Parecer Jurídico Julgamento Por Equidade

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Mediação, Conciliação e
Arbitragem
Parecer Jurídico: Julgamento Arbitral por Eqüidade

Professora: Elizete Moura

Anapaula Ziglio de Andrade Gaio

RA:11921564

Jaguariúna

23 de Abril de 2020
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PARECER JURÍDICO

Sumário:
 
1. Da Consulta
1.1- Consulente
1.2- Consultado
2. Do Parecer
2.1- Do questionamento
2.2- Da arbitragem: conceito, previsão legal e princípios
2.3- Da eqüidade x de Direito: diferenças e história
2.4- Das vantagens do julgamento por equidade, segundo os teóricos
3. Da Conclusão
4. Das Fontes

1. DA CONSULTA

1.1- Consulente: Professora Elizete Moura


1.2- Consultado: Anapaula Ziglio de Andrade Gaio

2. DO PARECER

2.1- Do questionamento

Há limite para o julgamento por equidade na arbitragem? O árbitro pode


julgar diferente da lei, ainda que as partes aceitem o seu resultado? Como pode ser
conceituada a disponibilidade de direitos apta a permitir a arbitragem? Como seria
sustentável uma arbitragem de temas da administração pública realizada por
equidade? Fundamente.

2.2- Da Arbitragem: conceito, previsão legal e princípios

A arbitragem é um dos meios alternativos de resolução de conflitos em que as


partes elegem um terceiro para “julgar” a lide com as mesmas prerrogativas do poder
judiciário. Esse terceiro pode ser uma pessoa, física ou jurídica.
A arbitragem ad hoc é aquela feita por uma pessoa física como árbitro e as
partes podem acordar sobre todo o procedimento arbitral ao qual se submeterão. A
“arbitragem institucional” é quando as partes optam por escolher uma pessoa jurídica de
direito privado constituída para esse fim. Em regra, essa pessoa jurídica é denominada
de “câmara de arbitragem”.
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Árbitro:  o árbitro não precisa ter formação jurídica. As partes podem escolher o
árbitro de acordo com a especialidade técnica que seja mais útil à solução da questão em
concreto. Assim, por exemplo, se as partes pretendem resolver um conflito gerado por
uma construção mal feita, o mais adequado é que escolham um engenheiro civil para
atuar como árbitro, pois este possui conhecimentos técnicos na área e poderá melhor
conduzir o litígio à uma solução mais justa.

Previsão legal: a arbitragem é regulada pela lei 9.307/96 e só pode ser instituída
para os conflitos que envolvam direitos disponíveis e partes capazes.

“Art. 1º - As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para


dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para


dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.

§ 2o A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a


celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou
transações.

Art. 2º - A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes.

§ 1º - Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas
na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

§ 2º - Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base
nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de
comércio.

§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e


respeitará o princípio da publicidade

A arbitragem é instituída mediante negócio jurídico denominado “convenção de


arbitragem”, que compreende a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.

Convenção de arbitragem:  é o instrumento pelo qual as partes manifestam a


vontade de suprimir o Poder Judiciário da apreciação do mérito de um litígio que
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envolva direitos patrimoniais disponíveis para entregá-lo ao juízo de um árbitro


escolhido por elas. O compromisso arbitral dar-se-á das seguintes formas:

1) Cláusula compromissória:  é a convenção por meio da qual as partes de um


contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir,
relativamente a tal contrato (art. 4º, Lei 9.307/96). Assim, a cláusula compromissória é
anterior ao surgimento do conflito entre as partes, que diligentes, já pactuaram sobre a
adoção da arbitragem para a solução de eventuais litígios. Essa forma de arbitragem
pode contar de uma cláusula de um contrato entre as partes sobre outro objeto ou
constituir um contrato autônomo.

2) Compromisso arbitral:  é a convenção por meio da qual as partes submetem


um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial. O
compromisso arbitral judicial celebrar-se-á por termo nos autos, perante o juízo ou
tribunal, onde está em curso a demanda. O compromisso arbitral extrajudicial será
celebrado por escrito particular, assinado por duas testemunhas, ou por instrumento
público (art. 9º, Lei 9.307/96). Percebe-se que, diferentemente da cláusula arbitral, o
compromisso surge quando já há um litígio pendente, podendo ser instituído, inclusive,
nos próprios autos do processo em que as partes litigam.

