Medcel - Neurologia

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SIC CLÍNICA MÉDICA

NEUROLOGIA
© 2017 by

PRINCIPAIS TEMAS EM NEUROLOGIA


Victor Celso Cenciper Fiorini - Mauro Augusto de Oliveira - Jamile Cavalcanti Seixas - Maria Aparecida Ferraz - Vinícius
de Meldau Benites - Mônica Ayres de Araújo Scattolin - Cristina Gonçalves Massant - Rodrigo Antônio Brandão Neto -
Thiago Gonçalves Fukuda

Produção Editorial: Fátima Rodrigues Morais


Coordenação Editorial e de Arte: Martha Nazareth Fernandes Leite
Projeto Gráfico: SONNE - Jorlandi Ribeiro
Diagramação: Jorlandi Ribeiro - Diego Cunha Sachito - Jovani Ribeiro - Matheus Vinícius
Criação de Capa: R2 Editorial
Assistência Editorial: Tatiana Takiuti Smerine Del Fiore
Preparação de Originais: Andreza Queiroz
Revisão Final: Henrique Tadeu Malfará de Souza
Revisão de Texto e de Provas: Marcela Zuchelli Marquisepe - Maria Adriana Taveira -
Mariana Rezende Goulart - Mônica d’Almeida
Serviços Editoriais: Anna Clara Pirani Silva - Eliane Cordeiro
Serviços Gráficos: Thaissa Câmara Rodrigues

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Principais temas em Neurologia / Victor Celso Cenciper Fiorini - Mauro


Augusto de Oliveira - Jamile Cavalcanti Seixas - Maria Aparecida Ferraz -
Vinícius de Meldau Benites - Mônica Ayres de Araújo Scattolin - Cristina
Gonçalves Massant - Rodrigo Antônio Brandão Neto - Thiago Gonçalves
Fukuda - 1. ed. -- São Paulo: Medcel, 2017. --
(Principais temas em Neurologia)

1. Neurologia - Concursos - 2. Residentes (Medicina)

Texto adaptado ao Novo Acordo Ortográfico.

O conteúdo deste livro é específico para provas, visando, principalmente, informar o leitor sobre as
tendências das avaliações e prepará-lo para elas. Além disso, não é recomendado para a prática médica
ou para a formação acadêmica. Acrescente-se que há a probabilidade de discordâncias entre conceitos das
diferentes instituições, e que as informações contidas neste material estão de acordo com o regime vigente
no momento da publicação, a serem complementadas conforme surgirem novos conhecimentos.

Julho, 2017
Proibida a reprodução total ou parcial.
Os infratores serão processados na forma da legislação vigente.
Direitos exclusivos para a língua portuguesa licenciados
à Medcel Editora e Eventos Ltda.
Av. Paulista, 1776 - 2º andar - São Paulo - Brasil
www.medcel.com.br
(11) 3511 6161
Autoria e colaboração

Victor Celso Cenciper Fiorini Mônica Ayres de Araújo Scattolin


Graduado em Medicina e especialista em Clínica Médi- Graduada em Medicina pela Pontifícia Universidade Ca-
ca pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). tólica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Pediatria
Título de especialista em Clínica Médica pela Sociedade Geral e Comunitária e em Neurologia Infantil pela Uni-
Brasileira de Clínica Médica (SBCM) e em Neurologia pela versidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pós-gra-
Academia Brasileira de Neurologia, onde é membro ti- duanda pelo Departamento de Psiquiatria da UNIFESP.
tular. Residência em Neurologia pelo Hospital das Clíni- Médica colaboradora do Ambulatório de Cognição Social
cas da Faculdade de Medicina da Universidade de São e da Unidade de Psiquiatria da Infância e Adolescência
Paulo (HC-FMUSP). Professor de Neurologia do Centro (UPIA), também da UNIFESP. Título de especialista em
Universitário São Camilo e médico neurologista do corpo Pediatria e em Neurologia Infantil pela Sociedade Brasi-
clínico dos Hospitais Sírio-Libanês, Oswaldo Cruz e Santa leira de Pediatria (SBP). Professora do curso de especia-
Catarina. lização em Saúde Mental da Infância e da Adolescência
(CESMIA), vinculado à pró-reitoria de extensão da UNI-
Mauro Augusto de Oliveira FESP. Integrante da equipe do Programa de Atenção à
Graduado pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Uni- Primeira Infância (PAPI).
versidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Espe-
cialista em Neurocirurgia pela Sociedade Brasileira de Cristina Gonçalves Massant
Neurocirurgia (SBN). Professor das disciplinas de Neuro- Graduada em Medicina pela Universidade Federal de
cirurgia e Neurologia da PUC-Campinas. Médico da Casa São Paulo (UNIFESP). Especialista em Neurologia pela
de Saúde de Campinas. UNIFESP, onde é médica colaboradora do setor de Doen-
ças Neuromusculares.
Jamile Cavalcanti Seixas
Graduada em Medicina pela Universidade Federal da Rodrigo Antônio Brandão Neto
Bahia (UFBA). Residente em Neurologia pela Universida- Graduado pela Faculdade de Medicina da Pontifícia Uni-
de Federal de São Paulo (UNIFESP). versidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Espe-
cialista em Clínica Médica, em Emergências Clínicas e em
Maria Aparecida Ferraz Endocrinologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade
Graduada pela Faculdade de Medicina da Universidade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP),
de São Paulo (FMUSP). Especialista em Neurologia pelo onde é médico assistente da disciplina de Emergências
HC-FMUSP. Neurologista do serviço de emergência do Clínicas.
Hospital São Camilo.
Thiago Gonçalves Fukuda
Vinícius de Meldau Benites Graduado em Medicina pela Universidade Federal da
Graduado em Medicina pela Universidade Federal de Bahia (UFBA). Residente em Neurologia pela Universida-
Mato Grosso do Sul (UFMS). Especialista em Neurocirur- de Federal de São Paulo (UNIFESP).
gia pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

Atualização 2017
Victor Celso Cenciper Fiorini
Revisão técnica

Cinthia Ribeiro Franco


Dan Yuta Nagaya
Daniela Andrea Medina Macaya
Edivando de Moura Barros
João Guilherme Palma Urushima
Luan Forti
Lucas Kenzo Miyahara
Mariana da Silva Vilas Boas
Matheus Fischer Severo Cruz Homem
Nadia Mie Taira
Priscila Schuindt de Albuquerque Schil
Ryo Chiba
Viviane Aparecida Queiroz
Wilian Martins Guarnieri
William Vaz de Sousa
Yuri Yamada
Apresentação

Os desafios da Medicina a serem vencidos por quem se decide pela área


são tantos e tão diversos que é impossível tanto determiná-los quanto
mensurá-los. O período de aulas práticas e de horas em plantões de vários
blocos é apenas um dos antecedentes do que o estudante virá a enfrentar
em pouco tempo, como a maratona da escolha por uma especialização e do
ingresso em um programa de Residência Médica reconhecido, o que exigirá
dele um preparo intenso, minucioso e objetivo.

Trata-se do contexto em que foi pensada e desenvolvida a Coleção SIC


Principais Temas para Provas, cujo material didático, preparado por profis-
sionais das mais diversas especialidades médicas, traz capítulos com inte-
rações como vídeos e dicas sobre quadros clínicos, diagnósticos, tratamen-
tos, temas frequentes em provas e outros destaques. As questões ao final,
todas comen­tadas, proporcionam a interpretação mais segura possível de
cada resposta e reforçam o ideal de oferecer ao candidato uma preparação
completa.

Um excelente estudo!
METODOLOGIA MEDCEL
Antes de iniciar a leitura deste livro, independente do capítulo por onde você quer iniciar, faça esta pergunta a si
mesmo: “Eu sei estudar?”.

A MEDCEL elaborou todos os livros teóricos para atender a dois propósitos:

O primeiro é aprofundar o seu conhecimento teórico do O segundo propósito é o treinamento na resolução de


que é mais frequente nas provas. Todo o conteúdo é questões com o direcionamento para os temas de
estrategicamente montado para oferecer embasamen- maior incidência nas provas, por meio de comentários
to teórico, reforçando o conhecimento já adquirido e e dicas dos especialistas.
direcionando o raciocínio para a resolução de questões.

Questões

Cirurgia do Trauma Questões


1. Introdução
O trauma torácico responde por 20 a 25% das mortes em politrau- Cirurgia do Trauma
matizados. Entretanto, 85% das vítimas podem ser tratadas ade-
quadamente com suporte respiratório, analgesia e drenagem pleural
(Figura 1). Desta maneira, a toracotomia será necessária em cerca de
15% dos casos. As mortes precoces, ainda no local do trauma, acon-
tecem, principalmente, por contusão miocárdica e ruptura de aorta.
a) verificar as pupilas
b) verificar a pressão arterial
Atendimento inicial ao politraumatizado
c) puncionar veia calibrosa
d) assegurar boa via aérea
2015 - FMUSP-RP e) realizar traqueostomia
1. Um homem de 22 anos, vítima de queda de moto em ro- Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
dovia há 30 minutos, com trauma de crânio evidente, tra- Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
zido pelo SAMU, chega à sala de trauma de um hospital
terciário com intubação traqueal pelo rebaixamento do 2015 - UFG
nível de consciência. A equipe de atendimento pré-hos- 4. Um homem de 56 anos é internado no serviço de
pitalar informou que o paciente apresentava sinais de emergência após sofrer queda de uma escada. Ele está
choque hipovolêmico e infundiu 1L de solução cristaloide inconsciente, apresenta fluido sanguinolento não coa-
até a chegada ao hospital. Exame físico: SatO2 = 95%, FC = gulado no canal auditivo direito, além de retração e
140bpm, PA = 80x60mmHg e ECG = 3. Exames de imagem: movimentos inespecíficos aos estímulos dolorosos, está
raio x de tórax e bacia sem alterações. A ultrassonografia com os olhos fechados, abrindo-os em resposta à dor, e
FAST revela grande quantidade de líquido abdominal. A produz sons ininteligíveis. As pupilas estão isocóricas
melhor forma de tratar o choque desse paciente é: e fotorreagentes. Sua pontuação na escala de coma de
a) infundir mais 1L de cristaloide, realizar hipotensão Glasgow é:
permissiva, iniciar transfusão de papa de hemácias e en- a) 6
caminhar para laparotomia b) 7
b) infundir mais 3L de cristaloide, aguardar exames labo- c) 8
ratoriais para iniciar transfusão de papa de hemácias e d) 9
encaminhar para laparotomia
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
c) infundir mais 3L de cristaloide, realizar hipotensão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
permissiva, iniciar transfusão de papa de hemácias e
plasma fresco congelado e encaminhar para laparotomia 2015 - UFCG
d) infundir mais 1L de cristaloide, iniciar transfusão de 5. Um homem de 20 anos foi retirado do carro em cha-
Figura 1 - Drenagem pleural: deve ser realizada no 5º espaço intercostal, na linha axilar média, com incisão na papa de hemácias e plasma fresco congelado e encami- mas. Apresenta queimaduras de 3º grau no tórax e em
borda superior da costela inferior, evitando, assim, a lesão do plexo intercostal. O dreno deve ser conectado a um nhar o paciente para laparotomia toda a face. A 1ª medida a ser tomada pelo profissional
“selo d’água”, que funciona como válvula de saúde que o atende deve ser:
Fonte: www.trauma.org. Tenho domínio do assunto Refazer essa questão a) aplicar morfina
Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
b) promover uma boa hidratação
2015 - SES-RJ c) perguntar o nome
2. Avaliação inicial 2. Para avaliar inicialmente um paciente com traumatis- d) lavar a face
mo cranioencefálico, um residente utilizou a escala de e) colocar colar cervical
A avaliação das vítimas de traumas torácicos segue as mesmas prio- Glasgow, que leva em conta:
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
ridades do Advanced Trauma Life Support (ATLS®), sendo a via aé- a) resposta verbal, reflexo cutâneo-plantar e resposta Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
rea a 1ª etapa do tratamento, com a proteção da coluna cervical. motora
Uma via aérea pérvia não garante boa ventilação, e, nesse contexto, b) reflexos pupilares, resposta verbal e reflexos profundos 2014 - HSPE
as lesões torácicas devem ser diagnosticadas e tratadas no exame c) abertura ocular, reflexos pupilares e reflexos profundos 6. Um pediatra está de plantão no SAMU e é acionado
primário. d) abertura ocular, resposta verbal e resposta motora para o atendimento de um acidente automobilístico.
Ao chegar ao local do acidente, encontra uma criança
Didaticamente, dividem-se as lesões torácicas naquelas com risco ime- Tenho domínio do assunto
Reler o comentário
Refazer essa questão
Encontrei dificuldade para responder
de 5 anos próxima a uma bicicleta, sem capacete, dei-
diato de morte, que devem ser diagnosticadas e tratadas durante a tada no asfalto e com ferimento cortocontuso extenso
avaliação primária; nas que apresentam risco à vida, mas que podem 2015 - UFES no crânio, após choque frontal com um carro. A criança
ser tratadas no exame secundário; e nas demais lesões sem risco de 3. A 1ª conduta a ser tomada em um paciente politrau- está com respiração irregular e ECG (Escala de Coma de
morte (Tabela 1). matizado inconsciente é: Glasgow) de 7. O pediatra decide estabilizar a via aérea

Dicas:
- Organize-se;
- Programe seus estudos determinando uma quantidade de horas por dia para dedicar-se a eles;
- Escolha os temas que vai estudar;
- Observe as estatísticas de cada especialidade e de cada tema;
- Leia os resumos e dê atenção aos ícones de dicas de cada capítulo;
- Faça anotações;
- Pratique resolvendo os exercícios;
- Faça intervalos; isso faz o cérebro reter mais informação.
Além de tudo isso, à medida que avançar no conteúdo dos capítulos, você vai perceber que criamos ícones que
destacam tópicos relevantes para memorização, como dicas, tratamento, quadro clínico etc. E mais: em cada
capítulo, você terá acesso a questões de aplicação e absorção, aliando a teoria ao dia a dia prático do médico.

CIRURGIA DO TRAUMA TRAUMA TORÁCICOŶ

Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso intercostal ou carina no trauma contuso (por exemplo, a avulsão do brônquio-fonte
da artéria mamária interna, ou fratura-luxação da coluna torácica. A direito). Acarreta alta mortalidade, geralmente no local do acidente.

Tratamento
maioria dos sangramentos é autolimitada e não necessita de trata-
mento cirúrgico hemostático específico, apenas de drenagem pleural, Os sinais e sintomas da lesão podem ser inespecíficos, como cianose, Diagnóstico
em 85% dos casos. O hemotórax pode ser classificado em pequeno hemoptise, enfisema subcutâneo e dispneia. Pode haver associação a
O diagnóstico de lesão da
(300 a 500mL), médio (500 a 1.500mL) e grande ou maciço (acima de fraturas de costela e esterno, e o pneumotórax é um achado comum. O
O tratamento do hemotó- árvore traqueobrônquica é
1.500mL). Clinicamente, há diminuição do murmúrio vesicular do lado principal elemento clínico para diagnóstico é o grande vazamento de ar
rax consiste na drenagem confirmado por broncosco-
afetado, com discreta macicez à percussão. O raio x de tórax evidencia após drenagem torácica.
de tórax, que remove o pia. Mais recentemente, tem
hemotórax a partir de 200mL de volume.
sangue, monitoriza o sido utilizada a tomografia
Em pacientes com insuficiência respiratória, pode ser necessária a in-
sangramento e diminui o computadorizada multislice,
O tratamento conservador não é recomendado, pois, se o hemotórax tubação seletiva do pulmão oposto ao lado da lesão. A intubação pode
por ser menos invasiva.
risco de formação de coá- não for drenado precocemente, haverá risco de evoluir para um hemo- ser difícil, em razão de hematomas, lesões orofaríngeas associadas ou
gulo. Haverá indicação tórax coagulado e até empiema. lesão traqueobrônquica. Nesses casos, indica-se a intervenção cirúr-
de toracotomia se houver gica imediata.
drenagem inicial acima C - Contusão pulmonar
de 1.500mL de sangue Aos pacientes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser postergado
ou superior a 200mL de
sangue por hora nas 2 a
Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais comum (Figura 10),
especialmente perigosa nos idosos, cuja reserva funcional pulmonar é
até a diminuição do processo inflamatório local e do edema. Em lesões
menores do que 1/3 do diâmetro da traqueia e em lesões brônquicas, Pergunta
menor. A insuficiência respiratória desenvolve-se progressivamente e pode-se optar pelo tratamento conservador. Lesões maiores de tra-
4 horas subsequentes. decorre de hemorragia e edema do parênquima pulmonar, levando a queia, carina e brônquio-fonte direito deverão ser tratadas por toraco-
hipóxia. tomia, sendo que lesões maiores do que 1/3 do diâmetro da traqueia 2014 - SANTA CASA-SP
geralmente são tratadas com reparo primário (Figura 11). 2. Um homem de 26 anos caiu de 3
metros de altura sobre um anteparo
e chegou ao pronto-socorro com
máscara de oxigênio com 10L/min.
Estava ansioso e gemente, referindo
muita dificuldade para respirar. Ao
exame clínico, apresentava palidez
cutânea, taquicardia e dispneia. O
murmúrio vesicular estava abolido
no hemitórax esquerdo, sendo pun-
cionado e a seguir drenado, com saída
Figura 10 - (A) Raio x de tórax com contusão pulmonar e (B) destaque para a presen- de grande volume de ar e imediata
ça de fratura de costela, muitas vezes associada aos casos de contusão melhora do quadro. O paciente evo-
luiu com enfisema de tecido celular
O quadro clínico é de insuficiência respiratória. O raio x de tórax inicial subcutâneo e borbulhamento pelo
pode ser normal e, após 24 a 48 horas, evidenciar área de contusão, dreno de tórax. O raio x pós-dre-
sendo a Tomografia Computadorizada (TC) o exame indicado para me- nagem apresentava fratura do 1º ao
lhor avaliação da área de contusão pulmonar. Uma complicação pos- 4º arcos costais à esquerda, pneu-
sível é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e pacientes com motórax de médio volume e dreno
doença pulmonar obstrutiva crônica. bem posicionado. Com relação ao
quadro, podemos afirmar que:
O paciente deve ser monitorizado com oximetria, gasometria arterial e
eletrocardiograma. Se a insuficiência respiratória for importante (paO2 Figura 11 - Lesão de traqueia visualizada à toracotomia a) com o diagnóstico inicial de
<65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a ventilação mecânica com Fonte: www.unifesp.br. pneumotórax hipertensivo, o
pressão positiva. A utilização de PEEP, pressão positiva das vias aéreas tratamento definitivo requer
em valores supra-atmosféricos no final da expiração, é benéfica, pois o uso de 2 drenos torácicos
aumenta o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual fun- E - Contusão cardíaca b) a punção do enfisema do te-
cional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental a restrição de cido celular subcutâneo em
líquidos intravenosos após a estabilização hemodinâmica. Pode ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado, por contusão da mus- vários pontos está indicada
culatura cardíaca, ruptura de câmara (em geral, apresentam tampona- c) a toracotomia ime-
D - Lesão da árvore traqueobrônquica mento cardíaco) ou laceração de válvula, em 15 a 20% dos traumatismos diata está indicada
de tórax graves, mais frequentemente em associação à fratura de es- d) a intubação endotraqueal está
Trata-se de um tipo incomum de lesão, que costuma passar desperce- terno. A lesão mais habitual é a do ventrículo direito, que se encontra contraindicada após a drenagem
bido no exame inicial. As lesões mais frequentes ocorrem próximas à mais próximo ao esterno em posição anterior. de pneumotórax hipertensivo
e) a broncoscopia está indicada
Resposta no final do capítulo

Convém saber que a leitura complementa as aulas e vice-versa, o que é fundamental para o sucesso na aprova-
ção. Daí a importância no planejamento de seus estudos.

Organize-se

Determine uma quantidade de horas diárias para seus estudos e procure ter disciplina para cumprir o planejado.

Organizar o tempo é tão relevante quanto qualquer outra estratégia de aprendizado.

Desta forma, faz parte do planejamento separar o importante do urgente. É sabido que o urgente é o que era importante
e deixamos de fazer no prazo correto. Virou urgente, e, de urgente em urgente, acabamos nos sobrecarregando em
tarefas perdidas e não recuperamos mais o planejado. Sendo assim, foque no essencial e separe uma parte do seu tempo
para realizar, aos poucos, o que é urgente.

Em nosso planejamento, o que é essencial?

O que é abordado nas provas!

Em nossa metodologia, o aluno é direcionado a investir tempo no que realmente conta, ou seja, o que cai nas provas.
Estude pela estatística dos temas

No início de cada livro, você vai encontrar as estatísticas dos principais temas a serem estudados com prioridade.

Isso vai direcionar seu planejamento.

Trama abdominal 20,7%


Trauma torácico 19,9%
Atendimento inicial ao politraumatizado 15,9%
Queimaduras 12%
Trauma cranioencefálico 8,5%
Choque 4,5%
Vias aéreas e ventilação 3,8%
Trauma pediátrico 2,5%
Trauma musculoesquelético 2,4%
Lesões cervicais 2,1%
Trauma na gestante 1,9%
Trauma raquimedular 1,9%
Trauma vascular 1,9%
Trauma da transição toracoabdominal 0,7%
Trauma de face 0,7%
Outros temas 0,6%

Em todos os capítulos, temos ícones de resumo que Esgote o conhecimento dos assuntos – torne-se um
sintetizam a principal mensagem do capítulo, expert. Depois, crie uma estratégia para os temas de
facilitando a memorização dos tópicos de maior menor interesse. Tente observar a relevância dos
relevância. assuntos e, principalmente se tiverem alto índice de
incidência, faça com que se tornem interessantes!
Escolha os temas com os quais você tem maior
afinidade; afinal, é sabido que se aprende mais e Uma dica eficaz é tentar resolver as questões de um
melhor o que mais nos interessa! Quando temos tema específico mesmo sem ter estudado o assunto.
interesse por um assunto, o raciocínio é mais claro, Você vai sentir que precisa se aprofundar caso ele seja
e a compreensão tem mais profundidade. determinante para a sua aprovação.

Faça anotações

Anotar facilita a memorização porque o faz repetir o que acabou de ler. Além disso, automaticamente você resume
os pontos de maior importância, o que poupa tempo de estudo.

Antes de assistir à aula de um tema específico, leia o resumo do capítulo ou suas anotações – ao familiarizar-se com
o material antes da aula, o nível de aprendizado é amplamente superior com o mesmo tempo de estudo.

Isso também vai otimizar o seu estudo, pois você vai prestar atenção aos itens em que tem mais dificuldade e chegará
ao final da aula com um conhecimento mais sólido.
Aproveite melhor o texto com nossos recursos de aprendizagem

Eduardo Bertolli
1. Introdução

3
O trauma torácico responde por 20 a 25% das mortes em politrau-
matizados. Entretanto, 85% das vítimas podem ser tratadas ade-
quadamente com suporte respiratório, analgesia e drenagem pleural
(Figura 1). Desta maneira, a toracotomia será necessária em cerca de
15% dos casos. As mortes precoces, ainda no local do trauma, acon-
tecem, principalmente, por contusão miocárdica e ruptura de aorta.

Resumo: Neste capítulo, serão abordadas as lesões mais comuns


no trauma torácico, como pneumotórax hipertensivo,
pneumotórax aberto, tórax instável, hemotórax maciço
e tamponamento cardíaco, além do tratamento realizado

A cada início de
em cada uma dessas situações, como toracocentese des-

Trauma Conteúdo:
compressiva, curativo de 3 pontas, suporte ventilatório,
drenagem pleural e pericardiocentese, respectivamente.
Devido à sua alta mortalidade, o trauma torácico é o 2º

capítulo, você encon- torácico


assunto mais cobrado de Cirurgia do Trauma nos concur-

Sempre didáticos, os
sos médicos, além de ser frequentemente utilizado para
simulações e provas práticas.

tra o ícone de resumo, assuntos são dividi-


que mostra o que será dos em tópicos,
útil para o seu oferecendo a melhor
conhecimento. Nesse Figura 1 - Drenagem pleural: deve ser realizada no 5º espaço intercostal, na linha axilar média, com incisão na organização de todo
pequeno investimen-
borda superior da costela inferior, evitando, assim, a lesão do plexo intercostal. O dreno deve ser conectado a um

o conteúdo.
“selo d’água”, que funciona como válvula
Fonte: www.trauma.org.

to de tempo, você já 2. Avaliação inicial


A avaliação das vítimas de traumas torácicos segue as mesmas prio-

consegue decidir se o
ridades do Advanced Trauma Life Support (ATLS®), sendo a via aé-
rea a 1ª etapa do tratamento, com a proteção da coluna cervical.
Uma via aérea pérvia não garante boa ventilação, e, nesse contexto,
as lesões torácicas devem ser diagnosticadas e tratadas no exame

tema é relevante
primário.

Didaticamente, dividem-se as lesões torácicas naquelas com risco ime-


diato de morte, que devem ser diagnosticadas e tratadas durante a

ou não para a sua


avaliação primária; nas que apresentam risco à vida, mas que podem
ser tratadas no exame secundário; e nas demais lesões sem risco de
morte (Tabela 1).

evolução nos estudos.

Colunas:
Sempre haverá uma coluna livre
para a inserção de destaques,
para melhor visualização das
imagens ou anotações.

CIRURGIA DO TRAUMA TRAUMA TORÁCICOŶ

Ocorre por laceração pulmonar, ruptura de um vaso intercostal ou carina no trauma contuso (por exemplo, a avulsão do brônquio-fonte

Ícones: Tratamento
da artéria mamária interna, ou fratura-luxação da coluna torácica. A
maioria dos sangramentos é autolimitada e não necessita de trata-
mento cirúrgico hemostático específico, apenas de drenagem pleural,
em 85% dos casos. O hemotórax pode ser classificado em pequeno
direito). Acarreta alta mortalidade, geralmente no local do acidente.

Os sinais e sintomas da lesão podem ser inespecíficos, como cianose,


hemoptise, enfisema subcutâneo e dispneia. Pode haver associação a
Diagnóstico
Os ícones apontam
O diagnóstico de lesão da
(300 a 500mL), médio (500 a 1.500mL) e grande ou maciço (acima de fraturas de costela e esterno, e o pneumotórax é um achado comum. O
O tratamento do hemotó- árvore traqueobrônquica é
1.500mL). Clinicamente, há diminuição do murmúrio vesicular do lado principal elemento clínico para diagnóstico é o grande vazamento de ar
rax consiste na drenagem confirmado por broncosco-
afetado, com discreta macicez à percussão. O raio x de tórax evidencia após drenagem torácica.
de tórax, que remove o pia. Mais recentemente, tem
hemotórax a partir de 200mL de volume.

informações que
sangue, monitoriza o sido utilizada a tomografia
Em pacientes com insuficiência respiratória, pode ser necessária a in-
sangramento e diminui o computadorizada multislice,
O tratamento conservador não é recomendado, pois, se o hemotórax tubação seletiva do pulmão oposto ao lado da lesão. A intubação pode
por ser menos invasiva.
risco de formação de coá- não for drenado precocemente, haverá risco de evoluir para um hemo- ser difícil, em razão de hematomas, lesões orofaríngeas associadas ou
gulo. Haverá indicação tórax coagulado e até empiema. lesão traqueobrônquica. Nesses casos, indica-se a intervenção cirúr-

devem ser sempre de toracotomia se houver


drenagem inicial acima
de 1.500mL de sangue
C - Contusão pulmonar
gica imediata.

Aos pacientes estáveis, o tratamento cirúrgico pode ser postergado


Trata-se da lesão torácica potencialmente letal mais comum (Figura 10), até a diminuição do processo inflamatório local e do edema. Em lesões
Pergunta
lembradas e que
ou superior a 200mL de
especialmente perigosa nos idosos, cuja reserva funcional pulmonar é menores do que 1/3 do diâmetro da traqueia e em lesões brônquicas,
sangue por hora nas 2 a

Perguntas:
menor. A insuficiência respiratória desenvolve-se progressivamente e pode-se optar pelo tratamento conservador. Lesões maiores de tra-
4 horas subsequentes. decorre de hemorragia e edema do parênquima pulmonar, levando a queia, carina e brônquio-fonte direito deverão ser tratadas por toraco-
hipóxia. tomia, sendo que lesões maiores do que 1/3 do diâmetro da traqueia 2014 - SANTA CASA-SP

merecem destaque. geralmente são tratadas com reparo primário (Figura 11). 2. Um homem de 26 anos caiu de 3
metros de altura sobre um anteparo
e chegou ao pronto-socorro com
máscara de oxigênio com 10L/min. Ajudam a fixar o
Estava ansioso e gemente, referindo

conteúdo do
muita dificuldade para respirar. Ao
exame clínico, apresentava palidez
cutânea, taquicardia e dispneia. O
murmúrio vesicular estava abolido

capítulo,
no hemitórax esquerdo, sendo pun-
cionado e a seguir drenado, com saída
Figura 10 - (A) Raio x de tórax com contusão pulmonar e (B) destaque para a presen- de grande volume de ar e imediata
ça de fratura de costela, muitas vezes associada aos casos de contusão melhora do quadro. O paciente evo-

verificando o
luiu com enfisema de tecido celular
O quadro clínico é de insuficiência respiratória. O raio x de tórax inicial subcutâneo e borbulhamento pelo
pode ser normal e, após 24 a 48 horas, evidenciar área de contusão, dreno de tórax. O raio x pós-dre-
sendo a Tomografia Computadorizada (TC) o exame indicado para me- nagem apresentava fratura do 1º ao

entendimento
lhor avaliação da área de contusão pulmonar. Uma complicação pos- 4º arcos costais à esquerda, pneu-
sível é a pneumonia, que é mais frequente em idosos e pacientes com motórax de médio volume e dreno
doença pulmonar obstrutiva crônica. bem posicionado. Com relação ao
quadro, podemos afirmar que:

do que está
O paciente deve ser monitorizado com oximetria, gasometria arterial e
eletrocardiograma. Se a insuficiência respiratória for importante (paO2 Figura 11 - Lesão de traqueia visualizada à toracotomia a) com o diagnóstico inicial de
<65mmHg, SatO2 <90%), estará indicada a ventilação mecânica com Fonte: www.unifesp.br. pneumotórax hipertensivo, o
pressão positiva. A utilização de PEEP, pressão positiva das vias aéreas tratamento definitivo requer

sendo estudado.
em valores supra-atmosféricos no final da expiração, é benéfica, pois o uso de 2 drenos torácicos
aumenta o recrutamento alveolar e melhora a capacidade residual fun- E - Contusão cardíaca b) a punção do enfisema do te-
cional, as trocas gasosas e a hipoxemia. É fundamental a restrição de cido celular subcutâneo em
líquidos intravenosos após a estabilização hemodinâmica. Pode ocorrer lesão cardíaca no trauma fechado, por contusão da mus- vários pontos está indicada
culatura cardíaca, ruptura de câmara (em geral, apresentam tampona- c) a toracotomia ime-
D - Lesão da árvore traqueobrônquica mento cardíaco) ou laceração de válvula, em 15 a 20% dos traumatismos diata está indicada
de tórax graves, mais frequentemente em associação à fratura de es- d) a intubação endotraqueal está
Trata-se de um tipo incomum de lesão, que costuma passar desperce- terno. A lesão mais habitual é a do ventrículo direito, que se encontra contraindicada após a drenagem
bido no exame inicial. As lesões mais frequentes ocorrem próximas à mais próximo ao esterno em posição anterior. de pneumotórax hipertensivo
e) a broncoscopia está indicada
Resposta no final do capítulo

Imagens:
O texto é sempre complementado por fotos, ilustrações ou
fluxogramas, o que torna o estudo ainda mais prático e de
fácil assimilação.
SIC CIRURGIA DO TRAUMA TRAUMA CRANIOENCEFÁLICOŶ

No caso de sangramentos intracavitários, especialmente hemorragias


abdominais, a reposição volêmica pode não ser suficiente, e a cirurgia 3. Fisiopatologia
deve ser indicada. A prioridade inicial é o controle da hemorragia, não
a normalização dos parâmetros hemodinâmicos. A pressão intracraniana (PIC) normal é de cerca de 10mmHg. Valores
acima de 20mmHg são considerados anormais e classificados como
D - Avaliação neurológica hipertensão intracraniana grave. Isso porque, segundo a doutrina de
Monro-Kellie, o volume intracraniano deve permanecer constante, já
Nesta fase do atendimento, realiza-se um exame neurológico rápido, que o crânio é uma caixa não expansível. O ponto de descompensação
priorizando a investigação do nível de consciência e do tamanho e da no TCE é aquele em que o aumento do volume de massa leva a um au-
reatividade das pupilas. mento da PIC. Inicialmente, o aumento de volume é compensado por

Tema frequente
uma diminuição do volume venoso e do líquido cerebrospinal (Figura 1).
Preconiza-se a avaliação do nível de consciência pela Escala de Coma
de Glasgow (ECG). Trata-se de um método facilmente exequível, com
base em 3 parâmetros clínicos que recebem pontuações (Tabela 5). A

de prova:
pontuação mínima é 3, e a máxima, 15, sendo classificado como coma-
toso todo paciente com escore <9. Quando se apresenta rebaixamento
do nível de consciência, é necessário revisar vias aéreas, ventilação,
Tema
Importante:
oxigenação e perfusão, pois alterações nessas funções vitais podem

Este ícone indica


comprometer o nível de consciência. Todo paciente em coma tem indi-
frequente de prova
A escala de coma de
cação de via aérea definitiva.
Importante
Aqui, são
Glasgow sempre é cobrada Tabela 5 - Escala de coma de Glasgow É importante manter

assuntos que são nas provas de Residência. Espontânea


Ao estímulo verbal
4
3
a Pressão Arterial
Média (PAM) normal

destacadas
Abertura ocular (O) para manter a perfusão

sempre cobrados e,
Ao estímulo doloroso 2 cerebral. Pressão de per-
Sem resposta 1 fusão cerebral <70mmHg
Orientado 5 Figura 1 - Doutrina de Monro-Kellie relaciona-se a evolução

informações que
desfavorável. Outro

portanto, devem ser


Confuso 4
índice importante é o
Melhor resposta O aumento da PIC leva a queda na Pressão de Perfusão Cerebral (PPC),
Palavras inapropriadas 3 fluxo sanguíneo cerebral,
verbal (V) sendo esta dependente também da Pressão Arterial Média (PAM).
cujo valor normal é de

fazem a diferença
Sons incompreensíveis 2 Logo, a PPC é a diferença da PAM em relação à PIC.

vistos com maior


50mL por 100g de cérebro
Sem resposta 1
por minuto. Se esse fluxo
Obediência a comandos 6 PPC = PAM - PIC
diminui para menos de

no estudo e que
Localização da dor 5 20 a 25mL, a atividade

atenção.
eletroencefalográfica
Melhor resposta Flexão normal (retirada) 4
desaparece. Se menor de
motora (M) Flexão anormal (decorticação) 3 4. Avaliação inicial 5mL, há morte celular

precisam ser
Extensão (descerebração) 2 com consequente lesão
A avaliação inicial segue a padronização do Advanced Trauma Life Support
irreversível. Se a PAM
Sem resposta (flacidez) 1 (ATLS®). Como a hipóxia pode causar alteração do nível de consciência,
pacientes com rebaixamento sensório têm indicação de via aérea de- cai para valores menores
do que 50mmHg, há

sempre
Déficits neurológicos, motores e/ou sensitivos podem ser relatados, finitiva. A proteção da coluna cervical deve ser mantida até a exclusão
mas o exame neurológico pormenorizado deve ser realizado somente completa da lesão. A correção de perdas volêmicas também é impor- diminuição abrupta do
durante o exame secundário. tante, pois alguns casos de alteração neurológica podem ser secundá- fluxo sanguíneo cerebral.
rios a hipovolemia. Para evitar lesões,
E - Exposição com controle do ambiente
lembradas.
deve-se tentar manter a
Durante o exame primário, a avaliação neurológica consta de um PAM e evacuar hema-
Durante a fase inicial, o paciente deve ser despido para avaliação do exame rápido, em que se avaliam nível de consciência, pupilas e sinais tomas precocemente.
dorso, do períneo e das extremidades. É importante adotar medidas de localização de lesões. O nível de consciência é estimado pela ECG (ou
necessárias para a prevenção da hipotermia, como a utilização de co- GCS – Glasgow Coma Score), em que são atribuídos pontos às melhores
bertores, mantas térmicas e fluidos aquecidos. respostas do paciente em 3 parâmetros clínicos (Tabela 2).

Tabelas:
Como complementação dos parágrafos e dos ícones, você
conta com tabelas com informações sequenciais, para
visualização instantânea.

Vídeos:
Acionados via QR Code, os vídeos e as animações trazem explicações práticas e didáticas. Para visualizá-los:
1 - Instale qualquer aplicativo (disponível na AppStore ou no Google Play) leitor QR Code em seu celular ou tablet.
2 - Localize em seu livro as páginas que contêm um QR Code.
3 - Abra o aplicativo instalado e posicione o leitor do seu aparelho no centro da figura impressa.
4 - Assim que se abrir uma nova tela, pressione o botão “Play” do vídeo, para iniciar os estudos.

SIC CIRURGIA DO TRAUMA 178 SIC CIRURGIA DO TRAUMA

4. Exame primário e reanimação – o ABCDE Resumo Quadros-resumo:


do trauma
Vídeo
Durante o exame primário, o socorrista deve identificar e tratar as le-
sões com risco iminente de morte. O ATLS® propõe um atendimento
padronizado, cuja sequência adota o método mnemônico do ABCDE do
Quadro-resumo Trazem os pontos
mais relevantes, de
- O melhor tratamento para o feto é o tratamento adequado da mãe;
ABCDE do trauma trauma.
- O choque deve ser tratado agressivamente, mesmo que os sintomas sejam pouco evidentes;
Tabela 3 - ABCDE do trauma
- O obstetra deve ser envolvido precocemente;

forma prática, para


A Vias aéreas com proteção da coluna cervical (Airway)
B Respiração e ventilação (Breathing) - Questões como compressão uterina e isoimunização devem ser sempre lembradas.

C Circulação com controle da hemorragia (Circulation)


D
E
Incapacidade, estado neurológico (Disability)
Exposição com controle do ambiente (Exposure) Dica Resposta uma rápida revisão
Na vida prática, essas etapas podem ser realizadas simultaneamente.

do que foi abordado.


da questão do capítulo
Para fixar o que estudou
Entretanto, o socorrista que conduz o atendimento deve ter em mente
neste capítulo, teste seus
que a sequência deve ser respeitada. Ou seja, só se passa para o próximo conhecimentos resolvendo as 1. B
passo (a próxima “letra”) após o anterior ser completamente resolvido. questões referentes ao tema.
Ao término do atendimento, o paciente deve ser reavaliado. Questões: página XX
Comentários: página XX
A - Manutenção das vias aéreas com controle da
Dica coluna cervical
Enquanto o simples ato de conseguir falar indica que a via aérea está
A permeabilidade das pérvia naquele momento, pacientes com respiração ruidosa ou roncos
vias aéreas é a 1ª medida
do atendimento.
e os inconscientes apresentam maior risco de comprometimento. Cor-
pos estranhos e fraturas faciais, mandibulares e traqueolaríngeas tam-
bém podem comprometer a permeabilidade.
Respostas:
A retirada de corpos estranhos e a realização de manobras simples
para a estabilização das vias aéreas, como a elevação do queixo (chin
lift) e a anteriorização da mandíbula ( jaw thrust), devem ser feitas ime-
diatamente, sempre com proteção da coluna cervical (Figura 4). Em
Encontre, ao final do
alguns casos, essas medidas não são suficientes para uma via aérea
pérvia, tornando-se necessária uma via aérea definitiva, por meio de
intubação oro ou nasotraqueal ou de cricotireoidostomia.
capítulo, a(s)
resposta(s) da(s)
questão(ões)
apresentada(s).
Figura 4 - Estabilização das vias aéreas: (A) chin lift e (B) jaw thrust; em ambas, deve-se evitar a extensão cervical
Questões

Cirurgia do Trauma Questões


Cirurgia do Trauma

a) verificar as pupilas

Questões: Atendimento inicial ao politraumatizado b) verificar a pressão arterial


c) puncionar veia calibrosa
d) assegurar boa via aérea
Organizamos, por 2015 - FMUSP-RP
1. Um homem de 22 anos, vítima de queda de moto em ro-
e) realizar traqueostomia

capítulo, questões
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
dovia há 30 minutos, com trauma de crânio evidente, tra- Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
zido pelo SAMU, chega à sala de trauma de um hospital
terciário com intubação traqueal pelo rebaixamento do 2015 - UFG

de instituições de nível de consciência. A equipe de atendimento pré-hos-


pitalar informou que o paciente apresentava sinais de
4. Um homem de 56 anos é internado no serviço de
emergência após sofrer queda de uma escada. Ele está

todo o Brasil. choque hipovolêmico e infundiu 1L de solução cristaloide inconsciente, apresenta fluido sanguinolento não coa-
até a chegada ao hospital. Exame físico: SatO2 = 95%, FC = gulado no canal auditivo direito, além de retração e
140bpm, PA = 80x60mmHg e ECG = 3. Exames de imagem: movimentos inespecíficos aos estímulos dolorosos, está
raio x de tórax e bacia sem alterações. A ultrassonografia com os olhos fechados, abrindo-os em resposta à dor, e
FAST revela grande quantidade de líquido abdominal. A produz sons ininteligíveis. As pupilas estão isocóricas
melhor forma de tratar o choque desse paciente é: e fotorreagentes. Sua pontuação na escala de coma de
a) infundir mais 1L de cristaloide, realizar hipotensão Glasgow é:
permissiva, iniciar transfusão de papa de hemácias e en- a) 6
caminhar para laparotomia b) 7
b) infundir mais 3L de cristaloide, aguardar exames labo- c) 8
ratoriais para iniciar transfusão de papa de hemácias e d) 9
encaminhar para laparotomia
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
c) infundir mais 3L de cristaloide, realizar hipotensão Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
permissiva, iniciar transfusão de papa de hemácias e
plasma fresco congelado e encaminhar para laparotomia 2015 - UFCG
d) infundir mais 1L de cristaloide, iniciar transfusão de 5. Um homem de 20 anos foi retirado do carro em cha-
papa de hemácias e plasma fresco congelado e encami- mas. Apresenta queimaduras de 3º grau no tórax e em
nhar o paciente para laparotomia toda a face. A 1ª medida a ser tomada pelo profissional
de saúde que o atende deve ser:
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão a) aplicar morfina
Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
b) promover uma boa hidratação
2015 - SES-RJ c) perguntar o nome
2. Para avaliar inicialmente um paciente com traumatis- d) lavar a face
mo cranioencefálico, um residente utilizou a escala de e) colocar colar cervical
Glasgow, que leva em conta:
Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
a) resposta verbal, reflexo cutâneo-plantar e resposta Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
motora
b) reflexos pupilares, resposta verbal e reflexos profundos 2014 - HSPE

Anote:
c) abertura ocular, reflexos pupilares e reflexos profundos 6. Um pediatra está de plantão no SAMU e é acionado
d) abertura ocular, resposta verbal e resposta motora para o atendimento de um acidente automobilístico.
Ao chegar ao local do acidente, encontra uma criança

O quadrinho ajuda na lembrança futura


Tenho domínio do assunto Refazer essa questão
Reler o comentário Encontrei dificuldade para responder
de 5 anos próxima a uma bicicleta, sem capacete, dei-
tada no asfalto e com ferimento cortocontuso extenso
2015 - UFES no crânio, após choque frontal com um carro. A criança

sobre o domínio do assunto e a possível 3. A 1ª conduta a ser tomada em um paciente politrau-


matizado inconsciente é:
está com respiração irregular e ECG (Escala de Coma de
Glasgow) de 7. O pediatra decide estabilizar a via aérea

necessidade de retorno ao tema.

Comentários
Cirurgia do Trauma Comentários

Cirurgia do Trauma

Questão 5. O paciente tem grande risco de lesão térmica


Atendimento inicial ao politraumatizado de vias aéreas. A avaliação da perviedade, perguntando-
se o nome, por exemplo, é a 1ª medida a ser tomada. Em
caso de qualquer evidência de lesão, a intubação orotra-
Questão 1. Trata-se de paciente politraumatizado, ins- queal deve ser precoce.
tável hemodinamicamente, com evidência de hemope- Gabarito = C
ritônio pelo FAST. Tem indicação de laparotomia explo-
radora, sendo que a expansão hemodinâmica pode ser Questão 6. O tiopental é uma opção interessante, pois é
otimizada enquanto segue para o centro cirúrgico. um tiobarbitúrico de ação ultracurta. Deprime o sistema
Gabarito = D nervoso central e leva a hipnose, mas não a analgesia. É
usado para proteção cerebral, pois diminui o fluxo sanguí-
Questão 2. A escala de coma de Glasgow leva em con- neo cerebral, o ritmo metabólico cerebral e a pressão in-
ta a melhor resposta do paciente diante da avaliação da tracraniana, o que é benéfico para o paciente nesse caso.
resposta ocular, verbal e motora. Ainda que a avaliação Gabarito = A
do reflexo pupilar seja preconizada na avaliação inicial do
politraumatizado, ela não faz parte da escala de Glasgow. Questão 7. Seguindo as condutas preconizadas pelo
Gabarito = D ATLS®, a melhor sequência seria:
A: via aérea definitiva com intubação orotraqueal, man-
Questão 3. A 1ª conduta no politraumatizado com rebai- tendo proteção à coluna cervical.
xamento do nível de consciência é garantir uma via aérea B: suporte de O2 e raio x de tórax na sala de emergência.
definitiva, mantendo a proteção da coluna cervical. C: garantir 2 acessos venosos periféricos, continuar a
Gabarito = D infusão de cristaloides aquecidos e solicitar hemoderi-
vados. FAST ou lavado peritoneal caso o raio x de tórax
Questão 4. A pontuação pela escala de coma de Glasgow esteja normal.
está resumida a seguir: D: garantir via aérea adequada e manter a oxigenação e
a pressão arterial.
Espontânea 4 E: manter o paciente aquecido.
Ao estímulo verbal 3 Logo, a melhor alternativa é a “c”.
Abertura ocular (O) Gabarito = C
Ao estímulo doloroso 2
Sem resposta 1
Questão 8. O chamado damage control resuscitation, que
Orientado 5
deve ser incorporado na próxima atualização do ATLS®,
Confuso 4 está descrito na alternativa “a”. Consiste na contenção
Melhor resposta verbal (V) Palavras inapropriadas 3 precoce do sangramento, em uma reposição menos
Sons incompreensíveis 2 agressiva de cristaloide, mantendo certo grau de hipo-
Sem resposta 1 tensão (desde que não haja trauma cranioencefálico as-
Obediência a comandos 6 sociado), e no uso de medicações como o ácido tranexâ-
Localização da dor 5 mico ou o aminocaproico.
Flexão normal (retirada) 4
Gabarito = A
Melhor resposta motora (M) Flexão anormal (decor-
3 Questão 9. O tratamento inicial de todo paciente poli-
ticação)
traumatizado deve sempre seguir a ordem de priorida-

Comentários:
Extensão (descerebração) 2
des proposta pelo ATLS®. A 1ª medida deve ser sempre
Sem resposta (flacidez) 1
garantir uma via aérea pérvia com proteção da coluna
cervical. Nesse caso, a fratura de face provavelmente in-
Logo, o paciente apresenta ocular 2 + verbal 2 + motor 4 = 8.
Gabarito = C
viabiliza uma via aérea não cirúrgica, e o paciente é can-
didato a cricotireoidostomia. Após essa medida, e garan-
Além do gabarito oficial divulgado pela instituição, nosso
corpo docente comenta cada questão. Não hesite em
retornar ao conteúdo caso se sinta inseguro. Pelo
contrário: se achá-lo relevante, leia atentamente o
capítulo e reforce o entendimento nas dicas e nos ícones.
Índice

Capítulo 1 - Neuroanatomia ............................ 15 Capítulo 4 - Cefaleias ...................................... 89


1. Medula ..........................................................................16 1. Introdução ..................................................................90
2. Meninges espinais ....................................................18 2. Classificação e diagnóstico ...................................90
3. Tronco encefálico ..................................................... 20 3. Cefaleias primárias ...................................................93
4. Cerebelo...................................................................... 22 4. Cefaleias secundárias ........................................... 105
5. Diencéfalo .................................................................. 23 Resumo ............................................................................111
6. Telencéfalo ................................................................. 25
Capítulo 5 - Doenças cerebrovasculares .... 113
7. Meninges do sistema nervoso central ................ 31
1. Introdução ................................................................. 114
8. Vascularização do sistema nervoso central .....35
2. Ataque isquêmico transitório ............................ 114
9. Barreiras encefálicas .............................................. 38
3. Acidente vascular cerebral isquêmico.............. 115
10. Fibras nervosas ...................................................... 38
4. Hemorragia intraparenquimatosa
Resumo ............................................................................40 espontânea............................................................... 130
5. Hemorragia subaracnoide .................................. 134
Capítulo 2 - Semiologia e propedêutica
neurológica ........................................................ 43 6. Trombose venosa cerebral ..................................137
Resumo ......................................................................... 138
1. Introdução ..................................................................44
2. Exame do estado mental/funções corticais Capítulo 6 - Coma e alteração do estado
superiores ...................................................................44
de consciência .................................................. 141
3. Motricidade................................................................ 49
1. Introdução ................................................................ 142
4. Equilíbrio estático e dinâmico (marcha) ........... 56
2. Avaliação clínica do paciente em coma ............143
5. Coordenação e provas cerebelares ................... 58
3. Conduta inicial e investigação etiológica........ 150
6. Sensibilidade ............................................................. 59
4. Conduta .................................................................... 150
7. Sinais meníngeos ..................................................... 63
5. Coma induzido/sedação ...................................... 154
8. Nervos cranianos .................................................... 64
Resumo ...........................................................................155
Resumo ............................................................................. 71
Capítulo 7 - Epilepsia ......................................157
Capítulo 3 - Dor..................................................75
1. Introdução ................................................................ 158
1. Definição .....................................................................76 2. Definição ................................................................... 158
2. Classificação ...............................................................76 3. Classificação ............................................................ 160
3. Definições práticas .................................................. 78 4. Investigação diagnóstica ..................................... 166
4. Classificação da intensidade ................................ 79 5. Diagnóstico diferencial..........................................167
5. Condições clínicas frequentemente ligadas à 6. Tratamento ...............................................................169
dor crônica .................................................................. 79
Resumo ...........................................................................172
6. Dor musculoesquelética ........................................ 79
7. Dor neuropática ........................................................ 82 Capítulo 8 - Demências ..................................173
8. Dor oncológica ..........................................................84 1. Introdução .................................................................174
9. Síndromes dolorosas ..............................................84 2. Epidemiologia...........................................................174
10. Tratamento ............................................................. 86 3. Classificação .............................................................175
Resumo ............................................................................88 4. Avaliação diagnóstica............................................176
5. Doença de Alzheimer..............................................177 3. Fisiopatologia...........................................................229
6. Demência vascular................................................. 180 4. Quadro clínico..........................................................229
7. Outras causas............................................................181 5. Diagnóstico............................................................... 232
Resumo ...........................................................................183 6. Tratamento...............................................................236
7. Prognóstico...............................................................240
Capítulo 9 - Doença de Parkinson................187 8. Outras doenças desmielinizantes ....................242
1. Introdução................................................................. 188 Resumo...........................................................................244
2. Epidemiologia.......................................................... 188
3. Quadro clínico.......................................................... 188
Capítulo 12 - Insônia e outros distúrbios do
sono.................................................................... 245
4. Etiologia..................................................................... 190
5. Patologia..................................................................... 191 1. Fisiologia do ciclo sono–vigília............................246

6. Diagnóstico................................................................192 2. Classificação dos distúrbios do sono................248

7. Diagnóstico diferencial...........................................193 3. Insônia........................................................................248

8. Tratamento................................................................195 4. Distúrbios respiratórios do sono....................... 252

9. Apêndice I: conhecendo o sistema 5. Transtorno de ritmo circadiano..........................254


extrapiramidal.......................................................... 199 6. Hipersônias de origem central........................... 255
10. Apêndice II: outros distúrbios do 7. Parassonias............................................................... 259
movimento............................................................. 200 8. Transtornos de movimentos associados ao
Resumo...........................................................................203 sono............................................................................. 259
Resumo...........................................................................262
Capítulo 10 - Doenças neuromusculares
e mielopatias....................................................205 Capítulo 13 - Tumores do sistema
1. Introdução.................................................................206 nervoso............................................................. 265
2. Fisiopatologia...........................................................206 1. Epidemiologia e classificação..............................266
3. Polirradiculoneurite aguda ou síndrome de 2. Quadro clínico..........................................................269
Guillain-Barré ...........................................................207 3. Tumores benignos primários..............................270
4. Outras paralisias flácidas .....................................212 4. Tumores malignos primários ............................. 275
Resumo...........................................................................224 5. Metástases do sistema nervoso central......... 281
6. Apêndice ...................................................................282
Capítulo 11 - Esclerose múltipla................... 227
Resumo...........................................................................284
1. Introdução.................................................................228
2. Epidemiologia..........................................................228
Vinícius de Meldau Benites Cristina Gonçalves Massant
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Victor Celso Cenciper Fiorini

1
Neste capítulo abordaremos medula espinal, menin-
ges, tronco encefálico, cerebelo, diencéfalo, telencéfalo,
vascularização do encéfalo e as barreiras encefálicas. O
sistema nervoso central é formado pela medula espi-
nal e pelo encéfalo. A medula espinal é envolvida pela
coluna vertebral e se estende da região do bulbo até as
primeiras vértebras lombares. Ao corte transversal, é
possível identificar a substância cinzenta (internamente)
e a substância branca (externamente). A substância cin-
zenta é formada pelos corpos celulares dos neurônios,
tem a forma de “H” e possui colunas anterior, posterior

Neuroanatomia
e lateral; já a substância branca é dividida em funícu-
los anterior, lateral e posterior. O funículo posterior
divide-se em grácil e cuneiforme. O tronco encefálico
localiza-se entre a medula e o diencéfalo, anterior ao
cerebelo, e nele fazem conexão 10 dos 12 pares de ner-
vos cranianos. Além disso, pode ser dividido em bulbo
(inferiormente), mesencéfalo (superiormente) e ponte
(entre ambos). O bulbo, ou medula oblonga, estende-
-se inferiormente como medula espinal, separando-se
desta por um plano horizontal imaginário no nível do
forame magno, e, superiormente, separa-se da ponte são envoltórios do sistema nervoso central constituídos
pelo sulco bulbopontino. Em sua parte inferior, a maio- por 3 membranas: dura-máter, aracnoide e pia-máter.
ria das fibras do trato corticospinal se cruza e forma a A dura-máter forma a paquimeninge, enquanto a arac-
decussação das pirâmides. A ponte localiza-se entre o noide e a pia-máter às vezes são consideradas formação
bulbo e o mesencéfalo, sendo que sua base possui um única, a leptomeninge. A dura-máter é a meninge mais
sulco longitudinal, sobre o qual está a artéria basilar. Na externa, resistente e inelástica, enquanto a aracnoide é
ponte, originam-se os nervos trigêmeo (V), abducente uma fina membrana. A sobreposição entre as meninges
(VI), facial (VII) e vestibulococlear (VIII). O mesencéfalo gera espaços de importância clínica. Entre a dura-máter e
localiza-se entre a ponte e o diencéfalo, e dele emergem a aracnoide, temos o espaço subdural. O espaço subarac-
o nervo oculomotor (III) e o troclear (IV). O cerebelo está nóideo fica entre a aracnoide e a pia-máter, é preenchido
alojado posteriormente ao bulbo e à ponte, separado pelo liquor, e em alguns locais há a formação de cisternas
do lobo occipital pelo tentório, ou tenda do cerebelo, (magna, pontina, quiasmática, interpeduncular, superior e
sendo um órgão essencialmente relacionado às funções da fossa lateral do cérebro). A pia-máter é a mais interna
motoras, como equilíbrio, coordenação dos movimen- das meninges, delicada, que se adere à superfície do encé-
tos e tônus muscular. Já o diencéfalo é único e mediano, falo e da medula, inclusive aos sulcos, às fissuras e aos
encoberto pelo telencéfalo, sendo dividido em tálamo, vasos que penetram no tecido nervoso. Por fim, o encéfalo
hipotálamo, epitálamo e subtálamo, todos em relação é irrigado pelas artérias carótidas internas e vertebrais,
ao III ventrículo. O telencéfalo é formado pelos 2 hemis- cujos ramos se anastomosam na base do crânio para for-
férios cerebrais, que são incompletamente separados. mar o polígono de Willis (formado pelas artérias cerebral
Os sulcos cerebrais determinam lobos, a saber: fron- anterior, média e posterior, artéria comunicante anterior e
tal, temporal, parietal, occipital e a ínsula. As meninges artérias comunicantes posteriores direita e esquerda).
2 sic neurologia

1. Medula
A - Conceito
A medula faz parte do Sistema Nervoso Central (SNC). Seu limite supe-
rior é o bulbo, no nível do forame magno. Já o limite caudal varia com a
idade, situando-se, no adulto, aproximadamente no nível da borda infe-
rior da 1ª ou 2ª vértebras lombares (L1 ou L2) e em L3 no recém-nascido.

B - Anatomia macroscópica
A medula possui forma cilíndrica, achatada no sentido anteroposterior,
e tem calibre irregular (intumescências cervical e lombar, que corres-
pondem às áreas de conexão entre a medula e os plexos braquial e
lombossacral, respectivamente). Além disso, termina afilando-se para
formar o cone medular, que continua com o filamento terminal, ambos
revestidos pela pia-máter. A continuação do filamento terminal dá ori-
gem a diversas raízes nervosas, cujo conjunto recebe o nome de cauda
equina. A compressão do cone medular ou da cauda equina dá origem
a síndromes clínicas distintas, típicas e que constituem urgências mé-
dicas, devendo ser rapidamente identificadas e tratadas. O conceito de
cone medular e filamento terminal é importante, devido à necessidade
de diferenciar entre síndrome do cone medular e síndrome da cauda
equina.
Ao corte transversal, é possível identificar a substância cinzenta (in-
ternamente) e a substância branca (externamente). A primeira tem a
forma de um “H” e possui colunas anterior, posterior e lateral (esta, só
na medula torácica). No centro dessa substância, encontra-se o canal
central da medula (Figura 1), resquício da luz do tubo neural.
A substância branca é dividida em:
--Funículo anterior: entre a fissura mediana anterior e o sulco lateral
anterior;
--Funículo lateral: entre o sulco lateral anterior e o sulco lateral
posterior;
--Funículo posterior: entre o sulco lateral posterior e o sulco mediano
posterior. Na coluna cervical, é dividido pelo sulco intermédio poste-
rior em 2 fascículos: grácil (medial) e cuneiforme (lateral).

Dica
Deve-se lembrar que
o funículo posterior é
subdividido na região
cervical, formando
fascículo grácil (medial) e
cuneiforme (lateral).

Figura 1 - Corte transversal da medula espinal


neuroanatomia 3

C - Segmentos medulares
Os filamentos radiculares unem-se para formar as raízes ventrais (mo-
toras) e dorsais (sensitivas) dos nervos espinais. Essas raízes, por sua
vez, se unem distalmente ao gânglio espinal (localizado na raiz dorsal)
para formar os nervos espinais. Existem 31 pares de nervos espinais,
distribuídos da seguinte forma:
--8 cervicais;
--12 torácicos;
--5 lombares;
--5 sacrais;
--1 coccígeo.
O 1º par cervical emerge entre o osso occipital e a 1ª vértebra cervical;
já o 8º par cervical emerge abaixo da 7ª vértebra cervical. Os nervos
espinais também emergem abaixo da vértebra de número correspon-
dente – Figura 2.

D - Topografia vertebromedular
O crescimento da medula e da coluna vertebral acontece no mesmo
ritmo até o 4º mês de vida intrauterina, a partir de quando a coluna
passa a crescer mais rapidamente do que a medula, causando alon-
gamento das raízes e diminuição do ângulo radiculomedular. Desta
forma, no indivíduo adulto, a medula termina no nível da borda infe-
rior da 1ª vértebra lombar, e, abaixo dela, existe a cauda equina, com-
posta apenas de raízes nervosas e filamento terminal. Por esse motivo,
Figura 2 - Nervos espinais
o segmento medular subjacente à vértebra não é exatamente o mesmo
desta. Por exemplo, abaixo da 3ª vértebra torácica, o segmento medu-
lar é o de T5. Assim, uma lesão óssea em T3, comprimindo a medula,
causa síndrome medular com nível medular em T5, ou seja, o nível me-
dular T5 equivale ao nível vertebral T3.
Para definirmos o nível das lesões vertebromedulares, podemos utili-
zar a seguinte regra: Dica
--Entre as vértebras C2 e T10: adicionamos 2 ao número do processo es-
Entre T11 e T12 surgem
pinal da vértebra e temos o número do segmento medular subjacente;
os 5 segmentos espinais
--Vértebras T11 e T12: correspondem aos 5 segmentos lombares; lombares, enquanto em
--Processo espinal de L1: corresponde aos 5 segmentos sacrais. L1 surgem os 5 segmentos
sacrais.
Tabela 1 - Motor: tratos descendentes (localizados na coluna anterior)
- Corticospinal lateral (cruzado) – motricidade voluntária: pe-
las fibras que cruzam na pirâmide bulbar. Dentro do trato,
as fibras motoras dos membros superiores são médias e as
dos MMII, laterais (Figura 3 - 1a); um miótomo é justamen-
Piramidal te o conjunto de músculos que recebe inervação de um
mesmo par de raízes motoras;
- Corticospinal anterior (direto) – motricidade voluntária:
pelos 10% das fibras que não cruzam nas pirâmides, e sim
no segmento da medula (Figura 3 - 1b).
- Rubrospinal: controla músculos responsáveis pela motrici-
dade da parte distal dos membros – músculos intrínsecos e
Extrapira- extrínsecos da mão e do pé (Figura 3 - 2a);
midal - Vestibulospinal: controla a musculatura axial, ou seja, do
tronco, assim como a musculatura proximal dos membros.
Manutenção do equilíbrio e postura básica (Figura 3 - 2c).
4 sic neurologia

- Reticulospinal: controla a musculatura axial, ou seja, do


tronco, assim como a musculatura proximal dos membros.
Manutenção do equilíbrio e postura básica e motricidade
voluntária da musculatura axial e proximal (Figura 3 - 2b);
Extrapira-
midal - Tectospinal: controla a musculatura axial, ou seja, do tron-
co, assim como a musculatura proximal dos membros. Pos-
sui uma função mais limitada, relacionada a certos reflexos
em que a movimentação decorre de estímulos visuais (não
demonstrado).

Figura 3 - Inervações vertebromedulares

Tabela 2 - Sensitivo: tratos ascendentes (localizados na coluna anterior)

Vias ascendentes do funículo posterior


Fascículo grácil – toda a medula/membros inferiores (Figura 3 - 3a) – e
cuneiforme – torácica alta/membros inferiores (Figura 3 - 3b) – pro-
priocepção consciente (cinestesia), tato discriminativo (epicrítico – fino),
sensibilidade vibratória, estereognosia

Vias ascendentes do funículo anterior


Trato espinotalâmico anterior (Figura 3 - 5b) – pressão – e tato leve (pro-
topático – grosseiro)

Vias ascendentes do funículo lateral


- Trato espinotalâmico lateral (Figura 3 - 5a) – dor e temperatura;

- Trato espinocerebelar posterior (Figura 3 - 4a) – propriocepção inconscien-


te originada em fusos neuromusculares e órgãos tendinosos;

- Trato espinocerebelar anterior (Figura 3 - 4b) – cerebelo informado


quando os impulsos motores chegam à medula e qual sua intensidade. A
informação é usada pelo cerebelo para controle do movimento somático.

2. Meninges espinais
Assim como o encéfalo, a medula encontra-se envolvida pelas menin-
ges, e estas também determinam os espaços meníngeos (Figura 4). Do
mais externo para o mais interno, temos:
neuroanatomia 5

--Espaço epidural ou extradural: entre a dura-máter e o periósteo do


canal vertebral;
--Dura-máter: ou paquimeninge, é a meninge mais externa, resistente
e espessa, rica em fibras colágenas. Termina inferiormente em fundo
de saco no nível da vértebra S2 e forma o epineuro das raízes dos ner-
vos espinais;
--Espaço subdural: entre a dura-máter e a aracnoide;
--Aracnoide: um dos componentes da leptomeninge;
--Espaço subaracnoide: por onde circula o liquor. Entre as vértebras
L2 (limite inferior do cone medular) e S2, limite inferior do saco du-
ral, há uma razoável quantidade de liquor. Nesse espaço, obtém-se
liquor por meio da punção lombar, realizada com a introdução de uma
agulha entre os níveis vertebrais L3-L4, L4-L5 ou L5-S1. A agulha de
punção deve atravessar o espaço epidural, a dura-máter, o espaço
subdural, a aracnoide, até atingir o espaço subaracnoide, de onde o
liquor será coletado para exame;
--Pia-máter: é o outro componente da leptomeninge, aderindo-se à
medula.

Figura 4 - Meninges espinais


6 sic neurologia

3. Tronco encefálico
A - Conceito
O tronco encefálico localiza-se entre a medula e o diencéfalo, ventral-
mente ao cerebelo, e contém núcleos de substância cinzenta entreme-
ados por tratos, fascículos ou lemniscos de substância branca. Além
disso, participa do SNC segmentar, e nele fazem conexão 10 dos 12 pa-
res de nervos cranianos. Pode ser dividido em bulbo (inferiormente),
mesencéfalo (superiormente) e ponte (entre ambos). A seguir, temos o
estudo de cada parte:

Figura 5 - Corte sagital através do encéfalo

B - Divisões
a) Bulbo
Também conhecido como medula oblonga, estende-se inferiormente
como medula espinal, separando-se desta por um plano horizontal
imaginário no nível do forame magno.
Superiormente, separa-se da ponte pelo sulco bulbopontino (Figura 6).

Dica Na parte inferior do bulbo, a maioria das fibras deste trato se cruza
e forma a decussação das pirâmides. As fibras dos nervos IX (hipo-
glosso), X (vago), XII (hipoglosso) e parte das do XI par craniano (aces-
No bulbo, originam-se sório) emergem do bulbo (Figura 6).
nervos glossofaríngeo
(IX), vago (X), acessório A metade caudal é percorrida por um canal contínuo com o canal cen-
(XI) e hipoglosso (XII). tral da medula, que se abre para formar parte do assoalho do IV ven-
trículo (Figura 7). Posteriormente, localizam-se os fascículos grácil e
cuneiforme.
neuroanatomia 7

Figura 6 - Vista frontal do bulbo, da ponte e do mesencéfalo Figura 7 - Vista dorsal do bulbo, da ponte e do mesencéfalo

b) Ponte
Localiza-se entre o bulbo e o mesencéfalo, sobre a porção
basilar do osso occipital e o dorso da sela túrcica do esfe- Dica
noide. Sua base possui um sulco longitudinal, sobre o qual
Na ponte, originam-se nervos trigêmeo
está a artéria basilar. O pedúnculo cerebelar médio ou braço
(V), abducente (VI), facial (VII) e vesti-
da ponte, formado por fibras transversais que saem desta,
bulococlear (VIII).
une-a ao cerebelo. Os seguintes nervos cranianos emergem
da ponte: raiz sensitiva e motora do V, trigêmeo; VI, abdu-
cente; VII, facial; e VIII, vestibulococlear (Figura 6). A parte
dorsal da ponte contribui para a formação do assoalho do IV
ventrículo.

c) Mesencéfalo
Localiza-se entre a ponte e o diencéfalo e é atravessado pelo
Dica
aqueduto cerebral (aqueduto de Sylvius), que, por sua vez (Fi- No mesencéfalo, originam-se os
gura 8 - A), une o IV ao III ventrículo. Do mesencéfalo emergem nervos oculomotor (III) e troclear (IV).
os nervos oculomotor (III nervo) e troclear (IV nervo).
Anteriormente ao mesencéfalo, encontra-se a glândula pineal
(epitálamo). O colículo inferior liga-se ao corpo geniculado me-
dial e participa da via auditiva; já o colículo superior se liga ao
corpo geniculado lateral e participa da via óptica.
Os pedúnculos cerebrais são 2grandes feixes de fibras que pe-
netram profundamente no cérebro e carregam informações
Dica
principalmente das vias motoras (Figura 6). A substância ne- O colículo inferior se liga ao corpo
gra mesencefálica é um grupo de neurônios dopaminérgicos geniculado medial (via auditiva),
que participa do circuito dos gânglios da base, importante enquanto o colículo superior se liga
para o controle dos movimentos. A degeneração de neurônios ao corpo geniculado lateral (via
de uma parte específica da substância negra é responsável pe- óptica).
los sintomas observados na doença de Parkinson.
8 sic neurologia

d) IV ventrículo
É delimitado anteriormente pelo bulbo e pela ponte e, posteriormente,
Dica pelo cerebelo.
Sua cavidade prolonga-se de cada lado até os forames de Luschka
As aberturas presentes no (aberturas laterais do IV ventrículo). Medialmente, existe o forame de
IV ventrículo para espaço Magendie (abertura mediana do IV ventrículo). Através desses forames,
subaracnoide são os fora- o liquor passa da cavidade ventricular para o espaço subaracnóideo.
mes de Luschka (laterais) Continua inferiormente com o canal central do bulbo e superiormente
e de Magendie (medial). com o aqueduto mesencefálico (ou de Sylvius), por meio do qual se co-
munica com o III ventrículo.

Figura 8 - Ventrículos do encéfalo: (A) vista anterior e (B) vista lateral

4. Cerebelo
A - Conceito
Está alojado na fossa cerebelar do osso occipital, posterior ao bulbo e à
ponte, compondo parte do teto do IV ventrículo. É separado do lobo oc-
cipital pelo tentório, ou tenda do cerebelo. Liga-se à medula e ao bulbo
pelo pedúnculo cerebelar inferior; à ponte, pelo pedúnculo cerebelar
médio; e ao mesencéfalo, pelo pedúnculo cerebelar superior. É um ór-
gão essencialmente relacionado às funções motoras, como equilíbrio,
coordenação dos movimentos e tônus muscular.
neuroanatomia 9

B - Anatomia macroscópica
O cerebelo (Figura 9) possui 2 regiões distintas: uma porção mediana,
constituída pelo vérmis, e a zona intermédia, e uma lateral, composta
pelos hemisférios cerebelares, 2 massas volumosas que se ligam à por-
ção mediana.

Figura 9 - Cerebelo

A superfície cerebelar é percorrida por sulcos e fissuras, que delimitam


as folhas cerebelares e os lóbulos, respectivamente.
Ao corte sagital, observa-se que o cerebelo é constituído por um centro
de substância branca. No interior desse centro, é possível ver 4 pares de
núcleos de substância cinzenta: dentado, emboliforme, globoso e fastigial.
Do ponto de vista funcional, destaca-se a divisão filogenética do ce-
rebelo, que delimita o órgão em 3 partes: arqui, páleo e neocerebelo
(Tabela 3).

Tabela 3 - Divisão filogenética do cerebelo e suas funções


Divisões funcionais Funções
Arquicerebelo – lobo floculo- - Equilíbrio (do tronco);
nodular
(vestibulocerebelo)
- Movimentos oculares;
- Reflexos vestibulares. Dica
Controle do tônus muscular e execução
Paleocerebelo – vérmis e O cerebelo está relacio-
dos movimentos do tronco e apendicular
zona intermédia (espinoce-
proximal, além de movimentos progres- nado às funções motoras,
rebelo)
sivos como equilíbrio, coorde-
Neocerebelo – hemisférios - Planejamento motor de iniciação e tem- nação dos movimentos e
cerebelares po do movimento; tônus muscular.
(zona lateral – cerebrocere- - Coordenação para movimentos delica-
belo) dos e assimétricos.

5. Diencéfalo
A - Conceito
O nome cérebro se refere a 2 estruturas encefálicas: o diencéfalo e o te-
lencéfalo (hemisférios cerebrais).O diencéfalo é único e mediano, enco-
10 sic neurologia

berto pelo telencéfalo, e é dividido em tálamo, hipotálamo, epitálamo


(glândula pineal) e subtálamo, todos em relação ao III ventrículo.
--III ventrículo: trata-se de uma cavidade mediana que se comunica
inferiormente com o IV ventrículo, via aqueduto mesencefálico, e la-
teralmente com os ventrículos laterais, por meio dos forames inter-
ventriculares ou de Monro (Figura 8). No assoalho do III ventrículo, é
possível identificar as estruturas hipotalâmicas, que são: quiasma óp-
tico – anterior; infundíbulo e túber cinéreo – intermediário; e corpos
mamilares – posterior.

B - Estruturas

Figura 10 - Cortes do telencéfalo e diencéfalo, evidenciando núcleos da base

a) Tálamo
São 2 massas ovoides e volumosas de substância cinzenta, unidas me-
dialmente pela aderência intertalâmica e localizadas uma de cada lado
na região laterodorsal do diencéfalo. A extremidade posterior apre-
senta o pulvinar, que recobre os corpos geniculados lateral e medial. A
porção laterossuperior participa do assoalho do ventrículo lateral e é
revestida por epêndima (camada de células responsável pela produção
de liquor). A face lateral é separada do telencéfalo pela cápsula interna,
Dica feixe de fibras que liga o córtex cerebral a centros nervosos subcorti-
cais. E a face inferior é contínua com o hipotálamo e o subtálamo.
O tálamo relaciona-se
As principais funções talâmicas relacionam-se com a sensibilidade
com funções de sensibi-
(exceto a olfatória). A estrutura talâmica compreende vários núcleos,
lidade (exceto olfatória), compostos fundamentalmente por substância cinzenta. Esses núcleos
além de motricidade e estão envolvidos na transmissão dos impulsos sensitivos às suas res-
emoções. pectivas áreas no córtex, integrando e modificando-os. Motricidade,
comportamento emocional e ativação cortical são outras funções
relacionadas.
neuroanatomia 11

b) Hipotálamo, epitálamo e subtálamo

Dica
O hipotálamo localiza-se abaixo do tálamo (Figura 5) e se relaciona com
funções associadas ao controle visceral. Além disso, inclui estruturas
localizadas nas paredes laterais do III ventrículo: corpos mamilares,
quiasma óptico, túber cinéreo e infundíbulo. O hipotálamo possui
funções associadas ao
O epitálamo está situado na região posterior do III ventrículo. A estru-
controle visceral.
tura mais evidente é a glândula pineal ou epífise (Figuras 5 e 7), que é
única e mediana e pode encontrar-se calcificada nos indivíduos mais
velhos. A principal função da pineal é a síntese de melatonina, para
controle do ciclo sono–vigília.

Dica
O epitálamo possui
envolvimento no ritmo
circadiano.

Figura 11 - Corte do diencéfalo e do telencéfalo, evidenciando o epitálamo

O subtálamo localiza-se abaixo do tálamo, entre a cápsula interna (la-


teral – Figura 9) e o hipotálamo (medial – Figura 5). O elemento mais
evidente é o núcleo subtalâmico, relacionado com o controle dos movi-
mentos através de conexões com núcleos da base.
O Sistema Reticular Ativador Ascendente (SARA ou SRA) é um sistema
de fibras que se originam da formação reticular do tronco cerebral,
principalmente do tegumento paramediano da parte superior da ponte
e do mesencéfalo, e fazem projeção para os núcleos do tálamo.
Os neurônios do SARA também recebem colaterais das vias espinotalâ-
micas ascendentes e enviam projeções difusamente para todo o córtex
cerebral, de modo que os estímulos sensoriais estão envolvidos na per-
Dica
cepção sensorial e também na manutenção da consciência. As fibras O subtálamo possui
no SARA são colinérgicas, adrenérgicas, dopaminérgicas, serotoninér-
envolvimento no sistema
gicas e histaminérgicas.
extrapiramidal de con-
Experimentalmente, a estimulação do SRA produz ativação e a des- trole dos movimentos.
truição do SRA produz coma. O hipotálamo também é importante para
a consciência; ativação pode ser produzida por estimulação da região
hipotalâmica posterior.

6. Telencéfalo
A - Conceito
O telencéfalo é formado pelos 2 hemisférios cerebrais, que são incom-
pletamente separados pela fissura longitudinal do cérebro, e cujo asso-
alho é formado pelo corpo caloso (principal estrutura de união entre os
2 hemisférios) e pela lâmina terminal e comissura anterior, que formam
a parede anterior do III ventrículo.
Os hemisférios contam com os ventrículos laterais, que são suas cavi-
dades, e apresentam 3 polos (frontal, occipital e temporal) e 3 faces (su-
perolateral, medial e, finalmente, a base do cérebro, ou face inferior).
12 sic neurologia

B - Sulcos e lobos
A superfície cerebral (Figura 12) apresenta os giros ou circunvoluções
cerebrais que existem para aumentar a superfície cortical. Esses giros,
nem sempre constantes, são delimitados por sulcos. Os mais impor-
tantes são:
--Sulco lateral ou de Sylvius: separa o lobo frontal do temporal;
--Sulco central ou de Rolando: separa o lobo frontal do parietal e é mar-
geado pelos giros pré-central (anterior) e pós-central (posterior).
Os sulcos cerebrais determinam lobos, alguns recebendo o mesmo nome
do osso do crânio correspondente topograficamente (frontal, temporal,
parietal, occipital), e a ínsula, que se situa profundamente no sulco late-
ral e, ao contrário dos demais lobos, não se relaciona a ossos do crânio.

Figura 12 - (A) Vista lateral, (B) vista superior do cérebro e (C) vista medial
neuroanatomia 13

C - Faces cerebrais
a) Superolateral
É a face que se relaciona com os ossos da calota craniana, sendo, por-
tanto, convexa.
O lobo frontal apresenta 3 sulcos:
--Pré-central: paralelo ao sulco central;
--Frontal superior: parte perpendicular da porção superior do sulco
pré-central;
--Frontal inferior: parte perpendicular da porção inferior do sulco
pré-central.
O giro pré-central é a área motora primária, situado entre os sulcos
central e pré-central. O giro frontal inferior do hemisfério esquerdo é
chamado também de giro de Broca, sendo o centro cortical da expres-
são da linguagem.
O lobo temporal apresenta 2 sulcos principais:
--Temporal superior: corre paralelo ao ramo posterior do sulco lateral,
terminando no lobo parietal;
--Temporal inferior: é paralelo ao sulco temporal superior, mas nem
sempre contínuo.
Entre esses sulcos, está o giro temporal médio; abaixo, o giro temporal
inferior e, acima, o giro temporal superior. O centro cortical da audição
(giro de Heschl) se situa no giro transverso anterior, posteriormente ao
sulco lateral. A parte posterior do giro temporal superior esquerdo é a
área de Wernicke, responsável pela compreensão da linguagem.
O lobo parietal apresenta 2 sulcos principais:
--Pós-central: paralelo ao sulco central;
--Intraparietal: variável e perpendicular ao sulco pós-central.
O giro pós-central é a área sensitiva primária e está situado entre os
sulcos central e pós-central.
O lobo occipital é pequeno nessa face e apresenta giros variáveis. O
lobo da ínsula localiza-se profundamente ao sulco lateral.

b) Medial
É mais bem representada num corte sagital mediano (Figura 12 - C) e apre-
senta, além dos giros, formações tele-encefálicas inter-hemisféricas:
--Corpo caloso: é a maior comissura inter-hemisférica formada por fi-
bras mielínicas, que comunicam áreas simétricas do córtex cerebral
de cada hemisfério;
--Fórnice: surge e segue em direção à comissura anterior. Não é to-
talmente visível ao corte sagital, pois se trata de um feixe de fibras
distribuído em 2 metades laterais, que se unem medianamente para
formar o corpo do fórnice;
--Septo pelúcido: situa-se entre o corpo caloso e o fórnice e é formado
por 2 lâminas delgadas de tecido nervoso, que delimitam a cavidade
do septo pelúcido.
O lobo occipital apresenta 2 sulcos principais:
--Calcarino: inicia-se abaixo da glândula pineal e segue num trajeto ar-
queado em direção ao polo occipital. No sulco calcarino está o centro
cortical da visão;
--Parieto-occipital: separa o lobo occipital do parietal.
14 sic neurologia

c) Inferior
Também chamada de base do cérebro (Figura 13), pode ser dividida em
2partes: a do lobo frontal (sobre a fossa anterior do crânio) e a outra,
muito maior, que pertence quase toda ao lobo temporal (sobre a fossa
média e a tenda do cerebelo).

Figura 13 - Base do cérebro

O úncus, o giro para-hipocampal, o istmo do giro do cíngulo e o giro


do cíngulo circundam as estruturas inter-hemisféricas e fazem parte
do sistema límbico (Figura 14), que se relaciona com o comportamento
emocional e o controle do sistema nervoso autônomo.

Figura 14 - Sistema límbico

O bulbo olfatório é uma dilatação ovoide de substância cinzenta e con-


tínua com o trato olfatório, que recebe filamentos que formam o nervo
olfatório (I). Esses filamentos atravessam a lâmina crivosa do etmoide
e formam o trato olfatório. Esse trato bifurca-se posteriormente, for-
mando as estrias olfatórias medial e lateral que delimitam o trígono
olfatório. Entre o trígono e o trato óptico (posterior) está a substância
perfurada anterior, que dá passagem a inúmeros vasos.
neuroanatomia 15

D - Ventrículos laterais
Os ventrículos laterais esquerdo e direito (Figura 8 – vista anterior)
são as cavidades dos hemisférios cerebrais revestidas por epêndima
e que contêm o LCE. Comunicam-se com o III ventrículo pelo respec-
tivo forame interventricular ou de Monro e possuem 1 parte central e 3
cornos que se projetam nos lobos frontal, occipital e temporal, denomi-
nados, respectivamente, cornos anterior, posterior e inferior.
Os plexos coroides são constituídos pelo epêndima que reveste os ven-
trículos e a pia-máter (Figura 4). Esse plexo continua com o III ventrículo
por meio do forame de Monro e atinge o corno inferior sobre o fórnice e
a fímbria. Os cornos anterior e posterior não têm plexos coroides.

E - Organização interna dos hemisférios cerebrais


a) Núcleos da base
São núcleos profundos de substância cinzenta (Figura 10):
--Núcleo caudado: é alongado e se relaciona em toda a sua extensão
com as paredes dos ventrículos laterais;
--Núcleo lentiforme: é arredondado, e sua região anterior funde-se com
a cabeça do núcleo caudado, sem aparecer nas paredes ventriculares.
É dividido em putâmen (lateralmente) e globo pálido (medialmente)
pela lâmina medular lateral. O globo pálido é subdividido pela lâmina
medular medial em partes externa e interna;
--Claustro: é uma lâmina situada entre a cápsula extrema (lateral-
mente), que o separa do córtex da ínsula, e a cápsula externa (medial-
mente), que o separa do núcleo lentiforme;
--Corpo amigdaloide: é esférico, situado no polo temporal e relacionado
com a cauda do núcleo caudado, fazendo uma saliência no teto da
parte terminal do corno inferior. Faz parte do sistema límbico e é um
centro regulador do comportamento sexual e da agressividade;
--Núcleo accumbens: localiza-se entre o putâmen e a cabeça do núcleo
caudado;
--Núcleo basal de Meynert: localiza-se entre a substância perfurada
anterior e o globo pálido, numa região chamada substância inomi-
nada, que contém neurônios ricos em acetilcolina.

b) Centro branco medular do cérebro


É formado por fibras mielínicas divididas em:
--Fibras de projeção (Figura 15): são aquelas que ligam o córtex cerebral
a centros subcorticais e se dispõem em 2 feixes:
• Fórnice: liga o córtex do hipocampo ao corpo mamilar;
• Cápsula interna: contém a maioria das fibras que entram ou saem do
córtex cerebral. Forma um feixe compacto que separa o núcleo lenti-
forme (lateral) do núcleo caudado e tálamo (medial).
Acima do nível desses núcleos, as fibras da cápsula interna passam a
constituir a coroa radiada. A cápsula interna possui uma perna anterior,
entre o núcleo lentiforme e a cabeça do núcleo caudado, uma perna
posterior, entre o tálamo e o núcleo lentiforme, e o joelho da cápsula
interna, que une as pernas desta.
16 sic neurologia

--Fibras de associação: são aquelas que unem áreas corticais situa-


das em pontos diferentes do cérebro e podem ser inter-hemisféricas,
como a comissura do fórnice, a comissura anterior e o corpo caloso,
ou intra-hemisféricas, que se unem, na maioria, em fascículos, como
o fascículo do cíngulo, o fascículo longitudinal superior (arqueado), o
fascículo longitudinal inferior e o fascículo unciforme.

Figura 15 - Disposição das fibras de projeção

Tabela 4 - Divisões neuroanatômicas e suas funções


Estruturas Funções
- Pensamentos conscientes, funções intelectuais (cog-
nitivas);
Cérebro (telen-
- Armazenamento e processamento da memória;
céfalo)
- Controle consciente e inconsciente da contração dos
músculos esqueléticos.

- Tálamo – contém relés e centros de processamento de


informação sensorial;
Diencéfalo
- Hipotálamo – centros envolvidos com controle das
emoções, funções autonômicas e produção hormonal.

- Processamento de dados visuais e auditivos e reflexos


de controle desencadeados por esses estímulos, como
resposta reflexa imediata a um ruído alto e inespera-
Mesencéfalo do (movimentos dos olhos e ao virar a cabeça);

- Centros de manutenção da consciência (formação


reticular ativadora ascendente).

- Ligação do cerebelo ao tronco cerebral;


Ponte (meten-
céfalo) - Relés de informações do cerebelo e do tálamo e nú-
cleos envolvidos com o controle motor e visceral.
neuroanatomia 17

Estruturas Funções
- Relés que retransmitem informações sensoriais para o
Pergunta
Bulbo – tálamo e centros de outras porções do tronco cerebral;
medula 2014 - CERMAM
oblonga (mie- - Centros autonômicos para a regulação das funções 1. Os tumores cerebrais podem
lencéfalo) viscerais (cardiovascular, respiratória) e atividades do
manifestar-se clinicamente
sistema digestivo.
através de sintomas generaliza-
- Ajuste de movimentos em curso, encarregando-se de dos que refletem a hipertensão
verificar a cada momento, permanentemente, se cada intracraniana ou de sintomas
movimento se inicia no instante correto, se é execu- localizatórios, que refletem a lo-
Cerebelo tado de acordo com a necessidade ou a intenção do calização do tumor. Com relação
executante e se termina no momento adequado; às manifestações clínicas e à lo-
calização específica, relacione as
- Ajuste feito com base em informações provenientes do
cérebro e da medula.
colunas a seguir:
A - Lobo frontal
B - Corpo caloso
7. Meninges do sistema nervoso central C - Ponte/bulbo
D - Mesencéfalo/pineal
E - Cerebelo
A - Conceito F - Ângulo pontocerebelar
Trata-se dos envoltórios do SNC, constituídos em 3 membranas: a dura- I - Puberdade precoce
-máter ou paquimeninge, a aracnoide e a pia-máter, às vezes conside- II - Espasticidade
radas formação única, a leptomeninge. III - Surdez ipsilateral
IV - Distúrbios da marcha
a) Dura-máter V - Perda de memória
VI - Nistagmo
É a meninge mais externa, resistente e inelástica, já que é rica em fibras
colágenas, além de vasos e nervos. Essa inervação rica é que confere a) A-IV, B-V, C-II, D-I, E-VI, F-III
praticamente toda a sensibilidade intracraniana, incluindo a maioria b) A-IV, B-III, C-I, D-VI, E-II, F-V
das cefaleias, visto que o encéfalo não possui terminações nervosas. c) A-II, B-V, C-II, D-VI, E-III, F-I
A vascularização ocorre pela artéria meníngea média, ramo da artéria d) A-III, B-IV, C-II, D-I, E-V, F-III
maxilar. e) A-IV, B-VI, C-II, D-I, E-V, F-V
- Pregas da dura-máter do encéfalo Resposta no final do capítulo

• Foice do cérebro: septo vertical mediano, que ocupa a comissura


longitudinal do cérebro, separando os 2 hemisférios;
• Tenda do cerebelo: septo transversal que separa os lobos occipitais
do cerebelo, ou seja, a fossa média da fossa posterior, determinando
os compartimentos supra e infratentorial.
• Foice do cerebelo: pequeno septo vertical mediano que parte da
tenda que separa os hemisférios cerebelares;
• Diafragma da sela: pequena lâmina horizontal que encerra a hipó-
fise na sela túrcica e possui um orifício para a passagem da haste
hipofisária.

- Cavidades da dura-máter
Ocorrem em áreas onde os 2 folhetos da dura-máter se separam. Os
principais são o cavo trigeminal, que abriga o gânglio trigeminal, e os
seios da dura-máter, abordados a seguir:
• Seios da dura-máter (Figura 16): trata-se de túneis venosos revesti-
dos de endotélio, mais rígidos do que as veias e onde desemboca o
sangue das veias jugulares internas. Os seios se comunicam com as
veias da superfície craniana através das veias emissárias.
18 sic neurologia

Figura 16 - Seios venosos da dura-máter: (A) vista superior e (B) vista lateral
neuroanatomia 19

Os seios podem estar relacionados com a abóbada ou a base do crânio.


Assim, os seios da abóbada craniana são:
--Sagital superior: percorre a inserção da foice do cérebro e termina
na confluência dos seios, a qual é formada pela junção dos seios sagi-
tal superior, reto e occipital, e início dos seios transversos esquerdo
e direito;
--Sagital inferior: acompanha a margem livre da foice do cérebro e ter-
mina no seio reto;
--Seio reto: percorre a intersecção entre a foice do cérebro e a tenda
do cerebelo, sendo formada pela confluência do seio sagital inferior e
pela veia magna. Termina na confluência dos seios;
--Transverso: é bilateral e parte da confluência dos seios até a porção
petrosa do temporal, em que passa a se chamar seio sigmoide;
--Sigmoide: é a continuação do seio transverso e drena quase todo o
sangue da cavidade craniana para a veia jugular interna;
--Occipital: percorre a inserção da foice do cerebelo até a confluência
dos seios.
Os seios venosos da base são:
--Cavernoso: é uma cavidade localizada ao lado do corpo do esfenoide e
da sela túrcica que recebe o sangue proveniente das veias oftálmicas
superior e central da retina, e algumas veias cerebrais. Comunica-se
com o seio cavernoso contralateral por meio do seio intercavernoso e
é atravessado pela artéria carótida interna e pelos nervos abducente,
troclear, oculomotor e ramo oftálmico do trigêmeo;
Dica
--Esfenoparietal: percorre a face interna da asa menor do esfenoide e Os seios venosos da dura-
vai até o seio cavernoso; -máter são: sagital supe-
--Petroso superior: percorre a inserção da tenda do cerebelo, na por- rior e inferior, seio reto,
ção petrosa do osso temporal, e drena sangue do seio cavernoso até transverso, sigmoide,
o seio sigmoide; occipital, cavernoso,
--Petroso inferior: corre entre o seio cavernoso e o forame jugular, local esfenoparietal, petroso
onde termina drenando para a veia jugular interna; superior e inferior e
--Plexo basilar: ocupa a porção basilar do occipital, comunicando o basilar.
plexo venoso vertebral interno aos seios petroso inferior e cavernoso.

b) Aracnoide
É uma fina membrana virtualmente separada da dura-máter pelo es-
paço subdural e distanciada da pia-máter pelo espaço subaracnóideo,
preenchido pelo liquor, além de possuir as trabéculas aracnoides que se
prendem à pia-máter.
- Cisternas subaracnóideas (Figura 17)
Correspondem às dilatações do espaço subaracnóideo, preenchidas
por liquor, que existem quando há um maior distanciamento entre a
aracnoide, que se justapõe à dura-máter, e a pia-máter, que adere ao
encéfalo. As principais são:
• Magna ou cerebelomedular: corresponde ao espaço entre a face in-
ferior do cerebelo e a face dorsal do bulbo. É considerada a maior
cisterna, comunica-se com o IV ventrículo por intermédio do forame
de Magendie e é utilizada para a punção liquórica suboccipital;
• Pontina: localizada anteriormente à ponte;
• Quiasmática: localizada à frente do quiasma óptico;
• Interpeduncular: situada na fossa interpeduncular;
20 sic neurologia

• Superior: corresponde à cisterna ambiens e localiza-se atrás do me-


sencéfalo, entre o cerebelo e o corpo caloso;
• Cisterna da fossa lateral do cérebro: corresponde ao sulco lateral do
cérebro.

Dica
As cisternas subarac-
nóideas são: magna,
pontina, quiasmática,
interpeduncular, superior
e cisterna da fossa lateral
do cérebro.

Figura 17 - Cisternas subaracnóideas

--Granulações aracnoides: são pequenos divertículos de aracnoide no


interior dos seios da dura-máter, principalmente do seio sagital su-
perior, que servem para a absorção do liquor pelo sangue. No adulto,
podem estar calcificadas, chamadas granulações ou corpúsculos de
Pacchioni (Figura 17).

c) Pia-máter
A mais interna das meninges é uma membrana delicada que se adere
à superfície do encéfalo e da medula, inclusive aos sulcos, às fissuras e
aos vasos que penetram no tecido nervoso a partir do espaço subarac-
nóideo, formando os espaços perivasculares que contêm liquor e amor-
tecem a pulsação das artérias sobre o tecido adjacente.

B - Liquor
Também chamado de LCE, é um fluido cristalino que ocupa as cavida-
des ventriculares e o espaço subaracnóideo. Tem a função de proteção
mecânica contra choques, ou seja, amortecimento, além de reduzir o
peso do encéfalo que está submerso nesse líquido.
O liquor normal do adulto é cristalino, apresenta de 0 a 4 leucócitos/
mm3, menor quantidade de proteínas do que no sangue e pressão de 5

Dica a 20cmH2O, obtida na região lombar com o paciente em decúbito late-


ral. Seu volume total varia de 100 a 150cm3, e sua taxa de renovação é
de cerca de 30mL/h.
O liquor normal (adulto)
possui de 0 a 4 leucócitos/ O liquor é secretado principalmente pelos plexos coroides e uma pe-
mm3, menor quantidade quena parte pelo epêndima. Os plexos coroides existem nos cornos in-
de proteína do que no feriores e na porção central do ventrículo lateral, além do III e do IV
ventrículos, sendo os ventrículos laterais os principais produtores. Dos
sangue, 2/3 da glicemia
ventrículos, o liquor passa ao espaço subaracnóideo pelos forames de
sanguínea e pressão de 5
Luschka e pelo forame de Magendie, por onde circula até ser reabsor-
a 20cmH2O. vido pelas granulações aracnoides. A circulação liquórica acontece pelo
mecanismo de produção em uma extremidade e pelo mecanismo de
absorção em outra.
neuroanatomia 21

8. Vascularização do sistema nervoso central


A - Conceito
O SNC requer um suprimento elevado e ininterrupto de glicose e oxi-
gênio, o que exclui totalmente a possibilidade de metabolismo anae-
róbico. Dessa maneira, o fluxo sanguíneo cerebral é muito intenso,
superado apenas pelos do rim e do coração. A parada da circulação
cerebral por 7 segundos leva a perda da consciência; e, após 5 minutos,
iniciam-se as lesões cerebrais, que são irreversíveis. Vale ressaltar que
as primeiras áreas a serem lesadas são as filogeneticamente mais re-
centes, ou seja, o neocórtex será lesado antes do páleo e do arquicór-
tex, e o sistema nervoso suprassegmentar, antes do segmentar, sendo
o centro respiratório no bulbo o último a sofrer lesões.
O Fluxo Sanguíneo Cerebral (FSC) respeita a seguinte fórmula (sendo
PA = Pressão Arterial, PV = Pressão Venosa e RCV = resistência
cerebrovascular):

FSC = PA - PV
RCV

Uma vez que a PV varia pouco, temos:

FSC = PA
RCV

Dessa forma, a queda na PA afeta diretamente o FSC, assim como o au-


mento da RCV, que é dependente de 4 fatores:
--Pressão intracraniana;
--Condição da parede vascular;
--Viscosidade sanguínea;
--Calibre dos vasos cerebrais.
Assim, o calibre dos vasos é regulado por mecanismos humorais e ner-
vosos, sendo o CO2 o mais importante vasodilatador. Isso explica a di-
ferença entre os fluxos sanguíneos do córtex (onde há mais sinapse,
maior atividade metabólica e, portanto, maior fluxo sanguíneo) e da
substância branca e entre as diversas áreas cerebrais.

