Livro - Desenho Urbano

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Desenho Urbano - 1

Organizadoras
Geise Brizotti Pasquotto
Érica Lemos Gulinelli

DESENHO URBANO

1ª Edição

ANAP
Tupã/SP
2019
2

EDITORA ANAP
Associação Amigos da Natureza da Alta Paulista
Pessoa de Direito Privado Sem Fins Lucrativos, fundada em 14 de setembro de 2003.
Rua Bolívia, nº 88, Jardim América, Cidade de Tupã, São Paulo. CEP 17.605-310.
Contato: (14) 99808-5947 e 99102-2522
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Editoração e Diagramação da Obra - Sandra Medina Benini


Revisão Ortográfica - Smirna Cavalheiro

Ficha Catalográfica

G313d Desenho urbano / Geise Brizotti Pasquotto e Érica Lemos Gulinelli


(orgs). 1 ed. – Tupã: ANAP, 2019.
184 p; il.; 14.8 x 21cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN

1. Cidade 2. Desenho Urbano 3. Paisagem


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano e Paisagismo
Desenho Urbano - 3

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4

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Desenho Urbano - 5

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Profa. Dra. Yanayne Benetti Barbosa
6

ORGANIZADORAS DA OBRA

Geise Brizotti Pasquotto


Doutora em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade de São Paulo - USP (2016),
mestre em Engenharia Civil na área de Arquitetura e Construção pela Universidade Estadual de
Campinas - UNICAMP (2011) e graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP (2006). Possui dez anos de experiência como
pesquisadora e como docente no ensino superior na área de Teoria do Urbanismo, Planejamento
Urbano e Regional e Técnicas de Análise do Espaço Urbano.

Érica Lemos Gulinelli


Doutoranda em Arquitetura, Urbanismo e Território na Pontifícia Universidade Católica - PUC-
Campinas, na linha de pesquisa Teoria, História e Crítica em Arquitetura e Urbanismo. Mestre em
Arquitetura e Urbanismo, na linha de pesquisa “Teoria História e Projeto” pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Bauru (2016). Graduação em Arquitetura e
Urbanismo pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003). Pós-graduada no
Curso de Gestão Ambiental, pela Faculdade Anhanguera de Bauru. Foi bolsista de iniciação
científica pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP com seguinte
projeto: Análise do desenho do parcelamento rural na região de Bauru: compreendendo o período
entre o final do século XIX e início do século XX. Também bolsista PROEX no Núcleo de Pesquisa
em Arquitetura e Habitação de Interesse Social- ARQHAB. Docente do curso de Arquitetura e
Urbanismo na Universidade do Sagrado Coração - USC.
Desenho Urbano - 7

SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 09

Capítulo 1
PROJETO URBANO COMO ARQUITETURA, PAISAGISMO E 13
POLÍTICA PÚBLICA
Adilson Costa Macedo

Capítulo 2
RETROFIT URBANO: ALTERNATIVAS PARA O ENFRENTAMENTO 29
DOS PROBLEMAS URBANOS NO CONTEXTO BRASILEIRO
Giselle Chalub Martins; Letícia Pacheco dos Passos Claro

Capítulo 3
CIDADE DE LIMIAR: NOTAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS ACERCA 43
DOS ARRABALDES METROPOLITANOS BRASILEIROS
José Vandério Cirqueira

Capítulo 4
HABITAÇÃO SOCIAL EM CUIABÁ-MT: A INFLUÊNCIA DA 59
PRODUÇÃO HABITACIONAL NA EXPANSÃO URBANA DO
MUNICÍPIO
Douglas Q. Brandão; Louise Logsdon; Douglas L. L. Gallo

Capítulo 5
A PROBLEMÁTICA DA URBANIZAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA: 87
BAIRRO DA CORRENTEZA EM MANACAPURU
Célia Regina M. Meirelles; Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues
Chaves; Gilda Collet Bruna; Jair Antônio Oliveira Junior; Flavio
Marcondes; Lucas Fehr; Silvio Stefanini Sant'Anna; Antônia Lúcia
Silva de Almeida
8

Capítulo 6
PROCESSO DE URBANIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE E CONTROLE DE 109
ENCHENTES EM BLUMENAU, SC, BRASIL
Roberto Righi; Raphael Franco do Amaral Tafner

Capítulo 7
A QUALIDADE DOS ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS NO BAIRRO DE 133
SANTO AMARO, A PARTIR DO EIXO METROVIÁRIO
Luciana Monzillo de Oliveira; Maria Augusta Justi Pisani; Erika
Ciconelli de Figueiredo

Capítulo 8
ESPAÇOS PÚBLICOS DE PROPRIEDADE PRIVADA: OS POPS DE 155
SEATTLE
Luciana Monzillo de Oliveira; Maria Augusta Justi Pisani

Capítulo 9
A PROBLEMÁTICA DA URBANIZAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA: 171
ESTUDO DE TIPOS DE TECIDO URBANO NO DISTRITO DA
MOOCA, SP
Adilson Costa Macedo; Maria Isabel Imbronito
Desenho Urbano - 9

APRESENTAÇÃO

Na década de 1960, com o pós-modernismo, diversas críticas foram


realizadas em relação ao urbanismo modernista, tanto da produção do Poder
Público quanto da iniciativa privada. Barnett (1982)1 enfatiza que os
planejadores se debruçavam nas questões de distribuição de recursos e uso
do solo e os arquitetos em edifícios e responsabilidade legal, e o meio-termo
entre essas duas profissões ficava sob a responsabilidade de ninguém.
A partir desse contexto surgem nos países anglo-saxônicos um novo
campo do conhecimento: o Urban Design. Os cursos de Arquitetura
(Architecture) e de planejamento urbano (Town Planning) eram separados e,
nessa época, nasce a necessidade de designar um curso que criasse a conexão
desses dois campos do conhecimento: o Projeto Urbano (Urban Design). Para
Shirvani (1985)2, o Urban Design é um campo multidisciplinar, que engloba o
planejamento urbano, o paisagismo, a arquitetura, engenharia de
transportes, psicologia ambiental, desenvolvimento imobiliário, direito
urbanístico, etc.
A comunidade acadêmica brasileira divulga esse campo do
conhecimento como o do “Desenho Urbano”, por meio de uma série de
reuniões e eventos científico-acadêmicos. Vicente Del Rio (1990)3 define
Desenho Urbano como “campo disciplinar que trata a dimensão físico-
ambiental da cidade enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e
sistemas de atividades que interagem com a população através de suas
vivências, percepções e ações cotidianas”.
No entanto, na década de 1980, ocorreu uma desvalorização do
planejamento urbano, resultando em projetos isolados e dirigidos pelo setor
privado. Na década de 1990 o Poder Público retoma o controle no
desenvolvimento urbano, embora em alguns casos de maneira parcial. Dessa
nova abordagem surge o planejamento estratégico, que enfatiza a
importância dos projetos urbanos e do instrumental teórico baseado nos
conceitos do Desenho Urbano.

1
BARNETT, J. An introduction to urban design. Nova Iorque: Harper & Row Publishers, 1982.
2
SHIRVANI, H. The urban design process. Nova Iorque: van Nostrand Heinhold, 1985.
3
DEL RIO, V. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: Pini, 1990.
10

Segundo Nobre4 (1994), os Projetos Urbanos Contemporâneos


surgiram a partir das circunstâncias político-econômicas no final do século XX,
resultando, muitas vezes, nas mesmas fragilidades modernistas. Portanto, é
importante destacar que existem diferenças entre o campo disciplinar do
Desenho Urbano, dos objetivos que o fizeram existir e as práticas recentes
que se utilizam da conceituação e de parte da teoria desse campo do
conhecimento para a sua promoção, mas que de fato ocasionam problemas
semelhantes àqueles que o fizeram surgir.
Dessa forma, este livro resgata tais questões, tanto da relação teórica
do “fazer” o desenho urbano como dos resultados positivos e negativos que
as atuações contemporâneas desenvolveram, tanto de exemplos nacionais
quanto internacionais.
O capítulo 1, “Projeto Urbano como Arquitetura, Paisagem e Política
Pública”, com base no universo interdisciplinar e multidisciplinar do
urbanismo, busca relacionar a produção do arquiteto urbanista e sua relação
com o desenho.
O capítulo 2, “Retrofit Urbano: alternativas para o enfrentamento dos
problemas urbanos no contexto brasileiro”, defende uma sistematização e
definição de estratégias e métodos do processo de retrofit, buscando
investigar quais dimensões de desenho urbano são adequados ao contexto
nacional e às características locais.
O capítulo 3, “Cidade de Limiar: notas teórico-metodológicas acerca
dos arrabaldes metropolitanos brasileiros”, e o capítulo 4, “Habitação Social
em Cuiabá-MT: a influência da produção habitacional na expansão urbana do
município”, possuem uma mesma linha de pensamento no sentido de buscar
uma geografia urbana mais atuante e politicamente mais abrangente, de
modo a obter novos parâmetros de investigações, que se construa uma
linguagem acadêmica e social que depure pesquisas e atuações da realidade
brasileira, projetando práticas de superação de suas desigualdades.
Os capítulos 5 e 6 são voltados à questão ambiental. O primeiro,
intitulado “A problemática da Urbanização na Região Amazônica: bairro da
correnteza em Manacapuru”, busca expor a relação entre habitat e o

4
NOBRE, E. A. C. Towards a better approach to urban regeneration. Dissertação
(mestrado) – Joint Centre for Urban Design, Oxford Brookes University, Oxford, 1994.
Desenho Urbano - 11

ambiente e investiga a complexidade de gestão das cidades com


características ambientais extremas. O segundo, “Processo de Urbanização,
Meio Ambiente e Controle de Enchentes em Blumenau, SC, Brasil”, embora
com um estudo de caso em uma extrema oposição diagonal geográfica do
território, também aborda as relações entre a urbanização e o meio
ambiente, enfatizando a problemática do controle das enchentes.
Nos capítulos 7 e 8 a questão dos espaços públicos é abordada com
visões de natureza distinta. No texto “A Qualidade dos Espaços Públicos
Urbanos no Bairro de Santo Amaro, a partir do eixo Metroviário” é enfocada
a importância desses espaços na qualidade ambiental e, a partir de métodos
de análise territorial, são levantados aspectos importantes na elaboração de
projetos mais qualificados. O capítulo 8, intitulado “Espaços Públicos de
Propriedade Privada: os pops de Seattle”, também busca, por meio de um
método de análise, direcionar projetos mais eficientes. No entanto, o objeto
de estudo são espaços de uso público, porém de propriedade privada, que
surgiram da fragilidade dos espaços contemporâneos e da permissividade e
incentivo do Poder Público.
No capítulo 9, o estudo de caso “Tecido Urbano do Distrito da
Mooca, um estudo de tipos” expõe as transformações no tecido urbano e
analisa as tipologias que coexistem a partir das mudanças morfológicas.
Em suma, de um modo ou de outro, todos os autores desta
coletânea, sob diferentes perspectivas, apontam o papel estratégico do
desenho urbano como teoria, objeto e prática. A abrangência e a
profundidade do tratamento dado às diferentes dimensões que envolvem
direta e indiretamente a questão do desenho urbano na contemporaneidade
farão desta obra uma leitura obrigatória para arquitetos e urbanistas,
cientistas sociais, formuladores de políticas públicas, entre outros, que
reconheçam no desenho urbano uma questão indispensável no
entendimento da cidade contemporânea.

Boa leitura!
12
Desenho Urbano - 13

Capítulo 1

PROJETO URBANO COMO ARQUITETURA, PAISAGISMO E


POLÍTICA PÚBLICA

Adilson Costa Macedo5

1 PRELIMINARES

O pano de fundo deste capítulo é o universo interdisciplinar e


multidisciplinar do urbanismo como campo de trabalho, dentro dele a
produção do arquiteto-desenhador. Trata-se do projeto urbano e da sua
proximidade com urbanismo e arquitetura. Urbanismo é considerado a
disciplina-mãe, entendida como se encontra no dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa:

O estudo sistematizado e interdisciplinar da cidade e da questão


urbana, e que inclui o conjunto de medidas técnicas,
administrativas, econômicas e sociais necessárias ao
desenvolvimento racional e humano delas. (FERREIRA, 1995, p.
659).

É matéria do urbanismo estudar e direcionar conceitos relativos ao


desenvolvimento urbano e projeto, com apoio em saberes provenientes do
estudo do território. Entende-se que o planejamento urbano e regional, o
projeto urbano, a morfologia urbana, a arquitetura e o paisagismo – que
tratam do espaço e ambiente das pessoas – formam um elenco de disciplinas
associadas ao urbanismo enquanto projeto.
O Planejamento Urbano e Regional trata de questões do

5
Arquiteto Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Master in
Urban Design GSD Harvard University. Doutor e professor FAUUSP. Professor da Universidade
São Judas Tadeu / São Paulo, BR. E-mail: ac.macedo@terra.com.br
14

desenvolvimento econômico e social, de políticas públicas, gestão e


implementação de planos e projetos, tratando o espaço físico por meio de
mapas, dados numéricos e textuais. O território é estudado na sua escala
maior em duas dimensões.
Projetar o espaço urbano e a região é fazer planos com base em um
programa atento aos princípios gerais dos assentamentos indicados pelo
planejamento, como matéria precedente ao projeto. Atribui-se a esta
atividade no Brasil o nome de desenho urbano, ou projeto urbano, melhor
traduzindo o termo da língua inglesa urban design. É a arquitetura da cidade
fundamentada na idealização do espaço físico em três dimensões.

2 O ARQUITETO-ESPECIALISTA E O ARQUITETO-DESENHADOR

O projeto urbano resulta de um plano regional, do município, da


cidade, do bairro, de um setor do bairro ou de uma parcela a urbanizar ou
reurbanizar. Refere-se ao projeto como configuração volumétrica, que
atenda a um programa de tipos de espaços julgados necessários e de espaços
de transição que no “bom projeto” podem ser sutilmente introduzidos. Tem
origem na decisão do fazer em determinado tempo com recursos financeiros
assegurados. Desenvolve-se pelo desenho das diretrizes urbanísticas e o
desenho de melhoramentos para execução imediata. O processo de fazer vai
desde a análise do sítio, dos requisitos das pessoas a serem beneficiadas, das
diretrizes para políticas públicas, até a configuração volumétrica dos espaços,
desdobrando-se para o acompanhamento da implantação.
O arquiteto participa do projeto urbano de duas maneiras: como um
arquiteto-especialista que se interessa e interage com diferentes disciplinas
(transportes, mercado imobiliário, sociologia, sustentabilidade ou
engenharia, entre outras) e, como um arquiteto-desenhador, que se
relaciona com a concepção, o desenho das partes e do conjunto, percorrendo
todas as etapas do processo para a construção dos espaços. Neste texto a
atenção será dada para o arquiteto-desenhador, através de aspectos
intrínsecos ao urbanismo e do projeto urbano que levam à transformação da
Desenho Urbano - 15

forma física de um setor delimitado do tecido da cidade6.


Ainda quanto ao desenhador, cabe outra subdivisão, sobremaneira
delicada. Trata-se dos arquitetos com maior experiência nos projetos de
edificação em relação a outros com experiência maior em urbanismo, pelo
viés do planejamento urbano e regional. No Brasil, esta separação é mais
complicada que em outros países, uma vez que na maior parte das nossas
universidades o programa de graduação é de arquitetura e urbanismo.
Questão que se agrava pela vontade de todos nós desejarmos a superação
dos problemas econômico-sociais do país, particularmente no campo do
planejamento regional e urbano onde, em princípio, o arquiteto pode melhor
desempenhar. Muitos estudantes de graduação, acompanhando o interesse
de professores, trilham por este viés em tenra fase de formação profissional.
Deter-se sobre este tema auxilia no entendimento do projeto urbano
como um campo de trabalho interdisciplinar, seja quanto ao arquiteto que
presta serviços como funcionário de uma agência pública ou o colega do
escritório privado; o especialista e o desenhador.
O arquiteto-professor Jonathan Barnnet foi o precursor do que se
entende hoje por projeto urbano (urban design), com experiência devido à
sua participação como coordenador do New York City’s Urbana Design Group.
Desde meados dos anos 1960, Barnnet abriu caminho para a atividade do
arquiteto-desenhador urbano e dele são as palavras:

Bons arquitetos fazem o melhor que podem para relacionar o edifício


que estão desenhando com sua redondeza, mas não têm controle
sobre o que acontece fora da propriedade para a qual foram
contratados para projetar. Como temos visto, poderá haver um
conflito de interesses entre o bom projeto urbano e as necessidades
do cliente de um arquiteto, então cidades com diversos bons edifícios
modernos - como Columbus, Indiana ou New Haven, Connecticut –
não conseguem ter qualidade equivalente para seu projeto como um
todo. É preciso de alguém para projetar a cidade, não apenas os
edifícios. (BARNNET, 1982, p. 238).

É natural que entre os arquitetos-desenhadores haja diferença entre a

6
O termo arquiteto-desenhador, cunhado pela arquiteta-professora Maria Isabel Imbronito,
parceira de pesquisa, significa: aquele que se responsabiliza pela forma dos espaços em
arquitetura e projeto urbano.
16

experiência de projetar um edifício e um setor da cidade, pois o trabalho inclui


diferentes disciplinas. O relato a seguir reforça a citação de Barnnet. Trata-se
do extrato de um debate entre os arquitetos associados Barbara Littenberg e
Steven Peterson versus o oponente Peter Eisenman; sócios de um prestigiado
escritório de Nova York trocando ideias com o famoso arquiteto, teórico e
professor. Realizado no Taubman College of Architecture and Urban Planning,
Universidade de Michigan, Ann Harbor, o debate fez parte do The Michigan
Debates on Urbanism, realizado em 2004 e publicado em três volumes
(livros).
O assunto base para o debate foi a discussão das propostas
submetidas pelos arquitetos citados ao concurso de anteprojetos para o
Ground Zero - New York, em 2003. Do encontro aflorou a postura dos
arquitetos tendo em vista seu campo de ação principal (ou experiência com
projetos anteriores): Eisenman, além de teórico reconhecido, tem atuação
destacada na arquitetura. Littenberg e Peterson, representam um escritório
de arquitetura e urban design, conhecido pela experiência nas duas áreas. A
inserção urbana dos projetos pode ser apreendida pela ilustração, sendo
indicado com a letra A, a proposta de Littenberg e Peterson, e com a letra B a
proposta de Peter Eisenman (Figura 1).
Eisenman defendeu o conceito de que o projeto urbano se faz através
dos espaços entre os edifícios. Se posicionou a favor de que arquitetura e
urbanismo são uma coisa única. Littenberg e Peterson afirmaram que um
procedimento de desenho urbano capaz de melhorar a cidade não depende
apenas de uma relação intrínseca entre edifícios e espaços livres, da
abordagem modernista e simplificadora, defendida por Eisenman. Assim se
abriu a discussão conforme demonstra o relato do livro Post Urbanism &
ReUrbanism, Michigan Debates on Urbanism (STRICKLAND, 2004).
O debate entre os três arquitetos gerou grande polêmica sendo que
uma das colocações de Eisenman contribui para o nosso manuscrito:

Não acredito que eu seja um arquiteto ou um urbanista. Todos somos


arquitetos que lidam com o problema do urbanismo na cidade. Você
pode fazer a distinção, mas em meu entender, o espaço entre os
edifícios é arquitetura e lidar com esse espaço entre edifícios é um
problema arquitetônico. Então, deixo registrado que não aceito que a
arquitetura e o urbanismo estejam separados. (STRICKLAND, 2004, p.
67).
Desenho Urbano - 17

Eisenman usou a conceituação original de Gordon Cullen, de ser um


edifício isolado arquitetura, mas, onde se coloca outro edifício vizinho surge
uma nova arte de relacionamento que é o townscape (CULLEN, 1967). Cullen
é referência importante para o urban design, mas há de se concordar com
Littenberg e Peterson que a disciplina se tornou complexa devido aos demais
elementos que entram na arte de relacionar edifícios como volumes no
espaço.
Littenberg e Peterson representam uma firma, com escritório em
Manhathan. Em 1994, foram convidados para desenvolver um plano para o
setor Lower Manhathan (onde se situa o World Trade Center). Para o debate
Peterson explicou este plano e Littenberg a proposta para o Ground Zero.
Peterson (rebatendo Eisenman) disse:

Barbara (Littenberg) e eu acreditamos que urban design é um


importante campo de trabalho em si mesmo. Ele envolve
características de escala, extensão horizontal e uma multiplicidade de
formas que o faz diferente da arquitetura. Não concordo com Peter
(Eisenman) e Doug (Douglas Kelbaugh, mediador do debate) quando
afirmam que existem múltiplos urbanismos. Eles têm um senso de
categorias de estilo que sugere ser a cidade algo que facilmente se
modifique, se transforme em pouco tempo. [...] Nossa posição na série
de debates tem sido chamada de ReUrbanism. Esta descrição adequa-
se ao que nós fazemos, sem querer criar categorias de urbanismo.
(STRICKLAND, 2004).

Na conclusão do debate, Eisenman afirmou ter sido o escritório de


Littenberg e Peterson que resolveu melhor a implantação e a configuração
dos espaços públicos da área do Ground Zero (dentre os sete escritórios
participantes do concurso). Respeitando Eisenman, subentende-se que no
ambiente dos debates, favorável para qualificar maneiras de entender o
urbanismo, fez sentido rotular o projeto de Littenberg e Peterson como
ReUrbanism, principalmente por causa da atenção com que esses arquitetos
tratam a preexistência e tentam resgatar valores do urbanismo tradicional
como demonstra a Figura 1A.
18

Figura 1: A - Littenberg e Peterson; B - Peter Eisenman

Fonte: Wikimedia Commons, 03.05.2018.

Voltando-se às figuras, vale notar o arranjo do espaço urbano mais


integrador de Littenberg e Peterson, e a arquitetura de raízes em conceitos
teóricos do estruturalismo sugerida por Eisenman. Pode-se concluir que os
primeiros representam os arquitetos-desenhadores urbanos e o segundo, os
arquitetos-desenhadores de edificações.

3 PROJETO URBANO E A BOA FORMA DA CIDADE

O projeto urbano tem como objetivo buscar a “boa forma” da cidade,


acompanhar os procedimentos para a definição de um programa de
necessidades de espaços, estudar os tipos básicos (repetitivos e aqueles que
podem ser únicos) e aproveitar do processo participativo. Inclui atividades
que implicam na tomada de decisão sobre o que fazer e como fazer:
a) prospecção para estabelecer o programa daquilo que se pretende
construir ou definir como diretrizes urbanísticas;
b) estudos que levam ao final do projeto por etapas, objeto de
avaliação e retroalimentação;
Desenho Urbano - 19

c) reuniões entre os profissionais (workshop, charrete) sobre


questões interdisciplinares;
d) reuniões dos profissionais com a comunidade incluindo todos os
cidadãos interessados. Troca de experiências e informações que
devem se caracterizar pela busca de componentes locais para
enriquecer o programa do projeto, sem querer impor ideias
preconcebidas;
e) acompanhar o processo de implantação dos elementos urbanos
projetados (LYNCH, 2006).
Até a fase de execução são várias etapas a cumprir e o arquiteto que
participou da elaboração do programa poderá não ser o mesmo para o
desenvolvimento do projeto, devido aos procedimentos para seleção de
quem ou qual empresa irá se responsabilizar pela tarefa7. Nesta escolha influi
o perfil do líder da equipe, tanto do ponto de vista conceitual, como da sua
experiência profissional. Elementos anteriores conhecidos pela comissão de
seleção, por serem parte da proposta técnica. Visto pelo lado da entidade
contratante, a escolha da equipe que irá se responsabilizar por determinado
projeto dependerá dos profissionais destacados pela entidade para a seleção.
São pessoas que trazem suas preferências conceituais indo além dos
requisitos meramente administrativos determinantes da seleção.
Da fundamentação teórica do líder do projeto resulta a escolha de um
método de trabalho a ser usado como instrumento para aplicação dos
conceitos de urbanismo. Quando se tratar de projeto urbano com
repercussão significativa na sociedade, vêm ao término as críticas de
conteúdo direcionadas para o arquiteto desenhador. São muitos os críticos e
interessante será pesar suas preferências!
Desde o projeto preliminar se evidencia a tendência adotada em
relação aos princípios de urbanismo e isto se faz sentir pela opinião de colegas
profissionais, dos críticos especializados e de jornalistas. Quando o projeto
atinge sua fase adiantada de implantação a crítica vem de toda a sociedade:
“o gostei” e o “não gostei” dos leigos, junto com a forma das pessoas se

7
No texto referência se faz ao arquiteto para se utilizar o singular. Na realidade, é comum haver
mais de um profissional ou eventualmente trocas durante o tempo do projeto.
20

apropriarem dos espaços, e isto vai dar o tom favorável ou não para o espaço
ser qualificado como um lugar (MONTANER, 2007).
No plano intelectual, a tendência internacional é de qualificar o
urbanismo, utilizando termos sugestivos conforme o contexto cultural do
crítico. Para o arquiteto desenhador, no âmbito do projeto urbano, o
qualificativo atribuído ao urbanismo se estende também para ele, à medida
que mesmo reconhecida a interdisciplinaridade permanece a condição de
autoria, remanescente da arquitetura de edificações isoladas e da história da
arte (ARGAN, 2001).
O projeto urbano bem feito levando em conta as partes e o todo é o
motor das transformações da cidade no tempo, entendendo-se que cada
cidade cresce segundo suas próprias regras. É fato inerente ao processo de
crescimento físico da cidade a transformação da estrutura física existente e a
introdução de elementos urbanos novos como resposta a necessidades e
desejos da sociedade. Desenhado com rigor, a forma que responda bem ao
crescimento deverá seguir de modo orgânico integrando as expansões sem
perder o sentido de totalidade do espaço construído.
É da natureza do arquiteto-desenhador (equipes interdisciplinares)
propor projetos que resultem de uma teoria do pensar a cidade. Neste
sentido, Christopher Alexander, no livro Uma nova teoria do projeto urbano
coloca o sentido de totalidade como o principal atributo para a boa
transformação da cidade:

Acreditamos que a tarefa de criar a totalidade na cidade só pode ser


tratada como um processo. Não pode ser resolvida apenas através do
projeto e sim por um processo pelo qual a cidade adquire forma
fundamentalmente alterada. Assim, segundo nosso entender, é o
processo como um todo que será responsável pela totalidade e não
apenas a forma. (ALEXANDER, 1987, p. 3).

Peter Buchanan, finalizando a série de 12 artigos condutores da


campanha The Big Rethink, promovida pela revista Architectural Review com
o objetivo de apreciar o estado da arte da arquitetura e urbanismo no
alvorecer o século XXI, faz incursão no campo do projeto urbano e, entre
outros pensamentos, afirma:
Desenho Urbano - 21

O propósito final do projeto urbano é promover um arcabouço


estrutural para guiar o desenvolvimento do cidadão... É preciso ter em
mente que estamos começando a transformar nossas cidades através
do projeto urbano no sentido da completa valorização dos propósitos
humanos. (BUCHANAN, 2013).

4 SOBRE A PRODUÇÃO DO PROJETO E O FAZER ACONTECER

As transformações decorrentes da implantação de um projeto urbano


têm influência na vida das pessoas e modificam o espaço físico da cidade.
Regra geral, são controladas pelo plano diretor do município, devendo o
projeto urbano ser compatível com ele, desde que fique garantida a
possibilidade de incorporar elementos oriundos das condições locais. O
projeto urbano se caracteriza por ser uma iniciativa envolvendo o poder
público e parceiros privados e ter uma área delimitada. Por resultado de
prospecção inicial seus organizadores devem chegar a uma estimativa do
custo do empreendimento pontuando valores e verificar se são compatíveis
com a participação de ambos os lados, público e privado.
No entanto, este formato de atuar por equilíbrio da parceria público-
privada não é muito frequente no Brasil. Deveríamos aproveitar a melhor
lição de países dos quais espelhamos métodos de planejar, no sentido de
haver recursos financeiros compatíveis com a intenção de construir. Para
eles, se não estiver decidido o aporte financeiro, a iniciativa de realizar um
empreendimento se esgota logo na fase de prospecção, a intenção é refreada
e não haverá projeto. Ao contrário do que acontece com relativa frequência
no Brasil onde inúmeros projetos urbanos de iniciativa pública são colocados
como ideia, são levados a concurso público e chegam à etapa de anteprojeto.
Geram gastos para o governo, planos são desenvolvidos com a ilusão de atrair
investidores, os administradores públicos se renovam e o empreendimento
não acontece. Os anteprojetos acabam servindo somente para engrossar o
currículo dos projetistas e para serem publicados em revistas especializadas.
No empreendimento de iniciativa pública ou privada, ou público-
privada, pode ser prevista a implantação de todo o conjunto a um só tempo
ou por etapas programadas (desde que recursos financeiros estejam
alocados). Isso irá depender de um plano bem-feito para a implementação do
projeto. Seguem tipos de associação para realizar um projeto urbano, em
22

função de seus empreendedores principais:


a) pelo Poder Público (Estado, município, concessionárias de
serviços) como único empreendedor, modalidade aplicada para
os projetos de infraestrutura; não chega a ser um projeto urbano
típico (público-privado);
b) pelo Poder Público, para conjuntos de moradia subsidiada, que faz
eclodir o projeto usando programas de fomento, através de
bancos privados ou organizações de crédito imobiliário;
c) por parceria público-privada destinada ao desenvolvimento de
um projeto urbano de grande porte, por exemplo, uma estação de
metrô e sua área de influência direta, na cidade de São Paulo em
torno de 70 hectares;
d) pela iniciativa privada em projetos ocupando vazios urbanos ou
empreendimento do tipo novo loteamento em áreas periféricas;
e) pela iniciativa privada em projetos de porte médio (condomínio
tipo clube de morar), de porte pequeno (utilizando lotes para dois
ou três prédios), ou prédio único com coeficiente de
aproveitamento grande, ou o tradicional prédio de esquina com
loja no térreo e dois pavimentos para residência ou escritório;
f) pela iniciativa privada ocorre o caso das pequenas intervenções,
como construir uma casa, transformar casa existente em
comércio ou serviço. Pelo mesmo procedimento acontecem
intervenções destinadas ao uso do solo para fins complementares
representadas por escolas, equipamentos para saúde, segurança
e abastecimento. Esses projetos pontuais ocorrem no tempo,
reforçam os corredores de circulação e se espraiam desde os
locais de centralidade forte na cidade.

Haver dinheiro para se realizar a construção é premissa intrínseca ao


procedimento de projetar, uma vez que o montante previsto para ser
aplicado torna-se um dado programático. O balanço entre o montante que se
gostaria e o que é realmente possível gastar são componentes que orientam
a equipe de projeto quanto a opções por tipos de configuração dos espaços,
processos construtivos, acabamentos e a articulação com políticas possíveis
para facilitar a implementação do projeto (BARNETT, 1974).
Desenho Urbano - 23

5 O ESPAÇO DO PROJETO URBANO

O projeto urbano, quando ocupar área significativa de um setor da


cidade, pode ser considerado um distrito especial, ou recorte do tecido
urbano para o qual se admite regulamentos particularizados para o projeto .
8

A razão de determinado trecho da cidade ser escolhido como distrito especial


e ser tratado como projeto urbano, do ponto de vista teórico, tem a ver com
o conceito de área-estudo:

Uma vez que supomos existir uma inter-relação entre qualquer


elemento urbano e um facto urbano de natureza mais complexa até a
cidade em que se manifestam, devemos esclarecer a que contorno
urbano nos referimos. Este contorno urbano mínimo é constituído
pela área-estudo; com este termo pretendo designar uma porção da
área urbana que pode ser descrita ou definida recorrendo a outros
elementos da área urbana tomada no seu conjunto; por exemplo, ao
sistema viário (ROSSI, 1977, p.78).

Nessas circunstâncias, as áreas do entorno de um distrito especial


passam a ter interesse para empreendimentos menores (condomínio
residencial ou misto, prédio de esquina com loja no térreo, supermercado,
academia de ginástica, templo religioso). O processo é acompanhado pelas
iniciativas pontuais (casa transformada em loja, terreno para
estacionamento) completando o contexto decorrente do projeto urbano.
Este efeito de transformação se faz mais intenso nos corredores urbanos
gerados pelas vias que atravessam, cortando ou tangenciando o distrito
especial e nas vias que distribuem o tráfego. Para esses corredores se aplicam
(ou poderiam ser aplicadas) diretrizes urbanísticas específicas, seja no caso
do distrito especial, como em seu prolongamento pela cidade.
É interessante observar no diagrama conceitual, preparado como uma
ilustração, que o distrito especial poderá ser o todo correspondendo aos
quatro setores, ou cada um deles em separado e o espaço central (um parque
urbano ou grande equipamento comunitário) que deve ser valorizado em

8
Distrito especial, special district, como conceito foi definido primeiramente para a cidade de
Nova York, USA, através dos trabalhos de Jonathan Barnnet.
24

qualquer caso. Pela a tendência dos equipamentos de interesse geral da


comunidade se localizarem nos eixos de circulação, fica reforçado o conceito
de corredor de distribuição como elemento urbano. O diagrama mostra para
uma primeira aproximação um setor delimitado por corredores que
delimitam uma subárea maior (textura forte no desenho). Observe-se que ele
aparece subdividido em quatro subsetores, pelos corredores de distribuição
(textura fraca) (Figura 2).
No projeto urbano para uma área determinada como distrito especial,
existem parcelas cujo proprietário é parceiro do empreendimento (público e
privado) e outras para serem comercializadas (empreendedores privados).
Como é normal no projeto urbano, o arquiteto-desenhador é o responsável
pela concepção geral do projeto, incluindo diretrizes urbanísticas para
projetos de arquitetura que virão depois. Isto não impede que se estabeleçam
diretrizes para a futura implantação de pátios abertos, galerias ou algum
outro elemento de interesse público, em área privada visando ao objetivo da
qualidade do espaço das pessoas (GEHL, 2013).

Figura 2: Diagrama de um distrito especial

Fonte: Desenho do autor


Desenho Urbano - 25

Em São Paulo, no Plano de Desenvolvimento Estratégico do Município,


PDE-2014, se fez um avanço quanto à legislação urbanística, a ideia de
projetos setoriais ou mesmo intervenções localizadas propostas por grupos
privados foi considerada. Este tipo de projeto urbano, visando ao
desenvolvimento local de áreas não muito extensas e que envolve interesses
públicos e privados é a situação onde fica mais bem definido o perímetro do
projeto urbano ou special district. No PDE se estabeleceram diretrizes de
projeto, tanto critérios para adensamento de setores urbanos como para as
vias e uso do pavimento térreo nas áreas de vocação comercial.
Com respeito ao desenvolvimento do espaço urbanizado pelo
procedimento de se empregar volumoso investimento inicial para atender à
demanda da sociedade através de investidores público-privados em contraste
com o tipo de investimento por pequenas parcelas de forma gradual, para
atender a muitos, é notória a observação de C. Alexander sobre a implantação
do campus da Universidade de Oregon, em Eugene, Estados Unidos. Ele
explica que inicialmente acontece um pesado investimento para implantar o
campus e no futuro as expansões ocorrem por departamentos, em locais
esparsos, pois esta será a nova demanda. Alexander classifica esses
momentos como o do desenvolvimento inicial maciço (lump development),
para depois uma expansão gradual (piecemeal development), em posições
esparsas (ALEXANDER, 1975).
Os procedimentos de implementação sendo introduzidos de maneira
clara desde o início do desenvolvimento do projeto de um setor urbano são
uma ferramenta fundamental para o sucesso de um empreendimento. Isto
facilita a adesão dos provedores de recursos, o entendimento entre as partes
e da definição das políticas públicas.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todas as etapas do processo até o projeto executivo são percorridas


pelo arquiteto-desenhador dos espaços da cidade. O início é a programação
que eclode da comunidade ou de um grupo empreendedor envolvendo
diferentes profissionais. O arquiteto desenhador é um membro permanente
da equipe interdisciplinar que deve variar conforme a demanda exigida a cada
fase do projeto. São momentos da participação de profissionais de diversas
26

origens, inclusive de arquitetos que se dedicam a temas especializados.


