Moeda de Onde Veio Pra Onde Foi 2
Moeda de Onde Veio Pra Onde Foi 2
Moeda de Onde Veio Pra Onde Foi 2
novos umbrais
I ttuio do original ern mgtés
MONEY — Whence It Came. Where It Went
Copyright
Houghton Mifflin Co.. 1975
Capa de
Jairo Porfirio
1983
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
1 Moeda .......................................................................................... 1
3 Bancos.......................................................................................... 19
4 0 banco........................................................................................ 31
5 Do papel ...................................................................................... 49
7 A guerra da moeda......................................................................... 73
8 O grande acordo.............................................................................. 91
9 O preço........................................................................................... 109
11 A queda........................................................................................... 143
16 O advento de J. M. Keynes.......................................................
desconhecido, em seu favor. Como tem ocorrido com quase tudo que
tenho escrito, Arthur Schlesinger Jeu, contestou e corrigiu este trabalho.
Ninguém faz isso com uma riqueza maior de informações e julgamento.
Os erros que permanecem são todos meus. Minha amiga e assistente
Emeline Davis datilografou, redatilografou e corrigiu o manuscrito e super
visionou o seu progresso até a gráfica. Nanny Bers ajudou-a e a mim tam
bém. E, como tem acontecido com tudo que tenho feito há anos, todos os
problemas de clareza, edição, estilo e bom gosto ficaram sujeitos ao olho
infalível e à autoridade implacável de Andréa Williams. A todos, toda
a minha gratidão.
"A Sra. Bold tem mil e duzentos por ano, e acho que o Sr. Harding
pretende viver com ela. "
"Mil e duzentos por ano'.” exclamou Slope; - e pouco depois
saiu. . . Mil e duzentos por ano, ía dizendo a si mesmo, enquanto
caminhava lentamente para casa. Se fosse verdadeiro o fato de que a
Sra. Bold recebia mil e duzentos por ano, como estaria ele errando ao
opor-se a que o pai dela retomasse à sua velha casa. A linha de pensa
mento do Sr. Slope provavelmente deve ter ficado bastante clara a
todos os meus leitores... mil e duzentos por ano...
Não muito tempo atrás, uma das investigações sobre os problemas tipica
mente complicados do 379 Presidente dos Estados Unidos trouxe à luz
uma transação rnais do que normalmente interessante. 0 Sr. Charles G.
MOEDA
o que essas moedas comprariam no futuro, a não ser que seria menos do
que no presente. No último século, houve muita incerteza nos países
industriais quanto à capacidade de um homem para ganhar dinheiro, mas
pouca incerteza quanto ao que ele daria a esse homem uma vez tivesse
sido ganho. Neste século, o problema de ganhar ou conseguir dinheiro,
embora continue sendo considerável, tem diminuído. Em seu lugar surgiu
uma nova incerteza, em relação ao que poderá valer o dinheiro, indepen
dentemente de como tenha sido adquirido e acumulado. Houve época
em que ter um rendimento seguramente denominado em termos mone
tários era muito confortável, como pensava o Sr. Slope. Mais recente
mente, uma renda fixa pode ser uma maneira de empobrecer rapida
mente. O que aconteceu a moeda?
Algo deve ser dito sobre o enfoque mental por nós recomendado ao leitor
deite livro. Muitas discussões sobre a moeda envolvem excessiva super
MOEDA 5
foi preciso fazer alguma escolha. Esta escolha baseou-se nos fatos (como
no caso do Banco da Inglaterra) que determinaram o desenvolvimento
da moeda; ou (como no caso do debate entre Jackson e Biddle) melhor
esclarecem as forças que lutaram por seu controle; ou (como em relação
à obra de Keynes e à história recente) contribuíram mais para os nossos
conhecimentos atuais. Com um viés maior, porém, parte dessa escolha
inquestionavelmente resultou do que mais interessava ao autor.
Nos capítulos finais, como ficará evidente, a escolha converge
fortemente para o dólar. Neste caso, a arte, real ou não, simplesmente
imita a vida. É ao dólar que chega a história da moeda. É com ele que
a história da moeda termina, pelo menos por enquanto.
moedas <•
u------------------ -
J
A moeda é um artigo de conveniência bastante antigo, mas a noção de que
um artefato seguro, aceito sem discussão é, em todos os sentidos, um
é
fato bastante ocasional - em grande parte, uma circunstância do último
século. Pelos quatro mil anos que precederam esse século, houve acordo
quanto ao uso de um ou mais de três metais para fins de troca, a saber,
prata, cobre e ouro, sendo a prata e o ouro também usados numa ocasião
na combinação natural denominada electrum. Pela maior parte desses
anos, a prata ocupou a posição principal; por menos tempo, como entre
os micenianos, ou em Constantinopla após a divisão do Império Romano,
o ouro foi o metal dominante.
* Sempre foi considerado depreciativo o
fato de que Judas havia entregado Jesus por 30 moedas de prata. O tratar-
-se de prata mostra apenas que foi uma transação comercial normal; se
tivesse sido com três moedas de ouro, uma relação de troca plausível na
época, a transação teria sido algo excepcional. Ocasionalmente, e na
medida do uso relativo, o ouro era colocado abaixo do cobre. Por períodos
curtos, deve ser notado, o ferro também foi usado. E mais tarde o fumo,
como será mencionado, teve uma experiência limitada, porém notável.
Artigos mais estranhos ou exóticos, como gado, conchas, uísque e pedras,
embora muito aproveitados pelos professores de Moeda, nunca foram
importantes por muito tempo para pessoas afastadas de uma vida rural
primitiva. A associação histórica entre moeda e metal é mais do que pró
xima; para todos os fins práticos, durante a maior parte do tempo, a
moeda tem sido representada por um metal mais ou menos precioso.
Um metal era um objeto inconveniente para ser aceito, pesado,
dividido e avaliado quanto à sua qualidade em pó ou em peças, embora
mais conveniente, neste sentido, do que cabeças de gado. Assim sendo,
desde os tempos mais remotos, ou até antes, os metais foram transfor
mados em moedas dc peso predeterminado. Esta inovação é atribuída por
Heródoto aos reis da Lídia, presumivelmente no final do oitavo século
A.C.:
Parece possível, com base nas referências dos autores épicos indus, que
moedas, inclusive com divisão decimal, tenham sido usadas na índia
várias centenas de anos antes disso.3 A cunhagem de moedas após os
lídios desenvolveu-se bastante nas cidades gregas e em suas colônias da
Sicília e da Itália, transformando-se numa importante forma de arte.
básica dc prata cra 95% feita dc cobre. Mais tarde, o seu conteúdo em
prata caiu a 2%.4 Os modernos colecionadores de moedas, conforme tem
sido sugerido, agora possuem as boas moedas de ouro e prata que eram
acumuladas e que, com o massacre, exigindo a fuga forçada ou provocando
a morte dc seus proprietários, foram abandonadas e esquecidas.5 Com o
tempo, seria afirmado que a desvalorização da moeda provocou a queda
dc Roma. Esta historiografia - a tendência de atribuir vastas conseqüén-
cias adversas ao comportamento monetário, reprovada por este observador
- será freqüentemcnte mencionada neste livro. Não é preciso dizer, porém,
que deve ser encarada com a maior suspeita.
4 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A. Stokes Co.,
1929), pp. 116-17.
8
“Em 1588, Elizabeth I era a senhora da marinha mais poderosa que a Europa
jamais havia visto... uma frota capaz de superar em rapidez e flexibilidade de
14 MOEDA
10 Tal como citado em Hamilton, “American Treasure and The Rise of Capitalism
(1500-1700),” p. 340.
12 Adam Smith. Wealth of Nations (Londres: T. Nelson and Sons, 1884), Livro IV,
Cap. III, p. 196.
13 Houve pelo menos um precursor de curta duração em Veneza. O termo apro
priado é banco público, e não banco central. O Banco de Amsterdam tinha poucas
das características e funções mais tarde associadas aos bancos centrais.
DE MOEDAS E TESOURO 17
1 Ver Abbott Payson Usher. “The Origins of Banking: The Primitive Bank of
Deposit, 1200-1600.“ The Economic History Review, Vol. IV, N9 4 (abril de
1934), pp. 399 e segs. O Professor Usher sugere a existência de uma possível
20 moeda
3
John Stuart Mill. Principles of Political Economy (Londres: John W. Parker
and Son, 1852), Vol. II, Livro III, Cap. VIII, pp. 12-3.
BANCOS 23
Law chegou à França em 1716 com credenciais que alguém poderia então
ter considerado menos do que dignas de confiança. Originário da Escócia,
um detalhe que deverá merecer muita atenção mais tarde, estava fugindo
de uma acusação de assassinato na Inglaterra, onde havia sido excessiva
mente bem sucedido num duelo. Gastando uma herança considerável,
tinha vivido alguns anos como jogador. 0 Duque de Saint-Simon, a cujas
memórias devemos longos comentários sobre as operações de Law — e que
era um dos poucos nobres franceses que conheciam Law e não foram
financeiramente prejudicados por esse relacionamento — descreve-o como
sendo “o tipo de homem que, sem enganar, continuamente vencia no jogo
de cartas através da consumada arte (que parecia-me incrível) dos seus
métodos de jogo.”4 Anteriormente, na Escócia, na Holanda e na Itália,
Law havia procurado vender a sua grande idéia, que consistia em fazer com
que um banco de terras emitisse notas a prestamistas contra a garantia
das terras do país. Era uma revelação que voltaria a surgir posteriormente
sob muitas formas — na Alemanha em época tão recente quanto 1923.
4
Duque de Saint-Simon. Memoirs. Tradução e edição de Lucy Norton (Londres:
Hamish Hamilton, 1972), Vol. Ill, p. 299.
24 moeda
5 1 Igin Groseclose. Money and Man (Nova York: Frederick (Jngar Publishing Co.,
1%1), p. 129.
BANCOS 25
Não pode haver dúvida de que nesses primeiros meses John Law fez
algo de útil. A posição financeira do governo melhorou. As notas empres
tadas ao governo e por ele utilizadas para cobrir o atendimento de suas
necessidades, bem como as emprestadas a empresários privados, aumen
taram os preços, de acordo com a colocação de Mill. E os preços mais
altos, sustentados pelo otimismo gerado pela morte de Luís e a antiga e
resistente capacidade da economia francesa de sobreviver e até melhorar
em face das piores dificuldades, provocou uma recuperação substancial
dos negócios. Law abriu filiais de seu banco em Lyons, La Rochelle,
Tours, Amicns, e Orléans; atualmente, de acordo com a linguagem
moderna, ele teria se tornado uma instituição de âmbito nacional. O seu
banco tornou-se uma companhia publicamente autorizada, o Banque
Royale. Tivesse Law parado neste ponto, ele seria lembrado por uma
modesta contribuição à história dos bancos. O capital subscrito em
dinheiro pelos acionistas teria sido suficiente para satisfazer todos os
portadores de notas que quisessem resgatá-las. O resgate sendo garantido,
não haveria muitos interessados em efetuá-los. É possível que ninguém,
tendo tido um início tão promissor, jamais pudesse parar.
Como os primeiros empréstimos e a primeira emissão de notas, .
foram tão benéficos — além de uma fonte de muito alívio pessoal — o
Regente propôs uma nova emissão. Se algo é bom, mais deve ser ainda
melhor. Law concordou. Sentindo a necessidade, também encontrou um
modo de fortalecer as reservas com as quais o Banque Royale sustentava o
seu volume crescente de notas. Aqui ele mostrou que não havia esquecido
a sua idéia original de um banco de terras. A sua idéia era criar a Com
panhia do Mississipi para explorar e levar à França os grandes depósitos de
ouro que se acreditava haver no subsolo da Louisiana. Ao metal assim
obtido seriam acrescentados os ganhos do comércio. No início de 1719, a
Companhia do Mississipi (Compagnie d’Occident), mais tarde a Companhia
das índias, recebeu privilégios exclusivos de comércio na índia, China e
nos Mares do Sul. Mais tarde, como fontes adicionais de receita, obteve o
monopólio do fumo, o direito de cunhar moedas e a arrecadação de
impostos.
O passo seguinte era colocar no mercado as ações do que era agora
um dos primeiros aglomerados. Em 1719, isso foi feito com uma reação
mais visível, audível e, às vezes violenta, do que até então ou possivel
mente desde essa época. O congestionamento provocado pelas pessoas
que desejavam comprar as ações era intenso; o ruído das vendas era ensur
decedor. As transações eram feitas na antiga bolsa da Rue Quincampoix.
(Mais tarde, foram transferidas para a Place Vendôme, e finalmente ao
26 MOEDA
6 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederick A. Stokes Co.,
1929), p. 247.
n
Charles MacKay. Memoirs of Extraordinary Popular Delusions and lhe Madness
of Crowds (Londres: Richard Bentley, 1841; Boston: L.C. Page and Co., 1932),
p. 29. Este é um relato vívido das operações de Law, bem como de vários outros
episódios de loucura popular. Seria pedir demais supor que todo esse relato
suportasse as provas de modernas pesquisas históricas, o que c uma pena, pois
é um livro fascinante.
28 moeda
o
Saint-Simon, p. 299.
9 MacKay, p. 37.
BANCOS 29
10
Saint-Simon, p. 269.
banco
1 Harry E. Miller. Banking Théories in the United States Before ISoO. Hanard
Economie Studies, Vol. XXX (Cambridge: Harvard Vniversity Press, 192.),
p. 20.
O BANCO 33
Nos dois séculos posteriores a Law, todas essas soluções vieram a ser
adotadas, juntamente com outra, a de proibir os bancos de permitir a
prestamistas que retirassem seus empréstimos em notas que não correspon
dessem a depósitos recebidos. 0 direito de emitir notas, com a esperança
de que as notas poderiam continuar a passar de mão em mão e jamais
retomarem para pagamento em dinheiro era corretamente considerado,
como algo especialmente sujeito a abusos. Esses remédios raramente resul
taram de raciocínio e reflexão: todos foram reações a experiências amar
gas. Em todas as épocas, os homens sentiram-se colocados entre recom
pensas imediatas e custos de excessos e as recompensas mais distantes do
auto controle. Foi somente após os primeiros serem experimentados que
as últimas vieram a ser transformadas em lei.
O instrumento pioneiro de reforma foi o Banco da Inglaterra. De
todas as instituições voltadas para a atividade econômica, nenhuma gozou
de tanto prestígio por tanto tempo. Em todos os sentidos, é para a moeda
o que a Basílica de São Pedro representa para a Fé. E a reputação é mere
cida, pois originou-se daí grande parte da arte, bem como do mistério asso
ciado à administração da moeda. 0 orgulho de outros bancos centrais tem
sido imitar fielmente o Banco da Inglaterra ou conseguir pequenas vari
ações de seus métodos, consideradas como demonstrações de originalidade
mental ou cultural. Como veremos, a direção de bancos centrais tem se
tomado uma profissão tristemente rotineira e simples em épocas mais
recentes. Os governos mantêm os seus bancos centrais na mais curta das
rédeas. Isso é verdade, juntamente com outros, no caso do Sistema Federal
de Reserva dos Estados Unidos, que goza da liturgia, mas não da realidade
da independência. Muitas funções são há muito tempo rotineiras; por
tradição, mesmo as pesquisas de um banco central não podem ser contro-
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umbos os pailldos o Irin nllli/.ado, ;'h vezes, como um lugar de depósito,
nfto somente dr Inndot públicos, mat também de homens que não scriarn
i apa/rs dr com Him os saldos cm scut próprios talões de cheques. Margaret
limnan, c suas agradáveis recordações de seu pai, deixou dúvidas de que
um dos homens por ele nomeado, Jake Vardaman, antigo ajudante de
ordens da Marinha, los.se capaz, até de somar. No moderno Banco da
Inglaterra, se uma decisão é considerada importante, ela não é comunicada
aos diretores externos ale ser tomada. Isto não pode ser considerado como
um reforço do seu poder. O brilho no entanto pemanece. Parte desse
brilho decorre de qualquer associação corn a moeda, por mais rotineira
que seja é o que leva moços outrossim inteligentes a tornaram-se vice-
•picsidcnlcs do ('hase Manhattan ou trabalharem para a Prudential. Mas, a
maior parle desse brilho é herança do Banco da Inglaterra. Nenhum chefe
de banco central de alguma importância, enquanto debate decisões que
não lhe cabe tomar, deixa de sonhar com o dia em que a sua oportunidade
chegará, Então, como aconteceu outrora com o Governador do Banco da
Inglaterra, todo o mundo financeiro aguardará as suas palavras ou medidas.
Os homens tremerão ao seu impacto, mesmo que não tenham a menor
idéia do seu significado.
3 John Giusepp. The Bank of England (Londres: Evans Brothers, 1966), p. 26.
'Autores anteriores acreditaram que ele havia sido injustamente removido da
grande organização que criara.
36 Mfjl.bA
* (N. do T.) “O Banco, para tomar os seus dólares espanhóis aceitáveis, Imprimiu
a cabeça de um tolo sobre a de um asno.”
