Manual Bíblico Ilustrado

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MANUAL BÍBLICO

ILUSTRADO
VIDA
MANUAL BÍBLICO
ILUSTRADO
VIDA

Editores
J. Daniel Hays e J. Scott Duvall
©2011, Baker Publishing Group Originalmente
publicado nos EUA com o título The Baker
Illustrated Bible Handbook Copyright da edição
brasileira ©2019, Editora Vida Edição publicada
EDITORA VIDA com permissão da Baker Books, uma divisão da
Rua Conde de Sarzedas, 246 – Liberdade Baker Publishing Group (Grand Rapids,
CEP 01512 -070 – São Paulo, SP Michigan, 49516, EUA)
Tel.: 0 xx 11 2618 7000 ■
atendimento@editoravida.com.br
www.editoravida.com.br Todos os direitos desta tradução em língua
portuguesa reservados por Editora Vida.
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todos os grifos são do autor.



Scripture quotations taken from Bíblia Sagrada,
Editor responsável: Gisele Romão da Cruz Nova Versão Internacional, NVI ®
Editor-assistente: Marcelo Martins Copyright © 1993, 2000 by International Bible
Tradução: Carlos Caldas e William Lane Society ®.
Revisão de tradução: Rogério Portella Used by permission IBS-STL U.S.
Revisão de provas: Josemar de Souza Pinto All rights reserved worldwide.
Diagramação: Claudia Fatel Lino e Thaís Costa Edição publicada por Editora Vida,
Capa: Arte Peniel salvo indicação em contrário.
Todas as citações bíblicas e de terceiros foram
adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor
desde janeiro de 2009.

1. edição: mar. 2019

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Dicionário bíblico ilustrado Vida / editores gerais Chad Brand, Charles


Draper, Archie England ; editores associados Steve Bond, E. Ray Clendenen ;
editor geral, dicionário bíblico Holman Trent C. Butler ; reconstrução bíblica por
Bill Latta ; [tradução Carlos Caldas, Valdemar Kroker e Werner Fucks]. -- São
Paulo : Editora Vida, 2018.

Título original: Holman Illustred Bible Dictionary.

ISBN 978-85-383-0368-8
1. Bíblia - Dicionários I. Brand, Chad. II. Draper, Charles. III. England,
Archie. IV. Bond, Steve. V. Clendenen, E.Ray. VI. Butler, Trent C. VII. Latta,
Bill.

17-10072 CDD-220.3
Índice para catálogo sistemático:
1. Bíblia : Dicionários 220.3
2. Dicionários bíblicos 220.3
Dedicamos este livro aos nossos pais, Jim e Carolyn Hays, Bob Duvall e
Peggy Duvall Scheler, os primeiros a nos ensinar a amar e ouvir a Palavra de
Deus.
Seremos sempre imensamente gratos por sua influência espiritual em nossa
vida.
Sumário
Agradecimentos

Colaboradores

Apresentação dos principais autores e editores

Parte I: A História de Deus (e a sua história)

A história grandiosa da Bíblia

Como a Bíblia está organizada?

O princípio e o fim

O Antigo Testamento

O Pentateuco

Os Livros Históricos

Os Livros Sapienciais e Salmos

A história entre o Antigo e o Novo Testamentos

A história da Terra Santa entre o Antigo e o Novo Testamentos

O Novo Testamento

O contexto do Novo Testamento


Panorama da vida de Cristo

O livro de Atos e as cartas de Paulo

As Cartas Gerais

Literatura apocalíptica

Parte II: Como surgiu a Bíblia

A inspiração da Bíblia

A produção e formação do cânon do Antigo Testamento

Redação, reprodução e transmissão do texto do Novo Testamento

O cânon do Novo Testamento

Os rolos do mar Morto

A Septuaginta

As traduções da Bíblia e as versões bíblicas em inglês e português

Traduções em português

Traduções para o mundo

Parte III: Estudo mais aprofundado da Bíblia

Como ler, interpretar e aplicar a Bíblia

A unidade e a diversidade da Bíblia


O uso do Antigo Testamento no Novo Testamento

Como interpretar e aplicar a Lei do Antigo Testamento

Como interpretar parábolas

Como interpretar as figuras de linguagem da Bíblia e desfrutar delas

Características literárias da Bíblia

A arqueologia e a Bíblia

Há códigos ocultos na Bíblia?

Respostas aos desafios aos Evangelhos

Sobre as fotos, ilustrações, mapas e obras de arte


Agradecimentos
Em primeiro lugar, desejamos agradecer a Jack Kuhatschek da Editora
Baker pela amizade e por confiar este projeto a nós. Somos gratos da mesma
forma a Brian Vos, Robert Hand e Brian Brunsting, à talentosa e dedicada
equipe editorial e de diagramação da Baker que trabalhou a nosso lado na
produção deste manual. Além disso, todo o mérito pelo belíssimo design da
capa [do original em inglês] pertence a Cheryl Van Andel. Agradecemos
também a nossos vários amigos e colegas de seminários e universidades em
todo o mundo que colaboraram com os artigos. Eles representam os melhores
pesquisadores bíblicos no mundo hoje. Jim Martin e John Walton nos
auxiliaram com as fotografias; somos imensamente gratos a eles. Vários
alunos da Ouachita Baptist University [Universidade Batista Ouachita]
ajudaram a revisar as primeiras cópias e a organizar as fotografias. Também
agradecemos a Reneé Adams, Leasha May e Darlene Seal pelo árduo
trabalho. Por fim, cada um de nós deseja agradecer à sua esposa, Donna Hays
e Judy Duvall, por suas sugestões, seu encorajamento e sua paciência
amorosa.
Colaboradores
Parte I: A História de Deus (e a sua história)

Colaboradores do Antigo Testamento

Dr. Robert Bergen (Hannibal LaGrange University): Lepra no Antigo


Testamento.

Dr. M. Daniel Carroll R. (Denver Seminary): Ética do Antigo Testamento.

Dr. Archie England (New Orleans Baptist Theological Seminary): Os


sacrifícios.

Dr. Peter Enns: Datação do Êxodo; As Pragas.

Dr. Michael Grisanti (The Masters Seminary): Os Dez Mandamentos.

Dr. Kevin Hall (Oklahoma Baptist University): Falsa profecia no Antigo


Testamento.

Dr. Richard S. Hess (Denver Seminary): O papel das genealogias no


Antigo Testamento e no antigo Oriente Médio.

Dr. James L. Johns (Houston Baptist University): A história da Terra


Santa entre o Antigo e Novo Testamentos.

Dra. Christine Jones (Carson-Newman University): O Dia da Expiação.

Dr. Tremper Longman III (Westmont College): A Sabedoria no antigo


Oriente Médio; Provérbios do antigo Oriente Médio.
Dr. Richard Schultz (Wheaton College): Os cânticos do Servo de Isaías.

Dr. Boyd Seevers (Northwestern College): Fortalezas do Antigo


Testamento.

Dr. Joe M. Sprinkle (Crossroads College): Tratados hititas e a estrutura do


Deuteronômio.

Dr. W. Dennis Tucker Jr. (George W. Truett Theological Seminary): A


música no Antigo Testamento.

Dr. John H. Walton (Wheaton College): Outros relatos de dilúvio no


antigo Oriente Médio.

Colaboradores do Novo Testamento

Dr. Kenneth A. Berding (Talbot School of Theology): Dons espirituais.

Dr. Darrell L. Bock (Dallas Theological Seminary): A ressurreição de


Jesus; As aparições de Jesus após a ressurreição.

Dra. Jeannine K. Brown (Bethel Seminary): O forte e o fraco;


Contextualização da mensagem.

Dr. David B. Capes (Houston Baptist University): Os cooperadores de


Paulo; Honra e vergonha; Hinos do cristianismo primitivo.

Dra. Robbie Fox Castleman (John Brown University): A cidade de


Corinto; Mulheres na antiga Corinto .

Dr. Jeff Cate (California Baptist University): A sinagoga; Escravidão no


Novo Testamento.

Dra. Lynn H. Cohick (Wheaton College): Cidadania romana; A cidade de


Roma.

Dr. Bruce Corley (B. H. Carroll Theological Institute): Julgamento(s) de


Jesus.

Dr. Joseph R. Dodson (Ouachita Baptist University): Discipulado no Novo


Testamento; O mestre Jesus; Mestres da lei (os escribas); Cristo (Messias);
Os fariseus no Novo Testamento; Soldados romanos.

Dr. George H. Guthrie (Union University): Procissão triunfal; O poder de


Deus na fraqueza; Passagens de advertência em Hebreus; O sumo sacerdote
judaico.

Dr. Justin K. Hardin (Wycliffe Hall, Oxford University): O sinal da


circuncisão.

Dr. Larry E. Helyer (Taylor University): O palácio de Herodes; O


Sinédrio.

Dr. Douglas S. Huffman (Talbot School of Theology): Martírio no Novo


Testamento; Perseguições na igreja primitiva.

Dr. Paul Jackson (Union University): A destruição de Jerusalem em 70


d.C.; O Concílio de Jerusalém.

Dr. Scott Jackson (Ouachita Baptist University): O uso de koinonia em


Lucas; A igreja nos lares.

Dra. Karen H. Jobes (Wheaton College): Os códigos domésticos.

Dr. Craig S. Keener (Palmer Theological Seminary): Casamento judaico e


os costumes da celebração matrimonial; O Espírito Santo no Novo
Testamento.
Dr. Bobby Kelly (Oklahoma Baptist University): A família de Jesus;
Mulheres discípulas de Jesus.

Dr. Wil iam W. Klein (Denver Seminary): Stoicheia (princípios


elementares) no Novo Testamento; Anjos e demônios.

Dr. Jonathan M. Lunde (Talbot School of Theology): O templo de


Herodes; Os samaritanos.

Dr. Thomas H. McCall (Trinity Evangelical Divinity School): Divindade e


humanidade de Cristo.

Dr. Grant R. Osborne (Trinity Evangelical Divinity School): O contexto do


Novo Testamento.

Dr. C. Marvin Pate (Ouachita Baptist University): O relacionamento entre


Israel e a Igreja.

Dr. Nicholas Perrin (Wheaton College): Vida eterna; Jerusalém nos


tempos de Jesus.

Dr. Brian M. Rapske (Northwest Baptist Seminary): Prisões romanas;


Navegação no mundo antigo.

Dr. Rodney Reeves (Southwest Baptist University): Filho do homem;


Jesus, o servo.

Dr. E. Randolph Richards (Palm Beach Atlantic University): Nomes


romanos; Paulo, autor de epístolas; A oferta para Jerusalém.

Dr. Mark A. Seifrid (The Southern Baptist Theological Seminary):


Justificação pela fé; Lei e graça nas cartas de Paulo.

Dr. Todd Still (George W Truett Theological Seminary): Aquele que o está
retendo? O trabalho e os cristãos tessalonicenses.

Dr. Mark L. Strauss (Bethel Seminary): Panorama sobre a vida de Cristo;


O que é um Evangelho? E por que há quatro Evangelhos?; Os 12 discípulos
de Jesus; A observância do sábado.

Dr. Preben Vang (Palm Beach Atlantic University): João Batista; O


nascimento virginal; Jesus e o Reino de Deus; A encarnação; Pentecoste.

Dr. Ray Van Neste (Union University): Falsos mestres; Líderes


eclesiásticos; Dr. Joel Wil iams (Columbia International University): Deus
como luz e amor; Hospitalidade.

Dr. Matthew C. Williams (Talbot School of Theology): O problema


sinóptico; Os sete sinais do Evangelho de João; Os “Eu Sou” de Jesus;
Maria, Marta, e Lázaro.

Dr. Dan Wilson (California Baptist University): A crucificação de Jesus.

Dr. Mark W. Wilson (Asia Minor Research Center): O culto a Ártemis; A


cidade de Éfeso; Números em Apocalipse; O culto imperial.
Parte II: Como surgiu a Bíblia

Dr. Stephen Dempster (Atlantic Baptist University): A produção e


formação do cânon do Antigo Testamento.

Dr. Bryan Harmelink (SIL International): Traduções para o mundo.

Dra. Karen H. Jobes (Wheaton College): A Septuaginta .

Dr. C. Marvin Pate (Ouachita Baptist University): Os manuscritos do mar


Morto.

Dr. M. James Sawyer (Western Seminary): O cânon do Novo Testamento.

Dr. Mark L. Strauss (Bethel Seminary): A inspiração da Bíblia.

Dr. Daniel B. Wallace (Dallas Theological Seminary): Redação,


reprodução e transmissão do texto do Novo Testamento.
Parte III: Estudo a fundo da Bíblia

Dr. Darrell L. Bock (Dallas Theological Seminary): Resposta aos desafios


contemporâneos aos Evangelhos.

Dr. Gary Manning (Pacific Rim Christian College): O uso do Antigo


Testamento no Novo Testamento.

Dr. Steven M. Ortiz (Southwestern Baptist Theological Seminary):


Arqueologia e a Bíblia.

Dr. D. Brent Sandy (Grace College): Características literárias da Bíblia.


Apresentação dos principais autores e
editores do Manual Bíblico Ilustrado Vida
Dr. J. Daniel Hays é professor de Antigo Testamento na Ouachita Baptist
University. Na Parte I Danny escreve todos os artigos dos livros do Antigo
Testamento da Bíblia. Além disso, na seção do Antigo Testamento, ele
escreveu os artigos breves não atribuídos aos outros colaboradores. Na Parte
III ele escreveu A unidade e a diversidade da Bíblia; Como interpretar e
aplicar a Lei do Antigo Testamento; Como interpretar as figuras de
linguagem da Bíblia e desfrutar delas; e Há códigos ocultos na Bíblia?

Dr. J. Scott Duval é professor de Novo Testamento na Ouachita Baptist


University. Scott é autor dos artigos introdutórios de A história maravilhosa
da Bíblia; Como a Bíblia está organizada?; e O princípio e o fim. Ele
também escreveu todos os artigos dos livros do Novo Testamento da Parte I,
como os artigos da seção do Novo Testamento não atribuídos aos outros
colaboradores. Na Parte II ele escreveu As traduções da Bíblia e as versões
bíblicas em inglês e português, e na Parte III Como ler, interpretar e aplicar
a Bíblia e Como interpretar as parábolas.

Uma palavra dos autores (Danny e Scott) para o leitor: Uma das
grandes paixões de nossa vida é ensinar a Palavra de Deus às pessoas ávidas
por conhecê-la. Há poucas coisas na vida mais importantes que ouvir a
Palavra de Deus e obedecer a nosso Senhor! Da mesma forma, há poucas
coisas que nos deixam mais entusiasmados que quando somos capazes de
ajudar o povo de Deus a se aproximar mais do Senhor por meio da
compreensão melhor da sua Palavra. Um dos objetivos básicos deste livro é
ajudar as pessoas na igreja a entenderem melhor a Bíblia. À medida que
escrevíamos cada artigo, tentávamos ter você (leitor) em mente, e nos
esforçamos para escrever como se estivéssemos conversando com você e o
ensinando pessoalmente. Por isso, o tom do livro é informal (de modo
especial na Parte I).

Esperamos que você leia como se estivéssemos conversando com você. No


mesmo sentido, uma das coisas que gostamos muito quando ensinamos a
Bíblia é ajudar nossos alunos e leitores (como você) a fazer ligações entre as
diversas partes das Escrituras. Ou seja, um dos nossos objetivos é ajudar você
a ver como a Bíblia se completa e está toda interconectada. Por isso, nas
seções do Antigo Testamento e do Novo Testamento da Parte I, muitas vezes
acrescentamos uma nota no pé da página (identificada pelo símbolo ✚) que
destaca as ligações específicas entre diferentes passagens da Bíblia.

Esperamos que você aprecie essas notas de “conexões” à medida que lê o


texto principal. Apesar do tom informal, também desejamos apresentar o
melhor conteúdo atual da pesquisa bíblica. Por isso, em todo o manual, nosso
duplo propósito é apresentar a mais atualizada pesquisa bíblica evangélica de
maneira inteligível e compreensível, para que o povo de Deus na igreja possa
entender a Palavra de Deus e aplicá-la à sua vida. Rogamos a Deus que você
faça bom proveito disso.
A história grandiosa da Bíblia
odas as pessoas têm uma história sobre a qual baseiam a vida. Algumas
T perguntas que devemos fazer a nós mesmos são: “Que história nos conta
a verdadeira história sobre Deus, o mundo e a vida?” e “A minha história está
em sintonia com a verdadeira história?”. O que constitui um enredo elementar
é muito parecido com o que vemos nas novelas, seriados de TV, filmes e
peças teatrais. A história começa com as coisas dando certo. Apresentam-se
as personagens, e obtêm-se as informações essenciais do fundo histórico.
Tudo está bem (ou, pelo menos, estável). Então surge um problema ou uma
crise que ameaça as personagens e seu futuro. Boa parte da história se
concentra na solução do problema (ou seja, resolução de conflitos). De modo
geral, nesse período de resolução, ocorre o ponto culminante em que a tensão
se intensifica ao estado crítico. Nesse momento, o cerne do problema é
resolvido. Por fim (e isso pode demorar um pouco), a resolução é aplicada
para que as coisas não sejam apenas boas, mas espetaculares. Quando não há
um final feliz, ela é chamada de tragédia.

As fases de uma história grandiosa são assim resumidas:

• Introdução — o estabelecimento do cenário e introdução das


personagens.

• Problema — um conflito ameaça o bem-estar das personagens.

• Resolução — a solução do problema.

• Ápice da fase de resolução — o conflito mais intenso é seguido


da solução do cerne do problema.
• Desfecho — a resolução é aplicada às personagens.

A Bíblia afirma ser a história de Deus para todo o mundo. Na Bíblia


encontramos a história grandiosa (ou metanarrativa) que melhor explica a
realidade. Veja como a Bíblia subdivide essa história grandiosa:

• Introdução — Gênesis 1—2.

• Problema — Gênesis 3—11.

• Resolução — Gênesis 12—Apocalipse 18.

• Ápice da fase de resolução — vida, morte e ressurreição de


Cristo.

• Desfecho — Apocalipse 19—22.

Para facilitar a memorização da história grandiosa da Bíblia, observe o


esboço com palavras iniciadas pela letra “c”:

Criação — A história começa com a criação do Universo e dos seres


humanos.

Crise — Quando tentados por Satanás, os seres humanos decidiram


satisfazer a si mesmos e se rebelaram (ou pecaram) contra Deus. Eles o fazem
repetidamente. O pecado traz consequências desastrosas e mortais: dor,
sofrimento, morte e separação de Deus.

Contrato (Aliança) — Deus começa a resolver o problema do pecado


escolhendo Abraão e estabelecendo com ele uma aliança para que se torne o
pai do povo que adorará a Deus. Deus quer tornar Abraão uma grande nação
e dar-lhe uma terra junto com muitos descendentes e muitas bênçãos. Então
Deus deseja abençoar todas as nações do mundo por meio de Abraão, e usar
essa única nação para levar o restante do mundo a se relacionar com ele.

Chamado — Gênesis conta a história dos patriarcas: Abraão, Isaque, Jacó


(Israel), José. Por causa de uma série de acontecimentos, eles vão ao Egito e
ali esse pequeno grupo se torna uma nação mais tarde escravizada. Deus usa
Moisés para libertar seu povo da escravidão mediante a ocorrência do Êxodo.
A libertação miraculosa do povo da escravidão no Egito torna-se um modelo
que antecipa a libertação final da escravidão espiritual do povo de Deus.

Comandos (Mandamentos) — Depois de resgatar seu povo, Deus


estabelece uma aliança com ele (a aliança mosaica). Ele lhes entrega a Lei
(resumida nos Dez Mandamentos) e conclama o povo à santidade. A
expectativa de Deus para o povo da aliança é explicitada no livro de
Deuteronômio.

Conquista — Deus usa Josué para conduzir o povo à terra prometida


(Canaã).

Coroa (Reino) — O povo de Deus busca um rei. Samuel torna-se a


transição entre os juízes e os reis de Israel: Saul (o primeiro rei), Davi e
Salomão.

Coroa dividida — Depois de Salomão, há uma guerra civil que leva à


divisão do reino: Israel, o Reino do Norte, e Judá, o Reino do Sul.

Houve vários reis. Alguns deles foram bons, mas a maioria foi má.

Cativeiro — Uma vez que o povo deixou de adorar somente a Deus, sofreu
um terrível julgamento, incluindo a perda da terra prometida.
Os inimigos deles os conduzem ao cativeiro. Israel é conquistado pelos
assírios em 722 a.C., e Judá é conquistado e levado cativo pelos babilônios
em 586 a.C.

Caminho de volta (Retorno) — Por fim, o povo regressa do Exílio sob a


liderança de Esdras e Neemias.

Cristo (ápice da história) — Cerca de 400 anos mais tarde, Deus envia seu
Filho, Jesus Cristo, para salvar seu povo do pecado. Jesus anuncia a vinda do
Reino de Deus por meio de seus ensinamentos e milagres. Sua morte e
ressurreição formam o ápice da história bíblica.

Cristandade (Igreja) — Os que aceitaram Jesus tornaram-se parte de sua


Igreja — o povo de Deus —, incluindo judeus e gentios. Deus continua
usando seu povo para estender a oferta de salvação ao mundo pecaminoso.

Consumação — Deus encerra a História com a vitória final sobre o mal.


Os que rejeitaram Deus sofrem condenação, e os que o aceitam vivem com
ele no novo céu e na nova terra. As promessas de Deus são então cumpridas
(v. Ap 21.1-4).

Uma vez que a história grandiosa da Bíblia é verdadeira, ela oferece as


melhores respostas para as questões básicas da vida:*

* V. Walsh, Brian J. The Transforming Vision: Shaping a Christian World View. Downers Grove,
IL: InterVarsity, 1984; Wright, N. T. Jesus and the Victory of God. Minneapolis: Fortress, 1997; e
Bartholomew, Craig; Goheen, Michael. The Drama of Scripture: Finding Our Place in the Biblical
Story. Grand Rapids: Baker Academic, 2004.

1. Onde estamos? Em que tipo de mundo vivemos? A história grandiosa


das Escrituras diz que estamos no mundo criado e sustentado por Deus.
Há muito mais neste mundo do que a ciência, a tecnologia, o progresso
ou nossa imaginação possam perceber.
2. Quem somos nós? O que significa ser humano? A Bíblia diz que somos
seres humanos criados à imagem de Deus com o propósito de
permanecer em um relacionamento de amor com Deus e com os demais
seres humanos. Não somos apenas indivíduos com o controle do próprio
destino ou dependentes do nosso ambiente.

3. O que está errado? Qual é o nosso problema fundamental e o do mundo?


As Escrituras dizem que o problema é o pecado. Decidimos nos rebelar
contra o Criador, por isso o pecado prejudicou nossos relacionamentos.
Não podemos culpar apenas as circunstâncias exteriores.

4. Qual é a solução? O que consertará o problema? A Bíblia diz que


somente Deus pode resolver o problema. Nós realmente precisamos de
salvação, porém não conseguimos salvar a nós mesmos. Contudo, Deus
veio ao nosso encontro por meio de Jesus Cristo, cuja vida, morte e
ressurreição proveem o caminho para Deus.

5. Onde nos encontramos nessa história? Qual é nosso lugar e como a


história nos afeta a vida neste momento? Qual é nosso papel nessa
história? Cada um de nós deve responder a essas questões por si mesmo.

À medida que você lê e estuda as seções específicas das Escrituras, tenha


em mente o quadro geral. A Bíblia é uma coleção (uma pequena biblioteca)
de 66 livros, mas ela também funciona como um único livro. A história
grandiosa da Bíblia responde às perguntas básicas da vida melhor que
qualquer outra história. É verdade. Você pode acreditar nisso. Quando as
pessoas creem em Cristo, elas estão basicamente dizendo: “Quero que a
história de Deus seja a minha história”. Conversão é justamente isso —
abraçar a história grandiosa das Escrituras como nossa para criar uma
sensação de vida.
Como a Bíblia está organizada?
palavra “Bíblia” vem da palavra grega usada para designar livros ou
Arolos: biblia (plural). Em 2Timóteo 4.13, Paulo pediu a Timóteo para
levar seus “livros” ( biblia) quando o visitasse na prisão. Nossa palavra
“Bíblia” está no singular por se referir a toda a coleção de 66 livros: 39 do
Antigo Testamento (AT) e 27 do Novo Testamento (NT). (As versões
bíblicas católicas e as das igrejas ortodoxas orientais contêm alguns outros
livros no AT.)
O termo de língua portuguesa “testamento” vem da palavra testamentum, a
tradução latina das palavras hebraica e grega que significam “aliança”. Em
português “testamento” refere-se a uma aliança. Os cristãos aceitam o AT e o
NT, enquanto os judeus rejeitam a nova aliança que confessa ser Jesus o
Messias. No sentido bíblico, a aliança se refere ao que Deus fez para
estabelecer um relacionamento com os seres humanos. Com o passar do
tempo, o termo “testamento” veio a significar os escritos que contêm os
termos da aliança.
O Antigo Testamento

O AT foi escrito originariamente em hebraico (com uma pequena porção


em aramaico), a língua usada pelo povo judeu. O AT se divide em cinco
partes: o Pentateuco, os Livros Históricos, os Salmos, os Livros Sapienciais e
os Profetas.

O Pentateuco

Os primeiros cinco livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números,


Deuteronômio) são muitas vezes chamados de “Pentateuco” (os “cinco rolos”
ou a “coleção dos cinco livros”). Nas Escrituras hebraicas, esses livros são
chamados “Torá”, termo que significa “ensino” ou “instrução”. Esses livros
contam a história da criação do mundo realizada por Deus, do pecado
humano e rebeldia contra Deus, da aliança divina com Abraão, da libertação
do povo de Deus da escravidão do Egito, da aliança divina com Moisés, das
leis de Deus para seu povo, e da jornada para a terra prometida. O último
livro, Deuteronômio, explica com detalhes as bênçãos e as penalidades do
cumprimento ou da rejeição da aliança de Moisés.