Princípios: no procedimento do juízo arbitral serão, sempre, respeitados os


princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro
e de seu livre convencimento. As partes poderão postular, por intermédio de advogado,
respeitada, sempre, a faculdade de designar quem as represente ou assista no
procedimento arbitral.

2.3- Da Eqüidade X De Direito: diferenças e história

Como visto no tópico anterior em Previsão Legal, o artigo 2 da lei 9.307/96 que
regulamenta a Arbitragem coloca que ela “poderá ser de direito ou de eqüidade, a
critério das partes.” Continua o parágrafo primeiro “poderão as partes escolher,
livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja
violação aos bons costumes e à ordem pública.”

Mas qual a diferença entre os dois tipos de julgamento?


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A arbitragem de direito é aquela em que os árbitros decidirão a controvérsia


fundamentando-se nas regras de direito brasileiro ou outro escolhido pelas partes. Na
arbitragem de direito o árbitro ou Tribunal Arbitral deverá se ater ao estrito
cumprimento ao princípio da legalidade, aplicando-se, para resolver a lide, as normas do
direito positivo escolhido pelas partes.

Em outros termos, deverá o conflito ser composto com base nas normas do
direito objetivo, devendo o árbitro se pautar pela estrita observância da legalidade na
solução a ser dada à lide que lhe é submetida. O artigo 2 da Lei de Arbitragem, § 3o ,
delimita que os casos que envolvam a administração pública será sempre de direito e
respeitará o princípio da publicidade.

A arbitragem por eqüidade trata-se de um julgamento “fora das regras e formas


do direito”. Ou seja, julgar por equidade significa decidir com base em algo que,
necessariamente, não está previsto em nenhuma lei, interpretando, conforme seu
entendimento próprio, o significado do ordenamento jurídico, devendo o julgador, com
total imparcialidade e impessoalidade, valer-se dos critérios sociais, políticos e
econômicos envolvidos no caso concreto para decidir. Não se esquecendo dos
princípios constitucionais que devem ser observados: o da proporcionalidade e o da
razoabilidade.

É importante ressaltar que a arbitragem por equidade não é muito comum,


devendo conter manifestação expressa das partes, na convenção arbitral, de que é da
vontade das partes que o processo seja julgado por equidade. No Brasil, as pessoas
receiam a maneira pela qual o árbitro entende que ela seja e como deve ser aplicada. Daí
a preferência pela arbitragem de direito. Já que a lei é conhecida e pode-se esperar com
algum grau de segurança e certeza o resultado da decisão que venha a ser proferida
em uma demanda por arbitragem.

Diante desse medo suscitado pela arbitragem de eqüidade, é bem colocada a


questão pela consulente: será que há limite para o julgamento por equidade na
arbitragem? O árbitro pode julgar diferente da lei, ainda que as partes aceitem o seu
resultado?
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História: para tentar responder a essas perguntas, faz-se uma breve análise
histórica de como foi a equidade tratada pelos juristas romanos e por dois grandes
filósofos: Aristóteles e São Tomás de Aquino.

Aristóteles já se preocupara com o tema da equidade em uma de suas mais


importantes obras, a Ética a Nicômaco. Para ele, a equidade era uma forma melhor de
justiça, pois funcionava como uma adaptação da lei (abstrata) aos fatos reais, concretos.
Como uma das características da lei é a generalidade, ela não pode prever todas as
peculiaridades das situações cotidianas, devendo o juiz agir como o legislador agiria na
previsão de tais situações. A equidade liga-se, assim, a mais importante das virtudes da
inteligência, a prudência, pois só um juiz prudente pode sanar uma lacuna legal de
forma acertada e justa. Finalizando, Aristóteles compara a equidade a uma régua de
medir pedras que conhecera quando de sua estadia na ilha de Lesbos: a régua era
flexível, adaptando-se ao tamanho das rochas, possibilitando que todas fossem medidas.
Assim também deve ser a equidade, a flexibilização da lei, que deve adaptar-se aos fatos
concretos na medida das possibilidades.