6
Giuseppi, p. 76.
O BANCO 39
10 David Ricardo. The Works and Correspondence of David Ricardo, Vol. IV,
Pamphleis 1815-1S23, Piero Srafta, ed. (Cambridge: Cambridge University Press,
1951 ),p. 58.
13 Giuseppi, p. 79.
14 John Maynard Keynes. The General Theory of Employment Interest and Money
(Nova York: Harcourt, Brace and Co., 1936), p. 32.
15 A. Andreades. History of the Bank of England (Londres: P.S. King and Sons,
1909), p. 250, citando Juglar, Les crises économiques, p. 334.
42 MOEDA
16 Walter Bagehot, Lombard Street (Nova York: Scribner, Arnistrong and Co..
1876), p. 25.
O BANCO 43
17 Amhcades, p. 336.
O BANCO 45
18 John Maynard Keynes. A Treatise on Money (Nova York: Harcourt, Brace and
Co., 1930), Vol. II, p. 290. Keynes também é a fonte de observação de Freud.
46 MOEDA
tado regionalmente. teve uma existência duas vezes mais longa do que
o ou tio.
Inicialmente, o fumo passava de mão em mão exatamente como
notas de papel e moedas metálicas. Alem de ser rclativamente esboroadiço.
tinha duas outras caiacterísticas de importância considerável. Como meio
de troca que eia cultivado, em vez de minerado, cunhado ou impresso, a
sua oterta não era apenas uma questão de sorte, organização, ou autori
zação pelo Fstado. mas de livre iniciativa c vontade I ficava exposto com
grande rapidez à peida de qualidade. Ambas as características do fumo
toiam exploradas com dinamismo. Desde os primeiros tempos das colônias
de \ irginia e Maryland, os governos coloniais preocuparam se com o
estabelecimento de acordos para limitar a produção de fumo e assim
sustentar o seu poder aquisitivo. Em 1666, foi negociado um tratado
entre Virgínia. Maryland e Carolina (como era então o nome dessa colô
nia). concordando-se com a suspensão de toda a produção de fumo por
um ano. Em 1683, o fracasso de um esforço semelhante levou ao envio
de bandos pelos campos, destruindo as plantas de fumo e forçando a
Assembléia de Virgínia a decretar que os participantes seriam conside
rados culpados de traição e punidos com a morte, caso tais operações
fossem conduzidas por oito ou mais malfeitores.
Embora uma produção elevada provocasse uma forte inflação de
preços, denotada em libras de fumo, como moeda o fumo apresentava
um encanto especial para os produtores. A super produção de artigos
agrícolas, a sua procura geralmente inelástica e os preços desastrosos
daí resultantes têm tornado difícil para os agricultores pagar os juros e o
principal de hipotecas ou outras dívidas. A preços baixos, seria necessana
uma quantidade excessiva de trigo, algodão ou cabeças de gado. Enquanto
o fumo continuasse funcionando como moeda, a mesma quantidade
permitia saldar uma dada dívida, pois esta era fixada em libras de folhas
de fumo. A lei de 1642, proibindo contratos com pagamento em ouro
e prata, foi uma bem pensada concessão dos plantadores de fumo a si
mesmos. Importunados por credores que não desejavam receber em
fumo barato e queriam contratos com pagamento em algo mais substan
cial, principalmente ouro e prata, os plantadores tomaram a medida
mais lógica, decretando a ilegalidade de tal ameaça.
O preço do fumo em moeda britânica era, pari passu, a taxa de
câmbio entre o dinheiro de Virgínia e Maryland e a libra esterlina. Quando
o preço do fumo era de dez pence a libra-peso, era o mesmo o valor da
taxa de câmbio; ou seja, a hbra-fumo de Virgínia ou Maryland valia dez
pence na moeda inglesa. Quando o preço do fumo caísse a cinco pence.
54 MOEDA
a taxa de câmbio passava a scr dc cinco pcncc por libra-fumo. Entre níveis
de preços e taxa dc câmbio havia portanto, um ajustamento simples,
automático e sem demora. Foi uma manifestação precoce e excepcional
mente elegante do que hoje os especialistas chamam de sistemas dc taxas
de câmbio flutuantes.
Uma libra de fumo de má qualidade sendo ainda uma libra de fumo,
oferecia como vantagem óbvia a produção do fumo de menor qualidade,
caso pudesse scr cultivado a um custo mais baixo. E isto levou ao funcio
namento poderoso da Lei de Gresham na obtenção do produto resultante.
Ninguém passava fumo de boa qualidade quando houvesse sobras, talos ou
folhas de tendência a empestar o ar. Na margem norte do Lago Erie, em
Ontário, o fumo é uma cultura importante. Em minha mocidade, um
vizinho de nome Norman Griswold, cuja fazenda situava-se ao sul da
nossa, sustentava o seu vício de nicotina com folhas de diversas quali
dades a ele passadas por fazendeiros vizinhos e por ele mesmo defumadas.
A chegada de Norman, quando soprava o vento sul, podia ser sentida
quinze minutos antes de ele aparecer. Todas as autoridades concordam
que era esse o tipo de fumo que os plantadores de Virgínia e Maryland
colocavam em circulação em primeiro lugar.
Representou, na verdade, a contrapartida das moedas cortadas e
fundidas que os mercadores de Amsterdam tinham achado tão trabalhosas.
Eventualmente, a solução foi a mesma. Armazéns públicos foram estabele
cidos, também como contrapartida do Banco de Amsterdam. Ali, o fumo
era pesado e classificado, e eram emitidos certificados representando quali
dades e quantidades definidas. Os certificados, por sua vez, entravam em
circulação. Em 1727, notas ou certificados baseados em fumo passaram
a ser a moeda legal de Virgínia e continuaram a ser usados quase até o
final do século. Tão íntima era a associação entre o fumo e a moeda que
o papel-moeda de Nova Jersey, um estado não produtor de fumo, trazia
em seu anverso uma folha de fumo, bem como a advertência exigente:
“Falsificar representa a Morte."2*
Na Carolina do Sul, durante os anos finais do período colonial,
o arroz também foi usado por algum tempo como moeda, assim como
aconteceu com o fumo em Virgínia e Maryland. Em outras regiões, houve
experiências menos importantes com cereais, gado, uísque e brandy,
todos ocasionalmente declarados como moeda legal para a liquidação de
dívidas. O uso de uísque e brandy como moeda torna excepcionalmente
3 Ernest Ludlow Bogart. Economic History of the American People (Nova York:
Longman, Green and Co., 1930), p. 172.
4 Cujos intendentes também estavam realizando uma das mais interessantes contri
buições à história da moeda. Quando a chegada de dinheiro vivo da França para
pagar a guarnição e para outros fins começou a demorar, promessas de pagamento
foram impressas em cartas de baralho e entregues aos soldados e outros credores.
Essa moeda de cartas de baralho continuou em circulação por cerca de sessenta
anos. O governo de Versalhes desaprovou-a, de início, mais tarde aceitou-a. Em
1711, houve uma emissão de 100 libras em espadas e paus, e de 50 libras em copas
e ouros. À época de Wolfe e Montcalm, essa moeda tinha sido fortemente infla-
cionada. Com a queda da Nova França esse experimento foi encerrado. Herbert
Heaton. “The Playing Card Currency of French Canada”. The American Econo
mic Review, Vol. LVIII, N9 4 (dezembro de 1928), pp. 649 e segs.
5 Adam Smith. Wealth of Nations (Londres: T. Nelson and Sons, 1884), Livro
IV, Cap. VII, p. 235.
56 MOEDA
concluiu que “este foi o papel-moeda mais bem sucedido emitido por
qualquer das colônias.”9 Dois séculos mais tarde, durante a Grande
Depressão, um soldado inglês convertido em profeta econômico, o Major
C. 11. Douglas, fez praticamente a mesma proposta. Era o Crédito Social.
Exceto em regiões distantes como as pradarias canadenses, Douglas ganhou
hostilidade generalizada sendo tido como tolo em assuntos monetários.
Apenas havia nascido duzentos anos atrasado.
As experiências monetárias da Pensilvânia e de seus vizinhos não
foram, de modo algum, uma reação irrefletida às circunstâncias. Foram
amplamente debatidas e tiveram o apoio enérgico de Benjamin Franklin,
o político mais inteligente das colônias e um defensor ardente do papel-
•rnoeda. Em 1729, ele publicou A Modest Enquiry into the Nature and
Neceasity of a Paper Currency, um ensaio em defesa de uma moeda de
papel, e nos anos subseqüentes apoiou essa causa de um modo muito mais
prático. Em 1736, a Pennsylvania Gazette, o jornal de Franklin, publicou
um pedido de desculpas por aparecer irregularmente, pois o seu impressor
estava “usando a prensa para o bem público, tornando o dinheiro mais
abundante.” 10 A prensa estava sendo ocupada para imprimir dinheiro.
Pelo final do século dezenove, a expansão dos corpos docentes
das universidades, um interesse crescente pelo passado e uma necessidade
premente de assuntos para a realização de teses de doutoramento e outras
pesquisas acadêmicas levaram a uma exploração muito maior da história
econômica colonial. Até então, entre os historiadores e economistas,
o padrão-ouro tinha se tornado uma questão de fé. A sua pesquisa não
subordinava essa fé à luz dos fatos. Pelo que não passava de um entendi
mento tácito entre homens bem pensantes, as tendências excessivamente
liberais de Rhode Island, Massachusetts e Carolina do Sul eram tomadas
como epítome da experiência monetária colonial. A experiência diferente
das Colônias Centrais era simplesmente ignorada. Um destacado estudioso
moderno da experiência monetária colonial observou que “procura-se em
vão por uma discussão dessas experiências satisfatórias nos textos usuais
sobre a história monetária e financeira americana.”11 Outro concluiu que
11 Lester, p. 141.
DO PAPEL 59
13 Charles J. Bullock. Essays on the Monetary History of the United States (Nova
York: MacMillan Co., 1900; Greenwood Press, 1969), pp. 43 e segs. À época
desses ensaios, o Professor Bullock lecionava em Williams College. Ao longo de
sua extensa carreira em Harvard, ele adquiriu uma reputação não injustificada
como uma figura pré-renascentista, mesozoica, segundo alguns. Esta reputação
não diminui, de modo algum, o respeito atribuído às suas posições sobre as
finanças coloniais.
bO MOEDA
** Dari» Rich Dewey. Financial History of the United States (Nova York: Longmans,
Green and Co., 1903), p. 43.
DO PAPEL 61
quando deveria receber uma libra. A virgem em flor que havia crescido
com direito indiscutível a um grande patrimônio era legalmente destituída
de tudo, exceto de sua beleza e suas virtudes pessoais... Os sonhos de uma
idade de ouro eram concretizados para o pobre e o devedor, mas, infeliz
mente o que estes ganhavam era perdido por outros.” 3 A expressão “não
vale um continental” adquiriu seu lugar permanente na linguagem ameri
cana. Até Benjamin Franklin tomou-se irônico:
mento revolucionário. A ortodoxia aceita, muito ampla no caso das assignats, foi
examinada com um espírito crítico e informado que predizia a contribuição pos
terior do Professor Harris à heresia monetária e econômica inteligente.
UM INSTRUMENTO DE REVOLUÇÃO 69
* Hams, p. 62.
UM INSTRUMENTO DE REVOLUÇÃO 71
mente aprovada pela Convenção de 1787. Acabaria sendo uma lição sobre
a flexibilidade da Constituição, e também sobre a dos seus defensores,
quando estão envolvidas as exigências monetárias. A proibição constitu
cional foi informalmente abandonada pelo Secretário do Tesouro Gallatin
durante a guerra de 1812-1814; sob as usuais pressões de tempo de guerra,
emitiu notas do Tesouro, muitas delas a juros de 5,4%, mas algumas sem
juros e em denominações suficientemente pequenas, a menor de 3 dólares,
para que passassem de mão em mão como moeda. Estas notas não tinham
o poder de liquidar dívidas. Esse talvez tenha sido o último fio de consti-
tucionalidade ao qual tenham ficado presos.
Durante a Guerra Civil, no entanto, todo o fingimento foi abando
nado. Há alguns indícios de que uma associação indevida com o dinheiro
estimula o farisaísmo, a obtusidade política e maneiras rexpulsivamente
pomposas. Nesses termos, um útil caso ilustrativo é o de Salmon P. Chase,
que para a sua própria infelicidade pessoal, foi o Secretário do Tesouro
no governo Lincoln, pois acreditava que ele mesmo deveria ser o Presi
dente. Após uma demonstração inicial de relutância, solicitou ao Con
gresso autorização para repetidas emissões de notas,
* mais uma vez na
ausência de qualquer alternativa para o pagamento de despesas de guerra.
Esse dinheiro era papel-moeda puro e simples. Em 1870, falando severa
mente como Presidente da Suprema Corte e pela maioria do tribunal,
o próprio Chase sustentou que essas notas eram inconstitucionais e, mais
tarde ainda, em 1871, quando uma Corte de composição diferente reti
ficou essa posição, Chase permaneceu firmemente em minoria.1
A Constituição, não obstante, foi um ponto de retorno. As expe
riências do governo com o papel-moeda, excluindo os episódios
Gallatin e “greenback”, perderam força. Os instintos inovadores
e inflacionários americanos, porém, não foram reprimidos. Daí para
a frente, voltaram-se para os bancos com grande entusiasmo e
vigor.
1 Hepbum vs. Griswold, 8 Wallace 603 (1870); Legal Tender Cases. Knox vs.
Lee c Parker vs. Davis, 12 Wallace 457 (1871).
A GUERRA DA MOEDA 75
Sempre fui inimigo dos bancos; não dos que descontam em dinheiro;
mas dos que poêm o seu próprio papel em circulação, expulsando
assim o nosso dinheiro. Meu zelo contra essas instituições foi tão
forte e aberto quando do estabelecimento do Banco dos Estados
Unidos, que fui tido como maníaco pela tribo de fanáticos pelos
bancos, que estavam tentando extrair do público os seus ganhos
falsos e estéreis... Devemos construir um altar para o velho papel-
-moeda da revolução, que arruinou os indivíduos mas salvou a repú
blica, e queimar aí todos os títulos de autorização de constituição
de bancos, presentes e futuros, juntamente com as suas notas? Pois
eles arruinarão tanto a república quanto os indivíduos. Isto não pode
ser feito. A loucura é muito forte. Seu poder de ilusão e corrupção
apossou-se de todos os membros de nossos governos, gerais, espe
ciais, e individuais.4
A história pode não se repetir, mas os eventos dos vinte e cinco anos
seguintes constituem testemunho impressionante em contrário. Livres da
disciplina imposta pelo Banco e estimulados pela Guerra de 1812 e pela
prosperidade subseqüente, os bancos estaduais multiplicaram-se de 88 em
5 Bray Hammond advertiu com muita justiça contra uma divisão simplista entre
interesses capitalistas e agrários na questão do banco. Ambos os lados estavam
interessados em ganhar dinheiro;houve muitos desertores dos dois lados regionais;
e as objeções específicas dos bancos estaduais, bem como as questões constitu
cionais, é que devem ser enfatizadas. (Hammond, pp. 197 e segs.) Não obstante,
a tendência geral para associar-se bancos mais livres e crédito fácil às novas regiões,
e a ser moderada ou contida com o tempo, parece-me absolutamente inegável.
A GUERRA DA MOEDA 81
o z z
A literatura sobre a história do Segundo Banco é tão rica em detalhes que o pro
blema de resumi-la
* chega a ser formidável. Quanto aos esforços levando à consti
tuição do Banco, ver Kenneth L. Brown, “Stephen Girard, Promoter of the
Second Bank of the United States”. The Journal of Economic History,Vol. II,
N9 2 (novembro de 1942), pp. 125 e segs. e Raymond Walters, Jr.. “The Origins
of the Second Bank of the United States”, The Journal of Political Economy,
Vol. LUI, N9 2 (junho de 1945), pp. 115 e segs. O estudo-padrão mais antigo
sobre o Banco é o de Ralph CJ1. Caterall, The Second Bank of the United
States (Cliigaco: University of Chicago Press, 1903).
A GUERRA DA MOEDA 83
17 Jacob P. Meerman. “The Climax of the Bank War: Biddle’s Contraction 1833-34”.
The Journal of Political Economy, Vol. LXXI, N9 4 (agosto de 1963), p. 388.
18 Chester Whitney Wright. Economic History of the United States (Nova York:
MacGraw-Hill Book Co., 1949), p. 370.
19 Sobre os aspectos politicos do conflito, ver especialmente Robert V. Remini.
Andrew Jackson and the Bank War (Nova York: W.W. Norton and Co., 1967).
88 MOEDA
(N. do T.) Não pela desvalòrização e ou pelos acordos. Como se recorda, foi
acusado de receber contribuições políticas ilegais dos produtores de laticínios.
