, com exaltação dos
esclerose múltipla 211
B - Primariamente progressiva
Tipicamente, é progressiva desde a sua instalação e representa 10%
dos casos. O paciente apresenta um declínio das funções neurológicas
desde o início, sem surtos. Tende a ter instalação mais tardia e possui
pior prognóstico quando comparada à forma recorrente-remitente.
212 sic neurologia
C - Secundariamente progressiva
Inicia-se na forma recorrente-remitente, evoluindo para a forma pro-
gressiva com ou sem surtos ocasionais. Alguns estudos mostram que
a maioria dos pacientes com a forma recorrente-remitente evoluirá Quadro clínico
para a forma progressiva e desenvolverá incapacidade neurológica
O paciente com EM pode
significativa.
apresentar sintomas
D - Recorrente progressiva motores (espasticidade),
sensitivos (parestesia),
Caracteriza-se por ser progressiva desde o início, com presença clara autonômicos (inconti-
de surtos agudos, com ou sem recuperação total. A progressão conti- nência, constipação, dis-
nua durante o período entre as crises. função sexual), oculares
A Tabela 1 apresenta os sintomas clássicos da EM; a Tabela 2, as carac- (neurite óptica, diplopia,
terísticas clínicas sugestivas de EM; e a Tabela 3, os sintomas comuns. nistagmo), fadiga, dor,
intolerância ao calor etc.
Tabela 1 - Sintomas clássicos
- Sinal de Lhermitte: choque ou formigamento precipitado pela flexão do
pescoço;
- Perda sensitiva (parestesias): usualmente no início da doença;
- Medulares (motor): dores musculares secundárias a espasticidade;
- Medulares (autônomo): bexiga, intestino e sintomas de disfunção sexual;
- Mielite transversa parcial aguda;
- Cerebelares (tríade de Charcot): disartria, ataxia, tremor;
- Constitucionais: especialmente fadiga (70% dos casos) e tontura. Fadiga
deve ser diferenciada de depressão (que pode, no entanto, coexistir), falta
de sono, exaustão;
- Dificuldades subjetivas: capacidade de atenção, memória e julgamento;
- Depressão: sintoma comum;
- Euforia: menos comum do que a depressão;
- Distúrbio bipolar e demência franca: podem aparecer no final do curso da
doença, mas, por vezes, são encontrados no início;
- Oculares: oftalmoplegia internuclear, lesão do fascículo longitudinal me-
dial – diplopia e adução incompleta do olho; nistagmo no olhar horizontal;
- Neuralgia do trigêmeo: fraqueza facial bilateral ou dor no território do
trigêmeo;
- Mioquimia facial (espasmos dos músculos faciais): pode ser também um
sintoma inicial;
- Intolerância ao calor.
- Neurite óptica;
- Oftalmoplegia internuclear;
- Fenômeno de Uhthoff.
esclerose múltipla 213
5. Diagnóstico
O diagnóstico de EM é realizado por meio dos achados clínicos corro-
borados por exames subsidiários (RNM, liquor com pesquisa de bandas
oligoclonais e potenciais evocados). Para o diagnóstico, são necessários
achados que demonstrem disseminação no tempo e no espaço (Tabela
6), ou seja, evidências clínicas e nos exames subsidiários de que o pa-
ciente apresente pelo menos 2 lesões no sistema nervoso central que
tenham se instalado em momentos diferentes. Mesmo assim, em al-
guns casos, o achado de uma única lesão em um paciente de alto risco
também permite o diagnóstico de EM. O paciente típico é o indivíduo
jovem do sexo feminino, com 2 ou mais episódios de disfunção do SNC
(surtos), com resolução, no mínimo, parcial dos sintomas. A história e o
exame físico são os mais importantes para o diagnóstico, embora tes-
tes complementares o apoiem.
EM clinicamente definida
- 2 ou mais ataques e 2 lesões clínicas separadas;
Figura 3 - Alterações à ressonância magnética: (A) axial ponderada em T2 e (B) axial FLAIR – as imagens mostram múltiplas
lesões ovoides, com focos hiperintensos sugestivos de esclerose múltipla; (C) sagital FLAIR também mostra essas lesões perpen-
diculares ao corpo caloso, chamadas “lesões em chama de vela”; (D) T1 pré-contraste axial mostra que muitas dessas lesões são
hipointensas, consistentes com os buracos negros (“black holes”), e (E) T1 pós-gadolínio mostra que algumas dessas lesões realçam
consistentemente com lesões ativas
216 sic neurologia
Tabela 9 - Investigação
Exames laboratoriais
- Hemograma;
- Velocidade de hemossedimentação;
- Proteína C reativa;
- Vitamina B12;
- TSH;
- T4 livre;
- Líquido cerebrospinal;
- VDRL;
- Anti-HIV;
- Anti-Ro;
- Anti-La;
- Sorologia de hepatites;
- Sorologia de botulismo;
- Sorologia de doença de Lyme.
esclerose múltipla 217
Imunomoduladores
- Acetato de glatirâmer: aprovado para a forma recorrente-remitente, inclui
os pacientes que sofreram um 1º episódio clínico e têm características da
ressonância compatíveis com EM. Seu mecanismo de ação é desconhecido,
mas se acredita que modifique os processos imunes responsáveis pela pa-
togênese da EM;
- Fingolimode: trata-se do 1º tratamento oral para as formas recorrentes. Seu
mecanismo de ação terapêutica é desconhecido, mas parece ser fundamen-
talmente diferente dos demais medicamentos de EM. Sua atividade pode
envolver redução da migração de linfócitos para o SNC.
Corticosteroides
- Ajudam a reduzir a inflamação e aceleram a recuperação de recidivas agudas;
- Metilprednisolona: utilizada nos surtos, pode diminuir a inflamação e alte-
rar a expressão de algumas citocinas pró-inflamatórias;
- Dexametasona: utilizada para exacerbações agudas de EM, estabiliza as
membranas celulares e lisossomal, aumenta a síntese de surfactante e a
concentração de vitamina A e inibe as prostaglandinas e citocinas pró-infla-
matórias. É comumente utilizada para o tratamento da mielite transversa e
da encefalite aguda disseminada;
- Prednisona: evita ou suprime a inflamação e a resposta imune quando ad-
ministrada em doses terapêuticas. Suas ações incluem a inibição da infil-
tração de leucócitos no local da inflamação, a interferência na função de
mediadores de resposta inflamatória e a supressão das respostas imunitá-
rias humorais.
Plasmaférese
Pode ser utilizada em curto prazo para ataques severos se os esteroides
são ineficazes ou contraindicados. As diretrizes americanas de 2011 para
plasmaférese em doenças neurológicas categorizam-na como “provavel-
mente eficaz” como tratamento de 2ª linha para exacerbações reincidentes
de EM que não respondem a esteroides.