Os Livros Históricos

Os livros do AT de Josué a Ester são conhecidos como “Livros


Históricos”. O primeiro grupo de livros (Josué a 2Reis) está intimamente
ligado ao livro de Deuteronômio, continuando a história do Pentateuco.
Deuteronômio termina com uma importante pergunta: “Israel será fiel ao
Senhor e à sua lei [a aliança mosaica]?”. A trágica resposta é: “Não, eles não
permanecerão fiéis,” e 2Reis termina com a destruição de Jerusalém e o
exílio de Israel da terra prometida. O segundo grupo de livros históricos
(1Crônicas até Ester) foi escrito de outra perspectiva. Esses livros dão ênfase
às pessoas que retornaram para a terra prometida depois do Exílio, para
encorajá-las a permanecer fiéis ao Senhor.

Os Salmos

O livro de Salmos é singular e não pode ser enquadrado em outra categoria


de livros do AT. Ele é o único livro de louvores, testemunhos e lamentos. Os
salmos deveriam ser usados no culto público e em meditações particulares.

Os Livros Sapienciais

Os Livros Sapienciais (Jó, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos Cânticos)


fazem o povo de Deus se lembrar da importância de ouvir, pensar, ponderar e
refletir. O propósito deles é encorajar o desenvolvimento do caráter íntegro e
da habilidade de tomar decisões sábias diante das diversas circunstâncias. O
livro de Provérbios apresenta princípios básicos de vida, coisas normais ou
verdadeiras de modo geral, ao passo que os outros três livros tratam de
exceções a essas regras: Jó (o sofrimento do justo), Eclesiastes (a abordagem
racional da vida é incapaz de responder a tudo), e Cântico dos Cânticos (a
“irracionalidade” do amor romântico).

Os Profetas

Depois de entrar na terra prometida, Israel finge-se de surdo para as


instruções divinas e segue outros deuses. À medida que a nação entra em
declínio espiral, Deus envia os profetas com a mensagem final ao povo: 1)
vocês violaram a aliança de Moisés por meio da idolatria, injustiça social e do
ritualismo religioso, e vocês precisam retornar à verdadeira adoração a Deus;
2) se vocês não se arrependerem, então enfrentarão o juízo; e 3) ainda há
esperança além do juízo para a restauração futura gloriosa do povo de Deus e
das nações. O povo continuou a se rebelar e a enfrentar o juízo que vinha em
forma de invasões: os assírios em 722 a.C. para destruir Israel, o Reino do
Norte, e os babilônios em 587/586 a.C. para destruir Judá, o Reino do Sul, e a
cidade de Jerusalém. Os profetas também prometiam um tempo futuro de
restauração que incluía a nova aliança, envolvendo todas as nações do
mundo. Essa promessa cumpriria as antigas promessas de Deus a Abraão de
Gênesis 12.3.
O Novo Testamento

O NT foi escrito originariamente em grego, a língua comum do Império


Romano no século I d.C. Seu assunto principal é a aliança estabelecida por
meio da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo, e o povo que adere a essa
aliança, a Igreja. Todo o período do NT engloba menos de cem anos.

O NT inclui os Evangelhos, o livro de Atos, as epístolas paulinas, as


epístolas gerais e o livro de Apocalipse.

Os quatro Evangelhos

Os quatro Evangelhos — Mateus, Marcos, Lucas e João — contam a


história de Jesus Cristo. O termo em português “evangelho” vem da palavra
grega euangelion, que significa “boa-nova”. Esses quatro livros contam a
boa-nova da salvação que Deus oferece em Jesus Cristo por meio de seu
impressionante ministério, sua morte vicária e sua ressurreição miraculosa.
Apesar de o termo “evangelho” referir-se à mensagem sobre Jesus, ele passou
a ser empregado como designação dos relatos de sua mensagem — os quatro
“Evangelhos”. Os primeiros três Evangelhos são conhecidos como
Evangelhos “Sinópticos” porque podem ser colocados lado a lado e “vistos
juntos” ( syn-optico), enquanto João segue uma cronologia e estilo de
apresentação da história de Jesus um tanto diferente.

O livro de Atos

Nós temos quatro versões sobre a vida de Jesus (os Evangelhos), mas
somente um relato sobre a vida da igreja primitiva — o livro de Atos.

O termo “Atos” refere-se ao livro de “Atos dos Apóstolos”, mas talvez seja
mais corretamente descrito como “Atos do Espírito Santo por meio dos
apóstolos e outros cristãos”. O livro de Atos conta a história do surgimento e
da expansão da igreja primitiva desde o ano 30 até o início dos anos 60 d.C.

As epístolas paulinas

Tradicionalmente, atribui-se ao apóstolo Paulo a autoria de 13 epístolas


que estão na Bíblia. Essas epístolas podem ser organizadas em quatro grupos:
as primeiras (Gálatas, 1 e 2Tessalonicenses), as maiores (Romanos, 1 e
2Coríntios), as da prisão (Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom), e as
pastorais (1 e 2Timóteo, Tito). Na Bíblia, as epístolas de Paulo estão
organizadas de acordo com o tamanho, da mais extensa (Romanos) à mais
breve (Filemom).

As epístolas gerais

Tiago, 1 e 2Pedro, 1, 2 e 3João e Judas (e, às vezes, inclui-se Hebreus) são


chamadas de modo comum epístolas “gerais” ou “católicas” (termo grego
que significa “universal”) por um único motivo: elas não recebem o nome
dos destinatários, mas apenas o do autor. Ao contrário das epístolas de Paulo,
destinadas a grupos específicos (p. ex., aos Filipenses ou aos Colossenses), as
epístolas gerais são destinadas a públicos mais abrangentes. Muitas vezes 1, 2
e 3João são chamadas epístolas joaninas. Uma vez que Hebreus leva o nome
de seus destinatários em vez do autor (como as epístolas de Paulo), alguns
não a incluem entre as epístolas gerais.

Apocalipse

O último livro do NT retrata a vitória final de Deus sobre as forças do mal.


O título “Apocalipse” vem da palavra grega apocalypsis, que significa
“revelação” ou “desvendamento”. O livro é uma “revelação de Jesus Cristo”
(Ap 1.1), sugerindo que o livro revela algo sobre Jesus, ou que Jesus revela
algo sobre o plano de Deus, ou ambas as coisas. O Apocalipse difere dos
demais livros do NT no sentido de integrar três gêneros literários diferentes:
epístola, profecia e literatura apocalíptica.
O princípio e o fim
último capítulo da história grandiosa das Escrituras (Ap 19—22)
“Oapresenta uma visão maravilhosa de como Deus reverterá a maldição do
pecado e restaurará a criação de uma maneira que ultrapassa Gênesis 1 — 2.
Se os capítulos iniciais de Gênesis podem ser considerados “bons”, os
capítulos finais de Apocalipse são “excelentes”. Os cristãos que conhecem
bem o começo e o fim da história bíblica podem esperar receber
encorajamento, perspectiva e esperança como recompensa de seu trabalho.

A introdução do livro de Apocalipse (1.4-8) termina com um ousado


pronunciamento de que Deus é “o Alfa e o Ômega”. No alfabeto grego, a
primeira letra chama-se alfa e a última, ômega. No Apocalipse, a expressão
“o Alfa e o Ômega” (e designações semelhantes) é usada para se dirigir a
Deus e a Cristo:

• Deus — “Eu sou o Alfa e o Ômega” (1.8)

• Cristo — “Eu sou o Primeiro e o Último” (1.17)

• Cristo — “o Primeiro e o Último” (2.8)

• Deus — “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim” (21.6)

• Cristo — “Eu sou o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o


Princípio e o Fim” (22.13)

Além de afirmar a divindade de Cristo e sua união com o Pai, essas


descrições também asseveram o controle total do Deus trino sobre a História.
Ele é a origem e a finalidade da História, a primeira e a última palavra.
Como Senhor absoluto de toda a criação, Deus planeja trazer sua história a
um desfecho vitorioso e magnífico.

Nosso lugar na História é entre o ápice da morte e ressurreição de Jesus e o


cumprimento final do plano perfeito de Deus. Deus venceu a batalha final,
contudo nós ainda lutamos contra o pecado e Satanás no muito caído.

Nos capítulos finais de Apocalipse, vemos como as coisas se cumprirão de


modo absoluto no futuro à medida que a maldição do pecado é revertida e a
nova criação de Deus é prenunciada. Tudo isso em consistência com o caráter
de Deus como Alfa e Ômega.

Talvez a melhor maneira de compreender a profundeza e a maravilha do


término vitorioso da história das Escrituras é colocar os elementos iniciais de
Gênesis em paralelo com os elementos finais de Apocalipse. Desse modo,
percebemos que Gênesis 1 — 11 e Apocalipse 19 — 22 servem como apoio
dos livros de toda a biblioteca bíblica.
Com certeza aguardamos muitas coisas que Deus fará no fim da História,
por exemplo, a destruição de seus inimigos — Satanás, o pecado, os
demônios e a morte. Também esperamos que ele reverta muitos dos efeitos
do pecado e da Queda, como a eliminação de toda dor e todo sofrimento.

Podemos facilmente imaginar o alívio de muitas coisas horríveis que as


pessoas experimentam hoje. Talvez até possamos vislumbrar algumas coisas
boas que experimentamos hoje se tornando perfeitas (p. ex., servir a Deus ou
viver em uma comunidade realmente multicultural ou receber por fim a
herança). No entanto, é mais difícil imaginar a simples magnitude da
formosura e bondade da nova criação, em que a criação física funciona em
harmonia perfeita com o Senhor e seu povo. Talvez o mais difícil de tudo seja
compreender o nível de intimidade que teremos com o próprio Senhor.
Fomos feitos para Deus. Somos a noiva dele. Veremos sua gloriosa face. Ele
enxugará todas as nossas lágrimas. Experimentaremos sua perfeita santidade.
Nós reinaremos com ele e cantaremos louvores a ele com os anjos. E o
melhor de tudo: ele habitará conosco para sempre.

Para os cristãos, o significado da vida é muito mais que apenas ser salvo e
ir para o céu quando morremos. De modo geral, subestimamos o fim da
História porque nos esquecemos de que Deus é o Alfa (Gn 1—2) e o Ômega
(Ap 19—22). O caráter dele nos garante que ele terminará o que iniciou, com
mais formosura, bondade, santidade, glória e amor do que possamos
imaginar.
O Pentateuco
Qual é o tema do Pentateuco?

Os primeiros cinco livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e


Deuteronômio) são com frequência chamados de “Pentateuco”. A palavra
“Pentateuco” vem da junção de duas palavras gregas, pente, que significa
“cinco”, e teuchos, que significa “rolos” ou “livros”. Assim, o termo
“Pentateuco” refere-se à coleção de cinco rolos ou cinco livros. O cálculo
está correto, mas esse título, na verdade, não nos diz muito sobre o tema
desses livros.

O termo usado na Bíblia hebraica para esses cinco livros é “Torá”. Em


hebraico, Torá significa “ensino” ou “instrução”. O título fornece um pouco
mais de informação sobre o conteúdo dos primeiros cinco livros, pois eles
estão claramente repletos de ensinamentos e instruções divinas.

Além disso, no Pentateuco/Torá encontramos as leis dadas por Deus a


Israel como parte da aliança intermediada por Moisés (a aliança mosaica).

Partes de Êxodo e de Números, como quase todo o livro de Levítico e de


Deuteronômio, estão repletos de leis que, tomadas em conjunto, definem a
aliança mosaica. Por causa das inúmeras leis do Pentateuco, esses primeiros
cinco livros também são chamados “a Lei”, “os Livros da Lei”, “o Livro da
Lei” ou “a Lei de Moisés”.

Contudo, esses primeiros cinco livros da Bíblia também narram uma


história. É justamente o desenvolvimento dessa história que une os livros do
Pentateuco, e é essa história que liga os livros do Pentateuco ao restante da
Bíblia. As leis do Pentateuco não caíram acidentalmente do céu; Deus as
entregou a Israel em determinado momento da História com um propósito
específico. Isto é, as leis do Pentateuco estão inseridas na narrativa contida
nesses cinco livros e se estendem aos livros que seguem. Então, para entender
os cinco livros do Pentateuco, é preciso estar sempre atento à história mais
ampla que os une. De forma semelhante, a melhor maneira de compreender
as leis do Pentateuco é analisar sua função nessa história, procurando
compreender o “ensino” ou “instrução” que surge da interação entre a história
e a Lei.

Gênesis 1 — 2 dá início à História com a criação realizada por Deus. Ele


cria um jardim maravilhoso e coloca a humanidade no jardim para que ela
possa ter íntima comunhão com ele. Como os humanos reagem a essa bênção
maravilhosa? Gênesis 3 —11 narra uma série de acontecimentos trágicos
ilustrando como as pessoas pecam de modo repetido e se rebelam
continuamente contra Deus. Isso as separa de Deus, resultando por fim em
sua morte. Em Gênesis 11, a situação do mundo já é sombria.

O que acontecerá? Como a humanidade será salva e restaurada outra vez à


comunhão íntima com Deus?

Gênesis 12 apresenta a resposta e começa a descrever a empolgante


história da redenção e salvação. Há uma história contínua relatada desde
Gênesis 12 até 2Reis 25, ligando o Pentateuco de maneira muito direta aos
livros históricos que se seguem (Josué, Juízes, Rute, 1 e 2Samuel, 1 e 2Reis;
chamamos esses livros de história baseada em Deuteronômio). Em Gênesis
12—17, Deus estabelece uma aliança unilateral com Abraão. Essa aliança
impulsiona boa parte da história bíblica por todo o AT até o NT. As
promessas dessa aliança são passadas ao restante de Gênesis, de Abraão para
Isaque e Jacó. Contudo, Gênesis termina com Jacó e seus 12 filhos morando
no Egito, ficando por cumprir a maioria das promessas feitas a Abraão.

Em seguida, Êxodo dá continuidade à história dos descendentes de Abraão


no Egito, prossegue para o cumprimento da promessa de Deus a Abraão. Na
primeira parte de Êxodo, Deus liberta Israel (os descendentes de Abraão) da
opressão do Egito e o leva ao monte Sinai. Lá, Deus faz uma aliança com eles
(a aliança mosaica). Um aspecto central dessa aliança é a promessa de que
Deus realmente habitará no meio do povo de Israel. Mas, para que ele possa
habitar no meio deles, ele precisará de um lugar apropriado para ficar; assim,
a segunda parte de Êxodo descreve a construção do tabernáculo, a nova
habitação de Deus.

Levítico continua o relato a partir daí, pois, se o Deus santo e tremendo irá
habitar no meio do povo, então todos os aspectos da vida dos israelitas
mudarão. Toda a sua visão de mundo terá de girar em torno dos conceitos de
santidade e do que é puro e imundo. Eles também terão de saber como se
aproximar de Deus e como servir a ele. Levítico trata de como os israelitas
deveriam viver com o Deus santo e tremendo habitando bem ali próximo
deles.

Em Números, os israelitas continuam na jornada em direção à terra


prometida iniciada em Êxodo. A terra fazia parte da promessa de Deusa
Abraão. Inacreditavelmente, quando os israelitas chegam lá, rejeitam a terra
prometida! Então, Deus envia aquela geração de volta para o deserto para
vaguear até a morte.

Em seguida, Deus conduz a geração seguinte de volta à terra prometida.


Quando se aproximam da terra, pouco antes de entrar, Deus lhes reafirma os
termos da aliança mosaica. Ele apresenta aos israelitas os termos por meio
dos quais poderiam viver na terra prometida, tendo Deus em seu meio e
desfrutando de bênçãos maravilhosas. Isso está no livro de Deuteronômio.
Ele delineia os benefícios e os castigos resultantes da observação ou não dos
termos de Deuteronômio (a aliança mosaica).

No livro seguinte (Josué), Israel entra, de fato, na terra. A questão que


agora impulsiona a história de Josué a 2Reis 25 é: “Israel obedecerá ao que
está escrito no livro de Deuteronômio?”.

A autoria dos cinco livros do Pentateuco é tradicionalmente atribuída a


Moisés. Entretanto, é possível que Deus tenha usado alguns outros autores
também inspirados por ele para dar os últimos retoques e remates nos “Livros
de Moisés”. A descrição da morte de Moisés, por exemplo, foi
provavelmente escrita por outro autor inspirado (Dt 34.1-12). De modo
semelhante, alguns dos nomes geográficos do Pentateuco parecem ter sido
atualizados com os nomes usados por gerações posteriores dos israelitas (cf.,
p. ex., Gn 14.14).
Gênesis
Criação, pecado e aliança

eus traz você e eu à existência, abençoa-nos com a vida e, depois, nos


D abençoa duplamente ao nos dar um mundo maravilhoso onde viver e
uma oportunidade para conhecê-lo de modo pessoal. Mas nós colocamos tudo
a perder, pecando contra Deus e fazendo coisas estúpidas e egoístas — em
suma, rejeitamos sua pessoa e suas bênçãos. Esse nosso ato nos separa de
Deus e resulta, em última instância, na morte. Deus, entretanto, toma uma
iniciativa especial e oferece um caminho de salvação, um jeito de
recuperarmos o relacionamento com ele e receber vida. Essa é a história de
Gênesis e, na verdade, a história de toda a Bíblia. Ela é também a sua história
e a minha.
Qual é o contexto de Gênesis?

Na Bíblia hebraica, os primeiros cinco livros (a Torá) recebem por nome a


frase inicial do livro. Assim, o primeiro livro da Bíblia hebraica é intitulado
“No princípio”. Quando a Bíblia hebraica foi traduzida para o grego (a
Septuaginta), os tradutores intitularam esse livro de “Gênesis”, que em grego
significa “começos”. Nossas Bíblias em português adotaram o título que nos
é comum (Gênesis) da Septuaginta.

Neste caso, o título, de fato, reflete o contexto do livro, pois Gênesis


começa “no princípio”. Gênesis 1 — 2 trata da criação do mundo, e Gênesis 1
— 11 relata a chamada “história primeva”. É difícil determinar as datas
exatas desse período. Gênesis 12 (a promessa a Abraão) introduz o relato de
uma história que segue cronológica e sequencialmente até 2Reis 25.

As datas sugeridas para o período de vida de Abraão variam entre cerca de


2110 a 1800 a.C.

Em Gênesis, há movimentos geográficos substanciais. Depois de Deus


criar os céus e a terra (Gn 1), o cenário se desloca em direção ao leste.

Deus planta um “jardim no oriente” (2.8); e aparentemente expulsa Adão e


Eva para o leste, deixando os querubins para guardar a entrada oriental do
jardim (3.23,24); o assassino Caim é mandado para o leste (4.16); e o povo
migra “para o leste” (ou, talvez, “do leste”, cf.11.2: “do Oriente”).

No início da história de Abraão (Gn 12), ele está na Mesopotâmia, que fica
no leste. Entretanto, Abraão obedece ao Senhor e migra para o oeste, para
Canaã. Ele permanece por um breve período no Egito (12.10-20), mas não se
dá muito bem ali; por isso, Abraão retorna à terra de Canaã.
Jacó, o neto de Abraão, voltará à Mesopotâmia para morar ali durante um
tempo antes de retornar a Canaã. A família de Jacó, então, mudará para o
Egito, e Gênesis termina com a família toda de Jacó (os descendentes de
Abraão) morando no Egito.

Tradicionalmente, com base nas evidências extraídas de outras partes da


Bíblia, os cristãos concluem que Moisés foi o escritor do livro de Gênesis.

Isso situaria o ambiente inicial da composição do livro no período do


Êxodo, quando Israel estabelecia um relacionamento de aliança com Deus e
caminhava em direção à terra prometida (como o jardim em Gn 2). Lembre-
se de que esse povo é bastante inexperiente na relação com Deus. Todos os
povos a seu redor adoravam deuses pagãos. A maioria dessas religiões tinha
narrativas próprias da Criação, e a maior parte desses deuses estavam de
alguma maneira ligados aos ciclos agrícolas e às estações. Esse ambiente
cultural deve ter tido uma influência muito forte na concepção dos israelitas
sobre como era Deus. Gênesis 1 ressalta que o Senhor Deus de Israel é
bastante diferente dos deuses pagãos dos vizinhos. Ele não precisou se
esforçar e lutar para trazer o mundo à existência como se acreditava que os
deuses pagãos teriam feito; ele apenas falou e aconteceu. Os ciclos agrícolas
e as estações não estão ligados à morte e ao renascimento dos deuses pagãos
(p. ex., os cananeus entendiam); eles foram determinados pelo decreto de
Deus na Criação. Além do mais, o ser humano é o ápice da criação de Deus.
Ele cria o homem e a mulher de acordo com sua imagem, concedendo uma
condição especial e maravilhosa a todos os povos, um conceito muito
estranho para as religiões pagãs do mundo antigo.

✚ A história bíblica começa em um jardim (Gn 1–3) e termina em um jardim (Ap 22)
Quais são os temas centrais de Gênesis?

Gênesis desempenha o papel de introdução ao Pentateuco (Gênesis, Êxodo,


Levítico, Números, Deuteronômio) a todo o AT e a toda a Bíblia. A história
de Gênesis é paradigmática (representativa) da história de Israel e da história
mais ampla da existência humana. Deus cria um lugar agradável para o povo
viver em que ele pudesse manter um relacionamento de proximidade com o
povo. Essa é uma bênção fantástica (Gn 1 — 2). As criaturas humanas
(precisamos ver a nós mesmos nessa história) se rebelam e pecam
constantemente contra Deus, resultando em separação e morte (Gn 3—11).
Essa é a história da humanidade. Por sua imensa misericórdia, Deus provê
um meio de salvação, e essa história da salvação começa em Gênesis 12 com
Abraão, culminando nos Evangelhos do NT com Jesus Cristo, até a
consumação em Apocalipse 21 — 22, com a recriação do novo céu e da nova
terra.
Gênesis 1 — 11 relata uma história cósmica que trata de todos os povos da
terra. As bênçãos iniciais concedidas por Deus e a rebeldia, o pecado e a
rejeição de Deus pela humanidade retratadas em Gênesis 3 — 11 são
universais e envolvem todas as pessoas de todas as nações. Entretanto, à
medida que a história da salvação tem início em Gênesis 12, o foco passa
para Abraão e seus descendentes, o povo de Israel. Mas Gênesis 12.3
estabelece o plano universal final: “todos os povos da terra serão abençoados
[por seu intermédio]”. Deus agirá por meio dos descendentes de Abraão para
oferecer o meio de salvação a quem o aceitar.

Deus estabelece uma aliança com Abraão em Gênesis 12, 15 e 17. É


justamente essa aliança abraâmica que estrutura o desdobramento do plano de
salvação de Deus para todos os que vierem a crer.

O cumprimento da aliança abraâmica norteia a história por todo o AT até o


NT. O cumprimento da aliança abraâmica une outra vez a história de Israel
(Gn 12—2Rs 25) à história da humanidade, como declararam os profetas e
consumou Jesus Cristo.

A história de Gênesis pode ser esboçada da seguinte maneira:

■ Criação do mundo, das pessoas e do jardim (1.1—2.25)

■ Paraíso perdido: pecado, morte e separação de Deus (3.1—11.32)

– Pecado no 1: Adão e Eva comem o fruto proibido e são expulsos do


jardim (3.1-24)

– Pecado no 2: Caim mata seu irmão Abel e é expulso (4.1-26)

– Pecado no 3 (seguem-se outros): a corrupção de toda a humanidade


provoca o Dilúvio (5.1—9.29)
– Pecado no 4: a torre de Babel resulta na dispersão (10.1—11.32)

■ A resposta de Deus ao pecado humano: livramento por meio da aliança


abraâmica (12.1—50.26)

– Abraão: a promessa e a obediência derivada da fé (12.1—50.26)

– Isaque: continuação da promessa patriarcal (24.1—25.18)

– Jacó: luta e início das 12 tribos de Israel (25.19—36.43)

– José: fidelidade e livramento soberano de Deus (37.1—50.26)


Quais são os aspectos interessantes e singulares de Gênesis?

• Gênesis responde à grande pergunta sobre a vida: Por que estou aqui?

Quem me trouxe à existência? A vida se resume a quê?

• Gênesis conta a história da Criação.

• Deus cria o homem e a mulher e institui o casamento.

• Uma serpente fala com Eva e convence o casal a desobedecer a Deus.

• Gênesis contém as histórias fascinantes do Dilúvio e da torre de Babel.

• Gênesis tem um foco universal (1—11) e um israelita (12—50).

• A frase “essas são as origens” ( ARC, ou “esta é a história da”, NVI)


aparece repetidamente em todo o livro (2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10,27;
25.12,19; 36.1,9; 37.2).

• Abraão é um homem admirável de fé (na maior parte do tempo).

• Deus faz uma aliança com Abraão que afeta o restante da Bíblia e toda a
história humana.

• Deus destrói as cidades de Sodoma e Gomorra depois de falar com


Abraão sobre elas.

• Deus testa Abraão dando-lhe a ordem de sacrificar seu filho Isaque, mas
provê um sacrifício para substituí-lo no momento apropriado.

• Jacó engana seu pai, Isaque, para obter dele a bênção.


• Jacó luta com Deus.

• José é vendido à escravidão por seus irmãos, mas chega à posição da


segunda pessoa mais poderosa do mundo, justo no momento propício para
salvar sua família.

• José perdoa os irmãos que o tinham vendido à escravidão.


Qual é a mensagem de Gênesis?

Criação do mundo, das pessoas e do jardim (1.1—2.25)

Gênesis 1.1 é um resumo de todo o processo da salvação. Esse simples


versículo introdutório também tem profundas implicações para nós. Se
aceitamos a verdade sobre Gênesis 1.1, então podemos aceitar com facilidade
os diversos feitos miraculosos de Deus por toda a Bíblia. Da mesma forma, se
aceitamos Gênesis 1.1, nosso relacionamento básico com Deus é definido: ele
é o Criador e nós somos criaturas. Por isso, ele tem o direito (e o poder) de
determinar para nós tudo que diga respeito à vida.