O yrande acordo*
Segundo a interpretação usual e, deve ser acrescentado, bem pouco inspi
rada da lüstória monetária dos Estados Unidos, os anos posteriores a
1832 foram deploráveis. A liberdade de atividade bancária, as falências
de bancos daí resultantes, a utilização de “greenbacks”, a agitação por
mais “greenbacks” e a pressão, em parte bem sucedida, pela cunhagem
de prata barata, combinadas aos repetidos pânicos, contribuíram para
tomar o sistema financeiro dos Estados Unidos, como disse Andrew
Camegie, “o pior do mundo civilizado.”1
Mas, apesar disso, nem tudo poderia ter estado errado. Pois os
que falavam com mais desconsolo das aberrações monetárias dos Estados
Unidos no século passado sempre expressaram-se com admiração e, em
1 Norinan Angell. The Story of Money (Nova York: l-redcrick A. Stokes Co.,
1929), p. 307.
92 MOEDA
3 Chester Whitney Wright. Economic History of the United States (Nova York:
McGraw-Hill Book Co., 1949), p. 370. Não é preciso ressaltar que os dados sobre
o volume de notas em circulação e as reservas em espécie constituem estimativas
grosseiras. Detalhes da evolução em diversos estados foram admiravelmente exa
minados por James Roger Sharp. The Jacksonians versus the Banks (Nova York:
Columbia University Press, 1970).
O GRANDE ACORDO 95
das regras era descoberto somente após a falência do banco ter tomado
a questão puramente acadêmica. Nesses anos, na então conservadora
Comunidade de Massachusetts, foi descoberto um banco com uma circu
lação de notas de 500.000 dólares, após a sua falência, com reserva em
espécie de apenas 86 dólares e 48 cents. Uma reserva realmente modesta.
Talvez porque a história tenha sido registrada e preservada com mais
eficácia do que em outras regiões, os anais dos bancos de Michigan na
década de 1830 são particularmente interessantes. A lei exigia uma reserva
de ouro e prata na proporção de 30% das notas em circulação - uma base
bastante sólida. E eram utilizados fiscais para inspecionar os bancos e fazer
cumprir essa exigência. Pouco antes de surgirem os fiscais, também eram
postos em circulação o ouro e a prata que serviam de reserva. Eram trans
feridos em caixas de banco a banco; quando necessário, essa reserva era
aumentada com o acréscimo de uma mistura de chumbo, cacos de vidro
e (muito apropriadamente) pregos de dez pence, sob a cobertura mais fina
de moedas de ouro. Um dos fiscais, com o eterno dote da metáfora apli
cável à época, reclamou que “o ouro e a prata voavam pelo território
como num passe de mágica; o seu som era ouvido nas profundezas das
florestas, mas, como o vento, ninguém sabia de onde vinha ou para
onde ia.”4
Ocasionalmente, as profundezas da floresta, o centro de um pântano
ou, mais provavelmente, um posto comercial em local desolado era consi
derado um ponto particularmente apropriado para a instalação de um
banco. A partir daí, o banco podia emitir notas a um prestamista (que
por sua vez as passaria adiante) e esperar que nenhum dos que as rece
bessem eventualmente saberia onde enviá-las para resgate. Entretanto,
deve ser ressaltado mais uma vez que na história o pior é o que sobrevive.
0 lugar de Spiro Agnew entre os vice-presidentes está garantido. O mesmo
se dá com os bancos. Muitos bancos desse período, incluindo vários
pertencentes aos governos estaduais, foram administrados cuidadosa e
responsavelmente. E mesmo entre aqueles que faliram, houve muitos que
o fizeram somente depois de esforços honestos e úteis que permitiram
a homens merecedores estabelecerem-se em fazendas ou empresas e
ganharem a vida.
4
Angell, p. 290.
% MOEDA
6 Conforme Hammond.
98 MOEDA
7 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics of the United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960), p. 636.
O GRANDE ACORDO 99
do metal puro; o dólar de ouro teve uma redução de 24,75 para 23,22
grãos.) Para os que buscavam esse tipo de ganho, o lógico agora era vender
prata no mercado aberto, comprar ouro e levá-lo à casa da moeda. Após
as descobertas na Califórnia, o ouro passou a ser entregue às casas da
moeda em grande quantidade. Por um certo tempo, era até lucrativo
fundir as moedas menores — meios dólares, quartos de dólar e décimos -
e trocar a prata resultante por ouro para cunhagem. Esta tendência foi
remediada pelo Congresso em 1853, diluindo-se a prata nas moedas
menores para que, após a fusão, nenhum lucro pudesse ser obtido levan
do-se a mistura resultante à casa da moeda. Assim, após 1837 o meio cir
culante dos Estados Unidos passou a ser metal precioso, e o metal era
o ouro. O único papel-moeda era representado pelas notas dos bancos.
As notas que eram suficientemente boas para serem trocadas por alguma
coisa eram conversíveis em ouro. A prata, tendo desaparecido da
vista, agora desaparecia também do pensamento. O país estava agora
inteiramente no sistema do padrão-ouro, de fato, ainda que não
de direito.
8 ILS. Bureau of the Census. Historial Statistics, p. 711. As despesas não incluem
a amortização da dívida.
9 Albert S. Bolles. Financial History of the United States (Nova York: Augustin
M. Kelky, 1969), VoL III, p. 14.
100 MOEDA
17 Edward Channing. History of the United States (Nova York: Mcmillan Co.,
1925), Vol., VI. d. 411.
18 Certamente, estou fazendo uma condensação particularmente implacável das
controvérsias desse período. Para uma história rica em detalhes, o leitor deve
consultar Unger.
104 MOEDA
de quatro milhões por mês. Não foi uma política popular. As despesas
do governo, incluindo os custos do apoio aos regimes de reconstrução
no sul, ainda eram elevadas. E os preços estavam caindo. O preço do
trigo tinha continuado a subir após a guerra e alcançara 2 dólares e 94
cents em 1866. Em 1869, caíra a $2,54, e caiu quase um dólar a mais
no ano seguinte. O índice de todos os preços de produtos agrícolas, que
era 162 em 1864, caiu a 138 em 1868, e a 128 no ano seguinte. (Dez anos
mais tarde, era 72.)19 As dívidas hipotecárias dos agricultores haviam
subido durante a guerra; os soldados, agora fora do exército e reiniciando
atividades agrícolas em suas regiões de origem ou na fronteira oeste, esta
vam entre os muitos que reagiram desfavoravelmente à queda de preços.
Os que assim foram afetados atribuíram a responsabilidade à retirada
dos “greenbacks”. Em 1868, com amplas maiorias em ambas as casas
do Congresso, a retirada foi suspensa e, em 1871 e 1872, o Tesouro,
contra a oposição dos partidários da moeda forte, autorizou um aumento
de alguns milhões. O ano seguinte foi um período clássico de pânico,
quando o povo recorreu em massa aos bancos para retirar o seu dinheiro.
Para suportar essa procura, houve uma nova emissão ainda maior. Em
1874, o Congresso aprovou legislação estabelecendo a expansão dos
“greenbacks” em circulação a um total permanente de 400 milhões de
dólares.
Isso foi vetado por Grant — “Não acredito em qualquer método
artificial que faça o papel-moeda equivalente ao metal, quando este não
existe ou não é oferecido para resgatar as promessas de pagamento.”20
A questão foi então conduzida ao eleitorado. Em 1876, surgiu o Partido
“Greenback” para defender o papel-moeda (e outras novidades finan
ceiras, incluindo a supressão das novas notas dos bancos nacionais, que
se afirmava violarem o direito exclusivo e sagrado do governo para emitir
moeda), e na eleição para o Congresso de 1878 conseguiu mais de um
milhão de votos, elegendo quatorze congressistas. (Foi esta eleição que
trouxe para sempre à linguagem comum a distinção entre moeda fraca
e forte.) Enquanto isso, embora novas emissões de “greenbacks” tivessem
sido proibidas, a retirada também fora suspensa. A questão foi resolvida
deixando-se simplesmente que as coisas ficassem como estavam. A circu
lação total de “greenbacks” foi fixada à cifra extraordinariamente precisa
23
(Jngcr, pp. 339-340.
O GRANDE ACORDO 107
26
Studenski e Krooss, p. 234.
Não pode ter havido uma época em que foi tão bom ser rico como os
últimos anos do século passado e a primeira década deste século. Não
havia imposto sobre a renda, pois o que fora cobrado durante a Guerra
Civil havia sido obliterado logo após o conflito. Havia um gritante con
traste com a vasta maioria de pessoas muito pobres. Escrevendo em 1899,
Thorstein Veblen observou que a propriedade era então “o indício mais
facilmente reconhecido de um grau de sucesso respeitável, em contrapo
sição à realização heróica ou destacada. Portanto, é a base convencional
de estima.”1 Com instinto seguro, os historiadores referem-se a esses anos
como sendo a Idade do Ouro.
1 Thorstein Veblen. The Theory of the Leisure Gass (Nova York: Macmillan Co.,
1899; Boston: Houghton Mifflin Co., 1973), p. 37. Existe tradução brasileira.
A teoria da classe ociosa, São Paulo: Livraria Pioneira Editora. 1965.
HO MOEDA
3 R. Hildreth Banks, Banking and Paper Currencies (Boston: Whipple and Damrell,
4840). Citado por Samuel Rezneck. Business Depressions and Financial Panics
(Nova York: Greenwood Publishing Corp. 1968), p. 85.
* (N. do T.) Aproximadamente 486 mil hectares.
114 MOEDA
4 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics of the United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960); p. 115 e segs. O índice, como foi
notado antes, é o de Warren e Pearson, sendo a base 100 o nível do período
1910-1914. As cotações em Cincinnati foram extraídas de Rezneck, p. 58.
5 P.A. David, “New Light on a Statistical Dark Age: U.S. Real Product Growth
before 1840”. In New Economic History, Peter Temin, ed. (Baltimore: Penguin
Brooks, 1973), pp. 44 e segs.
116 MOEDA
6 Moses Abramovitz. “Resource and Output. Trends in the U.S. Since 1870”.
Occasional Paper 52 (Nova Yokr: National Bureau of Economic Reserarch,
1956), pp. 6-7.
7 Rezneck, p. 56, de onde também provêm as adivinhações sobre os níveis de
desemprego.
8 Rezneck, p. 56.
9 Ambas as citações são de Wilfred J. Funk, When the Merry-Go-Round Breaks
Down (Nova York: Funk & Wagnails Co., 1938), pp. 10-1.
O PREÇO 117
15 Sobel, p. 315.
16 U.S. Bureau of the Census. Historical Statistics, p. 74. Mais uma vez, o leitor deve
lembrar-se de que as cifras mais antigas, embora suficientemente válidas em
termos de ordens de grandeza, antecederam à era de precisão estatística.
O PREÇO 119
19
Friedman e Schwartz, p. 359.
O PREÇO 121
Não que tenha sido considerada uma função inteiramente especial ou acidental
do Tesouro na época. Leslie M. Shaw, que foi o Secretário de 1902 a 1907, via o
Tesouro explicitamente como um banco central. Ele achava que “nenhum banco
central ou governamental no mundo inteiro pode influenciar prontamente as
condições financeiras internacionais como o Secretário com a autoridade da qual
agora está investido.” Friedman e Schwartz, p. 150.
O PREÇO 123
1 Um autor recente, Edward J. Kane, afirma que esta imunidade está enfraquecendo
— que os economistas nos últimos tempos têm reagido com mais intensidade à
“inépcia inevitável das intervenções [do Sistema Federal de Reserva) em mercados
específicos e à sua queda extraordinária para a tapeação’’. Ver o trabalho “All for
the Best: The Federal Reserve Board’s óOth Annual Report’’. The American
Economic Review, Vol. LXIV, N9 6 (dezembro de 1974), pp. 835 e segs. Jul
gando, possivelmente, com base numa amostra menor de tais comentários, acre
dito que o Professor Kane exagerou na sua conclusão.
2 Paul A. Samuelson, Economics, 8? ed. (Nova York: McGraw-Hill Book Co.,
1970), p. 272.
* (N. do T.) O autor provavelmente refere-se ao sentido de “fed”, como na exores-
são “fed up”, significando enfastiado, aborrecido, ou chateado.
3 Samuelson, pp. 272-73.
O SISTEMA IMPECÁVEL 127
4 U.S. Bureau of the Census, Historical Satatistics of the United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960), p. 636.
5 Board of Governors of the Federal Reserve System. The Federal Reserve System;
Purposesand Functions (Washington, D.C. 1963), p.2.
I2H MOEDA
6
Quanto à confirmação de minha impressão sobre a honestidade do pessoal do
Sistema, sou grato a meu colega Andrew Brimmer, até bem pouco membro do
Conselho de Governadores do Sistema Federal de Reserva.
130 MOEDA
e emitir uma moeda de emergência. Isto poderia ser feito com a garantia de
diversas obrigações c empréstimos comerciais - que, na verdade, podiam
ser transformados cm dinheiro sem serem vendidos. Um imposto
asseguraria a retirada desta moeda auxiliar uma vez vencida a fase de
emergência. A lei foi invocada apenas uma vez - no início da guerra
de 1914. Outro artigo mais importante da lei criava uma Comissão
Monetária Nacional para conceber um procedimento permanente para
minimizar ou contrabalançar o efeito de pânicos e, além disso, propiciar
um sistema monetário estável.
Assim, apropriadamente surgiram dois organismos para estudar a
administração da moeda nos Estados Unidos, um para cada uma das par
tes do velho acordo. A primeira, a recém-mencionada Comissão Mone
tária Nacional, estava sob a chefia do Senador Nelson W. Aldrich, de
Rhode Island. Um homem gentil, cortês e de aspecto profundamente sena
torial, Aldrich estava declaradamente comprometido com altas tarifas,
moeda forte, livre atuação dos grandes banqueiros e todas as demais me
didas que, com razoável certeza, aumentassem a riqueza ou o poder dos
que já eram ricos, uma comunidade que claramente incluia o próprio
Aldrich. Essa identificação tinha sido recentemente reafirmada pelo casa
mento de sua filha Abby Aldrich com John D. Rockefeller, Jr., uma união
lembrada nos tempos atuais pelo nome de Nelson Aldrich Rockefeller.
Aldrich, nos primeiros anos do século, era geralmente tido como o homem
mais influente no Senado. Lincoln Steffens, que preferia uma expressão
forte a uma definição precisa, e chamava de “patrão dos Estados Unidos.”7
Sob a direção de Aldrich, vários estudos de instituições monetárias dos
nstados Unidos e, mais particularmente de outros países, foram encomen
dados aos profissionais em Economia, que então começavam a surgir. É
pelo menos possível que a reverência dos economistas pelo Sistema Federal
de Reserva deva-se um pouco à circunstâncias pela qual muitos dos pio
neiros desta profissão também participaram do nascimento dessa insti
tuição.
O estudo concorrente, que foi iniciado um pouco mais tarde, era
encabeçado pelo Representante Arsene Pujo, do estado da Louisiana. A
orientação ativa foi proporcionada por Samuel Untermyer. O seu propó
sito era examinar as operações do truste do dinheiro — o poder cinzento
localizado em Nova York, e cujo fortalecimento suspeitava-se estar sendo
novo dia raiou para o amado país cuja duradoura prosperidade e fdidd^^
tão sinceramente desejamos.’’9
M Robert P. Black. The Federal Reserve Today (Richmond: Federal Reserve Bank
of Richmond, 1971), p. 7.
zfl queda
r------- ----------- ---- ------------
clc disse apenas que “eles poderiam vir logo depois do corpo de bom
beiros.”1 Os jornais, porém, referiam-se obsequiosamente ao Conselho
corfio “a nova Suprema Corte das finanças.”
1 William Gibbs McAdoo. Crowded Years (Boston: Houghton Mifflin Co., 1931),
pp. 287-88.3
3 Paul Studenski e Herman E. Krooss. Financial History of the United States (Nova
York: McGraw-Hill Book Co., 1952), p. 281. Outras estimativas, como a de Ale
xander D. Noyes {The War Period of American Finance, [Nova York: G.P. Put
nam’s Sons, 1926], p. 60), são algo inferiores.
14b molda
Parte do ouro veio para depósito e custódia; parte para ser investido em
títulos americanos; mas, a força básica do fluxo era a necessidade de pro
dutos americanos pelos países beligerantes. Numa era de agricultura socia
lista e compras de trigo pela União Soviética, é necessário fazer um esforço
mental para lembrar que a Rússia já foi uma importante fonte de trigo para3
0 efeito da remoção do ouro da Europa foi retirar das reservas dos bancos
franceses e ingleses, do Banco da França e do Banco da Inglaterra, o metal
em que o papel podia ser convertido. E removendo o ouro da circulação
manual ordinária e substituindo-o por papel, também aumentara substan-
cialmcnte a proporção da oferta de moeda que, dada a possibilidade e
conversão, estaria sujeita à troca por ouro. O principal efeito disto sobre
0 ftrturo do padrão-ouro deve ficar evidente. Havia muito mais papel
para converter, muito menos ouro para permití-lo.