Antineoplásicos
- Mitoxantrona: aprovada para o tratamento das formas secundariamente
progressiva ou recorrente-remitente agressiva da EM, é utilizada para re-
duzir a incapacidade neurológica e/ou a frequência de recidivas clínicas em
paciente com EM secundariamente progressiva (de longo prazo), surto ou
agravamento da forma recorrente-remitente (ou seja, cujo estado neuro-
lógico é significativamente anormal entre as recidivas). Não está indicada
para o tratamento de pacientes com EM primariamente progressiva. A te-
rapia pode aumentar o risco de desenvolvimento secundário de leucemia
mieloide aguda e em pacientes com EM e com câncer. Conta com risco de
cardiotoxicidade (aumenta com a dose – efeito cumulativo);
- Ciclofosfamida: usada para o tratamento de EM progressiva, com evidência
mista de benefício. O agente não foi aprovado para a EM, mas foi usado sem
indicação em paciente com EM. Associa-se a leucemia, linfoma, infecção e
cistite hemorrágica.
Imunossupressores
- São capazes de suprimir as reações imunitárias, mas não foram aprovados
nos Estados Unidos para uso em EM;
- Azatioprina: é geralmente utilizada no tratamento de rejeições de trans-
plantes, artrite reumatoide, mas, na forma off label, para EM. Tem sido es-
tudada em ensaios clínicos e mostrou efeito modesto sobre as recaídas e a
progressão da doença;
- Metotrexato: interfere na síntese de DNA, no reparo e na replicação celular.
Inibe a diidrofosfato redutase, que participa da síntese de timidilato e puri-
nas nucleotídeos. Tem sido usado na forma off label para EM, por ter mos-
trado eficácia em retardar a progressão da insuficiência das extremidades
superiores entre pacientes com EM secundariamente progressiva.
esclerose múltipla 221
7. Prognóstico
A progressão da incapacidade funcional ocasionada pela EM é muito
variável, porém evidências apontam que, na maioria dos casos, é lenta.
A Expanded Disability Status Scale (EDSS), apresentada na Figura 5, é
comumente usada para mensurar o índice de incapacidade clínica.
A mortalidade é difícil de determinar, em razão da escassez de dados.
Sinais e sintomas
- Convulsões (5% dos casos);
Diagnóstico
- Com base em achados clínicos e elementos comprovativos de exames
complementares;
- Punção lombar: pode ser útil caso a RM não esteja disponível ou resulta-
dos de RNM não dão certeza. Deve ser pesquisada no liquor a presença de
bandas oligoclonais e produção de IgG intratecal.
Tratamento
Tem 2 aspectos: terapia imunossupressora e para alívio ou modificação
dos sintomas.
Surtos
- Metilprednisolona: pode acelerar a recuperação de um surto;
Falha terapêutica
- Considera-se quando o paciente apresenta surtos repetidos ou progressão
da incapacidade;
- Perda de eficácia do imunomodulador: manutenção ou aumento no núme-
ro ou na gravidade dos surtos; aumento de 1 ponto quando o EDSS é de
3 a 3,5 ou meio quando é de 6 ou mais pontos, persistentes por mais de 6
meses; piora cognitiva que interfere nas atividades da vida diária; lesões
com captação de gadolínio ou aumento do número de lesões em T2 em 2
ou mais RNMs separadas por pelo menos 3 meses, demonstrando ativida-
de persistente da atividade inflamatória da doença em pacientes com, no
mínimo, 12 meses de tratamento.
Síndrome clínica isolada (alto risco de conversão para EM)
- Essa definição clínica refere-se a pacientes com o 1º surto sugestivo de EM
(que dura pelo menos 24 horas), sem fechar todos os critérios diagnósticos
atuais da doença, mas que possuem ao menos 2 lesões típicas de EM à
RNM cerebral. Essas lesões são desmielinizantes, com pelo menos 1 ovala-
da, periventricular ou infratentorial, medindo ao menos 3mm de diâmetro;
- Nessa situação, o paciente deve ser investigado para os diversos diagnós-
ticos diferenciais, incluindo outras doenças autoimunes que acometem o
SNC, doenças paraneoplásicas e infecções crônicas do SNC.
Resumo
Quadro-resumo
- A EM é uma doença neurológica complexa e comum, considerada autoimune, inflamatória, com degeneração axonal
e desmielinizante;
- Acomete principalmente mulheres e adultos jovens;
- Pode apresentar-se em 4 padrões diferentes, sendo o mais comum a forma recorrente-remitente;
- Os sintomas iniciais mais comuns são alterações sensitivas (parestesias, hipoestesias ou hiperestesias), que podem
ocorrer em qualquer distribuição e, com frequência, são migratórios;
- O diagnóstico é eminentemente clínico. O paciente típico é o indivíduo jovem, com 2 ou mais episódios de disfunção
do SNC, com resolução no mínimo parcial dos sintomas;
- O tratamento pode ser dividido para a fase aguda e de manutenção. Para o 1º caso, ou seja, o surto, consiste no uso
da metilprednisolona 1g/d, IV, durante 3 a 5 dias;
- O tratamento da fase crônica envolve o uso de drogas imunomoduladoras, e, em pacientes com forma recorrente-
-remitente, pode-se usar gamaglobulina;
- Resposta terapêutica aos imunomoduladores nas formas recorrente-remitentes da EM pode ser avaliada pela
redução do número de surtos e pela progressão avaliada pelas escalas de incapacidade (EDSS). Recentemente,
constatou-se que o critério mais sensível na avaliação da resposta do tratamento baseia-se na detecção precoce
de progressão da doença, em vez da taxa de surtos, como preditor de prognóstico de acúmulo de incapacidades
neurológicas em longo prazo;
- A escala EDSS é um método de qualificar as incapacidades ocorridas durante a evolução da EM ao longo do tempo. A
EDSS quantifica as incapacidades em 8 sistemas funcionais: (1) piramidal; (2) cerebelar; (3) tronco cerebral; (4) sensitivo;
(5) vesical; (6) intestinal (7); visual e (8) mental. A escala avança de 0,5 em 0,5 ponto em uma escala de 0 a 10. Em grau de 1
a 4,5, os pacientes podem ter uma vida quase normal, no entanto, a partir de valores 5 até 9,5, a marcha está comprome-
tida, bem como outras funções. Zero corresponde a exame neurológico normal, e 10 corresponde à morte por EM.
Resposta
da questão do capítulo
1. E
Maria Aparecida Ferraz Mauro Augusto de Oliveira
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
12
O sono e a vigília são processos rigidamente regulados por meca-
nismos fisiológicos complexos. O sono normal é constituído pela
alternância dos estágios REM (Rapid Eye Movement) e não REM. O
sono não REM é caracterizado pela presença de ondas sincronizadas
no eletroencefalograma (EEG) e pode ser subdividido em 3 fases: está-
gio N1, N2 e N3 (N3 equivale ao sono de ondas lentas ou sono delta).
