Parecer Jurídico Julgamento Por Equidade
Parecer Jurídico Julgamento Por Equidade
Parecer Jurídico Julgamento Por Equidade
Mediação, Conciliação e
Arbitragem
Parecer Jurídico: Julgamento Arbitral por Eqüidade
RA:11921564
Jaguariúna
23 de Abril de 2020
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PARECER JURÍDICO
Sumário:
1. Da Consulta
1.1- Consulente
1.2- Consultado
2. Do Parecer
2.1- Do questionamento
2.2- Da arbitragem: conceito, previsão legal e princípios
2.3- Da eqüidade x de Direito: diferenças e história
2.4- Das vantagens do julgamento por equidade, segundo os teóricos
3. Da Conclusão
4. Das Fontes
1. DA CONSULTA
2. DO PARECER
2.1- Do questionamento
Árbitro: o árbitro não precisa ter formação jurídica. As partes podem escolher o
árbitro de acordo com a especialidade técnica que seja mais útil à solução da questão em
concreto. Assim, por exemplo, se as partes pretendem resolver um conflito gerado por
uma construção mal feita, o mais adequado é que escolham um engenheiro civil para
atuar como árbitro, pois este possui conhecimentos técnicos na área e poderá melhor
conduzir o litígio à uma solução mais justa.
Previsão legal: a arbitragem é regulada pela lei 9.307/96 e só pode ser instituída
para os conflitos que envolvam direitos disponíveis e partes capazes.
Art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.
§ 1º - Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas
na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º - Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base
nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de
comércio.
Como visto no tópico anterior em Previsão Legal, o artigo 2 da lei 9.307/96 que
regulamenta a Arbitragem coloca que ela “poderá ser de direito ou de eqüidade, a
critério das partes.” Continua o parágrafo primeiro “poderão as partes escolher,
livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja
violação aos bons costumes e à ordem pública.”
Em outros termos, deverá o conflito ser composto com base nas normas do
direito objetivo, devendo o árbitro se pautar pela estrita observância da legalidade na
solução a ser dada à lide que lhe é submetida. O artigo 2 da Lei de Arbitragem, § 3o ,
delimita que os casos que envolvam a administração pública será sempre de direito e
respeitará o princípio da publicidade.
História: para tentar responder a essas perguntas, faz-se uma breve análise
histórica de como foi a equidade tratada pelos juristas romanos e por dois grandes
filósofos: Aristóteles e São Tomás de Aquino.
Santo Tomás, na mesma linha de Aristóteles, afirmava: "os atos humanos, que a
lei deve regular, são particulares e contingentes, e podem variar ao infinito. Por isso,
não é possível criar qualquer lei que abranja todos os casos; os legisladores, pois,
legislam tendo em vista o que sucede com maior freqüência. Seria, contudo, ir de
encontro à igualdade e ao bem comum que a lei visa, observá-la em certos e
determinados casos. Assim, a lei dispõe que os depósitos sejam restituídos, porque isto
é justo na maioria dos casos; mas, em outros casos, pode ser nocivo. Por exemplo, se
um louco, que deu em depósito uma espada, a exige em acesso de loucura, ou se alguém
exige um depósito para lutar contra a pátria. Nesses e em outros casos semelhantes,
seria um mal observar a lei estabelecida; nem seria, ao contrário (pondo de parte as suas
palavras) observar o que reclamam a idéia de justiça e a utilidade comum. E com isso se
harmoniza a Epieiqueia, que nós chamamos de equidade."
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Nos dias atuais, a equidade é por vezes reconhecida como fonte de direito, em
alguns ordenamentos jurídicos, e como instrumentos de integração em outros. O
ordenamento jurídico brasileiro não faz menção genérica ao uso da equidade, seja como
fonte de direito, seja como instrumento integrador. O art. 4º da LICC não prevê a
possibilidade do uso da equidade em casos de omissões legislativas, restringindo-se ao
uso da analogia, costumes e princípios gerais de direito.
No entanto, o art. 5º desse mesmo dispositivo legal diz que, “na aplicação da lei,
o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Então, o legislador tacitamente, ao estabelecer tal norma, conduz o magistrado à busca
de decisões eqüitativas com o escopo de se atingir o bem comum e aos fins sociais
pretendidos pela ordem jurídica, viabilizando o uso da equidade como parâmetros de
uma decisão razoável.