B - Vascularização arterial do encéfalo e da medula


O encéfalo é irrigado pelas artérias carótidas internas e vertebrais, que
se anastomosam na base do crânio para formar o polígono de Willis (Fi-
gura 18). As paredes das artérias cerebrais são proporcionalmente mais
finas, o que as torna mais sujeitas a hemorragias. A túnica média dessas
artérias tem menos fibras musculares, e a túnica elástica interna é mais
espessa, resultando em maior capacidade de amortecimento do choque
da onda sistólica. Outro dispositivo para amortecer a pulsação é a tortu-
osidade das artérias. É importante lembrar que há poucas anastomoses
entre as circulações intra e extracranianas, o que incapacita a manuten-
ção de circulação colateral útil no caso de obstrução da carótida interna.

a) Artéria carótida interna


Surge na bifurcação da carótida comum no nível de C4, sobe pelo pes-
coço e penetra no crânio pelo canal carotídeo, e atravessa o seio ca-
22 sic neurologia

vernoso onde descreve o sifão carotídeo. A seguir, divide-se nos seus 2


ramos terminais. Os ramos colaterais são:
--Artéria oftálmica: emerge da carótida abaixo do processo clinoide;
--Artéria comunicante posterior: participa da formação do polígono de
Willis;
--Artéria coróidea anterior: corre ao longo do trato óptico, penetra no

Dica corno inferior do ventrículo lateral e irriga os plexos coroides e parte


da cápsula interna.

A artéria carótida interna Os ramos terminais são:


bifurca-se em 2 ramos --Artéria cerebral média: é o principal ramo da carótida interna e per-
terminais (cerebral an- corre o sulco lateral em toda a sua extensão, emitindo ramos que
terior e média) e 3 ramos vascularizam a maior parte da face superolateral de cada hemisfério
cerebral.
colaterais (oftálmica,
comunicante posterior e --Artéria cerebral anterior: dirige-se para frente e para cima até a fis-
sura longitudinal do cérebro, curva-se em torno do joelho do corpo
coróidea interna).
caloso e emite ramos na face medial do hemisfério cerebral, desde o
lobo frontal até o sulco parieto-occipital.

b) Artéria vertebral e basilar


As artérias vertebrais partem das subclávias correspondentes e sobem
dentro dos forames transversos das vértebras até entrarem no crânio
pelo forame magno. Percorrem a face ventral do bulbo e, no nível do
sulco bulbopontino, unem-se para formar a artéria basilar.
Os ramos colaterais das artérias vertebrais são:
--Artéria espinal anterior: irrigam as colunas e os funículos anterior e
lateral da medula;
--Artérias espinais posteriores direita e esquerda: vascularizam a co-
luna e o funículo posterior da medula;
--Artérias cerebelares posteroinferiores (PICA): vascularizam a porção
inferoposterior do cerebelo, bem como a área lateral do bulbo.

Os ramos colaterais da artéria


basilar são:
--Artéria cerebelar superior

Dica (SCA): irriga o mesencéfalo e a


região superior do cerebelo;
As artérias vertebrais --Artéria cerebelar anteroinfe-
lançam ramos colaterais rior (AICA): vasculariza a região
inferoanterior do cerebelo;
(artérias espinal anterior
e posterior, artérias --Artéria do labirinto: irriga es-
cerebelares inferiores truturas do ouvido interno.
posteriores), enquanto A artéria basilar bifurca-se na
a artéria basilar lança região proximal do mesencéfalo,
ramos colaterais (artéria formando as cerebrais posterio-
cerebelar superior, res direita e esquerda.
artéria cerebelar inferior --Artéria cerebral posterior:
anterior e artéria do contorna o pedúnculo cerebral,
labirinto) e bifurca-se em com direção posterior, percor-
rendo a face inferior do lobo Figura 18 - Artérias vertebrais, basilar
artéria cerebral posterior.
temporal até o lobo occipital, e seus ramos: (SCA) cerebelar supe-
rior; (PICA) cerebelar posteroinferior e
irrigando toda essa região.
(AICA) cerebelar anteroinferior
neuroanatomia 23

c) Polígono de Willis
Trata-se de uma anastomose arterial de forma poligonal localizada na
base do cérebro, em torno do quiasma óptico e do túber cinéreo, abaixo
da fossa interpeduncular e substância perfurada anterior (Figura 19). É
formado pelas porções proximais das artérias cerebrais anterior, média
Dica
e posterior, artéria comunicante anterior e artérias comunicantes pos- O polígono de Willis é
teriores direita e esquerda. Cada comunicante posterior une a artéria formado pelas artérias
carótida interna à cerebral posterior, ou seja, unem o sistema carotídeo cerebral anterior, média
ao vertebral. No entanto, em condições normais, não há passagem sig- e posterior, artéria
nificativa de sangue de um sistema para o outro; esta ocorre apenas comunicante anterior e
nos casos de obstrução.
as artérias comunicantes
posteriores direita e
esquerda.

Pergunta
2012 - HPM-MG
2. Complete as lacunas do texto
Figura 19 - Polígono de Willis
e, a seguir, assinale a alternativa
que contém a sequência correta:
C - Drenagem venosa do encéfalo O território cerebral irrigado
pelas artérias _________________
As veias encefálicas, em geral, não acompanham as artérias, sendo corresponde a cerca de 2/3
maiores e mais calibrosas do que elas, com paredes finas e desprovi- _________________do encéfalo,
das de musculatura. Drenam para os seios da dura-máter e daí para as sendo um acidente vascular po-
veias jugulares internas. A regulação da circulação venosa é feita pela tencial causador de hemiparesia
aspiração da cavidade torácica, força da gravidade e pulsação das ar- e _________________. Já o território
térias. Vale lembrar que o leito venoso é muito maior do que o arterial, cerebral irrigado pelas artérias
_________________corresponde
sendo, por esse motivo, mais lenta sua drenagem; além disso, a pressão
a cerca de 1/3 _________________
venosa é muito baixa e varia pouco pela grande capacidade de disten-
do encéfalo, sendo um acidente
são das veias e dos seios. vascular potencial causador de
_________________, _________________e
- Veias cerebrais _______________________.
As veias cerebrais podem ser agrupadas em sistema venoso superficial
e profundo. a) vertebrobasilares; anteriores;
ataxia; carótidas; posterior; dis-
--Sistema venoso superficial: trata-se das veias cerebrais superficiais fasia; disfagia; vertigem
que drenam o córtex e a substância branca adjacente, sendo que as b) carótidas; anteriores; disfagia;
veias que se localizam na região superior do hemisfério drenam para vertebrobasilares; posterior; dis-
o seio sagital superior, e as da região inferior, para os seios da base e fasia; vertigem; ataxia
o seio transverso; c) carótidas; anteriores; disfasia;
--Sistema venoso profundo: trata-se das veias que drenam o sangue vertebrobasilares; posterior; dis-
de regiões localizadas profundamente no cérebro (como cápsula in- fagia; ataxia; vertigem
terna, corpo estriado, diencéfalo) e confluem para um único tronco d) vertebrobasilares; posteriores;
venoso, mediano, denominado veia cerebral magna ou veia de Ga- vertigem; carótidas; anterior; dis-
fagia; disfasia; ataxia
leno, logo abaixo do esplênio do corpo caloso, a qual desemboca no
Resposta no final do capítulo
seio reto.
24 sic neurologia

9. Barreiras encefálicas
A - Conceito
São mecanismos seletivos para a troca de substâncias entre o tecido
nervoso, o sangue e o liquor. Dessa forma, existem 3 barreiras: a hemo-
encefálica, a hemoliquórica e a liquor-encefálica (esta última é pouco
importante – são citadas 3 barreiras, mas apenas 2 são descritas). A
última é mais permeável e fornece passagem a mais substâncias, en-
quanto as outras 2impedem a passagem de agentes tóxicos para o cé-
rebro. No entanto, nem sempre ocorre contenção total de determinada
substância, podendo haver apenas maior dificuldade. Fica claro que o
fenômeno de barreira não é geral a todas as substâncias e varia para
cada barreira.

B - Barreira hemoencefálica
Seria formada basicamente por 2estruturas, a despeito da divergên-
cia entre alguns autores: o neurópilo e o capilar cerebral. O primeiro
é o tecido entre os vasos e os corpos celulares, que, no encéfalo, é
muito estreito. O segundo, sobretudo o endotélio dos capilares cere-
brais, é apontado por alguns autores como o principal contribuinte
para a existência da barreira hemoencefálica, visto que, no encéfalo,
as células endoteliais são unidas por junções íntimas que impedem a
passagem de macromoléculas, não têm fenestrações e não são con-
tráteis, o que protege o cérebro em situação com grande liberação de
histamina. Em algumas regiões do encéfalo, essa barreira não existe,
como a área póstuma, pineal, neuro-hipófise e plexos coroides, de
função endócrina comprovada ou discutida. Existem, também, áreas
mais permeáveis a determinadas substâncias do que outras, como
certos fármacos que penetram com mais facilidade no núcleo cau-
dado e no hipocampo.

C - Barreira hemoliquórica
Localiza-se nos plexos coroides, sendo que seus capilares não partici-
pam do fenômeno, ou seja, existem substâncias que podem atravessar
os capilares fenestrados dos plexos coroides, mas que são barradas
ao nível da superfície do epitélio ependimário voltada para a cavidade
ventricular. Isso ocorre porque esse epitélio é provido de junções ínti-
mas que impedem a passagem das macromoléculas.

10. Fibras nervosas


A fibra nervosa é constituída de um axônio e seu revestimento glial,
que pode estar ausente. O principal revestimento é a mielina, formada
por células de Schwann no sistema nervoso periférico e por oligoden-
drócitos no SNC. Nesses casos, têm-se as fibras mielínicas. Na ausência
de mielina, encontram-se as fibras amielínicas.
No SNC, a substância branca contém, principalmente, fibras mielíni-
cas e neuroglia, enquanto a substância cinzenta é composta por fibras
amielínicas, corpos de neurônio e neuroglia. No SNC, as fibras nervosas
agrupam-se para formar os tratos e fascículos e, no sistema nervoso
periférico, também se agrupam para formar os nervos.
neuroanatomia 25

A - Mielínicas
No sistema nervoso periférico, as células de Schwann formam, em ge-
ral, a bainha de mielina e o neurilema. A primeira é interna e composta
apenas por membrana celular consequente às várias voltas que a célula
de Schwann dá em torno do axônio, sem citoplasma entre as voltas. Já
o neurilema é externo e composto pelo citoplasma e pelo núcleo, as
estruturas restantes da célula. Essas bainhas são interrompidas em in-
tervalos aproximadamente regulares para cada tipo de fibra localizada
entre elas e são chamadas internódulos. Dessa forma, cada internódulo
é ocupado por apenas 1 célula de Schwann. No SNC, não há formação
do neurilema (Figura 20).
A bainha de mielina, por ser originada da membrana plasmática, é for-
mada por lipídios e proteínas, que conferem a ela capacidade isolante,
permitindo, assim, que o impulso seja conduzido mais rapidamente.
Por ser assim, o impulso é conduzido de forma saltatória, com poten-
ciais de ação apenas nos nódulos de Ranvier.

B - Amielínicas
No sistema nervoso periférico, as fibras pós-ganglionares do sistema
nervoso autônomo e algumas fibras sensitivas são envolvidas pelas cé-
lulas de Schwann (neurilema), sem ser formada a bainha de mielina. No
SNC, as fibras amielínicas não apresentam envoltórios verdadeiros. As-
sim, os prolongamentos dos astrócitos podem apenas tocar os axônios
amielínicos.
Nessas fibras, não há como o impulso ser conduzido de maneira salta-
tória e, portanto, é conduzido mais lentamente, já que os potenciais de
ação não têm como se distanciarem.

Figura 20 - Produção de mielina no sistema nervoso central pelo oligodendrócito e no sistema nervoso periférico pela célula de
Schwann
26 sic neurologia

Resumo
Quadro-resumo
- Trato: feixe de fibras nervosas com aproximadamente a mesma origem, mesma função e mesmo destino. Podem ser
mielínicas ou amielínicas;
- Fascículo: refere-se a um trato mais compacto, porém o emprego de fascículo, em vez de trato, deve-se mais à tradi-
ção do que a uma diferença fundamental existente entre eles;
- Lemnisco: o termo significa “fita”. É empregado para alguns feixes de fibras sensitivas que levam impulsos nervosos
ao tálamo;
- Funículo: o termo significa cordão e é usado para substância branca medular. Um funículo contém vários tratos ou
fascículos;
- Decussação: formação anatômica constituída por fibras nervosas que cruzam obliquamente o plano mediano e que
têm, aproximadamente, a mesma direção (decussação das pirâmides);
- Comissura: formação anatômica constituída por fibras nervosas que cruzam perpendicularmente o plano mediano e
têm, por conseguinte, direção diametralmente oposta (corpo caloso);
- Fibras de projeção: são aquelas que saem dos limites dessa área ou desse órgão do SNC;
- Fibras de associação: são aquelas que associam pontos mais ou menos distantes dessa área ou desse órgão do SNC
sem, entretanto, o abandonar;
- Giro pré-central: é a área motora primária, entre os sulcos central e pré-central;
- Giro pós-central: é a área sensitiva primária, entre os sulcos central e pós-central;
- Encéfalo: é irrigado pelas artérias carótidas internas e vertebrais;
- Ramos da artéria carótida interna: artéria oftálmica, artéria comunicante posterior, artéria coróidea anterior, artéria
cerebral média (principal, que vasculariza a maior parte de cada hemisfério cerebral), artéria cerebral anterior;
- Artérias vertebrais: unem-se para formar a artéria basilar;
- Ramos das artérias vertebrais: artéria espinal anterior, artérias espinais posteriores, artérias cerebelares inferiores
posteriores;
- Ramos da artéria basilar: artéria cerebelar superior, artéria cerebelar inferior anterior, artéria do labirinto;
- Artéria basilar: bifurca-se na região proximal do mesencéfalo, formando as cerebrais posteriores direita e esquerda;
- Mesencéfalo: dele emergem o III (oculomotor) e o IV nervos (troclear);
- Ponte: dela emergem os nervos V (trigêmeo), VI (abducente), VII (facial) e VIII (vestibulococlear);
- Comunicação entre os ventrículos laterais e o III ventrículo: é realizada por meio do forame de Monro, e a ligação
entre o III e IV ventrículos é feita por meio do aqueduto cerebral (também chamado aqueduto mesencefálico ou de
Sylvius);
- Bulbo: dele emergem os seguintes nervos cranianos: hipoglosso (XII), glossofaríngeo (IX), vago (X) e acessório (XI).

Miótomos dos membros superiores


C1-C2 Flexão do pescoço
C3 Flexão lateral do pescoço
C4 Elevação do ombro
C5 Abdução do ombro
C6 Flexão do cotovelo e extensão do punho
C7 Extensão do cotovelo e flexão do punho
C8 Extensão e desvio ulnar do polegar
T1 Abdução do dedo mínimo (5º dedo)
neuroanatomia 27

Miótomos dos membros inferiores


L2 Flexão do quadril
L3 Extensão do joelho
L4 Dorsiflexão do tornozelo
L5 Extensão do hálux
S1 Plantificação do tornozelo, eversão do tornozelo e extensão do quadril
S2 Flexão do joelho
Miótomo é o conjunto de músculos que recebe inervação de um mesmo par de raízes motoras.

Dermátomos
C3 Face anterior do pescoço

C4 Acrômio e clavícula
C5 Face anterior do braço
C6 Margem radial do antebraço e polegar
C7 Dedos 2 a 4
C8 Dedo mínimo e margem ulnar do antebraço
T1 Margem anterior do antebraço
T2 Face interna do braço
T3 Abaixo do ângulo de Louis
T4 Mamilos
T6 Processo xifoide
T7/T8/T9 Abdome e costas
T10 Umbigo
T12 Acima do ligamento inguinal (virilha)
L1/L2/L3 Face anterior da coxa
L4 Face interna da perna
L5 Margem interna do pé e hálux
S1 Borda externa do pé e face posterior da perna
S2 Face posterior da coxa
S3/S4/S5 Região do períneo
Dermátomo é a porção da pele que contém a área inervada por um nervo.

Respostas
das questões do capítulo

1. A
2. C
Maria Aparecida Ferraz Mauro Augusto de Oliveira
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

2
O exame neurológico é uma ferramenta fundamental
para o diagnóstico em Neurologia. Há várias formas de
conduzir um exame neurológico, podendo-se avaliar o
paciente por segmentos corpóreos ou sistema funcio-
nal. Ele é dividido em funções cognitivas, motricidade,
sensibilidade e nervos cranianos. O exame cognitivo,
por sua vez, é composto pela avaliação do nível de cons-
ciência (por exemplo, pela escala de coma de Glasgow)

Semiologia e
e pelo conteúdo da consciência, por meio de testes que
avaliem memória, linguagem, praxias, gnosias, aten-
ção e funções executivas (por exemplo, o mini-exame

propedêutica
do estado mental). A avaliação da motricidade divide-
-se em motricidade voluntária, involuntária e reflexa. Na
voluntária, são avaliadas a força muscular e a coordena-
ção. Na involuntária, observam-se o tônus, o trofismo

neurológica
e a presença de movimentos involuntários anormais
(temores, tiques, balismo, coreia, atetose, distonia etc.).
A motricidade reflexa é reavaliada por meio da pesquisa
de reflexos superficiais e profundos. A sensibilidade
pode ser dividida em 2 modalidades: superficial (tato,
pressão, dor e temperatura) e profunda (artrestesia
e palestesia). Na avaliação da sensibilidade, também
podemos pesquisar os sinais de irritação meníngea. O
exame do equilíbrio e da marcha é útil para a avalia-
ção tanto da motricidade quanto da sensibilidade. Por
fim, no exame dos pares cranianos, devemos observar,
de forma voluntária ou reflexa, o olfato (I), a visão (II), a
motricidade ocular extrínseca (movimento dos olhos, III,
IV e VI) e intrínseca (pupilas, III e simpático), o fundo de
olho (II), a sensibilidade da face (V), os músculos mas-
tigatórios (V), a mímica facial (VII), a audição (VIII), o
equilíbrio (VIII), a deglutição (IX e X), a voz (IX e X), fun-
ções autonômicas (X), a movimentação do pescoço e do
músculo trapézio (XI) e a motricidade da língua (XII).
semiologia e propedêutica neurológica 29

1. Introdução
O raciocínio neurológico baseia-se na obtenção dos diagnósticos sin-
drômico, topográfico e etiológico. Para o sindrômico, é necessário pes-
quisar sintomas (por meio da anamnese) e sinais (por meio do exame
neurológico). Para o diagnóstico topográfico, ou seja, onde está a lesão, é
necessário o conhecimento da anatomia e da interpretação dos achados
do exame neurológico. Por exemplo, um quadro de fraqueza em ambas
as pernas pode ser decorrente de uma lesão no encéfalo (meningioma
de foice que se expande lateralmente e comprime a região medial de
ambos os hemisférios cerebrais, na área do homúnculo de Penfield, res-
ponsável pela inervação dos membros inferiores), ou da medula (lesão
medular torácica que compromete a via corticospinal para inervação
motora dos membros inferiores) ou dos nervos periféricos (por exemplo,
na síndrome de Guillain-Barré, com acometimento dos nervos motores
dos membros inferiores). Em cada um dos casos, os achados do exame
neurológico serão diferentes. O diagnóstico etiológico depende de infor-
mações colhidas na anamnese, como tempo de instalação dos sintomas,
progressão, antecedentes pessoais e familiares, uso de medicações, ex-
posição a agentes tóxicos, medicamentos e hábitos de vida, entre outros.
Há várias formas de conduzir um exame neurológico; o importante é
acostumar-se com um método e respeitar uma sequência lógica para ne-
nhum item relevante ser perdido. Pode-se avaliar um paciente por seg-
mentos corpóreos: no cefálico, avaliam-se pares cranianos, sensibilidade,
motricidade e sinais de irritação meníngea; nos membros e no tronco,
examinam-se motricidade, coordenação, sensibilidade e funções autonô-
micas. Outra forma de abordar o paciente neurológico é avaliando cada
sistema funcional (psiquiátrico, motricidade, coordenação, sensibilidade,
sinais de irritação meníngea e pares cranianos).
Com essas informações, consideraremos os diagnósticos diferenciais,
solicitando exames complementares específicos para determinar a
etiologia da doença.

2. Exame do estado mental/funções corti-


cais superiores
A avaliação do estado mental, ou consciência, é dividida em 2 partes
principais: a avaliação do nível de consciência e da qualidade da cons-
ciência, ou funções corticais superiores.

A - Nível de consciência
Caracteriza-se pelo grau de interação que o indivíduo tem com o meio
ambiente e a percepção de si, ou seja, o quão acordado ou alerta ele
está. Esse deve ser sempre o passo inicial para o exame neurológico,
fornecendo subsídios para uma avaliação neurológica completa.
A preservação do nível neurológico adequado depende, anatomica-
mente, da substância reticular ativadora ascendente que se localiza no
tronco encefálico e em parte do diencéfalo. Para ocorrer comprometi-
mento, são necessárias lesões no tronco encefálico (acidentes vascula-
res encefálicos, romboencefalite, tumores do sistema nervoso central),
no tálamo bilateral (trombose venosa cerebral, isquemia) e nos hemis-
férios, bilateralmente (anóxia, metabólico/medicamentoso, trauma
cranioencefálico).
30 sic neurologia

Existem diversas formas de classificação do nível de consciência. De


maneira simplificada, podemos dividi-las em:
--Vígil ou acordado: abertura ocular e interação espontânea com o
meio; Dica
--Sonolento: abertura ocular e interação após estímulo sonoro; O nível neurológico de-
--Torporoso: abertura ocular e interação após estímulo doloroso; pende, anatomicamente,
--Comatoso: ausência de abertura ocular ou interação mesmo após es- da substância reticular
tímulo doloroso. ativadora ascendente
Em alguns casos, como no traumatismo cranioencefálico, escalas (de (localizada no tronco e em
fácil aplicação e reprodutibilidade, como a escala de coma de Glasgow, parte do diencéfalo).
criada em 1974 – Tabela 1) são utilizadas com o objetivo de avaliar o ní-
vel de consciência.

Tabela 1 - Escala de coma de Glasgow


Abertura ocular Pontos
Espontânea 4
Aos chamados 3
Com estímulo doloroso 2
Ausente 1
Melhor resposta motora Pontos
Obedece a ordens. 6
Localiza a dor. 5
Apresenta reflexo de retirada inespecífico à dor. 4
Reage à dor com flexão patológica (decorticação). 3
Reage à dor com extensão (descerebração). 2
Não apresenta. 1
Melhor resposta verbal Pontos
Está orientado. 5
Conversa, mas desorientado. 4
Pronuncia palavras inadequadas. 3
Emite ruídos. 2
Não apresenta. 1

Observação: coma é considerado abaixo de 8 pontos; coma profundo = 3


pontos; consciente = 15 pontos.

B - Qualidade da consciência
a) Orientação e atenção
A atenção é fundamental para que possamos examinar as demais fun-
ções intelectuais. O exame cognitivo no paciente desatento é bastante Dica
prejudicado. A atenção depende da ativação cortical pela formação re-
ticular ativadora ascendente-mesencefálica e pelos núcleos intralamina- São regiões importantes
res do tálamo, além da atividade da área pré-frontal (responsável pelo na atenção: área pré-
planejamento motor e comportamental do indivíduo) e dos giros angular -frontal (lobo frontal) e
e supramarginal – no lobo parietal direito, responsáveis pela exploração giros angular e supra-
e pela percepção de ambos os lados do corpo e do espaço (o lado es- marginal (lobo parietal
querdo só responde pela atenção do lado contralateral). Lesões corticais direito).
à direita causam heminegligência ou hemi-inatenção. Na heminegligên-
cia, o paciente ignora estímulos realizados à sua esquerda, devendo ser
semiologia e propedêutica neurológica 31

diferenciada da extinção. Nesta situação, quando o indivíduo recebe es-


tímulos táteis, visuais ou auditivos bilaterais, ele só percebe o estímulo
realizado à direita, mas quando estimulado apenas à esquerda reco-
nhece o estímulo, denotando integridade das vias sensoriais primárias.
Vários testes podem ser utilizados para avaliar a atenção: falar os me-
ses do ano em ordem inversa, o go/no go (o indivíduo ouve um som e
precisa bater com a mão na mesa 1 vez, mas quando ouve 2 sons pre-
cisa ficar quieto), contagem regressiva a partir de 50 de 3 em 3 (50-47-
44, e assim por diante) etc. Para avaliar a heminegligência, podemos
mostrar o exemplo do roubo dos biscoitos, em que o paciente só verá a
mulher lavando a louça.
Ao avaliar a atenção, é importante examinar também a orientação. As
perguntas necessárias e importantes a serem feitas a um paciente de-
sorientado no tempo e no espaço são nome, local e data, tentando dar-
-lhe uma 2ª oportunidade e mais tempo. O estado confusional agudo
(delirium, ou síndrome mental orgânica) é uma situação típica de déficit
de atenção agudo. Suas diversas causas estão na Tabela 2. Os pacientes
apresentam flutuação no nível de atenção, desorientação temporoes-
Figura 1 - Roubo dos biscoitos: o pacial, inversão do ciclo sono–vigília, agressividade/agitação (delirium
paciente com lesão cortical à di- hiperativo) ou apatia (delirium hipoativo) e alucinações.
reita não perceberá a parte à es-
querda, em que as crianças estão Nas doenças da atenção, a primeira a ser comprometida é a orientação
roubando os biscoitos temporal, seguida pelo espaço e, depois, quanto à pessoa.

Tabela 2 - Fatores de risco para delirium


Causas de delirium
- Déficit cognitivo preexistente;
- Idade >65 anos;
- Demência;
- Episódio prévio de delirium;
- Sexo masculino;
- Múltiplas comorbidades;
- Doenças crônicas;
- Status funcional ruim;
Fatores pre- - Polifarmácia;
disponentes - Idade avançada;
- Hepatopatia;
- Insuficiência renal crônica;
- Doença terminal;
- Desidratação;
- Depressão;
- Desnutrição;
- Déficits sensoriais.
- Medicações;
- Procedimentos médicos/cirurgias;
- Doenças agudas: infecções, infarto agudo, acidente
vascular cerebral, trauma etc.;
- Imobilização prolongada;
- Uso de equipamentos invasivos: sonda vesical, sonda
nasoenteral;
Fatores pre- - Restrição física;
cipitantes - Desidratação;
- Desnutrição;
- Iatrogenia;
- Distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos;
- Mudanças de ambiente;
- Abuso ou abstinência de substâncias (álcool, drogas
ilícitas);
- Privação de sono prolongada.
32 sic neurologia

Causas de delirium
- Anticolinérgicos: anti-histamínicos, atropina, hioscina,
difenidramina, tricíclicos;
- Antimicrobianos: quinolonas, aciclovir, macrolídeos,
sulfonamidas, cefalosporinas, aminoglicosídeos, anfote-
Dica
ricina; Em doenças que com-
- Analgésicos: opioides, anti-inflamatórios não esteroides; prometem a atenção, a
- Corticosteroides;
- Agonistas dopaminérgicos: levodopa, pramipexol, bro-
orientação temporal é a
mocriptina, amantadina; primeira acometida, se-
Medica-
mentos
- Anticonvulsivantes: ácido valproico, fenitoína, carbama- guida do espaço e, então,
zepina; das pessoas.
associados - Antidepressivos: mirtazapina, inibidores de recaptação
de serotonina, tricíclicos;
- Sedativos: benzodiazepínicos, barbitúricos;
- Relaxantes musculares;
- Cardiovasculares: antiarrítmicos, betabloqueadores,
metildopa, clonidina, diuréticos, digitálicos;
- Gastrintestinais: bloqueadores H2, metoclopramida,
loperamida, antiespasmódicos;
- Outros: fitoterápicos, lítio, donepezila, fenotiazinas.

b) Linguagem
As afasias são distúrbios adquiridos de linguagem, caracterizados por Tema
comprometimentos parciais ou totais da capacidade de expressar e frequente de prova
compreender pensamentos e emoções por meio de símbolos linguísti-
cos escritos ou falados, carregados de significado (semântica = ideia), O conhecimento das di-
algumas vezes, erroneamente diagnosticados como estado confusio- ferentes formas de afasia,
nal. Apenas a área cortical relacionada com a linguagem está envolvida, do local de acometimento
e não devem existir lesões de vias sensitivas ou motoras relacionadas a e das características pode
fonação e/ou audição, bem como alterações afetivas. ser cobrado em provas de
As áreas envolvidas na linguagem são especialmente as regiões perissil- concursos médicos.
vianas. Cerca de 95% dos destros e 50% dos canhotos têm o hemisfério
esquerdo como dominante para a linguagem (surgido evolutivamente
pela aquisição de habilidades manuais no ser humano). A área de Broca
localiza-se no giro frontal inferior esquerdo e se relaciona com a ex-
pressão da linguagem, enviando as informações para o córtex motor
primário, que realiza tal função. Então, liga-se por meio do fascículo ar-
queado, com a área de Wernicke, ligada à percepção e à compreensão
da linguagem. Esse feixe íntegro faz a comunicação entre a área que
decodifica e a área que exprime a linguagem (Figura 2).
Aspectos avaliados na linguagem:
--Nomeação: todos os tipos de afasia cursam com déficit de nomeação.
O exame é feito pedindo-se para o paciente nomear 5 cores, 5 objetos
e 5 partes do corpo;
--Fluência verbal: é examinada ao se pedir que o paciente fale o maior
número de palavras relacionadas dentro de um minuto. Exemplo: pa-
lavras que comecem com a letra “a” (fluência fonêmica) ou nomes de
animais (fluência semântica);
--Repetição: solicita-se que o paciente repita uma sentença com pelo
menos 6 palavras (“nem aqui, nem ali, nem lá”);
--Compreensão: primeiramente, realiza-se uma pergunta cuja res-
posta não seja verbal (“mostre 2 dedos com a mão direita”) e, depois,
uma pergunta em que a resposta seja simples (“eu estou usando cha- Figura 2 - Principais áreas cor-
péu?”); finalmente, pode-se pedir para o paciente interpretar um di- ticais ligadas à linguagem
tado popular.
semiologia e propedêutica neurológica 33

Tabela 3 - Tipos de afasia


Repeti-
Nomeação Fluência Compreensão
ção

Global - - - -

Broca - - - +

Dica Wernicke
Condução
-
-
+
+
-
-
-
+
Convém recordar-se, Transcorti-
- - + -
principalmente, da afasia cal mista
de expressão (área de Transcorti-
- - + +
Broca) e da afasia de cal motora
compreensão (área de Transcorti-
- + + -
Wernicke). cal sensitiva
Anômica - + + +

c) Agnosias
Trata-se da incapacidade de reconhecer objetos e símbolos, por lesão
na área secundária, não proveniente de déficit sensitivo ou sensorial
(visual, tátil ou auditivo), nem de distúrbio de atenção ou da consciên-
cia. Os impulsos chegam dos órgãos sensoriais às áreas de aferência
cortical sensitivas, inicialmente primárias, que repassam para áreas
secundárias e, posteriormente, terciárias. A primária recebe a infor-
mação inicial das fibras sensitivas; na secundária e na terciária, ocorre
progressiva integração de informação de outras áreas.
--Agnosia visual: o paciente vê o objeto, mas não o reconhece por meio
da visão, porém pode reconhecê-lo pelo tato ou pela audição, por
exemplo;
--Prosopagnosia: o paciente tem incapacidade de reconhecer rostos
familiares;
--Estereognosia: o paciente é incapaz de reconhecer objetos pela pal-
pação, também chamada agnosia tátil ou holognosia.

d) Apraxias
Trata-se da incapacidade de executar um ato motor aprendido e propo-
sitado com habilidade, na ausência de um distúrbio primário da aten-
ção, compreensão, motivação, força, coordenação ou sensação, que
pudesse evitar a consecução do ato espontaneamente. Assim, um in-
divíduo pode não ser capaz de abanar a mão, quando assim for instru-
ído, mas pode acenar quando ele espontaneamente escolher fazê-lo.
Compreende um distúrbio da atividade gestual num indivíduo cujos
aparelhos de execução da ação estão intactos (ausência de distúrbios
motores) e com plena consciência do ato a cumprir.
Ocorrem por lesões em áreas motoras secundárias, próximas da área
motora primária.

e) Memória
A memória é dividida em imediata, recente e remota. A avaliação da
memória imediata é feita no exame da atenção, sendo esse tipo refe-
rente à de ultracurta duração.
34 sic neurologia

A memória depende de várias áreas corticais, e cada informação


sensorial é armazenada em sua área específica. O sistema límbico
conecta-se com áreas subcorticais. Um importante local é o núcleo
basal de Meynert, predominantemente colinérgico, que emite fibras
a todo o córtex, sendo também um dos locais acometidos na doença
de Alzheimer. Há conexões do hipotálamo com o sistema límbico, de-
terminando as memórias do sistema autonômico relacionado com es-
tados emocionais.
Lesões do sistema límbico, do hipocampo e das amígdalas ocasionam
amnésia anterógrada, em que não há retenção de novas memórias.
Quanto às diencefálicas, como na psicose de Korsakoff, por abuso de
álcool, há deficiência de tiamina, que lesa os corpos mamilares no hi-
potálamo e leva a amnésia anterógrada. Esta última é a situação em
que o indivíduo não se lembra do ocorrido antes da lesão. Comumente
acontece em traumatismo encefálico.
Um exame que serve de triagem para a avaliação de déficits cogniti-
vos é o miniexame do estado mental, o qual depende do nível de es-
colaridade: em analfabetos, o escore-limite da demência é de 14 a 16
pontos; para indivíduos com 4 anos de escolaridade, de 18 a 21 pon-
tos; com ensino fundamental completo, de 21 pontos; com ensino mé-
dio completo, de 22 a 23 pontos; com nível superior completo, de 25
a 26 pontos.
--Total: 30 pontos;
--Orientação temporal: dia = 1, ano = 1, mês = 1, estação do ano + 1, hora
do dia + 1;
--Orientação espacial: local onde está no momento da consulta = 1, an-
dar = 1, endereço = 1, cidade = 1, estado = 1, país = 1;
--Memória imediata: dizer 3 palavras não relacionadas e solicitar para
repeti-las em seguida. Por exemplo: carro, vaso e janela = 3 pontos;
--Atenção: soletrar a palavra “mundo” de trás para frente, ou executar
5 cálculos de subtração = 5 pontos;
--Memória de retenção: lembrar as 3 palavras da memória imediata =
3 pontos;
--Linguagem: nomear 2 objetos = 2 pontos, repetir = 1 ponto, copiar 2
pentágonos que se interseccionam em um vértice = 1 ponto, repetir
“nem aqui, nem ali, nem lá” = 1 ponto, compreender ordem “pegue esta
folha, dobre-a 1 vez ao meio e coloque-a sobre a mesa” = 3 pontos, ler
uma frase e obedecer à ordem de fechar os olhos = 1 ponto.

3. Motricidade
A - Algumas definições Dica
--Paresia: fraqueza com déficit parcial da força muscular;
Convém lembrar-se da
--Plegia: perda ou déficit total da força muscular;
diferença entre paresia
--Monoparesia: perda parcial de força em 1 membro;
(perda parcial da força
--Hemiparesia: fraqueza em 1 hemicorpo;
muscular) e plegia
--Paraparesia: membros simétricos comprometidos;
(perda total da força
--Tetraplegia: 4 membros comprometidos com perda total da força;
muscular).
--Diplegia: 2 hemicorpos comprometidos com perda total da força (du-
plicidade de lesões/tempos diferentes).
semiologia e propedêutica neurológica 35

B - Vias motoras
A via motora é composta pelo neurônio motor superior (ou I neurônio
motor ou neurônio piramidal). Inicia-se no córtex motor (área motora
primária no giro pré-central, homúnculo de Penfield), e seus axônios
seguem pelo centro semioval, depois pela cápsula interna, descendo
no pedúnculo cerebral (mesencéfalo) e na ponte. Após isso, cruza a li-
nha média na decussação das pirâmides (bulbo). O trato corticonuclear
termina nos núcleos motores dos pares cranianos, enquanto o trato
corticospinal desce pela medula, e suas fibras terminam nos neurônios
motores espinhais alfa e gama, que inervarão, respectivamente, fibras
musculares e fusos neuromusculares (Figura 3).

Figura 3 - Via motora (trato corticospinal) com trajeto do neurônio motor superior
e inferior

A lesão do trato corticospinal leva a perda de força muscular voluntá-


ria e de reflexos cutâneos superficiais (cutâneo-plantar e cutâneo-ab-
dominal), com aparecimento de reflexos exaltados e patológicos (como
sinal de Babinski).
Lesões que afetam a mímica facial têm peculiaridades: o andar superior
da face recebe inervação cortical homo e contralateral, preservando-
-se, portanto, essa movimentação nas lesões da via motora central (pa-
ralisia facial central – comprometimento do andar inferior da hemiface
contralateral). Já nas lesões do nervo facial, todas as fibras estão agru-
padas, comprometendo toda a mímica facial (Figura 4).

- Lesões
Figura 4 - Representação es-
quemática das fibras que
controlam a mímica facial. Em
Tabela 4 - Topografias e achados das lesões do neurônio motor superior
amarelo e azul-claro, estão as
fibras do neurônio motor supe- Bexiga
rior. Notar que parte das fibras Topo- Pare- Propor- Nervos
Lado Face neuro-
cruza o plano mediano e inerva grafia sia cionada cranianos
gênica
os 2 andares da face contrala-
teral, enquanto as fibras que Córtex Hemi Contra Sim Não Não Não
seguem ipsilaterais inervam Cápsula
apenas o andar superior ipsila- Hemi Contra Sim Sim Não Não
interna
teral. Assim, o andar superior
da face recebe inervação de Tronco Hemi Contra Sim Sim Sim Não
ambos os hemisférios, enquan- Medula
to o andar inferior recebe ape-
cervical Hemi Ipsi Não Sim Não Sim
nas informação do hemisfério
contralateral unilateral
36 sic neurologia

Bexiga
Topo- Pare- Propor- Nervos
Lado Face neuro-
grafia sia cionada cranianos
gênica
Medula
cervical Tetra Bi Não Sim Não Sim
completa
Medula
torácica Mono Ipsi Não Sim Não Sim
unilateral
Medula
Bilate-
torácica Para Não Não Não Sim
ral
completa

As lesões desses tratos levam a hipertonia e hiper-reflexia. Lesões res-


tritas ao corpo do motoneurônio medular geram fraqueza, podendo
ocorrer fasciculações (por exemplo, esclerose lateral amiotrófica, amio-
trofia espinhal progressiva), com perda de reflexos e amiotrofia. Nas le-
sões medulares, ainda há o comprometimento de fibras que conduzem
informações de sensibilidade, com distribuição segmentar de impor-
tante significado localizatório, da mesma forma que na lesão localizada
em raízes ou plexos, ou nervos.

Tabela 5 - Diagnóstico topográfico da síndrome do neurônio motor inferior


Topografia Paresia Fasciculações Dor Hipoestesia
Corno anterior Mono Sim Não Não
Raiz anterior Mono Não Sim Não
Mono
Nervo periférico Não Sim Sim
Poli
Junção neuro-
Tetra Não Não Não
muscular
Músculo Tetra Não -- Não

Em uma lesão aguda de metade medular (síndrome de Brown-Séquard),


há, inicialmente, a fase de choque medular (tônus ausente e arreflexia
ipsilateral), associada a um nível sensitivo (com perda da aferência de
sensibilidade contralateral, abaixo daquele nível, o que localiza a lesão).
Após horas ou dias, aparecem sinais de liberação piramidal, por lesão
do trato corticospinal (Figura 5).

Dica
A síndrome de Brown-
-Séquard caracteriza-se
por paresia espástica/
perda de sensibilidade
proprioceptiva e vibrató-
ria e tato discriminativo
ipsilateral, bem como
perda de sensibili-
dade termoalgésica
contralateral.
Figura 5 - Representação esquemática dos achados na síndrome de Brown-Séquard
semiologia e propedêutica neurológica 37

Chama-se de unidade motora o seguinte conjunto:


--Neurônio motor inferior (medular);
--Seu axônio (que corre pelas raízes nervosas e plexos, nervos
periféricos);
Dica --Junção neuromuscular;
--Placa motora;
A síndrome da liberação
--Fibra muscular inervada pelo referido axônio.
piramidal caracteriza-se
por espasticidade, hiper- A lesão em locais diferentes da unidade motora, geralmente, ocasiona
-reflexia, clônus, sinal perda de tônus muscular, paralisia flácida, diminuição ou abolição dos
de Babinski e reflexos reflexos tendinosos profundos. Nas doenças musculares (distrofias,
cutâneo-abdominais miopatias inflamatórias) e da junção neuromuscular (miastenia gravis,
síndrome paraneoplásica de Lambert-Eaton), os reflexos estão preser-
abolidos (conforme o local
vados. A pseudo-hipertrofia é uma alteração muscular observada nas
da lesão).
distrofias progressivas, em que os grupos musculares são substituídos
por tecido gorduroso em grande quantidade. Nas miopatias, o déficit
predomina onde há maior volume muscular: nas regiões proximais dos
membros.

C - Avaliação da força muscular pedindo ao paciente para


realizar manobras que permitam graduar a força

Vídeo Tabela 6 - Graduação da força muscular (plegia, paresia e normal)

Gradua- Con- Desloca- Gravi- Resis- Classifi-


Avaliação da força ção tração mento dade tência cação
muscular 0 - - - - Plegia

1 + - - -

2 + + - -
Paresia
3 + + + -

4 + + + +/-

5 + + + + Normal

D - Manobras deficitárias de auxílio


Podem ser usadas em caso de dúvidas sobre a presença ou não de
fraqueza.
--Manobra dos braços estendidos (Mingazzini para os membros su-
Vídeo periores): por 2 minutos, extensão de braços e antebraços, os dedos
estendidos em abdução em posição de supinação – o paciente deve
Tipos de manobras de- estar com os olhos fechados para sensibilizar o teste;
ficitárias de auxílio --Manobra de Raimiste para pacientes deitados: em decúbito dorsal,
com os antebraços fletidos sobre os braços a 90° e as mãos estendi-
das com os dedos separados;
--Manobra de Mingazzini para os membros inferiores: o paciente em
decúbito dorsal, coxas fletidas sobre a bacia a 90°; pernas dispostas
horizontalmente, fletidas sobre as coxas também em 90° e mantidas
por 2 minutos;
--Manobra de Barré: paciente em decúbito ventral, pernas fletidas so-
bre as coxas a 90°;
38 sic neurologia

--Manobra de Wartenberg para os membros inferiores (prova de


queda do joelho): decúbito dorsal, as coxas fletidas discretamente
sobre o quadril e as pernas sobre as coxas com os calcanhares so-
bre superfície lisa e dura. É importante para avaliar a força muscular
nos membros inferiores de pacientes com hemorragia subaracnóidea
(aneurisma), pois evita o aumento da pressão intracraniana em conse-
quência do aumento da pressão intra-abdominal.

E - Tônus e trofismo
Com a inspeção, palpação e movimentação ativa e passiva do músculo
examinado, é possível avaliar o tônus (estado de tensão permanente
dos músculos; quando um músculo está em repouso, é simples verifi-
car que não é completamente flácido, mas tem um grau de tensão que
pode ser constatado à palpação ou à movimentação passiva pela cons-
tante atividade dos neurônios gama) e o trofismo, ou massa muscular
(variação da secção transversa do músculo, variação do número de sar-

Vídeo
cômeros no músculo em paralelo ou variação do número de sarcôme-
ros do músculo em paralelo ou em série).
O trofismo pode ser classificado como:
Tônus e trofismo
--Normotrófico;
--Hipotrófico: por lesão do sistema nervoso periférico ou desuso;
--Hipertrófico: algumas distrofias musculares.
O tônus, por sua vez, pode ser classificado como:
--Hipotônico: ocorrem lesões do sistema nervoso periférico ou
cerebelares;
--Hipertonia espástica: sinal “do canivete” (o aumento de resistência ao
estiramento passivo é maior no início do movimento e diminui gra-
dativamente) – lesão do trato piramidal (exemplos: acidente vascular
cerebral, mielopatias);
--Hipertonia plástica (“roda denteada”): síndromes extrapiramidais
(exemplo: doença de Parkinson);
--Hipertonias especiais: hipertonia de descerebração, hipertonia de de-
corticação, tétano (opistótono), cãibras e psicogênica.

F - Reflexos
--Reflexos profundos: obtidos pela percussão osteotendínea ou fáscia
do músculo avaliado, podem estar normais, ausentes, diminuídos ou
vivos (o reflexo é obtido mais facilmente, amplo e brusco). O reflexo
exaltado acontece com a percussão de área maior do que a habitual
em pontos que comumente não o desencadeariam, apresentando-se
de forma policinética, ou seja, um único estímulo desencadeia mais de
1 resposta;
--Características fisiológicas: período de latência, período refratário, fa-
diga, fenômeno de adição, princípio de inervação recíproca e lei de loca-
lização (área reflexógena). Com base nessas características, podem-se
definir hiper-reflexia como diminuição do tempo de latência, aumento
da amplitude de movimento, obtenção de várias respostas quando da
aplicação de estímulo único; pelo aumento da área de obtenção do re-
flexo e pela impossibilidade de inibir voluntariamente o reflexo;
--Clono: é um sinal típico de hiper-reflexia, pois, por estiramento mus-
cular, obtêm-se repetidas contrações rítmicas involuntárias esgotá-
veis ou inesgotáveis (reflexos aquileu e patelar são exemplos);
semiologia e propedêutica neurológica 39

--Reflexos da face: os reflexos profundos da face (mentoniano, orbicu-


lar dos olhos e orbicular dos lábios) dependem dos pares cranianos
V e VII e do nível de integração do reflexo, que se encontra na ponte;
Importante Tabela 7 - Principais reflexos profundos pesquisados no exame neurológico
Reflexo ou contração Tendão dos
ideomuscular – percus- Nervos Inervações Músculos
músculos
são direta sobre o mús-
Estilorradial Radial C5C6 Braquiorradial
culo – é uma contração
que resulta das funções Musculocu-
Bicipital C5C6 Bíceps braquial
especificamente mus- tâneo
culares (contratilidade e Tricipital Radial C7C8 Tríceps braquial
excitabilidade). Abolido Flexores dos Mediano e Flexor superficial dos
C8T1
nas miopatias, está dedos ulnar dedos
presente ou exaltado em Aquileu Tibial L5 a S2 Gastrocnêmio/sóleo
determinados tipos de
Patelar Femoral L2 a L4 Quadríceps femoral
neuropatias e nas tabes,
em que os reflexos pro- Adutores da Adutor magno/longo/
Obturador L2 a L4
fundos estão abolidos. coxa curto
Intercostais T5 a T12
Costoabdomi- Ilioinguinais L1
--
nais
Ílio-hipo-
L1
gástricos

--Reflexos superficiais: cutâneo-abdominal (o estímulo da parede ab-


dominal com espátula leva ao desvio do umbigo para o lado estimu-
lado), cremastérico superficial (a pressão digital sobre a musculatura
da coxa em sua face medial, de preferência no nível da união do terço
superior com o terço médio, leva à elevação do testículo ipsilateral
– nos casos de reflexos vivos, também há resposta contralateral) e
cutâneo-plantar (a estimulação plantar com espátula na região me-
dial leva à flexão dos artelhos e hálux). Em caso de dorsiflexão lenta
do hálux e abertura “em leque” dos artelhos, trata-se de um sinal pa-
tológico de liberação piramidal chamado sinal de Babinski. Crianças
de até 1 ano terão, ainda, dorsiflexão dos artelhos, pois o sistema pi-
ramidal está sofrendo o processo gradual de mielinização (Figura 6);

Figura 6 - Reflexos superficiais

--Outros reflexos patológicos: reflexo de Hoffmann (o estímulo ungueal


na falange distal do dedo médio que causa flexão dos outros dedos da
mão significa liberação piramidal nos membros superiores); reflexo
de Wartenberg da mão (flexão enérgica das falanges distais dos 4 úl-
40 sic neurologia

timos dedos da mão parética, acompanhada de flexão e adução invo-


luntária do polegar e reflexo flexor dos dedos, Hoffmann ou Tromner);
reflexo de Tromner (percussão da superfície palmar da extremidade
do dedo médio, acompanhada de flexão dos 4 últimos dedos e da fa-
lange distal do polegar);
--Sinais de liberação frontal:
• Reflexo palmomentoniano: estímulo à palma da mão (eminência tê-
nar) com contração ipsilateral dos músculos mentual e oro-orbicular,
com discreta elevação do lábio inferior;
• Reflexo oro-orbicular ou orbicular dos lábios: projeção dos lábios
Vídeo
para a frente; Tipos de reflexos
• Reflexo de preensão (grasping reflex): contato do objeto na região
palmar ou plantar, determinando o movimento de preensão;
• Reflexo de perseguição (groping reflex): visão de um objeto nas pro-
ximidades da mão afetada, determinando um movimento de perse-
guição para apreendê-lo;
• Reflexo orbicular dos olhos ou glabelar (sinal de Myerson): oclusão
da rima palpebral, em que o paciente não consegue impedir o piscar.
Normalmente, esse reflexo é esgotável. Quando inesgotável, é cha-
mado sinal de Myerson, sendo comum na doença de Parkinson.

G - Distúrbios de movimento
Ocorrem principalmente por lesão dos chamados núcleos/gânglios
da base (dito sistema extrapiramidal). Nesse item, são importantes a
observação do paciente e os dados de história, pois os exames de ima-
gem não oferecem tanto auxílio. Seguem alguns conceitos:
--Tremor: movimentos rítmicos de contração alternada de músculos
agonistas e antagonistas (por exemplo, tremor essencial, fisiológico,
parkinsoniano);
--Coreia: movimentos involuntários bruscos, breves, migratórios e er-
ráticos (por exemplo, coreia de Sydenham, doença de Wilson);
--Atetose: movimentos sinuosos lentos em torno de um eixo longo do
membro afetado;
--Balismo: movimentos bruscos, breves, proximais, semelhantes a chu-
tes e arremessos;
--Mioclonia: contrações involuntárias súbitas (mioclonia pós-anóxia ce-
rebral, doenças neurodegenerativas) que lembram pequenos sustos.
São positivas quando causadas por contrações musculares súbitas e
negativas (asterix da hepatopatia, encefalopatia urêmica) quando há
cessação abrupta da contração muscular;
--Tique: movimentos estereotipados, breves, repetitivos, suprimíveis,
possivelmente motores e/ou vocais (como síndrome de Gilles de la
Tourette);
--Distonia: por contração sustentada concomitante de músculos ago-
nista e antagonista, levando a abalos lentos, movimento articular
mantido e torção ou postura anormal.

H - Síndromes extrapiramidais
Podem ser divididas em:
--Rígido-acinéticas (hipocinéticas): parkinsonismo (idiopático, induzido
por drogas como cinarizina, haloperidol, alfametildopa, multi-infarto,
semiologia e propedêutica neurológica 41

pós-trauma de crânio etc.). Há dificuldade em realizar movimento vo-


luntário: acinesia/hipocinesia. De forma análoga, há micrografia e hi-
pomimia (diminuição da mímica facial, levando a fácies “em máscara”),
festinação (vários passos no mesmo lugar), com redução da amplitude
dos movimentos (bradicinesia), hipertonia muscular dita plástica, em
que há rigidez homogênea em toda movimentação passiva. O movi-
mento anormal que pode existir é o tremor associado, de repouso;
camptocormia – perturbação de etiologia diversa, caracterizada por
uma postura anormal com flexão pronunciada do tronco, que desa-
parece em supinação e se agrava com a marcha (anteflexão da coluna
Tema dorsilombar); essa postura anormal pode resultar de lesões no es-
triado e no pálido (núcleo lenticular). Existe, ainda, a possibilidade de
frequente de prova um mecanismo central, envolvendo a degeneração do sistema dopa-
minérgico. Embora inicialmente como uma perturbação psicogênica,
As diferenças observadas
já é conhecida como perturbação postural característica da doença de
nos diferentes distúrbios Parkinson. Ainda que a camptocormia possa ser observada em uma
da via motora estão variedade de afecções neurológicas, o parkinsonismo é a doença mais
sempre presentes nas associada. Os aspectos fisiopatológicos e terapêuticos na camptocor-
questões de concursos mia com miopatia focal associada à doença de Parkinson são pouco
médicos. claros e podem relacionar-se de modo causal ou casual;
--Hipercinéticas: síndromes coreicas, atetósicas, coreoatetósicas; basi-
camente, movimentos anormais. O diagnóstico etiológico relaciona-
-se à idade de instalação da doença, à história familiar e à presença de
doenças sistêmicas.

Tabela 8 - Diferenças entre síndromes piramidal, periférica e extrapiramidal

Vídeo Síndrome
piramidal
Síndrome
periférica
Síndrome
extrapiramidal
Força muscular Diminuída Diminuída Normal
Síndrome pirami- Hipertonia Hipertonia
dal versus síndrome Tônus Hipotonia
espástica plástica
extrapiramidal Reflexos tendi-
Exaltados Hiporreflexia Normorreflexia
nosos
Reflexos cutâ-
Abolidos Presentes Presentes
neo-abdominais
Reflexo cutâ- Extensão (sinal Flexão ou
Flexão
neo-plantar de Babinski) sem resposta

4. Equilíbrio estático e dinâmico (marcha)


A - Avaliação do equilíbrio estático
--Prova de Romberg: pede-se ao paciente que feche os olhos com os
pés aproximados. Possíveis desfechos:

Tema • Queda imediata ao chão (sinal de Romberg): perda de propriocepção


consciente, geralmente por lesão do funículo posterior (deficiência
frequente de prova de vitamina B12 ou neurossífilis);
• Queda após latência para um lado preferencial: pode significar um
Os tipos de marcha e “Romberg vestibular” ou pseudo-Romberg e indica lesão ipsilateral
patologias a elas associa- de vias vestibulares.
das estão presentes nas
questões de concursos B - Avaliação do equilíbrio dinâmico
médicos.
O equilíbrio dinâmico é avaliado por meio do padrão da marcha, que
pode ser visualizado na Tabela 9.
42 sic neurologia

Tabela 9 - Diferentes padrões de marcha

Características
Tipos Patologias
semiológicas
Talonante (ata- A base é alargada, pisada com
xia sensitiva, energia ao solo, com toque ini- - Tabes dorsalis;
marcha atáxica cial do calcanhar e o olhar em - Deficiência de vita-
espinal, tabé- direção aos pés, sendo impos- mina B12.
tica) sível com os olhos fechados.

O paciente mantém o membro


superior fletido em 90° no
cotovelo e em adução, com
a mão fechada em leve pro-
- Acidente vascular
Hemiplégico- nação. O membro inferior do
cerebral;
-espástica, mesmo lado é espástico e o
- Tumores do sistema
ceifante, mar- joelho não flexiona. O mem-
nervoso central;
cha helicópode bro é abduzido em relação
- Neurotoxoplasmose.
ao quadril, produzindo um
movimento de circundação.
Está associado a hemiplegias
piramidais.

Os 2 membros inferiores estão


enrijecidos e espásticos, per-
Marcha “em manecendo semifletidos. Os Frequente nas for-
tesoura” ou pés se arrastam, com as pernas mas espásticas da
espástica se cruzando na frente durante paralisia cerebral
a marcha, lembrando uma
tesoura.

A marcha é instável, com a


Marcha cerebe-
base alargada, sem grandes
lar ou marcha - Lesões cerebelares;
mudanças com o fechamento
do ébrio, ataxia - Embriaguez.
dos olhos, traduzindo incoor-
cerebelar
denação de movimentos.

O paciente apresenta latero-


pulsão quando anda. Quando
tenta manter-se andando em
linha reta, é como se fosse
Marcha vesti- empurrado para o lado. Se
Lesão vestibular
bular colocado num espaço amplo
e mandado andar de olhos
fechados para frente e depois
para trás, descreverá a forma
de uma estrela.

O paciente caminha como um


bloco, enrijecido, sem o movi-
mento natural dos braços.
Os passos são pequenos e
rápidos, e a cabeça perma- - Doença de Parkin-
Parkinsoniana nece inclinada para a frente, son;
(festinante) conferindo a impressão de - Parkinsonismos
que o eixo de gravidade do atípicos.
doente foi deslocado. Pode
ocorrer festinação, com acele-
ração dos passos no início do
caminhar.
semiologia e propedêutica neurológica 43

Características
Tipos Patologias
semiológicas
O paciente anda com os pés
juntos ao chão, não conse-
Marcha aprá-
guindo executar o movimento
xica (magnética) Hidrocefalia de pres-
do passo. Os pés parecem
ou marcha de são normal/lesões
“grudar no chão”, como se
pequenos pas- frontais
controlados por um ímã (por
sos
isso a chamada “marcha mag-
nética” ou apráxica).

Marcha parética Há excessivo levantamento do


com ­steppage joelho, com excessiva flexão
Lesão de nervo peri-
ou marcha da coxa sobre a bacia. Os pés
férico
equina/escar- estão pendentes – a marcha é
vante semelhante à do cavalo.

Possivelmente
Há oscilações da bacia, as
encontrada em
pernas estão afastadas, há
qualquer processo
hiperlordose lombar, como se
que cause fraqueza
Marcha anse- o paciente quisesse manter o
dos músculos pél-
rina ou marcha corpo em equilíbrio, em posi-
vicos, como nas
de “pato” ção ereta, apesar do déficit
polineuropatias,
muscular. Ocorre inclinação do
pseudomiopatias,
tronco para um lado e para o
miosites, polimiosites
outro.
e gravidez

Figura 7 - Alterações da marcha e do equilíbrio

5. Coordenação e provas cerebelares


Existem 3 tipos de síndromes cerebelares que devem ser pesquisadas
durante o exame neurológico: axial, apendicular e global. Na síndrome
cerebelar axial, temos alterações do equilíbrio, da marcha, da sinergia
tronco–membros, da fala e da motricidade ocular. As alterações apen-
diculares são a dismetria, a decomposição dos movimentos, a disdiado-
cinesia e a prova do rechaço de Stewart-Holmes. Quando observamos
alterações axiais e apendiculares simultâneas, chamamos de síndrome
cerebelar global.
No exame da coordenação axial, observamos o paciente em pé, de
olhos abertos e depois fechados. Nas alterações cerebelares axiais, o
paciente pode apresentar a dança dos tendões. Ao exame da marcha, o
indivíduo apresenta a marcha ebriosa, com passos irregulares, de me-
didas e distâncias diferentes, com a base alargada, semelhante ao que
é visto durante a intoxicação por álcool. Ele também apresenta dificul-
44 sic neurologia

dade para se levantar do leito sem o auxílio dos membros superiores


(dissinergia tronco–membros), além de fala escandida, com variações
Pergunta
no tom de voz quando diz “ah” por um tempo prolongado, podendo ha-
ver também nistagmo (movimentos oculares rápidos involuntários se- 2013 - PUC-RS
guidos por movimentos mais lentos de correção, voluntários). 1. Um homem de 65 anos, em tra-
Um paciente com síndrome cerebelar apendicular apresentará, ipsilate- tamento de hipertensão arterial
ralmente à lesão, erro de pontaria e/ou decomposição de movimentos sistêmica e diabetes mellitus tipo
e/ou tremor de ação durante a manobra índex–nariz, índex–nariz–ín- 1, apresenta há 3 meses dificul-
dex do examinador, calcanhar–joelhos e prova de Barany (paciente dade para vestir-se, pentear-se,
com membros superiores estendidos, paralelos, apontando os indica- escovar os dentes e amarrar os
dores para frente, movimentando os membros superiores para cima sapatos, como se tivesse de-
e para baixo de olhos fechados, devendo manter os membros supe- saprendido. Ao exame, não há
riores sempre paralelos – o desvio bilateral significa distúrbio vesti- déficits de força, e as sensibilida-
bular, e o desvio unilateral sugere alteração cerebelar). Na prova do des geral, visual e auditiva estão
rechaço de Stewart-Homes, o paciente é solicitado a fletir o antebraço mantidas. O quadro descrito e
de modo a colocá-lo paralelo ao tronco, com a palma da mão virada o local da lesão encefálica que o
para seu próprio tórax, fazendo força em direção a si mesmo, contra produz são, respectivamente:
uma força em sentido oposto pelo examinador, que solta o antebraço
do paciente bruscamente. Um paciente hígido suprime o movimento a) incoordenação motora; lobo
imediatamente, evitando que seu antebraço se choque com seu tórax, frontal
o que não acontece em portadores de disfunção cerebelar ipsilateral. b) agnosia tátil; lobo temporal
Finalmente, pesquisa-se a diadocinesia: movimentos alternados rápi- c) dispraxia; lobo parietal
dos com as mãos. O portador de alteração cerebelar ipsilateral comete d) disdiadococinesia; cerebelo
erros durante esse teste. e) síndrome extrapiramidal; nú-
cleos da base
6. Sensibilidade Resposta no final do capítulo

A sensibilidade é dividida em geral: tato, dor, temperatura, propriocep-


ção (sensibilidade cinético-postural) e sensibilidade visceral; e especial:
visão, olfato, audição e paladar. Os conceitos mais usados são:
--Hipo ou hiperestesia;
--Anestesia: perda total;
--Disestesia: sensação distorcida, desagradável;
--Alodinia: percepção de um estímulo não doloroso como doloroso;
--Hiperpatia: estímulos de baixa intensidade e sucessivos com dor
violenta;
--Grafestesia: capacidade de reconhecer símbolos e letras pelo tato;
--Estereognosia: reconhecimento de objetos por sua forma, tamanho e
textura;
--Artrestesia: referente a propriocepção.
Conhecer o trajeto das fibras sensitivas permite localizar a lesão. No
nervo periférico, as fibras que conduzem a dor caminham com as fibras
motoras, o tato e as sensibilidades superficial e profunda. Na medula,
separam-se em vias diferentes.
Os fascículos grácil e cuneiforme estão no cordão posterior da medula,
conduzem a sensibilidade profunda (vibratória/artrestesia/tato) e se-
guem ipsilateralmente até os núcleos grácil e cuneiforme no bulbo,
onde fazem sinapse para emitir prolongamentos que decussam no fas-
cículo arqueado e ascendem até o tálamo e, deste, até o córtex sensi-
tivo (Figura 8). As vias que conduzem a dor e a temperatura até o corno
posterior da medula fazem sinapse e emitem prolongamentos que cru-
zam a linha média na comissura anterior da medula, na frente do canal
central desta.
semiologia e propedêutica neurológica 45

Figura 8 - Via da coluna dorsal-lemnisco medial (sensibilidade profunda)

Figura 9 - Trato espinotalâmico lateral (via do dor e temperatura)


46 sic neurologia

Dica
No nervo periférico,
fibras que conduzem dor
caminham com fibras
motoras, tato e sensi-
bilidades superficial e
profunda.

Figura 10 - Trato espinotalâmico anterior (via do tato e pressão)

As pesquisas de sensibilidade de tato devem ser feitas com algodão Pergunta


(com o dedo, pode haver pressão e estímulo de sensibilidade profunda).
Objetos pontiagudos causam dor, mas não perfuram o tecido, e devem 2014 - UFRJ
ser descartáveis. Na sensibilidade profunda vibratória, utiliza-se diapa- 2. Um homem de 50 anos queixa-
são de 64 a 128Hz, colocado sobre eminências ósseas, na posição arti- -se de desequilíbrio progressivo
cular–artrestesia, alternando a posição dos artelhos e a sensibilidade iniciado há 9 meses, gerando
profunda, com equilíbrio estático e sinal de Romberg. A sensibilidade muita insegurança ao caminhar,
térmica pode ser pesquisada com tubo de água quente e fria. sobretudo em ambientes pouco
A - Lesões periféricas iluminados. Exame físico: marcha
com base estreita, instável, que
Nas lesões de nervo periférico ou craniano, ocorre alteração sensitiva piora muito com os olhos fecha-
no território de sua distribuição, além de perda da sensibilidade e da dos. O comprimento e a largura
motricidade. Quando um único nervo está lesado, temos (Figura 11): dos passos são regulares, com o
--Mononeuropatia: apenas 1 nervo está lesado; olhar direcionado para o chão. Os
pés tocam o piso com força e com
--Mononeuropatia múltipla: toda a superfície plantar a cada
vários nervos são compro- passo. E ainda: presença do sinal
metidos em tempos dife- de Romberg, arreflexia profunda,
rentes (diabetes, arterites); abatiestesia e apalestesia e res-
--Polineuropatia: distribui- tante do exame neurológico sem
ção distal e simétrica, com achados específicos. O quadro clí-
vários nervos comprome- nico caracteriza:
tidos na mesma relação
temporal; a) síndrome cerebelar
--Lesões radiculares: perda b) marcha apráxica
de sensibilidade em faixa c) ataxia sensitiva
Figura 11 - Principais padrões de distribui-
no dermátomo relacionado ção das neuropatias periféricas
d) astasia-abasia
à raiz. Resposta no final do capítulo
semiologia e propedêutica neurológica 47

B - Lesões centrais

Tabela 10 - Principais síndromes sensitivas

Sistema
Sensibilidade Sensibilidade pro-
Lesão Força Reflexos nervoso
superficial funda
autônomo
- Acima da lesão:
- Dermátomos
normais; - Dermátomos cima
- Cervical: te- acima da lesão:
- No nível da da lesão: normal;
traparesia; normal; Bexiga
Secção medular lesão: abolidos - Dermátomos
- Torácica: - Dermátomos neurogê-
completa bilateralmente; abaixo da lesão:
paraparesia abaixo da lesão: nica
- Abaixo da lesão: ausente (nível
crural. ausente (nível
exaltados bilate- sensitivo).
sensitivo).
ralmente.
- Acima da lesão: - Dermátomos
- Cervical: - Dermátomos
normais; acima da lesão:
hemiparesia acima da lesão:
Hemissec- - No nível da normal;
ipsilateral; normal; Bexiga
ção medular lesão: abolidos - Dermátomos
- Torácica: - Dermátomos abai- neurogê-
(síndrome de ipsilateralmente; abaixo da lesão:
monopare- xo da lesão: ausen- nica
Brown-Séquard) - Abaixo da lesão: ausente (nível
sia crural te (nível sensitivo)
exaltados ipsila- sensitivo) contra-
ipsilateral. ipsilateral.
teralmente. lateral.
- Dermátomos cima
da lesão: normal;
Lesão do funí- - Dermátomos
Bexiga
culo posterior abaixo da lesão:
Normal Normais Normal neurogê-
(tabes dorsalis – ausente (nível
nica
neurossífilis) sensitivo);
- Pode não haver
nível sensitivo.
Degeneração
combinada suba-
Exaltados nos 4 Diminuída nos 4 Sem alte-
guda da medula Tetraparesia Normal
membros membros rações
(deficiência de
vitamina B12)
Diminuída no tórax
e nos membros
Síndrome sirin- superiores apenas Sem alte-
Normal Normais Normal
gomiélica para dor e tempe- rações
ratura (distribuição
“em xale”)
Bexiga
Síndrome da Paraplegia Anestesia perineal
Aquileus abolidos Normal neurogê-
cauda equina crural (“em sela”)
nica
Bexiga
Síndrome do Paraplegia Anestesia perineal
Normais Normal neurogê-
cone medular crural (“em sela”)
nica

Podemos classificar as lesões centrais quanto à sua topografia e ao seu


tipo de acometimento. As principais encontram-se descritas na Tabela
10. Outras síndromes incluem:
--Lesão das vias sensitivas no tronco cerebral: leva a alterações con-
tralaterais, pois houve decussação das fibras no bulbo. Dependendo
do local da lesão, acontece o envolvimento de nervos cranianos, vias
cerebelares e piramidais;
48 sic neurologia

--Lesões da via sensitiva no tálamo: causam hipoestesia contralateral, e,


4 a 6 semanas após a lesão, podem aparecer crises espontâneas de dor,
disestesia (alteração da sensibilidade) ou alodinia (dor desencadeada
por estímulo que, normalmente, não causaria resposta dolorosa, como Importante
toque leve);
--Lesões corticais somatossensoriais: causam perda da sensibilidade na
O sinal do desconforto
área de representação do segmento do corpo. Se a lesão ocorre em lombar é o sinal mais
áreas de maior integração sensorial, há agnosia sensitiva e perda da ca- precoce nas sín-
pacidade de reconhecer o objeto pela palpação. Áreas mais complexas dromes de irritação
envolvem distúrbios de atenção e comportamento, como área temporo- meningorradiculares.
parietal direita, em que o paciente deixa de perceber metade do corpo.

7. Sinais meníngeos
Estão presentes nos quadros inflamatórios das meninges, decorrentes
de infecção (bactérias, fungos, vírus) ou sangramento. Denomina-se
meningismo a síndrome com rigidez de nuca sem inflamação meníngea,
em infecções sistêmicas, principalmente entre crianças pequenas. Nas
inflamações das meninges, estão presentes sinais e sintomas como dor,
rigidez de nuca, cefaleia, fotofobia, náusea, febre e calafrios.
--Sinal do desconforto lombar: o paciente, em decúbito dorsal, com
coxa a 90° em relação à maca e pernas paralelas a ela, faz uma força
com cada um dos pés em sentido horizontal, para frente, contra a re-
sistência do examinador. Nos casos alterados, refere desconforto na
região lombar. É o sinal mais precoce de irritação meningorradicular;
--Rigidez de nuca: caracteriza-se por espasmo da musculatura do pes-
coço com dor à flexão e resistência ao movimento passivo, impossi-
bilitando ao médico colocar o queixo do paciente no próprio peito,
embora os movimentos laterais e rotatórios do pescoço estejam pre-
servados (aqui, a dificuldade será em caso de artrose cervical). Rigi-
dez extrema leva a opistótono com a cabeça lançada para trás. No
paciente em estado de coma profundo, ou com meningite fulminante,
pode estar ausente. Também pode ser encontrada em casos de her-
niação das tonsilas cerebelares ou aumento da pressão liquórica. A
restrição ao movimento do pescoço pode acontecer em abscessos re-
trofaríngeos e linfadenopatia cervical;
--Sinal de Kernig: com o quadril e os joelhos flexionados, há incapaci-
dade de estender o joelho bilateralmente, diferente da irritação radi-
cular lombossacra no sinal de Lasègue (elevação da perna estendida,
geralmente unilateral). O aumento da dor na perna afetada, por eleva-
ção da perna oposta, confirma compromisso radicular, e esse achado
constitui o sinal de Lasègue cruzado ou sinal cruzado positivo. Para
alguns autores, a presença do sinal cruzado é certeza de hérnia discal;
--Sinal do pescoço de Brudzinski: na tentativa de flexionar o pescoço
com uma das mãos do examinador segurando o tórax, provoca-se a
flexão dos quadris e dos joelhos bilateralmente;
--Sinal de Lasègue: com o paciente em decúbito dorsal e perna em com-
pleta extensão, observe o movimento passivo de flexão da coxa sobre
a bacia, que desperta no lado afetado; a partir de certo grau de eleva-
ção do membro inferior, há dor no trajeto do ciático (entre 10 e 60°),
resultante de estiramento no nervo. Um teste de Lasègue cruzado
refere-se à elevação da perna não afetada causando dor na perna afe-
tada (levantar o membro inferior que não está doendo); quando pre-
sente, é altamente específico de compressão radicular por hérnia de
disco;
semiologia e propedêutica neurológica 49

--Sinal de Lhermitte: parestesia irradiada para os 4 membros ou dor


“em descarga elétrica” ao longo da coluna e dos membros inferiores
por ocasião da flexão do pescoço. Pode estar presente em lesões da
coluna cervical alta (processos tumorais, hérnias discais, espondilose
cervical) e na esclerose múltipla.

8. Nervos cranianos
Tema A síndrome de nervos cranianos pode ocorrer isoladamente ou asso-
ciada a outras síndromes por lesões em outros sistemas de fibras loca-
frequente de prova lizados no tronco cerebral, no cérebro, no cerebelo e na medula.
--Nervo olfatório (I nervo craniano): as alterações de olfação podem
Os nervos periféricos, ser ocasionadas por lesões no epitélio olfatório na concha nasal su-
sua semiologia e lesões perior, ou por alteração no nervo e no trato olfatório ou no córtex
são questões sempre entorrinal e em regiões do hipocampo (crises uncinadas olfativas com
presentes nas provas de percepção de odor desagradável podem ser causadas por tumores de
concursos médicos. lobo temporal). Pode ocorrer por rinossinusites ou tumores da fossa
anterior craniana, como meningiomas, ou mesmo por traumas de crâ-
nio. Hiposmia ou anosmia pode ser provocada por várias drogas, anti-
bióticos e, inclusive, por meningites;
--Nervo óptico (II nervo craniano): o olho funciona como uma câmara
escura de orifício. Assim, um raio de luz que incide obliquamente so-
bre ele projetar-se-á diametralmente oposto ao lado de onde partiu.
Por exemplo, uma imagem situada à direita do indivíduo cairá so-
Dica bre a retina do lado esquerdo em ambos os olhos. No caso do olho
direito, a retina esquerda chama-se nasal, pois fica próxima ao na-
O nervo olfatório possui riz; no olho esquerdo, a retina do lado esquerdo chama-se temporal,
origem aparente no bulbo pois fica próxima ao osso temporal. Do mesmo modo, imagens em
olfatório. relação a cada um dos olhos podem estar nos campos visuais nasais
ou temporais. Uma imagem à direita do indivíduo estará no campo
visual temporal do olho direito e nasal do olho esquerdo. A imagem
do campo visual temporal incidirá sobre a retina nasal, e a imagem
do campo visual nasal incidirá sobre o temporal. Uma mesma ima-
gem estará, ao mesmo tempo, no campo nasal de um olho e tempo-
ral do outro, e incidirá sobre o campo temporal do 1º olho e nasal do
segundo (Figura 12 - A).

Figura 12 - Via visual: (A) representação dos campos visuais nasal e temporal em relação às imagens projetadas sobre a retina
nasal e temporal e (B) as principais lesões da via visual
50 sic neurologia

As imagens da retina nasal decussam no quiasma óptico para o lado


contralateral e seguem no trato óptico pela radiação até o córtex visual
primário (lobo occipital). As informações captadas pelas fibras da re-
tina temporal seguem direto, sem cruzar, até o lobo occipital ipsilateral.
• Lesões na retina causam escotomas (por descolamento de retina,
infecções ou traumas);
• Lesões no nervo óptico causam amaurose (quando totais) ou escoto-
mas (quando parciais). São exemplos glaucoma e neurite óptica as-
sociada ou não a esclerose múltipla por desmielinização;
• Lesão do quiasma óptico resulta em hemianopsia bitemporal, em
que os tumores de hipófise são a principal causa. Estes se insinuam
inferiormente;
• Lesão do trato óptico leva a hemianopsia homônima direita ou es-
querda contralateral ao lado lesado.
A pesquisa visual é feita por:
• Avaliação da acuidade visual, com discriminação de detalhes usando
a tabela de Snellen, a 6 metros do paciente, ou o cartão de Jaeger,
a 36cm;
Dica
• Campimetria de confrontação, em que se detectam defeitos de O nervo óptico possui
campo visual. Nela, o paciente olha para os olhos do examinador e origem aparente no
vice-versa, oclui-se um dos olhos, movimenta-se um alvo a 60cm do quiasma óptico.
paciente, além da mira em cada campo visual.

--III, IV e VI nervos cranianos: são avaliados em conjunto;


• Controle das pupilas: apenas o III nervo, na porção parassimpática; é
a via eferente do reflexo fotomotor (Figura 13);

Figura 13 - Reflexo fotomotor direto e consensual: em azul, a via aferente, pelo II


nervo; em vermelho, a via eferente, pelo III nervo. Quando o estímulo luminoso é
feito sobre um dos olhos, a informação parte do II nervo, vai até o núcleo mesence-
fálico de Erdinger-Westphall e estimula ambos os nervos oculomotores, para que as
pupilas de ambos os olhos se contraiam

• Movimentação ocular extrínseca (Figura 14);


• III nervo (oculomotor): inerva os músculos reto superior, reto in-
ferior, reto lateral e oblíquo inferior. Sua lesão leva ao desvio ocu-
lar complexo que, na maioria, associa-se a estrabismo divergente e
a prejuízo da elevação e depressão do olho, além de midríase por
perda da inervação parassimpática do esfíncter da pupila e ptose
palpebral (Figura 13);
semiologia e propedêutica neurológica 51

• IV nervo (troclear): inerva o oblíquo superior, que faz o abaixamento


do olho e sua inciclodução (Figura 14 - B). Quando lesionado, o pa-
ciente refere diplopia pior ao olhar para baixo (descer escadas) e
melhora quando inclina lateralmente a cabeça contralateralmente à
lesão (tilt head contralateral) – Figura 16;
• VI nervo (abducente): inerva o músculo reto lateral, e sua lesão leva
a estrabismo convergente;

Figura 14 - Músculos oculares extrínsecos: (A) a posição de cada músculo no globo ocular e (B) o vetor de força de cada um. Notar
que o músculo oblíquo superior faz o olho abaixar e a inciclodução, ou seja, aproxima o polo superior do globo ocular do nariz. O
oblíquo inferior levanta o olho e faz a exciclodução, isto é, afasta o polo ocular superior do nariz

Figura 15 - Paralisia do oculomotor direito, gerando ptose palpebral, midríase (dilatação pupilar) e desvio inferolateral do globo
ocular, pela ação dos músculos reto lateral (inervado pelo VI) e oblíquo superior (inervado pelo IV)

Figura 16 - Paralisia do nervo troclear direito. Na parte inferior, vemos que o tilt head contralateral melhora a diplopia, pois a
inclinação da cabeça deixa de necessitar do uso do oblíquo superior direito, e passa a usar o oblíquo inferior direito
52 sic neurologia

Dica
O nervo oculomotor inerva
os músculos reto superior,
inferior, lateral e oblíquo
inferior. O troclear inerva o
músculo oblíquo superior, e o
abducente inerva o músculo
Figura 17 - Paralisia do VI nervo à direita: (A), na posição primária do olhar, não há
diplopia; (B) quando o paciente olha para a esquerda, também não há diplopia; e reto lateral.
(C) com o paciente olhando para a direita, há diplopia por fraqueza do músculo reto
lateral direito

• No córtex cerebral, há áreas que controlam o movimento conju-


gado dos olhos, emitindo fibras que conectam a movimentação do
III nervo com o VI nervo contralateral, por meio do fascículo longitu-
dinal medial (ponte);
• Lesões corticais levam a desvio conjugado do olhar para o lado da le-
são e contralateral à hemiparesia (Foville superior), e lesão no centro
do olhar conjugado pontino desvia os olhos para o lado contralateral
e para o lado da hemiparesia (Foville inferior – o paciente vê sua he- Dica
miplegia – os olhos fogem da lesão);
O nervo oculomotor possui
• É importante avaliar a presença de anisocoria em ambiente claro e
origem aparente no sulco
escuro. Pupilas normais têm de 3 a 5mm de diâmetro; acima de 5mm,
medial do pedúnculo cerebral,
são ditas midriáticas e, abaixo de 3mm, mióticas. Pupilas desiguais
são anisocóricas (que podem existir como fisiológicas em 20% das
enquanto o troclear surge no
pessoas normais). Lesão do nervo óptico (II) leva a perda do reflexo véu medular superior e abdu-
fotomotor direto e preserva o consensual, e lesão do III nervo, a mi- cente no sulco bulbopontino.
dríase paralítica do lado lesado e perda do reflexo pupilar consen-
sual e direto. Tal alteração é sinal precoce de herniação do úncus do
temporal e giro hipocampal sobre esse nervo. Possíveis causas de
miose são neurossífilis, diabetes, uso de levodopa, álcool e outras
drogas, inclusive hematomas pontinos, que podem causar pupilas
puntiformes. Existem causas oftalmológicas de miose, como irrita-
ções, corpo estranho e sinéquias.

--V nervo trigêmeo (V nervo craniano): responsável pela inervação sen-


sitiva superficial e profunda da face e pela motricidade mastigatória
do músculo tensor da corda do tímpano. Seus núcleos sensitivo e mo- Figura 18 - Técnica de obtenção do reflexo
tor estendem-se ao longo do tronco cerebral. Pesquisa-se o funcio- corneopalpebral (corneano)
namento do trigêmeo pedindo ao paciente que abra e feche a boca e
morda uma espátula. Quando há lesão, é mais fácil tirá-la do lado le-
sado. Em lesões bilaterais, a mandíbula cai pela ação da gravidade; em
lesões unilaterais, a boca, aberta, desvia para o lado lesado, pela ação
do músculo pterigóideo normal. Lesões do trigêmeo causam disartria
leve, com fala lenta, sons nasalados e, às vezes, incompreensíveis. O
reflexo (corneano) corneopalpebral é feito por meio de uma estimu-
Dica
lação da córnea com algodão, que leva ao fechamento das pálpebras O nervo trigêmeo surge entre
pelo músculo orbicular dos olhos (integração do reflexo no tronco a ponte e o pedúnculo cerebe-
cerebral, aferência sensitiva pelo V nervo, eferência motora pelo VII lar médio.
nervo) – Figura 18;
semiologia e propedêutica neurológica 53

-- VII nervo facial (VII nervo craniano): inerva a musculatura da mímica


facial e a parte sensitiva dos 2 terços anteriores da língua e é res-

Dica ponsável por ocluir a boca para a contenção de alimentos durante a


mastigação. Nas paralisias periféricas, toda a metade facial fica com-
prometida quanto à motricidade, e, nas lesões ditas centrais, ocorre
O nervo facial surge no paralisia do terço inferior da face, já que o terço superior recebe iner-
sulco bulbopontino, entre vação bilateral das fibras corticais, sem perda de sua movimentação.
os nervos abducente e Lesões do nervo facial causam distúrbio de fonação, com dificuldades
vestibulococlear. com fonemas labiais;
--VIII nervo vestibulococlear (VIII nervo craniano): é um nervo sensi-
tivo. A hipoacusia por lesão periférica pode ser de condução ou neu-
rossensorial. Na primeira, o som não é transmitido da cóclea para o
nervo (perfuração do tímpano, cerume, otosclerose); na segunda, o
som que chega à cóclea não é percebido ou transmitido pelo nervo
coclear. Um diapasão com 1.024 ou 512Hz pode ser usado para dife-
Dica renciá-las. Na prova de Rinne, na lesão neurossensorial, o diapasão
colocado na mastoide não melhora a percepção do som. Contudo, na
hipoacusia de condução, a percepção do som é melhor com o diapasão
O nervo vestibulococlear
na mastoide. Na prova de Weber (Figura 19), ele é colocado na linha
surge no sulco bulbo- média; na hipoacusia de condução, o lado lesado funciona como uma
pontino, lateralmente ao caixa de amplificação do som, sendo este lateralizado para a região
nervo facial. anormal. Já na hipoacusia neurossensorial, a escuta é melhor no lado
normal do que no lado lesado;

Pergunta
2013 - SANTA CASA-SP
3. Um paciente de 58 anos está em acom-
panhamento ambulatorial por hipertensão
arterial sistêmica, diabetes mellitus, dis-
lipidemia, insuficiência renal crônica Figura 19 - Teste de Weber para avaliação de perda condutiva ou neurossensorial
estadio II e obesidade. Faz uso de enalapril,
atenolol, hidroclorotiazida, metformina, --IX e X nervos cranianos:
glimepirida e ácido acetilsalicílico. Vem ao
• IX nervo (glossofaríngeo) inerva palato e língua;
consultório queixando-se de diplopia há
3 semanas, sem qualquer outra queixa. Ao • X nervo (vago) inerva cordas vocais e palato.
exame clínico, nota-se a alteração ilustrada A pesquisa clínica é feita pelo reflexo do vômito (nauseoso), com esti-
a seguir, quando se pede para o paciente mulação por espátula da parede posterior da orofaringe, sem sensa-
olhar para o sentido indicado na seta. ção de vômito na lesão dos nervos IX
e X. Deve ser levado em conta diante
de outros achados e está alterado nas
seguintes situações: lesões supranu-
cleares (processos difusos – ambos
os hemisférios) e lesões que afetam
Qual é o nervo craniano envolvido na alte- os núcleos bulbares (demais nervos
ração neurológica desse paciente? cranianos – síndromes bulbares). O
IX nervo também é responsável pela
a) III gustação do terço posterior da língua.
b) IV O reflexo palatino é a elevação do pa-
c) V lato com a estimulação da úvula e do
d) VI palato mole. Nas lesões unilaterais,
e) VII ambos estão desviados para o lado Figura 20 - Sinal “da cortina” por
paralisia do IX e X à direita
Resposta no final do capítulo normal (sinal “da cortina” – Figura 20).
54 sic neurologia

--XI nervo craniano (acessório): a porção craniana se junta ao vago para


inervar os músculos da laringe e da faringe. A porção espinal é for-
mada pelos músculos esternocleidomastóideo e trapézio. O nervo
espinal apresenta 2 núcleos: bulbar (músculo da laringe) e medular Dica
(músculo esternocleido e porção superior do trapézio). O comprome-
timento do acessório determina a atrofia do músculo esternocleido O nervo vago surge no
e da porção superior do trapézio. Nesses casos, observa-se déficit sulco lateral posterior,
na elevação do ombro (trapézio) e na rotação da cabeça para o lado caudalmente ao nervo
oposto à lesão (esternocleidomastóideo), além de exagero na fossa glossofaríngeo.
supraclavicular. A lesão do ramo interno (espinal) inerva os músculos
da laringe – confunde-se com o comprometimento do vago, produ-
zindo alteração da fonação (voz rouca, bitonal, sussurrada) e da respi-
ração (dispneia, respiração ruidosa);
--XII nervo craniano (hipoglosso): inerva a musculatura da língua. O
exame deve ser feito inicialmente com a língua em repouso no inte-
rior da cavidade oral, observando-se a existência de desvios, atrofias
ou fasciculações (presentes na esclerose lateral amiotrófica). In situ, é Dica
repuxada para o lado são.
O nervo acessório surge
• Inspeção dinâmica, mediante exteriorização da língua, e execução no sulco lateral posterior
de diversos movimentos: exteriorizada, a língua sofre desvio para do bulbo (raiz craniana) e
o lado da lesão (Figura 21). Com efeito, a ação de cada músculo ge-
na medula (raiz espinal).
nioglosso consiste em exteriorizar a língua e desviá-la para o lado
oposto; obviamente, a contração de ambos a projeta para frente,
sem qualquer desvio contralateral. O paciente não consegue fazer
saliência com a língua na bochecha e há dificuldade para articular
consoantes linguais, como “t” e “l”.

Tabela 11 - Funções e achados clínicos

Achados clínicos das


Nervos Funções
lesões
Olfatório Olfato (cheiro) Anosmia

Óptico Visão Amaurose

- Diplopia; Figura 21 - Paralisia do hi-


- Movimentos oculares;
Oculomo- - Ptose; poglosso direito, com desvio
- Constrição pupilar;
tor - Midríase; ipsilateral da língua quando
- Acomodação visual. exteriorizada
- Perda da acomodação.

Troclear Movimentos oculares Diplopia

- Sensibilidade geral da face, - Dormência (parestesia) da


do couro cabeludo, dos face;
Trigêmeo
dentes; - Fraqueza dos músculos da

Abdu-
- Movimentos da mastigação. mandíbula.
Dica
Movimentos oculares Diplopia
cente O nervo hipoglosso surge
- Paladar; no sulco lateral anterior
- Sensibilidade geral gustativa - Perda do paladar dos 2 ter- do bulbo, em frente às
e sensibilidade da orelha ços anteriores da língua; olivas.
externa e do trágus; - Boca seca;
Facial
- Inervação das glândulas - Perda do lacrimejamento;
sublinguais e submandibu- - Paralisia dos músculos da
lares; face.
- Expressão facial.
semiologia e propedêutica neurológica 55

Pergunta Nervos Funções


Achados clínicos das
lesões
- Surdez;
2012 - HPM-MG Vestibulo- - Zumbido;
4. Correlacione os nervos cranianos e Audição e equilíbrio
coclear - Vertigem;
respectiva função ou achado em sua dis- - Nistagmo.
função e assinale a sequência correta:
I - Olfatório - Paladar;
- Sensibilidade da faringe e
II - Óptico - Perda do paladar do terço
Glossofa- da orelha;
III - Oculomotor posterior da língua;
ríngeo - Elevação do palato;
IV - Troclear - Boca seca parcial.
- Secreção da glândula
V - Trigêmeo parótida.
VI - Abducente
VII - Facial - Paladar;
- Sensibilidade geral da farin-
VIII - Auditivo/vestibular
ge, da laringe e da orelha; - Disfagia;
IX - Glossofaríngeo Vago - Fonação; - Rouquidão;
X - Vago - Inervação parassimpática - Paralisia do palato.
XI - Acessório do coração e das vísceras
XII - Hipoglosso abdominais.
A - Motricidade do
- Rouquidão;
esternocleidomastóideo - Fonação;
Espinal - Fraqueza dos músculos da
B - Paralisia do músculo ocular reto - Movimentos da cabeça, do
acessório cabeça, do pescoço e dos
lateral pescoço e dos ombros.
ombros.
C - Anosmia
D - Inervação sensitiva de 1/3 posterior Hipo-
Movimentos da língua Fraqueza e atrofia da língua
da língua glosso
E - Motricidade da faringe
F - Acusia
G - Motricidade da língua
H - Anormalidade do campo visual
I - Midríase e ptose palpebral
J - Paralisia do músculo oblíquo superior
com diplopia
K - Paralisia da musculatura mímica
L - Perda da sensibilidade da face e mas-
tigação deficiente

a) X-A, I-B, IV-C, V-D, VIII-E, IX-F, II-G,


XI-H, VI-I, VII-J, XII-K, III-L
b) XI-A, VI-B, I-C, IX-D, X-E, VIII-F, XII-
-G, II-H, III-I, IV-J, VII-K, V-L
c) X-A, V-B, I-C, VI-D, VII-E, XI-F, II-G,
III-H, IX-I, XII-J, VIII-K, IV-L
d) VII-A, VI-B, II-C, IV-D, I-E, III-F, VIII-
-G, X-H, V-I, IX-J, XII-K, XI-L
Resposta no final do capítulo
56 sic neurologia

Resumo
Quadro-resumo
Exame neurológico
- Avaliação cognitiva: atenção, linguagem, agnosia, apraxia, memória;

- Equilíbrio e marcha;

- Avaliação motora: força, trofismo, movimentos anormais, tônus;

- Reflexos profundos e superficiais;

- Avaliação cerebelar: coordenação apendicular, diadococinesia, nistagmo;

- Exame dos nervos cranianos;

- Avaliação da sensibilidade;

- Sinais de irritação meningorradicular.

Escala de coma de Glasgow


- Abertura ocular, resposta motora e resposta verbal;

- Coma: <8 pontos;

- Coma profundo: <3 pontos;

- Consciente e orientado = 15 pontos;

- Paresia: fraqueza com déficit parcial da força muscular;

- Plegia: perda ou déficit total da força muscular;

- Trauma cranioencefálico leve: de 15 a 14; moderado: de 13 a 9; grave: ≤8.

Diagnóstico diferencial das síndromes motoras

Síndromes/sintomas Neurônio motor Neurônio motor inferior


superior
Em comum Fraqueza Fraqueza

Tônus Aumentado Diminuído ou normal

Vivos/aumentados
Reflexos Diminuídos (hipoativos)/abolidos
(hiperativos)

Trofismo muscular Pouca atrofia/tardia Atrofia leve a grave (precoce)

Fasciculações Ausentes Presentes nas lesões do corno anterior

Distribuição da fraqueza Em grupo, distal Possivelmente focal ou generalizada

Possivelmente presente ou ausente nas lesões dos ner-


Reflexo cutâneo-abdominal Ausente
vos abdominais

Em extensão (sinal de
Reflexo cutâneo-plantar Em flexão ou abolidos
Babinski)
semiologia e propedêutica neurológica 57

Diagnóstico diferencial das lesões do neurônio motor superior


Córtex cerebral Cápsula interna Tronco cerebral Medula espinal
Fraqueza completa Hemiplegia/pare-
Hemiparesia alterna, acometi-
Fraqueza desproporcionada e proporcional, sem sia braquiocrural
mento de membros contralaterais
e predomínio braquifacial ou predomínio evidente, incompleta (sem
e nervos cranianos homolaterais
crural raramente poupando acometimento de
à lesão
a face nervos cranianos)
Perda da sensibi-
Hemi-hipoestesia con-
Alteração sensitiva vaga/gra- Sensibilidade possivelmente pre- lidade dolorosa
tralateral ao tálamo
festesia alterada servada contralateral ao
acometido
déficit motor
Afasia em lesões do hemisfé-
Oftalmoplegia internuclear e,
rio dominante para linguagem
quando presente, indica lesão no
(esquerdo) e, possivelmente -- --
tronco cerebral (principalmente
acompanhada de depressão
em lesões pontinas)
psíquica
Anosognosia e distúrbios de
Comum síndrome de Horner (dis-
atenção à esquerda em lesões -- --
túrbios autonômicos)
do hemisfério direito

Diagnóstico diferencial das lesões do neurônio motor inferior

Diagnóstico Fraqueza Tônus Atrofia Fasciculação Reflexo Distúrbio


sensitivo
Presente
Focal,
Células do (acen- Diminuído ou
geralmente Flácido Presente Ausente
corno anterior tuada ausente
assimétrica
precoce)
Diminuído ou
Raiz anterior Focal Flácido Presente Ausente Ausente
ausente
Diminuído ou
Focal, Presente
ausente (em
Plexo/nervo geralmente Flácido (mode- Ausente Presente
desproporção à
distal rada)
fraqueza)
Junção neuro-
Difusa Normal Ausente Ausente Normal Ausente
muscular
Tardia
Difusa pro- Diminuído,
(acentua-
Músculo ximal nos Flácido Ausente raramente Ausente
-se com o
membros ausente
tempo)
- Cerebelo:
· Lesões produzem distúrbios do equilíbrio, alterações do tônus muscular (hipotonia) e alterações na execução dos
movimentos (ataxia);
· Distúrbios cerebelares resultam em sintomas e sinais distintos, que podem estar relacionados a anormalidades
da coordenação dos movimentos voluntários, designados como ataxia (falta de coordenação). Essas anormalida-
des incluem diversos defeitos distintos:
1 - Retardo na iniciação das respostas com o membro afetado.
2 - Erros no alcance e na força dos movimentos (ou dismetria – erros na métrica do movimento).
3 - Erros na frequência e na regularidade dos movimentos.
- Síndromes medulares: representam grande importância, pois, em uma pequena área, estão conglomerados as vias
sensitivas e motoras e os grupos neuronais. Desta maneira, um pequeno dano pode gerar um grave dano (tetraple-
gia, paraplegia com bexiga neurogênica) que, na maioria dos casos, pode ser irreversível.
58 sic neurologia

Síndromes Etiologias
- Tumores: meningioma/schwannoma;
- Traumáticas;
Hemissecção medular
- Degenerativas (coluna cervical) – hérnia de núcleo
pulposo.

Lesão medular central (dissociação siringomiélica – - Siringomielia:


alteração da sensibilidade superficial e preservação da · Tumores intramedulares;
profunda) · Traumática – síndrome cervical central aguda.

Coluna posterior (dissociação tabética – alteração da - Tabes dorsalis – neurolues:


sensibilidade profunda e preservação da superficial) · Tumores espinais.

- Déficit da vitamina B12 – mielose funicular;


Posterolateral - Compressão cervical – espondiloartrose;
- Mielopatia – AIDS.

Coluna anterior + trato piramidal Esclerose lateral amiotrófica

- Dissecção da aorta;
- Cirurgia abdominal;
Artéria espinal anterior
- Fratura-luxação da coluna;
- Vasculites.