Houve um outro efeito talvez ainda mais sério. A arrecadação do
ouro era uma maneira de indicar aos cidadãos que, em comparação com
notas de papel-moeda ou depósitos bancários, ele tinha uma importância
Esse foi o efeito de fluxo de saída. Nos Estados Unidos, enquanto isso,
o padrão-ouro estava sendo igualmente devastado pela enchente. Como
foi observado, entre o fim de 1914 e o fim de 1917, o estoque de ouro
dos Estados Unidos quase duplicou. O ouro era recebido pelos agentes
bancários dos britânicos e dos franceses nos Estados Unidos era depo
sitado nas contas dos fornecedores, e permanecia nos cofres dos seus
bancos ou era enviado como depósito nos Bancos Federais de Reserva
locais. Se tudo tivesse sido usado como reserva pelos bancos comuns e
pelos Bancos Federais de Reserva, teria sido capaz de sustentar uma expan
são fenomenal de empréstimos, depósitos e emissões de notas. Esta expan
são, sendo muito superior a qualquer aumento concomitante da oferta de
bens e serviços, teria resultado numa elevação muito grande dos níveis de
preços - o que teria alarmado os seguidores de Bryan, pois estes dese
javam preços que não caíssem, ou preços que recuperassem reduções ante
riores, mas não preços descontroladamente crescentes. E para o seu indu
bitável assombro, esses aumentos de preços teriam ocorrido com uma
moeda que era inteiramente conversível em ouro. Os Estados Unidos
defrontavam-se com uma inflação causada pelo ouro.
Entretanto, os novatos banqueiros centrais dos Estados Unidos, bem
como os banqueiros comerciais, permitiram que as reservas se acumu
lassem além das exigências legais. Este limite sobre os empréstimos (e a
expansão resultante de notas e depósitos) não foi fixado pelas reservas,
como era tão meticulosamente estabelecido na lei do Sistema Federal de
Reserva. Era estabelecida pelas necessidades e exigências dos tomadores
de empréstimos e pelo que os bancos comerciais e os Bancos Federais de
Reserva isolada e independentemente consideravam ser prudente empres
tar. Da pletora de ouro veio uma oferta limitada de moeda, não pela
oferta de ouro, como no caso do padrão-ouro clássico. Era limitada pelas
decisões dos bancos comerciais e do novo banco central, e pelo que os
150 MOEDA
Pela primeira vez desde que Sir William Phips retomara de Quebec,
uma guerra séria não havia trazido uma exigência séria de emissão imediata
de papel-moeda pelo governo. Isso aconteceu apenas porque havia agora
um instrumento muito mais sutil. O Tesouro podia tomar emprestado
do Sistema Federal de Reserva — qualquer que fosse a independência
teórica deste último, não lhe era dado recusar qualquer coisa ao governo
na prática, ou mesmo sonhar em fazer isso. Em conseqüência dessa ope
ração, o Sistema ficava com obrigações recém-emitidas, e o Tesouro com
notas recém-emitidas pelo Sistema ou novos depósitos igualmente utili
záveis nos Bancos Federais de Reserva. Em sua natureza última, bem como
em termos de efeito prático, este procedimento só diferia superficial
mente da impressão de “greenbacks”. E tampouco a situação mandava
muito mesmo quando o Tesouro vendia obrigações aos bancos comer
ciais. O governo, em conseqüência de tais vendas, dispunha de
caixa ou depósitos, que passava a gastar. O banco então levava as
obrigações governamentais ao Banco Federal de Reserva e levantava
empréstimos com base nesses títulos públicos de boa qualidade para
repor os fundos que o governo tinha usado. Assim como acontecia
com a venda direta ao Sistema, mais dinheiro era criado para pagar
as despesas de guerra.
Estas transações foram conduzidas por homens de modos sóbrios
e educados, bem vestidos e de fala correta. Não havia qualquer indício da
promoção agressiva que marcou a emissão dos “greenbacks”. A Guerra
Civil e os “greenbacks” permanecem como exemplo clássico de finanças
irresponsáveis. A Primeira Guerra Mundial não tem tal reputação. Esses
são os benefícios de um estilo adequado em Economia e administração
da moeda.
Na verdade, a prestidigitação da Primeira Guerra Mundial envolveu
um exercício ainda mais complexo de engodo. Assim como sob a super
visão de Jay Cooke durante a Guerra Civil, foi recrutada uma legião de
vendedores voluntários de obrigações para passar os títulos do governo
ao público. Um aspecto elogiável deste esforço era o discurso de três
minutos de duração — um reconhecimento de que os apelos ao patrio
tismo e ao dever público são eficazes em proporção inversa à sua dura
ção. Essa prática de venda tinha, em princípio, uma justificativa econô
mica. Algumas pessoas podiam ser persuadidas a comprar obrigações, em
lugar de gastar dinheiro. Poupando, ao invés de gastar, o indivíduo dimi
nuía a pressão sobre os mercados, reduzindo a severidade da inflação. Os
serviços de mão-de-obra, as matérias-primas e os equipamentos que assim
deixavam de ser comprados ou usados ficavam disponíveis ao governo para
152 MOEDA
nos livros-texto do que no mundo real, e tinha uma simetria mais perfeita
nas mentes dos que esboçavam a teoria do banco central do que era reve
lado nas ações dos que praticavam esses negócios. Não obstante, não
se pode negar que o padrão-ouro (reforçado pela moralidade fiscal ampla
mente aceita do orçamento equilibrado) foi um instrumento notável de
coordenação do comportamento econômico em diferentes países.
Também possuía uma deficiência marcante. Esta residia em impor,
numa era de nacionalismo crescente, uma tendência cada vez maior de
tornar os governos responsáveis pelo desempenho da economia, exigindo
que tanto o instinto nacionalista quanto a administração econômica
doméstica ficassem subordinados a um mecanismo internacional e impes
soal, capaz de gerar dificuldades e perturbações consideráveis. Era uma
deficiência que não era reconhecida pelos defensores do ouro. Viam
qualquer relutância dos governos como algo inerente à falta de fibra moral
dos políticos — uma falta que os levava a procurar diminuir as pressões
impostas pelo ouro. Não se reconhecia que a moralidade dos políticos
dificilmente pode ser alterada a curto prazo.
No final da Primeira Guerra Mundial, como foi notado, todos os
principais beligerantes haviam abandonado o padrão-ouro, excetuando-se
em parte os Estados Unidos. Nenhum país importante permitia mais a
livre exportação do ouro. Portanto, nenhum país precisava mais preo
cupar-se com a possibilidade de que estrangeiros convertessem depósitos
ou notas em ouro para retirá-lo do país. E tampouco havia o perigo de que
os seus cidadãos fizessem a mesma coisa, motivados igualmente por cautela
ou cupidez, a não ser de maneira sub-reptícia. Assim sendo, a política
interna não mais estava limitada pelo mede de que pudesse haver perda
de ouro. E como o ouro não podia sair, a sua perda não podia reduzir as
reservas bancárias, os depósitos dos bancos, a circulação de notas, o que
teria efeitos deprimentes sobre a produção, os preços e o nível de emprego.
Todos os países industriais, em outras palavras, estavam agora livres
para seguir políticas econômicas internas que refletissem as suas prefe
rências ou necessidades, sem consideração imediata para com o que os
outros países estivessem fazendo. A disciplina de coordenação imposta
pelo ouro não mais existia.
Nos primeiros quinze anos que se seguiram à Primeira Guerra Mun
dial, e especialmente logo após o conflito, os países industriais explo
raram esta Uberdade de maneiras notavelmente diversas. Os franceses ado
taram a linha de menor resistência, de um modo geral, com os melhores
resultados. Os ingleses seguiram a linha de maior resistência, com grande
sofrimento em decorrência dos ferimentos auto-inflingidos. Os alemães
A INFLAÇÃO SUPREMA 157
1922, tinham caído 23,3 vezes o nível anterior à guerra. Em 1923, com a
reação desfavorável do mundo à ocupação de Ruhr, a evidente dificuldade
em arrecadar indenizações pela ação armada, e a combinação entre esses
fatores com a grande inflação alemã desse ano, desvaneceu-sc a esperança
de que os boches
*
pagariam. Eliminado este apoio à confiança, a taxa de
inflação aumentou significativamente. Em julho de 1924, os preços esta
vam 4,9 vezes acima do nível de 1914; em julho de 1926, a 8,5 vezes esse
nível.1 Inevitavelmente, ocorreu aos franceses que seria sensato manter
outras moedas em reserva que não o franco, e durante esta era específica
de inflação havia moedas de estabilidade exemplar — dólares, francos
suíços e até libras esterlinas. Assim, enquanto os preços subiam na França,
o valor de troca do franco caía cada vez mais à medida em que as pessoas
o trocavam por outras moedas. Nos meses imediatamente seguintes à
guerra, quando ainda refletia a disponibilidade de empréstimos e supri
mentos americanos, o franco estava em torno de 5,45 por dólar. Nos
meses seguintes, caiu a uma taxa irregular e, no final de 1922, estava a
13,84 por dólar. No fim de 1923, estava a 19,02?
Em conseqüência do declínio relativamente maior do franco em
comparação com o aumento de preços, a França, na primeira metade
da década dos vinte, era um país maravilhosamente barato para viajar e
comprar artigos, e os franceses atribuíram parte dos seus aumentos de
preços ao afluxo resultante de pessoas em busca de pechinchas. Adequando
a ação à crença, os parisienses, num dia de 1926, atacaram e expulsaram
das ruas de Paris um ônibus carregado de americanos na crença de que eles
estavam causando a elevação do custo de vida.
De 1919 a 1926, a França foi, na verdade, extremamente próspera.
A devastação foi eliminada, excluindo terras irrecuperáveis como as situ
adas em tomo de Verdun. (Em geral, a área em que as grandes batalhas
foram disputadas era inacreditavelmente pequena. A Batalha de Verdun
foi disputada numa área ligéiramente superior à dos parques de Londres.)
A indústria expandiu-se, e em muitas áreas de maneira prodigiosa. Em
4 Alfred Sauvy. Histoire Economique de la France entre les Deux Guerres, Vol. I,
1918-31 (Paris: Fayard, 1965). Citado em Charles P. Kindleberger, The World in
Depression 1929-1939 (Berkeley e Los Angeles: University of Califórnia Press,
1973), p. 48. Este último é o melhor livro em língua inglesa sobre a Grande
Depressão, e ao qual devo muito.
A INFLAÇÃO SUPREMA 161
6
John Mynard Keynes. The Collected Writings of John Maynard Kaynes, Vol. II:
The Economic Consequences of the Peace. (Londres: Macmillan and Co., 1971)
164 MOEDA
7 R.F. Harrod, The Life of John Maynard Keynes (Londres: Macmillan and Co.,
1963), p. 296. De acordo com a lenda corrente em Cambridge (Inglaterra) quando
lá estive, Keynes foi salvo por seu pai, John Neville Keynes, também da Univer
sidade. Isto, segundo Harrod, não foi o que ocorreu; Keynes, diz ele, revelou efeti
vamente as suas dificuldades aos seus pais, que aconselharam cautela, pouco sur
preendentemente.
8 Os níveis de preços foram fornecidos por Graham, pp. 156-59.
A INFLAÇÃO SUPREMA 165
9 Norman Angell. The Story of Money (Nova York: Frederieh A. Stokes, Co.,
1929), pp. 334-35.
100 MOI DA
13
Graham, p. 63.
168 MOI DA
O erro que dcfendei.iin foi restaurar a lihra ao seu conteúdo ,]e ()Ur0
do préqmena, de 123.27 gjâos de ouro puro, c ao smi antigo vilor de
tioca île 4.S7 dolaies. l in 1920, a lihra tinha caído até 3.20 dólares de
ouro. I niboia desde então tivesse sofrido uma re< iipei a^,ii> e ainda esti
vesse subindo, os níveis de conteúdo de ouro e da taxa de câmbio do
pre guerra ainda eram excessivainenle altos. Isso ocorria porque, j es^s
níveis, os preços botânicos ciam muito elevados Devido aos altos preços
britânicos, qualquer pessoa com ouro ou dólares era beneficiada io tro. a
-los pela moeda de um dos concorrentes hritânuos e comprar bens nesses
países. E os piópnos ingleses tampouco podiam beneficiar se trocando
libras por dólares. omo ou outras moedas à favorável taxa churcbdli ma
e comprando no exterior. Em 1925, as vantagens dc preço nessa ot*-
ração eram de aproximadamente 1(X7. As exportações, corno sempre,
eram essenciais para a Grã-Bretanha. Assim, mantidos constantes outros
íatores. o carvão, os tecidos c outros bens manufaturados ingleses >ó
poderiam tornar-se competitivos às novas taxas de câmbio se os seus
preços caíssem aproximadamente 10'7. Um processo muito pouco
confortável.
0 caso do carvão era praticamente desagradável, pois as minis,
ainda em mãos dc empresas privadas, estavam mal equipadas, muitas
vezes administradas com indiferença e operadas por uma força de traba
lho mal utilizada, furiosa e altamente inteligente. A diminuição dos pn-çus
do carvão exigiria salários mais baixos. Concordando que haveria proble
mas na indústria carbonífera, Churchill atribuiu essas dificuldades i ma
situação do setor. Numa corajosa substituição de pensamento por metá
fora, ele afirmou que a taxa de câmbio não tinha mais a ver com os pn>
blemas de carvão do que com a Corrente do Golfo do Mexico Kcvncv
prontamente descreveu esta afirmação como sendo da “e»pccie ceicbio
de penas.” 2
Embora outros tivessem duvidas incluindo Regm.dd McKmna,
Presidente do Conselho de Administiaçao do Midland Bank, o anLgo
Ministro das Finanças, que havia sido aliaido paia a pohlica do ouio
somente com muita dificuldade a oposição a Chuichill eia lidciada
por Keynes. Ira uma oposição com um aigumenlo basiantc simples.’
2 John Maynard Keynes. Essaya ui ftnuMíluri (Nova York Harcourt, bta<.c and ú.,
1932), p. 246.
3 Embora nem mesmo Keynes o tenha leito com prcscicmia completa. Ame» da
volta ao ouro, Keynes achava que ela íaru com que o» preços americanos subis
sem, Com possíveis consequemus milacioruira». E O seu argumento icstungia se
176 MOEDA
somente à oposição quanto à volta ao ouro; nem ele, nem outros recomendaram
a solução simples de reduzir o valor da libra em ouro e dólares. Isto era rejeitado
como alguém rejeitaria a demolição das ruínas druidas de Stonehenge. Quanto
às discussões precedentes, ver Charles P. Kindleberger. The World in Depression
1929-1939 (Berkeley e Los Angeles: University of California Press, 1973), pp. 43
e segs.
4 Estas citações são de Keynes, pp. 246, 24 8-4 9.
OS FERIMENTOS ALTO-INFLIGIDOS 177
5 C.f. R. Basset. Nineteen Thirty-one (Londres: Macmillan and Co., 1958), pp. 127
e segs.
us MOEDA
6 A sua falta de agressividade para encerrar a expansão de 1919 pode ter explicado
a não renomeação de W. P. G. Harding como Presidente (ou Governador, como se
dizia então) do Conselho em 1922. Entretanto, como observou o Professor
Friedman, ele não foi muito prejudicado por esse erro. Tornou-se Governador do
Banco Federal de Reserva de Boston — sendo o seu padrão de vencimentos,
como foi notado antes, o padrão dos banqueiros, e não o dos funcionários pú-
OS FERIMENTOS ALTO-INFLIGIDOS 179
blicos civis - com vencimentos duas vezes superiores aos que recebia em Washin
gton. Cf. Milton Friedman e Anna Jacobson Schwartz. A Monetary History of the
United States, 1867-1960. Estudo do National Bureau of Economic Research
(Princeton: Princeton University Press, 1963), p. 229.
7 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics of The United States, Colonial
Times to 1957 (Washington, D.C., 1960), p. 117.
ISO MOEDA
9 I rirdinuncSchuartz.pp. 269-70.
OS FERIMENTOS AUTO-INFLIGIDOS 181
10 A tendência dos preços no atacado, como foi assinalado pelo Professor Friedinan
ao notar que não foi um período de inflação geral, foi de ligeiro declínio. Cf.
Friedman. Schwartz, p. 296 e segs.
11 John Kenneth Galbraith. The Great Crash, 1929, 39 ed. (Boston: Houghton
Mifflin Co., 1972), p. 180. De W. Arndt. The Econornic Lessons of the Nineteen-
-Thirties. (Londres: Oxford LJniversity Press, 1944), p. 15.
13 Escrevendo antes sobre este período, argumentei, como o fuço aqui, que a espe
culação não ocorre simplesmente porque iiá dinheiro disponível fura tal apli
cação. O Professor Friedman combateu me argumentando que pode-se isentar o
Sistema de responsabilidade por causar o “boom” sem isenta ío da responsa
bilidade de pará-lo. Esta correção eu aceito, Cf. bricdman e Schwartz, p. 291.
14
New York Times, 2 de julho de 1927.