Forma-se assim o time que vai até a consolidação das propostas,
detalhamento, formatação final do projeto e acompanhamento de sua
execução.
O arquiteto desenhador trabalha para buscar resultados satisfatórios
quanto aos tipos e à forma da cidade, seu perfil é de clínico geral e inventor
de espaços novos ou transformados. Liga-se a disciplina de Morfologia
Urbana pela análise de tipos, e a Arquitetura da Cidade como projeto. Seu
objetivo é “criar ruas bonitas e agradáveis, parques e praças nos quais o
caráter dos edifícios individuais fique em harmonia com os outros edifícios,
com o tratamento em nível do chão e com a escala do espaço por inteiro”
(GINDROZ, 2004, p. 7). Definição formulada por Ray Gindroz, arquiteto da
firma Urban Design Associates, UDA, uma empresa de projetos dos Estados
Unidos (USA). Observe-se a correspondência primeira de Gindroz enfatizando
a configuração dos espaços, portanto relacionando o trabalho do arquiteto-
desenhador com as disciplinas de arquitetura e paisagismo, que irá se
completar pelos mecanismos das políticas públicas e a implementação do
projeto, matérias para serem compartilhadas com os profissionais do
planejamento. Em resumo, Arquitetura, Paisagismo e Planejamento Urbano
e Regional formam o tripé de conhecimentos suporte do urban designer.
O referencial teórico dos arquitetos-professores, sua prática projetual
e de pesquisa sobre a cidade de São Paulo têm demonstrado que, nesta
cidade de 12 milhões de habitantes, é possível selecionar setores singulares
do tecido urbano, de área variando entre dez até cem hectares, os quais
possibilitam projetos nos moldes do urban design, utilizando o procedimento
de Alexander, ou seja, conhecer a realidade, a cultura do local e descobrir
quais sejam os padrões de espaços adequados ao dado projeto (ALEXANDER,
1987).
Estudos do Grupo de Pesquisa Arquitetura da Cidade, Universidade
São Judas (GPAC/USJ), tem dedicado atenção para os setores urbanos
pequenos delimitados por vias de ligação regional ou de distribuição local,
que apesar de serem investigados como entidade física, dependendo de sua
granulometria e uso social do espaço permitem certa aproximação com a
ideia de área de vizinhança ou neighborhood (MACEDO et al., 2016).
Desenho Urbano - 27

REFERÊNCIAS

ALEXANDER, C.; SILVERSTEIN, M.; ANGEL, S. et al. The Oregon experiment. New York: Oxford
University Press, 1975.
ALEXANDER, C.; NEIS, H.; ANNINOU, A. et al. A new theory of urban design. Oxford: Oxford
University Press, 1987.
BARNETT, J. Urban design as public policy. New York: McGraw-Hill, 1974.
BARNETT, J. An introduction to urban design. Philadelphia: Harper & Row, 1982.
BUCHANAN, P. The big rethink concludes neighborhood as the expansion of the home.
Architectural Review, 05/06/2013.
CULLEN, G. Townscape. New York: Van Nostrand Reinhold, 1961.
FERREIRA, A. B de H. Dicionário Aurélio básico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1995.
GEHL, J. Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013.
GINDROZ, R.; ROBINSON, R. The architectural pattern book: a tool for building great
neighborhoods. New York: Norton, 2004.
LYNCH, K. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
MACEDO, A. C. Conhecer as partes e projetar a cidade. In: Estudos urbanos: uma abordagem
interdisciplinar da cidade contemporânea. Tupã: ANAP, 2016.
MONTANER, J. M. A modernidade superada. Barcelona: Gustavo Gili, 2001.
ROSSI, A. Arquitectura da cidade (1966). São Paulo: Martins Fontes, 2001.
STRICKLAND, R. Post urbanism & ReUrbanism. New York: Michigan University, 2004. (Michigan
Debates on Urbanism, v. III).
28
Desenho Urbano - 29

Capítulo 2

RETROFIT URBANO: ALTERNATIVAS PARA O ENFRENTAMENTO DOS


PROBLEMAS URBANOS NO CONTEXTO BRASILEIRO

Giselle Chalub Martins9


Letícia Pacheco dos Passos Claro10

1 INTRODUÇÃO

A crescente atenção aos problemas urbanos vem atraindo diversos


profissionais para a discussão de alternativas sustentáveis, criativas,
econômicas e resilientes para a urbanização. Os chamados problemas
urbanos não são casos isolados do processo de expansão das cidades
brasileiras. Características como o crescimento populacional, a fragmentação
e segregação urbana, a questão da mobilidade e a depredação dos recursos
naturais podem ser observadas em diversas cidades do mundo e são fruto de
um contexto político, econômico e social globalizante.
Com o movimento da população para os centros urbanos, a cidade
passa a ter um papel de especial relevância, tornando-se a principal
manifestação da organização social. A cidade é fruto dessa organização e
também do processo histórico, responsável por (re)produções do espaço
urbano além de um constante processo de justaposições e conflitos sociais,
econômicos e políticos.

9
Arquiteta e urbanista, doutora em Architecture and Building Science – University of Strathclyde,
professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU/UnB). E-mail:
giselle.martins@gmail.com
10 Arquiteta e urbanista, mestre em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional

PPGDSCI (CEAM/UnB). Especialista em Projetos Sociais e Políticas Públicas. Professora na


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Anhanguera – Valparaíso de Goiás-GO. E-mail:
leticiaclaro@hotmail.com
30

Enfrentar as características da nova urbanidade e da vida na cidade é


o ponto de partida para o entendimento do desenvolver do espaço urbano e,
sob esse ângulo, repensar a expansão urbana e o consumo predatório dos
recursos naturais se faz cada vez mais urgente. Os impactos da atual pegada
ecológica são preocupantes e incitam profissionais de diferentes áreas a
buscar alternativas de mitigação, de solução e de transformação das cidades
do mundo. O desenho urbano é uma importante peça desse processo de
mudança e o conceito de retrofit urbano é defendido aqui como um desses
caminhos de transformação.
A ideia de retrofit de lugares existentes vem chamando a atenção não
só de pesquisadores como também de agentes políticos. Os problemas
urbanos, que se tornam globais, desafiam as cidades e seus atores a
proporem e compartilharem alternativas às diferentes experiências, além de
chamar pesquisadores para a sistematização dessas alternativas. O
compartilhamento de experiências é uma importante característica da lógica
de retrofit urbano, pois é a partir disso que estratégias e táticas podem ser
desenvolvidas para cada local. Trata-se de um processo de ação continuada
que parte da análise de um contexto, reflexão e aprendizado (sistematização)
e aplicação à estrutura urbana.
Nesse âmbito, a estratégia de retrofit é fixada em três impactos de
desenho urbano: ambiental, social e econômico (DIXON; EAMES, 2013), o que
significa dizer que esse processo de ação continuada terá relação,
essencialmente, com um ou com o conjunto desses domínios. Ainda que o
compartilhamento de ideias e práticas seja de grande relevância, é
importante atentar para a experiência urbana de cada local, que vai exigir
diferentes abordagens de desenho. O estudo e prática de retrofit urbano é
recente e encontra ressonância especialmente na reversão da lógica
suburbana nos Estados Unidos, esses exemplos trazem importantes
considerações, porém não fornecem uma base de ação condizente com a
realidade brasileira.
Uma crítica que se faz a esses modelos internacionais que são
introduzidos no contexto local é a lógica de “ideias fora do lugar” (MARICATO,
2001), que muitas vezes não se encaixam com as propriedades e demandas
locais. Esta pesquisa se propõe a investigar as principais características,
abordagens e práticas de retrofit de maneira a aproximar essa alternativa ao
Desenho Urbano - 31

contexto local. É necessário entender o contexto de formação e expansão das


cidades brasileiras, que é, antes de tudo, fruto de uma grande desigualdade
socioespacial, para então dar início ao processo de reflexão e sistematização
(estratégias e táticas) de enfrentamento dos problemas das cidades
brasileiras. Esse é um estudo teórico investigativo e crítico que servirá de base
para o estudo prático de alternativas de retrofit urbano para as cidades
brasileiras.

2 URBANIDADE E O ENFRENTAMENTO DOS PROBLEMAS URBANOS NA


ATUALIDADE

Segundo dados do IBGE (2010) a população vivendo em áreas urbanas


no Brasil já ultrapassou os 80% e isso significa que a urbanidade se torna um
tema central de estudo. Young (2008) defende que a teoria política deve
aceitar a urbanidade como material das sociedades industriais avançadas,
uma vez que as relações urbanas têm forte impacto na vida das pessoas e,
portanto, devem ser compreendidas. A autora aponta para a importância de
se observar essas relações urbanas que são multiescalares e que, cada vez
mais, se relacionam (e impactam) com escalas maiores.
Young (2008) acredita que a vida na cidade exerce uma atração
poderosa, vida esta que são as formas de relações humanas que acontecem
e transformam as cidades. Young cita Gottdiener (1997), que defende que a
organização das cidades é, antes de tudo, uma organização social e histórica.
Para o autor, essa organização pode “produzir e manter (ou reproduzir) [...]
padrões do uso da terra” (GOTTDIENER, 2016, p. 16). Isso significa que todo
o entendimento sobre a urbanidade parte da organização social, ou, para
Young, da vida na cidade.
Ainda segundo a autora, essa vida é uma grande rede de produção,
distribuição, transporte, trocas, comunicação, serviços e entretenimento e o
seu ideal deve se originar da experiência de cada cidade. A autora entende
que a mudança social só pode ocorrer por meio de possibilidades da própria
experiência.
E é a partir da experiência urbana contemporânea que o termo retrofit
urbano é introduzido e começa a chamar a atenção em pesquisas acadêmicas
e agendas políticas. Este termo surge com a relevância em se enfrentar o
32

processo de urbanização das cidades, especialmente com a concentração


crescente de população nos centros urbanos que atrai os holofotes às cidades
e em como estas atuarão frente aos problemas desse processo.
Os padrões de desenvolvimento insustentáveis das cidades do mundo
como o uso predatório dos recursos naturais, as mudanças climáticas, o
espraiamento e fragmentação do tecido urbano, a dependência de veículos
automotores individuais além das características de uma população
crescente são algumas das principais preocupações dos órgãos
internacionais, dos Estados e também do planejamento urbano e urbanismo.
É necessário enfrentar essas questões e buscar soluções de longo prazo,
soluções resilientes e criativas que vão ao encontro de propostas mais
sustentáveis de vida.
Dixon e Eames (2013) defendem que é necessária uma abordagem
mais coordenada, planejada e estratégica para transformar as cidades rumo
a um futuro mais sustentável. Essa é uma ação que envolve o alinhamento de
diferentes atores, além de uma abordagem sistemática adequada a cada
contexto, o que não é possível ser feito em curto prazo (DIXON; EAMES, 2013,
p. 499, tradução nossa):

[...] planejar transições urbanas futuras é uma atividade de longo


prazo que deve ultrapassar as estruturas dos ciclos políticos e
pensamentos mais limitados para focar na mitigação e adaptação das
atividades que irão impactar no ambiente construído das cidades nos
próximos 10-20 anos [...].

Desenvolvimento sustentável vai além da mitigação dos efeitos das


mudanças climáticas, a redução da emissão de carbono é um tema central,
além de mudanças de hábitos e práticas urbanas. Portanto, a estratégia de
retrofit urbano é fixada em três impactos de desenho urbano: ambiental,
social e econômico. Isso significa dizer que as estratégias definidas para o
desenho das cidades irão, essencialmente, ter relação com algum (ou o
conjunto) dos domínios ambiental, social ou econômico.
Dixon et al. (2014) entendem que o novo desafio urbano é um esforço
conjunto e global: as diversas disciplinas profissionais devem se engajar, além
de conquistar o apoio dos sistemas financeiros, políticos e sociais. Práticas
Desenho Urbano - 33

devem ser compartilhadas e, o mais importante, é o reconhecimento de que


um modelo não servirá para todas as cidades. Sob esse aspecto, Dunhan-
Jones e Williamson (2011) defendem três estratégias para o retrofit das
cidades: re-habitar, re-desenvolver e trazer o verde de volta para a malha
urbana. Segundo os autores, essas estratégias são centrais para repensar e
transformar a urbanização predatória das cidades contemporâneas.
Re-habitar significa repensar usos e adaptá-los em estruturas
existentes de forma mais adequada às necessidades da comunidade local. Re-
desenvolver é reorganizar estruturas existentes em prol de cidades mais
sustentáveis: compactas, cicláveis, conectadas e mais sociáveis. A estratégia
de trazer o verde de volta está relacionada à construção de cidades mais
sensíveis e à necessidade de se pensar uma urbanização simbiótica com o
meio ambiente. Para Dunhan-Jones e Williamson (2011), essas estratégias
são implementadas a partir de várias táticas:
a) reutilizar edificações de maneira mais adequada às necessidades
locais;
b) reparar danos ambientais provenientes do padrão de urbanização;
c) revisar códigos de zoneamento de forma a facilitar construções
compactas e de uso misto;
d) melhorar a conectividade da malha viária para motoristas, ciclistas
e pedestres, redistribuir o tráfego e reduzir as distâncias
percorridas;
e) considerar adaptabilidade e conectividade futuras;
f) utilizar tipos de vias e calçadas apropriados mais sensíveis a cada
contexto;
g) manter a dimensão e a modulação dos quarteirões caminháveis;
h) explorar edificações lineares e de plantas rasas (não profundas);
i) diversificar tipo e preço das habitações;
j) adicionar novas unidades a subdivisões existentes de maneira a
aumentar a densidade populacional;
k) investir em arquitetura de qualidade.
Essas táticas não são um manual que deve ser seguido à risca, são
possibilidades de transformar o território das cidades e de enfrentar uma
urbanização insustentável. Os autores defendem que os melhores retrofits
são aqueles que reestabelecem conexões vitais com o lugar existente e isso
34

pode ser alcançado de diversas maneiras como provendo locais acessíveis às


atividades da comunidade, conectando novos bairros às redes viárias
existentes ou também revitalizando áreas ambientalmente sensíveis. A
leitura do território é uma importante ferramenta do processo de retrofit
urbano, é a partir da identificação das características locais (problemas e
potencialidades) que as estratégias e táticas podem ser definidas e utilizadas.
Dunhan-Jones e Williamson elaboram um extenso estudo de retrofit
nos subúrbios dos Estados Unidos, especialmente depois da grande recessão
que assolou o país no início dos anos 2000. Os autores mostram como
subúrbios foram transformados e adaptados criativamente para dar lugar a
bairros mais vivos e sustentáveis, e apontam também como diferentes
alternativas e soluções foram propostas em variados contextos. A
suburbanização e espraiamento das cidades norte-americanas é uma questão
bastante latente no processo de urbanização desse país e, com esse estudo,
os autores buscam revelar como os diferentes lugares foram estudados e
transformados para responder às novas necessidades.
O desenho urbano pode ser utilizado de diversas maneiras em prol de
cidades mais sustentáveis e de um processo de urbanização mais simbiótico
com o meio ambiente, e diferentes exemplos já podem ser observados como
alternativas a serem exploradas.
Em seu livro Suburban Remix – Creating the next generation of urban
places, publicado em 2018, Beske e Dixon apresentam estudos de caso que
descrevem como algumas comunidades suburbanas americanas, uma
comunidade canadense e uma comunidade chinesa já começaram a criar a
próxima geração de locais urbanos mais compactos e sustentáveis. Os
exemplos apresentados contam histórias de transformação urbana, a partir
de seus desafios, por meio da perspectiva política, socioeconômica e de
desenho urbano específicas, mas todos os casos mantêm em comum a
escolha de estabelecer uma agenda urbana de maior densidade, privilegiando
o pedestre, e estimulados por um conjunto de razões que incluem maior
competitividade econômica, responsabilidade ambiental, atendimento à
pressão social além do desejo de criar áreas urbanas mais saudáveis e
adequadas a seus usuários.
Segundo Beske e Dixon (2018), não se trata de casos isolados uma vez
que as condições demográficas, sociais e econômicas que favoreceram a
Desenho Urbano - 35

estruturação dos subúrbios americanos, ao longo das últimas seis décadas,


como o lugar ideal de vida e trabalho para a classe média, ruíram. Segundo os
autores, neste momento, os subúrbios americanos se tornaram o ‘ground
zero’, ou seja, o ponto de partida para algumas das mudanças mais
inovadoras decorrentes da aceleração das desigualdades econômicas, do
rápido envelhecimento da população e da crescente diversidade racial e
étnica populacional por meio do retrofit urbano.
As cidades brasileiras possuem características diferentes, frutos de um
processo de urbanização extremamente excludente e desigual. Portanto,
para pensar em retrofit das cidades brasileiras é necessário entender esse
processo e as características dessas cidades, identificar problemas, realidades
locais e potencialidades, pois são essas características que permitirão a
elaboração dessas estratégias e táticas de ação.

3 AS CIDADES BRASILEIRAS E A NECESSIDADE DE REPENSAR A


URBANIZAÇÃO

É a experiência urbana das cidades brasileiras o principal foco para


discutir a temática retrofit urbano, uma vez que é a partir da leitura do
território e dos processos de transformação da organização social que as
estratégias e táticas de modificação das cidades podem ser definidas. Como
argumenta Gottdiener (2016), a organização social é o ponto de partida para
compreender as transformações urbanas. Sob esse ângulo, Deák traça um
panorama da gênese estatal brasileira e entende que (DEÁK, 2015, p. 25):

[...] o objetivo da constituição do Estado brasileiro ficou sendo o de


assegurar as condições de reprodução [...] da sociedade colonial,
organizada em função da produção colonial.

Segundo o autor, a expatriação do excedente é uma determinante


dessa reprodução, o que caracteriza uma grande dependência externa - que
posteriormente será explorada na questão do subdesenvolvimento do país,
além da grande desigualdade de uma sociedade dominada pela elite. Isso
quer dizer que a sociedade brasileira é estruturada a partir da dependência
externa, do sentimento de subdesenvolvimento e também no abismo social
36

que há entre as elites dominantes e as classes mais pobres que, em geral, são
fruto de um processo de escravidão que se revela até os dias atuais.
Maricato (2001) vai ao encontro dessa afirmativa ao avaliar a
construção social extremamente desigual da população brasileira em paralelo
com o processo de urbanização. Segundo a autora, o planejamento urbano –
e o desenvolvimento das cidades brasileiras – é extremamente desigual,
valorizando a cidade legal (MARICATO, 2001, p. 39):

O processo de urbanização se apresenta como uma máquina de


produzir favelas e agredir o meio ambiente. [...] A cidade legal (cuja
produção é hegemônica e capitalista) caminha para ser, cada vez mais,
espaço da minoria.
O direito à invasão é até admitido, mas não o direito à cidade. A
ausência do controle urbanístico (fiscalização das construções e do
uso/ocupação do solo) ou flexibilização radical da regulação nas
periferias convive com a relativa “flexibilidade”, dada pela pequena
corrupção, na cidade legal.

O abismo entre a cidade legal e as periferias pobres é uma


característica marcante da urbanização brasileira, que produz cidades cada
vez mais fragmentadas, polarizadas e gentrificadas. Essas cidades apresentam
graves problemas de mobilidade, habitação e predação ambiental e são a
esses problemas que o urbanismo deve responder.
Villaça (2015) elabora uma crítica ao planejamento urbano brasileiro
que, segundo o autor, só existe na forma ideológica manipulado pelas elites
dominantes. Para Villaça, o planejamento urbano no Brasil vem sendo
explorado ideologicamente pelas elites e pelo Estado, oferecendo respaldo
legal aos anseios dos poderes dominantes em detrimento da população
menos favorecida e essa característica se reflete na morfologia das cidades
brasileiras.
E, de fato, o que se percebe nas grandes cidades brasileiras, é que as
periferias vêm crescendo de forma desordenada, enquanto as áreas centrais
são paulatinamente abandonadas. Estima-se que cerca de 80% dos
municípios brasileiros repetem este sistema. O relatório da Nações Unidas
World Urbanization Prospects: The 2014 Revision informa que a expectativa
populacional para o Brasil ultrapassa a casa dos 210 milhões, no entanto, esse
crescimento se pauta no espraiamento, onde a periferia se distancia cada vez
Desenho Urbano - 37

mais do centro sem acesso a condições adequadas de infraestrutura de


saneamento, transporte, saúde e educação.
Porém, tal situação não é resultado apenas de assentamentos ilegais
que se organizam em áreas mais afastadas dos centros urbanos apesar de
esforços do Poder Público, haja vista a política habitacional do Governo
Federal, baseada no programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). Segundo
estudos do IPEA (2016), desde seu lançamento, em 2009, o programa MCMV
vem impactando de forma significativa a dinâmica de crescimento das
cidades brasileiras.
O estudo dos empreendimentos habitacionais realizado pelo IPEA
considerou a inserção urbana dos conjuntos de habitação de interesse social
em diferentes municípios brasileiros. Como resultado, o Instituto afirma que
as características dos complexos habitacionais não são consistentes com as
melhores práticas de uso do solo e desenvolvimento orientado ao transporte,
principalmente no que se refere à alta dispersão, baixa densidade e
resultante dependência da mobilidade motorizada, baixa continuidade e
conectividade da malha viária implicando em dificuldades de acesso à cidade,
e integração com o entorno (IPEA, 2016, p. 37-38):

Os resultados desta pesquisa, ao colocar o foco na mobilidade


cotidiana, reforçam a ideia de que construir habitação não é apenas
produzir casas; trata-se também de desenvolver áreas nas quais se
pode acessar os recursos e as oportunidades que a cidade oferece, o
que implica promover inserção e garantir integração física, econômica,
social e cultural à estrutura da cidade. Nesse sentido, os resultados
reafirmam que o programa MCMV vem tendo êxito na produção de
casas e falhando na construção de cidade. Além disso, indicam que se
trata de um modelo de urbanização com segregação socioespacial e
expansão urbana, o que gera uma série de custos e impactos para a
sociedade como um todo.

Nesse modelo disperso e desconexo de crescimento urbano das


cidades brasileiras, que segrega usos e impõe a alta dependência do
transporte no automóvel particular, surge a situação perversa do
desemprego da mobilidade. Esse tipo de desemprego não se define pela
tradicional ociosidade involuntária daqueles que estão dispostos a trabalhar
e não encontram quem os empregue. Nessa situação, trabalhador e posto de
38

trabalho coexistem na mesma cidade, no entanto, a estrutura urbana impede


a chegada desse trabalhador ao local de trabalho.
O tempo médio de deslocamento casa-trabalho nas grandes cidades
brasileiras é de 2 horas por viagem, além disso, a privação do acesso aos
serviços de transporte coletivo e as inadequadas condições de mobilidade
urbana dos moradores das regiões mais periféricas reforçam o fenômeno da
desigualdade de oportunidades e da segregação espacial, que excluem do
mercado de trabalho as pessoas que moram longe dos centros das cidades
(GOMIDE, 2006).
Segundo pesquisa desenvolvida pelo ITRANS (2004), grande parte das
pessoas que habitam afastadas dos centros urbanos tem dificuldade de se
inserir no mercado de trabalho em razão da mobilidade precária. Nessa
situação, segundo o Instituto, estão pessoas que declaram haver perdido
oportunidades de trabalho devido ao alto valor das passagens de transporte
público ou à insuficiência na oferta de serviços de transporte. A
impossibilidade de arcar com as tarifas dos serviços ("é caro procurar
trabalho") contribui ainda para o desemprego por desalento – situação em
que a pessoa que não está trabalhando e também não está procurando
trabalho devido à sua incapacidade em arcar com os custos da procura de
trabalho (ou seja, com os gastos com tarifas). Já para os que estão
empregados, os deslocamentos cotidianos para os locais de trabalho
significam um peso cada vez maior nos exíguos orçamentos familiares.
O modelo de expansão das cidades brasileiras impacta também no
contexto ambiental. A combinação dos processos de construção do espaço
com as condições precárias de vida urbana gera inúmeros problemas
socioambientais e situações de risco: são desastres provocados por erosão,
enchentes e deslizamentos; o desmatamento indiscriminado de áreas
protegidas; a contaminação dos lençóis freáticos e o comprometimento de
abastecimento de água; epidemias e doenças provocadas por esgoto e águas
servidas que correm a céu aberto, entre outros (GROSTEIN, 2001).
No entanto, segundo Grostein (2001), a origem dos problemas
ambientais urbanos deve ser diferenciada para se alcançar o correto
entendimento de dificuldades e responsabilidades e, ao mesmo tempo,
evitar-se a generalização de soluções. Nesse sentido, duas situações se
destacam segundo a autora: (1) problemas resultantes de decisões projetuais
Desenho Urbano - 39

do Poder Público para estruturar o funcionamento das cidades; (2) problemas


relacionados às estratégias de sobrevivência das populações com menos
recursos nas cidades. No primeiro caso, o que se relaciona diretamente à
argumentação desse texto, a autora esclarece (GROSTEIN, 2001, p. 6) que:
[...] a falta de uma política de desenvolvimento urbano-ambiental é
evidente e acarreta disfunções no crescimento urbano: permite
expansões desnecessárias da malha urbana de acordo com o interesse
dos diferentes mercados imobiliários (o formal e o informal); dissocia
expansão urbana da oferta de transporte público; e possibilita
construção aleatória e por vezes inadequada de sistema viário,
ocupando fundos de vale e impermeabilizando áreas de várzea. A
expansão urbana sem transporte público metropolitano de massa
eficiente é um caminho explosivo do ponto de vista da qualidade de
vida nas metrópoles e aglomerações urbanas, assim como a
impermeabilização descontrolada do solo com pavimentação, sem
projetos de macrodrenagem.

Ainda segundo Grostein (2001), o avanço da urbanização não deve ser


encarado como problema. No entanto, deve-se atentar à maneira como esse
processo acontece, já que a sustentabilidade das áreas urbanas reside na
forma de se ocupar o território: promove o adensamento das áreas que
apresentam condições de serem mais densamente ocupadas e assim garante
a preservação das áreas que apresentam maior fragilidade ambiental e que
oferecem disponibilidade de insumos para seu funcionamento
(disponibilidade de água). Ao mesmo tempo, facilita a correta descarga de
resíduos (destino e tratamento de esgoto e resíduos sólidos), favorece maior
mobilidade da população no espaço urbano (espaços adequados para o
transporte ativo e a qualidade do serviço de transporte público de massa),
por meio do uso do solo diversificado proporciona a oferta e o atendimento
às necessidades da população por moradia, equipamentos sociais e serviços,
e qualidade dos espaços públicos.
Nesse sentido, elaborar estratégias e táticas de retrofit para as
cidades brasileiras significa enfrentar esse contexto político, social,
econômico, ambiental e, acima de tudo, espacial. A busca por cidades mais
justas parte do enfrentamento das bases legais e da desigualdade social
estruturante, herança do período colonial. Young (2008) defende que uma
teoria crítica de justiça social deve ir além dos padrões de distribuição e
entender os processos e relações que produzem e reproduzem tais padrões.
40

Ou seja, é necessário ir além do entendimento dos padrões econômicos,


sociais, políticos e espaciais e refletir sobre o poder e o processo de tomada
de decisões e o contexto das relações sociais que levam à determinadas
dinâmicas. Para Young (2008, p. 168, tradução nossa): “As estruturas,
processos e relações sociais que produzem e reproduzem essas distribuições,
entretanto, não são tão visíveis na superfície das nossas cidades”.
O trecho revela a importância de uma leitura minuciosa das estruturas,
processos e relações sociais, especialmente no âmbito das disputas de poder
no processo de tomada de decisões, uma vez que esses serão o ponto de
partida para a leitura do território das cidades e para definir as estratégias e
táticas de retrofit.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O termo retrofit urbano está ligado à produção e reprodução de


cidades ambientalmente mais sensíveis, econômica e socialmente
conscientes frente às graves consequências da atual pegada ecológica. Dixon
et al. (2014) entendem que esse é um processo de transição sistêmico do
ambiente construído e infraestruturas, e objetiva a mudança dessa pegada
ecológica das cidades promovendo segurança econômica, saúde social e
resiliência.
A discussão sobre o encaminhamento da urbanização brasileira
ganhou bastante espaço nos estudos acadêmicos, evidenciando a
importância de rever o quadro de expansão das cidades. Aqui se defende a
continuidade dessa discussão e a necessidade de novos instrumentos de ação
para o urbanismo brasileiro, sendo o retrofit urbano uma possível ferramenta.
Os estudos e aplicações de retrofit em diversas cidades servem de escopo
para observar os problemas e as soluções propostas, as técnicas utilizadas e
os resultados obtidos.
Logo, este estudo defende uma sistematização e definição das
estratégias, táticas, técnicas e dimensões do processo de retrofit que melhor
se adéquam para o contexto e urbanismo brasileiro, ou seja, quais as
dimensões de desenho urbano adequadas ao contexto brasileiro e às
características locais.
Desenho Urbano - 41

Projetos de retrofit urbano nas cidades brasileiras devem buscar a


estruturação de bairros mais seguros e saudáveis que promovam o acesso
sustentável e justo a uma variedade de destinos por múltiplos modos e
fortaleçam as conexões interpessoais e as interações da comunidade. Para
tanto, tais projetos devem considerar questões relativas à densidade urbana,
conectividade e continuidade de sistema viário para favorecer os diferentes
modos de transporte, diversidade de usos e atividades, tipologias residenciais
variadas para atender diferentes demandas sociais além atividades que se
abrem e alimentam espaços públicos.

REFERÊNCIAS

BESKE, J.; DIXON, D. Suburban remix: creating the next generation of urban places. Washington:
Island Press, 2018.
DEÁK, C. Acumulação entravada no Brasil e a crise dos anos de 1980. In: DEÁK, C.; SCHIFFER, S.
R. (Orgs.). O processo de urbanização no Brasil. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2015. 339 p.
DIXON, T.; EAMES, M. Scaling up: the challenges of urban retrofit. Building Research &
Information, v. 41, n. 5, p. 4999-4503, 2013.
DIXON, T.; EAMES, M.; HUNT, M. et al. Urban retrofitting for sustainability: mapping the
transition to 2050. New York: Routledge, 2014.
DUNHAN-JONES, E.; WILLIAMSON, J. Retrofitting suburbia: urban design solutions for redesigning
suburbs. Hoboken: John Wiley & Sons, 2011.
GOMIDE, A. A. Mobilidade urbana, iniquidade e políticas sociais. IPEA Políticas Sociais
Acompanhamento e Análise No. 12. Brasília: IPEA, 2006.
GOTTDIENER, M. A produção social do espaço urbano. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2016. 310 p.
GROSTEIN, M. D. Metrópole e Expansão Urban – a persistência de processos insustentáveis. São
Paulo Perspec., v. 15, n. 1, jan/mar 2001.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo de 2010. Disponível em:
https://censo2010.ibge.gov.br/. Acesso em: 11 maio 2018.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). Inserção urbana de habitação de
interesse social: um olhar sobre mobilidade cotidiana e uso do solo. Texto para discussão,
Rio de Janeiro, n. 2176, fevereiro de 2016.
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E INFORMAÇÃO EM TRANSPORTE (ITRANS). Mobilidade e
pobreza: relatório final. Brasília: Itrans, 2004.
MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001. 204 p.
UNITED NATIONS. Department of Economic and Social Affairs, Population Division. World
urbanization prospects: the 2014 Revision, Highlights (ST/ESA/SER.A/352)
VILLAÇA, F. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In: DEÁK, C.;
SCHIFFER, S. R. (Orgs.). O processo de urbanização no Brasil. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2015.
339 p.
42

YOUNG, I. M. City life as a normative ideal. In: MEAHER, S. M. (Org.). Philosophy and the city:
classic to contemporary writings. New York: 2008. 308 p.
Desenho Urbano - 43

Capítulo 3

CIDADE DE LIMIAR: NOTAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS ACERCA


DOS ARRABALDES METROPOLITANOS BRASILEIROS11

José Vandério Cirqueira 12

1 INTRODUÇÃO

Deslocando-se, a sociedade urbana mantém-se em quase toda a sua


complexidade, em sua partida tendo poucos ou nenhum inválido. Até
mesmo, como em uma cidade, a repartição das classes faz-se por
bairros elegantes e por subúrbios: os humildes, os pobres afastam-se
prudentemente do centro onde se mostram os grandes, do alto de
suas montarias, ou dormindo sob suas tendas luxuosas. (RECLUS,
2010, p. 56)

Os arrabaldes metropolitanos são produto de um articulado,


dinâmico, lucrativo e complexo sistema de controle e reprodução do espaço
urbano. O discurso daqueles que se mostram grandes, do alto de suas
montarias, ou dormindo sob suas tendas luxuosas, sobressai sobre aqueles
que são postos para servirem de meros consumidores e fornecedores de mão
de obra assalariada e força produtiva do precariado.
A proposta de discutir a cidade de limiar parte do pressuposto
metodológico, escalar e socioterritorial que possibilite construir um novo
olhar sobre as periferias, mirados das margens, dos arrabaldes e dos
subúrbios pauperizados – dimensão escalar libertária –, um olhar dos de
baixo, dos subalternos, dos insubmissos e oprimidos – a dimensão
socioterritorial da emancipação.

11 Grande parte das reflexões contidas neste capítulo são oriundas de trabalho publicado no
periódico acadêmico Revista Formação, do Programa de Pós-Graduação em Geografia, da
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências e Tecnologia, Campus de
Presidente Prudente, referente ao v. 1, n. 21, de 2014.
12 Doutor, professor do curso de geografia do IFB. E-mail: jose.vanderio@ifb.edu.br
44

Abdicar dessas narrativas que amordaçam, continuamente conduzidas


pelas normatividades hegemônicas, brancas, falocêntricas, classistas,
patrimonialistas, é a luta mais recente dos estudos urbanos que buscam dar
subsídios para efetivas transmutações emancipatórias, por sua vez,
combatentes às lógicas de reprodução espacial que solidificam a segregação.
É preciso pensar a cidade a partir de seus dilemas, ou seja, dos seus
limiares, territorialidades indefinidas, necessárias aos sistemas de dominação
do espaço urbano capitalista e contraditoriamente excluídas, desassistidas da
governança, com memórias e identidades suplantadas, ou
desreterritorializadas, usando a acepção dada por Haesbaert (2004). Os
arrabaldes são produtos de imbricadas situações enquanto participantes das
metrópoles, produtores da dinâmica para além dos limites do núcleo
privilegiado metropolitano, usufruindo da condição locacional de estarem
sobrepostas sobre os limiares da urbanização, ora estando às vezes um pouco
mais próximos da metrópole, ora estando às vezes fora dela.