Respostas
das questões do capítulo

1. C
2. C
3. D
4. B
Mônica Ayres de Araújo Scattolin
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini

3
A dor é definida como “uma experiência emocional e
sensorial desagradável associada a uma lesão tecidual
real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão”.
Em sua caracterização semiológica, devem ser descritos
localização, irradiação, qualidade/caráter, intensidade,
início e duração, relação com funções orgânicas (dor
torácica – relação com respiração), evolução, fatores
desencadeantes ou agravantes, fatores atenuantes e
manifestações concomitantes. A dor pode ser dividida
em nociceptiva (estimulação persistente de nocicepto-
res térmicos, químicos ou mecânicos; subdivide-se em

Dor
somática superficial e profunda e visceral), neuropática
(lesão primária ou disfunção do sistema nervoso), psico-
gênica (fatores psicológicos) e mista. Em determinadas
situações, os sinais de dor dos receptores dos órgãos
internos são incorretamente interpretados como pro-
venientes de áreas distantes dos reais estímulos, sendo
a dor referida. A dor irradiada é sentida à distância de
sua origem, mas obrigatoriamente em estruturas iner-
vadas pela raiz nervosa ou pelo nervo cuja estimulação
é responsável pela dor. Já a dor fantasma compreende o
fenômeno pelo qual um indivíduo que sofreu uma ampu-
tação continua a sentir dor nesse local, o que se deve
à projeção imprecisa da dor pelo encéfalo. A dor mus-
culoesquelética caracteriza-se como crônica quando
persiste por mais de 3 meses, sendo as doenças mais
comuns desse grupo as cervicalgias, lombalgias, sín-
drome da dor miofascial e fibromialgia. Dentro dela, 2
afecções se sobressaem: a síndrome da dor miofascial
(presença de trigger points) e a fibromialgia (presença
de tender points). O tratamento da dor, em geral, deve
basear-se na etiologia, fisiopatologia e repercussões,
envolvendo a eliminação do fator causal com medica-
mentos analgésicos e adjuvantes, sendo que substâncias
capazes de diminuir a condição inflamatória também
podem ser empregadas.
60 sic neurologia

1. Definição
Dica A dor é definida, pela International Association for the Study of Pain,
como “uma experiência emocional e sensorial desagradável associada
a uma lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tal le-
Convém lembrar-se do
são”. A sensação dolorosa tem papel fisiológico e funciona como sinal
método mnemônico da de alerta para a percepção de algo que está ameaçando a integridade
dor – “ILICIDAS”: Início, física do organismo.
Localização, Intensidade,
Caráter, Irradiação, Em sua caracterização semiológica, os seguintes aspectos devem ser
descritos: localização, irradiação, qualidade ou caráter, intensidade, iní-
Duração, Alívio/piora e
cio e duração, relação com funções orgânicas (dor torácica – relação
Sintomas associados. com respiração), evolução, fatores desencadeantes ou agravantes, fa-
tores atenuantes e manifestações concomitantes.

2. Classificação
A dor aguda caracteriza-se por resposta orgânica protetora, pois alerta
o indivíduo para uma lesão iminente ou real dos tecidos, induzindo a
respostas reflexas e comportamentais coordenadas com o intuito de
manter o dano tecidual o mais controlado possível. Quando a dor passa
a se repetir ou sustentar-se por período prolongado, deixa de apre-
sentar vantagens biológicas e passa a causar sofrimento, sendo classi-
ficada como dor crônica, gerada por impulsos de pequena magnitude
produzidos por atividade neural anormal. Essa dor geralmente não é
bem localizada e tende a ser maciça, contínua ou recorrente. A Figura 1
apresenta uma das possíveis formas de classificação da dor.

Figura 1 - Classificação das diferentes formas de dor

A dor pode ser dividida em:


--Nociceptiva: estimulação persistente de nociceptores térmicos, quí-
micos ou mecânicos;
--Neuropática: causada ou iniciada por lesão primária ou disfunção
do sistema nervoso. Esse tipo é gerado dentro do sistema nervoso,
independentemente de qualquer outro estímulo interno ou ex-
terno. Também chamada de dor por injúria neural ou desaferenta-
ção, pode ser provocada por compressão, transecção, infiltração,
isquemia, injúria metabólica de corpos celulares de neurônios ou a
combinação desses fatores. Exemplos: neuralgia do trigêmeo, neu-
ralgia pós-herpética, dor do membro fantasma e dores associadas
a doenças como diabetes mellitus;
--Psicogênica: prevalecem fatores psicológicos na gênese da sensação
dolorosa. Não apresenta substrato orgânico e a dor tende a ser ge-
dor 61

neralizada, difusa e imprecisa. Pode ser observada em pacientes com


depressão, ansiedade generalizada ou hipocondria;
--Mista.

Tabela 1 - Divisões da dor nociceptiva

Decorrente da estimulação de receptores do tegu-


Somática mento e, usualmente, de trauma, queimadura ou
superficial processo inflamatório. Tende a ser bem localizada e a
apresentar qualidade bem definida.

Consequente à ativação de nociceptores de músculos,


fáscias, tendões, ligamentos e articulações. Como
exemplos, podem-se citar as dores ligadas às contra-
Somática pro-
ções musculares isquêmicas, a estiramento muscular,
funda
ruptura tendinosa, síndrome miofascial, artrite e
artrose. De localização mais imprecisa, algumas vezes
pode manifestar-se como dor referida.

Provocada por distensão de víscera oca, mal locali-


zada, profunda, opressiva e constritiva, comumente
se associa a náuseas, vômitos e sudorese. Muitas
Visceral vezes há dores locais referidas, como no ombro ou
na mandíbula, relacionada ao coração, na escápula,
referente à vesícula biliar, e no dorso, referente ao
pâncreas (Figura 2).

Figura 2 - Áreas cutâneas da dor referida de certas vísceras

A dor visceral, das vísceras maciças e dos processos não obstrutivos


das vísceras ocas, é descrita como surda ou dolorida; a dor dos pro-
cessos obstrutivos das vísceras ocas é do tipo cólica; a dor por com-
prometimento parietal é “em pontada”; a dor por isquemia miocárdica
é constritiva ou “em aperto”; e a dor da úlcera duodenal é do tipo quei-
mação ou ardor.
62 sic neurologia

A - Dor referida
Em determinadas situações, os sinais de dor dos receptores dos ór-
gãos internos são incorretamente interpretados como provenientes de
áreas distantes dos reais estímulos, particularmente como se viessem
da superfície corpórea. Assim, a dor visceral pode ser confundida com
a dor somática – e é a dor referida.
A explicação mais aceita para esse fenômeno é a convergência de im-
pulsos dolorosos somáticos e viscerais para neurônios nociceptivos
comuns localizados no corno dorsal da medula espinal. Tendo a pele
suprimento nociceptivo muito mais exuberante do que as estruturas
somáticas profundas e viscerais, a representação talâmica e cortical
destas últimas é muito menor. Com isso, os impulsos dolorosos prove-
nientes das estruturas profundas seriam interpretados pelo cérebro
como oriundos do tegumento.

B - Dor irradiada
Trata-se de um tipo de dor referida sentida à distância de sua origem,
mas obrigatoriamente em estruturas inervadas pela raiz nervosa ou
pelo nervo cuja estimulação nóxica é responsável pela dor. Ocorre, por-
tanto, em virtude do comprometimento direto de um nervo ou de uma
raiz nervosa espinal. Um exemplo clássico é a dor ciática provocada
pela compressão de uma raiz nervosa por hérnia de disco lombar.

C - Dor fantasma
Compreende o fenômeno pelo qual um indivíduo que sofreu uma am-
putação continua a sentir dor nesse local, o que se deve à projeção
imprecisa da dor pelo encéfalo. Os neurônios que suprem a estrutura
afetada foram lesionados, mas as porções remanescentes continuam a
enviar impulsos nervosos para a mesma região do encéfalo relacionada
Figura 3 - Mecanismo da dor referida a essa estrutura. As sensações evocadas são projetadas para a área le-
no infarto agudo do miocárdio: a dor
é sentida na superfície do ombro e na sionada, proporcionando a dor.
face interna do braço esquerdo, obe-
decendo à distribuição metamérica
3. Definições práticas
--Analgesia: ausência de sensibilidade à dor, embora outras sensibilida-
des possam continuar presentes;
--Anestesia: ausência de toda sensação;
--Alodínia: sensação desagradável, dolorosa, provocada por estímulo tá-
til, sobretudo se repetitiva, de uma área com limiar de excitabilidade
aumentado (parcialmente desaferentada ou hipoestésica). Pacientes
podem descrever que o contato com o lençol gera estímulo doloroso;
--Desaferentação: efeito da eliminação da atividade neural aferente,
Dica devido a neurônios interrompidos;
--Dor heterotópica: termo comum para designar a dor sentida em ou-
Convém notar a diferença: tra área, não em seu verdadeiro local de origem;
hiperalgesia é sensibilidade
--Hiperalgesia: sensibilidade aumentada à dor;
aumentada à dor, enquanto
--Hiperpatia: sensação mais dolorosa do que a habitual, sobretudo se
alodínia é a percepção da dor
repetitiva, de área com limiar de excitabilidade aumentado;
quando o estímulo não é dolo-
roso (tátil). --Disestesia: sensações anormais diante de um estímulo nociceptivo;
--Neuralgia: dor neurogênica ao longo da distribuição periférica de um
nervo;
dor 63

--Dor neurogênica: dor iniciada no sistema nervoso, por anormalidades


das estruturas neurais;
--Limiar de dor: a menor intensidade de estímulo em que uma pessoa
percebe a dor.

4. Classificação da intensidade
A intensidade da dor é resultante da interpretação global dos seus as-
pectos sensitivos, emocionais e culturais. Sua magnitude é o principal
determinante se um esquema terapêutico deve ser modificado. Para
melhor classificação, preconiza-se o uso de escalas analógicas visu-
ais ou de representação gráfica não numérica como as demonstradas
na Figura 4. Também podem ser utilizadas escalas multidimensionais,
como o questionário de dor de McGill, em que são avaliados, além da
intensidade da dor, aspectos como os sensoriais e os afetivos.

Figura 4 - Escalas numéricas e visuais analógicas da intensidade da dor

5. Condições clínicas frequentemente ligadas


à dor crônica
Pesquisas apontam que cerca de 30% da população têm dor crônica,
acarretando incapacidade total ou parcial em 75% dos casos.
Pessoas que sofrem de dores crônicas apresentam maior propensão a
depressão, e indivíduos com depressão ou ansiedade estão mais vul-
neráveis a dor. Cerca de 30 a 54% daqueles com dores crônicas (como
cefaleia, dor facial, lombalgia, dores torácicas, abdominais, pélvicas e
nas extremidades) apresentam comumente transtornos depressivos.
Situações como estresse, medo, ansiedade e duração da dor interferem
na ativação do sistema opioide envolvido na modulação da analgesia.

6. Dor musculoesquelética
A dor musculoesquelética caracteriza-se como crônica quando persiste
por mais de 3 meses. As patologias mais comuns desse grupo são as
cervicalgias, lombalgias, síndrome da dor miofascial e fibromialgia.
64 sic neurologia

A dor lombar aguda apresenta remissão em 90% dos casos. São fato-
res contribuintes para cronicidade a falta de correção dos fatores de-
sencadeantes, fatores psicossociais, alterações posturais, imobilidade,
Quadro clínico comorbidades (doenças psiquiátricas, uso de drogas), fatores mecâni-
cos e degenerativos e lesões estruturais do sistema nervoso.
O quadro clínico da síndrome
da dor miofascial envolve dor A - Síndrome da dor miofascial
muscular com musculatura Caracteriza-se pela presença de dor muscular que afeta, geralmente
tensa, isolada, em várias de maneira isolada, várias regiões do corpo, como as colunas cervical e
regiões do corpo, presença de lombar e as cinturas escapular ou pélvica. Ocorre em ambos os sexos,
trigger points em músculos mais comumente entre pessoas acima dos 30 anos. Várias sinonímias
vulneráveis e diminuição foram utilizadas: mialgia, miofasciite, miofibrosite, miogelose, fibrosite,
da dor após estiramento reumatismo muscular ou de partes moles e tensão muscular.
muscular. Acredita-se ser causada pela atividade dos pontos-gatilho (trigger
points) distribuídos ao longo de músculos vulneráveis (Figura 5) e que
são decorrentes de sobrecargas dinâmicas (traumatismos, excesso de
uso) ou estáticas (sobrecargas posturais) durante as atividades da vida
diária e ocupacionais.

Enquanto a fibromialgia corresponde a uma condição dolorosa difusa,


essa síndrome se caracteriza pelo envolvimento localizado, e os pon-
tos-gatilho respondem melhor à terapêutica localizada.

Tabela 2 - Principais características clínicas

- Dor difusa em um músculo ou grupo muscular;

- Dor regional em peso, queimação ou latejamento;

- Surtos de dor a distância ou referida;

Figura 5 - Complexo do ponto-gatilho - Queixas de parestesia sem padrão neurológico;

- Banda muscular tensa palpável;

- Presença de pontos-gatilho ativos e/ou latentes;

- Reprodução das queixas pela compressão dos pontos-gatilho;

Diagnóstico - Twitch response* à palpação ou inserção da agulha no ponto-gatilho;

- Diminuição da dor após estiramento do músculo ou infiltração do ponto-


O diagnóstico da síndrome da -gatilho;
dor miofascial é estabelecido a
partir de 4 critérios maiores e - Encurtamento muscular.
1 menor, sendo maiores: banda * Contração muscular visível, palpável e localizada.
muscular tensa, dor intensa
em trigger points, reprodução O diagnóstico de certeza é firmado quando 4 critérios maiores e 1 me-
da dor em palpação de nódulo nor são evidenciados. Os maiores são: banda de tensão muscular; dor
doloroso e limitação de ampli- intensa nos pontos-gatilho em banda de tensão; reprodução da dor à
tude de movimento pela dor; pressão do nódulo doloroso e limitação da amplitude do movimento
e menores: reação contrátil decorrente da dor. Os critérios menores são: evocação da reação con-
a palpação ou agulhamento, trátil visivelmente à palpação; reação contrátil ao agulhamento dos
eletromiografia positiva e pontos-gatilho; demonstração eletromiográfica de atividade elétrica
anormalidade sensitiva em característica de nódulo doloroso em banda de tensão e dor; e anor-
região de gatilho à compressão. malidade sensitiva na distribuição de um ponto-gatilho à compressão
correspondente.
dor 65

O tratamento consiste na inativação dos pontos-gatilho e na interrup-


ção do círculo vicioso dor–espasmo–dor. Medicamentos analgésicos
anti-inflamatórios são a 1ª atitude terapêutica, eficazes no controle da
dor aguda e tornando confortável a fisioterapia.

B - Fibromialgia
Tratamento
Analgésicos anti-inflama-
A fibromialgia afeta, aproximadamente, 6% da população geral e é 8
tórios são medicamentos de
vezes mais frequente em mulheres entre 20 e 55 anos. É uma síndrome
reumática não articular, de origem desconhecida, caracterizada por
escolha no controle da dor na
dor musculoesquelética difusa e crônica e pela presença de múltiplas síndrome da dor miofascial,
regiões dolorosas (tender points), sobretudo no esqueleto axial. Dentre associados a fisioterapia.
os sintomas frequentemente associados, podem estar presentes fa-
diga, distúrbios do sono, rigidez matinal, ansiedade e depressão.
O diagnóstico baseia-se somente em critérios clínicos, pela ausência
de exames complementares que a identifiquem. Segundo o American
College of Rheumatology, foram estabelecidos os seguintes critérios
diagnósticos: dor difusa presente no esqueleto axial e em ambos os he-
micorpos, acima e abaixo da cintura; dor em 11 ou mais dos 18 pontos
dolorosos (tender points) e dor crônica por mais de 3 meses. Diagnóstico
O diagnóstico de fibromialgia
é estabelecido por presença
de dor difusa em esqueleto
axial, simétrica, em 11 dos
18 pontos, por mais de 3
meses: suboccipital (inserção
do músculo suboccipital),
cervical baixo (atrás do
terço inferior do esterno-
cleidomastóideo), trapézio,
supraespinhoso, 2ª junção
costocondral, epicôndilo
lateral, glúteo médio, tro-
Figura 6 - Tender points cantérico e joelho (acima da
linha média).
O tratamento baseia-se na abordagem interdisciplinar, incluindo con-
trole da dor e da fadiga, melhora do padrão de sono, controle do
estresse, tratamento das alterações de humor e condicionamento fí-
sico. A Tabela 3 resume as diferenças entre a síndrome miofascial e a
fibromialgia.

Tabela 3 - Principais características

Síndrome dolorosa
Características Fibromialgia
miofascial
Assimétrica e local “em
Dor Simétrica e difusas
pontada”

Sexo Predomínio em mulheres Ambos

Preferencialmente entre
Idade Qualquer idade
40 e 60 anos

Localização 18 tender points Pontos-gatilho


66 sic neurologia

Síndrome dolorosa
Características Fibromialgia
miofascial
Radiação Espalhada/crônica Em pontos específicos

Espasmos muscu- Presentes com encurta-


Em geral ausentes
lares mento

Amplitude do
Sem restrição Com restrição
movimento

Contração local à
Ausente Frequente
palpação

7. Dor neuropática
Estima-se que 5% dos pacientes com lesão traumática de nervos apre-
sentem dor; já a prevalência de neuropatia dolorosa em diabéticos é de
cerca de 15%. Entre pacientes com acidente vascular cerebral, 8% apre-
sentam dor neuropática central, e 28% daqueles com esclerose múlti-
pla sofrem de dores neuropáticas.
O diagnóstico é feito na presença da descrição da dor, na avaliação de
sinais objetivos de disfunção nervosa ou de testes confirmatórios e na
resposta ao tratamento com medicamentos indicados para o manejo
da dor neuropática. As medicações mais usadas são os anticonvulsi-
vantes (carbamazepina, gabapentina e pregabalina), antidepressivos
(tricíclicos e venlafaxina), antagonistas de receptores N-Metil D-Aspar-
tato (NMDA) e opioides. Estes últimos devem ser reservados àqueles
com dor refratária.

A - Neuralgia do trigêmeo
O nervo trigêmeo é responsável pela sensibilidade da face desde a
parte frontal do couro cabeludo até o queixo e pode ser dividida em 3
“faixas” – V1, V2 e V3. A neuralgia do trigêmeo é uma dor lancinante,
que pode ser referida como choque, pontada ou agulhada, em 1 ou 2 ra-
mos contíguos do trigêmeo, em metade da face, dura alguns segundos
e pode ser desencadeada por estímulos sensitivos, como o vento, esco-
var os dentes, alimentar-se ou mesmo tocar a face. A dor é de tal inten-
sidade que frequentemente leva o paciente a procurar auxílio médico
hospitalar com urgência. Sua causa mais comum é uma compressão
neurovascular, mas outras doenças, como esclerose múltipla e tumo-
res, podem levar a esse quadro. A neuralgia do trigêmeo deve ser dife-
renciada da dor facial atípica, de características diferentes, e causada
por outros agentes. Dentre as principais causas de dor facial atípica,
destacam-se infecção por herpes-zóster (a dor é contínua e não paro-
xística, associada a vesículas e crostas), doença dentária, doença orbi-
tal, arterite temporal ou, novamente, tumor intracraniano. É comum o
paciente ser submetido equivocadamente a extrações dentárias para o
tratamento de neuralgia do trigêmeo.
O tratamento da dor é feito com o auxílio de anticonvulsivantes (car-
bamazepina, gabapentina, pregabalina, oxcarbazepina) e baclofeno, e,
em casos de procura ao serviço de emergência, a dor pode ser aliviada
com dose de ataque de fenitoína (“hidantalização”), de modo seme-
lhante ao que é prescrito para o tratamento do estado de mal epilép-
tico. Um curso rápido com corticoides pode ser realizado até que os
dor 67

anticonvulsivantes possam fazer efeito. Há poucas evidências para o


uso de antidepressivos, sendo mais usadas a duloxetina, a amitriptilina
e a venlafaxina. Nos casos refratários, o tratamento cirúrgico pode ser
indicado. As modalidades mais utilizadas são a neurotomia por balão,
sob anestesia local, ou a rizotomia por radiofrequência e a descom-
pressão neurovascular por meio de craniotomia suboccipital.

B - Síndrome Dolorosa Complexa Regional (SDCR)


Sinonímias: algoneurodistrofia, distrofia neurovascular reflexa, angio-
espasmo, desordem vasomotora pós-traumática, distrofia reflexa das
extremidades, edema pós-trauma, atrofia de Sudeck, atrofia óssea
aguda, síndrome ombro–mão, distrofia neurovascular, osteoporose
migratória, causalgia, distrofia simpático-reflexa etc.

a) Definição
Condição dolorosa regional associada às alterações sensoriais decor-
rentes de um evento nocivo. Nestas, após o trauma, a dor é o sintoma
principal, podendo estar associada a coloração da pele, mudanças de
temperatura do membro, atividade sudomotora anormal ou edema.
Segue a terminologia adotada pela International Association for the
Study of Pain em 1993:
--SDCR tipo I: distrofia simpática reflexa;
--SDCR tipo II: causalgia.
O tipo II difere do tipo I pela existência de traumatismo (lesão nervosa Quadro clínico
real), em que a dor não se limita ao território de inervação do nervo
lesado. O quadro clínico da sín-
drome dolorosa complexa
b) Manifestações clínicas regional envolve dor em
--Dor do tipo queimação, profunda, lancinante e quente: contato físico, queimação, associado a
mudanças de temperatura e estresse emocional podem ser fatores alterações autonômicas
desencadeantes da dor; (temperatura, coloração,
--Alterações autonômicas: vasomotoras, diferença de temperatura, co- sudorese) e perda de
loração, quando comparadas com o membro contralateral; ou sudo- função motora.
motoras, em que a região acometida pode apresentar sudorese ou
anidrose;
--Edema e alterações tróficas da pele e fâneros: podem ou não estar
presentes;
--Perda da função motora: distúrbios de motricidade como fraqueza,
distonias, espasmos musculares, tremores, aumento do tônus e difi-
culdade de movimentação do membro.
Em alguns pacientes, a dor miofascial mostra-se mais importante do
Tratamento
que a própria SDCR. A dor miofascial se estabelece por desuso do mem- O tratamento da sín-
bro acometido (amputação fisiológica) e/ou excesso de uso do membro drome dolorosa complexa
sadio contralateral. regional envolve fisio-
terapia, antidepressivos
c) Tratamento tricíclicos, anticonvulsi-
--Fisioterápico: estimulação transcutânea (TENS) e reabilitação do vantes ou opioides e blo-
membro, aumento da movimentação; queio simpático (injeção
--Farmacológico: antidepressivos tricíclicos, gabapentina, pregaba- local – guanetidina).
lina e opioides; também pode ser tentado o uso de duloxetina ou
venlafaxina;
68 sic neurologia

--Bloqueio simpático por injeção local de anestésico na cadeia simpá-


tica (procedimento mais utilizado): oferece benefício temporário; a
droga mais utilizada é a guanetidina (nos bloqueios venosos regionais).

8. Dor oncológica
A dor acomete de 60 a 80% dos pacientes com câncer, de 25 a 30% na

Dica ocasião do diagnóstico e até 90% dos indivíduos com doença avançada.
A invasão tumoral óssea é a causa mais comum, habitualmente, de dor
Grande parte das dores nociceptiva somática, a menos quando há a invasão de estruturas ner-
oncológicas acaba por vosas, em que passa a ter também componente neuropático. O tumor
ativa os nociceptores por pressão, isquemia ou secreção de substân-
apresentar caráter misto.
cias álgicas. A invasão tumoral visceral é a 2ª causa mais comum de
dor e acontece por estiramento de cápsula, obstrução de vísceras ocas,
carcinomatose peritoneal e neoplasia de pâncreas.
Em alguns, o tratamento (radioterapia, quimioterapia e cirurgias) é o
que causa a dor neuropática crônica. As síndromes pós-cirúrgicas crô-
nicas podem acontecer pós-mastectomia, toracotomia, esvaziamento
cervical e amputação. Além disso, os pacientes podem ter patologias
que cursam com dor, como doenças degenerativas da coluna, úlce-
ras perfuradas, emergências vasculares e obstruções intestinais, nem
sempre resultantes da doença oncológica.

9. Síndromes dolorosas
A - Dor talâmica
Lesões talâmicas, dependentes de sua localização e extensão, podem
levar a dor em parte ou toda a metade do corpo contralateral. A dor
é em queimação, com uma quantidade particularmente desagradá-
vel, sem que o paciente tenha dificuldade para descrever. Ela tende a
se desenvolver durante a recuperação parcial de um déficit sensorial,
causado por lesão talâmica subjacente. Estimulação cutânea leve pode
Quadro clínico produzir sensação muito desagradável e dolorosa. Com essa combi-
nação de perda de sensibilidade sensorial, a dor espontânea cutânea
A síndrome de Déjérine- pervertida passou a ser chamada de síndrome de Déjérine-Roussy ou
-Roussy (acidente vas- síndrome do acidente vascular encefálico talâmico – infarto da por-
cular encefálico talâmico) ção posterolateral do tálamo. Esta se caracteriza como um distúrbio
apresenta hemiplegia hemianestésico, seguido de dor talâmica (bem mais comum): parado-
xalmente, o paciente sente uma dor espontânea vívida de forte in-
leve, hemianestesia
tensidade, persistente, paroxística e geralmente intolerável e rebelde
superficial, hemiataxia
ao tratamento analgésico, além de movimentos coreoatetósicos nos
leve e astereognosia, com membros ipsilaterais ao lado comprometido no hemicorpo contralate-
dores vivas no lado he- ral (que apresenta anestesia para todas as modalidades sensoriais, me-
miplégico e movimentos nos frequentemente na face). Os acidentes vasculares encefálicos são a
coreoatetósicos. causa mais frequente de dor. A lesão é isquêmica em cerca de 90% dos
casos. Há indícios de que haja maior frequência de dor central após in-
farto isquêmico do que após hemorragia encefálica.

- Tratamento
Não há procedimento comprovadamente eficaz para o tratamento da
dor central. Poucos tratamentos foram testados em ensaios bem deli-
neados. Os melhores resultados parecem ser obtidos com a combina-
ção de tratamentos. O tratamento reduz a dor, mas não a elimina. Não
dor 69

se sabe se diferentes condições de dor central respondem de maneira


diferente a um tratamento particular.
Analgésicos, agentes antidepressivos, neurolépticos, anticonvulsivan-
tes, antiarrítmicos, anestésicos locais, agentes adrenérgicos e antia-
drenérgicos, drogas colinérgicas e naloxona são os medicamentos mais
empregados para o tratamento da dor central. Bloqueios anestésicos
somáticos e da cadeia simpática são também empregados.
Os antidepressivos tricíclicos (imipramina, amitriptilina, clomipramina
e nortriptilina) são os agentes mais eficazes para o tratamento da dor
central. Os inibidores específicos da recaptação de serotonina parecem
ser menos eficazes.
A carbamazepina proporciona resultados satisfatórios, frequente-
mente. O clonazepam, a fenitoína e o ácido valproico são eficazes em
alguns casos.
Há evidências de que as fenotiazinas e outros neurolépticos aumentam
a eficácia dos analgésicos e de que apresentem propriedades analgési-
cas. Parecem aliviar a hiperestesia. Devem, entretanto, ser usados com
precauções em pessoas com lesões no sistema nervoso central, porque
estas são mais suscetíveis à instalação de discinesias tardias.
Os anestésicos locais e os agentes antiarrítmicos exercem ação farma-
cológica semelhante à dos anticonvulsivantes. A infusão intravenosa
de lidocaína proporciona alívio da dor em muitos pacientes em casos
de dor central pós-lesão cerebrovascular.
Dentre os procedimentos ablativos, destacam-se a tratotomia mesen-
cefálica, a talamotomia e a ablação cortical e subcortical. Alguns au-
tores afirmam que a talamotomia e a mesencefalotomia são os únicos
procedimentos cirúrgicos eficazes para o tratamento da dor central.
Portanto, para indicar os procedimentos cirúrgicos, deve ser assegu-
rada a natureza das anormalidades que constituem a queixa princi-
pal, seja a dor propriamente dita ou outros transtornos, incluindo os
psíquicos e os sociais. O procedimento deve ter possibilidade real de
aliviar a dor com baixo risco. A tratotomia mesencefálica e a talamoto-
mia medial são os únicos tratamentos ablativos que comprovadamente
contribuem para o alívio de dor central, porque eliminam a atividade
anormal das vias discriminativas reticulotalâmicas. Tais procedimentos
são eficazes em 22 a 50% dos doentes com dor central. Em casos de
alterações afetivas rebeldes, procedimentos psicocirúrgicos tais como
a cingulotomia e a hipotalamotomia podem ser benéficos. A lobotomia
frontal melhora o desempenho, mas não elimina a dor.

B - Dor radicular
A dor de origem radicular classicamente irradia da região medular en-
volvida para o dermátomo correspondente. Dores não irradiadas rara-
mente são secundárias a envolvimento radicular. Outra característica

Dica
marcante da dor radicular é sua piora com manobras que aumentem
a pressão intraespinal, como a tosse ou a manobra de Valsalva. Adi-
cionalmente, algumas manobras que tracionam as raízes exacerbam
consideravelmente a dor. A manobra de Lasègue é classicamente asso- Há piora da dor radicular
ciada a radiculopatias lombossacrais L5 ou S1. Caracteriza-se por dor à à realização de manobra
elevação da perna acima de 30o. Sua sensibilidade para a detecção de de Valsalva ou Lasègue.
radiculopatias ativas é bastante grande. Infelizmente não existe uma
manobra confiável para tracionar as raízes cervicais.
70 sic neurologia

Tabela 4 - Síntese sobre os principais tipos de dor


Causada por lesão tecidual (musculoesquelética, cutânea ou visceral). É uma sensação dolorosa
grosseira, severa, frequentemente descrita como latejante e variável de acordo com a lesão
Dor nociceptiva
básica, sendo aliviada pelo repouso. Geralmente é transitória, desaparecendo após a cura dos
tecidos lesados. São exemplos: dores ósseas, pós-operatórias, dores de artrite.
É o tipo de dor mais frequente na prática clínica. Há compressão de nervos e raízes nervosas
(gerando dor neuropática), mas também ossos, facetas, articulações e ligamentos (estruturas
Dor mista musculoesqueléticas), gerando dor nociceptiva. Exemplos de dor mista incluem: cervicobra-
quialgia e lombociatalgia, radiculopatia cervical, dorsal e lombar, além de dor oncológica e
neuropatia compressiva (exemplo: síndrome do túnel do carpo).
Iniciada ou causada por lesão primária do sistema nervoso central ou periférico (incluindo sis-
tema nervoso autônomo). Em geral, persistem por longo tempo após o evento desencadeante
e são frequentemente descritas como “choque”, “queimação”, “ferroada”, “agulhada”, “dormên-
Dor neuropá-
cia”, “formigamento” ou adormecimento (sensações denominadas de parestesias). A região
tica
dolorosa não se localiza, necessariamente, no local da lesão, pois a dor ocorre no território
inervado (nervo, raiz, medula espinhal, cérebro). Está quase sempre relacionada a uma situa-
ção crônica (neuralgia pós-herpética, neuropatia diabética, por exemplo).
Considera-se a existência de dor psicogênica quando nenhum mecanismo nociceptivo ou neu-
ropático pode ser identificado e há sintomas psicológicos suficientes para o estabelecimento
Dor psicogênica
de critérios psiquiátricos estabelecidos na classificação DSM-IV. Na prática, a dor psicogênica
é diagnóstico de exclusão e de ocorrência muito rara.

10. Tratamento
Tema O tratamento deve basear-se na etiologia e na fisiopatologia da dor e
das suas repercussões, envolvendo a eliminação do fator causal com
frequente de prova medicamentos analgésicos e adjuvantes. Substâncias capazes de dimi-
nuir a condição inflamatória também podem ser empregadas. Os anal-
As recomendações para gésicos são classificados em 3 categorias: opioides (narcóticos), não
o tratamento da dor, opioides e adjuvantes.
bem como sua evolução,
podem ser cobradas em O protótipo dos analgésicos opioides é a morfina. O seu espectro de
provas de concursos ação é comparável com os demais, mas difere na intensidade do seu
efeito e nos efeitos colaterais. Os analgésicos não opioides incluem vá-
médicos.
rias classes de substâncias com diferentes mecanismos de ação. Além
dos Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs) clássicos (ácido acetil-
salicílico, ibuprofeno, diclofenaco, naproxeno) e dos inibidores seleti-
vos da cicloxigenase-2, também são membros desse grupo substâncias
como paracetamol, flupirtina e metamizol (dipirona). A ação dos AINEs
é dupla: interferem no sistema das prostaglandinas e reduzem a infla-
mação, o edema e a irritação.
Os medicamentos adjuvantes são utilizados para potenciar a eficácia
analgésica de fármacos analgésicos no tratamento de sintomas con-
comitantes que aumentam a intensidade da dor e para proporcionar
efeito analgésico independente para tipos específicos, como a dor
neuropática.
As principais classes de medicamentos adjuvantes são os anticonvulsi-
vantes, antidepressivos, ansiolíticos, neurolépticos, relaxantes muscu-
lares e corticosteroides. A ação dos antidepressivos no tratamento da
dor crônica é consequência da ampla variedade de ações nos mecanis-
mos neurorregulatórios da percepção e da transmissão da dor. No caso
da dor musculoesquelética, os relaxantes musculares podem ser utili-
zados apenas por curto período e em casos de dor crônica agudizada.
dor 71

Em 1986, a Organização Mundial da Saúde apresentou a escada anal-


gésica para o tratamento da dor oncológica (Figura 7). Desde então,
essa dor passou a ter tratamento racional, com eficácia atual em torno
de 95%. O esquema preconiza analgésicos escalonados por potência,
sempre em associação, e cada degrau representa a intensidade da
dor segundo a Escala Visual Analógica (EVA). No 1º degrau, indica-se
a associação de não opioides (paracetamol, dipirona, AINEs) e drogas
adjuvantes (antidepressivos, ansiolíticos, antipsicóticos, neuromodula-
dores) para o controle de dores leves. Caso a dor não seja controlada
Dica
com o esquema proposto ou em se tratando de dor de intensidade mo- Drogas adjuvantes, como
derada, passa-se ao 2º degrau, no qual se mantêm o não opioide e o antidepressivos tricícli-
adjuvante escolhido, associando um opioide fraco (codeína, tramadol cos, são escolha no início
ou oxicodona em baixas doses). Se, mesmo com a associação de um do tratamento de dor
opioide agonista fraco, a dor não é controlada ou é de forte intensidade crônica neuropática.
– EVA 8 a 10 –, troca-se esse opioide por um agonista forte (morfina,
metadona, fentanila transdérmica, intramuscular ou intravascular, oxi-
codona em doses altas ou hidromorfona).

Pergunta
2015 - UNAERP
1. São recomendações gerais no
tratamento farmacológico da dor,
exceto:

a) prescrever dose de resgate,


quando em uso de opioide forte
Figura 7 - Escada analgésica para o tratamento da dor da Organização Mundial da b) usar medicação de horário
Saúde
c) não associar opioides de classes
diferentes
Dentro de uma mesma classe, não existe superioridade de um fármaco d) titular a dose de maneira indi-
sobre o outro. A escada analgésica rompeu as fronteiras da Oncologia vidual no idoso
e, hoje, é amplamente utilizada como guia de tratamento racional para e) preferir a via subcutânea sem-
as dores aguda e crônica, pois, ao associar fármacos de diferentes me- pre que possível
canismos de ação, proporciona menor incidência de efeitos adversos e
Resposta no final do capítulo
maior eficácia.

Pergunta
2013 - UNESP
2. Um homem de 68 anos, ex-tabagista e ex-etilista desde os 18 anos, está abstêmio há 6 meses, quando foi diagnosticado com
carcinoma espinocelular de laringe. Realizou quimioterapia, radioterapia e laringectomia total. Apesar disso, teve recidiva tu-
moral. Queixa-se de dor cervical contínua (tipo queimação), com momentos de paroxismo (tipo choque), com intensidade 10 (em
escala de zero a 10). Está recebendo dieta via gastrostomia e nunca fez uso de opioides. O provável diagnóstico fisiopatológico
da dor e o melhor esquema analgésico são, respectivamente:

a) nociceptiva exclusiva; morfina de liberação lenta de 12/12h, dipirona em gotas de 6/6h, amitriptilina ao deitar e gabapentina
de 8/8h
b) nociceptiva exclusiva; morfina de liberação rápida em solução oral de 6/6h e amitriptilina ao deitar
c) neuropática exclusiva; amitriptilina ao deitar e gabapentina de 8/8h
d) mista; morfina de liberação rápida em solução oral de 6/6h e amitriptilina ao deitar
e) mista; morfina de liberação rápida em solução oral de 4/4h, dipirona em gotas de 6/6h, amitriptilina ao deitar e gabapentina de 8/8h
Resposta no final do capítulo
72 sic neurologia

Resumo
Quadro-resumo
- A dor pode ser dividida em nociceptiva, neuropática, psicogênica e mista. O controle efetivo requer que sejam toma-
dos em consideração seus mecanismos subjacentes para permitir a seleção de um tratamento bem direcionado;
- Na dor referida, os sinais de dor dos receptores dos órgãos internos são incorretamente interpretados como prove-
nientes de áreas distantes dos reais estímulos;
- A síndrome miofascial é caracterizada por resposta muscular local à manipulação do ponto-gatilho, dor, restrição
de amplitude de movimento, fraqueza sem atrofia e sensibilidade aumentada sobre um ponto de espessamento
muscular;
- A fibromialgia é uma síndrome reumática não articular caracterizada por dor musculoesquelética difusa e crônica e
pela presença de múltiplas regiões dolorosas.
Classificação da dor neuropática
Sistema nervoso central
- Lesões vasculares;
Causas mais fre-
- Esclerose múltipla;
quentes
- Trauma.
Lesões medulares 1ª sinapse do corno posterior da medula pelas vias ascendentes
- Tálamo;
- Córtex;
- Substância branca cortical;
Lesão encefálica
- Bulbo;
- Ponte;
- Mesencéfalo.
Sistema nervoso periférico
- Mononeuropatia: herpes-zóster, diabetes, periarterite nodosa, artrite reumatoide, lúpus
eritematoso sistêmico, trauma, tumor, HIV, hipotireoidismo, porfiria, isquemia;
Nervo espinal e - Polineuropatia: diabetes, uremia, álcool, Guillain-Barré, beribéri, amiloidose, isoniazida,
periférico cloranfenicol, organofosforado, pelagra, HIV, tuberculose, mieloma, hipotireoidismo,
vincristina etc.;
- Avulsão do plexo braquial.
- Neuralgia do trigêmeo;
- Neuralgia do glossofaríngeo;
- Herpes-zóster agudo;
Nervos cranianos
- Neuralgia pós-herpética;
- Dor facial atípica;
- Neuralgia traumática.
Síndrome de dor complexa regional
Tipo I Distrofia simpático-reflexa
Tipo II Causalgia
Dor fantasma
- Acomete 60 a 85% dos que sofreram amputação dos membros;
- Ocorre na área do corpo em que foi feita a amputação;
- A sensação mais intensa corresponde à região com maior representação cortical.

Respostas
das questões do capítulo

1. E
2. E
Mônica Ayres de Araújo Scattolin
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini

4
A dor de cabeça é uma queixa recorrente ao médico e
corresponde a 4 a 9% das consultas na atenção primá-
ria. As cefaleias podem ser classificadas, quanto à sua
etiologia, em primárias (sem etiologia demonstrável
pelos exames clínicos ou laboratoriais usuais) ou secun-
dárias (substrato orgânico identificável) e, quanto ao
modo de instalação e à evolução, em agudas, subagu-
das (atingindo o ápice em dias ou até 3 meses) e crônicas
(superior a 3 meses). Os principais tipos de cefaleia pri-
mária são migrânea, cefaleia tensional e cefaleia em
salvas. A migrânea é o distúrbio neurobiológico com

Cefaleias
base gênica que pode estar associado a alterações do sis-
tema nervoso e ativação do sistema trigeminovascular.
A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral,
de caráter pulsátil, que aparece na maioria dos casos
antes dos 20 anos, com piora aos esforços e acompa-
nhada de sintomas como palidez, sudorese, náuseas/
vômitos, fono ou fotofobia, iniciada após jejum, con-
sumo de chocolate, distúrbios emocionais, sono, álcool
e estímulos sensoriais. A crise divide-se em 4 fases: pre-
monitória, aura, cefaleia e resolução; e o tratamento se
baseia em medidas gerais (retirada de fatores desenca-
deantes), associadas a analgésicos simples (crises leves)
ou triptanos (crises moderadas a fortes). A cefaleia ten-
sional é a mais comum, prevalente em adultos jovens (35
a 78%), sendo mais comum entre mulheres, e tende a
ser bilateral, de caráter em pressão ou aperto, cujo tra-
tamento é feito com analgésicos simples. A cefaleia em
salvas tem maior incidência no sexo masculino e início
habitual no adulto jovem (10 anos mais tarde do que a
migrânea) e evolui por crises com duração média de 30 a
180 minutos, que se repetem várias vezes ao dia (salvas).
A dor é de grande intensidade (terebrante) e de loca-
lização preferencialmente fronto-orbitária, podendo
irradiar-se para o hemicrânio e/ou para a hemiface ipsi-
lateral. O tratamento agudo é feito com oxigenoterapia
100%, 7L/min, por 15 minutos, sumatriptano 6mg SC ou
ergotamínicos 1mg 2x/d, enquanto profilaxia com vera-
pamil, valproato de sódio, prednisona ou carbonato de
lítio. As cefaleias secundárias são consequência de uma
agressão ao organismo, de ordem geral ou neurológica.
A doença primária pode estar relacionada a várias etio-
logias: infecciosa, inflamatória, parasitária, traumática,
vascular, tumoral e metabólica. Sinais que demons-
tram a organicidade da cefaleia são início abrupto (1º
episódio), início após trauma, >50 anos, sinais neuroló-
gicos deficitários, papiledema, rigidez de nuca, febre,
mudança abrupta no padrão da dor e alteração da cons-
ciência. Alguns exemplos são a cefaleia da hemorragia
subaracnóidea e a arterite temporal.
74 sic neurologia

1. Introdução
As dores de cabeça correspondem de 4 a 9% das consultas na atenção
primária, sendo que aproximadamente 1% das cefaleias é secundário
a doenças potencialmente fatais ou incapacitantes. Estima-se que, ao
longo da vida, 93% dos homens e 99% das mulheres apresentarão o
quadro, e 76% das mulheres e 57% dos homens terão ao menos 1 epi-
sódio por mês.
Inflamação, irritação, deslocamentos, tração, dilatação ou destruição
de estruturas sensíveis à dor desencadeiam fenômenos dolorosos. O
cérebro, o crânio, a maior parte da dura-máter, o epêndima e os plexos
coroides são insensíveis a dor. As estruturas extracranianas sensíveis
a ela são pele, tecido subcutâneo, músculos, nervos, membranas sub-
mucosas, dentes e alguns vasos sanguíneos maiores. Já as estruturas
intracranianas sensíveis a dor são seios venosos, veias de maior calibre
e a dura-máter que as circunda, artérias durais e artérias do polígono
de Willis.
A sensibilidade das estruturas intra e extracranianas, da face e da ca-
beça até a região do vértex, são mediadas pelo nervo trigêmeo. Peque-
nas áreas são inervadas pelos pares de nervos VII, IX e X. Já a dor na
região occipital do crânio é mediada pelos nervos occipitais superiores
com raízes originadas nos primeiros segmentos cervicais.

2. Classificação e diagnóstico
A “Classificação e Critérios Diagnósticos das Cefaleias, Neuralgias Cra-
nianas e Dor Facial”, realizada pela International Headache Society
(IHS), encontra-se na sua 3ª edição e tem a intenção de padronizar,
tanto em pesquisas como na clínica, a definição dos tipos de cefaleias,
sendo a do tipo tensional a mais prevalente, seguida pela migrânea. A
Tabela 1 resume os diferentes grupos diagnósticos.

Tabela 1 - Grupos diagnósticos segundo a Classificação Internacional das


Cefaleias
Cefaleias primárias
- Enxaqueca ou migrânea;
- Cefaleia do tipo tensional;
- Cefaleia em salvas e outras trigeminoautonômicas;
- Outras cefaleias primárias.
Cefaleias secundárias
- Cefaleia atribuída a trauma de cabeça e/ou cervical;
- Cefaleia atribuída a doença vascular craniana ou cervical;
- Cefaleia atribuída a transtorno intracraniano não vascular;
- Cefaleia atribuída a uma substância ou sua retirada;
- Cefaleia atribuída a infecção;
- Cefaleia atribuída a transtorno da homeostase;
- Cefaleia ou dor facial atribuída a transtorno de crânio, pescoço, olhos,
ouvido, nariz, seios da face, dentes, boca ou outras estruturas faciais ou
cranianas;
- Cefaleia atribuída a transtorno psiquiátrico.
cefaleias 75

Neuralgias cranianas, dor facial primária e central e outras


cefaleias
- Neuralgias cranianas e causas centrais da dor facial;
- Outras cefaleias, neuralgias cranianas e dor facial primária ou central.

As cefaleias podem ser classificadas, quanto à sua etiologia, em primá-


rias (sem etiologia demonstrável pelos exames clínicos ou laboratoriais
usuais) ou secundárias (substrato orgânico identificável). Nas cefaleias
primárias, a dor é um sintoma obrigatório, sem o qual não se define a
doença. Nas cefaleias secundárias, a dor é um sintoma opcional, não
sendo necessária para o diagnóstico da doença de base. Por exemplo,
não podemos ter uma crise de migrânea sem dor, mas podemos ter um
quadro de sinusite sem que o paciente apresente dor de cabeça. Porém, a
sinusite pode cursar com cefaleia, sendo uma causa de cefaleia secundária.
A história é parte fundamental para a diferenciação entre esses 2 gru-
pos. Os pontos-chave da entrevista diagnóstica estão descritos na Ta-
bela 2. Uma cefaleia de início recente e que piora progressivamente em
frequência ou intensidade pode corresponder à presença de uma lesão
expansiva. Da mesma maneira, cefaleia cujo padrão de dor não se mo-
dificou ao longo de muitos anos usualmente aponta para etiologia be-
nigna. A dor pulsátil unilateral é comum na enxaqueca, enquanto a dor
com caráter de pressão está mais associada a cefaleia tensional. Uma
dor aguda lancinante de localização periorbitária ou retro-orbitária,
por sua vez, levanta a suspeita da cefaleia em salvas.

Tabela 2 - Pontos-chave para o direcionamento da entrevista diagnóstica


- Motivo da procura;
- Quantos tipos o paciente apresenta;
- Relacionadas ao tempo:
· Idade;
· Idade de início;
· Padrão temporal (horário de crises e periodicidade);
· Duração.
- Caracterização da dor:
· Intensidade: leve, moderada (atrapalha as atividades), incapacitante
(impede atividades a maior parte do dia) ou excruciante (a intensidade
da dor leva ao descontrole do paciente);
· Natureza ou qualidade da dor;
· Local e irradiação;
· Sintomas associados (náuseas, vômitos, febre, alterações de consciência,
sintomas neurológicos focais, alterações visuais, descarga nasal).
- Relacionadas à causa:
· Predisposição ou fatores desencadeantes;
· Fatores de melhora ou agravantes;
· História familiar.
Dica
- Pródromos; É sempre importante
- Influência hormonal; questionar o paciente
- Resposta a dor: com cefaleia quanto
· O que o paciente faz durante a dor?
· Quanto sua atividade fica limitada?
a pródromos, história
· Quais são as medicações usadas? familiar, doenças
- Estado de saúde entre os ataques; associadas e todas as
- Problemas médicos crônicos concomitantes ou pregressos; características próprias
- Fatores de risco na infância para o desenvolvimento de migrânea: cineto- da dor.
se, dor abdominal recorrente, pseudoangina, vertigens, dores do cresci-
mento, distúrbios do sono, vômitos cíclicos, hiperatividade.
76 sic neurologia

As cefaleias também são classificáveis, segundo o modo de instalação


e a evolução, em:
--Agudas;
--Subagudas: instalação insidiosa, atingindo o ápice em dias ou até 3
meses, principalmente nas cefaleias secundárias, decorrentes, por
exemplo, de hematomas subdurais, tumores de crescimento rápido e
meningites crônicas (fungo, tuberculose);
--Crônicas: em geral, com presença superior a 3 meses. Podem ser re-
cidivantes, por período variável de tempo (minutos, horas, dias) para
depois desaparecerem, ressurgindo algum tempo depois, como na mi-
grânea e na cefaleia em salvas.
Pacientes com cefaleia crônica beneficiam-se de um diário que permite
detalhamento maior do padrão de apresentação da dor, fatores desen-
cadeantes e resposta a medicação.
O exame físico deve ser completo, incluindo a busca de sinais neuro-
lógicos localizatórios; palpação do crânio, musculatura cervical e arti-
culação temporomandibular; ausculta das artérias carótidas e órbitas;
fundo de olho (descartar edema de papila); medida de pressão arterial
e temperatura.
Ao examinar os nervos cranianos, não se deve esquecer de afastar alte-
rações da motricidade ocular, anisocoria e paralisia facial. A conjuntiva
ou a íris podem estar irritadas tanto em doenças oculares primárias
como na cefaleia em salvas. A presença de hipersensibilidade dos seios
paranasais sugere sinusite e a dos dentes indica a investigação de abs-
cessos. Os exames subsidiários devem ser solicitados quando há im-
possibilidade de certeza diagnóstica de cefaleia primária.
É a anamnese complementada pelo exame clínico-neurológico que vai
levar ao diagnóstico de certeza e/ou alertar para a possibilidade de
uma cefaleia secundária. Os exames mais frequentes a considerar são:
--Radiografia de crânio e coluna cervical: diante da suspeita de fratu-
ras, doenças ósseas, anormalidades da região selar e da coluna cervi-
cal (malformações, traumas e subluxações);
--Tomografia de crânio: está indicada na presença de sinais de alarme
(Tabela 3);

Tabela 3 - Indicações de exames de neuroimagem nos pacientes com cefaleia e sinais de alarme
Sinais de alarme nas
Comentários
cefaleias
Cefaleia súbita é aquela que atinge a intensidade máxima de sintomas dentro de 60
A 1ª ou pior cefaleia segundos. É conhecida como cefaleia “em trovoada” (thunderclap headache). Existem
da vida do paciente várias causas, mas a mais temida é a hemorragia subaracnóidea (HSA), com altas taxas
ou cefaleia de início de morbimortalidade. Cerca de 90% dos pacientes com HSA apresentarão alteração na
súbito tomografia. Sempre devemos considerar o diagnóstico de HSA em pacientes com cefa-
leia súbita ou a pior dor da vida.
Cefaleias de início A possibilidade de um processo expansivo cerebral ser a causa de uma cefaleia com mais
recente (menos de 1 de 1 ano de duração é menor do que 1%. Para casos iniciados há menos tempo, a realiza-
ano) ção de um exame de neuroimagem está indicada.
Nos pacientes com mais de 50 anos, a incidência de neoplasias primárias do Sistema Ner-
voso Central (SNC) ou metastáticas para o SNC é maior. Além disso, a arterite de células
Cefaleia nova após os gigantes é uma causa de cefaleia a partir dos 50 anos, caracterizada por cefaleia, claudi-
50 anos cação mandibular, episódios de amaurose fugaz e polimialgia reumática. A VHS costuma
estar acima de 50mm/h, e a biópsia de artéria temporal fecha o diagnóstico. O trata-
mento é realizado após a confirmação diagnóstica com corticoides e imunossupressores.
cefaleias 77

Sinais de alarme nas


Comentários
cefaleias
Cefaleia associada a
alterações do exame
Qualquer processo expansivo intracraniano tem o potencial de causar lesão encefálica e
neurológico, alteração
provocar alterações ao exame neurológico.
de consciência, rigidez
de nuca e febre
Cefaleia nova em Nos pacientes imunodeprimidos com cefaleia, devemos considerar a ocorrência de neu-
paciente imuno- roinfecções ou surgimento de neoplasias. Os pacientes com coagulopatia ou em uso de
deprimido, com anticoagulantes são mais predispostos à ocorrência de hemorragia intraparenquimatosa,
coagulopatia ou neo- que pode se manifestar por meio de cefaleia. Nos pacientes com neoplasia conhecida e
plasia cefaleia, a suspeita de metástase cerebral deve ser sempre investigada.
Nos traumatismos cranioencefálicos leves (Glasgow 14 ou 15), a indicação de tomografia
está reservada nas seguintes situações:
- Glasgow <15;
- Perda de consciência;
- Amnésia lacunar;
- Cefaleia intensa;
- Crises convulsivas;
Cefaleia após trauma- - Grandes lesões acima da clavícula;
tismo de crânio - Intoxicação exógena;
- Idade >60 anos ou <6 anos;
- Uso de anticoagulantes;
- Fratura craniana;
- Sinais de lesão de base de crânio;
- Otorragia, rinoliquorraquia;
- Nos outros casos de trauma cranioencefálico (Glasgow <14), sempre há indicação de
tomografia.
Cefaleias desencadea- Cefaleias desencadeadas por esforço físico podem ser indícios de aneurismas cerebrais
das por esforço físico em expansão ou rotos (HSA), processos expansivos intracranianos etc.
Cefaleias progressivas
São indicativas de processos expansivos parenquimatosos, hidrocefalia, trombose
ou refratárias a trata-
venosa cerebral.
mento
Características não
Em casos nos quais não se preenchem os critérios diagnósticos para cefaleia primária, os
usuais em cefaleias
exames de neuroimagem são obrigatórios.
primárias

--Ressonância magnética de crânio;


--Eletroencefalograma: pode ser útil nos estados altera-
dos de consciência (episódios confusionais), auxiliando no
diagnóstico de encefalites e epilepsias;
--Líquido cerebrospinal: é útil no diagnóstico de processos in-
Importante
flamatórios e infecciosos, assim como nos casos de hiper- O nome migrânea é uma variação da
tensão intracraniana benigna (avaliação manométrica). palavra grega hemigrania, que signi-
fica “metade do crânio”, em referência
3. Cefaleias primárias ao caráter unilateral da dor, frequente
nessa patologia. Por influência
Os principais tipos de cefaleia primária são: migrânea, cefa- moura, o português também utiliza
leia tensional e cefaleia em salvas. Outros exemplos são as a palavra “enxaqueca” (derivada do
cefaleias hípnica, primária da tosse, do esforço físico e a as- árabe jaqueca). Procurando seguir a
sociada à atividade sexual. nomenclatura greco-latina, usual na
terminologia médica, recomendamos
A - Migrânea o uso do termo “migrânea” em artigos
Trata-se de um distúrbio neurobiológico com base gênica e livros científicos. Para a orientação
que pode estar associado a alterações do sistema nervoso do paciente, ambos os termos podem
e ativação do sistema trigeminovascular. Pesquisas recentes ser utilizados.
apontam para uma etiologia poligênica, multifatorial e com
alguma influência de fatores ambientais.
78 sic neurologia

Dados epidemiológicos mostram que esse quadro acomete cerca de


18% das mulheres e 6% dos homens. No Brasil, de 15 a 16% da popu-
lação é acometida. O pico de incidência da migrânea com aura nos

Dica homens acontece aos 5 anos, e nas mulheres, entre 12 e 13 anos. Na mi-
grânea sem aura, o pico se encontra nos homens aos 10 e 11 anos, e nas
mulheres, entre 14 e 17 anos. A prevalência antes da puberdade é maior
A migrânea possui
em homens e aos 40 anos a proporção é de 3,5 casos em mulheres para
prevalência maior no cada caso em homens. Início após os 50 anos é raro.
sexo masculino antes da
puberdade e no sexo fe- A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral (60% dos ca-
minino após a puberdade. sos), de caráter pulsátil, que aparece, na maioria dos casos, antes dos
20 anos. Piora habitualmente com os esforços físicos ou manobras que
aumentam o fluxo sanguíneo cerebral e melhora com as condições que
diminuem o afluxo de sangue ao segmento cefálico.
Acompanhando a dor, observam-se, com grande frequência, palidez,
sudorese, anorexia, náuseas e vômitos, foto e fonofobia e, mais rara-
mente, distúrbios autonômicos. Muitos pacientes referem fatores de-
sencadeantes variados, como jejum, chocolate, distúrbios emocionais,
modificações no padrão de sono, estímulos sensoriais (olfativos, visu-
ais, auditivos) e ingesta de bebidas alcoólicas.
A Tabela 4 descreve os critérios diagnósticos para os quadros de migrâ-
nea com e sem aura.

Tabela 4 - Critérios diagnósticos de migrânea com e sem aura, segundo a


International Headache Society
Enxaqueca comum/migrânea
A - 5 ou mais crises que preencham os critérios B a D.
B - Crise de cefaleia de 4 a 72 horas (tratamento fracassado ou não realizado).
C - Cefaleia com, pelo menos, 2 das seguintes características:
· Unilateral;
· Pulsátil;
· Dor de intensidade moderada a intensa;
· Dor agravada ou que impede atividade física rotineira (caminhar, subir
escadas etc.).
D - Durante a cefaleia, pelo menos 1 destes sintomas:
· Náusea e vômitos;
· Fotofobia e fonofobia.
E - Não atribuída a outra doença.
Migrânea com aura
A - 2 ou mais crises que preencham os critérios B a D.
B - Aura consistente com, pelo menos, 1 dos seguintes, mas sem paresias:
· Sintomas visuais completamente reversíveis, incluindo efeitos positivos
(luzes que piscam, pontos ou linhas luminosas) e/ou negativos (perda
de visão);
· Sintomas sensoriais completamente reversíveis, incluindo efeitos posi-
tivos (pontadas, agulhadas) e/ou negativos (insensibilidade);
· Disfasia completamente reversível.
C - Pelo menos 2 dos seguintes:
· Sintomas visuais homônimos ou sensoriais unilaterais;
· Pelo menos 1 sintoma de aura que se desenvolve gradualmente por 5 ou
mais minutos;
· Cada sintoma entre 5 e 60 minutos.
D - Cefaleia com critérios B a D para enxaqueca sem aura: de início
durante a aura ou que a siga por 60 minutos.
E - Não atribuída a outra doença.
cefaleias 79

A crise migranosa divide-se em 4 fases: premonitória, aura, cefaleia e


resolução. Essas fases não estão necessariamente presentes em todos
os casos. Os sintomas premonitórios acertam até 48 horas antes da
crise em cerca de 60%. Sintomas prodrômicos, como escotomas cinti- Quadro clínico
lantes ou parestesias de instalação gradual, podem estar associados.
Também são observados, mas em menor frequência, sintomas como A migrânea apresenta-se
mudanças do humor, alterações do raciocínio e anorexia algumas horas como cefaleia unilateral
antes da instalação da crise. (60%), pulsátil, de início antes
dos 20 anos, com piora aos
esforços, acompanha sinto-
mas como palidez, sudorese,
náuseas/vômitos, fono ou
fotofobia, e inicia-se após
jejum, chocolate, distúrbios
emocionais, sono, álcool e
estímulos sensoriais.

Figura 1 - Características clínicas da migrânea


Dica
Os pródromos surgem até 48
horas antes da cefaleia e são
A aura é um sintoma neurológico temporário que pode se referir à área caracterizados por irrita-
focal do cérebro afetada. A explicação neurofisiológica mais aceita bilidade, anorexia, náusea,
para a aura é o fenômeno da depressão alastrante, descrita pelo brasi- bocejos, fome, dificuldade de
leiro Aristides Leão. Segundo essa hipótese, durante a aura, ocorreria concentração e/ou raciocínio
uma diminuição da atividade elétrica em ondas, semelhantes às gera-
e retenção hídrica.
das quando se joga uma pedra em uma poça de água parada. Foi visto
que a velocidade de propagação dessas ondas era semelhante à do au-
mento dos sintomas na aura. A aura pode ocorrer antes, durante ou
após a cefaleia, e a forma mais comum é a visual. São exemplos sinto-
mas visuais unilaterais de formas geométricas que se expandem e se
movem, visão embaralhada ou sensação anormal “de vaivém”, pareste-
sias e dificuldade na fala. Podem ocorrer, em outros casos, escotomas
sem fenômeno positivo, frequentemente percebidos como de início Dica
agudo, mas que, num exame minucioso, se alargam gradualmente. Dis-
túrbios sensitivos também são possíveis, na forma de agulhadas ou al- Na aura, os sintomas são
finetadas, que se movem lentamente, a partir do ponto de origem, e graduais, em 5 a 60 minutos,
afetam uma área maior ou menor de um lado do corpo e da face. Cerca e duram no máximo 1 hora.
de 20% dos que apresentam enxaqueca descrevem a presença de aura. Há fenômenos visuais
A duração da aura varia de 5 a 60 minutos, mas em casos de enxaqueca (luzes cintilantes, linhas em
hemiplégica, cuja manifestação da aura é uma hemiparesia, pode durar ziguezague, manchas cegas),
até 24 horas. parestesias, fraqueza ou in-
A aura da migrânea tem início insidioso e evolução lentamente progres- coordenação, dificuldade para
siva, o que contribui para o diagnóstico diferencial com algumas crises falar ou comprometimento
epilépticas parciais e com os ataques isquêmicos transitórios, condi- do equilíbrio. A aura pode
ções nas quais surgem sintomas similares, porém de instalação aguda. ser típica (5 a 60 minutos) ou
A duração é efêmera nas crises epilépticas e prolongada nos ataques atípica (>60 minutos).
isquêmicos transitórios, mas que se estendem por menos de 24 horas.
Cefaleia, náuseas, vômitos e/ou fotofobia sucedem os sintomas neuro-
80 sic neurologia

lógicos da aura imediatamente ou após um intervalo livre não superior


a 1 hora. A aura pode ocorrer sem relação com a crise de cefaleia na mi-
grânea, mas esse é um diagnóstico de exclusão e que deve ser feito em
pacientes com história de migrânea.

a) Equivalentes de enxaqueca
--Migrânea acompanhada: sinais e sintomas de sofrimento encefálico
aparecem posteriormente ao início da dor de cabeça. Manifestação
sensitiva é o mais frequente, mas também podem estar presentes
déficit motor, distúrbios de linguagem e ataxia;
--Migrânea complicada: relacionados à crise aparecem sintomas neu-
rológicos que persistem após a cefaleia ter cessado ou por mais de
24 horas. Em alguns raros casos, pode não haver regressão ou esta
ser parcial (sequela). Pode ser dividida em oftalmoplégica, hemiplé-
gica (familial), da artéria basilar (Bickerstaff) e migrânea retiniana;
--Migrânea oftalmoplégica: rara e vista mais frequentemente em
crianças e adultos jovens, é uma dor unilateral associada a paresias
do III (mais comum), IV e VI nervos cranianos. Há relatos de lesão
permanente do III nervo. No 1º episódio deve ser feito diagnóstico
diferencial com aneurisma da artéria comunicante posterior.
Na migrânea hemiplégica familiar, a aura é representada por défi-
cit motor (hemiplegia ou hemiparesia), sendo indispensáveis história
idêntica em, pelo menos, 1 parente de 1º grau e exames complemen-
tares sem anormalidades para a caracterização do quadro. A enxa-
queca hemiplégica costuma ser hereditária, autossômica dominante,
geralmente por alteração dos genes CACNA1A, ATP1A2 e SCNA1 para
canais iônicos. Já na migrânea basilar (ou de Bickerstaff), a dor é pre-
dominantemente occipital e os sintomas dizem respeito a distúrbios
funcionais no nível do tronco cerebral ou dos polos occipitais, como
diplopia, disartria, parestesia perioral (durando de 20 a 30 minutos),
vertigem, zumbido, ataxia, alteração do nível de consciência, paresias
e parestesias bilaterais. Na migrânea retiniana, temos uma associa-
ção de isquemia do nervo óptico, podendo levar a amaurose e perda
de visão do lado acometido. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial
com arterite temporal.

b) Cefaleia (migrânea) menstrual


--Cefaleia menstrual pura: localização anterior (79,4%), caráter pul-
sátil, intensidade grave, duração de 1 a 3 dias, e seu aparecimento
ocorre predominantemente de 1 a 2 dias antes ou durante a mens-
truação. O tratamento é sintomático, com Anti-Inflamatórios Não
Hormonais (AINHs) e triptanos. Os betabloqueadores e a amitripti-
lina têm papel no tratamento profilático;
--Cefaleia relacionada à menstruação: localização anterior (82%), de
caráter pulsátil, intensidade grave e duração de 1 a 3 dias;
--Cefaleia tensional menstrual pura: localização posterior (83,3%), de
caráter opressivo, intensidade moderada (55%), duração variável e
aparece ao longo de todo o período menstrual. O tratamento é sin-
tomático, com AINHs;
--Cefaleia tensional relacionada à menstruação: localização posterior
(70%), de duração variável ao longo de todo o período menstrual. No
tratamento, a amitriptilina é mais usada.
cefaleias 81

c) Tratamento
O tratamento inicia-se com medidas gerais, como evitar, quando pos-
sível, fatores referidos como desencadeantes de crises; tratar doenças Tema
concomitantes, particularmente hipertensão arterial e depressão; va- frequente de prova
ler-se de técnicas de relaxamento físico e mental; regular o padrão de
sono e aconselhar a prática de atividades físicas. Também podem ser O tratamento da migrâ-
utilizadas técnicas cognitivas comportamentais e acupuntura, além de nea está sempre presente
massagens e compressas. Os objetivos do tratamento são tratar a crise em questões de concursos
migranosa rapidamente e com eficácia, com mínimos efeitos adversos; médicos.
recuperar a capacidade funcional do paciente, e minimizar as necessi-
dades de visita hospitalar de emergência.
Analgésicos simples, como paracetamol ou AINH (naproxeno sódico,
ibuprofeno, diclofenaco de sódio, ácido tolfenâmico), são eficazes para
o tratamento sintomático e devem ser ingeridos precocemente após o
início dos sintomas. É importante evitar o uso abusivo desses analgési-
cos, sob o risco de desencadeamento de cefaleia resultante do uso ex-
cessivo de medicações abortivas de crise.
Tratamento
Os triptanos são medicações agonistas dos receptores serotoninérgi- O tratamento da migrâ-
cos com eficácia comprovada no tratamento sintomático e devem ser nea envolve medidas
considerados dentro de uma abordagem estratificada de controle da gerais (retirada de fa-
dor para as crises moderadas e fortes. Sensação de calor, peso, formi- tores desencadeantes),
gamento e opressão torácica são os efeitos colaterais mais comumente associado a analgésicos
descritos em adultos. Estão contraindicados a pacientes com histórico
simples (crises leves)
de insuficiência arterial, periférica, cerebral ou coronariana, a quadros
ou triptanos (crises de
de isquemia ou infarto do miocárdio e na presença de angina ou claudi-
cação. Também não devem ser utilizados nos casos de gravidez, ama- moderadas a fortes).
mentação, hipertensão arterial não controlada, uso concomitante de Antieméticos podem
inibidores da recaptação de serotonina ou lítio, uso de ergotamina nas ser associados quando a
últimas 24 horas e enxaquecas com aura prolongada, hemiplégica ou migrânea está associada
basilar. a náuseas (auxiliam no
Antieméticos, como a clorpromazina, também fazem parte do arsenal mecanismo). Corticos-
terapêutico abortivo das crises. O status enxaquecoso corresponde a teroides, por sua vez,
crise com duração superior a 24 horas, e o uso de corticosteroides pode podem ser associados em
estar associado a demais medicações abortivas nesse caso. status enxaquecoso (crise
superior a 24 horas).
Tabela 5 - Eficácia e efeitos colaterais das principais drogas usadas nas
crises

Drogas Eficácia Efeitos colaterais


Ácido acetilsalicílico + +

Paracetamol + +

AINH ++ +

Ergotamina ++/+++ ++/+++

Sumatriptana +++/++++ +

Naratriptana ++ +

Zolmitriptana +++ +

Clorpromazina +++ ++

Dexametasona ++ +
82 sic neurologia

O tratamento profilático está indicado àqueles com mais de 2 crises por


mês ou que, tendo apenas 2, ou mesmo somente 1, esta seja extrema-
mente grave ou demorada, ou aos casos que não respondem de modo
satisfatório à terapêutica abortiva da crise de migrânea. Algumas mo-
Tratamento dalidades de migrânea justificam tratamento profilático, independente
da frequência ou da gravidade das crises: a migrânea hemiplégica fa-
O tratamento da migrâ- miliar da artéria basilar, o infarto migranoso e a migrânea com aura
prolongada.
nea envolve profilaxia
com propranolol, amitrip- Os medicamentos profiláticos mais utilizados são os betabloqueadores
tilina, flunarizina, ácido (propranolol), os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina), os antago-
valproico, topiramato nistas de canal de cálcio (flunarizina) e alguns anticonvulsivantes (ácido
ou lamotrigina indicada valproico, topiramato e lamotrigina).
àqueles com 2 crises ou
Tabela 6 - Eficácia e os principais efeitos adversos e contraindicações no uso
mais ao mês, migrânea
desses medicamentos
grave, migrânea hemiplé-
gica familial, migrânea da Eficá-
Medicações Efeitos colaterais Contraindicações
artéria basilar e migrânea cia
com aura prolongada. Asma, arritmias,
Sonolência, fadiga,
depressão, insuficiên-
letargia, depressão,
Propranolol ++++ cia cardíaca, diabetes,
hipotensão ortostá-
hipotensão ortostá-
tica
tica

Ganho ponderal,
Mania, retenção
xerostomia, sono-
Amitriptilina ++++ urinária, arritmia
lência, hipotensão
cardíaca
ortostática

Ganho ponderal,
Síndromes parkinso-
Flunarizina +++ depressão, sonolên-
nianas
cia, parkinsonismo

Náusea, alopecia, Doença hepática


Ácido tremores, dispepsia, ativa, disfunção
+++
valproico ganho ponderal, pan- hepática significante,
creatite, hepatite porfiria

Náuseas, dispepsia,
parestesia, perda
Litíase renal, glau-
Topiramato ++++ de peso, glaucoma
coma, depressão
agudo, litíase renal,
depressão

Uma vez que se obedece às contraindicações, a escolha do medica-


mento pode ser norteada por doenças concomitantes (propranolol,
aos hipertensos; amitriptilina ou nortriptilina, aos deprimidos) ou até
mesmo aproveitando efeitos colaterais, como ganho de peso associado
ao uso de tricíclicos e flunarizina a pacientes abaixo do peso. O trata-
mento é habitualmente mantido pelo período mínimo de 6 meses, mo-
nitorizando o indivíduo com o diário da dor. É importante lembrar que,
na profilaxia da enxaqueca, o efeito placebo pode atingir 50%, sendo
necessário o julgamento criterioso da real necessidade da medicação
profilática.

d) Tratamento da cefaleia na infância e na adolescência


Com relação ao tratamento das cefaleias, se possível, devemos iniciá-lo
durante os pródromos ou a aura, assim poderemos aumentar a efici-
cefaleias 83

ência das medicações. Quando indicamos o tratamento devemos levar


em consideração que, em crianças abaixo de 12 anos, a cefaleia fre-
quentemente dura entre 1 e 2 horas e que o uso abusivo de analgésicos
tem sido causa de cronificação das cefaleias tanto em adultos como em Importante
crianças e adolescentes; nesses casos, uma abordagem menos agres-
siva pode ser suficiente. Um bom tratamento começa antes das crises, “Criança não é um adulto
com um bom conhecimento dos hábitos do paciente e por meio de uma pequeno”. Assim, boa
orientação tanto para este como para seus familiares, tais como afas- parte dos medicamentos
tar fatores ou atividades causais e repouso em ambiente silencioso e empregados em adultos
com pouca luminosidade. O tratamento está dividido em sintomático, não pode ser utilizada em
aquele utilizado na fase aguda (crises) ou álgica, e profilático, no qual as crianças, devido às suas
drogas têm por objetivo reduzir o número e/ou intensidade das crises. propriedades tóxicas em
crianças e adolescentes.
e) Tratamento da fase aguda
--AINHs: o paracetamol é a 1ª escolha para tratamento das crises de
enxaqueca, com 5 a 15mg/kg/dose 2 a 3x/d (se necessário) VO ou VR.
Uma contraindicação importante é a deficiência de G6PD. Ibuprofeno
na dose de 7,5 a 10mg/kg VO tem boa resposta, reduzindo um prová-
vel processo inflamatório neurogênico das cefaleias. Dipirona se uti-
liza na dose de 10 a 25mg até 4x/d (se necessário) VO ou VR. Cuidado
com risco de agranulocitose; Tratamento
--Triptanos: são melhores do que os demais subtipos para tratamento Na cefaleia na criança
das crises em crianças e adolescentes; apesar de existirem poucos es-
(fase aguda), o tratamento
tudos randomizados e controlados, até o momento, estes mostraram
que o spray nasal de sumatriptano (5 a 20mg) é eficaz e seguro para
é feito com paracetamol 5
a 15mg/kg/dose, 2 a 3x/d
adolescentes.
VO ou VR, ibuprofeno 7,5
Náuseas e vômitos são comuns nos pacientes com enxaqueca, podem a 10mg/kg VO ou dipirona
representar uma piora no estado geral da criança e devem ser trata- 10 a 25mg, até 4x/d.
dos. Metoclopramida 10mg VO ou IM pode ser usada. Seus efeitos co-
laterais são sedação e reações extrapiramidais (distonias). Na infância,
devemos evitar associações (anti-inflamatório + analgésico + antiemé-
ticos) disponíveis no mercado.

f) Tratamento profilático
--Betabloqueadores: o propranolol é a droga mais utilizada na infân-
cia, pelo perfil de segurança, apesar das poucas evidências científicas.
A dose utilizada é de 1 a 2mg/kg/d, em 2 tomadas. A introdução da
medicação deve ser feita em doses crescentes (3 a 4 semanas). Es-
tão contraindicados a pacientes com asma brônquica, diabetes e ar-
ritmias cardíacas;
--Bloqueadores dos canais de cálcio: existe um único estudo controlado
na profilaxia da enxaqueca na infância sobre o uso de flunarizina na
dose de 5mg/d. O nimodipino mostrou eficácia na profilaxia da enxa-
queca na infância em doses que variam de 10 a 20mg 3x/d;
--Fármacos antiepilépticas (FAEs): no passado, fenobarbital, carbama-
zepina e fenitoína eram utilizados no tratamento profilático da en-
xaqueca, nenhum deles com eficácia cientificamente comprovada. O
divalproato de sódio, atualmente, demonstrou ser eficaz na profilaxia
em adultos em estudos controlados. Na infância, um estudo aberto
sugere a eficácia na profilaxia na dose de 15 a 45mg/kg/d (a mesma
para epilepsia). Topiramato, gabapentina e lamotrigina não têm sua
eficácia demonstrada por estudos científicos quanto à profilaxia de
enxaqueca na infância;
84 sic neurologia

--Antidepressivos: a amitriptilina não tem sua eficácia comprovada por


meio de estudo controlado versus placebo, mas, na experiência clí-
nica, reduz a frequência das crises de enxaqueca na criança. A dose
Tratamento varia de 10 a 50mg/d;
--Drogas antisserotoninérgicas: a ciproeptadina (4 a 12mg/d) e o ma-
A profilaxia da cefaleia leato de pizotifeno (0,5 a 1,5mg/d) são drogas clássicas utilizadas na
na criança é feita com profilaxia da enxaqueca na infância, embora não existam estudos
propranolol 1 a 2mg/ controlados provando sua eficácia (apesar de serem citadas em vá-
rios textos clássicos). Pizotifeno não é droga de 1ª escolha devido a
kg/d, sendo a droga mais
seus eventos adversos potencialmente graves (digestivos, neurológi-
utilizada. Outras carecem
cos vasculares e fibrose).
de estudos.
B - Cefaleia tipo tensão
Trata-se da cefaleia crônica mais comum, mais prevalente em adultos
jovens. Sua prevalência em adultos varia de 35 a 78%, sendo mais co-
mum entre mulheres.
Seu mecanismo fisiopatológico ainda não é bem conhecido. A Cefaleia
Tipo Tensão Episódica (CTTE) caracteriza-se por episódios recorrentes
de dor de cabeça com duração de 30 minutos a 7 dias. Tem caráter de
pressão ou aperto e localização bilateral, com intensidade fraca ou mo-
derada e, ao contrário da migrânea sem aura, não é agravada por ativi-
dades físicas, podendo ter ou fotofobia ou fonofobia (nunca ambas ao
mesmo tempo), além de náusea leve ou vômitos. Quando uma cefaleia
com as características da CTTE acomete o paciente por período igual
ou superior a 15 dias/mês (180 dias/ano), está caracterizada a cefaleia
do tipo tensional crônica. Os critérios diagnósticos estão apresentados
na Tabela 7.

Tabela 7 - Critérios diagnósticos de cefaleia tipo tensão, segundo a Interna-


tional Headache Society

Cefaleia tipo tensão


A - Pelo menos 10 episódios de cefaleia, preenchendo os critérios de B a D:
· Episódica infrequente: <1 dias/mês ou <12 dias/ano;
· Episódica frequente: 1 a 14 dias/mês por >3 meses ou 12 a 180 dias/ano;
· Crônica: 15 ou mais dias/mês durante >3 meses ou >180 dias/ano.

B - Crise de cefaleia de 30 minutos a 7 dias (tratamento malsucedido ou


não realizado).

C - Cefaleia com, pelo menos, 2 das seguintes características:


· Bilateral;
· Não pulsátil;
· Dor de intensidade leve a moderada;
Quadro clínico · Dor não agravada ou que não impeça atividade física rotineira (caminhar,
subir escadas etc.).
A cefaleia tensional é D - Durante a cefaleia, ausência de:
de caráter em pressão/ · Náusea e/ou vômitos;
aperto, com fraca a · Fotofobia e/ou fonofobia.
moderada intensidade, E - Não atribuída a outra doença.
além de ser bilateral e não
agravada por atividade A palpação manual com movimentos giratórios e pressão sobre os
física. músculos frontal, temporal, masseter, pterigóideo, esternocleidomas-
tóideo, esplênio e trapézio deve ser realizada, embora o dolorimento
não seja específico da condição.
cefaleias 85

Além do tratamento farmacológico semelhante ao da migrânea, o uso


de relaxantes musculares, como a ciclobenzaprina, apesar de pequena
evidência a favor, e a abordagem do estresse contribuem no controle
das crises (Tabela 7). Quando a cefaleia passa a ser crônica, deve-se uti-
lizar droga profilática para evitar o abuso de analgésicos.

Tabela 8 - Principais condutas no tratamento da cefaleia tipo tensão

Fase aguda
- AINHs (ibuprofeno; naproxeno);

- Analgésicos (acetaminofeno, ácido acetilsalicílico).

Preventivo
- Identificação de fatores desencadeantes;

- Antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina); podem-se utilizar,


ainda, antidepressivos duais – venlafaxina e duloxetina – e, em último Tema
caso, inibidores seletivos da recaptação de serotonina; frequente de prova
- Reeducação postural.
A cefaleia em salvas pode
ser diagnóstico diferen-
C - Cefaleia em salvas ou cluster cial cobrado em provas de
A cefaleia em salvas é a principal representante do grupo das cefaleias concursos médicos.
trigeminoautonômicas. Tem maior incidência no sexo masculino (3:1) e
início entre 20 e 40 anos e evolui por crises com duração média de 30 a
180 minutos, que se repetem várias vezes ao dia (salvas de até 8 crises
ao dia). A dor é de grande intensidade (terebrante) e localização prefe-
rencialmente fronto-orbitária, podendo irradiar-se para o hemicrânio
Pergunta
e/ou para a hemiface ipsilateral. É frequentemente descrita como sen-
sação de “facada no olho”. 2010 - HC-ICC
1. Uma mulher de 25 anos, em
Ao contrário da migrânea, em que o paciente procura ficar quieto em consulta num posto de saúde,
um quarto escuro e silencioso, o paciente com cefaleia em salvas não apresenta episódios frequentes
é capaz disso, em razão da dor, e pode desenvolver ansiedade an- de cefaleia hemicraniana es-
tecipatória relacionada à constância de aparecimento em horários querda de forte intensidade, com
predeterminados. duração de até 24 horas, há 1 ano.
Na grande maioria dos casos, a dor é estritamente unilateral, mas pode As crises ocorrem de 4 a 5 ve-
haver mudança de lado e, até mesmo, dor bilateral. Com grande fre- zes por mês, são acompanhadas
quência, vem acompanhada por distúrbios autonômicos usualmente do de náusea, pioram em ambientes
mesmo lado da dor, mas que podem ser bilaterais ou mesmo, excep- barulhentos e não respondem ao
cionalmente, do lado oposto ao da algia. A ingestão de bebidas alcoóli- uso de paracetamol. O médico que
cas desencadeia e/ou agrava os ataques. Há certo predomínio à noite, a examinou prescreveu 2 medi-
acordando o paciente, além de que se registra tendência de ocorrência camentos: o 1º, de uso diário, para
na mesma hora do dia e na mesma época do ano. Em 85% dos casos, prevenir as crises de cefaleia, e o
associa-se à apneia obstrutiva do sono. Na Figura 2, há fácies típica de 2º, para ser usado somente quando
um paciente com cefaleia em salvas. Em alguns casos, a suspeita é cor- há dor. Dentre os medicamentos
roborada pelas características faciais, pois algumas pessoas com cefa- a seguir, aqueles adequados são,
leia em salvas têm fácies leonina e pele “em casca de laranja”. respectivamente:

Tabela 9 - Recurso mnemônico para as principais características da cefaleia


a) rizatriptana e verapamil
em salvas b) amitriptilina e fluoxetina
c) propranolol e sumatriptano
C Conjuntiva vermelha d) sertralina e atenolol
e) prednisona e ergotamina
L Lacrimejamento, rinorreia/congestão nasal
Resposta no final do capítulo
86 sic neurologia

U Unilateral

S Sexo masculino como o mais acometido

T Terapia com oxigênio a 100%, 7L/min, por 15 minutos, na Emergência

Ergotamina na Emergência (a oxigenoterapia a 100% – máscara


E facial com reservatório – a 7L/min, por 15 minutos, costuma ter alta
eficácia no controle da dor)

R Repetidas vezes ao dia

S Sempre na mesma hora do dia

A Álcool como desencadeante ou que piora o processo

L Lítio

V Verapamil

A Ácido valproico

S Sexo masculino como o mais acometido

Tabela 10 - Critérios diagnósticos

A - Pelo menos 5 crises que preencham os critérios de B a D.

B - Dor forte e muito forte unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou tem-


poral, por 15 a 180 minutos, se não tratada.

C - Cefaleia acompanhada de, pelo menos, 1 dos seguintes, ou ambos:


Importante - Pelo menos 1 dos seguintes sinais ou sintomas ipsilaterais:
· Hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento;
· Congestão nasal e/ou rinorreia;
As cefaleias em salvas e
· Edema palpebral;
outras trigeminoautonô- · Sudorese frontal ou facial;
micas têm dor intensa e · Rubor frontal ou facial;
estritamente unilateral, · Sensação de plenitude auricular;
associada a proeminente · Miose e/ou ptose palpebral (síndrome de Claude Bernard-Horner).
- Inquietude ou agitação.
sintomatologia autonô-
mica craniana, porém D - Frequência de 1 crise a cada 2 dias até 8 crises ao dia na maior parte do
divergem com relação tempo em que o distúrbio estiver ativo.
ao padrão temporal das E - Sem outra causa que melhor explique a dor.
crises e ao tratamento.
São exemplos desse
grupo: cefaleias em salvas
episódica e crônica,
hemicrania paroxística
episódica e crônica e a
síndrome SUNCT (Short-
-Lasting Unilateral Neu-
ralgiform headache with
Conjunctival injection and
Tearing – cefaleia breve,
unilateral, neuralgiforme,
com hiperemia conjunti-
val e lacrimejamento).
Figura 2 - Fácies típica de um paciente com cefaleia em salvas e características da dor
cefaleias 87

Na cefaleia em salvas episódica, as crises se repetem de 1 a cada 2 dias


até 8 vezes ao dia, por semanas ou meses, no máximo 1 ano, separadas
por períodos assintomáticos, que podem ser de dias, meses ou anos,
não inferiores, contudo, a 14 dias. Na cefaleia em salvas crônica, os ata-
ques vêm se repetindo há mais de 1 ano sem nenhum período sem dor
com duração igual ou superior a 14 dias. Pode ser crônica desde o início
ou ter sido proveniente de uma episódica. Tratamento
O tratamento da cefaleia
- Tratamento
em salvas é feito com
Para o tratamento abortivo, há opções como sumatriptano (6mg SC), oxigenoterapia a 100%
ergotamínicos (1mg, 2x/d) e inalação de oxigênio a 100%, 7L/min, du- 7L/min, por 15 minutos,
rante 15 minutos, por meio de máscara facial. As 3 alternativas têm sumatriptano 6mg SC,
praticamente a mesma eficácia terapêutica, porém a cefaleia de rebote
ou ergotamínicos 1mg
é mais habitual com oxigênio e sumatriptano. Em contrapartida, o oxi-
2x/d. A profilaxia é feita
gênio é destituído de contraindicações e de reações adversas, ao qual
é possível associar a ergotamina, o que reduz de modo significativo a com verapamil, valproato
possibilidade dessa cefaleia. de sódio, prednisona ou
carbonato de lítio.
O tratamento profilático é fundamental na maioria dos casos. O vera-
pamil é alternativa terapêutica na forma episódica e na forma crônica,
devendo ser utilizado em doses fracionadas de 120 a 1.200mg.
Para as formas episódicas, também podem ser utilizados o valproato
de sódio e a prednisona (1mg/kg, máximo de 60mg/d por 3 dias; redu-
zir em 5 a 10mg VO a cada 3 dias). Nas formas crônicas, pode-se usar
o carbonato de lítio. A dose de lítio, por sua vez, deve ser controlada, e
seu nível plasmático, mantido entre 0,4 e 0,8mEq/L.
A retirada total de qualquer um dos medicamentos é feita após, pelo
menos, 7 dias sem crises. Nas formas crônicas, a medicação deve ser
mantida por longo período de tempo.

D - Hemicrania paroxística crônica


A hemicrania paroxística crônica apresenta-se como quadro raro de
predomínio absoluto no sexo feminino, com crises mais frequentes (15
a 20 ao dia) e de curta duração (10 a 20 minutos), respondendo abso-
luta e exclusivamente a indometacina. Em alguns pacientes, os ataques
podem ser precipitados por movimentos da cabeça.

E - Síndrome SUNCT
Definida como cefaleia breve, unilateral, neuralgiforme, com hipere-
mia conjuntival e lacrimejamento, é pouco frequente (1:15.000), ligeira-
mente mais predominante em indivíduos do sexo masculino (proporção
homem:mulher de 1,5:1) e idade média de apresentação por volta dos
50 anos.
A síndrome, geralmente, afeta o ramo oftálmico do trigêmeo, embora
raramente possa afetar qualquer parte da cabeça. Na maioria dos ca-
Dica
sos, os ataques são desencadeados por estímulos cutâneos. Tipica- A síndrome SUNCT é
mente, um paciente com SUNCT pode ter de 50 a 100 ataques diários, composta de cefaleia
de predomínio durante o dia e duração de 1 a 15 minutos. Os ataques breve, unilateral, neu-
podem ser acompanhados por forte hiperemia conjuntival ipsilateral e ralgiforme, associada a
lacrimejamento. Também são frequentes congestão nasal e rinorreia.
hiperemia conjuntival e
Faz diagnóstico diferencial com a neuralgia do trigêmeo, e seu trata- lacrimejamento.
mento é difícil e de baixa eficácia, podendo ser utilizadas drogas como
carbamazepina, lamotrigina, gabapentina ou topiramato.
88 sic neurologia

Pergunta Tabela 11 - Resumo das cefaleias primárias

Enxaqueca ou migrânea
2015 - HCV Sem aura
2. Sobre as cefaleias, assinale a - Mais comum;
alternativa correta:
- Duração de 4 a 72 horas (sem tratamento/tratamento sem sucesso);
a) a enxaqueca é mais prevalente - Localização unilateral, pulsátil, com intensidade moderada ou forte (inter-
em mulheres dos 30 aos 50 anos ferindo nas atividades diárias) e piora com a atividade física (impedindo a
b) é característica das cefaleias realização);
primárias a associação a sinais e - Acompanhando a dor, náusea e/ou vômitos, fotofobia e fonofobia.
sintomas sistêmicos, como mial-
Com aura
gia e febre
c) a enxaqueca é um tipo de cefa- - Mesmas duração e características da cefaleia sem aura, acrescidas de
leia que tem sinais que podem ser distúrbios visuais como escotomas, visão embaçada, distorção em 1 he-
chamados de aura, sendo o que a micampo visual ou parte dele. Associadamente a esses sintomas visuais,
podemos encontrar parestesia ou paresia num hemicorpo ou distúrbios
diferencia da cefaleia tensional
da fala. Quando o déficit motor causa hemiplegia completa, a enxaqueca é
d) medicamentos das classes dos conhecida como hemiplégica (familiar ou esporádica);
tricíclicos e dos betabloqueadores
são os mais usados para a profi- - A aura pode evoluir entre 5 e 60 minutos.
laxia da enxaqueca e da cefaleia Tipo tensão
tensional
- Duração de 30 minutos a 7 dias;
e) analgésicos como dipirona e
ácido acetilsalicílico são inefica- - De localização bilateral (algumas vezes difusa ou holocraniana), em pres-
zes na enxaqueca são ou aperto (não pulsátil), intensidade fraca a moderada, não agravada
pelo esforço físico – podendo este ocasionar diminuição. A dor aparece
Resposta no final do capítulo
mais no final da tarde, relacionada aos estresses físico, muscular e emocio-
nal. O paciente pode referir parestesias no couro cabeludo;
- Mais comum em mulheres, com pico na 4ª década;
- Acompanhando a dor, baixo percentual de fenômenos acompanhantes;
quando presentes, os mais relatados são náusea e fotofobia.
Em salvas
- Diariamente, no mesmo horário, clinicamente sempre na mesma altura
do ano, nos chamados períodos de salva; os períodos de remissão duram
meses ou anos;
- Crises com frequência de dias intercalados até 8 por dia;
- Predominante no sexo masculino;
- Duração de 15 minutos a 3 horas sem tratamento;
- Localização unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal de forte
intensidade, em surtos, com predomínio no período noturno;
- 1 dos seguintes, ou ambos:
· Pelo menos 1 dos seguintes sinais ou sintomas ipsilaterais:
* Hiperemia conjuntival e/ou lacrimejamento;
* Congestão nasal e/ou rinorreia;
* Edema palpebral;
* Sudorese frontal ou facial;
* Rubor frontal ou facial;
* Sensação de plenitude auricular;
* Miose e/ou ptose palpebral.
· Inquietude ou agitação.
- Fatores desencadeantes:
· Bebidas alcoólicas;
· Drogas vasodilatadoras (histamina, nitroglicerina).
cefaleias 89

Desencadeada por exercício


- Duração de 5 minutos a 48 horas;

- Ocorrência durante exercício;


Tema
frequente de prova
- Inexistência de doença intracraniana;
O reconhecimento dos
- Saliente-se que esse tipo ocorre mais frequentemente em clima quente ou
altitude elevada. diferentes tipos de
cefaleias secundárias é
um tema sempre presente
4. Cefaleias secundárias nas provas de concursos
As cefaleias secundárias são consequência de uma agressão ao orga- médicos.
nismo, de ordem geral ou neurológica. A doença primária pode estar
relacionada a várias etiologias: infecciosa, inflamatória, parasitária,
traumática, vascular, tumoral e metabólica. Quando o paciente não
preenche os requisitos para migrânea, cefaleia do tipo tensional ou ce-
faleia em salvas, a investigação clínica deve ser ainda mais criteriosa.
São sinais de organicidade das cefaleias:
--Início abrupto, principalmente se é o 1º episódio;
--Lesões estruturais ou dor com início após trauma;
Dica
--Aparecimento após os 50 anos; Atente-se aos sinais
de organicidade da
--Sinais neurológicos irritativos ou deficitários;
cefaleia: início abrupto
--Papiledema; (1º episódio), início após
--Rigidez de nuca, febre ou alteração da consciência; trauma, >50 anos, sinais
--Mudança significativa no padrão da dor/piora progressiva; neurológicos deficitários,
papiledema, rigidez de
--Alterações endócrinas concomitantes. nuca, febre, mudança
abrupta no padrão da dor,
Tabela 12 - Descrição das principais cefaleias secundárias e o respectivo alteração da consciência.
quadro clínico

Secundárias Inclui cefaleias secundárias a trauma, lesão “em chi-


a trauma cotada”, hematoma intracraniano ou outro trauma
cefálico ou intracraniano. Possui uma série de padrões de apresen-
cervical tação, sendo o da cefaleia tensional o mais comum.

Apresenta início explosivo (agudo) de dor forte, pulsá-


til e difusa, que não melhora com analgésicos simples
e que piora com os movimentos da cabeça e esforço
Hemorragia físico. Investiga-se a presença de sinais neurológicos
subaracnói- (rigidez de nuca, hemiparesia, assimetria de reflexos)
dea e hipertermia. Pode ocorrer em qualquer idade, mas
a maior incidência está entre os 50 e 60 anos, sem
predomínio de sexo. O diagnóstico é confirmado pela
tomografia e/ou pelo exame do líquido cerebrospinal.

Secundária
a ataque A dor é pulsátil, usualmente de intensidade leve ou
isquêmico moderada e curta duração, nem sempre guardando
transitório e estreita relação com a artéria comprometida. Pode
a acidentes surgir concomitantemente à instalação dos sintomas
tromboem- deficitários ou precedê-los em poucos minutos.
bólicos
90 sic neurologia

É uma doença praticamente inexistente antes dos 50


anos. A dor tem instalação aguda ou subaguda, de mode-
rada a forte intensidade, contínua, mas com oscilações
em sua intensidade, podendo se agravar com o frio.
Localiza-se na área correspondente ao vaso acometido,
usualmente a artéria temporal superficial. Pode ser
unilateral no início, mas tende a bilateralidade com o
acometimento de outros segmentos arteriais. As arté-
rias afetadas encontram-se salientes, endurecidas,
Arterite sem batimentos e extremamente dolorosas à palpação.
temporal O envolvimento da artéria pode ser antecedido por
(arterite de anorexia, perda de peso, sudorese, febre, artralgias,
células polimialgia e claudicação intermitente da mandíbula.
gigantes) Em mais de 50% dos casos, se não precocemente
tratada, há o envolvimento da artéria oftálmica ou
da artéria central da retina, com consequente perda
total ou parcial da visão. Existe aumento da veloci-
dade de sedimentação dos eritrócitos, sempre acima
de 50mm/h, em geral associado a leucocitose por
polimorfonucleares e discreta anemia hipocrômica. O
diagnóstico de certeza é feito pela biópsia da artéria
comprometida, e o tratamento, com corticosteroides, a
ser mantido por longo prazo.
Secundária a Cefaleia com aumento da pressão sanguínea, de curta
feocromoci- duração, e holocraniana. Sudorese, palpitação e/ou
toma ansiedade acompanham o quadro.

Hipertensão O quadro clássico é constituído por cefaleia, vômitos e


intracra- edema de papila. Em caso de neoplasia, a cefaleia é o 1º
niana sintoma, em cerca de 50% dos casos.
É uma cefaleia bilateral que aparece ou que se agrava,
em menos de 15 minutos, após assumir a posição ortos-
Pressão tática. Desaparece ou melhora muito, em menos de
liquórica 30 minutos, após assumir a posição deitada. Quando
baixa associada a punção liquórica, cessa até 15 dias após o
procedimento. Quando não associada à punção, é neces-
sário considerar a possibilidade de fístula liquórica.
É uma cefaleia que surge até 1 hora após a ingestão
Induzida por associada a pressão no tórax, aperto na face, queimação
glutamato no tórax, no pescoço e nos ombros e rubor facial. Pode
monossódico apresentar também tonturas e desconforto abdominal.
O paciente tem história de cefaleia primária prévia com
Por abuso de uso abusivo de analgésicos regular por mais de 3 meses.
analgésicos A cefaleia melhora ou retorna ao seu padrão anterior
após 2 meses de suspensão da medicação.
Investiga-se a presença de sinais sistêmicos e de alte-
Atribuída a rações de consciência. Meningites tratadas podem
infecção apresentar cefaleia crônica como sequela.
Atribuída a Têm-se, como exemplos, cefaleia desencadeada por
distúrbios da hipóxia ou hipercapnia, diálise, hipotireoidismo e hipogli-
homeostase cemia/jejum.

