Bad Cruz - L.J. Shen

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Eu diria que o Dr. Cruz Costello é meu arqui-inimigo.

Isso, contudo exigiria o reconhecimento um do outro, o que não fazemos


há mais de uma década.

Ele é o menino de ouro da cidade. O amado quarterback1-que-se-


tornou-médico.

Eu sou a garota que engravidou aos dezesseis anos e agora trabalha


em uma lanchonete.

Ele é da realeza de Fairhope.

Eu ganho minha dose monárquica através das fofocas nos tabloides.

Ele é abastado.

Eu sou... bem, desprovida.

Quando nossos irmãos ficam noivos, os pais de Cruz convidam ambas


as famílias para um cruzeiro pré-casamento.

Exceto que Cruz e eu nos encontramos presos em um navio diferente de


todos os outros.

São dez dias horríveis e insuportáveis no mar com um homem que não
suporto.

(A culpa é minha, é claro).

Quando o álcool entra, porém, os segredos saem, resta-me uma


pergunta:

Posso me arriscar de novo no amor?

1-Quarterback é uma posição do futebol americano.


“Quando as mulheres erram, os homens seguem logo atrás
delas”.

– Mae West

“O verdadeiro amor é cantar karaokê ‘Under Pressure’ e deixar


outra pessoa cantar a parte de Freddie Mercury.”

– Mindy Kaling
Para a verdadeira Sra. Turner. Pode ter a parte de Freddie
Mercury em qualquer dia da semana.
Importante lembrar que eu, Tennessee Lilybeth Turner,
não tentei matar ninguém.

Olha, não estou dizendo que não tenha contemplado


matar as pessoas no passado, nem sou virtuosa o bastante
para declarar que ficaria terrivelmente triste em saber que
algumas pessoas (tudo bem, a maioria das pessoas) nesta
cidade encontrou sua lamentável e prematura morte.

Embora tirar a vida de uma pessoa?

Nuh-uh.

Isso é algo que sou cem por cento incapaz de fazer.

Mentalmente, quero dizer.

Fisicamente, com certeza poderia derrubar uma cadela se


me concentrasse nisso. Estou em muito boa forma depois de
trabalhar em pé o dia todo carregando bandejas de dez quilos
cheias de comida gordurosa.

Emocionalmente, simplesmente não conseguiria viver


comigo mesma se soubesse que fizera o coração de outra
pessoa parar de bater.

E depois tem a parte de ir para a cadeia, na qual também


não estou muito entusiasmada. Não que eu seja mimada nem
nada, mas sou exigente e nunca tive um colega de quarto. Por
que começar agora?

Além disso, meio que alcancei minha cota de pecados nas


últimas três décadas. Matar alguém neste momento seria –
desculpe meu trocadilho – exagero2. Como se eu estivesse
monopolizando toda a mídia negativa que Fairhope, na
Carolina do Norte, destinou aos seus cidadãos.

Lá se vai Messy Nessy3 novamente. Com seu bebê fora do


casamento, tendências de socar a garganta e assassinatos
espontâneos.

(Explicarei o incidente do soco na garganta no tempo


devido. O contexto é crucial para essa história.)

Então, agora que está estabelecido que definitivamente,


certamente, inquestionavelmente, não tentei matar ninguém,
há uma coisa que devo deixar claro:

Gabriella Holland merecia morrer.

2-Em inglês a autora utilizou a palavra “overkil”, que significa exagero. A parte final, “kill”, significa
morte, daí o trocadilho que não tem o mesmo sentido em português.
3-Nessy Caótica/Bagunceira – apelido.
Havia noventa e nove vírgula nove por cento de chance de
eu matar alguém nesta lanchonete nesta tarde ensolarada e
despretensiosa.

O adolescente com o moletom Drew4 amarelo, aparelho


colorido e expressão chapada, deliberadamente deixou cair o
garfo sob a mesa da cabine de vinil vermelho que ocupava.

— Oops — disse ironicamente. — Eu sou desajeitado. Vai


pegá-lo ou o quê?

Ele me lança um sorriso cheio de metal e pedaços de


waffle. Seus três amigos gargalharam ao fundo, acotovelando-
se com piscadelas significativas.

Olhei para ele sem expressão, me perguntando se queria


envenená-lo ou estrangulá-lo. Veneno, decidi, era melhor. Pode
ser uma maneira covarde de matar, mas pelo menos não teria
que arriscar uma unha quebrada.

4-Marcade roupas/moletom lançada pelo artista canadense Justin Bieber, leva o seu nome do meio,
tem uma vibe streetwear, além se ser unissex. A maioria dos moletons tem um emoticon como
estampa.
As minhas unhas de gel pontiagudas, estilo Cardi B5,
eram preciosas para mim.

Seu pescoço, decididamente, não.

— Você não tem mãos? — Estalei meu chiclete rosa na


sua cara, batendo meus cílios postiços, desempenhando o
papel que esta cidade me deu, a bimbo6 cabeça de vento com o
cabelo loiro grande, que mal era alfabetizada, e destinada a
servir hambúrgueres para a eternidade.

— Sim, e adoraria mostrar a você do que elas são capazes.

Seus amigos uivaram, alguns deles tendo um ataque de


tosse, batendo palmas e curtindo o show. Senti Jerry, meu
chefe, me olhando do outro lado do balcão enquanto o
enxugava furiosamente com um pano de prato
aproximadamente da minha idade.

Seu olhar me disse para não cuspir “acidentalmente” meu


chiclete no refrigerante (Tim Trapp teve o que mereceu. Ele
insinuou que eu deveria me tornar uma prostituta para colocar
meu filho na faculdade). Aparentemente, não podíamos pagar
as taxas legais nem a reputação problemática.

Jerry era o proprietário da Jerry & Sons. O único


problema com esse nome maravilhoso era que não havia filhos.

Quero dizer, havia.

5-BelcalisMarlenis Almánzar, popularmente conhecida como Cardi B, é uma rapper americana.


6-Uma mulher bimbo é uma jovem atraente mas estúpida.
Eles estavam vivos e tudo mais. Eram apenas preguiçosos
e queimavam seus salários não ganhos com mulheres, jogos
de azar, álcool e esquemas em pirâmide. Exatamente nessa
ordem.

Sabia, porque deveriam trabalhar em turnos aqui, e no


entanto, na maioria das vezes, era só eu.

— Tem algum problema, Turner? — Jerry mascava


tabaco. As folhas davam a seus dentes um tom estranho de
amarelo-urina. Ele me olhou significativamente do outro lado
do balcão.

Que droga.

Eu precisava segurar as pontas e simplesmente fazê-lo,


mas odiava adolescentes com tesão que só entravam para
verificar o que estava sob meu vestido.

As garçonetes de Jerry (ou: eu, era a única garçonete


aqui) usavam vestidos bem reduzidos porque disse que nos
dava (de novo: eu) gorjetas melhores. Não dava. Desnecessário
dizer que usar o uniforme era obrigatório. Listrado branco e
rosa, e mais curto que o pavio de um touro.

Como eu era muito alta para uma mulher, metade da


minha bunda ficava totalmente à mostra sempre que me
abaixava com essa roupa. Poderia me agachar, mas então
corria o risco de mostrar algo ainda mais reservado do que meu
traseiro.

— Bem? — O garoto de moletom amarelo bateu com o


punho contra a mesa, fazendo os utensílios fazerem barulho e
pratos cheios de waffles quentes e macios voarem um
centímetro no ar. — Terei que me repetir? Todos nós sabemos
por que está usando esse vestido, e não é porque gosta da
brisa.

Jerry & Sons era o tipo de lanchonete de cidade pequena


que se via nos filmes e pensava consigo mesmo: não há como
um buraco de merda como esse realmente existir.

Piso de linóleo xadrez preto e branco que já viu dias


melhores – provavelmente no século dezoito. Cabines de vinil
vermelho esfarrapadas. Um jukebox7 reproduzia
aleatoriamente “All Summer Long”, de Kid Rock, totalmente
sem motivo.

E a pretensão de Jerry à fama – uma parede cheia de fotos


dele abraçando celebridades que tinham feito uma parada em
nossa cidade (ou seja, dois jogadores de beisebol profissionais
que se perderam dirigindo em Winston-Salem8 e uma
dançarina reserva da Madonna que tinha vindo aqui
intencionalmente, mas apenas para dizer adeus à sua avó
moribunda, e parecia cada centímetro de uma mulher que
acabara de dizer adeus a um ente querido).

A comida era questionável na melhor das hipóteses e


perigosa na pior, dependendo se nosso cozinheiro, Coulter,
estava com vontade de lavar os vegetais e a carne de frango

7-É um aparelho eletrônico geralmente acionado por moedas, dinheiro ou cartão que tem por função
tocar músicas escolhidas pelo cliente.
8-Cidade estadunidense no estado da Carolina do Norte.
(juntos) antes de prepará-los. Ele era realmente um cara ótimo,
mas eu preferia comer vidro esmagado a qualquer coisa que
suas mãos tocassem.

Ainda assim, o lugar estava lotado até a borda com


adolescentes tomando milk-shakes, senhoras desfrutando de
seus refrescos depois de uma maratona de compras na Main
Street, e famílias jantando cedo.

O que faltava a Jerry & Sons em estilo e gosto,


compensava pela simples existência: era um dos poucos
restaurantes da região.

Fairhope era uma cidade tão pequena que só poderia


encontrá-la com um microscópio, um mapa e muito esforço.
O-pior-pau-pequeno-de-ex. E uma cápsula do tempo real,
também. Tinha uma escola K-89, um supermercado, um posto
de gasolina e uma igreja. Todo mundo conhecia todo mundo.
Nenhum segredo estava a salvo da gangue de mexericos das
mulheres idosas que jogavam bridge10 todos os dias, lideradas
pela Sra. Underwood.

E todo mundo sabia que eu era a fracassada. A ovelha


negra da cidade. A prostituta, a mulher imprudente, a
Jezabel11.

Essa era a principal ironia sobre Fairhope12, suponho –

9-Uma escola K-8 oferece educação infantil e fundamental 1 e 2, ou seja, vai até 8º ano.
10-Jogo de cartas conhecido como “xadrez das cartas”, e não é um jogo de azar, mas de lógica e
probabilidade.
11-Personagem da Bíblia tida como má por perseguir profetas e idolatrar deuses.

12- O nome da cidade “Fairhope”’ significa justo/justiça (fair) e esperança (hope).


não era justa e não oferecia esperança.

Do canto do olho, vi Cruz Costello ocupando uma cabine


com sua namorada do mês, Gabriella Holland. Gabby (ela
odiava quando as pessoas a chamavam assim, e era por isso
que o fazia às vezes, embora apenas em minha cabeça) tinha
aproximadamente dez quilômetros de pernas, cada uma com a
largura de um palito de dente, a tez de um bebê recém-nascido
e, sem dúvida, a mesma habilidade intelectual.

Seu cabelo preto brilhante na altura da cintura a fazia


parecer uma Kardashian (Kabriella, alguém?) há muito
perdida, e era igualmente muito exigente, fazendo mudanças
escandalosas nos pratos que pedia.

Por exemplo, o hambúrguer de carne bovina ao estilo


Elvis, de tamanho triplo com batatas fritas extras de queijo, se
tornou um hambúrguer vegetariano orgânico de baixo teor de
gordura, sem pão, sem batatas fritas, com folhas extras de
rúcula e sem molho.

Se me perguntar, nenhum espaço entre as coxas no


mundo valia a pena comer como um hamster, mas Coulter
ainda atendia a todas as suas exigências, porque ela sempre
reclamava se seu prato tivesse uma mancha de óleo no
momento em que terminava de comer.

— Apenas desista, Messy Nessy. Pegue meu garfo e todos


podemos seguir em frente. — O adolescente sibilou ao fundo,
me tirando do meu devaneio.
O calor inflamou minhas bochechas.