184 MOEDA
erros mais caros cometidos por ele ou qualquer outro sistema bancário
nos últimos 75 anos!" 15 O Professor Lionel Robbins, da London School
of Economics e um observador altainente prestigioso dos eventos, declarou
mais tarde: “A partir dessa data, de acordo com todos os dados, a situação
ficou completamente fora de controle.’’16
No panteão financeiro americano, juntamente com Hamilton,
Biddle, Jay Cooke e Salmon P. Chase, um nicho mais do que simples
mente secundário está reservado para Benjamin Strong. Mais do que qual
quer outro americano do seu tempo, ele era considerado capaz de enfren
tar os sofisticados financistas do velho mundo em seus próprios termos.17
Nada é mais interessante do que saber que a transação à qual o seu nome
está associado é esta concessão a Hjalmar Schacht e Montagu Norman.
Tais são as fontes da fama. Não que sejam peculiares à economia. Se não
fosse pelo escândalo Watergate, H. R. Haldeman e John Dean III não
teriam sido incluídos nos livros de História. Nem Gordon Liddy. John
Mitchell não passaria de uma simples nóta de rodapé. Tanto John Foster
Dulles quanto Dean Rusk foram distinguidos pela magnitude dos seus
erros em política exterior. Salvo pelo fato de estar associado à pior guerra
em termos de direção desde a de 1812, ninguém jamais teria ouvido falar
de William C. Westmoreland. Quando o resto falha, a imortalidade pode
sempre ser assegurada por um erro adequado.
15 Lionel Robbins. The Great Depression (Nova York: Macmillan and Co., 1934),
p. 53. A declaração de Miller foi feita à Comissão sobre Bancos e Moeda do
Senado.
16 Robbins, p. 53.
Outras coisas poderiam ter sido suspensas antes disso. Os bancos empres
tam para fins comerciais, industriais e agrícolas ordinários, bem como
para especulação. Na década dos 20, o aumento dos empréstimos agre
gados pelos bancos comerciais, excluindo o ramo imobiliário, foi relati
vamente moderado — de 23,0 bilhões de dólares, em meados de 1921,
a 30,0 bilhões em meados de 1929.19 (Os empréstimos ao setor imobi
liário, no qual havia grande especulação, cresceram a taxas muito maiores.)
Mas, dentro dos valores agregados recém-mencionados, os empréstimos
a corretores para a sustentação de títulos na margem, isto é, para espe
culação, subiram tremendamente - de 810 milhões de dólares, no fim
de 1921, a 2,5 bilhões no início de 1929, outro tanto sendo contribuição
de sociedades anônimas e outras fontes não bancárias. Houve um grande
aumento adicional em 1929 — nos meses de verão, de aproximadamente
400 milhões por mês.20 A taxa sobre os empréstimos dos corretores, para
os quais não era preciso fazer qualquer provisão para aumento de preços
nesses dias, era maravilhosa — variava de 6 a 12%, e às vezes até mais.
Era um rendimento de 12% com segurança quase perfeita, e o dinheiro
estava imediatamente disponível mediante notificação. 12% são 12%.
Assim, se o Sistema Federal de Reserva tivesse apertado as suas taxas e
os seus empréstimos, os bancos, a menos que ficassem surpreendente
mente imunes à atração dos 12%, teriam reduzido as suas operações menos
seguras, menos lucrativas e mais ordinárias para fins comerciais, industriais,
agrícolas e para o setor habitacional. Esses seriam os empréstimos que
teriam sido diminuídos. O temor de que isso realmente acontecesse afligiu
bastante os mentalmente suscetíveis membros do Conselho do Sistema
Federal de Reserva em Washington. Além disso, era decrescente a parcela
do crédito para o mercado de ações que provinha dos bancos. As socie
dades anônimas industriais e comerciais estavam sendo cada vez mais
atraídas pelas altas taxas dos empréstimos com cláusula de chamada.21
20 U.S. Bureau of the Census, Historical Statistics, p. 660, e Galbraith, pp. 72-4.
21 Os empréstimos dos bancos às empresas também podiam ser reciclados para apli
cação no mercado de ações. “A taxas de 10%, 15%, ou mesmo 20%, era lucrativo
para um empresário oferecer seus estoques e outros ativos tangíveis como garantia
de um empréstimo bancário a 6%, 7%, ou 8%, e emprestar os fundos a um cor
retor.” Harold Barger, The Management of Money (Chicago: Rand McNally and
Co., 1964), p. 91. Tenho a impressão de que o volume deste processo de reci
clagem não era muito grande.
188 MOEDA
22
Citado em Galbraith, p. 38.
OS FERIMENTOS AUTO-INFLIGIDOS 189
Houve ainda uma outra razão para deixar as coisas andarem sozinhas,
que não foi mencionada por Young ou qualquer outra pessoa. Mais uma
vez, uma questão de culpa. Se o Sistema Federal de Reserva limitasse
com decisão os créditos para especulação, não só teria sido responsável
pela extinção do “boom” como seria responsável pelas conseqüências.
Isto incluiria a perda de centenas de milhões de dólares por centenas de
milhares de especuladores, muitos dos quais consideravam-se investidores
prudentes e merecedores. É possível que também provocasse uma depres
são. Quem estaria disposto a incorrer na fúria daí resultante? Quem dese
jaria, pelo resto de sua vida, ser culpado — e desprezado — por isso? No
início do verão de 1929, Paul M. Warburg, que além de ser um arquiteto
do Sistema e um dos primeiros Governadores, era uma das figuras mais
prestigiosas na comunidade financeira, fez uma advertência contra a orgia
corrente de “especulação irrefreada”. Num comentário presciente, ele
sugeriu a possibilidade, se a especulação continuasse, de “uma depressão
generalizada, envolvendo todo o país.” Clamou por uma ação mais decisiva
pelo Sistema Federal de Reserva. A reação foi feroz; os comentaristas
menos ofensivos disseram que ele estava desligado do espírito da época.
Outros mais francos o acusaram de sabotagem — de estar “jogando areia
na prosperidade americana”. Houve comentários de que ele poderia estar
em situação exposta no mercado. Warburg disse mais tarde a seus amigos
que foi a experiência mais difícil de sua vida.26 Era muito melhor, do
ponto de vista do Sistema Federal de Reserva, deixar que a natureza
agisse livremente, e levasse a culpa.
velmente prolongada pelos mal orientados esforços dos governos para encer
rá-la.
Nem a crise do mercado de ações, nem a especulação precedente têm
geralmente sido consideradas como causas decisivas. O comportamento
da Bolsa era uma resposta a forças mais profundas e fundamentais; não
era, em si mesmo, uma causa básica de mudança. “A prosperidade come
çou a arrefecer no início de 1929, embora o público não o percebesse
antes da sensacional quebra do mercado de ações em outubro.”1 Havia
uma certa superficialidade em atribuir algo tão horrível quanto a Grande
Depressão a uma coisa tão pouco substancial quanto a especulação em
ações ordinárias. E talvez também estivesse atuando um certo instinto
de proteção. 0 mercado de ações geralmente tinha sido considerado
pelos virtuosos como coisa moralmente depravada. Por que dar aos inimi
gos de Wall Street mais munição do que já tinham? Por que também
tornar a especulação socialmente significativa?
De um ponto de vista mais maduro, a especulação do fim da década
dos 20 e o colapso do mercado de ações devem ser considerados como
acontecimentos importantes. Como foi notado anteriormente, a prospe
ridade da década dos 20 foi fortemente favorável aos rendimentos das
empresas e dos ricos. Em conseqüência, o prosseguimento da prosperi
dade dependia da continuação de altas despesas de investimento pelas
empresas e de elevados gastos de consumo pelos ricos. A quebra do mer
cado de ações deu um golpe mortal a ambos. Quando as cotações caíram
rapidamente, subiu reciprocamente a prudência em todas as decisões de
investimento. Empresas sólidas começaram a reconsiderar as suas aplica
ções. As frágeis estruturas montadas por Hopson, Krueger, pelos Van
Sweringens, por Insull e Feshay foram forçadas a recuar, pois logo os seus
criadores ficaram sem o dinheiro para pagar os juros das enormes emissões
de debêntures que tinham permitido a construção de suas pirâmides.
Os bancos repentinamente tornaram-se cautelosos. Os tomadores de em
préstimos tinham sido apanhados no mercado. Logo, os depositantes pode
riam apavorar-se. Era melhor ter bastante dinheiro. E os investidores indivi
duais, com os seus dedos seriamente queimados de brincar com fogo, tam
bém eram péssimos clientes em potencial para novas emissões de títulos.
A queda das despesas de consumo foi igualmente severa. Os indi
víduos que até outubro estavam gastando os ganhos de capital não mais
5 Lionel Robbins. The Great Depression (Nova York: Macniillan Co., 1934), pp. 62
e segs., especialmente p. 75.
6 Herbert Hoover. The Memoirs of Herbert Hoover: The Great Depression 1929-
1941 (Nova York: Macniillan Co., 1952), p. 30. As memórias de Hoover não são
um modelo de precisão. Entretanto, esta citação, mesmo que seja muito impres
sionista, inquestionavelmente retrata a atitude de Mellon.
198 MOEDA
7 Arthur M. Schlesinger, Jr. The Crisis of the Old Order (Boston: Houghton Mifflin
Co., 1957), p. 476.
QUANDO A MOEDA PAROU 199
12 Schlesinger, p. 238.
QUANDO A MOEDA PAROU 205
16 Sherman J. Maisel. Managing the Dollar (Nova York: W. W. Norton and Co.,
1973), p. 158. O Professor Maisel, antigo membro do Conselho de Governadores,
coloca o poder do banco regional em quarto lugar após o do Presidente do Con
selho, e da sua equipe de assessores, e o dos membros do Conselho.
QUANDO A MOIDA PAROU 207
17 ■,
Arthur M. Shlesinger, Jr. The Corning of the New Deal (Boston: Houghton Miftlin
Co., 1958), p. 443.
208 MOEDA
mente ao auxílio dos bancos, com qualquer volume de dinheiro que fosse
necessário para cobrir os depósitos segurados. Em 1933, 4004 bancos fali
ram ou foram considerados em situação imprópria para reabertura após
o feriado bancário. Em 1934, as falências caíram a 62, somente nove das
quais envolveram bancos segurados. Onze anos mais tarde, em 1945, as
falências de bancos nos Estados Unidos foram reduzidas a apenas uma.18
A anarquia dos bancos sem controle tinha sido extinta não pelo Sistema
Federal de Reserva, mas pela obscura, desprestigiada e indesejada Federal
Deposit Insurance Corporation.
18
U. S. Bureau of the Census. Tistorical Statistics, pp.636-37.
2Q C3ffs®ec5^ra
do útszponsáv&l
Na frase mais citada do seu primeiro discurso de posse, Franklin Roosevelt
chamou atenção para o altamente atuante papel do medo nos assuntos
econômicos. Tinha ouvido referências sobre o modo pelo qual o medo da
perda de empregos, fazendas, residências, depósitos bancários ou de uma
empresa estava levando as pessoas a comportarem-se com uma cautela
irrefletida que piorava tudo ainda mais. Mesmo em 4 de março de 1933,
ele podia ter chamado atenção para os efeitos continuados de medo à
inflação que, à sua maneira, exercia um efeito ainda mais paralisante sobre
a ação governamental, e que nos meses seguintes seria seu próprio obstá
culo principal. Este medo, levando à exclusão de qualquer medida que
pudesse aumentar a oferta de moeda, ampliar as despesas e o déficit não
coberto, de qualquer medida que parecesse ameaçar fazer essas coisas e
assim reduzir a confiança dos empresários e envolver o síndroma da con
fiança era capaz, enquanto prevalecesse, de excluir toda medida governa
mental para promover a recuperação. Havia, por exemplo, muito pouco
que podia ser feito fora do campo da oratória que não aumentasse as
despesas públicas em alguma proporção.
210 MOEDA
1 Arthur M. Schlesingcr, Jr. The Corning of lhe New Deal Boston: Houghton
Mifflin Co., 1958), p. 41.
A AMI AÇA 1)0 IMPOSSÍVEL 211
3 Schlesinger, p. 196.
212 MOEDA
4 O caso foi relatado a mim por James Warburg. Uma versão um pouco diferente,
igualmente para a saudação de Pittman ao rei, acha-se na autobiografia de Warburg.
The Long Read Home (Garden City: Doubleday and Co., 1964), pp. 128-29.
5 Schlesinger, p. 213.
A AMEAÇA DO LMPOSSÍVEL 215
9 Schlesinger, p. 224.
10 A reação de Churchill foi extraída de Schlesinger, pp. 223-24.
11 John A. Garraty. “The New Deal, National Socialism, and the Great Depression”.
The American Historical Review, Vol. 78, N9 4 (outubro de 1973), p. 922. Este
artigo oferece uma interessante comparação das políticas americanas e alemã
de recuperação econômica.
12 New York Times, 9 de julho de 1933.
21S MOEDA
13 Schlesinger, p. 223.
14 New York Times, 9 de julho de 1933.
A AMEAÇA DO IMPOSSÍVEL 219
15 Irving Norton Fisher. My Father - Irving Fisher (Nova York: Comet Press,
1956), p. 264.
16
Fisher, p. 326. Os acordos de Bretton Woods são discutidos no Cap. XVIII.
220 MOEDA
17 IV1V t M V f t
P =----- —------- , onde P e o nível de preços, M o volume de moeda ou dinheiro
em circulação, V a velocidade de circulação desse dinheiro, ou a taxa à qual
gira, M’ o volume de depósitos bancários à vista, V’ a taxa de giro, ou velocidade
de circulação desses depósitos, e T o volume de transações, ou, grosseiramente
falando, o nível de comércio.
A AMEAÇA DO IMPOSSÍVEL 221
ele estava disposto a aceitar, como Fisher, uma decisão, ad hoc, de aumen
tar o preço do ouro. Isso não importava muito, desde que esse preço
fosse aumentado.
A referência de Warren ao conservadorismo na afirmação acima
não era casual. Com a manipulação do preço do ouro, ele acreditava que
muitas outras ações públicas e reformistas, incluindo o programa agrícola
do New Deal, podiam ser evitadas. Isto ele achava ser altamente desejável.
Era um dos primeiros de uma longa linha de reformadores monetários,
estendendo-se até o Professor Milton Friedman em nossos dias, que
têm esperado que as suas mudanças tomem desnecessárias outras medidas
governamentais mais amplas. São radicais monetários porque são conser
vadores, politicamente falando.
Do ponto de vista dos economistas, o recurso de Roosevelt à suges
tão de Warren não poderia ter sido mais grosseiro. Na profissão de econo
mista, há uma ordem de precedência muito bem definida. No topo estão
os teóricos da Economia, e a sua eminência profissional nessa ordem
é compartilhada pelos que lecionam e fazem pesquisas em Moeda e Bancos.
No nível inferior desta hierarquia estão os especialistas em Economia
Agrícola e Economia Doméstica e, dentro do campo da Economia Agrí
cola, uma posição especialmente baixa está reservada para os professores
de Administração Rural. Warren era um professor de Administração Rural.
Por mais brilhante que fosse o sucesso do seu plano de aquisição do ouro,
ainda teria sido mal visto pelos estudiosos mais respeitáveis.
A partir do outono de 1933, o governo começou a comprar ouro
a preços gradativamente mais altos. Assim como o Sistema Federal de
Reserva era por demais respeitável para salvar bancos em má situação,
também o era para aplicar algo tão duvidoso quanto a visão monetária
de George F. Warren. Assim como fora usada como fonte de última ins
tância para os bancos em dificuldades, também foi usada a RFC. O próprio
Roosevelt fixou os preços aos quais o ouro seria comprado. Mais tarde,
ele viria a ser criticado pela maneira casual e pela irresponsabilidade com
que decidia o preço do dia seguinte, ao tomar o café da manhã com o
Secretário do Tesouro Morgenthau e com o presidente da RFC, Jesse
Jones. Uma vez, o aumento decidido foi de 21 cents porque, sendo igual
a três vezes sete, parecia ser um número de sorte. Nenhum homem vivo
podia dizer qual era a diferença entre um julgamento refletido e um
julgamento irrefletido — ou se um era melhor do que o outro. Mas, quando
se fala de moeda, uma fachada solene é necessária, mesmo que as razões
da escolha estejam envoltas em ignorância. O preço do ouro foi gradativa
mente elevado por esse processo desde o seu nível primitivo de 20 dólares
A AMEAÇA IX) IMPOSSÍVEL 223
19 Como mais tarde entrava ouro do exterior, um dado peso realmente comprava
mais dólares e ampliava o volume de reservas.
224 MOEDA
Havia ainda uma possibilidade mais ortodoxa. Como foi indicado anterior
mente, em 1932 o Sistema Federal de Reserva tinha reprimido suficien
temente o seu medo à inflação a ponto de ir ao mercado e comprar obri
gações governamentais e assim substituir títulos por caixa nos cofres dos
bancos. Esta política prosseguiu nos anos seguintes. As conseqüências
destas medidas também foram profundamente desapontadoras. Ate então,
era reconhecido e ensinado que quando os bancos tinham reservas acima
de suas necessidades, excluindo-se alguns períodos menos importantes ou
exemplos de cautela excessiva, eles expandiriam os seus empréstimos e,
conseqüentemente, os seus depósitos e a oferta de moeda. A história dos
pequenos bancos da fronteira da colonização indicava que esta expansão
seria realizada não com um excesso de cautela, mas na ausência irrespon
sável de cautela.