A dor localiza-se no pescoço e na região occipital e


pode projetar-se para fronte, região orbitária, têmpo-
ras, vértex ou ouvidos e ser precipitada ou agravada
Origem cer-
por movimentos ou posturas persistentes do pescoço.
vical
Investigam-se resistência à movimentação passiva do
pescoço, alterações da musculatura deste (relevo, tex-
tura, tônus) ou dolorimento anormal dessa musculatura.
cefaleias 91

A dor é resultante de transtorno desta articulação ou de


alteração nos músculos mastigatórios (dor miofascial)
e se localiza na região temporomandibular, podendo
Doença da irradiar-se para ouvido, ângulo da mandíbula, região
articulação parietal, ombro e face. Investiga-se se existem diminui-
temporo- ção na amplitude de abertura da boca, dor ou cliques
mandibular e crepitações ao realizar movimentos da articulação.
O diagnóstico é clínico, mas pode ser auxiliado por
alterações em radiografias, ressonância magnética ou
cintilografia das articulações.

Pode ser secundária a processos inflamatórios ou infec-


ciosos do olho, heteroforia, glaucoma (geralmente dor
Associada a ocular e hiperemia). Nos vícios de refração, a dor é fron-
alterações tal, ausente pela manhã, piora com o esforço e melhora
oftalmoló- com o repouso. Geralmente, decorre do esforço muscu-
gicas lar acomodativo, porém esta causa não é tão frequente
como estimada.

A - Pseudotumor cerebral/hipertensão intracraniana


idiopática
Trata-se de uma síndrome caracterizada por hipertensão intracra-
niana, na ausência de lesões tumorais ou vasculares, sem hidrocefalia,
cujo fator causal não foi identificado.
O sintoma predominante é a cefaleia, porém, em 10 a 30% dos casos,
esse sintoma pode estar ausente. Acontece em qualquer faixa etária,
sendo mais comum da 2ª à 4ª décadas de vida e em mulheres obesas.
Sintomas visuais podem incluir perda transitória da acuidade visual, es-
cotomas ou visão dupla. O fundo de olho revela papiledema, e a punção
lombar, pressão elevada e composição normal do liquor.
A investigação por imagem é essencial para excluir outras etiologias,
como estenose de seios durais, tromboses venosas, tumores, hidroce-
falia, malformações ou hemorragias.
A fisiopatologia não é conhecida, mas são conhecidos desencadeantes,
como excesso de vitaminas D e A, tetraciclina, ácido nalidíxico, isotreti-
noína e corticosteroides. O tratamento é feito com acetazolamida, um
inibidor da anidrase carbônica. Perda de peso faz parte do tratamento
– podem ocorrer desaparecimento dos sintomas e melhora da acui-
dade visual. Punções lombares seriadas para reduzir a pressão liquó-
rica podem ser necessárias. Se o tratamento não é realizado, existe o
risco de perda visual permanente.

B - Arterite de células gigantes (arterite temporal ou de


Horton)
A arterite de células gigantes é uma causa de cefaleia a partir dos 50
anos, caracterizada por cefaleia, claudicação mandibular, episódios de
amaurose fugaz e polimialgia reumática.
Ao exame neurológico, podem ser notados dor e espessamento da ar-
téria temporal (Figura 3). A velocidade de hemossedimentação costuma
estar acima de 50mm/h, e a biópsia da artéria temporal com infiltrado
inflamatório de células gigantes fecha o diagnóstico.
Suas principais complicações incluem amaurose, acidentes vasculares Figura 3 - Espessamento da arté-
cerebrais e febre de origem indeterminada. O tratamento é realizado ria temporal na arterite de células
após a confirmação diagnóstica, com corticoides e imunossupressores. gigantes
92 sic neurologia

C - Cefaleia crônica diária por abuso de medicamentos


Acomete até 3% da população mundial, é responsável por 40% dos
atendimentos decorrentes de cefaleias e ocorre em pacientes com ce-
faleia prévia, que desenvolvem um novo tipo de cefaleia ou um agra-
vamento de sua cefaleia de base. Também era conhecida por cefaleia
de rebote, cefaleia induzida por drogas ou cefaleia por abuso de anal-
gésicos. Pacientes com migrânea crônica e cefaleia crônica diária por
abuso de medicamentos devem receber esses 2 diagnósticos. A cefa-
leia ocorre em 15 ou mais dias por mês, durante 3 meses seguidos, com
o paciente usando medicamentos analgésicos em 10 a 15 dias, pelo me-
nos, por mês (a depender do tipo de analgésico). Metade dos indivíduos
com cefaleia por mais de 15 dias ao mês durante 3 meses seguidos ou
mais apresenta abuso de analgésicos. A recomendação de cessação do
uso de analgésicos é a abordagem terapêutica mais eficaz nesses ca-
sos. O uso de corticoides por curto prazo, clorpromazina em caso de
dor e associação de um antidepressivo com efeito profilático sobre a
dor (duloxetina, amitriptilina ou venlafaxina) também é recomendado.
Diferentes fármacos apresentam critérios diferentes para abuso de
medicamentos, a saber:
--Ergotaminas, opioides, combinações analgésicas, uso de múltiplos
medicamentos e triptanos: 10 ou mais dias de uso por mês, durante 3
meses seguidos;
--Analgésicos simples: 15 ou mais dias de uso por mês, durante 3 meses
seguidos.

D - Cefaleia por hipotensão liquórica


Pode ser decorrente de punção lombar para coleta de liquor, fístula du-
ral traumática ou espontânea, e ainda após procedimentos cirúrgicos
(exemplo: cirurgias de coluna). Trata-se de um quadro de cefaleia holo-
craniana, em pressão, com agravamento em posição ortostática e reso-
lução quase total em decúbito horizontal. Podem estar presentes dor na
nuca, zumbido pulsátil, déficit auditivo, fotofobia e/ou náuseas. A pres-
são normal do líquor varia de 5 a 20cmH2O, correspondendo à pressão
intracraniana. Valores inferiores a 6cmH2O são suficientes para cau-
sarem cefaleia por hipotensão liquórica. A cefaleia pós-punção lombar
pode surgir até 5 dias do procedimento. É mais comum em mulheres,
entre 31 e 50 anos, com história prévia de cefaleia pós-punção lombar.
A ressonância magnética costuma ser normal, mas pode mostrar re-
alce meníngeo, hematoma subdural e desabamento do corpo caloso.

Quadro clínico O tratamento é feito com repouso, hiper-hidratação, cafeína, analgési-


cos, aminofilina, uso de cinta compressiva abdominal, e, nos casos re-
fratários, realiza-se o blood patch, com a retirada de sangue de uma
O quadro clínico da veia periférica do próprio paciente e infusão no espaço peridural.
neuralgia do trigêmeo
envolve dor súbita e E - Neuralgia do trigêmeo
lancinante, em 1 ou mais
ramos do trigêmeo, na A neuralgia do trigêmeo é uma síndrome de dor facial descrita como
meia-idade, com início ao choque ou punhalada na distribuição de 1 ou 2 ramos contíguos do tri-
gêmeo (em frequência V3 >V2 >V1). A dor é súbita e lancinante e, geral-
movimento, temperaturas
mente, leva de segundos a 2 minutos.
frias ou estimulação tátil
das zonas de gatilho. É mais comum na meia-idade e entre idosos sem diferença de sexo. O
movimento, as temperaturas frias e a estimulação tátil em uma zona-
cefaleias 93

-gatilho da face podem iniciar uma crise. Muitas vezes, a dor provoca
espasmos nos músculos faciais do lado afetado, gerando tique dolo-
roso (tic douloureux).
A etiologia não é totalmente conhecida, embora alguns pacientes te-
nham compressão microvascular do nervo ou causas identificáveis.
Como 15% dos casos são causados por alterações como tumores, escle- Tratamento
rose múltipla ou malformações arteriovenosas, deve ser considerada
a investigação por imagem. A carbamazepina é a medicação habitual- Carbamazepina é droga
mente utilizada como 1ª escolha. de escolha na neuralgia
do trigêmeo.

Figura 4 - (A) Ramificação do nervo trigêmeo e (B) divisão sensitiva – a neuralgia


distribui-se segundo 3 territórios especiais: a região frontal, que toma a órbita ocu-
lar e parte do nariz (zona vermelha); a região malar, que se estende até a asa do
nariz e parte do lábio superior (zona verde); e a região temporal, que passa pelo
lado do ouvido e acompanha a mandíbula ou o maxilar inferior (zona roxa)

Tabela 13 - Conduta na neuralgia do trigêmeo


Neuroimagem
Se exame físico normal e quadro típico, sua indicação é controversa.
Tratamento clínico
- Carbamazepina ou oxcarbazepina;
- Baclofeno, fenitoína, pregabalina e gabapentina;
- Amitriptilina, duloxetina, venlafaxina.
94 sic neurologia

Tratamento cirúrgico
- Quando não responde aos medicamentos;
- Descompressão microvascular (Figura 5);
- Radiocirurgia Gamma Knife®;
- Percutâneo: eletrocoagulação por radiofrequência;
- Rizotomia com glicerol (via transoval).

Figura 5 - Descompressão microvascular

Tabela 14 - Características clínicas das cefaleias secundárias


- São provocadas por doenças, e a dor seria consequência de uma doença
sistêmica ou neurológica. Nos casos de cefaleias relacionadas a infecções,
alterações endócrinas, intoxicações, meningites, encefalites, hemorragia
cerebral, lesões expansivas, os exames recomendados são tomografia
Pergunta computadorizada ou ressonância magnética do encéfalo, líquido cerebros-
pinal, angiotomografia ou angiorressonância;
- Sinais de alerta:
2015 - SES-GO · História não sugestiva de cefaleia primária;
· Alterações no exame clínico e/ou neurológico;
3. As cefaleias acometem indiví-
· Alteração do nível de consciência;
duos independente de raça, sexo
· História de queda ou trauma cranioencefálico e/ou cervical recente;
ou idade. Deste modo: · Mudança da característica de cefaleia crônica;
· Caráter progressivo, sem responsividade a analgésico;
a) a cefaleia do tipo tensional é · Dor de início após 50 anos;
a mais prevalente na população, · Início abrupto, explosivo, acompanhado de vômitos;
porém a enxaqueca é o tipo de ce- · Acompanhadas de convulsão;
faleia que mais leva os pacientes a · Queixa de “pior cefaleia experimentada pelo paciente”;
procurarem ajuda médica · Dor mais intensa do que o habitual;
· Piora da dor durante o período de observação;
b) a profilaxia da enxaqueca deve
· Cefaleia orgásmica ou de esforço;
ser indicada a todos os pacientes
· Cefaleia associada a infecção pelo HIV.
com idade superior a 30 anos e do
- Havendo abuso de analgésicos pelo pacientes sabidamente portadores de
sexo feminino
cefaleia primária (uso de mais de 15 comprimidos de analgésicos por mês,
c) o uso de analgésicos simples nos últimos 6 meses;
por mais de 7 dias por mês, por
- Doenças que afetam as artérias e veias e circulação cerebral: aneurismas,
mais de 3 meses ou 15 dias no
arterite, isquemias cerebrais, trombose venosa cerebral, hematoma intra-
mesmo mês é considerado abuso cerebral;
medicamentoso
- Ingestão ou exposição a produtos químicos nocivos e tóxicos (gás carbôni-
d) a cefaleia em salvas tem como co, álcool, drogas, glutamato monossódico);
característica principal a re-
- Patologias que aumentam (lesões expansivas) ou diminuem a pressão
missão completa da dor após a
intracraniana (pós-raquianestesia ou pós-punção lombar);
inalação com oxigênio a 100%, por
- Infecções cerebrais: meningites (viral/bacteriana/crônica), abscesso cere-
5 minutos, em 100% dos casos
bral, empiema cerebral;
Resposta no final do capítulo
- Infecções de face e crânio: sinusite, otite, mastoidite etc.
cefaleias 95

Resumo
Quadro-resumo
- As estruturas sensíveis a dor incluem os vasos sanguíneos, as meninges e os nervos cranianos, e o nervo trigêmeo
atua como retransmissor da dor para o encéfalo;

- As cefaleias primárias não apresentam causa estrutural adjacente identificável;

- A migrânea típica apresenta-se como cefaleia unilateral de caráter pulsátil, que aparece na maioria dos casos antes
dos 20 anos, piora com a atividade física e é acompanhada de vômitos, náuseas, fonofobia e fotofobia;

- A cefaleia tipo tensão tem caráter de pressão ou aperto, localização bilateral, intensidade fraca ou moderada e não
agravada por atividades físicas. Quando uma cefaleia com as características da CTTE acomete o paciente por perío-
do igual ou superior a 15 dias/mês (180 dias/ano), está caracterizada a cefaleia do tipo tensional crônica;

- A cefaleia em salvas apresenta dor de grande intensidade (terebrante) e localização preferencial fronto-orbitária,
podendo irradiar-se para o hemicrânio e/ou para a hemiface ipsilateral. O paciente não consegue ficar quieto em
razão da dor. Na grande maioria dos casos, esta é estritamente unilateral, mas com possível mudança de lado e, até
mesmo, ser bilateral. Com grande frequência, vem acompanhada por distúrbios autonômicos usualmente do mesmo
lado da dor. A ingestão de bebidas alcoólicas desencadeia e/ou agrava os ataques. Há certo predomínio à noite;

- As cefaleias secundárias são consequência de uma agressão ao organismo, de ordem geral ou neurológica;

- A cefaleia da hemorragia subaracnóidea é súbita e acentuada, acompanhada de náuseas ou vômitos, conhecida com
cefaleia “sentinela” ou cefaleia “trovão” (thunderclap headache) – ambas são emergências clínicas que necessitam
de uma avaliação rápida;

- O pseudotumor cerebral, ou hipertensão intracraniana idiopática, caracteriza-se por hipertensão intracraniana, na


ausência de lesões tumorais ou vasculares, sem hidrocefalia, cujo fator causal não foi identificado. Pode ser desen-
cadeado pelo excesso de vitaminas D e A, tetraciclina, ácido nalidíxico, isotretinoína e corticosteroides;

- A neuralgia do trigêmeo é uma síndrome de dor facial descrita como choque ou punhalada na distribuição de 1 ou
mais ramos do trigêmeo. A dor é súbita e lancinante e, geralmente, dura de segundos a 2 minutos.

Respostas
das questões do capítulo

1. C
2. A
3. A
Jamile Cavalcanti Seixas
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini

5
As doenças cerebrovasculares são a 2ª causa de mortali-
dade e a principal causa de morbidade no mundo, enquanto
no Brasil, atualmente, é a 2ª causa de mortalidade, após as
causas cardiovasculares, mas são a 1ª causa de morbidade.
Nesse conjunto de doenças, estão presentes o acidente vas-
cular cerebral isquêmico, o ataque isquêmico transitório,
a demência vascular e a encefalopatia hipertensiva, sendo
as 2 primeiras as principais doenças. O Acidente Vascu-

Doenças cere-
lar Cerebral Isquêmico (AVCI) é um episódio de disfunção
neurológica decorrente de isquemia focal cerebral, medu-
lar ou retiniana, com sintomas típicos e lesão em exames
de imagem, enquanto o Ataque Isquêmico Transitório (AIT)
possui, como causa, a mesma disfunção neurológica, porém
sem lesão aos exames de neuroimagem. Uma das manifes-
tações, sobretudo em ateromatose carotídea, pode ser a
amaurose fugaz, e sem lesão isquêmica no exame de ima-
brovasculares
gem. O AIT deve ser conduzido como emergência médica,
pois 10 a 20% dos pacientes podem evoluir com AVCI em
90 dias, 50% nas primeiras 48 horas, e cerca de 1/3 desen-
volve um AVC em um período de 5 anos. As principais
etiologias do AVCI são aterosclerose de grandes artérias, holter ou looper para a avaliação de arritmias e defini-
oclusão de pequenas artérias, embolia cardíaca, vasculi- ção de causas cardíacas de embolia encefálica, bem como
tes e causas indeterminadas. Os locais acometidos podem de exames laboratoriais para a pesquisa de trombofilias,
ser, principalmente, artéria cerebral anterior, média ou pos- sorologia para Chagas e sífilis etc. Pacientes com infartos
terior, artéria basilar e artéria vertebral, além das artérias extensos podem evoluir com hipertensão intracraniana
cerebelares e artérias perfurantes, com diferentes acha- (rebaixamento da consciência, piora dos déficits, anisoco-
dos clínicos em cada um dos casos. Na avaliação inicial do ria), sendo que a identificação daqueles que são de risco
AVC agudo, há basicamente 2 métodos de imagem úteis: a pode ajudar na indicação de craniectomia descompres-
tomografia computadorizada de crânio sem contraste e siva e prevenção de óbito ou sequelas decorrentes dessa
a ressonância magnética de crânio. A trombólise intrave- complicação tardia. A hemorragia intraparenquimatosa
nosa é considerada método de escolha para o tratamento espontânea decorre da ruptura de um vaso com extrava-
específico do AVC, sendo a medicação de escolha o trom- samento de sangue para o parênquima cerebral. Na sua
bolítico alteplase, na dose de 0,9mg/kg (máximo 90mg), etiologia, a hipertensão arterial é mais habitual, em sítios
sendo infundidos 10% em bolus e o restante em bomba de típicos do encéfalo, principalmente em locais de irrigação
infusão em 1 hora. Tal medicamento é indicado sempre que de artérias perfurantes, como núcleos da base, tálamo,
são preenchidos critérios de inclusão (por exemplo, persis- ponte e cerebelo. A hemorragia subaracnoide, ou hemor-
tência do déficit neurológico, imagem sem contraste e sem ragia meníngea, acontece, na maioria das vezes, devido à
evidência de hemorragia, início dos sintomas <4,5 horas) e ruptura de um aneurisma das artérias intracranianas, cuja
afastados aqueles de exclusão (sangramento ativo, suspeita manifestação clínica mais típica é a cefaleia súbita (“a pior
de hemorragia subaracnoide, por exemplo). Além do trata- da vida”), espontaneamente ou relacionada a esforço físico
mento específico, o tratamento geral é feito com controle ou relações sexuais. Associados a cefaleia, podem ocorrer
de temperatura, mantendo a PA sem medicação (exceto se sinais de irritação meníngea ou rigidez nucal. Padrão-ouro
acima de 220x120mmHg em casos não trombolisados ou é a realização da arteriografia cerebral, que pode servir
185x110mmHg em casos trombolisados), jejum nas primei- como tratamento intravascular do aneurisma. O vasoes-
ras 24 horas e avaliação fonoaudiológica após, fisioterapia e, pasmo é o principal responsável pelo déficit isquêmico
finalmente, investigação dos fatores de risco para profilaxia cerebral tardio e pela isquemia cerebral tardia, condições
secundária, por meio de Doppler de carótidas e vertebrais que afetam o prognóstico, sendo mais frequente entre o
ou angiografia por ressonância, cateterismo ou tomogra- 3º e o 14º dias pós-sangramento. Para o seu tratamento,
fia para a avaliação dos vasos cervicais e intracranianos à recorre-se ao uso de nimodipino oral e, de maneira contro-
procura de estenoses que exijam tratamento intervencio- versa de acordo com a literatura atual, à terapia dos 3 “Hs”,
nista (stent ou endarterectomia), ecodopplercardiograma que inclui hipertensão arterial farmacologicamente indu-
para a procura de lesões cardíacas e eletrocardiograma, zida, hipervolemia e hemodiluição.
doenças cerebrovasculares 97

1. Introdução
As doenças cerebrovasculares são a 2ª causa de mortalidade e a prin-
cipal causa de morbidade no mundo, enquanto no Brasil, atualmente,
é a 2ª causa tanto de mortalidade quanto a 1ª de morbidade, ultra-
passando as causas cardiovasculares. Em 2012, o Acidente Vascular
Cerebral (AVC) foi a causa de 83 mil óbitos e de 187 mil internações
hospitalares. As doenças cerebrovasculares podem ser divididas em:
--Assintomáticas;
--Disfunções cerebrais focais:
--Ataque Isquêmico Transitório (AIT);
--Acidente Vascular Cerebral Isquêmico (AVCI).
• Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico (AVCH):
* Hemorragia intraparenquimatosa ou AVCH;
* Hemorragia subaracnoide (HSA);
--Demência vascular;
--Encefalopatia hipertensiva.

2. Ataque isquêmico transitório


O conceito atual de Ataque Isquêmico Transitório (AIT) ainda é tema de
debate. Até bem pouco tempo atrás, a definição de AIT era a de um défi-
cit neurológico encefálico focal ou retiniano, súbito e reversível, de causa
vascular isquêmica, que durasse menos do que 24 horas (80% dos casos
duram menos do que 1 hora) e sem evidência de lesão isquêmica nos
exames de imagem. De acordo com as diretrizes de 2014 da American
Heart Association/American Stroke Association (AHA/ASA), o diagnós-
tico de AIT não depende mais da duração do déficit (24 horas). A defini-
ção atual retira o critério temporal, já que de 30 a 50% dos pacientes com
Dica sintomas com duração inferior a 24 horas apresentavam lesão isquêmica
detectável por Ressonância Magnética (RM) na sequência de difusão. A
definição atual de AIT é a de déficit neurológico (encefálico, medular ou
Convém lembrar: AVCI
retiniano) agudo, de origem vascular, transitório, sem lesão tecidual à
– disfunção neuroló- neuroimagem. A imensa maioria dos AITs reverte-se em até 60 minutos,
gica com duração supe- e a duração é de 1 a 10 minutos em 80% dos casos, portanto a maioria
rior a 24 horas e lesão dos pacientes já se recuperou do déficit quando chega ao hospital.
isquêmica em exame de A principal causa de AIT é a oclusão do vaso por material embólico pro-
imagem; AIT – disfun- veniente de placa de ateroma proximal ao vaso ocluído ou por êmbolo
ção neurológica com de origem cardíaca. AITs em que sintomas transitórios sucessivos não
se repetem por ocorrer disfunção em territórios arteriais diferentes
duração inferior a 24 sugerem etiologia cardíaca com fonte de êmbolos. O AIT deve ser con-
horas e sem lesões ao duzido como emergência médica, pois 10 a 20% dos pacientes com AIT
exame de imagem. poderão evoluir com um AVCI em 90 dias, 50% destes nas primeiras 48
horas e cerca de 1/3 desenvolverá um AVC em um período de 5 anos, e
medidas terapêuticas podem minimizar esse risco.

Tabela 1 - Escore ABCD2: prevenção de novos eventos

A (Age) – Idade = 60 anos 1 ponto

B (Blood pressure) – PA
>140x90mmHg (PAS >140 e/ 1 ponto
ou PAD >90)
98 sic neurologia

- 2 pontos: hemiparesia;
C (Clínica) - 1 ponto: distúrbio de linguagem sem
hemiparesia.

- 2 pontos: 60 minutos;
D (Duração) - 1 ponto: 10 a 60 minutos;
- 0 ponto: <10 minutos.
Importante
D (Diabetes) 1 ponto A suspeita clínica rápida
de AVC (FAST) do AVCI
Predição de AVC (escores
versus risco de AVCI em 48
envolve: F (Face) – alguma
- Escore = 4 pontos, com alto risco de alteração na face (pedir
horas)
AVCI;
- 0 a 1: 0%; para sorrir); A (Arms) –
- Escore <4 pontos, com baixo risco de
- 2 a 3: 1,3; AVCI. diferença entre a altura
- 4 a 5: 4,1; dos braços elevados; S
- 6 a 7: 8,1.
(Speak) – alteração na
fala; e T (Time) – horário
3. Acidente vascular cerebral isquêmico do início dos sintomas
(agir rápido).
Caracteriza-se tipicamente como episódio de disfunção neurológica de-
corrente de isquemia focal cerebral ou retiniana, com sintomas típicos
que duram mais do que 24 horas e com lesão em exames de imagem
(tomografia computadorizada ou RM de crânio). Deve ser diferenciado
do AIT, em que não há evidência de lesão tecidual, apesar de compar-
tilharem da mesma fisiopatologia. Portanto, AIT e AVCI são espectros
de uma mesma doença vascular isquêmica encefálica, cuja definição
dependerá dos métodos de imagem utilizados. Desta forma, a persis-
tência dos sinais clínicos ou a presença de alterações nos exames de
imagem é que definem o AVCI. A aplicação desse conceito tem grande Dica
impacto na prática clínica atual, pela possibilidade do uso de trombolí-
Há diversas escalas
tico no AVCI agudo e pelo fato de os resultados desse tratamento esta-
rem diretamente relacionados à precocidade de administração. para a avaliação do AVC
(suspeita clínica, e não
A - Fisiopatologia avaliação – são escalas de
triagem), como FAST, es-
O AVCI deve-se à redução do fluxo sanguíneo para determinada área do cala de Cincinnati, LAPSS
encéfalo, gerando, consequentemente, isquemia com necrose e perda e, mais recentemente, a
de tecido cerebral. A redução do fluxo sanguíneo pode acontecer por escala ROSIER.
redução global de sangue ao encéfalo ou por obstrução de uma arté-
ria cerebral por conta de um êmbolo (arterioarterial ou cardíaco), uma
trombose arterial ou uma inflamação nos vasos (vasculite).

B - Etiologia e investigação
Os principais mecanismos estão relatados na escala de classificação
etiológica de TOAST.

Tabela 2 - Classificação de TOAST

- Aterosclerose de grandes artérias;

- Oclusão de pequenas artérias (lacunar);

- Embolia cardíaca;

- Outras etiologias de AVCI;

- AVCI de causa indeterminada.


doenças cerebrovasculares 99

Figura 1 - Etiologia do acidente vascular cerebral isquêmico

C - Aterosclerose de grandes artérias


Deve-se a patologias das artérias de grande calibre que fazem a irriga-
ção cerebral e que podem ser divididas em extracranianas e intracra-
nianas. Pode levar a infarto encefálico por embolia vaso–vaso (principal
causa) ou hipofluxo.
A principal artéria extracraniana a ser acometida na circulação anterior
é a carótida interna, principalmente por aterosclerose na sua origem,
na região cervical. Devem-se rastrear esses pacientes para fatores
de risco comumente associados a aterosclerose (hipertensão arterial,
diabetes, dislipidemias, tabagismo, etilismo, aterosclerose em outros
sítios). Em alguns casos, alteração da parede muscular, como fibrodis-
plasia muscular ou patologias inflamatórias como arterite de Takayasu,
Dica também pode acometê-la.
Na investigação de doença de grandes vasos, é indispensável algum
Em casos de estenose de estudo vascular, como Doppler de carótidas, angiotomografia, angior-
carótida interna extra- ressonância ou arteriografia.
craniana ≥70% do lado
Nos casos de doença aterosclerótica com estenose de lúmen da arté-
sintomático, há indicação
ria carótida interna ≥70% do lado sintomático, os estudos demonstram
de endarterectomia ou benefício da endarterectomia ou implante de stent como profilaxia se-
stent como profilaxia cundária em relação ao tratamento medicamentoso.
secundária.
No caso de doença aterosclerótica de grandes vasos intracranianos, o
uso de dupla antiagregação por 3 meses foi superior à intervenção com
colocação de stent intracraniano.

D - Oclusão de pequenas artérias


A doença das artérias de pequeno calibre encefálicas que fazem a
perfusão das áreas mais profundas do encéfalo (lenticuloestriadas,
100 sic neurologia

talamoperfurantes, perfurantes pontinas) leva a isquemia pequena,


geralmente com infarto menor do que 15mm, conhecido como lacunar.
--Síndromes lacunares:
• Hemiparesia motora pura: lesão localizada na cápsula interna ou
na ponte por compromisso das artérias lenticuloestriadas ou per-
furantes pontinas, respectivamente. Caracteriza-se por hemiparesia
Dica
completa proporcionada, na maioria das vezes, na ausência de alte- As artérias de pequeno
rações sensitivas; calibre encefálicas são
• AVC puramente sensitivo: lesão localizada no tálamo por oclusão lenticuloestriadas (he-
das artérias talamoperfurantes. Caracterizada por perda sensorial miparesia motora pura),
ou parestesia contralateral; talamoperfurantes (AVC
• Hemiparesia atáxica: lesão localizada na ponte ou na cápsula in- puramente sensorial) e
terna por compromisso das artérias perfurantes pontinas e lenti- perfurantes pontinas
culoestriadas, respectivamente. Caracterizada por hemiparesia e (hemiparesia motora
ataxia do lado com predomínio de paresia crural; pura e atáxica, se asso-
• Disartria – síndrome da “mão desajeitada”: lesão na ponte ou na ciada a lesão de artérias
cápsula interna contralateral. Caracteriza-se por fraqueza facial lenticuloestriadas).
central, disartria e disfagia graves, paresia e desjeito da mão (inca-
pacidade de manobrar uma caneta ou lápis normalmente).

Exames de imagem como a tomografia computadorizada e a RM de-


vem ser realizados; muito embora, na maioria das vezes, possam ser
normais, sua importância reside na exclusão de outras causas de AVC.
No envolvimento de pequenas artérias, a angiografia é normal e não há
indicação para este exame.
A melhor forma de profilaxia secundária é o controle de fatores de risco
cardiovascular, além do uso de anti-hipertensivos e estatinas, porém
o uso de anticoagulação não está indicado, uma vez que não há ou-
tros fatores que indiquem que a administração dela produza qualquer
benefício. O mesmo ocorre com a utilização do ácido acetilsalicílico,
cujo tratamento é incerto, mas, mesmo assim, é prescrita talvez devido
a seu baixo custo e baixo risco de complicações graves.

E - Cardioembolia
Dentre as causas de cardioembolia, estão as arritmias, como a fibri-
lação atrial, e lesões cardíacas estruturais, como miocardiopatia dila-
tada, valvulopatias graves e trombos intracavitários.
A profilaxia secundária mais indicada é o uso de anticoagulantes, clas-
sicamente inibidores da vitamina K, como o Marevan®. Recentemente,
foram aprovados os novos anticoagulantes, como os inibidores do fa-
tor Xa ou diretos da trombina a pacientes com o diagnóstico de fibri-
lação atrial. A grande vantagem dos novos anticoagulantes é a não
necessidade de medições rotineiras de RNI (Relação de Normalização
Internacional) para avaliar o nível de anticoagulação. Não se indica ri-
varoxabana por aumento de risco de sangramento intracraniano. Os
utilizados hoje são apixabana e dabigatrana, este último com maior
risco de sangramento gastrintestinal. A desvantagem dos novos anti-
coagulantes é a impossibilidade de reversão da anticoagulação de ma-
neira rápida (apesar do recente lançamento do anticorpo monoclonal
antidabigatrana, idarucizumab – Praxbind® –, ainda não está larga-
mente disponível).
doenças cerebrovasculares 101

F - Outras etiologias
Dentre outras, vale citar as causas inflamatórias, como as vasculites
(primárias, sistêmicas ou infecciosas, como no caso da neurossífilis),
e as causas genéticas, como CADASIL (Cerebral Autosomal Dominant
Arteriopathy with Subcortical Infarcts and Leukoencephalopathy).

G - Fatores de risco
Podem ser divididos em não modificáveis e modificáveis. Os principais
fatores de risco não modificáveis são a idade, sendo mais comum em
indivíduos com idade mais avançada; o sexo, com maior prevalência
Dica para o masculino; a raça, com predomínio em negros; e a presença de
história familiar, materna ou paterna. Dentre os fatores de risco modifi-
São fatores de risco não cáveis, segundo o estudo Interstroke, são 10 os fatores de risco que ex-
modificáveis para AVCI: plicam 90% dos AVCs: hipertensão arterial, tabagismo atual, obesidade
idade avançada, sexo abdominal (relação cintura–quadril), dieta pobre em vegetais e grãos e
masculino, raça negra e rica em carnes, ovos e frituras, inatividade física, diabetes mellitus, uso
história familiar positiva. de álcool, estresse psicossocial e depressão, doenças cardíacas e níveis
E são fatores de risco mo- elevados de apolipoproteína. Dentre as várias causas cardíacas relacio-
dificáveis: hipertensão nadas com o risco de AVCI de origem embólica, a fibrilação atrial é das
arterial, diabetes mellitus, mais importantes. A doença carotídea assintomática (estenose >50%)
dislipidemia, doença está presente entre 7 e 10% dos homens e entre 5 e 7% das mulheres
cardiovascular prévia e acima de 65 anos. O risco anual de AVC é de 3,2% entre os pacientes
tabagismo. com estenose entre 60 e 99; no entanto, há variação. Estudos popu-
lacionais, notadamente o de Framingham, demonstraram que a asso-
ciação de fatores de risco aumenta exponencial, e não linearmente, o
risco de AVC.

H - Artérias encefálicas e territórios de irrigação


As principais artérias encefálicas e os principais territórios de irrigação
estão esquematizados a seguir:

Figura 2 - Circulação anterior

Figura 3 - Circulação posterior


102 sic neurologia

Figura 4 - Vascularização arterial do encéfalo

Tema
frequente de prova
Compreender as mani-
festações clínicas asso-
ciadas a cada território
arterial pode resultar
em acertos importantes
nas provas de qualquer
concurso médico.
Figura 5 - Territórios de irrigação encefálica

I - Manifestações clínicas
A seguir, algumas síndromes envolvidas:

a) Artéria cerebral anterior


Monoparesia crural (mais comum), hemiparesia, plegia (menos co-
mum), apraxia contralateral, hemi/hipoanestesia do membro inferior
contralateral.

b) Artéria cerebral média


--Fraqueza da mão, ou do braço e da mão (síndrome braquial);
--Fraqueza facial com afasia motora (de Broca) – hemisfério dominante;
--Fraqueza ou não no braço (síndrome opercular frontal);
--Afasia de expressão (de Wernicke) – hemisfério dominante:
doenças cerebrovasculares 103

• Déficit motor clássico – hemiparesia/plegia completa desproporcio-


nada de predomínio braquifacial.

c) Artéria cerebral posterior


--Síndrome de Weber (síndrome cruzada piramidal do III par): AVC do
pedúnculo cerebral, hemiplegia completa contralateral + paralisia do
III par ipsilateral, que pode ou não ser acompanhada de parkinsonismo
(substância negra) e hemibalismo contralateral (núcleo subtalâmico);
--Síndrome de Benedikt (núcleo rubro): AVC do tegumento mesence-
fálico, tremor cerebelar e/ou coreia contralateral + paralisia do III par
ipsilateral;
--Síndrome de Déjérine-Roussy: AVC do tálamo posterolateral (arté-
ria talamogeniculada), hemianestesia contralateral + dor talâmica
espontânea;
--Síndrome talâmica: tremor cerebelar e/ou coreoatetose.

d) Artéria basilar
--Síndrome de Millard-Gubler-Foville (ponte baixa anterior): síndrome
cruzada do VII e/ou VI par. Hemiplegia braquiocrural contralateral,
paralisia facial periférica ipsilateral, acometimento do VI par ipsilate-
ral (diplopia e estrabismo convergente);
--Síndrome do tegumento pontino (ponte média dorsal): síndrome
cruzada sensitiva do V par, síndrome cruzada dos VII e VI pares, sín-
drome vestibular ipsilateral, síndrome de Horner ipsilateral, ataxia
cerebelar ipsilateral, perda da sensibilidade vibratório-proprioceptiva
contralateral.

e) Artéria vertebral
Síndrome de Wallenberg: síndrome sensitiva cruzada do V par (hemi/
hipoanestesia contralateral + hemi/hipoanestesia facial ipsilateral, dis-
fagia + disfonias graves – síndrome bulbar), pelo comprometimento
do núcleo ambíguo dos IX e X pares, síndrome vestibular ipsilateral,
síndrome de Horner ipsilateral, ataxia cerebelar ipsilateral, soluços
incoercíveis.
As manifestações clínicas da vítima de AVCI podem variar, a depen-
der do território (anterior ou posterior) e do tipo de artéria acometi-
dos (grandes ou pequenas artérias), conforme a escala de Oxfordshire/
Bamford:

Tabela 3 - Escala de Oxfordshire/Bamford

- Síndrome de circulação anterior total (TACS) – o paciente apresenta todas


as 3 características a seguir:
· Distúrbio de função cortical (afasia, apraxia, agnosia, negligência, anosog-
nosia etc.);
· Hemianopsia homônima;
· Déficits sensitivo e/ou motor envolvendo ao menos 2 destas áreas: face,
membro superior, membro inferior.

- Síndrome de circulação anterior parcial (PACS):


· Déficit sensitivo motor + hemianopsia;
· Déficit sensitivo motor + disfunção cortical;
· Disfunção cortical + hemianopsia;
· Disfunção cortical + motor puro (monoparesia);
· Disfunção cortical isolada.
104 sic neurologia

- Síndrome lacunar (LACS):


• Síndrome motora pura;
· Síndrome sensitiva pura;
· Síndrome sensitivo motora;
· Disartria – clumsy hand;
· Hemiparesia atáxica.
* Sem afasia, distúrbio visuoespacial, distúrbio do campo visual;
* Déficits proporcionados.

- Síndrome de circulação posterior (POCS) – o paciente apresenta quaisquer


das seguintes características:
· Paralisia de nervo craniano (única ou múltipla) ipsilateral + déficit sensiti-
vo motor contralateral;
· Déficit sensitivo motor bilateral;
· Alteração dos movimentos conjugados dos olhos;
· Disfunção cerebelar sem déficit de trato longo ipsilateral;
· Hemianopsia isolada ou cegueira cortical.

J - Avaliação e manejo inicial


O manejo inicial do paciente com AVCI deve iniciar-se com a avaliação
do ABC primário. A vítima de isquemia cerebral em topografias que
comprometam o nível de consciência ou centros respiratórios, como
o tronco encefálico e lesões bi-hemisféricas cerebrais ou talâmicas,
pode necessitar de intubação orotraqueal como forma de proteção das
vias aéreas. A hiperoxemia (SatO2 = 100%) em pacientes com acidente
vascular encefálico agudo não demonstrou evidências na mudança de
prognóstico; conforme consenso da AHA/ASA 2013, o paciente deve
ser monitorizado com oximetria de pulso contínua, com o objetivo de
manter SatO2 ≥94% utilizando o método menos invasivo para o forne-
cimento de oxigênio suplementar.
A monitorização de Pressão Arterial (PA) não invasiva, cardíaca e de
pulso é essencial juntamente com o eletrocardiograma de 12 canais. A
monitorização cardíaca contínua, por sua vez, é fundamental durante a
estada na unidade de terapia intensiva, no intuito de flagrar arritmias
como fibrilações atriais paroxísticas. Dados sugerem que monitorizações
paramétricas sistematizadas podem ser mais efetivas em sua detecção. Dica
Na avaliação inicial, deve-se realizar a cateterização de 2 acessos cali- Não esquecer a cateteri-
brosos nas veias periféricas, já que o trombolítico venoso deve ser re- zação de 2 acessos cali-
alizado em acesso exclusivo, e no momento da punção deve ser colhida
brosos no manejo inicial
rotina laboratorial sem atraso ao manejo inicial. A avaliação da glicemia
do AVCI, tendo em vista
capilar é de extrema importância, pois tanto a hiper como a hipoglice-
mia podem simular lesões neurológicas, inclusive se manifestando com que um ficará reservado
sintomas focais. para trombolítico.

O próximo passo é a revisão da história clínica, com foco na apresen-


tação clínica e no tempo de início dos sintomas neurológicos. É impor-
tante lembrar que, ao tentar estabelecer o horário do evento, devemos
considerar a última vez em que o paciente esteve sem os sintomas e, ao
acordar, o horário em que ele foi dormir. Abalos musculares e liberação
esfincteriana seguida de déficit fazem pensar em paralisia de Todd, um
quadro de fraqueza muscular em um hemicorpo após uma crise epilép-
tica focal motora. A avaliação neurológica deve ser rápida e eficiente
no diagnóstico e na estratificação da gravidade, realizada por meio da
aplicação da National Institutes of Health Stroke Scale – NIHSS (Tabela
4). Todo centro capacitado para trombólise deve ter profissionais tam-
bém capacitados para a realização dessa escala.
doenças cerebrovasculares 105

Tabela 4 - National Institutes of Health Stroke Scale

Parâmetros Pontuação
0 = alerta; 1 = desperta com estímulo verbal; 2 = des-
1a - Nível de cons-
perta somente com estímulo doloroso; 3 = resposta
ciência
reflexa a estímulo álgico.

1b - Orientação: 0 = ambos corretos; 1 = 1 correto; 2 = ambos incor-


idade e mês retos.

1c - Comandos:
abrir/fechar olhos, 0 = ambos corretos; 1 = 1 correto; 2 = ambos incor-
apertar e soltar retos.
mão

2 - Motricidade
ocular (voluntá- 0 = normal; 1 = paresia do olhar conjugado; 2 = des-
ria ou “olhos de vio conjugado do olhar.
boneca”)

0 = normal; 1 = hemianopsia parcial, quadrantanop-


3 - Campos visuais sia, extinção; 2 = hemianopsia completa; 3 = cegueira
cortical.

0 = normal; 1 = paresia mínima (aspecto normal em


repouso, sorriso assimétrico); 2 = paresia/segmento
4 - Paresia facial
inferior da face; 3 = paresia/segmentos superior e
inferior da face.

5 - Motor membro
superior: braços
entendidos a 90° 0 = sem queda; 1 = queda, mas não atinge o leito; 2 =
(sentado) ou a 45° força contra gravidade, mas não sustenta; 3 = sem força
(deitado) por 10 contra gravidade, mas qualquer movimento mínimo
segundos. conta; 4 = sem movimento.
6 - Motor membro
inferior: elevar MSD_____________ MSE_____________ MID____________
a perna a 30° MIE______________
deitado por 5
segundos.

0 = sem ataxia (ou afásico, hemiplégico); 1 = ataxia


7 - Ataxia apendi-
em membro superior ou inferior; 2 = ataxia em mem-
cular
bro superior e inferior.

0 = normal; 1 = déficit unilateral, mas reconhece o


8 - Sensibilidade
estímulo (ou afásico, confuso); 2 = paciente não reco-
dolorosa
nhece o estímulo ou coma ou déficit bilateral.

0 = normal; 1 = afasia leve a moderada (compre-


9 - Linguagem ensível); 2 = afasia severa (quase sem troca de
informações); 3 = mudo, afasia global, coma.

0 = normal; 1 = leve a moderada; 2 = severa, ininteli-


10 - Disartria
gível ou mudo; X = intubado.

0 = normal; 1 = negligência ou extinção em uma


11 - Extinção/
modalidade sensorial; 2 = negligência em mais de 1
negligência
modalidade sensorial.
106 sic neurologia

K - Diagnóstico por imagem


Na avaliação inicial do AVC agudo, há basicamente 2 métodos de ima-
gem úteis: a tomografia computadorizada de crânio sem contraste e
a RM de crânio. É importante lembrar que o método de escolha deve
considerar o tempo porta–imagem e de aquisição da imagem, além
da capacidade de afastamento de hemorragias intracranianas e de
diagnóstico.
A tomografia de crânio sem contraste sempre foi o método de esco-
lha a pacientes com AVC agudo e amplamente utilizada nos trials de
trombólise, por ser um método disponível com maior facilidade nos
centros médicos, de rápida aquisição, praticamente isento de efeitos
colaterais e com grande sensibilidade para o diagnóstico de hemor-
ragias intracranianas. A RM de crânio, por sua vez, vem ganhando
espaço crescente na última década, tendo sido recentemente publi-
cado no National Institutes of Health (NIH) um guideline sobre a utili-
zação dos métodos de difusão e perfusão no AVC agudo com grande
vantagem no diagnóstico da isquemia com a difusão, porém sem evi-
dência do uso da perfusão e sem avaliação no diagnóstico de hemor-
Pergunta
ragia. A RM de crânio pode ser considerada de escolha em casos em
que o diagnóstico clínico é difícil, como pacientes com crises convul- 2012 - UNICAMP
1. Um homem, de 68 anos, hiper-
sivas, distúrbios da glicemia e migrânea hemiplégica, quando se pla-
tenso, diabético e com diagnóstico
neja ampliar a inclusão na terapia trombolítica, e em centros onde
de prolapso de válvula mitral,
há rápida disponibilidade. Convém lembrar que, nesses casos, méto- procura o pronto-socorro com
dos de aquisição convencionais devem ser somados à difusão para diminuição de força no hemicorpo
equiparar a sensibilidade da tomografia no diagnóstico da hemorra- direito, iniciada subitamente há
gia intracraniana. 8 horas. Nega cefaleia ou verti-
Os métodos de imagem vascular e perfusionais, tanto da tomografia gem. O exame físico mostra: PA =
como da ressonância, devem ser utilizados como critério, nunca le- 140x96mmHg, FC = 86bpm, bom
estado geral, ausência de sopros
vando atraso ao procedimento trombolítico.
cardíacos ou carotídeos, bulhas
rítmicas, consciente e orientado,
linguagem preservada, hemipa-
resia completa proporcionada à
direita, reflexo cutâneo plantar
em extensão à direita, sensibi-
lidade preservada globalmente,
campos visuais sem alteração. O
achado tomográfico mais prová-
vel é:

a) lesão hiperdensa na região pu-


taminocapsular esquerda
b) lesão hipodensa <1cm na cáp-
sula interna esquerda
c) lesão hipodensa em todo o ter-
ritório de irrigação da artéria
cerebral média esquerda
d) lesão hipodensa em cunha aco-
Figura 6 - (A) Tomografia de crânio sem contraste que evidencia acidente vascular metendo o córtex frontoparietal
cerebral isquêmico na artéria cerebral média direita e (B) ressonância magnética
de crânio na sequência de difusão evidenciando isquemia em território da artéria esquerdo
cerebral média esquerda Resposta no final do capítulo
doenças cerebrovasculares 107

L - Tratamento

Tema a) Trombólise intravenosa e intra-arterial


frequente de prova A trombólise intravenosa é considerada método de escolha para o tra-
tamento específico do AVC devido ao grande número de estudos clíni-
O tratamento do AVCI cos e à facilidade de aplicação. A trombólise intra-arterial é um método
é um assunto sempre alternativo, principalmente quando há a contraindicação do método in-
cobrado nas provas de travenoso ou em caso de resgate terapêutico. Em casos em que a trom-
concursos médicos. bólise intravenosa é sabidamente menos eficaz, como na presença do
sinal da Artéria Cerebral Média (ACM) hiperdensa pela tomografia ini-
cial, a indicação do método alternativo deve ser avaliada.
Após a exclusão de hemorragia intracraniana, o paciente que se man-
tém eletivo a protocolo trombolítico deve ser submetido aos critérios
de exclusão e ao consentimento informado. É válido lembrar que há
critérios diferentes entre os pacientes com janela terapêutica de 3 ho-
ras em comparação com 3 a 4,5 horas. Entre aqueles que não utilizam
heparina, varfarina ou hemodialíticos, não é necessário aguardar o re-
sultado do coagulograma para iniciar trombólise.
O trombolítico de escolha e liberado pelo Food and Drug Administra-
tion é o alteplase, na dose de 0,9mg/kg (máximo 90mg), sendo infun-
didos 10% em bolus e o restante em bomba de infusão em 1 hora. Essa
dose deve ser a mesma inclusive em casos em que se planeje o resgate
intra-arterial.
A trombectomia mecânica com instrumentos (MERCI, PENUMBRA, SO-
LITAIRE), que, por meio de cateterização arterial periférica, atinge o
trombo, sendo este retirado mecanicamente, tem ganhado cada vez
mais espaço no resgate terapêutico e na extensão da janela terapêutica
para até 8 horas em alguns trabalhos. Essas técnicas endovasculares
podem ser úteis a pacientes em que altas doses de fibrinolíticos intra-
venosos são desaconselhadas. Já existem robustas evidências para a
indicação de trombectomia no tratamento da fase aguda do AVCI por
estenose da carótida interna ou de segmentos proximais da artéria ce-
rebral média. As principais recomendações das Diretrizes da AHA/ASA
de 2015 são:
-- Pacientes com indicação de trombólise intravenosa devem receber
trombolítico intra-arterial, mesmo que os tratamentos endovascula-
res sejam considerados;
--Pacientes devem receber tratamento endovascular com trombecto-
mia mecânica caso preencham todos os seguintes critérios:
• Escala modificada de incapacidade de Ramkin com escore 0 a 1 an-
tes do AVC;
• AVCI isquêmico recebendo rt-PA intravenoso dentro de 4,5 horas, de
acordo com o protocolo vigente;
• Evidência de déficit relacionado à oclusão de carótida interna ou
segmento proximal da artéria cerebral média (M1);
• Idade ≥18 anos;
• NIHSS ≥6;
• ASPECTS (Figura 7) ≥6;
• Punção de artéria femoral realizada dentro de 6 horas do início dos
sintomas.
108 sic neurologia

Tabela 5 - Critérios para trombólise

Critérios de inclusão
- Diagnóstico clínico de AVCI em qualquer território arterial; Tema
frequente de prova
- Persistência do déficit neurológico;
- Ressonância/tomografia de crânio sem contraste e sem evidência de É conveniente saber os cri-
hemorragia; térios de inclusão e exclusão
- Ausência de hipodensidade na tomografia de crânio da entrada acometen-
para trombólise, pois são
do área >1/3 do território de ACM; cobrados em muitas provas
de concursos médicos.
- Início dos sintomas <4,5 horas (se notados ao acordar, considerar como
início o último horário em que estava acordado assintomático);
- Idade >18 anos.

Sinais de alerta
- Idade >80 anos; Pergunta
- Déficit neurológico grave: escala NIHSS >22.
2014 - AMP
Critérios de exclusão 2. Com relação ao tratamento da fase
- Sintomas leves (escala NIHSS <4), exceto afasia, ou que melhoram comple- aguda do Acidente Vascular Ence-
tamente; fálico (AVE) isquêmico, é correto
afirmar que:
- Sangramento ativo (gastrintestinal ou urinário, nos últimos 21 dias);
- Suspeita clínica de HSA, apesar da tomografia normal; a) sintomas com rápida melhora não
- Distúrbios hemorrágicos conhecidos, incluindo, mas não limitados a:
contraindicam o uso de trombolítico
· Plaquetas <100.000; (rt-PA)
· Heparinização plena nas últimas 48 horas com tempo de tromboplastina b) a presença de edema na imagem
parcial ativada alargado; tomográfica de crânio, com desvio de
· Uso de anticoagulantes orais com RNI >1,5. linha média, não contraindica o uso
de trombolítico (rt-PA)
- Cirurgia extensa ou trauma nos últimos 14 dias;
c) o uso de trombolítico pode ser feito
- História de hemorragia intracraniana em qualquer momento, malforma- em até 6 horas após o ictus
ção arteriovenosa ou aneurisma cerebral; d) coma secundário ao AVE não con-
- Realização de neurocirurgia, trauma cranioencefálico grave ou AVCI nos traindica o uso de trombolítico (rt-PA)
últimos 3 meses; e) sintomas mínimos de AVE con-
traindicam o uso de trombolítico
- Punção arterial em local não compressível nos últimos 7 dias; (rt-PA)
- Glicose sérica <50mg/dL ou >400mg/dL; Resposta no final do capítulo

- Infarto agudo do miocárdio nos últimos 3 meses;


- Hipodensidade precoce que envolve mais de 1/3 do território da ACM à
tomografia de crânio inicial;
- PA sistólica >185mmHg ou diastólica >110mmHg (3 vezes, com intervalo de
10 minutos);
Dica
- Evidência de pericardite ativa, endocardite ou êmbolo séptico; São critérios adicionais de
- Aborto recente (nas últimas 3 semanas), gravidez e puerpério.
exclusão de trombólise para
pacientes com início dos
Observação: para os pacientes com início dos sintomas entre 3 e 4,5 horas, sintomas entre 3 e 4,5 horas:
devem-se adicionar os seguintes critérios de exclusão:
- Acima de 80 anos; >80 anos, uso de anticoagu-
- Em uso de anticoagulantes orais; lante oral atual, NIHSS >25,
- NIHSS >25; AVC prévio e diabetes.
- História de AVC prévio e diabetes.
doenças cerebrovasculares 109

Tabela 6 - Indicação e cuidados no uso de trombolíticos


Medidas específicas
- Estudos randomizados (International Stroke Trial – IST – e Chinese Acute
Stroke Trial – CAST) indicam ácido acetilsalicílico (AAS® – 100 a 300mg)
nas primeiras 48 horas;
- Se for previsível o uso de trombolítico, não se deve usar AAS®;
- Após o uso de trombolítico, não se deve usar AAS® por 24 horas;
- Heparina em dose baixa ou de baixo peso molecular para a prevenção de
trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar;
- Trombolítico (rt-PA) em menos de 4,5 horas do início dos sintomas, respei-
tando uma série de critérios rígidos encontrados no protocolo brasileiro
de uso de rt-PA.
Tratamento trombolítico – sinais de alerta para risco de
sangramento pelo trombolítico
- NIHSS >22 (associado com maior risco de hemorragias);
- Idade >80 anos;
- Abuso de álcool ou de drogas.

b) Escore ASPECTS
O escore ASPECTS avalia a extensão do comprometimento da ACM e
risco de sangramento com o tratamento trombolítico. Subdivide o ter-
ritório da ACM em 10 regiões padronizadas, avaliadas em 2 cortes da
tomografia de crânio, na altura do tálamo e nos núcleos da base, e o
próximo corte logo acima dos núcleos da base (Figura 7).
Cada uma das áreas marcadas em vermelho (Figura 7), com hipodensi-
dade precoce na tomografia sem contraste, diminui 1 ponto no escore.
Sendo assim, uma tomografia normal tem escore de 10, e um escore
zero indica isquemia difusa em todo o território da ACM.
Pontos:
• 7 a 10: baixo risco de hemorragia;
• 5 a 7: risco alto de hemorragia.

Dica
Não esquecer que, quanto
menor é o escore AS- Figura 7 - Escore ASPECTS: (A) Circulação anterior; (P) circulação posterior; (C) cau-
dado; (L) núcleo lentiforme; (IC) cápsula interna; (I) ínsula; (M1) córtex anterior da
PECTS, maior é o risco de artéria cerebral média; (M2) córtex da artéria cerebral média lateral à ínsula; (M3)
sangramento. = córtex posterior da artéria cerebral média; (M4), (M5) e (M6) territórios da artéria
cerebral média anterior, lateral e posterior imediatamente superiores a M1, M2 e
M3, rostrais aos núcleos da base
110 sic neurologia

c) Cuidados pós-trombolíticos
--O paciente trombolisado deve ser transferido para unidade de trata-
mento intensivo ou de AVC;
--Não se devem oferecer heparina, antiagregantes plaquetários ou an-
ticoagulantes orais nas primeiras 24 horas;
--Verificar escore de AVC do NIH a cada 15 minutos durante a infusão, a
cada 30 minutos nas próximas 6 horas e, após, a cada hora até com-
pletar 24 horas;
--Monitorizar a PA com frequência antes, durante e até 36 horas após o
tratamento trombolítico;
--Havendo qualquer suspeita de hemorragia intracraniana, suspender
o rt-PA e solicitar tomografia de crânio com urgência, hemograma, TP,
KTTP, plaquetas e fibrinogênio.

d) Antiplaquetários e estatinas

Importante
O uso de ácido acetilsalicílico na fase aguda, nas primeiras 48 horas do
AVCI, foi avaliado por 2 grandes estudos, o CAST e o IST, em não can-
didatos a trombólise nas doses de 160 e 300mg, respectivamente, de-
monstrando diminuição do risco de recorrência precoce sem aumento Quando se trata de conduta
no risco de complicações hemorrágicas. Não há estudos que deem su- imediata com relação à PA na
porte ao uso de outros antiagregantes na fase aguda. Recentemente, fase aguda do AVC, devemos
o FASTER e o EARLY, realizados com o objetivo de testar a dupla an- ter em mente 2 situações:
tiagregação com ácido acetilsalicílico e clopidogrel ou dipiridamol, não pacientes candidatos a
trouxeram evidências suficientes para o uso rotineiro. Em 2013, a publi- trombólise intravenosa ou
cação de um estudo chinês na revista New England Journal of Medicine, intra-arterial (pressão sistó-
o CHANCE, demonstrou benefício na utilização da dupla antiagregação lica >185mmHg ou diastólica
por curto período (21 dias) na população chinesa com AIT ou AVCI leve
>110mmHg) – administrar
com escala NIHSS 4 ou menor.
nitroprussiato 0,5µg/kg/
As estatinas foram avaliadas pelo estudo SPARCL, que demonstrou min IV em dose inicial. Caso
que atorvastatina 80mg iniciada precocemente diminuiu em 16% o a pressão não seja mantida
risco de recorrência sem modificar a mortalidade. Outros estudos, me- <185mmHg, não administrar
nos expressivos, com sinvastatina 40mg no 1º dia seguida por 20mg rt-PA; pacientes não candi-
por 3 meses, têm demonstrado benefício. A interrupção durante o AVC
datos a trombólise (pressão
agudo está associada a pior prognóstico.
sistólica <220mmHg ou
e) Anticoagulação diastólica <120mmHg) – tra-
tamento conservador, exceto
A heparina não fracionada ou de baixo peso molecular não é recomen- nos casos de infarto agudo do
dada para uso na fase aguda do AVCI. Seu uso foi relacionado a maior
miocárdio, edema agudo de
risco de sangramento e não interferiu no desfecho prognóstico, inclu-
pulmão, dissecção de aorta,
sive de pacientes com AVC cardioembólico. O uso em casos de doença
vertebrobasilar ou dissecções arteriais é sustentado por alguns cen- encefalopatia hipertensiva
tros médicos, no entanto não há suporte na literatura para rotina. ou sinais e sintomas como
náuseas e vômitos, cefaleia,
f) Controle de pressão, glicemia e temperatura agitação. Se PA >220x120m-
mHg, administrar nitro-
O controle da pressão é extremamente controverso no AVCI agudo, e
sua elevação é extremamente frequente na fase aguda do AVC e asso-
prussiato 0,5µg/kg/min IV
ciada a pior desfecho neurológico. Estudos prévios demonstram que a em dose inicial. O objetivo
diminuição dos níveis pressóricos nas 24 horas iniciais foi associada a é reduzir em torno de 15%
pior desfecho; no entanto, recentemente foi publicado o estudo ChiPS o valor inicial da PA em um
duplo-cego randomizado, que objetivou o tratamento da pressão sis- período de 24 horas.
tólica >160mmHg sem mudança prognóstica. Pacientes selecionados
podem se beneficiar da elevação pressórica à custa de volume ou de
doenças cerebrovasculares 111

drogas vasoativas, principalmente se relacionada a mecanismos hemo-


dinâmicos e estenose de grandes vasos. Os anti-hipertensivos orais ou
sublinguais de meia-vida longa devem ser evitados na fase aguda. A
partir da publicação das Diretrizes para o Tratamento da Fase Aguda
do AVCI, pela AHA/ASA, em 2013, a recomendação sobre os níveis pres-
sóricos foi alterada nos casos em que a trombólise está contraindicada.
Assim, recomenda-se que os pacientes sejam avaliados caso haja co-
morbidade associada, como insuficiência renal aguda, edema agudo de
pulmão e angina instável, e, se necessário, a PA sistólica pode ser dimi-
nuída em até 15% do valor inicial em 24 horas, devendo-se reconsiderar
essa conduta em caso de deterioração neurológica. Preferencialmente,
a PA sistólica deve ser mantida acima de 140mmHg. Nos outros ca-
sos de contraindicação a trombólise, a prescrição de anti-hipertensivos
deve ser destinada aos pacientes com PA sistólica >220mmHg e dias-
tólica >120mmHg. Nos candidatos a trombólise, para o início da infusão
de trombolítico, a PA sistólica deve permanecer abaixo de 185mmHg
e a diastólica, abaixo de 110mmHg. Após o procedimento, a PA sistó-
lica deve permanecer abaixo de 180mmHg, e a diastólica, abaixo de
105mmHg durante 24 horas.

Dica A hiperglicemia no AVCI agudo está relacionada a pior prognóstico, pior


recanalização e transformação hemorrágica, sobretudo em tromboli-
A recomendação ao con- zados. Não houve melhora prognóstica no controle glicêmico restrito,
e a recomendação atual é manter controle conservador com glicemia
trole glicêmico é mantê-lo
entre 140 e 180mg/dL.
entre 140 e 180mg/dL.
A febre e a hipertermia são fatores de mau prognóstico entre pacientes
neurológicos e vítimas de AVCI, associados ou não a etiologias infeccio-
sas. Em análise post-hoc do estudo PAIS, foi demonstrado benefício em
tratar com paracetamol aqueles com temperatura corpórea entre 37
e 39°C. Apesar das evidências laboratoriais e dos estudos clínicos pós-
-parada cardiopulmonar do benefício de hipotermia, não há dados que
suportem o uso no AVCI agudo.
Dica g) Elevação da cabeceira
Eleva-se a cabeceira a
A angulação da cabeceira deve ser individualizada. Apesar de estudos
30° apenas em caso de
com Doppler transcraniano demonstrarem melhora de fluxo cerebral
hipoxemia crônica, risco pós-AVCI com angulação de zero grau, a recomendação da ASA/AHA
de disfagia, hipertensão 2013 sobre cuidados interdisciplinares é que pacientes com hipoxemia
intracraniana ou sem crônica, risco de disfagia, hipertensão intracraniana ou sem tomografia
exame de imagem. devem permanecer sob angulação de 30°, enquanto os demais podem
permanecer a zero grau nas primeiras 24 horas.

h) Hemicraniectomia descompressiva
Trata-se de uma técnica que vem ganhando espaço no tratamento do
AVCI maligno da ACM, principalmente quando realizado precocemente,
dentro das primeiras 48 horas, preferencialmente nas 24 horas iniciais,
levando a melhor desfecho em morbimortalidade.
As técnicas atualmente aceitas para craniectomia adequada incluem
craniectomia ampla com duroplastia e sem ressecção rotineira de te-
cido cerebral. As complicações mais comuns são hidrocefalia, infec-
ções, convulsão, herniação paradoxal e a síndrome do sinking skin flap,
quando a pressão atmosférica ultrapassa a pressão intracraniana.
112 sic neurologia

i) Profilaxia de trombose venosa profunda e lesão aguda


da mucosa gástrica
A frequência de trombose venosa profunda pode chegar a 40%, e a
embolia pulmonar é responsável por cerca de 10% dos óbitos em al-
gumas séries, como o acompanhamento de pacientes com AVCI sem
tromboprofilaxia. Apesar da falta de estudos clínicos randomizados,
enoxaparina 40mg/d ou heparina não fracionada 5.000UI 2 a 3x/d são
recomendadas àqueles com imobilidade, devendo ser iniciadas em até
48 horas do evento.
Em estudos prospectivos, a frequência do sangramento gastrintestinal
é de cerca de 3% dos indivíduos com AVC. O uso indiscriminado de ini-
bidores da bomba de prótons ou de antagonistas H2 pode levar a au-
mento do risco de pneumonia hospitalar. Assim, o uso profilático deve
ser reservado àqueles com alto risco de sangramento digestivo, como
AVCI muito extenso, ventilação mecânica, sepse grave e história prévia
de úlcera péptica.

j) Neuroprotetores
Diversos agentes já foram testados para neuroproteção no AVCI agudo,
mas nenhum demonstrou benefício.

Figura 8 - Atendimento e conduta em pacientes com suspeita de acidente vascular cerebral isquêmico

M - Manejo das complicações neurológicas


a) Edema cerebral
O edema cerebral é uma complicação comum ao AVCI extenso, princi-
palmente da porção M1 da ACM. Geralmente se inicia com edema ci-
doenças cerebrovasculares 113

Pergunta totóxico e, posteriormente, com componente vasogênico, levando ao


pico do edema em torno de 3 a 5 dias após o evento. Em alguns casos
de infarto maligno da ACM ou cerebelar, pode ocorrer manifestação clí-
nica precoce dentro das primeiras 24 horas, podendo o edema levar a
2015 - AMRIGS
herniação cerebral e óbito.
3. Uma paciente de 59 anos, hi-
pertensa em tratamento irregular, A medida mais eficaz seria a hemicraniectomia precoce dentro das pri-
sem outras comorbidades, chega meiras 48 horas. O tratamento clínico do edema cerebral torna indispen-
à Emergência por ter apresen- sável a monitorização invasiva da pressão intracraniana. Deve-se manter
tado hemiplegia à esquerda há 1 a cabeceira elevada a 30°, evitar hiponatremia (Na <135), manter pCO2 en-
hora, conforme descrição da fi- tre 30 e 35 e manter boa perfusão cerebral, com PPC >60 a 70mmHg. O
lha que mora com ela. Ao exame manitol, na dose de 0,25 a 1,5g/kg IV em 20 minutos, pode ser repetido
físico, foram verificadas PA = não mais frequentemente do que 6 horas, com base na pressão intracra-
200x120mmHg, FC = 100bpm, niana, com monitoração de débito urinário e reposição de perdas. Solu-
eupneia e hemiplegia à esquerda. ção salina de 7,45 a 20% pode ser utilizada em substituição ao manitol,
Após a avaliação clínica inicial, além da ação mais rápida e menos duradoura. Não há benefício de corti-
foi realizada uma tomografia com- costeroides no tratamento do edema secundário ao AVC.
putadorizada, que não evidenciou
Em níveis teóricos e laboratoriais, o coma barbitúrico e a hipotermia mo-
sangramento. O médico que aten-
derada (33 a 34°C) seriam as 2 únicas medidas a interferirem no edema
deu a paciente fez diagnóstico
vasogênico e não no tecido sadio, reservadas a casos refratários devido
de acidente vascular encefálico
aos seus efeitos colaterais. A dose do tiopental é de ataque, 3 a 10mg/kg,
isquêmico. Qual é a conduta tera-
e de manutenção, 0,3 a 3mg/kg/h. É importante lembrar que essas me-
pêutica imediata?
didas são apenas ponte para uma descompressão cirúrgica adequada.
a) anticoagulação com heparina Em alguns casos de infarto cerebelar com compressão do IV ventrículo,
não fracionada subcutânea a hipertensão intracraniana pode ter um componente predominante
b) iniciar nitroprussiato in- de hidrocefalia, solucionada com derivação ventricular externa, asso-
travenoso a fim de manter PA ciada a craniectomia da fossa posterior.
<185x110mmHg para fazer trom-
bólise intravenosa com rt-PA b) Transformação hemorrágica
(ativador do plasminogênio teci- A transformação isquêmico-hemorrágica é um evento frequente e
dual recombinante) acontece em até 30% dos AVCIs. A grande maioria é hemorragia pe-
c) trombólise intravenosa tequial sem repercussão clínica. Os hematomas parenquimatosos sin-
d) punção lombar para descartar tomáticos acontecem em até 6% dos trombolisados. As hemorragias
sangramento pequenas não necessitam de cuidados específicos, inclusive com ma-
e) iniciar captopril oral e fazer nutenção de profilaxia de trombose venosa profunda e ácido acetilsa-
trombólise intravenosa com rt-PA licílico. Os hematomas intraparenquimatosos, por sua vez, devem ser
Resposta no final do capítulo manejados conforme o protocolo de hemorragia cerebral espontânea.

c) Crises convulsivas
Dependendo da série que analisa a frequência de crises convulsivas nos
primeiros dias pós-AVCI, ela pode variar de 2 a 23%. O estado de mal
convulsivo é raro, sem necessidade de profilaxia de crise.

4. Hemorragia intraparenquimatosa espon-


tânea
A hemorragia intraparenquimatosa espontânea, ou AVCH, decorre
da ruptura de um vaso com extravasamento de sangue para o parên-
quima cerebral. Corresponde a cerca de 20% de todos os AVCs.

A - Etiologia e sítios mais frequentes


Podem ser divididos em primários e secundários, a depender da
etiologia.
114 sic neurologia

a) Primários
--Hipertensão arterial sistêmica (40 a 70%);
--Angiopatia amiloide (5 a 10%).

b) Secundários
--Malformações vasculares (4 a 10%);
--Neoplasias intracranianas (2 a 10%);
--Coagulopatia, anticoagulantes (9 a 14%);
--Transformação isquêmico-hemorrágica;
--Trombose venosa cerebral;
Dica
--Vasculites; O Acidente Vascular
--Uso de drogas ou medicações. Cerebral Hemorrágico
(AVCH) hipertensivo
O AVCH hipertensivo é o mais habitual, em sítios típicos do encéfalo, acontece em sítios típicos,
principalmente em locais de irrigação de artérias profundas, como nú-
na irrigação de artérias
cleos da base (putâmen), tálamo, ponte, cerebelo e substância branca
subcortical. Já os decorrentes de angiopatia amiloide acontecem pre-
profundas (núcleos da
dominantemente nas regiões lobares (mais frequentemente parietal e base, tálamo, ponte e
occipital), em razão dos acometimentos de vasos de circulação distal cerebelo).
(Figura 9).

Figura 9 - Sítios mais frequentes de acidente vascular cerebral hemorrágico intra-


parenquimatoso: (A) lobar; (B) putaminal; (C) talâmico; (D) pontino e (E) cerebelar
doenças cerebrovasculares 115

B - Manifestações clínicas
Podem ser semelhantes às do AVCI, geralmente com sinais de hiper-
Quadro clínico tensão intracraniana, como cefaleia, vômitos, sonolência e crises con-
vulsivas, que são os mais comuns; no entanto, a distinção clínica não
O AVCH geralmente é suficiente para guiar o manejo. O prognóstico pode ser avaliado por
apresenta sinais de hi- meio do Índice de Hemorragia Cerebral (ICH).
pertensão intracraniana C - Diagnóstico por imagem
(cefaleia súbita, vômitos,
sonolência e crises O diagnóstico por imagem pode ser realizado com tomografia de crâ-
convulsivas). nio sem contraste ou ressonância de crânio com acurácia semelhante
para hemorragia aguda. A última tem vantagens durante a investiga-
ção etiológica, como identificação de micro-hemorragias corticais na
angiopatia amiloide, tumores cerebrais ou detecção de malformações
vasculares (Figura 10).

Figura 10 - (A) Tomografia com hemorragia lobar versus (B) ressonância magnética
com micro-hemorragias

D - Conduta
Assim como o AVCI, o AVCH deve ser tratado como urgência neuroló-
gica, apesar de as condutas serem diferentes. Não existe tratamento es-
pecífico para o AVCH; os ensaios clínicos com fator VIIa falharam até o
momento por aumentar o número de eventos tromboembólicos e car-
diovasculares. Níveis elevados de PA são extremamente comuns no
AVCH. Hipertensão sistólica associa-se a expansão do hematoma, dete-
rioração neurológica, óbito e sequelas tardias. Um dos maiores receios
no tratamento do AVCH associado a aumento dos valores da PA sempre
foi que, no caso da existência de uma área perilesional de penumbra, ou
seja, de uma área de hipoperfusão sanguínea ao redor do hematoma,
a diminuição dos valores de PA pudesse causar sofrimento dessa área
por isquemia e consequentemente aumentar o grau de sequelas. Entre-
tanto, demonstrou-se que não há área significativa de penumbra ao re-
dor do hematoma, nem que uma redução agressiva da PA cause redução
do fluxo sanguíneo cerebral nestes pacientes. Dados do INTERACT2, um
grande estudo randomizado, em pacientes com AVCH há menos de 6 ho-
ras e PA sistólica entre 150 e 220 mmHg, comparando uma estratégia
agressiva de redução da PA (atingir valores <140mmHg em 1 hora, man-
tendo-os assim por 1 semana) versus a estratégia convencional (alvo da
116 sic neurologia

PA <180mmHg), não mostraram diferença na mortalidade ou em reduzir


o número de pacientes com sequelas graves, apenas notando-se uma
recuperação funcional maior no grupo de tratamento agressivo. Entre-
tanto, apenas 1/3 dos pacientes conseguiu ter sua PA diminuída em 1
hora nesse estudo, e mais de 75% apresentavam hematomas menores
do que 20mL. De forma similar, resultados do estudo ATACH-2, compa-
rando 1.000 pacientes com AVCH, Glasgow >4 pontos, hematomas de
até 60mL e idade média de 62 anos, divididos em um grupo de 500 pa-
cientes que tiveram controle de PA entre 110 e 139 mmHg e outro tam-
bém com 500 pacientes com PA mantida entre 140 e 179mmHg , ambos
até 4,5 horas do início dos sintomas, não foram diferentes em termos de
mortalidade ou incapacidade. Os resultados mostram que a redução rá-
pida da PA até 140mmHg é segura, ao contrário do que se podia pensar
no passado. Nos pacientes com PA inicial >220mmHg, hematoma volu-
moso, quadro clínico grave e com indicação de descompressão cirúrgica,
os dados relativos ao tratamento da PA são escassos. A estes se reco-
menda a redução gradual por meio da infusão contínua de anti-hiperten-
sivos endovenoso com monitorização frequente da PA. As drogas mais
utilizadas são o metoprolol e o nitroprussiato de sódio. Drogas indisponí-
veis no Brasil incluem labetalol e nicardipino.
No caso de sangramento devido ao uso de drogas anticoagulantes (Ma-
revan®, dabigatrana, rivaroxabana e apixabana), a reversão deve ser
realizada o mais rápido possível, com plasma fresco congelado e/ou com-
plexos pró-trombínicos. No caso de inibidores da vitamina K, a reposi-
ção desta na forma intravenosa deve ser feita conjuntamente. Ainda não
existem antídotos para alguns dos novos anticoagulantes. Existe o idaru-
cizumab para dabigatrana, mas pouco disponível no Brasil.
O uso profilático de anticonvulsivantes está indicado apenas em caso de
crises epilépticas presenciadas ou referidas. Não existe indicação para
profilaxia primária dessas crises. A prevenção de trombose venosa pro-
funda deve ser realizada com meias e perneira, além de compressor
pneumático. A heparina subcutânea, como profilaxia, deve ser iniciada
de 1 a 4 dias após a estabilidade clínica e tomográfica do hematoma.
O tratamento cirúrgico é reservado para casos como hematomas ce-
rebelares >3cm, com sinais de compressão do tronco encefálico ou hi-
drocefalia, devendo ser feita craniectomia posterior com drenagem do
hematoma e, em caso de hidrocefalia, derivação ventricular externa.
Em se tratando de hematomas lobares volumosos (>30cm3 e distância
do córtex <1cm) em sonolentos com escala de coma de Glasgow entre 9
e 12, pode ser feita drenagem.

Tabela 7 - Manifestações clínicas


- Cefaleia súbita: “pior cefaleia da vida”, cefaleia “sentinela” ou cefaleia “tro-
vão” (espontânea ou ao esforço físico);
- Sinais de irritação meníngea;
- Possíveis sintomas compressivos, dependendo do tamanho do aneurisma.
Sinais localizatórios Localização do aneurisma
Rigidez de nuca Indiferente
Rebaixamento do nível
Indiferente
de consciência
Papiledema Indiferente
Hemorragia retiniana e
Indiferente
sub-hialina
doenças cerebrovasculares 117

Sinais localizatórios Localização do aneurisma


Paralisia do III nervo Artéria comunicante posterior

Tema Paralisia do VI nervo


Fossa posterior ou sinal de hipertensão intra-
craniana
frequente de prova Fraqueza nos membros
inferiores bilateral- Artéria comunicante anterior
A hemorragia subarac- mente ou abulia
noide é diagnóstico di- Nistagmo ou ataxia Fossa posterior
ferencial sempre cobrado Afasia, hemiparesia,
ACM
nas questões das provas déficit de campo visual
de concursos médicos.
5. Hemorragia subaracnoide
A HSA, ou hemorragia meníngea espontânea, acontece, na maioria das
vezes, devido à ruptura de um aneurisma das artérias intracranianas. É
uma afecção extremamente grave, com letalidade aproximada de 50%.
A manifestação clínica mais típica é a cefaleia súbita (muitas vezes refe-
rida como “a pior da vida”), espontaneamente ou relacionada a esforço
físico ou relações sexuais. Associados a cefaleia, podem ocorrer sinais
de irritação meníngea ou rigidez nucal, como outros déficits focais que
caracterizarão as escalas clínicas de prognóstico, como a de Hunt-Hess
(Tabela 8). Estudos retrospectivos apontam que até 50% dos pacientes
relatam cefaleia semelhante, em geral súbita e explosiva, precedendo
o quadro; a ela se dá o nome de cefaleia “sentinela”.
Principais responsáveis por HSA, os aneurismas cerebrais saculares são
dilatações arteriais focais. Alguns estão associados a malformação ar-
teriovenosa (MAV), embolia séptica, doença renal policística (ADPKD),
colagenoses (Ehler-Danlos), síndromes malformativas (síndrome de
Loeys-Dietz) e neoplasias. Os aneurismas costumam ser formados por
meio da combinação de estresse hemodinâmico e uma fraqueza da pa-
rede vascular de natureza congênita ou adquirida. Os principais fatores
de risco para o surgimento de aneurismas adquiridos são hipertensão,
tabagismo, abuso de álcool e de drogas simpatomiméticas (por exem-
plo, a cocaína), e os locais mais frequentes de surgimento dos aneu-
rismas são os vasos do polígono de Willis. Seu aparecimento é mais
comum na bifurcação das artérias da circulação anterior (90% dos ca-
sos), sendo os locais preferenciais a bifurcação entre a Artéria Cerebral
Anterior (ACA) e a Artéria Comunicante Anterior (ACoA), na bifurca-
ção da ACM, na origem da Artéria Comunicante Posterior (ACoP) no
segmento supraclinóideo da Artéria Carótida Interna (ACI) ou ainda
na bifurcação da ACI. Existem pelo menos 11 genes (ANIB1 a 11) des-
critos e relacionados à ocorrência de aneurismas de caráter familiar
autossômico dominante. Raramente uma HSA pode ser decorrente de
sangramento de capilares ou veias na região perimesencefálica. MAVs
Quadro clínico também podem causar HSA, e a maioria delas é esporádica, mas há
algumas de causa genética, como na telangiectasia hemorrágica he-
No aneurisma da artéria reditária (síndrome de Rendu-Osler-Weber), de herança autossômica
dominante. Mutações nos genes ENG, ACVRL1 ou SMAD4 levam a dis-
comunicante posterior,
plasia vascular, o que favorece o desenvolvimento de MAV.
há relação com III nervo
craniano e sintomas O aneurisma pode causar sintomas compressivos, dependendo do seu
como midríase ipsilateral tamanho. As manifestações mais típicas decorrem dos aneurismas da
ACoP, que, devido à sua íntima relação com o III nervo craniano, causam
e estrabismo divergente.
sintomas de compressão como midríase do mesmo lado e estrabismo
divergente.
118 sic neurologia

Tabela 8 - Escala de Hunt-Hess


Índice de
mortalidade
Graus Critérios
periopera-
tório (%)
0 Aneurisma não roto 0a5
Assintomático ou cefaleia mínima e rigidez
I 0a5
nucal mínima
Cefaleia moderada a severa, rigidez nucal, sem
II déficits neurológicos, exceto por paralisia de 2 a 10
nervos cranianos
III Sonolência, confusão, déficits focais moderados 10 a 15
Estupor, hemiparesia moderada ou severa,
IV rigidez precoce em descerebração, distúrbios 60 a 70
vegetativos
Coma profundo, rigidez em descerebração, apa-
V 70 a 100
rência moribunda

O diagnóstico pode ser feito com tomografia de crânio sem contraste,


com a visualização de sangue em cisternas cerebrais. A quantidade
de sangue em cisternas ou ventrículos é graduada por meio da escala
tomográfica de Fisher. Em caso de pequeno volume de sangramento,
a tomografia é normal (não visualiza o sangramento) e o diagnóstico
deve ser feito com a punção lombar com estudo do liquor e a detecção
de hemácias degradadas ou elementos de degradação, como bilirru-
bina. Sempre que houver suspeita de HSA (cefaleia súbita ou pior da
vida), devemos realizar uma tomografia e, caso este exame venha nor-
mal, procede-se à coleta do liquor lombar. Quando o liquor apresenta
aspecto hemorrágico, temos 2 possibilidades: acidente de punção ou
HSA. Em seguida, realizamos o teste dos 3 tubos: coleta-se de 1 a 3mL
de liquor em 3 tubos sucessivos. Se o 3º tubo apresentar aspecto mais
límpido e claro do que o primeiro, estaremos diante de um acidente de
punção. Na HSA, os 3 tubos têm liquor com o mesmo aspecto. Este e
demais aspectos estão descritos na Tabela 10.

Tabela 9 - Escala de Fisher


Grupos Tomografia de crânio
1 Sangue não detectado
2 Presente em espessura <1mm
3 Presente em espessura ≥1mm
Presença de coágulo intraparenquimatoso ou intraventricu-
4
lar, com ou sem HSA

Tabela 10 - Diferenças entre o exame de liquor no acidente de punção e na


hemorragia subaracnoide
Parâmetros HSA Acidente de punção
Aspecto inicial Hemorrágico Hemorrágico
1º tubo hemorrágico, 3º tubo com conteúdo mais
Teste dos 3 tubos
3º tubo hemorrágico claro do que o primeiro
Hemácias degene-
Microscopia Hemácias íntegras
radas
Aspecto após cen-
Xantocrômico Límpido
trifugação
doenças cerebrovasculares 119

O padrão-ouro para a investigação do aneurisma é a realização da arte-


riografia cerebral, que, em alguns casos, pode servir como o tratamento

Diagnóstico intravascular do aneurisma. Quando o exame é negativo, recomenda-


-se repeti-lo em 4 semanas, podendo-se identificar o aneurisma previa-
mente oculto em cerca de 1% dos casos.
O exame padrão-ouro é
O tratamento deve ser realizado sempre em centro de terapia intensiva
a arteriografia cerebral,
e ser baseado em complicações como ressangramento, vasoespasmo,
que pode servir como
hidrocefalia e crises convulsivas.
tratamento intravascular
do aneurisma. A chance de ressangramento é maior no 1º dia, permanecendo o risco
caso o aneurisma não seja tratado. Se houver, o risco de morte será de
78%. O tratamento mais eficaz é realizado com clipagem cirúrgica ou
embolização, pelo que se deve optar a depender da localização, do for-
mato e do tamanho do aneurisma. Seu tratamento deve ser realizado
o mais rápido possível, a menos que o edema cerebral ou a gravidade
possam dificultar o procedimento cirúrgico. O uso de anti-hemorrágico,
como o ácido tranexâmico, tem sido associado a menor risco de ressan-
Dica gramento, sem alterar o prognóstico do paciente.
O vasoespasmo é o principal responsável pelo déficit isquêmico cere-
O vasoespasmo é
bral tardio e pela Isquemia Cerebral Tardia (ICT), condições que afetam
mais frequente en- o prognóstico. É mais frequente entre o 3º e o 14º dias pós-sangra-
tre o 3º e o 14º dias mento. O nimodipino, na dose de 60mg VO a cada 4 horas por 21 dias,
pós-sangramento. melhora o prognóstico e a ocorrência de ICT sem modificar, no entanto,
a de vasoespasmo, devendo ser utilizado em quem a hemodinâmica
permitir. Para o tratamento do vasoespasmo, podemos utilizar a tera-
pia dos 3 “Hs”, que inclui Hipertensão arterial farmacologicamente in-
duzida, Hipervolemia e Hemodiluição (nunca de forma profilática). Há
controvérsias recentes na indicação da terapia dos 3 “Hs”, devendo ser
utilizadas de maneira individualizada. Em casos refratários, pode ser

Tratamento
realizada angioplastia com balão ou injeção de vasodilatadores direta-
mente no vaso acometido. O acompanhamento deve ser realizado com
Doppler transcraniano e vigilância clínica.
No vasoespasmo, adota-
-se a terapia dos 3 “Hs”: A hidrocefalia pós-HSA é complicação bem documentada – que deve
Hipertensão arterial ser suspeitada em caso de rebaixamento da consciência ou piora neuro-
lógica dias a semanas após uma HSA tratada. Os produtos da degrada-
farmacologicamente
ção do sangue intraventricular obstruem as granulações de Pacchioni,
induzida, Hipervolemia e impedindo a drenagem do liquor produzido. Ela pode ser diagnosticada
Hemodiluição. por tomografia de crânio sem contraste e deve ser tratada cirurgica-
mente, com uma Derivação Ventricular Externa (DVE), mantendo-se o
paciente sob vigilância em ambiente de terapia intensiva. Após alguns
dias em uso da DVE, fecha-se a válvula, aguarda-se por 6 horas e re-
pete-se a tomografia. Caso a hidrocefalia aumente, o paciente é con-
siderado incapaz de reabsorver o liquor produzido, sendo indicada a
derivação ventriculoperitoneal (definitiva). Se o volume dos ventrícu-
los não aumentar, retira-se a DVE, pois há evidências de que o paciente
voltou a reabsorver o liquor.
As crises convulsivas são frequentes e podem aumentar o risco de res-
sangramento. Atualmente, anticonvulsivantes estão restritos aos que
apresentem crises epilépticas nos primeiros dias pós-HSA, pois o uso
prolongado dessas medicações além de 3 meses está associado a prog-
nóstico cognitivo pior.
120 sic neurologia

6. Trombose venosa cerebral Pergunta


A Trombose Venosa Cerebral (TVC) é uma doença cerebrovascular
pouco conhecida, com múltiplas manifestações clínicas e, muitas vezes, 2011 - UCPEL
subdiagnosticada, que se deve a trombose dos seios venosos cerebrais. 4. Quais são os mais importantes
A manifestação clínica mais comum é a cefaleia, difusa ou localizada, fatores prognósticos na hemor-
que pode ser acompanhada de déficits focais motores ou sensitivos, ragia subaracnoide secundária a
papiledema, diplopia, embaçamento visual, convulsões e alterações da ruptura de aneurisma?
consciência.
Os principais fatores de risco são a presença de doenças relacionadas a) nível de consciência e status
a hipercoagulabilidade (trombofilias, como as deficiências de antitrom- neurológico na admissão, idade
bina III, proteína C ou S; mutação do fator V de Leiden; mutação do gene (inversamente correlacionada),
da protrombina [20210GA]; síndrome antifosfolípide; hiper-homocis- quantidade de sangue na to-
teinemia por mutação da metiltetra-hidrofolato-redutase); condições mografia computadorizada do
relacionadas à saúde da mulher (gravidez, puerpério, uso de anticon- encéfalo inicial (inversamente
cepcional oral, síndrome da hiperestimulação ovariana), infecções correlacionada)
(otomastoidite, sinusite, meningite bacteriana, doenças infecciosas sis- b) hipertensão arterial, tabagismo,
têmicas), doenças inflamatórias (vasculites, doença inflamatória intes- etilismo
tinal, sarcoidose); doenças hematológicas e trauma/causas mecânicas. c) idade, gradação na escala de
Hunt-Hess, vasoespasmo cerebral
O diagnóstico da TVC pode ser suspeitado com a tomografia de crânio d) sítio anatômico do sangra-
contrastada, porém a RM com angiorressonância venosa é o método mento, nível de consciência e
diagnóstico de eleição, pois permite a visualização dos trombos veno- status neurológico na admissão,
sos. O método padrão-ouro ainda é a angiografia cerebral digital, só uso de drogas vasoconstritoras
solicitada na suspeita de falso negativo à ressonância, como na TVC só e) abuso de drogas (anfetaminas,
de veias corticais. cocaína e estimulantes), história
O tratamento deve ser realizado com anticoagulantes inicialmente sub- familiar positiva para sangra-
cutâneos ou venosos e, posteriormente, com inibidores de vitamina K mento cerebral, convulsão no ictus
por um período de cerca de 6 meses. Em caso de doenças de hiperco- Resposta no final do capítulo
agulabilidade, pode ser mantido por toda a vida ou apenas em perío-
dos gestacionais. O alvo de INR com varfarina deve ficar entre 2 e 3, e
a anticoagulação deve ser mantida por 3 a 6 meses durante tromboses
associadas a fatores de risco transitórios, por 6 a 12 meses para trom-
boses não provocadas por longo período ou por toda a vida em caso de
estados protrombóticos graves (como trombofilias).

Pergunta
2014 - UFSC
5. Uma paciente de 70 anos procura o ambulatório de Clínica Médica com história de perda súbita de visão no olho esquerdo, que
durou cerca de 1 hora, seguida de recuperação completa; esse episódio havia ocorrido há 2 semanas. Naquela ocasião, havia sido
avaliada na Emergência, onde realizou tomografia de crânio, que descartou alterações isquêmicas, e ECG, que evidenciava ritmo
sinusal. Foi encaminhada para realizar um Doppler das artérias carótidas, que evidenciou estenose da artéria carótida direita
de 40%. Assinale as medidas adequadas na prevenção de acidente vascular cerebral no caso:

a) iniciar AAS® + clopidogrel, manter PA <140x90mmHg e iniciar estatina


b) iniciar AAS®, manter PA <140x90mmHg e iniciar estatina
c) iniciar varfarina + clopidogrel, manter PA <140x90mmHg e iniciar estatina
d) iniciar AAS® + clopidogrel, manter PA <140x90mmHg e solicitar dosagem de níveis séricos de colesterol
e) controlar fatores de risco e encaminhar para endarterectomia de carótida
Resposta no final do capítulo
doenças cerebrovasculares 121

Resumo
Quadro-resumo
Introdução
- No Brasil, as doenças cerebrovasculares representam 1ª causa tanto de mortalidade quanto de morbidade;
- Podem ser divididas em:
· Assintomática;
· Disfunções cerebrais focais: AIT e AVCs;
· Demência vascular;
· Encefalopatia hipertensiva.

AVCI
- Sintomas típicos >24 horas e presença de lesão em exames de imagem;
- O AIT é secundário a doença vascular isquêmica, apresentando sintomas semelhantes, porém sem evidência de
lesão isquêmica nos exames de imagem;
- O AIT pode evoluir para AVCI;
- Há redução do fluxo sanguíneo e, consequentemente, isquemia com necrose e perda de tecido cerebral.

Etiologia
- Aterosclerose de grandes artérias:
· A principal artéria extracraniana acometida é a carótida interna;
· Na doença aterosclerótica de grandes vasos com estenose de lúmen de grandes vasos da artéria carótida interna
≥70%, indica-se endarterectomia como profilaxia secundária;
· Na doença aterosclerótica de grandes vasos intracranianos, está indicado o uso de dupla antiagregação por 3
meses.
- Oclusão de pequenas artérias (lacunar):
· Geralmente com infarto <15mm (lacunar);
· Profilaxia secundária: controle de fatores de risco cardiovascular, uso de antiplaquetário, anti-hipertensivos e
estatinas.
- Embolia cardíaca;
· Profilaxia secundária: uso de anticoagulantes (inibidores da vitamina K) e inibidores do fator Xa ou diretos de
trombina.
- AVCI de causa indeterminada.

Fatores de risco
- Não modificáveis: idade avançada, sexo masculino, raça negra, história familiar;
- Modificáveis: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, doença cardiovascular prévia, obesida-
de, tabagismo, ingestão abusiva de álcool e sedentarismo, anticoncepcionais orais.

Manifestações clínicas
De acordo com o território e a artéria acometidos

Avaliação e manejo inicial


- Devem-se monitorizar a pressão arterial e a cardíaca e oximetria de pulso contínua;
- Realizar a cateterização de 2 acessos calibrosos em veias periféricas e colher rotina laboratorial;
- Anamnese minuciosa;
- Avaliação neurológica rápida e eficiente por meio da escala NIHSS.

Diagnóstico por imagem


2 métodos de imagem úteis: a tomografia de crânio sem contraste e a RM de crânio
122 sic neurologia

Tratamento
- Trombólise intravenosa e intra-arterial:
· Método de escolha para tratamento específico (alteplase 0,9mg/kg – máximo 90mg), infundido 10% em bolus e o
restante em bomba de infusão em 1 hora;
· Para a trombólise, devem-se seguir os critérios de inclusão e exclusão.
- Antiplaquetários e estatinas:
· Ácido acetilsalicílico na fase aguda (<48 horas) demonstra diminuição do risco de recorrência precoce sem aumento
no risco de complicações hemorrágicas;
· Estatinas iniciadas precocemente diminuem em 16% o risco de recorrência sem modificar a mortalidade.
- Anticoagulação:
· Heparina não fracionada ou de baixo peso molecular não são recomendadas para uso na fase aguda do AVCI.
- Controle da pressão, da glicemia e da temperatura;
- Hemicraniectomia descompressiva:
· No tratamento dos AVCIs malignos da ACM.
- Profilaxia de trombose venosa profunda e lesão aguda da mucosa gástrica:
· Enoxaparina 40mg/d ou heparina não fracionada 5.000UI 2 a 3x/d é recomendada a pacientes com imobilidade,
devendo ser iniciada em até 48 horas do evento;
· O uso indiscriminado de inibidores da bomba de prótons ou de antagonistas H2 pode levar a aumento do risco de
pneumonia hospitalar. Assim, o uso profilático deve ser reservado àqueles com alto risco de sangramento digestivo.
Complicações neurológicas e conduta
- Edema cerebral:
· Complicação comum nos AVCIs extensos;
· Hemicraniectomia precoce (<48 horas);
· Tratamento clínico: monitorização invasiva de pressão intracraniana, cabeceira elevada a 30°, evitar hiponatremia,
evitar pCO2 entre 30 e 35, boa perfusão cerebral;
· Uso de manitol.
- Transformação hemorrágica:
· Evento frequente em até 30% dos AVCIs.
- Crises convulsivas:
· O estado de mal epiléptico é raro. Não há necessidade de profilaxia.
Hemorragia intraparenquimatosa espontânea
- Ruptura de vaso com extravasamento de sangue para o parênquima cerebral;
- Cerca de 20% de todos os AVCs.
Etiologias
- Primárias:
· Hipertensão arterial sistêmica (40 a 70%);
· Angiopatia amiloide (5 a 10%).
- Secundárias:
· Malformações vasculares (4 a 10%);
· Neoplasias intracranianas (2 a 10%);
· Coagulopatia, anticoagulantes (9 a 14%);
· Transformação isquêmico-hemorrágica;
· Trombose venosa cerebral;
· Vasculites;
· Uso de drogas ou medicações.
Manifestações clínicas
- Semelhantes às do AVCI, além de sinais de hipertensão intracraniana;
- O prognóstico é avaliado por meio do ICH.
Diagnóstico por imagem
Tomografia de crânio sem contraste ou RM de crânio
doenças cerebrovasculares 123

Conduta
- Não existe tratamento específico para o AVCH;
- Controle pressórico nas primeiras horas, com níveis abaixo de 140x90mmHg;
- Sangramento por uso de drogas anticoagulantes: reversão rápida com plasma fresco congelado e/ou complexos
pró-trombínicos;
- Prevenção de trombose venosa profunda;
- Tratamento cirúrgico reservado para hematomas cerebelares >3cm, com sinais de compressão do tronco encefálico
ou hidrocefalia.

HSA
- Ruptura de um aneurisma das artérias intracranianas;
- Patologia grave, com letalidade aproximada de 50%.

Manifestações clínicas
- Cefaleia súbita (espontânea ou ao esforço físico);
- Sinais de irritação meníngea;
- Possíveis sintomas compressivos, dependendo do tamanho do aneurisma.

Diagnóstico
- Tomografia de crânio sem contraste, visualizando sangue em cisternas cerebrais (escala tomográfica de Fisher);
- Em casos de pequeno volume de sangramento, punção lombar com estudo do liquor;
- Padrão-ouro para a investigação do aneurisma: arteriografia cerebral.

Tratamento
- Clipagem cirúrgica ou embolização do aneurisma;
- Uso de anti-hemorrágico (ácido tranexâmico) – associado a menor risco de ressangramento;
- Uso de nimodipino (60mg VO 4/4 horas, por 21 dias) – melhora do prognóstico e da ocorrência de ICT;
- Para vasoespasmo, terapia dos 3Hs: Hipertensão arterial induzida, Hipervolemia e Hemodiluição;
- Uso de anticonvulsivantes – restrito aos primeiros dias pós-HSA.

TVC
- Devida a trombose dos seios venosos cerebrais;
- Cefaleia, difusa ou localizada, associada a déficits focais;
- Fatores de risco: doenças relacionadas a hipercoagulabilidade, infecções parameníngeas, gravidez e anticoncepcio-
nais orais;
- Diagnóstico: tomografia de crânio contrastada, porém angiorressonância venosa como método diagnóstico de
eleição;
- Tratamento: anticoagulantes e inibidores da vitamina K.