Enquanto Cruz estava de costas para mim, Gabriella


estava me observando atentamente como o resto da
lanchonete, esperando para ver como a situação se
desenrolaria. Dei outra olhada em Jerry antes de suspirar,
decidindo que não valia a pena ser demitida, e me agachei para
pegar o garfo do chão.

Duas coisas aconteceram simultaneamente.

A primeira coisa foi que senti os dedos do babaca


beliscando minha bunda. A segunda foi que vi o flash de uma
câmera de telefone atrás de mim enquanto alguém tirava uma
foto.

Virei-me, golpeando a sua mão, meus olhos queimando


como se tivesse acabado de abri-los em uma piscina cheia de
cloro.

— Que diabos? — Rugi.

O garoto me olhou bem nos olhos, mastigando o canudo


de seu milk-shake com um sorriso malicioso.

— Ouvi histórias sobre você, Messy Nessy. Gosta de


escorregar sob as arquibancadas com os meninos, não é?
Posso levá-la de volta à cena do crime, se você se sentir
nostálgica.

Estava prestes a perder a cabeça, o emprego e a


liberdade, e realmente matar o garoto, quando foi salvo pela
beldade (sulista).

— Garçonete? Yoo-hoo, posso conseguir ajuda aqui? —


Gabriella acenou com o braço no ar, dando a seu cabelo extra
brilhante um penteado casual.

Apontei para aquele garoto. — Espero que se engasgue


com o canudo.

— Espero que você se engasgue com o meu canudo.

— Isso é provavelmente mais ou menos exato para o


tamanho, suponho.

— Turner! — Jerry ladrou, de repente prestando atenção


a essa interação.

— Tudo bem, tudo bem — murmurei.

Meu único consolo era que, com um rosto e linhas de


expressão como essas, o garoto com moletom Drew estava
fadado a permanecer virgem até os trinta anos.

Ainda assim, era uma pena que eu tivesse que manter


este emprego para poder sustentar o Bear. Encontrar um
emprego em Fairhope não foi uma tarefa fácil, especialmente
com minha reputação. Porém, secretamente, sempre quis
economizar o suficiente para estudar algo de que gostasse e
encontrar outra coisa.

Caminhei em direção a cabine de Gabriella e Cruz,


zangada demais para sentir a ansiedade usual que
acompanhava lidar com o menino de ouro da cidade.
Cruz Costello era, e sempre seria, o filho favorito de
Fairhope.

Quando estávamos no ensino fundamental, escreveu


uma carta ao presidente, tão eloquente, tão esperançosa, tão
comovente, que ele e sua família foram convidados para a
cerimônia de Ação de Graças na Casa Branca.

No ensino médio, Cruz foi o quarterback que levou


Fairhope High às finais estaduais – a única vez que a escola
chegou tão longe.

Ele foi o único residente de Fairhope a frequentar uma


escola da Ivy League13.

A Grande Esperança de Fairhope (Yup. Fui lá com os


trocadilhos. Lide com isso).

Aquele que ajudou Diana Hudgens a dar à luz em sua


caminhonete em uma tempestuosa véspera de Natal, e ganhou
uma foto no jornal local segurando o bebê chorando com um
sorriso, sangue escorrendo por seus musculosos antebraços.

Não ajudou o fato de que, ao se formar na faculdade, Cruz


seguiu os passos de seu pai aposentado e se tornou o querido
médico de família da cidade.

Ele era, aparentemente, mais santo do que a água sobre


a qual Jesus andou, mais virtuoso do que Madre Teresa e,
talvez o mais enlouquecedor de tudo, mais sexy do que Ryan

13-Éum grupo formado por oito das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos: Brown,
Columbia, Cornell, Dartmouth, Harvard, Princeton, Universidade da Pensilvânia e Yale.
Gosling em Drive14.

Alto, magro, ágil e com maçãs do rosto que, francamente,


deveriam ser proibidas.

Ele até tinha um bigode pornô sem saber que o tornava


ainda mais sexy. Não havia mulher dentro dos limites da
cidade que não quisesse ver seus sucos naquele bigode.

Até mesmo seu traje de cego tipo CPA15 sênior,


consistindo em calças cáqui, meias brancas imaculadas e
camisa polo, não poderia negar o fato de que o homem era
digno de ser montado até o extremo.

Felizmente – e uso esse termo vagamente porque não


havia nada de sorte em minha vida – eu estava tão chocada
com a existência geral de Cruz que praticamente fiquei imune
ao seu fascínio.

Parei na sua cabine, apoiando o quadril contra a mesa


gasta, e estourando meu chiclete com força extra para
esconder o soluço nervoso de ser tocada por aquele garoto.
Sempre que surgia a necessidade ocasional de me defender,
lembrava-me de que minhas perspectivas de emprego nesta
cidade eram menores do que a cintura de Gabby. Criar um
filho de treze anos não era barato, e além disso, voltar a morar
com meus pais não era viável. Eu não me dava bem com
Momma Turner.

14-Filme com o ator Ryan Gosling como protagonista.


15-“Certified public accountant” – Contador público certificado.
— Bom dia para vocês. Como posso ajudar o Valente e a
Beldade de Fairhope?

Gabriella franziu o nariz de botão em desgosto. Usava


jeans skinny casuais, um caro xale de cashmere branco e joias
discretas, dando-lhe a aparência chique de naturalidade (e
possivelmente francesa).

— Como está, Nessy? — Perguntou sem mover muito os


lábios.

— Bem, Gabriella, todas as manhãs acordo do lado errado


do capitalismo, tenho quase certeza de que meu carro está
prestes a morrer e minhas costas não estão ficando mais
jovens. Portanto, no geral, muito bem, obrigada por perguntar.
E você?

— Acabei de conseguir um grande contrato com uma


empresa de cosméticos que provavelmente atrairá bastante
atenção para o meu blog, então, muito bem.

— Maravilhoso! — Murmurei, fazendo o meu melhor para


não notar Cruz.

Gabriella fazia aquela coisa de postar fotos e vídeos de si


mesma no Instagram, experimentando novos produtos,
fazendo-o acreditar que poderia ficar como ela se os usasse
também.

Ela arrastou o prato pela mesa como se houvesse um rato


morto nele.
— Olha, não quero ser essa pessoa, mas não acho que
meu hambúrguer de peru seja... sabe...

— Cozido? — Curvei uma sobrancelha. Ou peru...

— Orgânico, — sussurrou, mexendo-se


desconfortavelmente.

Eu tinha um Sherlock em minhas mãos.

Ela pensou que estava no The Ivy16? Deveria estar feliz


porque a alface foi lavada e o pão não saiu da lata.

— Provavelmente não, — concordei.

Suas sobrancelhas se juntaram. — Bem, pedi


especificamente por orgânico.

— E eu pedi especificamente um bilhete de loteria


premiado e um encontro sexy com Benicio Del Toro. Parece que
ambas estamos tendo um dia ruim, querida. — Estalei meu
chiclete novamente.

Cruz estava quieto, como geralmente ficava quando eu


estava por perto. O elefante na sala era que Gabriella Holland
era a melhor amiga da minha irmã caçula, Trinity. E minha
doce irmãzinha estava noiva de Wyatt – o irmão mais velho de
Cruz.

Soa como Jerry Springer17? Ora, também acho.

16-Restaurante de luxo, popular entre as celebridades, em Londres.


17-Apresentador estadunidense de programas de talk-show, focados principalmente em problemas
familiares e conjugais.
O que significava que, tecnicamente, eu tinha que ser
simpática com esses dois gassholes18 arrogantes. Mas
enquanto Cruz fazia um esforço deliberado para não
reconhecer minha existência de forma alguma, ficava
perfeitamente feliz em lhe mostrar o que pensava dele.

— Acha que esse tipo de atitude te ajudará a conseguir


uma gorjeta? — Gabriella perguntou incrédula, cruzando os
braços sobre o peito. Ela era a melhor amiga da minha irmã,
me tratando como se eu fosse um cocô de cavalo seco na sola
de seu sapato de salto.

— Acho que não devo ter atitude a respeito da história de


origem de um hambúrguer de lanchonete, — digo.

— Talvez se fosse mais legal e mais conscienciosa, seu


pobre filho pudesse ter mais oportunidades.

Sim. Ela fez isso. Ela realmente mencionou Bear.

Uma bala de raiva perfurou meu estômago.

— Bem, se fosse um pouco mais bonita, talvez não tivesse


ficado em terceiro lugar no Miss América.

Sorrio docemente. Evidente que eu estava disposta a fazer


isso também.

Os olhos de Gabriella lacrimejaram, seu queixo se


enrugou e dançou como gelatina enquanto fumegava.

18-Apersonagem se recusa a dizer “asshole” (babaca/imbecil), pois é um palavrão e diz “gasshole”


em substituição.
— Gostaria de falar com a gerência! — Gritou.

— Oh, quer dizer o chefão? — Perguntei. — O responsável


por todo este império culinário? — Fiz um show ao me mover
meio centímetro para me virar para Jerry. — Gerência! A mesa
três quer falar com você.

Jerry contornou o balcão, cuspindo o tabaco em uma lata


de lixo próxima, já parecendo alerta enquanto me virava para
o casal feliz.

— Posso fazer mais alguma coisa por vocês? — Meu


sorriso sedoso era tão grande e falso quanto os seios de
Gabriella. — Talvez lhes oferecer um pouco de óleo de trufa
branca de cortesia enquanto espera? Talvez um pouco de foie
gras19? — Fiz questão de pronunciar o “s”, para manter vivo
aquele rótulo de bimbo sem educação.

Definitivamente, não estava fazendo nenhum favor a mim


mesma, mas, droga, ser assediada sexualmente por uma
criança da idade do meu filho e ser tratada com
condescendência por uma amiga da minha irmãzinha quase
me fez surtar.

— Sim, realmente. Não posso acreditar que Trinity...

O comentário mordaz de Gabriella foi interrompido


quando um som sufocante veio da cabine número cinco,
ocupada pelo próprio Grabby McHandson.

19-Fígado de pato ou ganso, prato típico da culinária francesa.


— Oh, meu Deus!

— Jesus! Não!

— Ele está engasgado! Está sufocando com o canudo!

Carma deve ter ouvido minhas orações e decidiu intervir,


porque o cara que beliscou minha bunda agora estava deitado
no chão, segurando seu pescoço, os olhos arregalados e
vermelhos enquanto chutava as pernas, tentando respirar.

Todo o restaurante estava em frenesi. As pessoas corriam


para frente e para trás, cadeiras tombadas, mulheres gritavam.
Alguém ligou para o 911. Outro sugeriu que o virássemos de
bruços. E um de seus amigos estava gravando tudo em seu
telefone, como se precisássemos de mais motivos para não
confiar nos Gen Z20.

E lá estava ele. Dr. Cruz Costello, correndo em câmera


lenta para o garoto, seu cabelo arenoso balançando como uma
montagem de Baywatch21.

Executou a manobra de Heimlich22 no meu agressor e o


fez tossir o pedaço de canudo com que estava sufocando,
salvando o dia mais uma vez.

O jukebox, na hora, começou a berrar “All Summer Long”,


do Kid Rock.

20-Geração Z são os nascidos entre 1995 e 2010.


21-É uma série televisiva norte-americana de sucesso sobre salva-vidas que patrulhavam as mais
lotadas praias de Los Angeles, na Califórnia.
22-É uma técnica de primeiros socorros.
Não era como se eu realmente quisesse que a criança
morresse.

Ser um gasshole não era um pecado punível com a morte,


mas o fato de que todo o restaurante encobriu o ataque sexual
aberto ao qual fui submetida, era chocante, se não
completamente deprimente.

E então havia o fato de que Cruz Costello estava ali, alto,


musculoso e alegre, banhando-se nos elogios que todos ao
nosso redor derramavam sobre ele.

— …Salvou a vida do menino! Como podemos te


agradecer? Você é um trunfo para Fairhope, Dr. Costello!

— …Disse à sua mãe quando tinha três anos que se


tornaria alguém importante, e sabe o que? Eu estava certo de
novo.