Já na Lei 9.307/96 de Arbitragem, parece, todavia, não ter o legislador seguido a
tradição aristotélico-tomista. De fato, o julgamento por equidade previsto na arbitragem
brasileira não se refere à supressão de lacunas, nem à adaptação dos rigorismos legais
aos casos concretos.
Por isso, a flexibilidade na arbitragem por equidade é vista como algo positivo
por alguns teóricos, já que o árbitro não precisa se pautar de acordo com as normas
legais, mas, obviamente, sem violentar os princípios de ordem pública e os bons
costumes. No Estado de Direito, tudo se faz, de conformidade com o sistema jurídico.
O jurista Capitant, citado por José Náufel, estabelece dois sentidos para
eqüidade: 1. justiça alicerçada na igualdade e no respeito ao direito de cada um e 2.
justiça não inspirada nas regras de direito em vigor.
3. DA CONCLUSÃO
Depois de toda essa análise, pode- se concluir que sim, há limite para o
julgamento por equidade na arbitragem. Diferente do que se pode pensar, a
decisão por equidade não significa a incerteza de “um tudo pode”, pois é notório que a
própria Lei de Arbitragem impõe limites negativos positivados como a Ordem Pública e
os Bons Costumes. Além disso, também existem limites positivos como o princípio da
igualdade de tratamento, o princípio das desigualdades econômicas e sociais, princípio
da adequação e o princípio da proporcionalidade stricto sensu.
Portanto, é totalmente plausível que o árbitro julgue diferente da lei, com o
consentimento das partes, pois a arbitragem por equidade quando realizada
segundo os princípios acima e principalmente de que se deve dar a cada um o que lhe
pertence, não constitui algo errado.
Como pode ser conceituada a disponibilidade de direitos apta a permitir a
arbitragem? Nos termos do art. 1º da Lei da Arbitragem, Lei nº 9.037/96, a arbitragem
se limita à capacidade de contratar e aos direitos patrimoniais e disponíveis, portanto,
basta que a pessoa tenha personalidade jurídica para que possa se submeter à
arbitragem. A personalidade jurídica, nos termos do art. 1º do CC/2002, é a capacidade
de ser titular de direitos e obrigações, adquirida pela pessoa natural com o nascimento
com vida (art.2º do CC).
Vale ressaltar, que diferentemente do que pensam algumas pessoas, as pessoas
podem sim ser representadas ou assistidas na convenção de arbitragem, desde que
respeitados os limites decorrentes da matéria, que deve versar sobre direitos
patrimoniais disponíveis. Em consonância com o acatado, não é admitida a
representação ou assistência no caso de contrato de venda de imóvel de pessoa incapaz
sem a necessária autorização judicial, de tal sorte a cláusula arbitral inserta nesse
contrato será nula, posto que foge da permissão legal bitolada pelos atos de mera
administração.
Todavia, como os representantes e assistentes estão autorizados a praticar atos de
mera administração do patrimônio dos incapazes, contratos que não fujam destes limites
poderão conter cláusula arbitral. É o que ocorre no contrato de locação que os pais,
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que ocorre em outros países, como Portugal, onde se admite o julgamento por
equidade na arbitragem envolvendo a Administração Pública.
Uma resolução expedida pelo Conselho de Ministros em 2001, orientou o setor
público, na linha legal, a utilizar a arbitragem, determinando que “o reforço da
qualidade da democracia e o aprofundamento da cidadania sugerem também a
construção de uma nova relação do Estado com os cidadãos e com as empresas. Exige
que o Estado, ele mesmo, voluntariamente, aceite e promova exemplarmente a
resolução de seus litígios fora dos tribunais.”
Portanto, pesquisando como funciona o julgamento por equidade na arbitragem
envolvendo a Administração Pública em Portugal, encontrei o artigo do professor de
Direito Administrativo na USP, Gustavo Justino de Oliveira, e também árbitro,
consultor e advogado especializado em direito público.
Depois de participar de um Fórum promovido pela Federação das Câmaras
Portuguesas de Comércio no Brasil sobre “Como o Brasil pode aprender com Portugal
quando o assunto é arbitragem?”, ele deu uma sugestão que acredito responder à
pergunta acima.