Já os romanos ligavam o conceito de equidade ao de direito natural.


Distinguiam, todavia, entre a aequitas naturalis e a aequitas civilis. A primeira definia
uma forma de justiça absoluta, enquanto que a segunda colocava-se como parte
integrante do direito, aplicada pelos pretores.

Santo Tomás, na mesma linha de Aristóteles, afirmava: "os atos humanos, que a
lei deve regular, são particulares e contingentes, e podem variar ao infinito. Por isso,
não é possível criar qualquer lei que abranja todos os casos; os legisladores, pois,
legislam tendo em vista o que sucede com maior freqüência. Seria, contudo, ir de
encontro à igualdade e ao bem comum que a lei visa, observá-la em certos e
determinados casos. Assim, a lei dispõe que os depósitos sejam restituídos, porque isto
é justo na maioria dos casos; mas, em outros casos, pode ser nocivo. Por exemplo, se
um louco, que deu em depósito uma espada, a exige em acesso de loucura, ou se alguém
exige um depósito para lutar contra a pátria. Nesses e em outros casos semelhantes,
seria um mal observar a lei estabelecida; nem seria, ao contrário (pondo de parte as suas
palavras) observar o que reclamam a idéia de justiça e a utilidade comum. E com isso se
harmoniza a Epieiqueia, que nós chamamos de equidade."
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Nos dias atuais, a equidade é por vezes reconhecida como fonte de direito, em
alguns ordenamentos jurídicos, e como instrumentos de integração em outros. O
ordenamento jurídico brasileiro não faz menção genérica ao uso da equidade, seja como
fonte de direito, seja como instrumento integrador. O art. 4º da LICC não prevê a
possibilidade do uso da equidade em casos de omissões legislativas, restringindo-se ao
uso da analogia, costumes e princípios gerais de direito.

No entanto, o art. 5º desse mesmo dispositivo legal diz que, “na aplicação da lei,
o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
Então, o legislador tacitamente, ao estabelecer tal norma, conduz o magistrado à busca
de decisões eqüitativas com o escopo de se atingir o bem comum e aos fins sociais
pretendidos pela ordem jurídica, viabilizando o uso da equidade como parâmetros de
uma decisão razoável.
Já na Lei 9.307/96 de Arbitragem, parece, todavia, não ter o legislador seguido a
tradição aristotélico-tomista. De fato, o julgamento por equidade previsto na arbitragem
brasileira não se refere à supressão de lacunas, nem à adaptação dos rigorismos legais
aos casos concretos.

Não se trata de autorizar o juiz a decidir eqüitativamente, suavizando e


harmonizando as normas jurídicas, mas sim a abandoná-las, decidindo os litígios com
base apenas em sua consciência moral.

Os legisladores brasileiros entendem por "julgamento de equidade" não a


adaptação do direito abstrato aos fatos concretos, mas sim o abandono completo do
ordenamento jurídico por parte do juiz para que ele então decida "por equidade", ou
seja, valendo-se apenas de sua consciência, talvez de um direito natural, ou ainda dos
chamados "princípios gerais de direito".

2.4 - Das vantagens do julgamento por equidade, segundo os teóricos

É importante salientar que uma das vantagens da arbitragem é que exclui de


imediato, o formalismo, realizando-se de forma sigilosa e célere. Demócrito Ramos
Reinaldo Filho assegura que o instituto do juízo arbitral tem, na simplificação do
procedimento, a nota marcante, porque produz a celeridade.  Cláudio Vianna de Lima
enxerga, na processualização, a pena de morte da arbitragem.
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Por isso, a flexibilidade na arbitragem por equidade é vista como algo positivo
por alguns teóricos, já que o árbitro não precisa se pautar de acordo com as normas
legais, mas, obviamente, sem violentar os princípios de ordem pública e os bons
costumes. No Estado de Direito, tudo se faz, de conformidade com o sistema jurídico.

Sendo assim, a eqüidade é a humanização do Direito. É a mitigação da lei,


segundo Aristóteles. Por meio dela, o juiz ameniza o rigor das regras jurídicas, tempera
com justiça a rigidez da norma de direito, foge da norma escrita, pois o direito é bom
senso, na acepção sempre atual do jurisconsulto romano Cícero.