— Minha filha está voltando da faculdade no ano que


vem. Tem certeza de que quer Gabriella, querido? Adoraria que
você a conhecesse.

Inclinei-me contra o balcão, estreitando meus olhos com


a cena.

Um dos amigos do adolescente ligou para a mãe, que ia


buscá-lo. Jerry tentou acalmar a todos, anunciando que todos
receberiam sorvete de cortesia, e Gabby se agarrou ao braço
do namorado como se tivesse sido cirurgicamente colada nele,
mexendo na sua orelha, urinando em todo o seu território.
Cruz tentou pagar Jerry, mas ele balançou a cabeça
exageradamente.

— Você não precisa pagar, Dr. Costello.

Felizmente para o Dr. Costello, seu dinheiro era bom e


bem-vindo no meu bolso. Empurrei-me para longe do balcão e
avancei em sua direção, esticando minha mão aberta para
cima.

— Estou pronta para minha gorjeta agora.

O queixo de Gabriella caiu.

Algo maldoso estava para sair disso – o fato de que minha


irmã e ela eram melhores amigas, que ambas seríamos as
damas de honra de Trinity em menos de dois meses, não
importava.

O dia de hoje reforçou a noção de que eu era um alvo justo


em Fairhope, e todos tinham a autoridade, o direito dado por
Deus, de serem maus comigo, mas Cruz a parou, dando um
tapinha em sua bunda plana com um sorriso torto preguiçoso.

Ele sabia que eu detestava sua atuação de menino de


ouro.

— Vá em frente e espere no carro, querida.

— Mas Cruuuuuuz. — Gabby bateu o pé, arrastando o


seu nome com um beicinho.

— Eu cuido disso, — ele a assegurou.


— Tudo bem, mas não seja muito gentil, — amuou,
pegando as chaves do carro que ele jogou em suas mãos e saiu
da lanchonete.

Cruz e eu ficamos um de frente para o outro. Dois caubóis


esperando para sacar suas armas.

— Não receberei um agradecimento?

Sua voz encharcada de uísque agitou algo quente e


pegajoso e indesejável atrás de minha caixa torácica. Ele tinha
aquele tipo de corpo de Justin Hartley que só queria sentir
pressionado contra você.

— Pelo quê? — Ponderei. — Estar vivo, ser um médico ou


ser uma dor de cabeça?

— Salvar aquela criança.

— Aquele garoto beliscou minha bunda e tirou uma foto


da minha calcinha.

— Eu não sabia disso, — disse uniformemente.

Acreditei nele, mas e daí? Minha irritação estava tão alta


que não conseguia nem ver além dela.

— Dê uma gorjeta ou vá embora, — bufei.

— Quer uma gorjeta? — Perguntou sem emoção, seus


olhos azuis escuros estreitando no meu rosto. — Aqui está
uma: consiga melhores maneiras. Pronto.

— Desculpa. — Fiz beicinho, fingindo examinar minhas


unhas. — Conselhos de biscoitos da sorte não são uma moeda
que aceito no momento. Dinheiro ou Venmo funcionam, no
entanto.

— Não espera realmente uma gorjeta depois de sua


discussão com Gabriella, espera? — Ele me parecia um pouco
preocupado. Como talvez além de ser uma bimbo, também
possuísse o QI de um sanduíche de manteiga de amendoim.
Sem a geleia.

— Espero, na verdade. Ela sabe que não temos carne


orgânica – ou rúcula. Por que continua pedindo?

Se ele fosse me dizer que o cliente estava sempre certo, o


adicionaria à minha lista cada vez maior de pessoas para
matar. Na verdade, ele já estava entre os dez primeiros por
cada vez que me encontrava em reuniões sociais e fingia que
eu não existia.

— Por que não dá a ela uma resposta direta? — Brincou


de volta. Por um momento – por uma pequena, minúscula
fração de momento – poderia jurar que sua máscara de bom e
velho garoto rachou um pouco, irritação passando por ela.

— Por que não cuida da sua vida?

Percebi que seus olhos caíram para os meus lábios


quando disse isso.

Estava ciente de que tinha maquiagem suficiente no rosto


para esculpir outra figura minha em tamanho real e batom
rosa demais para o gosto de qualquer pessoa, mas Cruz sendo
Cruz, nunca disse nada maldoso ou humilhante sobre
ninguém. Nem mesmo eu.

Podia ver as narinas de seu nariz romano reto se


dilatarem enquanto respirava fundo e erguia o queixo.

— Muito bem, Tennessee. — Essa era a outra coisa. Todo


mundo me chama de Messy Nessy. Ele era o único a me
chamar pelo meu nome de batismo, e sempre parecia um
castigo. — Cuidarei da minha vida. Vamos começar agora,
sim? Já reservou nossas passagens para o cruzeiro?

Ah, sim.

Como meus pais estavam pagando pelo casamento de


Trinity e Wyatt, os Costellos – os pais de Cruz – decidiram
convidar as duas famílias para um cruzeiro antes do
casamento para que pudéssemos nos conhecer melhor.

Como os Costellos eram viajantes frequentes, usaram


seus pontos de fidelidade para reservar para Trinity e Wyatt a
cabine de lua de mel, e as cabines de duas camas para eles e
meus pais.

Meu filho Bear quase implorou para ficar com meus pais,
que teriam uma banheira de hidromassagem privativa e
guloseimas na suíte. Como eram suas primeiras férias, cedi.

Isso, contudo significava que Cruz e eu ainda


precisávamos reservar quartos para nós mesmos, e como Cruz
tinha um “emprego de verdade” e eu tinha muito tempo livre
(palavras de minha mãe, não minhas), fui encarregada de
encontrar quartos para o cruzeiro.

— Estou trabalhando nisso.

— Não tinha percebido que era necessário tanto esforço


para reservar passagens.

Dei um tapinha na minha juba loira rígida e fortemente


cheia de laquê.

— Talvez para você seja fácil. Mas nós, pessoas com


cabeça de pena, demoramos muito para fazer as coisas. Onde
reservo essas passagens, afinal? Na internet, sim? — Inclinei
minha cabeça. — É aquela coisa no computador? Com todas
as palavrinhas e vídeos de gatinhos?

Sua mandíbula afiada como uma lâmina esticou. Só uma


vez, mas uma vez foi o suficiente para despertar uma alegria
descarada. Era sabido que nada desequilibrava Cruz Costello.

— Reserve as passagens, Tennessee.

— Sim, senhor. Você precisará da cama de casal ou


apenas uma queen?

— Está perguntando se estou levando Gabriella junto?

— Ou qualquer outra mulher quase menor de idade de


sua escolha.

Isso não era totalmente justo, ou a diferença de idade


mais extrema entre o grupo de casais.

Gabby tinha a idade de Trinity, vinte e cinco anos, e


Trinity estava se casando com Wyatt, o irmão mais velho de
Cruz.

Cruz enfiou a mão no bolso da frente da calça cáqui. Ele


vestia roupas casuais exasperadamente bem.

— Tente não bagunçar as coisas ao fazer a reserva, certo?

Isso fez com que minha máscara de indiferença


escorregasse e se espatifasse no chão. Ser aquela que sempre
bagunça nesta cidade pode ser o jeito que fui rotulada, mas na
minha opinião não era merecido.

— Sou perfeitamente capaz de reservar duas passagens


de cruzeiro.

— Acreditarei quando vir.

— Sabe, — meditei, enrolando uma mecha de cabelo loiro


que escorria do meu penteado fora de moda, — você não é nem
metade tão legal quanto as pessoas pensam que é.

— Tenho guardado todo esse veneno especialmente para


você. — Ele inclinou o boné como um caubói. — Alguma
palavra de despedida, Tennessee? Eu tenho uma
acompanhante esperando no meu carro.

Certo, certo, certo.

Seu Audi Q8 brilhante combinando com sua namorada


brilhante e sua vida brilhante.

A essa pergunta, respondi com o dedo médio,


aproveitando o fato de que todos ao nosso redor estavam
conversando animadamente sobre o que aconteceu com o
Engasgador de Canudo para perceber.

Não foi minha resposta mais elegante, mas com certeza


foi a mais satisfatória por um quilômetro.

Naquela noite, corria o risco de deixar as lágrimas


fluírem.

Tentei não ficar com pena de mim mesma, mas alguns


dias eram apenas mais difíceis do que outros.

Meu filho realmente queria o novo jogo Assassin's Creed,


mas eu não tinha dinheiro para comprá-lo. A pior parte foi que
ele nem me perguntou.

Tive que descobrir através da minha mãe, durante um


telefonema no caminho do trabalho para casa, enquanto meu
Honda Odyssey tropeçava na minha rua como uma garota de
fraternidade bêbada depois de uma festa.

Aparentemente, Bear se ofereceu para cortar a grama em


busca de dinheiro para poder comprá-lo.

— Eu compraria para ele num piscar de olhos, querida,


sabe, mas esses jogos são muito violentos, e não tenho certeza
se ele deveria jogá-los de qualquer maneira.

Era inútil explicar a ela que era uma batalha de Sísifo23


fazer com que Bear não jogasse videogame. Isso era o que ele
e seus amigos faziam. Era a norma.

Ao mesmo tempo, me sentia deprimentemente


inadequada como mãe. Um verdadeiro fracasso. Não podia
nem comprar um videogame para o meu filho.

Talvez Gabriella estivesse certa. Talvez eu precisasse


calar a boca, dizer que o hambúrguer que ela comeu era
orgânico e sofrer o abuso ocasional por uma boa gorjeta.

Empurrei a porta do desgastado bangalô alugado. O


exterior era azul claro. Bear e eu tínhamos pintado nós
mesmos para reduzir parte do dinheiro do aluguel que o
proprietário havia pedido. O interior consistia em não muito
mais do que móveis usados de amigos e familiares, mas era
nosso e tínhamos orgulho dele.

Chutei a porta e joguei minha jaqueta e bolsa no


aparador, sentindo o cansaço até os ossos, exausta.

Cansada de não poder comprar as coisas que meu filho


queria. De adolescentes rudes e cheios de espinhas que
beliscaram minha bunda no trabalho. De Gabriella e suas
pernas finas e sua vida fácil e com contratos fartos. E do Dr.

23-Omito de Sísifo conta que os deuses condenaram Sísifo a rolar uma rocha até o cume de uma
montanha, ao chegar ao topo, a pedra caía por causa do próprio peso, e Sísifo devia começar
novamente.
Cruz Costello, que parecia decidido a me odiar.

Eu realmente precisava sair desta cidade, e faria isso


assim que Bear se formasse no colégio.

— Care Bear24? Está aqui? — Gritei.

Panelas e utensílios tilintaram na cozinha, ficando mais


altos enquanto eu caminhava pela pequena sala de estar
escura.

— Mãe? Fiz macarrão. Desculpe, tive uma tonelada de


dever de casa e me esqueci de colocar o frango para
descongelar.

Entrei na cozinha e puxei meu filho para um abraço de


esmagar os ossos. Depois que dei um passo para trás, fiz um
inventário de seu rosto, antes de puxar seus lóbulos
aveludados e dar um beijo molhado em sua testa, algo que ele
não gostava, mesmo assim me agradava.

Aos treze anos, Bear já era uma cabeça mais alto do que
eu. Não foi uma grande surpresa, visto que puxou o pai, que
era um tight end25 de um metro e noventa e dois no colégio.

Provavelmente deveria me deprimir.

Como Bear me usou como útero de aluguel e saiu a cara


de Robert Gussman. O mesmo cabelo castanho desgrenhado,
olhos de esmeralda travessos com manchas douradas,

24-Bear,em inglês, significa urso. “Care Bear” é o conjunto de personagens que conhecemos como
Ursinhos Carinhosos, e também pode ser usado como apelido com a mesma tradução.
25-É uma posição ofensiva do futebol americano, os jogadores precisam ser mais fortes e versáteis.
covinhas profundas que apareciam mesmo quando conversava
e nariz levemente torto.