2 CIDADE DE LIMIAR: A LUMINOSIDADE DOS DE FORA

Inerente aos limiares está a dimensão política da apropriação,


conflitualidade e produção do espaço urbano. Nessa geopolítica urbana,
marcada pelo intrincado jogo de relações de poder no uso da cidade, estão
contidas as estratégias locacionais da produção do espaço periférico das
metrópoles e seus desdobramentos socioterritoriais na reprodução do uso
dos espaços dos limiares pelos sujeitos. A discussão teórico-metodológica dos
arrabaldes metropolitanos existentes aqui no Brasil se sustenta ao exercício
de pensar as estratégias de superação da cidade opressiva, dominada pelos
agentes hegemônicos da cidade corporativa.
O caminho é a sociedade em movimento, usando a expressão de
Zibechi (2015, p. 125), “porque me parece que este termo [...] não remete a
instituições, enfatizando a ideia de que algo se move, e esse algo são
sociedades outras, diferente das dominantes”. A cidade engajada luta por
espaço e dignidade dos subalternizados, movimenta-se para mudar a cidade
pelo prisma da gestão autonomista do espaço urbano, do poder popular e da
autogestão, alinhando-se à defesa instigada por Souza (2002, 2006), da urbe
libertária. “Mudar a cidade é uma tarefa coletiva. [...] sob um ângulo
Desenho Urbano - 45

autonomista, de vez que não se tratará, então, de impor soluções de cima


para baixo, mas de construí-las democraticamente.” (SOUZA, 2002, p. 518).
Teoricamente, os estudos urbanos, às vezes excessivamente,
amparam-se ao discurso economicista, técnico-burocrático e funcionalista,
que, por sua vez, são direta ou indiretamente tributários do Poder Público
centralizador ou do capital privado, elevando a tônica dos privilégios e da
cidade opressiva. Embora existam memoráveis contribuições que
verdadeiramente trabalham para a construção de uma sociedade urbana
dotada de justiça social, liberdade, e plena equidade socioeconômica e
cultural dos citadinos.
Os estudos urbanos carecem de uma visão política engajada e
dissidente da transformação do espaço no devir de uma reprodução
autonomista e politicamente emancipatória. O exercício escalar que parte do
centro para as periferias, da metrópole para os arrabaldes, da dinâmica
comercial para a segregação deve ser superado para que possa dar vazão à
escala da cidade para além do capital e dos agentes de opressão
governamental. Este caminho foi dado por Bakunin (2003), a escala da
insubmissão, que é de baixo para cima. Metodologicamente, é preciso lançar
um olhar de fora para dentro da cidade, jogando luz sobre os limiares, que
sempre foram lugares da solaridade.
No que consiste a cidade de limiar? É uma cidade de limiar, ou nos
limiares? De uma forma geral, elas se desenvolvem nas franjas
metropolitanas, ou nos seus arrabaldes. Existencialmente, localizam-se nos
limiares, podendo estar nos limites da expansão metropolitana do núcleo
privilegiado, conurbadas às metrópoles, ou integradas funcionalmente ao
aglomerado metropolitano. Essencialmente, elas são produtos, ou
reproduções desses limiares, seguindo a reflexão da produção do espaço
urbano desenvolvida por Lefebvre (1986), e da reprodução do mesmo,
argumentada por Carlos (1996). Dessa forma, a cidade é de limiar, pois ela é
produto da localização dos limiares e reproduz seu espaço urbano a partir do
limiar.
Além de terem o tecido urbano integrado/integrante ou participando
ativamente da vida das metrópoles, por estarem localizadas nos arrabaldes,
porém, na condição de subalternidade, as cidades de limiar são assim
denominadas por estarem num estágio de travessia e de indefinição: são
46

periferias habitacionais, são novas centralidades da metrópole, são bolsões


de mão de obra precarizada, são cidades com economia ainda voltadas ao
subsetor varejista local, subcentros comerciais e articulada ao campo, à
horticultura e à agricultura local e aos serviços que abastecem a demanda
periurbana ou rururbana. Ou seja, suas funções urbanas estão
potencialmente mais indefinidas e em transmutação que o restante do
núcleo metropolitano original. Politicamente, é palco das reivindicações, das
pautas contestatórias, dos movimentos e organizações populares, na luta por
melhores condições de vida, por espaço, moradia e mobilidade, além dos
anseios por infraestrutura básica, por serviços hospitalares, educacionais e
culturais, demasiadamente escassos.
Por conta dessa falta, a lógica da marginalidade, no sentido dado por
Raffestin (1993), como resistência ao mecanismo de manutenção dos
privilégios, o poder dos excluídos, possibilita a manifestação das mais incríveis
alternativas de ajuda mútua, autogestão, cooperativismo, descentralização,
horizontalidade, autodeterminação social dos insubmissos, solidariedade e
associativismo, conforme bem demonstrou Zibechi (2015, p. 91): “[...] as
periferias urbanas das grandes cidades vêm formando um mundo próprio,
[...] da apropriação da terra e do espaço à criação de territórios”. Esse estado
de ser gera especificidades ímpares, e se colocam enquanto novos desafios
às abordagens teórico-metodológicas das metrópoles.
O que é comumente feito pelos analistas urbanos é o estudo da
periferia enquanto fenômeno funcional da expansão urbana da metrópole,
privilegiando a atuação do núcleo original metropolitano como o astro
reprodutor de seus satélites que orbitam dependentemente do seu sistema
dinâmico.
A essência da cidade de limiar é marcada pela indefinição, travessia e
transmutação, em virtude de sua existência se sustentar relacionada à sua
localização, nos limites, nas franjas e no invólucro, mobilizando uma
particular articulação, integração e interação com a metrópole, e com o não
metropolitano, o periurbano e o rururbano, e mesmo o campo, ou com as
cidades menores, com as vilas, os distritos e os povoados e sua economia,
sustentada majoritariamente pelo primeiro e terceiro setor local.
Pouco se evidencia a atuação dupla existente entre os arrabaldes e as
metrópoles. A cidade de limiar tem sua morfologia, sua estrutura e função
Desenho Urbano - 47

produto direto da metrópole, são os casos da mobilidade pendular da mão de


obra, da mobilidade para o consumo e para o lazer. Mas também manifesta
profunda integração e interação com o espaço extrametropolitano. São
majoritariamente assentamentos residenciais oriundos da atuação
especulativa do capital imobiliário, reprodutor da expansão urbana desigual
e segregativa e, por outro lado, estabelecem relação direta com o campo e
com as cidades menores, por desenvolverem no seu espaço intraurbano
novas centralidades comerciais e de serviços ou conservarem características
econômicas, sociais e, principalmente, culturais do imaginário rural brasileiro.
Esse tipo de reflexão teórica busca transpor a unilateral interpretação da
metrópole em si, casos de Suzuki (2007) e Maia (2001).
Por que não denominar as cidades de limiar somente como periferias
ou zonas de expansão urbana? Elas são periferias e zonas de expansão
urbana, mas conservam elementos interdependentes das metrópoles, não
podendo ser classificadas estritamente como tais, mas vale destacar que a
expansão urbana é um fenômeno de crescimento acelerado das metrópoles
que ocorre nos limiares, ultrapassam os domínios efetivamente
metropolitanos, incorporando áreas não metropolitanas, sendo, dessa forma,
um dos estágios da cidade de limiar. A periferia é um produto direto da
metrópole, é a expansão da metrópole, tendo sua formação espacial
acionada pelo núcleo metropolitano.
Mas como classificar essas cidades que existiam antes da metrópole,
quando as metrópoles ainda eram cidades médias ou quando nem existiam,
em alguns casos? Concentram-se muitos esforços em estudos que partem da
metrópole, deixando de lado a riqueza geográfica anterior à existência das
metrópoles, merecendo, dessa forma, reforçar os estudos da geografia
histórica urbana. Essas cidades já tinham uma geografia e história próprias,
com características culturais autônomas do que viria ser uma região
metropolitana. Elas estavam distantes do núcleo central que se tornou a
metrópole posteriormente, ou algumas existiam antes mesmo de existir o
núcleo que passaria a ser dominante. Foram engolidas, ou engoliram,
dependendo do processo geográfico, e aproximaram ou conurbaram-se com
a metrópole, seguindo a lógica apresentada por Geddes (1994), mas
conservaram-se como cidades, que tinham uma espacialidade original, e
memória própria. Mantiveram-se enquanto municípios autônomos da
48

metrópole, tendo um sistema de tributos, arrecadação, gestão de recursos


públicos e implantação de infraestrutura diferente da metrópole que se
integrava.

Quadro 1: As dimensões dos limiares


Dimensão Características das cidades de limiares
- Conurbações com metrópoles; arrabaldes metropolitanos fragmentados;
Localização colar metropolitano; franjas urbanas; limiares das zonas de expansão urbana,
hinterlândia (compõem regiões metropolitanas).
- Espraiadas; conurbadas; alinhadas a eixos rodoviários integrados à
Forma metrópole; assentamentos residenciais populares; fragmentação do tecido
espacial; eixos comerciais ascendentes; autoconstrução habitacional.
- Comércio local e sub-regional; mão de obra precarizada; coesão empresarial
Função e industrial; centro de troca e de distribuição de produtos agropecuários;
mercado habitacional de menor custo; destino das migrações.
- Mobilidade pendular intensa entre a metrópole; baixo ou médio poder de
consumo de serviços culturais; consideráveis níveis de desemprego, ou
Processo empregados em setores de baixa qualificação; baixa oferta de serviços de
saúde e educação; segregação socioespacial; forte dependência dos serviços
da metrópole e do capital agrícola; considerável interação com o campo.
- Menores níveis de infraestrutura básica; novas centralidades comerciais,
Estrutura e
polos industriais; centros históricos ou centros tradicionais; crescimento do
dinâmica
setor imobiliário e da construção civil; formas comerciais e de serviços
intraurbana
impactantes (shoppings, hipermercados, etc.).
- Cidade histórica ou antiga municipalidade baseada na agropecuária;
Formação
vertiginoso crescimento do tecido urbano; loteamentos e ocupações
espaço-
irregulares, áreas desocupadas, comunidades irregulares ou em áreas de risco
temporal
ambiental.
Dimensão - Maioria de cidadãos não brancos, diversidade étnico-racial; concentração de
cultural e pobreza e desigualdade; menor oferta de espaços públicos de cultura e lazer;
política palco de engajamento político de pautas socioterritoriais contestatórias.
Fonte: O autor (2018).

Na metrópole há uma concentração de capital, serviços, consumo,


população e uma diferente aplicação dos recursos financeiros, gerando uma
cirúrgica distinção institucional, que reflete na reprodução do espaço
socialmente desigual, etnicamente sectário e economicamente excludente,
entre a metrópole e seus limiares. Disso se inicia a necessidade de abordagens
metodológicas diferentes para o estudo das metrópoles e, apesar de estarem
próximas ou conurbadas, estão além dos limites da cidade dita ideal, no limiar
do capital metropolitano.
O nível de consumo, os fluxos de capitais, o sentido da mobilidade
urbana, os processos de reestruturação do espaço intraurbano, a aplicação
Desenho Urbano - 49

de infraestrutura, as ofertas de serviços, sobretudo culturais, de educação e


de saúde, entre outros elementos, diferem-se profundamente quando são
produzidos pela metrópole ou quando são produzidos pelos seus arrabaldes,
pois os últimos estão após a fronteira, a partir dos limites da concentração do
poder do capital, não apenas desigualmente, mas também diferentes,
prevalecendo a cultura de massa ou popular, de gueto, da rua ou negra, da
juventude e dos excluídos.
Os arrabaldes metropolitanos que estão nos limiares gravitam entre o
sentimento da metrópole e sua luminosidade cultural e modernizante,
conforme evidencia Lefebvre (1999), e o sentimento de opacidade, no
sentido dado por Santos e Silveira (2001), marcados pela lentidão, falta,
limitação, etc., mas que ainda conservam uma cotidianidade ativa, um
sentimento de espaço vivido pautado em fortes graus de sociabilidade e
mutualidade, nos termos dado por Kropotkin (2009), uma outra
luminosidade, uma solaridade insubmissa, com a manutenção de festas
populares locais e o predomínio de relações afetivas e de cuidado coletivo.
Essa situação transitória e não claramente delimitada da função da
cidade que se localiza nos arrabaldes configura no seu sentimento de ser, ou
seja, no imaginário coletivo dos seus citadinos, a sensação de viverem no
constante limiar, não havendo possibilidade de definição rigorosa de que tipo
de cidade eles realmente vivenciam, se é uma periferia da metrópole, se é
uma cidade de tamanho médio conurbada, ou se é uma cidade pequena
próxima à metrópole.
Estar no limiar é pertencer a uma situação cambiante e multifacetada,
articulada à metrópole se comporta como periferia ou zona de expansão
urbana, espectro da ingovernabilidade urbana (SOUZA, 2000), com dilemas
habitacionais, de violência, de infraestrutura, etc. Por outro lado, mantém
lógicas espaciais não metropolitanas, conservando tradições de uma cidade
de pequeno ou médio porte. Funciona como síntese da periferização
precarizada, como palco de lutas dos insubmissos, e ainda conserva, em
pequeno grau, a memória do seu passado enquanto cidade que não
participava da metrópole.
50

3 INVERTENDO A ESCALA DE ANÁLISE URBANA

O tradicional debate centro versus periferia, realizado pela perspectiva


marxista na geografia urbana, tencionou a discussão sobre a luta de classes
no interior das cidades, por sua vez concentrou seu entendimento na reflexão
do centro, evidenciando a periferia apenas como receptáculo, abordagem
demasiadamente economicista e funcionalista dos estudos urbanos. Vale
destacar a denúncia de Zibechi (2015, p. 26), na qual diz que a esquerda
acadêmica menosprezou a capacidade da periferia, ao insistir “em considerar
os bairros pobres como uma espécie de anomalia, quase sempre um
problema, e poucas vezes como espaços com potenciais emancipatórios”.
Já o trabalho de Lago (2000) busca a renovação nesse clássico debate.
Todavia, aponta à importância de Christaller como sendo o criador dos
estudos da hierarquia da rede urbana, negligenciando a anterior contribuição
de Reclus (2010) e de Geddes (1994), anarquista e libertário,
respectivamente, que já anteviam esses fenômenos urbanos. Esses mesmos
estudos partiam dos arrabaldes para os centros, fazendo críticas ao modo de
produção capitalista que reproduz cidades desiguais, comandadas pela
centralização estatal e a exploração mercadológica, como também
evidenciavam a necessidade da emergência de práticas políticas
autonomistas, de caráter libertário anarquista, semelhante ao municipalismo
libertário de Bookchin (1999), hoje amplamente estudado pelos defensores
de novas formas de governabilidade urbana, mais autônomas e menos
centralizadoras, exemplo dos trabalhos de Souza (2002, 2006), Coraggio
(2000) e Santos Junior (2000).
O debate sobre o tema das margens na geografia urbana atual pode
fortalecer a perspectiva integrada do entendimento da metrópole como um
todo. Entender as partes e os seus invólucros para construir melhor reflexão
sobre os limites e as possibilidades de unidade da Região Metropolitana.
Outro discurso busca emanar voz, o que reconhece as especificidades, as
desigualdades e as diferenças da metrópole como um todo, não reproduzindo
investigações que negligenciem as margens e sua pluralidade.
Nesse sentido, fortalecer o debate urbano sobre os limiares é incluir
na noção investigativa perspectivas diversas de abordagem, indo do funcional
para o pós-funcional, valendo-se da alerta feita por Claval (2002), destacando
Desenho Urbano - 51

as múltiplas dimensões do espaço, como a dimensão política, ambiental,


social, econômica, cultural e simbólica.
A recente geografia urbana tem papel decisivo na contribuição de
estratégias de gestão menos centralizadoras e mais autonomistas, como os
trabalhos de Souza (2000, 2002, 2006) e Ribeiro (2000, 2004), por
perpassarem pelas múltiplas dimensões do espaço, sendo a dimensão política
o sentido mobilizador de se pensar a cidade: pensá-la para mudá-la. Como
exemplo dessas estratégias libertárias no urbano, pode ser citada a noção do
municipalismo libertário, enfatizado por Kropotkin (1978), geógrafo
anarquista que contribuiu enormemente com os estudos que denunciavam o
papel centralizador do Estado e sua atuação geopolítica, e com a perspectiva
mutualista da organização do espaço, com a relação cidade-campo e a
atuação predatória do capitalismo (KROPOTKIN, 2009). Os estudos recentes
de Bookchin (1999), e de Boino (1999), são profícuas contribuições à
autogestão e organização libertária das cidades pelo viés da participação
popular e do federalismo libertário.
Santos (1982) demonstrou que, mesmo entre as cidades do Sul
existem especificidades, padrões de organização que diferem a cidade
brasileira da latino-americana, estas da africana e asiática,
consequentemente. As características da urbanização de determinada região
do Brasil promovem as especificidades das cidades de limiar, configurando
também diferentes padrões a cada região inserida.
No esforço de classificação dos principais limiares dos arrabaldes
metropolitanos brasileiros buscou-se tomar como parâmetro metodológico a
formação territorial das metrópoles, os fatores da sua gênese e sua inserção
enquanto lócus privilegiado do capital e gestora do território, definindo sua
funcionalidade a partir da sua rede urbana.
Os limiares de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, por exemplo,
foram impulsionados, sobretudo, pelos intensos fluxos migratórios
vinculados à concentração industrial e elevação no poder econômico de suas
metrópoles, que reproduziram, por sua vez, o espectro da modernização
urbana sob os moldes da produtividade industrializante e seus reflexos, como
forte concentração de empregos, serviços de saúde, cultura e educação,
pujante mercado financeiro, oferta de empregos de baixa e de alta
qualificação, culminando na periferização generalizada.
52

Klink (2001) destaca os processos de desconcentração industrial e


reestruturação produtiva do ABC paulista e o consequente processo de
regionalismo ímpar no Brasil, ligado à coesão das práticas políticas sindicais,
configurando uma forma específica de governabilidade urbana e gestão
política atrelada ao meio ambiente, à cultura, mais, sobretudo à importância
da economia industrial. O ABC mostra sua integração à metrópole São Paulo,
mas ao mesmo tempo destaca-se pela sua condição enquanto limiar da
metrópole, estando para além de limites formais, conservando suas
características específicas que fomentam organização desvinculada do núcleo
privilegiado da metrópole.

Quadro 2: As regiões metropolitanas e as cidades de limiar


Regiões metropolitanas Cidades de limiar
RM de Manaus Iranduba; Manacapuru.
RM de Belém Ananindeua; Benevides; Marituba.
RM de Fortaleza Caucaia; Maracanaú; Maranguape.
RM de Salvador Camaçari; Lauro de Freitas; Simões Filho.
RM de Recife Olinda; Jaboatão dos Guararapes; Paulista; Camaragibe.
RM de Belo Horizonte Betim; Contagem; Ribeirão das Neves; Santa Luzia; Vespasiano.
RM de Goiânia Aparecida de Goiânia; Goianira; Senador Canedo; Trindade.
Águas Lindas de Goiás; Formosa; Luziânia; Novo Gama;
RIDE – DF Planaltina de Goiás; Santo Antônio do Descoberto; Valparaiso de
Goiás.
Belford Roxo; Duque de Caxias; Niterói; Nova Iguaçu; São João
RM do Rio de Janeiro
de Meriti; São Gonçalo
Barueri; Diadema; Embu; Guarulhos; Mauá; Mogi das Cruzes;
RM de São Paulo Osasco; Santo André; São Bernardo do Campo; São Caetano do
Sul; Suzano.
Almirante Tamandaré; Campo Largo; Pinhais; São José dos
RM de Curitiba
Pinhais.
Alvorada; Cachoeirinha; Canoas; Gravataí; Novo Hamburgo; São
RM de Porto Alegre
Leopoldo; Sapucaia do Sul; Viamão.
Fonte: O autor (2018).

Betim e Contagem podem ser comparadas ao exemplo da Região


Metropolitana (RM) São Paulo por terem a mesma funcionalidade industrial
e de mão de obra do ABC, como os limiares do Rio de Janeiro também, caso
de Nova Iguaçu, São Gonçalo, ou a baixada fluminense como um todo.
Desenho Urbano - 53

Vale destacar que os limiares de Salvador, Recife e Fortaleza estão


fortemente marcados por uma ocupação da região proveniente do período
colonial, sustentada na economia agrário-exportadora. Os desequilíbrios
sociais e a concentração de renda são fatores presentes em todas as
metrópoles brasileiras, e têm sentido diferenciados nos limiares do Nordeste
brasileiro, caso das cidades de Jaboatão dos Guararapes (PE), Caucaia e
Maracanaú (CE), e Camaçari (BA), merecendo trabalhos com perspectivas
teóricas mais heterodoxas que evidenciem as especificidades sociais,
econômicas e, sobretudo, culturais.
Os limiares da Região Sul, Porto Alegre e Curitiba, formados no período
colonial pelas migrações de colonos europeus e asiáticos, foram marcados
pelo intento financeiro da agricultura mecanizada e de seu alto valor
agregado, convertendo-se em receptáculos das populações de menor poder
aquisitivo, tendo a mão de obra como impulsionadora de diversidade
industrial, caso de São José dos Pinhais (PR), Canoas e São Leopoldo (RS).
Já nos limiares da Região Norte que estão localizadas nos entornos das
RMs Belém e Manaus, sua formação deriva da expansão urbana
metropolitana da década de 1990 e primeira década do século XXI, que, por
sua vez, as capitais do Pará e do Amazonas originaram ainda da ação colonial
de incorporação da região amazônica, e seu crescimento acelerado se ligam
aos projetos de ocupação no período militar, constituindo, a partir desse
processo de espraiamento metropolitano seus limiares. Os limiares
amazônicos conservam características específicas ligadas aos povos
ribeirinhos, indígenas, colonos, posseiros, ao extrativismo, e à indústria na
Zona Franca de Manaus, e à forte polarização de Belém enquanto porta de
entrada da Amazônia, sendo Ananindeua a síntese do processo de ocupação
desordenada da RM Belém.
Os limiares da Região Metropolitana de Goiânia e da Região Integrada
de Desenvolvimento do Entorno do Distrito Federal (RIDE-DF) são
caracterizados por, em sua maioria, existirem enquanto municípios, vilas,
distritos ou povoados antes das metrópoles. Goiânia foi planejada para
substituir a antiga capital colonial, a cidade de Goiás, e o poder administrativo
do Estado foi transferido em 1934 para região central do Estado de Goiás,
onde preexistiam pequenas cidades como Trindade, e o povoado Aparecida.
Com a nova capital, essas localidades foram engolidas ou aproximaram-se da
54

jovem metrópole, tornando seus limiares. Hoje, Aparecida de Goiânia,


Trindade, além delas, Senador Canedo e Goianira cresceram
consideravelmente nas bordas da metrópole.
Em 1960 foi inaugurada a nova capital federal, Brasília, com um
quadrilátero que mantinha distante os povoados e as antigas cidades
coloniais do ciclo do ouro de Goiás. Dentro do quadrilátero restou o povoado
de Mestre d’Armas, hoje Planaltina, e no limite do quadrilátero, na sua porção
externa, localizada no Estado de Goiás, a antiga cidade colonial Couros, hoje
Formosa. Nas proximidades do quadrilátero do Distrito Federal, na sua
porção sul, a também antiga cidade colonial goiana pertencente ao ciclo
aurífero, Santa Luzia, hoje Luziânia.
Em volta do Distrito Federal as cidades crescem irregularmente, sendo
os exemplos de Luziânia, Valparaiso de Goiás, Cidade Ocidental, Novo Gama,
todas localizadas no eixo sul do entorno do Distrito Federal, enquanto no eixo
oeste crescem vertiginosamente os municípios de Santo Antônio do
Descoberto e Águas Lindas de Goiás. Esses limiares são exemplos fiéis de
como o crescimento urbano busca se “conurbar” com o limite administrativo
do Distrito Federal, limite esse que não é físico (rio, serra etc., ou do tecido
urbano), somente virtual, no sentido dado por Levy (2002), uma convenção
político-administrativa. O tecido urbano de Valparaiso de Goiás se conurba ao
limite virtual do Distrito Federal, e não a cidade mais próxima Santa Maria –
DF, ou seja, todas as cidades do entorno de Brasília buscaram crescer mais
próximas possível do Distrito Federal, usufruindo do limiar enquanto poder
de acessibilidade aos mercados de trabalho da capital federal e a disputa pelo
mercado habitacional.
As novas capitais cerradeiras do Planalto Central, Goiânia e Brasília
[podendo projetar réplica do fenômeno num futuro próximo em Palmas], não
pela indústria, como é o caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte,
mas pelos serviços e a concentração dos poderes administrativos que as
mesmas trouxeram para a região, foram projetadas para segregar conforme
destacou Arrais e Pinto (2008). Essas intervenções urbanas reconfiguraram a
dinâmica espacial diante de suas perspectivas higienistas, modernizantes e
estandardizadas, territorialmente burocráticas e seletivas, com delimitação
de barreiras aos “indesejados”, atraindo migrações que impulsionaram o
crescimento dos seus limiares, que ora eram mais antigos em sua maioria do
Desenho Urbano - 55

que as novas capitais, com características de cidades pequenas, ligadas às


atividades rurais, e que foram energicamente convertidas, ou ainda estão em
movimento de conversão, em periferias de crescimento irregular,
densamente ocupadas, com problemas de violência urbana e fortes
desigualdades regionais.
Como exemplo, Aparecida de Goiânia, Trindade, Goianira e Senador
Canedo conservam centros históricos que ainda cristalizam na sua paisagem
características bucólicas e interioranas, enquanto nos numerosos outros
bairros prevalecem o espectro da ingovernabilidade urbana, ou a dinâmica de
novas centralidades e eixos comerciais ligados a shoppings, hipermercados e
polos industriais especializados em alimentos, bebidas, produtos metálicos e
seguimentos químicos.
Conforme esses limiares se integram à dinâmica da metrópole,
incorporando o capital imobiliário, comercial, industrial, deixam de ser zonas
de expansão urbana, passam a reproduzir na sua estrutura intraurbana novas
formas comerciais e de serviços de educação, cultura, lazer e de consumo,
outros limiares vão sendo criados, com a incorporação de povoados, vilarejos,
zonas rurais, que reproduzirão a função dos antigos limiares.
Um processo cíclico interminável da produção das metrópoles. Esse
processo brasileiro tem suas especificidades que se diferenciam dos modelos
estadunidense de suburbanização e formação das megalópoles destacados
por Gottdiner (1993) e Davis (1993). No caso do Brasil, quando engolido pela
metrópole, o limiar se mobiliza sempre em novas transformações, integrando
ao grau metropolitano, distanciando-se dos seus vínculos com o campo e o
sentimento de cidade pequena ou média. Novas integrações se constroem,
superando as indefinições e transitoriedades, sendo totalmente incorpados
às metrópoles. Novos limbos funcionais, com dualidades existenciais vão
sendo construídos, numa lógica expansionista de reestruturação, no sentido
dado por Soja (1993), debruçando as fronteiras da metrópole sobre os limites
da ruralidade, absorvidos pelo ideal imaginário da urbanização.

4 CONCLUSÃO

O fenômeno da expansão urbana e sua reestruturação não deve


somente ser quantificado, estratificado e classificado, mas também é
56

importante sempre buscar alternativas, menos reformistas e mais


transformadoras, de mudar a cidade efetivamente. A cidade apresenta-se
como dinâmica, como movimento e transformação inquietante, mas a
inércia-prática perpetua-se, por exemplo, quanto à concentração de renda, a
propriedade privada, os privilégios de raça, gênero e de classe, o monopólio
dos meios de produção, ou a reprodução de favelas, da criminalidade, do
genocídio de negros e pobres, a violência de gênero, do desrespeito à
dignidade humana e da manutenção de profundos dilemas socioeconômicos.
Na busca de se construir uma geografia urbana mais atuante e
politicamente mais heterodoxa e libertária é de suma importância que se
elaborem novos parâmetros de investigações, que se construa uma
linguagem acadêmica e social que depurem pesquisas e atuações próprias aos
limiares, que sejam feitas pelos sujeitos que vivenciam estes lugares, não pelo
espectador ascético. Que essas investigações projetem práticas de superação
de suas desigualdades, e não ao contrário, como mecanismo reprodutor de
um discurso que justifique as separações. O caminho é integrar novas
metodologias científicas a formas políticas mais autonomistas. Desse modo,
para incitar o debate, fica a questão: É necessário desenvolver uma geografia
urbana própria dos limiares?

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Desenho Urbano - 57

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58
Desenho Urbano - 59

Capítulo 4

HABITAÇÃO SOCIAL EM CUIABÁ-MT:


A INFLUÊNCIA DA PRODUÇÃO HABITACIONAL NA EXPANSÃO
URBANA DO MUNICÍPIO

Douglas Q. Brandão13
Louise Logsdon 14
Douglas L. L. Gallo15

1_INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo abordar a questão


habitacional de Cuiabá, capital de Mato Grosso, através de uma dissertativa
narrada dentro do contexto histórico brasileiro. Mais especificamente,
pretende-se retomar o processo de urbanização e da expansão territorial da
cidade em relação à produção de habitação de interesse social (HIS). Sempre
que possível, buscou-se caracterizar essa produção nos diferentes períodos
históricos, sob o ponto de vista do projeto e da construção.
Para isso, foi feito levantamento bibliográfico em livros, artigos,
publicações municipais e leis relacionadas ao tema. Como ponto de partida
foram adotados trabalhos anteriormente publicados pelos autores
(LOGSDON; GALLO, 2015; LOGSDON et al., 2014; BRANDÃO et al., 2010), mas
novas contribuições surgem aqui, em especial no que trata da retomada do
processo de urbanização de Cuiabá e a relação entre a produção de HIS e a
expansão/produção da cidade nos diferentes períodos históricos.

13 Engenheiro civil, doutor, docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). E-mail:
dbrandao@ufmt.br.
14 Arquiteta e urbanista, mestre, docente do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e

doutoranda pelo IAU-USP. E-mail: louise.logsdon@cba.ifmt.edu.br.


15 Arquiteto e urbanista, mestre, docente do Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e doutorando

pelo PROURB (FAU/UFRJ). E-mail: douglas.luciano@ifsp.edu.br


60

2 A FUNDAÇÃO E A URBANIZAÇÃO DE CUIABÁ NO CONTEXTO NACIONAL

No período colonial, mais especificamente no início dos anos 1700, a


rede urbana brasileira estava constituída por um conjunto de 63 vilas e oito
cidades (GOULART REIS FILHO16 apud SANTOS, 2013). Dessa época data o
primeiro povoado de Mato Grosso, fundado em 1719, quando os
bandeirantes de Pascoal Moreira Cabral, na busca por índios, encontram ouro
nas margens do rio Mutuca, um afluente do rio Coxipó. Foi então que, no
local, sediou-se o Arraial da Forquilha, onde hoje se localiza o distrito do
Coxipó do Ouro (CUIABÁ, 2012).
Quatro anos depois, também em busca de ouro, a população da
Forquilha migra para as chamadas Lavras do Sutil – terreno onde hoje está
abrigada a Igreja Nossa Senhora do Rosário, no centro da cidade de Cuiabá.
Nessa época, o povoado possuía aproximadamente três mil habitantes
(CUIABÁ, 2012). Em 1727, o Capitão-general Rodrigo César de Menezes alçou
o arraial à condição de vila (CUIABÁ, 2012) e, em 1807, Cuiabá passou a ser a
capital da Província de Mato Grosso (ROSA, 1996), despontando como ponto
de convergência migratória das bandeiras paulistas, chegando a ultrapassar
São Paulo em número de habitantes (CASTOR, 2007). Com o declínio das
lavras de ouro, em fins do século XVIII, iniciou-se um longo período de
isolamento e estagnação econômica, que só teve fim com o franqueamento
da navegação no rio Paraguai, em 1856, que provocou em Cuiabá outro
grande fluxo migratório (CASTOR, 2007; GOMES, 2009).
Até o início do século XIX, a conformação do espaço urbano de Cuiabá
dava-se nas imediações do córrego do Prainha, e o largo da Mandioca era o
local onde se aglutinaram as primeiras habitações. As três primeiras ruas do
Arraial convergiam ao largo da Matriz, que se ligava ao Porto (Rio Cuiabá) pela
atual rua Treze de Junho e pelo antigo caminho do Porto. No Porto (extremo
sul), fixaram-se residências e grandes casas comerciais, mas entre a cidade e
o Porto, havia apenas um imenso vazio. No outro extremo surgem os bairros
da Mandioca e Baú, e, a oeste, a cidade se estendia até o bairro Lavapés,
locais de moradia da população pobre da cidade (BIANCARDINI FILHO, 2014).

16 GOULART REIS FILHO, N. Evolução urbana do Brasil. São Paulo: Pioneira, 1968.
Desenho Urbano - 61

Durante muito tempo, a cidade de Cuiabá cresceu lentamente,


ocupando apenas os vazios existentes ao longo da margem do córrego do
Prainha (MACIEL, 1992). No final do século XIX, o traçado das ruas estava mais
nítido, a região do Porto estava consolidada e iniciava-se a integração do
distrito do Coxipó da Ponte. Nesse período, a mancha urbana de Cuiabá foi se
adensando, mas sem evidências de ampliação do seu tamanho (Erro! Fonte
de referência não encontrada.) (FREIRE, 1997).

Figura 1: Plano da malha urbana de Cuiabá, datado de 1777 (a) e Trecho da planta de Cuiabá
que mostra a consolidação da região do Porto, datada de 1892 (b)

Fonte: Biancardini Filho (2014).

3 ORIGENS DA QUESTÃO HABITACIONAL

A intensificação da urbanização brasileira está associada à economia


cafeeira, quando o capital acumulado na agricultura foi sendo transferido
para a cidade e investido no artesanato, na manufatura e na indústria.
Imigrantes e escravos libertos deslocaram-se para as cidades, à procura de
trabalho nestes setores emergentes da economia e, entre 1890 e 1920 a
urbanização passou de 6,8 a 10,7%. O resultado foi o aumento da demanda
por habitação (SANTOS, 2013; RIBEIRO; PECHMAN, 1985).
Diferentes modalidades de moradia surgiam para alojar a população
de baixa e média renda: o hotel cortiço, os cortiços improvisados, as casas de
cômodos; o cortiço-pátio e as casinhas, todos construídos pela iniciativa
privada (BONDUKI, 2004).
Nesse período, a intervenção do estado na questão habitacional
limitava-se ao higienismo – inspeção sanitária das moradias – e ao incentivo
62

ao setor privado, através da concessão de favores, para a construção de vilas


operárias. As vilas poderiam ser promovidas por empresas (para abrigar os
seus funcionários) ou pela iniciativa particular, destinada ao mercado de
locação (BONDUKI, 2004).
Em Cuiabá, é também no início do século XX que a urbanização se
intensifica e quando ocorre o início da intervenção do Estado, ainda que
indiretamente, na questão da moradia. Começam a ser implantados serviços
urbanos pela iniciativa privada – bonde de tração animal, linhas de telefones
– e há intensa mobilização por melhorias urbanas: desapropriação de casas e
terrenos para a regularidade das artérias urbanas (1911); criação de impostos
sobre muros construídos dentro do perímetro urbano (1912); aprovação de
lei concedendo terrenos, auxílio e isenção de impostos aos interessados em
organizar os serviços de iluminação elétrica, abastecimento de água e esgotos
da capital (1913) e, ainda, a concessão de favores a quem construísse, na
capital, casas higiênicas e baratas para aluguel (MACIEL, 1992).
Além disso, semelhante às reformas urbanas que aconteceram no Rio
de Janeiro durante o governo de Pereira Passos (1902-1906), um conjunto de
obras foi realizado em Cuiabá durante o Estado Novo (1937-1945), buscando
embelezar a capital de Mato Grosso, mas sem a preocupação de ampliar a
oferta de moradia (Figura 2) (AQUINO, 2009). Segundo Castor (2007), embora
a abertura da Avenida Getúlio Vargas tenha provocado a demolição das casas
que obstruíam seu trajeto, projetos habitacionais não constavam entre as
melhorias urbanas patrocinadas por Júlio Müller em Cuiabá. E aí começa a
deficiência de moradias na cidade.

Figura 2: Avenida Getúlio Vargas (a) e Avenida Treze de Junho (b), na década de 1940.

(a) (b)
Fonte: Acervo UFMT.
Desenho Urbano - 63

4 INÍCIO DA INTERVENÇÃO DIRETA DO ESTADO NA QUESTÃO

4.1 OS INSTITUTOS DE APOSENTADORIA E PENSÕES (IAPs)

Na década de 1930 inicia-se a intervenção direta do Estado na questão


habitacional, através da reorganização do setor previdenciário nos Institutos
de Aposentadorias e Pensões (IAPs). Organizados de forma corporativa, por
categoria profissional, os IAPs tinham por objetivo primeiro garantir
aposentadorias e pensões à previdência social, seguido do atendimento à
saúde, vindo por último as inversões imobiliárias, em que estava incluída a
possibilidade de produzir, financiar ou locar moradias para seus associados
(BONDUKI, 2014; BONDUKI, 2004).
A produção habitacional dos IAPs, em especial do IAPI (Indústria),
procurava aplicar com rigor os princípios da arquitetura moderna, baseados
na seriação, padronização e racionalização, objetivando compatibilizar
qualidade e adequada inserção urbana com economia. Boa parte dos
conjuntos habitacionais previam a criação, junto à moradia, de escolas,
creches, postos de saúde, centros comerciais, etc. Além disso, o IAPI criou
critérios para definir tipos e a densidade a serem utilizados nos seus
conjuntos, pois a opção tipológica estava fortemente relacionada com a
situação urbana (tamanho da cidade), o custo dos terrenos e a possibilidade
de aproveitamento das áreas (BONDUKI, 2014).
Além disso, eram buscadas soluções capazes de viabilizar uma
produção massiva de moradia, utilizando processos industrializados, a baixo
custo, com rapidez, racionalidade e eficiência, e que ainda garantissem
construções sólidas, bem-acabadas e de fácil manutenção – até porque
muitos conjuntos eram alugados e, dessa forma, consistiam em um
patrimônio que deveria ser preservado. A pré-fabricação no canteiro de
blocos de concreto e a produção de painéis de vedação interna com
compensado de madeira foram inovações importantes no período.
Infelizmente, o modelo corporativo e fragmentado dos Institutos não garantia
o espaço institucional e a escala necessária para enfrentar o desafio
habitacional (BONDUKI, 2014).
64

4.2 A FUNDAÇÃO CASA POPULAR

Em 1946, após a deposição de Vargas, foi criada a Fundação Casa


Popular (FCP) pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. Enquanto os IAPs
atendiam apenas seus associados, a FCP objetivava um atendimento
universal, incluindo os trabalhadores informais e da zona rural. No entanto, o
órgão não conseguiu concentrar os fundos previdenciários destinados à
habitação, ao passo que os setores que se opunham ao projeto – por
interesses corporativos, econômicos ou políticos – agiram com eficiência para
desmantelá-lo. Entre as coerentes intenções da FCP e suas reais
possibilidades de concretização, a distância era enorme. Sendo assim, suas
realizações foram pouco expressivas e dependiam de parcerias com as
prefeituras, responsáveis pela doação do terreno e da infraestrutura. Foi
dessa forma que a FCP construiu, por exemplo, o primeiro conjunto
habitacional de interesse social de Cuiabá, o Popular, na década de 1950
(BONDUKI, 2014; CASTOR, 2007; BONDUKI, 2004).
Nessa época, Cuiabá sofria os reflexos da implementação da política
Federal de ocupação do Centro-Oeste e da Amazônia, bem como das ações
estaduais de incentivo à agricultura que também visavam a atrair grupos de
colonos para Mato Grosso. O preço baixo da terra, aliado aos incentivos fiscais
concedidos pelo governo, atraiu para o campo, grande quantidade de
migrantes vindos principalmente da Região Nordeste do país e dos Estados
de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. No entanto, essas ações
privilegiavam as monoculturas mecanizadas voltadas à exportação, dentro de
um sistema de concentração fundiária e da progressiva dispensa de mão de
obra. Desse modo, apenas uma pequena parcela dos imigrantes permanecia
na zona rural. Como consequência direta, o êxodo rural agravou as condições
de emprego e moradia nas cidades de mato-grossenses (AQUINO, 2009;
CASTOR, 2007). A Figura 3 ilustra o crescimento da cidade entre meados do
século XVIII e meados do século XIX.
Desenho Urbano - 65

Figura 3: Mapa do crescimento de Cuiabá entre meados do século XVIII e meados do século XIX.