✚ Em Gênesis 1 Deus fala e o mundo obedece assumindo forma e função. A palavra de


Deus permanecerá o tema principal de toda a Bíblia.

Gênesis 1.2 descreve o contexto. A história da Criação na Bíblia não


começa com “o nada”. O fato de Deus criar a matéria do nada está
subentendido, mas o relato de Gênesis, na verdade, começa com um mundo
caótico aquoso.

Assim, o relato da Criação de Gênesis 1 não é propriamente um relato da


criação do nada e, sim, um relato sobre o estabelecimento da ordem em meio
ao caos, e da vida em meio à não vida. Gênesis 1.2 também menciona o
“Espírito de Deus” pairando sobre as águas, ressaltando a estreita ligação
entre o Espírito de Deus e a força criadora, tema que se estenderá por todo o
AT.

O relato da Criação em Gênesis 1 é fascinante, pois não é apresentado


mecanicamente ou de um modo enfadonho; pelo contrário, é apresentado de
maneira vívida e até poética. O relato tem estrutura e simetria. Várias
expressões são repetidas: “e Deus disse”, “tarde e manhã”, “ficou bom”, e
assim por diante. Deus não segue um manual de instruções passo a passo.

Ele é mais como um artista criando uma obra-prima, que consegue pintar
fora das linhas se quiser.

Além do mais, o relato não é estritamente linear, mas é apresentado em


dois ciclos inter-relacionados. Nos dias 1 a 3, Deus cria os domínios ou
regiões. Nos dias 4 a 6, ele cria os habitantes ou ocupantes dessas regiões ou
domínios.

Em todo o relato da Criação, Deus não só traz tudo à existência, como


também atribui funções a cada criatura, estabelecendo assim ordem e
propósito à criação.

Como ápice da Criação, Deus cria homem e mulher à sua imagem. A visão
geral disso está em 1.26-31, e os detalhes são apresentados em 2.4-25. Ele faz
o ser humano “à imagem de Deus”, concedendo-lhe assim uma posição muito
especial. Além disso, observe que Adão e Eva não estão relacionados a
nenhuma tribo ou raça (p. ex., eles não são chamados hebreus). Isso sugere
que todos os povos de todas as raças e níveis socioeconômicos têm a mesma
posição e valor; todos são criados à imagem de Deus. Apesar de os
estudiosos divergirem sobre o sentido exato da expressão “à imagem de
Deus”, ela provavelmente inclui várias coisas: somos semelhantes a Deus em
diversos aspectos (espiritual, emocional, relacional) e fomos designados
representantes dele para administrar a criação.

✚ A palavra hebraica adam, o nome próprio do primeiro homem criado, é também o termo
hebraico usado para designar ”pessoas”e a humanidade em geral.

Gênesis 1 é o resumo de todo o processo da Criação, e Gênesis 2 “destaca”


alguns detalhes envolvendo a criação do homem e da mulher. Toda a história
da Criação termina com o homem e a mulher unidos pela instituição do
casamento (2.18-25).
Paraíso perdido: pecado, morte e separação de Deus (3.1—
11.32)

Gênesis 3 — 11 narra a triste história de como os seres humanos


responderam às bênçãos graciosas de Deus concedidas a eles na Criação. Há
quatro episódios de pecados narrados em sequência; a raça humana não
começou bem!

Pecado no 1: Adão e Eva comem o fruto proibido e são expulsos do jardim


(3.1-24)

Cremos na historicidade desse relato, mas ele é também um relato que


tipifica a conduta humana e apresenta uma previsão pessimista acurada de
como as pessoas em geral se recusarão de forma obstinada a obedecer a
Deus, permitindo que as tentações as desviem. Adão e Eva, tentados pelas
mentiras e meias verdades da serpente (i.e., Satanás), comem da única árvore
que lhes foi proibida por Deus, a seguir tentam colocar a culpa um no outro.

As consequências são desastrosas. O pecado os impede de continuar a


viver a boa vida no jardim, em estreita comunhão com Deus. A partir daí, a
morte se torna realidade para eles (3.19), e a imortalidade só ocorrerá por
meio da geração de filhos, acompanhada de muito sofrimento. Por ter
rejeitado as regras do jardim agradável, o homem está destinado ao trabalho
árduo, causticante, suado, do campo. Por fim, Deus os expulsa do jardim.

Pecado no 2: Caim mata seu irmão Abel e é expulso (4.1-26)

Fora do jardim, a raça humana não se comporta muito melhor. Com apenas
dois irmãos na terra, é muito irônico (e perturbador) que um desejasse matar
o outro. Esse é também um retrato desolador da conduta humana, pois
continuamos matando uns aos outros com certa regularidade. Basta ler
qualquer manchete de jornal ou assistir ao noticiário da noite.

Entretanto, Deus continua agindo nos bastidores, e essa ação divina sugere
silenciosamente uma esperança para o futuro. Sete substitui Abel e começou
a invocar o nome do Senhor (4.26).

Pecado no 3 (seguem-se outros): a corrupção de toda a humanidade


provoca o Dilúvio (5.1—9.29)

O tempo passa e gerações se vão. Agora já existem muitas pessoas no


mundo (5.1-32). À medida que a população cresce e se espalha, o pecado
parece acompanhar o mesmo ritmo de crescimento, como afirma Gênesis 6.5:
“O Senhor viu que a perversidade do homem tinha aumentado na terra e que
toda a inclinação dos pensamentos do seu coração era sempre e somente para
o mal”. Felizmente, há exceções a essa acusação, e um homem chamado Noé
encontra favor diante de Deus.

A maldade era tanta que Deus resolve destruir a criação e começar tudo de
novo. Gênesis 6 — 9 descreve o dilúvio que Deus enviou à terra. Em geral, a
descrição do dilúvio emprega a mesma terminologia usada sobre a criação em
Gênesis 1 — 2, apenas de modo inverso. Em Gênesis 1, “Deus viu que era
bom” (1.4,10,12,18,21,25,31). Agora, em 6.5, “O Senhor viu que a
perversidade do homem tinha aumentado na terra”. Semelhantemente, a
separação das águas de cima das águas de baixo (1.6,7) ocasiona uma imensa
inundação (7.11). Como Deus ordenou o aparecimento da terra seca (1.9),
agora tudo submerge sob as águas (7.17-20), destruindo toda a vida fora da
arca, humana e animal, criada em Gênesis 1.

Em essência, Deus começa tudo de novo, e, como o Espírito de Deus


pairava sobre as águas em 1.2, agora também Deus envia um vento (a palavra
hebraica para “espírito” e “vento” é a mesma) sobre a terra e começa a
“recriação” à medida que as águas retrocedem e os animais saem da arca
(8.1-22).

Tabuinha cuneiforme
contendo o relato do
dilúvio da Epopeia
de Gilgamés.
Em Gênesis 9, Deus estabelece a aliança de não mais destruir o mundo
dessa maneira. Ele também proíbe de forma categórica o assassinato.
Entretanto, a história de Noé termina de modo curioso. Seu filho Cam faz
algo muito ofensivo (o texto não esclarece os detalhes). Então, Noé profere
uma maldição contra Canaã, o filho de Cam (9.18-27), de quem procederão
os cananeus. Aparentemente, Noé enxerga adiante de seus filhos e netos e vê
os povos que surgirão deles. Por isso, ele profere uma maldição apropriada
contra Canaã. Os cananeus se tornarão os característicos dos “maus
exemplos” do AT, adoradores de Baal e incitadores de toda sorte de
problemas teológicos e morais para Israel no futuro. Nenhum dos nomes dos
filhos (Cam, Sem e Jafé) tem qualquer relação com classificações raciais;
assim, a chamada maldição de Cam não tem nenhuma ligação com aspectos
étnicos.

✚ Vários dos quatro termos clãs, línguas, territórios e nações usados para definir a dispersão
de Gênesis 10 (v. 5,20,31) reaparecem em outras passagens que interferem a situação da
dispersão em particular Genesis 12:1–3 e Apocalipse 5.9; 7.9; 10.11; 11.9; 13.7; 14.6 e 17.15.

O zigurate Ager Quf parcialmente restaurado. Vários templos em formato de torres como esse
foram construídos por toda a Mesopotâmia como locais de adoração. A torre de Babel provavelmente
foi precursora dos zigurates.
Pecado no 4: a torre de Babel resulta na dispersão (10.1—11.32)

A genealogia de Gênesis 10 apresenta algumas dificuldades de


interpretação, pois a lista contém nomes de indivíduos, povos, tribos, nações
e cidades. O critério de ordem e classificação do capítulo não é étnico, mas
uma combinação de elementos antropológicos, linguísticos, políticos e
geográficos, com a possível predominância das vinculações políticas (i.e.,
alianças e influências) e geográficas. É importante destacar a repetição dos
quatro termos “clãs”, “línguas”, “territórios” e “nações” (10.5,20,31).

Além disso, a dispersão dos povos pelo mundo por entre clãs, línguas,
territórios e nações resulta do episódio da torre de Babel de Gênesis 11.
Então, parece que o episódio de Gênesis 11, na verdade, aconteceu antes da
situação descrita em Gênesis 10.

Outros relatos de dilúvio no antigo Oriente Médio

Os israelitas viveram no mundo antigo em que havia uma troca


comum de ideias, tradições, costumes, percepções e histórias. Como
em qualquer cultura, eles contavam versões próprias sobre cada uma
dessas áreas, formadas de acordo com suas crenças e culturas
particulares. Ao contrário do restante do mundo antigo, em
momentos decisivos de sua história, eles receberam uma revelação
de seu Deus que os tirou do ambiente cultural imediato e lhes
conferiu uma compreensão distinta.

Na maioria das demais áreas, eles continuavam muito semelhantes


aos vizinhos culturais. Uma vez que entre os povos do antigo Oriente
Médio normalmente se encontrava a tradição de um dilúvio de
enormes proporções que quase exterminou o mundo antigo, não
causa surpresa que relatos desse dilúvio tenham sobrevivido na
Bíblia e na cultura predominante. Ainda que os relatos reflitam
Naturalmente, o relato bíblico compreende o episódio como um ato
de juízo executado por uma única divindade justa, decepcionada com
o pecado de suas criaturas, salvando, contudo, uma família justa da
devastação do mundo. A figura de Deus e da humanidade são
consistentes com os ideais bíblicos.

Da mesma forma, encontramos nas versões do antigo Oriente


Médio contidas nos textos sumérios, na Epopeia de Atrahasis e na
Epopeia de Gilgamés, relatos consistentes com sua noção dos deuses
e da humanidade. Como consequência, vemos um conselho divino
que decide enviar o dilúvio com o propósito de destruir toda a
humanidade. É somente pelo rompimento da confiança do conselho
que um deus consegue fazer alguns seres humanos escaparem do
juízo. O motivo da ação do conselho é compatível com a
compreensão sobre a divindade comum na Mesopotâmia. Havia
deuses que poderiam ser vistos como mesquinhos e egoístas, e
entende-se que eles tinham necessidades que os seres humanos
podiam satisfazer. Nesses relatos do antigo Oriente Médio, os seres
humanos salvos da lhes apaziguar a ira, e os deuses reconhecem sua
necessidade dos seres humanos.

Poderíamos identificar muitas outras diferenças mas nenhuma


delas seria tão surpreendente. As semelhanças confirmam a
existência de uma cosmovisão comum unindo esses povos. As
distinções testemunham as diferenças básicas da teologia e do
impacto da revelação sobre os israelitas. Não precisamos discutir
sobre quem tomou as ideias emprestadas de quem, pois não havia
necessidade de tomar emprestado o que já era inerente à memória
antiga. Contudo, mais importante é reconhecer que os israelitas
receberam uma forma diferente de tradição que coincidia com o
modo pelo qual Deus lhes era conhecido.

Em Gênesis 11, as pessoas se reúnem em Babel e tentam construir uma


torre até os céus para formar um nome para si. Entretanto, Deus não aprova o
ato e confunde a língua deles e os espalha por toda a terra. Há um engraçado
jogo de palavras que comanda essa história. “Babel” é o termo que dá origem
à palavra “Babilônia”, e para os babilônios Babel significa “porta para os
deuses”; Contudo, em hebraico a palavra “Babel” soa muito semelhante ao
termo que significa “confundir”. Então, o jogo de palavras sugere que esse
não é o “portão para os deuses”; antes, é o lugar e a causa de confusão (ou
dispersão). Essa história representa um humanismo arrogante e pretensioso.

Ela reflete a tentativa humana de obter segurança e sentido longe de Deus


mediante a edificação da cidade. Por toda a Bíblia, a cidade de Babilônia se
torna o protótipo de todas as nações, cidades, impérios arrogantes que se
levantam contra Deus (p. ex., observe o uso do termo “Babilônia” em Ap
14.8; 16.19; 17.5; 18.2). Observe que Gênesis 9.25-27 pronuncia uma
maldição contra Canaã, e Gênesis 11.1-9 sugere o juízo contra a Babilônia.
No AT, cananeus e babilônios foram os principais inimigos de Israel; os
cananeus no início, durante a conquista, e os babilônios no fim, durante o
Exílio.

A resposta de Deus ao pecado humano: livramento por meio da


aliança abraâmica (12.1—50.26)

Abraão: a promessa e a obediência derivada da fé (12.1—50.26)

Em Gênesis 3 —11, a raça humana demonstra sua propensão ao se rebelar


contra Deus e pecar constantemente. A resposta de Deus ao pecado humano
visa oferecer um caminho à salvação. Essa história — a história da salvação
— começa em Gênesis 12 com as promessas da aliança de Deus com Abraão,
e culmina com a morte e ressurreição de Cristo. Assim, a aliança de Deus
com Abraão ocupa um papel crucial de unir toda a história bíblica.

Deus chama Abraão quando ele ainda estava na Mesopotâmia (11.27—


12.1) e o instrui a deixar seu país e seu povo (i.e., uma separação para o
serviço de Deus, o tema comum no Pentateuco) e ir para a terra que Deus lhe
mostraria. Em 12.2-7, Deus promete a Abraão várias coisas. Ele tornaria
Abraão em uma grande nação; ele o abençoaria e tornaria seu nome famoso;
ele abençoaria todos os povos da terra por meio de Abraão; e ele daria a terra
de Canaã aos descendentes de Abraão. Esse é um enorme plano, e para que
ele seja cumprido será necessário o restante do relato bíblico.

Em 12.10-20, Abraão toma algumas decisões equivocadas, acaba no Egito


e quase fica sem Sara, sua mulher. Entretanto, Deus age nos bastidores para
endireitar as coisas e mesmo assim abençoa Abraão, demonstrando a estreita
ligação existente entre a graça de Deus e as promessas abraâmicas. Em
Gênesis 13.1—14.24, Deus continua abençoando Abraão, e essas bênçãos
também alcançam as pessoas ligadas a Abraão.

✚ Em Gênesis 12, no início da história de Abraão, o patriarca é chamado Abrão, que


significa “pai exaltado”. Em 17: 4–5, quando Deus formaliza seu convênio com Abrão, Deus
muda seu nome para Abraão (“pai de muitas nações").

Em Gênesis 15 e 17, Deus aparece a Abraão e formaliza suas promessas


nos termos de uma aliança. Abraão está preocupado porque ele não tem
nenhum descendente, mas Deus lhe diz que terá descendentes tão numerosos
quanto as estrelas do céu (15.5). Abraão acredita na promessa divina, e Deus
a “[creditou] como justiça” a ele (15.6). Então, Deus e Abraão participam de
uma cerimônia formal de estabelecimento da aliança. Abraão divide vários
animais ao meio.
Normalmente, em uma cerimônia de aliança as duas partes passavam por
entre as metades dos animais simbolizando o que lhes aconteceria caso
quebrassem a aliança.

O impressionante nessa cerimônia é que somente Deus passa por entre as


metades.

Isto é, ao que parece Rio Deus faz um juramento unilateral de guardar a


aliança abraâmica. Esse é o significado de graça.
Em Gênesis 17, Deus expande a aliança prometendo a Abraão (e a Sara)
que muitas nações e muitos reis procederiam de seus descendentes. Deus diz
a Abraão que a circuncisão será o sinal para ele e seus descendentes para
indicar sua inclusão nessa grande aliança. Em referência aos descendentes de
Abraão, Deus declara: “Eu serei o Deus deles” (17.8). Por todo o AT, Deus
definirá seu relacionamento com o povo por meio de uma declaração de
forma tríplice: Eu serei o seu Deus; você será o meu povo; eu habitarei em
seu meio (ou “eu estarei com você”). O relacionamento é introduzido como
parte da aliança abraâmica.

Gênesis 18 — 19 descreve a destruição das cidades perversas de Sodoma e


Gomorra. Destaca-se o diálogo de Abraão com Deus sobre a condenação
dessas cidades, e Deus aparentemente dá ouvidos aos argumentos de Abraão
(18.16-33). Mas Abraão não consegue encontrar nem dez pessoas justas
nessas cidades, então Deus as destrói. Somente Ló, sobrinho de Abraão, e
suas filhas sobrevivem.

Por fim, com idade avançada e de acordo com a promessa de Deus em


18.1-15, Abraão e Sara têm um filho, Isaque (21.1-21). Entretanto, a alegria
deles é seriamente abalada em Gênesis 22 quando Deus manda Abraão
oferecer Isaque como sacrifício (22.1,2)! Como pode acontecer isso? Abraão
consente ainda que de maneira dolorosa, mas imediatamente antes de ele
matar Isaque, o Senhor o impede de fazê-lo e provê um cordeiro substituto
para o sacrifício (22.3-14). O Senhor aprova a indiscutível fé de Abraão e, em
seguida, reafirma as promessas da aliança (22.15-19). Muitas pessoas ficam
incomodadas com essa passagem. Que tipo de Deus faria isso?

Alianças na Bíblia

Aliança é o acordo formal e que une duas partes. As alianças


desempenham um papel muito importante na Bíblia porque Deus
muitas vezes é uma das partes envolvidas na aliança. Na verdade,
Deus é, de modo geral, quem toma a iniciativa de estabelecer a
aliança, unindo a si mesmo dessa maneira a um acordo ou a um
conjunto de promessas.

Deus estabelece várias alianças no AT. Em Gênesis 9, Deus faz


uma aliança com Noé (junto com seus descendentes e todos os
animais viventes) comprometendo-se a nunca destruir toda a vida na
terra outra vez por meio de um dilúvio. Deus faz uma aliança com
Abraão em Gênesis 12, 15 e 17, prometendo várias coisas: ele
tornaria Abraão uma grande nação; abençoaria Abraão e tornaria seu
nome famoso; abençoaria todos os povos da terra por meio de
Abraão; e daria aos descendentes de Abraão a terra de Canaã. Uma
característica importante da aliança abraâmica é que Deus aparece
para se comprometer a essa aliança de forma unilateral. Isto é, a
aliança abraâmica é uma aliança unilateral ou de “compromisso
divino”.

Deus estabelece sobre si estipulações, mas não sobre Abraão e


seus descendentes. Assim, no NT, Paulo associará a aliança
abraâmica ao conceito de “graça”. A aliança mosaica, em contraste, é
bem diferente, pois enfatiza as obrigações humanas (“observar a
Lei”).

A aliança mosaica é definida pelas leis do Êxodo, Levítico,


Números e Deuteronômio. Essa aliança define os termos pelos quais
Israel deveria viver na terra prometida com Deus em seu meio
recebendo bênçãos impressionantes. No NT, Paulo associará a
aliança mosaica à “Lei”. Em 2Samuel 7, Deus faz uma aliança com
Davi, prometendo estabelecer uma dinastia davídica (“casa”) que
subsistirá para sempre. Essa aliança também parece unilateral, pois
Deus é o parceiro principal que assume a responsabilidade das
obrigações. Por fim, em Jeremias 31, Deus promete que no futuro
fará uma nova aliança. Essa aliança será muito diferente da velha
aliança (i.e., a aliança mosaica), pois na nova aliança as leis de Deus
serão escritas no coração das pessoas em vez de em pedras.

Essa aliança será caracterizada pelo perdão de pecados e pelo


conhecimento e entendimento muito superior a respeito de Deus.
Como as alianças abraâmica e davídica, a nova aliança é unilateral
em relação ao tipo de compromisso divino. No NT, Jesus estabelece
essa nova aliança na última ceia, quando declara: “Este cálice é a
nova aliança no meu sangue” (Lc 22.20).

As alianças abraâmica, mosaica, davídica e a nova aliança têm um


papel crucial na história do AT e na relação do AT com o NT. O
cumprimento dessas alianças por Deus dirige a história por todo o
AT, estendendo-se até o NT. Israel fracassará no cumprimento da
aliança mosaica, e assim experimentará o juízo prometido em
Deuteronômio (o exílio). Entretanto, Deus, em sua graça, permanece
fiel às suas promessas unilaterais nas alianças abraâmica e davídica,
de modo que, mesmo que Israel rompa a aliança mosaica, ainda há
esperança para o futuro.

Os profetas do AT proclamarão juízo sobre Israel por este ter


quebrado a aliança mosaica, mas os profetas proclamarão a
esperança do futuro glorioso baseada nas alianças abraâmica e
davídica, promessas com o cumprimento final em Jesus Cristo
quando este inaugura a nova aliança prometida.

Talvez a resposta esteja na observação das várias (às vezes muito


específicas) semelhanças entre esse acontecimento e a crucificação de Cristo.
Os acontecimentos se dão em lugares muito próximos. Em cada um deles,
o pai tem de oferecer seu filho. Ali se encontram uma colina, um jumento e a
madeira carregada pelo filho inocente. A grande diferença é que Abraão não
precisa dar prosseguimento ao sacrifício, enquanto Deus Pai o faz. Supõe-se
que Gênesis 22 seja uma tipologia profética da cruz, mostrando o sofrimento
e a dificuldade da crucificação da perspectiva do Pai. Essa história não é
horrível e dolorosa? “Sem dúvida!”, Deus responde.

Essa história nos arrasta até a colina e nos força a tentar compreender o que
é sacrificar o próprio filho, algo que nosso Pai celestial teve de fazer.

Isaque: continuação da promessa patriarcal (24.1—25.18)

Mais tarde, Abraão e Sara morrem e a história continua com seu filho,
Isaque. Em geral, Isaque ocupa um papel passivo na maioria dos episó-

dios em que aparece (com Abraão, seu pai, ou Jacó e Esaú, seus filhos).

Entretanto, a importância dele se deve ao fato de que Deus restabelece as


promessas da aliança com ele (26.1-5), e ele é a ligação da aliança entre
Abraão e Jacó e, mais tarde, para as 12 tribos.

Jacó: luta e início das 12 tribos de Israel (25.19—36.43)

Em comparação com seu pai, Isaque, que é passivo na história, Jacó


conspira, briga, luta por sua herança e pelas promessas que a acompanham,
nem sempre reconhecendo que as promessas da aliança eram dádivas da
graça.
Jacó (cujo nome em sentido figurado significa “enganador”) engana seu
pai cego, Isaque, para lhe conceder a bênção da família (a herança) em vez de
a seu irmão Esaú, alguns minutos mais velho que ele (27.1-40). O irado Esaú
ameaça matar o irmão enganador, de modo que Jacó foge para Padã-Arã, de
volta para a Mesopotâmia, onde os parentes distantes de sua mãe, Rebeca,
moravam. Jacó trabalha para um parente chamado Labão, que engana Jacó (o
enganador; lembre-se) para casar com suas duas filhas em vez de apenas com
Raquel, a mais nova e mais bonita (29.1-30).
Essas duas esposas, junto com suas servas (que se tornam concubinas ou
esposas secundárias), dão 12 filhos a Jacó. Desses 12 filhos surgem as 12
tribos de Israel. Jacó, então, volta a Canaã e se reconcilia com seu irmão,
Esaú. No caminho ele se encontra com Deus e “luta” com ele, que lhe dá um
novo nome: “Israel”.

Então, a história de Jacó é fundamental para a formação da nação de Israel.


Jacó recebe o nome de Israel e se torna o pai de 12 filhos que mais tarde se
desenvolvem nas 12 tribos (na verdade, havia 13 tribos, pois José, filho de
Jacó, formou duas tribos, Manassés e Efraim). De acordo com a aliança
abraâmica, Deus abençoa sua família, ainda que eles nem sempre ajam com
correção, talvez já antecipando os problemas posteriores que a nação de Israel
teria.

José: fidelidade e livramento soberano de Deus (37.1—50.26)

José é um dos poucos de sua família que parecia confiar em Deus e viver
de modo justo. Seus irmãos tinham inveja do jovem José, por isso eles o
vendem à escravidão (37.1-36). José é levado ao Egito, onde continua
confiando em Deus e a agir de modo íntegro, em comparação com seus
irmãos na sua terra (38.1—39.23). Deus abençoa José e lhe dá a capacidade
de interpretar sonhos, o que o levou à promoção para a posição de segundo
em poder no Egito. José, na verdade, implementa um programa que salva o
Egito da fome iminente (40.1—41.57). A fome afeta também Canaã e, mais
tarde, a família de José vai ao Egito à procura de alimento. Em vez de
castigar seus irmãos pela traição, José os perdoa e cuida de toda a sua família
no Egito (42.1—47.31). Jacó, pai de José, envelhece, mas pronuncia as
bênçãos sobre Manassés e Efraim, os filhos de José (48.1-22), e sobre seus
outros onze filhos (49.1-28). A família de José prospera no Egito, mas, antes
de morrer, ele lembra seus familiares de que Deus prometera a seu
antepassado Abraão uma terra e que um dia Deus os levaria de volta àquela
terra (50.1-26). Então, quando o livro de Gênesis termina, os descendentes de
Abraão estão no Egito, esperando que Deus cumpra sua promessa ao
antepassado. O cumprimento se dará na história do Êxodo.
Como aplicar Gênesis à nossa vida hoje

Uma das lições mais importantes que aprendemos na vida é que Deus é o
criador e nós somos as criaturas. Isso resume bem nosso relacionamento com
ele e define com clareza quem tem a autoridade para estabelecer as regras.