 O juiz deve, assim, fazer as adaptações possíveis à realidade social, na busca


de uma solução mais justa e equilibrada, sem desprezar, naturalmente, a ética, a boa
razão e, sem dúvida, a moral, princípio basilar, que atualmente, está expresso na
Constituição.

 Carlos Maximiliano, apoiado em Coelho da Rocha, Trigo de Loureiro e


Chironi, leciona que a eqüidade objetiva atenua o rigor de uma norma, interpretando-a
de forma compatível com o progresso e a solidariedade humana, e acomodada ao
sistema jurídico, de conformidade com a gravidade e importância do negócio, as
circunstâncias das pessoas e dos lugares.

            O jurista Capitant, citado por José Náufel, estabelece dois sentidos para
eqüidade: 1. justiça alicerçada na igualdade e no respeito ao direito de cada um e 2.
justiça não inspirada nas regras de direito em vigor. 

            Chaim Perelman ensina: a eqüidade visa a reduzir as desigualdades


resultantes da justiça formal e opõe-se frontalmente ao formalismo.

            Para Alípio Silveira, a eqüidade está intimamente relacionada com a


noção de justiça, como idéia ou princípio e, com fundamento, na melhor doutrina,
ensina que fazer uso da eqüidade não significa julgar contra a lei, mas sim atenuar a
dureza da lei, conciliando-se com as lições de Clóvis Beviláqua.

            Considera, ademais, a eqüidade como um princípio geral de direito, em


que se assenta o julgador, para proferir uma decisão justa, no caso concreto. 
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            Decidir pela eqüidade, na arbitragem, é dar uma solução que atenda as


partes, onde a mútua concessão esteja presente, sem, porém, induzi-las ao dano
irreparável. A conciliação, desde o primeiro momento,  deverá estar sempre presente.

3. DA CONCLUSÃO

Depois de toda essa análise, pode- se concluir que sim, há limite para o
julgamento por equidade na arbitragem. Diferente do que se pode pensar, a
decisão por equidade não significa a incerteza de “um tudo pode”, pois é notório que a
própria Lei de Arbitragem impõe limites negativos positivados como a Ordem Pública e
os Bons Costumes. Além disso, também existem limites positivos como o princípio da
igualdade de tratamento, o princípio das desigualdades econômicas e sociais, princípio
da adequação e o princípio da proporcionalidade stricto sensu.
Portanto, é totalmente plausível que o árbitro julgue diferente da lei, com o
consentimento das partes, pois a arbitragem por equidade quando realizada
segundo os princípios acima e principalmente de que se deve dar a cada um o que lhe
pertence, não constitui algo errado.
Como pode ser conceituada a disponibilidade de direitos apta a permitir a
arbitragem? Nos termos do art. 1º da Lei da Arbitragem, Lei nº 9.037/96, a arbitragem
se limita à capacidade de contratar e aos direitos patrimoniais e disponíveis, portanto,
basta que a pessoa tenha personalidade jurídica para que possa se submeter à
arbitragem. A personalidade jurídica, nos termos do art. 1º do CC/2002, é a capacidade
de ser titular de direitos e obrigações, adquirida pela pessoa natural com o nascimento
com vida (art.2º do CC).
Vale ressaltar, que diferentemente do que pensam algumas pessoas, as pessoas
podem sim ser representadas ou assistidas na convenção de arbitragem, desde que
respeitados os limites decorrentes da matéria, que deve versar sobre direitos
patrimoniais disponíveis. Em consonância com o acatado, não é admitida a
representação ou assistência no caso de contrato de venda de imóvel de pessoa incapaz
sem a necessária autorização judicial, de tal sorte a cláusula arbitral inserta nesse
contrato será nula, posto que foge da permissão legal bitolada pelos atos de mera
administração.
Todavia, como os representantes e assistentes estão autorizados a praticar atos de
mera administração do patrimônio dos incapazes, contratos que não fujam destes limites
poderão conter cláusula arbitral. É o que ocorre no contrato de locação que os pais,
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tutores ou curadores firmam em razão da necessária administração dos bens dos