Deveria, mas não aconteceu.

Porque Bear tinha demais em personalidade própria, Rob


tinha se tornado nada além de uma cicatriz desbotada neste
momento. Como uma velha carta a lápis, as palavras apagadas
pelo tempo e quase indistinguíveis.

— Macarrão é perfeito.

Fiquei na ponta dos pés para beijar sua bochecha. Apesar


de toda sua beleza, Bear, como outros meninos de sua idade,
cheirava a meias, hormônios e cabras de fazenda.

Afastei-me, percebendo que ele já havia colocado a mesa


e servido nossos pratos. — Como foi a escola?

Nós dois nos sentamos à mesa, comendo sua massa extra


al dente (leia-se: completamente crua), encharcada com um
molho suspeito de supermercado.

— Muito bom. Quer dizer, o Sr. Shepherd ainda está me


importunando sobre entrar para o time de futebol, o que é uma
chatice, mas fora isso, foi bom.

— Não o deixe forçá-lo a fazer nada. Você não é Rob. Não


tem que jogar bola.

— Não há perigo de me tornar um atleta. É muito esforço


para basicamente nada.
— Mais alguma coisa acontecendo na sua vida?

Bear torceu o nariz, o que fez aquelas covinhas


estourarem. — Na verdade, não.

Algo dentro de mim suavizou, se transformando quase


numa dor surda. Ele não queria me contar sobre o videogame.
Não queria me preocupar com isso.

— Como foi seu dia no trabalho? — Enrolou uma garfada


de macarrão vermelho e colocou na boca.

Bem, filho, foi pior do que Abraão no dia em que Deus lhe
disse espontaneamente que precisava circuncidar-se aos
noventa e nove anos.

Agora foi minha vez de mentir, ou pelo menos dar a ele


uma versão editada da verdade.

— Excelente. Jerry pode precisar de mim para alguns


turnos extras nas próximas semanas. Isso significa mais
dinheiro. Podemos esbanjar um pouco. Precisa de alguma
coisa? — Aspirei macarrão em minha boca.

Felizmente, o cruzeiro estúpido foi pago pelos Costellos,


que não estavam exatamente precisando de dinheiro.

— Nah, não se preocupe comigo. Deveria gastar esse


dinheiro consigo mesma, mãe. Você nunca compra nada.

— Isso é mentira. — Acenei meus dedos, engolindo ar


como se houvesse muito em minhas vias respiratórias. Santas
bolas de folhas26, ele colocou Tabasco neste molho? — Eu
consegui essas unhas para mim.

— Boa tentativa. Tia Gail faz isso de graça. Eu não sou


estúpido. — Ele revirou os olhos.

Ele era, na verdade, o oposto de estúpido. Brilhante e


sábio além de sua idade. Era hora de parar de mentir para ele
sobre as pequenas coisas apenas para me sentir melhor.

O resto da noite foi uma delícia.

Bear e eu assistimos American Idol juntos enquanto


comíamos sorvete de pistache na frente da TV. Rimos e
julgamos como se qualquer um de nós pudesse cantar uma
nota para salvar nossas vidas. Então ele beijou minha testa,
me desejou boa noite e se retirou para seu quarto.

Poucos minutos depois, ouvi roncos suaves no corredor,


escapando de sua porta entreaberta. Esse menino poderia
dormir durante o Kentucky Derby27. Enquanto estava
montando um cavalo.

Sorri para mim mesma, balançando a cabeça enquanto


juntava nossas tigelas de sorvete e copos de chá gelado vazios,
caminhando para a cozinha. A campainha tocou assim que
comecei a enxaguar a louça.

Com um suspiro suave, fechei a torneira, sequei minhas

26-“Holy shit balls” é uma expressão que pode ser traduzida como “santas bolas de merda”. Para não
falar palavrão, a personagem substitui “shit” por “sheet” (folhas), já que possuem a mesma pronúncia.
27-Uma competição de corrida de cavalo.
mãos e caminhei até a porta da frente.

A campainha tocou novamente antes que eu pudesse


alcançá-la.

— Estou indo, estou indo. Shhhh.

Seria minha mãe, passando em uma de suas caminhadas


noturnas, numa tentativa de perder peso, para me dizer que
decidiu comprar o videogame para Bear, afinal? Ou talvez
minha irmã, querendo que eu examinasse uma mudança de
última hora nos arranjos de flores ou no menu do casamento?

Escancarei a porta de tela, e todo o ar deixou meus


pulmões em um sopro de choque.

Na minha varanda estava Rob Gussman, meu namorado


do colégio e pai ausente de Bear.

Treze anos depois de me deixar grávida aos dezesseis.

— Messy Nessy. — Ele sorriu. — Crescida e com boa


aparência.
Bati a porta de tela na sua cara.

Podia ver através do vidro que Rob ficou parado na minha


varanda, seu grande corpo atlético se movendo enquanto
tentava descobrir seu próximo movimento. Ele deu um passo
para o lado e olhou para mim por uma janela lateral,
canalizando seu Ted Bundy28 interior.

— OK. Admito que soou muito melhor na minha cabeça


como um início de conversa. Desculpa. Desculpa. Foi mal.
Poderia abrir a porta, por favor?

Eu sabia algumas coisas sobre Rob, principalmente de


sussurros ouvidos pela cidade, visto que ele usou suas duas
células cerebrais para não voltar para Fairhope, depois de me
deixar desamparada no colégio.

Ele sabia que meu pai, que serviu como xerife da cidade
por vinte anos, iria caçá-lo com um rifle, e eu mesma o mataria
com minhas próprias mãos.

Sabia que ele tinha conseguido uma bolsa de estudos

28-Assassino em série da década de 1970 que sequestrava e matava mulheres.


quando eu tinha dezesseis anos e fugiu para o Arizona, na
esperança de ser convocado para a NFL29.

Eu sabia que nunca teve a chance de se tornar


profissional e passou a última década jogando em ligas
amadoras e treinando para sobreviver. Sabia que ele tinha se
casado – duas vezes – e se divorciado, mas não tinha outros
filhos.

A coisa mais importante, porém, é que eu sabia que ele


era um caloteiro. Nunca havia conhecido seu filho. Nunca
mandou um cartão postal, um presente de aniversário, um
bilhete, para não falar da droga de um cheque. Nunca fez uma
maldita pergunta sobre a melhor coisa da minha vida.

Foi sua rejeição completa de Bear que foi imperdoável


para mim.

Rob não precisava ficar comigo, mas fugir do que ele


chamou de meu erro? Sim, grande chance de sair da minha
lista de punhos (pessoas em quem eu queria dar um soco)
neste século, amigo.

— Vamos, Nessy.

Rob pressionou a mão contra a janela, reunindo tristeza


apenas o suficiente para parecer patético. Em uma segunda
olhada, não parecia com o velho Rob. Aquele repleto de
ambição, covinhas e oportunidades. Ele parecia tão esgotado,

29-National Football League é a liga esportiva profissional de futebol americano dos Estados Unidos.
cansado e vazio quanto eu.

Bom.

— Por favor, — disse suavemente. — Faz uma semana


que estou reunindo coragem para vir aqui. Dê-me cinco
minutos.

Abri a porta novamente. Não estava nem um pouco


curiosa para saber por que ele estava aqui. O número de
merdas que dei sobre suas razões estava atualmente menos
quinze e contando.

Se ele estava realmente num estado ruim, porém, não


queria ser a pessoa que o jogaria nos braços do suicídio.
Apesar de todos os meus desejos internos de que as pessoas
morressem, não era tão fã do conceito, na realidade. Além
disso, ele ainda era o pai do meu filho, mesmo que nunca
tivesse agido como.

Rob usava um blusão North Face, um corte de cabelo caro


e um gesso na perna direita. Algo quente e cheio de vergonha
rodou na boca do meu estômago quando pensei no que ele viu
quando olhou para mim.

Eu não era mais a garota bonita e de rosto jovem que ele


havia deixado para trás, com o cabelo despenteado pelo sol,
uma camada de sardas loiras e pernas matadoras. Tinha vinte
e nove anos agora. Maquiagem pesada, alguns quilos extras e
sono insuficiente.

— Você está... ótima, — choramingou.


Sua voz também estava diferente. Resignada, de alguma
forma.

— Você parece fora do lugar, — respondi secamente,


encostando-me no batente da minha porta. — O que diabos
está fazendo em Fairhope, Rob? E por que não pensou em ligar
antes de cair na minha varanda sem avisar, e tão bem-vindo
quanto um saco de cocô de cachorro em chamas?

A verdade é que eu receberia cocô de cachorro de braços


abertos se tivesse a opção entre isso e Rob. Pelo menos pisar
profusamente em um saco de cocô inflamado faria o problema
desaparecer.

Ele apontou para a perna direita com a mão, engasgando


com a revelação. — Eu quebrei meu fêmur.

Você quebrou meu coração.

— Então, eu vi. — Mantive meu tom profissional. — Ainda


não responde à minha pergunta.

— Não consigo mais jogar futebol. Também não dá para


treinar.

— Meu coração sangra por você.

— Sério. — Suas sobrancelhas franziram. — Nunca mais


voltarei para o campo, Nessy.

— Bem, você tem trinta e um anos e nunca chegou a uma


liga profissional, então tenho certeza de que o mundo
sobreviverá à perda.
Estávamos realmente falando sobre sua carreira no
futebol amador agora?

— Mas não foi por isso que voltei para Fairhope. —


Balançou a cabeça, como se estivesse tentando se lembrar de
suas falas. Ele fez uma tentativa de capturar meu olhar.

Concentrei-me em sua linha do cabelo recuando, não


pronta para ver o que estava em seus olhos. Meu coração batia
mil vezes por minuto. Simultaneamente, não conseguia
acreditar que ele estava aqui e rezei para que Bear não
acordasse para um copo de água.

— Não é? — Eu disse lentamente.

— É hora de enfrentar minhas responsabilidades.


Enquanto eu estava deitado numa cama de hospital há duas
semanas, sem ninguém por perto, percebi que estava perdendo
o sentido da vida o tempo todo. Quero estar com minha família.
Com meus pais idosos. Para estabelecer raízes, encontrar um
propósito, passar feriados e férias com quem importa. Quero
jogar bola com meu filho.

— Ele odeia futebol, — apontei, saboreando o fato de as


personalidades de Rob e Bear serem tão diferentes quanto
poderiam ser.

— Do que ele gosta? — Perguntou, sua garganta travando


com a pergunta.

A necessidade de enrolá-lo e dizer cemitérios e sacrifício


de animais era forte naquele momento, mas franzi meus lábios.
Não cairia nessa.

— Ouvi dizer que ele se parece comigo, — Rob continuou.


— Alto e cabelo escuro. Bonito.

Dei um modesto encolher de ombros. — Você acabou de


descrever metade da população da América do Norte.

Seus olhos brilharam de esperança e algo dentro de mim


se soltou. Quando jovem, sonhei com este momento. De Rob
aparecendo e reivindicando Bear e eu como seus. Salvando o
dia. Mas os anos haviam entorpecido qualquer otimismo que
ainda me restava, e agora estava totalmente fora das
expectativas quando se tratava da raça humana.

Homens, especificamente.

E ainda mais especificamente – Rob.

Egoisticamente, admiti para mim mesma que não era


justo. Que Rob não conseguiria apenas entrar no filme no
terceiro ato, tão perto da resolução, e se tornar uma parte do
final feliz.

Ele tinha perdido todas as partes horríveis.

As noites sem dormir, o recém-nascido com cólicas, a


dentição e todos os exames. As consultas de urgência, os tubos
auditivos, os dodóis que precisavam ser beijados, histórias que
precisavam ser lidas e ABCs que precisavam ser aprendidos.

Ele não estava lá para ensinar seu filho a andar de


bicicleta, ou skate, ou para angular seu pênis para baixo ao
fazer xixi (isto, eu especialmente guardava rancor). Como
pescar, como pendurar um quadro na parede, como ser
homem.

