O Beijo Na Parede
O Beijo Na Parede
O Beijo Na Parede
romance
© Autores, 2013
ISNB: 978-85-205-0692-9
CDU: 869.0(81)-31
CDD: 869.3B
Setembro/2013
O beijo na parede
Jeferson Tenório
romance
Para que serve o homem?
Para estrumar flores,
Para tecer contos?
Para servir o homem?
Para criar Deus?
Sabe Deus do homem?
Clarice Lispector
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de uma forma ou de outra, temos sempre que carregar alguma dor.
Mas é preciso dar um desconto pra ele, porque além de ser uma pessoa
de idade, ele também é triste. E depois que se tornou velho a única
coisa que soube fazer foi aprender a doer.
Não estou acostumado com as pessoas interessadas em mim.
Também nunca fui urgente para alguém. Isso me preocupa um pouco.
Sei que a preocupação faz mal para a cabeça. Por isso estou contando
minha vida, pois não quero me tornar uma pessoa atacada dos nervos
como a Estela ou como a dona Dinorah. Hoje em dia as crianças são
todas atacadas dos nervos.
Fui um aluno fraco e lerdo. Sei porque eu via isso na cara dos
professores e eles tinham pena da minha lerdice. Achavam até que
eu possuía uma espécie de autismo. Ou talvez que eu fosse retardado
mental. Por conta disso, colecionei muitos boletins lamentáveis. E na
escola aprendi que professores não acreditam em alunos lerdos. Eu
era perseguido pela escola até em casa, quando ligavam para minha
mãe e solicitavam a presença dela. Os professores reclamavam que eu
era um menino lento para a aprendizagem e que o motivo das minhas
reprovações era causado pela minha desatenção. Demorei três anos na
primeira série para entender que “b” com “a” dava “ba”. Três anos. É
sério. Três anos para fazer uma coisa besta dessa. Sempre fui um aluno
fraco, mas não vou me esticar neste assunto. Mais tarde voltarei a falar
disso, pois pretendo contar quem é o responsável pela fraqueza dos
homens.
Quando me tornei maior, mudei meu comportamento na escola,
daí fui acusado de ser hiperativo. Aliás, todos os meus colegas resol-
veram ser hiperativos. O que era bom, porque quando a gente apron-
tava era só colocar a culpa na hiperatividade. Minha mãe e meu pai
nunca me bateram por causa disso. Meu pai porque bebia e, às vezes,
se esquecia de mim. Minha mãe porque era muito doce. É só depois
de algum tempo que nos damos conta de que a mãe da gente é doce e
amável. Antes disso somos idiotas, porque ficamos muito mal-acostu-
mados chorando e esperneando por qualquer coisa. Acho que sempre
fui lento. Só fiquei esperto mesmo depois que ela morreu. Um dia, até
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pensei que eu fosse eterno. E há uma quantidade imensa de bobagens
que a gente pensa quando se é ignorante.
Não vou encher vocês falando de todos os lugares onde morei.
Sei que estão interessados em saber outras coisas – os adultos sempre
se interessam por coisas esquisitas. Mas acho que vale a pena dizer que
a gente morava em Copacabana, na Ladeira dos Tabajaras. E também
que estudava na escola Cícero Pena, na Av. Atlântica. Na terceira série,
depois que já havia superado “ba”, aprendi a matar aula para dar uns
mergulhos na praia. Confesso que nunca achei nada demais no mar.
No entanto sempre gostei dos mergulhos e de sujar o corpo todo de
areia para tirar na água. Aqui em Porto Alegre é que ouço as pessoas
dizendo que o mar é isso e aquilo. Mas eu sinceramente não acho. E
se é por questão de água ainda prefiro a chuva. Se bem que quando
chovia na Ladeira dos Tabajaras era um deus nos acuda. Nossa casa
não tinha ameaça de cair morro abaixo, mas os vizinhos da parte mais
alta vinham buscar abrigo na nossa sala. Sem contar os alagamentos
no pé da ladeira, que deixavam todo mundo ilhado. E esse foi um dos
motivos que fez a gente se mudar para a Lapa. Eu disse que foi um dos
motivos porque, além dos alagamentos, havia também os tiroteios por
causa das brigas dos traficantes. E, como eu já disse, minha mãe queria
que eu tivesse um futuro. Então fomos para a Lapa ter um futuro.
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