Respostas
das questões do capítulo

1. B
2. E
3. B
4. A
5. B
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

6
O estado de consciência refere-se à capacidade de inte-
ração que o indivíduo tem com o meio e a percepção de si.
O nível de consciência indica o quão acordado ou alerta
o paciente está, depende da integridade da substância
reticular ativadora ascendente e pode variar em vigilân-
cia, sonolência, torpor e coma. A avaliação mais objetiva
da consciência é feita por meio da aplicação da escala de
coma de Glasgow, que avalia 3 parâmetros de resposta:
abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor res-
posta motora. Com relação a alterações da atenção, o
déficit global da atenção denomina-se delirium (estado
confusional agudo). Nesse caso, normalmente, não há
Coma e altera-
sinais neurológicos focais, com a possível presença de
movimentos involuntários, como tremores, mioclonias
ou asterix (flapping). Entre pacientes conscientes, a
ção do estado de
consciência
avaliação da resposta motora pode ser realizada com a
solicitação de comandos; entre inconscientes, ela deve
ser realizada por meio das respostas motoras reflexas,
avaliadas por meio de estímulos dolorosos aplicados na
face, no tronco e nos membros. Respostas importantes
possíveis são decorticação (adução e flexão dos bra-
ços), descerebração (extensão e pronação dos braços)
ou a ausência de estímulos. Padrão respiratório é outro
ponto a ser avaliado, podendo haver padrões como de
Cheyne-Stokes, hiperventilação neurogênica central,
respiração apnêustica, respiração atáxica etc. As anor-
malidades dos movimentos oculares entre indivíduos
comatosos podem indicar lesão estrutural. Os centros
do desvio conjugado horizontal dos olhos estão locali-
zados no lobo frontal (área 8 de Brodmann – síndrome
de Foville superior) e na ponte (formação reticular para-
mediana pontina – síndrome de Foville inferior). Pupilas
e reflexo fotomotor direto e consensual também fazem
parte da avaliação. A evolução de pacientes com alte-
ração do nível de consciência pode deteriorar-se para
uma situação de irreversibilidade e ausência de funções
encefálicas, o que caracteriza a morte encefálica, cujo
diagnóstico deve preencher critérios como diagnóstico
da doença ou situação que precipitou a condição clínica,
afastamento de situações que simulem morte encefá-
lica, ao exame neurológico Glasgow 3, pupilas médias
ou midriáticas, motricidade ocular negativa, resposta
motora inexistente, apneia oxigenada até paCO2 entre
55 e 60 e observação clínica mínima de 6 horas. Exames
confirmatórios da ausência de atividade cerebral e do
fluxo cerebral são obrigatórios.
coma e alteração do estado de consciência 125

1. Introdução
O estado de consciência se refere à capacidade de interação que o indi-
víduo tem com o meio e com a percepção de si. As alterações do estado
de consciência podem ser uma manifestação secundária a patologias
neurológicas (encefalites, hemorragias intracranianas) ou sistêmicas
(delirium, sepse grave) e podem ser classificadas conforme as altera-
ções do nível e do conteúdo de consciência.

A - Nível de consciência
O nível de consciência indica o quão acordado ou alerta o paciente está,
é dependente da integridade da substância reticular ativadora ascen-
dente (Figura 1) e pode variar desde a vigilância, que é o estado máximo
de nível de consciência, até o coma. Para que lesões afetem o nível de
consciência, é necessário que afetem o tronco encefálico, o diencéfalo
ou os hemisférios cerebrais bilaterais. É importante lembrar que as le-
sões restritas aos hemisférios cerebrais precisam ser extensas para
causarem coma, ao contrário daquelas restritas à formação reticular,
que podem ser pequenas.
Deve-se lembrar de que o metabolismo cerebral é elevado, com neces-
sidade alta de glicose e oxigênio. Assim, doenças que levam ao coma
precisam ser rapidamente resolvidas para evitar lesões extensas e de-
finitivas. A história clínica e o exame físico geral são de extrema impor-
tância e devem ser dirigidos para as alterações que possam dar pistas
quanto à causa da alteração do nível de consciência.

Figura 1 - Ativação da consciência por estruturas do tronco encefálico (formação re-


ticular), enviando impulsos ao tálamo e deste ao córtex, através do sistema ativador
reticular ascendente

B - Conteúdo de consciência
Consiste no somatório das funções nervosas superiores cognitivas do
indivíduo (atenção, memória e linguagem) e das emoções, tendo como
substrato anatômico o córtex cerebral. É importante ressaltar que a
avaliação do conteúdo da consciência é mais bem realizada quando o
nível de consciência se apresenta preservado.
126 sic neurologia

2. Avaliação clínica do paciente em coma


A - Nível de consciência
A avaliação do nível de consciência deve ser realizada por meio de estí-
mulos, que podem variar desde conversa até estímulo doloroso.

Tabela 1 - Classificação

Não há necessidade de estímulos externos para se manter


Vígil
acordado.

Mantém-se acordado apenas durante a realização de estí-


Sonolento
mulo sonoro ou tátil vigoroso.

Estímulos dolorosos são necessários para acordar o


Torporoso
paciente.

Comatoso Não acorda nem mesmo com estímulos dolorosos.

Há confusão entre os conceitos de cada examinador; nessa situa-

Tema
ção, é ideal a descrição pontual de cada avaliação para que os próxi-
mos examinadores possam traçar a progressão do coma, facilitando a
comparação. frequente de prova
A avaliação mais objetiva da consciência é feita por meio da aplicação
da escala de coma de Glasgow, que avalia 3 parâmetros de resposta:
Convém aprender a escala
abertura ocular, melhor resposta verbal e melhor resposta motora. de coma de Glasgow, pois
pode ser cobrada tanto
Tabela 2 - Escala de coma de Glasgow em provas teóricas como
em provas práticas de
Parâmetros Respostas observadas Escores concursos médicos.
Abertura espontânea 4

Estímulos verbais 3
Abertura ocular
Estímulos dolorosos 2

Ausente 1

Orientado 5

Confuso 4
Melhor resposta
Palavras inapropriadas 3
verbal
Sons ininteligíveis 2

Ausente 1

Obedece a comandos verbais. 6

Localiza estímulos. 5

Apresenta retirada inespecífica. 4


Melhor resposta Apresenta padrão flexor (decortica-
motora 3
ção).

Apresenta padrão extensor (descere-


2
bração).

Não há resposta. 1

Escore: 3 (coma) a 15 (consciência preservada).


coma e alteração do estado de consciência 127

Outra forma de avaliar a consciência é a escala de Jouvet (Tabela 3),


que, como vantagem em relação à escala de Glasgow, apresenta me-
lhor correlação anatômica (diferenciando alterações de perceptividade,
disfunção cortical, alteração de reatividade e disfunção da função da
formação reticular ativadora ascendente). Sua grande desvantagem,
porém, é ser de aplicação mais difícil, o que torna seu uso menos
frequente.

Tabela 3 - Escala de coma de Jouvet modificada


Perceptividade
Está lúcido e obedece a ordens complexas, até escritas. P1
Está desorientado (obnubilado) e não obedece a comandos escritos. P2
Obedece apenas a ordem verbal (estado de torpor). P3
Apresenta piscamento à ameaça (blinking). P4
Não apresenta resposta. P5
Reatividade inespecífica (reflexo cocleopalpebral)
Aos estímulos verbais, acorda e fica orientado. R1
Aos estímulos verbais, só acorda. R2
Não apresenta resposta. R3
Reatividade específica (à dor)
Acorda, retira, faz mímica, vocaliza. D1
Acorda, retira, não faz mímica, vocaliza. D2
Apresenta retirada inespecífica. D3
Apresenta padrão de decorticação. D4
Apresenta padrão de descerebração. D5
Não apresenta resposta. D6
Reatividade autonômica (à dor)
Taquicardia, taquipneia, midríase V1
Sem resposta V2
- P4-R2-D4 a D6-V1: estado vegetativo persistente;
- P5-R3-D6-V1: coma 3 pontos, não apneico;
- P5-R3-D6-V2: coma 3 pontos, apneico (nesse estado, suspeita-se de morte
encefálica).

A atenção é uma função nervosa superior que pode ser definida como
a capacidade de direcionar, preferencialmente, recursos de processa-
mento mental e canais de resposta a estímulos relevantes. Devem-
-se diferenciar esses casos de quadros específicos, como síndrome de
hemi-inatenção (ou heminegligência), caracterizada pela presença de
déficit atencional lateralizado.
A situação clínica em que há, agudamente, déficit global da atenção
denomina-se delirium (estado confusional agudo – diferente de de-
mência, em que há alteração crônica da atenção). Nesses casos, nor-
malmente, não há sinais neurológicos focais, com a possível presença
de tremores, mioclonias ou asterix (flapping). Na grande maioria das
vezes, tem origem metabólica e/ou infecciosa.
Algumas manifestações, consideradas cardinais dos quadros de deli-
rium, são:
128 sic neurologia

--Incapacidade de manter atenção, de instalação aguda;


--Alteração do ciclo sono–vigília;
--Incapacidade de manter coerência de pensamento;
--Incapacidade de executar uma série de movimentos com objetivo
Quadro clínico
definido. No delirium, há incapa-
cidade aguda de manter
Tabela 4 - Aplicação dos critérios do Confusion Assessment Method para o atenção, alteração do ciclo
diagnóstico de delirium sono–vigília, incoerência
Critérios Características de pensamento e inca-
pacidade de executar
Início agudo; existe evidência de alteração aguda do estado
1 movimentos com objetivo
mental em relação ao nível de base.
definido.
Déficit de atenção: tem dificuldade para focar a atenção,
2
característica que flutua durante a consulta médica.

3 Tem pensamento desorganizado.

- Alteração do nível de consciência: o paciente pode estar hi-


perativo (excessivamente sensível a estímulos do ambiente),
letárgico (sonolento, porém fácil de acordar) ou em estupor
(difícil de acordar);
- Achados associados:
4
· Desorientação temporal ou espacial;
· Alteração de memória;
· Alterações da percepção (alucinações);
· Agitação psicomotora ou retardo psicomotor;
· Alteração do ciclo sono–vigília.

Observação: o delirium é diagnosticado pela presença de critérios 1, 2 e 3


ou 1, 2 e 4.

O delirium (Tabela 4) é um diagnóstico frequente na prática clínica,


principalmente entre idosos, e pode manifestar-se de forma hipera-
tiva (agitação e alucinações) ou hipoativa (hipersonolência). As causas
mais frequentes são afecções metabólicas, tóxicas e infecciosas. A in-
vestigação é importante para diferenciá-lo de patologias primárias
neurológicas (encefalites, demência, afasias) e psiquiátricas (depres-
são, psicose).
O estado vegetativo persistente é definido como o estado crônico ou
subagudo; em geral, acima de 2 a 4 semanas de redução do nível de
consciência, em que o paciente pode até recuperar o ciclo sono–vigí-
lia e com aparente total ausência de cognição (Jennett e Plum). Mui-
tas vezes, o paciente segue com o olhar, mas sem comportamento
voluntário.

B - Resposta motora
Entre pacientes conscientes, a avaliação da resposta motora pode ser
realizada com a solicitação de comandos, sendo graduada a força mo-
tora em cada membro.
Entre pacientes inconscientes, deve ser realizada por meio das res-
postas motoras reflexas, que são avaliadas por meio de estímulos
dolorosos aplicados na face, no tronco e nos membros. A retirada e
a localização do estímulo doloroso devem ser pontuadas e descritas
como simétricas ou assimétricas. Três respostas motoras são particu-
larmente importantes:
coma e alteração do estado de consciência 129

a) Rigidez de decorticação
Após estímulo doloroso, o paciente apresenta adução e flexão dos bra-
Dica ços, com extensão das pernas. Ocorre em lesões acima do núcleo rubro
do mesencéfalo, geralmente tálamo e hemisfério cerebral.
Na decorticação (acima
do núcleo rubro), há
b) Rigidez de descerebração
adução e flexão dos Após estímulo doloroso, o paciente apresenta extensão e pronação dos
braços, enquanto na des- braços, com extensão das pernas. Ocorre em lesões do tronco cerebral,
cerebração há extensão e abaixo do núcleo rubro do mesencéfalo e acima dos núcleos vestibula-
pronação dos braços. res do bulbo (Figura 2).

c) Ausência de resposta ou flacidez sem reação


Após estímulo doloroso, o paciente não apresenta movimentação.
Ocorre em lesões abaixo dos núcleos vestibulares do bulbo.
É importante lembrar que, em lesões periféricas, como em casos gra-
ves da síndrome de Guillain-Barré, também pode haver ausência de
resposta com comprometimento de nervos cranianos e simular coma.
Mesmo que o paciente pareça não estar acordado, deve-se estimulá-
-lo a obedecer a ordens simples. A síndrome de encarceramento apre-
senta lesão da porção anterior da ponte, o que só compromete as fibras
motoras para os membros e a musculatura craniofacial. A movimen-
tação vertical dos olhos e o piscamento dependem de núcleos de ner-
vos cranianos localizados no mesencéfalo e, como a formação reticular
se encontra intacta, o paciente está consciente e pode mover os olhos
para cima ou para baixo e piscar. Muitos conseguem estabelecer códi-
gos para se comunicarem com o examinador.

Figura 3 - Posturas de (A) decorticação e (B) descerebração


Figura 2 - Métodos para obter
resposta dolorosa em paciente
inconsciente: o estímulo noci-
ceptivo pode ser obtido com
C - Padrão respiratório
(A) pressão mínima da rima
De modo resumido, a respiração de Cheyne-Stokes, a hiperventilação
orbitária superior; (B) no leito
ungueal dos dedos da mão, do e a apneia se alternam e estão presentes em lesões cerebrais bilate-
pé; (C) no esterno ou (D) na ar- rais, diencefálicas e do tronco cerebral superior ou em encefalopatia
ticulação temporomandibular metabólica.
130 sic neurologia

A hiperventilação neurogênica central prolongada se deve a acidose


metabólica, encefalopatia hepática, congestão pulmonar ou drogas
analgésicas; raras vezes, é causada por lesão no tronco cerebral supe-
rior (mesencéfalo inferior ou parte superior da ponte). Respiração com
pausas inspiratórias (apnêustica) existe em lesões pontinas, enquanto
respiração atáxica (Biot) indica lesão no bulbo e pode evoluir para ap-
neia. A perda da respiração automática e a preservação da voluntária
ocorrem em lesões do bulbo (“maldição de Ondina”).

Figura 4 - Padrões respiratórios no coma

D - Motricidade ocular extrínseca


As anormalidades dos movimentos oculares entre indivíduos coma-
tosos podem indicar lesão estrutural. Os centros do desvio conjugado
horizontal dos olhos estão localizados no lobo frontal (área 8 de Brod-
mann) e na ponte (formação reticular paramediana pontina) – Figura 5.

Figura 5 - Esquema do controle cortical sobre o olhar conjugado – área 8 de Brod-


mann (campo visual frontal) contralateral ao estímulo visual aguça o núcleo do VI
ipsilateral e este, o do III contralateral, para que o reto lateral ipsilateral e o reto
medial contralateral se contraiam simultaneamente
coma e alteração do estado de consciência 131

Uma lesão da área 8 de Brodmann no lobo frontal (síndrome de Fo-


ville superior) causa desvio conjugado dos olhos para o lado da lesão
e hemiparesia contralateral (pacientes olham para o lado oposto à he-
Dica miparesia). Em caso de crises convulsivas da mesma área, o desvio
conjugado do olhar se dá para o lado oposto à lesão devido ao hiper-
Na lesão de lobo frontal funcionamento desses neurônios.
(área 8 de Brodmann As lesões da ponte na formação reticular paramediana pontina
– síndrome de Foville (síndrome de Foville inferior) causam desvio conjugado dos olhos para
superior), o paciente o lado contralateral à lesão e hemiparesia contralateral (pacientes
olha para o lado oposto à olham para a hemiparesia).
hemiparesia, enquanto na Movimentos horizontais rápidos e intermitentes dos olhos sugerem
lesão pontina (formação atividade ictal subjacente.
reticular paramediana Os movimentos oculares extrínsecos do paciente comatoso podem ser
pontina – síndrome testados por meio do reflexo oculocefálico (manobra “dos olhos de bo-
de Foville inferior) o neca”) e do reflexo oculovestibular (infusão de água gelada nos condu-
paciente olha para a tos auditivos).
hemiparesia.
a) Resposta oculocefálica (“olhos de boneca”)/resposta
calórica (reflexo oculovestibular)
Estes testes não devem ser feitos em indivíduos com suspeita de le-
são na coluna cervical. Deve-se observar o movimento dos olhos en-
quanto se movimenta a cabeça passivamente (resposta oculocefálica).
Em pacientes comatosos, é esperado movimento conjugado dos olhos
em direção oposta ao movimento da cabeça (resposta normal). Uma
resposta ausente ou assimétrica em indivíduo inconsciente significa
disfunção do tronco cerebral. Resposta calórica: após visualização da
membrana timpânica intacta, água gelada (<1mL) deve ser usada para
irrigar o canal auditivo, que produz desvio conjugado lento dos olhos
em direção ao lado irrigado (resposta normal). Resposta ausente ou as-
simétrica indica disfunção no tronco cerebral.

Figura 6 - Reflexo oculocefálico e resposta ao calor/frio


132 sic neurologia

b) Fundo de olho e pupilas (motricidade ocular intrínseca)


A avaliação do fundo de olho pode fornecer informação com o papile-
dema, que ocorre em situações de hipertensão intracraniana. Hemor-
ragias vítreas ou sub-hialoides podem estar presentes em casos de
hemorragia meníngea.
A avaliação pupilar deve ser realizada com base na inspeção do seu ta-
manho e formato e com a realização dos reflexos fotomotor direto e
consensual. Devido à inervação autonômica das pupilas, as alterações
pupilares podem ocorrer em casos de lesões do sistema parassimpá-
tico ou simpático.

Tabela 5 - Padrões pupilares com as respectivas lesões

Lesões
Podem causar síndrome de Horner, que se caracteriza
hipotalâmicas
por pupilas reagentes bilateralmente e miose ipsilate-
e do tronco
ral à lesão.
encefálico

Produzem pupilas de tamanho médio e não reagentes


Lesões
à luz bilateralmente, conhecidas como pupilas medio-
mesencefálicas
fixas.

Causam pupilas extremamente mióticas (puntifor-


Lesões ponti- mes) bilateralmente, entretanto reativas à luz (pode
nas ser necessário o uso de lupa para observar essa res-
posta).

Não reativa à luz, associada a paralisia do nervo ocu-


Midríase
lomotor ipsilateral, indica compressão desse nervo
unilateral (ani-
por aneurisma da artéria comunicante posterior ou
socoria)
herniação transtentorial e risco iminente de vida.

Figura 7 - Herniação transtentorial


coma e alteração do estado de consciência 133

Figura 8 - Alterações na pupila de pacientes com lesões que causam coma em dife-
rentes níveis do cérebro

3. Conduta inicial e investigação etiológica


O tratamento específico sempre dependerá do diagnóstico etiológico
do coma. No entanto, a conduta inicial deve basear-se no ABC primário
e secundário, com avaliação de vias aéreas, respiração, hemodinâmica
e, após, avaliação neurológica mais detalhada.

Pergunta
A glicemia capilar deve ser medida no 1º momento do atendimento e,
em caso de hipoglicemia, a tiamina deve ser reposta o mais rápido pos-
sível, e posteriormente se faz a reposição de glicose, devido ao risco
de desencadeamento de encefalopatia de Wernicke em pacientes com
2012 - UERN déficit dessa substância. O uso de naloxona ou flumazenil deverá ser
1. Um homem é admitido em es- realizado em todas as vezes em que houver suspeita de intoxicação
tado de coma, sem história clínica por opioide ou benzodiazepínico, respectivamente. Em caso de sus-
bem definida. Qual das medidas a peita de trauma cranioencefálico ou politrauma, o colar cervical deve
seguir não é imperiosa? ser mantido.

a) sempre realizar tomografia de A investigação etiológica de paciente em coma é de extrema importân-


crânio ou ressonância magnética cia, pois podem ser patologias possivelmente tratáveis e o tempo per-
na 1ª hora dido pode interferir diretamente no seu prognóstico.
b) garantir vias aéreas pérvias e
boa ventilação, combatendo a hi- 4. Conduta
póxia e hipercapnia
c) verificação da glicemia Em todos os pacientes em coma nos quais não haja causa metabó-
d) coletar o máximo possível de lica conhecida (exemplo: hipoglicemia), deve ser realizada tomografia
informações sobre início do qua- de crânio ou ressonância magnética, para descartar causa estrutural,
dro e história do paciente, além de como hemorragia intracraniana ou tumor cerebral.
realizar um exame físico geral
Descartadas causa estrutural ou baixa glicemia capilar, devem ser re-
Resposta no final do capítulo
alizadas triagens metabólica, tóxica e infecciosa (sempre se baseando
134 sic neurologia

na história clínica), com realização de exames como toxicológico, hemo-


grama, eletrólitos, função renal, função hepática, gasometria, enzimas
cardíacas, eletrocardiograma, radiografia de tórax, estudo do liquor
cerebrospinal e eletroencefalograma. É recomendável o acompanha-
mento de neurologista na investigação e no tratamento de causas de
coma.

A - Sinais relacionados a etiologia/localização


a) Coma de origem metabólica (comprometimento difuso)
--Geralmente com instalação aguda;
--Pode ser precedido de estado confusional;
--Sem sinais de localização: ausência de sinais neurológicos focais ou
de lateralização no exame físico, ausência de alteração citológica do
liquor ou pupilas normais com reflexos preservados, exceto em into-
xicações por overdose de opioides ou envenenamento por organofos-
forados, em que as pupilas ficam puntiformes;
--Pode apresentar mioclonias ou asterix (etiologia hepática); Dica
--Algumas disfunções metabólicas podem modificar o hálito (coma hi-
poglicêmico, urêmico, hepático).
No coma metabólico, não
há sinais localizatórios,
Lembre-se: alcalose metabólica como causa de coma é incomum. pois o comprometimento
Deve-se ter atenção com: é difuso.
--Coma metabólico relacionado a acidose respiratória causada por in-
toxicação por sedativos e encefalopatia pulmonar. Encefalopatia
hepática, intoxicação por salicilatos e sepses são causas de coma me-
tabólico relacionadas a alcalose respiratória. A gasometria arterial
pode ajudar a estabelecer um diagnóstico etiológico;
--Indícios de lesão prévia localizada, com piora dos sinais.

b) Coma por lesões supratentoriais Dica


--Geralmente com instalação aguda ou subaguda; No coma supratento-
--Presença de lesões focais: hemiparesia/plegia proporcionada, desvio rial, há lesões focais,
conjugado dos olhos para o lado oposto à hemiplegia, afasia; decorticação ou desce-
--Podem ocorrer crises convulsivas; rebração, além do padrão
Cheyne-Stokes.
--Quando há hérnia do úncus temporal, ocorre paralisia do III par
homolateral;
--Alterações respiratórias padrão Cheyne-Stokes;
--Paciente pode apresentar atitude de decorticação ou descerebração.

c) Coma por lesões infratentoriais


--Geralmente com instalação aguda e precedido frequentemente de
tontura ou ataxia;
Dica
--Pode ser acompanhado de comprometimento motor nos 4 membros; No coma infratentorial,
--Paciente pode apresentar atitude de descerebração precoce; há comprometimento
motor dos 4 membros,
--Presença de comprometimento de nervos cranianos: estrabismo con-
vergente/sinal “dos olhos da boneca”/pupilas puntiformes/diplegia descerebração precoce e
facial; respiração atáxica.
--Alterações respiratórias: respiração atáxica.
coma e alteração do estado de consciência 135

B - Morte encefálica

Tema A evolução de pacientes com alteração do nível de consciência pode de-


teriorar para uma situação de irreversibilidade e ausência de funções
frequente de prova encefálicas, o que caracteriza a morte encefálica.
Os critérios clínicos para É de larga aceitação atual o conceito de que a confirmação da morte
o diagnóstico de morte encefálica deve basear-se em 4 princípios fundamentais:
encefálica podem estar --I: perfeito conhecimento da etiologia da causa do coma;
presentes nas questões de --II: irreversibilidade do estado de coma;
concursos médicos. --III: ausência de reflexos do tronco encefálico;
--IV: ausência de atividade cerebral cortical.
Os principais critérios para definição de morte encefálica estão na Ta-
bela 6.

Pergunta Tabela 6 - Critérios clínicos para o diagnóstico de morte encefálica

I - Diagnóstico da doença ou situação que precipitou a condição clínica.


2009 - HC-ICC II - Afastamento de situações que simulem morte encefálica.
2. Constitui(em) um achado in-
compatível com o diagnóstico de III - Exame neurológico:
morte cerebral: a) Consciência: escala de coma de Glasgow = 3 (exceto respostas medulares).
b) Pupilas: médias ou midriáticas (diâmetro = de 4 a 5mm e ausência do
reflexo fotomotor). Pupilas pequenas sugerem intoxicação.
a) a presença de reflexos tendino-
c) Motricidade ocular: manobras oculocefálica e oculovestibular negativas.
sos profundos
d) Resposta motora: sem resposta motora à estimulação dolorosa, podendo
b) a retirada plantar ocorrer respostas medulares.
c) os reflexos tônicos cervicais e) Reflexos: axiais da face, corneano, mandibular e faríngeo ausentes. Reflexo
d) a presença de convulsões cutâneo-plantar irrelevante.
e) nenhuma das anteriores f) Respiração: realizar obrigatoriamente apneia oxigenada para atingir o
Resposta no final do capítulo estímulo respiratório máximo (paCO2 = de 55 a 60mmHg) sem que ocorram
movimentos respiratórios espontâneos.

IV - Tempo mínimo de observação: 6 horas.

Tabela 7 - Situações que podem simular ou dificultar o diagnóstico de morte


encefálica

I - Intoxicações exógenas: principalmente barbitúricos (em doses acima de


10mg/dL) e bloqueadores neuromusculares. Na dúvida, realiza-se dosa-
gem laboratorial.

II - Hipotermia: a temperatura do paciente deverá estar acima de 35°C.

III - Choque: a pressão arterial sistólica deverá ser ≥95mmHg.

IV - Encefalite de tronco: reflexos do tronco estão ausentes, mas existe


atividade cortical.

V - Traumatismo facial múltiplo: dificulta o exame neurológico.

VI - Síndrome “do cativeiro” (locked-in): quadriplegia (dano bilateral dos


tratos corticospinais na parte ventral da ponte). Consciência preservada
(formação reticular ativadora ascendente não está lesada). Movimentos
oculares verticais e piscamento intactos (vias oculomotoras intactas).
Pode se comunicar com meio exterior por meio de piscamento. Localiza-
ção da lesão: infarto na base da ponte (fibras motoras descendentes para
o corpo e face).
136 sic neurologia

VII - Mutismo acinético (coma vígil): imobilidade silenciosa com olhar


vivo. Ciclo sono–vigília preservado com evidência de atividade mental
Pergunta
“ausente”. A localização da lesão inclui: região frontal-basal medial bilate-
ral, lesões talâmicas bilaterais, lesões periaquedutais (tronco cerebral). 2011 - UFPR
VIII - Catatonia: sintomas complexos associados a distúrbios psiquiátri- 3. Com relação ao diagnóstico de
cos graves. Adinamia, desinteresse em atitudes plásticas e motoras. O morte encefálica de pacientes
paciente fica como que “recluso ao mundo doentio”. Completo descaso adultos, conforme a resolução do
pelo conforto e bem-estar. Pode ser vista em doenças cerebrais orgânicas, CFM nº 1.480/97, é correto afir-
como encefalites, psicoses induzidas por drogas ou tóxicos. mar que:
IX - Reação conversiva: muito rara. Reflexos oculocefálicos podem ou não
estar presentes. A presença de nistagmo nas provas calóricas indica se o a) o teste de apneia é considerado
paciente está fisiologicamente acordado. Eletroencefalograma confirma positivo quando ocorre elevação
atividade normal. do PCO2 20mmHg acima do basal
b) devem ser realizados 2 exames
X - Alterações pupilares prévias: utilização de drogas locais ou sistêmicas, clínicos, com intervalo mínimo de
cirurgia ou traumatismo.
12 horas entre eles
XI - Distúrbio metabólico grave. c) podem ser realizados os se-
guintes exames complementares:
XII - Crianças menores de 4 anos: resistem mais aos traumatismos encefá-
arteriografia digital, Doppler
licos. O período de observação deverá ser maior.
transcraniano, eletroencefa-
XIII - Vítimas de assassinato: maiores problemas médico-legais para decla- lograma e potencial evocado
rar a morte encefálica. somatossensitivo
d) entre os pré-requisitos para
Tabela 8 - Exames subsidiários (valor apenas confirmatório)
o início do protocolo, devem ser
respeitadas ausência de distúrbio
Demonstram falta de atividade encefálica hidroeletrolítico e temperatura
corpórea >36°C
Eletroencefalograma, potencial evocado, dosagem de neuro-hormônios
e) os exames complementares de-
Demonstram ausência de fluxo vascular encefálico vem demonstrar 1 dos seguintes
achados: ausência de atividade
- Angiografia encefálica, por cateterismo, de ambas as artérias carótidas e
elétrica cerebral, ausência de
vertebrais;
atividade metabólica cerebral ou
- Angiografia com isótopo radioativo, tomografia computadorizada por emis- ausência de perfusão sanguínea
são de fóton único, Doppler transcraniano. cerebral
Resposta no final do capítulo

Tabela 9 - Diagnóstico topográfico do coma

Diencéfalo Mesencéfalo Ponte Bulbo


Taquipneia
Respira- Cheyne- (hiperventilação Apnêus-
Ataxia
ção -Stokes neurogênica tica
central)

Médias Midríase Midríase para-


Midríase
Pupilas pouco punti- lítica
arreativa
reativas forme bilateral

Oculoce-
Presente Ausente Ausente Ausente
fálico
Corne-
Presente Presente Ausente Ausente
ano
Res-
Decortica-
posta a Descerebração -- --
ção
dor
coma e alteração do estado de consciência 137

5. Coma induzido/sedação
A sedação pode se dar em amplo espectro de condições, desde o estado
vígil, orientado e tranquilo a hipnose, depressão do comando neural da
ventilação, redução do metabolismo (AMIB, 1999) e estabelecimento
do estado de calma.

- Indicações
--Controle da ansiedade e da agitação;
--Intubação orotraqueal;
--Adaptação a aparelhos e procedimentos médicos;
--Evitar a retirada inadequada de cateteres e outros dispositivos;
--Evitar aumento do consumo de O2;
--Fornecer conforto e segurança ao paciente;
--Estresse pode levar a alterações fisiológicas, como aumento do tô-
nus simpático e do catabolismo, liberação de glucagon, cortisol e ou-
tros hormônios levando a isquemia, alterações hidroeletrolíticas e
imunossupressão.

Figura 9 - Avaliação da sedação-agitação (níveis)

Tabela 10 - Escala de sedação de Ramsay

Escala de sedação de Ramsay (mais popular e objetiva)


Acordado
1 Ansioso e/ou agitado

2 Cooperativo, orientado e tranquilo

3 Obediência a comandos
138 sic neurologia

Dormindo
4 Tranquilo, pronta resposta à percussão glabelar ou estímulo sonoro

5 Resposta lentificada à percussão glabelar ou estímulo sonoro

6 Sem resposta

Observação: com pacientes sob ventilação mecânica, geralmente utilizam-


-se valores entre 3 e 4.

Resumo
Quadro-resumo
- Após o atendimento inicial e a avaliação neurológica, o médico que assiste o paciente com alteração de estado de
consciência deve estar apto a reconhecer as situações de lesão difusa ou multifocal do sistema nervoso central e a
presença de encefalopatias focais, quer por lesões supratentoriais, quer por lesões infratentoriais;

- A avaliação inicial deve conter:


· Nível de consciência;
· Pupilas e fundo de olho;
· Motricidade ocular extrínseca;
· Padrão respiratório;
· Padrão motor;
· Na maioria das vezes, os pacientes apresentam encefalopatia difusa ou multifocal, mas, em algumas situações,
podem ser necessários exame de imagem do encéfalo e avaliação por neurologista;
· Lesões supratentoriais, embora possam comprometer o nível e o conteúdo de consciência, excepcionalmente
levam ao coma. Exceções a essa regra são pacientes com lesões extensas com caráter hipertensivo e que geram
herniações.
coma e alteração do estado de consciência 139

Estados que mimetizam o diagnóstico de morte encefálica


I - Intoxicações exógenas.

II - Hipotermia.

III - Choque.

IV - Encefalite de tronco.

V - Traumatismo facial múltiplo.

VI - Síndrome “do cativeiro” (locked-in).

VII - Mutismo acinético (coma vígil).

VIII - Catatonia.

IX - Reação conversiva.

X - Alterações pupilares prévias.

XI - Distúrbio metabólico grave.

XII - Crianças menores de 4 anos: resistem mais aos traumatismos encefálicos.

XIII - Vítimas de assassinato.

Respostas
das questões do capítulo

1. A
2. D
3. E
Mônica Ayres de Araújo Scattolin
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini

7
A epilepsia é um distúrbio cortical cerebral causado
pela predisposição persistente do cérebro a gerar
crises epilépticas e pelas consequências neurobioló-
gicas, cognitivas, psicossociais e sociais da condição.
O paciente apresenta, durante a vida, diversas crises
epilépticas, além de anormalidade da atividade neu-
ronal, caracterizada por alteração súbita e transitória
de comportamento e/ou motricidade e/ou sensibili-
dade e/ou do sistema nervoso autonômico, com ou sem
comprometimento da consciência. Além disso, apresen-
tam-se picos de incidência no 1º ano de vida, voltando a

Epilepsia
aumentar após os 60 anos. O paciente pode apresen-
tar crises desencadeadas por período de pródromos,
fatores precipitantes (luminosos), aura (localiza foco
epiléptico) e fenômenos pós-ictais (confusão, liberação
esfincteriana etc.). As crises podem ser classificadas em
focais (parciais), quando afetam apenas parte de um
dos hemisférios cerebrais, e, dentro destas, em simples
ou complexas (sem e com comprometimento do nível
de consciência, respectivamente), ou generalizadas,
quando ocorre o acometimento de ambos os hemisfé-
rios simultaneamente. As crises generalizadas podem,
ainda, ser subdivididas em tônicas (corpo rígido), clôni-
cas (contrações ritmadas), tônico-clônicas, mioclônicas
(contrações não ritmadas), atônicas ou ausência (perda
de contato com o meio). O eletroencefalograma cola-
bora na definição da epilepsia, na localização da zona
epileptogênica e na monitorização do tratamento. A
ressonância magnética é mais sensível do que a tomo-
grafia de crânio para identificar lesões estruturais
relacionadas à epilepsia, estando indicada em casos de
crises focais. A tomografia, no entanto, é apropriada
para as situações de emergência e é capaz de diagnos-
ticar a lesão associada às crises epilépticas em cerca
de 30% dos casos. O diagnóstico diferencial é feito com
crises de hiperventilação, migrânea, ataque de pânico,
crises psicogênicas, síncopes, entre outras causas. A
convulsão febril acontece na infância, geralmente entre
3 meses e 5 anos, associada a febre, na ausência de
infecção intracraniana ou de outra causa neurológica
definida, exceto nas crianças que tenham tido convul-
sões afebris. Podem ser simples/benignas (única crise
tônico-clônica generalizada, em geral de aproxima-
damente 5 minutos) ou complexa/complicada (crises
focais e/ou com duração maior do que 15 minutos e/ou
se recorrência em menos de 24 horas e/ou com manifes-
tações neurológicas pós-ictais).
epilepsia 141

1. Introdução
A epilepsia é o mais comum dos distúrbios neurológicos crônicos gra-
ves. Sua incidência anual varia de 30 a 50 novos casos em cada 100.000
indivíduos (0,03 a 0,05%), sendo maior no 1º ano de vida e voltando a
aumentar após os 60 anos. Embora, na epidemiologia das doenças neu-
rológicas, o acidente vascular cerebral apresente maior incidência, sua
prevalência é semelhante à da epilepsia porque esta apresenta menor
mortalidade.
A maior incidência de epilepsia em países com recursos limitados é de-
corrente das assistências pré-natal e materna deficientes, dos altos
índices de prematuridade, de tocotraumas, de desnutrição e de infec-
ções, particularmente as advindas de parasitoses.
A prevalência da epilepsia ativa, que inclui apenas casos com crises nos
últimos 5 anos, está estimada em 5 a 9 em cada 1.000 pessoas (0,5 a
0,9%). A probabilidade geral de ser afetado pelo distúrbio ao longo da
vida é de cerca de 3%.

2. Definição
A epilepsia é um distúrbio cerebral causado pela predisposição per-
sistente do cérebro a gerar crises epilépticas e pelas consequências
neurobiológicas, cognitivas, psicossociais e sociais da condição – a Ta-
bela 1 descreve os elementos necessários para a definição conceitual.
Uma crise epiléptica deve ser cuidadosamente avaliada, pois nem to-
das podem representar epilepsia. Nesta, a pessoa apresenta crises
recorrentes devidas a um processo subjacente crônico. Dessa forma,
alguém que apresente crises isoladas ou recorrentes secundárias a
circunstâncias corrigíveis ou evitáveis não tem propriamente epilep-
sia (Tabela 1).

Tabela 1 - Definição de crise epiléptica e epilepsia

Anormalidade da atividade neuronal, caracterizada por


Crise
alteração súbita e transitória de comportamento e/ou
epilép-
motricidade e/ou sensibilidade e/ou do sistema nervoso auto-
tica
nômico, com ou sem comprometimento da consciência

Distúrbio neurológico caracterizado pela predisposição


Epilep- persistente do cérebro a gerar crises epilépticas e pelas con-
sia sequências neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e sociais
da condição

O termo “convulsão” vem sendo abandonado, pois, além de designar


apenas as crises marcadas por atividade motora involuntária, é em-

Dica pregado para eventos não epilépticos. Convulsões Não Epilépticas Psi-
cogênicas (CNEPs) são eventos com abalos motores em que não há
alteração de atividade elétrica cerebral concomitante.
Para ser considerada epilep-
sia, há necessidade de predis- Como a epilepsia não é uma entidade nosológica única, mas resultado
posição persistente do cérebro de várias condições diferentes que ocasionam disfunção cerebral, al-
guns preferem o uso do termo no plural, porém a Comission on Classifi-
a novas crises.
cation Terminology da International League Against Epilepsy preconiza
o singular, embora reconheça a diversidade.
142 sic neurologia

Tabela 2 - Elementos necessários para definição

Importante
A crise não necessita ser “não provocada”, desde que
História de
exista predisposição persistente do cérebro a gerar crises
pelo menos
epilépticas. Crises múltiplas que ocorrem em período de
1 crise
24 horas são consideradas evento único. O estado de mal epiléptico é
Predis- É a parte mais importante do conceito. Assim, a ocor- uma emergência neurológica
posição rência de apenas 1 crise, desde que exista probabilidade que se caracteriza pela pre-
persistente aumentada de recorrência, é suficiente para o diagnós- sença de uma crise duradoura,
do cérebro tico. que não mostra sinais clínicos
Alterações neurobiológicas, cognitivas, psicológicas e de interrupção após o tempo
Condições
associadas
sociais podem estar presentes em algumas pessoas com habitual de duração da maioria
epilepsia. das crises, ou ainda a ocor-
Para o diagnóstico preciso das crises, a anamnese é essencial. Os prin- rência de crises recorrentes
cipais pontos a serem investigados e descritos são: sem que a função do sistema
nervoso central retorne ao
A - Presença de pródromos período interictal. A definição
operacional é a de uma crise
Antecedem em dias ou horas a crise e não ocorrem em todos os pa-
epiléptica com duração
cientes. As crianças podem procurar a mãe com reações como medo,
indisposição ou cefaleia. maior ou igual a 5 minutos ou
repetidas crises de duração
B - Fatores precipitantes menor, porém sem recuperação
da consciência entre elas.
As crises podem ser espontâneas ou precipitadas por estímulos senso- Alguns autores vêm adotando
riais, emocionais, tóxicos, metabólicos ou suspensão ou troca de me- períodos de tempo menores
dicação. A precipitação sensorial ocorre na chamada epilepsia reflexa,
como critério de diagnóstico
mais comumente em resposta a um estímulo luminoso intermitente.
Também devem ser investigadas situações como febre ou doença para o estado de mal epiléptico,
sistêmica. considerando que a maioria
das crises que cedem esponta-
C - Aura neamente o faz nos primeiros 5
a 10 minutos de seu início.
Trata-se de sintoma subjetivo sem sinais objetivos que possam ser
observados por um terceiro, mas que são percebidos pelo paciente. É
descrita em 50 a 60% e pode ser dividida em somatossensorial, visual,
auditiva, olfatória, gustatória, abdominal, autonômica e psíquica.
Trata-se de elemento diagnóstico valioso, pois ajuda a indicar a prová-
vel área de origem cerebral da manifestação, correspondendo a uma
crise focal. Tem, portanto, valor localizatório e indica o início das crises.
As auras autonômicas são frequentes na epilepsia do lobo temporal,
Dica
em geral, resultado da ativação da ínsula. O estado de mal epiléptico
caracteriza-se por crise com
D - Frequência das crises duração igual ou superior a 5
a) Duração minutos, ou repetidas crises
sem recuperação da consciência
Crises generalizadas ou focais de longa duração podem evoluir para entre elas (também de forma
estado de mal epiléptico. recorrente por 30 minutos).

b) Componentes da crise
Deve ser descrita a semiologia da crise, desde o início até o término.
Nas epilepsias focais motoras, por exemplo, é importante registrar em
que membro se iniciam os movimentos, a sequência das contrações
(tônicas e/ou clônicas), se existe a propagação para outras partes do
epilepsia 143

corpo e a presença ou não de modificação da consciência, incontinên-


cia, desvio do olhar, cabeça ou rima.
Quando os movimentos motores anormais se iniciam em uma região
mais restrita e progridem gradualmente para uma porção maior do
membro, está definida a marcha jacksoniana, em que a contração mus-
cular rítmica sequencial das diversas partes do corpo segue a organi-
zação somatotrópica do homúnculo motor.
As crises de riso desmotivado e inapropriado são chamadas gelásticas
e constituem fenômeno complexo classicamente associado aos hamar-
tomas hipotalâmicos, mas que podem também ser verificadas em epi-
lepsias dos lobos frontal ou temporal.

E - Fenômenos pós-ictais
São manifestações diversas que ocorrem após a crise, incluindo con-

Dica fusão pós-ictal, cefaleia, vômitos, dores generalizadas e paralisias.


Quando um paciente apresenta paresia localizada na região envolvida
após a crise, esse fenômeno é chamado paralisia de Todd.
Na paralisia de Todd, a
O exame neurológico é normal em muitos dos pacientes com epilepsia.
paresia localiza-se na
Achados em geral apontam para uma condição patológica cerebral ou
região da crise, após o anormalidades cutâneas, como na neurofibromatose ou na esclerose
fim desta. tuberosa.

3. Classificação
As crises epilépticas podem originar-se em uma área do cérebro (cri-
ses focais) ou de todo o encéfalo desde o início (crises generalizadas).
Dentre as focais, a subdivisão em com comprometimento do nível ou
do conteúdo da consciência (discognitiva), sem comprometimento do
nível da consciência e crise focal evoluindo para crise convulsiva bilate-
ral é a utilizada atualmente (Tabela 3). Algumas provas ainda utilizam a
terminologia “focais simples” para as crises sem comprometimento da
consciência, e complexas para as discognitivas.

Tabela 3 - Classificação quanto à fenomenologia


Descargas neuronais anormais limitadas a
Focal sem comprome-
uma região específica do cérebro, em 1 hemis-
timento da consciência
fério, sem alteração do nível de consciência
Focal com compro-
Descargas neuronais anormais limitadas a
metimento do nível e
uma região específica do cérebro, em 1 hemis-
conteúdo da consciên-
fério, com alteração do nível de consciência
cia (discognitiva)
Descargas neuronais anormais difusas, aco-
Generalizada metendo ambos os hemisférios cerebrais,
com comprometimento da consciência

As crises focais originam-se de um foco epiléptico e podem propagar-


-se para outras regiões dentro do mesmo hemisfério cerebral ou para o
outro hemisfério cerebral, ou até se propagar para estruturas profun-
das do cérebro (Figura 1).
As manifestações dependem da área onde se originam. As crises focais
motoras, nas quais uma parte do corpo pode contrair-se ou apresentar
abalos musculares rítmicos, têm origem no córtex motor, no lobo fron-
tal. Crises no lobo occipital podem produzir fenômenos visuais.
144 sic neurologia

A Epilepsia do Lobo Temporal Mesial (ELTM) é um tipo de epilepsia fo-


cal que apresenta grande relevância clínica em razão de alta incidên-
cia e gravidade. Esse tipo de epilepsia é a forma mais prevalente de
epilepsia em adolescentes e adultos. As crises iniciam-se em uma re-
gião profunda do lobo temporal (amígdala, hipocampo ou córtex cere-
bral). A esclerose hipocampal é frequentemente associada ao quadro
de ELTM e caracterizada por extensa perda celular nos subcampos CA1,
CA3 e hilo da formação hipocampal, gliose e dispersão de células gra-
nulares no giro denteado. Pacientes com ELTM apresentam crises fo-
cais simples ou complexas que se originam em estruturas mesiais do
lobo temporal, geralmente precedidas por auras que correspondem a
fenômenos olfativos, sensações viscerais (ínsula), gustativas e psíqui-
cas. Estes últimos podem incluir déjà-vu, jamais-vu (hipocampo), medo
súbito (amígdala) ou alucinações. A ressonância magnética tem pa-
pel importante no diagnóstico, pois demonstra a presença de atrofia
acompanhada de gliose em um dos hipocampos, achado este denomi-
nado de esclerose temporal mesial (Figura 6).
O tratamento inicial dessas crises é farmacológico, utilizando-se car-
bamazepina, fenitoína e oxcarbazepina. Em caso da persistência das
crises, apesar de uso correto de 1 ou mais medicamentos (epilepsia de
difícil controle), o paciente deve ser triado para a possibilidade de tra-
tamento cirúrgico.

Figura 1 - Padrões em crises focais representando um foco epiléptico e propagação


para outras regiões dentro do mesmo hemisfério (seta 1) ou para o outro hemisfério
cerebral (seta 2) ou, ainda, para estruturas profundas do cérebro (seta 3)

Quando uma crise focal atinge estruturas cerebrais profundas, espe-


cificamente o tálamo, a crise pode propagar-se para os 2 hemisférios
cerebrais, passando a ser chamada de secundariamente generalizada
(Figura 2).

Figura 2 - Crise secundariamente generalizada provinda de crise focal para estrutu-


ras cerebrais profundas, especificamente o tálamo (seta 4)
epilepsia 145

As crises generalizadas iniciam-se provavelmente a partir de estrutu-


ras profundas do cérebro e atingem os 2 hemisférios cerebrais imedia-
tamente, sem aura (Figura 3).
As crises generalizadas com fenômenos motores são classificadas em
tônicas, quando o corpo fica rígido; clônicas, quando há contrações rit-
madas seguidas de relaxamento em rápida sucessão; tônico-clônicas,
caso ambas estejam presentes; e mioclônicas, caso haja contrações não
ritmadas e erráticas de 1 ou de alguns grupos de músculos definidos.
Figura 3 - Crise primariamente generali-
As mioclonias são contrações musculares muito breves, semelhantes a
zada iniciada a partir de estruturas pro- choques.
fundas do cérebro
Caso não haja fenômenos motores, como os descritos, as crises são de-
nominadas atônicas (perda do tônus muscular, sem rigidez do corpo) ou
de ausência (perda do contato com o meio).

As crises de ausência são mais comuns em crianças e podem ocorrer


até centenas de vezes em um único dia e ser precipitadas pela hiperp-
neia. Na criança, caracterizam-se por parada comportamental, altera-
ção de consciência, abertura ocular, olhar fixo ou desviado para cima,
Dica com elevação da frequência respiratória e mioclonias sutis dos olhos,
das pálpebras e do segmento cefálico, com ou sem automatismos sim-
As crises epilépticas generali- ples. A generalização secundária é possível.
zadas podem ser tônicas (corpo
rígido), clônicas (contrações
ritmadas), tônico-clônicas,
mioclônicas (contrações não
ritmadas), atônicas ou de au-
sência (perda de contato com
o meio).

Figura 4 - Classificação das crises epilépticas


146 sic neurologia

- Etiologia
A epilepsia pode ter origem em praticamente todas as doenças e dis-
túrbios graves, como anomalias congênitas, infecções, tumores, doen-
ças vasculares, doenças degenerativas ou de lesões estruturais. As
causas podem ser estruturais, genéticas, metabólicas ou desconhe-
cidas. A Tabela 4 traz um resumo das possíveis etiologias, segundo a
idade de apresentação.

Tabela 4 - Principais causas reconhecíveis de crises por idade


- Injúria neonatal;
- Infecção;
0 a 2 anos
- Metabólicas;
- Congênitas.
- Idiopática;
- Infecção;
2 a 10 anos
- Trauma;
- Malformação arteriovenosa.
- Idiopática;
- Trauma;
Adolescentes
- Drogas;
- Malformação arteriovenosa.
- Trauma;
Adultos jovens (18
- Alcoolismo;
a 35 anos)
- Tumores.
- Trauma;
Tema
frequente de prova
- Acidente vascular cerebral;
Adultos (>35 anos) - Doença metabólica; Convém atentar-se às
- Alcoolismo;
diferentes síndromes
epilépticas da infância,
- Tumores.
pois podem estar
presentes em provas de
Nas crianças e às vezes no adulto, a epilepsia pode ser parte de uma
concursos médicos.
síndrome com tipos específicos de crises, padrões eletroencefalográ-
ficos próprios e anormalidades neurológicas associadas. A Tabela 5
apresenta exemplos de síndromes epilépticas.

Tabela 5 - Síndromes epiléticas mais comuns na infância e adolescência e suas características

Idade de início Tipos de crise Características


Espasmos (crises tônicas súbi-
Predomínio ao despertar. A
tas, breves, que acometem a
tríade compreende espasmos,
Especialmente musculatura axial e apendicular
hipsarritmia (padrão eletroen-
Síndrome de West entre 3 e 12 em adução ou abdução).
cefalográfico característico) e
meses Apresentam-se de 1 a dezenas
atraso ou involução do desen-
de salvas ao dia, com até 100
volvimento.
contrações tônicas cada.

Tem-se encefalopatia epilép-


Entre 1 e 7 anos, Crises tônica, atônica e de
Síndrome de Lennox- tica que cursa com atraso ou
com pico entre 3 ausência atípica. As tônicas são
-Gastaut involução do desenvolvimento
e 5 anos as que melhor a caracterizam.
e crises refratárias.
epilepsia 147

Idade de início Tipos de crise Características


Acontecem crises focais simples
com parestesias e clonias faciais
Entre 1 e 14 anos, Há predomínio no sexo mas-
unilaterais especialmente no
Epilepsia rolândica ou com pico entre 8 culino (1,5:1) e crises mais
lábio, na língua e na região
epilepsia benigna da e 9 anos, e preva- frequentes durante o sono,
perioral, podendo acometer o
infância com pontas lência de 15% na com remissão espontânea
segmento cefálico e o membro
centrotemporais faixa etária de 1 a quase sempre após 2 a 4 anos
superior e raramente o inferior.
15 anos do início.
Manifestações orofaríngeas,
sialorreia e dificuldade de fala.

Há crises de ausência típica,


com início e fim abruptos, inter- O predomínio dá-se no sexo
Entre 2 e 10 anos,
Epilepsia de ausência rupção e retomada habitual da feminino (2/3 dos casos) e, em
com pico entre 5
da infância atividade, duração de 4 a 20 geral, remissão antes dos 12
e 6 anos
segundos e frequência de deze- anos.
nas a centenas ao dia.

Contrações súbitas, rápidas,


semelhantes a um choque,
que podem estar localizadas
Idade de início dependente do em algum músculo de uma
tipo de crise que se manifesta ou mais extremidades são as
primeiramente; crises de ausên- características desse tipo de
Epilepsia mioclônica
Início habitual cia manifestam-se entre 5 e crise. Predomínio no início da
juvenil ou síndrome
entre 12 e 18 anos 16 anos, e mioclonias, de 1 a 9 manhã. A presença de mio-
de Janz
anos após o início das crises de clonias é condição necessária
ausência juntamente a crises para o diagnóstico. Não há
tônico-clônicas generalizadas. evolução com remissão, mas
boa resposta a medicações
como ácido valproico, lamotri-
gina e benzodiazepínicos.

Tabela 6 - Principais crises epilépticas e manifestações clínicas

Tipos de crise Características principais


- “Pequeno mal”: início entre 3 e 11 anos;

- Ocorrência várias vezes ao dia;

- Perda de consciência de início e término abruptos;

Crise de ausência - Alguns fatores que podem desencadear as crises


simples típica de ausência, como surpresa, medo, raiva, tristeza,
mágoa, constrangimento, fotoestimulação e pela
hiperventilação voluntária;

- Olhar vago (desvio para cima), automatismos


motores orais, palpebrais ou vegetativos, sem res-
ponder às solicitações e sem reagir aos estímulos.

- Sem perda de consciência;

- Breves abalos musculares abruptos rápidos e re-


petitivos (mioclonias), podendo afetar a muscula-
tura facial, o tronco ou uma extremidade (deixan-
Crises mioclônicas
do cair objetos da mão);

- Frequentemente precipitadas por privação do


sono, despertar ou adormecer, uso de álcool,
tensão emocional e estímulos luminosos.
148 sic neurologia

Tipos de crise Características principais


- Simples (sem perda de consciência);

- Foco localizado, indicando presença de lesão


estrutural;

- Sintomas motores, sensitivos, autonômicos e


psíquicos;

- Alucinações auditivas, olfatórias, ou visuais po-


Epilepsia focal dem estar presentes, podendo ser precedidas de
“aura”;

- Distúrbios motores (tônico-clônicos) – crise


Bravais-Jacksoniana, crises convulsivas limitadas
a um grupo de músculos (face, braço, perna);

- Presença de paralisia de Todd (fraqueza transi-


tória).

- Comum em crianças de 1 a 7 anos;

- Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e


Síndrome de Len- diferentes tipos de crises epilépticas;
nox-Gastaut - Crises tônicas, atônicas e ausências atípicas;

- Geralmente, história pregressa de síndrome de


West.

- “Grande mal”: uma série de componentes que se


apresentam seguindo uma ordem;

- Perda brusca da consciência seguida de um rela-


Crise tônico-clônica
generalizada
xamento com contrações tônico-clônicas generali-
zadas, rítmicas e de grande amplitude; Pergunta
- Possivelmente, trismo da musculatura mastiga-
tória. 2013 - AMP
- Crise convulsiva associada a temperatura ≥38°C; 1. Uma crise epiléptica é uma
descarga neuronal excessiva, pa-
- Tipo tônico-clônica generalizada; roxística, hipersincronizada, de
Crise convulsiva
- Ocorrência: 1 mês a 5 anos; variável extensão. A respeito das
febril
características das crises par-
- Ocorrência em vigência de doença infecciosa, ciais de diferentes lobos e regiões,
alteração metabólica. analise as 2 colunas:
- Complexa (sempre acompanhada de alteração da ( ) Alucinações auditivas
consciência); ( ) Flutter ocular
Crise focal ( ) Interrupção da fala
- Presença de automatismos: movimentos involun- ( ) Língua enrolada
tários com atividade motora coordenada, repetiti-
A - Lobo frontal
va e sem sentido.
B - Lobo temporal
- Espasmos infantis ou epilepsia em flexão exces- C - Lobo parietal
siva; D - Lobo occipital
- Início antes de 1 ano; Assinale a sequência correta:

Síndrome de West - Crise de espasmos em flexão do tronco e mem- a) D, A, B, C


(mau prognóstico) bros; b) A, B, C, D
- Início com episódios isolados, mas que evoluem c) B, C, D, A
para salvas cada vez mais frequentes; d) C, D, A, B
e) B, D, A, C
- Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Resposta no final do capítulo
epilepsia 149

4. Investigação diagnóstica

Dica
Pacientes que apresentam a 1ª crise não provocada devem realizar
estudo eletroencefalográfico, exame de imagem do sistema nervoso
central e exames laboratoriais de acordo com as condições clínicas. Na
Uma crise convulsiva criança, a presença de uma crise convulsiva febril simples não indica
febril simples na criança investigação de imagem.
não é indicação de inves-
Os exames laboratoriais podem revelar alterações metabólicas que jus-
tigação de imagem. tifiquem a crise. Causas possíveis incluem hipoglicemia, hiponatremia,
hipocalcemia, estados hiperosmolares, encefalopatia hepática, uremia,
porfiria, abuso ou abstinência de drogas, eclâmpsia, hipertermia, ence-
falopatia hipertensiva e hipoperfusão cerebral. Após uma crise gene-
ralizada tônico-clônica, é comum acidose láctica, e a prolactina se eleva
após as crises desse tipo e as focais.
O eletroencefalograma colabora na definição da epilepsia, na localiza-
ção da zona epileptogênica e na monitorização do tratamento (Figura
5). A presença de eletroencefalograma normal não exclui a presença
de epilepsia e ele está alterado em cerca de 50% dos pacientes no mo-
mento da sua 1ª crise convulsiva. A incidência de anormalidades au-
menta quando novos eletroencefalogramas são realizados, o paciente
está em privação de sono e técnicas de ativação como hiperventilação
e fotoestimulação intermitente são usadas. Anormalidades como es-
pículas anormais, descargas poliespiculares e complexos ponta-onda
são características específicas presentes no eletroencefalograma. O
exame de videoeletroencefalograma é particularmente útil na defini-
ção de eventos paroxísticos não epilépticos.

Figura 5 - Eletroencefalograma típico da crise de ausência

A ressonância magnética é mais sensível do que a tomografia de crâ-


nio para identificar lesões estruturais relacionadas à epilepsia (Figura
6), estando indicada em casos de crises focais que têm início acima dos
25 anos. A tomografia, no entanto, é apropriada para as situações de
emergência e é capaz de diagnosticar a lesão associada às crises epi-
lépticas em cerca de 30% dos casos.
150 sic neurologia

Diagnóstico
O eletroencefalograma
colabora na definição
da epilepsia, localização
da zona epileptogênica e
monitorização do trata-
mento. Já a ressonância
magnética está indicada
em casos com início após
Figura 6 - Ressonância magnética de encéfalo que mostra esclerose de hipocampo à os 25 anos.
esquerda, a causa mais frequente de epilepsia focal de difícil controle
Fonte: www.medicinanet.com.br

5. Diagnóstico diferencial
As condições que podem mimetizar uma crise epiléptica são descritas
na Tabela 7. Um ponto estratégico da investigação é a abertura ocu-
lar presente ao início da crise. Olho fechado é típico de pseudocrises,
e olhar fixo (staring), característico de crises do lobo temporal. O des-
vio do olhar é frequentemente visto em crises não temporais, como as
frontais, e para cima é comumente encontrado nos quadros de síncope
(Figura 7).

Tabela 7 - Eventos paroxísticos não epilépticos

Há ansiedade e aumento evidente da frequência respi-


Hiperventi-
ratória; podem existir cianose perioral e parestesias nas
lação
mãos. O desencadeante ambiental é evidente.

Há progressão lenta dos sintomas neurológicos e sinto-


Migrânea
mas visuais mais frequentes.

O início é abrupto, com intenso sentimento de ameaça ou


medo; é comum a sensação de morte iminente ou falta
Ataque de
de ar; sintomas autonômicos são evidentes (taquicardia,
pânico
sudorese, náusea). A duração é maior (de 5 a 30 minutos)
e sem perda de consciência.

Tem antecedentes psiquiátricos; o paciente fica em geral


Crises psi-
imóvel e com os olhos fechados ao início do evento, além Figura 7 - Abertura ocular
cogênicas
de incontinência rara. presente ao início da crise: (A)
olhar fixo sugestivo de crises
Circunstâncias precipitantes são identificáveis; pode exis- do lobo temporal; (B) desvio do
tir pródromo de tontura, mas não existe aura, além de olhar presente em crises não
perda de consciência gradual e breve (<20 segundos), com temporais, como as frontais;
Síncopes (C) olho fechado típico de pseu-
respiração lenta, e raramente perda de controle esfinc-
docrises e (D) desvio do olhar
teriano ou de lesões como a decorrente de mordedura de para cima, comum nos quadros
língua. de síncope
epilepsia 151

Amnésia Síndrome amnésica isolada de duração prolongada


global tran- (horas) sem alteração de consciência/confusão, fraqueza
sitória ou afasia; tem recorrência pouco usual.

Ataque O início é abrupto, sem progressão dos sintomas; predo-


vascular minam fenômenos negativos como afasia, fraqueza ou
transitório perda de sensibilidade.

Distúrbio É mais comum entre homens idosos. A paralisia, carac-


comporta- terística normal desse estágio do sono, não acontece,
mental do portanto, a pessoa realiza atividade motora elaborada
sono REM associada aos sonhos que pode chegar a ser violenta.

- Crise convulsiva febril


Crises febris não devem ser confundidas com epilepsia. A convulsão
febril acontece na infância, geralmente entre 3 meses e 5 anos, asso-
ciada a febre, na ausência de infecção intracraniana ou de outra causa
neurológica definida, exceto nas crianças que tenham tido previamente
convulsões afebris.
O baixo limiar do córtex cerebral em desenvolvimento, a suscetibili-
dade da criança a infecções, a propensão a febre alta e o componente
genético afetando o limiar convulsígeno são fatores que se combinam
e se justificam, uma vez que a convulsão febril é um fenômeno circuns-
crito aos primeiros anos da vida da criança.
A 1ª delas ocorre, em média, entre 18 e 22 meses, com 2 possíveis tipos:

a) Simples ou convulsões febris benignas (única crise


tônico-clônica generalizada, em geral de aproximada-
mente 5 minutos)
Correspondem a 70% dos casos. Na maioria dos casos são autolimita-
das com duração entre 1 e 15 minutos (geralmente com duração menor
do que 5 minutos) e não apresentam características focais.

b) Complexa ou complicada (crises focais e/ou com du-


ração maior do que 15 minutos e/ou se recorrência em
menos de 24 horas e/ou com manifestações neurológi-
cas pós-ictais)
A crise febril manifesta-se como crise única em 50% dos casos, com
recorrência na outra metade das crianças nos episódios sucessivos de
febre. São fatores que predispõem à recorrência de crises: apresenta-
ção da 1ª delas no 1º ano de vida, crise febril complicada ou na vigência
de afecção de curta duração e pouca gravidade, e histórico familiar de
crise febril em parentes de 1º grau.
A opção pelo tratamento da crise febril não reduz o risco de evolução
para epilepsia. Devem-se realizar a prevenção de infecções recorrentes
e o controle precoce da febre, evitando a elevação da temperatura. O
uso de fármacos antiepilépticos (FAEs) é considerado nos casos de iní-
cio inferior a idade de 1 ano, na presença de anormalidades no exame
neurológico, nos casos de crise febril complicada ou de recorrência
frequente.
152 sic neurologia

6. Tratamento
O tratamento depende, sobretudo, da causa da epilepsia. Antiepilépti-
cos em geral são a 1ª forma de tratamento realizada e ao menos 50%
dos pacientes com epilepsia recém-diagnosticada respondem ao 1º
FAE administrado. A escolha depende do tipo que a pessoa apresenta
e uma escolha inapropriada pode causar piora das crises. A Tabela 8
descreve o mecanismo de ação, a indicação e os efeitos adversos dos
FAEs. Os efeitos colaterais, por sua vez, podem ou não ser dependentes
da dose utilizada.
Os FAEs tradicionais primeiramente utilizados são fenobarbital, feni-
toína, carbamazepina e valproato de sódio. Os benzodiazepínicos (dia-
zepam, clonazepam, nitrazepam e clobazam) são drogas adjuvantes,
pois quando usados cronicamente cursam com desenvolvimento de to-
lerância. São, porém, drogas importantíssimas no controle agudo das
crises, como no estado de mal epiléptico. Drogas com mecanismos ga-
baérgicos têm maiores efeitos na função cognitiva do que drogas com
efeito predominante nos canais de sódio.
Para crises focais ou parciais, o fenobarbital tem efeitos colaterais mais
evidentes do que a fenitoína e a carbamazepina. Em mulheres, deve-
-se evitar a primeira devido a hirsutismo, embrutecimento facial e hi-
pertrofia gengival. A carbamazepina é superior ao valproato de sódio
no controle de crises do lobo temporal e igualmente eficaz nas crises
tônico-clônicas secundariamente generalizadas.
O tratamento medicamentoso é iniciado, normalmente, após 2 crises
não provocadas. O objetivo inicial é a monoterapia, e a dose deve ser
aumentada gradualmente até o controle da crise ou a presença de si-
nais de toxicidade. O FAE só atingirá o seu equilíbrio metabólico após
o período de, pelo menos, 4 meias-vidas. O tempo para atingir o equilí-
brio sérico é de 3 dias para a carbamazepina e o valproato, 5 dias para
a fenitoína e 3 semanas para o fenobarbital.
A dosagem sérica do FAE pode ser útil na monitorização, embora a re-
lação dosagem–efeitos adversos seja muito variável. A monitorização
tem significação clínica particularmente útil no caso de carbamazepina,
fenitoína, etossuximida e fenobarbital.
Quando as crises não são controladas com a associação de FAE ou
quando se descobre uma lesão no cérebro (malformações vasculares,
tumores etc.) ou em alguns casos mais específicos, é considerada a
abordagem cirúrgica. Pacientes com epilepsia do lobo temporal unila-
teral, epilepsia associada a tumores de baixo grau ou epilepsia extra-
temporal com lesão estrutural bem definida e em área não eloquente
são candidatos a cirurgia.
Aproximadamente 70 a 80% daqueles com epilepsia atingirão o con-
trole das crises, sendo que 50% poderão interromper o tratamento
medicamentoso sem recidivas.
Tema
frequente de prova
- Mal epiléptico
O tratamento do estado
O tratamento do estado de mal epiléptico está sumarizado a seguir: de mal epiléptico é tema
--Passo I: estabelecer a via aérea – pode interromper o estado de mal – recorrente em provas de
se for necessária intubação orotraqueal – vecurônio (0,1mg/kg); concursos médicos.
--Passo II: avaliar pressão arterial, monitorização e acesso venoso e co-
letar exames gerais, tiamina 100mg e glicose de 50% (20mL);
epilepsia 153

--Passo III: drogas para interromper estado de mal – o paciente deve


apresentar reação em 15 minutos – considerar eletroencefalograma;
--Passo IV:
• Benzodiazepínicos: diazepam 0,1 a 0,3mg/kg – 5mg IV em 1 ou 2 mi-
nutos, podendo repetir 5 a 10 minutos se recorrer, máximo de 30mg;
• Lorazepam (0,1mg/kg): 2 a 4mg IV a cada 5 minutos, máximo de
10mg, duração de 12 a 24 horas;
• Midazolam: intramuscular, no caso de não conseguir acesso venoso
– 0,15 a 0,3mg/kg.
--Passo V:
• Fenitoína: 20mg/kg – infusão de 50mg/min e sobredose de 5 a
10mg/kg;
• Fosfenitoína: 20mg/kg – infusão de 150mg/min.
--Passo VI:
• Fenobarbital: 20mg/kg – infusão de 100mg/min.

Importante --Passo VII: sedação contínua:


• Midazolam: ataque de 0,3mg/kg – manutenção de 0,05 a 0,6mg/
O tratamento do estado kg/h. Caso haja persistência, pode ser empregada lidocaína intrave-
de mal epiléptico deve ser nosa (1 a 2mg/kg em bolus e depois 1,5 a 3,5mg/kg/h nos adultos).
iniciado imediatamente Pacientes sem resposta devem ser intubados, e podem-se conside-
para prevenir lesões rar as seguintes opções:
cerebrais e óbito. * Propofol: ataque 2mg/kg – manutenção de 5 a 10mg/kg/h;
* Tiopental: 100 a 250mg em 2 minutos – manutenção de 3 a 5mg/
kg/h;
* Pentobarbital: ataque 5 a 15mg/kg – manutenção de 0,25 a 2mg/
kg/h.
Para o tratamento, as medicações utilizadas são as seguintes e devem
obedecer a uma sequência: lorazepam ou diazepam intravenosos ou
Tratamento diazepam gel VR. Passar imediatamente para fosfenitoína (metabólito
da fenitoína que permite administração intravenosa ou intramuscular
O tratamento do mal e não causa hipotensão na infusão intravenosa rápida) intravenosa em
epiléptico obedece a esta solução salina, dextrose ou fenitoína intravenosa lentamente em uma
taxa não superior a 50 minutos; não pode ser administrada em solu-
ordem: lorazepam IV/
ção de dextrose. Se as convulsões persistirem, pode ser administrada
diazepam IV/diazepam outra dose de fosfenitoína ou fenitoína, 10mg/kg IV; se as convulsões
gel VR → fosfenitoína IV persistirem, passar imediatamente para fenobarbital intravenoso. Se
solução salina/dextrose o fármaco não for eficaz, passar imediatamente para anestesia geral,
ou fenitoína IV em utilizando-se propofol, pentobarbital ou midazolam.
solução salina (taxa não
superior a 50 minutos) → Tabela 8 - Mecanismo de ação, indicação e efeitos adversos das drogas
fosfenitoína ou fenitoína, antiepilépticas
10mg/kg IV → fenobar-
Locais de
bital IV → anestesia geral Indicações Efeitos adversos
ação
(propofol, pentobarbital
ou midazolam). Dispepsia, tremor, ganho
Crises focais
Canal de Na+, de peso, edema, leuco-
Ácido val- generali-
receptor penia e plaquetopenia,
proico zadas e de
GABA perda de cabelo, hepato-
ausência
toxicidade, teratogênico

Carbama- Hiponatremia, agranulo-


Canal de Na+ Crises focais
zepina citose, diplopia
154 sic neurologia

Locais de
ação
Indicações Efeitos adversos Pergunta
Hiperplasia gengival,
Fenitoína Canal de Na+ Crises focais hirsutismo, dismorfismo 2012 - UERN
facial, ataxia 2. Qual das condutas citadas a
seguir não é indicada no atendi-
Sedação, irritabilidade, mento inicial de um paciente em
Crises focais tontura, disfunção cog- estado de mal epiléptico?
Fenobar- Receptor
e generaliza- nitiva, insônia, alteração
bital GABA
das do humor, diminuição da
a) manutenção da pressão arterial
libido
abaixo de 120x80mmHg
Etossuxi- Canal de Ca2+ Crise de Sintomas gastrintesti- b) proteção do paciente para evitar
mida tipo T ausência nais lesões por trauma
c) administração de diazepam e,
Gabapen- Sedação, ataxia, fadiga,
Desconhecido Crises focais na sequência, fenitoína
tina tremor, tontura, cefaleia
d) monitorização
Eritema cutâneo, Resposta no final do capítulo
Canal de Na+, Crises focais síndrome de Stevens-
Lamotri-
receptor de e generaliza- -Johnson, tontura,
gina
glutamato das diplopia, náusea, sono-
lência, hepatotoxicidade

Sedação, rash cutâneo,


Oxcarbaze-
Canal de Na+ Crises focais visão turva e diplopia,
pina
cefaleia, hiponatremia

Sedação, anorexia,
perda da noção de
Canal de Na+, Crises focais tempo, nefrolitíase,
Topira-
atividade do e generaliza- tremor, dificuldade de
mato
GABA das concentração, labilidade
emocional, acidose
metabólica, parestesias

Pergunta
2014 - CERMAM
3. Com relação à crise epiléptica, assinale a alternativa incorreta:

a) a Ressonância Nuclear Magnética (RNM) do cérebro complementa o estudo eletroencefalográfico, devendo ser realizada em
todos os pacientes com mais de 18 anos com suspeita de epilepsia
b) na investigação das crises, a punção lombar será mandatória se houver suspeita de meningite ou encefalite
c) as drogas empregadas no tratamento da epilepsia podem levar a osteopenia ou osteomalacia e, com isso, aumentar o risco de
fraturas ósseas
d) história prévia de neoplasia de mama pode sugerir necessidades de estudo de imagem cerebral, pelo risco aumentado de as
metástases servirem de focos convulsivos
e) no tratamento das crises, a falta de resposta a determinada droga anticonvulsivante, como a carbamazepina ou a fenitoína, im-
pede a resposta a outra droga, sendo recomendadas outras formas de tratamento
Resposta no final do capítulo
epilepsia 155

Resumo
Quadro-resumo
- A epilepsia é uma condição com tendência ao desenvolvimento de crises não provocadas e recorrentes;

- As crises podem manifestar-se por fenômenos motores, sensitivos ou psíquicos;

- O diagnóstico é clínico, primariamente baseado na anamnese;

- Para o diagnóstico preciso, devem ser investigados:


· Presença de pródromos;
· Fatores precipitantes;
· Aura;
· Frequência das crises;
· Componentes das crises;
· Fenômenos pós-ictais.

- O exame físico e os estudos laboratoriais e de imagem podem ser úteis na identificação da etiologia da crise;

- As crises epilépticas podem originar-se em uma área do cérebro (focais) ou de todo o encéfalo desde o início (gene-
ralizadas);

- As crises focais subdividem-se em:


· Crise focal com alteração de consciência (sintomas discognitivos); ou
· Crise focal sem alteração de consciência.

- As condições que podem mimetizar a crise epiléptica são hiperventilação, migrânea, ataque de pânico, crises psico-
gênicas, síncopes, amnésia global transitória, ataque vascular transitório e distúrbio comportamental do sono REM;

- Crise convulsiva febril ocorre na infância (3 meses a 5 anos), associada a febre, na ausência de infecção intracraniana
ou de outra causa neurológica definida;

- A crise convulsiva febril pode ser de 2 tipos:


· Simples (única crise tônico-clônica generalizada, em geral ao redor de 5 minutos);
· Complexa ou complicada (crises focais e/ou com duração maior do que 15 minutos e/ou se recorrência em menos
de 24 horas e/ou com manifestações neurológicas pós-ictais).

- O objetivo inicial do tratamento medicamentoso é o controle da crise com um FAE;

- Tratamento da 1ª crise: uma série de pessoas apresenta apenas 1 crise epiléptica, que nunca mais se repete, mesmo
sem tratamento. Para considerarmos epilepsia, devemos lembrar que as crises tendem a ser recorrentes e, nesse
caso, não o são; portanto, não podemos diagnosticar como epilepsia. Existem várias situações que podem desenca-
dear crises agudas, como distúrbios tóxicos e metabólicos, que provocam mecanismos de hiperexcitação cerebral
e, depois de tratados, as crises deixam de ocorrer. Assim, a questão de tratar ou não esse paciente ou aguardar o
aparecimento de nova crise para, com certeza, firmar o diagnóstico de epilepsia reside em uma série de fatores, que
incluem agressão prévia ao cérebro, tipo de crise, alterações no eletroencefalograma ou nos exames de imagem, em
que circunstâncias a crise foi desencadeada e perfil psicológico familiar e do paciente. Só assim, com base nesses
fatores, é que poderemos optar por tratar ou não o paciente.

Respostas
das questões do capítulo

1. E
2. A
3. E
Jamile Cavalcanti Seixas
Mauro Augusto de Oliveira
Victor Celso Cenciper Fiorini

8
Demência é uma síndrome caracterizada pelo prejuízo
da memória e acomete, pelo menos, mais outro domínio
cognitivo (afasia, apraxia, agnosia, função executiva). A
Doença de Alzheimer (DA) é considerada a forma mais
comum de demência entre os idosos, em torno de 55% de
todos os casos. O diagnóstico é de exclusão, após serem
afastadas causas orgânicas ou demências de outras
causas, e baseia-se na evidência (anamnese e exame
de estado mental) de comprometimento importante no
aprendizado e na memorização, associado a (ao menos
1): dificuldade em lidar com tarefas complexas, dificul-

Demências
dade no raciocínio, habilidade espacial e orientação
prejudicadas, distúrbio de linguagem – tais alterações
devem interferir significativamente no trabalho, nas ati-
vidades sociais e nos relacionamentos. As demências
podem ser, de maneira generalista, classificadas em cor-
ticais (DA e demência frontotemporal) ou subcorticais
(doença de Huntington, Parkinson, demência vascu-
lar e por HIV), ou mesmo classificadas em primárias
ou secundárias. A avaliação diagnóstica começa com a
coleta de uma boa história clínica, associada a exames
como Ressonância Nuclear Magnética (RNM) de encé-
falo. Também se deve realizar o miniexame do estado
mental, em que há suspeita de demência quando <28
pontos para indivíduos altamente escolarizados, <24
pontos para indivíduos com ensino fundamental e <18
para indivíduos analfabetos. O tratamento nas fases ini-
ciais da DA baseia-se no uso de donepezila, rivastigmina
ou galantamina, enquanto em fases avançadas se indica
memantina. A associação a antidepressivos pode ser
positiva no controle de sintomas depressivos. Outras
demências são demência vascular, demência por cor-
púsculos de Lewy, demência frontotemporal e doença
de Creutzfeldt-Jakob.
demências 157

1. Introdução
Demência é uma síndrome caracterizada por prejuízo da memória e
acomete, pelo menos, mais outro domínio cognitivo (afasia, apraxia,
agnosia, função executiva). Domínios como esse devem apresentar de-
clínio importante em comparação ao nível funcional prévio do indiví-
duo e ser graves o suficiente para interferir nas funções diárias e na
independência do paciente.
A Doença de Alzheimer (DA) é considerada a forma mais comum de
demência entre os idosos, em torno de 60 a 80% dos casos. E, embora
existam diversas definições para a síndrome demencial, a do DSM-IV é
amplamente aceita e inclui os itens a seguir.
Diagnóstico Tabela 1 - Definições de acordo com o DSM-IV
Os 4 passos do diagnóstico de
- Evidências, por meio da história e do exame do estado mental do pacien-
uma síndrome demencial são: te, de que existe um comprometimento importante no aprendizado e na
1 - Estabelecimento de memorização, bem como alteração em, ao menos, 1 destes itens:
um declínio cognitivo a · Dificuldade em lidar com tarefas complexas;
partir de um nível funcional · Dificuldade no raciocínio;
· Habilidade espacial e orientação prejudicadas;
prévio. · Distúrbio de linguagem.
2 - Estabelecimento de que
- Os sintomas cognitivos devem interferir significativamente no trabalho,
o déficit cognitivo interfira nas atividades sociais e nos relacionamentos;
nas atividades funcionais
de trabalho do indivíduo, - Deve haver um declínio significativo em relação ao nível funcional prévio;
além da interação social ou - Essas alterações não devem ocorrer, exclusivamente, durante o curso de
de atividades de vida diária. delirium;
3 - Estabelecimento de - Devem-se afastar causas psiquiátricas como causa primária;
déficits cognitivos em pelo
- Devem-se afastar causas sistêmicas ou outra doença cerebral que justifi-
menos 2 de seus domínios. que o quadro.
4 - Com relativo nível de
confiança, estabelecimento A identificação de um paciente com demência não é simples. Na maio-
da doença ou dos fatores ria das vezes, não é ele quem se queixa de alteração na memória, e sim
envolvidos na etiologia da um familiar.
demência. O diagnóstico definitivo para a maioria das síndromes demenciais
depende do exame neuropatológico. Entretanto, no dia a dia, o seu
diagnóstico é essencialmente clínico, e exames de neuroimagem e de
laboratório são solicitados com o objetivo de afastar causas reversí-
veis, como depressão, uso de medicações e deficiência de vitamina B12.

2. Epidemiologia
O número de pessoas afetadas pela demência vem crescendo signifi-
cativamente com o envelhecimento da população mundial. Um estudo
de revisão de literatura observou que a prevalência duplicava a cada 5
anos de aumento da faixa etária. As taxas médias de prevalência va-
riam de 1,17%, na faixa de 65 a 69 anos, a 54,83%, na faixa acima de 95
anos. Tal aumento acontece em virtude da ocorrência mais comum de
condições predisponentes, como doenças degenerativas e vasculares,
entre outras, a partir da 7ª década de vida.
No Brasil, foi publicado um estudo populacional, realizado em idosos vi-
vendo na comunidade, em que foi visto que a prevalência de demência
variou de 1,6%, entre aqueles entre 65 e 69 anos, a 38%, entre aqueles
com idade superior a 84 anos.
158 sic neurologia

Tabela 2 - Prevalência de acordo com a idade


Idade Prevalência
60 a 64 anos 0,7%
65 a 69 anos 1,4%
70 a 74 anos 2,8%
75 a 79 anos 5,6%
80 a 84 anos 10,5%
85 a 89 anos 20,8%
90 a 95 anos 38,6%

3. Classificação
As demências podem ser classificadas, de acordo com a área cerebral
envolvida, em:

Tabela 3 - Classificação de acordo com a área cerebral envolvida

Demên- O paciente apresenta déficit de memória e alteração de


cias linguagem, comprometimento das funções executivas ou
corticais agnosia. Exemplos: DA e demência frontotemporal.

Demên- Geralmente, o paciente apresenta lentidão intelectual, distúr-


cias bio de atenção e motivação. A linguagem é, em grande parte,
subcor- preservada. Exemplos: doença de Parkinson, demência vascu-
ticais lar subcortical, na demência por HIV, entre outras.

Esse tipo de divisão sofre muitas críticas, pois muitos tipos de demên-
cias têm componentes corticais e subcorticais simultaneamente, e as
alterações neuropsicológicas não estão restritas a um ou outro sis-
tema. As demências também podem ser classificadas, quanto à sua
etiologia, em:

Tabela 4 - Classificação quanto à sua etiologia

São doenças de etiologia ainda desconhecida e se carac-


Primárias
terizam por serem progressivas. Nesse grupo estão as
ou dege-
principais formas, como DA, demência por corpúsculos de
nerativas
Lewy e demência frontotemporal.

Quadros demenciais secundários a alguma doença detec-


tada, como hipotireoidismo, demência relacionada ao
álcool, secundária ao uso de medicações, demência vas-
Secundá-
cular, neoplasias intracranianas, doenças carenciais (como
rias
deficiência de vitamina B12), doenças infecciosas (como
sífilis e HIV). Algumas dessas demências secundárias são
potencialmente reversíveis.

As frequências relativas das causas de demência diferem dependendo


da idade; de qualquer forma, a DA é a causa mais comum, tanto no
grupo com idade inferior a 65 anos, quanto no grupo etário mais velho.
Entre os idosos com demência crônica, a DA ocorre em 55%. A demên-
cia vascular, por sua vez, ocorre em torno de 10 a 20% e, associada à
doença de Parkinson, em 5% dos casos. A prevalência da primeira é
relativamente alta em negros, hipertensos e diabéticos, e algumas de-
mências reversíveis são tendência entre mais jovens.
demências 159

Em um estudo de coorte, foi visto que a demência por corpúsculos de


Lewy é tão prevalente quanto a vascular em idosos. A demência fron-
totemporal, por sua vez, é menos prevalente do que a DA, a demência
vascular ou a demência por corpúsculos de Lewy.

Tabela 5 - Frequência dos tipos de demência


<65 anos >65 anos
DA 34% 55%

Doença vascular 18% 20%


Demência frontotemporal 12% --

Demência por corpúsculos de Lewy 7% 20%

Outros 29% 5%
Fonte: BRODATY, 2004.

4. Avaliação diagnóstica
Pergunta A avaliação diagnóstica do paciente com demência começa com a coleta
de uma boa história clínica. Geralmente, são os familiares que trazem
2015 - FMJ as informações a respeito da história cognitiva e da alteração compor-
1. Uma mulher de 68 anos, hipertensa, tamental apresentada. A história medicamentosa é muito importante
tem apresentado, há 8 meses, perda nesse contexto: algumas medicações podem levar a distúrbios cogni-
gradual da memória, sendo que no úl- tivos, como determinados analgésicos, anticolinérgicos, sedativo-hip-
timo mês deixou de reconhecer alguns nóticos, entre outros, devendo ser lembradas nas situações em que se
familiares. Há 1 semana, não se ali- suspeita de demência.
menta e se nega a conversar. O médico
que presta assistência à família há Após detalhado exame físico neurológico, deve-se proceder a uma ba-
longa data, diante do caso, introduziu teria de testes neuropsicológicos com o objetivo de avaliar as funções
polivitamínicos e donepezila. Assinale cognitivas. O miniexame do estado mental (MEEM) é o teste cognitivo
a alternativa correta: mais amplamente utilizado na prática clínica, em que geralmente o
examinador leva em torno de 7 minutos para abordar as funções cog-
a) o diagnóstico é doença de Alzhei- nitivas, incluindo orientação, evocação, atenção, cálculo, linguagem e
mer, pois a paciente apresenta perda praxia.
de memória, associada a outra função
cognitiva Tabela 6 - Miniexame do estado mental
b) trata-se de um quadro de depres-
Qual é a hora aproximada?
são, comum em pacientes dessa faixa
etária, e a donepezila pode trazer be- Em que dia da semana estamos?
nefícios após 14 dias Orientação temporal
Que dia do mês é hoje?
(5 pontos)
c) a suspeita é de uma síndrome de- Em que mês estamos?
mencial, e devem ser realizadas RNM
de encéfalo, escalas de depressão e co- Em que ano estamos?
leta de sorologias para hepatites Em que local estamos?
d) a terapia com donepezila está in- Que local é este aqui?
dicada na doença de Alzheimer como
Orientação espacial Em que bairro estamos ou qual é o endereço
teste terapêutico a fim de excluir ou- (5 pontos) daqui?
tras causas de demência
e) suspeita-se de uma síndrome de- Em que cidade estamos?
mencial, devendo ser solicitadas RNM Em que estado estamos?
de encéfalo, dosagem de vitamina B12, Registro (3 pontos) Repetir “carro, vaso, tijolo”.
VDRL, TSH e sorologias para hepatite
Atenção e cálculo Subtrair: 100 - 7 = 93 - 7 = 86 - 7 = 79 - 7 =
e HIV
(5 pontos) 72 - 7 = 65
Resposta no final do capítulo
160 sic neurologia

Memória de evocação
Quais foram os 3 objetos perguntados?
(3 pontos)
Nomear 2 objetos
Relógio e caneta.
(2 pontos)
Repetir (1 ponto) “Nem aqui, nem ali, nem lá”.
Comando de estágios Apanhe esta folha de papel com a mão
(3 pontos) direita, dobre-a ao meio e coloque-a no chão.
Escrever uma frase
Escrever uma frase que tenha sentido.
completa (1 ponto)
Ler e executar (1 ponto) Feche os olhos.
Copiar 2 pentágonos com intersecção.

Copiar diagrama
(1 ponto) Diagnóstico
Quando há suspeita de
síndrome demencial,
Fonte: Brucki, S.M.D., Nitrini, R., Caramelli, P., Bertolucci, P.H., Okamoto, I.H. sempre solicitar, também,
Sugestões para o uso do miniexame do estado mental do Brasil. Arq. Neu-
ropsiquiatr. 2003; 61(3B): 777-81.
RNM de encéfalo, do-
sagem de vitamina B12,
O MEEM pontua até 30 pontos. Utilizando o ponto de corte de 24, te- sorologia para sífilis, TSH
mos: <24 pontos para indivíduos altamente escolarizados, <18 pontos e sorologias para hepatite
para indivíduos com ensino fundamental e <14 para indivíduos anal- e HIV.
fabetos, determinando quadro de possível demência. O MEEM tem
sensibilidade de 87% e especificidade de 82%, porém esse teste é in-
fluenciado pela idade, pelo grau educacional e pelos distúrbios visuais,
motores e de linguagem.

5. Doença de Alzheimer
A DA é um distúrbio neurodegenerativo, de causa não conhecida e que
acomete sobretudo idosos, além de ser considerada a causa mais co-
mum de demência. Os tratamentos atualmente disponíveis modulam o
seu curso e amenizam os sintomas, porém não há cura, e a doença, ine-
vitavelmente, progride em todos os casos.

A - História da doença
Alois Alzheimer, médico alemão que viveu entre a 2ª metade do século
XIX e o início do século XX, publicou, em 1907, um caso peculiar de uma
paciente atendida inicialmente aos 51 anos, quando passou a apresen-
tar sintomas delirantes caracterizados por ciúmes intensos com rela-
ção ao marido. Além disso, desenvolveu alterações de linguagem e de
memória, bem como desorientação no tempo e no espaço, que se ins-
talaram logo em seguida e com piora progressiva. A paciente faleceu
4 anos e meio após o início dos sintomas, em estágio avançado de de-
mência, e foi submetida a exame anatomopatológico.
Alzheimer observou o acúmulo de placas características no espaço ex-
tracelular, chamadas placas senis, e lesões neurofilamentares no inte-
rior de neurônios, distribuídas difusamente pelo córtex cerebral. Com
o aumento substancial da expectativa de vida da população mundial
verificado nas últimas décadas, a DA tornou-se um sério e importante
problema de saúde individual e coletiva.
demências 161

B - Quadro clínico
O distúrbio de memória é uma característica essencial na DA e fre-
quentemente constitui a 1ª manifestação clínica.
A memória declarativa para fatos e acontecimentos (onde guardou um
objeto, o que comeu no café da manhã etc.), que depende da região
temporal mesial e das estruturas neocorticais, está profundamente
afetada na DA, enquanto os sistemas subcorticais responsáveis pela
memória processual e pela aprendizagem motora são relativamente
poupados até muito tarde na doença.
Alteração em outros domínios cognitivos pode aparecer ao mesmo
tempo ou após o desenvolvimento do distúrbio de memória. Distúrbios
de linguagem (como anomia e diminuição na fluência verbal) e habilidades
visuoespaciais tendem a aparecer precocemente, enquanto função exe-
Quadro clínico cutiva e alterações comportamentais se manifestam mais tardiamente.

Na DA, há perda inicial Sintomas neuropsiquiátricos também são comuns entre pacientes
da memória, seguida por com DA, particularmente no meio e no final do curso da doença. Po-
dem surgir como alterações de personalidade, incluindo apatia, isola-
distúrbios de linguagem
mento social ou desinibição. Os pacientes podem, ainda, ter agitação,
e perda de habilidades agressividade, alucinações e delírios. Delírio de roubo e ciúmes atingem
visuoespaciais. Sintomas mais de 30%, principalmente homens. Alucinações visuais são possíveis
neuropsiquiátricos em até 20%, embora sejam mais comuns e precoces entre aqueles com
ocorrem em curso mais doença por corpúsculos de Lewy.
avançado da doença.
Nos estágios mais precoces, os pacientes comumente têm exame neu-
rológico normal, com exceção do exame cognitivo. Sintomas piramidais
e extrapiramidais, mioclonias e crises epilépticas costumam surgir no
estágio mais tardio da doença. Se esses sinais e sintomas aparecem no
início, um diagnóstico alternativo deve ser considerado.
Graus de Alzheimer:
--Estágio 1: esquecimento; desorientação progressiva para realizar as
atividades rotineiras; prejuízo da capacidade de julgamento; perda da
espontaneidade; depressão e medo;
--Estágio 2: piora do esquecimento; piora da desorientação; vaguear; in-
quietação e agitação, especialmente à noite; ações repetitivas; possí-
veis contrações musculares; desenvolvimento de sintomas psicóticos;
--Estágio 3: agitação; desorientação; psicose; incapacidade de reconhe-
cer a si próprio e os demais; comprometimento da fala (perda de ca-
pacidade de falar); necessidade de colocar tudo na boca; necessidade
de tocar tudo ao seu redor; perda total de controle sobre as funções
do corpo;
--Estágio 4: dificuldade de alimentação; alteração dos reflexos; déficits
motores; confinamento ao leito; incontinência urinária e fecal; crises
epilépticas; estado vegetativo precedente a morte.

C - Neuroimagem
Apesar de o objetivo do exame de imagem ser descartar outras causas
de demência, podemos avaliar o grau de atrofia hipocampal (Figura 1).

Figura 1 - Ressonância magnética de D - Fatores de risco


crânio em corte coronal: (A) hipocampo
normal e (B) atrofia hipocampal O principal fator de risco para DA é a idade. Outros fatores que aumen-
tam o risco de desenvolvê-la são sexo feminino, baixa escolaridade,
162 sic neurologia

história familiar, doença coronariana, hipertensão arterial sistêmica,


níveis elevados de homocisteína no sangue, antecedente de trauma-
tismo craniano grave, dieta rica em gordura e polimorfismo específico
no gene da apolipoproteína E. Dica
A maioria dos casos é esporádica. Cerca de 3% apresentam padrão de Na DA, o principal fator
herança genética autossômica dominante, cujas principais característi-
de risco é a idade. Em
cas clínicas que diferem da forma esporádica são a instalação na fase
menor grau estão sexo
pré-senil (antes dos 65 anos) e a presença de alterações de linguagem
mais proeminentes e precoces. Nessas formas familiares, são herdadas feminino, baixa escola-
mutações no gene que codifica a proteína precursora do amiloide (APP) ridade, história familiar,
ou nos genes que codificam as pré-senilinas 1 e 2. hipertensão arterial
sistêmica etc.
E - Fisiopatologia
O distúrbio degenerativo progressivo caracteriza-se pela perda de si-
napses e de neurônios cerebrais e pelo depósito de fibrilas de peptídios
de beta-amiloide extraneuronais, constituindo as placas senis e a pre-
sença de agregados intraneuronais da proteína tau, formando os ema-
ranhados neurofibrilares. Localizam-se, inicialmente, na região medial
do lobo temporal e, com a evolução da doença, tornam-se difusos no
encéfalo.

Dica
Na histopatologia da DA,
há depósitos amiloides
(placas senis) e agregados
de proteína tau (emara-
nhados neurofibrilares).
Figura 2 - Fisiopatogenia

F - Tratamento
Nas fases iniciais, também conhecidas como pré-demência ou com-
prometimento cognitivo leve amnésico, não existe indicação de medi-
cações específicas. A única maneira até o momento de desacelerar a
progressão do comprometimento cognitivo leve é a boa nutrição (an-
tioxidantes, ômega-3), além de exercícios físicos e atividades cognitivas
como palavras cruzadas.
demências 163

A partir da fase de demência leve, quando o paciente começa a ter


prejuízo nas suas atividades de vida diárias (como ir ao banco ou fa-
zer compras), é indicado o uso de inibidores da acetilcolinesterase, que
Tratamento agem aumentando a disponibilidade da acetilcolina por diminuir a ati-
vidade da enzima responsável por sua degradação: donepezila, rivas-
O tratamento nas fases tigmina e galantamina. Nas fases mais avançadas (demência moderada
a grave), a memantina, um inibidor do receptor N-metil-D-aspartato,
iniciais da DA envolve
pode ser usada em associação.
donepezila, rivastigmina
e galantamina; nas fases São muito frequentes outros sintomas, como a depressão, a ser tratada
avançadas, memantina; a preferencialmente com antidepressivos inibidores da receptação de
associação a antidepres- serotonina (fluoxetina, citalopram, escitalopram) ou duais, com efeito
na indução do sono (como a trazodona). Evitam-se os antidepressivos
sivos pode ser positiva
tricíclicos devido ao efeito anticolinérgico. Em casos de agitação exces-
no controle de sintomas siva, alucinações ou delírios, neurolépticos atípicos como quetiapina ou
depressivos. olanzapina podem ajudar no manejo.

6. Demência vascular

Pergunta A demência vascular refere-se ao comprometimento cognitivo com


interferência funcional importante proveniente de uma etiologia vas-
cular. É o 2º tipo mais frequente de síndrome demencial. Podemos sub-
dividir as demências vasculares em 3 principais grupos:
2013 - SES-SC
2. Sobre a demência na doença --Por múltiplos infartos: diversos acidentes vasculares isquêmicos em
de Alzheimer, seus estágios e territórios das grandes artérias cerebrais e que envolvem as regiões
sintomas em paciente vigilante, corticais e subcorticais. Tem característica de piora do quadro cogni-
relacione as colunas a seguir: tivo em “degraus”;
Estágio de prejuízo --Por infarto estratégico: um único infarto envolvendo uma área crítica
I - Grau leve para cognição, como giro angular, hipocampo, lobo pré-frontal e terri-
II - Grau moderado tórios da artéria cerebral posterior ou anterior;
III - Grau grave --Demência vascular subcortical ou comprometimento cognitivo vas-
IV - Grau profundo cular subcortical: por doença de pequenos vasos; diferentemente
Prováveis sintomas encontrados da DA, acomete preferencialmente as funções executivas e, só pos-
( ) Incontinência, confinado ao teriormente, a memória. É o tipo mais comum de comprometimento
leito cognitivo vascular (cerca de 40%). Os casos mais graves têm como
( ) Depressão protótipo a doença de Binswanger. Os principais fatores de risco são
( ) Desenvolvimento de sintomas hipertensão arterial sistêmica e idade. Quando associada à DA, cons-
psicóticos como paranoia titui demência mista.
( ) Confinado ao leito com déficits
motores significativos
( ) Consciência de frustração pelo
déficit
( ) Psicose
( ) Agitação
( ) Dificuldade de alimentação
A sequência correta é:

a) IV, I, II, II, III, I, IV, I


b) IV, I, II, IV, I, III, III, IV
c) I, IV, III, I, II, II, IV, IV
d) II, III, IV, I, I, II, III, IV
e) I, III, IV, II, II, IV, I, I Figura 3 - Ressonância magnética de crânio em corte axial: (A) sequência T2 de um
Resposta no final do capítulo
paciente com demência por multi-infarto; (B) sequência T2 de um paciente com de-
mência por infarto estratégico e (C) sequência FLAIR de uma paciente com demência
vascular subcortical (Binswanger)
164 sic neurologia

O tratamento envolve a profilaxia secundária para doenças cerebro-


vasculares, com controle dos fatores de risco modificáveis. Há algumas
evidências, embora menores do que na DA, de que tanto os inibidores
da acetilcolinesterase quanto os antagonistas N-metil-D-aspartato te-
riam benefício na demência vascular, sobretudo quando esta está as-
sociada à DA.