incapazes.
Questões que não envolverem direito que admita transação não são passíveis de
arbitragem. Os direitos patrimoniais disponíveis estão elencados no art. 1º da Lei de
Arbitragem nº 9.037/96 e no art. 852 do CDC e são aqueles sujeitos à transação e
alienáveis, exclui-se os direitos indisponíveis como a filiação, estado das pessoas,
casamento, poder familiar e questões de direito penal. Ainda, admite-se que os
reflexos patrimoniais dessas questões sejam dirimidos pela arbitragem, como por
exemplo a partilha do patrimônio na separação e os danos decorrentes de fato típico.
Segundo o artigo 25 da Lei 9.307/1996, se, durante o procedimento, for suscitada
questão referente a direito indisponível, da qual depende a apreciação do mérito,
haverá questão prejudicial que extrapola os limites da possibilidade de solução
arbitral. Neste caso, o árbitro deve suspender o procedimento e remeter as partes ao
Judiciário, para resolução da pendência. Ressalte-se que compete às partes provocar o
Judiciário. Como exemplo, podemos citar a alegação de incapacidade para firmar o
contrato sobre o qual pesa a controvérsia ou discussão sobre a existência ou não, de
união estável. Resolvida a questão, a arbitragem terá prosseguimento.
A disponibilidade dos direitos se liga à possibilidade de alienação e, ademais disso e
principalmente, àqueles direitos que são passíveis de transação. Assim, não é possível
transacionar acerca do direito ao próprio corpo, à liberdade, à igualdade e ao direito a
vida. Todavia, esses conceitos não são suficientes para que possamos entender aos
limites impostos à possibilidade das partes adotarem a solução arbitral. Nessa medida, a
afronta aos direitos indisponíveis como, por exemplo, o direito a personalidade, como é
sabido, é indenizável, e quanto a essa indenização, cabe a arbitragem.
Ninguém pode transacionar abrindo mão de seu direito à honra, que é direito de
personalidade, mas a afronta a tal direito gera o direito de indenização por danos morais.
Assim, diante da afronta ao seu direito, nada obsta que, através de compromisso arbitral
com o ofensor, o valor da reparação seja arbitrado nos termos da Lei nº 9.037/1996.
Nesse contexto o árbitro não pode decidir se a pessoa tem ou não direito à honra, vez
que este direito é indisponível, somente poderá decidir acerca do fato que enseja a
afronta ao direito à honra e quanto à liquidação dessa afronta.
Resolvida essa questão, segue-se para a análise da última: como seria sustentável
uma arbitragem de temas da administração pública realizada por equidade?
Fundamente.
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Em relação a esse quesito, é importante destacar a Lei de nº 13.129 de 2014 que