Entramos em apuros de imediato sempre que nos esquecemos dessa ordem


e tentamos agir como se fôssemos os criadores do Universo, tendo, portanto,
o direito de determinar o que é certo e errado, a verdadeira e a falsa adoração,
e assim por diante.

A história de Abraão nos ensina sobre a graça constante de Deus. Há uma


linha contínua da graça que liga a criação à aliança abraâmica a Jesus Cristo.
Assim também, como o apóstolo Paulo reitera de forma constante, de Abraão
nós também aprendemos a importância da fé. É mediante a fé, e a fé somente,
que recebemos a justiça.
Nosso versículo favorito de Gênesis

Eu sou o Deus todo-poderoso; ande segundo a minha vontade e seja


íntegro. (Gn 17.1)

✚ Quando uma história de Gênesis chega ao fim, os descendentes de Abraão estão no Egito.
Êxodo, o próximo livro, vai pegar a história a partir do Egito.
Êxodo
Libertação e presença de Deus

livro de Êxodo está repleto de histórias impactantes e fascinantes


O contadas e recontadas por toda a história judaica e cristã. A história de
Êxodo é tão fascinante que até Hollywood reconheceu seu poder de cativar as
pessoas quando produziu Os Dez Mandamentos e O príncipe do Egito, dois
grandes filmes baseados nessa história. O livro contém personagens fortes e
exuberantes como Moisés e o faraó, que ocupam funções dramáticas no tenso
drama de vida e morte.

O próprio Deus é o protagonista, que aparece muitas vezes na história e


tem um papel principal — pode-se dizer o papel central. Em última instância,
o livro de Êxodo apresenta a história da salvação — como Deus intervém de
maneira dramática na história humana para salvar seu povo. Então, embora
pessoas fascinantes e dinâmicas como Moisés e o faraó sejam cruciais para a
história de Êxodo, a verdade é que o livro de Êxodo trata principalmente de
Deus.

Os temas centrais de Êxodo ressoam por todo o restante da Bíblia e estão


entrelaçados com a nossa teologia cristã mais básica. No AT o Êxodo se
torna o paradigma, o modelo, da salvação. Assim, o acontecimento do Êxodo
é para o AT o que a cruz é para o NT. A história da libertação de Êxodo
molda o pensamento teológico de todo o AT no que se refere ao caráter de
Deus e à natureza de sua graciosa salvação. Por todo o restante do AT, o
modo favorito de Deus se identificar a seu povo é repetindo a expressão: “Eu
sou o Senhor que te tirou da terra do Egito”. Assim também, Êxodo ressalta a
importância da presença de Deus, um tema bíblico central encontrado de
Gênesis a Apocalipse.
Qual é o contexto de Êxodo?

Êxodo dá continuidade à história iniciada em Gênesis. Lembre-se do que


Gênesis 12—50 conta a respeito dos três patriarcas — Abraão, Isaque e Jacó
— e de que termina com a ênfase nos 12 filhos de Jacó. Os últimos capítulos
de Gênesis (37—50) dão atenção à história de José (o menino da capa
especial), um dos filhos de Jacó. Os outros filhos venderam José à
escravidão; por isso ele foi levado ao Egito. Entretanto, Deus cuida dele e
permite que ele prospere ali, onde José se tornou um importante oficial, o
segundo homem mais poderoso do Egito, abaixo apenas do faraó. José, então,
desempenha um papel crucial ao livrar o Egito da terrível fome. O restante de
sua família foge mais tarde para o Egito a fim de escapar da fome em Canaã e
se reúne a José. O livro de Gênesis termina com essa família no Egito.

✚ O título “Êxodo” vem da palavra grega que significa “sair”. O livro recebeu esse título
quando foi traduzido do hebraico para o grego (Septuaginta). Nossas Bíblias em português
seguiram a Septuaginta no uso do título do livro.

O livro de Êxodo retoma a história no Egito e prossegue a partir daí.

Êxodo 1.1-8 lembra aos leitores essa ligação. Os versículos iniciais de


Êxodo indicam a passagem do tempo e a ascensão de um novo faraó ao trono,
o qual sem nenhuma lembrança de como José livrou o Egito da fome, de
acordo com o registro de Gênesis. Talvez tenha ocorrido uma mudança de
dinastia. Em cumprimento às promessas abraâmicas (Gn 12; 15) os filhos de
Jacó (Israel) se multiplicam e se tornam tão numerosos que causam temor
entre os egípcios. Entretanto, apesar desse cumprimento parcial da promessa,
os israelitas ainda não possuem terra própria, de modo que o aspecto crucial
da promessa de Deus a Abraão permanece sem se cumprir. O cumprimento
do aspecto da “promessa da terra” da aliança abraâmica dirigirá a história de
Êxodo a Josué, quando ele por fim se cumprirá.

Datação do Êxodo

Peter Enns

Definir a data da saída de Israel do Egito é um problema técnico


extremamente complexo. Isso se deve em parte à ambiguidade dos
dados bíblicos, mas também por causa do material extrabíblico
(arqueológico) à disposição.

De modo geral, as duas datas propostas são o século XV (c. 1446


a.C.) e o século XIII (c. 1270-1260 a.C.), também conhecidas como
datas recente e tardia, respectivamente. A primeira se baseia na
interpretação literal de 1Reis 6.1, passagem que menciona 480 anos
entre o Êxodo e o quarto ano do reinado de Salomão (996 a.C.). Isso
definiria a data de 1446 a.C. para o Êxodo. Embora alguns fiquem
satisfeitos com essa solução, o problema é mais complexo do que
parece à primeira vista. Em primeiro lugar, se adicionarmos as datas
conferidas em outras passagens do AT, desde o período do povo no
deserto até Salomão, chega-se ao cálculo de cerca de seiscentos anos.
Desse modo, o número 480 é entendido de forma geral como um
número simbólico que provavelmente representa o término de uma
“era” descrita como 12 x 40 (12 gerações vezes um período típico de
uma geração ou, talvez, 12 vezes o período da peregrinação no
deserto).

A data recente também é problemática por algumas razões


arqueológicas. A primeira, Êxodo 1.11, refere-se às cidades-celeiros
construídas por Ramessés.
O consenso dos estudiosos é que essa passagem só pode se referir
a Ramessés II, que governou o Egito entre 1279 e 1213 a.C. A
cidade-celeiro conhecida por Pi-Ramessés, identificada geralmente
como o lugar mencionado em Êxodo 1.11, foi edificada em 1270
a.C. Se essa identificação estiver correta, então o Êxodo poderia ter
ocorrido só depois de 1270 a.C.

Um fator importante que oferece certa sustentação para a data


tardia é a evidência arqueológica da conquista de Canaã. Apesar
dessa evidência não estar livre de questões técnicas próprias, de
modo geral se sustenta que a data da destruição de muitas cidades
cananeias não aconteceu no século XIV a.C. (provável ocorrência de
acordo com a data recente), mas em um período posterior, a partir do
século XIII. Isso não prova de maneira alguma a data tardia, mas
torna a data recente muito mais difícil de ser sustentada com base nas
evidências arqueológicas.

Parte da dificuldade acadêmica se deve ao fato de haver


evidências extrabíblicas muito escassas para fundamentar o
argumento de modo convincente, ao passo que a própria Bíblia é
ambígua sobre o assunto. Não obstante, para os estudiosos que
aceitam o acontecimento do Êxodo mais ou menos em harmonia com
a apresentação da Bíblia, a data tardia é a posição mais comumente
aceita.
Quais são os temas centrais de Êxodo?

Três temas principais dominam o livro de Êxodo: .

1. Deus liberta seu povo e o tira do Egito. A passagem fundamental de


Êxodo é que Deus salva e liberta o povo. Em todo o restante do AT, o
acontecimento do Êxodo se torna a figura principal de exemplo do
significado de salvação.

2. À medida que Deus liberta Israel, ele age de tal modo que todos
“conhecerão” e reconhecerão seu poder. Os que nele confiam
“conhecerão” sua salvação. Os que o desprezam “conhecerão” seu juízo.
De um modo ou de outro, todos o conhecerão. Não há meio-termo e não
há como ignorá-lo.

3. Um aspecto crucial do relacionamento por meio de uma aliança que


Deus estabelece com os filhos de Israel, depois de resgatá-los do Egito,
é que ele promete habitar no meio deles. Assim, a presença de Deus é
um dos temas principais de todo o livro. A segunda parte do livro (Êx —
40) trata da construção do tabernáculo, local fixo da presença de Deus.

Há duas frases, diretamente ligadas aos três temas centrais de Êxodo, que
se repetem por todo o livro por meio de diversas formulações. A primeira é a
declaração: “Eu sou o Senhor que te tirei da terra do Egito”. Essa frase
aparece em diversas formas, todas declarando que foi Deus quem tirou os
israelitas do Egito. Essa ideia está ligada ao tema principal da libertação e do
conhecimento de Deus. A segunda afirmação repetida mais de 70 vezes em
Êxodo é: “para que saibam que eu sou o Senhor”. Como já se mencionou, um
dos temas centrais de Êxodo é o caráter decisivo e espetacular da
demonstração do poder de Deus, para evitar qualquer ambiguidade. Todos
saberão que “ele é Senhor”, ou para salvação ou para condenação.
Em geral, a história de Êxodo segue uma sequência cronológica.

As principais unidades são:

■ Libertação do Egito (1.1—15.21)

– Faraó, mulheres e crianças (1.1—2.10)

– Santidade, presença e poder: o Senhor chama Moisés (2.11—4.17)

– Quem é o Senhor? Primeiro encontro com o faraó e o povo (4.18—7.5)

– Faraó versus o Senhor: as primeiras nove pragas (7.6—10.29)

– O Senhor liberta Israel do Egito (11.1—15.21)

■ Celebração da aliança do Sinai (15.22—24.18)

– A peregrinação até o monte Sinai (15.22—18.27)

– A revelação no monte Sinai (19.1-25)

– Os Dez Mandamentos (20.1-21)

– O livro da aliança (20.22—23.33)

– Ratificação da aliança (24.1-18)

■ “Habitarei no meio deles”: o tabernáculo e a presença de Deus (25.1—


40.38)

– Instruções sobre a construção do tabernáculo (25.1—31.18)

– Interrupção: rebelião e renovação da aliança (32.1—34.35)


– Conclusão do tabernáculo (35.1—40.38)
Quais são os aspectos interessantes e singulares de Êxodo?

• A história de Moisés é uma das histórias mais fascinantes e exuberantes


de toda a Bíblia.

• Deus aparece muitas vezes em Êxodo como uma das principais


personagens.

• A história do confronto entre o faraó e Deus (tendo Moisés como


representante divino) está repleta de drama e ironia.

• Êxodo contém uma alta concentração de atos miraculosos e aparições de


Deus.

• Deus entrega os Dez Mandamentos.

• No livro de Êxodo, a família de Abraão se torna a nação de Israel.

• A Páscoa é descrita pela primeira vez.

• Ironicamente, Êxodo contém um dos atos rebeldes mais trágicos de Israel


contra Deus (o episódio do bezerro de ouro, Êx 32).
Qual é a mensagem de Êxodo?

Libertação do Egito (1.1—15.21)

Faraó, mulheres e crianças (1.1—2.10)

Êxodo começa conectando sua história com a dos patriarcas de Gênesis.


Jacó e seus filhos vão ao Egito como uma família e sairão de lá como uma
grande nação. Lembre-se que em Gênesis Deus mudou o nome de Jacó para
“Israel”. Em Êxodo a expressão “filhos de Israel” aparece 125 vezes.
Algumas traduções em português vertem essa expressão para “os israelitas”.

Os primeiros versículos de Êxodo também conectam essa história à aliança


com Abraão (Gn 12; 15; 17). Os israelitas agora se tornaram muito
numerosos, conforme Deus prometeu a Abraão. Mas eles ainda não têm uma
terra. Então, o faraó logo os escraviza e os trata com crueldade. Uma das
promessas feitas por Deus a Abraão foi: “Abençoarei os que o abençoarem e
amaldiçoarei os que o amaldiçoarem” (Gn 12.3). O tratamento cruel do faraó
dispensado aos israelitas o coloca em rota de colisão com a promessa de Deus
feita a Abraão.

Êxodo 1.8 explica que um novo faraó tomou o poder sem se lembrar de
José e de como José tinha livrado o Egito. Por isso, esse faraó vê os israelitas
apenas como uma ameaça, não como possível bênção. É interessante que o
livro de Êxodo não identifica esse faraó. De modo geral, a Bíblia é bastante
clara em citar os nomes dos reis da região, em especial se ele tem relação
direta com Israel. Contudo, apesar de esse rei (i.e., o faraó) ter um papel
importantíssimo na história de Israel, seu nome permanece sem ser citado.
Suspeitamos que isso seja intencional e que reflita uma forma de desprezo.
Esse arrogante faraó, naquela época, era o homem mais poderoso no mundo,
além de ser considerado pelos egípcios um ser divino. Entretanto, a Bíblia
nem sequer apresenta seu nome. Em
comparação, os nomes de duas modestas
parteiras são mencionados (1.15), talvez
sugerindo que no quadro geral dos
acontecimentos as parteiras foram mais
importantes para Deus do que o obstinado
faraó.

Um dado secundário interessante é que


os estudiosos hoje não concordam sobre
quem realmente foi o faraó de Êxodo.
Então, enquanto todo o mundo sabe o
nome de Moisés, ninguém sabe ao certo
quem foi o faraó.
A bênção de Abraão mediante a proliferação dos descendentes é
justamente o que coloca a história em movimento. O faraó fica alarmado com
o crescimento populacional dos israelitas e procura frear sua expansão. Ele
tenta pôr em ação três planos sucessivos, porém malsucedidos. Primeiro, ele
tenta submetê-los a trabalho forçado, decretando que os israelitas atuassem
como escravos para construir as cidades-celeiros do Egito (1.11-14). A ironia
disso é impressionante, pois lembre-se de que José foi o introdutor do
conceito de cidade-celeiro no Egito (Gn 41). Quando o faraó vê que esse
plano não deu certo, ele dá um passo muito mais drástico e determina que as
parteiras matem os meninos hebreus recém-nascidos durante o parto, uma
ordem cruel. Entretanto, as parteiras hebreias temem mais a Deus que ao
faraó e desprezam sua ordem (1.15-21). Então, o faraó põe em prática o
terceiro e mais terrível plano para conter o crescimento populacional dos
israelitas.

Ele ordena que todos os meninos recém-nascidos fossem jogados no rio


Nilo. Essa ordem vira um pesadelo para os israelitas. Mas lembre-se da
promessa de Deus a Abraão (“amaldiçoarei os que o amaldiçoarem”). O faraó
decidiu atacar o povo de Deus da maneira mais direta e cruel, matando os
mais inocentes e indefesos. Desse modo, o faraó provoca a ira de Deus.

✚ As personagens na história de Êxodo 1.1—2.10 são o faraó e cinco mulheres que se


rebelam contra seu decreto; as duas parteiras, a mãe e a irmã de Moisés, e a filha do faraó.

A imagem dos bebês israelitas morrendo no Nilo forma o contexto de


várias pragas que Deus envia contra o Egito (tornando o Nilo em sangue, a
morte de todos os recém-nascidos etc.). Da mesma forma, observe a ironia e
a poesia condenatória bem apropriada no julgamento final de Deus contra o
Egito em Êxodo 14. Deus afoga todo o exército egípcio! Em Êxodo 1, o faraó
ataca Deus e o povo de Deus afogando os filhinhos dos israelitas. Em
resposta, Deus destrói de maneira sistemática o Egito, econômica e
militarmente, destruindo toda a sua agricultura, matando todos os seus
primogênitos e depois afogando seu exército inteiro (Êx 7—14).
Êxodo 2.1-10 introduz Moisés na história da maneira mais irônica
possível.

O faraó tinha ordenado que todos os meninos recém-nascidos dos israelitas


fossem jogados no Nilo. Contudo, a mãe de Moisés o coloca dentro de um
cesto “vedado com piche e betume” e o deixa entre os juncos do Nilo,
escondendo o bebê exatamente no lugar em que os bebês deveriam ser
mortos. Mais irônico ainda é que a filha do próprio faraó encontra o menino
Moisés e resolve ficar com o bebê e criá-lo, desprezando dessa forma o
decreto do pai. Assim, os egípcios alimentariam e educariam justamente
aquele que comandaria a destruição do Egito por Deus.
✚ A Presença de Deus, a santidade de Deus e o poder de Deus são três temas centrais inter-
relacionados que freqüentemente aparecem juntos na Bíblia.

Santidade, presença e poder: o Senhor chama Moisés (2.11—4.17)

Em Êxodo 2.11-22, Moisés é reapresentado na história, agora como um


jovem adulto. Entretanto, como futuro líder de Israel, ele não começa bem.
Esse episódio inicial ilustra, provavelmente, quanto Moisés era de fato
impotente e quão incompetente era sua ação quando resolvia agir pela própria
força e entendimento, sem a capacitação da presença de Deus. Em 2.11-15,
Moisés mata um egípcio por ter batido em um escravo hebreu, mas em
seguida foge para o deserto de Midiã, temendo a represália do faraó. Ele se
casa com uma mulher midianita e se estabelece ali, aparentemente, em
definitivo.

Os dois principais nomes de Deus no Antigo Testamento

O AT usa duas principais palavras hebraicas para Deus. A


primeira é Elohim, o nome usado em Gênesis 1.1 (“No princípio
Deus [Elohim] criou os céus e a terra”). A palavra “Elohim” ocorre
2.570 vezes no AT. É um termo genérico que significa simplesmente
“deus”. Ela pode ser usada para se referir ao verdadeiro Deus de
Israel ou para qualquer outro falso deus como Baal ou Moloque.
Quase todas as traduções bíblicas traduzem essa palavra por “Deus”
(com letra maiúscula) quando se refere ao Deus verdadeiro de Israel,
e como “deus” ou “deuses” (em minúscula) para se referir a deuses
pagãos dos vizinhos de Israel.

Tecnicamente, Elohim está na forma plural; então, quando se


refere a divindades pagãs, pode ser traduzido por “deuses” (plural).
Contudo, quando é usado para se referir ao Deus de Israel, essa
forma plural sempre é seguida de verbos no singular e pronomes no
singular (“ele” e “o” ou “lhe”, nunca “eles” e “os” ou “lhes”), de
modo que se refere de forma clara a uma entidade singular. Nesse
caso, a forma plural no hebraico é usada para enfatizar majestade ou
intensificação. Elohim é usado principalmente nos contextos em que
Deus se relaciona com todo o mundo (sua criação, seu poder sobre as
nações etc.).

A outra palavra hebraica central para Deus no AT é Yahweh. Essa


palavra ocorre mais de 6.800 vezes e tem a função de nome pessoal
de Deus. Ela é usada nos contextos do relacionamento pessoal de
Deus com seu povo, principalmente na aliança. Por isso, em todo o
AT Deus muitas vezes dirá: “Eu sou Yahweh, que o tirou da terra do
Egito” (algo semelhante a isso), enfatizando a estreita ligação entre
seu nome, Yahweh, e sua poderosa ação de libertação conforme se
vê em Êxodo. O caráter de Deus, revelado pelo nome Yahweh, é
mais bem compreendido quando se vê e entende o que ele fez na
história de Êxodo.

O nome Yahweh provavelmente está relacionado ao verbo


hebraico que significa “ser”. Assim, a autoidentificação de Deus a
Moisés como “Eu Sou o que Sou” é um jogo de palavras claro (ainda
que complexo) sobre o nome Yahweh. Na maioria das versões da
Bíblia em português o nome Yahweh é geralmente vertido por
“Senhor”, com Senhor em versal-versalete. A palavra não significa
realmente “Senhor”, como no sentido de amo (o hebraico tem outra
palavra para isso, Adonai, que, de fato, significa “senhor, amo”),
apesar de com certeza sugerir esse tipo de relacionamento. Neste
manual nós verteremos Yahweh para Senhor.
Os dois termos (Elohim e Yahweh) são usados muitas vezes juntos
ou no mesmo contexto. De modo geral, neste caso, a ênfase está no
fato de Yahweh ser o Deus (Elohim) de Israel. Por isso, no grande
Shemá de Deuteronômio 6.4,5 (Shema é a palavra hebraica para
“Ouça”) Moisés declara a Israel: “Ouça, ó Israel: Yahweh, nosso
Elohim, é o único Yahweh. Ame Yahweh, o seu Elohim, de todo o
seu coração, de toda a sua alma e de todas as suas forças”.

Observe a tensão interior quanto à identidade de Moisés. Em Êxodo 2.11,


ele se identifica como hebreu. Em Êxodo 2.19, as moças no poço (e sua
futura esposa) referem-se a ele como um egípcio. Depois de se casar e se
estabelecer entre os midianitas, ele se torna um midianita. Observe também
que essa família é uma família midianita sacerdotal (2.16). Números 25
mostra que os midianitas adoravam Baal. O que Moisés fazia ali?

✚ Jesus declara: “Antes que Abraão nascesse, eu sou!” (João 8:58). Jesus está obviamente
se identificando com o nome de Deus revelado a Moisés no episódio da sarça ardente de Êxodo
3.

Êxodo 2.23,24 é uma transição muito importante. Deus ouve o clamor dos
israelitas escravizados e decide agir, baseado na promessa feita a Abraão.

Observe que o povo de Israel não se arrependeu nem se converteu a Deus.

Eles apenas clamaram diante de seu sofrimento e miséria. Deus ouve o seu
clamor, lembra-se de sua aliança com Abraão, e decide agir (em Êx 3, ele
designará Moisés para conduzi-los).

Em Êxodo 3.1—4.17, Moisés tem um encontro incrível com Deus. Ele está
desperdiçando sua vida nas regiões remotas de Midiã. Para todos os
propósitos essenciais, ele é um midianita. Deus o confronta, revela-se a ele e,
em seguida, o coloca em um caminho completamente novo de vida: tirar os
israelitas do Egito e conduzi-los à terra prometida.

Deus aparece a Moisés de dentro de uma sarça ardente. À medida que


Moisés se aproxima, Deus lhe diz para retirar as sandálias dos pés, pois o
lugar próximo dele é santo. Essa aparição de Deus a Moisés revela a estreita
ligação entre a presença de Deus, sua santidade e seu poder capacitador.

Deus se identifica a Moisés como o mesmo Deus adorado por Abraão


(3.6). Deus explica que ele ouviu o clamor dos israelitas e, por isso, desce
para resgatá-los. Então, para surpresa de Moisés, Deus declara que ele está
enviando Moisés até o faraó para libertar os israelitas.

Moisés apresenta quatro frágeis objeções ao plano de Deus, e Deus


responde a todas as quatro objeções com palavras de encorajamento.
Primeiro, Moisés questiona sua habilidade e suficiência, e Deus lhe promete a
força de sua presença (3.11,12). Além disso, Deus apresenta um sinal —
depois de Moisés tirar o povo do Egito, ele os conduziria de volta a esse
exato lugar para adorar a Deus. Mas Moisés objeta, dizendo que ele nem sabe
direito quem é esse Deus, para o que Deus explica: “Eu Sou o que Sou”
(3.13-15).
A palavra hebraica para “Eu Sou” está relacionada ao nome hebraico de
Deus, geralmente traduzida em português por “Senhor”.

Na terceira objeção, Moisés pergunta


sobre o que ele fará se o povo de Israel
não acreditar nele. Deus, então, lhe dá
três sinais miraculosos dramáticos: a
transformação de sua vara em serpente, a
transformação da pele de sua mão em
lepra e a transformação de água em
sangue. Deus diz que caso eles não
cressem, Moisés deveria mostrar esses
sinais miraculosos (4.1-9). Eles estão
carregados de simbolismo. O símbolo do
poder egípcio, associado de modo
especial ao faraó, era a serpente. Os
faraós do Egito muitas vezes usavam
coroas com uma serpente de ouro
enrolada na parte de cima. Moisés está
perto de agarrar o faraó “pela cauda”, por
assim dizer, no entanto ele prevalecerá;
sua vara tem mais poder que o faraó.

Por fim, Moisés levanta a objeção sobre a sua habilidade de se comunicar e


depois implora a Deus para enviar outra pessoa em seu lugar (4.10,13). Deus
fica irritado com isso, mas declara que Arão, irmão de Moisés, servirá de
porta-voz para ele (4.14-16), junto com sua vara poderosa para realizar
milagres (4.17).

Quem é o Senhor? Primeiro encontro com o faraó e o povo (4.18—7.5)

Moisés reúne sua família e começa o retorno ao Egito. No caminho ele tem
um encontro muito estranho com Deus (4.18-26). Aparentemente, Moisés
não tinha ainda circuncidado seus filhos. Lembre-se de que a circuncisão era
o sinal de pertença à aliança abraâmica. Deus parece insistir na circuncisão
dos meninos da família de Moisés antes de ele assumir o comando dos
israelitas.

Moisés encontra-se com Arão (4.27,28) e os dois retornam ao Egito.

Eles contam aos israelitas tudo que Deus disse a Moisés e lhes mostram os
sinais miraculosos. Os israelitas acreditam e adoram a Deus (4.29-31).

As coisas começaram bem para Moisés.

Entretanto, o faraó é outra questão. Quando Moisés lhe diz que o Senhor
exige a partida dos israelitas, o faraó faz uma declaração fatal: “Quem é o
Senhor, para que eu lhe obedeça e deixe Israel sair?” (5.2). Deus responde a
esse desafio provocador de maneira dramática. Ao fim de Êxodo 14, com o
Egito destruído, todos os primogênitos mortos e todo o exército morto às
margens do mar Vermelho, o faraó saberá quem é o Senhor.

✚ Deus quer que os israelitas saibam que ele é quem os libertou; da mesma forma ele quer
que os egípcios saibam que ele é aquele que os destruiu.