Uma bola de lágrimas bloqueou minha garganta.

— Posso entrar? — Perguntou.

— Não.

Ouvi a frieza em minha voz, e me assustou que veio de


mim, mas de que outra forma poderia responder? O homem
me arruinou, minha vida, minhas esperanças e meus sonhos.
É verdade que ele me deu meu presente mais precioso – nosso
filho – mas foi muito acidental.

Ele mordeu o lábio inferior, olhando para os sapatos como


uma criança punida.

— Eu realmente gostaria de fazer isso funcionar.

— Fazer o que funcionar?

— Eu quero vê-lo, Nessy. O meu filho.

— Ele tem um nome.

Ele fechou os olhos, a agonia pintando seus traços muito


familiares.

— O seu nome é Bear, — disse.

— Eu sei.

— É um nome estranho, não acha? — Provoquei-o, sem


ter a certeza de onde queria chegar com isso, mas querendo
infligir o máximo de dor possível a ele.

Rob olhou para cima, puxando a pele morta do lábio que


mordeu apenas um segundo atrás com os dentes.

— Não acho que tenho o direito de julgar. Eu não estava


lá para nomeá-lo.

— Isso mesmo, você não estava.

O fato de que ele era tão flexível, tão prontamente se


desculpando, tirou a dor da minha necessidade de ser rude
com ele. Um pouco disso.

Ele passou os dedos pelos cabelos.

— Olha, Nessy, sei que errei, e sei que a melhor maneira


de mostrar que falo sério agora é lhe provar, com o tempo, o
quanto mudei. Os últimos anos realmente mudaram algo em
mim. Inúmeras vezes quis entrar em contato conforme os anos
passavam... — respirou fundo, balançando a cabeça. — Bem,
de qualquer forma. Estou trabalhando para meu pai agora,
bem aqui na cidade. Ele tem um negócio imobiliário. Eu tenho
uma casa na mesma rua que você, então pode me chamar se
precisar de alguma coisa. Aqui está meu número.

Ele me entregou um cartão de visita. Peguei e o enfiei nos


bolsos do pijama sem olhar, respirando pelo nariz para evitar
as lágrimas. Rob ficou na varanda, parecendo um pouco
hesitante e muito cauteloso.
— O que é? — Revirei meus olhos. — Eu sei que você quer
dizer outra coisa.

— Bem... isso pode ser muito cedo, mas...

— O quê?

Procurei seu rosto e percebi que embora parecesse


familiar, também estava irreconhecível. Um homem. Um
completo estranho, que agora olhava para mim, sua expressão
cheia de angústia, e não se parecia nem um pouco com o
garoto que eu namorei.

— Também quero compensá-la, Nessy. Não apenas Bear,


também quero tentar reconquistá-la.

— Você está brincando comigo?

— Não. Nunca parei de me preocupar com você,


Tennessee. Eu...

— Obrigada, mas prefiro lamber a maçaneta da porta do


banheiro público mais próximo.

Desta vez, quando bati a porta na sua cara, não abri


novamente.

Havia um limite de besteira que uma mulher poderia


tolerar em um dia.
Estava bem na minha terceira dose de vinho – estava em
promoção, quase com certeza vencido – quando me lembrei de
reservar as passagens para o cruzeiro.

Liguei meu laptop antigo e digitei o endereço da web que


meus pais me deram para a empresa de cruzeiros. Eles me
avisaram mil vezes para não estragar tudo. Eles também
tinham um bom motivo para isso.

Eu tinha um caso grave autodiagnostico de TDAH30, e era


péssima em fazer qualquer coisa que exigisse mais de três
minutos de concentração e/ou maquinários pesados. Minha
mente parecia uma rodovia com várias pistas e sem sinais de
trânsito. E depois da aparição de Rob, fiquei abalada com
razão.

Mas era literalmente apenas reservar passagens – quão


difícil poderia ser?

Eu realmente não queria o Dr. Socado-Na-Garganta


(desenvolverei essa história, ok? Tenha paciência comigo!) me
importunando sobre isso. Não que ele o fizesse. Cruz Costello
era um especialista em ignorar minha existência, mas se
pudesse garantir que ele e eu não teríamos que falar um com
o outro antes do cruzeiro, daria o meu melhor.

No site da empresa de cruzeiros, coloquei Elation na barra


de pesquisa, o navio de cruzeiro em que estaríamos. Ele
partiria de Port Wilmington e faria uma viagem de dez dias por

30-Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade.


várias ilhas do Caribe.

Aparentemente, essa era uma tradição de longa data para


os Costellos, que levavam seus filhos num cruzeiro para um
destino exótico diferente a cada verão. Nós, os Turners,
tínhamos nossas próprias tradições de verão antes de eu dar à
luz Bear, ou seja, ir para a Disney World todo mês de agosto,
reclamar do calor da Flórida, e mais tarde, sobre as falas
insanas, jurar que nunca, nunca mais voltaríamos, e tentar
freneticamente encontrar meu pai muito bêbado e amigável
puxando conversa com qualquer pobre atriz que tivessem
vestida de Elsa naquele dia.

Reconheço que estava um pouco embriagada quando


reservei a minha passagem e a de Cruz.

As coisas estavam um pouco... embaçadas quando digitei


todos os nossos dados e encaminhei a confirmação por e-mail
para cruzcostellomd@healthhelp.com. Razão pela qual
salpiquei o e-mail com emojis de dedo médio, apenas para que
ele soubesse de quem era.

No final, desliguei meu computador, levei meu vinho para


o meu quarto e desabei em minha cama para um sono honesto
de seis horas de duração. Um sono cheio de sonhos com
Benicio Del Toro e bilhetes de loteria, e nada de Rob Gussmans
ou Cruz Costellos.
No dia seguinte, fui para a casa dos meus pais depois de
deixar Bear na escola. Eu trabalharia no turno da noite, e
prometi ajudar minha irmã Trinity a fazer saquinhos de
guloseimas para sua despedida de solteira mais tarde naquela
noite.

Sim. Isso estava certo.

Uma das duas damas de honra – eu – não foi convidada


para a despedida de solteira, ou se quiséssemos ser mais
técnicos, não estava disponível naquela hora, naquela data.

Trinity, porém, sabia muito bem que não havia ninguém


para cobrir meus turnos – e terça-feira era o turno da noite.
Então, o que deduzi foi que ela não queria que eu estivesse lá.

O que, reconhecidamente, não foi uma grande perda,


visto que os amigos de Trinity não eram meus maiores fãs.

Ainda assim, doeu ela ter escolhido essa data – semanas


antes do casamento real – só porque sabia que eu não poderia
ir. Embora, se perguntasse a Trinity, ela diria que 0720 era seu
número da sorte. O que todos nós sabíamos que era besteira.
O número favorito de ninguém é 0720.

— Olá, olá, olá! Estou aqui! — Usei minha chave para


abrir a porta da casa dos meus pais no estilo Cape Cod31,
segurando uma caixa enorme de donuts. Tirei meus saltos com
estampa de leopardo, caminhando até a cozinha e ligando a
máquina de café.

No que diz respeito ao design interior, a casa dos meus


pais era um desastre de proporções globais. Minha mãe, que
era professora de arte na escola primária local, tinha um gosto
bastante excêntrico. E por excêntrico, quero dizer, é claro,
horrível.

Eles tinham papel de parede turquesa em todos os


cantos, uma pintura bizarra de algum tipo de fazenda na
parede da cozinha que deveria parecer uma paisagem pastoral,
e os banheiros e banheiras eram pintados de vermelho quente
e laranja, o que lhes dava a elegância de um bordel em chamas.

— Chegando! — Ouvi passos vindos do andar de cima.

Trinity ainda estava morando com meus pais. Eu estava


um pouco preocupada sobre ela se casar e ir morar com Wyatt.
Em casa aos vinte e cinco anos, ela cresceu muito mais
protegida do que eu. Wyatt era quase uma década mais velho
que ela, e embora tivesse um ótimo emprego como engenheiro
em Winston-Salem, era conhecido por seu amor por bebidas,
festas e decisões questionáveis. Poderia argumentar que, se eu

31-Uma casa no estilo Cape Cod é um edifício baixo, amplo e único, com um telhado inclinado de duas
águas e uma grande chaminé central.
não fosse um fracasso total, Wyatt tomaria meu lugar como
descrédito oficial da cidade. Então, novamente, ele tinha Cruz
para equilibrar a sua horribilidade. A distração perfeita.

Passos atingiram a escada acarpetada, e minha irmã loira


apareceu na cozinha, ainda em seu pijama azul-bebê de cetim,
o cabelo em uma longa trança.

— Nessy! Oh, Nessy, estou tão feliz por estar aqui. Estou
totalmente sobrecarregada. — Ela jogou os braços em volta dos
meus ombros, me abraçando forte. Dei um tapinha nas suas
costas. — A Sra. Underwood anda pela cidade dizendo às
pessoas que ontem você sufocou uma criança com um
canudo?

— Isso é uma mentira, — murmurei em seu cabelo,


desejando à própria Sra. Underwood uma visita desagradável
do carma.

— Sim, imaginei. — Trinity farejou o ar, olhando ao redor.


— Estou sentindo cheiro de café?

— E donuts. — Abri uma pequena caixa de guloseimas


frescas que comprei no caminho para lá.

— Com glacê? — Seus olhos se arregalaram de esperança.

— Sabe que sim.

Servi duas xícaras de café enquanto Trinity se


empoleirava em uma cadeira amarelo brilhante repintada e
começava a mordiscar o glacê de um donut. Ela sempre comia
o glacê. E então praticamente nada mais pelo resto do dia.

— Ugh, gostaria que você não os tivesse trazido. Os


últimos quilos que estou tentando perder para o casamento
estão chutando minha bunda.

Ela enfiou o donut inteiro na boca, parecendo mais


dolorida do que feliz. Havia apenas uma coisa que Trinity
amava mais do que sua silhueta: donuts.

— Você está linda, — digo.

— Fácil para você dizê-lo, sempre foi magra como um


palito. Quer que eu pareça inchada nas fotos do casamento?

De nada, irmãzinha.

— Onde está a mãe?

Sentei-me ao seu lado, segurando minha caneca de café.


Estava dando uma folga a Trinity no quesito comportamental,
visto que estava prestes a se casar em seis semanas. Já
assistira a episódios suficientes de Bridezillas para saber que,
na escala de ansiedade, planejar um casamento pode ser o
equivalente a dar à luz a trigêmeos sem peridural.

— Foi trocar os macarons pelos kits de presente da


despedida de solteira. Ela se esqueceu totalmente da alergia de
Gabriella a nozes e pediu macarons normais, com amêndoas e
tudo. Tivemos uma disputa de gritos ontem à noite, que
acabou comigo lhe dizendo que se fosse matar minha dama de
honra poderia muito bem confessar, e eu simplesmente
cancelaria tudo. Finalmente, ela conseguiu convencer a Sra.
Patel a refazê-los. Tenho certeza de que a Sra. Patel não pregou
o olho na noite passada, mas o que se pode fazer, certo?

Você poderia simplesmente dizer a Gabriella para não


tocar nos macarons. Não é como se ela tivesse consumido um
carboidrato nos últimos sete anos, de qualquer maneira.

— Como se faz macarons sem amêndoas? — Perguntei-


me em voz alta.

— Não importa, desde que a dama de honra não caia


morta na sua despedida de solteira. — Trinity bufou, jogando
de volta na embalagem outro donuts fresquinho que
mordiscou e escolhendo um novo. — Acha que isto será o
suficiente? — Ela apontou para a mesa à nossa frente, que
estava carregada com minigarrafas de champanhe, protetores
labiais personalizados, esmalte Mani Thanks, sais de banho e
meias fofas personalizadas. — Eu queria fazer brincos
Swarovski combinando para cada uma de nós, mas papai disse
que me tiraria do testamento se eu gastasse tanto dinheiro.

— Acho que isto é mais do que suficiente.