alterou a Lei de nº 9. 307 de 1996, Lei de Arbitragem. A nova Lei trouxe mudanças
importantes para o mundo jurídico no que tange aos litígios e conflitos em diversas
áreas do direito, principalmente nas relações com a Administração Pública.
A partir da referida Lei, a Administração Pública, seja ela direta ou indireta com as
autarquias, fundações, sociedades de economia mista, pode fazer uso da arbitragem em
seus conflitos, isso vale para os três entes federativos: União, Estados/DF e Municípios:
Art. 1 º
“§ 1º A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para
dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 2º A autoridade ou o órgão competente da administração pública direta para a
celebração de convenção de arbitragem é a mesma para a realização de acordos ou
transações”.
De acordo com o artigo 37 da Constituição Federal de 1988, a Administração
Pública deve obediência ao princípio da legalidade, consoante o entendimento de que,
enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na
Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.
Por tal motivo a nova Lei determinou que a arbitragem nesses casos, não pode ser
feita por equidade, aquela que os árbitros decidem a controvérsia não com base no
ordenamento jurídico, mas sim com base no que lhe parece mais justo, e, sim, com base
nas regras de direito.
Art. 2 º (…)
“§ 3º A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e
respeitará o princípio da publicidade”.
Porém, a advogada Selma Maria Ferreira Lemes, também mestre e doutora pela
Universidade de São Paulo, que integrou a comissão relatora da Lei de Arbitragem e foi
membro brasileiro na Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio
Internacional – CCI, levanta um questionamento: se essa vedação não poderia causar
uma quebra na estrutura sistêmica do art. 2º da Lei de Arbitragem por tratar-se de um
microssistema harmônico e coeso em si?
Sua crítica se constitui na premissa de que é através do próprio conceito de
equidade que deflui a previsão de que os árbitros solucionem as demandas com base
nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio, preceito basilar da
arbitragem. No mesmo sentido, entende que se deve tomar como exemplo a situação
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que ocorre em outros países, como Portugal, onde se admite o julgamento por
equidade na arbitragem envolvendo a Administração Pública.
Uma resolução expedida pelo Conselho de Ministros em 2001, orientou o setor
público, na linha legal, a utilizar a arbitragem, determinando que “o reforço da
qualidade da democracia e o aprofundamento da cidadania sugerem também a
construção de uma nova relação do Estado com os cidadãos e com as empresas. Exige
que o Estado, ele mesmo, voluntariamente, aceite e promova exemplarmente a
resolução de seus litígios fora dos tribunais.”
Portanto, pesquisando como funciona o julgamento por equidade na arbitragem
envolvendo a Administração Pública em Portugal, encontrei o artigo do professor de
Direito Administrativo na USP, Gustavo Justino de Oliveira, e também árbitro,
consultor e advogado especializado em direito público.
Depois de participar de um Fórum promovido pela Federação das Câmaras
Portuguesas de Comércio no Brasil sobre “Como o Brasil pode aprender com Portugal
quando o assunto é arbitragem?”, ele deu uma sugestão que acredito responder à
pergunta acima.
Ou seja, a arbitragem por equidade na administração pública só poderia ser
sustentável e conferir maior segurança jurídica aos agentes públicos e privados
envolvidos se “os entes públicos, talvez estimulados e apoiados pelos Tribunais de
Contas, criassem regulamentos internos de arbitragem administrativas, contendo
orientações, guidelines  e até um guia de boas práticas”. Segundo ele, “previsibilidade e
planejamento são chaves para uma arbitragem exitosa, e talvez tenha chegado a hora
disso ser igualmente reconhecido pelo setor público. Precisamos dar passos adiante na
prática da arbitragem com o Poder Público, e seria emblemático que os órgãos públicos
revelassem maior cuidado com o tema, por meio da edição de regulamentos sobre a
matéria.”
Em 1993, quando a advogada Selma Maria Ferreira Lemes defendia a arbitragem
como solução para conflitos judiciais, principalmente nas transações internas e
internacionais, ela salientou: “impõe-se a existência de uma legislação arbitral
moderna e eficaz, que agasalhe os princípios do contraditório e a igualdade das
partes, bem como possibilite a aplicação dos usos e costumes internacionais, a lex
mercatoria".
Isto é, naquela época, ela já vislumbrava a possibilidade de se aplicar o
julgamento por equidade na arbitragem envolvendo temas da administração pública
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desde que fosse criado um regulamento interno, ou, como bem disse o professor
Gustavo de Oliveira, um guia de boas práticas para que o julgamento por equidade
não ficasse sujeito apenas às regras subjetivas ou do “bom senso” dos árbitros.
Para Selma Lemes, “a arbitragem por equidade é aquela em que os árbitros podem,
com autorização das partes, mitigar os efeitos legais, no sentido de fazer justiça ao caso
concreto.” Segundo essa interpretação, a norma jurídica abstrata pode não surtir
efeitos no caso concreto, sendo “inadequada” sua aplicação, razão pela qual o árbitro
poderá julgar de modo contrário à lei.
Vale ressaltar que nesta modalidade os árbitros tem uma liberdade de julgamento
mais elástica, o que é útil para determinados tipos de lide que envolvam conhecimentos
técnicos especializados, os quais a legislação vigente não conseguiu regularizar. É o
caso de uma lide para tratar de um assunto específico envolvendo física ou química, por
exemplo, o juiz obviamente convocaria um perito para analisar a situação de fato e
apresentar um laudo pericial, sua sentença dificilmente teria orientação contrária a do
referido laudo. Na arbitragem por equidade podemos entregar a solução da controvérsia
diretamente aos cuidados de um especialista retirando a figura do juiz e do perito da
lide. O que poderia representar grande praticidade para os conflitantes, pois economiza
tempo e dinheiro.
Lembrando que esses casos envolvendo a Administração Pública e empresas
privadas devem aumentar em decorrência das privatizações e dos novos paradigmas do
direito administrativo moderno. Atualmente, os países cada vez mais reivindicam a
participação privada em empreendimentos públicos, para fazer face aos vultosos
investimentos. Exemplos significativos foram os contratos de concessão vinculados à
ampliação da Rodovia dos Imigrantes, em São Paulo e a construção do Eurotúnel (em
que a arbitragem foi amplamente utilizada).
Portanto, acredito que o julgamento por equidade na arbitragem brasileira
envolvendo a Administração Pública é possível e sustentável, desde que haja uma
legislação arbitral moderna e eficaz, como defendido pela professora Selma Lemes.
Para isso, é preciso que aconteçam debates entre os árbitros, câmaras arbitrais
nacionais e o poder público para que possam amadurecer a adoção de regulamentos
internos de arbitragens administrativas para ajudar os árbitros na resolução de processos
via arbitragem por equidade, contendo, como bem colocou o professor Oliveira,
“orientações, guidelines e até um guia de boas práticas”.
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Sendo assim, como ele esclarece, faz-se necessário “dar passos adiante na
prática da arbitragem com o Poder Público, e seria emblemático que os órgãos públicos
revelassem maior cuidado com o tema, por meio da edição de regulamentos sobre a
matéria”.