Agora os bancos simplesmente estavam sentados em montes de
dinheiro. Os bancos acumulavam reservas acima das necessidades — devido
a uma falta de tomadores, a resistência em emprestar, ou um desejo
supremo de manter liquidez — sem dúvida era uma mistura de todos
os três fatores. Já em 1932, os bancos-membros do Sistema tinham, em
média, 256 milhões de dólares em reservas acima do que era exigido em
função dos seus depósitos. Em 1933, as suas reservas excedentes atingiram
528 milhões de dólares; em 1934, eram de 1,6 bilhão de dólares. Em 1936,
o valor era de um bilhão de dólares mais alto. Em 1940, aumentadas pelo
ouro enviado aos Estados Unidos para custódia, as reservas excedentes
atingiram, em média, 6,3 bilhões de dólares.20
Em questão de aproximadamente cinco anos, o círculo do fracasso
da política monetária tinha sido completado. Em 1928 e 1929, o Sistema
20
Lester V. Chandler. American’s Greatest Depression, 1929-1941 (Nova York:
Harper and Row, 1970), p. 174.
A A MF AÇ A DO IMPOSSÍVEL
1 Chxndiei. p. ls_). O própno Chandier fui, por muitos anos, diretor do Banco
t edciai ac Reserva em Fúadélfa.
2.'h MOEDA
1 1,1 l Lo, com cinquenta e dois anos de idade, podia-se dizer que John
M>i\n.nd Keynes estava no ponto máximo de uma carreira razoavelmente
noLÍ\el. As suas opiniões em relação ao Iratado de Versalhes tinham sido
'•ngadas, emboia lambem tivessem estimulado os alemães a resistir às
indenizações que ajudaram essa vingança. Ele certamente tinha estado
coneto quanto a Churchill e à volta ao padrão-ouro. Havia publicado em
193'J o que se destinava a ser a sua obra-prima, A Trealise on Money, em
dois volumes.1 Alto, magro, arrogante, tipicamente inglês, ele era uma
importante figura no mundo intelectual de Londres.
\a verdade, boa pane de sua reputação ainda estava para ser feita,
uma ciivmistància da qual ele estava inteiramente ciente. Escrevendo a
Geoige Bernard Shaw em 19 de janeiro de 1935, ele disse: “Para com
preender o meu estado mental, você precisa saber que acho estar escre-
1 Juhn Masrwd kevnes. .4 Tre^e on Money .Sova York: Harcourt, Brace and
< o . iQ Vn.
v ndo um Imo de te >ria econômica que revolucionará. não imediata-
mente. mas nos próximos (jez anos, o modo pelo qual o mundo pensa
a respeito dos problemas econômicos.’ ‘ E isso de tato aconteceu.
O que contribuiu para o sucesso do boro, bem como à reputação
de Key nes. foi o seu mstuil0 gc que havia forças na economia moderna
que estavam anulando a mais importante hipótese feita pelos homens
de mente ortodoxa - a hipó:ese de que. deixado a si mesmo e ao tempo,
o sistema econômico encontraria o seu equilíbrio empregando todos
ou quase todos os trabalhadores dispostos. Estava envolvido mais do
que apenas as opiniões ortodoxas Se o instinto de Key nes estivesse certo,
as esperanças dos radicais monetários também seriam destruídas. Uma
alteração de conteúdo do dólar em ouro ou um aumento das reservas dos
bancos não signifk.iria mais tomadores de recursos, mais deposites, mais
moedas e um retorno da economia â situação de pleno empiego. () nível
de atividade cconomn a podia ser indiferente à oferta de moeda. Os
cmpiestimos podia u estar disponíveis nos bancos, no entanto, os retornos
na aplicação dos empréstimos. dada a tendência natural da economia a
um desempenho iiisa!;faio
* ru> e ao desemprego, poderiam ser suficieiite-
mcnle baixos p.iia que nu gacm w interessasse em tomá-los. Concluía-se
como começavam a indu4r o> fracassos da política de cornpia de 01110 e
das opeiações de mefcado jt^-rto cm meados da década dos 30, que a
política inonet.iria i.áo funcionava 1 ra csscneialmcnte passiva ou voluntá
ria. I ia iiecessaiia uma politua que aumentasse a oterta de moeda dispo
nível e g.tianiissc o seu ux) Ai, o estado da economia forçosamente
deveria melhorar
\ conclusão quanto à política apropriada era uma conclusão à qual
key nes havia chegado muno antes de atingir a sua justificação teórica.
Xo final da década dos vinte. e’.e ajudara a persuadir Lloyd George, no
dei i aderi o esforço de retorno político deste último, a apoiar um pro-
giama amplo de emprestemos pura obras públicas com a finalidade de
eliminar o desemprego. Os empréstimos criavam moeda; e seu dispêndio em
obras publicas garantia 0 seu uso e o seu efeito sobre a produção. E no
final de W33. enquanto o programa de compra de ouro dos Estados .
lindos estava negando tanto as esperanças dos seus defensores quanto
os temores dos seus oponentes, ele sugeriu o mesmo caminho a Rooscvelt.
H t HjuieJ ZXe Liy uf Jvhn MiiyrtGrd /íeynes ( Lunúres: Macmdlan and < 0 ,
1 3 n P ■*** ’ Key nes esta'3 rvsponCer.Co a uma suzvstão do Síiaw para que
() ATA l \TO DE J. M Kx Y\i S
Embora Keynes parecesse radical a alguns na sua época, ele era completa
mente ortodoxo num sentido importante. A estrutura econômica que ele
pressupunha era uma estrutura há muito reconhecida irrestritamente
pelos economistas - uma estrutura de concorrência, preços de livre movi
mentação e o controle desimpedido do comportamento econômico pelas
forças de mercado. Havia sindicatos, mas para Kcynes eles não faziam
muita diferença. As sociedades anônimas e o seu poder tampouco eram
relevantes. Na verdade, tanto os sindicatos quanto as sociedades anônimas,
enquanto Keynes escrevia, estavam agindo de um modo que confirmava
a sua tese. Ele contava com um apoio para as suas idéias que não chegou
a usar efetivamente.
Assim, durante os cinqüenta anos anteriores a Keynes, as sociedades
anônimas ganharam muito em influência e poder de mercado em todos
os países industriais. Foi o período clássico do que seria chamado de
concentração empresarial. Com a exceção, em parte, dos Estados Unidos,
também houvera a ascensão do moderno sindicato trabalhista. E no final
da década dos 30, sob a égide do New Deal e em resposta ao esforço da
organização da CIO,
* os Estados Unidos tinham superado os outros
países em termos de organização sindical. O efeito da concentração empre
sarial e do fortalecimento sindical era tornar radicalmente mais inseguros
os ajustamentos que se supunha sustentarem a lei de Say e o equilíbrio
a pleno emprego.
Em 1920, como foi notado, os preços dos produtos agrícolas caíram
com mais rapidez e intensidade do que os preços dos produtos industriais.
A razão, não colocada seriamente em debate, era a de que as sociedades
anônimas industriais detinham em seus mercados o poder — normalmente
associado ao monopólio ou oligopólio — de suavizar ou sustar o declínio
de preços. Os agricultores e os outros pequenos empresários careciam de
tal poder. Mais uma vez, de 1929 a 1932, os preços dos produtos agrícolas
14
Arthur M. Schlesinger, Jr. The Crisis of the Old Order (Boston: Houghton Mifflin
Co., 1957), p. 136?
15 Lauchlin Currie. The Supply and Control of Money in the United States (Cam-
bridge: Harvard Lniversity Press, 1934).
Assim, o efeito de The General Theory foi legitimar idéias que já estavam
em circulação. O que tinha sido aberração de excêntricos e malucos
tornava-se agora tema de respeitável discussão acadêmica. Sugerir que
podia haver superpoupança não mais custava a um homem o seu diploma,
ou, necessariamente, a sua promoção. Que o remédio apropriado paia
21 No verão de 1940, poucos dias após a queda da França, fui chamado a Washington
por Currie. Leon Henderson acabara de ser encarregado de dirigir o controle de
preços na recentemente reavivada Comissão Consultiva para a Defesa Nacional.
Era uma posição potencialmente poderosa - e também efetivamente poderosa,
como se verificou mais tarde. Henderson, entretanto, não era um keynesiano
completo. Currie queria um discípulo digno de confiança à mão. Era eu. Daí
surgiu o meu trabalho no controle de preços durante a guerra. Dois anos antes,
também a pedido de Currie, eu havia dirigido um projeto amplo de avaliação da
experiência de obras públicas na década dos 30 para a Junta Nacional de Planeja
mento de Recursos (“The Economic Effects of the Federal Public Works Expen-
ditures, 1933-1938” [com G. G. Johnson, Jr.l). O relatório, pouco surpreendente
mente, adotou uma posição francamente favorável à política keynesiana - de uso
de obras públicas e dos empréstimos por elas exigidos, não apenas para propor
cionar empregos e conseguir a construção de prédios, mas como parte de uma
política ampla para induzir a recuperação e aumentar o nível de produção:
“.. . homens e materiais ociosos”, ressaltava em tons keynesianos inegáveis,
“representam a situação normal ou de equilíbrio na economia moderna.. . A
construção de obras públicas, financiada de modo a compensar poupança ociosa,
representa uma das maneiras de escapar de um nível persistentemente baixo de
investimento privado e de um nível persistentemente elevado de desemprego.”
(P. 4). Mais tarde, quando Currie foi atacado intensa e injustificadamente como
agente comunista na década dos 50, reencontrei cartas escritas dele recebidas,
e há muito esquecidas, insistindo na importância de pôr a “nossa gente” em
um outro órgão do governo. A “nossa gente” era keynesiana. Ocorre-me que
eu teria dificuldades para transmitir esse significado a uma das comissões do
Congresso então à caça de comunistas. A ocasião para isso não surgiu.
242 MOEDA
97
William Starr Myers e Walter 11. Newton. The Hoover Administration: A Doeu-
mented Narrative (Nova York: Charles Seribnefs Sons, 1936), pp. 339-340.
Citado em Sclilesinger, p. 476.
23
Schlesinger, p. 420.
O ADVENTO DE J. M. KEYNES 243
A política keynesiana também foi limitada nesses anos pelo papel secun
dário disponível à tributação. Em parte, esta era uma questão de circuns
tância. Antes da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos
era uma pequena organização; ern 1930, as suas despesas totais foram de
1.4 bilhão de dólares; ern 1940, ainda menos de 10 bilhões. As compras
de bens e serviços pelo governo federal representaram 2% do Produto
No que diz respeito ao que se passou na década dos 30. o efeito prático
de Keynes não foi muito grande. Em 1932. 1933 e 1934, as receitas do
governo federal tinham sido inferiores à metade do valor das despesas
— um desequilíbrio relativo maior do que o verificado em qualquer ano
de paz desde então. No exercício fiscal encerrado em 30 de junho de 1932,
as receitas foram de 1,9 bilhão de dólares, e as despesas de 4,7 bilhões
de dólares. Mas, em relação à economia, essas magnitudes estavam longe
de ser impressionantes, como já foi comentado. Após 1934. as receitas
ganharam terreno relativamente às despesas. No exercício fiscal encerrado
em junho de 1938, o déficit foi de apenas 1,2 bilhão de dólares, com des
pesas de 6,8 bilhões. Elevou-se mais uma vez em conseqüència da recessão
de 1937-1938, e o aumento em parte foi deliberado. Foi a primeira vez
que se justificou o déficit com a política keynesiana, pelo menos pelas
autoridades a si mesmas. Mas. as magnitudes ainda eram pequenas. No
exercício fiscal de 1939, por exemplo, o déficit foi de apenas 3,9 bilhões
de dólares, o mesmo do ano seguinte. Isto era apenas ligeiramente superior
ao déficit de 3.6 bilhões em 1934.28 Claramente, o triunfo da política
keynesiana não foi esmagador. **A política fiscal. . .[foi] um instrumento
mal sucedido de recuperação na década dos trinta — não por não ter
funcionado, mas porque não foi experimentado.”29
Na verdade, a Grande Depressão não acabou. Foi empurrada de lado
pela Segunda Guerra Mundial. Esta, num sentido repugnante, foi o triunfo
da política keynesiana. Mas, o problema que criou não foi em termos de
emprego ou produção; foi a inflação. E para isto, corno seria descoberto
mais uma vez um quarto de século mais tarde, o sistema keynesiano
não oferecia soluções.
disponíveis paia uso militar. Este era o cerne da questão; o resto era
simples detalhe.
Que o planejamento britânico correspondesse à concepção keynesiana
não era nada surpreendente; o mais influente arquiteto desse planejamento
era o próprio Kcyncs. Durante os meses de espera, ele publicou seus
pontos de vista detalhadamente, primeiro no Times (Londres), e depois
num livreto de circulação bastante ampla, intitulado //ow to Pay for
the War.1 As necessidades básicas de subsistência - alimentos, aluguéis,
roupas — seriam fornecidas em quantidade adequada a preços estáveis.
Se os custos subissem, subsídios seriam utilizados para manter os preços
estáveis. Isto, por sua vez, removeria a justificação de aumentos de salários.
A estabilidade dos salários era importante. Quanto ao resto, a procura
agregada, ou seja, o poder de compra, seria mantida em equilíbrio com
a oferta de bens disponíveis para compra aos preços correntes. Isto seria
conseguido, em parte, com impostos e, também em parte, por uma novi
dade keynesiana, a poupança compulsória. Uma taxa seria cobrada sobre
todos os salários, ordenados e outros rendimentos, e reembolsada com
juros após a guerra. Dada a experiência triste da década dos 30, este
alívio ao poder de compra após a guerra seria então um estimulante
bem-vindo.
A redução ou remoção do poder de compra era o elemento básico.
Keynes disse que “. . . a única maneira de escapar [desta inflação] é retirar
do mercado, por tributação ou diferimento, uma proporção adequada do
poder de compra dos consumidores, para que não mais exista uma força
irresistível a empurrar os preços para cima.”12 Um papel secundário era
atribuído ao controle direto de preços ou ao racionamento - “medidas
de racionamento e controle de preços devem desempenhar um certo papel
em nosso esquema geral, e devem ser um acessório valioso à nossa proposta
principal.”3
Em Washington, como nos anos precedentes, a reação a Keynes
foi mais rápida e reverente do que em Whitehall. Assim, foi concebido um
esquema significativamente semelhante. Em Washington, porém, havia
uma alternativa. Lembrando a sua experiência durante a Primeira Guerra
Mundial, Bernard Baruch estava insistindo em que somente um amplo
1 John Maynard Keynes. How to Pay for the War (Washington: Harcourt, Brace
and Co., 1940).
2 Keynes, p. 51.
3 Keynes, p. 51. As expressões foram sublinhadas por este autor.
250 MOEDA
zação, mas com o seu aumento. Esse compromisso não fora alterado pela
perspectiva de guerra. Henderson e uma pequena equipe de assessores fez
o que foi principalmente um estágio de vigilância sobre os preços até
abril de 1941, quando, por Ordem Executiva, foi criado o Departamento
de Administração de Preços e Abastecimento Civil (OPA), também sob a
chefia de Henderson. Este departamento recebeu a incumbência de esta
belecer tetos para os preços; entretanto, carecia-se de autoridade legisla
tiva, e os infratores só podiam receber condenação verbal. (Foi durante
esses anos que, para descrever tal punição, a expressão “jawboning”*
foi acrescentada ao vocabulário usual.)
No início de 1942, após o ataque a Pearl Harbor e depoimentos e
debates legislativos excepcionalmente prolongados, o controle de preços
finalmente recebeu sanção legislativa completa, com tribunais especiais
para a sua aplicação, e foram devidamente estabelecidas as penalidades
por infração. Não se procurou obter autoridade para o controle de salá
rios, durante toda a guerra esta permaneceu uma questão de controle rela
tivamente informal, embora não menos firme por causa disso. Os preços
de produtos agrícolas só foram colocados sob controle efetivo em meados
de 1943.
Com a aprovação da Lei de Controle de Preços de Emergência de
1942, que acaba de ser descrita, o caminho estava aberto para a expli
cação integral da concepção keynesiana, a esta altura totalmente aceita.
Haveria controle firme dos preços que estivessem sob pressão especial;
a limitação fiscal da procura manteria os preços geralmente estáveis.
À medida em que a nova legislação de controle de preços entrou em
vigor, logo ficou evidente que a concepção geral era tristemente defici
ente. Já foi suficientemente observado que as idéias econômicas que
são admiráveis em termos de sua teoria subjacente podem mostrar-se
tristemente deficientes na prática. É uma tendência que não poupa mesmo
os autores de uma história como esta. Entretanto, a concepção prevista
para a administração da Segunda Guerra Mundial era deficiente tanto
teórica, quanto praticamente.