7. Outras causas
A - Demência frontotemporal
Trata-se de uma condição resultante de progressiva degeneração do
lobo frontal e/ou temporal. É causa importante de demência pré-senil
(20%), e os seus sintomas habitualmente se iniciam aos 40 a 65 anos.
Quadro clínico
Clinicamente, são 3 as variantes: Os sintomas na de-
--Variante comportamental: letargia e falta de iniciativa. É muito co- mência frontotemporal
mum desinibição com comportamento social inadequado; iniciam-se aos 40 a 65
--Afasia progressiva primária: redução progressiva da fluência da fala; anos, podendo acometer
--Demência semântica: dificuldade progressiva de compreensão e comportamento e causar
nomeação. afasia progressiva ou
O diagnóstico geralmente é clínico, com alteração do comportamento demência semântica.
social, testes neuropsicológicos com redução importante da capacidade
executiva e/ou linguagem e exames de imagem com atrofia predomi-
nantemente frontal ou frontotemporal que pode ser uni ou bilateral.

B - Doença por corpúsculos de Lewy


A doença por corpúsculos de Lewy é a 3ª causa mais frequente de in-
ternação por demência depois do mal de Alzheimer e da demência vas-
cular. Sua prevalência gira em torno de 10% do total das demências.
Quadro clínico
O quadro clínico da
A principal característica são os sinais parkinsonianos associados já no
1º ano de doença. Alucinações, flutuações cognitivas e intolerância aos doença por corpúsculos
neurolépticos são outras características marcantes. A doença evolui de Lewy envolve sin-
em 3 estágios: tomas parkinsonianos
--O 1º estágio dura de 3 a 7 anos, caracterizado por esquecimento leve, associados a alucinações
alguns períodos rápidos de delírios e falta de iniciativa no dia a dia; auditivas e visuais, flu-
--No 2º estágio, há piora das funções cerebrais cognitivas e dos delírios, tuação cognitiva e intole-
com alucinações auditivas e visuais. É muito comum haver quedas; rância aos neurolépticos.
--O 3º estágio é a fase mais avançada, com distúrbios psiquiátricos do
tipo psicose, agitação e confusão mental.

C - Doença de Creutzfeldt-Jakob

Dica
Trata-se de um tipo de doença causada por príons e é a principal re-
presentante das demências rapidamente progressivas. Incide em todas
as populações humanas: 1 caso para 1.000.000 de habitantes por ano.
Normalmente, aparece na meia-idade, com pico de incidência entre 50 Na doença de Creutzfeldt-
e 70 anos. Há as formas esporádicas, familiares e iatrogênicas. Classi- -Jakob, observa-se curso
camente, apresenta curso rápido de deterioração cognitiva, associado rápido de deterioração
a distúrbios do movimento (coreia, distonia, parkinsonismo), mioclonias cognitiva, associado a
intensificadas e provocadas pelo som, além de crises epilépticas. distúrbios do movimento.
O diagnóstico de certeza deve ser realizado com biópsia, no entanto,
devido ao risco biológico de contaminação, não é realizado como 1ª es-
demências 165

colha para o diagnóstico. A ressonância magnética, o eletroencefalo-


grama e a dosagem de proteína 14-3-3 no liquor corroboram para o
diagnóstico. Não há tratamento disponível.

Pergunta
2015 - UEL
3. Com relação às demências, considere as afirmativas a seguir:
I - Na demência por corpúsculos de Lewy, costumam ser observadas alucinações visuais e parkinsonismo.
II - A demência da hidrocefalia de pressão normal cursa com distúrbio da marcha com alargamento da base de suporte e incon-
tinência urinária.
III - A demência frontotemporal costuma cursar com mudança da personalidade (por exemplo, desinibição) e alterações da
linguagem.
IV - A doença de Alzheimer moderada costuma cursar com flutuação de sua apresentação ao longo das 24 horas do dia e exacer-
bação noturna dos sintomas.
Estão corretas:

a) I, II
b) I, IV
c) III, IV
d) I, II, III
e) II, III, IV
Resposta no final do capítulo

Figura 4 - Algoritmo para suspeita de distúrbio cognitivo


166 sic neurologia

Resumo
Quadro-resumo
Introdução/epidemiologia
- Trata-se de uma síndrome caracterizada por prejuízo da memória e acomete, pelo menos, mais outro domínio cogni-
tivo, com declínio importante e interferindo nas funções diárias e na independência do paciente;
- Na maioria das vezes, a identificação da demência é feita por meio de um familiar do paciente, e o diagnóstico defi-
nitivo para a maioria das síndromes demenciais depende do exame neuropatológico;
- No Brasil, a prevalência variou de 1,6%, entre os indivíduos com idade de 65 a 69 anos, a 38%, entre aqueles com
idade superior a 84 anos.

Classificação
- De acordo com a área cerebral envolvida:
· Demências corticais (Alzheimer e demência frontotemporal);
· Demências subcorticais (Parkinson, coreia de Huntington, paralisia supranuclear progressiva, demência vascular
subcortical, demência por HIV).
- De acordo com a etiologia:
· Primárias ou degenerativas (DA, por corpúsculos de Lewy, frontotemporal);
· Secundárias (hipotireoidismo, com relação a álcool, uso de medicações, vascular, neoplasias intracranianas,
doenças carenciais, doenças infecciosas). Algumas potencialmente reversíveis.

Diagnóstico
- Coleta de boa história clínica;
- Exame físico neurológico detalhado;
- O MEEM é o teste cognitivo mais amplamente utilizado.

DA
- É considerada a causa mais comum de demência;
- Quadro clínico:
· Distúrbio de memória (1ª manifestação clínica);
· Distúrbios de linguagem e habilidades visuoespaciais que tendem a aparecer precocemente;
· Função executiva e alterações comportamentais que se manifestam mais tardiamente;
· Sintomas neuropsiquiátricos também comuns;
· Sintomas piramidais, extrapiramidais, mioclonias e crises epilépticas costumam surgir no estágio mais tardio da
doença.
- Fatores de risco:
· Idade;
· Sexo feminino;
· Baixa escolaridade;
· História familiar;
· Doença coronariana;
· Hipertensão arterial sistêmica;
· Níveis elevados de homocisteína no sangue;
· Antecedente de traumatismo craniano grave;
· Dieta rica em gordura e presença de polimorfismo específico no gene da apolipoproteína E.
- Fisiopatologia:
· PPA – beta-amiloide → oligômeros – ADDL → Tau-hiperP-tau → disfunção sináptica → estresse oxidativo → disfunção
mitocondrial → inflamação → distúrbios vasculares = placas senis e/ou degeneração neurofibrilar.
- Tratamento:
· Demência leve: inibidores da acetilcolinesterase (donepezila, rivastigmina e galantamina);
· Demência moderada a grave: inibidor do receptor N-metil-D-aspartato (memantina);
· Demência associada a depressão: inibidores da receptação de serotonina (fluoxetina, citalopram, escitalopram)
ou trazodona.
demências 167

Demência vascular
- Comprometimento cognitivo com interferência funcional de uma etiologia vascular;
- Subdivisão em 3 grupos:
· Demência por múltiplos infartos: piora do quadro cognitivo, “em degraus”;
· Demência por infarto estratégico;
· Demência vascular subcortical: a mais comum de comprometimento cognitivo vascular.
- Fatores de risco:
· Hipertensão arterial sistêmica;
· Idade.
- Tratamento:
· Profilaxia secundária para doenças cerebrovasculares;
· Inibidores da acetilcolinesterase e antagonista do receptor N-metil-D-aspartato.

Outras causas
Doença por corpúsculos de Lewy
- Pode haver sinais parkinsonianos associados a demência, como alucinações, flutuações cognitivas e intolerância aos
neurolépticos;
- Evolução em 3 estágios.

Doença de Creutzfeldt-Jakob
- Causada por príons;
- Rapidamente progressiva;
- Acontece entre 50 e 70 anos;
- Diagnóstico:
· Biópsia;
· Ressonância nuclear magnética;
· Eletroencefalograma;
· Dosagem de proteína 14-3-3 no liquor.

Demências reversíveis
Medicamentos Anticolinérgicos, psicotrópicos, sedativos, hipnóticos, analgésicos

Álcool Intoxicação, síndrome de abstinência


Deficiência de vitamina B12, doenças tireoidianas, hepáticas e
Distúrbios metabólicos renais, hipercalcemia, hiponatremia
Infecções do sistema nervoso central Meningites crônicas e neurossífilis

Doenças do sistema nervoso central Hidrocefalia*, neoplasias primárias ou secundárias (lobo frontal)

Trauma cranioencefálico Hematoma subdural crônico

Depressão Pseudodemência depressiva


* Hidrocefalia de pressão normal (síndrome de Hakim-Adams). Nesta condição, encontramos a tríade clássica de
demência, déficit de marcha e incontinência urinária, além de tomografia de crânio revelando aumento do sistema
ventricular.

Diferenças
Delirium Demência Depressão
Atenção Dificuldade em manter Distração com facilidade Sem mudanças

Nível de Alterado/
Inalterado Inalterado
consciência diminuído

Humor Inalterado Deprimido ou ansioso Deprimido ou ansioso


168 sic neurologia

Delirium Demência Depressão

Início Abrupto Lento e gradual Rápido (semana, meses)

Curso Fluente Declínio lento e progressivo Declínio rápido


Capacidade de julgamento
Pensamento Desorganizado prejudicada/afasia, agnosia e Negativo, embotado
apraxia
Prejuízo progressivo da memó-
Recente normalmente Queixa de prejuízo maior do que
Memória preservada
ria recente/dificuldade no
a realidade
aprendizado
Mudança na Ilusões e alucinações
Ilusões e possíveis alucinações Nenhuma
percepção visuais e táteis
Alterada/acentuação do perfil
Personalidade Sem alterações
negativo prévio
Do tipo irritadiço

Sem alterações importantes,


Ciclo Marcadamente alte-
podendo apresentar irritação
Alterado (insônia; acorda com
sono–vigília rado
por cansaço ou sono
frequência; piora pela manhã)

Atividade psico- Agitação e inquietude Vagância com ansiedade Diminuída


motora

Respostas
das questões do capítulo

1. E
2. B
3. D
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

9
A síndrome parkinsoniana caracteriza-se por tremor,
rigidez, bradicinesia e instabilidade postural, sendo
necessários 2 dos sintomas para definição. Pode ter,
como causa, drogas, acidente vascular cerebral, toxinas,
doença de Parkinson ou outras doenças neurodege-
nerativas. Na doença de Parkinson em si, há condição
crônica e progressiva de perda relativamente seletiva
de neurônios dopaminérgicos presentes na substância
negra da via nigroestriatal. A incidência é maior após

Doença de
os 50 anos, no sexo masculino, com alguma relação de
fatores ambientais, como agrotóxicos, e de proteção,
por tabaco e cafeína. Observam-se tremor de repouso,

Parkinson
rigidez, bradicinesia ou hipocinesia, postura flexionada,
perda de reflexos posturais e freezing. Os neurônios
sobreviventes na substância negra e no locus coeru-
leus contêm inclusões citoplasmáticas eosinofílicas
conhecidas como corpúsculos de Lewy. Diagnósticos
diferenciais podem ser tremor essencial (simétrico, de
intenção, com melhora ao consumo de bebida alcoólica),
degeneração corticobasal (parkinsonismo sem tremor,
ausência de resposta a levodopa, fenômeno da “mão
alienígena”), atrofia de múltiplos sistemas e paralisia
supranuclear progressiva. O tratamento visa à redução
da progressão da doença e ao controle dos sintomas. As
principais classes medicamentosas em uso, atualmente,
são levodopa, anticolinérgicos, amantadina, inibidores
da monoaminoxidase (IMAOs), inibidores da COMT (cate-
col-O-metiltransferase) e agonistas dopaminérgicos.
170 sic neurologia

1. Introdução
Parkinsonismo, ou síndrome parkinsoniana, é uma síndrome clínica
caracterizada por tremor, rigidez, bradicinesia e instabilidade postu-
ral. São necessários 2 desses sintomas para diagnosticar o quadro de
parkinsonismo, que pode ter como causas desde drogas, acidente vas-
cular cerebral, toxinas, Doença de Parkinson (DP), até outras doenças
degenerativas (atrofia de múltiplos sistemas, paralisia supranuclear
progressiva). A DP é uma condição crônica e progressiva, neurodege-
nerativa, que se caracteriza pela perda relativamente seletiva dos neu-
rônios dopaminérgicos da substância negra da via nigroestriatal.

2. Epidemiologia
A DP é uma doença com incidência maior após os 50 anos e rara antes
dos 20 (Parkinson juvenil). Estima-se prevalência de 1 a 3% em pacien-
tes com mais de 65 anos e prevalência mundial de cerca de 5.000.000,
sendo 200.000 no Brasil. Em muitos estudos epidemiológicos, tem-
-se verificado maior prevalência no gênero masculino. Além disso, tem
sido associada a exposição de alguns fatores ambientais à sua maior
incidência (herbicidas, pesticidas) e alguns fatores protetores (tabaco,
cafeína).

3. Quadro clínico
Diagnóstico Atualmente, a síndrome parkinsoniana é descrita como uma combina-
ção de 6 características básicas:
O diagnóstico da sín- --Tremor de repouso;
drome parkinsoniana é
--Rigidez;
estabelecido por tremor
ou bradicinesia associada --Bradicinesia ou hipocinesia;
a (mais 1) rigidez, postura --Postura flexionada;
flexionada, perda de --Perda dos reflexos posturais;
reflexos posturais e --Fenômeno de congelamento (freezing).
freezing.
Devem-se observar 2 dessas características para definir o diagnóstico
clínico, sendo 1 delas, obrigatoriamente, tremor ou bradicinesia.

A - Bradicinesia
Bradicinesia é descrita como pobreza de movimentos e lentidão na
iniciação e execução de atos motores, voluntários e automáticos,
na ausência de paralisia. Amimia, hipomimia ou fácies “em máscara”
(perda da expressão espontânea – Figura 1) também são manifes-
tações da bradicinesia. Outras consequências incluem alterações na
marcha (marcha em bloco, realizada a passos pequenos, com perda
do balanço normalmente associado dos braços), na postura (sentar-
-se imóvel – rigidez cérea), no tronco (dificuldade em levantar-se de
cadeira baixa, virar-se na cama e sair do automóvel) e na fala (hipo-
fonia e aprosódia – perda da inflexão da voz, quase monótona) e na
escrita (letras pequenas e escrita lenta – micrografia), além das alte-
Figura 1 - Hipomimia facial rações observadas durante atos motores complexos, como vestir-se,
escovar os dentes, engolir; também pode haver salivação excessiva
por disfagia.
doença de parkinson 171

B - Rigidez

Dica
A hipertonia presente na DP pode ser chamada hipertonia plástica ou
rigidez, pois existe resistência à movimentação passiva em todo o mo-
vimento, o que a difere da espasticidade ou da rigidez elástica (pre-
sente em lesões piramidais), em que a resistência é maior no início do Convém lembrar que,
movimento. Associa-se à presença do “fenômeno da roda denteada”, nas síndromes extrapi-
que se caracteriza por períodos de liberação rítmicos e intermitentes ramidais, há o sinal da
durante a movimentação passiva (Figura 2). “roda denteada” (rigidez
plástica), enquanto nas
piramidais há o sinal
“do canivete” (rigidez
espástica).

Figura 2 - Rigidez “em roda denteada”

C - Postura em flexão
Inicia-se nos braços e se dissemina progressivamente por todo o corpo.
O aumento do tônus muscular mantém a cabeça e o tronco inclinados
para frente, a coluna em cifose torácica e os cotovelos, os quadris e os
joelhos flexionados, conferindo assim, ao deambular, marcha em bloco,
com o tronco inclinado para frente, como se à procura de seu centro de
gravidade (Figura 3).
Figura 3 - Postura
parkinsoniana
D - Tremor
O tremor parkinsoniano mais típico é observado durante o repouso,
diminuindo ou desaparecendo quando se inicia o movimento, podendo
também manifestar-se na manutenção prolongada de uma postura.
Sua frequência é de cerca de 4 a 6Hz. Acomete preferencialmente os
membros, podendo atingir o segmento cefálico (neste, a característica
despertada mais comumente é o “bater de dentes”). Na sua forma mais
conhecida, acomete os dedos das mãos, com a característica de “con-
tar dinheiro” ou “rolar pílulas”. Pode ser mais bem visualizado durante
a marcha.

E - Instabilidade postural (perda dos reflexos posturais)


A instabilidade postural é a principal responsável pelas quedas de pa-
cientes com DP, e, nas síndromes parkinsonismo-plus, é comum o seu
surgimento precoce. O seu achado deve-se à perda de reflexos postu-
rais. A propriocepção muscular e articular, o sistema vestibular e a vi-
são são algumas das fontes de alimentação do sistema extrapiramidal
no controle do tônus postural. Os pacientes acometidos assumem pos-
tura muito característica, com a cabeça em ligeira flexão, o tronco ligei-
172 sic neurologia

ramente inclinado para frente (fletido ventralmente), flexão moderada


da perna sobre a coxa e do antebraço sobre o braço e exagero da pinça

Dica digital nas mãos. A imagem lembra a de um esquiador.


É responsável, também, pela festinação (precipitação) ao andar: o pa-
Festinação é o ato de ciente anda cada vez mais rápido, tentando mover os pés adiante para
acompanhar o centro de gravidade e não cair.
aumentar a velocidade do
passo para acompanhar
o centro de gravidade
F - Fenômeno de congelamento: bloqueio motor –
alterado. freezing
Incapacidade transitória de realizar movimentos ativos: hesitação no
início do caminhar ou ao aproximar-se de algo, dificuldade de abrir os
olhos (apraxia de abertura ocular), receio em lidar com barreiras per-
cebidas no espaço e no tempo (portas giratórias, portas de elevador,
escadas rolantes, atravessar ruas). Afeta mais comumente as pernas.
Nesse fenômeno, os pés parecem presos ao chão e, de repente, se des-
colam, e o paciente anda novamente.

G - Outros achados
É importante ressaltar que pacientes com DP podem ter manifestações
não motoras prévias, que podem aparecer anteriormente às manifes-
tações motoras, contribuindo de forma importante para o impacto da
doença na qualidade de vida.

Tabela 1 - Principais manifestações

Autonômica Constipação intestinal, hipotensão ortostática

Alterações Dores de diversos tipos, perda do olfato, perda do pala-


sensoriais dar

Neuropsiqui- Demência, depressão, ansiedade, sensação de medo ou


átricas pânico

Distúrbio do sono, urgência miccional, noctúria, perda


Outras mani-
inexplicável do peso, distúrbios sexuais, edema de mem-
festações
bros inferiores, suor em excesso e seborreia

Observação: camptocormia é uma perturbação de etiologia diversa,


caracterizada por postura anormal, com flexão pronunciada do tronco
que desaparece em supinação e se agrava com a marcha. Embora seja
inicialmente considerada perturbação psicogênica, já é reconhecida como
perturbação postural característica da DP, e foram descritos casos relacio-
nados também a miopatias focais lombares.

4. Etiologia
A etiologia da DP não é conhecida, mas deve ser multifatorial, envol-
vendo elementos ambientais e genéticos. Tem sido atribuída associa-
ção epidemiológica positiva com a exposição de alguns metais, como o
manganês, e com o petróleo, e alguns fatores protetores têm sido as-
sociados, como a cafeína e o tabaco. Diversas hipóteses têm sido pro-
postas para explicar a origem da DP. Para cada uma delas há pontos a
favor e pontos contrários, de modo que se pode pensar que a origem
da doença seja uma combinação, talvez, desses fatores, aliados a ou-
tros que possam vir a ser descobertos. Atualmente, é possível dividir os
fatores etiopatogênicos da DP em 5 grupos (Tabela 2).
doença de parkinson 173

Tabela 2 - Etiopatogenia

1 - Neurotoxinas ambientais.

2 - Produção de radicais livres.

3 - Alterações mitocondriais.

4 - Predisposição genética.

5 - Envelhecimento cerebral.

5. Patologia
Os neurônios sobreviventes na substância negra e no locus coeruleus
contêm inclusões citoplasmáticas eosinofílicas conhecidas como cor-
pos de Lewy, ou corpúsculos de Lewy, que são a característica patoló-
gica da doença (Figura 4).

Figura 4 - Célula com corpúsculos de Lewy

Figura 5 - Anatomia do mesencéfalo: notar a localização da substância negra


174 sic neurologia

6. Diagnóstico
O diagnóstico baseia-se em impressões clínicas. Não existem exames
fisiológicos ou testes sanguíneos que confirmem o diagnóstico. Para o
diagnóstico definitivo, é necessária a confirmação anatomopatológica.
É aceito que bradicinesia e mais 1 de 2 critérios cardinais (tremor de
repouso e rigidez) devem estar presentes para o diagnóstico. Alguns
outros critérios também indicam esse diagnóstico, como excelente
resposta à terapia dopaminérgica e início assimétrico dos sintomas. É
importante afastar outras causas de parkinsonismo no momento de
concluir o diagnóstico.

A - Parkinsonismo secundário
São condições que causam parkinsonismo cuja causa específica pode
ser identificada. As primeiras descrições foram relatadas na década
de 1920 e, posteriormente, na época da 2ª Guerra Mundial, devido a
um quadro pós-encefalítico viral conhecido como encefalite letárgica.
Atualmente, as principais causas são as medicamentosas e as vascula-
res (Tabela 3).

B - Parkinsonismo atípico (Parkinson-plus)


As características desse tipo de parkinsonismo estão detalhadas a se-
guir, na Tabela 3.

C - Doenças heredodegenerativas
Em algumas outras doenças heredodegenerativas, o parkinsonismo
aparece geralmente como característica menos preponderante dentre
outras manifestações clínicas. As principais doenças que assim se apre-
sentam são a de Huntington, a neuroacantocitose, a doença de Ma-
chado-Joseph (SCA3) e a doença de Wilson.

Tabela 3 - Classificação
Parkinsonismo primário (idiopático)
DP: esporádica ou familiar
Parkinsonismo secundário
- Induzido por drogas: neurolépticos, antieméticos (metoclopramida), lítio,
antivertiginosas (cinarizina, flunarizina);
- Hidrocefalia de pressão normal;
- Infeccioso: pós-encefalítico, sífilis, AIDS, príon;
- Parkinsonismo vascular;
- Induzido por toxinas: manganês, monóxido de carbono, MPTP (1-metil-4-
-fenil-1,2,3,6-tetraidropiridina), metanol;
- Estrutural: tumores, trauma cranioencefálico, hematoma subdural;
- Metabólico: hipoparatireoidismo.
Síndromes Parkinson-plus
- Atrofia de múltiplos sistemas;
- Degeneração corticobasal;
- Paralisia supranuclear progressiva;
- Síndromes demenciais: demência por corpúsculos de Lewy e doença de
Alzheimer.
doença de parkinson 175

Parkinsonismo por doenças heredodegenerativas


- Doença de Huntington;
- Neuroacantocitose;
- Doença de Machado-Joseph;
- Doença de Wilson.

7. Diagnóstico diferencial
A resposta à terapia com dopaminérgicos (levodopa e apomorfina)
torna mais provável o diagnóstico de DP. Uma meta-análise sugere
que um teste com tais medicações é útil a pacientes em que há dúvida
diagnóstica, mas se deve acrescentar que até 30% podem não respon-
der à terapia dopaminérgica e de 20 a 30% dos que respondem apre-
sentam, nos anos seguintes, diagnóstico de outra síndrome associada
ao parkinsonismo.

Tabela 4 - Alguns sintomas que sugerem o diagnóstico


- Tendência a quedas logo na apresentação da doença;
- Pouca resposta a levodopa;
- Rápida progressão da perda de estabilidade postural, em casos de doença
moderada ou leve, em relação aos demais achados da doença;
- Sintomas motores simétricos; Dica
- Disautonomia precoce. São sintomas que levan-
Com o objetivo de levantar a suspeita do médico para outra condição tam suspeita para outras
de parkinsonismo que não a DP idiopática, foram criados os sinais de condições que não doença
alerta (Tabela 5). de Parkinson: queda
como sintoma precoce,
Tabela 5 - Sinais de alerta para outras condições de parkinsonismo ausência de resposta
a levodopa, sintomas
- Bradicinesia e rigidez simétrica;
motores simétricos e
- Ausência de tremor;
disautonomia precoce.
- Ausência de resposta à levodopa;
- Mioclonias proeminentes;
- Apraxia;
- Fenômeno da “mão alienígena” (“estrangeira”);
- Dificuldade no olhar conjugado para baixo;
- Distonia facial;
- Perda precoce dos reflexos posturais;
- Disfagia precoce;
- Espasticidade;
- Demência ou alucinações precoces;
- Disautonomia precoce e acentuada.

A seguir, serão descritos alguns dos diagnósticos diferenciais para pa- Quadro clínico
cientes com DP.
O tremor essencial é
A - Tremor essencial geralmente simétrico,
de intenção, e apresenta
Aflige cerca de 5% da população e geralmente é simétrico, mas pode melhora ao consumo de
ser unilateral no início do quadro. Esse tremor é do tipo de intenção, na bebida alcoólica.
frequência de 4 a 12Hz, e pode envolver braços, boca, voz, pescoço; en-
quanto o tremor da DP é, caracteristicamente, de repouso. Geralmente
176 sic neurologia

existe história familiar. Há, também, um dado propedêutico curioso: a


melhora do tremor com o consumo de bebidas alcoólicas. Além disso, o
paciente não apresenta outras características da DP, como bradicinesia
e instabilidade postural.

B - Demência por corpúsculos de Lewy


É a 2ª maior causa de doenças neurodegenerativas, após a doença de
Alzheimer. Caracteriza-se, clinicamente, por alucinações visuais, flutua-
ções cognitivas e parkinsonismo. Outros sintomas associados são ten-
dência a quedas, síncope, disfunção autonômica e hipersensibilidade a
neurolépticos.

C - Degeneração corticobasal
Quadro clínico Refere-se a pacientes com sintomas de parkinsonismo, mas com apra-
xia, afasia, ausência de tremor e resposta a levodopa. Um sinal muito
Na degeneração corticobasal, característico, mas não patognomônico, é a presença do fenômeno da
há parkinsonismo sem tre- “mão alienígena”, que consiste na perda da percepção do paciente de
mor, ausência de resposta a que aquele membro lhe pertence, com perda do controle e da coorde-
levodopa, fenômeno da “mão nação nesse membro, que parece mover-se ou levitar, independente-
alienígena”, hiper-reflexia, mente da vontade do paciente.
apraxia e perda sensorial São características da degeneração corticobasal:
cortical. --Síndrome rígido-acinética progressiva (evolução mais rápida do que
a DP); assimetria acentuada da síndrome parkinsoniana; distonias
frequentes, mioclonias associadas; disfunção cortical: hiper-reflexia,
apraxia e perda sensorial cortical; movimentos “em espelho” de um
braço (“mão alienígena”); mioclonia cortical; neuroimagem: atrofia as-
simétrica dos lobos frontal e parietal; nenhuma resposta a levodopa.

Quadro clínico D - Atrofia de múltiplos sistemas


Na atrofia de múltiplos Os pacientes apresentam sintomas de parkinsonismo, disautonomia,
envolvimento cerebelar e sintomas piramidais. O termo “atrofia de múl-
sistemas, há parkinsonismo,
tiplos sistemas”, atualmente, engloba as entidades que antigamente
disautonomia, envolvi- eram chamadas de Shy-Drager, atrofia olivopontocerebelar e degene-
mento cerebelar e sintomas ração nigroestriatal. No início da doença, os sintomas se parecem com
piramidais. os da DP, principalmente quando predominam os sinais de parkinso-
nismo. À medida que o processo se desenvolve, o aparecimento dos ou-
tros sinais característicos aponta para o diagnóstico correto. Quando
ocorrem alterações de marcha, equilíbrio e deglutição ou variações
acentuadas da pressão arterial logo nos primeiros meses ou anos de
doença, deve-se cogitar esse diagnóstico.

Quadro clínico E - Paralisia supranuclear progressiva


Na paralisia supranuclear Os pacientes apresentam paralisia supranuclear do movimento con-
jugado do olhar vertical, com alterações da motricidade ocular, insta-
progressiva, há alteração da
bilidade postural, quedas inexplicáveis e paralisia pseudobulbar com
motricidade ocular, instabi- disartria. Disfagia ocorre em cerca de 80% dos casos. A bradicinesia e
lidade postural, quedas, di- a rigidez são caracteristicamente simétricas, mas é raro tremor ao re-
sartria e disfagia, bem como pouso. Em virtude da dificuldade em olhar para baixo, descer escadas
parkinsonismo simétrico, torna-se tarefa impossível com o tempo. Nos primeiros meses, pode
com tremor ao repouso raro. ser confundida com DP (se predominam os sintomas motores), depres-
são ou mesmo doença de Alzheimer (se predominam os sintomas men-
tais). Alterações da marcha e do equilíbrio desde o início do quadro e
as alterações oculares descritas são fundamentais para o diagnóstico.
doença de parkinson 177

Tabela 6 - Principais diferenças clínicas entre a Doença de Parkinson (DP), a


Atrofia de Múltiplos Sistemas (AMS), a Paralisia Supranuclear Progressiva
Pergunta
(PSP) e a degeneração corticobasal (DCB)
DP AMS PSP DCB 2006 - HSPE
Déficits simétricos + +++ +++ 1. Assinale a alternativa correta:
Rigidez axial ++ ++ +++
a) o tremor essencial caracteriza-
Distonia de membros + + + -se por ocorrer durante a ação e o
Instabilidade postural ++ ++ +++ repouso
Paralisia olhar vertical + ++ +++ b) o único tratamento eficaz para
controlar o tremor essencial é a
Síndrome frontal + + +++
primidona
Disautonomia + ++ -- c) a característica do tremor na
Resposta precoce a L-dopa +++ + + doença de Parkinson é que, além
Resposta tardia a L-dopa ++ + - de ocorrer no repouso, ocorre na
Ressonância magnética com atro- postura
-- -- -- d) o tremor pode acometer qual-
fia cortical assimétrica
quer parte do corpo, com exceção
8. Tratamento dos membros inferiores
e) o tremor essencial pode dimi-
nuir com o consumo de álcool
O tratamento da DP parece fazer diferença na evolução da doença e
ajuda no controle dos sintomas. As principais classes medicamentosas Resposta no final do capítulo

em uso, atualmente, são levodopa, anticolinérgicos, amantadina, ini-


bidores da monoaminoxidase (IMAOs), inibidores da COMT (catecol-O-
-metiltransferase) e agonistas dopaminérgicos (Tabela 7).

Tabela 7 - Principais medicações utilizadas no tratamento sintomático da


doença de Parkinson
- Anticolinérgicos: biperideno (Akineton®), triexifenidil (Artane®);
- Amantadina (Mantidan®);
- Levodopa: levodopa/carbidopa (Sinemet®), levodopa/benserazida (Prolopa®);
- IMAOs: selegilina (Niar®, Jumexil®); rasagilina (Azilect®);
- Inibidores da COMT: entacapona (Comtan®);
- Agonistas dopaminérgicos: bromocriptina (Parlodel®), pramipexol (Sifrol®),
rotigotina (Neupro®).

A - Anticolinérgicos
Os anticolinérgicos são utilizados devido ao predomínio de acetilcolina
observado no estriado dos pacientes com diminuição de neurotrans-
missão dopaminérgica a partir da substância negra. São particular-
mente eficazes em indivíduos com tremor intenso, principalmente
entre jovens com função cognitiva preservada, e devem ser evitados,
se possível, em muito idosos.
Tratamento
Anticolinérgicos são
Tabela 8 - Drogas anticolinérgicas contraindicados no glau-
Triexifenidil Iniciar na dose de 0,5 a 1mg, 2x/d, podendo ser coma de ângulo fechado,
(Artane®) aumentado gradativamente até 2mg, 3x/d (6mg/d). miastenia gravis, úlcera
Usar na dose de 0,5 a 2mg, 3x/d, também com péptica estenosante,
Benzatropina megacólon e risco de
aumento gradual.
Iniciar com dose de 2mg/d, podendo-se aumentar dia- retenção urinária.
Biperideno
riamente em 2mg; dose máxima de 16mg/d, dividida
(Akineton®)
em 2 a 3 tomadas.
178 sic neurologia

Essa classe de medicações está contraindicada àqueles com glaucoma


de ângulo fechado, miastenia gravis, úlcera péptica estenosante, mega-
cólon e risco de retenção urinária.

Importante B - Amantadina
É utilizada no tratamento dos pacientes na fase inicial. Age aumen-
A síndrome de desregulação tando a liberação de dopamina para a fenda sináptica e exerce ação
dopaminérgica foi inicialmente bloqueadora de receptores N-Metil-D-Aspartato (NMDA).
descrita em pacientes com abuso
da medicação com levodopa, A droga deve ser iniciada em doses baixas (50mg/d), em especial no
idoso, com aumento em 2 semanas, monitorizando efeitos colaterais,
que apresentavam alteração do
até a dose máxima de 100mg, 2x/d. Em adultos jovens, a dose pode
controle dos impulsos que con- chegar a 300mg/d.
dicionava a medicação exces-
siva, levando ao aparecimento de C - Levodopa
discinesias, alterações do humor
e comportamentos repetitivos É um precursor da dopamina que, ao atravessar a barreira hematoen-
anormais. É conhecida como cefálica, descarboxila-se em dopamina e atua estimulando os recep-
tores dopaminérgicos nos núcleos da base, levando a maior equilíbrio
pudding, que significa compor-
entre atividade dopaminérgica e colinérgica.
tamentos motores estereotipados
prolongados, complexos e sem O tratamento deve ser individualizado, iniciado com doses baixas, que
propósito, como desmontar e devem ser aumentadas gradualmente para minimizar o risco de efei-
tos colaterais agudos. A meia-vida da droga é curta. É possível iniciar o
(tentar) montar repetidamente
tratamento com 2 ou 3 tomadas, porém, com a progressão da doença,
aparelhos como rádio, organizar
geralmente há a necessidade de diminuir o período entre as doses.
fichários ou cortar revistas. Uma
vez diagnosticada a síndrome, D - IMAOs
o tratamento inclui a redução
ou a parada da medicação Os IMAOs atuam inibindo irreversivelmente a enzima monoaminoxi-
dopaminérgica. dase-B (MAO-B), que tem distribuição generalizada no cérebro e im-
pede a degradação de dopamina no sistema nervoso central. Além
disso, os fármacos como a selegilina podem atuar impedindo a recap-
tação de dopamina ao nível da sinapse.
Há estudos que tentam provar que a selegilina apresenta efeito prote-
tor ou lentificador na DP, contudo, até hoje, não existem conclusões de-
finitivas sobre esse efeito. De qualquer forma, por esse motivo, a droga
deveria ser considerada tratamento inicial da DP, apesar de oferecer
efeito sintomático leve.
A dose inicial deve ser de 5mg, 2x/d, mas, em idosos, pode-se optar por
iniciar com doses mais baixas, até menores do que 5mg/d, a fim de evi-
tar efeitos colaterais. A dose máxima é de 10mg, 2x/d.

E - Inibidores da COMT
A levodopa é metabolizada perifericamente por 2 enzimas: a descar-
boxilase e a COMT. Mesmo sendo regularmente administrada em as-
sociação a um inibidor da descarboxilase, a ação da COMT periférica
converte a levodopa em 3-O-metildopa (3-OMD), e somente 10% da
droga chegam intactos ao cérebro.
Em pacientes que usam levodopa e ainda apresentam sintomas par-
kinsonianos, a associação a um inibidor da COMT é benéfica, princi-
palmente para aqueles com flutuações motoras. Em alguns estudos,
demonstrou-se redução em até 40% dos períodos de função motora
muito comprometida (períodos de off) com uso de inibidores da COMT.
doença de parkinson 179

Há, atualmente, uma nova linha de pesquisa que estuda a possível re-
dução nas complicações motoras relacionadas ao uso de levodopa em
longo prazo. Se isso for comprovado, será viável a indicação de que ela
seja sempre usada associada a um inibidor da COMT, além do inibidor
da descarboxilase.

Tabela 9 - Formulações dos inibidores da catecol-O-metiltransferase

A dose recomendada varia de 100 a 200mg, 3x/d, e não


Tolcapona há necessidade de titulação da droga no início do trata-
(Tasmar®) mento. A dose de 200mg já se mostra eficaz.

Entacapona Devem ser administrados 200mg, junto de cada dose da


(Comtan®) levodopa, até a dose de 1.600mg.

A tolcapona foi retirada do mercado devido a casos graves de hepato-


toxicidade e óbito. A entacapona não apresenta hepatotoxicidade, mas
pode piorar as discinesias e provocar alucinações, diarreia e descolora-
ção da urina (alaranjada).
Existem comprimidos com a associação levodopa + carbidopa + entaca-
pona (Stalevo®), nas dosagens de 50 + 12,5 + 200mg; 100 + 25 + 200mg;
e 150 + 37,5 + 200mg.

F - Agonistas dopaminérgicos
Esta classe de drogas age estimulando diretamente receptores dopami-
nérgicos no corpo estriado do cérebro, sem necessidade de conversão
da droga para um metabólito ativo que exerça seus efeitos farmacodinâ-
micos. Além disso, a meia-vida da maioria das medicações dessa classe
é mais longa do que a das formulações de liberação regular da levodopa.
Alguns estudos têm mostrado possível efeito protetor dessas drogas so-
bre os neurônios dopaminérgicos. Fazem parte desse grupo, até o mo-
mento, no Brasil, a bromocriptina (Parlodel®) e o pramipexol (Sifrol®).
Os efeitos colaterais mais frequentes dos agonistas dopaminérgicos
são hipotensão, taquicardia, síncope, alucinação e discinesias.

Tabela 10 - Posologia usual dos agonistas dopaminérgicos ergolínicos

É um derivado ergotamínico; iniciar na dose de 1,25mg


à noite por vários dias e, então, aumentar a dose em
1,25mg a cada 3 a 7 dias, dividindo as tomadas em até
Bromocrip-
4x/d. Em idosos, manter a dose máxima abaixo de
tina
15mg/d, devido ao aumento dos efeitos colaterais e
reações à retirada da droga (pouco usada desde o surgi-
mento do pramipexol).

Derivado ergotamínico; 1mg equivale a, aproximada-


mente, 10mg de bromocriptina. Iniciar com 0,05mg até
4x/d, aumentando a dose lentamente. Doses consi-
Pergolida
deradas elevadas são de 3mg/d. Em idosos, os efeitos
colaterais começam a ser mais evidentes a partir de
1,5mg/d (também é pouco usada).

Os derivados ergotamínicos precisam ser monitorizados pelo risco de


reações adversas, como pele vermelha e inflamada, reversível com a
retirada da droga, fibroses retroperitoneal, pleural e pericárdica. Por
isso, sua administração deve ter monitorização rigorosa.
180 sic neurologia

Tabela 11 - Posologia dos agonistas dopaminérgicos não ergolínicos

Ropinirol Dose inicial de 0,25mg, 3x/d; dose eficaz de 9 a 24mg/d

Dose inicial de 0,125mg, 2 a 3x/d; dose eficaz de 0,75 a


Pramipexol
3mg/d (é o mais usado)
Cabergolina Dose inicial de 0,25mg, 4x/d; dose eficaz de 0,5 a 5mg/d
Rotigotina Dose inicial de 2mg, 1 patch ao dia, até 8 mg/d
Lisurida Dose inicial de 0,2mg, 4x/d; dose eficaz de 1 a 2mg/d

Todos os agonistas dopaminérgicos podem levar a hipotensão ortostá-

Importante tica; por isso, recomenda-se, no início do tratamento, administrar do-


ses ao deitar, mantê-las por alguns dias e, posteriormente, acrescentar
dose diurna.
Em se tratando de um
paciente com doença de G - Recomendações
Parkinson sob controle
com medicação, que não Podem ser utilizados como droga inicial em pacientes com DP que ne-
possui antecedentes psi- cessitam de tratamento sintomático, tanto levodopa como agonistas
quiátricos, como aluci- dopaminérgicos, de preferência a menor dose efetiva possível destes
últimos. A levodopa, principal medicação a ser utilizada nesses indiví-
nações visuais, confusão
duos, deve estar presente sempre que o médico interpreta que a quali-
mental, desorientação dade de vida está significativamente afetada.
espacial ou temporal e
alterações de memória,
Tabela 12 - Uso das medicações no tratamento sintomático da doença de
e que, atualmente, passa Parkinson
a apresentar pelo menos
Medicamentos Como ou quando utilizá-los Comentários
1 das alterações citadas,
Principal tratamento da DP. É
é necessário pesquisar
administrada com carbidopa Após alguns
alterações metabólicas, Levodopa (em para aumentar a eficácia e anos, a sua eficá-
infecciosas (pulmonares, combinação com a reduzir os efeitos colaterais. cia pode diminuir,
urinárias e trato diges- carbidopa) Iniciada com doses baixas, com necessidade
tivo) e outros distúrbios as quais são aumentadas até de doses maiores.
ser obtido o efeito máximo.
extracerebrais, além
de ser recomendada a A droga com frequên-
Agonistas dopa-
cia é administrada Pode ser
retirada das medicações minérgicos
juntamente com a levodopa administrada iso-
para tratamento do (pramipexol, rotigo-
ou isoladamente no início do ladamente.
tina)
Parkinson e iniciar tratamento.
investigação por meio Sua ação é
de exames laboratoriais. modesta. Seu
Com frequência, é adminis-
Mesmo com a retirada da Selegilina efeito neuro-
trada com a levodopa.
protetor foi
medicação, risperidona, comprovado.
quetiapina e clozapina
Medicamentos Podem causar
(eficaz no tratamento da anticolinérgicos:benza- Podem ser administrados ampla gama de
psicose) podem ser úteis tropina e triexifenidil, sem a levodopa, nos estágios efeitos colaterais,
para o controle do quadro. certos antidepressi- iniciais da doença, e em con- principalmente
Cuidado com o uso de vos, anti-histamínicos junto, nos estágios finais. São alterações cog-
(por exemplo, difeni- iniciados em doses baixas. nitivas e estado
olanzapina no paciente
dramina) confusional agudo.
com psicose associada ao
Atualmente é usada para
Parkinson, pelo risco de diminuir os efeitos do uso
Geralmente não
piora motora. Amantadina é usada isolada-
prolongado da levodopa (dis-
mente.
cinesias).
doença de parkinson 181

9. Apêndice I: conhecendo o sistema


extrapiramidal
O sistema piramidal (trato corticospinal) é responsável pelo movimento
voluntário. Sua lesão acarreta déficit motor com liberação de reflexos,
e seus principais componentes são o córtex motor e as vias piramidais.
O sistema extrapiramidal, por meio de suas conexões, é responsável
pela modulação do controle motor, sendo composto pelos núcleos da
base. Lesões no sistema extrapiramidal levam a transtornos positivos
(coreia, balismo, tremor) ou negativos (bradicinesia) do movimento.

Figura 6 - Sistema extrapiramidal


Fonte: Netter Neuroanatomia Essencial, 2008.
182 sic neurologia

10. Apêndice II: outros distúrbios do


movimento
A - Doença de Huntington
A doença de Huntington é uma disfunção cerebral hereditária, de ca-
ráter degenerativo e autossômico dominante. Sua frequência na popu-
lação é de 10/100.000. Deve-se à presença de um gene incomum, o de
Huntington, que pode ser herdado de pai ou mãe e leva a predisposição
à doença. Os sintomas são causados pela morte acelerada dos neurô-
nios em partes específicas do cérebro.
A doença é caracterizada por distúrbio neurodegenerativo de curso

Dica
progressivo, com sintomas motores, cognitivos e psiquiátricos; com
movimentos involuntários, diminuição da capacidade intelectual e mu-
danças no comportamento e na personalidade. Muitas pessoas com o
A doença de Huntington gene incomum do Huntington começam a apresentar sintomas entre
é de caráter autossômico 35 e 45 anos.
dominante, com sintomas Há também a forma juvenil (Huntington juvenil ou variante de West-
neurodegenerativos pro- phal), em que a rigidez muscular (ausência de movimentos) é o principal
gressivos motores, cogni- sintoma. Essa forma tem início antes dos 20 anos. A doença deve-se à
tivos e psiquiátricos. mutação no gene Huntington por expansão, na repetição da sequência
de trinucleotídeos CAG e que pode ser analisada por meio de estudo
molecular. O tratamento, hoje em dia, é apenas sintomático.

B - Síndrome das pernas inquietas


Trata-se de uma doença comum, relacionada a outros distúrbios do
sono, sendo causa importante de insônia. Apesar de estudada junta-
mente com outros distúrbios do movimento, seu quadro é predomi-
nantemente sensorial. Os pacientes descrevem sensação desagradável
profunda nas pernas, não propriamente dor, acompanhada de neces-
sidade urgente de movimentá-las, que alivia imediatamente o descon-
forto. Em geral, ocorre à noite, quando os acometidos tentam iniciar o
sono, cujo aprofundamento é impedido pelos movimentos involuntá-
rios dos membros. Na maioria dos indivíduos, há movimentos periódi-
cos dos membros durante a polissonografia. O diagnóstico baseia-se no
quadro clínico, e deve-se solicitar um perfil de ferro, devido à associa-
ção bem estabelecida entre a deficiência desse elemento e a síndrome.
Na síndrome idiopática, há redução da reserva de ferro no hipotálamo
posterior e, em alguns casos familiares, deficiência na proteína trans-
portadora de ferro, sendo benéfica a suplementação desta. Também
foram encontrados movimentos periódicos dos membros em uremia,
artrite, neuropatia periférica, lesões medulares espinais, uso de an-
tidepressivos e de cafeína. O tratamento de escolha é a levodopa ou
agonistas dopaminérgicos (pramipexol, por exemplo), e a resposta cos-
tuma ser dramática.

C - Outros distúrbios do movimento hipercinético-


hipotônico
a) Coreia de Huntington
--Condição degenerativa progressiva geneticamente determinada, as-
sociada a eventual declínio cognitivo;
doença de parkinson 183

--Envolve, tipicamente, a parte distal das extremidades e, mais tarde,


as partes proximais;
--Em casos avançados, existem movimentos da língua e movimentos
faciais;
--Frequentemente incorporada em movimentos voluntários normais
para deixá-los menos evidentes;
--Caracteriza-se por movimentos arrítmicos involuntários violentos,
rápidos e espasmódicos.

b) Atetose
--Pode afetar os 4 membros ou ser unilateral, além de afetar pescoço,
face e língua;
--Os movimentos são lentos, sinuosos e sem propósitos, podendo ser
confluentes;
--Além disso, podem terminar em posturas extremas e mantidas.

c) Hemibalismo
--Lesão no núcleo subtalâmico contralateral;
--Afeta primariamente os músculos proximais dos membros;
--Os movimentos são violentos e de natureza súbita (alta velocidade,
grande amplitude).

Tabela 13 - Síntese dos principais distúrbios do movimento


Coreia
- Movimentos rápidos e despropositados;
- Movimentos musculares involuntários e repentinos (dança ondulante);
- Possível acometimento da face ou de qualquer segmento corpóreo (mãos,
antebraço principalmente);
- Localização da lesão: córtex – corpo estriado. Ocorre desequilíbrio entre a
atividade dopaminérgica aumentada e colinérgica diminuída.
Coreia de Sydenham (coreia menor) – febre reumática
- Acometimento maior em crianças entre 5 e 15 anos;
- Associação a infecção estreptocócica do grupo A.
Coreia de Huntington
- Doença hereditária com características autossômicas dominante;
- Alterações psiquiátricas, cognitivas e motoras progressiva;
- Manifestação entre 25 e 60 anos.
Doença de Parkinson
- Disfunção da alça nigroestriatal;
- Início insidioso, geralmente após os 50 anos;
- Em 70 a 80% dos casos, a manifestação inicial é o tremor de repouso uni-
lateral, habitualmente em território distal do membro superior;
- O quadro clínico caracteriza-se por:
· Acinesia (hipomimia, marcha em bloco, festinação, freezing, micrografia
e sussurros);
· Rigidez (hipertonia plástica, fenômeno da roda denteada);
· Tremor (de repouso, exacerbado durante a marcha, em situações de
tensão, diminuindo com a movimentação voluntária e desaparecendo
no repouso);
· Instabilidade postural (perda de readaptação postural) apenas durante
mudanças bruscas de direção durante a marcha, podendo determinar
quedas frequentes.
184 sic neurologia

Atetose
- Também uma doença do estriado;
- Movimentos de contorção, vagarosos e de caráter vermiforme;
- Mais comum em extremidades (dedos e punhos);
- Os movimentos atetósicos podem ser uni ou bilaterais e comprometem as
atividades diárias. São movimentos irregulares, grosseiros e de natureza
sinuosa;
- Os membros afetados estão constantemente em movimento e caracteris-
ticamente desaparecem durante o sono.
Distonias
- Contrações musculares sustentadas, causando abalos lentos, tremores,
movimentos de torção e posturas anormais;
- Contração simultânea de músculos agonistas e antagonistas;
- Diagnóstico com base nas manifestações clínicas.
Focais
São as formas mais comuns (cervical, cordas vocais, face, lábios, língua,
mandíbula e membros).
Hemidistonias
Comprometem 1 hemicorpo.
Generalizada
Compromete todo o corpo.
Tiques
- Movimentos estereotipados breves, repetitivos, usualmente rápidos e sem
propósito, e que envolvem múltiplos grupos musculares;
- São suprimíveis, ainda que em parte, pela vontade e precedidos por urgên-
cia premonitória.
Simples
Afetam apenas 1 grupo muscular (piscar, contorcer o nariz, sacudir o pescoço).
Complexos
Apresentam envolvimento coordenado de vários grupos musculares (sal-
tar, fungar, bater com cabeça e ecopraxia – movimentos de imitação).
Vocais
- Gemidos (tique simples), ecolalia, palilalia, coprolalia (tique complexo);
- Ocorrem na ausência de lesões neurológicas (tiques motores simples), na
síndrome de Tourette (distúrbio genético acompanhado de tiques motores
e vocalizações), no trauma cranioencefálico, no acidente vascular cerebral
e no uso de drogas neurolépticas.
Mioclonias
- Contrações espontâneas involuntárias e súbitas, breves, com abalos
lembrando pequenos solavancos, como choques ou sustos, originadas no
sistema nervoso central e envolvendo a face, o tronco ou as extremidades;
- A maioria é causada por contrações musculares abruptas (mioclonia
positiva), porém podem ser resultantes de cessação súbita de descargas
musculares (mioclonia negativa).
Balismo
- Movimentos involuntários amplos, de início e fim abruptos, envolvendo
frequentemente os segmentos proximais dos membros, podendo acome-
ter o tronco e o segmento cefálico;
- Deslocamentos bruscos, violentos, colocando em ação grandes massas
musculares, assemelhando-se a chutes ou arremessos.
Hemibalismo (de 1 lado do corpo)
- Incomum;
- Movimentos anormais, involuntários (como arremesso do membro);
- Lesão vascular do núcleo subtalâmico contralateral.
doença de parkinson 185

Tremor
Essencial
É postural, progressivo e pior com a ação (5 a 8 ciclos/s).
Fisiológico
Está presente e é estimulado por ansiedade, hipertireoidismo e abstinên-
cia ao álcool (8 a 12 ciclos/s).
Cerebelar
- Tremor de intenção;
- Aumenta com o movimento e é acompanhado de hipotonia e ataxia.
Tremor de repouso
- Sinal de “contar pílulas”;
- Característico da doença de Parkinson (4 a 6 ciclos/s).
Tremor ortostático
Aparece nas pernas após longos períodos em posição ereta.

Resumo
Quadro-resumo
- Característica patológica principal: degeneração da porção compacta da substância negra;
- Anormalidade neuroquímica: depleção seletiva da dopamina;
- Classicamente, pacientes com DP e parkinsonismo apresentam 4 sintomas principais: tremor de repouso (envolven-
do mão ou pé em oscilação rítmica entre músculos agonistas e antagonistas), rigidez (“roda denteada”), bradicinesia
(é o sintoma mais incapacitante) e instabilidade postural. Além desses, há o fenômeno de congelamento e postura
flexionada; expressões faciais se tornam fixas – hipomimia facial (“máscara facial”); a fala é monótona, de voz baixa,
e a cabeça não gira para acomodar novas direções do olhar;
- Várias doenças podem apresentar quadro semelhante; por isso, esse quadro é denominado parkinsonismo;
- O parkinsonismo pode, ainda, ser secundário ao uso de medicamentos, toxinas, trauma, entre outras condições;
- A levodopa é a medicação com melhor benefício sintomático, mas está associada a flutuações motoras quando
usada precocemente. Os anticolinérgicos devem ser evitados em indivíduos acima de 70 anos, devido aos efeitos
colaterais;
- O tratamento cirúrgico ablativo dos núcleos da base, com talamotomias e palidotomias estereotáxicas realizadas
por radiofrequência, e, mais recentemente, a técnica de estimulação cerebral profunda (segura e eficaz), está indi-
cado para um grupo selecionado de pacientes. Os objetivos desses procedimentos são buscar benefício terapêutico
mais constante para que os pacientes alcancem: (1) uma redução dos períodos off; (2) aumento do tempo on; (3)
redução das discinesias; (4) suspensão do tremor refratário ao tratamento medicamentoso; (5) melhoria no desem-
penho das atividades de vida diária; (6) melhoria da qualidade de vida.

Outros distúrbios do movimento hipercinético-hipotônico


Distúrbios Características dos movimentos Tratamento
Oscilação rítmica de uma parte corporal devida Betabloqueadores, primidona, fenobarbital,
Tremor a contrações musculares excessivas; tipos de benzodiazepínicos; inibidores da anidrase
essencial tremores: anormal (patológico) e normal (fisio- carbônica, toxina botulínica; cirurgia: talamo-
lógico) tomia/estimulação cerebral profunda
Na maioria das vezes, sintomática; distonias
Contrações musculares involuntárias, padroni- na infância: prova terapêutica com levodopa;
Distonias zadas, persistentes ou repetidas, muitas vezes distonia focal: toxina botulínica; cirurgia:
a movimentos de torção e postura anormal estimulação cerebral profunda; medidas
adjuvantes: fisioterapia
186 sic neurologia

Distúrbios Características dos movimentos Tratamento


Movimentos involuntários “parasitando” os - Valproato de sódio: 250 a 1.500mg/d divi-
movimentos voluntários rápidos, graciosos, de dido em 3 a 4 tomadas; risperidona: 0,5 a
início abrupto, explosivos, especialmente das 5mg/d; clorpromazina: 10mg/d; haloperidol:
extremidades de caráter migratório e errá- 2 a 20mg/d;
Coreia tico (dança ondulante); tipos mais frequentes: - Coreia de Huntington: abordagem multidis-
Huntington – características autossômicas ciplinar;
dominantes – ou Sydenham – coreia menor - Coreia de Sydenham: repouso. Manifes-
ou reumática (associação a exposição prévia a tações reumáticas: uso de corticoterapia.
estreptococos grupo A) Controle profilático: antibioticoterapia.
Movimentos abruptos, amplos, de arremesso
De tratamento difícil, podendo-se usar os
geralmente de torção, variando de rápidos a len-
medicamentos como haloperidol, propra-
tos, de trajetória variável, predominantemente
nolol, fenitoína, clonazepam (2 a 6mg/d)
Balismo proximais em membros superiores e inferiores,
e baclofeno (também podem ser usados
podendo acometer o tronco e segmentos cefá-
os mesmos medicamentos utilizados para
licos; diferente dos movimentos coreicos pela
coreia)
relativa previsibilidade
Contrações musculares breves, repetidas e
Orientação e aconselhamento; tratamento
estereotipadas, frequentemente suprimíveis,
farmacológico somente quando os tiques
podendo ser simples e envolver um único
são incapacitantes e prejudicam a qualidade
Tiques segmento muscular ou complexo e afetar uma
de vida diária – alfa-agonista adrenérgico
variedade de atividades motoras; síndrome de
(clonidina), antipsicóticos e toxina botulínica
Tourette: tiques motores e vocalizações (distúr-
se for focal
bio genético)
Movimento breve, rápido, brusco e semelhante Utilização de ácido valproico, piracetam, clo-
Mioclonias a um choque que consiste em descargas mus- nazepam ou primidona e terapia do distúrbio
culares únicas ou repetitivas subjacente ou remoção do agente agressor
Betabloqueadores, benzodiazepínicos e anti-
Sensação de perturbação nas pernas, incapaci- colinérgicos ou antagonistas dopaminérgicos
Acatisia
dade de manter-se quieto eficazes para controle temporário dos movi-
mentos involuntários
Movimentos involuntários, distais, contorsivos
Melhora com levodopa, triexifenidil, estabi-
e lentos, com propensão a afetar os braços
Atetose lizadores de membrana (carbamazepina) e
e mãos (a coreia e a atetose podem ocorrer
piora com haloperidol e antieméticos
simultaneamente – coreoatetose)
Etiologia das síndromes coreicas
Coreia de Huntington, coreia familiar benigna, coreoatetose paroxística familiar, doença de Wil-
Genéticas
son (degeneração hepatolenticular)
Parainfecciosas Estreptocócica (coreia de Sydenham), rubéola, difteria, coqueluche
Autoimunes Lúpus eritematoso, púrpura de Henoch-Schönlein, artrite reumatoide, periarterite nodosa
Vasculares Acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico
Metabólicas Hipertireoidismo, hiperglicemia, distúrbios metabólicos
Drogas noradrenérgicas, anticonvulsivantes, bloqueadores dos canais de cálcio, benzamidas e
Farmacológicas
neurolépticos
Específicas Coreia gravídica e senil

Resposta
da questão do capítulo

1. E
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

10
Denomina-se unidade motora o neurônio motor inferior e
as fibras musculares inervadas por ele, incluindo o corpo
celular desse neurônio na medula espinal, a raiz anterior, o
plexo, o nervo, a junção neuromuscular e o músculo. Cada
uma dessas estruturas, quando lesionada, apresenta uma
manifestação clínica específica. A Paralisia Flácida Aguda
(PFA) é uma síndrome de rápida progressão (até 4 semanas),
caracterizada por fraqueza muscular, flacidez (hipotonia) e
reflexos profundos, geralmente hipoativos ou abolidos. No
Brasil, há notificação compulsória em pacientes abaixo de
15 anos (vigilância de poliomielite). A Síndrome de Guillain-
-Barré (SGB) representa a causa mais comum de PFA, sendo Doenças neuro-
musculares
doença desmielinizante, que acomete as raízes e os nervos
periféricos. Em 60 a 65%, inicia-se em prazo de 1 a 3 sema-
nas após diarreia (classicamente por Campylobacter jejuni)
ou infecção viral (processos gripais são fatores precipitantes

e mielopatias
importantes). Outros fatores são procedimentos cirúrgicos,
doenças exantemáticas agudas, infecções virais (citomegalo-
vírus, HIV), infecção bacteriana aguda e linfoma de Hodgkin.
Os principais sintomas são parestesias nas extremidades,
sensação de dormência e hipoestesia, perda de força simé-
trica de forma ascendente, 75% dos casos com envolvimento
de algum nervo craniano e disfunção autonômica (taqui- As características clínicas e os processos histopatológicos
cardia e hipo/hipertensão) em 50%. Há déficit simétrico, vão diferir em cada tipo de miopatia, e as principais inclu-
com fraqueza muscular progressiva ascendente, pareste- ídas nesse grupo são polimiosite (acometimento muscular
sia distal, arreflexia em todos os membros, de duração até proximal e simétrico, poupando a face), dermatomiosite
4 semanas; no liquor, observa-se dissociação proteico-cito- (acometimento motor associado a acometimento cutâneo),
lógica (a proteína se eleva, sem aumento de celularidade); miosite por corpúsculos de inclusão, além de outras, como
na eletroneuromiografia (ENMG), há sinais de desmieliniza- síndrome “overlap”, miopatia necrosante, miosite eosino-
ção (latência distal profunda, lentificação de condução e de fílica e miosite granulomatosa. As miopatias podem ter
onda F, dispersão temporal). O tratamento específico da SGB origens metabólica (disfunção tireoidiana), tóxica (barbi-
visa, primordialmente, acelerar o processo de recuperação, túricos, clorpromazina, lítio, salicilatos, corticosteroides,
e, para sua indicação, é necessária a determinação da gra- zidovudina) e hereditária (distrofias ligadas ao X). Já a
vidade clínica proposta por Hughes, sendo doença leve de 0 porfiria aguda intermitente é uma doença autossômica
a 2 e moderada a grave de 3 a 6, estando indicadas plasma- dominante, em que há dor abdominal e constipação, dor
férese e imunoglobulina a partir de 3, o mais precocemente muscular, polineuropatia periférica predominantemente
possível. A polineuropatia da doença crítica ocorre em cerca motora, simétrica e proximal, paresia de nervos cranianos,
de 50% dos que permanecem sépticos por mais de 2 sema- psicose, depressão, coma ou crises epilépticas. O diagnós-
nas. Em geral, os nervos cranianos e o sistema nervoso tico se faz por dosagem de ácido delta-aminolevulínico
autonômico são poupados. O principal diferenciador com a (ALA) e porfobilinogênio na urina ou de ALA sérico, e o tra-
SGB é que o liquor não tem aumento importante de proteína, tamento se faz com carboidratos intravenosos, hematina
enquanto a ENMG evidencia acometimento axonal puro. Já e cimetidina. A doença do neurônio motor é um termo que
a miastenia gravis é uma doença da junção neuromuscular, se aplica a síndromes clínicas com características próprias,
em que se evolui com fraqueza e fadiga flutuantes, que pio- como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), atrofia mus-
ram com o esforço físico repetitivo. Há 2 picos de incidência: cular espinal progressiva, esclerose lateral primária e
mulheres entre a 2ª e a 3ª décadas e homens entre os 50 e paralisia bulbar progressiva. A poliomielite aguda é uma
os 70 anos. Setenta por cento têm aumento do timo e 10 a doença que acomete o neurônio motor inferior, após
15% timoma. Há déficits neurológicos flutuantes, com piora infecção por poliovírus ou enterovírus não pólio, em que
ao fim do dia, podendo acometer musculatura ocular ou o quadro clínico se inicia com febre, fadiga, obstipação,
generalizada. O diagnóstico é feito com base no achado de vômitos, rigidez de nuca e dores nos membros inferiores,
fraqueza muscular, que aumenta com o esforço e melhora ao seguido de paralisia, que progride em 24 a 48 horas, com
repouso, podendo haver anti-AchR (80%) e ice pack test posi- déficit motor puro, assimétrico e de predomínio proximal.
tivos, além de ENMG com decréscimo >10% na estimulação Finalmente, mielopatia é o termo utilizado para diferentes
repetida. Não se deve esquecer de solicitar tomografia de distúrbios que acometem a medula espinal ou parte dela,
tórax (tamanho do timo), hemograma, funções renal e hepá- tendo a mielite transversa como principal representante,
tica, eletrólitos, VHS, TSH e T4 para diagnósticos diferenciais. com fase inicial de fraqueza muscular flácida, com hipo/
As miopatias inflamatórias, por sua vez, são doenças que arreflexia, retenção urinária e alterações sensitivas; após 2
têm em comum o acometimento imunológico do músculo. a 3 semanas, surgem sinais de liberação piramidal.
188 sic neurologia

1. Introdução
Denomina-se unidade motora o conjunto formado por neurônio motor
inferior (corpo celular no corno anterior da medula espinal, raiz ante-
rior, plexo, nervo, junção neuromuscular) e as fibras musculares iner-
vadas por ele. O principal neurotransmissor envolvido é a acetilcolina
(ACh), que participa da sinapse entre o neurônio motor inferior e a cé-
lula muscular. Na junção neuromuscular, a ação da ACh ocorre por meio
da ligação desse neurotransmissor ao seu receptor pós-sináptico. A
acetilcolinesterase é a enzima que degrada a ACh na junção neuromus-
cular, controlando a intensidade da ligação entre a ACh e seu receptor
na membrana da célula muscular.
A Paralisia Flácida Aguda (PFA) é uma síndrome de rápida progressão,
caracterizada por achados de síndrome do neurônio motor inferior:
fraqueza muscular, flacidez (hipotonia) e reflexos profundos geral-
mente hipoativos ou abolidos. O termo “agudo” representa a evolução
do déficit neurológico em horas a semanas, usado para progressão de
até 4 semanas, que é o período máximo de instalação da Síndrome de
Guillain-Barré (SGB), por exemplo.
No Brasil, a notificação de PFA é compulsória apenas para a faixa etária
inferior a 15 anos, devido à vigilância de poliomielite. Estudos nacionais
retrospectivos mostraram que, no período de 1990 a 1996, ocorreram
3.619 casos de PFA em menores de 15 anos, sendo a SGB responsável
por 46% dos casos. Outras etiologias foram mielite (3%), pólio pós-va-
cinal (2%), tumores (1%), trauma (1%) e causas diversas (32%; dentre
elas, encefalite e doenças cerebrovasculares). Em 14% dos casos, não
foi possível obter a caracterização etiológica.

2. Fisiopatologia
A principal característica da síndrome é a fraqueza muscular, devendo-
-se definir o local da lesão na unidade motora para o estabelecimento
da conduta de investigação e terapêutica.

Tabela 1 - Alguns conceitos de neuroanatomia

- A unidade motora é formada pelo II neurônio motor (corno anterior da


medula), seu axônio com envoltório de mielina, junção neuromuscular e
músculo inervado;

- As fibras responsáveis pelas sensibilidades superficial (tato, dor e tempe-


ratura) e profunda (vibração e cinético-postural) trafegam com as informa-
ções motoras no nervo periférico e chegam à raiz dorsal;

- Na raiz dorsal, há apenas informações sensitivas; quando essa informa-


ção chega à medula, as sensibilidades profunda e superficial seguem vias
ascendentes anatomicamente distintas.

Tabela 2 - Localizações do comprometimento anatômico

- Trato corticospinal e neurônio motor inferior (lesões medulares, por exemplo);

- Raiz e nervo periférico;

- Junção mioneural;

- Músculo.
doenças neuromusculares e mielopatias 189

Algumas características das diversas síndromes que ocorrem com PFA


são citadas a seguir.

A - Medula espinal Dica


O déficit neurológico aparece no dermátomo correspondente ao nível Quando atinge a medula
medular comprometido para baixo, sendo normal o exame acima do espinal, o déficit neurológico
nível afetado. Além disso, há manifestações esfincterianas (retenção surge no dermátomo abaixo do
urinária e/ou fecal). comprometimento, associado a
Em caso de doença do neurônio motor (esclerose lateral amiotrófica, manifestações esfincterianas.
amiotrofia espinal progressiva, poliomielite), os sinais são apenas mo- Em casos de doença do neurô-
tores e assimétricos, pois não há comprometimento das vias sensitivas. nio motor, os sinais são apenas
motores assimétricos.
B - Raiz e nervo periférico
Geralmente, há sinais de comprometimento motor e sensitivo, po-
dendo também haver comprometimento autonômico. O déficit neu-
rológico é crescente, com predomínio distal. Parestesias ocorrem pela
geração de impulsos ectópicos em todo o nervo, enquanto arreflexia
ocorre por dispersão e lentificação devido à desmielinização das fibras
grossas aferentes.
Dica
As perdas sensitivas (caracteristicamente em padrão “em bota e luva”)
decorrem de bloqueios de condução cumulativa de lesões desmielini- Se a raiz/nervo periférico é
zantes em série. Já a dor pode ocorrer por geração de impulsos ectópi- atingido, há comprometimento
cos ao longo de todo o nervo (fibras de dor e pressão). motor (predomínio distal) e
sensitivo (“em bota e luva”),
C - Junção neuromuscular bem como autonômico.
Há déficit de predomínio proximal nos membros, mais frequentemente
afetando os músculos cranianos e das cinturas escapular e pélvica. Se
houver comprometimento pré-sináptico (síndrome miastênica de Lam-
bert-Eaton), poderão ocorrer sinais autonômicos e aumento da força
com o exercício; se pós-sináptico (miastenia gravis), haverá fatigabili-
dade e piora com esforço físico. Não ocorre alteração de sensibilidade,
e o exame neurológico pode ser normal fora da atividade da doença. Dica
D - Músculo Na junção neuromuscular, o
déficit é predominantemente
Há sinais exclusivamente motores, com predileção por acometimento proximal (pescoço e cinturas
da musculatura cervical e das cinturas (em geral, o predomínio é proxi-
escapular e pélvica), podendo
mal nos membros).
ser pré-sináptico (Lambert-
-Eaton) ou pós-sináptico
3. Polirradiculoneurite aguda ou síndrome (miastenia gravis).
de Guillain-Barré
A - Introdução
A SGB representa a causa mais comum de PFA, com incidência anual

Dica
de 0,4 a 4 por 100.000 habitantes. É uma doença desmielinizante,
que acomete as raízes e os nervos periféricos. Ocorre tanto em ho-
mens quanto em mulheres, mais frequentemente entre 55 e 75 anos.
Em cerca de 60 a 65% dos casos, inicia-se em um prazo de 1 a 3 sema- O comprometimento muscular
nas após quadro de diarreia (classicamente pelo Campylobacter jejuni) gera apenas sintomas motores
ou de infecção viral (processos gripais são fatores precipitantes im- (predomínio proximal).
portantes). Outros fatores relacionados são procedimentos cirúrgicos,
doenças exantemáticas agudas, infecções virais (citomegalovírus, HIV),
190 sic neurologia

infecção bacteriana aguda e linfoma de Hodgkin. Recentemente, têm


sido descritos no Brasil e em outros países da América do Sul a associa-

Tema ção com o vírus zika. A SGB é secundária a uma agressão imunológica
do sistema nervoso periférico, e a natureza dos antígenos que desen-
frequente de prova cadeiam a resposta inflamatória permanece desconhecida. Contudo,
o principal alvo da agressão é o complexo glicolipídico do axônio e da
A SGB pode estar presente mielina. Os autoanticorpos contra esses antígenos atuam bloqueando
nas provas de concursos a condução nervosa. Nas formas desmielinizantes, o infiltrado macro-
médicos, quase sempre fágico-linfocítico promove a desmielinização segmentar, com participa-
apresentando o “quadro ção do sistema complemento.
infeccioso prévio”.
B - Quadro clínico
O paciente com SGB apresenta manifestações neurológicas sensitivas,
motoras e autonômicas. Sem dúvida, o comprometimento motor é o
mais intenso, exceto no início do quadro, quando os sintomas geralmente
são sensitivos, e incluem dor radicular nos membros inferiores e pares-
tesias nas extremidades (pés e mãos), seguidas de sensação da dormên-
Dica cia e hipoestesia. Em seguida, há perda de força simétrica, que evolui em
algumas semanas, de forma ascendente, inicialmente distal nos mem-
Não esquecer que há rela- bros inferiores e posteriormente nos superiores, no tronco e na muscula-
tura intercostal. Os reflexos tornam-se abolidos à medida que a fraqueza
ção entre SGB e infecções
progride. Cinquenta por cento têm fraqueza máxima em 1 semana, 89%
virais ou diarreicas, em em 3 semanas e 90% em 1 mês. Cerca de 50% dos casos apresentam aco-
cerca de 60 a 65% dos metimento do nervo facial, e 10%, diplopia, podendo haver também dis-
casos. fagia (por lesão dos X e XI nervos). Em 75% dos casos, há envolvimento
de algum nervo craniano. Cabe ressaltar que a disfunção autonômica (ta-
quicardia e hipo/hipertensão) ocorre em 50% dos pacientes.

Tabela 3 - Formas menos frequentes

Formas atípicas Que podem simular miastenia ou botulismo

Quadro clínico Síndrome de Miller Fisher, em que o paciente


Forma oftalmoplé- apresenta déficit relativamente simétrico da mus-
O quadro clínico da SGB é gica (5% dos casos) culatura ocular extrínseca, ptose palpebral, ataxia
composto de parestesia de de marcha e membros, com tremor cerebelar
extremidades, dormência Caracterizada por fraqueza da musculatura farin-
e hipoestesia na mesma Forma faringocer- gocervicobraquial, déficit proximal e progressivo
vicobraquial (cerca muscular do pescoço, ombros, membros superio-
região, com perda de força de 15% dos casos)
res, orofaringe e diafragma
simétrica ascendente
(sinal mais marcante e Forma pseu- Déficit progressivo dos membros inferiores com
mais preocupante). A domedular ou arreflexia ou hiporreflexia nos membros inferiores,
grande maioria apresenta paraparética mantendo os superiores normais

acometimento de algum Forma disautonô- Disfunção simpática e parassimpática com arrefle-


nervo craniano, e 50% mica xia ou hiporreflexia
apresenta disfunção
autonômica. C - Diagnóstico
a) Características fisiopatológicas
O diagnóstico complementar da SGB se baseia nas características fisio-
patológicas e na análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) e da eletro-
neuromiografia (ENMG), descritas a seguir:
--Estudo do LCR: verifica-se aumento da proteinorraquia, acompa-
nhada por poucas células mononucleares (dissociação proteico-cito-
doenças neuromusculares e mielopatias 191

lógica, evidente em até 80% dos pacientes após a 2ª semana, podendo


não aparecer no início da doença (Tabela 4). Quando o número de lin-
fócitos é maior do que 10 células/mm3, deve-se pensar em sarcoidose,
ou causa infecciosa como citomegalovírus, doença de Lyme ou infec-
ção pelo vírus HIV;

Tabela 4 - Análise do liquor


- Alta concentração de proteína;
- Presença de menos de 10 células/mm3 .

--ENMG: realiza o diagnóstico eletrofisiológico, em que se verifica que os


marcos eletrofisiológicos de desmielinização incluem latências distais
prolongadas, lentificação da velocidade de condução, dispersão tem-
poral, bloqueio de condução e latências da onda F prolongadas, todos
parâmetros geralmente simétricos e multifocais. Pode não haver alte-
rações à ENMG no início da doença, mas isso não exclui o diagnóstico
de SGB; o exame é fundamental para excluir outras causas.

Tabela 5 - Estudo eletrofisiológico típico

- São necessários 3 dos 4 critérios a seguir:


· Redução da velocidade de condução motora em 2 ou mais nervos;
· Bloqueio da condução do potencial na neurocondução motora ou disper-
são temporal anormal em 1 ou mais nervos;
· Prolongamento da latência motora distal em 2 ou mais nervos ;
· Prolongamento de latência da onda F ou ausência dela.

b) Critérios diagnósticos da síndrome de Guillain-Barré Diagnóstico


clássica
O diagnóstico da SGB é
--Déficit simétrico em todos os membros, com fraqueza muscular pro- estabelecido com déficit
gressiva ascendente. O caráter descendente do déficit motor é visto
simétrico, fraqueza
nas variantes da SGB que iniciam manifestações pelos nervos crania-
nos. O pico do déficit costuma ocorrer em 2 semanas; muscular progressiva
ascendente, parestesia
--Parestesias nos pés e nas mãos;
distal, arreflexia em
--Arreflexia ou hiporreflexia em todos os membros, por 1 semana;
todos os membros, de
--Progressão que dura de vários dias a até 4 semanas;
duração de até 4 semanas;
--LCR com dissociação proteico-citológica pode ser normal até a 1ª se- no liquor, há dissociação
mana, quando a concentração proteica começa a se elevar. O pico
proteico-citológica (a
ocorre em 3 ou 4 semanas. Na maioria dos casos, a celularidade é nor-
mal (até 4 células/mm3). Pleocitose pode ocorrer; entretanto, quando proteína eleva-se, sem
acima de 10 células/mm3, deve-se considerar associação de outras aumento de celularidade);
doenças (HIV, citomegalovírus, doença de Lyme, lúpus eritematoso e, na ENMG, há sinais
sistêmico, doença de Hodgkin, entre outras); de desmielinização
--ENMG com evidências de desmielinização: diminuição da veloci- (latência distal profunda,
dade de condução, dispersão temporal do potencial de ação, prolon- lentificação de condução
gamento da latência da onda F. O padrão de lesão axonal é menos e de onda F, dispersão
frequente e designa algumas formas variantes, como a neuropatia
temporal).
axonal motora aguda, mais comum no Japão e na China, e a neuropa-
tia axonal motora e sensorial aguda.

Tabela 6 - Sinais e sintomas da síndrome de Guillain-Barré


- Frequentemente se segue a doença viral, vacinação, infecção respiratória
ou gastrintestinal;
192 sic neurologia

Pergunta - Rapidamente ascendente, em geral afeta as extremidades inferiores e


depois as superiores;
- Com a progressão dos déficits, serão envolvidos os músculos do tronco,
2015 - UFG intercostais, do pescoço e cranianos;
1. “É uma polineuropatia - É associada a arreflexia;
pós-infecciosa envolvendo prin- - Evolui para melhora;
cipalmente os nervos motores, - Afebril;
mas, algumas vezes, também os - Evolutiva;
sensoriais e autônomos. A pa-
- Simétrica;
ralisia geralmente vem após
- LCR com dissociação proteico-citológica;
uma infecção viral inespecífica
ocorrida há cerca de 10 dias. A - ENMG com velocidade de condução diminuída.
infecção viral pode ter causado
somente sintomas gastrintesti- c) Diagnóstico diferencial
nais ou do trato respiratório. A
fraqueza começa geralmente nas
Tabela 7 - Diagnóstico diferencial etiológico
extremidades inferiores e en-
volve progressivamente o tronco, HIV, doença de Lyme, difteria, poliomielite, botu-
Infecciosas
as extremidades superiores e lismo
finalmente os músculos bulbares”
Paraneoplásicas Neuropatias paraneoplásicas
(Nelson, 2005).
O texto refere-se à doença Autoimunes Doenças do colágeno, vasculites
denominada:
Neuropatia por amiodarona, cloroquina, organo-
Tóxicas
fosforados, chumbo, bário, arsênico e outros
a) doença de Fabry
b) doença de Charcot-Marie-Tooth Porfiria intermitente aguda, paralisias hipo ou
Metabólicas
c) paralisia de Bell hipercalêmicas, deficiência aguda de tiamina
d) síndrome de Guillain-Barré
Resposta no final do capítulo
D - Tratamento, evolução e prognóstico
O tratamento é dividido em terapia de suporte e tratamento específico.
A terapia de suporte baseia-se nas complicações apresentadas, como
insuficiência respiratória ou disautonomia. É fundamental que todos os
que apresentem essas complicações sejam internados em Unidade de

Tratamento Terapia Intensiva (UTI) para suporte clínico adequado, como ventilação
mecânica e monitorização dos parâmetros cardíacos e hemodinâmicos.
Se escala funcional ≥3, O tratamento específico da SGB visa, primordialmente, acelerar o pro-
recorre-se a plasmaférese cesso de recuperação, diminuindo as complicações associadas à fase
(2 a 6 sessões) ou gama- aguda e os déficits neurológicos residuais em longo prazo. As modali-
globulina 0,4g/kg/d, por 5 dades disponíveis são plasmaférese ou imunoglobulina, e a associação
de ambas não produz resultado adicional. Para indicação do trata-
dias consecutivos, para o
mento, alguns protocolos indicam a determinação da gravidade clínica
tratamento da SGB.
proposta por Hughes, sendo considerada doença leve de 0 a 2 e mode-
rada a grave de 3 a 6, sendo indicadas plasmaférese e imunoglobulina
a partir de 3, o mais precocemente possível. Os resultados esperados
com o tratamento são bem estabelecidos, com 80% de recuperação to-
tal do quadro e mortalidade de 5%.

Tabela 8 - Escala funcional de gravidade clínica

0 Saudável

Sinais e sintomas menores de neuropatia, mas capaz de realizar


1
tarefas manuais
doenças neuromusculares e mielopatias 193

Apto a caminhar sem o auxílio da bengala, mas incapaz de realizar


2
tarefas manuais

3 Capaz de caminhar somente com bengala ou suporte

4 Confinado a cama ou cadeira de rodas

5 Necessidade de ventilação assistida

6 Morte

Tabela 9 - Tratamento

- Monitorização e suporte;

- Plasmaférese: 2 a 6 sessões dependendo do quadro;

- Gamaglobulina: 0,4g/kg/d, por 5 dias consecutivos;

- Reabilitação física, psíquica e social.

Apenas a plasmaférese ou a imunoglobulina intravenosa têm se mos-


trado eficazes para o tratamento da SGB. Podem diminuir a produção
de autoanticorpos e aumentar a solubilização e remoção de complexos
imunes. Ambas demonstraram reduzir o tempo de recuperação em até
50%; a imunoglobulina intravenosa é mais fácil de ser administrada e
tem menor número de complicações do que a plasmaférese. O custo e Pergunta
a eficácia de cada uma são comparáveis. A imunoglobulina é contrain-
dicada a pacientes com deficiência congênita de IgA.
2014 - UERJ
2. Cerca de 3 semanas após receber a
1ª dose da vacina contra a hepatite B,
João, um profissional de saúde de 30
anos, previamente hígido, acorda com
a sensação de “formigamento” nos po-
dodáctilos e lombalgia. Evolui ao longo
das próximas horas com paralisia
ascendente dos membros inferio-
res. Trazido ao hospital, é observada a
presença de paralisia flácida com ar-
reflexia até a raiz de ambas as coxas; a
sensibilidade nos MMII é muito pouco
afetada (comprometimento apenas
da propriocepção consciente distal).
É aventada a hipótese diagnóstica de
síndrome de Guillain-Barré. Apesar de
poder não estar presente nos primeiros
dias da síndrome clínica, a alteração
em exames complementares mais in-
dicativa da presença dessa condição é:

a) altos títulos de IgG4 no sangue


b) dissociação albuminocitológica no
liquor
c) anticorpos IgA anti-Campylobacter
jejuni nas fezes
Figura 1 - Subclassificação prática da síndrome de Guillain-Barré d) velocidade de condução nervosa au-
Fonte: Practical Neurology, 2006. mentada na eletroneuromiografia
Resposta no final do capítulo
194 sic neurologia

Entre os sobreviventes de SGB, Khan e colaboradores (J. NEUROL., ju-

Pergunta lho de 2010) descobriram que os seguintes fatores estavam associados


a pior nível de desempenho ocupacional e qualidade de vida: sexo femi-
nino; idade avançada (acima de 57 anos); hospitalização por mais de 11
dias; tratamento em UTI e dispensa de reabilitação. Os resultados finais
2012 - UFPR
parecem não estar relacionados com a severidade no início da doença.
3. Sobre a síndrome de Guillain-
-Barré, identifique as afirmativas
a seguir como Verdadeiras (V) ou 4. Outras paralisias flácidas
Falsas (F):
( ) Embora a apresentação clás- A - Tetraparesia aguda do paciente crítico e outras
sica seja a diminuição de força
muscular dos membros inferiores,
neuropatias
ascendente, com arreflexia, existe A tetraparesia aguda do paciente crítico pode ser decorrente de miopa-
em 50% das vezes o comprometi- tia ou de polirradiculoneurite, sendo a miopatia 3 vezes mais comum. O
mento de pares cranianos. quadro clínico em ambas é praticamente idêntico. A polineuropatia do
( ) A etiologia é autoimune e, doente crítico, também conhecida como polineuropatia axonal difusa,
na grande maioria das vezes, tem sido descrita há décadas e vem, nos últimos anos, ocupando lugar
associada a alguma forma de de destaque em indivíduos graves internados em UTI. A despeito de
colagenose. sua prevalência, permanecem desconhecidos fatores claramente asso-
( ) O diagnóstico é suportado por ciados à sua fisiopatologia, bem como sua terapia adequada. Durante o
exame liquórico, que inicialmente curso da síndrome da resposta inflamatória sistêmica, podem ocorrer
se apresenta com proteinorra- disfunções de nervo periférico, junção neuromuscular e músculo. Os
quia e após 2 semanas há aumento pacientes com quadro séptico grave, intubação orotraqueal por longo
da celularidade (dissociação período, síndrome da resposta inflamatória sistêmica e falência de me-
proteico-citológica). dula óssea apresentam maior risco.
Assinale a sequência correta:
A importância da tetraparesia aguda do paciente crítico como compli-
a) V, F, F cação inicial do choque séptico, em indivíduos com disfunção de múl-
b) V, F, V tiplos órgãos ou sistemas, está claramente descrita como responsável
c) V, V, F pelo prolongamento da permanência na UTI e, também, pela redução
d) F, F, V gradativa da probabilidade de sobrevida. Sugere-se que a síndrome es-
e) F, V, F teja relacionada com as citocinas envolvidas na sepse, além de outros
mediadores que aumentam a permeabilidade dos vasos, resultando em
Resposta no final do capítulo
edema e lesão axonal. O diagnóstico é feito por meio da ENMG, sendo
que o exame de LCR é normal ou com pequenas anormalidades; no caso
da polineuropatia, a biópsia de nervo mostra degeneração axonal pri-
mária sem evidência de inflamação. Segundo Leijten e De Weerd, a dis-
paridade em alguns casos entre os achados patológicos e a gravidade
de manifestação clínica é argumento a favor de uma base mais funcio-
nal do que anatômica da axonopatia.
A disfunção pode ser acentuada pelo uso de corticosteroides e blo-

Dica queadores neuromusculares. Não há tratamento específico, exceto su-


porte clínico, sendo necessário descartar outras causas de paralisia.
A polineuropatia da doença crítica ocorre em cerca de 50% dos que
O principal diferenciador permanecem sépticos por mais de 2 semanas. Geralmente, os nervos
da tetraparesia aguda cranianos e o sistema nervoso autonômico são poupados. O principal
do paciente crítico com diferenciador com a SGB é que o liquor não tem aumento importante de
a SGB é que o liquor não proteína. A ENMG evidencia acometimento axonal puro na polirradicu-
tem aumento importante loneurite. Na miopatia do paciente crítico, relacionada, principalmente,
de proteína. ao uso de corticosteroides e de bloqueadores musculares (curarizan-
tes), há aumento importante de creatinofosfoquinase, e a ENMG apre-
senta padrão miopático.
As neuropatias tóxicas são outra causa de paralisias flácidas. Inúme-
ros agentes químicos podem afetar os nervos periféricos, entre eles
os metais pesados, como o arsênico e o tálio, que ocasionam náuseas,
doenças neuromusculares e mielopatias 195

vômitos, dor abdominal, distúrbios psíquicos e crises convulsivas, além


do déficit motor que tem início pelos membros inferiores. Na intoxi-
cação pelo chumbo, é clássica a descrição dos sintomas que começam
pelos membros superiores. O etanol pode provocar miopatia aguda ou
lesar o sistema nervoso periférico, provocando quadro semelhante ao
da SGB. Não há tratamento específico, devendo-se retirar o fator de
exposição.
A paralisia da picada do carrapato é provocada por toxina que afeta fi-
bras nervosas de maior calibre, bloqueando a transmissão do impulso Tema
nervoso. Os sintomas neurológicos surgem de 5 a 10 dias após a infes- frequente de prova
tação, com pródromo de irritabilidade, anorexia, dores e parestesias,
seguido pela PFA de 12 a 36 horas. Em geral, a paralisia se resolve rapi- A miastenia gravis está
damente após a remoção do artrópode. entre as paralisias flá-
cidas agudas que podem
B - Miastenia gravis e outras afecções neuromusculares estar presentes na provas
de concursos médicos.
A miastenia gravis é uma doença da junção neuromuscular. Os pacien-
tes evoluem com fraqueza e fadiga flutuantes, que pioram com o es-
forço físico repetitivo. Há 2 picos de incidência: em mulheres entre os
20 e os 30 anos e em homens entre os 50 e os 70 anos. A doença é au-
toimune, relacionada a anticorpos antirreceptores de ACh, presentes
em 86% dos casos. O papel do timo é importante: 70% dos pacientes
têm aumento do timo e de 10 a 15% têm timoma. Assim, a tomografia
de tórax é obrigatória na avaliação diagnóstica.
Dica
A miastenia gravis apre-
a) Manifestações clínicas senta pico entre mulheres
As manifestações clínicas mais características da miastenia gravis são na 2ª a 3ª décadas de vida
os déficits neurológicos flutuantes, geralmente mais brandos ao acor- e, entre homens, na 5ª a 7ª
dar e piores ao final da tarde. A depender da forma clínica (ocular ou décadas. Pode estar as-
generalizada), pode acometer diversos grupamentos musculares, como sociada a timoma, sendo
as musculaturas ocular, facial, bulbar e somática, e ter as manifesta- fundamental a realização
ções clínicas baseadas no acometimento desses grupamentos. Sua in- de tomografia de tórax
tensidade pode ser classificada pela escala de Osserman.
para o diagnóstico de
tumor primário oculto.
Tabela 10 - Classificação conforme Osserman e Genkins

Grupo 1 (ocular) 25% Ptose, diplopia

Grupo 2a (gene- Envolvimento ocular e de extremidades,


35%
ralizada leve) sem sinais bulbares proeminentes

Grupo 2b
(generalizada
moderada a
20%
Sinais oculares e bulbares, envolvendo
variável da musculatura apendicular, sem Quadro clínico
crises
grave) O quadro clínico da
Grupo 3 (aguda Sinais generalizados com envolvimento miastenia gravis envolve
11%
fulminante) bulbar proeminente, com crises déficits neurológicos
flutuantes, com piora
Grupo 4 (grave
Generalizada, sinais bulbares proeminen- ao fim do dia, podendo
de instalação 9%
tes, com crises
tardia) acometer a musculatura
ocular ou generalizada.
b) Diagnóstico
O ponto-chave para o diagnóstico baseia-se na presença de fraqueza
muscular que aumenta com o esforço e diminui com o repouso.
196 sic neurologia

Tabela 11 - Testes e exames

Dosagem de anticorpos
- Dosagem de anticorpos anti-AchR – positiva em 80% dos pacientes;

Importante - Dosagem de anticorpos anti-MuSK (tirosinoquinase específica do músculo).

Prova terapêutica
O anticorpo está presente
Teste com anticolinesterásicos, feito por edrofônio (Tensilon®) ou neostig-
em cerca de 85% dos
mina
casos de miastenia gravis
na forma generalizada Teste do gelo (ice pack test)
e em cerca de 50% dos Avaliação da fenda palpebral antes e depois da colocação de uma bolsa de
casos na forma ocular. gelo por 2 minutos, com boas especificidade e sensibilidade para miaste-
Acima de 70% dos nia gravis (Figura 2)
soronegativos, ou seja, ENMG
com o anticorpo contrar-
receptor de ACh negativo, Estimulação nervosa repetitiva; valor do decremento acima de 10 ou 12%
como sendo o compatível com disfunção da junção neuromuscular do tipo
apresentam positivo para pós-sináptica
a MuSK. Esta é mais co-
mum nas formas bulbar e Outros exames complementares (não diagnósticos)
ocular, com pior resposta - Tomografia de tórax para verificar o tamanho do timo;
ao tratamento que não
- Hemograma, funções renal e hepática, eletrólitos, velocidade de hemosse-
seja plasmaférese. dimentação (VHS), TSH/T4 (hormônio tireoestimulante/tiroxina) livre para
realizar diagnóstico diferencial.

Testes genéticos podem ser realizados quando a suspeita repousa so-


bre miastenia gravis do tipo congênita. Embora alguns tipos de genes
causadores da doença já tenham sido identificados, as pesquisas ainda
estão em andamento para identificação completa.
A biópsia muscular consiste na análise de tecido muscular retirado do
bíceps por meio de microcirurgia. Essa análise pode revelar fibras mus-
culares atrofiadas características da miastenia gravis, além de outras
desordens de ordem neuromuscular.
A síndrome de Lambert-Eaton é uma condição paraneoplásica que de-
corre da agressão imunomediada da membrana pré-sináptica, em que
anticorpos (podem ser dosados) se formam contra os canais de cálcio

Diagnóstico voltagem-dependente, resultando da diminuição da liberação de ACh e


defeito da transmissão neuromuscular. É clinicamente similar à miaste-
nia gravis e, em geral, associa-se ao carcinoma de pulmão (presença de
A síndrome de Lambert- anticorpos anti-Hu). O padrão eletroneuromiográfico com incremento
-Eaton é similar à do potencial de ação muscular é o achado típico dessa síndrome. Outro
miastenia gravis e possui diagnóstico diferencial a ser lembrado é o botulismo, pois se trata de
padrão eletroneuromio- uma síndrome miastênica por bloqueio da liberação de ACh e, portanto,
gráfico distinto, com anatomicamente similar à síndrome de Lambert-Eaton. Ao contrário da
incremento do potencial miastenia gravis, na síndrome de Lambert-Eaton a insuficiência respi-
de ação muscular. ratória e a ptose palpebral são raras e os movimentos extraoculares
são preservados. Não há resposta à piridostigmina (pelo mecanismo
patológico diferente).
Aminoglicosídeos, tetraciclinas, penicilamina e difenil-hidantoína po-
dem causar bloqueio neuromuscular pré-sináptico e, consequente-
mente, sinais e sintomas miastênicos.
doenças neuromusculares e mielopatias 197

Figura 2 - Teste do gelo (ice pack test): (A) ptose evidente no olho direito antes de (B) colocar gelo sobre os olhos durante 2 minutos;
e (C) a ptose foi resolvida

Figura 3 - Paciente miastênica apre-


sentando ptose palpebral à esquerda

Figura 4 - Eletroneuromiografia com padrão decremental: achado sugestivo de


miastenia

Tabela 12 - Miastenia gravis


- Fraqueza muscular e fatigabilidade, atenuadas pelo repouso;
- Diplopia e ptose palpebral (início ocular – 50%);
- Fraqueza facial;
- Disfonia;
- Fraqueza de membros superiores e inferiores;
- Mastigação débil/dificuldade de deglutição;
- Dispneia (exacerbação da fraqueza muscular – diafragma e intercostais).
Diagnóstico clínico (3 grupos)
- Testes farmacológicos: melhora da força muscular por meio de inibidores
da colinesterase, como edrofônio, neostigmina e piridostigmina;
- Testes eletrofisiológicos: evidenciam estimulação repetitiva a 3Hz como a
mais comumente usada para testar a junção neuromuscular, sendo que,
na miastenia gravis, se tem decréscimo da resposta motora à estimulação
repetitiva (padrão decremental). Dispõe-se, ainda, da ENMG de fibra única,
que apresenta alta sensibilidade (não é considerada como protocolo de
rotina nas avaliações da junção neuromuscular);
- Testes imunológicos: quando positivos, apresentam grande especificidade:
· Pesquisas de anticorpos que reagem com receptores de ACh não predi-
zem a gravidade da doença e sua ausência não a descarta;
· Anticorpos contra o receptor da tirosinoquinase musculoespecífica
(MuSK): pacientes com dificuldade de diagnóstico podem favorecer-se do
anti-MuSK. Também pode ser utilizado nas formas oculares puras.
198 sic neurologia

c) Tratamento
--Medicamentoso: anticolinesterásico (piridostigmina), podendo-se
associar corticosteroide (prednisona) na menor dose possível para
manter o paciente bem. Imunossupressores também podem ser as-
sociados (até mesmo se o corticoide for contraindicado), sendo a aza-
tioprina a mais utilizada. A ciclosporina e a ciclofosfamida também
podem ser utilizadas;
--Cirúrgico: a timectomia sempre está indicada nos timomas. Quanto
aos pacientes sem timoma, há discussão na literatura, e as condutas
podem variar entre os serviços. Tal tratamento não determina a re-
missão da doença, mas parece manter o paciente melhor e podendo
usar menos medicação por alguns anos. Pode, ainda, não mudar a
evolução e, por isso, de forma geral, é considerado para mulheres jo-
vens que necessitam de dose alta de corticoide, no intuito de adiar a
imunossupressão;
--Plasmaférese e gamaglobulina: devem ser utilizadas em quadros de
crise miastênica, condição que se caracteriza por fraqueza muscular
aguda com insuficiência respiratória.