É o parecer.
Jaguariúna, 24 de abril de 2020.

ANAPAULA ZIGLIO DE ANDRADE GAIO

4. DAS FONTES

 BIERHALS. Bruna Cortellini. A nova Lei de Arbitragem e o julgamento por


equidade na Administração. IN site AHO-Advocacia Hamilton
Oliveira.15/09/2015. Disponível em https://aho.adv.br/blog/artigos/a-nova-lei-
de-arbitragem-e-o-julgamento-por-equidade-na-administracao/. Acesso em
20.04.2020.

 CAMBESES. Diego. Lei de arbitragem e interesse público. IN Site JusBrasil.


Disponível em https://diegocambeses.jusbrasil.com.br/artigos/324217265/lei-de-
arbitragem-e-interesse-publico?ref=serp. Acesso em 20.04.2020

 CAMERINO. Ana Carolina. Arbitragem: Constitucionalidade- A arbitragem


como meio legal e constitucional de solução de conflitos. IN Site DireitoNet.
16/02/2011. Disponível em
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5847/Arbitragem-
Constitucionalidade. Acesso em 20.04.2020.

 CANDEMIL. Arthur Montenegro. A decisão por equidade: equidade e justiça


na arbitragem brasileira. IN Res Severa Verum Gaudium, v.3, n.2, 2018. ISSN
2176-3755. Disponível em
https://seer.ufrgs.br/resseveraverumgaudium/article/viewFile/74752/47868.
Acesso em 20.04.2020

 LACERDA. Bruno Amaro. O julgamento por equidade na Lei 9.307/96


(Arbitragem). IN Site DireitoNet. 09/04/2002. Disponível em
https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/623/O-julgamento-por-equidade-
na-Lei-9307-96-Arbitragem . Acesso em 20.04.2020

 LEMES, Selma Maria Ferreira. Arbitragem, alternativa para conflitos


judiciais. IN Jornal Folha de São Paulo. 29/08/1993. Caderno Opinião, pág. 4-2.
Disponível em http://selmalemes.adv.br/artigos/artigo12.pdf . Acesso em
20.04.2020
15

 LEMES, Selma Maria Ferreira. Incentivos à arbitragem na administração


pública. IN Jornal Valor Econômico. 05/09/2016. Disponível em
http://selmalemes.adv.br/artigos/IncentivosaArbitragemnaAdministra
%C3%A7%C3%A3oP%C3%BAblica%20-2016.pdf . Acesso em: 20.04.2020

 LEMES, Selma Maria Ferreira. Uso da Arbitragem na Administração Pública.


IN Jornal Valor Econômico. 19/08/2003. Caderno Legislação & Tributos, pág.
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