Contudo, no momento, o faraó responde ao pedido de Moisés tornando a


vida dos israelitas mais árdua, exigindo que eles aumentem a produção de
tijolos usando menos material (5.3-20). Os israelitas, que inicialmente tinham
reagido de modo favorável a Moisés, agora começam a acusá-lo (5.21). É
impressionante quanto os israelitas serão volúveis em todo o Êxodo!

Então, Moisés busca a Deus e murmura um pouco sobre o desenrolar dos


acontecimentos (5.22,23). Deus explica a Moisés que ele tem algo muito
maior que apenas a saída do Egito. Deus
planeja agir de um modo tão
extraordinário que todos saberão que ele é
o Senhor. O nome “Senhor” está
estreitamente ligado à sua aliança, e para
conhecê-lo como “Senhor” significa
experimentar seu grande livramento de
primeira mão. Deus também reafirma a
relação básica da aliança (“Eu os farei
meu povo e serei o Deus de vocês”) assim
como a promessa da terra (6.1-8).

Um breve histórico de família de


Moisés e Arão é apresentado (6.13-27),
estabelecendo que tanto Moisés quanto
Arão são levitas, uma questão que se
tornará importante mais tarde nessa
história. Depois, Deus continua com a
explicação de seu plano para Moisés,
iniciado em 6.1. Moisés está preocupado
de que o faraó não o atenda (6.30). Deus
lhe diz que a obstinação do faraó faz parte
do plano. Deus não quer uma saída
tranquila e discreta do Egito, mas um
confronto dramático e poderoso por meio
do qual ele esmagará os egípcios por
completo (lembre-se de que os egípcios
estavam jogando bebês israelitas no
Nilo). Deus declara que, depois de ele
esmagar o Egito e retirar os israelitas,
então os egípcios também saberão que ele
é Senhor (7.1-5).

Faraó versus o Senhor: as primeiras nove pragas (7.6—10.29)

A próxima unidade conta a história de como o faraó obstinado e


provocador procura desprezar Deus, apenas para ver o Egito esmagado por
uma série de pragas de juízo enviadas pela palavra de Deus por intermédio de
Moisés.

Êxodo 7.8-13 antecipa o que está por vir. A vara de Moisés transforma-se
em uma serpente diante do faraó, como um sinal para ele. No entanto, seus
magos imitam o sinal, e suas varas também se transformam em serpentes.
Entretanto, o principal sinal é o que acontece em seguida, quando a serpente
de Moisés engole as Coluna espetacular do templo de outras serpentes,
demonstrando quanto sua vara era mais poderosa que qualquer coisa que o
faraó ou seus magos pudessem inventar.

As pragas

Peter Enns

As pragas são dez atos por meio dos quais Deus afligiu os egípcios
sob a liderança de Moisés. A narrativa principal das pragas começa
em Êxodo 7.14, com a transformação das águas do Nilo em sangue, e
termina em Êxodo 11.1—13.16 com a morte dos primogênitos, a
instrução sobre a Páscoa e a libertação de Israel da escravidão no
Egito. As pragas também são mencionadas em Salmos 78.44-51,
embora a sequência seja diferente e apenas seis das dez pragas sejam
mencionadas (v. tb. Sl 105.28-36).

Sua descrição é bastante conhecida, mesmo na cultura popular (p.


ex., rio se transformando em sangue, rãs, feridas, trevas, morte dos
primogênitos), mas a função teológica das pragas no livro de Êxodo
nem sempre é examinada. Uma das perguntas que logo vem à mente
é: por que dez pragas? Na verdade, a pergunta é: por que as pragas
foram necessárias? Por que Deus simplesmente não tirou os israelitas
sem todo esse alarde? A razão é declarada em 9.15,16.

O propósito de Deus nas pragas não foi para convencer o faraó da


futilidade de resistir a Deus. Antes, Deus levantou o faraó para que,
por meio de um processo prolongado, ele pudesse mostrar seu poder
ao faraó e proclamar seu nome em toda a terra.

É importante entender que as pragas não consistiram em um


processo pelo qual Deus cansou o faraó até ele por fim sucumbir.
Quando chegamos à segunda (rãs) e à quarta (moscas) pragas, o
faraó já está enfastiado (ele implora para que Moisés as interrompa).

Naturalmente, depois de encerrada a segunda praga, ele endurece


o coração (v. tb. as pragas três, quatro, seis e sete quando o faraó ou
endurece o coração ou é endurecido). Mas, a partir da sexta praga e
continuando com a oitava, nona e décima, é Deus quem endurece o
coração do faraó. Ainda que o faraó esteja pronto para ceder, Deus
não está. Ele estende o processo para dar uma lição, isto é, que ele
não é só o Deus dos escravos hebreus, mas também sobre todo o
Egito, como sobre as demais nações. O faraó foi o instrumento usado
por Deus para proclamar essa verdade.

As pragas também têm certa importância religiosa. Pelo menos


algumas delas parecem refletir elementos do panteão egípcio. Por
exemplo, o Nilo era personificado e adorado como um deus (Hapi).

Transformar o Nilo em sangue significava derrotar o deus que


dava vida ao Egito. De modo semelhante, a divindade solar, Rá, era
muito importante para a religião egípcia. Os faraós eram às vezes
chamados de filhos de Rá. A praga das trevas (a nona) não foi apenas
inconveniente, mas também uma declaração da superioridade do
Deus de Israel sobre os do Egito.

As pragas também mostram que o Deus de Israel pode controlar os


elementos. Os magos do Egito conseguiam reproduzir as primeiras
duas pragas (como a vara se transformando em serpente), mas nada
mais além disso. Também, somente o Deus de Israel conseguia
interrompê-las. Deus tem à sua disposição a ordem criada para pôr
em ação a salvação de Israel. Assim, mediante as pragas, ele se
mostra verdadeiro criador e libertador.

Então, Deus fere o Egito com dez terríveis pragas, as quais, em geral, com
intensidade crescente (7.14—11.30). As pragas vêm em grupos de três,
seguindo padrões semelhantes. Na primeira (o Nilo transforma-se em sangue)
e na segunda (as rãs) pragas, Moisés adverte o faraó e exige que ele deixe os
israelitas partirem. O faraó se recusa, e Deus então inicia a praga.

A terceira praga (piolhos), entretanto, fere o Egito sem nenhuma


advertência.
O próximo ciclo segue o mesmo padrão. A quarta praga (moscas) e a
quinta (morte do rebanho) são precedidas por advertências e a exigência para
deixar o povo de Deus sair. A sexta praga (feridas) vem sem advertência.

O próximo ciclo repete o mesmo esquema. Moisés faz advertências antes


das pragas de número sete (granizo) e oito (gafanhotos), mas a nona praga
(trevas) vem sem advertência. A décima e última pragas (a morte dos
primogênitos) também ocorre sem uma advertência concreta.

Várias pragas são carregadas de sentidos simbólicos ligados em especial ao


primeiro capítulo de Êxodo e à execução dos meninos israelitas recém-
nascidos pelo faraó. A primeira praga transforma o Nilo em sangue (7.14-24).
O Nilo era o símbolo do Egito e representava sua prosperidade e poder.
Assim, o sangue vermelho simbolizava a morte do próprio Egito. Mas tenha
em mente que o faraó matava bebês hebreus jogando-os no Nilo. Por isso,
quando o Nilo se transforma em sangue, ele recorda todas as mortes cruéis
ocorridas ali.

Os magos conseguem imitar a praga, mas não conseguem revertê-la nem


interrompê-la. Isto é, eles conseguem usar seu poder para executar maior
juízo contra o Egito, mas não conseguem fazer nada para repelir a praga
imposta por Deus nem interromper o julgamento.
A segunda praga (as rãs) também está ligada à morte dos bebês hebreus.
Na religião dos antigos egípcios, a deusa e protetora das mulheres grávidas
chamava-se Heket, de maneira geral retratada na forma de uma rã. Isso se
dava provavelmente porque no pensamento egípcio, a metamorfose do girino
para rã simbolizava o crescimento e nascimento de bebês humanos. Quando
os egípcios foram infestados por rãs nesse episódio, isso serviu para lembrá-
los de quão terrível foi o crime cometido contra as mulheres grávidas e os
recém-nascidos. É provável que os magos, para a humilhação do faraó, não
conseguiam impedir a praga das rãs; apenas aumentar o números delas —
mais rãs (portanto, mais juízo).

À medida que as pragas avançam, toda a prosperidade agrícola do Egito é


sistematica-mente destruída. Entretanto, o faraó e seus oficiais continuam
endurecendo o coração e se recusando a permitir a saída dos israelitas. A
nona praga (as trevas) também é bastante simbólica, pois a principal
divindade do Egito era Rá, o deus-Sol, e o faraó era conhecido como o “filho
de Rá”.
O Senhor liberta Israel do Egito (11.1—15.21)

A última e culminante praga é a da morte dos primogênitos (11.1-10), um


juízo terrível e apropriado contra o Egito pela execução dos bebês israelitas
em Êxodo 1. Enquanto os israelitas se preparam para sair do Egito, Deus
apresenta dois rituais de celebração (a festa dos pães sem fermento e a
Páscoa), para que eles se lembrem sempre desse momento especial de
libertação (12.1-28). O Êxodo propriamente ocorre em Êxodo 12.31-51
depois da morte dos primogênitos egípcios. Os egípcios capitulam por
completo, deixando os israelitas saírem vitoriosos, levando embora as
riquezas do Egito (12.36). Os acontecimentos em torno dessa saída eram
obviamente conhecidos em todo o Egito, pois milhares de outras pessoas de
diversas nacio-nalidades acompanharam os israelitas na saída (12.38),
cumprindo a promessa de Deus feita a Abraão da bênção aos gentios (12.3).

✚ A Páscoa em Êxodo 12 anuncia a morte de Jesus Cristo no NT.

Em Êxodo 12.43-51, Deus decreta que esses estrangeiros poderiam


participar da Páscoa se fossem circuncidados, e em 13.1-16 descreve-se a
celebração desse dia especial e a consagração dos primogênitos futuros de
Israel.

Em seguida, os israelitas chegam a uma porção significativa de água


chamada em hebraico de yam suf (“mar dos juncos”). Na história bíblica
posterior, 1Reis 9.26 declara que Salomão enviou navios ao yam suf. Em
1Reis 9.26, a referência é clara à região conhecida hoje em português como
mar Vermelho; então, provavelmente o yam suf de Êxodo designe o mesmo
lugar. De qualquer modo, era um obstáculo extraordinário, capaz de impedir
os israelitas de fugir dos egípcios e que pudesse afogar todo o exército
egípcio.

A presença de Deus exerce um papel crucial na libertação dos israelitas.

Ela acompanha Israel na jornada, aparecendo em uma coluna de nuvem


durante o dia e em uma coluna de fogo durante a noite (13.20-22) para guiar
os israelitas e protegê-los (14.19-24). Deus divide o mar Vermelho
milagrosamente, permitindo a travessia de Israel em segurança e, em seguida,
fecha o mar sobre os carros do Egito enquanto eles perseguiam os israelitas.
O ápice de Êxodo 1 — 14 é expresso de forma sucinta em 14.31: “Israel viu o
grande poder do Senhor contra os egípcios, temeu o Senhor e pôs nele a sua
confiança, como também em Moisés, seu servo”.

Êxodo 15 conclui a primeira parte da história de Êxodo com um cântico de


celebração de vitória. Moisés e os israelitas (aparentemente os homens)
cantam o cântico de vitória (15.1-18), seguido de um cântico semelhante por
Miriã, sua irmã, e as mulheres (15.19-21).

Celebração da aliança do Sinai (15.22—24.18)

A peregrinação até o monte Sinai (15.22—18.27)

Depois de libertar Israel por meio de uma manifestação extraordinária de


poder, Deus agora guia o povo até o monte Sinai, onde ele estabelecerá uma
aliança com eles. Contudo, é incrível que ao longo do caminho Israel perca a
fé com rapidez, reclamando e murmurando contra Moisés a respeito da falta
de água (15.22-27), comida (16.1-36) e água outra vez (17.1-7). Em cada
situação, Deus lhes provê do necessário. Entretanto, em Êxodo 17.7 eles
questionam: “O Senhor está entre nós, ou não?”. Deus responde em Êxodo
17.8-16 dando-lhes vitória sobre os amalequitas. Jetro, sogro de Moisés (ou,
talvez, tio de sua esposa), visita Moisés em Êxodo 18 inter-rompendo o fluxo
negativo da reclamação dos israelitas e oferece a Moisés um conselho firme e
bom sobre a organização de um sistema judicial sadio que pudesse aliviar um
pouco o peso da liderança de Moisés.

A revelação no monte Sinai (19.1-25)

No episódio da sarça ardente em Êxodo 3, Deus diz a Moisés que, depois


de libertar o povo do Egito, ele os traria de volta exatamente para aquele
mesmo lugar (monte Sinai) para adorar a Deus (3.12). Então, agora quando
eles de fato chegam ao monte Sinai, Deus dá ao povo uma experiência
semelhante à de Moisés em Êxodo 3 diante da sarça ardente. Em Êxodo 3,
Deus falou apenas a um homem, Moisés; em Êxodo 19, ele fala a todo o
povo. Em Êxodo 3, o fogo está concentrado em um único arbusto solitário;
em Êxodo 19, toda a montanha queima. Em ambos os encontros, o chão é
declarado santo, por causa da presença de Deus. Qual é o sentido dessa
semelhança? Como Deus tinha ordenado Moisés, agora ele ordena toda a
nação, declarando-os “reino de sacerdotes e uma nação santa” (19.6).

De fato, em Êxodo 19 todo o povo é tratado como sacerdotes. O monte


torna-se como um templo, o povo se consagra como os sacerdotes (19.10-15).
Em seguida o povo se encontra com o próprio Deus (19.17) — um
acontecimento comumente reservado apenas aos sacerdotes.

Os Dez Mandamentos (20.1-21)

Deus libertou Israel da escravidão no Egito de forma dramática e os trouxe


ao monte Sinai, onde sua glória e santidade são reveladas ao povo por meio
de trovão, relâmpagos, fumaça e fogo assustadores (19.17-19).

Deus também declara que toda a nação será como sacerdotes para ele.
Nesse contexto, Deus agora entra em um relacionamento mediante uma
aliança especial com o povo de Israel, uma oportunidade espetacular de
bênção e rico significado de vida expresso por meio da poderosa presença de
Deus.

✚ No NT, Pedro menciona Êxodo 19. 6 quando diz: “Vocês são [...] sacerdócio real, nação
santa” (1Pe 2.9)

Agora que os israelitas estão nesse novo relacionamento com Deus, eles
precisam aprender a viver como povo especial de Deus. Em Êxodo 20 — 24,
Deus apresenta a Israel as estipulações que definem esse novo
relacionamento (muitas vezes chamado de aliança mosaica). No cerne da
aliança estão os Dez Mandamentos, representando a essência ou os elementos
centrais do novo relacionamento dos israelitas com Deus.

Os Dez Mandamentos

Michael Grisanti

Contexto histórico

Quando Moisés conduziu os israelitas para fora do Egito, e o povo


começou a jornada em direção à terra prometida, eles eram um povo
sem clara identidade e propósito. Eles deixaram para trás 430 anos
de permanência no Egito. No mar Vermelho, o Senhor orquestrou
um dos milagres mais assombrosos do AT. Os israelitas passaram a
seco por entre uma grande quantidade de água, sinal do compromisso
do Senhor de fazer cumprir sua promessa ao povo, além de servir de
paradigma acerca do caráter e da atividade de Deus no restante do
AT. Uma vez que o povo acampou ao pé do monte Sinai, o Senhor
então levou Israel a um relacionamento mais profundo com ele.

Dez Mandamentos: o cerne da Lei (As exigências da aliança do


Senhor)

Moisés subiu o monte Sinai como representante de Israel para


receber a Lei do Senhor. O próprio Senhor gravou as palavras dos
Dez Mandamentos (ou “Dez Palavras”, por isso Decálogo) em duas
tábuas de pedra (Êx 20.1-17; Dt 5.6-21). Essas dez vastas exigências
divinas representam o cerne do que Yahweh espera de seu povo. Os
primeiros quatro mandamentos concentram-se no relacionamento
pessoal com Deus (vertical), enquanto os outros seis mandamentos
dão atenção ao relacionamento com os companheiros israelitas
(horizontal).

É importante observar que os Dez Mandamentos começam com


um prefácio, algo comum nos tratados do antigo Oriente Médio. Esse
prefácio ou prólogo muitas vezes descreve as relações passadas entre
as partes do tratado. Na passagem, o prólogo demonstra que Deus
não estabeleceu as exigências da aliança a Israel a partir de um
vácuo, mas o fez no contexto de um relacionamento íntimo, evidente
por seu caráter inigualável e sobejante atividade a favor de Israel. A
promulgação da Lei foi precedida por um ato de amor e graça. Ele
estabelece essas exigências da aliança para um povo com quem ele já
tinha estabelecido um relacionamento, não como meio de iniciar um
relacionamento (que sempre foi e é “mediante a fé”).

Também é essencial entender esses mandamentos como


exigências fundamentadas em um relacionamento de aliança. O
Senhor começou esse relacionamento com os descendentes de
Abraão (Gn 12; 15; 17), mas formaliza e aprofunda esse
relacionamento com os Dez Mandamentos e o restante da lei de
Moisés. Essas exigências da aliança fornece a orientação concreta
para o relacionamento de Israel com Deus. Eles deveriam obedecer a
essas estipulações, não apenas por uma questão de pura obediência,
mas para demonstrar o caráter do Senhor às nações vizinhas (Êx
19.4-6; Dt 26.16-19).

Legislação detalhada: delineamento dos Dez Mandamentos

As regras e regulamentações detalhadas que ocupam boa parte de


Êxodo, Levítico e Deuteronômio não são um conjunto de regras
soltas sem nenhuma ligação com os Dez Mandamentos. Antes, elas
representam a aplicação detalhada do caráter de Deus a todas as
áreas da vida dos israelitas. Além do mais, essas regulamentações
operam em duas esferas básicas: vertical e horizontal (cf. o resumo
da Lei mosaica feito por Cristo nessas duas esferas — Lc 10.25-28).
Algumas leis, em especial as associadas ao ritual do culto e às
exigências que não afetam diretamente o próximo israelita (as leis
dietéticas, p. ex.), enfatizam o andar dos israelitas com Deus. Elas
podem ser resumidas como um chamado para viver em total lealdade
ao Senhor. Outras leis tratam sobre como os israelitas devem tratar
seus conterrâneos. Em suma, os membros do povo escolhido de Deus
devem se tratar com amor, justiça e igualdade.

Os Dez Mandamentos concentram-se em relacionamentos e fidelidade. Os


primeiros quatro mandamentos definem como o povo deve se relacionar com
Deus. A idolatria é rigorosamente proibida; eles devem adorar o Senhor e
apenas a ele. Esses primeiros quatro mandamentos são 1) não adorar outros
deuses; 2) não fazer imagens de Deus nem de outros deuses; 3) não tomar o
nome do Senhor em vão; e 4) guardar o sábado. Os seis mandamentos
seguintes descrevem como as pessoas devem se relacionar umas com as
outras, em sua família e na comunidade em sentido mais amplo.
✚ Os Dez Mandamentos aparecem duas vezes no Antigo Testamento, uma vez em Êxodo
20.1–17 e novamente em Deuteronômio 5.6-21.

Esses seis mandamentos orientados à família/comunidade são 5) honrar os


pais; 6) não matar; 7) não cometer adultério; 8) não furtar; 9) não dar falso
testemunho; e 10) não cobiçar.

O livro da aliança (20.22—23.33)

Essa unidade é chamada muitas vezes de “o livro da aliança” e contém


princípios gerais derivados dos Dez Mandamentos além de aplicações desses
princípios. Lembre-se mais uma vez que Deus explica como seu povo deve
viver nesse novo relacionamento de aliança com ele. Nessa unidade, há uma
variedade de leis mostrando como Deus está preocupado com todas as áreas
da vida. Por exemplo, Deus deseja que seu povo seja honesto e justo (23.1-
3,6-8). Ele os torna responsáveis pelo bem-estar dos outros (23.4,5), em
especial de estrangeiros, órfãos e viúvas (os socioeconomicamente fracos na
cultura; 22.21-27). Nessa seção também se incluem orientações para as três
festas anuais (a festa dos pães asmos, a festa da colheita e a festa do
encerramento da colheita; 23.14-19). Essas festas compunham as principais
datas em que Israel se reunia para adorar a Deus e celebrar seu
relacionamento com ele.

Ratificação da aliança (24.1-18)

Em Êxodo 24, o novo relacionamento por meio da aliança descrito em


Êxodo 19 — 23 é ratificado. Os termos do acordo são repetidos duas vezes ao
povo, e duas vezes o povo concorda em cumprir seus termos (as leis de Êx 20
—23). Então, Moisés esparge sangue sobre eles para colocar formalmente em
efeito a aliança, declarando: “Este é o sangue da aliança” (24.8). Jesus usará
palavras semelhantes quando, mais tarde inaugurar a nova aliança (Mt 26.28;
Mc 14.24; Lc 22.20).

Em seguida, os anciãos de Israel


partilham uma refeição na própria
presença de Deus (24.11), demonstrando
a estreita relação que agora têm com ele e
anunciando o futuro “banquete
messiânico” descrito pelos profetas e
aludido muitas vezes no NT.

“Habitarei no meio deles”: o tabernáculo e a presença de Deus (25.1—


40.38)

Instruções sobre a construção do tabernáculo (25.1—31.18)

No cerne do relacionamento de aliança entre Deus e seu povo está a


fórmula de declaração em três partes: Eu serei o seu Deus; vocês serão o meu
povo; eu habitarei no meio de vocês. Uma nova característica muito
significativa (e radical) desse relacionamento é que Deus realmente vem
habitar no meio deles. Se o Deus santo e assombroso vem habitar entre eles,
então ele precisará de um lugar próprio para habitar — um lugar onde os
israelitas podem desfrutar das bênçãos de conhecê-lo e adorá-lo sem serem
consumidos pelo poder de sua santa presença. Por isso, a ênfase central de
Êxodo 25 — 40 é o planejamento e construção do tabernáculo, o lugar da
habitação de Deus. Mais de um terço do livro de Êxodo é dedicado à
descrição do tabernáculo, indicando a importância crucial desse tema — a
presença de Deus entre o povo. Êxodo 25 — 31 descreve a arca da aliança, a
mesa dos pães da Presença, o candelabro e o próprio tabernáculo. Os
procedimentos sacerdotais são descritos, incluindo as vestes que eles
deveriam usar e os utensílios para os sacrifícios e para queimar incenso.

Interrupção: rebelião e renovação da aliança (32.1—34.35)

Êxodo 32 — 34 é uma interrupção dramática e terrível no maravilhoso


texto que descreve a construção e o funcionamento do tabernáculo (Êx 25—
40). Em sentido cronológico, Êxodo 32 está ligado à história diretamente na
sequência de 24.12-18. Enquanto Moisés está no alto do monte Sinai
recebendo os Dez Mandamentos escritos pela própria mão de Deus, o povo se
torna impaciente e constrói um bezerro de ouro como ídolo, declarando: “Eis
aí os seus deuses, ó Israel, que tiraram vocês do Egito!”. Nesse momento
particular, nada poderia ser mais desonroso ou blasfemador a Deus. Cheio de
ira, o Senhor conta a Moisés que ele iria destruir o povo (32.9,10). Moisés
intercede e convence Deus de não destruir Israel (32.11-14). Mas, quando
Moisés chega de volta ao acampamento e realmente vê o bezerro de ouro, ele
também fica irado.

Ele espatifa no chão as tábuas dos Dez Mandamentos, destrói o bezerro de


ouro e convoca o povo para renovar seu compromisso com Deus, executando
3 mil pessoas que não o fizeram (32.19-29).

Êxodo 33 destaca mais uma vez a presença de Deus. Moisés sabe que, se
ele perder a presença de Deus, tudo estará perdido. Então, ele implora para
que Deus permaneça com eles. Deus concorda, e em Êxodo 34 novas tábuas
de pedra são feitas e a aliança é renovada.

✚ A presença de Deus, perdida no jardim em Gênesis 3, é restaurada (até certo ponto) com
a vinda de Deus para Habitar entre seu povo no tabernáculo (Êx 25.8; 29.4-46).

Conclusão do tabernáculo (35.1—40.38) Depois da terrível interrupção do


episódio do bezerro de ouro, a história agora se volta para o término da
construção do tabernáculo. A obediência voluntária do povo agora é
ressaltada, em comparação com a desobediência do episódio anterior (Êx 32).
Muitos detalhes de Êxodo 25 — 31 são repetidos. O ápice da segunda parte
de Êxodo está em 40.34-38, quando a glória do Senhor desce e enche o
tabernáculo. A presença de Deus agora habita com seu povo!
Como aplicar Êxodo à nossa vida hoje

O livro de Êxodo está repleto de princípios poderosos que podem ser


aplicados à nossa vida hoje. O exemplo das corajosas parteiras em Êxodo 1,
quando elas desprezam o faraó para obedecer a Deus, nos desafia a
permanecer firmes pelo que é correto, independentemente das consequências.

Nós também nos encorajamos vendo Deus agir nos bastidores para
levantar Moisés, que mais tarde implementa a espetacular libertação do povo
de Deus. Somos exortados a evitar a dúvida e inconstância características do
povo de Israel e muito repetidas em todo o livro de Êxodo.

Há muitas coisas nesse livro que podemos aprender a respeito de Deus.

Ele é quem tem prazer em salvar seu povo, ainda que eles nem sempre
pareçam dignos de salvação. Nessa direção, no NT Paulo mais tarde
declarará: “Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso
favor quando ainda éramos pecadores” (Rm 5.8). Além do mais, Êxodo 32
ilustra para nós quão poderosa e eficaz pode ser a oração de intercessão, dado
o caráter compassivo de Deus.

