Relação Entre Linguagem e Pensamento

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Alfa, São Paulo

24:109-16, 1980.

LINGUAGEM E PENSAMENTO: UMA PREOCUPAÇÃO DE


LINGÜISTAS E FILÓSOFOS
Rafael-Eugenio Hoyos-Andrade*

HOYOS-ANDRADE, Rafael-Eugenio. Linguagem e pensamento: uma preocupação


de lingüistas e filósofos. Alfa, São Paulo, 24:109-16, 1980.
RESUMO: Trata-se de u m balanço das afirmações feitas hoje por lingüistas
(e alguns filósofos) referentes a o problema d a relação entre linguagem
e pensamento. Os depoimentos foram organizados pelo autor a partir da
análise dos trabalhos constantes da bibliografia. Dita análise foi realizada
com a colaboração dos alunos de Teoria Lingüística (Pós-Graduação, 1.»
semestre de 1980) do Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis.
ÜNITERMOS: Lingüística geral; Teoria lingüística; Filosofia d a linguagem;
Psico-lingüística.

1. INTRODUÇÃO mente, o estudo lingüístico do pen-


samento. Hoje, porém, lingüistas
1.1. Segundo afirma Georges Mou- que militam em diferentes escolas
nin o estudo das relações que me- incluem, sem preconceitos, dentro
deiam entre linguagem e pensa- de suas considerações aquela que
mento ficou relegado durante vá- se refere à natureza das relações
rios decênios do presente século ao que existem entre pensamento e lin-
domínio da filosofia. guagem. Deve-se a Chomsky (3),
em grande parte, essa mudança de
Com efeito, por influência espe- atitude.
cialmente da lingüística norte-
americana — estruturalista, positi- 1.2. Pretendemos neste trabalho
vista e assemanticista (por não fazer um balanço do que alguns
dizer antissemanticista) — aban- lingüistas contemporâneeos dizem a
donou-se, durante pelo menos trin- respeito desse problema, sem ex-
ta anos (1930-1960) aproximada- cluir reflexões de alguns psicólogos

* Professor AssistenteJDoutor d o Departamento d e Lingüística e Língua


Portuguesa do Instituto de Letras, História e Psicologia, Campus de Assis, UNESP.

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HOYOS-ANDRADE, R.-E. Linguagem e pensamento: uma preocupação de lingüistas
e filósofos. Alfa, São Paulo, 24:109-16, 1980.

que se dedicaram ou se dedicam ao dades diferentes mas que possuem


esclarecimento desse enigmático algo em comum.
relacionamento. O método empre-
gado para chegar a este balanço Com tudo, a linguagem pode
foi o seguinte: a partir dos traba- atingir o individual, referir-se ao
lhos mencionados na bibliografia concreto mediante a convergência
elaboramos uma lista de textos e de designações genéricas que, coin-
citações pertinentes; organizamos cidindo num só e mesmo indivíduo,
depois desses depoimentos em capí- permitem a sua identificação, ou
tulos, procurando ser objetivos. mediante procedimentos mostrati-
Todavia, a escolha de textos de um vos ligados intimamente a contex-
lado e os critérios de organização tos situacionais.
de outro não deixam de ser, como é A linguagem, por outro lado, não
óbvio, uma contribuição pessoal e é lógica, nem ilógica: ela é anterior
nesse sentido subjetiva. Supérfluo ao lógico. Só os atos de fala podem
seria dizer que não pretendemos ser lógicos ou ilógicos (Coseriu, 2).
ser exaustivos: o balanço prende-se Mas a linguagem é instrumento do
e limita-se ao conteúdo dos traba- conhecimento, como quando nos
lhos mencionados na bibliografia e servimos dela para raciocinar, isto
algumas considerações do autor. é, para adquirir novos conhecimen-
Deixamos de lado intencional e ex- tos a partir dos que já possuímos
plicitamente a abordagem sistemá- (Leontiev, 5).
tica dos problemas e teorias rela-
cionados com a aquisição da lingua- As categorias da língua não são
gem. Daí que não tenhamos explora- convenções conceituais, mas reali-
do as opiniões de Chomsky (3). dades, do discurso sem que porém,
Estas referem-se, como é bem sa- se identifiquem com os esquemas
bido, de maneira específica a este formais em que se materializam.
aspecto das relações entre lingua- Elas são modos significativos uni-
gem e pensamento. versais que se expressam diferente-
mente em diferentes línguas (Co-
seriu, 2).
2. CARACTERÍSTICAS ATRIBUÍ- A essência da linguagem está no
DAS À LINGUAGEM E AO diálogo, na comunicação: poder fa-
PENSAMENTO lar e poder entender (Coseriu, 2).
2.1. A linguagem, que não tem Ao falar, porém, o falante não é
consciente de tudo quanto existe
unicamente valores referenciais mas na linguagem (Leontiev, 5). O fa-
também afetivos, não exprime o lante não estabelece paralelismo
fato particular, individual, concre- entre unidades de linguagem
to; ela expressa somente o geral, o dades de pensamento e/ou dae uni- rea-
abstrato (Buyssens, 1). Desse mo- lidade.
do, sendo genérica, ela padroniza
realidades e pensamentos facilitan- A linguagem, instrumento livre
do a comunicação: a linguagem do pensamento, é específica do ser
unifica, sob o mesmo nome, reali- humano (Chomsky, 3). Mas no seu
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estudo é metodologicamente neces- to o pensamento de modo bastante