C - Miopatias
a) Miopatias inflamatórias e infecciosas
As miopatias inflamatórias são doenças que têm em comum o acometi-

Dica mento imunológico do músculo. As características clínicas e os proces-


sos histopatológicos vão diferir em cada tipo de miopatia. As principais
incluídas neste grupo são polimiosite, dermatomiosite, miosite por cor-
A polimiosite afeta prin- púsculos de inclusão, além de outras, como síndrome “overlap”, miopa-
cipalmente mulheres, com tia necrosante, miosite eosinofílica e miosite granulomatosa.
acometimento muscular
A polimiosite afeta predominantemente mulheres com pico bimodal e
proximal e simétrico e
caracteriza-se por acometimento muscular inflamatório poupando a
poupando a face. face, com fraqueza muscular proximal e simétrica, podendo haver tam-
bém poliartrite, Raynaud e até acometimento pulmonar.
A dermatomiosite caracteriza-se por acometimento muscular inflama-
tório, juntamente com alterações cutâneas como Gottron, heliotropo,
eritema facial, sinal em “V” e outros. Seu diagnóstico é feito por meio
de história clínica, exame físico, elevação de marcadores (creatinofos-
foquinase, aldolase, transaminases e VHS) e ENMG com acometimento
miopático primário e biópsia muscular. Essa afecção pode ser uma ma-
nifestação paraneoplásica, devendo sempre ser realizado screening
para neoplasias nesses pacientes.
O tratamento das miopatias inflamatórias tem, como 1ª escolha, na
Dica maioria das condições, o uso de corticoide, principalmente prednisona
1mg/kg/d. Quando grave, utiliza-se metilprednisolona por via intra-
A dermatomiosite venosa em pulsoterapia 1g/d por 3 dias seguidos. Agentes imunos-
possui acometimento supressores poupadores de corticoide são necessários no manejo do
cutâneo (sinal de Gottron, paciente nas situações em que o quadro progride após a suspensão do
heliotropo, sinal “em V”, corticoide.
eritema facial) associado As miopatias infecciosas podem ser de etiologia viral (influenzas A e
ao muscular. B, vírus HIV, Epstein-Barr, herpes-vírus), bacteriana (S. aureus, C. per-
fringens), fúngica (C. albicans) ou parasitária (toxoplasmose, triquinose,
cisticercose).
doenças neuromusculares e mielopatias 199

b) Miopatias por defeito genético em canais iônicos


A paralisia periódica hipocalêmica é um tipo de canalopatia autos-
sômica hereditária, de transmissão dominante, mais frequente em
homens, principalmente adultos jovens, e que se caracteriza por epi-
sódios súbitos de debilidade e paralisia concomitante com hipocalemia.
Os principais fatores precipitantes das crises são exercícios intensos e
a ingestão de grande quantidade de carboidratos. O hipertireoidismo
pode, também, estar associado a paralisia periódica hipocalêmica. O
diagnóstico é feito por meio de história e exame físico. Podem-se ve-
rificar, também, hipocalemia, TSH/T4 livre, ENMG (demonstrando hi-
poexcitabilidade) e até biópsia muscular (vacuolização da musculatura).
O tratamento é feito corrigindo-se a hipocalemia nas crises e evitando-
-se dieta rica em carboidratos e exercício extenuante. Nos casos de asso-
ciação a hipertireoidismo, o controle da doença de base é fundamental.
A paralisia periódica hipercalêmica, assim como a hipocalêmica, é um
tipo de canalopatia autossômica hereditária de transmissão dominante.
O início de manifestações é mais frequente na infância. O diagnóstico
é feito por meio de histórico, exame físico, presença de hipercalemia e
ENMG com hiperexcitabilidade. O tratamento visa à correção da hiper-
calemia nos ataques e ao uso de inibidores da anidrase carbônica como
profilaxia (acetazolamida).

c) Miopatias metabólicas
Muitos distúrbios endócrinos ou iatrogênicos podem levar à doença
muscular. A disfunção tireoidiana está frequentemente associada a
miopatia, que ocorre em 30 a 80% dos casos de hipotireoidismo, geral-
mente com fraqueza proximal, rigidez muscular e cãibras.
As manifestações neuromusculares associadas a hipertireoidismo são
mais variadas e incluem fraqueza muscular generalizada, fraqueza
muscular bulbar, miastenia gravis, paralisia periódica tireotóxica e of-
talmopatia tireoidiana. Também são comuns as miopatias metabólicas
por defeitos genéticos na via glicolítica (glicogenoses) e aquelas com
acúmulo de lipídios (lipidoses). No 1º grupo, destacam-se a deficiência
de maltase ácida (doença de Pompe) e a doença de McArdle, que é a
deficiência de miofosforilase. Entre as lipidoses, a mais comum é a de-
ficiência de carnitina-palmitoil-transferase.

d) Miopatias tóxicas
Podem resultar da agressão direta ou indireta (por distúrbio eletro-
lítico) de inúmeras substâncias. Como exemplo, podemos citar barbi-
túricos, clorpromazina, lítio, anfetaminas, salicilatos, corticosteroides,
zidovudina, entre outras. A miopatia associada a alcoolismo pode apre-
sentar-se de forma aguda ou crônica. A primeira ocorre em 5% dos pa-
cientes e desenvolve-se em horas a dias. Ocorre dor, a concentração de
creatinoquinase se eleva, e é comum mioglobinúria.

e) Outras miopatias hereditárias (distrofias e miopatias


mitocondriais)
As miopatias hereditárias, como distrofias ligadas ao X, com distrofia
miotônica, e miopatias mitocondriais, são condições de evolução crô-
nica, que podem entrar na sala de emergência por deterioração clínica,
com fraqueza muscular generalizada e insuficiência respiratória.
200 sic neurologia

A encefalomiopatia mitocondrial, com acidose láctica e episódios se-


melhantes a acidente vascular cerebral (Mitochondrial myopathy, En-
cephalopathy, Lactic Acidosis, and Stroke-like episodes – MELAS), é
uma mitocondriopatia com padrão de herança materna. O paciente
pode apresentar cefaleia, crises epilépticas, perda auditiva, fraqueza
muscular com intolerância ao exercício, episódios semelhantes a aci-
dente vascular cerebral tipicamente flutuantes (cegueira cortical, he-
mianopsia, hemiparesia). Os exames mostram CPK normal ou elevada,
lactato elevado no sangue e liquor. A ressonância mostra infartos cor-
ticais occipitais e parietais que não obedecem a territórios corticais e
podem migrar com o tempo; pode ocorrer acometimento talâmico. A
ENMG vem normal, mas com alterações miopáticas em casos avança-
dos. A biópsia mostra fibras vermelhas rasgadas. A pesquisa genética
evidencia mutação no RNA mitocondrial (MTTL1 A3243G). As opções
de tratamento incluem coenzima Q10 e l-arginina (resultados pobres).
As distrofinopatias mais importantes são as de Duchenne (DMD) e
Becker (DMB). São miopatias progressivas, recessivas ligadas a X,
resultantes de mutações do gene distrofina (proteína do citoesque-
leto da membrana muscular). A incidência de DMD é de 1:3.300 meni-
nos (prevalência de 3:100.000 habitantes), e a de DMB, de 1:18.000 a
1:31.000 meninos. A DMD evolui para necessidade de cadeira de ro-
das aos 13 anos, enquanto na DMB o paciente precisa de cadeira de
rodas aos 16 anos. A DMD, por sua vez, tem início aos 2 a 3 anos. Aos
5 anos, quase todos os pacientes estão sintomáticos. No início, os pais
notam dificuldade para correr, pular e subir escadas. A criança apre-
senta marcha anserina, lordose lombar e hipertrofia das panturrilhas,
com fraqueza simétrica e de início proximal nos membros inferiores,
bem como sinal de Gowers (necessidade de apoio sobre os joelhos
para assumir ortostase), e, posteriormente, evolui com acometimento
cardíaco, alteração cognitiva de memória operacional e função execu-
tiva. A fase “de lua de mel” caracteriza-se por melhora por volta dos
3 a 6 anos. Depois, ocorre piora progressiva, necessitando de cadeira
de rodas aos 13 anos. Notam-se, nessa fase, contratura e escoliose
até a deterioração pulmonar. A CPK atinge até 100 vezes o Limite Su-
perior da Normalidade (LSN) nos primeiros 3 anos, podendo cair até
chegar a 3 vezes o limite. À ENMG, nota-se o padrão miopático. A
biópsia muscular exibe alterações distróficas. Detecta-se a mutação
do gene da distrofina ou diminuição/ausência de distrofina no frag-
mento de tecido muscular. Cerca de 90% dos casos apresentam alte-
rações ao eletrocardiograma (1/3 aos 14 anos, 100% aos 18 anos). Na
fase terminal, surgem insuficiência cardíaca congestiva e arritmias,
com óbito aos 20 anos. A administração de prednisona 0,3 a 0,75 mg/
kg/d pode produzir melhora significativa na força muscular e prolon-
gar o tempo de deambulação em 3 anos.

Tabela 13 - Miopatias
- Disfunção primária do músculo esquelético, determinando, na maioria das
vezes, fraqueza muscular proximal simétrica;
- Dificuldade em elevar os braços acima da cabeça (pentear o cabelo, al-
cançar objetos acima da cabeça). Na infância, podemos notar dificuldades
para correr ou pular;
- Os pacientes são incapazes de levantar-se do chão, a menos que usem
os braços e as mãos para escalar seu próprio corpo desde as pernas e as
coxas (manobra de Gowers);
doenças neuromusculares e mielopatias 201

- Mialgia e cãibras podem aparecer após exercícios (miopatias metabólicas);


- Sintomas constantes ou oscilantes ao longo de um período de 24 horas,
dependendo da etiologia da miopatia; podem apresentar manifestações
aguda, subaguda ou crônica dos sintomas.
Diagnóstico
- Laboratorial: nível sérico de creatinoquinase elevado em distrofias muscu-
lares (como distrofia muscular de Duchenne);
- ENMG: os potenciais de unidade motora de amplitude e duração reduzidas
em comparação com casos normais, determinando características típicas
de potenciais conhecidos como miopáticos;
- Biópsia muscular e estudo molecular: auxiliam na classificação das miopa-
tias; a biópsia tem papel importante na investigação das miopatias congê-
nitas, e o estudo molecular, na diferenciação das distrofias musculares.

D - Botulismo
O botulismo é uma forma de intoxicação alimentar rara, mas potencial-
mente fatal, causada por uma toxina produzida pela bactéria Clostridium
botulinum, presente no solo e em alimentos contaminados e mal conser-
vados (conservas caseiras ou enlatados). Tem evolução rápida, mas com
alta taxa de sobrevida, dependendo da quantidade de toxina liberada e
absorvida. O tempo de aparecimento dos sintomas ocorre 12 a 72 horas
após ingestão de alimentos, com aparecimento de fraqueza repentina,
e os sintomas evoluem de maneira descendente, acometendo músculos
Dica
da face, tronco e membros (maior intensidade nos membros superiores) No botulismo, há
sem, no entanto, alterar a sensibilidade ou os reflexos profundos. fraqueza repentina
Trata-se de doença neurológica aguda, que causa risco de morte por (paralisia flácida), com
neuroparalisia devido à neurotoxina produzida pelo Clostridium botuli- evolução descendente,
num. A neurotoxina atua na placa motora e liga-se às membranas pré-
preservando-se a
-sinápticas do nervo periférico, junção neuromuscular e autonômica. A
toxina bloqueia a liberação da ACh, o que resulta em fraqueza, paralisia sensibilidade. A con-
flácida e, muitas vezes, parada respiratória. A cura ocorre após novos firmação é feita pela
brotamentos nas terminações nervosas. O quadro clínico caracteriza- presença de toxina A,
-se por sintomas gastrintestinais. B ou E (mais comuns).
Os pacientes devem ser internados devido ao risco de aparecimento Realiza-se o tratamento
rápido de insuficiência respiratória e necessidade de assistência venti- pelo soro com antito-
latória. Após diagnóstico confirmado de botulismo (presença de toxina xina trivalente.
– tipos mais comuns A, B e E), está indicado o uso de antitoxina triva-
lente (ABE), desde que o paciente não seja alérgico a soro de cavalo.

Tabela 14 - Evolução do quadro clínico


- Fraqueza progressiva da motricidade ocular extrínseca e intrínseca;
- Fraqueza da musculatura da faringe;
- Tetraparesia descendente;
- Insuficiência respiratória;
- Ausência de sintomas sensitivos.

E - Porfiria aguda intermitente


Doença autossômica dominante do metabolismo da porfirina que cursa
com ataques recorrentes de dor abdominal e sintomas neurológicos. O
quadro clínico se deve à deficiência de porfobilinogênio deaminase.
202 sic neurologia

Os sintomas geralmente ocorrem de 10 a 30 anos após a puberdade,


sendo mais comuns entre mulheres. Os ataques agudos apresentam dor

Quadro clínico abdominal e constipação, dor muscular considerável (algumas vezes),


seguidas de polineuropatia periférica predominantemente motora e si-
métrica, de predomínio proximal em alguns casos (quadriplegia e insu-
O quadro clínico de por- ficiência respiratória), paresia de nervos cranianos, psicose, depressão,
firia aguda intermitente coma ou crises epilépticas, podendo levar a quadro de polineuropatia
é composto de dor abdo- periférica progressiva, com possível perda sensorial menos evidente
minal e constipação, dor com reflexos tendíneos diminuídos ou ausentes, ou disfunção psiquiá-
muscular, polineuropatia trica. Podem acompanhar distúrbios metabólicos, principalmente hipo-
periférica predominante- natremia. As crises podem ser desencadeadas por drogas, hormônios,
mente motora, simétrica e infecções e, até mesmo, dieta com baixa ingesta de carboidrato.
proximal, paresia de ner- O diagnóstico pode ser realizado por meio da dosagem de ácido delta-
vos cranianos, psicose, -aminolevulínico (ALA) e porfobilinogênio na urina ou de ALA sérico; a
depressão, coma ou crises exposição da urina ao sol a deixa com coloração de cor de vinho tinto
epilépticas. (Figura 5). O seu tratamento é realizado com carboidratos intraveno-
sos, hematina e cimetidina. O mais importante é evitar medicações que
podem precipitar os ataques (como barbitúricos, estrogênios, sulfona-
midas, fenitoína e succinamidas) e situações desencadeadoras de crise.

Diagnóstico
O diagnóstico de porfiria
aguda intermitente é
realizado por meio da
dosagem de ALA e porfo-
bilinogênio na urina ou
de ALA sérico.
Figura 5 - Urina na porfiria intermitente: acúmulo de precursores do grupo heme
excretados na urina pode mudar a sua cor, após a exposição ao sol, do amarelo (à
esquerda) para vermelho ou marrom escuro, ocasionalmente até tom de púrpura
(à direita)
Fonte: Dr. Stéfano Gonçalves Jorge.

F - Doenças do neurônio motor


O neurônio motor caracteriza-se pela distribuição na região anterior da
medula e do tronco cerebral, desempenhando papel de integração de
impulsos de origem do sistema nervoso central e atividade muscular.
A doença do neurônio motor é um termo que se aplica a síndromes
clínicas com características próprias, como a Esclerose Lateral
Amiotrófica (ELA), a atrofia muscular espinal progressiva, a esclerose
lateral primária e a paralisia bulbar progressiva.

a) Esclerose lateral amiotrófica


Caracteriza-se por ser uma doença degenerativa que afeta o corno an-
terior da medula, o tronco cerebral e as células de Betz do córtex mo-
tor, causando morte no corpo celular do neurônio motor de maneira
crônica e rapidamente progressiva, com óbito em torno de 3 a 5 anos
após o início da sintomatologia.
A incidência é de 1 a 2 casos/100.000 pessoas ou 2.500 casos por ano,
à proporção de 2:1 do sexo masculino em relação ao feminino e idade
doenças neuromusculares e mielopatias 203

média de início em torno dos 50 anos. Os fatores de risco relacionados


à doença são traumas elétricos, mecânicos ou cirúrgicos.
As manifestações clínicas incluem achados da síndrome do neurônio
motor superior (fraqueza, hiper-reflexia e sinal de Babinski) e da sín-
drome do neurônio motor inferior (atrofia, fasciculações). O tratamento
Dica
não medicamentoso é realizado com dispositivos de auxílio à comu- A ELA possui maior
nicação por meio da leitura dos movimentos oculares, gastrostomia e relação com sexo mas-
traqueostomia com uso de BiPAP em casos avançados. O riluzol, um culino, início médio
antagonista do glutamato, é aprovado pelo Food and Drug Administra- aos 50 anos, com óbito
tion (FDA) para o tratamento da ELA, com aumento na sobrevida em
entre 3 e 5 anos após o
3 a 5 meses. Em maio de 2017, o FDA aprovou a edaravona, medicação
nootrópica e neuroprotetora com ação sobre o metabolismo oxidativo
início dos sintomas. Além
para o uso em pacientes com ELA inicial. É administrado em infusões disso, acomete as regiões
quinzenais intravenosas, sendo que 1 ano de tratamento pode custar bulbar, cervical, torácica
até US$ 150.000,00 por paciente. e lombossacral.

Tabela 15 - Critérios de El Escorial revisados (mais aceito)


ELA clássica Sinais de NMS e NMI em mais de 3 regiões
ELA clinicamente Sinais de NMS e/ou NMI em 1 região com
definida, apoiada labo- algum sinal e o paciente é portador de uma
ratorialmente mutação genética
ELA clinicamente pro- Sinais de NMS e NMI em 2 regiões com
vável algum sinal de NMS rostral ao de NMI
ELA clinicamente
Sinais de NMS em 1 ou mais regiões e os
provável, apoiada labo-
sinais de NMI definidos pela ENMG
ratorialmente
Sinais de NMS e NMI em 1 região ou sinais
ELA clinicamente pos- de NMS em, no mínimo, 2 regiões ou sinais
sível de NMS e NMI em 2 regiões com os de NMS
rostrais aos NMI
NMS: Neurônio Motor Superior; NMI: Neurônio Motor Inferior.

Tabela 16 - Critérios para o diagnóstico, exigidos pela World Federation of


Neurology
- Evidências de achados de neurônio motor superior;
- Evidências de achados de neurônio motor inferior;
- Evidências de achados de progressão (de dentro do local de início para
além dele);
- Causas alternativas para essa apresentação e achados necessitam ser
excluídos.

Tabela 17 - Para efeitos de aplicação dos critérios da World Federation of


Neurology, 4 regiões ou níveis do corpo são reconhecidos

Bulbar Músculos da face, boca e garganta

Músculos do dorso, da cabeça e do pescoço, dos


Cervical ombros, da parte superior das costas e das extremi-
dades superiores

Músculos do tórax e do abdome e porção média dos


Torácica
músculos da coluna vertebral

Músculos da parte inferior das costas, virilha e extre-


Lombossacra
midades inferiores
204 sic neurologia

b) Esclerose lateral primária

Dica
Apresenta evolução mais arrastada, com sinais de acometimento do
neurônio motor superior exclusivos, em, pelo menos, 3 anos antes de
envolvimento do neurônio motor inferior.
Na atrofia muscular, há
envolvimento apenas do c) Atrofia muscular
neurônio motor inferior, Caracteriza-se pelo envolvimento puro do neurônio motor inferior,
sem envolvimentos sen- sem envolvimento sensitivo e do trato piramidal, com evolução pro-
sitivo ou piramidal. gressiva, determinada geneticamente por várias mutações, podendo
envolver a musculatura bulbar e sendo, assim, denominada neuropatia
motora hereditária. O envolvimento de outros sítios patológicos não é
infrequente, principalmente nas formas recessivas, em decorrência das
alterações moleculares.

G - Poliomielite aguda
A poliomielite afeta cerca de 1/1.000 a 1/100 indivíduos. O vírus infecta
o corno anterior da medula e destrói os neurônios motores inferiores.
Os pacientes apresentam doença paralítica quando são expostos ao
vírus selvagem, e a infecção é subclínica em 72% dos casos. A doença
pode se expressar com padrão monofásico em adultos. Nos indivíduos
com menos de 15 anos, a doença é bifásica. Inicialmente, há febre, fa-
diga, obstipação, vômitos, rigidez de nuca e dores nos membros in-

Quadro clínico feriores. A seguir, surge a paralisia, que progride em 24 a 48 horas.


Caracteristicamente, o padrão de acometimento nervoso é de déficit
motor puro, assimétrico e com predomínio proximal. O LCR mostra
O quadro clínico da polio- pleocitose, e a concentração proteica está levemente aumentada.
mielite aguda é composto
Desde a erradicação do poliovírus selvagem, os episódios de poliomie-
de febre, fadiga, obstipa-
lite estão associados à vacina em mais de 70% dos casos, com risco
ção, vômitos, rigidez de de desenvolvimento de pólio pós-vacinal de 1 caso para 2,5 milhões de
nuca e dores nos membros doses da vacina oral. Com o objetivo de reduzir o número de pacientes
inferiores, seguido de com pólio pós-vacinal, faz parte do calendário vacinal atual, três doses
paralisia, que progride em (2, 4 e 6 meses) de Vacina Inativada Poliomielite (VIP). Os enterovírus
24 a 48 horas, com déficit não pólio (ecovírus, coxsackie A e B, enterovírus 70 ou 71) podem apre-
motor puro, assimétrico e sentar manifestações neurológicas similares às da poliomielite para-
de predomínio proximal. lítica, e, usualmente, ocorrem surtos regionais. O vírus da raiva e as
famílias herpes-vírus, arbovírus e outras também podem afetar o neu-
rônio motor e outras porções da medula espinal.

Tabela 18 - Poliomielite
- Infecção viral aguda envolvendo o corno anterior da medula;
- Febre no início;
- Rapidamente progressiva;
- Assimétrica;
- Diagnóstico laboratorial consiste em isolamento do vírus (poliovírus), rea-
lizado a partir de amostra de fezes do caso ou de seus contatos. Deve ser
coletada até o 14º dia do início do déficit motor. Quando não for possível
colher as fezes, caso o paciente não evacue em 24 horas, proceder à coleta
por meio de swab retal;
- Pode se iniciar com fraqueza muscular em crianças (membros inferiores),
adultos jovens (membros superiores) e adultos (membros superiores e
inferiores);
- LCR inflamatório;
doenças neuromusculares e mielopatias 205

- A evolução temporal e o padrão anatômico da fraqueza são variáveis;


- Sequela definitiva;
- ENMG evidenciando velocidade de condução normal.

Figura 6 - Síntese das principais manifestações clínicas nas paralisias flácidas

H - Mielopatias
Mielopatia é o termo utilizado para diferentes distúrbios que acome-
tem a medula espinal ou parte dela.
A mielite transversa tem incidência anual de 1 caso para 2.000.000 de
habitantes. Há a fase inicial de fraqueza muscular flácida, com hipo/
arreflexia, retenção urinária e alterações sensoriais. Após 2 a 3 se-
manas, surgem sinais de liberação piramidal. Um terço dos pacientes
apresenta recuperação neurológica total, e outro terço tem recupera-
ção parcial. Os agentes infecciosos mais frequentemente identificados
são Mycoplasma pneumoniae e herpes-vírus. Em nosso meio, devem
ser lembradas a esquistossomose e a cisticercose. A mielite transversa
Quadro clínico
pode ser uma característica de uma doença mais crônica, como a es- A mielite transversa
clerose múltipla ou neuromielite óptica (NMO, ou doença de Devic, ca- apresenta fase inicial
racterizada por neurite óptica e mielite transversa longitudinalmente
de fraqueza muscular
extensa, com a lesão se estendendo por mais de 3 corpos vertebrais).
flácida, com hipo/arre-
As doenças do tecido conectivo, particularmente o lúpus eritematoso
sistêmico, podem expressar-se neurologicamente como mielite trans- flexia, retenção urinária
versa. Achados clínicos incluem perfil inflamatório do liquor e ressonân- e alterações sensoriais,
cia mostrando lesão intrínseca da medula espinal, realçada geralmente sendo que após 2 a 3 se-
com a administração de gadolínio. É extremamente importante excluir manas surgem sinais de
lesões medulares, como abscesso epidural medular, que necessitam de liberação piramidal.
tratamento específico. O tratamento é realizado com corticosteroides
(metilprednisolona 1g IV durante 3 a 5 dias).
206 sic neurologia

Tabela 19 - Mielite transversa

- Perda da sensibilidade vibratória (ou palestésica) ou cinético-postural


abaixo do nível da lesão (comprometimento da coluna posterior);

- Paraplegia (comprometimento dos tratos corticospinais);

- Perda da sensibilidade térmica e dolorosa (comprometimento dos tratos


espinotalâmicos laterais);

- Distúrbios autonômicos:
· Insuficiência respiratória (se a lesão for de C3-C5);
· Hipotensão e bradicardia;
· Disfunções intestinal e vesical;
· Disfunção sexual.

Resumo
Quadro-resumo
- As PFAs incluem, em seu diagnóstico diferencial, doenças que atingem diferentes locais do sistema nervoso:
· Trato corticospinal e neurônio motor inferior (lesões medulares, por exemplo);
· Raiz e nervo periférico;
· Junção neuromuscular;
· Músculo.

- A SGB é o principal diagnóstico diferencial e pode apresentar-se na forma clássica ou em suas variantes;

- O diagnóstico depende de história, exame físico e exames complementares, como LCR e ENMG;

- Plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa são indicadas a pacientes com insuficiência respiratória ou déficit
neurológico importante;

- Polirradiculoneurite aguda: consiste em paralisias axonais agudas dos nervos periféricos mielinizados, os quais
perdem sua bainha de mielina, o que resulta em diminuição da velocidade de condução dos nervos, principalmente
na parte distal de suas fibras;

- Miastenia gravis: é a transmissão sináptica, mediante ACh, das fibras nervosas às fibras musculares estriadas. Pode
ser inibida por processo imunológico que bloqueia os receptores da membrana pós-sináptica das fibras musculares,
resultando em fatigabilidade anormal dos músculos;

- Botulismo: uma vez que a toxina botulínica evita a liberação pré-sináptica de ACh, na apresentação clínica, o paciente
está habitualmente alerta, orientado e afebril, mas com náuseas e vômitos, tonturas, boca seca, hipotensão ortostá-
tica e retenção urinária. No 1º dia, pode desenvolver fraqueza progressiva, incluindo paralisia dos músculos respirató-
rios. O exame sensitivo permanece normal;

- Porfiria Aguda Intermitente (PAI): é uma doença genética rara, autossômica dominante, decorrente de distúrbio na via
hepática da biossíntese do grupo heme, causado pela redução de níveis da enzima porfobilinogênio deaminase. Carac-
terizada por sinais e sintomas geralmente intermitentes, que incluem dor abdominal, náuseas, vômitos, constipação
ou diarreia, distensão abdominal, íleo adinâmico, retenção ou incontinência urinária, taquicardia, sudorese, tremores,
febre, neuropatia periférica, distúrbios hidroeletrolíticos e psiquiátricos. Existem muitos fatores desencadeantes de
PAI, como dieta hipocalórica pobre em carboidratos. Devemos lembrar que todos os procedimentos cirúrgicos utiliza-
dos para tratamento da obesidade mórbida podem desencadear crise de PAI;

- Poliomielite aguda: consiste em processo inflamatório da substância cinzenta da medula espinal, devido à infecção
dos motoneurônios alfa pelo vírus da poliomielite. A infecção é seguida de formação de anticorpos específicos, os
quais conferem imunidade definitiva. A paralisia afeta, ora 1 único músculo, ora grupo de músculos, 1 membro supe-
rior ou inferior ou os 2 membros inferiores (forma paraplégica da poliomielite). Os músculos de um mesmo miótomo
não são afetados de maneira uniforme;
doenças neuromusculares e mielopatias 207

- ELA: deterioração crônica e progressiva dos neurônios motores superiores (piramidal) e dos neurônios motores
inferiores. Produz fraqueza muscular, espasticidade, sinal de Babinski e hiper-reflexia (neurônio motor superior).
Há flacidez, atrofia, fasciculações e hiporreflexia (neurônio motor inferior). Os déficits são estritamente motores,
sem perda sensitiva significante. Não ocorre comprometimento da movimentação ocular e da função esfincteriana
(razões não explicadas).

Miopatias inflamatórias
- Dermatomiosite: há pacientes com envolvimento muscular acompanhado de dor. A fraqueza evolui de forma bem
variada, desde dias até meses. Os primeiros músculos são os proximais dos membros, incluindo os flexores do
pescoço. Somente após variável tempo de evolução os músculos distais são atingidos. Disfagia é outro sintoma
frequente. O acometimento dos músculos respiratórios é raro;

- Polimiosite: a doença se estabelece de forma subaguda ou crônica, sendo bem rara a forma fulminante. Também é
bem incomum antes dos 20 anos. Acomete caracteristicamente a musculatura proximal, incluindo os flexores do
pescoço. Músculos distais são atingidos de forma mais leve; porém, se estão normais, certamente não se trata de
polimiosite.

Mielopatia
Mielite transversa (diagnóstico diferencial): SGB, oclusão da artéria cerebral anterior quando esta fornece ambas
as artérias calosas marginais e infarto dos lobos parietais (paraplegia aguda com perda do controle esfincteriano,
hidrocefalia de pressão normal e histeria).

Respostas
das questões do capítulo

1. D
2. B
3. A
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

11
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença inflamató-
ria autoimune do Sistema Nervoso Central (SNC), mais
comum em adultos jovens e de maior incidência em
mulheres brancas, por volta dos 30 anos, que vivem
em regiões de baixa exposição solar. Caracteriza-se
por degeneração axonal e desmielinizante, na maioria
das vezes, por meio de surtos, definidos como disfun-
ção clínica com duração acima de 24 horas, de instalação
aguda ou subaguda e pico em dias ou semanas, seguidos
de remissão total ou parcial. Há algumas apresenta-
ções clínicas, como recorrente-remitente (forma mais
comum), primariamente progressiva, secundariamente
progressiva e recorrente progressiva. As principais Esclerose
múltipla
manifestações clínicas incluem neurite óptica (1º evento
desmielinizante em 20% dos pacientes com EM), mie-
lite transversa aguda, fadiga (presente em até 90%),
espasticidade, disfunção cognitiva, dor, sintomas uriná-
rios, constipação e intolerância ao calor (fenômeno de
Uhthoff). O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos
e radiológicos/laboratoriais, demonstrando dissemina-
ção no tempo e no espaço (evidência clínico-radiológica
de 2 ou mais lesões em locais diferentes e em momen-
tos diferentes, podendo ser apoiada pela presença de
bandas oligoclonais no exame de liquor). A ressonância
magnética pode mostrar lesões sugestivas, encontra-
das em regiões periventriculares, no corpo caloso, no
centro semioval, em estruturas profundas de substân-
cia branca, no tronco encefálico, cerebelo, medula e
núcleos da base. No tratamento da fase aguda, pode-se
utilizar metilprednisolona 1g/d IV, durante 3 a 5 dias; já
nas fases crônicas, ou em diferentes formas da doença,
outras drogas que podem ser usadas são fingolimode,
betainterferona-1b e 1a, natalizumabe, mitoxantrona,
ciclofosfamida, azatioprina e metotrexato. Outras doen-
ças desmielinizantes do SNC são a neuromielite óptica,
a encefalomielite disseminada aguda (ADEM) e a mielite
transversa.
esclerose múltipla 209

1. Introdução
A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica complexa cuja
etiologia ainda não é totalmente conhecida, embora dados epidemio-
lógicos indiquem que fatores genéticos e ambientais sejam impor-
tantes para o seu surgimento. Trata-se de uma doença autoimune do
Sistema Nervoso Central (SNC) que afeta preferencialmente mulhe-
res jovens e é considerada autoimune, inflamatória, desmielinizante e
com degeneração axonal.

2. Epidemiologia
A EM é uma doença que afeta mais as mulheres, mas a razão para isso
não é conhecida. A média de instalação se dá aos 30 anos, sendo 5 anos
mais precoce na mulher em relação ao homem. A forma recorrente-remi-
tente tende a uma instalação mais antecipada, em torno de 25 a 29 anos,
enquanto a forma primariamente progressiva tem pico de instalação em
torno de 35 a 39 anos. A manifestação inicial acima dos 70 anos é muito
rara. A incidência e a prevalência variam consideravelmente no mundo,
e essa variação geográfica pode ser explicada por diferenças raciais (a
raça branca parece ser mais suscetível) e pela exposição ao sol, que se-
ria um fator protetor. Áreas consideradas com alta frequência incluem
Europa, Canadá, Estados Unidos, Nova Zelândia e Austrália. A preva-
lência nos Estados Unidos gira em torno de 100 por 100.000 (0,1%).
No Brasil, sua taxa de prevalência é de aproximadamente 15 casos por
cada 100.000 habitantes. Quanto maior a latitude, maior o risco, assim
a América do Sul é considerada região de baixa prevalência (Figura 1).
Alguns estudos observaram a associação da EM a outras doenças imu-
nomediadas, como a tireoidite autoimune. Além disso, pacientes com
outras doenças autoimunes parecem ter maior probabilidade de de-
senvolver EM ao longo da vida. Fatores genéticos parecem contribuir
na patogenia. Acredita-se que a presença do alelo HLA-DR2 e o poli-
morfismo do gene IL-7R aumentem o risco de EM. Parentes de 1º grau
têm, geralmente, risco de 10 a 25 vezes maior de desenvolvê-la em
comparação com a população em geral.

Figura 1 - Esclerose múltipla no mundo, segundo Kurtzke


210 sic neurologia

3. Fisiopatologia
A EM é uma doença heterogênea, com grande variação nas suas ca-
racterísticas clínicas e patológicas, sugerindo diferentes vias de lesão
tecidual. Inflamação, desmielinização e degeneração axonal são os
principais mecanismos patológicos que levam às manifestações clínicas
da doença, entretanto a causa da EM ainda é desconhecida. A teoria
mais aceita é que ela começa com uma alteração autoimune inflamató-
ria, mediada por linfócitos autorreativos. Com o tempo, a doença apre-
senta ativação das micróglias e neurodegeneração crônica. Evidências
que apoiam essa teoria são:
--Inflamação acompanhada de destruição da barreira hematoencefá-
lica, caracterizada como realce ao gadolínio na Ressonância Nuclear
Magnética (RNM), vista nos estágios precoces da doença;
--Células T inflamatórias, células B e macrófagos tipicamente vistos nos
exames histopatológicos de biópsia de lesões de EM;
--Aumento de IgG e IgM no liquor e na circulação periférica desses
pacientes;
--Redução da atividade da doença com o uso de imunomoduladores
que reduzem a resposta Th1 (exemplo: betainterferona), aumento
da resposta Th2 e Th3 (exemplo: acetato de glatirâmer) ou bloqueio
do movimento das células T através do sangue para dentro do SNC
(exemplo: natalizumabe).
Além disso, a perda da mielina e de oligodendrócitos e lesão axonal
são aspectos importantes da fisiopatologia. A progressão da doença
envolve a fase degenerativa, com atrofia cerebral e perda axonal. Essa
fase não está claramente relacionada com mecanismos imunes ou Figura 2 - Fisiopatologia da esclerose
inflamatórios. múltipla: (A) neurônio normal e (B)
desmielinização

4. Quadro clínico
A EM caracteriza-se, na maioria das vezes, por surtos, definidos como
disfunção clínica de instalação aguda ou subaguda que atinge seu pico
em dias ou semanas, seguidos de remissão total ou parcial. A duração
mínima de um surto foi estabelecida como de 24 horas. Sintomas clí-
nicos que duram menos do que isso, provavelmente, não representam
novas lesões ou piora de lesões prévias.
Existem alguns sinais, sintomas e outras manifestações ditas sugesti-
vas de EM, como:
--Neurite óptica: 1º evento desmielinizante em cerca de 20% dos pa-
cientes com EM e presente em 40% durante o curso da doença. Os
principais achados incluem manchas no campo visual (escotomas), dor
à movimentação ocular, diminuição do reflexo fotomotor e hiperemia
da papila óptica observada ao exame de fundo de olho;
--Síndrome cerebelar: caracteriza-se por sintomas axiais (marcha
ebriosa, nistagmo, fala escandida) e apendiculares (dismetria, disdia-
dococinesia e decomposição de movimentos), decorrentes de lesão
cerebelar ou de suas vias no tronco encefálico;
--Diplopia: lesão de vias específicas no tronco pode levar a alterações
da motricidade ocular extrínseca, causando desalinhamento dos
olhos e diplopia;
--Mielite transversa aguda: caracteriza-se pela associação da diminui-
ção da sensibilidade com nível sensitivo e da força, com exaltação dos
esclerose múltipla 211

reflexos nos 4 membros (se lesão cervical) ou os mesmos achados


apenas nos membros inferiores em caso de acometimento da medula
torácica. Estes pacientes queixam-se, ainda, de disfunção urinária e/
ou fecal associada;
--Fadiga: um dos sintomas mais comuns relatados pelos pacientes com
EM, presente em até 90% daqueles com a doença. É descrita como um
forte sentimento de cansaço ou de falta de energia física ou mental
que interfere nas atividades;
--Espasticidade: aumento do tônus muscular e resistência ao movi-
mento, mais frequente nos músculos antigravitacionais (manutenção
da postura ereta). Como resultado do aumento da rigidez, muito mais
energia é despendida para realizar atividades da vida diária, o que,
por sua vez, contribui para a fadiga;
--Disfunção cognitiva: estimativas da prevalência de disfunção cogni-
tiva na EM ficam na faixa de 40 a 70%. Não existe correlação com
o grau de deficiência física. Já é possível estar presente no início do
curso da doença. Áreas da cognição afetadas incluem a compreensão
e o uso da fala, atenção, memória e percepção visual;
--Dor: acomete 30 a 50% dos pacientes. Pode ser classificada como
primária ou secundária. A primeira está relacionada com processo
desmielinizante por si só, muitas vezes, caracterizada por ser “em
queimação”, penetrante e “em mordidinhas”. A segunda é de natureza
musculoesquelética e, possivelmente, resulta de má postura, falta de
equilíbrio ou uso anormal dos músculos ou das articulações, como re-
sultado da espasticidade;
--Sintomas urinários: a maioria dos pacientes com EM, em algum mo-
mento da doença, experimentou problemas urinários. Problemas da
bexiga são fonte significativa de morbidade. Sintomas incluem urgên-
cia miccional, aumento da frequência, incontinência e noctúria;
--Constipação: pode ser resultado de intestino neurogênico e de imobi-
lidade ou por acesso limitado de líquidos devido a imobilidade;
--Intolerância ao calor (fenômeno de Uhthoff): pessoas com EM fre-
quentemente experimentam aumento dos sintomas de fadiga ou
fraqueza quando expostas a altas temperaturas devido a clima (prin-
cipalmente umidade), exercício ou febre.
A EM é uma doença com algumas formas de apresentação clínica, des-
critas a seguir.

A - Recorrente-remitente (ou surto–remissão)


Trata-se da forma de apresentação mais comum da EM. Caracteriza-se
por surtos claramente definidos, evoluindo com recuperação completa
ou manutenção de algum grau de sequela neurológica. Não há progres-
são durante o período entre as crises. Essa forma clínica corresponde
de 85 a 90% dos casos na sua instalação, no entanto a maioria dos pa-
cientes com EM recorrente-remitente evoluirá para a forma secunda-
riamente progressiva.

B - Primariamente progressiva
Tipicamente, é progressiva desde a sua instalação e representa 10%
dos casos. O paciente apresenta um declínio das funções neurológicas
desde o início, sem surtos. Tende a ter instalação mais tardia e possui
pior prognóstico quando comparada à forma recorrente-remitente.
212 sic neurologia

C - Secundariamente progressiva
Inicia-se na forma recorrente-remitente, evoluindo para a forma pro-
gressiva com ou sem surtos ocasionais. Alguns estudos mostram que
a maioria dos pacientes com a forma recorrente-remitente evoluirá Quadro clínico
para a forma progressiva e desenvolverá incapacidade neurológica
O paciente com EM pode
significativa.
apresentar sintomas
D - Recorrente progressiva motores (espasticidade),
sensitivos (parestesia),
Caracteriza-se por ser progressiva desde o início, com presença clara autonômicos (inconti-
de surtos agudos, com ou sem recuperação total. A progressão conti- nência, constipação, dis-
nua durante o período entre as crises. função sexual), oculares
A Tabela 1 apresenta os sintomas clássicos da EM; a Tabela 2, as carac- (neurite óptica, diplopia,
terísticas clínicas sugestivas de EM; e a Tabela 3, os sintomas comuns. nistagmo), fadiga, dor,
intolerância ao calor etc.
Tabela 1 - Sintomas clássicos
- Sinal de Lhermitte: choque ou formigamento precipitado pela flexão do
pescoço;
- Perda sensitiva (parestesias): usualmente no início da doença;
- Medulares (motor): dores musculares secundárias a espasticidade;
- Medulares (autônomo): bexiga, intestino e sintomas de disfunção sexual;
- Mielite transversa parcial aguda;
- Cerebelares (tríade de Charcot): disartria, ataxia, tremor;
- Constitucionais: especialmente fadiga (70% dos casos) e tontura. Fadiga
deve ser diferenciada de depressão (que pode, no entanto, coexistir), falta
de sono, exaustão;
- Dificuldades subjetivas: capacidade de atenção, memória e julgamento;
- Depressão: sintoma comum;
- Euforia: menos comum do que a depressão;
- Distúrbio bipolar e demência franca: podem aparecer no final do curso da
doença, mas, por vezes, são encontrados no início;
- Oculares: oftalmoplegia internuclear, lesão do fascículo longitudinal me-
dial – diplopia e adução incompleta do olho; nistagmo no olhar horizontal;
- Neuralgia do trigêmeo: fraqueza facial bilateral ou dor no território do
trigêmeo;
- Mioquimia facial (espasmos dos músculos faciais): pode ser também um
sintoma inicial;
- Intolerância ao calor.

Tabela 2 - Características clínicas sugestivas

- Instalação entre 15 e 50 anos;

- Evolução em recorrência e remissão;

- Neurite óptica;

- Oftalmoplegia internuclear;

- Fenômeno de Uhthoff.
esclerose múltipla 213

Tabela 3 - Sintomas comuns


Sensoriais (alterações da sensibilidade)
- Dormência;
- Formigamento;
- Outras sensações anormais (disestesias);
- Distúrbios visuais;
- Dificuldade de atingir o orgasmo, ausência de sensibilidade vaginal, impo-
tência sexual nos homens.
Motores (alterações da função muscular)
- Fraqueza, atitude desajeitada;
- Dificuldade de marcha ou de manutenção do equilíbrio;
- Tremor;
- Visão dupla;
- Problemas de controle intestinal ou da bexiga, constipação;
- Rigidez, instabilidade, cansaço anormal.

Tabela 4 - Red flags no diagnóstico, que devem colocá-lo em dúvida


- Início antes dos 10 ou depois dos 50 anos;
- Alterações cognitivas graves e precoces;
- Alterações corticais (afasia, apraxia, alexia e negligência);
- Déficits de instalação súbita;
- Crises convulsivas.

5. Diagnóstico
O diagnóstico de EM é realizado por meio dos achados clínicos corro-
borados por exames subsidiários (RNM, liquor com pesquisa de bandas
oligoclonais e potenciais evocados). Para o diagnóstico, são necessários
achados que demonstrem disseminação no tempo e no espaço (Tabela
6), ou seja, evidências clínicas e nos exames subsidiários de que o pa-
ciente apresente pelo menos 2 lesões no sistema nervoso central que
tenham se instalado em momentos diferentes. Mesmo assim, em al-
guns casos, o achado de uma única lesão em um paciente de alto risco
também permite o diagnóstico de EM. O paciente típico é o indivíduo
jovem do sexo feminino, com 2 ou mais episódios de disfunção do SNC
(surtos), com resolução, no mínimo, parcial dos sintomas. A história e o
exame físico são os mais importantes para o diagnóstico, embora tes-
tes complementares o apoiem.

Tabela 5 - Porcentagens de pacientes com alteração nos exames comple-


mentares
Anormalidade
Testes
(%)
Potenciais Evocados Visuais (PEVs) 85
Resposta auditiva evocada do tronco cerebral (BERA) 67
Bandas oligoclonais do liquor 85 a 95
Valor de IgG no liquor 90
Albumina no liquor 23
RNM 70 a 95
214 sic neurologia

Os critérios diagnósticos revisados de McDonald consideram carac-


terísticas clínicas e exames subsidiários, incluindo estudo do liquor,
potencial evocado e neuroimagem (Tabela 8). O principal objetivo é
demonstrar a disseminação das lesões no SNC, no tempo e no es- Diagnóstico
paço, com base em achados clínicos somente, ou em combinação (clí-
nica e achados na ressonância). Denomina-se Síndrome Clinicamente O diagnóstico de EM é
Isolada (CIS) quando o paciente apresenta apenas 1 episódio de surto clínico, com base nos
clínico, mas com evidências de comprometimento no tempo e no es- critérios de McDonald,
paço pelos exames subsidiários. O diagnóstico de EM no paciente que que incluem presença de
apresenta história clínica de apenas 1 surto (CIS) permite o trata- número de surtos e lesões.
mento precoce, o que comprovadamente traz benefícios com relação
ao prognóstico.

Tabela 6 - Disseminação das lesões no sistema nervoso central

Demonstrada na RNM como 1 ou mais lesões em T2 em, pelo


menos, 2 de 4 regiões típicas de EM (periventricular, justa-
Espaço cortical, infratentorial e medular) ou por desenvolvimento
de um novo surto clínico em um local diferente do primeiro
no SNC

Demonstrada na RNM pela presença simultânea de lesões


assintomáticas realçadas por gadolínio e lesões não real-
Tempo
çadas ao mesmo tempo, ou uma nova lesão em T2 e/ou
realçada por gadolínio em uma ressonância de controle

Tabela 7 - Critérios clínicos para o diagnóstico

EM clinicamente definida
- 2 ou mais ataques e 2 lesões clínicas separadas;

- 2 ataques e 1 lesão clínica, separada por uma lesão paraclínica (evidencia-


da por alteração em teste por PEVs, RNM ou testes urodinâmicos);

- EM clinicamente definida com evidência laboratorial;

- Critérios clínicos e alteração de líquido cerebrospinal (presença de banda


oligoclonal e/ou de IgG).

Tabela 8 - Critérios por McDonald (revisão 2010)

Apresentações clínicas Informações adicionais necessárias para o diagnóstico


2 ou mais ataques; evidência clí-
nica objetiva de 2 ou mais lesões
ou evidência clínica objetiva de 1 Nenhuma
lesão com história condizente de 1
ataque prévio

Disseminação no espaço demonstrada por: 1 lesão ou mais em T2 em, pelo


2 ou mais ataques; evidência clí- menos, 2 de 4 regiões típicas de EM no SNC (periventricular, justacortical,
nica objetiva de 1 lesão infratentorial ou medula espinal); ou aguardando um próximo ataque impli-
cando uma diferente área do SNC

Disseminação no tempo demonstrada por: presença simultânea de lesões


assintomáticas com realce de gadolínio e áreas não realçadas a qualquer
1 ataque; evidência clínica objetiva
momento; ou uma nova imagem em T2 e/ou realce com gadolínio em
de 2 ou mais lesões
imagem de acompanhamento de RNM, independente de seu tempo, com
referência a um exame inicial ou aguardando um 2º ataque
esclerose múltipla 215

Apresentações clínicas Informações adicionais necessárias para o diagnóstico


- Disseminação no espaço demonstrada por: ≥1 lesão em T2 em, pelo menos, 2
de 4 regiões típicas de EM no SNC (periventricular, justacortical, infratentorial
ou medula espinal); ou aguardando um próximo ataque implicando diferente
1 ataque; evidência clínica obje- área do SNC;
tiva de 1 lesão (síndrome clínica - Disseminação no tempo demonstrada por: presença simultânea de lesões
isolada) assintomáticas com realce de gadolínio e áreas não realçadas a qualquer
momento; ou uma nova imagem em T2 e/ou realce com gadolínio em
imagem de acompanhamento de ressonância, independentemente de seu
tempo, com referência a um exame inicial ou aguardando um 2º ataque.

1 ano de progressão da doença (determinado prospectiva ou retrospectiva-


mente) e de 2 ou 3 critérios a seguir:
- Evidência de disseminação no espaço, com base na presença de 1 ou mais
Progressão neurológica insidiosa lesões T2 em, pelo menos, 1 área característica de EM (periventricular, justa-
sugestiva de EM (primariamente cortical ou infratentorial);
progressiva) - Evidência de disseminação no espaço da medula espinal, com base na presen-
ça de 2 ou mais lesões T2 na medula espinal;
- Líquido cerebrospinal positivo (presença de bandas oligoclonais por focalização
isoelétrica e/ou índice da IgG elevado).

É importante lembrar que os critérios de McDonald devem ser aplica-


dos somente após cuidadoso exame clínico.
A ressonância de encéfalo e medula espinal é o exame complementar
de escolha para apoiar o diagnóstico clínico. Ela mostra de 90 a 95% das
lesões desmielinizantes encefálicas e até 75% das medulares. Os acha-
Dica dos observados na sequência ponderada em T2 incluem edema e lesões
mais crônicas, enquanto os ponderados em T1 demonstram atrofia cere-
Lesões sugestivas de bral e “buracos negros” (áreas de perda axonal). Os critérios de McDonald
EM são encontradas em incluem resultados radiológicos específicos para comprovar lesões com
regiões periventriculares, disseminação no tempo e no espaço. Lesões sugestivas são encontra-
no corpo caloso, no centro das em regiões periventriculares, no corpo caloso, no centro semioval,
semioval, em estruturas em estruturas profundas de substância branca e nos núcleos da base.
profundas de substância As lesões são tipicamente ovoides e dispostas perpendicularmente ao
corpo caloso, principalmente na sua porção posterior. Em 2015, o Con-
branca e nos núcleos da
sórcio dos Centros de Esclerose Múltipla publicou uma revisão de dire-
base. trizes que recomenda o uso de exames tridimensionais de alta resolução
quando possível e sua repetição a intervalos menores, inclusive para a
detecção precoce de leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP),
uma infecção viral oportunista que pode ocorrer em um grupo de pa-
cientes que recebem natalizumabe para o tratamento da EM.

Figura 3 - Alterações à ressonância magnética: (A) axial ponderada em T2 e (B) axial FLAIR – as imagens mostram múltiplas
lesões ovoides, com focos hiperintensos sugestivos de esclerose múltipla; (C) sagital FLAIR também mostra essas lesões perpen-
diculares ao corpo caloso, chamadas “lesões em chama de vela”; (D) T1 pré-contraste axial mostra que muitas dessas lesões são
hipointensas, consistentes com os buracos negros (“black holes”), e (E) T1 pós-gadolínio mostra que algumas dessas lesões realçam
consistentemente com lesões ativas
216 sic neurologia

Figura 4 - Alterações à ressonância magnética: (A) ponderada sagital em T2 e (B)


axial – foco de hiperintensidade nas colunas posteriores da medula cervical; (C) pós-
-gadolínio ponderada sagital em T1 e (D) axial – aumento consistente com placa
ativa

Pacientes com suspeita de EM devem ser amplamente investigados


para afastar outras etiologias que possam justificar as alterações
neurológicas apresentadas. É necessária a realização dos seguintes
exames:

Tabela 9 - Investigação
Exames laboratoriais
- Hemograma;
- Velocidade de hemossedimentação;
- Proteína C reativa;
- Vitamina B12;
- TSH;
- T4 livre;
- Líquido cerebrospinal;
- VDRL;
- Anti-HIV;
- Anti-Ro;
- Anti-La;
- Sorologia de hepatites;
- Sorologia de botulismo;
- Sorologia de doença de Lyme.
esclerose múltipla 217

Exames de imagem e gráficos


- RNM – verificam-se critérios de Barkhoff;

Diagnóstico - PEV e Potencial Evocado Somatossensitivo (PESS).

diferencial Tabela 10 - Diagnóstico diferencial


Doenças inflamatórias
O diagnóstico diferencial
- Lúpus eritematoso sistêmico;
de EM envolve doenças
- Doença de Sjögren;
inflamatórias (lúpus
- Doença de Behçet;
eritematoso sistêmico,
doença de Sjögren, - Poliarterite nodosa;
doença de Behçet), infec- - Encefalomielite disseminada aguda (ADEM).
ciosas (doença de Lyme, Doenças infecciosas
neurossífilis, HTLV), - Neuroborreliose de Lyme;
granulomatosas (sarcoi- - LEMP;
dose, Wegener) etc. - Neurossífilis;
- Mielopatia do HIV;
- Paraparesia espástica tropical (HTLV).
Doenças granulomatosas
- Sarcoidose;

Pergunta - Doença de Wegener;


- Granulomatose linfomatoide.
Doenças da mielina
2015 - UFMA
- Leucodistrofia metacromática;
1. De acordo com os atuais crité-
rios diagnósticos para Esclerose - Adrenomieloleucodistrofia.
Múltipla (EM), o surto, ou exa- Miscelânea
cerbação da doença, pode ser - Ataxias espinocerebelares;
definido como: - Malformação de Arnold-Chiari;
- Degeneração combinada subaguda da medula por deficiência de vitamina B12.
a) evento neurológico agudo com
duração de 48 horas confirmado
por meio do exame neurológico 6. Tratamento
objetivo
b) sinal ou sintoma neurológico O tratamento pode ser dividido em 2 modalidades: para a fase aguda e
novo com duração de 2 horas as- de manutenção. Para o 1º caso, ou seja, o surto, recomenda-se o uso da
sociado a lesão desmielinizante metilprednisolona 1g/d IV, durante 3 a 5 dias. O uso crônico de corticoi-
visualizada na imagem por resso- des não altera a evolução da doença.
nância magnética de crânio Em 1993, surgiram as drogas imunomoduladoras, usadas na fase crô-
c) sinal ou sintoma neurológico nica da doença e que alteram a evolução desta: betainterferona-1b
relatado pelo paciente com qual- (Betaferon®) e betainterferona-1a (Rebif® e Avonex®). Todas parecem
quer duração na presença de reduzir os ataques em 30%, com redução, também, da gravidade e dos
alteração no exame neurológico efeitos sobre as lesões reveladas na RNM. A incapacidade em longo
d) sintoma neurológico persis- prazo foi menor. Não se mostraram benéficos nas formas progressivas,
tente por mais de 7 dias mas sim efeitos benéficos para aqueles com a forma recorrente-remi-
e) evento desmielinizante in- tente, pois reduzem:
flamatório agudo objetivamente
observado, ou relatado pelo pa- --A frequência dos surtos;
ciente, com duração de pelo menos --A progressão da incapacidade;
24 horas, na ausência de febre ou --A quantidade de lesões acumuladas na RNM.
infecção
Assim, o paciente com diagnóstico definitivo da forma recorrente-re-
Resposta no final do capítulo
mitente deve receber a terapia modificadora da doença.
218 sic neurologia

Uma 2ª classe de drogas para uso na fase crônica é o acetato de gla-


tirâmer (Copaxone® ou copolímero I), uma mistura de polímeros de 4
aminoácidos, com efeitos sobre a clínica aguda da doença semelhante
aos das interferonas, porém não tão claros quanto à evolução e às le-
sões da RNM.
Acredita-se que os efeitos da interferona se devam à diminuição da
produção de gamainterferona, aumento da produção de interleu-
cina-10, diminuição da relação Th1–Th2, diminuição na permeabilidade
da barreira hematoencefálica por ação sobre moléculas de adesão en-
Tratamento
dotelial e metaloproteases e efeito sobre as células gliais. O acetato de Na fase aguda da EM,
glatirâmer apresenta efeito terapêutico por expansão de células Th2- utiliza-se metilpred-
-específicas com propriedades imunorreguladoras. nisolona 1g/d IV, durante
Nos Estados Unidos, a mitoxantrona foi aprovada para uso em EM com 3 a 5 dias.
forma grave e recidivas frequentes ou progressivas. Trata-se de uma
antracenediona antineoplásica com risco de cardiotoxicidade, leucope-
nia e leucemia aguda. O natalizumabe, também aprovado, compreende
um anticorpo monoclonal recombinante dirigido contra o receptor
alfa-4 beta-1 integrina, que bloqueia a adesão dos linfócitos à molécula
de adesão vascular.
Entre indivíduos com a forma secundariamente progressiva de EM, o
tratamento inicial consiste em betainterferona e metilprednisolona,
sendo reservada a gamaglobulina para terapêutica de 2ª linha em ca-
sos sem resposta.
As sequelas no decorrer da doença também devem ser abordadas para
oferecer melhor qualidade de vida ao paciente. Assim, a espasticidade
pode ser tratada com baclofeno, diazepam ou injeções de toxina botulí-
nica. A fadiga pode ser tratada com amantadina e outras medicações, e
a depressão, com drogas específicas. O tratamento da bexiga neurogê-
nica previne as infecções de repetição e permite independência funcio-
nal. Síndromes dolorosas, como neuralgias ou radiculopatias, podem
ser tratadas com carbamazepina, amitriptilina ou gabapentina.
O fingolimode (via oral) foi aprovado no Brasil recentemente como medi-
camento de 1ª linha para formas tipo recorrente-remitente da EM, para
reduzir a exacerbação clínica e a frequência e retardar a quantidade de
limitações físicas. Acredita-se que ele sequestre os linfócitos para den-
tro dos linfonodos, evitando que essas células migrem para o SNC. Sua
dose recomendada é de 0,5mg/d, VO, com meia-vida de 6 a 9 dias. A
aprovação foi baseada em dados clínicos que comprovaram que o me-
dicamento demonstrou eficácia significativa na redução de recaídas, de
risco de recaídas, de risco da progressão da incapacidade e do número
de lesões cerebrais. É o 1º de uma nova classe de medicamentos cha-
mada moduladores de receptores esfingosina 1-fosfato (S1PR). Cerca de
90% dos pacientes que recebem fingolimode evoluem com bradicardia,
dos quais apenas 5% são sintomáticos, motivo pelo qual, após a 1ª dose,
recomenda-se a monitorização cardíaca do paciente por 6 horas.
A teriflunomida é outra medicação oral aprovada para o uso em pa-
cientes com EM, com capacidade de reduzir a recorrência de surtos em
31% quando comparada ao placebo. Seu mecanismo de ação é a inibi-
ção da síntese de pirimidina, e seus principais efeitos colaterais são ce-
faleia, alopecia, leucopenia e hepatotoxicidade.
O dimetilfumarato é um potente ativador da via Nrf2. Em estudos clíni-
cos, reduziu em 49% a recorrência de surtos (53% em um ano) e em 38%
o grau de incapacidade em comparação ao placebo.
esclerose múltipla 219

O anticorpo monoclonal contra o receptor CD52 de linfócito, alentu-


zumabe, está associado a um risco de recorrência de 35,8% em 1 ano
contra 60% com interferona-1a. Em um estudo com 101 pacientes, 1/4
Tratamento estava livre da doença após 2 anos de tratamento.
O daclizumabe foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA)
O fingolimode (0,5mg/d, em 2016 para o tratamento das formas recorrentes da EM. É um anti-
VO, com meia-vida de 6 a corpo monoclonal humanizado que se liga com alta afinidade à subuni-
9 dias) pode ser usado nas dade CD25 do receptor de IL-2 (expressa em altos títulos pelas células
formas de surto-remissão T quando anormalmente ativadas na EM). Sua eficácia na redução de
da EM, para reduzir a surtos é da ordem de 45% a mais em relação à interferona.
exacerbação clínica e a Em 2017, o FDA aprovou a única droga disponível para o tratamento da
frequência e retardar a forma primariamente progressiva, mas que também pode ser usada
quantidade de limitações nas formas recorrentes: o ocrelizumab, que apresenta redução de 46%
físicas. a mais na ocorrência anual de surtos em comparação à interferona.

O natalizumabe (intravenoso) é um anticorpo monoclonal recente-


mente disponível no Brasil como medicamento de 2ª linha para as for-
mas tipo surto-remissão, impedindo a adesão e a entrada de linfócitos
no SNC, atuando na barreira hematoencefálica. Sua eficácia está bem
comprovada no tratamento das formas graves de EM recorrente-re-
mitente que não responderam de forma adequada ao tratamento com
interferona e acetato de glatirâmer. Está indicado como monoterapia
Tratamento para EM, para retardar o acúmulo de deficiência física e reduzir a fre-
quência das exacerbações clínicas em 3 anos de tratamento.
Outras drogas que
Foram relatados 3 casos de LEMP associada ao uso de natalizumabe,
podem ser utilizadas na
o que levou à sua suspensão temporária no mercado em 2005, no en-
EM (conforme subtipo) tanto, mais tarde, foi reintroduzido em um âmbito de distribuição es-
são betainterferona- pecialmente restrita. A droga tem, agora, um folheto (tarja preta) com
-1b e 1a, natalizumabe, os potenciais riscos de infecção oportunista e com relação à LEMP,
mitoxantrona, ciclofos- doença grave que pode causar danos irreversíveis e até mesmo morte.
famida, azatioprina e O risco de desenvolver LEMP é de cerca de 1:1.000 em 18 meses de tra-
metotrexato. tamento. A medicação só pode ser administrada em âmbito hospitalar
e com rigorosa monitorização.

Tabela 11 - Resumo das medicações


Imunomoduladores
- Os moduladores de receptores são indicados a pacientes com formas re-
correntes da EM e ajudam a diminuir o número de sequelas e a frequência
das recorrências;
- Betainterferona-1b: trata-se do 1º medicamento aprovado, que tem mos-
trado eficácia àqueles que sofreram um 1º episódio clínico e têm caracte-
rísticas da ressonância compatíveis com EM. O mecanismo exato e os seus
efeitos não estão totalmente definidos, mas se acredita que tenha ação ini-
bindo as citocinas pró-inflamatórias (interleucinas, fator de necrose tumo-
ral – alfa e beta), fator responsável por desencadear a reação autoimune,
levando a EM;
- Betainterferona-1a: o mecanismo exato e os seus efeitos não estão total-
mente definidos, mas se acredita que tenha ação inibindo as citocinas pró-
-inflamatórias, fator importante para desencadear a reação autoimune que
conduz à EM;
- Natalizumabe: indicado em monoterapia, trata-se de um anticorpo mono-
clonal humanizado recombinante que se liga à integrina alfa-4 e inibe a
sua aderência a correceptores. O mecanismo ainda não está bem definido.
Apresenta advertência na bula para o risco de LEMP;
220 sic neurologia

Imunomoduladores
- Acetato de glatirâmer: aprovado para a forma recorrente-remitente, inclui
os pacientes que sofreram um 1º episódio clínico e têm características da
ressonância compatíveis com EM. Seu mecanismo de ação é desconhecido,
mas se acredita que modifique os processos imunes responsáveis pela pa-
togênese da EM;
- Fingolimode: trata-se do 1º tratamento oral para as formas recorrentes. Seu
mecanismo de ação terapêutica é desconhecido, mas parece ser fundamen-
talmente diferente dos demais medicamentos de EM. Sua atividade pode
envolver redução da migração de linfócitos para o SNC.
Corticosteroides
- Ajudam a reduzir a inflamação e aceleram a recuperação de recidivas agudas;
- Metilprednisolona: utilizada nos surtos, pode diminuir a inflamação e alte-
rar a expressão de algumas citocinas pró-inflamatórias;
- Dexametasona: utilizada para exacerbações agudas de EM, estabiliza as
membranas celulares e lisossomal, aumenta a síntese de surfactante e a
concentração de vitamina A e inibe as prostaglandinas e citocinas pró-infla-
matórias. É comumente utilizada para o tratamento da mielite transversa e
da encefalite aguda disseminada;
- Prednisona: evita ou suprime a inflamação e a resposta imune quando ad-
ministrada em doses terapêuticas. Suas ações incluem a inibição da infil-
tração de leucócitos no local da inflamação, a interferência na função de
mediadores de resposta inflamatória e a supressão das respostas imunitá-
rias humorais.
Plasmaférese
Pode ser utilizada em curto prazo para ataques severos se os esteroides
são ineficazes ou contraindicados. As diretrizes americanas de 2011 para
plasmaférese em doenças neurológicas categorizam-na como “provavel-
mente eficaz” como tratamento de 2ª linha para exacerbações reincidentes
de EM que não respondem a esteroides.
Antineoplásicos
- Mitoxantrona: aprovada para o tratamento das formas secundariamente
progressiva ou recorrente-remitente agressiva da EM, é utilizada para re-
duzir a incapacidade neurológica e/ou a frequência de recidivas clínicas em
paciente com EM secundariamente progressiva (de longo prazo), surto ou
agravamento da forma recorrente-remitente (ou seja, cujo estado neuro-
lógico é significativamente anormal entre as recidivas). Não está indicada
para o tratamento de pacientes com EM primariamente progressiva. A te-
rapia pode aumentar o risco de desenvolvimento secundário de leucemia
mieloide aguda e em pacientes com EM e com câncer. Conta com risco de
cardiotoxicidade (aumenta com a dose – efeito cumulativo);
- Ciclofosfamida: usada para o tratamento de EM progressiva, com evidência
mista de benefício. O agente não foi aprovado para a EM, mas foi usado sem
indicação em paciente com EM. Associa-se a leucemia, linfoma, infecção e
cistite hemorrágica.
Imunossupressores
- São capazes de suprimir as reações imunitárias, mas não foram aprovados
nos Estados Unidos para uso em EM;
- Azatioprina: é geralmente utilizada no tratamento de rejeições de trans-
plantes, artrite reumatoide, mas, na forma off label, para EM. Tem sido es-
tudada em ensaios clínicos e mostrou efeito modesto sobre as recaídas e a
progressão da doença;
- Metotrexato: interfere na síntese de DNA, no reparo e na replicação celular.
Inibe a diidrofosfato redutase, que participa da síntese de timidilato e puri-
nas nucleotídeos. Tem sido usado na forma off label para EM, por ter mos-
trado eficácia em retardar a progressão da insuficiência das extremidades
superiores entre pacientes com EM secundariamente progressiva.
esclerose múltipla 221

7. Prognóstico
A progressão da incapacidade funcional ocasionada pela EM é muito
variável, porém evidências apontam que, na maioria dos casos, é lenta.
A Expanded Disability Status Scale (EDSS), apresentada na Figura 5, é
comumente usada para mensurar o índice de incapacidade clínica.
A mortalidade é difícil de determinar, em razão da escassez de dados.

Figura 5 - Expanded Disability Status Scale

Tabela 12 - Síntese da esclerose múltipla


Sinais e sintomas
- Neurite óptica;
- Diplopia – incluindo no olhar lateral (33% dos casos);
- Nistagmo;
- Disfagia;
- Fraqueza;
- Espasmo;
- Dor (em 30 a 50% dos casos em algum momento);
- Hipoestesia;
- Parestesia (normalmente, sinal precoce);
- Incontinências fecal e vesical;
- Diarreia ou constipação;
- Retenção ou perda urinária;
- Fadiga (70% dos casos);
- Tontura;
- Compromisso cognitivo (atenção, concentração, memória e julgamento);
- Humor instável e depressão;
- Nistagmo, tremor intencional e palavra escandida (tríade de Charcot);
- Fraqueza facial bilateral ou neuralgia do trigêmeo;
- Afasia ou disfasia (muito raramente);
222 sic neurologia

Sinais e sintomas
- Convulsões (5% dos casos);

- Mielite transversa aguda geralmente é uma manifestação da doença, ca-


racterizada por perda aguda da motricidade, dos reflexos, da sensibilidade
e disfunção autonômica e esfincteriana abaixo do nível da lesão;

- Pessoas com EM frequentemente experimentam aumento dos sintomas


de fadiga ou fraqueza quando expostas a altas temperaturas – sinal ou
fenômeno de Uhthoff (intolerância ao calor).

Diagnóstico
- Com base em achados clínicos e elementos comprovativos de exames
complementares;

- A RNM é o procedimento de imagem de escolha para confirmação de EM e


monitorização da progressão da doença no SNC. Demonstra disseminação
no espaço e no tempo;

- Potencial evocado: usado para identificar lesões subclínicas; resultados


não característicos para EM;

- Punção lombar: pode ser útil caso a RM não esteja disponível ou resulta-
dos de RNM não dão certeza. Deve ser pesquisada no liquor a presença de
bandas oligoclonais e produção de IgG intratecal.

Tratamento
Tem 2 aspectos: terapia imunossupressora e para alívio ou modificação
dos sintomas.

Surtos
- Metilprednisolona: pode acelerar a recuperação de um surto;

- Plasmaférese: deve ser usada em curto prazo para crises graves se os


esteroides são contraindicados ou ineficazes;

- Dexametasona: é comumente utilizada para mielite transversa e encefalite


aguda disseminada;

- Agentes modificadores (forma recorrente):


· Betainterferona-1a;
· Betainterferona-1b;
· Acetato de glatirâmer;
· Natalizumabe;
· Fingolimode (oral);
· Fumarato de dimetila oral;
· Teriflunomida oral;
· Alentuzumabe.

- Tratamento para estabilizar formas agressivas:


· Mitoxantrona;
· Ciclofosfamida.

- Embora a terapia para a síndrome clinicamente isolada com medicamen-


tos imunomoduladores ainda não tenha se tornado prática comum em
todo o mundo, os ensaios sugerem que a intervenção precoce pode ser
apropriada;

- As decisões a respeito do tratamento precoce da EM recidivante podem


ser guiadas usando os critérios diagnósticos McDonald.
esclerose múltipla 223

Falha terapêutica
- Considera-se quando o paciente apresenta surtos repetidos ou progressão
da incapacidade;
- Perda de eficácia do imunomodulador: manutenção ou aumento no núme-
ro ou na gravidade dos surtos; aumento de 1 ponto quando o EDSS é de
3 a 3,5 ou meio quando é de 6 ou mais pontos, persistentes por mais de 6
meses; piora cognitiva que interfere nas atividades da vida diária; lesões
com captação de gadolínio ou aumento do número de lesões em T2 em 2
ou mais RNMs separadas por pelo menos 3 meses, demonstrando ativida-
de persistente da atividade inflamatória da doença em pacientes com, no
mínimo, 12 meses de tratamento.
Síndrome clínica isolada (alto risco de conversão para EM)
- Essa definição clínica refere-se a pacientes com o 1º surto sugestivo de EM
(que dura pelo menos 24 horas), sem fechar todos os critérios diagnósticos
atuais da doença, mas que possuem ao menos 2 lesões típicas de EM à
RNM cerebral. Essas lesões são desmielinizantes, com pelo menos 1 ovala-
da, periventricular ou infratentorial, medindo ao menos 3mm de diâmetro;
- Nessa situação, o paciente deve ser investigado para os diversos diagnós-
ticos diferenciais, incluindo outras doenças autoimunes que acometem o
SNC, doenças paraneoplásicas e infecções crônicas do SNC.

Tabela 13 - Tipos de progressão da esclerose múltipla


Remitente-recorrente
- 70 a 80% dos casos;
- Ocorrem surtos de déficit neurológico (aumento constante do grau de
incapacidade do paciente) com duração de 24 horas ou mais e intervalos
de 30 dias ou mais entre eles – podem ou não deixar sequelas;
- Episódios de distúrbio neurológico cujas lesões causais provavelmente
sejam de natureza inflamatória e desmielinizante, com duração de, no
mínimo, 24 horas.
Secundariamente progressiva
- 15 a 20% dos casos;
- Progressão e adição de déficits neurológicos após fase inicial de surtos.
Primariamente progressiva
- 10 a 15% dos casos;
- Desde o início ocorrem progressão e adição de déficits neurológicos sem
identificação de surtos.
Recorrente progressiva
- Rara (±5% dos casos);
- Caracteriza-se por início progressivo com presença posterior de surtos
bem definidos e evolução progressiva;
- O período entre os surtos também cursa com contínua progressão.

8. Outras doenças desmielinizantes


A - Neuromielite óptica (doença de Devic)
A neuromielite óptica (NMO), antes chamada doença de Devic, é uma
desordem de caráter inflamatório/desmielinizante. Caracteriza-se por
afetar preferencialmente o nervo óptico e a medula, causando surtos
graves de neurite óptica bilateral e mielite transversa. A RNM de co-
luna, geralmente, evidencia lesão acometendo a extensão equivalente
224 sic neurologia

a 3 ou mais segmentos vertebrais. A dosagem sérica do anticorpo an-


tiaquaporina-4 (NMO-IgG) tem alta especificidade e faz parte dos cri-
térios diagnósticos.

Tabela 14 - Outras doenças desmielinizantes


NMO
Trata-se da forma mais grave de doença desmielinizante que causa mielite
transversa de repetição e neurite óptica geralmente bilateral. A idade média
é de 37 anos, mas pode ocorrer em crianças e idosos, predominantemente
no sexo feminino. Está associada a um anticorpo específico, direcionado
contra a aquaporina-4, presente em cerca de 80% dos casos da NMO e 40%
dos casos de mielite transversa longitudinal extensa isolada. Sua evolução
tem curso monofásico (sem fase progressiva) em 20% dos casos. A remissão
completa é rara. Apresenta incapacidade grave – paraplegia e amaurose
definitiva em 40% dos casos, sendo potencialmente fatal.
ADEM
Mais frequente na infância, com idade média entre 5 e 8 anos, apresenta
raros casos entre adultos. A evolução é monofásica, podendo apresentar
recorrências nos 3 primeiros meses, com associação a infecção viral em
93% dos casos ou após vacinação em 5%. O quadro clínico cursa com febre,
alterações da consciência, desequilíbrio para caminhar, sonolência, coma,
fraqueza nos membros e retenção urinária.
Mielite transversa
Doença desmielinizante aguda da medula espinal, que se desenvolve em
poucos meses, caracterizada por perda de força muscular nos braços e
nas pernas, perda de sensibilidade, retenções urinária e fecal, desequi-
líbrio e dificuldade para caminhar. O perfil clínico, a soronegatividade a
aquaporina-4 e a evolução no período de 3 anos permitem delinear uma
entidade clínica restrita à medula espinal.

B - Encefalomielite disseminada aguda


A ADEM é uma doença desmielinizante aguda do SNC, caracterizada
pelo envolvimento multifocal da substância branca, apresentando-se Figura 6 - (A) T2 ponderada
tipicamente como desordem monofásica. Geralmente, é precedida por sagital, cuja medula cervical
processo infeccioso ou história de vacinação. Os sintomas e sinais típicos mostra alterações do segmen-
incluem um quadro de encefalopatia de instalação rápida, acompanhada to curto (setas) características
de esclerose múltipla; (B) T2
de déficits neurológicos multifocais. Pode ocorrer em qualquer idade, po- ponderada sagital, cuja medu-
rém é mais comum na população pediátrica. A RNM, geralmente, mostra la cervical com mielite aguda
lesões em substância branca subcorticais e profundas, múltiplas e bilate- e neuromielite óptica mostra
rais. Seu diagnóstico baseia-se em características clínicas e radiológicas. típica lesão medular longitudi-
nalmente extensa, expansiva,
com localização central que se
estende para o tronco cerebral
(setas), e (C) T1 ponderada sa-
gital, em que as lesões agudas
podem ser hipointensas (se-
tas), o que pode indicar necrose
e cavitação, sendo realçadas
com a administração de ga-
dolínio intravenoso (pontas de
seta), indicando inflamação
ativa

Figura 7 - Ressonância axial evidenciando encefalomielite disseminada aguda com


pequenas lesões: (A) T2 ponderada, mostrando lesões hiperintensas bilaterais, re-
gularmente marginadas, em substância branca central, periventricular e justacorti-
cal, e (B) lesões envolvendo os tálamos e as cápsulas internas
esclerose múltipla 225

C - Síndrome clínica isolada


Trata-se do 1º evento neurológico indicativo de doença com desmielinização inflama-
tória do SNC. Geralmente, acomete jovens e caracteriza-se por ausência de febre ou
infecção, duração sintomática mínima de 24 horas e presença ou não de alterações
identificáveis nos exames de ressonância e líquido cerebrospinal. Contudo, as altera-
ções encontradas não são específicas. O paciente com suspeita deve ser submetido a
uma grande bateria de exames laboratoriais para afastar outras doenças. Outro fa-
tor importante é que alguns podem desenvolver EM. Dependendo dos resultados, é
possível a identificação daqueles com alto risco de desenvolver EM; a esses pacientes
com alto risco é indicado tratamento preventivo.
Após o 1º surto, mesmo que não se possam preencher critérios diagnósticos de EM,
pode-se predizer o risco de conversão para EM (exemplo: neurite óptica). Se RNM de
encéfalo demonstrar, pelo menos, 2 lesões desmielinizantes não correspondentes à
topografia do surto, medindo 3mm de diâmetro, o risco de conversão é de 88%. O
estudo BENEFIT demonstrou que o tratamento precoce destes pacientes desde o 1º
surto com imunomoduladores (Betaferon® e Avonex®) retarda a evolução para EM.

Resumo
Quadro-resumo
- A EM é uma doença neurológica complexa e comum, considerada autoimune, inflamatória, com degeneração axonal
e desmielinizante;
- Acomete principalmente mulheres e adultos jovens;
- Pode apresentar-se em 4 padrões diferentes, sendo o mais comum a forma recorrente-remitente;
- Os sintomas iniciais mais comuns são alterações sensitivas (parestesias, hipoestesias ou hiperestesias), que podem
ocorrer em qualquer distribuição e, com frequência, são migratórios;
- O diagnóstico é eminentemente clínico. O paciente típico é o indivíduo jovem, com 2 ou mais episódios de disfunção
do SNC, com resolução no mínimo parcial dos sintomas;
- O tratamento pode ser dividido para a fase aguda e de manutenção. Para o 1º caso, ou seja, o surto, consiste no uso
da metilprednisolona 1g/d, IV, durante 3 a 5 dias;
- O tratamento da fase crônica envolve o uso de drogas imunomoduladoras, e, em pacientes com forma recorrente-
-remitente, pode-se usar gamaglobulina;
- Resposta terapêutica aos imunomoduladores nas formas recorrente-remitentes da EM pode ser avaliada pela
redução do número de surtos e pela progressão avaliada pelas escalas de incapacidade (EDSS). Recentemente,
constatou-se que o critério mais sensível na avaliação da resposta do tratamento baseia-se na detecção precoce
de progressão da doença, em vez da taxa de surtos, como preditor de prognóstico de acúmulo de incapacidades
neurológicas em longo prazo;
- A escala EDSS é um método de qualificar as incapacidades ocorridas durante a evolução da EM ao longo do tempo. A
EDSS quantifica as incapacidades em 8 sistemas funcionais: (1) piramidal; (2) cerebelar; (3) tronco cerebral; (4) sensitivo;
(5) vesical; (6) intestinal (7); visual e (8) mental. A escala avança de 0,5 em 0,5 ponto em uma escala de 0 a 10. Em grau de 1
a 4,5, os pacientes podem ter uma vida quase normal, no entanto, a partir de valores 5 até 9,5, a marcha está comprome-
tida, bem como outras funções. Zero corresponde a exame neurológico normal, e 10 corresponde à morte por EM.

Resposta
da questão do capítulo

1. E
Maria Aparecida Ferraz Mauro Augusto de Oliveira
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

12
O sono e a vigília são processos rigidamente regulados por meca-
nismos fisiológicos complexos. O sono normal é constituído pela
alternância dos estágios REM (Rapid Eye Movement) e não REM. O
sono não REM é caracterizado pela presença de ondas sincronizadas
no eletroencefalograma (EEG) e pode ser subdividido em 3 fases: está-
gio N1, N2 e N3 (N3 equivale ao sono de ondas lentas ou sono delta).
O EEG de sono REM é caracterizado por ondas dessincronizadas e de
baixa amplitude. A sincronização-dessincronização das ondas do EEG

Insônia e outros
do sono não REM e REM e vigília é consequência da atividade neural
nos circuitos talamocorticais. A insônia é o distúrbio do sono mais
comum, definida como incapacidade de um sono reparador, caracte-
rizando-se por dificuldade de dormir (em iniciar ou manter o sono) ou

distúrbios do
por acordar mais cedo; é aguda quando inferior a 30 dias ou crônica
se superior a 30 dias. O diagnóstico é clínico, e o tratamento envolve
o estudo completo de hábitos (diário do sono por 2 a 4 semanas) e

sono
doenças associadas (síndromes dolorosas, refluxo gastroesofágico,
ansiedade etc.), para poder avaliar melhores medidas de higiene
do sono, bem como associação medicamentosa (benzodiazepíni-
cos, ou não). As consequências diurnas são sintomas como fadiga,
dificuldade de memória e atenção com prejuízo social, escolar ou
ocupacional, irritabilidade, alterações do humor, sonolência diurna,
propensão a erros e acidente de trabalho, cefaleia e sintomas gas-
trintestinais. A sonolência diurna excessiva caracteriza-se quando o para diagnóstico. Os critérios diagnósticos incluem sonolência
indivíduo tem comprometimento da vigilância, ficando acordado na excessiva diurna associada a alterações na polissonografia com
maior parte do período de vigília diurna, com períodos de entradas múltiplos testes de latência do sono ou diminuição dos níveis de
de sono ou sonolência involuntária, o que geralmente reflete disfun- hipocretina-1 no liquor, e o tratamento da sonolência é realizado
ção orgânica, como hipotireoidismo ou anemia. Já a privação de sono com psicoestimulantes (gama-hidroxibutirato – GHB –, venlafa-
crônica constitui a causa mais comum de sonolência diurna excessiva, xina, fluoxetina, metilfenidato ou modafinila), enquanto, para a
sendo o prejuízo funcional cognitivo proporcional às necessidades cataplexia, se utilizam GHB ou selegilina. A hipersônia idiopática,
individuais, além de reduzir as capacidades cognitivas e de gerar um por sua vez, caracteriza-se por duração do principal episódio de
comprometimento importante da qualidade de vida do paciente. Há sono entre 12 e 14 horas, frequentemente seguido por dificuldade
3 tipos de eventos respiratórios patológicos durante o sono: apneias, de despertar pela manhã; inicia-se entre 15 e 30 anos, com pro-
hipopneias e Respiratory Effort-Related Arousal (RERA), todos eles gressão gradual ao longo de semanas a meses. As parassonias
detectados à polissonografia. As apneias são episódios de redução associadas ao sono não REM compreendem os despertares con-
do fluxo aéreo basal em mais de 90% com duração de 10 segundos fusionais, enurese, sonambulismo, sonilóquio, pesadelos, terror
ou mais. Hipopneia pode ser definida como um episódio de mais de noturno e bruxismo; sendo tratamento não farmacológico a 1ª
10 segundos com redução de 30 a 90% do fluxo aéreo basal e queda escolha e o uso de benzodiazepínicos ou antidepressivos tricícli-
de mais de 4% da saturação de oxigênio ou redução de mais de 50% cos a 2ª escolha. No transtorno comportamental do sono REM, há
do fluxo aéreo associada a queda de 3% da SatO2 ou a microdesper- perda da atonia muscular fisiológica do sono REM, o que permite
tar. Os RERAs são definidos por períodos de esforço respiratório atuação motora do sono. Cerca de 80% desses pacientes têm risco
elevado, com queda do fluxo aéreo, ronco em “crescendo”, EEG mos- de evolução para doenças neurodegenerativas como demência
trando microdespertar, mas que não preenchem critério para apneia por corpúsculos de Lewy e doença de Parkinson, após período
ou hipopneia. Na Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), o de até 20 anos do início dos sintomas. O tratamento é feito com
diagnóstico é feito quando há 5 eventos/hora de sono associados a doses baixas de clonazepam ou melatonina. A síndrome de Willis-
sintomas ou comorbidades ou 15 eventos obstrutivos/hora de sono -Ekbom, antigamente chamada síndrome das pernas inquietas,
detectados pela polissonografia, sem outros sintomas. Dentre os caracteriza-se por sensação desagradável nos membros inferio-
principais sintomas, observam-se sonolência ou fadiga diurna, sono res à noite, com necessidade de movimentá-las ou estimulá-las,
não reparador, insônia e despertares noturnos por sensação de sendo o diagnóstico baseado em 4 critérios (necessidade impe-
sufocamento. Já a narcolepsia é uma síndrome clínica rara, de início riosa de mexer as pernas, sintomas que se iniciam no período de
na 1ª década de vida até os 50 anos, associada ou não à cataplexia repouso, alívio após movimento e padrão circadiano com exacer-
(perda de tônus muscular antigravitacional após reação emocio- bação dos sintomas à noite). Pode ser vista em insuficiência renal
nal). Ocorre por degeneração do neurônio hipotalâmico secretor de crônica, neuropatias periféricas, deficiência de ferro, anemias e
orexina/hipocretina, havendo combinação de sonolência diurna e lesões neurológicas. O tratamento em crianças e adultos pode ser
manifestações do sono REM (atonia de musculatura antigravitacio- feito, excluída a deficiência de ferro, com agonistas dopaminérgi-
nal, produção intensa de sonhos, ativação cortical e alterações de cos (levodopa, pramipexol, cabergolina), pregabalina, valproato,
ativação catecolaminérgica). A duração mínima deve ser de 3 meses gabapentina, opioides e carbamazepina nas síndromes primárias.
insônia e outros distúrbios do sono 227

1. Fisiologia do ciclo sono–vigília


Sono é um estado comportamental reversível em que ocorre incapa-
cidade de perceber e responder ao ambiente. Durante o sono ocorrem
fenômenos fisiológicos e comportamentais típicos. As principais carac-
terísticas comportamentais do estado de sono incluem permanecer de
olhos fechados, com pouca resposta a estímulos externos/internos,
presença de movimentos involuntários (mioclonias), hipotonia ou ato-
nia muscular, amnésia para fatos ocorridos durante o sono, obediência
ao ritmo circadiano (renovado a cada 24 horas) e uso de “pistas” am-
bientais (ciclo claro–escuro, alterações de apetite ao longo do dia, mu-
danças na temperatura do ambiente e horários sociais).
O sono e a vigília são processos rigidamente regulados por mecanismos
fisiológicos complexos. O sono normal é constituído pela alternância dos
estágios REM (Rapid Eye Movement) e não REM. O sono não REM se ca-
racteriza pela presença de ondas sincronizadas no eletroencefalograma
(EEG) e pode ser subdividido em 3 fases: estágios N1, N2 e N3 (N3 equi-
vale ao sono de ondas lentas ou sono delta). Durante essa fase, apre-
sentamos movimentos oculares lentos e hipotonia muscular, com sonhos
pouco elaborados e raramente recordáveis. O EEG de sono REM é carac-
terizado por ondas dessincronizadas e de baixa amplitude, semelhantes
às observadas na vigília, motivo pelo qual essa fase recebe o nome de
sono paradoxal. Na fase REM, a musculatura voluntária apresenta in-
tensa atonia, exceto nos músculos oculares extrínsecos, que geram os
movimentos oculares rápidos e no diafragma. Os sonhos são mais elabo-
rados, e o indivíduo apresenta mais dificuldade em ser despertado. A sin-
cronização-dessincronização das ondas do EEG do sono não REM e REM
e vigília é consequência da atividade neural nos circuitos talamocorticais.
O estado de vigília ocorre através de 2 vias. Na primeira, neurônios
colinérgicos dos núcleos pedunculopontino e tegmentar dorsolateral
estimulam núcleos talâmicos relés no complexo posteroventral e no
núcleo mediodorsal e inibem o núcleo reticular, promovendo a ativa-
ção talamocortical. Na outra via, neurônios monoaminérgicos do locus
coeruleus (noradrenérgico), núcleos dorsal e mediano da rafe (sero-
tonérgico), substância cinzenta periaquedutal (dopaminérgica) e tu-
beromamilar (histaminérgico) e neurônios glutamatérgicos do núcleo
parabraquial emitem projeções através do hipotálamo lateral para o
prosencéfalo basal e córtex cerebral. Esse sistema recebe influências
do hipotálamo lateral (orexina, hipocretina e glutamato) e do prosencé-
falo basal (GABA e acetilcolina). O sistema indutor do sono é composto
pela região do hipotálamo anterior, que inclui o núcleo ventrolateral
pré-óptico (VLPO), contendo ácido gama-aminobutírico e o peptídio ga-
lamina, inibitórios sobre a vigília e promotores do sono (Figura 1).
Ainda é motivo de controvérsia o momento exato do início do sono. A
melhor maneira de definir quando ele ocorre é a polissonografia, um
exame que monitoriza, além da atividade elétrica cerebral, a atividade
muscular dos membros (eletromiografia), dos olhos (eletro-oculogra-
fia), o movimento do diafragma, a saturação de oxigênio, a atividade
elétrica cardíaca (eletrocardiograma), o fluxo aéreo, além de um micro-
fone para a detecção de roncos. Esse sistema pode ser acoplado a uma
câmera de vídeo com a possibilidade de avaliar alterações comporta-
mentais patológicas, como no transtorno comportamental do sono
REM. Pacientes com alteração ao EEG típica do início do sono ainda po-
dem estar acordados. De acordo com os parâmetros polissonográficos,
228 sic neurologia

define-se o início do sono como a ocorrência de relaxamento muscular


à eletromiografia (EMG), associada a movimentos oculares lentos e as-
síncronos à eletro-oculografia e com mudança do ritmo alfa-occipital
para um padrão de frequência mista de baixa voltagem (estágio N1).
Durante o sono, alternamos fases do sono não REM com o sono REM
por meio de ciclos. Ocorrem de 4 a 6 ciclos não REM–REM ao longo de
uma noite de sono, com REM sendo mais frequente na 2ª metade da
noite. Durante o 1º ciclo, o estágio N1 dura de 1 a 7 minutos, com des-
pertar fácil. Já o estágio N2 se caracteriza pela presença de fusos do
sono e complexos K, durando de 10 a 25 minutos, com despertar difícil.
No estágio N3, surgem ondas lentas (delta) e de alta voltagem por 20
a 40 minutos. Logo após, o sono sofre uma superficialização abrupta
(N2) e movimentos corpóreos, por 5 a 10 minutos, e o indivíduo evolui
para REM por 1 a 5 minutos. Nos demais ciclos, temos REM mais lon-
gos e N3 mais curtos, e o N2 passa a ocupar o tempo dos ciclos N1 e
N3. Apesar de o 1º ciclo REM–não REM durar de 70 a 100 minutos, os
demais ciclos duram de 90 a 120 minutos, com média de 90 a 110 mi-
nutos. Ao longo da noite, as fases do sono são distribuídas da seguinte
maneira: N1: 2 a 5%; N2: 45 a 55%; N3: 15 a 25%; REM: 20 a 25%.

Figura 1 - Hipnograma normal: observar a proporção de cada fase durante uma


noite de sono

Tabela 1 - Promoções da vigília e do sono

É feita por áreas críticas do cérebro que incluem o núcleo tuberomamilar (NTM) no hipotálamo
posterior. O NTM contém neurônios histamínicos, que auxiliam na excitação do tronco cerebral,
como o Locus Coeruleus (LC – norepinefrina), os núcleos dorsais da rafe (DRN – serotonina), a
Área Tegmental Ventral (ATV – dopamina) e o prosencéfalo basal (acetilcolina). Esses centros de
Promoção excitação do tronco cerebral projetam-se difusamente para as áreas corticais para promover a
da vigília excitação. O NTM também inibe as áreas de promoção do sono, como o hipotálamo anterior, da
mesma forma que as regiões de alerta do tronco cerebral. A adenosina, um neurotransmissor,
acumula-se no cérebro durante a vigília prolongada e inibe as regiões de promoção do despertar
do hipotálamo posterior e do prosencéfalo basal, onde a acetilcolina também se projeta difusa-
mente para áreas corticais e o NTM para promover vigília.

O hipotálamo anterior inclui o VLPO, contendo ácido gama-aminobutírico e o peptídio galamina,


Promoção que são inibitórios e promotores do sono. Eles se projetam para o NTM e as regiões do tronco
do sono cerebral para inibir a vigília. O gaba é o neurotransmissor predominantemente inibitório no sis-
tema nervoso central.
insônia e outros distúrbios do sono 229

Figura 2 - Algumas estruturas envolvidas no controle do ciclo sono–vigília

2. Classificação dos distúrbios do sono


De acordo com a 3ª edição da International Classification of Sleep
Disorders, temos:
--Insônia;
--Distúrbios respiratórios do sono;
--Hipersônias de origem central;
--distúrbios do ritmo circadiano do ciclo sono–vigília;
--Parassonias;
--Transtornos do movimento relacionados ao sono;
--Outros distúrbios do sono;
--Distúrbios clínicos e neurológicos relacionados ao sono;
--Distúrbios do sono induzido por substâncias.
Nos próximos tópicos, discutiremos os principais distúrbios do sono
com base nessa classificação.

3. Insônia
A insônia é o distúrbio do sono mais frequente (35% queixam-se de alte-
ração do sono e 10% têm insônia persistente) e pode ser um fator agra-
vante de outras doenças associadas. Pode ser caracterizada, com relação
à quantidade do sono, como uma dificuldade em iniciar ou mantê-lo, ou
ainda por um tempo mais curto do que o desejado para dormir quando
as circunstâncias permitem. Quanto à qualidade do sono, é definida por
uma incapacidade em ter um sono reparador, resultando em alguma
forma de prejuízo durante o dia. Pode ser aguda, com menos de 30 dias,
ou crônica, com duração superior a 1 mês; primária (1/3) ou secundá-
ria (mais frequente, ligada a doenças clínicas ou psiquiátricas em 50%).
Os critérios diagnósticos para insônia crônica estão relacionados na Ta-
bela 2. Habitualmente, a insônia crônica primária não costuma ser grave
230 sic neurologia

ou se associar a sonolência diurna excessiva, e, na sua presença, deve-


-se investigar insônia secundária. A escala de sonolência de Epworth é
o método mais usado para avaliação quantitativa da sonolência diurna
(Tabela 4). Cada questão é graduada de zero a 3 pontos; escores acima de
10 são sugestivos de sonolência diurna significativa, e acima de 15 estão
associados a sonolência patológica presente em condições específicas,
como apneia do sono e narcolepsia.
O diagnóstico é clínico, obtido por meio de anamnese detalhada. A ava-
liação diagnóstica tem importância no esclarecimento das comorbi- Dica
dades que acompanham a insônia previamente à imposição de algum
tratamento. Antes da terapia e para a sua monitorização, devemos Convém lembrar que a
solicitar ao paciente manter um diário do sono. Podem-se, também, insônia crônica primária
aplicar escalas de ansiedade, depressão e qualidade de vida (tendo em não costuma ter sonolên-
vista alta comorbidade psiquiátrica) durante 2 a 4 semanas, o que pro- cia diurna excessiva, e, se
move melhor visão do grau de distúrbio e a elaboração de uma terapia presente, deve-se inves-
mais adequada. Dentro dessa propedêutica, existem algumas suges- tigar insônia secundária.
tões, elencadas na Tabela 3.

Tabela 2 - Critérios diagnósticos para insônia crônica (todos são necessários)


A - Pelo menos 1 dos seguintes:
- Dificuldade para iniciar o sono;
- Dificuldade para manter o sono;
- Despertar precoce;
- Resistência para ir dormir;
- Necessidade de intervenção dos pais/cuidador.
B - Pelo menos 1 consequência diurna:
- Fadiga;
- Déficit de atenção, concentração ou memória;
- Prejuízo social, familiar, ocupacional ou de performance acadêmica;
- Irritabilidade/transtorno de humor;
- Sonolência diurna;
- Problemas de comportamento (hiperatividade, impulsividade, agressão);
- Redução da motivação, energia ou iniciativa;
- Suscetibilidade a erros/acidentes;
- Preocupação com relação à insatisfação com o sono.
C - Oportunidade e circunstâncias adequadas ao sono.
D - Ocorrência ≥3 vezes/semana.
E - Duração ≥3 meses .
F - Não explicada por outro transtorno do sono.

Tabela 3 - Exames complementares na investigação de distúrbios do sono


com insônia possivelmente secundária

Pacientes com história sugestiva de Doença Pulmonar


Obstrutiva Crônica (DPOC) e insônia devem realizar oxi-
Estudos metria ou gasometria arterial para determinar hipoxemia.
para hipo- A insônia na DPOC frequentemente começa com o desen-
xemia volvimento de hipoxemia noturna, embora esta não seja
necessária para promover insônia. A terapia com oxigênio
pode melhorá-la, mas raramente a elimina.