Por fim, os diversos aspectos da presença de Deus revelados no livro de


Êxodo podem nos ajudar a compreender melhor como andar no poder do
Espírito — a manifestação da presença de Deus na vida cristã hoje. A
presença e o poder estão sempre ligados de forma direta à santidade. Assim, à
medida que desfrutamos do poder e da presença de Deus por meio do Espírito
Santo, percebemos que também somos chamados a viver em santidade de
vida.
Nosso versículo favorito de Êxodo

Disse Deus a Moisés: Eu Sou o que Sou.


É isto que você dirá aos israelitas:
Eu Sou me enviou a vocês. (3.14)

✚ Em todo o restante do AT. Deus muitas vezes descreverá a si mesmo como “o Senhor
que os tirou do Egito”.
Levítico
Sejam santos porque eu sou santo

maioria das pessoas fica chocada quando lê em Levítico o conteúdo


A de alguns versículos muito estranhos: “Não usem roupas feitas com dois
tipos de tecido”

(Lv 19.19). “Quando os cabelos de um homem caírem, ele está calvo,


todavia puro” (13.40).

“Quando uma mulher engravidar e der à luz um menino, estará impura por
sete dias, assim como está impura durante o seu período menstrual” (12.2).

Logo percebemos que, se lermos Levítico fora do contexto, é muito


provável que terminaremos com uma teologia muito bizarra. Porém, quando
colocado no devido contexto, descobrimos que Levítico faz perfeito sentido
(pelo menos a maioria faz). As leis de Levítico explicavam para os israelitas
como eles deveriam viver com o Deus santo e assombroso habitando entre
eles no tabernáculo.

Na Bíblia hebraica, o terceiro livro da Torá (Pentateuco) tem o título “E ele


chamou”, que expressa a primeira frase do livro em Levítico 1.1. O título em
português, Levítico, vem da tradução latina (chamada Vulgata), que por sua
vez derivou seu título da tradução grega (chamada Septuaginta). O termo
“Levítico” significa “o livro levítico” ou “o livro dos levitas”. Lembre-se de
que a tribo de Levi foi a tribo originária dos sacerdotes de Israel. Então, o
título é uma descrição bastante precisa de seu conteúdo. O livro de Levítico
trata de questões sacerdotais — sacrifício, adoração, festas, santidade,
atividades sacerdotais e purificação.
Qual é o contexto de Levítico?

A essência do relacionamento de Deus por meio da aliança com Israel é


expressa na afirmação em três partes, repetida constantemente no AT: Eu
serei o seu Deus; vocês serão o meu povo; eu habitarei no seu meio. No livro
de Êxodo, Deus libertou os israelitas de maneira impressionante, tirando-os
do Egito. Então, no monte Sinai, ele estabeleceu um relacionamento por meio
de uma aliança com eles. Um componente crucial dessa aliança foi a
promessa de que Deus habitaria no meio deles. Por isso, a última unidade de
Êxodo (25—40) descreve como os israelitas deveriam construir o
tabernáculo, isto é, o lugar da habitação de Deus entre eles. Levítico é uma
sequência lógica desses últimos capítulos de Êxodo, pois descreve os
procedimentos adotados no tabernáculo.

Lembre-se de que os israelitas estavam a caminho de Canaã, onde


deveriam se estabelecer e adotar as práticas rituais delineadas em Levítico
para definir seus ritos religiosos (o modo de aproximar-se de Deus em seu
meio). No processo, eles deveriam rejeitar as crenças e práticas comuns aos
pagãos que estavam em redor deles. A influência das crenças pagãs na região
era muito forte e afetava todos os aspectos da vida, em especial os da
agricultura e da procriação.

Boa parte de Levítico se dedica a confrontar essas crenças pagãs e a


reorientar toda a visão de mundo de Israel em relação ao Deus de Abraão,
que acabara de libertá-los do Egito.
Quais são os temas centrais de Levítico?

Se o Deus santo e assombroso virá habitar no tabernáculo entre os


israelitas (Êx 25—40), como isso lhes afetará a vida? Como um povo pecador
sobreviverá diante da habitação do Deus santo e assombroso no meio deles?
Como eles se aproximarão dele? Qual é a maneira apropriada de louvar a
Deus e agradecer-lhe por suas bênçãos? Como o pecado pode ser perdoado
de modo que o relacionamento não seja agravado? O livro de Levítico
responde a essas perguntas. Levítico enfatiza que tudo na vida deles mudará;
a partir de agora — com a presença de Deus no meio deles — todo
pensamento e toda ação (a visão de mundo deles) girarão em torno do que é
santo e puro. Nesse contexto, há quatro temas principais que permeiam o
livro todo: 1) a presença de Deus; 2) a santidade; 3) o papel do sacrifício; e 4)
como cultuar e viver em aliança.

Estruturalmente, o livro de Levítico pode ser organizado da seguinte


maneira:

■ Sacrifícios para a adoração individual (1.1—7.38)

■ A instituição e as limitações do sacerdócio (8.1—10.20)

■ A questão da impureza e o seu tratamento (11.1—15.33)

■ O Dia da Expiação (sacrifício em favor da nação) (16.1-34)

■ Leis sobre como viver em santidade (17.1—25.55)

■ Bênçãos e maldições da aliança (26.1-46)

■ Ofertas de dedicação (27.1-34)


Quais são os aspectos interessantes e singulares de Levítico?

• Levítico ilustra a prática do sacrifício, essencial para a


compreensão da teologia da cruz do NT.

• Levítico descreve o Dia da Expiação.

• Levítico nos ensina quanto Deus realmente deseja manter a


distinção do santo e do profano.

• Deus repete quatro vezes em Levítico a frase: “sejam santos,


porque eu sou santo” (11.44, 45; 19.2; 20.26).

• Levítico contém o segundo grande mandamento: “ame cada um


o seu próximo como a si mesmo” (19.18).
Qual é a mensagem de Levítico?

Sacrifícios para a adoração individual (1.1—7.38)

Os primeiros sete capítulos de Levítico tratam dos sacrifícios oferecidos


por indivíduos. Levítico 1.1—6.7 relaciona sacrifícios na perspectiva do povo
comum (não os sacerdotes) enquanto Levítico 6.8—7.38 enfatiza o papel dos
sacerdotes na apresentação dos sacrifícios.

✚ A Presença do santo Deus entre o seu povo - este é o tema que liga Levítico de volta ao
Êxodo.

Nesses capítulos são descritas duas categorias principais de sacrifícios: 1)


sacrifícios voluntários de comunhão ou ação de graças; e 2) ofertas
obrigatórias pela culpa ou pecado. Quando os sacrifícios voluntários de
comunhão ou ação de graças são queimados, a fumaça se torna “aroma
agradável ao Senhor” (1.9,13,17; 2.2,9; 3.5,16; 6.15,21). Há três sacrifícios
voluntários de comunhão ou ação de graças específicos. Levítico 1.1-17 e
6.8-13 descrevem o “holocausto”, oferecido quando alguém se dedica ou
consagra inteiramente a Deus. Em seguida é apresentada a “oferta de cereal”
(ou “oferta de grãos”) (2.1-16; 6.14-23), uma oferta de ação de graças em
reconhecimento à bondade de Deus em satisfazer as necessidades diárias. A
terceira oferta da categoria sacrifícios voluntários de comunhão ou ação de
graças é a “oferta de comunhão” (3.1-17; 7.11-36), que pode ser apresentada
por ocasião de um ato de gratidão específico ou geral, ou como parte de um
voto.

Em comparação, as ofertas pela culpa ou pelo pecado não eram


voluntárias.
Antes, eram obrigatórias sempre que alguém cometesse algum pecado. A
oferta pelo pecado (4.1—5.13; 6.24-30) era apresentada por alguém que
tivesse pecado sem intenção, por omissão, ou tinha se tornado
cerimonialmente impuro.

A oferta pela culpa (5.14—6.7; 7.1-6) expiava também o pecado por


ignorância, incluindo pecados contra outras pessoas, como furto, engano ou
mentira.

A instituição e as limitações do sacerdócio (8.1—10.20)

O estilo literário desta seção passa da instrução sobre como fazer algo para
a narrativa sobre o que realmente aconteceu. Em Êxodo 29, Deus deu
instruções a Moisés sobre como consagrar os sacerdotes, e Levítico 8
descreve como isso, de fato, aconteceu. Assim, m Levítico 8 Arão (irmão de
Moisés) e seus filhos são ordenados como os principais sacerdotes, e em
Levítico 9 eles começam a ministrar. Entretanto, no capítulo seguinte um
acontecimento chocante interrompe a história, pois os dois filhos de Arão,
Nadabe e Abiú, tentam se aproximar de Deus de uma forma não autorizada,
“sem que tivessem sido autorizados” (10.1). Da presença do Senhor sai fogo,
que os consome! Essa é uma advertência muito séria a Israel de que Deus e
somente Deus determina como ele deve ser abordado e adorado. Ninguém,
nem mesmo os sacerdotes especiais como os filhos de Arão, poderia
determinar por si mesmos como se aproximar de Deus.

Os sacrifícios

Archie England

Muitas vezes os sacrifícios são sinônimos de ofertas, ocorrendo


com frequência no AT no contexto da adoração. Embora o sacrifício
na Bíblia seja direcionado principalmente à adoração do Deus de
Israel, ele também reflete as práticas culturais dos povos vizinhos do
antigo Oriente Médio. Como tal, o sacrifício pode ser visto de
maneira positiva, como adoração a Deus (Gn 46.1; Êx 3.18; 5.3; 8.8;
12.27; 20.24); negativa, como adoração a falsos ídolos (Êx 22.20;
34.15; Nm 25.2; Jz 15.23), aos demônios (Lv 17.7; Dt 32.17; Sl
106.37) ou às hostes celestes (Jr 19.13); ou neutra, como o modo
comum de transação comercial do antigo Oriente Médio.

O conceito de sacrifício é introduzido cedo na história bíblica. Nos


capítulos iniciais de Gênesis, Deus cobriu a nudez de Adão e Eva
com pele de animal, e Abel trouxe a oferta de um animal a Deus.
Ambos os atos envolveram o derramamento de sangue, essencial
para alguns tipos de sacrifícios. Embora isso não prove que as
pessoas daquela época entendessem o sacrifício como redenção ou
reconciliação, esses exemplos podem sugerir que o sacrifício estava
associado ao compromisso relacional. Dois exemplos de sacrifícios
fora do contexto de adoração refletem esse argumento: partir o
animal para estabelecer uma aliança (cf. Gn 15.9-12) e a dedicação
da terra, dos bens, animais ou pessoas a Deus (Lv 27). Ambos
reforçam o relacionamento “senhor-súdito”, que, na verdade, era
comum nas culturas do antigo Oriente Médio.

O ato do sacrifício envolvia tipicamente a oferta de algo valioso


(comida, animal, ou entre Moabe e Amom, vizinhos de Israel, até
seres humanos) a um ser estimado ou temido como superior, como
uma divindade ou soberano. Começando com o cordeiro pascal (Êx
12), a Lei de Moisés instrui ainda Israel a procurar rolinhas,
carneiros, cabritos, bodes e bois para sacrifícios. Em temos difíceis,
até oferta de cereal (Lv 2) era suficiente. Existiam no sistema
sacrificial várias subcategorias de sacrifícios. Elas incluíam
holocaustos, ofertas de comunhão, ação de graças, de bebida, de
grãos e oferta movida. Intimamente relacionadas às festas anuais, as
leis sobre as ofertas de carne ou refeição também descreviam as
porções que os ofertantes poderiam comer depois de Deus receber as
porções suculentas mais desejadas, e depois de os levitas terem
tirado suas devidas por-ções. Desse modo, os sacrifícios coletivos
ensinavam perdão, bênção e comunhão. Junto com a observação da
Páscoa, o Dia da Expiação (Lv 16) demonstra melhor esses aspectos.
Embora a adoração coletiva das festas bíblicas constitua a ênfase
principal do AT, os indivíduos (Gn 31.54; Jó 1.5) e pequenos grupos
(família) também podiam oferecer sacrifícios.

Entretanto, na época da monarquia dividida, o sis-tema sacrificial


tornou-se especialmente corrompido. Os reis e sacerdotes de Israel e
Judá misturaram muitas práticas do sacrifício pagão de seus vizinhos
com o que foi prescrito em Levítico, às vezes abandonando por
completo a prática bíblica. Esses sacrifícios inapro-priados, junto
com as práticas religiosas superficiais e a terrível prática dos
sacrifícios de crianças (Mq 6.6-8), foram condenados na pregação
dos profetas.

A questão da impureza e o seu tratamento (11.1—15.33)

Essa seção do livro de Levítico pode ser desafiadora para o entendimento


do leitor moderno, e não há consenso entre os estudiosos sobre como tratá-la.
Provavelmente, a melhor maneira de entender essa unidade é vê-la no
contexto maior de santidade e purificação. Dentro do sistema ou cosmovisão
levítica, o “puro” era o estado normal da maioria das coisas e pessoas. Se as
pessoas tivessem contato com algo “imundo”, elas mesmas se tornariam
imundas e deveriam se submeter ao cerimonial de purificação para se
tornarem limpas novamente. Na condição de pureza, a pessoa poderia ser
cerimonialmente “santificada” (ou “separada”) para se tornar “santa”, para
servir a Deus ou poder se aproximar de sua presença. Aparentemente, Deus
queria que os israelitas pensassem de forma contínua sobre sua santidade e a
santidade/pureza deles. Por isso, quase tudo com a que eles tivessem contato
era para ser visto nas categorias de “puro” ou “imundo”.

Levítico 11—15 trata das principais categorias de contato com animais,


parto (provavelmente, por causa do contato com sangue) e enfermidades.

Esses capítulos descrevem como alguém que tenha se tornado imundo pelo
contato com algo imundo pudesse se purificar cerimonialmente.
Lepra no Antigo Testamento

Robert Bergen

“Lepra” é um termo usado em muitas Bíblias em português para


traduzir um substantivo hebraico que se refere a vários tipos de
manchas que aparecem na pele, no tecido, no couro e no interior das
casas. O aspecto comum a todas as condições chamadas “lepra”
(heb., tsara‘at) é que elas aparecem na superfície, aumentam rápido
de tamanho, degradam a aparência da superfície em que se
encontram e fazem com que a pessoa ou objeto afetados sejam
afastados da comunidade do povo do Senhor.

Há onze passagens do AT que fazem referência à lepra: quatro


descrevem essa condição ou dão orientações sobre ela (Lv 13.2—
14.47; 22.4; Nm 5.2; Dt 24.8), seis mencionam indivíduos afligidos
por ela (Êx 4.6; Nm 12.10; 2Rs 5.7-27; 7.3-10; 15.5; 2Cr 26.16-21) e
uma a inclui como maldição (2Sm 3.29).

As descrições sobre a condição que afeta a pele são apresentadas


em Levítico 13.2-44. A aflição cria uma mancha esbranquiçada ou
avermelhada que se expande com rapidez dentro de uma semana; a
área afetada pode incluir um furúnculo, carne viva, ferida ou cabelo
descorado. Em linguagem médica, esses sintomas estão associados
ao favo, à síndrome de falta de proteína, psoríase, eczema, dermatite
seborreica. Elas não parecem descrever a hanseníase, o nome mais
comum para o que é hoje chamado de lepra. A hanseníase é uma
infecção bacteriana de desenvolvimento lento que tem um período de
incubação de três a cinco anos, produz nódulos grandes na pele,
causa dano e enfraquecimento dos nervos nos braços e pernas, e
pode resultar na perda das extremidades do corpo.
A lepra que atinge o tecido, o couro e as casas produz uma
descoloração avermelhada ou esverdeada que se espalha no período
de uma semana. Essa descrição enquadra-se bem à infestação de
fungo, que pode crescer em qualquer uma dessas superfícies dada a
presença de umidade.

No AT as pessoas diagnosticadas com essa condição deveriam


vestir roupas rasgadas, soltar o cabelo, tampar a boca e permanecer
longe da convivência do povo de Deus. Se a condição delas
melhorasse, um sacerdote poderia autorizar sua entrada na
comunidade seguindo um ritual de oito dias envolvendo sacrifício de
animal, lavagem, raspagem e apresentação de uma oferta (cf. Lv
14.1-32). Tecido, couro e construções afetadas deveriam ser
destruídos.

Pelo fato de pessoas ou objetos infectados serem excluídos da


comunidade do povo de Deus, a lepra estava associada ao juízo
divino (cf. Nm 12.10; 2Sm 3.29; 2Rs 5.27; 2Cr 26.19-21).

O Dia da Expiação (sacrifício em favor da nação) (16.1-34)

O Dia da Expiação estava no centro do sistema sacrificial, pois era um


sacrifício feito a favor de toda a nação. Ele expiava o pecado do povo e servia
para manter o relacionamento da aliança entre Deus e o povo de Israel.
Depois de sacrificar um boi para se purificar (16.1-14), Arão, o sumo
sacerdote, sacrificava um bode a favor do povo, levava uma parte do sangue
do bode para dentro do Lugar Santíssimo do tabernáculo e aspergia o sangue
sobre a parte da frente da “tampa da propiciação” (a tampa que ficava sobre a
arca da aliança, também chamada de “propiciatório”) e diante dela. Então, ele
colocava as mãos sobre um bode vivo, confessava os pecados do povo e
depois enviava o bode para o deserto, simbolizando a remoção do pecado
dentre o povo (16.20-22). Em essência, o sacrifício do Dia da Expiação
validava o restante do sistema de sacrifícios.

Leis sobre como viver em santidade (17.1—25.55)

Os capítulos 17—25 de Levítico contêm diversas instruções sobre um


amplo espectro da vida, agrupadas em torno de conceitos de vida em
santidade. Essa unidade é às vezes chamada “código de santidade”, por causa
da frase “Sejam santos porque eu, o Senhor, o Deus de vocês, sou santo”
(19.2).

✚ O Livro de Hebreus do NT (capítulos 8–13) faz alusão repetida ao Dia da Expiação, ao


ilustrar a superioridade de Jesus Cristo e seu auto-sacrifício sobre o sacrifício do sumo
sacerdote e do Dia da Expiação descritos em Levítico 16.

Levítico 17 trata do sangue e dos sacrifícios de sangue. O sangue era o


símbolo da vida, daí a proibição de comê-lo (uma prática pagã). Em Levítico
18, Deus enfatiza que seu “reino de sacerdotes”, o povo especial de sua
relação de aliança, terá padrões elevados quanto ao casamento e as relações
sexuais. Levítico 19 enfatiza de forma principal os relacionamentos
interpessoais, refletindo o ensino dos Dez Mandamentos e ressaltando que a
vida santa também envolve cuidar dos necessitados (19.9,10) e desamparados
(19.14), tratar os trabalhadores de modo justo (19.13), praticar a justiça
(19.15,16), cuidar dos estrangeiros (19.33,34) e fazer transações econômicas
com honestidade (19.35,36).

Levítico 20 lista ofensas capitais, incluindo a terrível prática pagã do


sacrifício de crianças. Os capítulos 21—22 dão ênfase especial às regras de
santidade para os sacerdotes.
Boa parte do material desses capítulos
(em especial as listas) está estruturada em
torno do número 7 (ou múltiplos de 7,
como 14 ou 21). Veja Levítico 19, por
exemplo. A primeira unidade (19.1-18)
inicia-se dizendo: “sejam santos porque
eu, o Senhor, o Deus de vocês, sou
santo”. Essa unidade repete a frase “Eu
sou o Senhor” sete vezes
(19.3,4,10,12,14,16,18) e contém 21 leis.
A próxima unidade (19.19-37) inicia-se
com “Obedeçam às minhas leis”. Ela
também repete “Eu sou o Senhor” oito
vezes (19.25,28,30,31,32,34,36,37), e
também contém 21 leis. A unidade, então,
termina com uma admoestação
conclusiva (“Obedeçam a todos os meus
decretos”) seguida de uma conclusão
(“Eu sou o Senhor”).

Assim, é possível perceber que toda


essa unidade (Lv 17— 25) foi estruturada
com cuidado, dando destaque especial ao
número 7 (símbolo de inteireza ou
perfeição).*

* Sailhamer, John. The Pentateuch as Narrative.


Grand Rapids, Zon-dervan, 1995.

Levítico 23 lista as várias datas e festas


sagradas que Israel deveria guardar. Eram datas especiais comemorativas e de
celebração. Elas incluíam o sábado, a Páscoa, a festa dos pães sem fermento,
a cerimônia dos primeiros frutos, a festa das semanas (que passa a ser
chamada Pentecoste), a festa das trombetas, o Dia da Expiação e a festa das
cabanas. Essas datas e festas especiais eram as principais ocasiões em que
Israel se reunia para adorar a Deus e relembrar coletivamente o que Deus
tinha feito por eles.

O Dia da Expiação

Christine Jones

O Dia da Expiação é um ritual que envolve 1) o sacri-fício de


animais para a purificação do santuário e 2) a transferência de
pecados para um bode expiatório, por meio do qual os pecados de
Israel eram enviados para fora do acampamento. Era o dia em que o
povo jejuava e se resguardava, deixando de fazer todo o trabalho
como no dia de sábado. Mencionado no AT e no NT, o Dia da
Expiação era um dia bastante significativo para Israel.

No Antigo Testamento

A explicação mais extensa sobre o Dia da Ex-piação é encontrada


em Levítico 16 (também em Lv 23.26-32; Nm 29.7-11). Nesta
passagem, o Senhor instrui Moisés sobre os detalhes do ritual a ser
trans-mitido a Arão, o sumo sacerdote. O santuário era um lugar
sagrado e exigia uma conduta especial de quem entrava nele, ainda
mais de quem entrava no Lugar Santíssimo, a área da guarda da arca
e da habi-tação de Deus. Arão e subsequentemente os sumos
sacerdotes não podiam entrar no Lugar Santíssimo a seu bel-prazer;
ao contrário, só podiam entrar ali em um dia especial. O Dia da
Expiação era esse dia especial, observado uma vez por ano no
décimo dia do sétimo mês (setembro-outubro).

A fim de entrar no santuário, o sumo sacerdote deve-ria primeiro


preparar-se purificando todo o seu corpo e colocando vestes
especiais de linho, as vestes sagradas.

Naquele dia, trazia-se um boi ao sumo sacerdote que o apresentava


como oferta pelo pecado para a expiação do sumo sacerdote e de sua
família. Depois de matar o boi, o sumo sacerdote entrava no Lugar
Santíssimo com brasas e incenso, colocando-os no fogo diante do
Senhor para produzir fumaça e protegê-lo da presença de Deus.
Então, ele aspergia o sangue do boi sete vezes sobre a tampa do
propiciatório. Depois disso, toda a congregação trazia dois bodes ao
sumo sacerdote; um era usado como oferta pelo pecado a favor de
todo o povo, e o outro, como bode expiatório para ser enviado ao
deserto. Lança-vam-se sortes para determinar o que seria oferecido e
o que seria enviado para fora. O primeiro bode era sacrificado e seu
sangue também era aspergido no Lugar Santíssimo. Então, o sangue
do boi e o do bode era colocado nos chifres do altar fora da tenda.
Esse sangue aspergido purificava as várias partes do santuário de
toda a impureza.

O segundo bode servia a um propósito diferente. O sumo


sacerdote colocava as mãos sobre o bode vivo e confessava todo o
pecado e a rebeldia do povo, transferindo simbolicamente os pecados
do povo para esse bode. Por fim, uma pessoa designada conduzia o
bode ao deserto, levando, assim, para fora os pecados do povo.

No Novo Testamento

A cerimônia do Dia da Expiação é mencionada em Hebreus 9.6,7.


O texto mostra que esse sacrifício tinha de ser repetido todo os anos,
comprovando assim que ela não era realmente eficaz para a remoção
do pecado. Em comparação, Cristo se tornou o sumo sacerdote,
entrando no céu, o santuário perfeito, e oferecendo o próprio sangue
em sacrifício perfeito para satisfazer para sempre a exigência da
expiação.

Levítico 24.1-9 descreve a manutenção da lâmpada que queimava


continuamente diante de Deus e as ofertas diárias de pão. A próxima seção
(24.10-23) recapitula o episódio do apedrejamento de quem blasfema contra
Deus como lembrança do quanto a santidade e a presença de Deus deveriam
ser realmente levadas a sério. Levítico 25 declara que a terra e o povo
precisam de descanso; desse modo, proclama-se o ano sabático. De igual
modo, a cada cinquenta anos deveria ocorrer o ano do Jubileu, quando os
israelitas que se tornaram servos contratados deveriam ser libertados, e as
terras compradas ou penhoradas deveriam ser devolvidas aos proprietários
originais.

✚ Pedro cita Levítico 11.44,45; 19.2 e 20.26 quando escreve: “Mas, assim como é santo
aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem, pois está escrito:
‘Sejam santos, porque eu sou santo’ ” (1Pe 1.15,16).

Bênçãos e maldições da aliança (26.1-46)

Quando Deus liberta os israelitas do Egito, ele estabelece um


relacionamento por meio de uma aliança com eles. Os termos desse
relacionamento são explicados nos livros de Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio.

Essa aliança em particular é chamada de aliança mosaica. Ela difere da


aliança feita em Gênesis com Abraão (Gn
12; 15; 17) por conter condições
específicas que os israelitas devem
cumprir. Em essência, a aliança mosaica
define os termos pelos quais Israel
poderia viver na terra prometidas, com
Deus habitando em seu meio, e pudesse
ser abençoado. Levítico 26 apresenta os
aspectos positivos e negativos da aliança
mosaica. Se os israelitas obedecessem às
leis de Deus e continuassem fiéis a ele,
então Deus os abençoaria sobejamente na
terra prometida (26.1-13). Contudo, se
eles não obedecessem a Deus, as bênçãos
seriam substituídas por maldições, e
coisas terríveis acontece-riam com eles,
incluindo a perda da terra prometida
(26.14-39).

Entretanto, como já se mencionou


antes, a aliança de Deus com Abraão era
diferente, pois a validade da aliança e a
bênção recebida por meio dela não
dependiam da obediência à Lei.
Curiosamente, em Levítico 26.40-45,
Deus declara que depois da desobediência
de Israel, ou seja, da quebra da aliança
mosaica, alguns deles se arrependerão.
Então, Deus se lembraria de sua aliança com Abraão e os restauraria. Essa é a
história ampliada mais tarde nos Profetas.