O EEG de sono REM é caracterizado por ondas dessincronizadas e de
baixa amplitude. A sincronização-dessincronização das ondas do EEG
Insônia e outros
do sono não REM e REM e vigília é consequência da atividade neural
nos circuitos talamocorticais. A insônia é o distúrbio do sono mais
comum, definida como incapacidade de um sono reparador, caracte-
rizando-se por dificuldade de dormir (em iniciar ou manter o sono) ou
distúrbios do
por acordar mais cedo; é aguda quando inferior a 30 dias ou crônica
se superior a 30 dias. O diagnóstico é clínico, e o tratamento envolve
o estudo completo de hábitos (diário do sono por 2 a 4 semanas) e
sono
doenças associadas (síndromes dolorosas, refluxo gastroesofágico,
ansiedade etc.), para poder avaliar melhores medidas de higiene
do sono, bem como associação medicamentosa (benzodiazepíni-
cos, ou não). As consequências diurnas são sintomas como fadiga,
dificuldade de memória e atenção com prejuízo social, escolar ou
ocupacional, irritabilidade, alterações do humor, sonolência diurna,
propensão a erros e acidente de trabalho, cefaleia e sintomas gas-
trintestinais. A sonolência diurna excessiva caracteriza-se quando o para diagnóstico. Os critérios diagnósticos incluem sonolência
indivíduo tem comprometimento da vigilância, ficando acordado na excessiva diurna associada a alterações na polissonografia com
maior parte do período de vigília diurna, com períodos de entradas múltiplos testes de latência do sono ou diminuição dos níveis de
de sono ou sonolência involuntária, o que geralmente reflete disfun- hipocretina-1 no liquor, e o tratamento da sonolência é realizado
ção orgânica, como hipotireoidismo ou anemia. Já a privação de sono com psicoestimulantes (gama-hidroxibutirato – GHB –, venlafa-
crônica constitui a causa mais comum de sonolência diurna excessiva, xina, fluoxetina, metilfenidato ou modafinila), enquanto, para a
sendo o prejuízo funcional cognitivo proporcional às necessidades cataplexia, se utilizam GHB ou selegilina. A hipersônia idiopática,
individuais, além de reduzir as capacidades cognitivas e de gerar um por sua vez, caracteriza-se por duração do principal episódio de
comprometimento importante da qualidade de vida do paciente. Há sono entre 12 e 14 horas, frequentemente seguido por dificuldade
3 tipos de eventos respiratórios patológicos durante o sono: apneias, de despertar pela manhã; inicia-se entre 15 e 30 anos, com pro-
hipopneias e Respiratory Effort-Related Arousal (RERA), todos eles gressão gradual ao longo de semanas a meses. As parassonias
detectados à polissonografia. As apneias são episódios de redução associadas ao sono não REM compreendem os despertares con-
do fluxo aéreo basal em mais de 90% com duração de 10 segundos fusionais, enurese, sonambulismo, sonilóquio, pesadelos, terror
ou mais. Hipopneia pode ser definida como um episódio de mais de noturno e bruxismo; sendo tratamento não farmacológico a 1ª
10 segundos com redução de 30 a 90% do fluxo aéreo basal e queda escolha e o uso de benzodiazepínicos ou antidepressivos tricícli-
de mais de 4% da saturação de oxigênio ou redução de mais de 50% cos a 2ª escolha. No transtorno comportamental do sono REM, há
do fluxo aéreo associada a queda de 3% da SatO2 ou a microdesper- perda da atonia muscular fisiológica do sono REM, o que permite
tar. Os RERAs são definidos por períodos de esforço respiratório atuação motora do sono. Cerca de 80% desses pacientes têm risco
elevado, com queda do fluxo aéreo, ronco em “crescendo”, EEG mos- de evolução para doenças neurodegenerativas como demência
trando microdespertar, mas que não preenchem critério para apneia por corpúsculos de Lewy e doença de Parkinson, após período
ou hipopneia. Na Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), o de até 20 anos do início dos sintomas. O tratamento é feito com
diagnóstico é feito quando há 5 eventos/hora de sono associados a doses baixas de clonazepam ou melatonina. A síndrome de Willis-
sintomas ou comorbidades ou 15 eventos obstrutivos/hora de sono -Ekbom, antigamente chamada síndrome das pernas inquietas,
detectados pela polissonografia, sem outros sintomas. Dentre os caracteriza-se por sensação desagradável nos membros inferio-
principais sintomas, observam-se sonolência ou fadiga diurna, sono res à noite, com necessidade de movimentá-las ou estimulá-las,
não reparador, insônia e despertares noturnos por sensação de sendo o diagnóstico baseado em 4 critérios (necessidade impe-
sufocamento. Já a narcolepsia é uma síndrome clínica rara, de início riosa de mexer as pernas, sintomas que se iniciam no período de
na 1ª década de vida até os 50 anos, associada ou não à cataplexia repouso, alívio após movimento e padrão circadiano com exacer-
(perda de tônus muscular antigravitacional após reação emocio- bação dos sintomas à noite). Pode ser vista em insuficiência renal
nal). Ocorre por degeneração do neurônio hipotalâmico secretor de crônica, neuropatias periféricas, deficiência de ferro, anemias e
orexina/hipocretina, havendo combinação de sonolência diurna e lesões neurológicas. O tratamento em crianças e adultos pode ser
manifestações do sono REM (atonia de musculatura antigravitacio- feito, excluída a deficiência de ferro, com agonistas dopaminérgi-
nal, produção intensa de sonhos, ativação cortical e alterações de cos (levodopa, pramipexol, cabergolina), pregabalina, valproato,
ativação catecolaminérgica). A duração mínima deve ser de 3 meses gabapentina, opioides e carbamazepina nas síndromes primárias.
insônia e outros distúrbios do sono 227
É feita por áreas críticas do cérebro que incluem o núcleo tuberomamilar (NTM) no hipotálamo
posterior. O NTM contém neurônios histamínicos, que auxiliam na excitação do tronco cerebral,
como o Locus Coeruleus (LC – norepinefrina), os núcleos dorsais da rafe (DRN – serotonina), a
Área Tegmental Ventral (ATV – dopamina) e o prosencéfalo basal (acetilcolina). Esses centros de
Promoção excitação do tronco cerebral projetam-se difusamente para as áreas corticais para promover a
da vigília excitação. O NTM também inibe as áreas de promoção do sono, como o hipotálamo anterior, da
mesma forma que as regiões de alerta do tronco cerebral. A adenosina, um neurotransmissor,
acumula-se no cérebro durante a vigília prolongada e inibe as regiões de promoção do despertar
do hipotálamo posterior e do prosencéfalo basal, onde a acetilcolina também se projeta difusa-
mente para áreas corticais e o NTM para promover vigília.
3. Insônia
A insônia é o distúrbio do sono mais frequente (35% queixam-se de alte-
ração do sono e 10% têm insônia persistente) e pode ser um fator agra-
vante de outras doenças associadas. Pode ser caracterizada, com relação
à quantidade do sono, como uma dificuldade em iniciar ou mantê-lo, ou
ainda por um tempo mais curto do que o desejado para dormir quando
as circunstâncias permitem. Quanto à qualidade do sono, é definida por
uma incapacidade em ter um sono reparador, resultando em alguma
forma de prejuízo durante o dia. Pode ser aguda, com menos de 30 dias,
ou crônica, com duração superior a 1 mês; primária (1/3) ou secundá-
ria (mais frequente, ligada a doenças clínicas ou psiquiátricas em 50%).
Os critérios diagnósticos para insônia crônica estão relacionados na Ta-
bela 2. Habitualmente, a insônia crônica primária não costuma ser grave
230 sic neurologia
Dica
0 1 2 3
trânsito.