sário evitar as pressuposições toma- preciso, todos eles são unânimes,
das a outras ciências. As explicações implícita ou explicitamente, em re-
psicológicas da linguagem não po- conhecer que ainda hoje se desco-
dem ser incompatíveis com os nhece a natureza exata das relações
dados lingüísticos: é o mínimo que entre pensamento e linguagem
se pode esperar (Mounin, 7, citan- (Mounin, 7).
do Whitney, Bloomfield e outros).
2.2. O pensamento, por sua vez, é O estudo da natureza desta rela-
a capacidade de estabelecer genera- ção não se deveria, com tudo, abor-
lizações. A conceptualização é fruto dar sem uma conveniente prepara-
das generalizações. Os conceitos ção prévia tanto lingüística quanto
não são o resultado de simples as- filosófica por parte do pesquisador.
sociações de elementos concretos. É necessário também passar do
Mais ainda, eles têm valor cumu- estágio das meras opiniões subjeti-
lativo e não simplesmente aditivo, vas ao da observação metódica e
pois interagem formando um sis- da análise objetiva das relações
tema (Vygotsky, 4). entre linguagem e pensamento;
A significação de uma frase não sem esquecer de declarar explici-
é simplesmente a soma dos signifi- tamente as coisas que não sabemos
cados lexicais das palavras que in- sobre ditas relações (Mounin, 7).
tegram essa frase (Potter, 8). O 3.2. Para chegar a determinar de
conjunto é qualitativamente dife- um modo mais preciso os caracte-
rente da soma de suas partes, se- res essenciais de dita relação, seria
gundo a teoria gestáltica das for- necessário estudar metodicamente
mas. fenômenos como estes:
O pensamento não se identifica
com a realidade. Daí que não deve a) O sentimento de, às vezes, não
confundir-se o semântico com o podermos exprimir os nossos pen-
real (Coseriu, 2). samentos.
O pensamento é mais rico do que b) O fato de muitas vezes falarmos
a linguagem. Isto faz com que nem pensando em outra coisa.
tudo possa ser dito (Buyssens, 1),
embora a linguagem esteja a ser- c) A unicidade e inefabilidade da
viço do pensamento (Leontiev, 5). experiência individual (fato que
É exagerado, porém, segundo implicaria pensamento sem lingua-
Ullmann (9), afirmar que certas gem).
coisas não podem ser ditas em de-
terminada língua. d) Existência de representações
3. NATUREZA DESTA RELAÇÃO. conscientes não verbalizadas nem
CONDIÇÕES E OUTROS AS- verbalizáveis (p.e. semelhanças físi-
PECTOS DO SEU ESTUDO cas entre pessoas, reconhecimento
das vozes das pessoas, das suas
3.1. Apesar de os autores carac- maneiras de andar, etc.) (Mou-
terizarem tanto a linguagem quan- nin, 7).
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3.3. Constata-se, por outro lado, A língua e o pensamento, entre