Fonte: Azevedo apud Biancardini Filho (2014).

O déficit habitacional ia crescendo, ao passo que subia o preço da


terra, dos imóveis e dos aluguéis. A população de baixa renda foi se
acomodando nos cortiços, favelas e invasões clandestinas que se
proliferavam pela periferia da cidade. Os bairros populares eram apontados
como fontes de doenças e, dessa forma, a primeira intervenção direta do
Poder Público mato-grossense na questão habitacional, como em outras
capitais brasileiras, teve razões de saúde pública. Foi por meio da Fundação
Casa Popular que, em 1949, construíram-se 128 casas – 56 delas na cidade de
Corumbá (hoje pertencente ao Estado de Mato Grosso do Sul) e 72 em Cuiabá
(Figura 4) (CASTOR, 2007).

Casas térreas com alvenaria de tijolos cerâmicos, telhas de barro e


esquadrias de madeira foram dispostas isoladamente no interior de
pequenos lotes, de modo a favorecer a iluminação e a ventilação
natural dos cômodos. Malgrado seu aspecto neocolonial, tal solução
urbanística rompia com o padrão das antigas moradias cuiabanas,
estas sim de origem genuinamente colonial, que não contavam com
recuos laterais nem frontais. Por sua localização, então relativamente
afastada do centro, e configuração bem definida de ruas, lotes e
praças, o chamado Bairro Popular contribuiu para impulsionar e
disciplinar o crescimento da região oeste da cidade (FREIRE apud
CASTOR, 2007, p. 254).
66

Figura 4: Fotos antigas do Conjunto Popular em Cuiabá

Fonte: Brandão et al. (2010).

Durante o período de vigência dos IAPs e da FCP, no entanto, o Estado


agiu de forma fragmentada e desvinculado de uma política habitacional geral,
sem se organizar adequadamente para o enfrentamento da questão. Dessa
forma, foi incapaz de substituir os empreendedores privados como provedor
de moradias para os trabalhadores, o que tornou inevitável o surgimento de
soluções habitacionais baseadas no autoempreendimento e na
autoconstrução, como as favelas e os loteamentos clandestinos, em áreas
desprovidas de infraestrutura.

5 O BANCO NACIONAL DE HABITAÇÃO (BNH)

Após o golpe militar de 1964, o novo governo buscou centralizar as


ações de enfrentamento da questão habitacional, estabelecendo o Banco
Nacional de Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitação (SHF). A
política habitacional viabilizava-se sobre um sistema de crédito habitacional
e de oferta da casa própria para setores de renda baixa, média e alta, sendo
que a produção habitacional propriamente dita era sempre realizada por
empreiteiras privadas (KOWARICK; BONDUKI, 1988; ARRETCHE, 1990).
Em Mato Grosso, um ano após a criação do BNH, o governador
Fernando Corrêa da Costa, criou a Companhia de Habitação Popular do
Estado de Mato Grosso (COHAB-MT), em resposta à demanda por moradias
que acompanhava o exorbitante crescimento populacional 17 decorrente dos

17
Com todo o incentivo de ocupação do interior do país, a população de Cuiabá, que era de 20
mil habitantes em 1920, chegou a 50 mil nos anos 1950. A partir da década de 1970, então, o
incremento populacional foi exorbitante: passou de 100.680 habitantes para 211.600, em 1980;
para 434.602 habitantes em 1990; e, finalmente, para 506.166 em 2004 (AQUINO, 2009).
Desenho Urbano - 67

incentivos à ocupação do interior do país. A função da COHAB-MT era a de


promover a construção de habitações populares nos diversos municípios do
Estado. Era uma sociedade de economia mista, criada pela Lei Estadual 2.406,
de 20 de junho de 1965, que integrava o Sistema Financeiro da Habitação
(SFH) (CASTOR, 2007; AQUINO, 2009).
O primeiro conjunto habitacional da COHAB-MT, o Cidade Verde, foi
implantado em Cuiabá no ano de 1966, contendo 365 unidades. Localizava-
se próximo à ponte que havia sido recém-construída sobre o rio Cuiabá,
fazendo a ligação com o município de Várzea Grande. Como a implantação
desse conjunto estava longe do centro da cidade e demandou que a
infraestrutura urbana chegasse até lá, o mesmo transformou-se em polo de
atração do crescimento da cidade na direção oeste. Com isso, as áreas entre
o centro e o novo núcleo foram valorizadas e passaram a atrair o interesse da
especulação imobiliária (FREIRE, 1997).
Outro fator que contribuiu enormemente para a expansão horizontal
da cidade foi a abertura, no final dos anos 1960, e a pavimentação, entre 1976
e 1979, da atual Avenida Miguel Sutil, conhecida como “avenida perimetral”
pelos moradores mais antigos. Esta via favoreceu a expansão do tecido
urbano e a criação de inúmeros loteamentos, muitos dos quais foram
destinados apenas como reserva de valor (FUNDAÇÃO CÂNDIDO RONDON 18
apud BIANCARDINI FILHO, 2014).
No mesmo período, foram construídos os primeiros blocos da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que se configurou como mais
um vetor de crescimento para a cidade, em sentido oposto ao anterior. Ou
seja, a cidade que vinha crescendo para o sentido oeste, começou a ampliar-
se também no sentido leste (região do Coxipó). Entre o centro e as duas
extremidades, no entanto, muitos vazios urbanos favoreciam a especulação
imobiliária. Sobre o desenho da cidade neste período, Freire (1997) comenta
que uma característica marcante é o caráter de seu sítio, que se espalha
descontinuamente em áreas de ocupação.

18FUNDAÇÃO CANDIDO RONDON – FCR. Cuiabá na nova realidade sócio-política do Estado.


Cuiabá-MT, dez. 1980. GOVERNO DO ESTADO DE MATO GROSSO, Frederico Carlos Soares de
Campos; PREFEITURA MUNICIPAL DE CUIABÁ, Gustavo Arruda.
68

Pouco tempo depois, durante a gestão do governador José Fragelli


(1971-1975), delimitou-se o novo Centro Político Administrativo (CPA) na
região norte da cidade, induzindo outro vetor de expansão. A justificativa do
Estado era a necessidade de deslocar sua sede do centro da cidade, que já se
encontrava muito adensado e com problemas de congestionamento (RIVERA,
2006). No entanto, a cidade foi induzida a um crescimento horizontal muito
grande, em três sentidos distintos: leste, oeste e norte. Ver, no mapa atual de
Cuiabá, a demarcação dos pontos citados (Figura 5).
É importante ressaltar que, durante o período de atuação do BNH e da
COHAB-MT, o perímetro urbano de Cuiabá foi ampliado quatro vezes, através
da promulgação de quatro leis consecutivas 19. A área da cidade, que era de
4,50 km2 em 1966, passou para 153,06 km2, em 1982. O raio da cidade, que
estava por volta de 4 quilômetros em 1960, chegou à faixa dos 15
quilômetros, em 1982. E não parou por aí: novas alterações foram feitas nas
décadas de 1990 e 2000, até que, em 2007, o Plano Diretor proibiu a
ampliação do perímetro urbano por um período de 10 anos (Figura 6) (Cuiabá,
2012).

19Lei 1.346, de 12 de março de 1974; Lei 1.537, de 25 de abril de 1978; Lei 1.601, de 12 de março
de 1979, e Lei 2.023, de 9 de novembro de 1982.
Desenho Urbano - 69

Figura 5: Mapa atual de Cuiabá, com demarcação de pontos que impulsionaram sua
expansão horizontal

Fonte: Adaptado de Cuiabá (2012).

Figura 6: Mapa de evolução do perímetro urbano de Cuiabá

Fonte: Cuiabá (2012).


70

Durante o seu período de atuação, o BNH produziu, em todo o país,


um total de 2.372.991 moradias populares e 1.898.571 moradias destinadas
a famílias com renda média e alta (BONDUKI, 2014). Em Mato Grosso, a
COHAB-MT assentou mais de 46 mil famílias, em 140 conjuntos habitacionais
distribuídos pelo Estado (AQUINO, 2009). Em específico na cidade de Cuiabá,
o número de unidades construídas pela Companhia foi de 29.671 unidades,
das quais 16.330 referem-se ao período de vigência do BNH (BIANCARDINI
FILHO, 2014; FINEP/GAP, 1983).
A Figura 7 discrimina os conjuntos habitacionais lançados por meio da
COHAB-MT em Cuiabá, ilustrando a localização dos mesmos na malha da
cidade. Como podemos notar, ao longo dos diferentes períodos de
implantação, os conjuntos foram sendo implantados cada vez mais distantes
do centro da cidade, espalhando-se por todas as suas regiões, de tal forma
que é difícil caracterizar ou entender os critérios que determinaram a
localização de cada um deles. Cabe lembrar que, na década de 1970, o
conjunto João Ponce de Arruda foi implantado fora do perímetro urbano legal
vigente na época e, na década seguinte, o mesmo ocorreu na implantação do
Residencial Jardim Industriário (BIANCARDINI FILHO, 2014).

Figura 7: Localização dos conjuntos habitacionais construídos através da COHAB em Cuiabá

FONTE: Adaptado de Biancardini Filho (2014) e Cuiabá (2012).


Desenho Urbano - 71

Cabe ressaltar que a grande maioria dos Conjuntos deste período são
imensos, alguns com milhares de unidades: o Coophamil foi lançado com
1.497 casas; o Coophas com 1.945; o Tijucal com 3.910; e o CPA II, III e IV, com
respectivamente 2.654, 4.600 e 3.832 casas. Foram pequenas cidades
construídas dentro da cidade, todas distantes do centro, e que criaram uma
alta demanda por infraestrutura urbana (BIANCARDINI FILHO, 2014).
A produção habitacional do BNH e suas COHABs, apesar de expressiva
em número de unidades, sofre uma avaliação negativa quase que consensual
no meio acadêmico e na própria opinião pública. Em comparação à produção
dos IAPs, as tipologias utilizadas pelo BNH foram sensivelmente
empobrecidas. A inovação e a diversidade foram inibidas e a procura pela
viabilização de uma produção massiva, ao lado do desinteresse e das
dificuldades de introduzir métodos mais industrializados de produção, gerou
uma tendência de desprezar projetos mais sofisticados que criassem
quaisquer dificuldades construtivas (BONDUKI, 2014).
As tipologias do bloco tipo “H” (que garante melhor relação entre área
útil e área de circulação vertical) e da casa isolada ou geminada, com telhado
de duas águas, foram repetidas como um carimbo por todo o país. A
qualidade dos materiais, a durabilidade da construção e a manutenção dos
edifícios não eram preocupações do agente promotor. O projeto urbanístico
preocupava-se em dar o máximo de aproveitamento às glebas, com espaços
livres muito reduzidos, muitas vezes limitados a áreas residuais sem utilização
(BONDUKI, 2014).
Bolaffi (1979) comenta que, ao transferir à iniciativa privada todas as
decisões sobre a localização e a construção das habitações que financiava, o
BNH utilizava, em seus conjuntos, terrenos inadequados e mal localizados,
prosseguia na execução de construções de baixa qualidade e concluía com a
venda da casa a pessoas que não podiam pagá-las.
Em Cuiabá, os conjuntos habitacionais construídos pela COHAB-MT
possuíam casas térreas isoladas no lote, com 15 a 60 m2 de área construída e
plantas convencionais – um, dois ou três quartos, sala, cozinha, banheiro e
área de serviço – organizadas em cômodos mínimos (Figura 8). As casas eram
impessoais e os conjuntos, além de periféricos, eram monótonos e
desprovidos de identidade (CASTOR, 2007). Em grande parte desses
72

conjuntos, ainda é possível observar características originais da sua


arquitetura, como ilustra a Erro! Fonte de referência não encontrada..

Figura 8: Plantas das casas do CPA 1 (a) e do Grande Terceiro (b), construídas pela COHAB-MT.

Fonte: Barcelos (2011).

Figura 9: Imagens do Cidade Verde (a) e do CPA (b), datadas de 2011.

Fonte: Google Street View.

Pode-se dizer que, na época do BNH, a qualidade dos projetos


habitacionais decaiu significativamente: o espaço interno das unidades
tornou-se muito reduzido; os banheiros chegaram a alcançar 90 cm de
largura; a área de serviço desapareceu (foi substituída por um tanque fixado
à parede externa); e houve uma drástica redução da circulação interna, que
acarretou na aproximação dos quartos com a sala, diminuindo a privacidade.
Esta forma de projetar marcou o início de uma precarização que é visível até
os dias atuais nas moradias construídas para a população carente (PALERMO,
2009).
Desenho Urbano - 73

Após um longo período de atuação, a política habitacional do BNH foi


extinta no ano de 1986. Como o sistema dependia dos recursos decorrentes
dos salários individuais, ele se tornou vulnerável à inflação que, na década de
1980, chegava a 200%. A inadimplência foi ficando cada vez mais forte e o
sistema não pôde mais se sustentar (SANTANA, 2006; ARRETCHE, 1990).
Até o início do século XXI, o BNH e o SFH caracterizam-se como a única
Política Nacional de Habitação que o país teve de fato. Infelizmente,
equívocos da sua política e seu enquadramento em um regime autoritário,
fizeram com que se perdesse a oportunidade de equacionar o crônico
problema habitacional brasileiro (BONDUKI, 2014).

6 PERÍODO PÓS-BNH: 1986-2002

Ao invés de reformular a política habitacional, o presidente José


Sarney preferiu desarticulá-la por completo, extinguindo o BNH em 1986 e
transferindo a gestão do SFH para a Caixa Econômica Federal. O SFH estava
com uma capacidade muito limitada de investir em habitação, em
decorrência da crise de inadimplência do período anterior e do aumento dos
saques do FGTS. Em um momento em que a população sofria com o baixo
crescimento econômico, o resultado foi o surgimento de favelas e
assentamentos precários (BONDUKI, 2014).
Em Mato Grosso, a COHAB-MT não se extinguiu com o BNH. Ela
perdurou até 1996, mas, entre 1986 e 1996, suas ações na produção de
moradias decaíram muito e seu foco esteve mais voltado à regularização
fundiária e à concessão de lotes urbanizados (BARCELOS, 2011). A liberação
dos recursos aos Estados e municípios dava-se de forma esporádica para
alguns programas ou projetos isolados (CUIABÁ, 1991).
Nesse momento, municípios e Estados, além da própria União,
lançaram programas habitacionais com fontes alternativas ao SFH,
acentuando a tendência de descentralização dos programas e fazendo
emergir um amplo conjunto de experiências diversas, relevantes e inovadoras
em habitação social (BONDUKI, 2014).
Em Cuiabá, uma importante experiência foi realizada neste contexto:
o Projeto Ecomoradia, que produziu 367 casas em madeira (Figura 10) no
loteamento Pedra 90, para abrigar as famílias desabrigadas pela enchente do
74

Rio Cuiabá em 1995. O projeto contou com a parceria do Instituto Brasileiro


da Madeira e das Estruturas de Madeira (IBRAMEM) e do Grupo de Habitação
em Madeira da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) (ADRIÃO,
2011). Na sede do INDEA, em Cuiabá, eram fabricados os componentes de
construção (pilares, tesouras e painéis de vedação) e, no canteiro de obras,
as casas eram montadas com a participação dos futuros moradores, em
regime de mutirão (INO; SHIMBO, 1998). Infelizmente, o Pedra 90 localizava-
se a uma enorme distância da área central, nos limites do perímetro urbano
da região sul de Cuiabá e, nesta época, a cidade apresentava uma área imensa
e pouquíssimo adensada, com grandes vazios urbanos por todo o seu
território.

Figura 10: Vista geral da implantação das casas do EcoMoradia

Fonte: Adrião (2011).

No contexto nacional, a estabilidade econômica foi sendo recuperada


com a redução dos investimentos do SFH, durante a década de 1980, e o
Plano real, na década de 1990. Nesse período houve uma recuperação do
FGTS, o que permitiu uma gradual retomada dos financiamentos de habitação
(BONDUKI, 2014).
Na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002),
foram criados dois programas habitacionais: o Programa da Carta de Crédito
e o Programa de Arrendamento Residencial (PAR). O primeiro utilizava
recursos do FGTS e da caderneta de poupança para conceder cartas de
crédito a pessoas físicas com renda mensal de até 12 salários mínimos, que
poderiam escolher as modalidades de aquisição de moradia nova ou usada,
construção em terreno próprio ou reforma de moradia. Infelizmente, como o
programa não era capaz de garantir o acesso à terra urbanizada, acabou por
reproduzir o processo espoliador da autoconstrução periférica (BONDUKI,
2014; AZEVEDO, 2007; METELLO et al., 2005).
Desenho Urbano - 75

O segundo programa utilizava recursos do FAR (Fundo de


Arrendamento Residencial – composto pelos fundos do FGTS e do Governo
Federal) e visava à produção ou recuperação de empreendimentos
habitacionais, sendo o acesso à moradia através de contrato de
arrendamento pessoal, com opção de compra futura. Atendia famílias com
faixa de renda entre 3 e 6 salários mínimos e, no Estado de Mato Grosso,
produziu 15.748 unidades (BARCELOS, 2011).
A Figura 11 elenca os conjuntos habitacionais construídos em Cuiabá,
no período entre o fim da atuação da COHAB-MT até o ano de 2008, indicando
a localização dos mesmos na malha urbana. Grande parte foi lançada através
do PAR, e o restante através de recursos do próprio governo do Estado de
Mato Grosso ou de contratações vinculadas a outros programas habitacionais
federais (BARCELOS, 2011).
Grande parte dos conjuntos concentrou-se nas regiões sul e leste da
cidade, que se caracterizam – até os dias atuais – como as menos adensadas
e com maiores áreas de vazios urbanos. Alguns conjuntos situam-se na região
norte, mas bem próximos ao perímetro urbano e apenas dois conjuntos
foram implantados na região oeste.

Figura 11: Conjuntos habitacionais construídos no período posterior à extinção da COHAB-MT

Fonte: Adaptado de Biancardini Filho (2014) e Cuiabá (2012).


76

Cada conjunto possui um número de casas que varia entre 100 e 500
unidades, com exceção do Jardim Industriário 2ª Etapa, que foi lançado com
993 unidades. Dos 31 Conjuntos, 15 possuíam menos de 200 unidades, o que
propiciou, em especial nos primeiros anos de atuação do PAR, maior
ocupação de vazios da malha urbana de Cuiabá. Os conjuntos eram entregues
com rede de água, de esgoto, energia e drenagem e pavimentação. Já as casas
foram construídas com padrão baixo, com áreas entre 45 e 50 m², compostas
por sala, cozinha, banheiro, dois quartos e área de serviço externa ou interna
(BIANCARDINI FILHO, 2014; BARCELOS, 2011).
Sobre as soluções arquitetônicas encontradas nesse período, de
maneira geral, Palermo (2009) menciona a redução das áreas praticadas pelo
BNH, que por vezes inviabilizava o uso de cômodos como a cozinha e os
dormitórios. A cozinha, que muitas vezes era integrada à sala, teve seu espaço
reduzido, justamente quando se aumentava o acesso aos eletrodomésticos
modernos. Portanto, para Palermo (2009), entre a atuação dos IAPs e do PAR
houve um processo paulatino de redução dimensional dos espaços
domésticos, à medida que as soluções passam a buscar a redução
indiscriminada nos custos, o que causou um comprometimento da qualidade
do projeto. A Figura 12 ilustra um dos conjuntos lançados em Cuiabá pelo
PAR, o Residencial Salvador Costa Marques, onde pode-se notar a limitação
dos espaços da moradia e a repetição “carimbada” das unidades dentro do
Conjunto.

Figura 12: Planta baixa (a) e Foto (b) das casas do Residencial Salvador Costa Marques, logo
após sua construção

(b)
(a)
Fonte: Barcelos (2011) e O Documento apud Logsdon (2012).
Desenho Urbano - 77

Apesar de todas as críticas à produção habitacional desse período,


pode-se dizer que as ações do governo federal foram importantes, pois
constituíram-se no marco zero da nova Política Nacional de Habitação
formulada posteriormente pelo governo Lula, visto que utilizaram recursos
não retornáveis – orçamento Geral da União, FGTS e outros fundos do
governo federal – para subsidiar a produção de moradias para a população
de baixa renda (BONDUKI, 2014).

7 A QUESTÃO HABITACIONAL NO SÉCULO XXI: A criação do Ministério das


Cidades e do Programa Minha Casa Minha Vida

Momentos importantes marcaram os primeiros dez anos do século


XXI, ao se falar em política habitacional e desenvolvimento urbano no Brasil:
a inclusão do direito à moradia na Constituição (2000), a aprovação do
Estatuto da Cidade (2001), a criação do Ministério das Cidades (2003), a
formulação de uma nova Política Nacional de Habitação (2004) e do Plano
Nacional de Habitação (2008) (BONDUKI, 2014).
O Ministério das Cidades, desde 2003, tentava implementar o Sistema
Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e o Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social (FNHIS) e conduzia um processo participativo
de elaboração de um Plano Nacional de Habitação (PlanHab). Previa-se que
os municípios criassem os Planos Locais de Habitação de Interesse Social
(PLHIS), através dos quais seriam definidas suas necessidades habitacionais e
as estratégias para enfrentá-las (AMORE, 2015).
No entanto, o contexto da crise econômica e do enfraquecimento do
Ministério das Cidades levou o governo a acolher a proposta do setor da
construção civil, apostando no potencial econômico da produção de
habitação em massa. Assim, pela Lei Federal 11.977, de 7 de julho de 2009,
foi criado o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), de caráter
econômico e que buscava mecanismos de incentivo à produção e à aquisição
de novas unidades habitacionais por famílias com diferentes níveis de renda,
entre zero e 10 salários mínimos (BRASIL, 2009; AMORE, 2015).
Com metas audaciosas, o Programa previa a construção de um milhão
de moradias em sua primeira fase (governo Lula, 2009-2011) e mais dois
78

milhões na segunda (governo Dilma, 2012-2016), através de recursos


oriundos do orçamento da União e do Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), além de recursos para financiamento da infraestrutura e do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para
financiamento da cadeia produtiva. Importante ressaltar que, pela primeira
vez, previa-se o atendimento a famílias com renda mensal inferior a três
salários mínimos (Faixa 1 de atendimento do Programa), grupo este que
compõe a maior parte do déficit habitacional. Na primeira fase do PMCMV,
40% das unidades deveriam ser destinadas a esse grupo e, na segunda fase,
60% (AMORE, 2015).
Não só a meta do Programa foi audaciosa, como a sua produção foi,
de fato, muito expressiva em número de unidades construídas: em apenas
cinco anos, o PMCMV contratou quase 80% das unidades que o BNH financiou
nos seus 22 anos de existência. Os dados gerais do PMCMV, em meados de
2014, davam conta de 3,5 milhões de unidades contratadas, das quais 1,7
milhão foram entregues (AMORE, 2015).
Em Mato Grosso, até o ano de 2015, o PMCMV havia contratado
33.917 unidades urbanas para a faixa 1, das quais 19.329 já haviam sido
entregues. Na segunda faixa de atendimento, foram contratadas 14.757
unidades, das quais 9.661 já tinham sido entregues. Por fim, para a faixa 3,
foram contratadas 7.174, das quais 3.870 já tinham sido entregues. Na cidade
de Cuiabá, foram construídos seis Conjuntos Habitacionais para a faixa 1 de
atendimento, contabilizando um total de 2.715 unidades entregues às
famílias de baixa renda (Dados fornecidos pela Gerência Executiva de
Habitação da Caixa, sede Cuiabá – GIHABCB, 2015).
No entanto, as dificuldades em prover habitação para as famílias de
baixa renda foram enormes, principalmente nas capitais e regiões
metropolitanas. Com a grande disponibilidade de crédito e com o avanço da
produção habitacional, o preço dos imóveis e dos terrenos disparou e tornou-
se muito difícil produzir uma unidade dentro dos valores fixados para a faixa
1 – R$ 52.000 na primeira fase do Programa e R$ 76.000 na segunda (AMORE,
2015; ROLNIK, 2010). Outro grande problema que cerca a produção
habitacional do PMCMV é justamente a repetição dos erros reconhecidos do
antigo BNH, de produção massificada e periférica em locais mal servidos por
infraestrutura urbana. Embora existam exceções, a grande maioria dos
Desenho Urbano - 79

empreendimentos do PMCMV está localizada na periferia das cidades,


distante dos empregos, da malha urbana existente ou dos planos de expansão
urbana, com projetos de moradias sem qualidade arquitetônica nem
identidade com as comunidades locais (AMORE, 2015; BONDUKI, 2014).
As Figuras 13 e 14 ilustram essa questão na cidade de Cuiabá. Os
conjuntos estão localizados nos limites do perímetro urbano, mesmo com a
existência de grandes vazios em regiões mais centrais da cidade. A arquitetura
das casas parece repetir a tipologia e a estética adotada nas décadas
anteriores, tanto pelo PAR, quanto pela COHAB-MT e até mesmo pela FCP.

Figura 13: Conjuntos habitacionais produzidos pelo PMCMV em Cuiabá

FONTE: Adaptado de Biancardini Filho (2014), Logsdon (2012) e Cuiabá (2012).

Figura 14: Imagens do Residencial Alice Novack (a) e do Residencial Nova Canaã (b), situados na
cidade de Cuiabá, ainda antes da sua entrega, em 2011.

(a) (b)
Fonte: Os autores, 2011.
80

Logsdon e Oliveira (2012) criticam não só a questão da localização, mas


também o desenho urbano dos Conjuntos do PMCMV de Cuiabá:
 são atendidos por transporte público e rede de comércio pouco
expressivos, presentes apenas nas avenidas principais, a mais de um
quilômetro de distância dos acessos dos conjuntos;
 sua densidade varia entre 21 e 26 famílias por hectare, valor
considerado alto para a tipologia (casas isoladas no lote), mas muito
baixo para condições favoráveis de sustentabilidade e aproveitamento
de infraestrutura urbana, como demonstra Mascaró (1987);
 seu projeto urbanístico prevê uma porcentagem de áreas verdes e de
equipamentos comunitários compatível com o determinado pela
legislação do município, mas dispostas como áreas residuais, de
maneira que não incentivam a sua apropriação pelos moradores;
 o uso estritamente residencial dos conjuntos, vinculado às grandes
dimensões das quadras e ao fato de que todas as construções são
destinadas a famílias de uma mesma faixa de renda, vai contra ao que
Jacobs (2009) coloca como condições favoráveis à diversidade urbana
que possibilita a autogestão do bairro.
Pode-se dizer, então, que apesar do PMCMV ter produzido um número
expressivo de unidades e ter atendido a população mais carente, a questão
da terra, o nó da política urbana brasileira e da segregação socioespacial são
apontadas como o principal entrave que o Programa não conseguiu enfrentar
(AMORE, 2015).
Nos dez anos do PMCMV, grandes acontecimentos marcaram a
situação política do país. A economia começou a declinar no primeiro
mandato da presidenta Dilma Rousseff, quando foi lançada a segunda fase do
programa. No entanto, a partir do início do seu segundo mandato, em 2015,
a atividade imobiliária atinge um crescimento negativo de 7,6% e a crise
econômica foi definitivamente deflagrada, com queda no PIB, aumento do
desemprego, dos juros e da inflação (CARDOSO; ARAGÃO; JAENISCH, 2017).
Sendo assim, a terceira fase do PMCMV só foi lançada em março de
2016, com algumas alterações quanto às faixas de atendimento. Criou-se a
Faixa 1,5, que buscava atender famílias com renda de até 2.350 reais para o
financiamento de imóveis com o valor máximo de 135 mil reais. O que se
Desenho Urbano - 81

buscou foi a ampliação das possibilidades das famílias de baixa renda


adquirirem a casa própria através de financiamento, reduzindo os esforços do
governo em subsidiar a Faixa 1 (GOVERNO DO BRASIL, 2016).
Paralelamente à crise econômica, a crise política foi evoluindo junto às
denúncias de corrupção envolvendo vários órgãos e empresas públicas
ligadas ao Governo Federal. Manifestações públicas fomentaram um
ambiente hostil e, aos poucos, partidos aliados foram abandonando o
governo, impedindo a governabilidade da presidenta junto ao Congresso
Nacional. Esta situação seguiu até o impeachment de Dilma, em agosto de
2016 (CARDOSO; ARAGÃO; JAENISCH, 2017).
No mandato do vice, Michel Temer, desenhou-se uma reversão das
políticas sociais de garantia de renda e emprego, com grande ascensão das
visões conservadoras e liberais. Com relação à política habitacional, uma das
medidas tomadas na tentativa de aquecer o comércio de materiais de
construção foi o lançamento do Cartão Reforma no final de 2016. Em 2017,
alteraram-se as regras do PMCMV e a meta que incialmente era de 2 milhões
de moradias, caiu para 610 mil (CAIXA, 2017; PLANALTO, 2017).
Em 2019, no governo de Jair Bolsonaro pouco se falou a respeito do
PMCMV. As únicas notícias do Portal do Governo Federal indicam a sua
continuidade, ressaltando que a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2019 prevê
investimentos de R$ 4,1 bilhões para o Programa, e um aumento nos valores
máximos fixados, em algumas cidades. Com relação à produção de moradias,
o setor da construção parece ter perdido forças de reinvindicações, em
decorrência dos sérios problemas financeiros apresentados. Alguns autores
acreditam que a política habitacional volte a ser controlada pelos chefes
partidários e que haja uma diminuição nos gastos em habitação. Parece agora
bem distante uma política de desenvolvimento urbano a longo prazo,
baseada na universalidade, na democracia e na redução das desigualdades
(CARDOSO; ARAGÃO; JAENISCH, 2017; GOVERNO DO BRASIL, 2019).

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão da habitação no Brasil foi consequência direta das


características de sua urbanização: rápida, intensa e pouco planejada. A
intervenção do Estado começa pela higienização dos famosos cortiços e
82

incentivo às vilas operárias, passando pela criação dos IAPs e de seus grandes
conjuntos até chegar à criação do BNH, quando se estruturou a primeira
política nacional de habitação. Durante sua vigência, no entanto, o país
passou por grave crise financeira, marcada por altíssima inflação e elevados
índices de desemprego, o que limitou as possibilidades posteriores de
produção de moradia.
Os anos seguintes foram marcados por um período de estagnação,
com uma produção habitacional pequena, ao passo que a população
empobrecia. Como resultado, os assentamentos precários passaram a crescer
exponencialmente. A produção desse período, no entanto, foi importante
para que os municípios experimentassem novas possibilidades, trabalhando
de forma descentralizada, recorrendo a fundos alternativos e a soluções
tecnológicas inovadoras para a construção de moradias populares.
Anos depois, com a reestruturação econômica e com a força dos
movimentos sociais, formaram-se condições favoráveis para um ciclo que foi
marcado por grandes conquistas urbanas – como a aprovação do Estatuto da
Cidade e a criação do Ministério das Cidades – e por uma produção muito
expressiva em número de unidades construídas pelo PMCMV.
Em todos esses períodos – talvez com exceção apenas ao período de
atuação dos IAPs – a cidade de Cuiabá, sendo capital de Estado, esteve
incluída nas políticas públicas nacionais de habitação, as quais muito
influenciaram no seu crescimento e nas características do seu traçado
urbano, a despeito dos vieses aqui apresentados. Dessa forma, o trabalho
buscou analisar como a questão habitacional de Cuiabá se inseria no contexto
histórico nacional e de que forma a produção de moradias sociais relacionou-
se à expansão e à produção da cidade.
Viu-se que os fluxos migratórios foram responsáveis por um aumento
populacional exorbitante, o que intensificou em Cuiabá a demanda por
moradia. Viu-se também que os primeiros conjuntos habitacionais da cidade,
localizando-se em regiões periféricas, impulsionaram a sua expansão
horizontal. Tal expansão tomou proporções altíssimas ao longo dos anos, o
perímetro urbano foi ampliado inúmeras vezes e, ainda hoje, a malha urbana
de Cuiabá possui um desenho espalhado e muito pouco adensado, trazendo
uma série de consequências negativas para a cidade, como o alto custo dos
serviços públicos, a segregação de parcelas significativas da população, e
Desenho Urbano - 83

valorização de áreas vazias intermediárias exploradas pelo mercado


imobiliário, dentre outros problemas apontados e conhecidos pelos
especialistas da área habitacional.
A produção da cidade esteve diretamente relacionada à produção de
habitação, com destaque aos imensos conjuntos habitacionais produzidos no
período da COOHAB-MT. O desafio, hoje, é ocupar os vazios urbanos e
melhorar a qualidade urbana do município, garantindo serviços e
infraestrutura à população. Espera-se que a ordenação do conhecimento no
corpo deste trabalho possa auxiliar pesquisadores que atuam nas áreas de
habitação, urbanismo, história e geografia urbana, dentre outras, oferecendo
subsídios a pesquisas futuras.

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86
Desenho Urbano - 87

Capítulo 5

A PROBLEMÁTICA DA URBANIZAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA:


BAIRRO DA CORRENTEZA EM MANACAPURU

Célia Regina M. Meirelles20


Maria do Perpétuo Socorro Rodrigues Chaves21
Gilda Collet Bruna22
Jair Antônio Oliveira Junior23
Flavio Marcondes24
Lucas Fehr25
Silvio Stefanini Sant'Anna26
Antônia Lúcia Silva de Almeida27

1 INTRODUÇÃO

O ambiente amazônico é composto de rios, igarapés, lagos, várzea,


praias, matas de várzea e de terra firme. Este apresenta diferentes fases ao
longo de um ano, cheia, vazante e seca. Portanto, impõe um conhecimento
da dinâmica do clima e cursos d’água, que foi sendo adquirido ao longo do
tempo pelos povos ribeirinhos (MEIRELLES et al., 2018). As principais cidades
da região foram implantadas em pontos estratégicos de navegação,
transporte, defesa e exploração, entre outros.
Diferentes autores destacam que, devido às mudanças climáticas,
observa-se uma aproximação no tempo de ocorrência das máximas de

20
Professora doutora responsável pela coordenação da pesquisa.
21
Professora doutora líder do grupo – Interação da Universidade Federal do Amazonas.
22 Professora doutora participante da pesquisa e professora da pós-graduação stricto sensu.

23 Professor doutorando participante da pesquisa.

24 Professor doutor participante da pesquisa.

25 Professor doutor participante da pesquisa.

26 Professor doutor participante da pesquisa.

27 Pesquisadora mestre participante da pesquisa e do grupo Interação.


88

inundação em um período muito curto de tempo, afetando toda a população


ribeirinha e seu modo de vida, em especial nas cidades (NOGUEIRA et al.,
2015; COSTA et al., 2018).
As famílias em situação de vulnerabilidade social nas cidades da região
amazônica são levadas a viver em áreas de risco, nas cotas mais baixas, junto
aos igarapés. Na época da cheia esta região fica isolada da cidade. Quando as
cotas de inundação superam as máximas, impõe aos moradores um sistema
de alerta permanente, pois podem perder todos os seus bens, e até mesmo a
moradia, impactando diretamente o custo de vida. Outro fator relevante
neste ambiente são problemas ambientais devido à falta de saneamento
básico.
Alves (2006, p. 45) observa que a abrangência do conceito de
vulnerabilidade não é definida na literatura acadêmica de modo claro, mas o
autor destaca que este integra situações relacionadas às famílias mais
necessitadas que, ao serem expostas aos riscos, apresentam “incapacidade
de reação; e dificuldade de adaptação diante da materialização do risco”.
A vulnerabilidade socioambiental é definida quando uma população
exibe vulnerabilidade social e é submetida à riscos como fenômenos naturais
extremos ou à contaminação ambiental (FREITAS; CUNHA, 2013).
Nas áreas urbanas, as transformações rápidas do ambiente como os
altos nível de precipitação, as inundações, o solo frágil, associados à
vulnerabilidade social, tornam complexas as questões de moradia. Os fatores
antrópicos resultantes da atuação humana e sem diretrizes das prefeituras
elevam os riscos para esta população.
Nos principais centros urbanos do Brasil os migrantes acabam
morando nas regiões periféricas como ocorre na cidade de Manacapuru, nos
bairros Biribiri, Liberdade, São Francisco e Correnteza (MEIRELLES et al.,
2017). O bairro da Correnteza é um exemplo desse fenômeno que foi
identificado nas visitas de campo, pois os ribeirinhos trazem seus costumes
das comunidades isoladas aplicando-os na cidade de modo desorientado
(SAUNDERS, 2013).
O geógrafo Aziz Nacib Ab'Sáber (2005, p. 23) observou fatores sobre a
urbanização da Amazônia, e destaca os problemas gerados:

O mundo urbano novo que fez crescer e multiplicar cidades atraiu


Desenho Urbano - 89

gente de todas as beiradas de rio e igarapés, mas não teve força para
ampliar ou multiplicar mercados de trabalho. Daí ter surgido uma nova
pobreza, responsável por subnutrição, bairros carentes, favelas e
dramas pessoais e familiares inenarráveis.