Também achei que seria muito enfadonho decorar cada


kit com papel de ráfia multicolorido e balas artesanais em
miniatura, especialmente porque eu não receberia nem uma
dessas sacolinhas.

— Por que Gabriella não a está ajudando? Ela é a dama


de honra, — apontei. Com todo o seu tempo livre.
A propósito, não fiquei totalmente rancorosa com isso.

— Ela queria, mas então teve que correr para a cidade


para encontrar um vestido bonito para um evento de caridade
black tie32 que Cruz participará. Ele na verdade não a
convidou, mas conhece os homens. Tão esquecidos. Você não
está brava, está?

Trinity olhou para mim com o canto do olho, lambendo a


cobertura de um donut encharcado.

Nunca consegui dizer não para minha irmãzinha, e ela


sabia disto. Arrancaria a lua e todas as estrelas do céu apenas
para colocar um sorriso em seu rosto. Ela esteve lá para mim
nos primeiros cinco anos de vida de Bear e serviu como uma
segunda mãe para ele.

— Não. — Peguei uma das cestas que usamos para os kits


e comecei a enchê-la para avançar. — De jeito nenhum.

— Bom. Porque não tinha ideia de que você estava


trabalhando hoje.

Isto, eu sabia, era mentira.

— E também, Gabriella tem me dado vibrações


extremamente estranhas, e simplesmente não quero drama.
Sei que ela está apenas sendo imatura, mas estou feliz que
você seja uma pessoa melhor.

32-Evento que exige vestimentas formais e elegantes.


Isto, infelizmente, não era uma mentira.

Gabby, a melhor amiga de Trinity, nunca gostou de mim,


mas ela especialmente não gostava de mim desde que começou
a namorar o Sr. Perfeito. Eu não tinha ideia do motivo, e neste
momento da vida, não me importava.

Algumas pessoas estavam simplesmente destinadas a


não gostar de você. Se não tivessem um motivo bom o
suficiente, achei que deveria deixar de lado. Como dizia o velho
ditado, o que quer que as pessoas pensassem de mim não era
da minha conta.

Embora, no caso de Gabriella, realmente fosse, porque


parecia evitar qualquer evento pré-casamento em que eu
estivesse incluída.

— Está bem. Está tudo bem, — repeti com firmeza.


Continuei a encher os cestos com esmalte de unha, meias fofas
e sais de banho, enquanto Trinity me examinava, lambendo
donuts e ponderando a situação com uma expressão sombria.

— Bom. Ugh, Nessy, você é uma salva-vidas. Não tem


ideia de como estou estressada com todo esse casamento. Os
preparativos, os encaixes, as mudanças de última hora... é
demais. Sei que deveria estar grata, mas este cruzeiro chega
em um momento tão inconveniente. Tenho tanto em que
trabalhar. Sem mencionar que simplesmente sei como isso se
desenrolará. O Sr. e a Sra. Costello nos menosprezarão o
tempo todo. Não há Catherine Costello pacificadora.
Os lábios de Trinity se contraíram e me ocorreu que ela
nem me perguntou como eu estava, ou se algo novo estava
acontecendo em minha vida, ou, sabe, se meu ex apareceu
depois de treze anos de silêncio no rádio e virado minha vida
de cabeça para baixo.

— Sabe que entrei para o comitê da igreja Ladies who


Brunch33 apenas para impressioná-la? Catherine, quero dizer.
Achei que estaria lá todas as semanas. Ela nem aparece,
Nessy. Apenas joga dinheiro na fundação todos os meses para
manter seu título, — acusou Trinity.

Estava prestes a lhe dizer que não precisava fazer de sua


futura sogra sua melhor amiga, quando parecia que Catherine
Costello era mais fria do que um peixe em um lago congelado,
quando a porta se abriu e mamãe entrou correndo, zilhões de
colares colidindo uns com os outros em uma sinfonia de moda
imprudente.

— Estou aqui. Estou aqui. Desculpe pelo atraso. Tive que


interrogar a Sra. Patel sobre a receita do macaron para
acomodar as alergias de todas.

Minha mãe correu para dentro, seu rosto redondo corado,


seu cabelo grisalho um ninho no topo de sua cabeça. Ela
parecia muito menos organizada do que a glamorosa Catherine
Costello, que tinha apenas algumas responsabilidades, as
quais incluíam manter as aparências parecendo uma estrela

33-Senhorasque fazem o brunch. Brunch é uma refeição servida entre o café da manhã e o almoço, e
costuma substituir ambas as refeições.
de cinema envelhecendo graciosamente, parecendo
apropriadamente escandalizada quando uma rede de
alimentos popular tentou abrir uma filial em Fairhope e
arruinar o que os locais chamam de “autenticidade da cidade”,
e dar doações consideráveis para funções da igreja, a fim de
evitar a participação.

— Nessy! Está aqui. Você começou com os kits? Não


temos muito tempo. Preciso levar sua irmã à consulta com a
esteticista. Aparentemente, é melhor obter o brilho facial com
algumas semanas de antecedência.

— Estou trabalhando nisso. — Fiz um show acenando


com um dos esmaltes na minha mão.

— Bom. — Mamãe torceu o nariz quando viu a


embalagem de donut. Fechou-a e pegou entre as unhas, como
se estivesse contaminada. — Ninguém precisa disso, Nessy. Foi
completamente desnecessário. Sua irmã está tentando perder
peso – está tentando sabotar a sua perda de peso?

— Parece que minha irmã não vê um sanduíche desde


1999.

— Importa-se de terminar aqui e adicionar os macarons


às sacolas enquanto levo sua irmã para remover seus cravos?
Ah, e cada macaron precisa ser embrulhado individualmente
em celofane.

Estavam me deixando sozinha para fazer tudo isso?


Sozinha?
— Claro que não me importo, — ouvi-me dizer através das
fortes vibrações de Cinderela.

Sabia que minha família me amava, mas também sabia


que estavam, neste ponto, completamente bloqueados para o
que eu estava passando.

— Você é uma estrela, Ness. Vista-se, querida.

Mamãe deu um tapinha no ombro de Trinity a caminho


da geladeira para pegar o chá gelado que papai fez para ela
antes de ir pescar naquela manhã.

Meu pai, Deus o abençoe, estava tão envolvido em


assuntos familiares quanto eu estava investida na condição de
ratos-toupeira no Uzbequistão. Para resumir, ele comparecia a
eventos importantes quando pedíamos.

— Como está Bear, Nessy? — Mamãe perguntou,


finalmente mostrando interesse em algo na minha vida.

— Ele está bem. — Ergui os olhos do kit que estava


fazendo. — Na verdade, eu...

— Quero levá-lo ao Hanes Mall na próxima semana. Dar


a ele uma mochila nova e talvez alguns pares de jeans. Suas
calças caem em sua bunda. Você sabia disso?

Intencionalmente, mas dê o seu melhor para mudar o seu


estilo, mãe.

— Ele adorará isso, — gorjeei. — De qualquer forma, você


não vai acreditar no que...
— Eu acho que ele crescerá e será tão alto quanto o seu
pai. A única coisa boa que aquele homem inútil tinha a oferecer
era a sua altura.

— Ha! Bem, por falar em Rob... — Tentei uma terceira


vez, um pouco mais agressivamente.

Trinity desceu correndo as escadas usando um vestido de


verão. Uma trança nova e firme estava jogada em seu ombro,
e estava usando um pouco de rímel, blush e brilho labial.

— Bem, vejo você mais tarde, Nessy. Obrigada por fazer


todas as sacolas de presente por mim!

— Oh, e querida, certifique-se de arrumar depois, —


mamãe falou. — Estarei com as mãos ocupadas quando voltar,
com a preparação da casa para a festa.

Fecharam a porta com uma batida no momento que o


meu telefone se iluminou com uma nova mensagem. Veio de
um número não reconhecido, com código de área do Arizona.

Vamos, Nessy. Você me deixará ver meu filho ou o


quê?

Não nesta vida, gasshole.


Duas semanas depois.

Gabriella Holland foi uma má ideia.

Eu sabia disso na noite em que a conheci naquele bar. Na


mesma noite em que a levei para casa.

E na manhã seguinte, também, quando casualmente


examinou as fotos de família penduradas na parede da minha
sala, nua como no dia em que nasceu, e soltou a bomba de que
ela era de Fairhope também.

Que sua melhor amiga, Trinity, estava trabalhando em


minha clínica e que sua mãe ficaria encantada em saber que
nos conhecíamos. Intimamente.

O que um homem honrado deveria fazer? Um homem que


havia sido coroado, por Fairhope, O Mais Provável De Se
Tornar Presidente?

Quem não podia se dar ao luxo de cometer um erro, muito


menos quatro erros em uma noite, um deles em uma posição
bastante aventureira do Kama Sutra, resultando em uma
jovem completamente comprometida?
Eu tinha dado uma chance justa ao meu relacionamento
com Gabriella Holland.

Afinal, não havia absolutamente nada de errado com ela,


tanto quanto os olhos podiam ver. Era objetivamente
deslumbrante, havia se formado na Columbia no ano anterior
e trabalhava como blogueira e influenciadora, promovendo
produtos de beleza e moda de rua nas redes sociais. Queria ser
uma dona de casa, ter bebês gordinhos e fofos, e eu
supostamente queria uma esposa que fizesse exatamente isso.

Os nossos objetivos, planos e ideologias estavam


teoricamente alinhados.

Supostamente sendo a palavra-chave, porque eu não


poderia, por minha vida, aguentar mais dela fotografando tudo
o que comíamos antes do consumo, ou tirando uma selfie em
cada banheiro público que visitava, citando a ótima
iluminação.

— Mas... mas por quê? — Gabriella fungou, acariciando


o nariz e os olhos com um lenço de papel recatadamente,
tremendo toda.

Eu particularmente não gostava de todo o tremor. Ela


tremia quando comia uma salada de frango no Jerry & Sons,
quando via algo triste no noticiário e quando uma corrente de
ar entrava pela janela. Era tão frágil, tão gentil, que pertencia
a um museu, não a cama de um homem de sangue vermelho
(embora, ironicamente, deva ser dito, Gabriella era muito boa
em fazer qualquer coisa que eu quisesse, contanto que eu
ligasse no dia seguinte).

— Foi algo que eu disse? Algo que fiz? Não entendo. Você
me deu um colar outro dia!

Ela estava sentada na beirada do meu sofá azul-marinho,


seus grandes olhos de corça cintilando como vidro quebrado.

Não tive coragem de lhe dizer que o colar não tinha nada
a ver com ela e tudo a ver comigo.

Orgulhava-me de ser o melhor amante de ambas as


Carolinas. Regava as minhas namoradas com presentes caros,
levava-as a qualquer lugar que valesse a pena, nunca perdia
um encontro importante e não as deixava ir para casa sem um
orgasmo de cortesia.

Eu tinha grandes expectativas de mim mesmo.

Afinal, era o queridinho de Fairhope.

A ideia de decepcionar as pessoas me causava ansiedade,


não importa o quanto gostasse de fingir o contrário.

— Espere, foi o incidente do hambúrguer não orgânico?


— Estalou os dedos, tendo um momento iluminado. — Acho
que poderia ter sido mais gentil com Messy Nessy. É que tenho
estado sob tanta pressão recentemente, com o casamento da
Trinity e papel de dama de honra...

— Isso não tem nada a ver com Tennessee Turner. —


Entreguei a Gabriella outro lenço de papel. Poderia dizer que
assim que ela saísse daqui, começaria a chorar. — E nada a
ver com você, também. É perfeita.

— Então por que está terminando comigo?

Não tenho a menor ideia, querida. Só sei que você me


aborreceu até a morte.

Havia algo errado comigo e precisava descobrir o que era.


Sabia que não era assexual porque sexo era a única parte de
que gostava em meus relacionamentos. Era tudo o mais sobre
eles que me causava problema.