Israel abandonará a aliança mosaica (as leis de Êxodo, Levítico, Números e


Deuteronômio) e se voltará para outros deuses. Depois de ter uma demanda
com eles e adverti-los durante séculos por meio dos profetas, o Senhor os
julgará por isso, e eles, de fato, perderão a terra prometida (i.e., serão
exilados para a Babilônia). Entretanto, de acordo com Levítico 26.40-45,
Deus os restaura e lhes promete uma restauração absoluta, muito maior, no
futuro — essa restauração incluirá os gentios (parte da aliança abraâmica, Gn
12.3).

✚ Levítico 26 é muito semelhante a Deuteronômio 28. Em ambas as passagens são


colocadas diante de Israel duas opções: obediência, resultando em bênçãos; desobediência,
resultando em maldições.

Ofertas de dedicação (27.1-34)

Levítico encerra-se com um capítulo sobre como realizar a dedicação de


objetos a Deus. Essa é a conclusão apropriada para a longa discussão de
Levítico sobre santidade, pois a essência da santidade consiste na dedicação e
devoção total a Deus. O capítulo enfatiza que as declarações rituais de
dedicação precisam ser sinceras, não hipócritas ou apenas para serem vistas.

Estritamente ligadas à discussão estão as orientações financeiras


específicas.

Aparentemente, na cultura do antigo Israel, como em nossa na atualidade,


o dinheiro era um problema crucial. Como se lidava com o dinheiro refletia a
sinceridade da devoção e dedicação da pessoa a Deus. Além do mais,
Levítico 27.26-33 mostra que algumas coisas não podem ser dedicadas a
Deus porque elas já lhe pertencem (os dízimos e os primogênitos)!
Como aplicar Levítico à nossa vida hoje

Em João 1.29, quando João Batista vê Jesus se aproximando, ele declara:


“Vejam! É o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!”. Só
conseguimos entender o que João estava dizendo por causa de Levítico. É

Levítico que nos ensina os conceitos de sacrifício e expiação substitutiva


que encontram aplicação última na crucificação de Cristo.

Além disso, o conceito de puro/impuro


e a questão da santidade são essenciais
para a vida cristã madura. Jesus mostra a
existência da distinção entre entender a
questão de pureza e impureza como mera
conduta ritual e entender a verdadeira
questão de tornar-se puro. Ele explica: “O
que entra pela boca não torna o homem
‘impuro’; mas o que sai de sua boca, isto
o torna ‘impuro’ […] Mas as coisas que
saem da boca vêm do coração” (Mt
15.11-18; Mc 7.1-23). Da mesma forma,
embora não sejamos salvos por meio das obras, não obstante somos
chamados a viver em santidade (1Pe 1.15,16). Os rituais de Levítico forçam
os israelitas a enxergar toda a vida em termos de pureza/impureza e
santo/profano. Podemos aprender com isso, pois os cristãos ocidentais
modernos têm a tendência de separar o “espiritual” do “secular”. Contudo,
temos o santo, o maravilhoso Deus habitando em nós, não no tabernáculo ou
no templo. Por isso, deveríamos estar ainda mais cientes da santidade e da
necessidade de vivermos em pureza e santidade do que os israelitas antigos
de Levítico. Uau, que desafio!
Nosso versículo favorito de Levítico

Não procurem vingança nem guardem rancor contra alguém do seu povo,
mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor. (19.18)
Números
O caminho mais longo para a terra prometida

ocê já teve a experiência de dar uma grande guinada na vida… um


V período em que aparentemente você não conseguia progredir em direção
ao objetivo principal? Números é um livro sobre desvios. Israel precisou
aprender sobre as realidades elementares da vida pelo caminho mais
doloroso. Quando o povo confiava em Deus e lhe obedecia com fidelidade, a
jornada ia bem, repleta de bênçãos. Mas, quando Israel se rebelava contra
Deus e se recusava a segui-lo, ele se perdia e ficava vagando sem rumo
através do deserto.

Em Números, os israelitas chegam até bem próximo da terra prometida.


Ela estava bem ali, aguardando por eles, repleta de bênçãos. Entretanto, os
israelitas se recusaram a obedecer a Deus e desperdiçaram a oportunidade de
entrar na terra da promessa.

Deus, portanto, permitiu que toda aquela geração morresse antes de


conduzir a geração seguinte a uma nova tentativa. O desvio foi desnecessário
e trágico; toda uma geração desperdiçou seu propósito de vida.

O título deste livro em hebraico é “No deserto”, baseado no primeiro


versículo do livro. O título é muito apropriado, pois explica por que a geração
salva no Êxodo passa a vida “no deserto” em vez de na terra prometida.
Quando o AT foi traduzido para o grego (a Septuaginta), os tradutores deram
o título Arithmoi ao livro, aparentemente enfatizando a importância que os
dados do censo, com seus muitos e muitos números, têm para o livro. A
tradução latina do nome, Numeri, e nossas versões bíblicas em português
seguiram essa tradição, intitulando o livro de Números.
Qual é o contexto de Números?

Em Êxodo, Deus liberta Israel da escravidão no Egito e o leva ao monte


Sinai, onde ele entra em um relacionamento com o povo por meio de uma
aliança e entrega a Lei e dá a ele instruções sobre a construção do
tabernáculo.

A presença de Deus, então, entra no tabernáculo, e Levítico, o livro


seguinte, explica como Israel deveria viver diante do Deus santo e
maravilhoso que habitava bem ali no meio deles. Números retoma a história
de Êxodo.

No início de Números, Israel ainda está no monte Sinai, no segundo mês


do segundo ano da jornada do Êxodo (1.1). O contexto dos acontecimentos
de Números é a jornada do monte Sinai até a terra prometida, apesar de os
israelitas seguirem o “desvio” mais longo.
✚ Em 1Coríntios 10.1-13, Paulo se refere de modo direto a muitos acontecimentos
negativos de Números e conclui: “Essas coisas aconteceram a eles como exemplos e foram
escritas como advertências para nós”.
Quais são os temas centrais de Números?

O livro de Êxodo descreve a libertação da escravidão; Números descreve a


jornada da bênção. É incrível que, quando Deus os traz à terra prometida, eles
dizem que não querem entrar na terra se for preciso empregar qualquer
esforço e fé para ocupá-la de fato. Quando rejeitaram entrar na terra
prometida, eles reclamaram bastante junto a Deus: “Desejávamos ter morrido
no deserto!”. Deus, basicamente, responde: “Tudo bem.

Voltem ao deserto e morram”. Então, Deus os conduz de volta ao deserto


para deixar a geração rebelde morrer. Em seguida, ele toma a geração
seguinte “mais obediente” e lhe oferece a terra. O contraste entre a geração
velha, desobediente, e a geração nova e obediente é enorme, por isso
identificar a transição da desobediência para a obediência nos ajuda a
compreender melhor o livro. Ele contém dois grandes registros do censo
(repleto de números), um em Números 1 e outro em Números 26. Os dois
registros do censo identificam e introduzem as duas gerações diferentes.

Assim, Números 1—25 fala da velha geração desobediente, caracterizada


por murmuração, dúvida, rebeldia e morte.

Números 26—36, porém, é bastante diferente. Os temas que descrevem


essa geração são fé, esperança e vida.

Entretanto, em todo o livro há sinais de que Deus ainda cuida do povo e


permanece fiel ao propósito final da aliança abraâmica. Por exemplo, quando
Balaão tenta amaldiçoar Israel, Deus intervém e o proíbe (Nm 22—25).

Enquanto isso, em todo o livro, o povo também peregrina e encontra pelo


caminho nações hostis. Deus também participa da jornada com os israelitas,
complementando as leis de Êxodo e Levítico. Ele os exorta a confiar nele
para livrá-los dos inimigos que se lhes
opõem na peregrinação.

Outra característica de Números


incorporada na história da peregrinação é
a extensa narrativa e o esforço dedicado
para organizar os israelitas o suficiente
para que pudessem seguir adiante de
maneira eficiente. A enorme quantidade
de pessoas relatada no censo mostra
enfaticamente o caráter gigantesco da
tarefa de organização do caos das 12
tribos em um povo unido, com o
funcionamento harmonioso do sistema de
culto e do sistema judicial. Assim
constituído, o povo poderia viajar pelo
deserto de maneira organizada, mantendo
a atenção voltada à centralidade da
presença de Deus no tabernáculo.

Números é composto de diversos tipos


diferentes de literatura; existem histórias
narrativas, poemas, cânticos, registros de
censos, leis, cartas e itinerários de
viagem. Porém, tudo isso se junta para
contar a história de como Deus leva os
rebeldes israelitas do monte Sinai à terra
prometida.

Não há consenso entre os estudiosos


sobre a divisão do livro de Números, mas o seguinte esboço é uma maneira
prática de compreender a história:

■ A geração desobediente (1.1—25.18)

– Início promissor: Deus organiza Israel (1.1—10.10)

– Israel faz o inimaginável — rejeita a terra prometida (10.11—14.45)

– Israel vagueia pelo deserto (15.1—22.1)

– Encontro com Balaão e Moabe: Deus ainda protege seu povo (22.2—
25.18)

■ A geração obediente (26.1—36.13)

– Transição de gerações — o censo, as filhas, os líderes (26.1—27.23)

– Lembretes sobre o culto, a santidade e a fidelidade (28.1—30.16)

– Conclusão do desafio de Baalão (31.1-54)

– Preparo para a entrada na terra (32.1—36.13)


Quais são os aspectos interessantes e singulares de Números?

• Números contém a famosa bênção “O Senhor te abençoe e te guarde; o


Senhor faça resplandecer o seu rosto sobre ti e te conceda graça” (6.24—26).

• Moisés casa-se com uma mulher de Cuxe, uma nação africana situada ao
sul do Egito.

• Os israelitas rejeitam a terra prometida e, por isso, vagueiam pelo deserto


durante quarenta anos.

• A jumenta de Balaão fala com ele.

• Moisés destrói os midianitas (parentes dos seus antigos sogros?).


Qual é a mensagem de Números?

A geração desobediente (1.1—25.18)

Início promissor: Deus organiza Israel (1.1—10.10)


O livro de Números começa bem. Deus organiza as tribos de Israel para
que elas pudessem seguir viagem e estar preparadas para o combate. Em
Números 1, Deus instrui Moisés a fazer o censo de todos os homens aptos
para o serviço militar. Depois, Deus organiza as tribos em torno do
tabernáculo, colocando três tribos em cada lado do tabernáculo e os levitas no
centro (2.1-34). Eles deveriam seguir viagem e acampar desse modo, estando
preparados para o combate, mas organizados em torno da presença de Deus
no tabernáculo, que deveria constituir o centro. Em seguida, Deus organiza os
levitas (a tribo sacerdotal), atribuindo a clãs familiares específicos dessa tribo
diversas tarefas necessárias para cuidar do tabernáculo sagrado, desmontá-lo
e carregá-lo (3.1—4.49). Ele estava muito interessado nos conceitos de
santidade e pureza, e em todo o livro de Números (como em Levítico)
concede a Israel diversas regras para auxiliar o povo a se manter puro.
Números 5 trata da questão do adultério e como determinar se alguém
acusado de adultério era culpado — fidelidade ao relacionamento íntimo do
casamento é importante para Deus. Este capítulo é irônico, e talvez uma
antecipação de acontecimentos futuros, pois mais tarde os profetas
compararão a infidelidade de Israel a Deus com o adultério de um cônjuge
infiel.

Números 6 descreve como um homem ou uma mulher podem fazer um


voto especial de nazireu para se dedicar individualmente a Deus. Por isso,
não são só os levitas podiam servir a Deus de maneira especial.

✚ As orientações sobre o voto do nazireu são explicadas em Números 6. Em Juízes 13,


Deus manda a mãe de Sansão criá-lo como nazireu, com o significado de que ele deveria viver
de acordo com essas orientações.

Lembre-se de que em Êxodo 25 a 40 Deus deu instruções sobre a


construção do tabernáculo. Em Números 7.1, Moisés completou a construção,
e o restante do capítulo descreveu então cada tribo vindo ao tabernáculo para
trazer a oferta para a dedicação a Deus.

Em Números 8, os sacerdotes de origem levita são purificados


cerimonialmente e separados para o serviço no tabernáculo. Então, Deus
instrui os israelitas a celebrar a Páscoa, em memória de sua maravilhosa
libertação do Egito (9.1-14). Como em Êxodo 13—14, quando Deus os
estava guiando e protegendo, uma forte presença cobria o tabernáculo,
aparecendo uma nuvem durante o dia e uma coluna de fogo à noite — para
destacar a santa presença de Deus. Esse é um tempo muito especial para
Israel.
O tabernáculo foi construído e preenchido com a gloriosa presença de
Deus. Seu sistema de adoração era bem organizado, tendo os levitas para
conduzi-los. Em Números 10, eles levantam acampamento e partem do Sinai
em direção à terra prometida!

Israel faz o inimaginável — rejeita a terra prometida (10.11—14.45)

Entretanto, uma vez estando a caminho, as coisas começam a não dar


certo. Em Números 11, o povo murmura e reclama do o maná que Deus lhes
dava para comer (cf. Êx 16). Deus lhes dá codornas para comer, a fim de
terem a carne tão desejada; contudo, a reclamação e o desprezo deles para
com a provisão do maná provocam a ira de Deus. Números 11 descreve a
revolta do povo contra Moisés, e Números 12, a revolta de seus assistentes
mais próximos, Arão e Miriã. Números 12.1 explica que Moisés tinha se
casado com uma cuxita (provavelmente uma mulher da “grande multidão de
estrangeiros” que saiu do Egito com os israelitas; Êx 12.38), e Arão e Miriã
reclamam contra ele por causa disso, aparentemente desafiando sua liderança.
Deus responde com fúria, e Miriã é ferida de lepra até que Moisés intervenha.

Quem eram os cuxitas?

Números 12.1 declara que Moisés casou-se com uma mulher de


Cuxe. É relevante perguntar: “Quem eram os cuxitas?”. Da mesma
forma, é importante perguntar se o casamento dele com uma cuxita
tem algum significado especial. Na verdade, a palavra hebraica Cuxe
ou cuxita aparece 54 vezes no AT, indicando que os cuxitas não
eram um grupo obscuro no período do AT, mas um grupo com um
papel significativo na vida de Israel.

As traduções em português variam na maneira de traduzir a


palavra hebraica Cuxe. Os gregos chamavam todo o território ao sul
do Egito de “Etiópia”, por isso algumas traduções em português
traduzem a palavra hebraica Cuxe por “Etiópia”. Isso é um tanto
equivocado, porque o país moderno da Etiópia não fica no mesmo
lugar que o reino antigo de Cuxe; aquele fica mais a sudeste. Alguns
tradutores preferem o termo “Núbia”, um termo latino posterior para
se referir à região.

O reino de Cuxe fica ao sul do Egito, beirando a parte “sinuosa”


do rio Nilo onde hoje fica o Sudão.

Desde antes de 2000 a.C. a 350 d.C., era uma entidade


identificável. Cuxe era famoso pelas minas de ouro e pelos soldados
mercenários. Por causa das minas de ouro, durante todo o período do
AT os egípcios deram prioridade total à preservação de Cuxe como
parte do império. Na maior parte do tempo, o Egito dominou os
cuxitas, mas em torno do fim do século VIII a.C. os cuxitas tomaram
o Egito e, na verdade, dominaram o Egito por um tempo (v. Is 37.9 e
2Rs 19.9 sobre a interação cuxita com Israel/ Judá nesse período).
Depois de vários confrontos, por fim, os assírios derrotaram os
cuxitas, terminando assim o período da dominação cuxita sobre o
Egito (e do status deles como poder mundial e principal protagonista
geopolítico da região). Ebede-Meleque, o cuxita que resgatou
Jeremias, provavelmente era um mercenário do exército egípcio.

No tempo de Moisés, os egípcios controlaram Cuxe, e


provavelmente havia milhares de cuxitas em vários ofícios
espalhados por todo o Egito. É possível que a mulher cuxita casada
com Moisés tenha sido uma dentre a “multidão de povos”,
mencionada em Êxodo 12.38, que deixou o Egito junto com os
israelitas.
Por causa do estreito relacionamento com os egípcios, os cuxitas
aparecem muitas vezes na arte do antigo Egito (monumentos de
pedra e lápides). Essas representações dos cuxitas os retratam como
negros africanos. Por isso, é quase certo que em Números 12.1
Moisés tenha se casado com uma mulher africana negra.

Esses dois episódios negativos na introdução do relato da jornada à terra


prometida talvez sirvam como preparação do leitor para o relato da rebeldia
dos israelitas quando chegarem lá. No entanto, a reação deles em relação à
terra é um tanto assustadora. Moisés enviou 12 homens para Canaã a fim de
espiar a terra (13.1-20). Eles voltam e relatam que a terra era realmente farta
em “leite e mel” e repleta de frutos. Entretanto, dez dos espias dão um
relatório negativo e dizem que os cananeus eram muito fortes e os israelitas
não tinham nenhuma possibilidade de derrotá-los (13.21-33). Somente
Calebe e Josué insistem com os israelitas para confiar em Deus e atacar os
cananeus. Em Números 14, o inimaginável acontece. Os israelitas se rebelam
contra Moisés e se recusam a entrar na terra prometida! Isso deixa Deus
furioso e, como em Êxodo 32, se não fosse pela intervenção de Moisés, Deus
teria destruído a nação. No fim, Deus decreta que toda aquela geração rebelde
voltaria ao deserto para ali morrer; somente Calebe e Josué serão realmente
abençoados com a entrada na terra prometida.

Feitiçaria e adivinhação no antigo Oriente Médio

Números 22.1-7 indica que Baalão era um “adivinho” ou


“feiticeiro” que vivia na Mesopotâmia. As palavras “feitiçaria” e
“adivinhação” são termos abrangentes para se referir a uma ampla
variedade de práticas relacionadas à magia — comuns em todo o
Oriente Médio, no período bíblico. Normalmente, essas práticas
envolviam o uso de várias técnicas de comunicação com forças
sobrenaturais, por exemplo, deuses, demônios ou outros seres
espirituais, para determinar o futuro, afastar o mal, mudar algo para
melhor (bênçãos), ou mudar algo para pior (maldições). Os
arqueólogos descobriram milhares de textos antigos do Egito, Assíria
e Babilônia que contêm relatos, receitas ou encantamentos usados
por esses feiticeiros/adivinhos profissionais. Diversas técnicas de
adivinhação eram comuns em toda a região: astrologia; observação
do padrão formado pelas gotas de óleo pingadas em um balde de
água; observação das entranhas dos animais sacrificados, em especial
do fígado; e a observação do padrão do voo das aves.

Era normal a presença de feiticeiros/adivinhos profissionais


treinados na maioria das cortes reais da Mesopotâmia e do Egito
(lembre-se dos magos que confrontaram Moisés na corte do faraó).

Como no caso de Balaão, parece que, às vezes, eles também


podiam ser contratados por outros. Esses indivíduos formavam uma
classe influente na maioria das sociedades do antigo Oriente Médio.

Em Deuteronômio, Deus proíbe com rigor esse tipo de


adivinhação e feitiçaria. Deuteronômio 18.9- -14 apresenta uma lista
extensa de diversas práticas semelhantes proibidas aos israelitas.
Esses métodos são descritos como repugnantes ao Senhor (v. Dt
18.12). Na passagem seguinte (Dt 18.15-22), Deus explica que ele
não será invocado mediante adivinhação, mas por meio dos
verdadeiros profetas que ele mesmo escolheria.

A prática de adivinhação e feitiçaria continuou no período do NT.


Em Atos 8.9-25, Pedro encontra um feiticeiro poderoso chamado
Simão, o Mago.
No início das viagens missionárias de Paulo, ele encontrou um
feiticeiro judeu na ilha de Chipre (At 13.6,7).

Outras práticas de adivinhação, feitiçaria e magia são mencionadas


em diversas passagens do NT (At 16.16; 19.19; Ap 9.21; 18.23; 21.8;
22.15).

Israel vagueia pelo deserto (15.1—22.1)

Ironicamente, enquanto Israel voltava ao deserto, Deus continuava dando a


Moisés instruções para estabelecer o culto apropriado, quando o povo
chegasse por fim à terra prometida (15.1-41). Porém, em Números 16 uma
forte rebelião se levanta contra Moisés, e Deus a sufoca matando 250 líderes
da oposição e, depois, envia uma praga contra os seus seguidores, matando
outras 14.700 pessoas. Números 17—21 descreve diversos acontecimentos
ocorridos durante a peregrinação de Israel pelo deserto. Deus continuou
definindo a função dos sacerdotes (18.1—19.22).

Em Números 20, até Moisés tropeça e é repreendido por Deus.


O tempo passa e os anos se vão. Em Números 20.28, Arão morre,
indicando, talvez, o fim da geração rebelde. Moisés leva o povo em direção a
Canaã, a terra prometida, e Deus prepara os israelitas para derrotar qualquer
inimigo que tentasse impedi-los, incluindo os poderosos amorreus (21.1-35).

Encontro com Balaão e Moabe: Deus aind protege seu povo (22.2—25.18)
A história de Balaão (Nm 22—25; 31) é uma das mais fascinantes de toda a
Bíblia.

Depois de os israelitas derrotarem os amorreus (Nm 21), os moabitas e os


midianitas percebem que eles provavelmente serão os próximos a ser
atacados. Convencidos de que não conseguirão derrotar Israel com força
militar normal, o rei de Moabe oferece uma grande quantia de dinheiro a um
famoso e influente feiticeiro, chamado Balaão, para ele amaldiçoar Israel.
Porém, este recorda a bênção de Deus sobre Abraão em Gênesis 12.3:
“Abençoarei os que o abençoarem e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem”.

✚ O NT menciona Balaão três vezes de uma forma muito negativa (2Pe 2.15; Jd 11; Ap
2.14)

Balaão está para se colocar contra essa promessa de Deus.

Apesar de advertido uma vez por Deus de não amaldiçoar Israel, Balaão
decide ir mesmo assim a Moabe. Quando estava a caminho (aparentemente
para amaldiçoar Israel; por que outra razão ele iria?), ele se encontra com um
anjo do Senhor armado com uma espada e lhe obstruindo o caminho.

Balaão não consegue ver o anjo, mas a jumenta de Balaão consegue e tenta
se desviar três vezes. Balaão açoita a jumenta todas as vezes, até que por fim
a jumenta se vira e fala com Balaão, perguntando a ele o que fazia para
merecer o açoite (22.23-30). Curiosamente, Balaão repreende a jumenta e a
ameaça com fúria! Então, o anjo se manifesta a Balaão e explica que a
jumenta na verdade lhe salvou a vida. O anjo deixa Balaão prosseguir para
Moabe, mas com a advertência rigorosa de falar apenas o que o anjo o
mandasse dizer (22.35). A ironia desse episódio engraçado é que Balaão, o
mais famoso e influente “adivinho” ou “médium” do mundo antigo, não
consegue ver o anjo ameaçador à sua frente, mas sua jumenta ignorante
consegue.

A jumenta tem bom senso e percepção suficientes para saber que não era
certo seguir por aquele caminho. Entretanto, Balaão provavelmente desejando
a grande recompensa oferecida a ele pelo rei de Moabe, segue adiante.

No fim, isso levará à morte do próprio Balaão (31.8).


Balaão chega a Moabe, para alegria do rei Balaque, e tenta amaldiçoar
Israel, mas, em vez disso, abençoa a nação (23.1-12). Pela insistência de
Balaque, Balaão tenta mais uma vez amaldiçoar Israel, mas outra vez só
profere bênçãos (23.13-26). Por fim, para irritação de Balaque, Balaão
abandona qualquer tentativa de amaldiçoar Israel e simplesmente o abençoa
(24.1-9), terminando seu oráculo com uma citação de Gênesis 12.3: “Sejam
abençoados os que os abençoarem, e amaldiçoados os que os amaldiçoarem”
(24.9). Então, Balaão profere dois outros oráculos de bênção a Israel (24.15-
25).

Contudo, Balaão percebe que seus clientes, os moabitas e os midianitas,


não conseguem derrotar Israel nem militarmente nem por meio de feitiçaria.
Então, ele maquina um esquema para corromper os israelitas em sentido
moral e teológico (v. Nm 31.8,16 sobre o envolvimento de Balaão nesse
plano), para que o próprio Deus os destruísse. Números 25 descreve essa
tentativa dos moabitas de usar a imoralidade sexual para seduzir Israel a
participar da adoração a Baal. Esse era o deus da fertilidade, e a adoração a
Baal envolvia a prática de imoralidades sexuais. Um sacerdote israelita
chamado Fineias, entretanto, intervém com fervor matando um dos israelitas
que estavam participando abertamente dessa imoralidade. Deus, então, manda
uma praga contra o restante dos participantes matando 24 mil deles. Balaão é
quase bem-sucedido. Ele percebe que não consegue derrotar Israel atacando-o
diretamente nem amaldiçoando-o, então tenta pervertê-lo em seguir a Deus,
deixando que Deus o destruísse. Felizmente, o plano de Balaão fracassa.
A geração obediente (26.1—36.13)

Transição de gerações — o censo, as filhas, os líderes (26.1—27.23)

Em Números 26, a história muda à medida que a nova geração chega à


idade adulta. Um novo censo é realizado (26.1-65).

Filhas fiéis são reconhecidas e recebem sua herança (27.1-11), e Josué é


nomeado sucessor de Moisés (27.12-23).
Lembretes sobre o culto, a santidade e a fidelidade (28.1—30.16)

Esses capítulos voltam a enfatizar a adoração fiel de Israel a Deus na terra


prometida. Aspectos importantes da adoração são recapitulados: as ofertas do
sábado, a Páscoa, as várias festas, o Dia da Expiação e os votos especiais.