O insucesso prático envolvia o mais antigo problema de financia
mento em tempo de guerra — a tendência das despesas de superarem os
* (N. do T.) Provocar as alterações desejadas por pressão verbal, mas sem funda
mento legal, por intervenção de alta autoridade. Foi o procedimento adotado
pelo Presidente John F. Kennedy em relação aos preços da indústria siderúrgica
em setembro dç 1961, segundo Arthur M. Schlesinger, Jr. Mil Dias: John
Fitzgerald Kennedy na Casa Branca (Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasi
leira S.A., 1966), pp. 637-42. Tradução de Waltensir Dutra.
A GUERRA E A LIÇAO SEGUINTE 253
13 Charles Bowles. Promises to Keep (Nova York: Harper and Row, 1971), p. 136.
A GUERRA E A LIÇÃO SEGUINTE 257
numa fila. Nem todas essas técnicas podem ser recomendadas. A pro
dução militar necessária não foi conseguida com preços mais altos, mas
com uma combinação de controles negativos e positivos. A produção de
automóveis, a maior parte da construção civil, e a maioria dos investi
mentos para fins não-militares foram proibidos e, conseqüentemente, o
mesmo se deu com o uso de materiais e mão-de-obra nessas aplicações. E o
uso não militar e não essencial de aço, cobre, outros metais, borracha e
outros materiais foi proibido. Tetos também foram fixados para o emprego
em indústrias civis. Controles positivos então alocavam os materiais mais
escassos — aço, cobre, alumínio, borracha, e alguns outros — a finalidades
militares ou civis indispensáveis.
Associada aos controles mencionados e ajudando-os de maneira
importante estava a expansão da economia. A produção total da economia
em preços constantes — o Produto Nacional Bruto — aumentou de 209
bilhões de dólares em 1939, o último ano não afetado pela guerra ou pela
perspectiva de guerra, a um máximo de 361 bilhões de dólares em 1944.
Este aumento foi praticamente igual ao sofrido pelas compras públicas
para fins militares. Isto significa que o consumo civil agregado não foi
reduzido durante a guerra; ao contrário, aumentou bastante, pois houve
um declínio do investimento empresarial para fins civis. As compras de
bens e serviços civis, a preços constantes, foram de 156 bilhões de dólares
em 1940, 171 bilhões em 1944, e subiram mais 12 bilhões em 1945.16
Portanto, de um modo geral a Segunda Guerra Mundial foi disputada
pelos Estados Unidos com a expansão da produção — empregando as
fábricas e a mão-de-obra que tinham ficado ociosas durante a Depressão,
introduzindo novos trabalhadores na força de trabalho e promovendo o
trabalho por períodos mais longos.17* Talvez desde a agonia dos mártires
cristãos em Roma não tenha havido tanta menção da grandiosidade dos
sacrifícios nos Estados Unidos nesses anos. A referência era feita a bens,
não a sangue. Alguns bens, como novos automóveis e despertadores, torna
ram-se inacessíveis. Mas, pelo final da guerra, os americanos tinham mais
para consumir, tanto agregadamente quanto por família, do que em
Havia, entretanto, muito mais dinheiro para gastar do que podia ser
gasto. Embora os bens de consumo disponíveis aumentassem, os salários,
ordenados e lucros decorrentes da expansão da produção e do emprego
aumentaram muito mais. A diferença era poupança; nunca, antes disso e
desde então, os americanos pouparam em escala tão grande. Em parte,
isto foi uma resposta aos esforços de venda de obrigações governamentais
para financiar a guerra, e desta vez ninguém se sentia estimulado a ir aos
bancos para tirar o dinheiro para comprá-los. Na verdade, as obrigações
foram desqualificadas como garantia de empréstimos. A poupança também
subiu porque era difícil gastar dinheiro: alguns bens que eram desejados
estavam sendo racionados; outros, como gasolina, que eram necessários
para consumo em outras coisas, era escassos ou também racionados. (Tem
sido observado, freqüentemente, que uma pessoa poupa dinheiro ficando
em casa.) Para obter alguns bens, era preciso entrar numa fila. Alguns
objetos costumeiros de consumo, como novos automóveis ou novas
casas, não podiam ser comprados. As pessoas também pouparam por
que esperavam que os preços caíssem, a depressão voltasse, os em
pregos se tornassem escassos após a guerra. Seria bom ter uma reserva
nessa altura.
Em 1940, a poupança pessoal era 5,1% da renda disponível. Em
1943 e 1944, chegou a 25%.18 Como pode indicar apenas um instante
de reflexão, esse era um esquema notável para conseguir o esforço neces
sário durante uma guerra. Homens e mulheres estavam trabalhando não
para obter serviços e bens que exigiam mão-de-obra, materiais e equipa
mentos para produzir; estavam trabalhando em troca de dinheiro, cuja
produção nada custava. Um quarto de todo o esforço civil em 1943 e
1944 estava sendo assim aplicado. As reivindicações reais de mão-de-obra,
materiais e equipamentos, estavam sendo adiadas para depois da guerra. É
triste saber que um arranjo tão feliz também era fortuito; deveria ter sido
o fruto de um planejamento muito cuidadoso.19
18
Economic Report of the Presidente, 1974, p. 268.
19
Este esquema, que denominou “o sistema de desequilíbrio”, descrevi com algum
detalhe em A Theory of Price Control. O livro, publicado para um público espe
cializado em 1952, atraiu uma falta generalizada de interesse.
MOÍ DA
muito grandes, e pela segunda vez num quarto de século o marco efeti
vamente perdeu o seu valor. Para o acesso a bens, só contavam os cartões
de racionamento ou direitos semelhantes. Nessas circunstâncias, os preços
fixos não importavam muito; eles tornaram-se, como a moeda que os
cobria, um dado pouco importante, comparado à posse ou não do cartão
de racionamento necessário pelo indivíduo. Um aspecto peculiar da moeda
de racionamento é a de que ela é boa para uma transação ou, se passada
adiante pelo varejista para exigir a reposição de estoques, um conjunto
de transações. Ninguém, portanto, tinha incentivo para trabalhar com o
objetivo de acumulá-los; a ninguém podia ser negado o volume mínimo.
Segundo este regime monetário nos anos imediatamente anteriores à
Segunda Guerra Mundial, a atividade produtiva na Alemanha prosseguiu
basicamente sob o efeito do hábito e do impulso inicial adquirido.
A inflação reprimida de 1945-1948 foi muito mais prejudicial à
produção do que a sua antçcessora de 1923. Por outro lado, a inflação de
1923, com a sua eutanásia da classe que vivia de rendas - dos que pos
suíam ativos denominados e pagáveis em marcos — exerceu quase certa
mente um efeito muito mais forte sobre a riqueza relativa. No seu todo,
e por essa razão, a memória social dos alemães em relação à inflação de
1923 foi mais forte do que a da experiência de 1945. E assim continua a
ser. A perda de ativos causa um profundo impacto sobre um grupo de
pessoas impressionáveis. A perda de emprego é aceita mais filosofica
mente.
alto, havia uma tendência, por parte do portador dessa moeda, de fumá-la
ou oferecê-la a um amigo viciado, em lugar de passá-la adiante. Isto reduzia
a oferta, mantendo o seu valor. Algum abuso resultou da coleta de pontas
e da sua reciclagem em moeda nova, mas de qualidade inferior. Em 1946,
o sanitário adjacente aos escritórios do General Lucius Clay e de outros
altos funcionários militares americanos na Alemanha tinha um cartaz que
dizia: “Não jogue pontas de cigarro no vaso”. Um soldado que tinha obser
vado a atenção com que eram procuradas para reciclagem havia acres
centado, abaixo, a seguinte explicação: “Ficam encharcados e difíceis de
fumar.” Entretanto, essa moeda de qualidade inferior podia ser pronta
mente reconhecida, e era aceita somente a um deságio apropriado. O
instinto dos primeiros colonizadores dos Estados Unidos de que o fumo
tinha a predestinação de um admirável meio de troca foi inteiramente
confirmado pela experiência da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial.
2 O título usado, na verdade, por meu culto e inteligente amigo Robert Lekachman.
Conforme o seu Age of Keynes (Nova York: Random House, 1966).
BONS 1EMPOS: A PREPARAÇÃO 269
3
E as instituições de Bretton Woods logo passaram a ser atacadas como instru
mentos do imperialismo capitalista.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 271
Nos primeiros anos da sua existência, o FMI foi uma amável curiosidade
acadêmica, mantendo relação mínima com os problemas existentes. Isto
ocorria porque, como também ficaria evidente duas décadas mais tarde,
ele podia enfrentar pequenos problemas admiravelmente, mas não era
capaz de resolver grandes problemas. No período imediatamente subse-
qüente à guerra, os membros europeus devastados pela guerra, tinha
grandes necessidades de importações e uma capacidade insignificante de
exportação. O hiato resultante era enorme. Para colocar as importações
e as exportações em alguma espécie de equilíbrio, seria preciso muito
tempo. Keynes defendeu a constituição de um fundo suficientemente
grande para cobrir este hiato. Os delegados dos Estados Unidos respon
deram, com o apoio do seu conhecimento político superior, que o Con
gresso dos Estados Unidos jamais permitiria á apropriação das somas
exigidas. O ponto de vista dos Estados Unidos prevaleceu — por algum
tempo. Mas, quando o dinheiro precisou ser achado, o Congresso recebeu
a solicitação e reagiu. Um empréstimo especial de 3,75 bilhões de
dólares foi feito à Grã-Bretanha pelo Acordo Financeiro Anglo-Ameri
cano de 1945. Mais tarde, muito mais dinheiro surgiu com o Plano
Marshall.
O Fundo, com o seus recursos comparativamente modestos — 2,75
bilhões dos Estados Unidos, 6,8 bilhões de dólares de todas as fontes,
em comparação com apropriações totais de 12,5 bilhões de dólares
para o Plano Marshall — permaneceu basicamente inativo durante esses
anos.
Por volta de meados da década dos 50, entretanto, as economias
européias já haviam se recuperado inteiramente, e até mais do que isso.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 273
4 The Committee for Economic Development. Jobs and Markets (Nova York:
McGraw-Hill Book Co., 1946).
2 74 MOEDA
8
Stephen Kemp Bailey. Congress Makes a Law (Nova York: Coluinbia University
Press, 1950), pp. 137-38. Este livro é um estudo extraordinariamente completo
e lúcido das origens, da diluição e da aprovação da Lei do Emprego de 1946.
A análise contrária foi feita pelo Professor Jules Backman, da New York Univer
sity, considerado um homem hábil para estas tarefas nessa época.
BONS TEMPOS: A PREPARAÇÃO 277
9
Ocasionalmente publicado em fevereiro. Nos primeiros tempos, houve mais de
um Report por ano.
lü tD&va economia
no seu ap&tj&u*
Nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos, uma
referência a Keynes, muito mais do que uma referência a Marx, que era
uma ameaça menos relevante, era considerada como provocação de anta
gonismo conservador que podia muito bem ter ficado silencioso e elimi
nava aquiescência moderada que de outro modo poderia ter sido conse
guida. Embora o produto keynesiano fosse aceitável, o nome de Keynes
era uma bandeira vermelha.
Em 1947, Seymour Harris, da Universidade de Harvard, o mais
esforçado e um dos mais eficazes pregadores keynesianos, editou uma
série influente de ensaios sobre essas idéias. (Começava com o obituário
majestoso do Times de Londres de 22 de abril de 1946: “Lord Keynes,
o grande economista, faleceu em Tilton, Firle, Sussex, no dia de ontem,
em conseqüência de um ataque do coração. Com a sua morte, o país
perde um grande inglês. Ele foi um homem genial...”) Harris deu ao seu
volume o título A Nova Economia.1 Em anos subseqüentes, esse nome
1 The New Economics: Keyne’s Influence on Theory and Public Policy, Seymour
E. Harris, ed. (Nova York: Alfred E. Knoph, 1947).
280 MOEDA
2 James Tobin, em The New Economics One Decade Older (Princeton: Princeton
University Press, 1974), sugere que o uso comum da expressão não deve ser
atribuído ao livro de Harris, mas a jornalistas de Washington que a usaram numa
outra circunstância em 1962.
3 Economic Report of the President, 1968, p. 7. Grifado pelo autor.
5
John Kenneth Galbraith. The Great Crash, 1929, 3? ed. (Boston: Houhgton
Mifflin Co., 1972), p. 6.
282 MOEDA
7
Estes são os déficits e superávits nas contas nacionais (ver Capítulo XVII, p. 290,
nota n9 8). Economic Report of the Presidem, 1974, p. 328.
284 MOEDA
A lição de sua eleição não foi esquecida pelo novo governo. Na década
dos 50, o Presidente Eisenhower e os seus assessores tinham feito nume
rosos apelos aos sindicatos e às empresas para moderarem as suas exigên
cias de salários e preços em nome do patriotismo mais alto e de maior
estabilidade de preços. Como antes, e com grande intensidade nos vinte
anos subseqüentes, o papel decisivo do poder empresarial e sindical para
provocar a inflação já era reconhecido. Os apelos então admitiam a neces
sidade de intervenção direta. Após a admissão da necessidade, explicava-se
regularmente que uma intervenção mais atuante era incompatível com
o sistema de mercado.
O novo governo democrata aceitou, até certo ponto, a necessidade
de intervenção. Uma busca começou imediatamente por um mecanismo
para conter a espiral de salários e preços. O problema foi exposto explici
tamente no relatório do Conselho de Assessores Econômicos no primeiro
ano do novo governo: “Há importantes segmentos da economia em que
as empresas são grandes ou os empregados são bem organizados, ou ambas
as coisas. Nesses setores, forças privadas podem exercer poder considerável
sobre os termos de negociações de salários e decisões de fixação de
preços.” 9
A ação em resposta baseou-se ainda num cumprimento voluntário,
exceto quando este podia ser auxiliado por pressão oficial ou sanção
pessoais quanto os lucros das empresas sobem. Portanto, pessoas até então
não tributadas começam a pagar impostos, e os indivíduos situados em
faixas inferiores são promovidos a faixas mais altas. E os lucros das empre
sas sobem mais do que proporcionalmente ao aumento da produção e da
renda. E quando a produção, a renda e o emprego caem, esses efeitos
atuam no sentido inverso. Quanto mais elevado o volume de impostos,
maiores são esses efeitos estabilizadores. As concessões fiscais para os
mais ricos obviamente prejudicam o funcionamento deste processo
benigno. Entretanto, nos vinte anos do período de bons tempos, vários
desses benefícios, principalmente o estabelecimento da alíquota máxima
de 50% sobre o que é graciosamente chamado de renda auferida,
* ainda
não haviam sido aplicados. E diversas válvulas de escape e proteções
contra a incidência do imposto ainda não estavam sendo inteiramente
exploradas. O efeito automático de estabilização dos impostos sobre a
renda nesses anos era relativamente forte.
Excessivamente forte, na verdade. No início da década dos 60,
a Nova Economia havia incorporado à sua sabedoria convencional a noção
de que, a pleno emprego, as receitas do governo eram muito elevadas em
relação às despesas. O resultado era um “freio fiscal” para a produção,
a renda e o emprego. Para eliminar o efeito desse freio, julgava-se neces
sária uma diminuição horizontal dos impostos. A essa altura, a sofisti
cação pública permitia tal medida; os impostos podiam ser reduzidos e
o déficit aumentado com a finalidade deliberada e exclusiva de aumentar
o déficit orçamentário e assim melhorar o desempenho da economia. Em
1964, essa redução, correspondente a 14 bilhões de dólares em receitas,
foi aplicada. Foi “a expressão mais clara e dramática do novo enfoque à
política econômica.”12
Implícita nesta medida estava, porém, a necessidade de invertê-la
caso um excesso de procura começasse a forçar a elevação de preços.
E isto, como os fatos posteriores o demonstrariam, era muito mais
difícil. Há mais do que a normal relutância política para a introdução
de impostos mais altos. Um aumento de impostos no momento em que
os preços estão surgindo parece a todos, exceto aos cidadãos mais esclare
cidos, uma medida particularmente gratuita. Mais está sendo pago nos
13
Campbell R. McConnell. Economics, 4? ed. (Nova York: McGraw-Hill Bood Co.,
1969), p. 332. Este é um dos dois ou três manuais de Economia mais usados.
292 MOEDA
3
New York Times, 28 de janeiro de 1969.
298 MOEDA
... (1) .. .eles não tinham sido muito eficazes enquanto estiveram
em vigor; (2) podem muito bem ter consolidado as forças inflacio
nárias a longo prazo, desviando a atenção das armas fundamentais
de política monetária, fiscal e de mão-de-obra; (3) após o seu aban
dono, podem ter contribuído para intensificar a insatisfação dos
trabalhadores e estimular acordos salariais superiores ao que teria
acontecido se não tivessem existido. Além disso, (4) são contrários
ao espírito de competição e subvertem as forças do mercado; e
(5) quando combinados ao processo de “jawboning”, possivel
mente contrariam a legislação antitruste nacional.4
Nos dois anos seguintes, essa política refletiu com notável precisão as
projeções do Presidente. A política fiscal foi restritiva em 1969. Nessa
altura, como foi observado, com a abolição da sobretaxa e a introdução
de outras medidas de alívio tributário e o aumento de despesas, ela tor
nou-se bem mais folgada. O déficit federal nas contas nacionais foi de
11,9 bilhões de dólares em 1970, e alcançou a vultosa cifra de 22,2 bilhões
de dólares em 1971.5 Para resistir à inflação, deu-se ênfase à política
monetária; esta foi mais restritiva, com taxas de juros bastante superiores,
em 1969, e assim continuou até os últimos meses de 1970. E essa foi a
“regulação perfeita”.