Costa et al. (2018, p. 9) destacam que o termo vulnerabilidade social


está relacionado ao conceito de “pobreza crônica”, e que este deve ser
analisado com uma influência de múltiplos fatores como a situação de
famílias que subsistem com pequenos recursos financeiros, vivem em áreas
sem infraestrutura urbana, apresentam um baixo nível de escolaridade,
problemas recorrentes de saúde, segurança, etc.
Diante da complexidade do habitat descrito acima, o objetivo desta
pesquisa consiste em avaliar as principais condições que promovem uma
vulnerabilidade socioambiental no bairro da Correnteza em Manacapuru.
Neste trabalho busca-se estabelecer a relação entre a condição social, o local
da moradia as técnicas construtivas ribeirinhas, a infraestrutura urbana e a
saúde, fatores que afetam a qualidade do habitat e de vida.

1.1 REFERENCIAL TEÓRICO

Os primeiros povoados do baixo Solimões na região Amazônica foram


estabelecidos devido à sua posição estratégica em termos de navegação, por
interesses estrangeiros de exploração. Os índios Muras nativos da região
viviam espalhados em uma ampla área entre os “rios Madeira e Amazonas”,
os quais apresentavam domínio do sistema hídrico e suas transformações ao
longo do ano. Eram considerados, em relatos do século XVII, exímios
navegadores devido ao “conhecimento dos caminhos por entre igarapés,
furos, ilhas e lagos”, eram rápidos e com capacidade de surpreender. A
publicação “Tudo sobre os Povos Indígenas Mura” (2013) destaca que, devido
a um longo período em contato com estrangeiros, este povo passou por
"estigmas, massacres, perdas demográficas, linguísticas e culturais”.
Manacapuru foi dominada por portugueses diferentemente de áreas
próximas ao litoral que foram exploradas pelos ingleses, holandeses e
franceses. Segundo Tostes e Tavares (2014, p. 5), essas cidades foram
implantadas em “função de um apoio logístico, de apropriação e
expropriação de riquezas”. Para dominar a região os portugueses trouxeram
colonos, bem como elaboraram estratégias de aproximação e domínio dos
90

índios. Segundo a Câmara Municipal de Manacapuru (2018, p. 1), sua origem


como aldeia data de 1786, pois os índios impediram durante quase dois
séculos o avanço das missões, o comércio e as ações militares (PEQUENO,
2006). Em 1865, Manacapuru torna-se uma “Freguesia”, a menor divisão
administrativa reconhecida do império. Em 1894, no início da República
Brasileira, assume a categoria de “Vila”, e no ano seguinte, torna-se um
município independente de Manaus.
Como destacado acima, o processo de urbanização da região
Amazônica foi imposto pela sua rede hídrica navegável; entretanto, Sathler,
Monte-Mór e Carvalho (2009) observam que a partir 1960 este começou a ser
influenciado pela rede da malha rodoviária. Nesse sentido, entre 1960 e 1980
ocorreram diferentes ações desenvolvimentistas, entre elas destaca-se o
Programa para Integração Nacional (PIN) com a implantação das rodovias
Transamazônica, a Perimetral Norte, a Cuiabá-Santarém e a Cuiabá-Porto
Velho-Manaus, bem como a criação de polos industriais como a Zona Franca
de Manaus, tendo esses e outros fatores induzido um grande contingente de
migração da população rural para as cidades da região (KOHLHEPP, 2002, p.
37).
Pereira, Fraxe e Witkoski (2007) observam no Estado do Amazonas que
as principais cidades que passaram por este crescimento são “Manaus com
2.094.391 habitantes, Parintins com 112.716, Itacoatiara com 98.503,
Manacapuru 95.330 e Coari com 83.929” (ACRITICA, 2016, p. 1). A cidade foco
desta pesquisa, Manacapuru, fica na região metropolitana de Manaus, sendo
a quarta cidade do Estado em número de habitantes. Estima-se que 60%
desta população vivem em área urbana e o restante são comunidades
ribeirinhas.

1.2 PROCEDIMENTO METODOLÓGICO

Os procedimentos metodológicos realizados foram: revisão da


literatura sobre conceitos como vulnerabilidade socioambiental das
comunidades ribeirinhas, de infraestrutura urbana, conceito de riscos em
área de inundação. Estudo de caso com foco na cidade de Manacapuru, no
bairro da Correnteza, visitas a campo, observação, entrevista qualitativa com
a Defesa Civil e com uma moradora.
Etapa 1: A análise foi construída com base em critérios estabelecidos
Desenho Urbano - 91

em publicações sobre vulnerabilidade socioambiental levantadas por Freitas


e Cunha (2013), e vulnerabilidade social destacada por Costa et al. (2018),
entre outros autores relevantes.
Etapa 2: A primeira visita ao bairro da Correnteza em Manacapuru
ocorreu abril de 2016, realizada pelo grupo de pesquisa Sistemas Construtivos
na Arquitetura Contemporânea junto com a ONG Amazon Vida. Na visita
observamos casas em situação de risco das edificações por perda da
estabilidade.
A segunda visita ocorreu em 2017 foi realizada por dois grupos de
pesquisadores com uma visão multidisciplinar, sociólogos, agentes de saúde
da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e do grupo Sistemas
Construtivos na Arquitetura Contemporânea do curso de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, para melhor
entendermos as problemáticas desta comunidade e observar as mudanças
que haviam ocorrido.
Etapa 3: Para analisar a vulnerabilidade socioambiental na região do
bairro da Correnteza observamos como ocorrem as condições ambientais
naturais que afetam a dinâmica das comunidades e os rebatimentos da falta
de infraestrutura urbana (abastecimento de água, esgoto coletado e resíduos
sólidos) na qualidade e nas condições de vida. Portanto, foi realizado o
cruzamento das informações coletadas em campo com as obtidas no
programa QGIS.
Na vulnerabilidade socioeconômica foram considerados os
parâmetros do Censo IBGE (2010) comparando o centro com o bairro da
Correnteza, avaliando a porcentagem da população que recebe menos de um
salário mínimo, o número de mulheres chefes de família, entre outros pontos
avaliados por Coutinho et al. em (2017).
No critério de risco das moradias às enchentes aplicamos os
parâmetros estabelecidos por Andrade et al. (2017) que relaciona frequência
da ocorrência das cotas limites de inundações com o risco de perda de
estabilidade da edificação.
Andrade et al. (2017, p. 46) consideram quatro faixas de risco de
inundação: extremo, alto, moderado e baixo. Segundo os autores, o “risco
extremo” ocorre em áreas onde as enchentes superam as cotas históricas
com uma probabilidade de acontecer mais de “três eventos nos últimos 5
92

anos”, associado ao risco de perda da moradia por suas estruturas ficarem


instáveis. O risco é considerado “alto” em locais onde as inundações
“ocorrem com uma frequência de pelo menos um evento” no mesmo
intervalo de cinco anos e com a presença de edificações em risco da suas
estruturas ficarem instáveis. O “risco moderado” corresponde à ocorrência
de um evento que ultrapassa as cotas máximas de inundações nos últimos
cinco anos, já o risco será considerado baixo, quando não ocorrer inundações
neste período.

2 ESTUDO DE CASO

A cidade de Manacapuru na fase da cheia vive em situação de alerta.


A prefeitura muitas vezes construiu passarelas provisórias de madeira, pois
as comunidades voltadas para os igarapés e rios internos ficam isoladas. Esta
situação é recorrente na região, apresentando condições de risco nas áreas
próximas aos cursos de água. Esses riscos aumentaram em 2009, 2012, 2013
e em 2015. Em 2009, a vazão foi de “128.542 m3/s”, em 2012 de “143.086
m3/s”, e em 2015 “141.910 m3/s”. Entretanto, em 2013 a vazão foi muito
próxima à de 2012. Segundo destaca o relatório do CPRM publicado por
Callegario e Ladeira (2018), em 2013 aproximadamente cinco mil pessoas
viviam em áreas de risco em Manacapuru.
Callegario e Ladeira (2018, p. 8) observam que o “município de
Manacapuru-AM é delimitado por duas bacias hidrográficas, do rio Solimões
e do rio Manacapuru”. A Figura 1 mostra que área urbana da cidade fica
delimitada pelo rio Solimões (cor marrom devido aos sedimentos
transportados) e pelo rio Miriti, que é formado por uma rede de igarapés e
lagos, entre eles, o Biribiri, e o Miriti, o lago do Cabaliana (estes de cor verde
musgo devido ao apodrecimento de folhas de árvores que ficam submersas
por um período do ano). O bairro da Correnteza, aqui abordado, fica
geograficamente delimitado pelo Solimões na frente, esta destaca no fundo
pelo Igarapé chamado de Areal que descarrega no rio Miriti, e destaca o
encontro dos rios Manacapuru com o Solimões ocorre à montante da cidade
formando um encontro das águas negra e barrosa.
Desenho Urbano - 93

Figura 1: Mapas de localização

Fonte: Dos Autores.

Na Figura 1 (lado direito) destaca-se a cidade de Manacapuru, e em


vermelho apresenta-se o bairro da Correnteza, que fica em uma estreita faixa
de terra e entre dois cursos de água. A cidade cresce em direção à noroeste.
A Figura 2, apresenta a parte do bairro da Correnteza de maior densidade
habitações, comércio, escolas e igrejas. As áreas de menor densidade do
bairro da Correnteza apresentam uma indústria pesqueira e as áreas
indígenas. No período das cheias, as áreas de cotas mais baixas e ou próximos
às nascentes e redes de igarapés são inundadas.
Na Figura 2 destacam-se os pontos de maior vulnerabilidade às
inundações como as ruas: do Miriti (corte 01), a Afonso Pena (corte 02), a
Travessa do Pesqueiro (corte 03) e a Rua Beatriz Xavier (corte 04). A Figura 2
mostra a situação atual do bairro da Correnteza no período da seca e abaixo
os quatros cortes do terreno destacados acima desde o Solimões até o
igarapé Areal. Como exemplo, a rua do Miriti começa com 20 metros de
altitude junto ao Solimões, sobe até 24 metros e termina junto ao igarapé,
com 16 metros. Analisando-se os dados do monitoramento realizado pela
94

Agência Nacional das Águas (ANA) com medidas realizadas em Manacapuru


no Solimões entre 1972 e 2009, observou-se que os picos de inundações
tinham uma distância temporal mais longa com uma média de 11 anos
(NOGUEIRA; PARISE; KUCK, 2015). Em 2009, ocorreu a cheia histórica
reconhecida pelos próprios ribeirinhos, com uma cota do Solimões 20,31
metros, entretanto em 2012 a cheia ultrapassou 20,68 metros, e em 2015
chegou a 20,78 metros (ANA, 2017). Nessas inundações históricas as partes
mais baixas do bairro ficaram isoladas.

Figura 2: Cortes das ruas analisadas do bairro da Correnteza

Fonte: Adaptado pelos autores do Google Earth (2019)


Desenho Urbano - 95

Em meio aos problemas trazidos pelo período da cheia que ocorrem


anualmente, fica evidente a falta de um amplo estudo voltado às
condicionantes da região bem como a falta um planejamento urbano para a
expansão da cidade, pois, como destacado, a população socialmente
vulnerável acaba por morar em áreas de proteção ambiental como as áreas
de várzea ou as bacias dos igarapés (MEIRELLES et al., 2017).
A prefeitura da cidade promoveu uma série de modificações no
terreno do bairro elevando parcialmente as vias, criando acesso às moradias
por carros e motos. Observa-se que esta elevação das vias apresenta
resultados positivos no acesso, entretanto em alguns locais criou diques que
represam a água, piorando a estabilidade global dos edifícios, ao mesmo
tempo que evita o rápido escoamento destas.
A rua Afonso Pena é um exemplo desta problemática, pois
aparentemente está em cota mais alta, mas sua quadra é recortada por
nascentes dos igarapés no fundo de vale. Os moradores constroem a
habitação em palafita no período da seca sem observar as cotas reais de
inundação. A Figura 3 mostra a situação das casas em madeira na rua Afonso
Pena e a elevação das vias de acesso em 2016 e 2017.

Figura 3: Casas no bairro da rua Afonso Pena – Correnteza

Fonte: Dos autores.


96

2.1 A PROBLEMÁTICA DA HABITAÇÃO EM ÁREAS DE INUNDAÇÃO

O plano diretor de Manacapuru em 2006 estabeleceu estratégias de


gestão dos riscos pelo município e a criação da Secretaria da Defesa Civil
(PREFEITURA DE MANACAPURU, 2006). Observou-se nas visitas que a Defesa
Civil é atuante, pois busca prever os problemas, identificando e marcando as
casas em situação de risco e colapso estrutural, como destacado na Figura 4,
o edifício marcado com MPU. Entretanto, esta ação sozinha não resolve o
problema, pois diversas casas tombaram entre 2016 e 2017. Em entrevista,
os agentes da Defesa Civil destacaram que a prefeitura estava construindo
um conjunto habitacional com financiamento do programa minha casa minha
vida, entretanto muitos dos moradores desta região sequer apresentam
documentos necessários para obter o financiamento.

Figura 4: Casas no bairro da rua Afonso Pena – Correnteza em situação de risco

Fonte: Dos autores.

Na visita em campo e nas análises realizadas observamos que a perda


de estabilidade das casas ribeirinhas da região de Manacapuru é provocada
por diferentes fatores: dificuldade de fixação da fundação no solo frágil, pois
os barrotes que suportam o edifício nas casas em estado crítico foram levados
Desenho Urbano - 97

pela força do fluxo de água, deixando de dar suporte ao piso; segundo, as


flutuações sazonais entre cheias e vazantes deixam a base da edificação frágil;
a terceira característica construtiva observada está relacionada à estabilidade
global das habitações devido à falta de elementos de contraventamentos. Os
carpinteiros utilizam o contraventamento na construção, mas no fim da obra
retiram este componente.
Em entrevista uma das moradoras destacou que sua casa perdeu a
estabilidade global duas vezes em um curto período, em 2012, e a outra no
ano de 2015, sendo que na última enchente ocorreu a perda total. A casa
tombou com ela seus dois filhos pequenos, e que eles só conseguiram
reerguer a casa devido à colaboração da comunidade e das igrejas.
Entretanto, a moradora revela que não pretende sair de Manacapuru, pois é
ali o seu lugar.
Ao analisar o bairro da Correnteza, identificam-se áreas de
vulnerabilidade socioambiental devido à elevação das cotas máximas de
inundação, bem como a aproximação do tempo de recorrência das
inundações de um período médio de onze para três anos. Observou-se na
pesquisa o impacto de fenômenos naturais extremos associados à baixa
condição social, que ampliam a vulnerabilidade social. Observa-se a
importância de políticas públicas voltadas para a conscientização da
população sobre os problemas gerados pelas construções em áreas de alto
risco de inundação.

2.2 A PROBLEMÁTICA DA FALTA DE INFRAESTRUTURA URBANA NA


AMAZÔNIA

Nesta região a gestão urbana apresenta diversos desafios, entre eles


pode-se destacar a ocupação em área de preservação permanente, como as
nascentes naturais dos igarapés, etc. Outros problemas analisados no bairro
da Correnteza estão associados aos serviços de saneamento básico, pois estes
são muito precários, entre eles a coleta de resíduos sólidos e o esgoto
sanitário. Portanto, a falta de saneamento básico acaba por tornar mais
vulnerável esta população que convive com enchentes sazonais, gerando
problemas recorrentes de saúde. Observa-se que o saneamento básico foi
assegurado por meio da Constituição Federal:
98

[...] saneamento é o conjunto de medidas que visa a preservar ou


modificar as condições do meio ambiente com a finalidade de prevenir
doenças e promover a saúde, melhorar a qualidade de vida da
população e à produtividade do indivíduo e facilitar a atividade
econômica. No Brasil, o saneamento básico é um direito assegurado
pela Constituição e definido pela Lei nº. 11.445/2007 como o conjunto
dos serviços, infraestrutura e Instalações operacionais de
abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana,
drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais.
(TRATA BRASIL, 2018, p. 1).

A Figura 5 demonstra que no bairro da Correnteza a coleta de resíduos


sólidos é insignificante, situação encontrada em 2016 e em 2017, pois
observa-se que existe uma enorme quantidade de resíduos sólidos não
coletados e geram problemas de saúde pública.

Figura 5: Resíduos sólidos e esgoto a céu aberto

Fonte: Dos autores.

O InfoAmazonia (2011, p. 1) apontou que as formas de coleta de


esgotos sanitários no município de Manacapuru eram de “16,49% por fossa
séptica, 48,36% por fossa rudimentar e 9,36% em vala aberta”. Já o Sistema
de Informação à Atenção Básica, do Ministério da Saúde (SIAB, 2013, p. 1)
avaliou que o esgoto a céu aberto era de “12,42% e por fossa rudimentar
82,55%”.
Desenho Urbano - 99

No bairro da Correnteza, o abastecimento de água é realizado por uma


caixa d’água administrada pelo município, entretanto a água é retirada de
poço público e não é tratada. As tubulações que abastecem as casas ficam
junto ao solo, sendo que a distribuição de água potável ocorre por meio de
uma tubulação rígida que se divide por flexíveis e distribuem água para as
residências. Observou-se em campo que uma parte do esgoto ocorre em valas
à céu aberto e este acaba contaminando o meio ambiente. Os problemas são
ampliados com descarte dos resíduos sólidos. As crianças apresentam
problemas de saúde, devido ao fato de brincarem embaixo das casas. Na
época das cheias, a situação se torna mais crítica, pois provoca a elevação dos
esgotos e “águas contaminadas”, aumentando a chance de doenças causadas
por “agentes infecciosos” como “doenças intestinais, leptospirose e hepatite”
(CCST lNPE, 2011, p. 1). As casas sobre o igarapé Areal acabam contaminando
o rio Miriti, principal fonte de água doce.
Em 2015, ocorreu uma das maiores enchentes na qual diversas ruas
do bairro da Correnteza ficaram ilhadas (NOGUEIRA; PARISE; KUCK, 2015).
Como destacou o CCST – INPE (2011, p. 1), existem “múltiplos fatores que
contribuem com os elevados índices de contaminação dos cursos d’água” em
áreas inundáveis, entre as quais os autores destacam as “péssimas condições
de saneamento básico, a falta de coleta de lixo e de tratamento das águas
residuais”.
Outras pesquisas que avaliam os efeitos das enchentes sobre a saúde
de comunidades vulneráveis observam que logo após a ocorrência desta
aumentam as chances de os moradores “contraírem doenças infecciosas de
veiculação hídrica, notadamente as parasitoses intestinais, as hepatites virais
(tipo A), a leptospirose e as enteroviroses” (CCST– INPE, 2011, p. 1). A febre
tifoide é uma destas doenças que afetou a saúde da população de
Manacapuru, pois em 2010 “4,6/100 mil moradores” sofreram a febre
(INFOAMAZONIA, 2011).
100

3 ANÁLISE CRÍTICA DA VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL

De Castro (2017, p. 430) faz críticas a gestões que promovem a


“segregação e a concentração de famílias pobres em áreas sem condições
básicas de sobrevivência”. O autor destaca que na “tentativa de reduzir essas
disparidades” é relevante que os “programas municipais de habitação, de
urbanização e saneamento” tenham um amplo entendimento das
condicionantes locais, sociais, ambientais, mapeando situações de risco.
Segundo os dados do censo do IBGE de 2010, em média “46,1% da
população do município de Manacapuru” ganhava “menos de meio salário-
mínimo” (IBGE, 2018). Nesse sentido, a análise da distribuição de renda foi
realizada para a cidade Manacapuru com o programa QGIS. Na Figura 6, as
cores claras apontam regiões onde a porcentagem de pessoas que recebem
abaixo de um salário-mínimo é menor e representam a região onde os
salários são maiores. Já nas cores escuras representa a maior porcentagem
de domicílios com rendas menores, e concentram salários menores que o
mínimo.

Figura 6: Distribuição de renda por bairro no município de Manacapuru

Fonte: Dos autores


Desenho Urbano - 101

Destaca-se que 50% da população do centro recebia acima de um


salário mínimo, e no bairro da Correnteza de 85 a 95% abaixo de um salário.
No bairro da Correnteza as moradias com mais de sete moradores chega a ser
20% maior que no centro.
Os gráficos da Figura 7 representam a infraestrutura, coleta de esgoto,
energia elétrica e de resíduos sólidos, avaliados a cidade de Manacapuru por
bairros, e modelados no programa QGIS com dados do Censo do IBGE de
2010. Observa-se nos mapas da Figura 7 que a área central apresenta maior
porcentagem desses serviços (cores mais claras) e que as menores
porcentagens ocorrem nos bairros periféricos (cores escuras). Observou-se
que na análise gráfica a coleta de esgoto é praticamente nula no bairro da
Correnteza, em torno 4 %. Já a coleta de resíduos sólidos no bairro da
Correnteza era baixa, ficando entre 19 a 20%. Estes fatores foram
comprovados na visita em campo em 2016 e 2017.

Figura 7: Distribuição da infraestrutura por bairro

Fonte: Dos autores.

Observa-se que o município de Manacapuru é considerado um dos


quatro melhores do Estado do Amazonas em saneamento básico; entretanto,
destaca-se que a realidade no bairro da Correnteza era crítica em 2016 e
2017. Os problemas de saúde gerados pelos fenômenos naturais na fase da
cheia elevando os esgotos acabam por tornar esta população mais vulnerável.
A relevância da análise do bairro da Correnteza é devido a fatores que
amplificam a vulnerabilidade social, como características ambientais
102

extremas, áreas sem infraestrutura urbana, e a baixa renda da população


local (CIDADE, 2013). Como destacado, a região vem sofrendo inundações
recordes com cotas acima das máximas em intervalos de tempo cada vez mais
curto. As análises têm como base as informações levantadas a partir da
análise do SIPAM, realizada por Nogueira, Parise e Kuck (2015), cruzadas com
informações da ANA (2017) correlacionadas com imagens atuais do Google
Earth.
Na Figura 8 destaca-se a área da análise do bairro da Correnteza com
maior densidade de habitações, a escola, a indústria pesqueira, o rio Solimões
e o igarapé Areal que abastece e rio Miriti, bem como apresenta as áreas mais
vulneráveis e nascentes do bairro Correnteza.
Os critérios de riscos de inundações apresentado nos procedimentos
metodológicos por Andrade et al. (2017) classificam em extremo, alto, risco
moderado e baixo associando ao risco de perda da moradia ou não. Nessa
pesquisa ocorreu constatação de que a região apresentou níveis recordes em
2015, 2013 e 2012 classificando a problemática do bairro da Correnteza,
entre o risco extremo e o alto nas partes com cotas mais baixas ou junto a
nascentes. Na Figura 8, observa-se que as áreas demarcadas em vermelho,
como as áreas de maior risco alto às inundações. Essas áreas estão voltadas
para os igarapés e também apresenta o limite de influência do Solimões. Na
imagem em azul destacam-se as nascentes dos igarapés entre a rua da
Correnteza e a rua Afonso Pena. Observa-se que nestas áreas já existem casas
construídas em áreas de proteção ambiental.
Desenho Urbano - 103

Figura 8: Áreas de maior vulnerabilidade do bairro da Correnteza

Fonte: Dos autores com base no SIPAM, ANA e Google Earth (2019)

A partir da identificação da vulnerabilidade social observada no bairro


da Correnteza e da identificação de um alto risco aos fenômenos naturais
pode-se inferir que esta comunidade sofre a vulnerabilidade socioambiental,
pois, como destacado por Freitas e Cunha (2013), nesta situação essas
pessoas não apresentam capacidade de reação.
Os critérios da vulnerabilidade social como o baixo rendimento e a
falta de infraestrutura urbana foram destacados em Costa et al. (2018), já a
definição de risco em Andrade et al. (2017), em função da aproximação do
tempo de recorrência das cotas históricas de inundação na região, de onze
para três anos, ampliou a vulnerabilidade e os riscos. Portanto, compõe-se o
quadro-síntese das problemáticas correlacionando os fatores que promovem
ou ampliam a vulnerabilidade socioambiental no bairro da Correnteza no
município de Manacapuru.
104

QUADRO 1: Vulnerabilidade socioambiental


COMPONENTES
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
SOCIOECONÔMICO
Oitenta e cinco por cento da população do Busca da moradia em locais de menores
bairro da Correnteza recebia menos de um custos como os bairros periféricos como o
salário-mínimo com base no censo do IBGE bairro da Correnteza.
de 2010.
INFRAESTRUTURA URBANA
Abastecimento de água não tratada no bairro
da correnteza. Contaminação do principal curso de água
Noventa e cinco por cento das casas com doce (rio Miriti).
esgoto não coletado, portanto, é lançado céu
aberto ou fossa negra no bairro da Doenças recorrentes de veiculação hídrica
Correnteza. em especial em crianças e idosos.
Oitenta por cento dos resíduos sólidos não
coletados.
SOCIOAMBIENTAL
Aproximação das cotas máximas de O alto custo de manutenção do habitat afeta
inundações de onze anos para três anos (2009, diretamente a condição socioeconômica dos
2012, 2013, e 2015). moradores e diminui o tempo de durabilidade
Risco classificado entre extremo a alto, do edifício.
segundo os critérios Andrade et al. (2017).
Moradias sobre áreas de proteção ambiental O risco da perda dos bens ou do habitat.
como: bacias dos igarapés.
Fonte: Dos autores.

Observa-se no Quadro 1 a relação de dependência entre a


vulnerabilidade social e a socioambiental e que essas afetam e qualidade de
vida dos moradores, diminuindo a capacidade de resposta e enfrentamento
dos moradores.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa aponta a complexidade da gestão das cidades na região


amazônica devido a seu regime climático com altos índices de precipitação e
a constante transformação do território, a análise tomou como base o bairro
da Correnteza em Manacapuru/AM.
A pesquisa demostra a inter-relação entre habitat e ambiente, com a
vulnerabilidade socioambiental destas comunidades devido ao aumento das
cotas máximas de inundação, bem como a aproximação do tempo de
recorrência, de onze para três anos. Essas características ambientais
extremas demonstram que as áreas submetidas à inundação impõem um alto
Desenho Urbano - 105

custo de manutenção em curto ciclo de vida da habitação. Esses fatores


empobrecem esta população tornando-os mais vulneráveis com os riscos da
perda da edificação, dos móveis e bens pessoais.
Outros pontos discutidos no trabalho é a ausência de uma
infraestrutura adequada e projetada para as condições locais com variações
sazonais dos cursos d’água na região, em especial em áreas urbanas que
passam por várias fases ao longo do ano. A falta de infraestrutura urbana
promove doenças e problemas de saúde nos moradores, em especial com
relação à coleta e tratamento do esgoto e resíduos sólidos.
A gestão urbana deve considerar a importância da defesa civil atuante,
como existe em Manacapuru, mas não somente no mapeamento e
identificação das áreas de riscos, mas deve-se buscar a criação de uma rede
de informações em tempo real entre universidades, centros de pesquisas,
dirigentes das esferas federais, estadual e municipal. A rede deve integrar
moradores dentro das comunidades com conscientização sobre os riscos da
moradia, bem como a proteção do ambiente, em especial os igarapés, lagos
e rios secundários.

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AGRADECIMENTOS

Ao Mackpesquisa pelo apoio financeiro recebido. Às comunidades


ribeirinhas de Manacapuru. Agradecimento às alunas do grupo de pesquisa
Sistemas Construtivos na Arquitetura da Contemporânea: Beatriz de Alencar
Borst, Patrícia Tiemi Yamamoto Juvenal, Íngride Caroline Zippert, Helen
Martins e Jaqueline Duarte que se dedicaram a produzir os mapas, fotos e
desenhos deste trabalho.
108
Desenho Urbano - 109

Capítulo 6

PROCESSO DE URBANIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE E CONTROLE DE


ENCHENTES EM BLUMENAU, SC, BRASIL

Roberto Righi28
Raphael Franco do Amaral Tafner29

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo é analisada a cidade de Blumenau, em Santa Catarina, no


Vale do Itajaí, no Sul do Brasil sob a ótica das relações entre a urbanização e
o meio ambiente, enfatizando a problemática do controle das enchentes.
A cidade de Blumenau, no Estado de Santa Catarina (SC), Brasil, está
localizada na mesorregião do Vale do Itajaí, com altitude média de
aproximadamente de 21 metros acima do nível do mar (Prefeitura de
Blumenau, 2019).
Segundo a Agência Nacional de Águas (ANA, 2018), Blumenau
encontra-se em uma das três macrorregiões hidrográficas do Estado
catarinense. São elas a Região Hidrográfica do Paraná, a do Uruguai e a do
Atlântico Sul (Figura 1). Todas elas têm a Serra Geral como divisora natural
das águas, formando duas vertentes, uma correndo para o interior do Estado
(vertente do interior) e outra em direção ao oceano (vertente do Atlântico)
(ATLAS GEOGRÁFICO DE SANTA CATARINA, 2014).
O Vale do Itajaí foi colonizado através de plano de colonização
coordenado pelo Sr. Herman Bruno Otto Blumenau e integrado por alemães
a partir de 1850. A região sempre sofreu enchentes do seu principal rio, o
Itajaí-Açu, sendo as mais marcantes as de 1983 e 1984. Elas ocasionaram

28
Arquiteto e urbanista, doutor, professor titular da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-
mail: roberto.righi@mackenzie.br
29 Arquiteto e urbanista, mestrando na Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail:

raphael@rfat.com.br
110

mudanças no planejamento da cidade e revisões do Plano Diretor Municipal


(PDM), vigente desde 1977. A alteração do PDM em 1989 buscou a redução
de conflitos do desenvolvimento das áreas urbanizadas com as necessidades
de gestão das águas.

Figura 1: Situação geográfica da Bacia do Itajaí, localizada em SC, Brasil. No mapa estão as três
macrorregiões hidrográficas e divisão das bacias do Estado catarinense

Fonte: Atlas Geográfico de SC (2014), editado pelo autor.


Desenho Urbano - 111

Recentemente, em 2008, Blumenau sofreu nova grande enchente.


Considerada até hoje a maior catástrofe ambiental do Estado, ocasionou
perda de vidas humanas, enorme dano ambiental, e a paralisação do
comércio, com a queda na economia regional. Este artigo destaca as
principais mudanças ocorridas após os trágicos períodos de chuvas e quais
foram às ações foram tomadas para reduzir os impactos futuros na cidade de
Blumenau.

2 AS PRIMEIRAS OCUPAÇÕES DO VALE DO ITAJAÍ E A FORMAÇÃO DE


BLUMENAU

O povoamento depende da configuração original do sítio, dos


diferentes interesses dos agentes públicos e privados, e até da cultura local,
que influenciam de forma direta a ocupação do espaço (HANNAS, 2016).
A região teve um início raro no Brasil, pois resultou de plano de
colonização. A ocupação do vale do Itajaí iniciou-se no ano de 1850, quando
chegaram junto com Herman Bruno Otto Blumenau outros 17 colonos. A
colonização começou em Itajaí, junto ao mar. Os colonos navegaram subindo
o rio Itajaí-Açu até a região dos córregos do Garcia e da Velha, onde fundaram
a Colônia de Blumenau. Assim, as primeiras ocupações aconteceram entre os
ribeirões da Velha e do Garcia. Os primeiros lotes foram localizados próximos
ao córrego do Garcia. A implantação dos terrenos seguiu o sentido sul,
ocupando as planícies próximas ao rio. O parcelamento do solo seguiu o
modelo alemão “Stadtplatz” (lugar da cidade) muito comum na Alemanha,
ocupando as áreas baixas, margeando o rio e córregos, facilitando a prática
da agricultura e a utilização do rio como principal meio de locomoção.
No plano de urbanismo os lotes foram divididos “[...] em fatias
estreitas e compridas, paralelas entre si e perpendiculares aos cursos d’água
[...]” (SIEBERT, 2009, p. 49). Este loteamento trazia segurança, fornecia acesso
a água para o plantio e consumo dos colonos, além da via de transporte
através da navegação no Itajaí-Açu até o litoral (SIEBERT, 2009) (Figura 2).
112

Figura 2: Mapa da colônia de Blumenau com a divisão dos lotes ao longo do Itajaí,
datado de 1864

Fonte: Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, Blumenau.

José Deeke, historiador da ocupação alemã na região do vale do Itajaí,


descreve que o processo de ocupação no início da colônia já apresentava os
lotes divididos, antes mesmo de os primeiros colonos chegarem, desta forma
foram abertas as primeiras clareiras nas montanhas e nas planícies do rio.

A primeira clareira foi aberta na desembocadura do Ribeirão da Velha,


na beira, da Selva, onde foi erguida a primeira casa (no local hoje se
Desenho Urbano - 113

encontra a sede do Bradesco). Na sequência dos trabalhos de


implantação da colônia, foram derrubadas grandes áreas de florestas
nas margens do Ribeirão Garcia e, nas clareiras abertas para plantar
tanto grama para a pastagem, como milho, aipim, batata e feijão
preto, para consumo dos colonos. (DEEKE, 1995, p. 17).

A localização da Colônia de Blumenau, próxima ao antigo porto, na


barra do rio, potencializou a evolução da colônia. O acesso à água facilitava a
navegação fluvial, favorecendo o comércio com o restante de Santa Catarina.
Assim, em 1874 foi constituída a Companhia Catarinense de Navegação, com
o “Vapor São Lourenço” inaugurando uma linha regular entre Gaspar e
Desterro para o transporte de carga, passageiros e malas postais (SCHULT,
2016). Esta navegação nos primeiros da colonização foi a principal via de
comunicação da cidade com o litoral, mais tarde vieram a ferrovia e
posteriormente as rodovias, hoje principal meio de locomoção.
Dessa forma, na correlação entre o espaço natural e a ação do homem
em Blumenau existe uma relação bidirecional, onde todo assentamento
humano é influenciado por seu sítio natural (SIEBERT, 1999). Também Anne
Sprin afirma de forma mais ampla que a formação de identidade do território
decorre de:

O ambiente natural de uma cidade e sua forma urbana, tomados em


conjunto, compreendem um registro da interação entre os processos
naturais e os propósitos humanos através do tempo. Juntos,
contribuem para a identidade única de cada cidade. (SPRIN, 1995, p.
28).

Segundo Lacaze (1999), é importante destacar na escolha do sítio para


a implantação de uma cidade a proximidade do rio e a navegação, como
facilitadores comerciais:

A cidade é em primeiro lugar um sítio natural do espaço geográfico.


Duas lógicas principais explicam a seleção desse sítio. A mais
característica diz respeito à economia dos transportes e, remete, pois,
para o papel comercial das cidades. As cidades-portos, as cidades
instaladas no ponto de confluência de dois rios ou num local
privilegiado para a travessia de um rio (as ilhas de Paris)
desenvolveram-se aí porque era mais fácil controlar a circulação dos
fluxos de mercadorias. (LACAZE, 1999, p. 16).
114

No caso de Blumenau, o sítio natural apresenta condicionantes


específicos e destacados, como a marcante presença de montanhas e o vale
com um rio de planícies aluvial e áreas alagadiças. Assim, com um relevo
acidentado, onde o rio Itajaí-Açu, que tem larguras variando entre 50 e 250
metros entre suas margens, traça junto com seus afluentes um recorte
acentuado do território, transformando-se em elemento estruturador da
paisagem (SIEBERT, 1999). A região do Vale do Itajaí sempre enfrentou as
forças da natureza. Este conceito é então que: a união de dois fatores foi
decisiva para o desenvolvimento da vulnerabilidade em todo o Vale do Itajaí,
formada pela ação humana e a pré-disponibilidade física a eventos naturais
(ESPÍNDOLA; NODARI; PAULA, 2014).
Deve-se destacar que a divisão dos lotes no território através do
Statdplatz (lugar da cidade), era baseada no assentamento da população
seguindo o curso do rio, assim descrito por Mattedi:

Essa forma de distribuição de terras, era adotada para áreas rurais,


denominava-se Waldhüfen (linha da floresta), muito usada no leste da
Alemanha, na Idade Média. O modelo urbano chamava-se Stadplatz
(lugar da cidade), no qual os colonos residiam próximos aos cursos
d’água e deslocavam-se para os lotes destinados à agricultura, mais
afastados. Com o desenvolvimento urbano, foram surgindo estradas
ao longo das glebas, e, com elas, o modelo Strasserdorf, (ruas de
ligação dos lotes), que assentava os colonos em suas próprias terras.
(MATTEDI, 1999, p. 10)

Em síntese, este modelo ditou a ocupação das cidades do vale do Itajaí,


mas infelizmente trouxe consequências ambientais e urbanas muito
indesejáveis. O padrão de desenho urbano utilizado levou à ocupação
indevida do leito do rio, inadequada à realidade, com índices excepcionais e
irregularidades pluviométricas, somadas ao desmatamento e à estrutura
física geológica do sítio. O resultado foi o aumento na recorrência de
inundações e frequentes desmoronamentos de terra. Assim, a ação antrópica
resultante do rápido processo de urbanização e falta de continuidade em
programas de prevenção contra desastres, levaram ao agravamento dos
acidentes naturais, ocasionando enchentes recorrentes e escorregamentos
de terra ao longo dos anos. Infelizmente, a história urbana no Vale do Itajaí e
em Blumenau, está fortemente ligada às cheias e aos riscos provocados pelos
Desenho Urbano - 115

desastres naturais. Desde o início de sua ocupação no ano de 1850, quando


foi estabelecido o núcleo inicial da colônia de Blumenau, houve
periodicamente o enfrentamento das águas do rio Itajaí-Açu.
Hoje a situação de risco não está resolvida a contento, havendo
constante ameaça de novos desastres. A cidade de Blumenau, apesar das
ameaças, vem crescendo bastante. Atualmente, o município tem uma
população aproximada de 334 mil habitantes, sendo a terceira maior
aglomeração do Estado catarinense, atrás de Joinville, a segunda, e de
Florianópolis, que é a maior e capital do Estado (IBGE, 2014).
Aprofundando a compreensão do processo de urbanização de
Blumenau, o desenvolvimento deu-se entre o rio e montanha. Inicialmente,
ocorreu de forma linear, acompanhando os fundos de vale e mais tarde
subindo as encostas, que, devido à sua formação geológica, apresentam
grandes riscos quando ocupados de forma inadequada. Outro fator que
condicionou a ocupação mais recente do espaço foi a indústria. A produção
nasceu da transformação do excedente em produtos artesanais num primeiro
estágio e evoluiu posteriormente para a produção industrializada. Esta
vocação industrial da região foi resultado, principalmente, do perfil dos
primeiros colonos que chegaram, pois eram em sua maioria artesãos
domésticos, atividade comum nas unidades rurais de subsistência europeias.
Eles tiveram que abandonar a Alemanha pela rápida transformação da
economia e sociedade, provocada pela crescente concorrência e o forte
desenvolvimento industrial, além das guerras.
A indústria configurou a formação do território ao receber o privilégio
de escolher o local para se estabelecer. Policarpo (2016) diz que:

Analisando a história de Blumenau e os modos de configuração do


território – que de modo intenso ainda influencia os conflitos atuais
enfrentados pelo planejamento urbano no lugar – está o papel da
indústria e mais, especificamente, dos agentes proprietários dos meios
de produção, que puderam historicamente escolher os locais mais
adequados para a instalação das plantas industriais. (POLICARPO,
2016, p. 33).
116

A história de Blumenau levou a que, no final do século XX, ela se


tornasse um dos maiores polos da indústria têxtil do Brasil, além de
importante centro de turismo (SIEBERT, 1999).