Não houve nenhum momento crucial ou incitante que me


mudou. Nenhuma separação complicada ou história de
soluços para me deixar desinteressado em sossegar. Vim de
um ótimo lar, com dois pais amorosos que se adoravam. Tive
namoradas ao longo dos anos. Alguns relacionamentos
duraram mais do que outros. Algumas mulheres de quem
gostava profundamente, e definitivamente, respeitava todas
elas – mas faltava algo.

Tudo parecia normal. Agradável. Bom. Também parecia


bom. Não muito bom. Não tão ruim. Mais ou menos como seu
prato favorito em um restaurante familiar. Nunca fiquei
desapontado com as mulheres com quem estava, mas também
nunca fiquei emocionado com elas.

E eu queria estar.

Queria ser levado a fazer coisas idiotas, ultrapassar meus


limites, decodificar aquilo que os homens da minha idade
tinham – um casamento – e eu não.
No final das contas, escolher uma mulher era inútil
quando esta cidade era minha ostra, e poderia escolher uma
esposa a qualquer momento (exceto por Tennessee Turner,
que, francamente, não desejaria para meu maior inimigo, se
tivesse um).

— Entendo. — Gabriella sentou-se e deu um tapa na


coxa.

Ela estava tendo uma conversa inteira consigo mesma.


Nunca é uma boa coisa.

— Entende? — Duvidava seriamente disso, mas continuei


com a conversa, de qualquer maneira.

— Você está começando a ficar com medo porque Wyatt


se casará e sabe que é esperado que seja o próximo. Eu posso
esperar, Cruz. Não há pressão alguma.

Nenhuma, exceto o fato de que ela já havia marcado os


anéis de noivado em revistas de noivas e as tinha deixado onde
pudesse encontrá-las. Francamente, achei que três meses não
era tempo suficiente para descobrir se queria compartilhar
uma assinatura do Netflix com uma pessoa, quanto mais
propor casamento.

— Não é sobre isso. Preciso de tempo para endireitar


minha cabeça.

— Prometa-me uma coisa.

Gabriella agora estava soluçando completamente, e eu


me odiava por ter ido para a cama com ela. Em minha defesa,
não achei que teria que vê-la no dia seguinte ou nos três meses
seguintes.

— Certo. — Soltei um sorriso invernal, batendo em seu


joelho. — Qualquer coisa, querida.

Ela apertou meus ombros, me olhando bem nos olhos. —


Pensará seriamente no assunto e me avisará quando voltar do
cruzeiro. Eu esperarei por você.

— Realmente, não há necessidade.

Não queria que ela esperasse por mim. Mais importante,


não queria esperar por ela.

Os cruzeiros podem seguir alguns caminhos diferentes.


Era perfeitamente possível que eu encontrasse uma veranista
para ter um breve caso, e não queria me conter. Não quando
já sabia que não queria ficar com Gabriella por mais um dia.

— Não tem que esperar por mim, mas me sentirei melhor


se esperar por você. — Ela esboçou um sorriso fraco e cansado.

Isso soou como um acordo bem bagunçado para mim,


mas talvez Gabriella precisasse de alguns dias para digerir
isto. Estava tentando terminar com ela por duas horas agora,
e continuamos indo e voltando. Se isso era necessário para
fazê-la partir, imaginei em me sacrificar pelo time.

— Tudo bem. Voltaremos a conversar quando eu voltar.

— E tente se lembrar o que nos fez ficar juntos em


primeiro lugar, — sugeriu. — Talvez reacenda algo em você.

Eu estava praticamente empurrando-a para fora do meu


apartamento neste momento.

Bem quando pensei que poderia fechar a porta atrás


dessas poucas horas infernais, e me confortar nos braços do
único amor que nunca me faltou – uma garrafa de cerveja -,
um salto vermelho pontudo abriu caminho entre minha porta
e o batente antes que eu pudesse fechá-la completamente.

Abri rapidamente, esperando que não fosse Tennessee


Turner e sua atitude do tamanho da Austrália.

Minha mãe estava do outro lado da minha porta.

Catherine Costello tinha o penteado de Nancy Pelosi, uma


estrutura extremamente delicada e o guarda-roupa de Jackie
Kennedy. Parecia – e digo isso com muito amor – como todas
as mulheres brancas ricas que já se viu na época dos anos
noventa em um terninho de chefona num drama de televisão.

— Oh, Cruzy. Não estou interrompendo nada, estou?

Abri a porta totalmente, sabendo que não havia sentido


em lhe dizer que estava. — Nem um pouco, mãe. Entre.

— Notei que Gabriella estava com um humor um pouco


azedo. — Mamãe começou a descarregar a sacola marrom que
trouxera com ela. Uma refeição caseira, sem dúvida.

Ela era, para todos os efeitos, uma mãe maravilhosa e


autoritária com quem eu gostava muito de passar o tempo, e
ao mesmo tempo, mal podia esperar para me despedir.

Confuso? Eu também estava.

— Sim. Nós terminamos. — Abri a geladeira, peguei uma


cerveja para mim e limonada diet que guardei especialmente
para ela.

— É extremamente decepcionante ouvir isso.

Ela começou a abrir os recipientes. Cheirava a sua


caçarola de feijão de corda e bife.

— Minhas desculpas.

Eu parecia sincero, porque era sincero.

Queria fazer meus pais felizes. Só não queria ficar preso


a uma mulher que tinha mais prazer em tirar fotos de
sobremesas do que em comê-las, e considerava Vogue a
autoridade em literatura erudita.

— Ao mesmo tempo, poderia dizer que seu coração não


estava nisso. Venha, sente-se e coma.

Fiz porque, caramba, não havia nada melhor do que a


melhor comida de sua mãe e uma cerveja no final de um longo
dia, não importa quantos anos tenha.

Ela contornou minha mesa da cozinha e veio se sentar à


minha frente, apoiando o queixo sobre os dedos entrelaçados.

— Não estou aqui para falar sobre Gabriella, no entanto.


— Imaginei – são notícias de última hora. — Espetei um
pedaço de bife e coloquei na boca. — Como posso ajudar,
mamãe?

— Rob Gussman está de volta à cidade.

Consegui não cuspir minha cerveja e bife. Por muito


pouco.

— É sério, agora?

Acenou com a cabeça. — Fui jogar bridge na casa da Sra.


Underwood. Ela estava emocionada sobre você ter salvado
aquele garoto no Jerry's quando o assunto surgiu. A Sra.
Gussman, que apareceu para nos dar um pouco de sua famosa
torta de maçã, disse que ele está de volta e um pouco pior. Teve
alguns anos difíceis. Ele se divorciou duas vezes, sabe?

— Ouvi. — Rob nunca foi muito bom em relacionamentos,


então não fiquei surpreso. — Ele está aqui para ficar?

— Parece que sim. Ele alugou uma casa e tudo. Em


Norton Creek, não muito longe da outra garota Turner e seu
filho.

— Estranho que ninguém o tenha visto ainda.

— Acho que ele está se mantendo discreto por enquanto.


Enfim, por que não liga para ele? Tenho certeza que apreciaria.
Aposto que ele se sente isolado e mais do que um pouco
envergonhado depois de todo o desastre com a outra garota
Turner.
Yup.

Tennessee Turner não tinha fãs nesta cidade. Minha mãe


estava começando a aceitar ter sua irmã Trinity como nora, ela
estava tão desconfortável com o parentesco.

Eu tinha minhas próprias opiniões sobre o mundo, sobre


a mentalidade de cidade pequena e sua cultura de exclusão.
Não era fã da Srta. Turner, mas tenho que dizer, muitas das
porcarias vomitadas sobre ela cheiravam a ciúme e
mesquinhez.

— Claro que sim. — Coloquei mais caçarola na boca. —


Assim que eu voltar do cruzeiro. Tenho muito trabalho agora.

— Oh! E então há o filho da Sra. Vella, Anthony. Está


pensando em ir para a faculdade de medicina e perguntou se
poderia enviar-lhe algumas perguntas por e-mail. Eu disse
sim, é claro.

— Claro, — repeti, aterrando meus molares enquanto


comia.

Dizer não, não era uma opção. Eu era o filho perfeito, o


vizinho perfeito, o conhecido perfeito. Sempre pronto para
ajudar.

— Mais uma coisa antes de eu ir. Seu pai quer saber se


poderia ajudá-lo a revisar sua carteira de investimentos antes
de partirmos para o cruzeiro. Você sabe o quão terrível ele é
sobre essas coisas.
— Considere isso feito. Eu apareço amanhã.

Yup.

Ser perfeito era exaustivo.

Especialmente quando, por dentro, me sentia qualquer


coisa, menos assim.

Quando pensei que o dia de cinquenta horas não poderia


durar mais, recebi um telefonema para voltar à clínica porque
o filho da Sra. Borowski, Jensen, decidiu que era uma boa ideia
para o seu escroto ficar bem próximo e pessoal de uma roda
do brinquedo Thomas the Train34.

Foi a segunda crise dos Borowski neste mês, desde que


sua filha pousou em minha mesa de paciente há menos de
duas semanas com uma amostra de cocô da cor do arco-íris e
um sorriso manchado de Coringa. Aparentemente, a pequena
Elin achou que era uma ótima ideia banquetear-se com seus
lápis de cor.

Cheguei à clínica, retirei o trem da alegria do escroto de


Jensen, bem-humorado, explicando-lhe que não era a última

34-É um trenzinho, há também um desenho infantil. Thomas é um adorável e corajoso trem. Ele e seus

amigos vivem na ilha Sodor. Todos se divertem e aprendem lições importantes sobre amizade,
respeito e companheirismo.
vez que essa região de seu corpo o colocaria em apuros, então
tirei minhas luvas de elástico com um estalo quando Trinity,
minha futura cunhada e enfermeira, deslizou para o meu
escritório.

— Dr. Costello.

— Por favor, Trinity, me chame de Cruz quando não


houver pacientes por perto. Estamos prestes a nos tornar uma
família.

— Cruz. — Trinity provou meu nome em sua boca,


sorrindo timidamente. — Foi chamado para um procedimento
de urgência?

Ela abriu um dos meus arquivos e colocou as pastas dos


pacientes nele.

Trinity era uma loira bonita com cabelo trançado, um


guarda-roupa reservado e sardas demais. Era bem-educada,
bem-intencionada e bem... chata. Não poderia confundi-la com
sua irmã mais velha bombástica, que deu a algumas das
melhores de Hollywood uma competição séria. Em
comparação, Trinity era quase caseira. Mais do que tudo,
Trinity parecia um querubim e Tennessee parecia algo que o
diabo havia criado para atraí-lo ao pecado.

A enfermeira Turner, ao contrário de sua irmã, porém,


não possuía as maneiras de um javali selvagem, então não me
importava que ela trabalhasse comigo, mesmo que tirasse
quinhentos dias de férias por ano.
— Não pergunte. — Uma risada rouca escapou de mim.

— Ok. Deixe-me perguntar outra coisa, então. — Ela se


virou para mim. Suas mãos colocadas na cintura, vestida com
o uniforme de enfermeira azul-claro. — Você pode me fazer um
favor?

— Claro, mana.

Sorrio calorosamente. Também adicionei “mana” para


garantir que ela entendesse que nenhuma das coisas que eu
estava disposto a fazer incluía ela.

Melhor prevenir do que remediar quando se é o galã oficial


da cidade. Porém, as pessoas continuavam me confundindo
com Ryan Gosling naquele filme, em que ele namora uma
boneca inflável, porque tinha um bigode.

Pensei em me livrar do bigode só porque continuava


suspeitando que as pessoas tinham uma imagem mental de
mim arrastando uma boneca sexual por aí, mas no final das
contas, estava apegado ao filho da puta. Física e
espiritualmente.

— Minha irmã Nessy precisa de uma carona para o porto


amanhã. O seu carro quebrou e meus pais estão dando uma
carona para Wyatt e eu. Sem mencionar que estão levando
Bear também.

Passar uma hora em um espaço confinado com


Tennessee Turner?
Conte comigo. Sempre. Eu era o Sr. Perfeito.