Não está indicada rotineiramente para a avaliação da


insônia, entretanto, pacientes com história sugestiva de
Polissono- apneia do sono devem ser submetidos ao exame, bem
grafia como aqueles com síndrome das pernas inquietas. O insu-
cesso no tratamento dos outros casos pode ser indicação
de polissonografia.
insônia e outros distúrbios do sono 231

Para essa avaliação, um dispositivo portátil é usado em


volta do pulso (não dominante), que mede o ciclo de ati-
vidade–repouso através de movimentos do pulso. Com o
actígrafo (que registra esses movimentos, a luminosidade
exterior e os hábitos diários), o paciente deverá preencher
um diário de hábitos. O relatório é entregue, a princí-
Actigrafia pio, até 1 a 2 semanas. Esse estudo fornece uma medida
objetiva indireta do tempo de sono e vigília e mostrou con-
cordância com a polissonografia na avaliação do tempo de
sono total. A actigrafia aguda é útil para distinguir insônia
primária de ritmo circadiano, transtornos e identificação
de insônia paradoxal. É útil, especialmente, com insônia
refratária ao tratamento.

Ficam restritos ao diagnóstico de Insônia Familiar Fatal


(IFF). Se um paciente com insônia rapidamente progressiva
tem parentes de 1º grau que morreram com insônia, pode
haver preocupação para IFF. O teste genético para essa
Testes
condição rara está disponível e é composto por sequência
genéticos
do gene PRNP. Imagens do cérebro, especialmente emis-
são de pósitron (PET) para procurar hipometabolismo no
tálamo e córtex cingulado, também podem auxiliar no
diagnóstico da IFF.

Tabela 4 - Escala de Epworth

Situações possíveis de dormir ou cochilar


Frequência:
0: nenhuma chance;
1: baixa chance;
2: chance moderada;
3: alta chance.
1 - Sentado e lendo. 0 1 2 3
2 - Assistindo à TV. 0 1 2 3
3 - Sentado e inativo em local público (teatro). 0 1 2 3
4 - Como passageiro de carro ou ônibus em movi-
0 1 2 3
mento por 1 hora sem parar.
5 - Deitando-se para descansar à tarde quando as cir-
0 1 2 3
cunstâncias permitem.
6 - Sentado e conversando com alguém. 0 1 2 3
7 - Sentado calmamente após almoço sem ingestão de
0 1 2 3
álcool.
8 - Dirigindo um carro, parado por alguns minutos no

Dica
0 1 2 3
trânsito.
Observação: pontuação >10, sonolência excessiva, e >15, sonolência
São drogas que levam patológica.
a insônia: lamotrigina,
Também é importante questionar sobre o uso de medicações que
bupropiona, fluoxetina,
possam causar insônia (como lamotrigina, bupropiona, fluoxetina,
venlafaxina, betablo- venlafaxina, betabloqueadores, broncodilatadores, esteroides, metan-
queadores, broncodilata- fetamina) e caracterizar os hábitos relacionados ao sono. Também é
dores e esteroides. importante abordar as doenças cardiopulmonares, síndromes doloro-
sas crônicas, distúrbios psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de
drogas) e refluxo gastroesofágico.
232 sic neurologia

As consequências diurnas da insônia são sintomas como fadiga, dificul-


dade de memória e atenção com prejuízo social, escolar ou ocupacional,
irritabilidade, alterações do humor, sonolência diurna, propensão a er-
ros e acidente de trabalho, cefaleia e sintomas gastrintestinais.
Algumas questões podem ajudar no diagnóstico e no tratamento: nú-
mero de horas de sono suficiente para este ser reparador, horário em
que se deita, consumo de cafeína e álcool à noite, assistir à televisão e/
ou manusear celulares, tablets ou ainda jogar videogame na cama, co-
mer ou exercitar-se durante o período destinado para o sono, realizar
atividades do dia à noite, enfim, fatores condicionantes para insônia.
Deve-se questionar quanto a sintomas que indiquem outras doenças
do sono: sensação de desconforto nas pernas que seja perturbadora,
ronco, apneia durante o sono, xerostomia ao acordar pela manhã, ina-
dequação da respiração (respiração oral), dificuldade em acordar pela
manhã, trabalho em turnos alternados.
O tratamento da insônia deve envolver a causa e as comorbidades asso-
ciadas e depende da idade. Algumas recomendações são usar medica-
ções pelo menor tempo possível e evitar drogas em gestantes, etilistas,
doentes pulmonares, nefropatas ou hepatopatas e entre aqueles que
se queixam de roncos. É importante lembrar que os benzodiazepíni-
cos apresentam risco de dependência, insônia rebote, sedação diurna,
depressão respiratória, quedas e fraturas em idosos. Os indutores de
sono não benzodiazepínicos (zolpidem, zopiclona) são as drogas de 1ª
escolha para o tratamento da insônia, tão eficazes quanto os benzo-
diazepínicos, mais seguros, com baixo risco de dependência, menor
perfil de efeitos colaterais, incluindo sonolência residual e alterações
cognitivas, e, no entanto, mais caros. A escolha do fármaco deve levar
em conta os efeitos colaterais da sua utilização, além do preço. Outras
drogas com melhor “reputação” utilizadas no tratamento da insônia
crônica incluem os antidepressivos trazodona e mirtazapina. Como op-
ção, em casos de falha com os anteriores, podem-se prescrever antide-
pressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina), inibidores seletivos de
recaptação da serotonina (paroxetina), agonistas da melatonina (ago-
melatina), antipsicóticos atípicos (quetiapina, olanzapina), anti-hista-
mínicos de ação central (hidroxizina, dexclorfeniramina) e, finalmente,
benzodiazepínicos hipnóticos (estazolam e cloxazolam). O clonazepam,
muito prescrito, deve ter sua indicação desencorajada, pois é uma me-
dicação com alta capacidade de geração de dependência e tolerância,
além de promover um sono de má qualidade, diminuindo a quantidade
da fase N3. A polissonografia e a investigação com especialista são in-
dicadas apenas a casos refratários e na suspeita de outros distúrbios
do sono.
A orientação para higiene do sono inclui evitar bebidas com álcool e
cafeína (chá, chocolate, guaraná, café) de 4 a 6 horas antes de dormir,
evitar cigarros pouco antes de dormir, fazer exercícios, pelo menos, 20
minutos ao dia, evitar exercício intenso próximo à hora de dormir e le-
vantar sempre no mesmo horário. Também é importante evitar cochi-
los diurnos, controlar estímulos, não ficar na cama se não tiver sono;
caso fique 20 minutos acordado na cama, levantar e procurar uma ati-
vidade relaxante, não ler ou ver TV na cama. A principal intervenção
terapêutica para a insônia, entretanto, é a terapia cognitivo-compor-
tamental, superior ao tratamento farmacológico, com base na associa-
ção das seguintes técnicas: restrição de sono (diminuir tempo de sono
e aumentar o de vigília), controle de estímulos (reforçar a associação da
cama e quarto com ato de dormir, e de forma rápida), técnicas de rela-
insônia e outros distúrbios do sono 233

xamento muscular progressivo e terapia cognitiva (questionamentos


sobre ato de dormir, crenças e hábitos deletérios).

4. Distúrbios respiratórios do sono


A apneia do sono consiste em diminuição importante da respiração por
10 ou mais segundos, podendo ser classificada em obstrutivas, mistas
ou centrais.

A - Síndrome da apneia obstrutiva do sono


Há 3 tipos de eventos respiratórios patológicos durante o sono: ap-
neias, hipopneias e Respiratory Effort-Related Arousal (RERA), todos
detectados à polissonografia. As apneias são episódios de redução do
fluxo aéreo basal em mais de 90% com duração de 10 segundos ou mais.
A hipopneia, por sua vez, pode ser definida como um episódio de mais
de 10 segundos com redução de 30 a 90% do fluxo aéreo basal e queda
de mais de 4% da saturação de oxigênio ou redução de mais de 50% do
fluxo aéreo associada a queda de 3% da SaO2 ou a microdespertar. Os
RERAs são definidos por períodos de esforço respiratório elevado, com
queda do fluxo aéreo, ronco em “crescendo” e EEG mostrando micro-
despertar, mas que não preenchem critério para apneia ou hipopneia.
Na Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), o diagnóstico é
feito quando há 5 eventos/hora de sono associados a sintomas ou co-
morbidades ou 15 eventos obstrutivos/hora de sono detectados pela
polissonografia, independente da presença ou não de sintomas. Den-
tre os principais sintomas, observam-se sonolência ou fadiga diurna,
sono não reparador, insônia e despertares noturnos por sensação de
sufocamento.
Com relação à fisiopatologia, apneias e hipopneias são causadas por
obstrução extratorácica da via aérea superior (Figura 3), basicamente
na orofaringe, pelo palato mole e base da língua. Ocorre colapso par-
cial ou total do tecido mole e musculatura da faringe, mais comum no
sono REM e na posição supina. O principal fator de risco para SAOS é a
obesidade, seguido pelo tamanho reduzido dos ossos da face. Outros
fatores de risco incluem circunferência cervical >40cm, história fami-
liar, consumo de álcool e sedativos, dormir na posição supina, diabetes
tipos 1 e 2, ovários policísticos, insuficiência cardíaca congestiva, aci-
dente vascular cerebral, síndrome de Down e alterações odontológicas:
mandíbula e maxila estreitas, retrognatia, má oclusão dental. O menor
diâmetro da via aérea superior gera um aumento da velocidade do ar
ao passar por essa região de menor calibre. De acordo com o teorema
de Bernoulli, a passagem de um fluido por um tubo estreito e colap-
sável gera a diminuição da pressão luminal e colapso das paredes do
tubo. As principais complicações associadas à SAOS são alterações de
humor ao despertar, déficit de atenção e concentração, repercussões
cardíacas e neurológicas decorrentes de hipóxia e hipercapnia inter-
mitentes, risco maior de hipertensão arterial sistêmica, cor pulmonale,
insuficiência cardíaca congestiva, arritmia e morte súbita. Além disso,
os pacientes podem apresentar distúrbios de agregação plaquetária,
disfunção endotelial, distúrbios metabólicos, maior risco de corona-
riopatia, maior risco de acidente vascular cerebral, hiperglicemia, des-
compensação de crises epilépticas e piora cognitiva em indivíduos com
comprometimento cognitivo leve. O tratamento é feito com aparelhos
de pressão positiva na via aérea (CPAP, auto-CPAP, BIPAP), em que o
234 sic neurologia

ar pressurizado age como um stent pneumático, mantendo a patência


da via aérea. Outras modalidades incluem cirurgia (uvulopalatofarin-
goplastia – UPP – tem 40 a 50% de eficácia, com cura em 16%), ARMIO
(aparelho reposicionador mandibular intraoral) e medidas para dimi-
nuição de peso.

Figura 3 - Polissonografia demonstrando padrão compatível com apneia obstrutiva


do sono: observar a manutenção dos movimentos respiratórios durante a interrup-
ção do fluxo aéreo

Figura 4 - Diferenças anatômicas na via aérea de pacientes: (A) normal e (B) apneia.
No paciente com apneia, o menor calibre da via aérea favorece o surgimento de
eventos obstrutivos
Fonte: Neurology and Clinical Neuroscience, 2007.

B - Outros distúrbios respiratórios do sono


--Síndromes da apneia central do sono: o esforço respiratório e do fluxo
de ar está reduzido ou ausente (período igual ou superior a 10 se-
gundos), de forma intermitente ou cíclica, devido à disfunção cardíaca
ou sistema nervoso central. Durante as apneias centrais, a ventila-
ção cessa porque o sistema nervoso central é incapaz de ativar o dia-
fragma e os músculos respiratórios. O exemplo clássico é a respiração
do tipo Cheyne-Stokes;
--Síndrome da hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono: a obesi-
dade e as doenças neuromusculares fazem parte das doenças em que
ocorre hipoventilação relacionada ao sono. No obeso, pode ocorrer
desde redução discreta da ventilação-minuto durante o sono REM até
uma acentuada hipoventilação durante a vigília e o sono. No passado,
era conhecida como síndrome de Pickwick. Doenças neuromusculares
podem levar a hipoventilação crônica: atrofia muscular espinal (sín-
drome de Guillain-Barré), esclerose lateral amiotrófica, poliomielite,
esclerose múltipla, distrofias musculares e miopatias não Duchenne;
insônia e outros distúrbios do sono 235

--Síndrome da hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono causa-


das por condições médicas: doenças do parênquima e vasculatura
pulmonar, obstrução de vias aéreas inferiores e doenças neuromus-
culares da caixa torácica.

5. Transtorno de ritmo circadiano


A palavra circadiano significa “cerca de um dia”. Muitas reações e ativi-
dades do nosso organismo dependem desse ciclo, repetindo-se a cada
24 a 25 horas. Os principais ritmos circadianos são sono–vigília, tempe-
ratura corpórea, alimentação, secreção hormonal, homeostase da gli-
cose e regulação do ciclo celular. Naturalmente, nosso relógio biológico
é programado para durar 25 horas, mas, graças à sensibilidade de cer-
tos neurônios ao estímulo luminoso, esse ciclo acompanha o ciclo da
natureza e dura 24 horas. A principal estrutura responsável por isso é o
núcleo supraquiasmático (NSQ), nosso marca-passo endógeno. O NSQ
recebe aferências luminosas da retina e não luminosas dos núcleos da
rafe, além de emitir projeções para várias estruturas do hipotálamo e
outros locais, além de secretar alguns fatores que agirão a distância. A
síntese de melatonina pela glândula pineal, no epitálamo, é comandada
pela ação do NSQ a partir do momento em que cessa o estímulo lumi-
noso ambiental. É possível determinar os valores de DLMO (início da
síntese de melatonina com a diminuição da luz) por meio de medidas a
cada hora da quantidade de melatonina na saliva de um paciente man-
tido em ambiente escuro, à noite. Normalmente, o DLMO é visto entre
13 e 14 horas antes do horário fisiológico de despertar. Alguns genes,
chamados “clocks”, atuam em alguns períodos do dia, sendo ativados e
inativados conforme a progressão do ciclo circadiano, regulando os ci-
clos biológicos em nosso organismo.
Os principais transtornos do ritmo circadiano são o transtorno da fase
atrasada do sono, o transtorno da fase avançada do sono, o transtorno
do trabalho em turnos e o “jet lag”. Nos 3 primeiros, temos em comum o
fato de serem crônicos (>1 mês), com alteração no sistema de tempori-
zação circadiano ou uma dessincronização entre o ritmo endógeno e o
ritmo “social”, causando alterações/repercussões no sono e na vigília. O
diagnóstico é feito por meio da história e do diário do sono (com ou sem
actigrafia). Nos transtornos crônicos do ritmo circadiano (fase avan-
çada e fase adiantada), o principal diagnóstico diferencial é a insônia,
que não ocorre quando esses pacientes podem dormir e acordar livre-
mente. A polissonografia é indicada em poucos casos (comorbidades).
Nesses pacientes, as comorbidades psiquiátricas são muito comuns.

Dica No transtorno da fase atrasada do sono, ocorrem SED (Sonolência


Excessiva Diurna) e insônia inicial. Há atraso com mais de 2 horas no
Nos transtornos crônicos horário “social” de sono, com dificuldade em sair da cama, atrasos fre-
do ritmo circadiano quentes para o compromisso matinal e normalização da qualidade do
sono quando o paciente dorme em seu horário endógeno. Pacientes
(fase avançada e fase
adormecem entre 1 e 6 da manhã. O tratamento é feito com fototera-
adiantada), o principal
pia matinal e reposição de melatonina de 5 a 6,5 horas antes do DLMO.
diagnóstico diferencial é
a insônia, que não ocorre No transtorno da fase avançada, há avanço do horário principal de
quando estes pacientes sono, com dificuldade em permanecer acordado até o horário desejado
de deitar, despertar antes do horário desejado e, quando o horário de
podem dormir e acordar
dormir for livre, somem as queixas de sono. Os pacientes queixam-se
livremente. de SED, mais intensa no final da tarde e no início da noite, com desper-
tar precoce, sono excessivo entre 18 e 21 horas e despertar entre 2 e 5
236 sic neurologia

horas. O diagnóstico é feito por meio de história e diário do sono. O tra-


tamento é realizado com exposição luminosa no início da noite, evitar
luminosidade no período da manhã, uso de melatonina ou hipnóticos
para insônia de manutenção, fototerapia antes do nadir da tempera-
tura corpórea (entre 19 e 21 horas) e medidas para avançar 3 horas do
horário de dormir a cada 2 dias. Pode ser prescrita melatonina matinal.

6. Hipersônias de origem central


A narcolepsia e as causas de sonolência são divididas, segundo a Inter-
national Classification of Sleep Disorders (ICSD-3 de 2014) em:
--Narcolepsia tipo 1;
--Narcolepsia tipo 2;
--Hipersonolência Idiopática;
--Síndrome de Kleine-Levin;
--Hipersonolência devido a desordem médica;
--Hipersonolência devido a uso de medicação ou substâncias;
--Hipersonolência associada a distúrbios psiquiátricos;
--Síndrome do sono insuficiente.

A - Narcolepsia
Trata-se de uma síndrome clínica rara (de 0,02 a 0,16%), com início da 1ª
década de vida até 50 anos. A narcolepsia é uma doença que se carac-
Dica
teriza por sonolência diurna excessiva associada a cataplexia, alucina- Na cataplexia, observa-se
ções hipnagógicas (na transição da vigília ao sono) ou hipnopômpicas
perda do tônus da muscu-
(transição do sono à vigília), paralisia do sono e fragmentação do sono,
decorrente da degeneração do neurônio hipotalâmico secretor de latura antigravitacional
orexina/hipocretina. Associação a HLA-DR2 em japoneses e HLA- sem perda de consciência
-DQB1*0602 em afro-americanos com narcolepsia foi descrita. Há, por- após reação emocional,
tanto, combinações entre sonolência diurna e manifestações do sono como riso, choro ou
REM (atonia de musculatura antigravitacional, produção intensa de so- tristeza.
nhos, ativação cortical e alterações de ativação catecolaminérgica).
Os episódios de sonolência são incontroláveis, e o cochilo faz o paciente
recuperar sua energia. A cataplexia envolve a perda do tônus da mus-
culatura antigravitacional após reação emocional, como riso, choro ou
tristeza. Normalmente, a perda de tônus é focal, na região cervical,
mandibular ou dos joelhos, de curta duração e sempre com manuten-
ção da consciência. Corresponde à atonia observada durante o sono
REM, mas que acontece durante a vigília nesses pacientes.
Há paralisia do sono (despertar com atraso de reversão da atonia mus-
cular), alucinações no início ou no final do sono (alucinações hipnagó-
gicas e hipnopômpicas, respectivamente) e entrada precoce de sono
REM. Os critérios diagnósticos da American Academy of Sleep Medicine
(AASM) dividem a narcolepsia em tipos 1 e 2 (Tabela 5). Nesses critérios,
estão incluídos achados de um exame auxiliar à polissonografia. Esse
exame, chamado de Múltiplos Testes de Latência do Sono (MTLSs), con-
siste na análise de 5 cochilos diurnos por 20 minutos precedidos de
uma polissonografia de noite inteira. A polissonografia é fundamental
para afastar distúrbios ou doenças do sono, além de privação aguda
do sono. Segundo a ICSD-3, os pacientes com narcolepsia devem apre-
sentar nos MTLSs a média das latências menores ou iguais a 8 minutos,
além de 2 ou mais cochilos diurnos com episódios de sono REM, ou uma
latência de REM na polissonografia menor do que 15 minutos.
insônia e outros distúrbios do sono 237

A pesquisa do alelo HLA-DQB10602 não é rotina e deve ser realizada


para propósito de pesquisa. A dosagem do nível de hipocretina-1 no lí-
quido cefalorraquiano deve ser feito em casos de dúvida diagnóstica
somente por se tratar de um diagnóstico invasivo.

Tabela 5 - Critérios diagnósticos para narcolepsia tipos 1 e 2 (todos são


necessários)
Narcolepsia tipo 1
- Episódios de SED há pelo menos 3 meses;
- Pelo menos 1 dos seguintes:
· Cataplexia e latência média para o sono de 8 minutos no MTLS e 2 ou

Diagnóstico mais Sleep Onset REM Periods (SOREMPs) nos MTLSs;


· Diminuição dos níveis liquóricos de hipocretina 1.
Narcolepsia tipo 2
O diagnóstico de nar-
- Episódios de SED há pelo menos 3 meses;
colepsia é estabelecido
- Latência média para o sono de 8 minutos nos MTLSs e 2 ou mais SO-
com alterações por, no
REMPs nos MTLSs;
mínimo, 3 meses, asso-
- Ausência de cataplexia;
ciadas a polissonografia
- A concentração de hipocretina-1 no liquor não foi medida ou está diminuída;
com múltiplos testes de
latência do sono. - A hipersonolência e/ou as alterações nos MTLSs não se explicam por sono
insuficiente, SAOS, distúrbio da fase atrasada do sono ou efeito de medi-
cações/abstinência.

O tratamento é realizado com medidas comportamentais (suporte psi-


coterápico, aconselhamento profissional, cochilos de 15 a 20 minutos, a
cada 4 horas, e medidas para higiene do sono. O medicamento mais efi-
caz no tratamento da narcolepsia ainda não está disponível no Brasil: o
oxibato de sódio (gama-hidroxibutirato – GHB), eficiente para a sono-
lência excessiva diurna e cataplexia. Outras opções para a cataplexia
são a selegilina (inibidor da monoaminoxidase – IMAO), os antidepres-
sivos tricíclicos, a fluvoxamina, a venlafaxina e a fluoxetina. Os psico-
estimulantes metilfenidato ou modafinila, a fluoxetina e a venlafaxina
servem apenas para a SED.

B - Hipersônia idiopática, sonolência diurna excessiva e


privação de sono crônica
Segundo a AASM, é a situação em que o indivíduo apresenta compro-
metimento da vigilância, ficando acordado na maior parte do período
de vigília diurna, com períodos de entradas de sono ou sonolência in-
Dica voluntária. Cerca de 15% da população geral têm o problema, que pode
decorrer da privação crônica de sono ou do fato de o paciente ser um
Na sonolência diurna dormidor longo (mais de 7 ou 8 horas de sono). Tais casos podem ser
excessiva, há comprome- corrigidos se há um período mais prolongado de sono por 8 a 10 dias.
timento da vigilância, em Em geral, reflete uma disfunção orgânica (hipotireoidismo, insuficiência
que o paciente fica acor- hepática ou renal, anemia, dor crônica, DPOC, apneia obstrutiva do sono,
dado na maior parte do ortopneia, refluxo gastroesofágico, doenças psiquiátricas). Encefalites,
período de vigília diurna, tumores do tálamo e do 3º ventrículo podem ser os fatores desencadea-
dores, porém são raros e associados a outros achados neurológicos.
com períodos de entradas
de sono ou sonolência A privação de sono crônica constitui a causa mais comum de sonolência
involuntária. diurna excessiva, sendo o prejuízo funcional cognitivo proporcional às
necessidades individuais, além de reduzir capacidades cognitivas e de ge-
rar um comprometimento importante da qualidade de vida do paciente.
238 sic neurologia

A hipersônia pode levar a um sofrimento significativo e disfunção nos


relacionamentos profissionais e sociais. O sono noturno prolongado e
a dificuldade em despertar podem acarretar dificuldades no cumpri-
mento de obrigações matinais.
Os episódios de sono involuntário durante o dia podem ser embaraço-
sos e até mesmo perigosos se, por exemplo, o indivíduo está dirigindo
ou operando máquinas quando ocorre o episódio.
O baixo nível de alerta que ocorre enquanto um indivíduo combate o
sono pode levar a uma redução da eficiência, da concentração e da
memória durante atividades diurnas. A sonolência, em geral atribuída
erroneamente ao tédio ou à preguiça, também pode perturbar relacio-
namentos sociais e familiares.
Em indivíduos com hipersônia idiopática, a duração do principal epi-
sódio de sono (para a maioria dos indivíduos, sono noturno) pode va-
riar de 12 a 14 horas, sendo frequentemente seguido por dificuldade de
despertar pela manhã. A hipersônia idiopática tipicamente começa en-
tre os 15 e os 30 anos, com uma progressão gradual ao longo de sema-
nas a meses. Para a maioria dos indivíduos, então, o curso passa a ser
crônico e estável, a menos que um tratamento seja iniciado.
A qualidade do sono noturno é normal. A sonolência excessiva durante
as horas normais de vigília assume a forma de cochilos intencionais ou
episódios inadvertidos de sono. As medições objetivas demonstram
sonolência fisiológica aumentada.
As hipersônias recorrentes (síndrome de Kleine-Levin) são situações
raras com as seguintes características: Dica
--Episódios de sonolência diurna excessiva com duração de dias a se- Na síndrome de Kleine-
manas, em intervalos de meses a anos;
-Levin, observam-se
--A fase sintomática caracteriza-se por períodos prolongados de sono períodos prolongados
(18 a 20 horas);
de sono (18 a 20 horas),
--Hiperfagia (forma clássica), sintomas psiquiátricos (depressão, ansie- hiperfagia e sintomas
dade, hiper/hipossexualidade, alucinações);
psiquiátricos.
--Ocorre geralmente em adolescentes do sexo masculino com início na
2ª/3ª década de vida.

Tabela 6 - Síntese dos principais distúrbios do sono


Insônia
- Pode apresentar-se como diminuição na eficiência do sono ou redução das
horas de sono associada a diminuição da produtividade ou bem-estar;
- Convém lembrar que a qualidade do sono é mais importante do que o
número de horas dormidas.
Inicial ou precoce
- Dificuldade em adormecer com aumento da latência do sono;
- Frequente relação com transtorno de ansiedade.
Intermediária ou de manutenção do sono
- Dificuldade em manter o sono;
- Diminuição da eficiência do sono presente, com sono agitado e fragmenta-
do e frequente despertar durante a noite;
- Possivelmente associada a síndromes de dor e depressão.
insônia e outros distúrbios do sono 239

Terminal ou tardia
Os pacientes constantemente acordam mais cedo que o necessário, e esse
sintoma está frequentemente associado a depressão maior.
Alterações do ciclo vigília–sono
Pode ser um sinal de distúrbios do ritmo circadiano, como os causados por
“jet lag” e trabalhos por turno.
Síndrome da fase atrasada do sono
- O paciente é incapaz de adormecer até de manhã muito cedo;
- Como o tempo passa, o início do sono se torna progressivamente adiado.
Sonambulismo
Compõe-se de episódios de comportamento complexos (andar e/ou falar
dormindo) durante a fase não REM (estágios 3 e 4).
Pesadelos
- São despertares do sono causados por sensações vivas e angustiantes
de sonhos;
- Ocorrem geralmente durante a 2ª metade do período do sono;
- Após o despertar do sonho, a pessoa retorna rapidamente ao tempo e lugar.
Terror noturno
- Episódios recorrentes de despertar abrupto do sono caracterizado por
grito ou pânico, com medo intenso e excitação autonômica;
- O indivíduo geralmente não tem recordação dos detalhes do evento e não
responde durante o episódio;
- Os episódios ocorrem durante o 1º terço da noite.
Hipersônia ou sonolência diurna excessiva
Muitas vezes é atribuível a privação de sono em curso ou má qualidade
do sono, decorrentes de causas variando de apneia do sono ou abuso de
substâncias ou problemas clínicos.
Apneia obstrutiva do sono
- É um distúrbio que envolve a interrupção ou diminuição significativa do
fluxo de ar na presença de esforço respiratório;
- É o tipo mais comum de distúrbio respiratório do sono;
- É caracterizada por episódios recorrentes de colapso das vias aéreas supe-
riores durante o sono;
- Os episódios estão associados a dessaturação da oxi-hemoglobina e recor-
rentes despertares do sono.
Sintomas noturnos
- Ronco (alto);
- Episódios de apneias, que interrompem o ronco acompanhado de suspiro;
- Sensações ofegantes e de asfixia que despertam o paciente durante o sono;
- Noctúria;
- Insônia e sono agitado que levam a despertares frequentes durante a noite.
Sintomas diurnos
- Sono não reparador;
- Cefaleia matutina;
- Sonolência diurna excessiva – com a gravidade, começa-se a sentir sono
durante atividades diárias (escola, trabalho, dirigir veículos);
- Déficits cognitivos (memória, concentração);
- Confusão matutina;
- Alterações de personalidade e humor (depressão e ansiedade);
- Disfunção sexual (impotência e diminuição da libido);
- Refluxo gastroesofágico;
- Hipertensão.
240 sic neurologia

7. Parassonias
A - Parassonias do sono não REM
Trata-se de sintomas ou comportamentos anormais associados ao
sono; há interposição entre o sono não REM e os seguintes sintomas:
despertares confusionais, enurese, sonambulismo, sonilóquio, pesade-
los, terror noturno e bruxismo. Em crianças, a prevalência varia de 1 a
17%; em adultos, 4%.
As principais parassonias do sono não REM são o sonambulismo e o
terror noturno. O sonambulismo é caracterizado por olhar vago e mo-
vimento de caminhar de início súbito, com duração de 10 a 30 minutos.
O indivíduo mostra-se confuso ou agressivo quando acordado. Há his-
tória familiar positiva (10 a 25% dos casos), e a prevalência é de até 15%
entre 4 a 12 anos (pico aos 5 anos), com curso autolimitado (desaparece
por volta dos 10 anos), sendo raro em adultos. A polissonografia mos-
tra transição abrupta do sono profundo para um padrão de estado de
vigília de ondas lentas. O terror noturno inicia-se na infância (3%), de
apresentação benigna e transitória, que tende a desaparecer na ado-
lescência, sendo raro em adultos. Tipicamente, a criança acorda com
grito e semblante de terror, choro, com medo incontrolável, sinais de
atividade autonômica e, ao despertar, amnésia para o episódio. Acon-
tece durante a fase N3 do sono não REM.
Essas parassonias são tratadas apenas em casos de consequências do
comportamento, lesões físicas ou prejuízo social. Os antidepressivos
tricíclicos são a 1ª escolha. Às vezes, pode ser necessária a videopolis-
sonografia associada à eletroencefalografia para o diagnóstico diferen-
cial de epilepsia.

B - Transtorno comportamental do sono REM Tratamento


Caracteriza-se pelo aparecimento de atividade motora elaborada du- Nas parassonias associa-
rante sonhos, com perda intermitente da atonia eletromiográfica do das ao sono não REM, o
sono REM, manifestando-se por meio de sonhos violentos com agres-
tratamento envolve an-
são inconsciente ao parceiro de cama, tipicamente pelo menos 90 mi-
nutos depois do início do sono (o sono inicia-se no não REM e passa ao
tidepressivos tricíclicos,
REM após 70 a 120 minutos). Com a perda da inibição motora, própria enquanto nos distúrbios
do sono REM, ocorre atuação motora do sonho. É mais comum em ho- comportamentais do
mens acima de 50 anos e pode ser desencadeado por tricíclicos e ini- sono REM o tratamento
bidores de recaptação de serotonina, associados ou não à doença de envolve doses baixas de
Parkinson ou à de Lewy. Cerca de 80% dos indivíduos com transtorno clonazepam; melato-
comportamental do sono REM podem evoluir para doenças neurode- nina e pramipexol são
generativas até 30 anos após o início dos sintomas do sono. São tra- alternativas.
tados com doses baixas de clonazepam; melatonina e pramipexol são
medicações alternativas.

8. Transtornos de movimentos associados


ao sono
A - Síndrome de Willis-Ekbom
A síndrome de Willis-Ekbom, antigamente chamada de Síndrome das
Pernas Inquietas (SPI), é considerada um distúrbio do movimento as-
sociado ao sono. Acomete até 5% da população, sendo mais frequente
insônia e outros distúrbios do sono 241

em mulheres, idosos, gestantes e portadores de doenças neurológicas,


como a Doença de Parkinson. A SPI é uma doença crônica e progres-
siva, nem sempre bem caracterizada pelo paciente, mas com impacto
importante na sua qualidade de vida. O reconhecimento clínico é fácil,
baseando-se, principalmente, em elementos recolhidos na história clí-
nica. Porém, apesar de ser conhecida a sua elevada prevalência, per-
manece muito subdiagnosticada e subtratada. De acordo com a AASM,
caracteriza-se pela presença de uma necessidade incontrolável de mo-
ver as pernas, acompanhada por sensações desconfortáveis ​​e desa-
gradáveis ​​nas pernas. Além disso, esses sintomas devem começar ou
piorar durante períodos de repouso ou inatividade, como deitar-se ou
sentar-se; ser parcial ou totalmente aliviados pelo movimento, como
caminhar ou se alongar, pelo menos enquanto a atividade continuar;
e ocorrer exclusiva ou predominantemente à noite. As características
descritas não são explicadas apenas como sintomas de outra condição
médica ou comportamental (por exemplo, cãibras nas pernas, descon-
forto posicional, mialgia, estase venosa, edema de perna, artrite, tiques
com os pés). Os sintomas de SPI causam preocupação, angústia, distúr-
bio do sono ou prejuízo mental, físico, social, ocupacional, educacional,
comportamental ou outras áreas importantes de funcionamento.

Tabela 7 - Critérios essenciais para as síndrome de Willis-Ekbom

1 - Há necessidade imperiosa de mexer as pernas, acompanhada de ou


causada por desconforto ou sensação desagradável, sentida profunda-
mente, quase sempre de difícil descrição (dor tipo queimadura, picadas,
formigamentos, pontadas, comichão, cãibras, entre outras designações).

2 - Os sintomas iniciam-se ou agravam-se com períodos de repouso ou


inatividade, tanto com o indivíduo deitado como sentado.

3 - Os sintomas aliviam-se parcial ou totalmente com o movimento, expli-


cando movimentos de flexão e extensão dos membros afetados, bem
como a necessidade de o indivíduo se levantar e andar ou o alívio sentido
com massagens ou banhos frios.

4 - Há o padrão circadiano dos sintomas, agravando-se geralmente ao


final do dia e durante a noite.

Cerca de 50% apresentam história familiar, com herança, geralmente,


autossômica dominante, sendo a principal alteração o polimorfismo
BTBD9, no 6p. Nos portadores de SPI genética, a diminuição do ferro
corpóreo associa-se à ferritina baixa no líquido cefalorraquidiano, por
redução do ferro nos núcleos da base, levando a uma deficiência do-
paminérgica, com down regulation dos receptores D2 no putâmen e
aumento de tirosina hidroxilase (enzima participante da síntese de do-
pamina). Dentre as causas secundárias, destacam-se a deficiência de
ferro, insuficiência renal crônica, neuropatias periféricas, medicações
(antidepressivos, exceto bupropiona), antagonistas dopaminérgicos e
anti-histamínicos. A gestação precipita ou exacerba a SPI, cujas prin-
cipais consequências são diminuição da qualidade de vida, insônia ini-
cial ou de manutenção em 50 a 55%, maior prevalência de depressão
ou ansiedade, provável alteração vascular, além de 85% dos pacientes
com SPI terem movimentos periódicos dos membros durante o sono
(PLMSs).
O tratamento é feito com reposição de ferro, se ferritina abaixo de
50mg/dL, atividade física e evitar café, álcool, nicotina e medicações
relacionadas. Agonistas dopaminérgicos não ergolínicos (pramipexol,
242 sic neurologia

ropinirol, rotigotina), levodopa, ligantes do canal de cálcio alfa-2-delta


(gabapentina, gabapentina enacarbil, pregabalina) e opioides também
são bastante usados. A síndrome do aumento (augmentation) é uma
complicação do tratamento dopaminérgico, caracterizada por piora
dos sintomas, início dos sintomas mais cedo, de modo mais intenso,
Dica
associado a envolvimento dos membros superiores, acometendo 42% A síndrome das pernas
dos tratados com pramipexol, 80% dos tratados com levodopa, sendo inquietas possui grande
que o tratamento é feito com mudança de classe do medicamento ou correlação com níveis
acrescentando-se uma dose mais cedo. baixos de ferro, devendo
B - Movimentos periódicos dos membros durante o sono ser causa sempre
avaliada.
Os PLMSs são caracterizados pela presença de movimentos involuntá-
rios, exclusivamente durante o sono, com duração de 0,5 a 10 segun-
dos, neurofisiologicamente com aumento de 8µV na amplitude do tibial
anterior na eletroneuromiografia (ENMG) de repouso. Devem ocorrer
pelo menos 4 movimentos separados por 5 a 90 segundos. Movimen-
tos de pernas decorrentes de despertares de apneias não são contabi-
lizados. Cerca de 80% dos pacientes com SPI têm PLMSs, mas a maioria Pergunta
daqueles com PLMSs não tem SPI. Na SAOS, também é mais comum a
ocorrência de PLMSs. PLMSs são vistos em 80% dos narcolépticos e
2014 - FMJ
em 71% daqueles com transtorno comportamental do sono REM, além
1. O pediatra atende uma criança
de ocorrer em 5,2% das pessoas com 30 a 39 anos. Em um estudo, 29%
de 4 anos, filha de pais em conflito
dos indivíduos com mais de 49 anos apresentaram mais de 30 PLMSs/
familiar. A história é a seguinte:
noite, sendo que em indivíduos com mais de 60 anos 45 a 58% tiveram
há 2 meses, nas primeiras horas
mais de 5 PLMSs/hora. Até hoje, não se definiu a relação de PLMSs
após dormir, a criança senta-
com insônia ou SED. Para o diagnóstico do transtorno do movimento
-se na cama com fácies de pavor,
periódico dos membros, realiza-se uma polissonografia com mais de 5
agitação, gritos, gestos descoor-
PLMSs/hora em crianças e 15 em adultos, associada a sintomas diurnos
denados, sudorese, taquicardia e
ou prejuízo funcional, sem outra justificativa para tal. O tratamento
midríase. Não se consegue con-
pode ser feito com agonista dopaminérgico.
solar a criança nesse momento, e,
em 1 a 2 minutos, volta a dormir;
no dia seguinte, passa bem e não
se lembra do ocorrido. Assinale a
hipótese diagnóstica desse caso:

a) terror noturno
b) pesadelo
c) epilepsia
d) mioclonia hípnica
e) síndrome de Münchhausen
Resposta no final do capítulo
insônia e outros distúrbios do sono 243

Resumo
Quadro-resumo
- A insônia é o distúrbio do sono mais frequente e pode ser um fator agravante de outras doenças associadas;
- O diagnóstico de insônia é clínico, sendo importante questionar o uso de medicações que podem causá-la e
caracterizar os hábitos relacionados ao sono, além de abordar doenças cardiopulmonares, síndromes dolorosas
crônicas, distúrbios psiquiátricos (depressão, ansiedade, abuso de drogas) e refluxo gastroesofágico;
- As consequências diurnas da insônia são queixas de fadiga, dificuldade de memória e atenção, com prejuízo social,
escolar ou ocupacional, irritabilidade, alterações do humor, sonolência diurna, propensão a erros e acidente de
trabalho, cefaleia e sintomas gastrintestinais;
- A privação crônica do sono é a causa mais comum de SED;
- A SPI é uma entidade subdiagnosticada e com tratamentos efetivos, caracterizada por sensações desagradáveis e
uma vontade impetuosa de movimentação, dos membros inferiores, principalmente;
- A apneia obstrutiva do sono caracteriza-se por pausas respiratórias recorrentes por mais de 10 segundos, secundá-
rias à obstrução das vias aéreas durante o sono. O diagnóstico é feito por polissonografia.

Transtornos do sono
Transtornos primários: podem resultar em distúrbios endógenos na geração ou tempo de mecanismo de sono–
vigília, muitas vezes complicados por condicionamentos comportamentais. Podem ser divididos em 2 categorias:
parassonias – experiências ou comportamentos durante o sono, incluindo distúrbios do sono, terror e sonam-
bulismo (durante o estágio 4) e transtornos de pesadelo (durante o sono REM) – e dissonias, caracterizadas por
anormalidades na quantidade e qualidade do sono, que incluem insônia primária e hipersônia, narcolepsia, respira-
ção com distúrbio do sono (ou seja, apneia do sono) e distúrbio do sono por transtorno do ritmo circadiano.

Fisiopatologia da insônia (distúrbios no padrão e na periodicidade do sono


REM/não REM)
Os ciclos do sono–vigília são regidos por um conjunto complexo de processos biológicos que servem como relógio
interno. A sugestão é que o núcleo supraquiasmático localizado no hipotálamo seja um cronometrista anatômico
do corpo, responsável pela liberação de melatonina em um ciclo de 25 horas. A glândula pineal secreta menos
melatonina quando exposta à luz intensa, portanto o nível da substância é menor durante as horas de vigília
durante o dia. Vários neurotransmissores desempenham papel no sono, incluindo a DRN, a partir dos núcleos dor-
sais da rafe, noradrenalina contida nos corpos celulares do LC e acetilcolina a partir da formação reticular pontina.
A dopamina, por outro lado, está associada à vigília. Anormalidade no desequilíbrio de todos esses neurotransmis-
sores pode perturbar vários parâmetros fisiológicos, biológicos, comportamentais e de EEG responsáveis por REM
(ou seja, ativo) e não REM (ondas lentas) do sono.

Insônia
- Primária: não ocorre durante o curso do sono ou de outro transtorno nem se deve aos efeitos fisiológicos diretos de
uma substância ou de uma condição médica geral;
- Secundária: é causada por algum fator identificável (geralmente uma condição médica ou psicológica) e apresenta
prevalência significativamente maior do que a da insônia primária.

Causas comuns da insônia secundária


Causas médicas
Medicações não
Cafeína, pílulas de dieta (que contêm pseudoefedrina e efedrina) e nicotina
controladas
Betabloqueadores, teofilina, albuterol, quinidina, estimulantes (metilfenidato e dextro-
Medicações anfetamina), descongestionantes nasais (fenilefrina e efedrina), hormônios tireóideos,
prescritas corticoides, inibidores da recaptação da serotonina, inibidores da monoaminoxidase, metil-
dopa, fenitoína, antineoplásicos e benzodiazepínicos
244 sic neurologia

Causas comuns da insônia secundária


Causas médicas
Transtornos primários do sono (apneia do sono e mioclonia noturna), dor, intoxicação ou
abstinência de álcool e de drogas, tireotoxicose, dispneia, doenças neurológicas (Parkinson
Condições médicas
e Alzheimer), enfermidades médicas agudas ou crônicas (artrite, doença cardiovascular ou
gastrintestinal, asma e DPOC)

Causas comportamentais
Depressão, ansiedade, estressores vitais, mania ou hipomania, causas ambientais, barulho, “jet lag”, sesta durante
o dia, trabalho noturno, alimentação e/ou exercício antes de dormir, consumo de álcool ou de cafeína

Narcolepsia
- Imagina-se resultar de predisposição genética, funcionamento anormal do neurotransmissor e sensibilidade e mo-
dulação imune anormal;
- Também são características comuns da narcolepsia:
· Tendência a tirar sonecas curtas durante o dia, as quais podem ser acompanhadas por sonhos;
· Problemas para dormir à noite;
· Comportamentos compulsivos noturnos (transtorno alimentar, relacionado ao sono, e tabagismo noturno);
· Obesidade.

Manifestações (tétrade clássica)


- Principal sintoma da narcolepsia;

Sonolência - Deve estar presente durante por, pelo menos, 3 meses para justificar o diagnóstico;
diurna - A forma grave leva a sonolência involuntária durante atividades como dirigir, comer ou falar;
excessiva
- Sonolência pode ser grave e constante, com paroxismos de adormecer sem aviso prévio (ou
seja, ataques de sono).
- Se grave e generalizada, pode causar queda;
Cataplexia
(perda breve e - Formas mais sutis existem somente com perda do tônus (aceno de cabeça e dobramento do
súbita do tônus joelho);
muscular) - Movimentos respiratórios e oculares preservados;
- Geralmente desencadeada por emoções (especialmente riso ou raiva).
Alucinações - Hipnagógicas: transição vigília–sono;
hipnagógicas e
hipnopômpicas - Hipnopômpicas: transição sono–vigília.
- Normalmente o paciente é incapaz de mover-se ao acordar;
- Menos comumente, o paciente é incapaz de mover-se próximo ao adormecer, com consciência
intacta;

Paralisia do sono - A paralisia é muitas vezes acompanhada por alucinações;


- Músculos respiratórios e oculares são poupados;
- A paralisia ocorre com menor frequência quando a pessoa dorme em posição desconfortável;
- A paralisia pode ser aliviada por estímulos sensoriais (tocar ou falar com a pessoa).

Diagnóstico
- Narcolepsia tipo 1: presença de SED há mais de 3 meses, com cataplexia e MTLSs mostrando latência média para
início do sono de até 8 minutos e presença de SOREMPs em 2 ou mais episódios de sono, ou níveis baixos de hipo-
cretina-1;

- Narcolepsia tipo 2: presença de sonolência excessiva diurna há mais de 3 meses, ausência de cataplexia, presença
de MTLSs mostrando latência média para início do sono de até 8 minutos e presença de SOREMPs em 2 ou mais
episódios de sono, ou níveis baixos de hipocretina-1 caso ela tenha sido medida.
insônia e outros distúrbios do sono 245

Distúrbios respiratórios do sono


- Síndromes da apneia central do sono: o esforço respiratório e do fluxo de ar está reduzido ou ausente (período igual
ou maior que 10 segundos), de forma intermitente ou cíclica, devido à disfunção cardíaca ou sistema nervoso cen-
tral. Durante as apneias centrais, a ventilação cessa porque o sistema nervoso central é incapaz de ativar o diafrag-
ma e os músculos respiratórios;

- Síndrome da apneia obstrutiva do sono: a obstrução na via aérea concomitantemente ao esforço respiratório con-
tínuo com inadequada ventilação. Nas apneias obstrutivas, o fluxo aéreo é impedido pelo colapso das vias aéreas
superiores, apesar dos esforços repetidos para restabelecer a respiração. Esses eventos, frequentemente, resultam
em redução da saturação sanguínea de oxigênio e despertares associados ao seu término. Sintomas mais comuns
são: cansaço ao acordar, sensação de sono não reparador e SED. Presença de roncos, episódios de engasgo ou
parada respiratória, além de movimentos frequentes que interrompem o sono;

- Síndrome da hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono: a obesidade e as doenças neuromusculares fazem par-


te das doenças em que ocorre hipoventilação relacionada ao sono. No obeso, pode ocorrer desde redução discreta
da ventilação-minuto durante o sono REM até uma acentuada hipoventilação durante a vigília e o sono. No passado,
era conhecida como síndrome de Pickwick. Doenças neuromusculares que podem levar a hipoventilação crônica:
atrofia muscular espinal (síndrome de Guillain-Barré), esclerose lateral amiotrófica, poliomielite, esclerose múltipla,
distrofias musculares e miopatias não Duchenne;

- Síndrome da hipoventilação/hipoxemia relacionada ao sono causadas por condições médicas: doenças do parênqui-
ma e vasculatura pulmonar, obstrução de vias aéreas inferiores e doenças neuromusculares da caixa torácica;

- Apneia do sono: diminuição importante da respiração por 10 ou mais segundos. As apneias podem ser classificadas
como obstrutivas, mistas ou centrais.

Resposta
da questão do capítulo

1. A
Rodrigo Antônio Brandão Neto Mauro Augusto de Oliveira
Maria Aparecida Ferraz Jamile Cavalcanti Seixas
Cristina Gonçalves Massant Victor Celso Cenciper Fiorini

13
Os tumores cerebrais primários são neoplasias que se
originam de diferentes células do sistema nervoso cen-
tral e incluem estruturas como o parênquima cerebral,
as meninges, os nervos cranianos e outras estruturas
intracranianas (como hipófise e glândula pineal). Já os
tumores secundários são oriundos de metástases para
o sistema nervoso central. Os tumores cerebrais podem
produzir, de maneira geral, sinais e sintomas por invasão

Tumores
cerebral local, compressão das estruturas adjacentes
e aumento da pressão intracraniana. A cefaleia é uma
manifestação comum entre indivíduos com tumor cere-

do sistema
bral. As características que sugerem que uma cefaleia
ocorra devido a um tumor cerebral são a presença de
náuseas e vômitos, alterações ao exame neurológico,
piora à manobra de Valsalva e mudança do padrão

nervoso
anterior da dor, sendo um pouco menos frequentes as
alterações visuais, disfunções neurocognitivas, fraqueza
e afasia. Os tumores primários podem ser divididos,
com relação à velocidade de crescimento, em benignos
e malignos. Entre os benignos, os mais frequentes são o
meningioma e o neurinoma do acústico, apresentando
um crescimento lento. Alguns tumores podem ocorrer
no contexto de uma síndrome neurocutânea, incluindo a
esclerose tuberosa ou doença de Bourneville (epilepsia
mioclônica, adenomas sebáceos, fibromas subungueais/
periungueais), a síndrome de Sturge-Weber (mancha
facial unilateral, buftalmia, glaucoma ipsilateral, epilep-
sia focal) e a neurofibromatose (neurofibromatose tipo
I: manchas café-com-leite na pele, nódulos de Lisch na
íris e neurofibromas cutâneos; neurofibromatose tipo II:
neurinomas do VIII nervo bilaterais). Os tumores malig-
nos, de crescimento rápido, incluem o astrocitoma, o
glioblastoma e o meduloblastoma, sendo o astrocitoma
o de comportamento mais agressivo. As metástases
cerebrais, embora sejam ditos tumores secundários, são
as mais frequentes na prática clínica e têm, como fon-
tes principais, pulmão, mama, rim, trato gastrintestinal
e melanoma.
tumores do sistema nervoso 247

1. Epidemiologia e classificação
Tumores primários correspondem a um grupo variado de neoplasias
que se originam de diferentes células do Sistema Nervoso Central
(SNC). Embora sejam incomuns, há evidências de que sua incidência te-
nha aumentado nos últimos 50 anos. Nos Estados Unidos, em adultos,
entre 2004 e 2007, a incidência girou em torno de 24,6 por 10.000 pes-
soas, 1/3 correspondente a tumores malignos. Apesar de corresponder
a somente 2% de todos os cânceres, esses tumores provocam grandes
taxas de mortalidade e morbidade.
A classificação mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS)
cita mais de 150 tipos diferentes de tumores cerebrais primários, divi-
didos em 17 categorias (Tabela 1). Aqui, dividiremos os mais frequentes
em primários (benignos e malignos) e secundários (metástases para o
SNC).
Os primários incluem tumores do parênquima cerebral, das meninges,
dos nervos cranianos e de outras estruturas intracranianas (como hi-
pófise e glândula pineal).

Tabela 1 - Classificação dos tumores cerebrais

Tumores astrocíticos e oligodendrogliais difusos


- Astrocitoma difuso (mutante IDH, gemistocítico mutante IDH, IDH tipo
selvagem, sem outra especificação);
- Astrocitoma anaplásico (mutante IDH, IDH tipo selvagem, sem outra espe-
cificação);
- Glioblastoma (IDH tipo selvagem – glioblastoma de células gigantes,
gliossarcoma, glioblastoma epitelioide –, mutante IDH, sem outra especi-
ficação);
- Glioma de linha média difuso mutante H3 K27M;
- Oligodendroglioma (mutante IDH, codeleção 1p/19q, sem outra especificação);
- Oligodendroglioma anaplásico (mutante IDH, codeleção 1p/19q, sem outra
especificação);
- Oligoastrocitoma sem outra especificação;
- Oligoastrocitoma anaplásico sem outra especificação.

Outros tumores astrocíticos


- Astrocitoma pilocítico (e astrocitoma pilomixoide);
- Astrocitoma de células gigantes subependimário;
- Xantoastrocitoma pleomórfico;
- Xantoastrocitoma anaplásico pleomórfico.

Tumores ependimários
- Subependimoma;
- Ependimoma mixopapilar;
- Ependimoma (papilar, de células claras, tanicítico);
- Ependimoma fusão RELA-positiva;
- Ependimoma anaplásico.
248 sic neurologia

Outros gliomas
- Glioma cordoide do III ventrículo;
- Glioma angiocêntrico;
- Astroblastoma.
Tumores do plexo coroide
- Papiloma do plexo coroide:
· Papiloma do plexo coroide atípico;
· Carcinoma do plexo coroide.
Tumores neuronais e neuronais/gliais mistos
- Tumor neuroepitelial disembrioplásico;
- Gangliocitoma;
- Ganglioglioma;
- Ganglioglioma anaplásico;
- Gangliocitoma cerebelar displásico (doença de Lhermitte-Duclos);
- Ganglioglioma e astrocitoma infantil desmoplásico;
- Tumor papilar glioneural;
- Tumor glioneural formador de roseta;
- Tumor glioneural leptomeníngeo difuso;
- Neurocitoma central;
- Neurocitoma extraventricular;
- Liponeurocitoma extraventricular;
- Paraganglioma.
Tumores da região pineal
- Pineocitoma;
- Tumor do parênquima pineal de diferenciação intermediária;
- Pineoblastoma;
- Tumor papilar da região pineal.
Tumores embrionários
- Meduloblastomas geneticamente definidos (WNT-ativados, SHH-ativados
e TP53 mutantes, SHH-ativados e TP53 tipo selvagem, não WNT e não
SHH (grupos 3 e 4);
- Meduloblastomas histologicamente definidos (clássico, desmoplásico/no-
dular, com nodularidade extensa, anaplásico/de grandes células);
- Meduloblastomas sem outra especificação;
- Tumor embrionário com rosetas em multicamadas (C19MC alterado, sem
outra especificação);
- Meduloepitelioma;
- Neuroblastoma do SNC;
- Ganglioneuroblastoma do SNC;
- Tumor embrionário do SNC sem outra especificação;
- Tumor teratoide/rabdoide atípico;
- Tumor embrionário do SNC com aspectos rabdoides.
tumores do sistema nervoso 249

Tumores do crânio e dos nervos paraespinais


- Schwannoma (celular, plexiforme);
- Schwannoma melanocítico;
- Neurofibroma (atípico, plexiforme);
- Perineuroma;
- Tumores híbridos de bainha de nervo;
- Tumor de bainha de nervo periférico maligno (epitelioide, com diferencia-
ção perineural).
Meningiomas
- Meningotelial;
- Fibroso;
- Transicional;
- Psamomatoso;
- Angiomatoso;
- Microcístico;
- Secretor;
- Rico em linfoplasmócitos;
- Metaplásico;
- Cordoide;
- De células claras;
- Atípico;
- Papilar;
- Rabdoide;
- Anaplásico.
Tumores mesenquimais, não epiteliais
- Tumor fibroso solitário/hemangiopericitoma (graus 1, 2 e 3);
- Hemangioblastoma;
- Hemangioma;
- Hemangioendotelioma epitelioide;
- Angiossarcoma;
- Sarcoma de Kaposi;
- Sarcoma de Ewing (tumor neuroectodérmico primitivo – PNET);
- Lipoma;
- Angiolipoma;
- Hibernoma;
- Lipossarcoma;
- Fibromatose tipo desmoide;
- Miofibroblastoma;
- Tumor miofibroblástico inflamatório;
- Histiocitoma fibroso benigno;
- Fibrossarcoma;
- Sarcoma pleomórfico indiferenciado/histiocitoma fibroso maligno;
- Leiomioma;
- Leiomiossarcoma;
- Rabdomioma;
- Rabdomiossarcoma;
- Condroma;
- Condrossarcoma;
- Osteoma;
- Osteocondroma;
- Osteossarcoma.
250 sic neurologia

Tumores melanocíticos
- Melanocitose meníngea;
- Melanocitoma meníngeo;
- Melanoma meníngeo;
- Melanomatose meníngea.
Linfomas
- Linfoma difuso de grandes células B do SNC;
- Linfomas do SNC associados a imunodeficiências (linfoma difuso de gran-
des células B associado a AIDS, linfoma difuso de grandes células B EBV
positivo sem outra especificação, granulomatose linfomatoide);
- Linfoma de grandes células B intravascular;
- Linfoma de grandes células B de baixo grau;
- Linfoma de células T e de células T/NK do SNC;
- Linfoma de grandes células anaplásicas ALK-positivo;
- Linfoma de grandes células anaplásicas ALK-negativo;
- Linfoma MALT da dura.
Tumores histiocíticos
- Histiocitose de células de Langerhans;
- Doença de Erdheim-Chester;
- Doença de Rosai-Dorfman;
- Xantogranuloma juvenil;
- Sarcoma histiocítico.
Tumores de células germinativas
- Germinoma;
- Carcinoma embrionário;
- Tumor de saco embrionário;
- Coriocarcinoma;
- Teratoma (maduro, imaturo);
- Teratoma com transformação maligna;
- Tumor misto de células germinativas.
Tumores da região selar
- Craniofaringioma (adamantinomatoso, papilar);
- Tumor de células granulares da região selar;
- Pituicitoma;
- Oncocitoma de células fusiformes.
Tumores metastáticos
Fonte: OMS, 2016.

Quadro clínico
2. Quadro clínico
O quadro clínico dos tu-
Os tumores cerebrais podem produzir sinais e sintomas por invasão ce- mores cerebrais envolve
rebral local, compressão das estruturas adjacentes e aumento da pres- cefaleia, crises convul-
são intracraniana. A avaliação de um paciente com suspeita de tumor sivas, náuseas e vômitos,
cerebral requer história detalhada, exame neurológico e exame de neu- disfunção neurocogni-
roimagem. Pacientes com tumor cerebral podem se apresentar com si- tiva, fraqueza, afasia e
nais e sintomas generalizados ou focais.
disfunção visuoespacial.
A cefaleia é uma manifestação comum entre indivíduos com tumor ce-
rebral (48% dos casos) e é considerada o pior sintoma por metade dos
tumores do sistema nervoso 251

pacientes. É geralmente constante e, ocasionalmente, latejante. Apre-


senta-se, frequentemente, com baixa intensidade, a menos que este-
jam presentes hidrocefalia obstrutiva ou irritação meníngea.
As características que mais sugerem a presença de tumor cerebral são
cefaleia, náuseas e vômitos, com piora à manobra de Valsalva e mu-
dança do padrão anterior da cefaleia, associados a exame neurológico
alterado. Crise convulsiva é um dos sintomas mais comuns dos gliomas
e das metástases cerebrais. A incidência de crises é maior em tumores
primários do que em metástases.

Tabela 2 - Quadro clínico dos tumores cerebrais


Sinais e sintomas
Generalizados
- Dor de cabeça;
- Crise convulsiva generalizada;
- Náuseas e vômitos;
- Depressão do nível de consciência;
- Disfunção neurocognitiva.
Focais
- Crise convulsiva focal;
- Fraqueza;
- Perda sensitiva;
- Afasia;
- Disfunção visuoespacial.
Fonte: UpToDate.

3. Tumores benignos primários


A - Meningioma
Trata-se de um tumor que se origina nas meninges e está entre os tu-
mores cerebrais primários mais frequentes. Sua localização no SNC
pode causar morbidade e mortalidade, apesar de a maioria ser be-
nigna. Corresponde a 1/3 de todos os tumores primários cerebrais e
se associa a história prévia de radiação. Existem, aproximadamente,
18.000 novos casos diagnosticados a cada ano nos Estados Unidos.
É um tumor raro em crianças, exceto se há síndromes hereditárias que
favorecem o seu surgimento, como a neurofibromatose tipo II. Mais co-
mum no sexo feminino, é classificado, segundo a OMS, em graus I (le-
são benigna, geralmente com bom prognóstico), II (lesão com atipia) e
III (maligno).
Dica Quando benigno, o crescimento é lento, circunscrito, podendo ser
múltiplo e até se calcificar e causar hiperosteose. Quando ma-
O meningioma é mais ligno, seu crescimento é rápido. Não se pode esquecer que as me-
comum no sexo feminino ninges recobrem, também, a medula espinal, podendo, dessa forma,
e com história prévia de ocorrer o meningioma na coluna. O tipo histológico mais comum é o
radiação; já o tipo his- meningoteliomatoso.
tológico mais comum é o Quanto ao quadro clínico, há poucos sintomas devido à sua evolução lenta.
meningoteliomatoso. Normalmente, é descoberto acidentalmente; quando há sintomas, são
inespecíficos e dependem da localização da lesão. Os sinais e sintomas
mais comuns são cefaleia, vômitos, convulsões e paresia de membros.
252 sic neurologia

A suspeita diagnóstica é feita por meio de exame de imagem (Tomo-


grafia Computadorizada – TC – de crânio ou Ressonância Nuclear Mag-
nética – RNM – de crânio) e confirmada pelo exame histopatológico.
O tratamento é principalmente cirúrgico nos casos sintomáticos, po-
dendo ser feito com a retirada total ou parcial do meningioma, visando
evitar sequelas. Deve ser realizado acompanhamento posteriormente.

Figura 1 - Ressonância nuclear magnética evidenciando lesão arredondada corres-


pondente a meningioma gigante

Figura 2 - (A) e (B) Tomografia


Figura 3 - Ressonância de crânio: observa-se uma imagem arredondada branca lo- de crânio sem e com contraste,
calizada no centro da região frontal, logo acima dos olhos, correspondente a um respectivamente, mostrando
meningioma gigante uma lesão bifrontal de gran-
des dimensões com calcificação
e edema perilesional; (C) e (D)
ressonância de crânio em T1
B - Neurinoma do acústico com cortes axiais sem e com
contraste, respectivamente,
Também chamado schwannoma vestibular, trata-se de um tumor be- que também demonstra áreas
nigno derivado das células de Schwann e que comumente surge da de hipossinal, representando
porção vestibular do VIII nervo. Constitui de 8 a 10% dos tumores in- vasos sanguíneos no centro
do tumor; (E) ressonância de
tracranianos em adultos e de 80 a 90% dos tumores do ângulo ponto- crânio sem contraste, com cor-
cerebelar. Apresenta maior incidência no sexo feminino e na 4ª década tes sagitais em T1, e (F) resso-
de vida. A maioria é unilateral (90% dos casos), com apenas 5% bilate- nância de crânio com contraste
rais – estes correspondendo à neurofibromatose tipo II. com cortes coronais em T1
tumores do sistema nervoso 253

Quadro clínico
O quadro clínico do neu- Figura 4 - Anatomia do nervo vestibulococlear
rinoma acústico envolve
redução da acuidade A apresentação clínica associa-se ao envolvimento do VIII nervo cra-
auditiva (95%), zumbido niano, à compressão cerebelar ou à progressão do tumor. O quadro
(63%), desequilíbrio, clínico caracteriza-se por redução da acuidade auditiva (95% dos ca-
parestesia, dor facial sos), zumbido (63%), desequilíbrio, parestesia, hipoestesia, dor facial
(por acometimento do V nervo), paresia facial (por envolvimento do VII
(acometimento do V
nervo – 6% dos casos) e ataxia. Se houver compressão das estruturas
nervo), paresia facial da fossa posterior, o paciente pode apresentar hidrocefalia e evoluir
(envolvimento do VII com cefaleia, sonolência e outros sinais de hipertensão intracraniana.
nervo) e ataxia.
Microscopicamente, os tumores são compostos de fibras de Antoni A
(células bipolares estreitas e alongadas) e B (reticuladas frouxas).

Figura 5 - Neurinoma do acústico: (A) menor e (B) maior amplificação da imagem


com zonas de alternância entre celularidade densa e esparsa

A degeneração maligna é extremamente rara, sendo relatados, atual-


mente, poucos casos na literatura.
Para a investigação, devem ser realizados audiometria e exame de ima-
gem, de preferência RNM de crânio. O meningioma constitui um dos
seus diagnósticos diferenciais.
Existem 3 opções de tratamento para o schwannoma: cirúrgico, radio-
terápico ou expectante, sendo este indicado em pequenas lesões oligo/
assintomáticas.
254 sic neurologia

Figura 6 - Neurinoma do acústico em criança sem associação a neurofibromatose

C - Adenoma de hipófise
Trata-se da causa mais comum de massa selar a partir da 3ª década de
vida, correspondendo a 10% de todas as neoplasias intracranianas. São
tumores benignos da hipófise anterior, ocorrem em ambos os sexos e
podem ser divididos pela função endócrina e pelo tamanho.

Tabela 3 - Classificação

De acordo com a função endócrina


- Prolactinoma;

- Produtores de hormônio adrenocorticotrófico;

- Produtores de hormônio do crescimento;

- Não funcionais.

De acordo com o tamanho


- Microadenomas (<10mm);

- Macroadenomas (>10mm):
· Grau I: até 10mm;
· Grau II: aumento de volume com expansão da sela túrcica e sem erosão
óssea;
· Grau IIa: aumento de volume com lesão localizada;
· Grau III: aumento de volume com lesões ósseas múltiplas;
· Grau IV: aumento importante da sela túrcica com perda dos seus limites.

A classificação quanto ao tamanho é importante para definir o melhor


tratamento e seus resultados em cada paciente. Além dos adenomas, a
região hipofisária pode ser afetada por doenças não hipofisárias (cuja
origem não é da glândula hipófise), as quais podem apresentar tumores
não secretores, provocando sintomas neurológicos e hormonais. Entre
esses “tumores” não funcionantes da região hipofisária estão doenças
vasculares, infiltrativas, de origem embrionária, e de outras origens,
como craniofaringiomas, meningiomas, gliomas e, muito raramente, tu-
mores metastáticos. O tipo mais comum é o adenoma hipofisário secre-
tor de prolactina. Microadenomas são tumores com diâmetro <10mm,
e macroadenomas são aqueles cujo tamanho é ≥10mm, podendo ser
circunscritos à sela túrcica, expansivos e invasivos.
tumores do sistema nervoso 255

A manifestação clínica depende do tipo do adenoma, podendo haver


sintomas de hiper ou hipossecreção hormonal. A alteração visual (he-
mianopsia bitemporal) é o sintoma mais comum, acometendo 80% dos
Quadro clínico pacientes. Sintomas gerais, como cefaleia, geralmente estão relaciona-
dos à compreensão tumoral. O paciente pode ter, ainda, diplopia por
Pode haver sintomas acometimento do III nervo.
de hiper/hipossecreção
O diagnóstico é feito por dosagem hormonal e ressonância magné-
hormonal, mas a alteração tica. O objetivo primário do tratamento de pacientes com micro-
visual (hemianopsia prolactinoma ou hiperprolactinemia idiopática é restaurar a função
bitemporal) – 80% – é o gonadal e sexual por meio da normalização da prolactina. Mas, no
sintoma mais comum caso dos macroprolactinomas, além do controle hormonal, a redução
do adenoma de hipófise, e o controle tumoral são fundamentais. Sendo assim, todos os pa-
além de diplopia ou cientes com macroadenoma necessitarão de tratamento. Nos demais
cefaleia. casos, terão indicação apenas os indivíduos com sintomatologia de-
corrente da hiperprolactinemia, como infertilidade, galactorreia rele-
vante, alterações no desenvolvimento puberal ou hipogonadismo de
longa data. Ocasionalmente, mulheres com hiperprolactinemia leve,
ciclos menstruais regulares e desejo de engravidar também necessi-
tarão do tratamento.
Os agonistas dopaminérgicos constituem a 1ª opção de tratamento. Es-
ses fármacos normalizam os níveis de prolactina, restauram a função
gonadal e reduzem significativamente o volume tumoral dos prolacti-
nomas na maioria dos pacientes. Todos os agonistas dopaminérgicos
são eficazes, mas a cabergolina e a bromocriptina são os mais usa-
dos. A não introdução do agonista dopaminérgico pode ser uma opção
para os assintomáticos com microprolactinoma ou hiperprolactinemia
idiopática, ou ainda para mulheres com menstruação regular, com ga-
lactorreia leve e prole constituída, bem como para mulheres após a
menopausa e apenas com galactorreia leve. No entanto, tais pacientes
devem ser acompanhadas com mensurações frequentes de prolactina,
a fim de se detectar precocemente o aumento de algum tumor pre-
existente. Inexiste uma periodicidade estabelecida para as mensura-
ções, sendo que a necessidade acaba sendo individualizada. Na prática,
são realizadas aferições a cada 6 meses nos primeiros 2 anos de segui-
mento e, depois, aferições anuais.
Embora, em alguns centros com neurocirurgiões experientes, a taxa
de cura cirúrgica dos microprolactinomas e macroadenomas pequenos
se situe em torno de 75%, o agonista dopaminérgico
é o tratamento de escolha. Nos macroprolactinomas
maiores e mais invasivos, o tratamento medicamen-
toso deve ser sempre a 1ª opção, uma vez que a cirur-
gia não é isenta de complicações e as taxas de cura são
muito baixas. Até 10% dos pacientes com macropro-
lactinoma podem requerer cirurgia, caso não ocorra
resposta aos agonistas dopaminérgicos ou, ainda, se o
déficit visual não melhora com o tratamento medica-
mentoso. Nesses casos, a retirada parcial da massa tu-
moral pode também proporcionar melhor resposta ao
tratamento com agonista dopaminérgico. Outras pos-
síveis indicações para o tratamento cirúrgico incluem
macroprolactinomas císticos que causem sintomas
Figura 7 - Ressonância da hipófise que evidencia adenoma neurológicos, apoplexia com déficit neurológico e into-
hipofisário basal, bilateral, de maiores dimensões à esquer-
da, deslocando a glândula superiormente lerância aos agonistas dopaminérgicos.
256 sic neurologia

4. Tumores malignos primários


São diversos os tipos de tumores malignos do SNC, como gliomas, he-
mangioblastomas, meduloblastomas e linfomas.

A - Glioma
Corresponde a um grupo de neoplasias primárias do SNC proveniente
das células da glia (astrócito, oligodendrócito) e que se expressa por
diversos graus de agressividade. As de baixo grau são chamadas glio-
mas de baixo grau, e os tumores de rápida progressão, gliomas de alto
grau. Os de baixo grau são menos comuns, correspondendo a 1/5 dos
gliomas do SNC.

Tabela 4 - Subtipos de tumores patológicos que podem ser considerados


gliomas de baixo grau

Tumores comumente inclusos


- Astrocitoma difuso:
· Fibrilar;
· Gemistocítico;
· Protoplasmático.

- Astrocitoma pilocítico;

- Oligodendroglioma;

- Oligoastrocitoma misto.

Tumores potencialmente inclusos em definições mais amplas


- Ependimoma;

- Xantoastrocitoma pleomórfico;

- Ganglioglioma;

- Astroblastoma;

- Subependimoma.

a) Astrocitoma pilocítico
Tem crescimento lento, geralmente bem demarcado, e é frequente-
mente cístico e curável, se completamente retirado, com prognóstico
Dica
favorável para a maioria. O objetivo da cirurgia, portanto, é retirá-lo O astrocitoma pilocítico
completamente. Ocorre principalmente entre crianças e adultos jovens possui crescimento
e, geralmente, cresce no hemisfério cerebelar e em volta do III ventrí- lento, cístico e curável, se
culo. Sua transformação para maligno de alto grau acontece em menos
completamente retirado;
de 5% dos casos.
acomete crianças e
Tende a ser de linha média e pode causar sintomas associados a esse adultos jovens, com cres-
local. Um grande tumor cerebelar pode causar hidrocefalia obstrutiva cimento principalmente
e o paciente apresentar dor de cabeça e letargia. Também pode haver
no hemisfério cerebelar e
história de desequilíbrio, queda ou incoordenação. Tumores pilocíticos
em torno do III ventrículo,
no tronco cerebral causam déficits neurológicos secundários ao com-
prometimento do tronco cerebral, enquanto os do hipotálamo causam tendendo a ser de linha
uma variedade de problemas endócrinos, como hipernatremia. Sin- média. Pode haver calci-
tomas do tronco cerebral podem incluir visão dupla ou paresia facial, ficação e hemorragia.
enquanto pessoas com tumores do nervo óptico podem apresentar dé-
ficit visual.
tumores do sistema nervoso 257

Figura 9 - Astrocitoma pilocítico em tomo-


Figura 8 - Astrocitoma pilocítico grafia computadorizada

b) Astrocitoma de baixo grau (low-grade)


Trata-se de um grupo heterogêneo de neoplasias intrínsecas do SNC
Quadro clínico que compartilham de certas semelhanças em sua apresentação clínica,
achados radiológicos, prognóstico e tratamento. O tumor cerebral in-
O quadro clínico do trínseco mais comum, o glioblastoma (GB), é de alto grau de maligni-
dade, contrastando com astrocitomas de baixo grau, menos comuns e,
astrocitoma de baixo
portanto, menos familiares aos médicos. As estratégias de diagnóstico
grau na medula envolve e de tratamento são controversas. A evolução dos exames de neuroi-
início lento de dor nas magem permite o diagnóstico de muitos astrocitomas de baixo grau
costas (mais comum na que não teriam sido reconhecidos anteriormente.
região cervical) e déficits
São, por definição, de crescimento lento, e os pacientes sobrevivem
neurológicos, como
mais tempo do que em caso de glioma de alto grau. O acompanhamento
parestesia em braços ou adequado envolve reconhecimento, tratamento dos sintomas (exem-
pernas (fraqueza e dor- plo: convulsões) e cirurgia com ou sem terapia adjuvante. Encontrados
mência objetiva). Quadro no cérebro e na medula espinal, uma pequena porcentagem está pre-
de envolvimento cerebral sente na medula espinal de adultos e crianças. A história caracteriza-se
comumente se apresenta por início lento de dor nas costas e déficits neurológicos. A dor, geral-
com crises epilépticas. mente, está localizada sobre a região do tumor, mais comumente na
região cervical. Sintomas neurológicos incluem parestesias nos braços
ou nas pernas (fraqueza e dormência objetiva).

c) Astrocitoma anaplásico
Trata-se de um tumor com alta taxa
de mitose, com atipia nuclear, porém
sem proliferação endotelial ou ne-
crose. Apresenta evolução bastante
agressiva e prognóstico reservado.
Seu tratamento, como todo glioma
de alto grau, consiste em combinar a
máxima ressecção cirúrgica com pos-
terior radioterapia e quimioterapia
adjuvante.
Figura 10 - Ressonância de tí-
pico astrocitoma de baixo grau
frontal (seta), cujo sintoma de Figura 11 - Astrocitoma anaplásico
apresentação é epilepsia em tomografia
258 sic neurologia

d) Glioblastoma
O GB é um tumor pleomórfico, com atividade celular e proliferação mi-
crovascular ou necrose. É o 2º tipo de tumor cerebral primário mais
comum, correspondente a 15% de todos os tumores contra 36% dos
meningiomas. Corresponde, ainda, a 55% de todos os gliomas, sendo
também o tumor mais agressivo do sistema nervoso, com prognóstico
ruim e sobrevida média de 2 anos. Além disso, é mais frequente em
adultos entre 35 e 70 anos.
O GB ocorre, mais habitualmente, na substância branca subcortical dos
hemisférios cerebrais. A localização combinada frontotemporal é par-
ticularmente típica. A infiltração do tumor, muitas vezes, se estende
para o córtex adjacente ou os gânglios da base. Quando um tumor no
Importante
córtex frontal se espalha através do corpo caloso para o hemisfério O glioblastoma é o 2º
contralateral, que cria a aparência de uma lesão bilateral simétrica, tumor primário do
surgindo o termo “glioma em asa de borboleta”. Locais menos frequen- sistema nervoso central
tes são tronco cerebral (muitas vezes encontrado em crianças), cere- mais comum (15%) e o
belo e medula espinal. mais agressivo, com idade
Claramente são necessárias novas abordagens para o tratamento do média de 35 a 70 anos
GB. O tratamento cirúrgico deve visar à remoção mais completa possí- e sobrevida média de 2
vel da lesão, dentro dos limites de dano neurológico. A associação en- anos, principalmente na
tre temozolomida e radioterapia aumenta a sobrevida de 12,1 para 14,6 substância branca sub-
meses. Um maior número de pacientes em estudos clínicos gera novas cortical dos hemisférios,
informações sobre terapias em investigação. Novas abordagens, como
sendo a região frontotem-
terapia gênica e imunoterapia, bem como métodos aperfeiçoados para
poral a mais acometida.
o surgimento de terapias antiproliferativa, antiangiogênica e não inva-
siva, são auspiciosos.

Figura 12 - Glioblastoma multiforme envolvendo o corpo caloso e ambos os lobos


frontais (“em asa de borboleta”)
Fonte: Itagiba, VGA e col. Radiologia Brasileira, vol. 43, nº 6, nov/dez 2010.
tumores do sistema nervoso 259

e) Oligodendrogliomas

Dica
São classificados como graus II e III quando anaplásicos e correspon-
dem a 5% dos tumores primários do SNC, apresentando crescimento
infiltrativo e lento.
Os oligodendrogliomas
Habitualmente, apresentam-se com crises convulsivas, e calcifica-
apresentam citoplasma
ções são comuns. Possuem características histológicas clássicas de
“em ovo frito” e vascu- citoplasma “em ovo frito” e vascularização “em tela de arame”. Seu
larização “em tela de tratamento envolve cirurgia para alguns, quimioterapia para todos e
arame”. radioterapia para transformação anaplásica.
Seu bom prognóstico em relação a outros tumores do parênquima pro-
vavelmente se deve ao comportamento biológico menos agressivo e a
uma resposta favorável à quimioterapia, um recente achado com base
em característica genética.

Figura 13 - Oligodendroglioma

B - Tumores da região pineal


Tumores localizados na região pineal correspondem a 1% de todos os
tumores cerebrais. São classificados em tumores de células germina-
tivas (germinomas e não germinomas), tumores do parênquima da
pineal, tumores neuroectodérmicos e outros (cisto da pineal, meningio-
mas, granulomas inflamatórios e metástases). Os tumores primários
dessa região são originados dos pinealócitos produzindo o pineocitoma
Dica (benigno, mais encontrado em adultos) e o pineoblastoma (maligno,
considerado PNET). Os germinomas (50% de todos os tumores dessa
região) são mais comuns em pacientes do sexo masculino abaixo dos
O pineocitoma é benigno,
20 anos. São considerados malignos pelo seu crescimento rápido, por
mais encontrado em
infiltrarem a parede dos ventrículos e por apresentarem disseminação
adultos, enquanto o a distância através do liquor. Os não germinomas são os teratomas, co-
pineoblastoma é maligno, riocarcinomas e carcinomas embrionários. Tumores da pineal causam,
considerado tumor neu- normalmente, hidrocefalia e compressão do tronco cerebral. A com-
roectodérmico primitivo pressão do tronco cerebral causa a síndrome de Parinaud (dificuldade
(PNET). em elevar, convergir, acomodar o olhar e alterações pupilares). Devem
ser pesquisados os níveis liquóricos e séricos de beta-HCG e de alfafe-
toproteína, pois o aumento sérico ou liquórico de um ou de ambos é
260 sic neurologia

patognomônico para a presença de tumores de células germinativas.


Apesar de produzirem beta-HCG (com ação semelhante ao hormônio
luteinizante – LH), os germinomas, em meninas, não costumam levar
a puberdade precoce, já que os ovários necessitam da ação combinada
de LH e FSH (hormônio folículo estimulante) para que levem adiante os
processos puberais. Já nos meninos, o beta-HCG isoladamente é capaz
de estimular as células de Leydig, com produção de testosterona, que
desencadeia puberdade precoce.
O diagnóstico, atualmente, é feito por TC e RNM de crânio. A RNM deve
Dica
ser solicitada porque muitos desses tumores podem disseminar-se Na síndrome de Parinaud,
pelo liquor, o que faz da RNM melhor exame, pois permite uma imagem observam-se dificuldade
detalhada do tumor, tamanho e sua relação com estruturas adjacentes. em elevar, convergir,
O tratamento necessita do padrão histológico, pois, nessa região, acomodar o olhar e alte-
existe uma diversidade de tumores. A biópsia cirúrgica aberta é a pre- rações pupilares.
ferida, com exame histopatológico intraoperatório para determinar se
uma ressecção agressiva é necessária. A biópsia estereotáxica apre-
senta riscos de sangramento e tem menor precisão quando comparada
à biópsia por cirurgia aberta. A cirurgia é o melhor tratamento para os
tumores benignos, com ótimos resultados. Os germinomas respondem
bem à radioterapia, e em crianças, após o tratamento cirúrgico, deve
ser feito tratamento inicial com quimioterapia. Pode-se associar a qui-
mioterapia à radioterapia nos casos de pinealoblastoma. A radiotera-
Diagnóstico
pia pós-operatória é oferecida a todos os pacientes com tumor maligno Devem-se sempre
da pineal. A radioterapia no leito tumoral é utilizada nos pacientes em
avaliar níveis liquóricos
que a ressecção não pode ser total.
e séricos de beta-HCG e
C - Hemangioblastoma de alfafetoproteína, pois
o aumento sérico de um
É o tumor intra-axial mais comum na fossa posterior em adultos. Pode ou de ambos é patogno-
ocorrer esporadicamente ou como parte da doença de von Hippel-Lin- mônico para a presença
dau e estar associado a eritrocitose (policitemia). A apresentação clí- de tumores de células
nica geralmente depende da localização anatômica e de padrões de germinativas.
crescimento. As lesões do cerebelo podem apresentar sinais de disfun-
ção cerebelar, como ataxia e incoordenação, ou sintomas de hiperten-
são intracraniana devidos à hidrocefalia associada.
Na escolha da abordagem cirúrgica adequada para o tumor, é preciso
considerar a posição da lesão (massa), a presença (ou a ausência) de um
grande componente cístico, hidrocefalia associada e edema circunja-
cente, e a vascularização e a eloquência de estruturas neurais vizinhas.
Na maioria dos casos, as lesões cerebelares podem ser removidas por Dica
meio de uma craniectomia suboccipital, enquanto as lesões da coluna
vertebral são mais bem abordadas por meio de um acesso posterior O hemangioblastoma
(laminectomia). pode estar presente
na doença de von
D - Meduloblastoma Hippel-Lindau.
Trata-se do tumor maligno mais comum na infância e ocorre exclusi-
vamente no cerebelo. A doença é rara após a 4ª década de vida. Apro-
ximadamente 500 crianças são diagnosticadas com meduloblastoma
a cada ano nos Estados Unidos. O pico de incidência encontra-se em
crianças de 5 a 9 anos – cerca de 70% são diagnosticados abaixo de
20 anos. Geralmente se apresenta com sinais de hipertensão intracra-
niana decorrente de hidrocefalia obstrutiva. O tratamento é realizado
com radioterapia e quimioterapia, e neuroimagem seriada como cui-
dado individual de acompanhamento, dependendo da extensão inicial
tumores do sistema nervoso 261

da doença e da extensão da ressecção alcançada. Em geral, a RNM é


indicada a cada 3 meses nos primeiros 6 meses e, posteriormente, a
cada ano. Após 5 anos, os intervalos podem ser prolongados até 5 ou
Dica 10 anos, conforme o caso.
As complicações decorrentes podem ser meningite pós-operatória, hi-
O meduloblastoma é o tu- drocefalia, imunossupressão devido a quimioterapia e/ou radioterapia,
mor maligno mais comum paralisia, paralisia de nervo craniano, hipotireoidismo, disfunção cogni-
na infância (de 5 a 9 anos) tiva e retardo do crescimento.
e ocorre exclusivamente
Os fatores de agravamento são metástases, natureza infiltrativa, evi-
no cerebelo. dência de diferenciação glial e presença de mutação TP53. Além disso,
a falha na localização primária continua a ser, predominantemente, a
barreira para a cura de pacientes com meduloblastoma.
No acometimento de pacientes jovens, quando em idade superior a 4
anos no momento do diagnóstico inicial, há a associação a prognós-
tico mais favorável do que idade inferior a 4 anos. Em série recente de
casos de baixo risco, a taxa de sobrevida em 5 anos tem sido relatada
entre 60 e 80% (ou até mais). Em muitos tumores, a recidiva ocorre em
um período igual à idade no momento do diagnóstico, adicionando-se
9 meses (lei de Collins).

Figura 14 - Meduloblastoma

Figura 15 - Correlação radioanatomopatológica dos tumores encefálicos


262 sic neurologia

E - Linfomas do sistema nervoso central


Podem ser primários ou secundários, ambos os tipos patologicamente
idênticos. Linfoma primário é uma variante incomum do linfoma não
Hodgkin extranodal que envolve o cérebro, leptomeninges, olhos ou
medula.
Suspeita-se deles nas lesões que se contrastam homogeneamente na
porção central da massa cinzenta ou no corpo caloso. Podem apresen-
tar-se com paralisias múltiplas dos nervos cranianos. É importante fri-
sar a importância da associação a infecção pelo vírus HIV, uma vez que
linfoma primário do SNC pode ser desencadeado pela resposta ao HIV
e AIDS. Seu principal diagnóstico diferencial é feito com neurotoxoplas-
mose. Tem boa resposta com radioterapia e corticoterapia, porém o
prognóstico não é bom, devido à alta taxa de recorrência (78%).

5. Metástases do sistema nervoso central


Metástase cerebral é o tumor intracraniano mais comum do adulto e
corresponde a mais de 50% dos tumores cerebrais. Pode ser a 1ª mani-
festação de neoplasia oculta, devendo-se partir para a investigação do
sítio primário nesses casos. É muito comum em indivíduos com neopla-
sias sistêmicas, sobretudo pacientes com câncer de pulmão e mama. É
identificada em exame de imagem como lesão arredondada e branca.
Quando única, podemos pensar em tratamento cirúrgico, e quando
múltipla deve ser tratada com radioterapia e quimioterapia.
Diagnóstico diferencial:
--Discrasias sanguíneas e acidente vascular encefálico;
--Gliomas do tronco cerebral – divididos por autores em 3 locais distintos: Pergunta
* Pontina intrínseca difusa (grave prognóstico);
* Tectal; 2014 - UFG
* Cervicomedular. 1. Uma mulher de 65 anos, após
--Acidente vascular encefálico cardioembólico; crise convulsiva tônico-clô-
--Trombose venosa cerebral; nica, é atendida numa unidade
de emergência. O médico a exa-
--GB;
mina, discute o caso com o colega
--Astrocitoma de baixo grau; neurologista e decide solicitar
--Sequela neurológica de endocardite; tomografia computadorizada de
--Oligodendroglioma; crânio. O exame mostra lesão tu-
--Radionecrose. moral expansiva frontal esquerda,
contendo áreas de hemorragia,
medindo 45mm, envolvida por
acentuado edema, desviando
as estruturas da linha mediana
para o lado oposto. As 2 princi-
pais possibilidades diagnósticas,
nesse caso, seriam:

a) astrocitoma e
oligodendroglioma
b) glioblastoma e metástase
c) ganglioglioma e
xantoastrocitoma
d) ependimoma e astroblastoma
Resposta no final do capítulo
Figura 16 - Metástase no sistema nervoso central
tumores do sistema nervoso 263

Figura 17 - Sintomatologia dos tumores cerebrais e metástases

6. Apêndice
- Tumores medulares
De todos os tumores da coluna, 20 a 40%
são benignos. Em pacientes acima dos 21
anos, 70% dos tumores são malignos, tendo
uma predileção por pacientes jovens entre a
2ª e a 3ª décadas de vida (60%). Lesões ma-
lignas ocorrem mais anteriormente (76%),
enquanto, tipicamente, as lesões benignas
ocorrem nos elementos posteriores.
Figura 18 - (A) Intradurais intramedulares; (B) intradurais extrame-
dulares (justamedulares) e (C) extradurais Tumores raquimedulares podem ser divi-
didos, quanto à sua topografia, em cervi-
cais, torácicos e lombossacrais; e quanto à sua distribuição em relação
ao plano da dura-máter, em extra ou intradurais. Os intradurais po-
dem, ainda, ser divididos em extramedulares (justamedulares) ou
intramedulares.

--Intradurais intramedulares: 5% dos tumores medulares se localizam in-


filtrando ou destruindo a substância cinzenta medular – astrocitoma
(30%), ependimoma (30%) e 30% do restante, incluindo GB maligno, te-
ratoma, lipoma, neuroma (raro). Metástases intradurais são raras (2%);
264 sic neurologia

--Intradurais extramedulares (justamedulares): mais de 40% dos tu-


mores medulares são encontrados nas leptomeninges ou raízes. Os
principais tumores deste grupo são os meningiomas (mais frequen-
tes, de localização dorsal e com crescimento lento) e schwannomas
(avasculares, crescem no forame, predominam na região cervical
baixa), sendo 55% dos tumores intradurais extramedulares;
--Extradurais: representam 55% dos casos dos tumores medulares e
se localizam nos corpos vertebrais e tecidos epidurais. As metástases Dica
constituem a maioria desses tumores; a maioria delas causa destrui-
ção óssea. Os tumores primários mais comuns são: linfoma, câncer A principal origem dos
de pulmão, mama, próstata. Já os tumores primários são cordomas tumores extradurais são
(quase exclusivos da linha média), neurofibromas (isolados ou associa- as metástases, principal-
dos a neurofibromatose), osteoma osteoide, osteoblastomas (adultos mente linfoma, câncer de
jovens), cisto ósseo aneurismático (2ª década/cavidade “em favo de pulmão, mama e próstata.
mel”/alta taxa de recidiva se não ressecado totalmente), condrossar-
coma (tumor maligno de cartilagem), hemangioma vertebral, tumor
ósseo de células gigantes (tumor benigno mais predominante no sa-
cro) e sarcoma osteogênico (tumor ósseo mais frequente). Miscelânea:
plasmocitoma, mieloma múltiplo, sarcoma de Ewing (tumor maligno
agressivo) e angiolipoma.

a) Quadro clínico
Os tumores da medula espinal causam, frequentemente, sintomas
devido à compressão da própria medula e das raízes nervosas emer-
gentes. A pressão sobre a raiz nervosa pode causar dor, perda de sensi-
bilidade, formigamento e disestesia. A dor é o principal sintoma (90%).
A pressão sobre a medula pode causar espasmos, flacidez, sintomas
deficitários da função motora (paresia ou plegia) ou sensitiva (pareste-
sias, hipo ou anestesia). O tumor pode, também, provocar dificuldade
de micção, incontinência urinária ou obstipação (ver síndromes medu-
lares). Um exame neurológico detalhado deve ser realizado para deter-
minar, caso exista, nível segmentar de lesão, tendo importante papel
em caso de metástase, principalmente porque esta acomete a coluna
em vários níveis.

b) Diagnóstico
Existem vários procedimentos que permitem chegar ao diagnóstico de
um tumor da medula espinal. Mesmo quando uma radiografia da co-
luna possa indicar alterações nos ossos, não permite, habitualmente,
revelar tumores que não afetaram o osso. A TC delimita com clareza o
grau de lesão óssea do segmento afetado e da condição óssea dos seg-
mentos adjacentes, importante no planejamento cirúrgico para estabi-
lização da coluna. A TC pode ser complementada pela mielotomografia,
incluindo 2 segmentos acima e abaixo do nível da lesão. Considera-se
que a RNM é a melhor técnica para examinar todas as estruturas da
medula espinal e da coluna vertebral. Quando a TC e a RNM não esti-
verem disponíveis, a mielografia parece ser uma boa alternativa. Para
um diagnóstico preciso do tipo de tumor, é preciso efetuar uma punção
biópsia percutânea, com agulha, guiada pela TC.

c) Tratamento
Geralmente, os tumores da medula espinal e da coluna vertebral po-
dem ser tratados cirurgicamente, por meio de descompressão, lami-
nectomia ou laminotomia, estabilização e reconstrução. Outros podem
tumores do sistema nervoso 265

ser tratados com radioterapia ou com cirurgia seguida de radioterapia.


A quimioterapia nos tumores malignos também pode ser utilizada, mas
com resultados pouco satisfatórios. Quando um tumor comprime a me-
dula espinal ou as estruturas próximas, os corticosteroides podem re-
duzir o processo inflamatório e preservar a função nervosa até que o
tumor seja ressecado.

Pergunta
2013 - UFPR
2. Sobre os tumores primários intracranianos, assinale a alternativa correta:

a) os oligodendrogliomas raramente apresentam calcificações intratumorais e áreas de necrose tecidual


b) os ependimomas da infância geralmente se localizam nos ventrículos laterais, invadindo o 3º ventrículo
c) os portadores de astrocitomas supratentoriais tratados com excisão cirúrgica total, seguida de radioterapia, são considerados
clinicamente curados
d) o astrocitoma pilocítico de cerebelo é um dos tumores do sistema nervoso central de melhor prognóstico
e) os astrocitomas grau IV (OMS) têm melhor prognóstico do que o glioblastoma multiforme
Resposta no final do capítulo

Resumo
Quadro-resumo
- Cefaleia e convulsões são 2 das principais formas de apresentação dos tumores do SNC;
- Podem ocorrer hidrocefalia e sintomas focais que dependem do tamanho e da localização dos tumores;
- O meningioma é um tumor benigno, de crescimento lento, com calcificações e frequentes hiperosteoses do osso
adjacente;
- O GB é o 2º tumor cerebral primário mais comum, e o astrocitoma, o mais maligno. Ambos se apresentam nos exa-
mes de imagem com morfologia multiforme e impregnação heterogênea do contraste em áreas de necrose;
- Os tumores cerebrais mais vistos clinicamente são as metástases para SNC. As principais fontes são pulmão, mama,
rim, trato gastrintestinal e melanoma.
- Pulmão: 40%;

Metastáticos - Mama: 20%;


(50%) - Melanoma: 20%;
- Outros: 20%.
- GB: 40%;
- Astrocitoma anaplásico: 20%;
Tumor cerebral
- Astrocitoma: 15%;
(70% – malignos)
- Linfoma: 10%;
Primários
- Oligodendroglioma: 5%.
(50%)
- Meningioma: 80%;

Extra-axiais - Neuroma do acústico: 10%;


(30% – benignos) - Adenoma hipofisário: 5%;
- Outros: 5%.
266 sic neurologia

Tumores Tratamento
Cirurgia (exceto alguns tumores localizados na base do crânio). Em
Meningiomas casos mais difíceis, radiocirurgia estereotáxica, como Gamma Knife®
e cyberknife, são viáveis.
São removidos cirurgicamente, muitas vezes por meio de uma
abordagem minimamente invasiva, com acesso transnasal/transes-
fenoidal. Para grandes adenomas com expansão suprasselar está
Adenomas de hipófise
indicada abordagem com craniotomia para a sua total remoção. Em
casos considerados inoperáveis, fica indicada radioterapia, incluindo
abordagem estereotáxica.
Embora não exista consenso geral aceito para tratamento, uma
tentativa cirúrgica de remoção ou, pelo menos, de citorredução (dimi-
- Glioma (>50%);
nuição do tamanho tumoral) deve ser pensada na maioria dos casos.
- Astrocitoma (mais
Muitas terapias são tentadas para tumores malignos do SNC, mesmo
comum);
se sabendo que o seu prognóstico é ruim para muitos. Quando se
Tumores cere- - Anaplásico;
planeja tratamento invasivo, devemos analisar a qualidade de vida
brais primários - GB;
pós-operatória, bem como cuidado com possíveis déficits (afasia,
- Ependimoma (6%);
hemiplegia etc.). Radioterapia e quimioterapia fazem parte do tra-
- Oligodendroglioma
tamento de tumores malignos. A radioterapia pode ser indicada a
(5%).
gliomas de “baixo grau”, quando uma remoção total do tumor não é
possível cirurgicamente.
A remoção cirúrgica está indicada para lesão única, seguida de rádio
e/ou de quimioterapia, cujo tratamento também se reserva, geral-
mente, a casos de metástases múltiplas. Radiocirurgia estereotáxica,
como Gamma Knife® e cyberknife, continua a ser opção. Nesses
- Metástases; casos, o tumor primário determina o prognóstico (geralmente pobre).
- Tumores cerebrais secundários (pulmão, O tratamento mais comum para esses tumores é a radioterapia,
mama, melanoma, rim). cuja quantidade depende do tamanho da área do cérebro afetada
pelo tumor. “Irradiação do cérebro inteiro” pode ser sugerida se há
risco de outros tumores secundários se desenvolverem no futuro. A
radioterapia estereotáxica é recomendada a casos com menos de 3
pequenos tumores cerebrais secundários.
Observações:
- O tratamento cirúrgico depende da localização e do tipo do tumor. A remoção de muitos deles pode ser feita sem
agressão ao tecido cerebral normal, porém há tumores infiltrativos que a dificultam, por acometer áreas eloquentes.
Essa remoção está relacionada com o comprometimento de estruturas adjacentes importantes. Os objetivos da
cirurgia, mesmo que não curativa, são redução tumoral, alívio de sintomas (hipertensão intracraniana/herniação) e
determinação do tipo histológico;
- A quimioterapia pode ser feita apenas com medicações ou combinação de tratamentos, como cirurgia ou radiotera-
pia. Esta pode ser feita por administração por via oral ou intravenosa ou implante intracerebral;
- A radioterapia pode ser usada isoladamente ou em combinação com cirurgia, quimioterapia ou ambas. Quimiote-
rápicos podem ser utilizados como drogas radiossensibilizantes, que tornam as células tumorais mais sensíveis à
radiação. No planejamento da radioterapia, devemos ter em mente que, para tratar de maneira adequada, devemos
poupar ao máximo o tecido cerebral normal envolto ao tumor, o que é possível com o uso de equipamentos (moder-
nos) adequados.

Respostas
das questões do capítulo

1. B
2. D

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