3 A EVOLUÇÃO DA CIDADE E AS TRANSFORMAÇÕES LEGISLATIVAS

Nos primeiros anos a colônia se manteve ao encargo do seu fundador,


Herman Bruno Otto Blumenau. Na sequência, em 1880, foi elevada à
categoria de município, por meio da Lei nº 860, de 4 de fevereiro do mesmo
ano. De fato, o município só pôde ser instalado três anos mais tarde, em 1883,
devido às fortes chuvas que resultaram no transbordamento das águas e os
grandes danos causados na região em 1880 e em 1928, passando à categoria
de cidade. Na década de 1930 começaram os diversos desmembramentos do
território municipal, criando municípios como: Rio do Sul (1930), assim como
Gaspar, Indaial, Timbó e Ibirama (1934), compondo hoje a rede urbana do
Vale do Itajaí.
O primeiro Código de Posturas de Blumenau foi aprovado pela
Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 1883, logo após ser criado o
município, em 1880. Este código se manteve em vigor até 1905, no contexto
de uma sociedade eminentemente rural. As características rurais deste
código são evidentes nas proibições como assustar animais de montaria, ou
manter gado solto na rua. Mas ao mesmo tempo algumas exigências urbanas
já apareciam como a obrigatoriedade de construir ruas com no mínimo doze
metros de largura e coberturas feitas por telhas, além das calçadas de 1,80
m, mostrando a intenção de apresentar Blumenau como uma cidade
estabelecida (SIEBERT, 1999).
No Código de Posturas, de 1905 houve simplificação das normas.
Mantiveram-se as questões sobre higiene, ordem, segurança, mas
acrescentaram-se maiores detalhes nas normas construtivas. Mais tarde, em
1923, o Conselho Municipal aprovou um novo Código de Posturas, que previu
o avanço da urbanização e a presença do veículo a motor, limitando a
velocidade em 20 km por hora dentro da cidade. Este código foi também de
cunho sanitarista, mas apresentava questões diferentes dos anteriores, pois
colocava as primeiras preocupações com padrões de ocupação do solo. Desta
forma, ele limitava a altura dos edifícios, a largura das ruas e exigia um espaço
livre de 30 m² de área livre nos terrenos (SIEBERT, 1999).
Desenho Urbano - 117

De grande relevância o código de postura de 1923 colocou referências


importantes e tecnicamente corretas ao meio ambiente. O Código de Postura
1923 – art. 188, determina que nos morros que constituíssem divisores de
água só seria permitido o desmatamento até uma distância de cinquenta
metros, contados dos respectivos cimos (Código de Posturas 1923 apud
SIEBERT, 1999).
Pouco tempo mais tarde também o Estado de Santa Catarina passou a
interferir de forma mais intensa nas decisões do espaço urbano. Para tanto,
em 1939 foi estabelecido o Código de Construções, a partir do Decreto 45/39,
que definiu as zonas rurais e urbanas do município.
É importante ressaltar que o Brasil, a partir de 1968, com
determinações do Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU)
passou a exigir Planos Diretores para as cidades brasileiras. Nessa
metodologia para o desenvolvimento do urbanismo era traçado um plano
para o desenvolvimento da cidade que detalha os principais elementos de
circulação, uso e ocupação do solo e equipamentos técnicos e sociais. O Plano
Diretor Municipal (PDM) representa um mecanismo legal que visa a orientar
os caminhos e a forma de ocupação do solo, exigindo das cidades a
elaboração do plano para um avanço ordenado da urbanização.
Acompanhando este processo, Blumenau tem seu primeiro Plano Diretor
Municipal (PDM), aprovado pela câmara dos vereadores em 1977, com
revisões feitas após as catastróficas enchentes nos anos 1983 e 1984. Nesta
época também foram elaboradas novas estratégias para enfrentar as
enchentes do rio Itajaí-Açu.
Desta maneira, a Lei 2.422/1977 do PDM de Blumenau instituiu o
código de zoneamento uso do solo na cidade, que teve como um dos seus
principais objetivos orientar a expansão da cidade, conforme diferentes zonas
urbanas e rurais. Dentro da temática deste artigo, destaca-se o artigo 22, que
ordena as cotas de ocupação, prevendo possíveis enchentes, como expressa:

Art. 22 Para os fins desta lei ficam estabelecidos, para a área urbana
de Blumenau, três diferentes intervalos de cotas para ocupação por
edificações, a saber: I – Abaixo da cota 10 (dez): apenas para
equipamento de recreação ou cultural a céu aberto, ou para
dependências desse equipamento. (SANTA CATARINA – Lei
2.242/1977).
118

Infelizmente, é possível dizer que o diagnóstico para fundamentação


da lei foi errôneo, pois a cota estabelecida era insuficiente. Em decorrência,
nos anos seguintes, em 1983 e 1984, as enchentes ultrapassaram a cota dos
15 metros, repetindo assim as ocorridas nas tragédias de 1911 e 1957. Assim,
o PDM de 1977 é equivocado em seus princípios, pois o planejamento foi
realizado por uma equipe externa, de forma tecnocrata, com pouca atuação
da prefeitura local e restrita participação da sociedade. A indignação na época
pode ser avaliada por:

Grande parte dos danos causados pelas enchentes de 1983 e 1984


poderiam ter sido evitados se a população estivesse preparada [...] A
população estava acostumada a vivenciar pequenas enchentes e isso
fez com que não se acreditasse que ocorreria uma grande enchente,
considerando que a última de grandes proporções tinha ocorrido em
1911. (POLICARPO, 2016, p. 92)

O desenvolvimento dos principais eventos do urbanismo, desenho


urbano e meio ambiente ocorridos em Blumenau desde a fundação, em 1850,
até hoje estão sintetizados na linha do tempo abaixo desenvolvida pelos
autores.
Desenho Urbano - 119

Figura 3: Linha do tempo

Fonte: Elaborado pelos autores.


120

Felizmente, diversos dos problemas do PDM de 1977 foram corrigidos


nas revisões do Plano Diretor Municipal de 1989. Segundo Frank (1995), as
discussões sobre medidas de prevenção, mitigação e soluções para os
problemas relacionados às enchentes, somente vieram a público nos meses
e anos que sucederam as cheias de 1911, 1927, 1957, 1983, 1984 e de 2008.

As enchentes que porventura ocorrem pouco tempo depois destas


ditas “grandes” ajudam a manter acesa por mais tempo a mobilização.
Percebe-se, a cada período pós-enchente, maior aprofundamento na
discussão de alternativas de defesa. (FRANK, 1995, p. 15).

Neste raciocínio, só após o trágico acontecimento no Natal de 2011 no


Estado do Rio de Janeiro (RJ) é que levou o Congresso Nacional a elaborar a
Lei 12.608, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil
(PNPDEC). Esta lei descreve em seu vigésimo artigo, que é dever da União,
dos Estados e do Distrito Federal, além dos Municípios, a adoção de medidas
de prevenção e mitigação dos desastres naturais. A PNPDEC também integra
as políticas de ordenamento e territorial buscando a redução dos riscos e
desenvolvimento sustentável, além do apoio, auxílios e recuperação pós
impacto. A nova lei incorporou um grande avanço na gestão de desastres,
uma vez que a lei anterior (Lei 12.340/2010) era focada nas ações de
reconstrução após os eventos, deixando fraca a prevenção dos acidentes.

4 VULNERABILIDADE, PLANOS, DESENHO URBANO E AÇÕES EFETIVAS EM


BLUMENAU

Para melhor compreender as políticas de prevenção e mitigação


contra os eventos naturais da cidade de Blumenau, é necessário entender a
conexão dos impactos naturais com o desenvolvimento do desenho urbano,
gerando vulnerabilidade.
As variações climáticas da natureza como secas, enchentes, fortes
ventos e até os escorregamentos de terra sempre estiveram presentes,
ocorrendo com mais ou menos frequência em determinadas localizações
mais vulneráveis. Porath (2004) afirma que as transformações do meio
natural no ambiente urbano sempre resultaram em alterações ambientais,
mas compete a profissionais arquitetos, engenheiros e gestores, propostas
Desenho Urbano - 121

de adequação no processo de urbanização as características ambientais,


reduzindo de certa forma a vulnerabilidade.
A ocorrência de desastres pode ou não resultar numa catástrofe. A
porcentagem de risco é menor quando ocorrem em regiões isoladas, sem a
presença do homem. Assim, os eventos naturais tornam-se emergenciais
quando relacionados à ocupação do território, quando ameaças têm o
potencial de se transformar em desastres. O tamanho do desastre natural é
relacionado à vulnerabilidade da sociedade local (HEWWIT; BURTON, 1971).
Em evento realizado pela ONU, na cidade japonesa de Hyogo, em
2005, foram elaboradas propostas para redução de risco em diversas
situações, propondo-se soluções até 2015. No Marco de ação de Hyogo 2005-
2015, a vulnerabilidade foi definida como:

Condições determinadas por fatores ou processos físicos, sociais,


econômicos e ambientais que aumentam a suscetibilidade de uma
comunidade ao impacto de riscos [...]. (ONU, 2015, p. 4).

Em novo encontro, também no Japão, na cidade de Sendai, um novo


marco foi assinado. O Marco de ação de Sendai 2015-2030 apresentou novos
planos de ação pós-impactos. Neste evento perigo foi conceituado como:

Perigo é definido como sendo um [...] fenômeno ou atividade humana


potencialmente prejudicial que pode causar perda de vidas humanas
ou ferimentos, danos a propriedade, ruptura social e econômica ou
degradação ambiental. Os perigos podem representar ameaças
futuras e podem ter diferentes origens: naturais ou induzidas por
processos humanos. (ONU, 2015, p. 3).

Assim, nesta conceituação da ONU (2015), o perigo e a vulnerabilidade


estão ligados ao lugar, ao território ocupado, à cidade, à ação antrópica e ao
tempo. Esses conceitos podem ser estendidos à medida que as intervenções
do homem devem ser relacionadas a processos gerais, que atuam em escalas
de grande amplitude, não somente em escala local, devendo assim também
ser analisada em escala regional, nacional e global (POLICARPO, 2016).
Os grandes desastres naturais podem ser minorados ou mesmo
evitados com a correta avaliação de vulnerabilidade. Uma gestão melhor só
poderá ocorrer com o correto mapeamento e avaliação das áreas de risco.
122

Através de estudos geotécnicos é possível produzir mapas de suscetibilidade


e assim, junto com a gestão pública, nortear a urbanização (MARCELINO,
2008).
Como constatado, as discussões sobre a resolução dos problemas
relacionados às águas geralmente só vêm à tona após as inundações
interromperem o cotidiano urbano. É impressionante como artigos
publicados em jornais da década de 1910, no Blumenaer Zeitung, mostram a
preocupação local em Blumenau em construir muros de arrimo para retardar
o volume das águas que chegavam à cidade. Na mesma edição, o jornal avalia
de forma precisa que esse modelo de construção não solucionaria o
enfrentamento das águas, e apenas adiaria a execução de uma proposta
definitiva e eficaz. O debate é recorrente, pois como escreve Frank oitenta e
cinco anos depois:

Assim, entendem alguns que se deva construir um paredão pela


margem direita do rio reforçando toda a ribanceira... Este modo de
encarar o problema ressente-se do vício de adiar-lhe a solução
definitiva para ater-se à providência de ordem secundária, pois com a
construção deste molhe de pedra, não se teria outro resultado senão
o de garantir as margens do rio contra desbarrancamentos, nunca,
porém, o de evitar enchentes. (FRANK, 1999, p. 1).

Ainda neste mesmo artigo é retomada a ideia de uma abertura no


canal extravasor, evitando a rápida elevação das águas na cidade, conceito
que só mais tarde viria a ser apresentado pelo engenheiro Adolf Odebrecht,
que propôs, além disto, uma nova localidade para a cidade, em regiões mais
altas (FRANK, 1995).
O muro de contenção sugerido em 1911 foi construído décadas mais
tarde, depois das novas enchentes, em 1927 e 1953, como resultado das
solicitações da população e da prefeitura de Blumenau, demonstrando sua
inutilidade. Assim o 15° Distrito do Departamento de Portos, Rios e Canais, de
Florianópolis, acatou os pedidos e a obra foi concluída nos anos 1960, dando
origem à avenida Beira Rio. Desta forma, o muro de arrimo apenas evita os
escorregamentos de terra das margens do rio Itajaí-Açu no espaço urbano e
a construção do mesmo viabilizou a existência da avenida Beira Rio, mas o
problema das enchentes continua (FRANK, 1995).
Desenho Urbano - 123

A arrecadação de verba para ações efetivas sempre acompanhou as


discussões sobre as enchentes. Uma das propostas foi a do engenheiro
alemão Otto Rohkohl, que em 1929 sugeriu a criação de uma sociedade
anônima, a “S.A. Contra Enchente”, para arrecadação de fundos para a
continuidade nos projetos de mitigação contra as enchentes. Rohkohl
também propôs a construção de barragens ao longo de todo município,
observando o problema de outra escala, e não só de forma local e urbana.
Por outro lado, o engenheiro Adolf Odebrecht, em 1930, acreditava
que a aceleração e o encurtamento do rio através de diversos canais
extravasores, até sua foz seriam a melhor solução para o problema das
enchentes. Odebrecht ainda orienta que, em caso da não realização das
propostas, deveria ser proibida a construção nas áreas baixas. Esta proposta
só veio a ser encaminhada mais de meio século após as enchentes de 1983 e
1984, na revisão do plano diretor de 1977 (Figura 4).
Figura 4: Proposta do Engenheiro Adolf Odebrecht para canais a serem abertos no rio Itajahy,
superando os recortes dos meandros, permitindo a aceleração do escoamento da água.
Relevante são os cursos ou transbordamentos abertos pelo próprio rio na enchente de 1911. O
124

desenho original foi editado no jornal Der Urwaldsbote na edição 12 de 15 de agosto 1930 com
legenda mais recente de Cassio Eskelsen e comentários de Rolf Oldebrecht

Fonte: Acervo Histórico José Ferreira da Silva. Blumenau (2019).


Desenho Urbano - 125

As ações efetivas de controle e gestão de enchentes nas cidades do


Vale do Itajaí passaram a contar com bases meteorológicas apenas nos anos
de 1940, através da ação junto à Telecomunicações de Santa Catarina
(TELESC) e à Centrais Elétricas de Santa Catarina (CELESC). Essas empresas
ligadas à energia elétrica e telefonia, no trecho de Blumenau a Itajaí,
utilizavam as laterais do leito do rio para distribuir a rede de fios, exigindo
uma devida fiscalização das cotas de enchente. Em 1984, o Departamento
Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) instalou um novo sistema de
alerta e controle, em que a gestão passou a ser institucionalizada (FRANK,
1995).
É importante destacar que a lei de águas (Lei 9.433/1997) que
promulga a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) é posterior.
Anteriormente só vigorava o Código de Águas de 1934, muito avançada,
porém, infelizmente, pouco aplicada. Ele dava ao Poder Público o controle e
as formas de incentivar o aproveitamento das águas para uso industrial e
outros, com controle supervisionado pelo Ministério da Agricultura. Só partir
da Lei de Águas de 1997 houve o reconhecimento e a necessidade de proteger
as águas dentro da estrutura ambiental, numa gestão que se preocupasse em
integrar os recursos hídricos ao meio ambiente, para garantir o
desenvolvimento sustentável e a manutenção do ecossistema.
A participação civil institucionalizada, tão importante, só apareceu
1969 com a fundação da Associação de Imprensa e Rádio do Vale do Itajaí
(AIRVI), por parte dos radialistas que tinham como interesse comum como a
construção das barragens no alto Vale do Itajaí.
Em 1957, o então Presidente da República, Juscelino Kubitschek,
assinou um decreto incentivando a economia na bacia hidrográfica do Vale
do Itajaí.
As cheias de 1961 foram determinantes para novas providências. João
Goulart, Presidente da República, e Juares Távora, Ministro da Viação e Obras
Públicas, determinaram que se construíssem barragens nos braços que
formam o rio Itajaí-Açu. A barragem oeste foi concluída em 1973. Em 1975
terminou a barragem sul. As obras da barragem norte iniciadas em 1976 só
foram concluídas em 1992. Durante a construção da barragem norte
aconteceu duas enchentes consecutivas em 1983 e 1984, que ultrapassaram
a cota dos 15 metros. Absurdamente, o Departamento Nacional de Obras e
126

Saneamento (DNOS), responsável pela obra, não considerou a cota máxima


da cheia de 1911, que atingiu a cota dos 16,90 m. Nos cálculos de retorno das
cheias, para calcular a altura das barragens no Vale do Itajaí, considerou
apenas as enchentes ocorridas após 1911. Para o DNOS, com a conclusão das
obras as enchentes na cidade de Blumenau, não se ultrapassaria mais a cota
dos nove metros. Infelizmente, os trágicos acontecimentos de 1983 e 1984 e
os relatórios da JICA provaram o contrário (FRANK, 1995).
Após a catastrófica cheia de 1983, foi preciso tomar decisões que
representassem continuidade nas ações para o combate aos desastres
naturais, devido à predisponibilidade da região.

Figura 5: Centro da cidade de Blumenau durante a cheia de 1984

Fonte: Acervo Histórico José Ferreira da Silva. Blumenau (2019)

Em Blumenau, a Defesa Civil teve grande importância a partir do final


da década de 1980, em conjunto da Coordenação Estadual de Defesa Civil
(CEDEC). No ano de 1984, o Deputado Moacir Bértoli aprovou a lei
6.502/1984, que dava o potencial de transformar o Estado catarinense em
Desenho Urbano - 127

um dos Estados mais preparados para enfrentar eventuais catástrofes, mas


novamente somente parte das propostas teve êxito.
A situação grave que passava Blumenau e a região levou também ao
envolvimento do governo federal para enfrentar a crise. Assim, no sentido de
superar a ineficácia dos sucessivos planos contra as enchentes e as repetidas
cheias, o DNOS, em parceria com a corporação japonesa Japan International
Corporation Agency (JICA), elaborou uma proposta abrangendo toda a bacia
do Itajaí, o The Itajaí River Basin Flood Control Project. A primeira visita dos
japoneses a Santa Catarina foi em 1984. Durante nos anos de 1986 a 1990 foi
realizado um contrato entre o Governo do Estado de Santa Catarina e o Japão
para o projeto de controle contra as enchentes. Infelizmente, por falta de
garantia de pagamento da parte brasileira não houve continuidade do acordo
(NIPPON KOEI CO LTD, 2011).
Novamente, somente após a catástrofe de 2008, o Estado catarinense
demonstrou outra vez a intenção de implementar o plano integrado com o
governo japonês. Em 2008, foi criado um Grupo Técnico Científico (GTC) que
elaborou o Plano Integrado de Prevenção e Mitigação de Riscos de Desastres
Naturais na bacia do rio Itajaí. Nessa nova parceira foi revisado o plano de
1988 e atualizado de maneira mais abrangente. De acordo com o relatório
produzido pela JICA, existem cinco barragens, duas para produção de energia
(rio Bonito e rio Pinhal), as quais não têm capacidade de contenção, além de
outras três barragens para contenção de água, construídas nas cabeceiras dos
rios. Além dessas citadas existem também obras de proteção da calha na
margem direita do rio Itajaí-Açú localizadas na zona urbana de Blumenau (av.
Beira Rio) e outras pequenas obras de proteção das calhas nas margens dos
ribeirões. Pelo relatório não foram observadas outras obras de proteção ou
contenção das enchentes que melhorassem a capacidade de escoamento do
rio, tais como diques e alargamento do leito dos rios.
Nos últimos anos, com o aumento da recorrência dos acidentes
naturais, principalmente depois do último ocorrido na região serrana do Rio
de Janeiro em 2011, o governo federal busca políticas nacionais de mitigação
e combate aos desastres naturais. Em 2013, em parceria com a JICA, foi criado
o programa Gestão Integrada de Risco de Desastres Naturais (GIDES) visando
a reduzir os riscos de desastres geológicos através de medidas preventivas
não estruturais, através da melhoria dos sistemas de avaliação e
128

mapeamento de riscos, previsão e alerta, orientando também o


planejamento urbano. Também, o Ministério das Cidades, junto a GIDES, em
parceria com a JICA, produziu um manual para redução de riscos aplicados à
evolução urbana.
No caso de Blumenau, o relatório entregue pela JICA em 2011 mostrou
que algumas das soluções para redução do risco de enchentes eram:
aumentar a capacidade de contenção das barragens nas cabeceiras do rio,
além de outras reformas estruturais e não estruturais. O relatório constata
que a expansão urbana ocorreu preponderantemente nas planícies de
inundação, ocasionando o aumento da reincidência das cheias e a diminuição
da capacidade de escoamento nos leitos dos rios. Além disto, as áreas de
encostas foram utilizadas como áreas de pastagem, provocando o aumento
do pico de descarga das enxurradas, acentuando o número de acidentes
ligados à sedimentação e escorregamentos de terra. Assim, foram levantadas
diversas medidas estruturais que, em grande parte, foram baseadas em
melhorias na infraestrutura existente, considerando um período de retorno
de 60 anos para as enchentes de 2008, que atingiram níveis de 15 metros.
Dentre as medidas estruturais propostas pela JICA enquadram-se
então mudanças de operação nas barragens de rio Bonito e Pinhal,
pertencentes à CELESC, e de uso exclusivo para geração de energia,
permitindo maior contenção de água nas épocas de chuva. Próximo à foz do
rio Itajaí-Açu nas cidades de Navegantes e Itajaí, onde se localizam o
aeroporto e porto internacional foi proposta a construção de canal
extravasor. Foi enfatizada a elevação das barragens oeste e sul nas cabeceiras
do rio, as quais nas enchentes anteriores tiveram o transbordamento de seus
vertedouros. Na barragem norte, no projeto de 1992, as águas nunca
deveriam ultrapassar o vertedouro (NIPPON KOEI CO LTD., 2011). Dentre as
medidas não estruturais a principal delas é o fortalecimento e a renovação
dos sistemas de informação e sistemas de alertas para enchentes vigentes
(NIPPON KOEI CO LTD., 2011).
Além dos relatórios da JICA, apresentados anteriormente, outros
estudos apresentaram ideias de planos integrados na gestão da bacia do
Itajaí-Açu, em gestão desde 1997, quando foi promulgada a Política Nacional
de Recursos Hídricos (PNDRH).
Desenho Urbano - 129

Por fim, vale destacar que os desastres naturais recaem sobre a


perspectiva das interferências e omissões no ambiente natural. Quando o
assunto são os desastres naturais, é preciso entender os diversos fatores que
abrangem a causa desses eventos, principalmente as ações antrópicas, ou
seja atos ou abstenções do homem no território. Elas nos levam a entender,
além do processo histórico da ocupação, a “luta” contra a natureza, e como é
possível preparar-se para enfrentar as situações pré e pós-catástrofes
(POLICARPO, 2016).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história do município de Blumenau e do Vale do Itajaí está ligada ao


constante desafio da elevação das águas. Seus mais de 160 anos de ocupação
são marcados por diversas catástrofes e a omissão e descontinuidade nos
projetos de prevenção e preparo para as situações prévias ao impacto do
desastre. De Acordo com a Defesa Civil de Blumenau (2011), a cidade
registrou uma frequência superior a duas enchentes por ano e durante sua
história Blumenau foi se adaptando, revisando suas leis, fugindo da
problemática das águas.
A descontinuidade das gestões tem seu fulcro na política e na questão
financeira, somadas ao despreparo para enfrentar situações de emergência.
Ainda sobre a questão da gestão econômica dos projetos, já se observa
na proposta de Rohkohl (1929) uma nova abordagem para a obtenção de
recursos, gerados de forma local e autônoma. Segundo Mateddi (1999), a
proposta de captação se baseava na obtenção de recursos através de doações
locais feitas para a S.A. Contra Enchente. De acordo com Rohkohl (ca. 1929),
seria muito difícil submeter programas de gestão contra as enchentes de
grande escala com a disponibilidade de recursos públicos, devido às
frequentes interrupções dos projetos. Já o engenheiro Odebrecht propunha
na década de 1930 a externalização dos custos, envolvendo mais de uma
esfera política, pois, segundo o mesmo, os custos para implantar suas ideias
transcendiam a disponibilidade local.
A falta de continuidade de gestões políticas é um fator negativo,
recorrente no Brasil. Especificamente, diversas situações de
descontinuidades e interrupções são descritas ao longo da história do Vale do
130

Itajaí. Para tanto, destacam-se as críticas das professoras Baite Frank e


Claudia Siebert, ambas com pesquisas focadas no espaço urbano e na gestão
das enchentes de Blumenau.
Ao longo dos mais de 160 anos decorridos da chegada dos imigrantes
alemães, o que se sobressai na história de Blumenau é o grande número de
interrupções nos projetos de prevenção e mitigação de enchentes, a falta da
participação popular e de articulação de políticas locais, regionais e nacionais.
É necessário superar essas deficiências para trabalhar junto e obter êxito no
desenvolvimento dessas propostas.
No Brasil, o número de ocorrências de desastres ambientais é cada vez
maior. Nos últimos anos destacam-se as ocorridas nos Estados de Santa
Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essas tragédias de grande escala se
tornaram notícias no mundo, pelo tamanho da catástrofe, o número de
famílias atingidas, ocasionando perdas de vida, milhares de desabrigados e
vultosos prejuízos.
Segundo Marcelino (2008), é preciso identificar, entender e avaliar os
riscos como base essencial para se dar início a uma boa gestão contra eventos
que possam ocorrer devido às causas naturais. Policarpo (2016) segue a
mesma linha de pensamento ao afirmar que, ao se pensar na urbanização,
não se pode considerar o planejamento urbano sem o manejo ambiental.
É importante pensar que a soma dos diferentes sistemas, o território
construído e terreno preexistente resultam na composição de um único
espaço que pode ou não sofrer as consequências de atos humanos.
É necessário ressaltar que é dever do Estado conscientizar a população
que habita as áreas de risco, através da Defesa Civil e órgãos capacitados, pois
é de grande importância a participação da sociedade na prevenção de
acidentes. A correta gestão de risco reduz o potencial dos eventos e ameniza
desastres. A principal questão em relação aos desafios é que a constante luta
no planejamento e no manejo ambiental não devem ser resumidos à relação
da visão espacial e temporal de um território. O desafio envolve também
enfrentar as questões sociais e ambientais. Assim, para que o projeto
funcione é necessária uma enorme gama de conhecimento, passando pelos
recursos hídricos, abastecimento de água, circulação na cidade, os meios de
transporte, desenho urbano, a biodiversidade e as relações socioculturais.
Desenho Urbano - 131

REFERÊNCIAS

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132

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Desenho Urbano - 133

Capítulo 7

A QUALIDADE DOS ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS NO BAIRRO DE


SANTO AMARO, A PARTIR DO EIXO METROVIÁRIO

Luciana Monzillo de Oliveira30


Maria Augusta Justi Pisani31
Erika Ciconelli de Figueiredo32

1 INTRODUÇÃO

As definições de espaço público são complexas e se inter-relacionam


com vários parâmetros. Considera-se que um espaço público possui
características físicas, do lugar, as questões de propriedade, assim como as
que estão diretamente relacionadas com o cidadão usuário. Os espaços
públicos são os que configuram a forma urbana e fornecem o palco para o
incremento das relações sociais e se tornam um bem fundamental para os
cidadãos desenvolverem seus papéis sociais, econômicos e culturais. Esses
espaços podem ser de propriedade pública ou privada, sendo caracterizados
pelos usos coletivos e não pela propriedade.

O espaço público passou a ser considerado um elemento essencial da


vida nas cidades. As dimensões de sustentabilidade do
desenvolvimento urbano foram priorizadas. As cidades reabriram-se
para os seus valores naturais e ecológicos. O patrimônio histórico foi
valorizado e refuncionalizado. O respeito pelas raízes e pela identidade

30
Doutora, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Fundação Armando Álvares
Penteado. E-mail: luciana.oliveira@mackenzie.br.
31 Doutora, professora do Programa de Pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

E-mail: augusta@mackenzie.br.
32
Doutora, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail:
erika.figueiredo@mackenzie.br.
134

foram reconciliados com a modernidade. (NUNES DA SILVA et al.,


2009, p. 9).

Solà-Morales (2001) define os espaços públicos de forma clara e


destaca sua importância para a riqueza das cidades:

A riqueza civil e arquitetônica, urbanística e morfológica de uma


cidade, são seus espaços coletivos, todos os lugares onde a vida
coletiva se desenvolve, representa e recorda. Talvez estes sejam, cada
dia mais, os espaços que não são nem públicos nem privados, se não
ambos ao mesmo tempo. Espaços públicos absorvidos por usos
particulares, ou espaços privados que adquirem uma utilização
coletiva. (SOLÀ-MORALES, 2001, p. 104).

A qualidade ambiental dos espaços está diretamente relacionada com


a sua capacidade para fomentar a vida pública dos cidadãos, desde a
satisfação dos habitantes, à participação nas decisões e à conciliação entre os
interesses individuais e coletivos e às questões socioculturais.
Os usuários usufruem desses espaços para várias funções, tais como
percursos a pé entre pontos de transporte e demais usos ou para caminhadas,
alimentação, compras, descanso, encontros sociais, lazer, contemplação,
esportes e outros. Para o desenvolvimento dessas funções os espaços
públicos necessitam oferecer conforto e segurança, sobretudo nos espaços
de circulação.

Entre as qualidades para circulação de pessoas pode-se destacar: livre


circulação dos pedestres; pisos regulares e seguros; percursos sem
barreiras arquitetônicas; larguras das circulações suficientes para o
número de transeuntes; boa iluminação e sinalização; segurança.
(OLIVEIRA; PISANI, 2016, p. 22).

Os espaços públicos precisam ter qualidade física também para


atenderem aos demais objetivos sociais, culturais e econômicos, pois esses
têm:
[...] como potencial (re)valorizar áreas urbanas consolidadas,
contribuindo para a melhoria do ambiente urbano, propiciando
encontros públicos da forma mais diversa e ensejando um maior
envolvimento da população com o seu espaço de vida cotidiana.
(PRETO, 2009, p. 349).
Desenho Urbano - 135

O tema da pesquisa surge da premissa de que a qualidade dos espaços


públicos para os pedestres, considerada como fundamental para a vida
cotidiana, é elemento que estimula a articulação dos equipamentos
institucionais e socioculturais dos bairros.
Svarre e Gehl (2017) destacam que a dimensão humana é
desvalorizada no planejamento urbano, e consequentemente a preocupação
com a adequação do espaço urbano público para utilização dos cidadãos é
negligenciada. Os autores afirmam que essa situação é generalizada e está
presente em grande parte das cidades, independentemente de seu grau de
desenvolvimento. Diante deste panorama, o pedestrianismo como forma de
transporte é desconsiderado no conjunto das políticas públicas, o que
compromete negativamente as funções sociais e culturais do espaço urbano.
Os autores proclamam que o planejamento urbano deve procurar
responder às demandas dos cidadãos por “cidades vivas, seguras,
sustentáveis e saudáveis” (SVARRE; GEHL, 2017, p. 14). Dentro dessas
premissas, o pedestrianismo deve ser considerado no escopo das políticas
públicas voltadas para a qualidade de vida das pessoas, motivando a
circulação e a ocupação dos espaços públicos pelos cidadãos.
Shin-pei Tsay (2017) atribui a predominância de políticas de
investimento em transporte rodoviário, principalmente a partir dos anos
1950 e 1960, como responsável pela diminuição da importância das vias para
circulação de pedestres, nos projetos de infraestrutura urbana. Desde então,
alguns autores apresentaram críticas contundentes a este panorama de
desconsideração do pedestre nas formulações urbanísticas, entre eles, Jane
Jacobs (1961), Ali Madanipour (2003), Carmona, Magalhães e Hammond
(2008), e Jan Gehl (2013).
A proposta desta pesquisa está diretamente relacionada com os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que fazem parte do
documento Transformando Nosso mundo: A Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável, adotado pelos líderes de governos e de Estado
de 193 países que participaram da Cúpula das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável, realizada em setembro de 2015 (AGENDA
2030, 2016). A partir dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS),
a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento
Urbano Sustentável – Habitat III, realizada em Quito, Equador, em outubro de
136

2016, propôs a Nova Agenda Urbana (HABITAT III, 2016), com o escopo de
orientar a urbanização sustentável nos próximos vinte anos. Dentre os
princípios da Nova Agenda Urbana, com relação às ruas e espaços públicos
consta a seguinte meta:

Apoiaremos a oferta de redes bem projetadas de ruas e espaços


públicos seguros, inclusivos a todos os habitantes, acessíveis, verdes e
de qualidade, livres de crime e violência, incluindo o assédio sexual e
a violência de gênero, considerando a escala humana e medidas que
permitam o melhor uso comercial possível do pavimento térreo,
incentivando as pessoas para os espaços públicos, promovendo a
mobilidade pedonal e a ciclomobilidade para melhoria da saúde e do
bem-estar. (HABITAT III, 2016, s.p.)

Além dessas questões, o Estatuto do Pedestre no Município de São


Paulo, Lei 16.673, de 13 de junho de 2017, contribui para ratificar a
importância da qualidade dos espaços públicos, conforme o seu artigo 3º:

Todos os pedestres têm o direito à qualidade da paisagem visual, ao


meio ambiente seguro e saudável, ao desenvolvimento sustentável da
cidade, ao direito de ir e vir, de circular livremente a pé, com carrinhos
de bebê ou em cadeiras de rodas, nas faixas de travessia sinalizadas
das vias, nos passeios públicos, calçadas, praças e áreas públicas, sem
obstáculos de qualquer natureza, assegurando-lhes segurança,
mobilidade, acessibilidade e conforto, com a proteção em especial de
crianças, pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e as da
terceira idade. (SÃO PAULO, 2017, p. 2)

A qualidade dos espaços urbanos para pedestres vem ganhando


atenção desde meados dos anos 1990, a partir das discussões sobre o
conceito de caminhabilidade (termo traduzido do inglês walkability), que
consiste na identificação das características do ambiente urbano que
incentivam a sua utilização para deslocamentos a pé (ÍNDICE DE
CAMINHABILIDADE: FERRAMENTA, 2017).
Selecionou-se, portanto, como objeto de estudo um setor do bairro de
Santo Amaro, no município de São Paulo, nos arredores das estações de
metrô da Linha 5-Lilás. A mobilidade urbana na região está em processo de
mudança, uma vez que foram recentemente inauguradas as estações da
Linha 5-Lilás do metrô, o que tem causado impacto no tecido urbano e no
entorno imediato das novas estações.
Desenho Urbano - 137

O sistema metroviário é composto por linhas de transporte público


com diversas estações para embarque e desembarque de passageiros, e
algumas delas são estações de conexão e transbordo para outras linhas do
mesmo modal ou para interconexão com outro sistema de transporte. Assim,
cada estação de metrô é um polo de atração de usuários do transporte
coletivo, e, ao mesmo tempo e em contraponto, um polo de irradiação de
pedestres. O termo polo de atração não é aqui considerado com a conotação
de polo de crescimento, uma vez que as estações de metrô de Santo Amaro
estão prioritariamente implantadas em regiões com urbanização
consolidada. O termo polo é utilizado, portanto, como uma marca no tecido
urbano, como um “lugar singular”, conforme identificado por Panerai (2006).
Sobre “tecido urbano”, este autor afirma que ele pode ser descrito como:

[...] uma organização que apresenta, ao mesmo tempo, uma forte


solidariedade entre seus elementos e uma capacidade de se adaptar,
de se modificar, de se transformar. Aplicado à cidade, o termo “tecido”
evoca a continuidade e a renovação, a permanência e a variação. Ele
explica a constituição das cidades antigas e responde às questões
levantadas pelo estudo das urbanizações recentes. Ele pressupõe uma
atenção tanto ao banal quanto ao excepcional, tanto às ruas comuns
e às edificações corriqueiras quanto às regulamentações e aos
monumentos. (PANERAI, 2006, p. 77).