Observação: pontuação >10, sonolência excessiva, e >15, sonolência
São drogas que levam patológica.
a insônia: lamotrigina,
Também é importante questionar sobre o uso de medicações que
bupropiona, fluoxetina,
possam causar insônia (como lamotrigina, bupropiona, fluoxetina,
venlafaxina, betablo- venlafaxina, betabloqueadores, broncodilatadores, esteroides, metan-
queadores, broncodilata- fetamina) e caracterizar os hábitos relacionados ao sono. Também é
dores e esteroides. importante abordar as doenças cardiopulmonares, síndromes doloro-
sas crônicas, distúrbios psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de
drogas) e refluxo gastroesofágico.
232 sic neurologia
Figura 4 - Diferenças anatômicas na via aérea de pacientes: (A) normal e (B) apneia.
No paciente com apneia, o menor calibre da via aérea favorece o surgimento de
eventos obstrutivos
Fonte: Neurology and Clinical Neuroscience, 2007.
A - Narcolepsia
Trata-se de uma síndrome clínica rara (de 0,02 a 0,16%), com início da 1ª
década de vida até 50 anos. A narcolepsia é uma doença que se carac-
Dica
teriza por sonolência diurna excessiva associada a cataplexia, alucina- Na cataplexia, observa-se
ções hipnagógicas (na transição da vigília ao sono) ou hipnopômpicas
perda do tônus da muscu-
(transição do sono à vigília), paralisia do sono e fragmentação do sono,
decorrente da degeneração do neurônio hipotalâmico secretor de latura antigravitacional
orexina/hipocretina. Associação a HLA-DR2 em japoneses e HLA- sem perda de consciência
-DQB1*0602 em afro-americanos com narcolepsia foi descrita. Há, por- após reação emocional,
tanto, combinações entre sonolência diurna e manifestações do sono como riso, choro ou
REM (atonia de musculatura antigravitacional, produção intensa de so- tristeza.
nhos, ativação cortical e alterações de ativação catecolaminérgica).
Os episódios de sonolência são incontroláveis, e o cochilo faz o paciente
recuperar sua energia. A cataplexia envolve a perda do tônus da mus-
culatura antigravitacional após reação emocional, como riso, choro ou
tristeza. Normalmente, a perda de tônus é focal, na região cervical,
mandibular ou dos joelhos, de curta duração e sempre com manuten-
ção da consciência. Corresponde à atonia observada durante o sono
REM, mas que acontece durante a vigília nesses pacientes.
Há paralisia do sono (despertar com atraso de reversão da atonia mus-
cular), alucinações no início ou no final do sono (alucinações hipnagó-
gicas e hipnopômpicas, respectivamente) e entrada precoce de sono
REM. Os critérios diagnósticos da American Academy of Sleep Medicine
(AASM) dividem a narcolepsia em tipos 1 e 2 (Tabela 5). Nesses critérios,
estão incluídos achados de um exame auxiliar à polissonografia. Esse
exame, chamado de Múltiplos Testes de Latência do Sono (MTLSs), con-
siste na análise de 5 cochilos diurnos por 20 minutos precedidos de
uma polissonografia de noite inteira. A polissonografia é fundamental
para afastar distúrbios ou doenças do sono, além de privação aguda
do sono. Segundo a ICSD-3, os pacientes com narcolepsia devem apre-
sentar nos MTLSs a média das latências menores ou iguais a 8 minutos,
além de 2 ou mais cochilos diurnos com episódios de sono REM, ou uma
latência de REM na polissonografia menor do que 15 minutos.
insônia e outros distúrbios do sono 237
Terminal ou tardia
Os pacientes constantemente acordam mais cedo que o necessário, e esse
sintoma está frequentemente associado a depressão maior.
Alterações do ciclo vigília–sono
Pode ser um sinal de distúrbios do ritmo circadiano, como os causados por
“jet lag” e trabalhos por turno.
Síndrome da fase atrasada do sono
- O paciente é incapaz de adormecer até de manhã muito cedo;
- Como o tempo passa, o início do sono se torna progressivamente adiado.
Sonambulismo
Compõe-se de episódios de comportamento complexos (andar e/ou falar
dormindo) durante a fase não REM (estágios 3 e 4).
Pesadelos
- São despertares do sono causados por sensações vivas e angustiantes
de sonhos;
- Ocorrem geralmente durante a 2ª metade do período do sono;
- Após o despertar do sonho, a pessoa retorna rapidamente ao tempo e lugar.
Terror noturno
- Episódios recorrentes de despertar abrupto do sono caracterizado por
grito ou pânico, com medo intenso e excitação autonômica;
- O indivíduo geralmente não tem recordação dos detalhes do evento e não
responde durante o episódio;
- Os episódios ocorrem durante o 1º terço da noite.
Hipersônia ou sonolência diurna excessiva
Muitas vezes é atribuível a privação de sono em curso ou má qualidade
do sono, decorrentes de causas variando de apneia do sono ou abuso de
substâncias ou problemas clínicos.
Apneia obstrutiva do sono
- É um distúrbio que envolve a interrupção ou diminuição significativa do
fluxo de ar na presença de esforço respiratório;
- É o tipo mais comum de distúrbio respiratório do sono;
- É caracterizada por episódios recorrentes de colapso das vias aéreas supe-
riores durante o sono;
- Os episódios estão associados a dessaturação da oxi-hemoglobina e recor-
rentes despertares do sono.
Sintomas noturnos
- Ronco (alto);
- Episódios de apneias, que interrompem o ronco acompanhado de suspiro;
- Sensações ofegantes e de asfixia que despertam o paciente durante o sono;
- Noctúria;
- Insônia e sono agitado que levam a despertares frequentes durante a noite.
Sintomas diurnos
- Sono não reparador;
- Cefaleia matutina;
- Sonolência diurna excessiva – com a gravidade, começa-se a sentir sono
durante atividades diárias (escola, trabalho, dirigir veículos);
- Déficits cognitivos (memória, concentração);
- Confusão matutina;
- Alterações de personalidade e humor (depressão e ansiedade);
- Disfunção sexual (impotência e diminuição da libido);
- Refluxo gastroesofágico;
- Hipertensão.
240 sic neurologia
7. Parassonias
A - Parassonias do sono não REM
Trata-se de sintomas ou comportamentos anormais associados ao
sono; há interposição entre o sono não REM e os seguintes sintomas:
despertares confusionais, enurese, sonambulismo, sonilóquio, pesade-
los, terror noturno e bruxismo. Em crianças, a prevalência varia de 1 a
17%; em adultos, 4%.
As principais parassonias do sono não REM são o sonambulismo e o
terror noturno. O sonambulismo é caracterizado por olhar vago e mo-
vimento de caminhar de início súbito, com duração de 10 a 30 minutos.
O indivíduo mostra-se confuso ou agressivo quando acordado. Há his-
tória familiar positiva (10 a 25% dos casos), e a prevalência é de até 15%
entre 4 a 12 anos (pico aos 5 anos), com curso autolimitado (desaparece
por volta dos 10 anos), sendo raro em adultos. A polissonografia mos-
tra transição abrupta do sono profundo para um padrão de estado de
vigília de ondas lentas. O terror noturno inicia-se na infância (3%), de
apresentação benigna e transitória, que tende a desaparecer na ado-
lescência, sendo raro em adultos. Tipicamente, a criança acorda com
grito e semblante de terror, choro, com medo incontrolável, sinais de
atividade autonômica e, ao despertar, amnésia para o episódio. Acon-
tece durante a fase N3 do sono não REM.
