Rudolf Arheim
Rudolf Arheim
Rudolf Arheim
EMOÇÃO E INTELECTO
RESUMO
Este texto analisa as contribuições dos estudos de Rudolf Arnheim para fundamentar o
ensino de arte pautado numa concepção cognitivista da arte e de ensino, quando a ênfase
residia mais na autoexpressividade e no espontaneísmo, sobretudo no contexto brasileiro. A
atenção está focada no discurso sobre o ensino e sobre o que se requer para ser um bom
docente. Este texto é uma maneira de evidenciar a importância de se conhecer autores
basilares para fundamentar o ensino de artes na contemporaneidade.
RESUMEN
Este artículo examina las aportaciones de los estudios de Rudolf Arnheim para apoyar la
enseñanza del arte guiado por una concepción cognitivista del arte y de la educación,
quando el énfasis estaba más en la autoexpresividad y la espontaneidad, sobre todo en el
contexto brasileño. La atención se centra en el discurso sobre la enseñanza y sobre lo
que se necesita para ser un buen maestro. Este texto es una manera de resaltar la
importancia de conocer los autores básicos para apoyar la enseñanza de las artes en la
sociedad contemporánea.
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A influência de Rudolf Arnheim foi preponderante na década de 1980 e
1990. Uma pesquisa, coordenada por Ana Mae Barbosa (1997, p. 21-22),
comprovou, ao analisar “as teses sobre o ensino e aprendizagem da Arte”, que as
dissertações de mestrado e teses de doutorado, defendidas entre 1981 e 1993, nas
universidades brasileiras, que Rudolf Arnheim, depois de Herbert Read, é o teórico
ou estudioso mais invocado nesses textos.
A despeito de sua importância para fundamentar várias pesquisas, bem
como processos pedagógicos da Arte e seu ensino, Arheim é um autor pouco
lembrado nos dias atuais. Tendemos a esquecer o passado, o antigo, e saudar ou
abraçar o novo, como se o novo não tivesse uma história, um percurso. Trazer à
baila suas colaborações, como um autor fundante de alguns princípios defendidos
para o ensino de Arte na contemporaneidade, é um dos motivos que me impulsiona
a escrever sobre este autor.
O discurso de Arnheim procede dos princípios da Gestalt. Imbuído de
preceitos cognitivistas, rebatia a noção de arte como uma atividade “misteriosamente
inspirada do alto” e a concebia como “um produto da atividade visual”. A atividade
visual era uma atividade criadora da mente humana. Em vista disso, a experiência
visual era encarada como um processo dinâmico e constituía a própria “percepção
em ação”.
A percepção era o resultado de uma interação entre o objeto, a luz, como
transmissora de informação, e as condições cognitivas do observador. O texto de
referência da produção intelectual de Arnheim é Arte & percepção visual: uma
psicologia da visão criadora. Foi publicado inicialmente em 1954, mas somente em
1980 foi editado no Brasil.
O próprio autor reconhece que o mérito de sua contribuição foi discutir, a
partir da psicologia, o processo de visualização da criação ou da experimentação da
arte, sem considerá-la periférica, nem instrumento da exploração da personalidade
humana. O processo perceptivo foi concebido, ao contrário, como um conhecimento
específico.
Como se pode observar, Arnheim explorava não apenas o funcionamento
da percepção, mas também a qualidade das unidades visuais e as estratégias de
sua unificação em um todo final e completo. Qualquer acontecimento visual era uma
forma com conteúdo, ambos influenciados pelas partes constitutivas (linha, cor,
textura, dimensão, proporção, etc.).
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Bem antes que Robert Saunders e Dick Field, Arnheim rebatia enunciados
preconizadores de que a criança desenha a partir de uma fonte não visual, isto é, de
conceitos “abstratos”. Ele asseverava, em contraposição, que a criança desenha o
que ela consegue visualizar em cada etapa ou estágio de sua vida.