Panerai (2006) define também que o conjunto de elementos que


compõe o tecido urbano é formado pela rede de vias, os parcelamentos
fundiários e as edificações, e indica que “a análise de um tecido urbano é feita
pela identificação de cada um desses conjuntos e pelo estudo de sua lógica e
de suas relações” (p. 78).
Dentro desse contexto, as vias são responsáveis pela articulação entre
os três elementos e pertencem ao sistema de espaços públicos da cidade. O
conjunto dos espaços públicos é composto pelas ruas, avenidas, largos,
praças, parques, pontes, rios, orlas, canais e praias, e, segundo Panerai (2006,
p. 80), “Esse conjunto organiza-se em rede a fim de permitir a distribuição e
a circulação”.
É sobre esse princípio de organização de um conjunto de espaços
públicos como uma rede de distribuição e circulação que se apoia a proposta
de análise das qualidades do espaço público e sua relação com os
138

equipamentos institucionais e socioculturais significativos do bairro de Santo


Amaro.
Propõe-se a utilização do método baseado no Índice de
Caminhabilidade (2017), com o objetivo principal de que os resultados
obtidos permitam orientar novas ações nas políticas públicas e projetos
urbanos na região, que promovam a qualificação de uma rede de rotas
prioritárias para articulação entre as instituições e equipamentos
socioculturais de Santo Amaro com as novas estações de metrô da Linha 5-
Lilás.

2 SANTO AMARO

O bairro de Santo Amaro deu origem ao processo de expansão e de


desenvolvimento da porção sul do município de São Paulo. Desde sua
fundação, em 15 de janeiro de 1552, como um aldeamento distante do centro
de São Paulo, acessível apenas pelo Rio Pinheiros, passando por sua
autonomia como um município independente (1832), até finalmente sua
anexação como mais um bairro do município paulistano, em 1935, Santo
Amaro é considerado até hoje como um importante polo de atração para a
população da zona sul de São Paulo (BERARDI, 1981).
Em 2002, o núcleo antigo de Santo Amaro foi oficialmente tombado
pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e
Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP), após nove anos da abertura
do Processo nº 1993-0.07.834-8 (SÃO PAULO, RESOLUÇÃO 14, 2002). Em
2014 foi divulgada a Resolução 27 do CONPRESP (SÃO PAULO, 2014), que
ajustou o perímetro de tombamento do ambiente urbano do Eixo Histórico
de Santo Amaro, para adequação de alguns lotes.
Mesmo diante da expansão da área urbana de Santo Amaro, o núcleo
central e originário do bairro, composto pelo Largo Treze de Maio e suas ruas
adjacentes, mantém a característica de núcleo comercial popular e de
serviços, com a localização de vários bancos, a sede da Prefeitura Regional de
Santo Amaro, o Hospital Zona Sul, a Santa Casa de Santo Amaro, uma unidade
do SESC e um posto de serviços do Poupatempo.
A área do Eixo Histórico de Santo Amaro passou por um processo de
revitalização desenvolvido pela Subprefeitura de Santo Amaro entre os anos
Desenho Urbano - 139

de 2014 e 2015. As obras compreenderam a transformação em calçadão de


ruas do entorno da Praça Floriano Peixoto, o alargamento das calçadas da Rua
Coronel Carlos da Silva Araújo, e a redução do número de faixas de
automóveis desta mesma via.
Além do núcleo histórico, Santo Amaro apresenta algumas edificações
e locais que são referências para a comunidade local, tais como: Teatro Paulo
Eiró, Mercado Municipal, Casa de Cultura de Santo Amaro, Praça Floriano
Peixoto e o Cemitério de Santo Amaro (o mais antigo de São Paulo). Além
disso, a região abriga edificações destacadas por sua arquitetura icônica,
como o atual Colégio Anglo (antigo Colégio XII de Outubro), projeto de
Vilanova Artigas.
Atualmente está em fase de conclusão na região a ampliação da Linha
5 – Lilás do Metrô, cujo trecho inicial inaugurado em 2002 possuía 8,4
quilômetros, e compreendia as estações entre o Capão Redondo e o Largo
Treze. Em 2014 foi inaugurada a Estação Adolfo Pinheiro e em 2017 foram
concluídas mais três estações: Alto da Boa Vista, Borba Gato e Brooklin.
A expansão da linha compreendeu a execução de 11,5 quilômetros
entre a Estação Adolfo Pinheiro e a Estação Chácara Klabin da Linha 2 – Verde.
A linha também está integrada com a Linha 1 – Azul, na Estação Santa Cruz.
Para conclusão total da linha, falta apenas a inauguração da estação Campo
Belo.
Hoje já há na estação Largo Treze, uma conexão com a Linha 9 –
Esmeralda da CPTM – Companhia Paulista de Trens Metropolitanos que liga
Osasco ao Grajaú. Quando a Linha 17 – Ouro for concluída, haverá uma
interligação na Estação Campo Belo. A linha completa terá 17 estações
distribuídas em 19,9 quilômetros de extensão (SÃO PAULO, Estado, 2019).
A área nas imediações do Largo Treze de Maio tem uma vida urbana
agitada pelo fluxo de pedestres intenso na região, principalmente no horário
em que o comércio local está aberto. Além da circulação de pedestres, os
locais com calçadões exclusivos para a circulação de pessoas, são pontos de
atração de ambulantes e manifestações artísticas individuais. O alto
adensamento de pessoas na área, principalmente no entorno da Praça
Floriano Peixoto e no entorno da Igreja Matriz, caracteriza a vitalidade central
do bairro.
140

A região central de Santo Amaro configura-se até hoje como uma


centralidade polar com autonomia e autossuficiência com relação aos
equipamentos institucionais do município de São Paulo, o que já acarretou
duas tentativas de emancipação do bairro.
A distância física entre a região central de Santo Amaro e o centro do
município de São Paulo sempre foi um agravante para conexão entre estes
em função das dificuldades do transporte coletivo. Antes da inauguração da
Linha 5 – Lilás do metrô, a principal ligação entre as duas centralidades era o
corredor de ônibus que conecta a Praça da Bandeira, com o Terminal Largo
Treze de Maio, que passa pela Avenida 9 de Julho, Avenida São Gabriel, toda
extensão da Avenida Santo Amaro, e da Avenida Adolfo Pinheiro, em um
percurso total de 14,5 quilômetros, e que em função da grande demanda,
tem os ônibus superlotados e o percurso congestionado.
Com a conclusão das obras da linha 5-Lilás do metrô, espera-se que
essa distância física possa ser mais facilmente superada e propicie o incentivo
para maior conexão entre os dois polos, não apenas para facilitar o acesso
dos moradores da zona sul para o centro de São Paulo, mas para maior acesso
da população das demais zonas do município à região de Santo Amaro.

3 QUALIDADE DOS ESPAÇOS PÚBLICOS DE SANTO AMARO

O objetivo principal desta pesquisa é avaliar as condições dos espaços


públicos urbanos para pedestres no bairro Santo Amaro, município de São
Paulo, para orientar novas ações nas políticas públicas e em projetos urbanos
na região.
Após os levantamentos bibliográficos e de campo foi aplicado o Índice
de Caminhabilidade (Icam)33. O índice é composto por 15 indicadores
agrupados em seis diferentes categorias: calçada, mobilidade, atração,
segurança pública, segurança viária e ambiente, e foi elaborado com base na
análise e estudo de diferentes referências nacionais e internacionais. O

33
O Índice de Caminhabilidade (Icam) foi desenvolvido a partir da parceria entre o Instituto de
Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) e o Instituto Rio Patrimônio da
Humanidade (IRPH), órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro, com a colaboração da Publica
Arquitetos (ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017).
Desenho Urbano - 141

método propõe a avaliação das condições para a caminhabilidade a partir da


distribuição de pontuação para cada um dos indicadores, sendo que a
unidade básica de coleta de dados é o segmento de calçada.
A pontuação de cada indicador, categoria ou índice final pode variar
entre 0 (zero) e 3 (três), e corresponde a uma avaliação qualitativa de
experiência do pedestre que é considerada insuficiente (valor menor que 1),
suficiente (valor maior ou igual a 1 e menor que 2), bom (valor maior ou igual
a 2 e menor que 3) ou ótimo (3).
Primeiramente foi levantado e selecionado um conjunto de
equipamentos institucionais e de interesse para uso público em função de sua
relevância social ou histórica, na região do entorno de duas estações da nova
Linha 5 – Lilás do metrô: estação Largo Treze de Maio e estação Adolfo
Pinheiro.
A partir de um mapa de localização dos 16 pontos selecionados, foram
traçadas rotas de conexão entre as duas estações de metrô e os
equipamentos, e rotas de ligação dos equipamentos entre si. Como resultado,
obteve-se um percurso total de 8.580 metros para levantamento das
qualidades dos espaços públicos.
Para a aplicação dos procedimentos metodológicos propostos foram
numeradas 58 quadras – de norte a sul e de oeste a leste – lindeiras aos
percursos, e 128 segmentos de calçadas. Após as visitas de campo realizadas
no período entre os meses de setembro de 2018 e janeiro de 2019, e o
registro dos dados em mapas base, foram respondidos os formulários de
campo conforme modelo sugerido pelo Icam (2017).
Os dados foram transpostos em tabelas divididas de acordo com cada
um dos 15 indicadores com suas respectivas características. Os valores das
avaliações obtidas foram registrados em mapas síntese para cada uma das
seis categorias, com a avaliação de cada segmento de calçada das quadras
selecionadas. O resultado geral da média entre as seis categorias também foi
registrado em mapa com a avaliação final geral do trecho levantado.
142

4 RESULTADOS DO ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE

A seguir são apresentados os resultados obtidos em cada um dos


indicadores das seis categorias de avaliação de qualidade dos espaços
públicos, de acordo com os critérios do Icam.

4.1 CALÇADA

A categoria Calçada tem dois indicadores para avaliação:


pavimentação e largura e recebeu pontuação 2,23, considerado um valor
“bom” (Tabela 1). Isto se deve principalmente à existência de pavimentação
em todos os 128 segmentos de calçada.
Mas, apesar da boa avaliação, nos detalhes percebe-se a existência de
três pontos críticos: o primeiro na rua Antônio Bandeira em frente à praça
Marcos Manzini; o segundo na rua Padre José Anchieta entre as ruas São
Benedito e a rua Comendador Elias Zarzur e o terceiro na ladeira Aurora.
Nesses trechos foram encontrados mais de dez buracos a cada cem metros
de calçada e declividades com degraus acima de 1,5 cm.
As obras recentes do Metrô da linha Lilás influenciaram o resultado
positivo das calçadas tendo em vista que estas foram parcialmente
reformadas e muitas deficiências foram eliminadas, tornando-as boas ou
ótimas segundo os critérios do Ican .
Além disso, alguns trechos, principalmente em segmentos próximos às
novas estações do metrô, tiveram a largura da calçada aumentada, e em
alguns casos a largura foi duplicada.
O Quadro 1 apresenta os critérios de avaliação para a categoria
Calçada e a pontuação final obtida no recorte geográfico desta pesquisa.
Desenho Urbano - 143

Quadro 1: Resultado da avaliação da categoria Calçada, de acordo com Icam


Pavimentação Largura Calçada
Critério de avaliação:
3 – Ótimo
Todo o trecho é pavimentado, não
há buracos ou desníveis. 3 – Ótimo
2 – Bom Largura mínima de 2 m e
Todo o trecho é pavimentado e comporta o fluxo de pedestres, ou
tem até cinco buracos ou desníveis é um calçadão.
Média
a cada cem m de extensão. 2 – Bom
aritmética
1 – Suficiente Largura mínima maior que 1,5 m e
dos
Todo trecho é pavimentado e tem comporta o fluxo de pedestres.
indicadores:
entre seis e dez buracos ou 1 – Suficiente
pavimentação
desníveis a cada cem m de Largura mínima maior que 1,5 m e
e largura
extensão. não comporta o fluxo de
0 – Insuficiente pedestres.
Inexistência de pavimentação em 0 – Insuficiente
algum trecho ou mais que dez Largura mínima menor que 1,5 m.
buracos ou desníveis a cada cem
m de extensão.
Pontuação:
2,35 2,11 2,23
Bom Bom Bom
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos critérios do Icam
(ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017), 2019.

4.2 MOBILIDADE

A categoria Mobilidade avalia dois indicadores: dimensão das quadras


e distância a pé ao transporte, e obteve avaliação final de 2,24, o que
representa um “bom” resultado.
É necessário destacar que o indicador distância a pé ao transporte
público considerou apenas as distâncias até as estações de metrô Largo Treze
de Maio e Adolfo Pinheiro da Linha – 5 Lilás, uma vez que esse é o objetivo da
pesquisa. Portanto, não foram consideradas as distâncias aos corredores de
ônibus da Avenida João Dias, ao norte da área, e da Avenida Adolfo Pinheiro,
ao sul. Mesmo assim, a avaliação de 2,69 foi considerada “boa”.
Por sua vez, o indicador dimensão das quadras apresentou pontuação
1,79, que representa a classificação apenas “suficiente”, pelo fato de algumas
144

quadras possuírem mais de 190 metros de extensão, chegando até 327


metros, principalmente no setor norte da área, no entorno da Hípica de Santo
Amaro.
O Quadro 2 apresenta os critérios de avaliação para a categoria
“mobilidade” e a pontuação final obtida no recorte geográfico da pesquisa.

Quadro 2: Resultado da avaliação da categoria Mobilidade, de acordo com Icam


Dimensão das quadras Distância a pé ao metrô Mobilidade
Critério de avaliação:
Distância máxima a pé até uma
Comprimento lateral da quadra
estação de metrô: Média
3 – Ótimo
3 – Ótimo aritmética
Até 110 m de extensão.
Menor do que 500 m. dos
2 – Bom
2 – Bom indicadores:
Até 150 m de extensão.
Menor que 750 m. dimensão
1 – Suficiente
1 – Suficiente das quadras
Até 190 m de extensão.
Menor que um quilômetro. e distância a
0 – Insuficiente
0 – Insuficiente pé ao metrô.
Maior que 190 m de extensão.
Maior que um quilômetro.
Pontuação:
1,79 2,69 2,24
Suficiente Bom Bom
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos critérios do Icam
(ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017), 2019.

4.3 ATRAÇÃO

A categoria Atração avalia quatro indicadores: fachadas fisicamente


permeáveis; fachadas visualmente ativas; uso público diurno e noturno; e
usos mistos, conforme critérios e resultados indicados no Quadro 3.
Os indicadores fachadas fisicamente permeáveis e fachadas
visualmente ativas receberam as melhores pontuações principalmente
devido às áreas comerciais no entorno da Praça Floriano Peixoto, no entorno
da Igreja Matriz de Santo Amaro, e na Avenida Adolfo Pinheiro.
Já os indicadores uso público diurno e noturno e os usos mistos
receberam baixa pontuação devido ao fato do uso predominante dos
comércios e dos serviços serem predominantemente voltados para o período
diurno, deixando a região esvaziada de atividades no período noturno. A
Desenho Urbano - 145

maioria dos quarteirões não possui uso misto, ou são residenciais ou


comerciais, por esta razão o indicador uso misto é o mais baixo do grupo.

Quadro 3: Resultado da avaliação da categoria Atração, de acordo com Icam


Fachadas Fachadas
Uso público
fisicamente visualmente Uso misto Atração
diurno e noturno
permeáveis ativas
Critério de avaliação:
Número de
Quantidade de Porcentagem do Média
Porcentagem de estabelecimentos
entradas por total de aritmética
extensão da com uso público
cem m de pavimentos que dos
face de quadra por cem m de
extensão da é ocupado pelo indicadores:
visualmente extensão da face
face de quadra: uso fachadas
ativa: de quadra p/cada
3 – Ótimo predominante: fisicamente
3 – Ótimo período do dia:
5 ou mais 3 – Ótimo permeáveis,
60% ou mais 3 – Ótimo
2 – Bom Menos de 50% fachadas
2 – Bom 3 ou mais
3 ou mais 2 – Bom visualmente
40% ou mais 2 – Bom
1 – Suficiente Menos de 70% ativas, uso
1 – Suficiente 2 ou mais
1 ou mais 1 – Suficiente público
20% ou mais 1 – Suficiente
0 – Insuficiente Menos de 85% diurno e
0 – Insuficiente Mais de 1
Menos do que 0 – Insuficiente noturno, e
Menos que 20% 0 – Insuficiente
1 Mais de 85% usos mistos
Menos que 1
Pontuação:
2,06 1,63 0,28 0,26 1,06
Bom Suficiente Insuficiente Insuficiente Suficiente
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos critérios do Icam
(ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017), 2019.

4.4 SEGURANÇA VIÁRIA

A categoria Segurança Viária compreende a avaliação dos indicadores:


tipologia da rua e travessias, e na média entre os dois indicadores recebeu
pontuação 1,54, considerado “suficiente”, conforme exposto no Quadro 4.
A avaliação do indicador Tipologia da Rua foi 1,68, “suficiente”, uma
vez que este coeficiente foi composto por avaliações altas nos trechos de
calçadões para pedestres e baixas nas vias com calçadas segregadas e
circulação de veículo motorizado.
146

A maior parte das travessias possuem faixas de pedestres e


semaforização, porém a avaliação foi de apenas 1,40, “suficiente”, em função
de estas não atenderem às normas de acessibilidade, pois a expressiva
maioria dos segmentos de calçadas não possui piso tátil de alerta e direcional.

Quadro 4: Resultado da avaliação da categoria Segurança Viária, de acordo com Icam


Tipologia da rua Travessias Seg. Viária
Critério de avaliação:
3 – Ótimo
Vias exclusivas para pedestres Porcentagem das travessias a
2 – Bom partir do segmento da calçada
Vias compartilhadas, até 20 km/h; que cumprem os requisitos de
Média
Vias com calçadas segregadas, até qualidade:
aritmética
30 km/h. 3 – Ótimo
dos
1 – Suficiente 100%
indicadores:
Vias compartilhadas, até 30 km/h; 2 – Bom
tipologia da
Vias com calçadas segregadas, até Mais que 75%
rua e
50 km/h. 1 – Suficiente
travessias.
0 – Insuficiente Mais que 50%
Vias compartilhadas, mais que 30 0 – Insuficiente
km/h; vias com calçadas Menos de 50%
segregadas, mais que 50 km/h.
Pontuação:
1,68 1,40 1,54
Suficiente Suficiente Suficiente
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos critérios do Icam
(ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017), 2019.

4.5 SEGURANÇA PÚBLICA

A categoria Segurança Pública avalia os indicadores iluminação e fluxo


de pedestres, e obteve avaliação final baixa de 1,08, considerada como
“suficiente”. Trata-se do valor mais baixo entre as seis categorias de
avaliação.
Para a constatação da qualidade da iluminação noturna no ambiente
de circulação de pedestres foi empregado o método alternativo que
considera a existência e a localização das luminárias, ao invés da medição com
o luxímetro. O resultado demonstrou que este fator é a maior fragilidade da
Desenho Urbano - 147

região, com a pontuação mais baixa entre os 15 indicadores, com 0,22,


“insuficiente”.
O fluxo de pedestres aumentou a média desta categoria porque a
região é um centro comercial e de serviços movimentado e recebeu a
avaliação 1,94 (suficiente).
O Quadro 5 apresenta os critérios de avaliação para a categoria
Segurança Pública e a pontuação final obtida na área da pesquisa.

Quadro 5: Resultado da avaliação da categoria Segurança Pública, de acordo com Icam


Iluminação Fluxo de ped. diurno e noturno Seg. Pública
Critério de avaliação:
3 – Ótimo
Fluxo de pedestres:
A iluminação atende totalmente Média
3 – Ótimo
os requisitos mínimos para o aritmética
Maior que 10 e menor que 30
pedestre dos
pedestres/minuto
2 – Bom indicadores:
2 – Bom
Resultado da avaliação igual a 90 iluminação e
Maior ou igual a 5 pedestres/min.
1 – Suficiente fluxo de
1 – Suficiente
Resultado da avaliação igual a 60 pedestres
Maior ou igual a 2 pedestres/min.
0 – Insuficiente diurno e
0 – Insuficiente
Inexistência de iluminação noturna noturno
Entre 2 e 30 pedestres/minuto
em determinados pontos
Pontuação:
0,22 1,94 1,08
Insuficiente Suficiente Suficiente
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos critérios do Icam
(ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017), 2019.

4.6 AMBIENTE

A categoria Ambiente avalia três indicadores: sombra e abrigo;


poluição sonora; e coleta de lixo e limpeza, e obteve média final 2,00,
“suficiente”, segundo os critérios apontados na Tabela 6.
Nesta categoria, o indicador sombra e abrigo é o mais baixo com
avaliação 1,11, “suficiente”, em função da ausência de arborização urbana em
alguns segmentos de calçada, principalmente nas áreas comerciais. O
sombreamento é mais significativo e eficiente principalmente nas calçadas ao
148

redor da Praça Floriano Peixoto, Hípica de Santo Amaro, Escola Alberto Conte
e do Colégio Anglo.
A categoria poluição sonora obteve pontuação 1,99, considerada
“suficiente”, pois apresentou alto nível de intensidade sonora nas vias com
corredores de ônibus, como as Avenidas João Dias e Adolfo Pinheiro. Já a
categoria coleta de lixo e limpeza conseguiu boa avaliação, com 2,89, uma vez
que foi observada a eficiência da varrição e coleta de lixo na região.

Quadro 6: Resultado da avaliação da categoria Ambiente, de acordo com Icam


Sombra e abrigo Poluição sonora Col. de lixo e limpeza Ambiente
Critério de avaliação:
Porcentagem da
Nível de ruído do 3 – Ótimo
extensão do
ambiente no A limpeza urbana
segmento da calçada Média
segmento de calçada: está adequada ao
que apresenta aritmética
3 – Ótimo pedestre
elementos dos
Menor ou igual a 55 2 – Bom
adequados de indicadores:
dB Resultado da
sombra e abrigo: sombra e
2 – Bom avaliação igual a 90
3 – Ótimo abrigo;
Menor ou igual a 70 1 – Suficiente
Maior ou igual a 75% poluição
dB Resultado da
2 – Bom sonora;
1 – Suficiente avaliação igual a 80
Maior ou igual a 50% coleta de lixo
Menor ou igual a 80 0 – Insuficiente
1 – Suficiente e limpeza, e
dB A limpeza urbana
Maior ou igual a 25% ambiente
0 – Insuficiente está inadequada ao
0 – Insuficiente
Maior que 80 dB pedestre
Menos de 25%
Pontuação:
1,11 1,99 2,89 2,00
Suficiente Suficiente Bom Suficiente
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos critérios do Icam
(ÍNDICE DE CAMINHABILIDADE, 2017), 2019.

4.7 RESULTADO FINAL DO ICAM DO TRECHO ANALISADO

A pontuação final do Icam do recorte territorial selecionado na região


central de Santo Amaro obteve pontuação 1,69, considerado “suficiente”. O
resultado representa a média aritmética simples do resultado final
ponderado de cada uma das seis categorias avaliadas. A Figura 1 apresenta o
Desenho Urbano - 149

mapa com a representação por legenda de cores da pontuação de cada


segmento de calçada avaliado nos percursos traçados para levantamento.
O único segmento de calçada com a menor pontuação e considerada
“insuficiente” é a lateral da Biblioteca Prefeito Prestes Maia, no setor norte
da área de levantamento. E, por outro lado, nenhum segmento de calçada
obteve a pontuação máxima 3, o que seria considerado “ótimo”.
O mapa da Figura 1 também indica que a pontuação considerada
como “bom” encontra-se nos segmentos de calçada próximos às estações de
metrô Largo Treze e Adolfo Pinheiro da Linha 5 - Lilás; nas ruas próximas à
Igreja Matriz; e nos calçadões exclusivos para pedestres no entorno da Praça
Floriano Peixoto.
Os demais segmentos de calçada receberam avaliação “suficiente”,
e correspondem aos percursos que estão nas ruas perpendiculares à Avenida
Adolfo Pinheiro e Avenida João Dias.
Com relação aos percursos entre as estações de metrô e os 16
equipamentos institucionais e de interesse para uso público selecionados
para esta pesquisa, os resultados indicam que cinco equipamentos têm
condições de acesso em percursos com segmentos de calçadas avaliados
como “bom”: Teatro Paulo Eiró, Escola Estadual Alberto Conte, Praça Floriano
Peixoto, Casa Amarela (antiga Prefeitura), Biblioteca Municipal Belmonte.
Os demais 11 equipamentos institucionais e de interesse para uso
público estão localizados em rotas de percursos que estão avaliadas
predominantemente como “suficientes”, e que necessitam de investimento
para fornecer melhores condições de circulação e acesso aos pedestres.
150

Figura 1: Mapa de representação da pontuação final de cada segmento de calçada avaliado pelo
método do Icam, nos percursos selecionados que conectam 16 pontos relevantes do núcleo
urbano de Santo Amaro, com as estações de metrô da linha 5 – Lilás, Largo Treze e Adolfo
Pinheiro

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do Geosampa (SÃO PAULO, Município, 2004).
Desenho Urbano - 151

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A elaboração do recorte geográfico e das circulações do núcleo


histórico de Santo Amaro com as demais edificações e locais que são
referências para a comunidade local foram precisas em função de serem os
locais de maior circulação de pedestres e, por consequência, conter os
espaços públicos mais usufruídos pela população e usuários do Bairro de
Santo Amaro.
O instrumento Icam é de grande valia para a ponderação sistêmica dos
espaços públicos, abrangendo categorias diversas e complementares. O
resultado geral pode indicar a situação global da região estudada, porém,
seus detalhes trazem de forma clara e localizada os aspectos que devem ser
melhorados para o avanço da qualidade dos espaços públicos. A elaboração
de mapas com os dados dos levantamentos facilita a leitura e análise dos
resultados.
Os levantamentos de campo são exaustivos e detalhados na obtenção
dos índices propostos, porém, o uso de imagens de satélites e de softwares
de navegação podem minimizar estes trabalhos bem como o avanço dessas
tecnologias pode tornar a aplicação do Icam cada vez mais acessível.
Dependendo dos objetivos da análise que se pretende fazer dos espaços
públicos podem ser acrescentados outros dados, tais como: renda per capita;
escolaridade; faixa etária; origem e destino das viagens a pé; entrevistas com
os usuários e outros.
Os resultados desta pesquisa se mostraram conclusivos sobre os
aspectos que mais demandam preocupação imediata na área selecionada
para o levantamento: a iluminação pública; o acréscimo de elementos
sombreadores para pedestres como toldos, marquises e plantio de árvores; a
instalação de piso tátil de alerta e direcional no acesso à travessia de
pedestres; o incentivo para usos noturnos e o aumento dos usos mistos.
Os resultados desta pesquisa fornecem dados gerais e específicos que
podem embasar ações, projetos e obras da gestão pública local além de
fomentar novas investigações e documentar o estado atual desses espaços
públicos.
152

REFERÊNCIAS

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Desenho Urbano - 153

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154
Desenho Urbano - 155

Capítulo 8

ESPAÇOS PÚBLICOS DE PROPRIEDADE PRIVADA:


OS POPS DE SEATTLE

Luciana Monzillo de Oliveira34


Maria Augusta Justi Pisani35

O tema da pesquisa surge da observação da existência de áreas


urbanas contemporâneas em que o Poder Público tem permitido e
incentivado a provisão de espaços de propriedade privada para uso coletivo
da população.
A lacuna na responsabilidade de criação de espaços de uso público
fomentou a iniciativa privada a oferecer ambientes para uso coletivo com
qualidades físicas, ambientais e de segurança que foram aceitos pela
população. Surgiram, portanto, os ambientes fechados e controlados como
os shopping centers, clubes privados e áreas de lazer de condomínios
residenciais e comerciais.
Assim, a questão do uso coletivo, em contraposição ao uso restrito a
um indivíduo ou pequeno grupo, extrapolou a discussão relacionada à
propriedade do espaço, se público ou privado, e passou a envolver as regras
e o controle para uso dos mesmos:

O uso coletivo independe da propriedade do espaço, portanto, há espaços


para uso coletivo tanto em áreas de propriedade pública quanto privada.
Porém, nas áreas privadas os proprietários podem estabelecer e fixar
regras que regulam as atividades dos usuários, e frequentemente, estas
regras são mais restritivas do que nas áreas de propriedade pública.
(OLIVEIRA; PISANI, 2016, p. 39).

34
Doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e
da Fundação Armando Álvares Penteado. E-mail: luciana.oliveira@mackenzie.br.
35 Doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora do Programa de Pós-graduação da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: augusta@mackenzie.br.


156

Solà-Morales (2001) não considera que a questão da propriedade do


espaço seja o ponto fundamental para a qualidade dos espaços para uso
coletivo:
A riqueza civil e arquitetônica, urbanística e morfológica de uma cidade
está em seus espaços coletivos, todos os lugares onde a vida coletiva se
desenvolve, representa e recorda. Talvez estes sejam, cada dia mais, os
espaços que não são nem públicos nem privados, se não ambos ao mesmo
tempo. Espaços públicos absorvidos por usos particulares, ou espaços
privados que adquirem uma utilização coletiva. (SOLÀ-MORALES, 2001, p.
104).

A relação entre propriedade e uso público intensificou-se desde


meados do século XX, quando surgiu uma nova categoria de espaço coletivo
privado. Em 1961, a cidade de Nova York adotou uma política pública de
incentivo à criação dos denominados Privately Owned Public Spaces, ou POPS
(Espaços Públicos de Propriedade Privada), por meio da implantação de
legislação urbanística inserida na Resolução de Zoneamento da cidade
(ZONING RESOLUTION, 2012). A lei fornece uma bonificação em forma de
permissão para o empreendedor construir mais área útil acima do previsto, e
requer como contrapartida a criação de áreas de POPS nos
empreendimentos.
Atualmente, a cidade de Nova York é o mais significativo exemplo
deste tipo de parceria público-privada para obtenção de espaços para uso
público em áreas valorizadas da cidade. A origem dos POPS de Nova York está
associada com a introdução na Resolução de Zoneamento de 1961 (ZONING
RESOLUTION, 2012), de um conjunto de medidas para melhorar a iluminação
e ventilação natural no nível do térreo e calçadas das regiões verticalizadas e
densas da cidade, onde o fluxo de pedestres é intenso.
Desde a legislação anterior da cidade, a Resolução de Zoneamento de
1916, a lei urbanística já havia introduzido medidas com esse objetivo de
melhorar a iluminação e ventilação naturais, adotando limites de altura para
os edifícios, recuos obrigatórios e o escalonamento dos recuos de acordo com
a altura do edifício.
Porém, a inauguração de dois edifícios na Park Avenue, em Midtwon,
centro financeiro de Nova York, estimularam a revisão da legislação: o edifício
Lever House, inaugurado em 1952, projetado pelo escritório Skidmore,
Owings & Merril LLP (SOM), composto por um bloco horizontal, suspenso do
Desenho Urbano - 157

pavimento térreo, que abriga uma praça coberta com livre passagem dos
pedestres (Figura 1); e o Seagram Building, inaugurado em 1958, projeto do
arquiteto Mies Van der Rohe, composto por uma única torre, recuada no
fundo do lote, e deixando a frente uma praça com dois espelhos d’água, e
assentos para a população (Figura 2).

Figura 1: Vista do edifício Lever House Figura 2: Vista da praça em frente ao edifício
(1952), Park Avenue, Nova York Seagram Building, Park Avenue, NY

Fonte: Acervo das autoras (2017). Fonte: Acervo das autoras (2017).

Essas novas formas de ocupação do lote introduzidas pelos dois


edifícios serviram de referência para algumas das inovações acrescentadas na
Resolução de Zoneamento de 1961 (ZONING RESOLUTION, 2012), que
impulsionaram a construção de edifícios com taxas de ocupação menores e
torres mais altas, permitindo o surgimento de mais áreas livres de edificações
dentro dos lotes. Dentre as novas determinações urbanísticas que
fomentavam essa nova configuração de edificações estava o sistema de
bonificação com incentivo ao empreendedor privado para a criação dos POPS.
A ideia era fomentar a introdução de áreas livres em frente ou entre
os edifícios, para a criação de praças ou passagens para pedestres,
melhorando assim a insolação e circulação de ar nas calçadas e nos térreos
dos lotes. Inicialmente, a resolução permitia alguns tipos de espaços como
praças e passagens, mas com o passar do tempo, passou a aceitar outras
formas de obtenção da bonificação, como o alargamento de calçadas, as
marquises cobertas e as passagens internas por dentro do pavimento térreo
do edifício.
158

O sistema de bonificação para a implantação de espaços de uso


público nos edifícios foi amplamente aceito e utilizado pelos
empreendedores. Kayden (2000) relata que dos 95 edifícios comerciais
construídos entre 1966 e 1975, que estavam habilitados a utilizar o sistema,
67 edificações, ou seja, 79% do total, o fizeram.
Com o objetivo de melhorar o padrão dos projetos e garantir as
qualidades necessárias para facilidade de acesso, uso e permanência das
pessoas, foi feita uma revisão da legislação, que resultou em uma emenda na
Resolução de Zoneamento, aprovada em 21 de maio de 1975.
Porém, mesmo com a introdução de regras mais precisas na emenda
de 1975, uma pesquisa realizada por Jerold Kayden, e relatada em seu livro
Privately Owned Public Space: the New York city experience (2000),
demonstrou que parte dos mais de 500 POPS existentes na cidade, não
apresentou qualidade suficiente ou equivalente à quantidade de área
construída obtida pelos empreendedores pelo sistema de bonificação. Parte
dos espaços públicos de propriedade privada se mostraram problemáticos,
alguns deles foram abandonados, descuidados e alguns foram privatizados.
Em decorrência dessas constatações, novas emendas de texto foram
introduzidas na Resolução de Zoneamento, uma em 2007 e três em 2009,
referentes às qualidades mínimas desejáveis para os POPS.
A partir do ineditismo de Nova York, outras cidades dos Estados Unidos
também incorporaram o sistema de bonificação para criação de POPS em
suas leis urbanísticas, como Boston, São Francisco, Seattle e Cambridge, assim
como cidades de outros países da Europa, como Londres.
Diante desse cenário, a pesquisa propõe a avaliação qualitativa de dez
POPS da cidade de Seattle. A investigação é parte integrante da linha de
pesquisa sobre espaços públicos contemporâneos do Grupo de Pesquisa
Arquitetura e Construção da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie. O grupo já analisou parcialmente os
espaços públicos de propriedade privada das cidades de São Paulo, João
Pessoa e Nova York (OLIVEIRA; PISANI, 2016; 2019).
A pesquisa utiliza do método de estudo de caso, por intermédio de
levantamentos de dados primários e secundários para analisar as qualidades
espaciais e ambientais dos POPS. O estudo de caso é uma investigação
empírica indicada para investigar “um fenômeno contemporâneo em
Desenho Urbano - 159

profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os


limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes” (YIN,
2010, p. 38), e que, portanto, aplicável e justificada para utilização nesta
investigação.
Os procedimentos de pesquisa utilizados compreenderam: seleção de
um fragmento urbano para estudo; levantamento e registro fotográfico e
cartográfico dos POPS localizados no setor escolhido; verificação das
qualidades dos espaços públicos de propriedade privada, segundo os critérios
selecionados da metodologia empregada por Gehl (2006); elaboração de
tabela síntese com as informações levantadas, e análise quantitativa e
qualitativa dos resultados obtidos.
É dentro deste panorama que a pesquisa procura contribuir para o
debate sobre os sistemas de espaços para uso público, criados dentro do
tecido privado e como eles podem contribuir para fomentar a vida social e
participativa das populações em setores adensados e verticalizados das
cidades contemporâneas.