Em meados de 1970, o longo período de “boom” e euforia no
mercado de ações chegou ao fim. Nada havia aí que pudesse ser de respon
sabilidade do governo Nixon. As causas de qualquer colapso sempre estão
inseridas no “boom” precedente. Em 1929, os que acreditaram ter desco
berto o segredo do mercado haviam descoberto apenas o segredo de um
mercado em elevação. E agora isso acontecia novamente. Como aconteceu
com as grandes “holdings companies” e as promoções de companhias de
4 Este resumo da posição de Shultz foi extraído de um ensaio de Neil de Marchi,
“Wage-Price Policy in the First Nixon Administration-Prelude to Control”, que
será incluído num volume sobre o desenvolvimento da política de preços e salários
nos Estados Unidos, a ser publicado pela Brookings Institution.
Tais concessões foram feitas. A coragem política é uma força muito admi
rada quando usada para o bem público. O impacto favorável da covardia
política merece mais aplausos do que comumente acontece. No verão de
1971, uma eleição presidencial estava a apenas um ano e alguns meses
de distância. Todas as pesquisas de opinião pública mostravam que a
reação pública à nova combinação de inflação e desemprego era adversa,
o que não surpreendia. Os principais candidatos à indicação do Partido
Democrata mostravam nas pesquisas as possibilidades de denotar o Sr.
Nixon. Os economistas podem recomendar sofrimento em nome de um
princípio. E podem apelar ao público para ter paciência enquanto os pro
6 Economic Report of the President, 1974, pp. 279, 305. Embora houvesse aumen
tos em todas as categorias, foram bastante fortes no caso de bens duráveis de
consumo, e particularmente no de bens finais de produção. Em ambas essas partes
da economia o poder de mercado das empresas e dos sindicatos é muito forte.
300 MOEDA
são áreas de poder de mercado muito fraco. Onde havia poder de mercado,
a resistência à contenção era previsivelmente mais forte. Em dezembro
de 1974, a United States Steel Corporation anunciou um aumento de
quase 5% dos preços de uma grande variedade de produtos de aço, e mais
tarde recuou ligeiramente a pedido do Presidente. Substanciais aumentos
estavam sendo reivindicados em tarifas de serviços públicos, incluindo tele
fônicos. Os preços da maioria dos produtos manufaturados ainda estavam
sendo elevados, embora, à medida em que os estoques se acumulavam, com
entusiasmo cada vez menor.
Os custos deste enfoque à estabilidade de preços estiveram longe de
ser pequenos. A contenção monetária, a principal arma, tinha então produ
zido uma crise sem precedentes na indústria de construção de habilitações.
Mais uma vez, ocorria a discriminação devastadora da política monetária
contra os que devem operar com dinheiro emprestado. A produção da
economia como um todo também havia declinado modestamente durante
o ano, e as referências a uma taxa saudável de crescimento tinham agora
um tom nostálgico. O desemprego, no final de 1974, foi o mais alto em
números absolutos desde a Grande Depressão e, a 7,1% da força de tra
balho, chegou muito perto de ser a taxa mais alta desde aqueles tempos
remotos. Em Detroit, foi observado que o recebimento de cheques de assis
tência aos desempregados envolvia uma espera de duas horas e meia numa
fila. Uma proporção considerável de funcionários burocráticos e execu-
tivos-junior podia ser encontrada na fila. Entretanto, o compromisso com
os princípios continuava firme. Em dezembro de 1974, o Sr. Alan Greens-
pan, Presidente do Conselho de Assessores Econômicos (substituindo o
Dr. McCracken e o seu sucessor, o Sr. Herbert Stein), resumiu a sua posição
perante uma reunião de economistas de Washington em duas frases nota
velmente elegantes:
19 Alan Greenspan. “Economic Policy Problem for 1975”, uma conferência não
publicada, pronunciada perante o Clube Nacional de Economistas, 2 de dezembro
de .1974,
PARA ONDE FOI 305
A inflação ainda era algo que, uma vez exorcizado, iria embora para
sempre. O capitalismo funcionava normalmente sobre um nível equili
brado. Uma vez colocado nessa posição pelo Homem, Deus, também um
bom cavalheiro conservador, o manteria estável. Tudo o que era preciso
era a disposição para sofrer a dor necessária. Essa era a situação do pensa
mento econômico em 1974. E, mais uma vez, também estavam numa
trajetória de colisão com a necessidade política. Nos últimos momentos do
ano, com o gênio da inflação ainda bem fora da lâmpada, os assessores do
Presidente reuniram-se numa região nevada do Colorado para reconhecer
que a dor era forte demais. Talvez fosse melhor ter menos desemprego e
mais inflação.
Uma passagem infeliz, demonstrando porém, o poder da fé na
Economia, em oposição à experiência.
vantagens cm permitir que a moeda caísse com o dólar. Isto podia ser
imediatamente conseguido, pelo menos a curto prazo, fazendo com que
o banco central vendesse livremente a moeda local por dólares. Assim, o
dólar ficaria convenientemente supervalorizado.
Negociações foram iniciadas para promover a desvalorização e re-
cstabilização do dólar. Essas negociações foram realizadas no final do
outono de 1971 nos prédios do Smithsonian Institute em Washington.
Evcntualmente, chegou-se a um acordo sobre novas taxas de câmbio;
elas refletiam diversas taxas de desvalorização do dólar, de aproxima
damente 17%, no caso do iene, e 12%, no do marco, até pouco ou nada,
no caso do dólar canadense. Os governos participantes comprometeram-se,
através dos seus bancos centrais, a comprar e vender moedas para manter
as taxas de câmbio dentro de um intervalo de 2,25% em relação às pari
dades combinadas. O Congresso, num ato simbólico exigido pelo Fundo
Monetário Internacional, devidamente reduziu o conteúdo de ouro no
dólar. O resultado foi descrito com relativa modéstia por Richard Nixon
como a maior reforma monetária na história da humanidade. O Secretário
do Tesouro, John B. Connally, que recebeu o crédito pelo acordo, gozou
momentaneamente do apreço atribuído pelas pessoas que não entendem o
está ocorrendo aos que são presumidos conhecedores dos problemas mone
tários. Pois tanto para os Acordos do Smithsonian quanto para Connally o
apreço foi de curta duração. Ambos foram vítimas da época.
No início de 1973, coincidindo com o abandono dos controles da
Segunda Fase, houve um fluxo maciço de dólares para conversão em
outras moedas. Isto ocorreu na expectativa de mais inflação nos Estados
Unidos, e de uma nova desvalorização do dólar. Ambas as expectativas
foram solidamente justificadas pelos fatos. (Houve especulação somente
com outras moedas.) Manter as paridades dos Acordos do Smithsonian
era impossível. A instabilidade das moedas tornava-se agora a política
aceita; isto também recebeu um cognome benigno. Ficou conhecido pelo
nome de Sistema de taxas de câmbio flutuantes (“float”). Os econo
mistas do governo douraram a sua rendição com uma manifestação super
lativa de prosa burocrática:
sumo sobre o petróleo ou seus derivados.23 O efeito, cada vez mais evi
dente à medida em que o ano de 1974 passava, foi o efeito previsível
da austeridade fiscal. À medida em que a procura caía, os preços nos
mercados de concorrência intensa — produtos alimentícios, matérias-
-primas, serviços — começaram a diminuir. Os preços sujeitos ao poder de
mercado das empresas continuaram subindo. E o mesmo ocorreu com o
desemprego. Os países produtores de petróleo tinham dado aos países
industriais o sucedâneo de um aumento de impostos. O seu efeito, como
o de qualquer medida fiscal ou monetária antiinflacionária em geral, foi
aumentar o desemprego muito antes de começar a eliminar a inflação.
Não há muita coisa na história da moeda que apóie uma visão linear da
História, uma visão em que o conhecimento e a experiência adquiridos
numa época forneçam elementos para uma administração mais adequada
na fase seguinte. A história da moeda é menos generosa ainda para aqueles
que trabalham na orientação dessas atividades. Dos 2500 anos de expe
riência e 200 anos de estudos intensos surgiram sistemas monetários tão
insatisfatórios quanto qualquer outro de períodos anteriores de paz.
Recentemente, os conservadores têm reagido desfavoravelmente à inflação,
embora sem muito entusiasmo pelas medidas para combatê-la. Os liberais
têm considerado o desemprego um problema mais sério. Na verdade,
nenhuma economia pode ser bem sucedida com um ou outro. A inflação
provoca o desconforto e a frustração de muitos. O desemprego causa
sofrimento agudo para um número menor. Não há maneira segura de
saber o que provoca maior sofrimento total. A principal lição da década
dos 30 foi a de que a deflação e a depressão destruíram a ordem inter
nacional, levando cada nação a buscar sua própria salvação, indiferente
ao prejuízo que os seus esforços causavam para os vizinhos. Também
foi uma lição do fim da década dos 60 e do início da década dos 70 a
de que a inflação também destrói a ordem internacional. Os que exprimem
ou denotam uma preferência entre inflação e depressão fazem uma
escolha de tolos. A política sempre deve ser combater o mal de que
se padece.
Mas também está evidente agora que somente há escolha nos extre
mos de inflação ou depressão. De outro modo, se somente forem aplicados
23 Este efeito dos aumentos do preço do petróleo foi identificado com muita preci
são pelo Professor Richard N. Cooper, numa das Conferências de Cúpula sobre
a Inflação, promovidas pelo Presidente Ford nç outono de 1974. Poucos, não
incluindo o presente autor, reconheceram a força dessa posição.
PARA ONDE FOI 313
Nada disto destina-se a sugerir que o sucesso será fácil. Dentre as lições
desta história, duas destacam-se. A primeira é a de que o problema da
moeda agora está inteiramente ligado ao da economia, e também com o
da política. A segunda é a de que o desempenho econômico que há cem
anos teria sido aceito como inevitável e há cinqüenta anos como tolerável
não é mais aceito. O que então era desgraça hoje é fracasso.
Especificamente, no século passado e antes dele, a moeda tinha
importância. As empresas não tinham o poder generalizado de afetar os
preços. Os sindicatos não existiam. Os impostos e as despesas dos estados
nacionais eram controlados pelas exigências das necessidades de guerra e
paz, e não pelo que era necessário para o bom desempenho da economia.
O que era usado como moeda e quanto havia de moeda era importante;
os instintos dos seguidores (e dos oponentes) de Bryan não estavam
enganados.
Em tempos modernos, como vimos, o orçamento nacional passou a
ser um fator decisivo do desempenho econômico. Determina em grande
parte se a procura expandir-se-á, se os preços subirão, se o desemprego
aumentará e — em conseqüência dos empréstimos públicos e da resultante-
criação de depósitos — se a oferta de moeda se ampliará. E além do orça
mento há o poder dos sindicatos e das empresas de afetar diretamente os
EPÍLOGO 317
Nada, ou pelo menos pouca coisa dura para sempre. Mas o que está bem
consolidado tende a durar por algum tempo. Assim, as forças que têm
modelado a política passada (ou a política passada que tenha sobrevivido),
se tiverem sido identificadas corretamente nesta história, deverão presu
mivelmente continuar a atuar pelo menos por algum tempo no futuro.
São imperativos históricos, no sentido integral da expressão. Isto significa
que não são objeto de preferências ideológicas, como comumente se ima
gina. Encarar a política econômica como um problema de escolha entre
ideologias rivais é o maior erro dos nossos tempos. Só raramente, e em
geral em questões de importância secundária, é que as circunstância garan
tem esse luxo. Com muito mais freqüência, as instituições e as circuns
tâncias históricas representam a mesma camisa de força para liberais e
conservadores, socialistas e homens de mente declaradamente medieval.
O que funciona para um funciona para todos. O que falha para um é
insondável para todos.
Sendo o futuro próximo um prolongamento do passado mais recente
e distante, podemos citar seis imperativos que determinarão ou contro
larão a política monetária e a política econômica mais ampla da qual
é agora uma parte menor. São os seguintes:
(1) A inutilidade obstinada da política monetária e as frustrações
e os perigos decorrentes de confiar nela. Esta talvez seja a lição mais
clara do passado recente. A administração da moeda não é mais uma polí
tica, mas uma ocupação. Embora recompense os que a exercem, as suas
realizações neste século têm sido claramente desastrosas. Piorou tanto
os períodos de “boom” quanto de depressão após a Primeira Guerra
Mundial. Facilitou o grande mercado altista da década dos 20. Fracassou
como instrumento de expansão da economia durante a Grande Depressão.
Quando foi relegada a um papel secundário na Segunda Guerra Mundial e
nos bons tempos que a seguiram, o desempenho da economia foi, segundo
acordo geral, muito melhor. A sua ressuscitação como instrumento impor
tante de administração da economia no final da década dos 60 e no início
da década dos 70 serviu para combinar uma inflação maciça a uma séria
recessão. E, pouco surpreendentemente, funcionou com efeito discrimi
natório e punitivo contra as indústrias que dependiam de capital de tercei-
EPÍLOGO 319
1 Alfred Hayes. ‘Testing Time for Monetary Policy”. Conferência perante a Asso
ciação de Banqueiros do Estado de Nova York, em Nova York, em 20 de janeiro
de 1975. Um dos problemas de mensuração da oferta de moeda é, entre outros,
320 MOEDA
2 Sherman J. Maisel. Managing the Dollar (Nova York: W. W. Norton and Co.,
1973), p. 311.
EPÍLOGO 321
dades públicas civis nos Estados Unidos estejam sendo menos amplamente
atendidas do que o consumo privado, ao menos dos mais ricos. Há ainda a
dificuldade estrutural adicional ligada à existência de uma grande defa-
sagem entre a decisão de reduzir uma despesa e o efetivo declínio dos
gastos, com os seus conseqüententes efeitos sobre a procura, como fre-
qüentemente ocorre com os gastos de construção e compra de arma
mentos.
A solução, que deve ser encarada com relutância por todos que
vêem com maus olhos os excessos do poder executivo, é separar da política
fiscal o orçamento do governo nacional.3 As despesas seriam determinadas
e os impostos estabelecidos como atualmente acontece. A esperança é a
de que isto seja feito com um reconhecimento completo e civilizado da
necessidade de um equilíbrio apropriado entre gastos públicos e privados,
consumo público e privado. As receitas deveriam cobrir as despesas corres
pondentes ao nível aproximado de pleno emprego. Os impostos assim
fixados redistribuiriam a renda entre os grupos de rendas como fosse
considerado social e economicamente desejável. Nesse ponto, seria conce
dida autoridade ao Poder Executivo para aumentar ou reduzir impostos
dentro de limites especificados, puramente por razões de política fiscal,
isto é, de política econômica mais ampla. Essas modificações seriam
concebidas de modo a não afetar significativamente a incidência da tribu
tação sobre grupos de rendas diferentes.
(3) O Controle direto de salários e preços onde há poder de mercado
é inevitável. Não deve ser usado onde não há esse poder - na agricultura,
nas pequenas empresas, onde não há sindicatos. Neste caso, o controle
da procura agregada deve bastar. Os controles refletem uma política que
poucos desejam aceitar, mas que não desaparecerá, em que pese os desejos
em contrário. Como vimos suficientemente, ao nível de pleno emprego
ou próximo dele, o poder de mercado de empresas e sindicatos fórtes é
capaz de criar por si mesmo uma dinâmica inflacionária. E, como vimos,
tem feito isso repetidamente. Embora seja possível sustar esse impulso
inflacionário, exige-se uma recessão maior e mais desemprego do que
pode ser tolerado pela compaixão humana ou pelos simples ditames da
sobrevivência política. Enquanto este livro está sendo publicado, mais
um esforço para combater a inflação por meio de políticas monetária
3 Ver o esquema desta proposta em James Tobin. The New Economics One Decade
Older (Princeton: Princeton University Press, 1974), pp. 76 e segs. A redução da
autoridade legislativa sobre a tributação é algo a ser levado a sério. O que falta é
uma alternativa.
322 MOEDA
* (N. do T.) O autor refere-se à expressão “energy czar”, usada nos Estados Unidos
para o diretor da Federal Energy Administration, criada após a decretação do
embargo do petróleo pela OPEP.
324 MOEDA
idéias. Estava em supor que a inflação podia ser eliminada somente pela
recessão — que o poder de mercado das grandes empresas e dos sindi
catos só podia ser detido pelo desemprego e pela queda do produto.
Nenhuma política econômica pode ser muito satisfatória quando só
oferece uma escolha entre inflação e depressão. Mas sobre este erro já
houve discussão suficiente.