Alertando para que não fossem desconsideradas essas etapas de
desenvolvimento infantil, Arnheim (1991, p. 193-194) sugeria que o ensino fosse
baseado no processo mutante da concepção visual do estudante, de acordo com
seus princípios, e que as intervenções do professor fossem dirigidas pela exigência
do processo individual de crescimento. As atividades educacionais deveriam ser
encaminhadas de modo a desafiar o estudante a trabalhar em tarefas de
organização visual em seu próprio nível de concepção e de execução.
Ao considerar o pensamento visual como indivisível, recomendava que
essa tarefa deveria envolver todas as áreas do currículo. O sujeito docente
necessitava estar apto “a observar a mente pensante e perceptiva na interação com
as aspirações, paixões e temores do ser humano total” (ARNHEIM, 1980, p. 196).
Ele considerava o estudo da arte, quando feito corretamente,
indispensável para a formação em qualquer outro campo do saber. Em vista disso,
rejeitava truques técnicos que sobrepujassem o nível de concepção do estudante e
o ensino isolado dos meios de expressão visual.
Similar ao que Lanier irá preconizar anos depois, Arnheim (1993, p. 71;72)
julgava imprescindível que o estudo da arte na educação tivesse como objetivo a
própria arte, desde o começo, e em todo o momento. A imagem é capaz de centrar a
atenção porque oferece a presença viva do que o espectador reconhece como
essência da experiência humana.
É possível depreender do seu discurso que uma das atribuições da arte na
educação é ajudar a desenvolver a capacidade de perceber a produção artística
como algo concreto, encarando-a como um todo, pois nada que o artista pôs em seu
trabalho pode ser negligenciado pelo observador.
Defendia que o debate em torno da arte deveria ter clara a intenção de
intensificar a experiência e a compreensão da arte, primando pelo que se pode
“arrancar” de sua concreticidade. A esse respeito, asseverava: “a experiência
artística direta é o que faz com que mereça a pena falar de arte” (ARNHEIM, 1993,
p. 77).
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Numa época em que se valorizava, excessivamente, a expressão ou
emoção, Arnheim (1993, p. 49-51) concebia-a como um “ato de cognição, uma luta
motivacional causada pela cognição e um despertar causado por ambas”. As
atividades relacionadas ao sentimento, ele a chamava de “intuição”.
A percepção intuitiva era entendida como a “principal forma que tem a
mente de explorar e compreender o mundo”. A intuição era considerada a base
sobre a qual se fundavam os “conceitos intelectuais”. Logo, a percepção intituitiva
era inseparável das aportações da memória, da organização e da formação de
conceitos.
A percepção intuitiva e a sedimentação intelectual eram vistas como
intercambiáveis. O ensino e a aprendizagem, de cada matéria, necessitam fazer o
intelecto e a intuição interagirem. O sujeito docente precisa tornar explícitas as
categorias visuais, extraindo princípios subjacentes e mostrando relações estruturais
em ação, sem excluir a intuição espontânea.
Contrariando suposições que afirmam que arte não tem função ou que não
serve para nada, Arnheim (1993, p.81-83) ressaltava seu conteúdo e significado. A
estrutura da forma visual, para ele, encontrava respaldo na história da arte, a qual
“demonstra que a arte que teve êxito nunca esteve desprovida de conteúdo
significativo”.
Ao preconizar que não há arte sem função, Arnheim rebatia,
incisivamente, as suposições de que as artes eram hierarquicamente superiores aos
ofícios, que as atividades cerebrais e manuais eram dissociadas, ou que a
percepção relacionava-se, apenas, à liberação emocional.
A arte na educação, para Arnheim (1993, p. 89; 95), deveria explorar a
aprendizagem visual, por intermédio do manejo dos fenômenos visuais e da
organização do pensamento. Para ele, o melhor professor, tanto nas artes como no
resto da educação, “não é o que consegue compartir tudo o que sabe ou o que
guarda tudo o que poderia dar, mas o que, com sabedoria de um bom jardineiro,
observa, julga e estende a mão quando sua ajuda é necessária”.
As contribuições de Arnheim ainda não tiveram o devido reconhecimento.