Essas parassonias são tratadas apenas em casos de consequências do
comportamento, lesões físicas ou prejuízo social. Os antidepressivos
tricíclicos são a 1ª escolha. Às vezes, pode ser necessária a videopolis-
sonografia associada à eletroencefalografia para o diagnóstico diferen-
cial de epilepsia.
a) terror noturno
b) pesadelo
c) epilepsia
d) mioclonia hípnica
e) síndrome de Münchhausen
Resposta no final do capítulo
insônia e outros distúrbios do sono 243
Resumo
Quadro-resumo
- A insônia é o distúrbio do sono mais frequente e pode ser um fator agravante de outras doenças associadas;
- O diagnóstico de insônia é clínico, sendo importante questionar o uso de medicações que podem causá-la e
caracterizar os hábitos relacionados ao sono, além de abordar doenças cardiopulmonares, síndromes dolorosas
crônicas, distúrbios psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de drogas) e refluxo gastroesofágico;
- As consequências diurnas da insônia são queixas de fadiga, dificuldade de memória e atenção, com prejuízo social,
escolar ou ocupacional, irritabilidade, alterações do humor, sonolência diurna, propensão a erros e acidente de
trabalho, cefaleia e sintomas gastrintestinais;
- A privação crônica do sono é a causa mais comum de SED;
- A SPI é uma entidade subdiagnosticada e com tratamentos efetivos, caracterizada por sensações desagradáveis e
uma vontade impetuosa de movimentação, dos membros inferiores, principalmente;
- A apneia obstrutiva do sono caracteriza-se por pausas respiratórias recorrentes por mais de 10 segundos, secundá-
rias à obstrução das vias aéreas durante o sono. O diagnóstico é feito por polissonografia.
Transtornos do sono
Transtornos primários: podem resultar em distúrbios endógenos na geração ou tempo de mecanismo de sono–
vigília, muitas vezes complicados por condicionamentos comportamentais. Podem ser divididos em 2 categorias:
parassonias – experiências ou comportamentos durante o sono, incluindo distúrbios do sono, terror e sonam-
bulismo (durante o estágio 4) e transtornos de pesadelo (durante o sono REM) – e dissonias, caracterizadas por
anormalidades na quantidade e qualidade do sono, que incluem insônia primária e hipersônia, narcolepsia, respira-
ção com distúrbio do sono (ou seja, apneia do sono) e distúrbio do sono por transtorno do ritmo circadiano.
Insônia
- Primária: não ocorre durante o curso do sono ou de outro transtorno nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de
uma substância ou de uma condição médica geral;
- Secundária: é causada por algum fator identificável (geralmente uma condição médica ou psicológica) e apresenta
prevalência significativamente maior do que a da insônia primária.
Causas comportamentais
Depressão, ansiedade, estressores vitais, mania ou hipomania, causas ambientais, barulho, “jet lag”, sesta durante
o dia, trabalho noturno, alimentação e/ou exercício antes de dormir, consumo de álcool ou de cafeína
Narcolepsia
- Imagina-se resultar de predisposição genética, funcionamento anormal do neurotransmissor e sensibilidade e mo-
dulação imune anormal;
- Também são características comuns da narcolepsia:
· Tendência a tirar sonecas curtas durante o dia, as quais podem ser acompanhadas por sonhos;
· Problemas para dormir à noite;
· Comportamentos compulsivos noturnos (transtorno alimentar, relacionado ao sono, e tabagismo noturno);
· Obesidade.
Sonolência - Deve estar presente durante por, pelo menos, 3 meses para justificar o diagnóstico;
diurna - A forma grave leva a sonolência involuntária durante atividades como dirigir, comer ou falar;
excessiva
- Sonolência pode ser grave e constante, com paroxismos de adormecer sem aviso prévio (ou
seja, ataques de sono).
- Se grave e generalizada, pode causar queda;
Cataplexia
(perda breve e - Formas mais sutis existem somente com perda do tônus (aceno de cabeça e dobramento do
súbita do tônus joelho);
muscular) - Movimentos respiratórios e oculares preservados;
- Geralmente desencadeada por emoções (especialmente riso ou raiva).
Alucinações - Hipnagógicas: transição vigília–sono;
hipnagógicas e
hipnopômpicas - Hipnopômpicas: transição sono–vigília.
- Normalmente o paciente é incapaz de mover-se ao acordar;
- Menos comumente, o paciente é incapaz de mover-se próximo ao adormecer, com consciência
intacta;
Diagnóstico
- Narcolepsia tipo 1: presença de SED há mais de 3 meses, com cataplexia e MTLSs mostrando latência média para
início do sono de até 8 minutos e presença de SOREMPs em 2 ou mais episódios de sono, ou níveis baixos de hipo-
cretina-1;
- Narcolepsia tipo 2: presença de sonolência excessiva diurna há mais de 3 meses, ausência de cataplexia, presença
de MTLSs mostrando latência média para início do sono de até 8 minutos e presença de SOREMPs em 2 ou mais
episódios de sono, ou níveis baixos de hipocretina-1 caso ela tenha sido medida.
insônia e outros distúrbios do sono 245
- Síndrome da apneia obstrutiva do sono: a obstrução na via aérea concomitantemente ao esforço respiratório con-
tínuo com inadequada ventilação. Nas apneias obstrutivas, o fluxo aéreo é impedido pelo colapso das vias aéreas
superiores, apesar dos esforços repetidos para restabelecer a respiração. Esses eventos, frequentemente, resultam
em redução da saturação sanguínea de oxigênio e despertares associados ao seu término. Sintomas mais comuns
são: cansaço ao acordar, sensação de sono não reparador e SED. Presença de roncos, episódios de engasgo ou
parada respiratória, além de movimentos frequentes que interrompem o sono;
- Síndrome da hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono causadas por condições médicas: doenças do parênqui-
ma e vasculatura pulmonar, obstrução de vias aéreas inferiores e doenças neuromusculares da caixa torácica;
- Apneia do sono: diminuição importante da respiração por 10 ou mais segundos. As apneias podem ser classificadas
como obstrutivas, mistas ou centrais.
Resposta
da questão do capítulo
1. A
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini
13
Os tumores cerebrais primários são neoplasias que se
originam de diferentes células do sistema nervoso cen-
tral e incluem estruturas como o parênquima cerebral,
as meninges, os nervos cranianos e outras estruturas
intracranianas (como hipófise e glândula pineal). Já os
tumores secundários são oriundos de metástases para
o sistema nervoso central. Os tumores cerebrais podem
produzir, de maneira geral, sinais e sintomas por invasão
Tumores
cerebral local, compressão das estruturas adjacentes
e aumento da pressão intracraniana. A cefaleia é uma
manifestação comum entre indivíduos com tumor cere-
do sistema
bral. As características que sugerem que uma cefaleia
ocorra devido a um tumor cerebral são a presença de
náuseas e vômitos, alterações ao exame neurológico,
piora à manobra de Valsalva e mudança do padrão
nervoso
anterior da dor, sendo um pouco menos frequentes as
alterações visuais, disfunções neurocognitivas, fraqueza
e afasia. Os tumores primários podem ser divididos,
com relação à velocidade de crescimento, em benignos
e malignos. Entre os benignos, os mais frequentes são o
meningioma e o neurinoma do acústico, apresentando
um crescimento lento. Alguns tumores podem ocorrer
no contexto de uma síndrome neurocutânea, incluindo a
esclerose tuberosa ou doença de Bourneville (epilepsia
mioclônica, adenomas sebáceos, fibromas subungueais/
periungueais), a síndrome de Sturge-Weber (mancha
facial unilateral, buftalmia, glaucoma ipsilateral, epilep-
sia focal) e a neurofibromatose (neurofibromatose tipo
I: manchas café-com-leite na pele, nódulos de Lisch na
íris e neurofibromas cutâneos; neurofibromatose tipo II:
neurinomas do VIII nervo bilaterais). Os tumores malig-
nos, de crescimento rápido, incluem o astrocitoma, o
glioblastoma e o meduloblastoma, sendo o astrocitoma
o de comportamento mais agressivo. As metástases
cerebrais, embora sejam ditos tumores secundários, são
as mais frequentes na prática clínica e têm, como fon-
tes principais, pulmão, mama, rim, trato gastrintestinal
e melanoma.