que essa relação é arbitrária (no outros), de caráter também muito
sentido saussureano): não existe descontínuo, com repetições e la-
ligação necessária entre signifi- cunas que o autor reconhece mani-
cantes e significados sintáticos: festamente, mas que seus seguido-
noutros termos, uma mesma idéia, res na prática nunca levam em con-
um mesmo pensamento pode ser sideração"... "Trata-se menos de
expresso mediante estruturas sintá- um modelo do que de um ante-pro-
ticas muito diferentes (Mounin, 7). jeto de modelo".
3.4. Este fenômeno leva-nos, natu-
ralmente, a considerar a necessida- 4. A LINGUAGEM INFLUENCIA
de de explorar domínios como o da O PENSAMENTO E ESTE,
tradução, o do aprendizado de lín- POR SUA VEZ, INFLUENCIA
guas (tanto da materna, como das A LINGUAGEM
segundas línguas) e o da patologia
da linguagem, no intuito de detec- 4.1. Bem conhecida é a posição de
tar as características e a natureza Whorf (10) relativa à influência
da relação linguagem/pensamento. decisiva da linguagem sobre o pen-
Existem já pesquisas (ver Ullmann, samento. Segundo ele a estrutura-
9), mas seria preciso coordenar e ção configurativa da língua deter-
interpretar devidamente seus re- minaria a estruturação do pensa-
sultados à luz de critérios científi- mento. Esta idéia que Whorf com-
cos, uniformes, objetivos (Mou- partilha com Sapir ("hipótese Sa-
nin, 7). pir-Whorf") e que remonta a Hum-
3.5. Finalmente, já que o interesse boldt, foi, porém, exposta com mui-
atual nesse tipo de pesquisa foi em to maior clareza e com abundante
grande parte estimulado pelas co- exemplificação pelo lingüista ame-
locações de Chomsky e de seus se- ricano. A visão interior (portanto
guidores, Mounin (7) considera "pensamento") que nós temos do
necessária uma avaliação objetiva, mundo está determinada pela es-
profunda e serena das opiniões do truturação, funcionamento e carac-
fundador da Escola Gerativa Trans- terísticas da nossa própria língua.
formacional. Esta avaliação supõe Estano
teoria torna-se insustentável
seu extremismo por diferentes
um detido exame dos pressupostos razões que vão desde a impossibili-
epistemológicos da escola dos quais dade de estabelecermos
deriva a concepção chomskyana da mo entre duas estruturas (aparalelis-
natureza da linguagem e de suas guagem e a do pensamento) da que
lin-
se
relações com o pensamento. Esse comportam globalmente ("gestalti-
estudo nos permitirá concluir se
Mounin tem ou não razão quando camente"),
ele comete
até a circularidade que
deduzindo primeiro as
diz que "De um modo geral Choms- diferenças conceituais entre duas
ky propôs uma teoria formal, de línguas das diferenças lingüísticas,
maneira bastante pouco racional, para logo atribuir estas últimas a
à base de exposições de caráter diferenças conceituais. Pica, po-
freqüentemente polêmico e literá- rém, um saldo positivo, na opinião
rio (como A lingüística cartesiana,
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de Mounin (7): podemos afirmar samento e que nos serve, portanto,