1 SEATTLE

Seattle é uma cidade portuária do condado de King, no Estado de


Washington, na região noroeste dos Estados Unidos, distante apenas 180
quilômetros da fronteira com o Canadá (Figura 3). Tem uma população
estimada de 730.400 habitantes, com idade média de 35,5 anos. De 2015 a
2016, a população de Seattle aumentou de 684.443 para 704.358, um
aumento de 2,91% ao ano (DATAUSA, 2019, on-line).
Devido à localização estratégica no estuário de Puget, no Oceano
Pacífico, a cidade é uma zona portuária, configurando-se como importante
área de comércio e construção naval. Desde o início dos anos 2000, a região
vem passando por grandes mudanças na economia local. Os setores primários
de mineração, pesca e extração de madeira estão sendo superados pelo
crescimento do setor de serviços e tecnologia.
Esse processo teve início com Paul Gardner Allen (1953) e William
Henry Gates III, mais conhecido como Bill Gates (nascido em Seattle em 1955)
que juntos fundaram em 1975 a Microsoft, que atualmente é uma das
maiores empresas de software do mundo, e atualmente tem sua sede em
160

Redmond, cidade vizinha ao leste de Seattle. Outro importante


empreendedor é Jeff Bezos (1964), que lançou a empresa varejista de venda
pela internet, a Amazon.com, que escolheu Seattle como sede e que vem
erguendo um conjunto de novas edificações e complexos administrativos no
distrito de Downtown, denominado Campus Amazon.

Figura 3: Mapas de localização do Estado de Washington e da cidade de Seattle, EUA

Mapa dos Estados Unidos, em vermelho destaque


para o Estado de Washington.

Mapa da cidade de Seattle, em


vermelho destaque para o trecho em
Mapa de Washington, em vermelho destaque para a
estudo no distrito de Downtown.
cidade de Seattle no condado de King.

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Google Maps (2019).

A mudança no perfil econômico e produtivo tem apresentado


impactos sociais e urbanísticos na cidade. Cresceu o interesse na instalação
de empresas de tecnologia e de serviços na região, e que estão mudando até
mesmo o perfil da paisagem do centro financeiro da cidade, com o
surgimento de novos edifícios em altura, contrastando com o perfil dos
Desenho Urbano - 161

antigos galpões horizontais empregados no sistema de logística dos produtos


comercializados na cidade (Figura 4).
Seattle é uma das cidades que mais cresce nos Estados Unidos nas
duas últimas décadas, oferecendo oportunidades amplas no mercado de
trabalho e apresentando baixas taxas de desemprego. Esses fatores exercem
atração para novos moradores e tem desencadeado o aumento populacional,
que, por sua vez, gera demanda por novas moradias e infraestrutura. O
adensamento das áreas centrais e do entorno imediato é uma das
características desse fenômeno com a consequente escassez de oferta de
espaços públicos.

Figura 4: Vista dos edifícios corporativos do centro financeiro de Seattle, a partir da Columbia
Center Tower em direção ao Norte

Fonte: Acervo das autoras (2017).

2 OS POPS DE SEATTLE

Em algumas zonas da área central da cidade de Seattle, o sistema de


bonificação permite um aumento no índice do coeficiente de
aproveitamento36 ou do gabarito de altura ao empreendimento que fornecer

36
Coeficiente de Aproveitamento é o índice que indica qual o valor máximo de área a construir
computável e equivale ao fator que multiplicado pela área do lote do empreendimento, fornece
162

algum dos equipamentos ou espaço de uso público estipulados no Downtown


Amenities Standards (SEATTLE, 2014), que é o documento que especifica as
regras estabelecidas no Código Municipal de Seattle (SEATTLE, 2013).
Privately Owned Public Spaces (POPS), ou Espaços Públicos de
Propriedade Privada, são áreas de propriedade privada que estão abertas ao
acesso e uso do público em geral, e em Seattle estes espaços são constituídos
por praças, arcadas, átrios, rampas, e ruas verdes. Os POPS podem apresentar
diferentes horários de acesso e tipos de atividades permitidas.
Segundo dados da Administração Pública, Seattle possui atualmente
mais de 40 POPS, sendo que a maioria deles está concentrada no centro
comercial da cidade (PUBLIC SPACE PRIVATELY OWNED, 2019).
A presente pesquisa utiliza de uma seleção de três parâmetros para
analisar um trecho do centro empresarial da cidade de Seattle. Os parâmetros
qualitativos utilizados para avaliação dos POPs foram baseados na
metodologia de Gehl (2006), e estão relacionados com acessibilidade,
visibilidade e permanência.
Dentro dos três parâmetros, foram definidas as seguintes categorias
para análise:
• Acessibilidade: verificação se o espaço para uso público encontra-
se no mesmo nível de altura da calçada e se tem fácil acesso para
o pedestre, sem barreiras físicas ou visuais;
• Visibilidade: observar se o pedestre visualiza facilmente o
ambiente para uso público tanto da calçada para o ambiente,
quanto do espaço coletivo para a via pública; e
• Permanência: verificar a existência de assentos disponíveis para
uso público gratuito, sem vínculo de consumo obrigatório.

Para aplicação da avaliação das qualidades dos espaços públicos de


propriedade privada, foi selecionado um trecho de aproximadamente 1.200
metros na área central de Seattle, entre as ruas Mercer St. ao norte e Stewart
St. ao sul (Figura 5).

a metragem máxima de área permitida de construção. O sistema norte-americano denomina


este índice como Floor Area Ratio (FAR).
Desenho Urbano - 163

Figura 5: Mapa da região central de Seattle, com indicação dos 10 POPS analisados

Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de Google Maps (2019).


164

No trecho escolhido foram identificados dez empreendimentos que


estão relacionados pela Prefeitura da cidade como detentores da bonificação
do direito de aumentar a área construída útil da edificação em contrapartida
à criação de espaço público de propriedade privada. Os dez POPS foram
analisados a partir dos critérios: fácil acesso; visibilidade e assentos, e os
resultados são apresentados no Quadro 1:

Quadro 1: Dados do levantamento das qualidades de dez espaços públicos de propriedade


privada, POPS, da cidade de Seattle, EUA (2018)

a 3 parâmetros
POPS atendem
Denominação
inauguração

Fácil Acesso
Legenda do

Visibilidade
dos POPs

Assentos
Ano de
mapa

POP-1 2012 Nessie Amazon


POP-2 2008 Rufus Amazon
POP-3 2008 Van Vorst Amazon
POP-4 2007 Ruby Amazon
POP-5 2007 Enso Condominius
POP-6 1963 Sixth & Lenora
POP-7 1981 Westin Building
POP-8 2013 Doppler Amazon
POP-9 1969 Plaza 600
POP-10 1981 8th + Olive
Fonte: Elaborado pela autora, 2019.

Os resultados apontam que 80% dos POPS avaliados no trecho


selecionado atendem aos três parâmetros indicados por Gehl (2006) como
boas condições de espaços para uso público (Figura 6).
Na Figura 6 pode-se observar que os POPS ora analisados possuem
características comuns, tais como: o paisagismo para melhorar o microclima
e abrandar as vistas da cidade; equipamentos como bancos, lixeiras e outros
e sombreamentos. Apenas dois POPS, o POP7 Westin Building (de 1981) e o
POP9 – Plaza 600 (de 1969) não atenderam aos quesitos de assentos, fato que
impede a população de algumas funções, como o descanso.
Desenho Urbano - 165

Figura 6: Fotos dos dez POPS analisados em Seattle (2018)

POP-1 – Nessie Amazon POP-2 – Rufus Amazon

POP-3 – Van Vorst Amazon POP-4 – Ruby Amazon

POP-5 – Enso Condominius POP-6 – Sixth & Lenora

POP-7 – Westin Building POP-8 – Doppler Amazon

POP-9 – Plaza 600 POP-10 – 8th + Olive


Fonte: Elaborado pelas autoras (2019).
166

Oliveira e Pisani (2017) analisaram um segmento da Park Avenue em


Nova York, entre as ruas E48th St e E 59th St, que contêm 18 espaços de uso
coletivo, sendo todos de propriedade privada. O resultado da pesquisa
apontou que dos 18 espaços, 50%, ou seja, nove espaços de uso coletivo de
propriedade privada atendem aos três parâmetros apontados por Gehl
(2006).
Comparativamente, é possível observar que os POPS de Seattle
receberam uma avaliação melhor qualitativamente do que os POPS de Nova
York. Esse fato pode ser uma consequência, de que os POPS de Nova York são
mais antigos, com datas de inauguração entre 1966 e 1986, entre os que
foram selecionados para a pesquisa. Já os POPS de Seattle, a maioria foi
inaugurada mais recentemente, entre os anos de 2007 e 2012.
Em 2016, o Departamento de Construção e Inspeções de Seattle (SDCI)
fez uma análise dos POPS da cidade. Na época a cidade contava com 40
unidades que estão distribuídos desde o Distrito Universitário até West
Seattle. As formas e dimensões desses POPS variam e estão configurados em
praças, terraços, passagens e miolos de quadra. Entre as recomendações
finais deste trabalho constam que os POPS deveriam ter programações
similares aos dos espaços públicos de propriedade pública, principalmente
àquelas não relacionadas com o comércio. Uma das queixas dos usuários é o
grande número de comércios nestas áreas (FESLER, 2016).
Os POPS implantados a partir de 2015 não estão localizados no centro
da cidade. O Campus da Amazon em South Lake Union, que não para de
crescer, tem quatro POPS que são conectados às construções, com forma de
praças intermediárias e internas aos blocos construídos e aos demais espaços
públicos que não possuem o fomento (FESLER, 2016).
Atualmente, o Office of Planning & Community Development (OPDC)
(Escritório de Planejamento e Desenvolvimento Comunitário), órgão
administrativo da prefeitura de Seattle, está propondo uma atualização do
programa do zoneamento de incentivo, que é o instrumento que permite que
os novos empreendimentos, em determinadas áreas da cidade, possam
usufruir da bonificação com aumento de área a construir, sendo que os POPS
estão incluídos nesses instrumentos. O objetivo da atualização compreende:
a criação de um programa claro e consistente; alcançar melhores resultados
nos benefícios públicos; e melhorar os processos de autorização, controle e
Desenho Urbano - 167

fiscalização por parte da administração pública (INCENTIVE ZONING UPDATE,


2019).
As pesquisas sobre o desempenho dos POPS são importantes para a
formulação de políticas públicas porque o centro da cidade de Seattle, apesar
de ser predominantemente comercial, possui a densidade residencial similar
a dos bairros circundantes, variando de 15 a 56 pessoas por acre. A oferta de
emprego permanece durante anos e se projeta mais crescimento,
demandando infraestrutura para os novos moradores. O centro da cidade não
possui mais espaço para aumentar seus espaços públicos, e nesse quadro, a
oportunidade de implantar espaços de uso coletivo nas propriedades
privadas continuam sendo uma ação de melhoria na qualidade de vida. Esses
espaços são essenciais para amparar pessoas que vivem, trabalham ou
circulam na área central, pois auxiliam os moradores urbanos a relaxar,
exercitar e socializar (URBANIST THE NORTHWEST, 2018).
Como Seattle não para de crescer em função da economia forte que
tem apresentado nas últimas décadas, a falta de espaços públicos nas áreas
centrais é um dos maiores problemas apontados pela população. O aumento
de espaços públicos de propriedade privada (POPS) pode ajudar, desde que,
ao aprová-los, os gestores urbanos verifiquem se não estão ocultos, mal
equipados ou com muitos elementos comerciais inibidores para o uso
constante por parte dos cidadãos.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de o sistema de bonificação ter sido criado em 1961, portanto,


há 58 anos, este ainda não foi abandonado por trazer uma série de benefícios
aos cidadãos. O emprego da estratégia adotada pelos POPS é conveniente
quando a cidade não apresenta um sistema de áreas livres onde possam ser
implantados parques e praças maiores que propõem tornar o espaço público
mais bem usufruído de forma democrática pela população. A relação dos
edifícios com a cidade se torna aprazível e os cidadãos têm mais
oportunidades de convívio cidadão, descanso, lazer e interação. Essas
propriedades se tornam ainda mais capitais em uma cidade que recebe
sistematicamente cidadãos de várias partes do mundo, e necessita de
espaços públicos qualificados, privilegiando atividades com valores sociais e
culturais, como o caso da cidade de Seattle.
O método empregado nesta pesquisa para a avaliação dos POPS é
suficiente para indicar alguns motes de qualidade, porém outros elementos
168

poderiam ser agregados, tais como os de conforto (iluminação, ventilação,


temperatura, umidade relativa do ar, acústica e vistas). Esses dados dariam
diretrizes mais precisas sobre os quesitos de partido que careceriam de
incrementos em cada projeto, tais como: lâminas de água, vegetação,
sombreamentos, barreiras visuais e para o vento, entre outros.
Os resultados desta pesquisa podem auxiliar tanto nas políticas
públicas como na elaboração de novos projetos de espaços públicos de
propriedade particular. A quantidade e os atributos das áreas de usos
públicos estão proporcionalmente atrelados à qualidade de vida de seus
cidadãos.

REFERÊNCIAS

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fev. 2019.
FESLER, S. Seattle’s review of privately-owned public spaces. The urbanist. 4 nov. 2016.
Disponível em: https://www.theurbanist.org/2016/11/04/seattles-update-on-
privatelyowned-public-spaces/. Acesso em: 18 fev. 2019.
GEHL, J. La humanización del espacio urbano: la vida social entre los edificios. Barcelona:
Reverté, 2006.
GOOGLE MAPS. Dados do mapa. Google, 2019. Disponível em: https://www. google.com.br/
maps/. Acesso em: 16 fev. 2019.
INCENTIVE ZONING UPDATE. Office of planning & community development. Seattle, 2019.
Disponível em: http://www.seattle.gov/opcd/ongoing-initiatives/incentive-zoning-
update#background. Acesso em: 16 fev. 2019.
KAYDEN, J. S. Privately owned public space. New York: The New York City Department of City
Experience, 2000.
OLIVEIRA, L.; PISANI, M. A. J. Espaços públicos de propriedade privada: os POPS de Nova York.
Paisagem e Ambiente, São Paulo, n. 39, p. 113-132, out. 2017. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/paam/article/view/122844. Acesso em: 24 jan. 2019.
OLIVEIRA, L.; PISANI, M. A. J. Os espaços coletivos das centralidades urbanas: circulações e
permanências em São Paulo e João Pessoa. In: COSTA, A. D. L.; SILVA, M. D.; SILVEIRA, J. A.
R. Qualidade de vida na cidade: lugares e suas interfaces. João Pessoa: AB, 2016. p. 16-42.
Disponível em: https://issuu.com/laurbeufpb/docs/qualidade_de_vida_na_cidade__e-
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PRIVATELY OWNED PUBLIC SPACE. Department of Construction & Inspections. POPS. Seattle,
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março de 1946 e alterado em 5 de novembro de 2013. Seattle, Washington, EUA.
Disponível em:
Desenho Urbano - 169

https://library.municode.com/wa/seattle/codes/municipal_code?nodeId=THCH. Acesso
em: 4 fev. 2019.
SEATTLE (Cidade). Downtown Amenities Standards, documento que especifica as regras
estabelecidas nos capítulos 23.49 e 23.58 do Código Municipal de Seattle, e que foi
aprovado em 29 de setembro de 2014. Disponível em: http://www.seattle.gov/
Documents/Departments/SDCI/Codes/DowntownAmenityStandards.pdf. Acesso em: 4 fev.
2019.
SOLÁ-MORALES, M. Espaços públicos, espaços coletivos. In: Os centros das metrópoles:
reflexões e propostas para uma cidade democrática do século XXI. São Paulo: Associação
Viva O Centro, 2001.
URBANIST THE NORTHWEST. Public risks being left behind as downtown Seattle land runs out. 4
abr. 2018. Disponível em: https://thenorthwesturbanist.com/2018/04/04/public-risks-
being-left-behind-as-downtown-seattle-land-runs-out/. Acesso em: 19 fev. 2019.
ZONING. Resolution of the city of New York. City Planning Commission, 2012. Disponível em:
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YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e método. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.
170
Desenho Urbano - 171

Capítulo 9

A PROBLEMÁTICA DA URBANIZAÇÃO NA REGIÃO AMAZÔNICA:


ESTUDO DE TIPOS DE TECIDO URBANO NO DISTRITO DA MOOCA, SP

Adilson Costa Macedo37


Maria Isabel Imbronito38

1 INTRODUÇÃO

Neste artigo, apresenta-se o resultado parcial de um estudo sobre


tipos de tecido urbano presentes no Distrito da Mooca, considerado um
exemplo das transformações que tem ocorrido em áreas de origem industrial
na cidade de São Paulo.
O Distrito da Mooca foi escolhido para estudo devido à sua história
como área de passagem de pessoas e mercadorias para o porto de Santos,
justificando a atração para as plantas industriais e moradia, determinando um
tipo específico de tecido urbano caracterizado pela coexistência de indústrias
junto a agrupamentos residenciais. A proximidade da Mooca com a área
central da cidade estimulou um rápido processo de transformação no século
XXI, que apresenta relação direta com o tipo de parcelamento e de uso do
solo encontrado39.
A transferência das indústrias de porte para fora da cidade de São
Paulo resultou na disponibilidade de terrenos de grandes dimensões, nos
quais se identifica acentuado processo de verticalização em um período
recente. Por outro lado, nota-se a permanência de porções preservadas de
ocupação residencial e de serviços com base no lote estreito de pouca
profundidade, característico da ocupação tradicional do bairro. Destacam-se
as edificações de um ou dois pavimentos residenciais e notadamente
esquinas com comércio no térreo e até dois pisos superiores para residências

37 Doutor em Arquitetura e Urbanismo, professor da Universidade São Judas Tadeu. E-mail:


ac.macedo@terra.com.br
38 Doutora em Arquitetura e Urbanismo, professora da Universidade São Judas Tadeu e

Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: imbronito@gmail.com


39 A distância da área de estudo no distrito da Mooca até a Praça da Sé, Centro da cidade, é de

aproximadamente 3,5 quilômetros.


172

ou escritórios. Esta tipologia cria um contexto urbano que hoje leva a uma
leitura da granulometria do bairro por manchas que contrastam
significativamente com a forma do tecido urbano recente, onde surgem os
edifícios em altura.
Este contexto rico de significados relativos à evolução urbana da
cidade motiva a pesquisa em andamento na Universidade São Judas Tadeu,
sob a responsabilidade do Grupo de Pesquisa Arquitetura da Cidade (GPAC),
sobre as transformações do tecido urbano de bairros de origem industrial,
disseminados pela megalópole de 11 milhões de habitantes 40. Nesta fase, a
pesquisa restringe-se à análise das características físicas de porções de tecido
urbano selecionadas no distrito da Mooca, através da abordagem de
elementos que compõem o tecido: rua, quadra, lote e edifício (RQLE).

Componentes do tecido urbano para análise

Os componentes físicos do tecido urbano de interesse para esta


pesquisa são os seguintes:
Rua (R): constituída pelo espaço vazio público que separa as quadras
e permite a passagem de pessoas, veículos e infraestrutura.
Quadra (Q): definida como uma área delimitada por vias públicas, que
pode apresentar forma e dimensões variadas. Nesse sentido, existe relação
direta entre o traçado viário e o desenho das quadras.
Lote (L): fração de terreno que resulta do parcelamento da quadra. No
caso extremo, o lote poderá coincidir com toda a quadra.
Edifício (E): construção que emerge no lote. Seu conjunto na quadra
marca a volumetria e contribui para a caracterização do tecido urbano.
Os elementos RQLE são estruturadores do tecido urbano e básicos
para os procedimentos metodológicos dos estudos de Morfologia Urbana.
Existem as mais variadas definições desses elementos, pois são sempre
introdutórios para a análise da forma urbana (OLIVEIRA, 2016, p. 15).

Área selecionada para estudo

O distrito da Mooca tem área total de 770 ha, com população de


75.724 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 2010). A área escolhida para estudo constitui apenas parte
do distrito, e foi recortada a partir de vias de tráfego que delimitam o trecho

40
Censo do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). A Região metropolitana tem
população de 20 milhões.
Desenho Urbano - 173

estudado. Por critério empírico consolidou-se o interesse para a pesquisa na


porção de 72 ha compreendido entre as ruas Taquari (A), Siqueira Bueno (B),
Fernando Falcão (C), Rua da Mooca (D), Itaqueri (E), Rua dos Trilhos (F) e Rua
Catarina Braida (G) (Figura 1). Nota-se na parte superior da imagem, na
direção leste-oeste, o corredor Alcântara Machado (Radial Leste) e o Metrô
(transporte por trilhos). Uma grande área de uso institucional localiza-se ao
lado do trecho em estudo, entre a Rua Taquari (A) e a Radial Leste. Nota-se,
à esquerda, uma ligação viária no sentido norte-sul, dada pelo corredor
Bresser/Paes de Barros.

Figura 1: Foto aérea da área selecionada, que corresponde a um trecho do Distrito da Mooca.
Norte para cima

Fonte: Google Earth, figura tratada pelos autores, acesso em 04.05.2016.


174

Figura 2: Recortes da foto área selecionada, onde se destacam os três tipos em análise

2A 2B 2C

Fonte: Google Earth, figura tratada pelos autores, acesso em 04.05.2016.

O trecho selecionado é representativo da variedade de fragmentos de


tecidos urbanos encontrados na Mooca. Foram determinados três tipos de
tecido para estudo conforme os recortes mostrados na Figura 2. São eles:
parcelamento de lotes pequenos para uso residencial; conjuntos residenciais
modernos; condomínios-clube em antigas glebas industriais.

2 PARCELAMENTO EM LOTES PEQUENOS PARA USO RESIDENCIAL

Este recorte do tecido urbano destaca-se pela predominância de lotes


pequenos, cuja testada apresenta entre 3 e 10 m, e profundidade em torno
de 25 m. A profundidade destes lotes foi determinante para a conformação
de quadras estreitas e subdivididas por passagens locais, de modo a permitir
ao empreendedor da época melhor rendimento quanto ao número de lotes a
serem obtidos. Deste modo, ficou estabelecida uma relação indissociável
entre traçado viário, quadra e lote, no momento de formação deste tecido. O
traçado viário resultante do processo de urbanização, em vez de contemplar
um plano geral para a região, determinou uma profusão de ruas locais
descontínuas para acesso aos lotes. Em muitos casos, nesses lotes foram
construídas casas em fileiras por empreendedores privados, para ser vendido
à classe operária.
Grande parte do trecho analisado é constituído por este tipo de tecido,
cuja ocupação dá-se a partir de edifícios de tipos variados, mas que, em seu
conjunto, apresenta um aspecto horizontal homogêneo e altamente
ocupado.
A principal característica a notar sobre o traçado e a conformação das
quadras neste trecho é a existência de ruas perpendiculares à rua Siqueira
Bueno, dispostas de modo equidistante a cada 200 m em direção à rua
Sapucaia e av. Cassandoca, determinando um primeiro fracionamento do
sítio. A partir desta disposição ordenada do viário, que contém vias mais
largas e regulares, verifica-se a subdivisão em quadras menores, que são
configuradas pela proliferação de vias locais e passagens. O desenho das ruas
Desenho Urbano - 175

locais busca propiciar a maior quantidade possível de lotes com 25 m de


profundidade para venda, o que determinou quadras estreitas com desenhos
variados. O traçado dessas passagens e ruas locais não ficou submetido a uma
visão unitária do conjunto do tecido e foi executado por partes, sob iniciativa
do loteador e atendendo ao objetivo de propiciar acesso aos lotes, fato
averiguado pelo não alinhamento ou continuidade dessas ruas e pelas
diferentes soluções encontradas para a conformação das quadras.
Caracteriza esta ocupação:
a) vias locais estreitas e sem continuidade, com dimensão de
passagem;
b) quadras estreitas, com largura média em torno de 50 m;
c) variação da conformação e da direção predominante das quadras;
d) presença de ruas sem saída, com grupos de lotes conformando
vilas;
e) intenso parcelamento das quadras, com lotes com frente estreita
e dimensão variada;
f) renques de casas idênticas ou conjuntos compostos por grupos de
casas;
g) habitações compartilhando acessos (casas sobrepostas e casas no
fundo do lote);
h) situações de conjuntos de casas com edifícios comerciais nas
esquinas como parte do mesmo conjunto;
i) edifícios comerciais com habitação sobreposta.
176

Figura 3: Tecido tipo 1. De baixo para cima: diagramas de quadras, cheios e vazios,
parcelamento

Fonte: Desenho dos autores (2016).


Desenho Urbano - 177

O intenso parcelamento vem acompanhado de alta taxa de ocupação


do lote, o que resulta num tecido horizontal muito denso e intensamente
construído. As poucas áreas livres remanescentes são, além das vias e
calçadas públicas, os pequenos recuos laterais e, por vezes, recuos de frente
ou de fundo, notando-se a existência de muitas construções executadas no
alinhamento da calçada e a ocupação dos recuos remanescentes ao longo do
tempo. Deste modo, apesar da aparência de um tecido de baixo impacto
ambiental, por apresentar baixo gabarito, o que se verifica no diagrama de
cheios e vazios é a alta taxa de ocupação do lote, que fica em torno de 0,72
(por amostragem, extraída das quadras centrais do trecho selecionado),
acompanhada por alto índice de impermeabilização do solo e dificuldade em
iluminar e ventilar ambientes no miolo do lote.
O intenso parcelamento em lotes pequenos favoreceu a permanência
deste tipo de tecido urbano em contraposição ao surgimento de edifícios
verticalizados que têm ocupado os grandes lotes remanescentes das
indústrias. Este processo determinou a morfologia e a paisagem urbana
observada nas fotos da Figura 4: a convivência entre casas e torres
residenciais.

Figura 4: Renques de casas, com comércio nas esquinas. Ao fundo, torres residenciais
do tecido tipo 3

Fonte: Fotos dos autores (2015).


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Tecido tipo 2 – Conjuntos residenciais modernos

No trecho selecionado do distrito da Mooca, duas grandes glebas


sofreram processo de urbanização para a construção de conjuntos de
habitação coletiva durante os anos 1940 a 1970: um conjunto feito em 1946
pelo Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários (IAPI) e outro, de
1947, a cargo do Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Empregados em
Transportes e Cargas (IAPETC). Apesar de concebidos e executados no mesmo
período, os conjuntos seguem modelos e orientações distintas.

Figura 5: Tecido tipo 2. De baixo para cima: diagramas de quadras, cheios e vazios,
parcelamento. Conjunto A (IAPETC) e conjunto B (IAPI)

Fonte: Desenho dos autores (2016).


Desenho Urbano - 179

O conjunto do IAPETC (Núcleo Residencial da Mooca 41) apresenta


traçado muito adequado à topografia, quando comparado à totalidade da
área em estudo. Em contraste com as vias do entorno, o arruamento em
semicírculo coincide com as curvas de nível do terreno original. A sequência
de vias curvas, cada qual em uma cota diferente, determina edifícios
implantados em platôs que seguem a declividade do terreno natural. As ruas
são articuladas por passagens transversais de pedestre vencendo os desníveis
(Figuras 9 e 10). A relação entre a declividade e o arruamento fica evidente
no desnível entre os blocos implantados em quadras diferentes.
Conforme Bonduki e Koury (2012, p. 272), o conjunto ocupou
inicialmente apenas parte da gleba, deixando vazias algumas quadras nas
quais foram implantados edifícios pelo Banco Nacional de Habitação (BNH)
nos anos 1970. Na implantação dos conjuntos misturaram-se modelos
diferentes de ocupação, notados tanto através do diagrama de cheios e vazios
como pelo mapeamento dos lotes (Figura5). No plano inicial de 1947, as
quadras das cotas mais altas foram ocupadas com uso de praça e igreja
(Figura 5, A1), seguida por quadras com edifícios de habitação com três
pavimentos (Figura 5, A2) e quadras onde foram erguidas casas em renques
(Figura 5, A3). Em ambos os casos, o parcelamento determinou lotes
separados por edifício. Nesses segmentos do anel, os edifícios que arrematam
as quadras transversalmente foram projetados com comércios nos térreos,
uma vez que ficam voltados para rua movimentada em uma das bordas do
conjunto.
Nas quadras mais baixas, onde foram executados os prédios de
habitação pelo BNH, não houve parcelamento em lotes. Os edifícios com
piloti (estacionamento no térreo) e três pavimentos compartilham as áreas
verdes por quadra. Fica evidente que este trecho do conjunto é o que
apresenta menor taxa de ocupação (0,32), quando comparada com a taxa
obtida nas quadras de residências unifamiliares (0,77) e nas quadras com
blocos de três pavimentos de 1947 (0,53). A quadra mais baixa, na borda do
conjunto, contém uso institucional e abriga uma escola.
O Conjunto Residencial da Mooca executado pelo IAPI42 (Figura 7;
Figura 8) do mesmo modo que o Conjunto IAPETC, possui traçado
característico que se adapta ao local. Devido ao tamanho da gleba, o
arruamento, definido no momento do projeto do conjunto, possui como
característica específica uma rua curva que converge para uma praça no

41Projeto dos blocos: Escritório Técnico Ramos de Azevedo; projeto dos sobrados: Jayme C.
Fonseca Rodrigues. Conforme Bonduky e Khoury (2014).
42 Projeto do arquiteto Paulo Antunes Ribeiro. Conforme Bonduky e Khoury (2014).
180

encontro entre a rua dos Trilhos e a rua Catarina Braida. A rua curva
determina quadras irregulares que assimilam diferentes comprimentos de
edifícios laminares que se utilizam da mesma tipologia.
A gleba foi separada em quadras e lotes, sendo um para cada edifício.
O modelo proposto é de edifícios verticais para habitação coletiva, de baixo
gabarito servido por escadas, em meio ao verde. No diagrama de cheios e
vazios foram descontadas as coberturas para automóveis hoje existentes e
adaptadas nas áreas verdes correspondentes a cada bloco, de modo que o
diagrama reproduzido na Figura 7 corresponde à proposta original. O
conjunto contaria com uma praça central que faz frente para as duas ruas que
cortam o conjunto. A praça hoje constitui um lote em posse da União e os
jardins dos edifícios ficam entre grades, o que compromete de certa forma a
proposta original de habitar em meio ao verde. A questão do fechamento por
grades aparece na maioria dos conjuntos e reflete a síndrome por segurança
que é comum hoje em dia na cidade de São Paulo.
Neste modelo, a taxa de ocupação do lote fica em 0,26.

Figura 6: Conjunto Residencial do IAPI (1947)

Fonte: Fotos dos autores (2016).

Figura 7: Conjunto Residencial do IAPETC (1947). Edifícios de três pavimentos

Fonte: Fotos dos autores (2016).


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Figura 8: Conjunto promovido pelo BNH, anos 1970. Edifícios com térreo livre (garagem) mais
três pavimentos

Fonte: Fotos dos autores (2019).

3 CONDOMÍNIOS-CLUBE EM GRANDES TERRENOS DE ORIGEM INDUSTRIAL

No distrito da Mooca, no início do século XX, as superfícies planas


abrigaram plantas industriais. Apesar de haver concentração das grandes
quadras industriais na parte baixa do distrito (na várzea do Rio Tamanduateí)
e, portanto, fora da área de estudo, é possível notar por todo o distrito a
presença de quadras para uso industrial intercaladas com quadras de uso
residencial. No processo de transformação recente do distrito, a partir dos
anos 2000, os lotes das antigas indústrias (por vezes, coincidentes com a
totalidade da quadra) deram lugar a condomínios residenciais verticais. Na
área em estudo, foram selecionados três fragmentos deste tipo. Por serem
de alto padrão e repletos de equipamentos de lazer, esses condomínios vêm
sendo denominados “condomínios-clube”. Caracteriza um condomínio clube:
a) grandes lotes;
b) presença de várias torres por empreendimento;
c) acentuada verticalidade – edifícios com cerca de 30 pavimentos;
d) presença de diversos itens de lazer;
e) predomínio de acesso por automóvel, diversas vagas por
unidade;
f) acesso único ao conjunto, controle de acesso de pedestres e
veículos;
g) muros altos contornando a área.

A legislação municipal em vigor nos anos 2000 reforçou este tipo de


ocupação, determinando porcentagens de áreas não computáveis para efeito
de área construída, para os usos comuns nos pavimentos térreos,
determinando uma profusão de itens de lazer nos empreendimentos. Além
disso, o controle de acessos e a segurança são itens buscados pelos
moradores de tais conjuntos.
182

Esta ocupação recente gerou uma transformação no tecido urbano do


distrito, que hoje é marcado pela convivência do modelo predominante do
lote estreito e casa unifamiliar, com altas torres habitacionais presentes na
paisagem do bairro.

Figura 9: Tecido tipo 3. De baixo para cima: diagramas de quadras, cheios e vazios com
preenchimento apenas dos edifícios verticalizados, parcelamento mostrando os lotes da quadra
em que os conjuntos se inserem

Fonte: Desenho dos autores (2019).


Desenho Urbano - 183

A existência desses condomínios tem transformado o padrão dos


comércios e sua relação com a rua, tem impactado no fluxo de automóveis,
etc. Ainda que mantidos os antigos comércios e serviços do bairro, algumas
bordas desses conjuntos tem street-malls com vagas de carros em frente,
para atender ao novo público morador do bairro. O uso de comércio foi
incentivado recentemente através das fachadas ativas previstas no Plano
Diretor (PDE) do município de São Paulo.
A ocupação desses lotes é intensa, porém grande parte é de baixo
gabarito, determinada por subsolos e sobressolos, com garagens na quase
totalidade da área dos terrenos. Por outro lado, o grande contraste de
gabarito entre os embasamentos e as torres passa a impressão de terrenos
pouco ocupados. Assim, optou-se por desenhar o contorno dos
embasamentos e dos edifícios baixos, e preencher apenas a projeção das
torres habitacionais no diagrama de cheios e vazios. O cálculo da taxa de
ocupação, considerando-se apenas a parte verticalizada para efeito de
cálculo, fica em torno de 0,17.

Figura 10: Condomínios-clube, anos 2000

Fonte: Fotos dos autores (2019).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O distrito da Mooca é um exemplo de bairro de origem industrial na


cidade de São Paulo. O tecido original marcado pela coexistência de plantas
industriais ocupando grandes lotes, e agrupamentos de casas unifamiliares
com base em pequenos lotes, deu lugar a uma transformação recente, cujos
fatores desencadeantes estão relacionados à evasão das indústrias, que
disponibilizou grandes terrenos, e ao processo de verticalização impulsionado
pela movimentação do mercado da construção civil.
O parcelamento do solo, sendo mais difícil de ser modificado, é um
fator determinante da localização dos recentes empreendimentos verticais,
denominados “condomínios-clube”. Por outro lado, o intenso parcelamento
das antigas áreas residenciais determinou bolsões preservados de uso
184

residencial e de comércio, em uma ocupação predominantemente horizontal.


Outro fator que contribuiu para a manutenção destas áreas horizontais é a
presença de ruas locais estreitas, que apresentam restrições para a
verticalização e mudança de uso na legislação municipal atual.
Enquanto os condomínios verticais recentes não favorecem a
desejável vida urbana, sendo caracterizados por extensos muros com
controle e vigilância de acessos, o antigo uso residencial com base na casa
individual contemplava, em sua origem, comércios nas esquinas e a relação
direta da moradia com a calçada. A dificuldade de reunião dos pequenos lotes
em um lote passível de receber conjuntos verticais e a existência de grandes
áreas preservadas com este tipo de ocupação sugere a ação de políticas
urbanas de proteção a essas áreas, marcadamente contrastantes com relação
aos recentes condomínios emparedados.
Outro tipo de tecido é encontrado em quadras ocupadas por conjuntos
de habitação coletiva de médio gabarito (3 a 4 pavimentos), que foram
executados entre os anos 1940-1970. Esses conjuntos, nos quais foram
aplicadas as propostas modernas de moradia agrupada em meio às áreas
livres, são o testemunho de um tipo de moradia para população operária,
com características específicas de traçado, ocupação e relação de cheios e
vazios, que hoje apresentam interesse para preservação.

REFERÊNCIAS

BARNETT, J.; BEASLEY, L. Ecodesign for cities and suburbs. Washington: Island Press, 2015.
BONDUKI, N.; KOURY, A. P. Os pioneiros da habitação social. São Paulo: Editora Unesp/Edições
SESC-SP, 2014. v. 2. Inventário da produção pública no Brasil entre 1930 e 1964.
BUSQUETS, J. Revisiting the urban grid: applied research. Harvard Design Magazine, Cambridge,
MA, n. 37, 2014.
COELHO, C. D. O tecido, leitura e interpretação. In: COELHO, C. D. (Org.). Caderno MUrb de
Morfologia Urbana 1: Os elementos urbanos. Lisboa: Argumentum, 2013.
MACEDO, A. C.; KHOURY, A. P.; GONÇALVES, P. E. B. Transformações da forma urbana do distrito
da Mooca. Integração, São Paulo, n. 52, 2008.
OLIVEIRA, V. Urban morphology: an introduction to the study of the physical form of cities.
Zurique: Springe, 2016.
Desenho Urbano - 185

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