A despeito de terem ajudado a lançar as bases discursivas e educacionais para a
consolidação do ensino de arte e de suas respectivas implicações pedagógicas,
pouco se comenta sobre seu pioneirismo e importância.
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Como não existe confronto com o que se via, fazia, agia e dizia antes,
muitos dos seus enunciados são veiculados sem mencioná-los. Isso se percebe,
principalmente, naquelas publicações que omitem as referências bibliográficas,
como é o caso da famosa experiência relatada por Fayga Ostrower (1991), na qual é
bastante visível a apropriação das contribuições de Arnheim, e naquelas que
esquecem que só se avança a partir do que foi dito e feito antes.
Os enunciados de Arnheim lançam incisivos questionamentos à tradição
mimética e expressivista da arte na educação e projetam um consistente lastro
discursivo para a gestação de outros enfoques discursivos enfatizadores da
especificidade da arte e de seus efeitos no sujeito leitor, como vem ocorrendo
atualmente.
Em suma, Arnheim fornece uma perspectiva singular, procedente da
Gestalt com um rico teor cognitivo. Ajuda a compreender, a partir desse enfoque, o
que fazem os sujeitos para produzirem arte e o que faz a arte para produzir sujeitos
de uma maneira e não de outra.
Para Arnheim, a arte, como um produto da atividade visual, resulta de um
processo dinâmico entre intuição e intelecto, forma e função, conteúdo e significado,
texto e contexto de produção e de recepção. O ensino é visto como um processo
incorporador de mutações na percepção visual, de acordo com o nível de
significação intuitiva e intelectual.
Arnheim faz referência a um ensino que pode ser implementado em
diversos campos do saber, propiciador de um jogo cognitivo, a partir da
concreticidade da arte e das demais modalidades de produção visual. Enfatiza a
articulação entre o todo e suas partes no processo de análise de imagens, pois
reconhece que a fragmentação isolada do resto e a dependência exclusiva da
abstração verbal não favorecem à ampliação do processo perceptivo.
Nesse contexto, a atuação docente de referência deve ser capaz de ajudar
a discernir categorias visuais, enaltecendo princípios subjacentes e relações
estruturais em ação, respeitando o nível de compreensão intituitiva e cognitiva do
sujeito discente.
Os textos de Arheim não consideravam o sujeito refém de si mesmo, mas
tentavam contribuir para que ele se percebesse dotado de processo cognitivo e de
capacidade de criação a partir da percepção de objetos e imagens que permeavam
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o cotidiano. A percepção poderia ser acionada por experiências articuladoras de
critérios formulados pela teoria da criatividade e da Gestalt.
A infância, tal como a própria percepção, era vista em mutação,
convivendo com diferentes níveis de intuição e de significação a partir da interação
com a produção visual em sua concreticidade, com potencial criativo para mudar a
realidade percebida. Valorizava-se um sujeito docente especializado provocador de
experiências perceptivas e acionador de dispositivos mentais impulsionadores da
criatividade, de acordo com o nível de compreensão intituitiva e cognitiva do sujeito
discente.
Referências
ARNHEIM, Rudolf. Arte & percepção visual : uma psicologia da visão criadora. 6ª ed. São
Paulo: Livrara Pioneira, 1991.
_______Consideraciones sobre la educación artística. Barcelona: Paidós, 1993.
BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte-educação : leituras no subsolo. São Peulo: Cortez, 1997.
FOESTER, Gerda Margit Schütz. Arte-educação: pressupostos teórico-metodológicos na
obra de Ana Mãe Barbosa. Goiânia, 1996, Dissertação (Mestrado em Educação Escolar
Brasileira), Universidade Federal de Goiás.
NASCIMENTO, Erinaldo Alves do. Mudanças nos nomes da arte na educação: qual
infância? que ensino? quem é o bom sujeito docente? São Paulo, 2005, Tese
(Doutorado em Artes), Universidade de São Paulo.
VARELA, Julia. Categorías espacio-temporales y socialización escolar. Del individualismo al
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1995.
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