com toda objetividade que às vezes para pensar. A esta ele chama —
as estruturas lingüísticas podem seguindo os passos do seu mestre —
influenciar a maneira como perce- de linguagem interior.
bemos os fenômenos, embora não
seja fácil verificá-lo. De que modo, 4.2. Se a linguagem influencia o
efetivamente, pôr de manifesto uma pensamento, não é menos verdade
"visão do mundo" (uma estrutu- que o pensamento influencia a lin-
ração do pensamento) sem passar guagem. Esta, com efeito, supõe
pela sua tradução verbal? Essa atividade mental e intencionalida-
influência é mais facilmente cons- de signiifcativa (Coseriu, 2). Onto-
tatável no domínio das ciências logicamente falando diríamos que o
(Mounin, 7). pensamento é por essência anterior
à linguagem. É ele que cria a lin-
Em outra ordem de coisas, é guagem no seu esforço de simboli-
inegável — como defende Malm- zação comunicativa. Essa priorida-
berg (6) — a influência da lingua- de ontológica é salientada plasti-
gem sobre a opinião pública, e, camente com a comparação que
portanto sobre o pensamento. Vygotsky estabelece entre o pensa-
Quem poderia desconhecer o valor mento e uma nuvem que "chove"
dos "slogans" políticos e publici- palavras...
tários?
As diferentes visões do mundo não
Se atendermos agora ao apareci- são, como pretendia Whorf (10),
mento dos conceitos na mente hu- simples produto da diferente estru-
mana defrontamo-nos com as vigo- turação morfo-sintática das lín-
rosas afirmações de Vygotsky, fruto guas. Estas visões explicam-se his-
de suas pesquisas, segundo as quais toricamente a partir das diferentes
a palavra é guia e orientação n a práticas sociais (Leontiev, 5). São
formação dos verdadeiros concei- estas que determinam a diferente
tos. O pensamento, acrescenta ele, decomposição do mundo, a diferen-
nasce mediante as palavras. Entre te visão da realidade extra-lingüís-
pensamentos e palavras há uma tica. Essa visão, atitude mental ou
relação dinâmica: uma palavra sem sistema de pensamento, reflete-se
pensamento é uma coisa morta, e na linguagem. Pode acontecer que
um pensamento sem palavra per- a primitiva visão do mundo que
manece uma sombra. Mais ainda, deu origem, numa determinada lín-
são as palavras as que tornam gua, a um certo tipo de estrutura-
conscientes os nossos pensamentos ção lingüística mude como conse-
(Vygotsky, 4). qüência de mudanças sócio-cultu-
rais. Isso não impede que a estru-
Por sua parte Leontiev (5) (dis- turação lingüística, inicialmente
cípulo de Vygotsky) distingue dois reflexo de uma prática social ante-
tipos de linguagem, uma que se rior, continue vigorando nessa lín-
emprega para fins de comunicação gua. Este seria mais um argumen-
e outra que é instrumento do pen- to contra a hipótese Sapir-Whorf.

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5. PARALELISMO E UNIÃO. PO- Embora, portanto, a união lin-