Conclusão do desafio de Balão (31.1-54)

À medida que a nova geração chega à maturidade, ela limpa um pouco a


sujeira anterior, e em 31.1-54 os israelitas destroem os midianitas/moabitas
que tentaram seduzir Israel a se desviar de Deus por meio da imoralidade
sexual e da adoração pagã a Baal. O próprio Balaão é morto (31.8). Os
israelitas capturam uma quantidade enorme de despojos, incluindo um grande
número de cabeças de gado e grande quantidade de ouro, trazida para o
tabernáculo em dedicação a Deus.
Preparo para a entrada na terra (32.1—36.13)

✚ Em Números 31, Moisés e os israelitas destroem os midianitas. Ironicamente, depois de


fugir do faraó, Moisés havia se estabelecido entre os Midianitas e até se casaram com um deles
(Êx 2: 15-22).

Os capítulos finais apresentam uma recapitulação da peregrinação de Israel


(33.1-56) e, depois, descrevem as fronteiras da terra. Em Números 32,
Moisés deixa as tribos de Gade e Rúbem permanecer a leste do Jordão,
contanto que eles concordassem em mandar soldados para o outro lado do
Jordão com o restante do exército israelita para ajudá-los na conquista da
terra. As fronteiras da terra prometida são descritas em Números 34. Em
35.1-34, são designadas cidades para os levitas (que serviam a Deus no
tabernáculo e, por isso, não tinham parte na terra), assim como as cidades de
refúgio, para onde as pessoas que matassem alguém acidentalmente poderiam
fugir para se protegerem.
O último capítulo volta às filhas mencionadas em 27.1-11. O pai delas (da
geração anterior) tinha morrido sem deixar nenhum filho para receber a sua
herança. Números 36 reafirma que essas filhas deveriam receber a herança do
pai, mas somente se casassem com alguém dentro da tribo. Essa regra tinha a
intenção de manter a terra dentro da família.

Os israelitas estão à margem leste do rio Jordão preparados e prontos para


atravessá-lo e ocupar a terra. Entretanto, Deus tem algumas outras coisas a
lhes dizer e tem um acordo a fazer com Israel a respeito de fidelidade. Isso
será tratado no livro de Deuteronômio, que Deus agora passa a Israel por
meio de Moisés, traçando os termos pelos quais Israel poderá viver na terra
prometida e ser abençoado por Deus.
Como aplicar Números à nossa vida hoje

Números nos apresenta uma figura sóbria de como a rebeldia contra Deus
pode colocar alguém em uma rota prejudicial por toda a vida. As
consequências podem ser desastrosas e, sem o arrependimento, as pessoas
podem passar o restante da vida patinando no deserto e indo a lugar nenhum.
Felizmente, a Bíblia nos diz que, se nos arrependermos e voltarmos para
Deus, então ele nos restaurará e nos trará de volta à comunhão.

Mas, como Paulo nos adverte em 1Coríntios 10.1-13, Cristo nos chama à
obediência, não à rebeldia e desobediência.

Outra aplicação vem do episódio de Balaão. É difícil ler o episódio da


conversa de Balaão com a jumenta e não concluir que Deus tem senso de
humor. Um dos objetivos do estudo do AT é conhecer melhor a Deus.

Em Êxodo, Levítico e Números, vimos sua santidade e poder. Também


vislumbramos seu zelo e sua insistência para que seu povo adore somente a
ele. Pode-se perceber muito bem sua graça, pois ele salva repetidamente seu
povo e lhes dá uma nova chance. Mas a história de Balaão também nos
oferece uma percepção sobre outro aspecto do caráter de Deus — seu senso
de humor divertido e seu prazer em ironias.
Nossos versículos favoritos de Números

O Senhor te abençoe e te guarde; o Senhor faça resplandecer o seu rosto


sobre ti e te conceda graça; o Senhor volte para ti o seu rosto e te dê paz.
(6.24-26)
Deuteronômio
O acordo entre Deus e Israel

uando foi a última vez que você as-sinou um contrato ou fez um acordo
Q formal com alguém? Talvez você tenha comprado uma casa e assinado
um contrato para a transferência da propriedade. Uau! Você se lembra da
quantidade de papéis que teve de assinar? Ou, talvez, você tenha se casado
recentemente. A cerimônia do casamento e os votos que você assumiu
formalizaram o relacionamento entre você e seu cônjuge, estabelecendo as
exigências de fidelidade de cada um de vocês (amar e respeitar, honrar e
sustentar, na saúde e na enfermidade, na pobreza e na abundância etc.).

Em poucas palavras, o livro de Deuteronômio é um contrato entre Deus e


Israel. Ele define os termos pelos quais Israel deverá se submeter na terra
prometida, com Deus vivendo em seu meio e sendo abençoado por ele.
Qual é o contexto de Deuteronômio?

Em Deuteronômio 17.18, há uma cláusula que prevê que todo novo rei de
Israel deve mandar fazer um rolo com uma “cópia da Lei”. Na Septuaginta (a
tradução grega do AT), essa frase é traduzida por deuteronomion, que
literalmente significa “a segunda Lei”. A Septuaginta, então, usou essa
palavra como título do livro; por isso, nossas versões em português seguiram
essa tradição traduzindo o título por Deuteronômio.

O livro de Deuteronômio não é exatamente uma “segunda Lei”, mas uma


reiteração formalizada da Lei dada a Moisés no monte Sinai. Na verdade, boa
parte de Êxodo 20—23 é reproduzida em Deuteronômio, muitas vezes com
acréscimos e explicações.

Em Êxodo, Deus liberta o povo do Egito e o conduz em direção à terra


prometida a Abraão, seu antepassado. Deus também estabelece um
relacionamento com ele mediante uma aliança, definida pela fórmula tríplice:
“Eu serei o seu Deus; vocês serão o meu povo; eu habitarei no meio de
vocês”.

A maior parte da segunda metade de Êxodo trata da construção do


tabernáculo, o lugar em que Deus habitaria no meio dos israelitas. O livro
seguinte, Levítico, descreve como os israelitas deveriam viver com o Deus
santo e assombroso presente no meio deles (i.e., como se aproximar dele, ter
comunhão com ele, tratar do pecado que os separava dele etc.). O livro de
Números vem em seguida e relata a inimaginável história de como os
israelitas rejeitaram a terra prometida. Por causa disso, Deus envia toda a
geração de volta para o deserto para vaguear durante quarenta anos até a
morte. Agora, no início de Deuteronômio, os israelitas estão de volta à
entrada da terra prometida.
Eles estão acampados nas campinas de Moabe, preparados para atravessar
o Jordão e conquistar a terra prometida. Nesse estágio crucial da história de
Israel, Deus inspira Moisés para proferir vários discursos aos israelitas, em
essência para renovar o relacionamento da aliança com Deus e definir os
termos pelos quais eles poderão viver na terra prometida com Deus e ser
abençoados por ele. Então, Deuteronômio é apresentado à nova geração dos
israelitas preparados e prontos para entrar na terra prometida.
Quais são os temas centrais de Deuteronômio?

Deuteronômio é dado quando Israel está prestes a entrar na terra prometida


a Abraão, seu antepassado. É uma oferta graciosa de Deus, baseada em seu
profundo amor ao povo. Contudo, Deus é bastante específico sobre como o
povo se relacionará com ele e, em decorrência, como receberá bênçãos
sobejantes baseadas em seu relacionamento. Ele expressa com muita clareza
que ele (como criador, sustentador e rei) dita os termos do relacionamento.

✚ Dois elementos centrais que dirigem a história do AT são as aliança abraâmico (Gn
12.15;17) e o livro de Deuteronômio

Deus também não deixa dúvidas sobre como os israelitas devem se


relacionar uns com os outros na comunidade. Se guardarem esses termos (as
leis de Deuteronômio), então sobejantes bênçãos virão sobre eles. Contudo,
Deus os adverte categoricamente de que se eles descumprirem e
desobedecerem aos termos contidos em Deuteronômio, abandonando o
relacionamento da aliança com Deus, então consequências terríveis virão,
incluindo a perda da terra prometida (Dt 28).

O formato de Deuteronômio segue o padrão de tratados usados de forma


comum no mundo antigo (v. o quadro sobre os Tratados hititas da p. 109).

Assim, Deus apresenta o livro de Deuteronômio sob uma forma literária e


legal com a qual os israelitas estavam acostumados. Contudo, esse material
também é apresentado por meio de uma série de três discursos principais
proferidos por Moisés a Israel, seguidos de um pós-escrito sobre a morte de
Moisés e a transição da liderança para Josué. Uma introdução para cada um
dos três principais discursos marca seu início (1.1; 4.44; 29.1). Juntando a
divisão dos três principais discursos aos elementos temáticos sob a forma de
uma aliança formalizada (como em outros tratados antigos), o resultado é o
seguinte esboço de Deuteronômio:

■ O primeiro discurso de Moisés: recapitulação do relacionamento recente


entre Deus e Israel (1.1—4.43)

– Introdução (1.1-18)

– O período no deserto

— vitórias e fracassos (1.19—3.29)

– Lições da história (4.1-43)

■ O segundo discurso de Moisés: os termos da aliança (como Israel deverá


viver na terra) (4.44—28.68)

– Introdução (4.44-49)

– Os princípios básicos da aliança (5.1—11.32)

– Princípios específicos e detalhes da aliança (12.1—26.19)

– Bênçãos e maldições (27.1—28.68)

■ O último discurso de Moisés: compromisso renovado com as leis da


aliança (29.1—30.20)

■ Pós-escrito: a guarda da aliança na transição da liderança de Moisés a


Josué (31.1—34.12)
✚ Na Bíblia hebraica, os títulos de cada livro da Torá (o Pentateuco) são retirados das
palavras de abertura do livro. Assim na Bíblia hebraica o livro de Deuteronômio tem o direito
“estas são as palavras” (1.1).
Quais são os aspectos interessantes e singulares de
Deuteronômio?

• Deuteronômio é um dos livros do AT mais citados com mais frequência


no NT.

• Deuteronômio contém os Dez Mandamentos.

• Muitos consideram Deuteronômio a “batida do coração do AT”.

• A teologia de Deuteronômio é uma das principais forças propulsoras da


história do AT.

• Os profetas dependem profundamente de Deuteronômio.

• Deuteronômio enfatiza a importância de adorar só a Deus.

• Deuteronômio exige que o povo de Deus ame e cuide de todas as pessoas


da comunidade, principalmente dos que não conseguem cuidar de si mesmos.

• A palavra “hoje” ocorre mais de mil vezes em Deuteronômio.


✚ ✚ Em boa parte do resto do AT, o centro, A questão subjacente que conduz a história é:
“Israel obedecerá ao livro de Deuteronômio e ser abençoado, ou ela vai desobedecer e ser
amaldiçoado

Tratados hititas e a estrutura de Deuteronômio

Joe M. Sprinkle

George Mendenhall (em “Law and Covenant in Israel and the


Ancient Near East” [Lei e aliança em Israel e no antigo Oriente
Médio], The Biblical Archeologist 17.2 [May 1954]: 49-76)
observou que a aliança de Deus com Israel é muito parecida com os
tratados dos hititas entre suseranos (monarcas) e vassalos. Com base
nisso, o estudioso evangélico Meredith Kline foi além,
argumentando que o livro de Deuteronômio como um todo é
estruturado de acordo com esse padrão. Ele demonstrou como
Deuteronômio se assemelha aos principais elementos do padrão do
tratado de suserania hitita do segundo milênio antes de Cristo (Kline,
M. Treaty of the Great King [Tratado do grande rei].
Grand Rapids: Eerdmans, 1963). De acordo com essa analogia, a
“Lei” possui a mesma posição que as “estipulações” de um tratado.
Essas comparações com os tratados hititas e outros tratados do
segundo milênio apoiam a data antiga e a autenticidade de
Deuteronômio. Apesar de os estudos liberais terem procurado
paralelos nos tratados do primeiro milênio, os melhores paralelos
ainda são com os tratados do segundo milênio. Assim, a estrutura de
Deuteronômio serve de evidência de sua data antiga e evidência
contra os argumentos que procuram datar Deuteronômio no século
VII a.C.

O paralelo entre os tratados hititas e Deuteronômio oferece uma


compreensão do relacionamento entre a Lei e a aliança: Deus, como
um suserano, é o grande rei e iniciador da aliança. Os israelitas,
como os vassalos dos tratados hititas, são subalternos no
relacionamento e simplesmente recebem a oferta. Além do mais, as
leis de Deus, como as estipulações dos tratados, regulamentam o
relacionamento somente depois de ele já ter sido estabelecido.
Guardar as estipulações dos tratados não estabelecia um
relacionamento entre os hititas e os vassalos; antes, o relacionamento
era estabelecido primeiro por aceitação ao tratado; só depois vinha a
obrigação de guardar as estipulações.

De modo semelhante, a obediência à Lei não estabeleceu o


relacionamento de Israel com Deus; a aliança, sim. Então, a aliança
tem caráter mais básico que a Lei, uma vez que a aliança estabelece
um relacionamento, não a observação das leis. Mesmo sob a aliança
mosaica, o relacionamento com Deus estava baseado na oferta divina
e graciosa de um relacionamento por meio de aliança, não sob a
condição de Israel guardar primeiro a Lei.
Qual é a mensagem de Deuteronômio?

O primeiro discurso de Moisés: recapitulação do relacionamento


recente entre Deus e Israel (1.1—4.43)

Introdução (1.1-18)

Deuteronômio 1.1-4 liga o livro de


Deuteronômio a um contexto histórico
bastante específico. O povo de Israel está
a leste do rio Jordão se preparando para
entrar na terra prometida. A data também
é explícita — quarenta anos e onze meses
depois do Êxodo. Em 1.6-8, Deus
reafirma ter concedido a Israel essa terra
segundo a promessa a seus antepassados
Abraão, Isaque e Jacó. Portanto, Deus
declara, chegou a hora de entrar na terra e
possuí-la. O tempo de peregrinação no
deserto acabou. Deuteronômio 1.9-18
descreve a designação dos líderes sobre
Israel, mas o ponto principal parece o
crescimento espantoso da população de
Israel (“vocês são tão numerosos quanto
as estrelas do céu”). Assim, há várias
ligações com a aliança abraâmica (a terra,
1.8; numerosos descendentes, 1.10;
bênção, 1.11), indicando mais uma vez
que a dádiva da terra prometida foi o cumprimento da promessa graciosa feita
a Abraão em Gênesis (12; 15; 17).
O período no deserto — vitórias e fracassos (1.19—3.29)

Moisés agora lembra o povo dos tempos recentes no deserto. Primeiro ele
descreve a terrível rebelião quando os israelitas se recusaram a entrar e
possuir a terra prometida (originariamente descrita em Nm 13 — 14). Como
consequência, os israelitas foram mandados ao deserto para vaguear durante
mais 38 anos, ou até a morte de toda a geração rebelde (2.14,15). Mas Deus
também lhes deu vitórias dramáticas no deserto, de modo especial em tempos
recentes quando começaram a caminhar novamente em direção à terra
prometida. Em 2.16—3.11, Moisés chama a atenção para essas vitórias
recentes, de forma destacada à vitória sobre Seom, o amorreu, e Ogue, rei de
Basã (descrita em Nm 21.21-35), que deu a Israel o controle total da região a
leste do rio Jordão. Moisés quis lembrar Israel de que Deus poderia capacitá-
lo para a vitória sobre inimigos poderosos; assim, ele não deveria temer
entrar em Canaã e lutar contra os cananeus. Moisés, então, recapitula a
distribuição da terra a leste do Jordão, entregando-a em herança às tribos de
Rúben e Gade, mas insistindo que eles ainda ajudassem seus irmãos a
conquistar Canaã a oeste do Jordão (3.12-20). Em seguida, Moisés menciona
com pesar que Deus o deixou ver a terra prometida, mas ele não poderá de
fato entrar nela (por causa do ato de desobediência de Nm 20.1-12; v. tb. Dt
32.48-52). Assim, Josué os conduziria à terra prometida (3.21-29).

Lições da história (4.1-43)

Em seguida, Moisés destaca os princípios importantes que Israel deveria


aprender da sua história. Moisés os exorta a seguir as leis dadas por Deus, a
obedecer aos mandamentos e ensiná-los a seus filhos (4.1-14). Moisés alerta
que nunca no passado da nação Deus se revelou sob a forma de ídolo.
Portanto, ele diz a Israel para evitar com zelo a idolatria, pois ela fere o cerne
da aliança (4.15-31). Moisés, então, resume a lição central que Israel deveria
aprender de sua história: “E porque amou os seus antepassados e escolheu a
descendência deles, ele foi pessoalmente tirá-los do Egito com o seu grande
poder, para expulsar de diante de vocês nações maiores e mais fortes, a fim
de fazê-los entrar e possuir como herança a terra delas, como hoje se vê”.
Moisés os exorta a reconhecer o poder de Deus e adorar somente a ele;
guardando os mandamentos que ele dava (i.e., Deuteronômio), eles (e seus
descendentes) serão abençoados na terra (4.37-40).
O segundo discurso de Moisés: os termos da aliança (como Israel
deverá viver na terra) (4.44—28.68)

Introdução (4.44-49)

Esses breves versículos introduzem a seção maior que se segue, referindo-


se a essa seção como “os mandamentos, os decretos e as ordenanças que
Moisés pro-mulgou como leis para os israelitas quando saíram do Egito”.
Esses versículos também relatam de novo o contexto das vitórias militares
recentes sobre os reis Seom e Ogue, que controlavam a área a leste do Jordão.

Os princípios básicos da aliança (5.1—11.32)

Enquanto Moisés apresenta as principais leis da aliança (os Dez


Mandamentos), ele ressalta aos israelitas que a aliança não foi feita apenas
com seus antepassados, mas, sobretudo, uma aliança com eles (5.1-5).

Em seguida, Deus se identifica como o Deus que os salvou (“Eu sou o


Senhor, o teu Deus, que te tirei do Egito, da terra da escravidão”),
estabelecendo com clareza o relacionamento com eles. Ele os lembra do
encontro no monte Sinai (Êx 19 — 20), quando os israelitas receberam os
Dez Mandamentos pela primeira vez. Então, Deus reapresenta os Dez
Mandamentos, as leis que resumem os elementos mais básicos da aliança e
como Deus espera que eles vivam. O primeiro mandamento (“Não terás
outros deuses além de mim”) é o ponto de partida crucial, pois Deus insiste
na fidelidade e lealdade absolutas a ele. Os Dez Mandamentos, apresentados
em Deuteronômio 5.6-21, são quase idênticos à apresentação de Êxodo 20.1-
17. Os primeiros quatro mandamentos tratam de como o povo deve se
relacionar com Deus, e os seis restantes tratam de como eles deveriam se
relacionar com os outros. A única diferença entre as duas apresentações dos
Dez Mandamentos está em relação ao sábado (o quarto mandamento). Em
Êxodo, o descanso do sábado está
associado à grande obra de Deus da
Criação, e em Deuteronômio, o descanso
sabático está ligado à grande obra de
Deus de libertação no Êxodo. Ambas as
apresentações dos Dez Mandamentos
enfatizam a fidelidade a Deus, ao
próximo, ao cônjuge, aos pais e às
pessoas em geral.

Moisés lembra o povo de que o próprio


Deus escreveu os Dez Mandamentos e de
que o impressionante encontro com ele
foi acompanhado por fogo e nuvem em
torno de sua presença. Moisés também os
lembra de que no monte Sinai o povo fez
o juramento de obediência a Deus e de
guardar os mandamentos. Deus, então,
expressou o desejo de que eles seguissem
seus mandamentos para que pudessem
receber bênçãos da parte dele. Então,
mais uma vez, o Senhor os chama à
fidelidade e à obediência aos
mandamentos seus para serem
abençoados na nova terra (5.22-33).

✚ A palavra hebraica para “ouvir” é shema. Na


fé judaica, Deuteronômio 6.4,5 (“Ouça, ó Israel! O
Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor”) é
geralmente chamado de o “Grande Shemá” de
acordo com a primeira palavra de 6.4 (“Ouça”)
Deuteronômio 6 reforça os Dez Mandamentos ressaltando o mais básico
deles. O Senhor, seu Deus, é o único Deus verdadeiro, por isso eles deveriam
adorá-lo com compromisso total, com todo o seu ser e tudo o que possuem
(6.4,5). A outra ênfase central de Deuteronômio 6 é a exigência da
transmissão dessa tradição aos filhos. Deus insiste em que eles não se
esqueçam dos mandamentos e se certifiquem de transmitir esses
ensinamentos a seus filhos (6.6-9). De igual forma, Deus mostra que à
medida que eles entrassem na sobejante terra prometida, cheia de campos e
casas já construídas, seriam tentados a se esquecer de tudo o que Deus tinha
feito por eles. Mais uma vez, Deus determina que eles explicassem aos filhos
como ele livrou os pais de forma milagrosa do Egito e os trouxe de modo
gracioso a essa terra maravilhosa, da qual eles desfrutariam enquanto
permanecessem fiéis a Deus.

Em Deuteronômio 7, Moisés lembra o povo de que eles eram um povo


especial para Deus, escolhido e santo (7.6); assim, quando eles conquistas-
sem a terra prometida, deveriam se distanciar das influências dos habitantes
pagãos. Deus ordena que eles expulsem todos os povos e fiquem
especialmente atentos para não se casarem com os filhos e filhas dos povos,
pois isso traria a prática do paganismo para o povo de Israel (7.1-5).
Como um disco furado, o tema de “não esquecer o que Deus fez por
vocês” continua repetidamente em todo o Deuteronômio, e é mencionado
mais uma vez em Deuteronômio 8.

Outro tema que se repete com frequência é o de que Israel não fez nada
especial para merecer ser escolhido por Deus; Israel é o povo escolhido
unicamente pela bondosa graça de Deus, não pela justiça deles (9.1-6). Na
verdade, Deus mostra de maneira bem clara que os atos deles indicam
justamente o contrário, pois Israel foi muitas vezes rebelde e obstinado, como
demonstrou o episódio do bezerro de ouro (registrado em Êx 32). Felizmente
para o rebelde Israel, Moisés intercede por eles, e Deus por sua graça retém o
juízo contra eles (9.7—10.11).
✚ No Novo Testamento, quando Satanás tenta Jesus com comida no deserto, o Senhor cita
Deuteronômio 8: 3: “O homem não vive só de pão, mas em toda palavra que vem da boca de
Deus ”(Mt 4: 4; Lc 4.4).

Deuteronômio 10.12—11.32 convoca o povo a amar a Deus e a obedecêr-


lhe, entendendo que os conceitos de amor e obediência estão intimamente
interligados. Da mesma forma, uma vez que o próprio Deus ama todo o povo,
os israelitas devem fazer o mesmo, demonstrando amor em especial a quem
passa por necessidades — os pobres, as viúvas, os órfãos e os estrangeiros
que viviam entre eles.

Princípios específicos e detalhes da aliança (12.1—26.19)


Depois de apresentar os princípios e mandamentos elementares da aliança
que regerão a vida dos israelitas na terra prometida, Moisés agora amplia
esses conceitos, acrescentando exemplos e detalhes específicos relacionados
à aliança e ao culto a Deus.

Em geral, a organização dos assuntos tratados nessa seção segue a


sequência dos temas tratados nos Dez Mandamentos.

Por exemplo, Deuteronômio 12 — 13 reflete desenvolvimentos e


implicações dos primeiros três dos Dez Mandamentos — que viram sobre a
identidade de Deus e de como somente ele deve ser adorado. Assim, a seção
ressalta que o próprio Deus determina como ele será adorado, e Israel não
deve seguir o estilo de vida de seus vizinhos pagãos na forma de adorar seu
Deus. Deus declara que a idolatria é algo muito, muito grave, e os defensores
da idolatria deveriam ser eliminados, quer fossem falsos profetas (13.1-5),
quer parentes próximos (13.6-11), quer toda uma cidade israelita (13.12-18).
Relacionado a esse tema está a discussão resumida de 14.1-21 sobre os
alimentos puros e impuros (de Levítico). Deus, não as nações pagãs vizinhas,
determina o sistema de pureza e impureza das leis dietéticas. Conforme a
menção de Levítico, esse sistema forçou os israelitas a serem conscienciosos
o tempo todo, em todas as atividades, de que o Deus santo habitava no meio
deles e exigia que eles permanecessem santos e separados das coisas impuras
e imundas.

✚ Os mandamentos de Deus em Deuteronômio 16.18–18.22 sobre liderança de Israel será


repetidamente lembrados em 1 e 2 Samuel, 1 e 2 Reis e nos Profetas, toda vez que Os líderes
de Israel deixarem de alcançar o padrão exposto em Deuteronômio.

O quarto mandamento (a guarda do sábado) é expandido em 14.22— 16.17


à medida que Deus explica que todas as dimensões da vida devem ser regidas
por um “compasso sagrado” semelhante ao ritmo semanal.

Isso inclui práticas regulares de adoração como a consagração do dízimo


(14.22-29); o cancelamento de dívidas e a ajuda aos necessitados (15.1-18); o
sacrifício do primogênito de todo animal (15.19-23); a celebração da Páscoa,
a festa das semanas e a festa das cabanas (16.1-17).

O quinto mandamento (honrar os pais) é expandido com discussões sobre


outras estruturas de autoridade, incluindo juízes e tribunais (16.18— 17.13);
reis (17.14-20, ainda que em referência ao futuro); sacerdotes e levitas (18.1-
8); a proibição de qualquer relação com o ocultismo (18.9-13); e os profetas
(18.14-22).

Deuteronômio 19—21 discute questões derivadas do sexto mandamento


(proibição contra o assassinato), tratando das cidades de refúgio para proteger
quem cometeu homicídio acidental (19.1-14); a importância do testemunho
honesto perante o tribunal (19.15-21, também relacionado ao nono
mandamento, sobre o falso testemunho); as leis da guerra (20.1-20); como
tratar assassinatos não resolvidos (21.1-9); e como executar culpados de
crime (21.22,23).
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