Ou seja, a arbitragem por equidade na administração pública só poderia ser
sustentável e conferir maior segurança jurídica aos agentes públicos e privados
envolvidos se “os entes públicos, talvez estimulados e apoiados pelos Tribunais de
Contas, criassem regulamentos internos de arbitragem administrativas, contendo
orientações, guidelines e até um guia de boas práticas”. Segundo ele, “previsibilidade e
planejamento são chaves para uma arbitragem exitosa, e talvez tenha chegado a hora
disso ser igualmente reconhecido pelo setor público. Precisamos dar passos adiante na
prática da arbitragem com o Poder Público, e seria emblemático que os órgãos públicos
revelassem maior cuidado com o tema, por meio da edição de regulamentos sobre a
matéria.”
Em 1993, quando a advogada Selma Maria Ferreira Lemes defendia a arbitragem
como solução para conflitos judiciais, principalmente nas transações internas e
internacionais, ela salientou: “impõe-se a existência de uma legislação arbitral
moderna e eficaz, que agasalhe os princípios do contraditório e a igualdade das
partes, bem como possibilite a aplicação dos usos e costumes internacionais, a lex
mercatoria".
Isto é, naquela época, ela já vislumbrava a possibilidade de se aplicar o
julgamento por equidade na arbitragem envolvendo temas da administração pública
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desde que fosse criado um regulamento interno, ou, como bem disse o professor
Gustavo de Oliveira, um guia de boas práticas para que o julgamento por equidade
não ficasse sujeito apenas às regras subjetivas ou do “bom senso” dos árbitros.
Para Selma Lemes, “a arbitragem por equidade é aquela em que os árbitros podem,
com autorização das partes, mitigar os efeitos legais, no sentido de fazer justiça ao caso
concreto.” Segundo essa interpretação, a norma jurídica abstrata pode não surtir
efeitos no caso concreto, sendo “inadequada” sua aplicação, razão pela qual o árbitro
poderá julgar de modo contrário à lei.
Vale ressaltar que nesta modalidade os árbitros tem uma liberdade de julgamento
mais elástica, o que é útil para determinados tipos de lide que envolvam conhecimentos
técnicos especializados, os quais a legislação vigente não conseguiu regularizar. É o
caso de uma lide para tratar de um assunto específico envolvendo física ou química, por
exemplo, o juiz obviamente convocaria um perito para analisar a situação de fato e
apresentar um laudo pericial, sua sentença dificilmente teria orientação contrária a do
referido laudo. Na arbitragem por equidade podemos entregar a solução da controvérsia
diretamente aos cuidados de um especialista retirando a figura do juiz e do perito da
lide. O que poderia representar grande praticidade para os conflitantes, pois economiza
tempo e dinheiro.
Lembrando que esses casos envolvendo a Administração Pública e empresas
privadas devem aumentar em decorrência das privatizações e dos novos paradigmas do
direito administrativo moderno. Atualmente, os países cada vez mais reivindicam a
participação privada em empreendimentos públicos, para fazer face aos vultosos
investimentos. Exemplos significativos foram os contratos de concessão vinculados à
ampliação da Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo e a construção do Eurotúnel (em
que a arbitragem foi amplamente utilizada).
Portanto, acredito que o julgamento por equidade na arbitragem brasileira
envolvendo a Administração Pública é possível e sustentável, desde que haja uma
legislação arbitral moderna e eficaz, como defendido pela professora Selma Lemes.
Para isso, é preciso que aconteçam debates entre os árbitros, câmaras arbitrais
nacionais e o poder público para que possam amadurecer a adoção de regulamentos
internos de arbitragens administrativas para ajudar os árbitros na resolução de processos
via arbitragem por equidade, contendo, como bem colocou o professor Oliveira,
“orientações, guidelines e até um guia de boas práticas”.
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Sendo assim, como ele esclarece, faz-se necessário “dar passos adiante na
prática da arbitragem com o Poder Público, e seria emblemático que os órgãos públicos
revelassem maior cuidado com o tema, por meio da edição de regulamentos sobre a
matéria”.
É o parecer.
Jaguariúna, 24 de abril de 2020.
4. DAS FONTES