RÉM, DESENCONTROS guagem-pensamento seja inextricá-
vel isto não significa que haja con-
5.1. A relação linguagem/pensa- fusão real ou conceituai entre eles.
mento pode ser também expressa Diz-nos Vygotsky: "Justamente por-
em termos de paralelismo: assim que o pensamento não tem uma
como a denotação das palavras é contraparte automátca nas pala-
genérica, também são genéricos os vras, a transição do pensamento
seus significados (Potter, 8). Nou- até as palavras faz-se mediante o
tros termos, palavras e pensamen- significado". Em outros termos,
tos são abstratos. Já nos dizia a essas duas realidades que são ori-
filosofia que o individual é indefi- ginariamente diferentes unem-se e
nível, inefável e, em certo sentido, de modo inextricável nos significa-
irredutível a idéias. Como dissemos dos verbais. Esses significados cons-
antes, só conseguimos determinar tituem as "unidades de pensamento
o particular, quer no domínio do verbal" com as que Vygotsky ope-
pensamento, quer no da língua, rava.
pela convergência de significações 5.3. A não identidade entre lin-
genéricas em um mesmo processo guagem e pensamento demonstra-se
designativo. a partir dos desencontros que, de
fato, existem entre um e outro
5.2. O paralelismo aludido, mais campo: uma mesma palavra, uma
do que relação entre duas linhas mesma forma lingüística, no inte-
que não chegam a encontrar-se, é rior de uma mesma língua, pode
descrito como união inextricável: corresponder a pensamentos dife-
pensamento e linguagem intima- rentes (por causa de contextos só-
mente unidos são a chave para ex- cio-culturais diferentes) (Malmberg,
plicar a natureza da consciência 2 e Coseriu, 6).
humana. O pensamento verbaliza- Buyssens (1) estuda toda uma
do é o que nos faz conscientes série de desencontros:
(Vygotsky, 4).
(a) Uma única palavra correspon-
A união é tão profunda que às de, às vezes, a um pensamento com-
vezes se ouve dizer que "língua e plexo (a um conjunto de relações)
pensamento são no fundo a mesma enquanto um pensamento simples
coisa" (Malmberg, 6). Esta apa- exprime-se, às vezes, mediante uma
rente identidade não é, porém, ra- forma lingüística complexa. (Com-
dical, segundo Vygotsky que de- pare-se PAI com CAMARA DE
fende a independência entre pensa- DEPUTADOS).
mento e linguagem na sua origem e
no seu desenvolvimento. Compro- (b) A palavra, a forma lingüística
va-se esta independência na exis- é de natureza linear. O pensamento,
tência de uma fase pré-lingüística em troca, é de natureza simultânea.
do pensamento e de uma fase pré- (c) Classes de palavras não se cor-
-intelectual da linguagem. respondem com classes de pensa-
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mentos. (Os "substantivos" nem ilusão dizer que "se pensa numa
sempre correspondem a noções de língua determinada".
"substanciais").
Mounin (7) é mais explícito e, ao
(d) Usam-se construções que "fe- mesmo tempo, mais cauteloso
rem a lógica" ou as "leis do pensa- quando diz que hoje temos provas
mento". ("O vento sopra", sendo convincentes realizadas com crian-
que "vento" já é "ar em movimen- ças normais, na idade pré-lingüís-
to". ..) tica, e com surdos-mudos, de que
existe pensamento sem linguagem.
Dir-se-á, portanto, com o mesmo Esse pensamento sem linguagem
Buyssens, que a língua não pode não deve confundir-se com o sim-
ser definida como "a expressão do bolismo lógico-matemático que é de
pensamento". Pode-se, com efeito, natureza pós-lingüística. Não exis-
usar a língua — e seja este um te, provavelmente, acrescenta Mou-
exemplo — para ocultar o pensa- nin (7), um corte abrupto entre
mento . . . pensamento sem linguagem e pen-
samento verbalizado: dá-se uma
A perplexidade do lingüista e do passagem gradual, contínua, casual
filósofo é grande, e o problema colo- e vacilante. (Este seria o lugar pri-
ca-se de novo na sua integridade, vilegiado da estilística, passagem
quando comprovamos que até ago- permanente da experiência indi-
ra não se encontraram correlações vidual e inefável à mesma expe-
simples, imediatas, unívocas, uni- riência verbalizada e socializável).
versais ou universalizáveis entre as
estruturas da linguagem e o que se
pensa saber das estruturas do pen- 7. CONCLUSÃO
samento (Mounin (7) citando Ser-
rus). Eis o balanço de que falávamos
na introdução. Um balanço bem
modesto em resultados. O proble-
6. LINGUAGEM SEM PENSA- ma continua desafiando pesquisa-
MENTO? dores das diversas áreas do conhe-
cimento. As afirmações definitivas
O fato constatado acima da não — se alguma há — são poucas, os
identidade e da não correspondên- interrogantes muitos. Uma coisa,
cia bi-unívoca entre linguagem e porém, é clara: não se pode mais
pensamento, deveria obviamente separar taxativamente o estudo da
levar-nos a concluir que é possível linguagem e o do pensamento. Tra-
o pensamento sem linguagem. Nem ta-se de duas realidades paralelas,
todos, porém, concordam. Vygots- não idênticas nem nocional, nem
ky, por exemplo, acha — citando ontologicamente, mas dinamica-
Sapir em seu favor — que é uma mente interdependentes e tão inex-
ilusão afirmar que se pode pensar tricavelmente unidas como o estão
ou raciocinar sem linguagem. Buys- na concepção saussureana o signi-
sens, pelo contrário, afirma que é ficante e o significado.
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HOYOS ANDRADE Rafael-Eugenio. Language and thought: a preoccupation of


linguists and philosophers. Alfa, São Paulo, 24:109-16, 1980.
ABSTRACT: This is a assessment of some of the assertions made by contem-
porary linguists (and by some philosophers) concerning the problem of
the relations between language and thought. Their opinions were almost
exclusively taken from the works mentioned in the Bibliographical Referen-
ces at the end of this paper. The analysis of those works was made with
the help of the Graduate Students attending the author' course in Linguistic
Theory at the Instituto de Letras, História e Psicologia de Assis, UNESP (first
semester, 1980).
UNITERMS: General linguistics; Linguistic theory; Philosophy of language;
Psycholinguistics.

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