tumores do sistema nervoso 247
1. Epidemiologia e classificação
Tumores primários correspondem a um grupo variado de neoplasias
que se originam de diferentes células do Sistema Nervoso Central
(SNC). Embora sejam incomuns, há evidências de que sua incidência te-
nha aumentado nos últimos 50 anos. Nos Estados Unidos, em adultos,
entre 2004 e 2007, a incidência girou em torno de 24,6 por 10.000 pes-
soas, 1/3 correspondente a tumores malignos. Apesar de corresponder
a somente 2% de todos os cânceres, esses tumores provocam grandes
taxas de mortalidade e morbidade.
A classificação mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS)
cita mais de 150 tipos diferentes de tumores cerebrais primários, divi-
didos em 17 categorias (Tabela 1). Aqui, dividiremos os mais frequentes
em primários (benignos e malignos) e secundários (metástases para o
SNC).
Os primários incluem tumores do parênquima cerebral, das meninges,
dos nervos cranianos e de outras estruturas intracranianas (como hi-
pófise e glândula pineal).
Tumores ependimários
- Subependimoma;
- Ependimoma mixopapilar;
- Ependimoma (papilar, de células claras, tanicítico);
- Ependimoma fusão RELA-positiva;
- Ependimoma anaplásico.
248 sic neurologia
Outros gliomas
- Glioma cordoide do III ventrículo;
- Glioma angiocêntrico;
- Astroblastoma.
Tumores do plexo coroide
- Papiloma do plexo coroide:
· Papiloma do plexo coroide atípico;
· Carcinoma do plexo coroide.
Tumores neuronais e neuronais/gliais mistos
- Tumor neuroepitelial disembrioplásico;
- Gangliocitoma;
- Ganglioglioma;
- Ganglioglioma anaplásico;
- Gangliocitoma cerebelar displásico (doença de Lhermitte-Duclos);
- Ganglioglioma e astrocitoma infantil desmoplásico;
- Tumor papilar glioneural;
- Tumor glioneural formador de roseta;
- Tumor glioneural leptomeníngeo difuso;
- Neurocitoma central;
- Neurocitoma extraventricular;
- Liponeurocitoma extraventricular;
- Paraganglioma.
Tumores da região pineal
- Pineocitoma;
- Tumor do parênquima pineal de diferenciação intermediária;
- Pineoblastoma;
- Tumor papilar da região pineal.
Tumores embrionários
- Meduloblastomas geneticamente definidos (WNT-ativados, SHH-ativados
e TP53 mutantes, SHH-ativados e TP53 tipo selvagem, não WNT e não
SHH (grupos 3 e 4);
- Meduloblastomas histologicamente definidos (clássico, desmoplásico/no-
dular, com nodularidade extensa, anaplásico/de grandes células);
- Meduloblastomas sem outra especificação;
- Tumor embrionário com rosetas em multicamadas (C19MC alterado, sem
outra especificação);
- Meduloepitelioma;
- Neuroblastoma do SNC;
- Ganglioneuroblastoma do SNC;
- Tumor embrionário do SNC sem outra especificação;
- Tumor teratoide/rabdoide atípico;
- Tumor embrionário do SNC com aspectos rabdoides.
tumores do sistema nervoso 249
Tumores melanocíticos
- Melanocitose meníngea;
- Melanocitoma meníngeo;
- Melanoma meníngeo;
- Melanomatose meníngea.
Linfomas
- Linfoma difuso de grandes células B do SNC;
- Linfomas do SNC associados a imunodeficiências (linfoma difuso de gran-
des células B associado a AIDS, linfoma difuso de grandes células B EBV
positivo sem outra especificação, granulomatose linfomatoide);
- Linfoma de grandes células B intravascular;
- Linfoma de grandes células B de baixo grau;
- Linfoma de células T e de células T/NK do SNC;
- Linfoma de grandes células anaplásicas ALK-positivo;
- Linfoma de grandes células anaplásicas ALK-negativo;
- Linfoma MALT da dura.
Tumores histiocíticos
- Histiocitose de células de Langerhans;
- Doença de Erdheim-Chester;
- Doença de Rosai-Dorfman;
- Xantogranuloma juvenil;
- Sarcoma histiocítico.
Tumores de células germinativas
- Germinoma;
- Carcinoma embrionário;
- Tumor de saco embrionário;
- Coriocarcinoma;
- Teratoma (maduro, imaturo);
- Teratoma com transformação maligna;
- Tumor misto de células germinativas.
Tumores da região selar
- Craniofaringioma (adamantinomatoso, papilar);
- Tumor de células granulares da região selar;
- Pituicitoma;
- Oncocitoma de células fusiformes.
Tumores metastáticos
Fonte: OMS, 2016.
Quadro clínico
2. Quadro clínico
O quadro clínico dos tu-
Os tumores cerebrais podem produzir sinais e sintomas por invasão ce- mores cerebrais envolve
rebral local, compressão das estruturas adjacentes e aumento da pres- cefaleia, crises convul-
são intracraniana. A avaliação de um paciente com suspeita de tumor sivas, náuseas e vômitos,
cerebral requer história detalhada, exame neurológico e exame de neu- disfunção neurocogni-
roimagem. Pacientes com tumor cerebral podem se apresentar com si- tiva, fraqueza, afasia e
nais e sintomas generalizados ou focais.
disfunção visuoespacial.
A cefaleia é uma manifestação comum entre indivíduos com tumor ce-
rebral (48% dos casos) e é considerada o pior sintoma por metade dos
tumores do sistema nervoso 251
Quadro clínico
O quadro clínico do neu- Figura 4 - Anatomia do nervo vestibulococlear
rinoma acústico envolve
redução da acuidade A apresentação clínica associa-se ao envolvimento do VIII nervo cra-
auditiva (95%), zumbido niano, à compressão cerebelar ou à progressão do tumor. O quadro
(63%), desequilíbrio, clínico caracteriza-se por redução da acuidade auditiva (95% dos ca-
parestesia, dor facial sos), zumbido (63%), desequilíbrio, parestesia, hipoestesia, dor facial
(por acometimento do V nervo), paresia facial (por envolvimento do VII
(acometimento do V
nervo – 6% dos casos) e ataxia. Se houver compressão das estruturas
nervo), paresia facial da fossa posterior, o paciente pode apresentar hidrocefalia e evoluir
(envolvimento do VII com cefaleia, sonolência e outros sinais de hipertensão intracraniana.
nervo) e ataxia.
Microscopicamente, os tumores são compostos de fibras de Antoni A
(células bipolares estreitas e alongadas) e B (reticuladas frouxas).
C - Adenoma de hipófise
Trata-se da causa mais comum de massa selar a partir da 3ª década de
vida, correspondendo a 10% de todas as neoplasias intracranianas. São
tumores benignos da hipófise anterior, ocorrem em ambos os sexos e
podem ser divididos pela função endócrina e pelo tamanho.
Tabela 3 - Classificação
- Não funcionais.
- Macroadenomas (>10mm):
· Grau I: até 10mm;
· Grau II: aumento de volume com expansão da sela túrcica e sem erosão
óssea;
· Grau IIa: aumento de volume com lesão localizada;
· Grau III: aumento de volume com lesões ósseas múltiplas;
· Grau IV: aumento importante da sela túrcica com perda dos seus limites.
A - Glioma
Corresponde a um grupo de neoplasias primárias do SNC proveniente
das células da glia (astrócito, oligodendrócito) e que se expressa por
diversos graus de agressividade. As de baixo grau são chamadas glio-
mas de baixo grau, e os tumores de rápida progressão, gliomas de alto
grau. Os de baixo grau são menos comuns, correspondendo a 1/5 dos
gliomas do SNC.
- Astrocitoma pilocítico;
- Oligodendroglioma;
- Oligoastrocitoma misto.
- Xantoastrocitoma pleomórfico;
- Ganglioglioma;
- Astroblastoma;
- Subependimoma.
a) Astrocitoma pilocítico
Tem crescimento lento, geralmente bem demarcado, e é frequente-
mente cístico e curável, se completamente retirado, com prognóstico
Dica
favorável para a maioria. O objetivo da cirurgia, portanto, é retirá-lo O astrocitoma pilocítico
completamente. Ocorre principalmente entre crianças e adultos jovens possui crescimento
e, geralmente, cresce no hemisfério cerebelar e em volta do III ventrí- lento, cístico e curável, se
culo. Sua transformação para maligno de alto grau acontece em menos
completamente retirado;
de 5% dos casos.
acomete crianças e
Tende a ser de linha média e pode causar sintomas associados a esse adultos jovens, com cres-
local. Um grande tumor cerebelar pode causar hidrocefalia obstrutiva cimento principalmente
e o paciente apresentar dor de cabeça e letargia. Também pode haver
no hemisfério cerebelar e
história de desequilíbrio, queda ou incoordenação. Tumores pilocíticos
em torno do III ventrículo,
no tronco cerebral causam déficits neurológicos secundários ao com-
prometimento do tronco cerebral, enquanto os do hipotálamo causam tendendo a ser de linha
uma variedade de problemas endócrinos, como hipernatremia. Sin- média. Pode haver calci-
tomas do tronco cerebral podem incluir visão dupla ou paresia facial, ficação e hemorragia.
enquanto pessoas com tumores do nervo óptico podem apresentar dé-
ficit visual.
tumores do sistema nervoso 257
c) Astrocitoma anaplásico
Trata-se de um tumor com alta taxa
de mitose, com atipia nuclear, porém
sem proliferação endotelial ou ne-
crose. Apresenta evolução bastante
agressiva e prognóstico reservado.
Seu tratamento, como todo glioma
de alto grau, consiste em combinar a
máxima ressecção cirúrgica com pos-
terior radioterapia e quimioterapia
adjuvante.
Figura 10 - Ressonância de tí-
pico astrocitoma de baixo grau
frontal (seta), cujo sintoma de Figura 11 - Astrocitoma anaplásico
apresentação é epilepsia em tomografia
258 sic neurologia
d) Glioblastoma
O GB é um tumor pleomórfico, com atividade celular e proliferação mi-
crovascular ou necrose. É o 2º tipo de tumor cerebral primário mais
comum, correspondente a 15% de todos os tumores contra 36% dos
meningiomas. Corresponde, ainda, a 55% de todos os gliomas, sendo
também o tumor mais agressivo do sistema nervoso, com prognóstico
ruim e sobrevida média de 2 anos. Além disso, é mais frequente em
adultos entre 35 e 70 anos.
O GB ocorre, mais habitualmente, na substância branca subcortical dos
hemisférios cerebrais. A localização combinada frontotemporal é par-
ticularmente típica. A infiltração do tumor, muitas vezes, se estende
para o córtex adjacente ou os gânglios da base. Quando um tumor no
Importante
córtex frontal se espalha através do corpo caloso para o hemisfério O glioblastoma é o 2º
contralateral, que cria a aparência de uma lesão bilateral simétrica, tumor primário do
surgindo o termo “glioma em asa de borboleta”. Locais menos frequen- sistema nervoso central
tes são tronco cerebral (muitas vezes encontrado em crianças), cere- mais comum (15%) e o
belo e medula espinal. mais agressivo, com idade
Claramente são necessárias novas abordagens para o tratamento do média de 35 a 70 anos
GB. O tratamento cirúrgico deve visar à remoção mais completa possí- e sobrevida média de 2
vel da lesão, dentro dos limites de dano neurológico. A associação en- anos, principalmente na
tre temozolomida e radioterapia aumenta a sobrevida de 12,1 para 14,6 substância branca sub-
meses. Um maior número de pacientes em estudos clínicos gera novas cortical dos hemisférios,
informações sobre terapias em investigação. Novas abordagens, como
sendo a região frontotem-
terapia gênica e imunoterapia, bem como métodos aperfeiçoados para
poral a mais acometida.
o surgimento de terapias antiproliferativa, antiangiogênica e não inva-
siva, são auspiciosos.
e) Oligodendrogliomas
Dica
São classificados como graus II e III quando anaplásicos e correspon-
dem a 5% dos tumores primários do SNC, apresentando crescimento
infiltrativo e lento.
Os oligodendrogliomas
Habitualmente, apresentam-se com crises convulsivas, e calcifica-
apresentam citoplasma
ções são comuns. Possuem características histológicas clássicas de
“em ovo frito” e vascu- citoplasma “em ovo frito” e vascularização “em tela de arame”. Seu
larização “em tela de tratamento envolve cirurgia para alguns, quimioterapia para todos e
arame”. radioterapia para transformação anaplásica.
Seu bom prognóstico em relação a outros tumores do parênquima pro-
vavelmente se deve ao comportamento biológico menos agressivo e a
uma resposta favorável à quimioterapia, um recente achado com base
em característica genética.
Figura 13 - Oligodendroglioma
Figura 14 - Meduloblastoma
a) astrocitoma e
oligodendroglioma
b) glioblastoma e metástase
c) ganglioglioma e
xantoastrocitoma
d) ependimoma e astroblastoma
Resposta no final do capítulo
Figura 16 - Metástase no sistema nervoso central
tumores do sistema nervoso 263
6. Apêndice
- Tumores medulares
De todos os tumores da coluna, 20 a 40%
são benignos. Em pacientes acima dos 21
anos, 70% dos tumores são malignos, tendo
uma predileção por pacientes jovens entre a
2ª e a 3ª décadas de vida (60%). Lesões ma-
lignas ocorrem mais anteriormente (76%),
enquanto, tipicamente, as lesões benignas
ocorrem nos elementos posteriores.
Figura 18 - (A) Intradurais intramedulares; (B) intradurais extrame-
dulares (justamedulares) e (C) extradurais Tumores raquimedulares podem ser divi-
didos, quanto à sua topografia, em cervi-
cais, torácicos e lombossacrais; e quanto à sua distribuição em relação
ao plano da dura-máter, em extra ou intradurais. Os intradurais po-
dem, ainda, ser divididos em extramedulares (justamedulares) ou
intramedulares.
a) Quadro clínico
Os tumores da medula espinal causam, frequentemente, sintomas
devido à compressão da própria medula e das raízes nervosas emer-
gentes. A pressão sobre a raiz nervosa pode causar dor, perda de sensi-
bilidade, formigamento e disestesia. A dor é o principal sintoma (90%).
A pressão sobre a medula pode causar espasmos, flacidez, sintomas
deficitários da função motora (paresia ou plegia) ou sensitiva (pareste-
sias, hipo ou anestesia). O tumor pode, também, provocar dificuldade
de micção, incontinência urinária ou obstipação (ver síndromes medu-
lares). Um exame neurológico detalhado deve ser realizado para deter-
minar, caso exista, nível segmentar de lesão, tendo importante papel
em caso de metástase, principalmente porque esta acomete a coluna
em vários níveis.
b) Diagnóstico
Existem vários procedimentos que permitem chegar ao diagnóstico de
um tumor da medula espinal. Mesmo quando uma radiografia da co-
luna possa indicar alterações nos ossos, não permite, habitualmente,
revelar tumores que não afetaram o osso. A TC delimita com clareza o
grau de lesão óssea do segmento afetado e da condição óssea dos seg-
mentos adjacentes, importante no planejamento cirúrgico para estabi-
lização da coluna. A TC pode ser complementada pela mielotomografia,
incluindo 2 segmentos acima e abaixo do nível da lesão. Considera-se
que a RNM é a melhor técnica para examinar todas as estruturas da
medula espinal e da coluna vertebral. Quando a TC e a RNM não esti-
verem disponíveis, a mielografia parece ser uma boa alternativa. Para
um diagnóstico preciso do tipo de tumor, é preciso efetuar uma punção
biópsia percutânea, com agulha, guiada pela TC.
c) Tratamento
Geralmente, os tumores da medula espinal e da coluna vertebral po-
dem ser tratados cirurgicamente, por meio de descompressão, lami-
nectomia ou laminotomia, estabilização e reconstrução. Outros podem
tumores do sistema nervoso 265
Pergunta
2013 - UFPR
2. Sobre os tumores primários intracranianos, assinale a alternativa correta:
Resumo
Quadro-resumo
- Cefaleia e convulsões são 2 das principais formas de apresentação dos tumores do SNC;
- Podem ocorrer hidrocefalia e sintomas focais que dependem do tamanho e da localização dos tumores;
- O meningioma é um tumor benigno, de crescimento lento, com calcificações e frequentes hiperosteoses do osso
adjacente;
- O GB é o 2º tumor cerebral primário mais comum, e o astrocitoma, o mais maligno. Ambos se apresentam nos exa-
mes de imagem com morfologia multiforme e impregnação heterogênea do contraste em áreas de necrose;
- Os tumores cerebrais mais vistos clinicamente são as metástases para SNC. As principais fontes são pulmão, mama,
rim, trato gastrintestinal e melanoma.
- Pulmão: 40%;
Tumores Tratamento
Cirurgia (exceto alguns tumores localizados na base do crânio). Em
Meningiomas casos mais difíceis, radiocirurgia estereotáxica, como Gamma Knife®
e cyberknife, são viáveis.
São removidos cirurgicamente, muitas vezes por meio de uma
abordagem minimamente invasiva, com acesso transnasal/transes-
fenoidal. Para grandes adenomas com expansão suprasselar está
Adenomas de hipófise
indicada abordagem com craniotomia para a sua total remoção. Em
casos considerados inoperáveis, fica indicada radioterapia, incluindo
abordagem estereotáxica.
Embora não exista consenso geral aceito para tratamento, uma
tentativa cirúrgica de remoção ou, pelo menos, de citorredução (dimi-
- Glioma (>50%);
nuição do tamanho tumoral) deve ser pensada na maioria dos casos.
- Astrocitoma (mais
Muitas terapias são tentadas para tumores malignos do SNC, mesmo
comum);
se sabendo que o seu prognóstico é ruim para muitos. Quando se
Tumores cere- - Anaplásico;
planeja tratamento invasivo, devemos analisar a qualidade de vida
brais primários - GB;
pós-operatória, bem como cuidado com possíveis déficits (afasia,
- Ependimoma (6%);
hemiplegia etc.). Radioterapia e quimioterapia fazem parte do tra-
- Oligodendroglioma
tamento de tumores malignos. A radioterapia pode ser indicada a
(5%).
gliomas de “baixo grau”, quando uma remoção total do tumor não é
possível cirurgicamente.
A remoção cirúrgica está indicada para lesão única, seguida de rádio
e/ou de quimioterapia, cujo tratamento também se reserva, geral-
mente, a casos de metástases múltiplas. Radiocirurgia estereotáxica,
como Gamma Knife® e cyberknife, continua a ser opção. Nesses
- Metástases; casos, o tumor primário determina o prognóstico (geralmente pobre).
- Tumores cerebrais secundários (pulmão, O tratamento mais comum para esses tumores é a radioterapia,
mama, melanoma, rim). cuja quantidade depende do tamanho da área do cérebro afetada
pelo tumor. “Irradiação do cérebro inteiro” pode ser sugerida se há
risco de outros tumores secundários se desenvolverem no futuro. A
radioterapia estereotáxica é recomendada a casos com menos de 3
pequenos tumores cerebrais secundários.
Observações:
- O tratamento cirúrgico depende da localização e do tipo do tumor. A remoção de muitos deles pode ser feita sem
agressão ao tecido cerebral normal, porém há tumores infiltrativos que a dificultam, por acometer áreas eloquentes.
Essa remoção está relacionada com o comprometimento de estruturas adjacentes importantes. Os objetivos da
cirurgia, mesmo que não curativa, são redução tumoral, alívio de sintomas (hipertensão intracraniana/herniação) e
determinação do tipo histológico;
- A quimioterapia pode ser feita apenas com medicações ou combinação de tratamentos, como cirurgia ou radiotera-
pia. Esta pode ser feita por administração por via oral ou intravenosa ou implante intracerebral;
- A radioterapia pode ser usada isoladamente ou em combinação com cirurgia, quimioterapia ou ambas. Quimiote-
rápicos podem ser utilizados como drogas radiossensibilizantes, que tornam as células tumorais mais sensíveis à
radiação. No planejamento da radioterapia, devemos ter em mente que, para tratar de maneira adequada, devemos
poupar ao máximo o tecido cerebral normal envolto ao tumor, o que é possível com o uso de equipamentos (moder-
nos) adequados.
Respostas
das questões do capítulo
1. B
2. D