Dizer não me tornaria uma fraude.

Além disso, tinha que superar o incidente do soco na


garganta em algum momento. Tennessee e eu passaríamos
incontáveis dias de ação de graças, natais e batizados de bebês
juntos no futuro. É melhor remediar agora do que me ver
levando um soco nas bolas alguns meses depois.

— Certo. Vou levá-la ao porto amanhã.

— Quero dizer, terá que buscá-la no Jerry & Sons. Tudo


bem?

Desabotoei meu jaleco branco, sorrindo com bom humor.


— Melhores milk-shakes da cidade. Será um prazer.

— Vai ajudá-la com as malas também? Ela não viaja com


pouca bagagem.

Não brinca.

O seu spray de cabelo e saltos provavelmente poderiam


afundar o Elation.

— Querida, considere sua irmã minha irmã. Vou ajudá-


la com tudo o que ela precisar.

Trinity guinchou, fazendo uma coisa estranha com as


mãos, acenando-as rapidamente, como se estivesse tentando
decolar e voar com elas.

— Aww. Muito obrigada! Você é uma estrela! — Ela estava


prestes a sair do meu escritório quando parou na porta,
mordendo os lábios. — Oh, eu só queria que soubesse que
estou tão feliz por você estar com Gabriella. Acho que ambos
são muito bons um para o outro.

Sinais de alarme soaram em minha cabeça.

Gabriella ainda não tinha contado às amigas que


terminamos? Não contar a todos era uma coisa. Não contar a
sua melhor amiga?

Esclareceria as coisas e garantiria que todos soubessem


que eu era um agente livre.

…mas primeiro, sobreviveria a esse castigo de um


cruzeiro.
Estávamos atrasados.

De fato, atrasados não seria a melhor maneira de


descrevê-lo.

Estávamos muito atrasados.

Minha culpa, naturalmente.

Cruz e eu pegamos o tráfego da tarde para Port


Wilmington. Seu Audi estava se movendo a um passo de lesma,
preso entre mais uma centena de carros.

Foi admiravelmente educado e silencioso durante todo o


trajeto saindo de Fairhope, mas pela veia latejante em sua
têmpora, que era um tom interessante de romã, tinha certeza
de que ele estava prestes a socar meu peito.

— Lembre-me de novo, — falou lentamente, sufocando o


volante até a morte. — O que a prendeu em Jerry & Sons por
quarenta e cinco minutos enquanto eu vagava pelo
estacionamento como um traficante de drogas de grau B?

Fiquei até tarde porque minha nova garçonete em


treinamento, Trixie, mãe solteira de dois, tinha um marido
babaca que a abandonou por uma modelo mais jovem apenas
três semanas atrás.

Ela estava tendo um colapso mental – o que não era


totalmente surpreendente, visto que era seu segundo turno e
nunca trabalhou em sua vida – e eu tive que assumir até que
suas mesas estivessem servidas.

Claro, não contaria sua história ou me explicaria para


esse idiota arrogante. Eu não devia nada a ele.

— Já te disse. — Abaixei o quebra-sol do passageiro,


deslizando o espelho para abri-lo para delinear meus lábios
novamente, um belo tom de rosa. — Tive que escolher a melhor
cor de batom para combinar com a minha roupa.

— Você está vestindo seu uniforme de garçonete.

— Exatamente. Sabia que existem mais de mil tons de


rosa?

— Será que você sabe, — retorquiu, — que o Elation


embarca em quinze minutos e perderemos o cruzeiro?

— Absurdo. — Acenei uma mão desdenhosa para ele. O


segredo estava na falsa confiança. — Chegaremos a tempo e
será maravilhoso.

— Essas coisas são mutuamente exclusivas. Se você


estiver lá, não será maravilhoso.

— Ai, — digo, secamente, para enfatizar que não poderia


me importar menos. — Não podemos apenas nos dar bem?

— As chances de nos darmos bem voaram pela janela


quando você socou minha garganta há seis anos.

Eu não podia acreditar em sua audácia em trazer isso à


tona casualmente.

— Estava mirando no seu rosto.

— Você é tão sem talento quanto violenta, Srta. Turner.

— O que aconteceu com deixar o passado no passado?

— Isso não se aplica ao nosso caso. Você teria continuado


me espancando até a morte se não tivéssemos uma audiência.

Sorrio nostalgicamente. — Morte? Não, mas


provavelmente teria danificado as joias da coroa.

Cerrou os dentes, carrancudo para o engarrafamento


através de seus óculos Aviador de aro metálico. Vintage e
provavelmente caro pra caramba. Ele parecia um herói de
guerra num filme de Tom Cruise. O que me deixava com os
joelhos fracos toda vez que o olhava diretamente. Talvez seja
por isso que goste de irritá-lo – aquele maxilar cerrado, no
entanto!

Virei o rosto para a janela e liguei o rádio. Fergie cantou


sobre seus adoráveis lady lumps35. Perguntei-me vagamente
se deveria tentar a sorte escrevendo letras. Não poderia ser tão

35-Música do grupo Black Eyed Peas, “My Humps”. Lady lumps é uma gíria para seios.
difícil se essa música chegou ao rádio.

Tentei me animar dizendo a mim mesma que essas eram


as primeiras férias de verdade de Bear, e ele estava
estupidamente animado com isso. E mais, o cruzeiro de dez
dias me daria a distância necessária de Rob, que ligava todos
os dias nas últimas semanas, mas, fora isso, estava se
mantendo discreto em Fairhope. Mais uma vez, eu estava
mantendo seu segredo... mais ou menos.

Ainda não tinha tocado no assunto do seu pai com Bear,


mas planejava fazê-lo nesta viagem. Levá-lo a um dos bons
restaurantes do navio de cruzeiro e ter uma conversa séria e
adulta com ele. O tipo que o Dr. Phil36 acharia inspirador.

A voz do Sr. Perfeito cortou o canto de Fergie. — Olha,


este cruzeiro é para ajudar nossas famílias a se conhecerem
melhor. Estou disposto a deixar o incidente do soco na
garganta passar, se você se comportar bem também. O que
diz?

— Tudo bem. Sim. Vou dar uma chance. Posso ligar para
o meu filho?

Por que lhe pedi permissão estava além de mim. Eu era


uma mulher adulta, com quase trinta anos, na verdade, mas
acho que afinal era o seu carro.

Além disso, Cruz sempre pareceu muito mais velho do

36-Éum psicólogo dos Estados Unidos que se tornou conhecido do grande público ao participar dos
programas de Oprah Winfrey como consultor de comportamento e relações humanas.
que eu, embora houvesse dois anos entre nós. Além disso,
talvez fosse bom parar de brigar por meio segundo.

— Vá em frente, querida.

Tinha certeza que a parte do querida escorregou


acidentalmente, mas ainda fez minhas coxas baterem uma na
outra e meu clitóris acordar de sua hibernação.

Muito elegante, Nessy. Espere até que ele desfrute de um


sorvete na viagem. Sua vagina provavelmente explodirá em todo
o open bar.

Fiz uma chamada de vídeo com Bear, que parecia


adorável em seus tons de verde neon e cabelo desgrenhado.
Havia muita conversa e risos e anúncios de microfone ao
fundo, então deduzi que já estava no navio.

— Olá, Care Bear. — Sorrio. — Como está meu garoto


favorito?

— Muito bem, Ma37. Você tem que ver este lugar. É uma
loucura enorme. Como uma cidade.

— Bem, querido, estou a caminho. Mamaw e Papaw38


estão com você?

— Não. Encontrei uma gangue local indo em direção ao


Mar da China Meridional. Vamos nos tornar piratas. Acha que
ficarei bem com um tapa-olho?

37-Mãe, mamãe.
38-Forma carinhosa de dizer vovó e vovô, especialmente da parte materna.
A risada silenciosa ao meu lado, vinda do Menino de
Ouro, me disse que isso era para ser uma piada. Fiz uma
careta.

— Não faça piadas dessas coisas com sua mãe, Care Bear.

Ele estremeceu. — Por favor, não me chame assim


publicamente.

— Não se torne um pirata, então.

— Combinado.

Minha mãe achou por bem pegar o telefone de Bear


naquele momento, sorrindo alegremente para mim. Pelas
bochechas rosadas e a margarita do tamanho de um balde que
segurava, concluí que estava bêbada.

Percebi que ela ficou estranhamente domada nos colares


e pulseiras, e meu coração apertou por ela ter alterado seu
estilo para se encaixar no universo elegante de Catherine
Costello.

— Nessy, querida? — Olhou para o telefone, como


costumam fazer os idosos, como para garantir que eu não
estivesse fisicamente presa dentro do pequeno dispositivo. —
Por que estão demorando tanto? Wyatt e sua irmã já estão
aqui. Os Costellos também.

— Fiquei presa no trabalho. — Estremeci.

Mamãe me lançou um olhar de desespero. — Por favor,


chegue na hora certa, Nessy. Você não pode nem imaginar o
quanto isso significa para sua irmã.

— Eu sei, — disse sombriamente. — Estamos fazendo o


nosso melhor. Estaremos aí.

Desliguei, me sentindo impaciente. Se perdêssemos este


cruzeiro, ninguém da minha família me perdoaria. Estiquei o
pescoço, como se pudesse ver além do para-brisa.

— Já estamos chegando? — Perguntei.

— Quase. Estamos entrando no porto agora. Esse é o


problema. É impossível estacionar neste lugar.

— Hmm, — digo prestativamente.

— Bear parece uma criança legal, — Cruz disse, e meu


coração inchou. Bear era, de fato, o garoto mais legal do
planeta Terra. Falando objetivamente, é claro.

— Naturalmente. Ele se parece comigo.

— Não na aparência.

Houve um breve silêncio. Meu cérebro gritou para não


tocar no assunto Rob, mas minha boca grande mostrou o dedo
e foi direto para a conversa pegajosa.

— Sabe que Rob está de volta, certo?

Cruz deu um meio aceno de cabeça. — É uma cidade


pequena.

— Teve uma chance de sair com ele? — Perguntei. —


Relembrar os bons e velhos tempos?

— Por que você se importa?

Estávamos agora dentro da área do estacionamento, e


Cruz procurava uma vaga, atrás de um Buick dirigido por uma
mulher de noventa e dois anos.

— Porque vocês são melhores amigos.

Inseparáveis na adolescência. Os escolhidos de Fairhope


High.

— Éramos, — emendou. — E pretendo tomar uma cerveja


com ele em breve. Será bom. Eu senti a sua falta.

Claro que sentiu. Eram do mesmo tipo de cara esperto em


embalagens diferentes. Não tinha dúvidas de que Cruz teria
agido exatamente da mesma maneira que Rob agiu se eu
tivesse engravidado do seu filho aos dezesseis anos.

Lembrei-me, de repente, de todos os motivos pelos quais


odiava Cruz Costello com tanta paixão.

— Sabe o quê? — Suspirei. — Retire isso. Não posso fazer


isto. Não posso ser legal com você.

— O mesmo. Foi bom enquanto durou, no entanto.

— Não para mim.

Ele parou numa vaga de estacionamento.

Soltei o cinto. — Então pode simplesmente parar de fingir


ser um cavalheiro perto de mim. Eu sei a verdade.

A verdade que te rendeu um soco na garganta em primeiro


lugar.

Ele soltou uma risada incrédula quando saiu,


contornando seu Audi e abrindo o porta-malas. Agarrou minha
mala rosa choque e jogou-a em mim, me fazendo tropeçar nas
minhas sandálias de tiras de salto.

Ele também me faria carregar minha própria mala. TÃO


cavalheiro.

— Tennessee?

— Sim?

— Eu recomendo fortemente que tire os saltos altos agora


mesmo.

— Por que?

— Porque estamos prestes a correr, e desde cinco


segundos atrás, não tenho mais vontade de carregar sua mala
e sua bunda para o navio.

Os meus pés estavam queimando.


Esta não era uma figura de linguagem. Estavam pegando
fogo por correr descalça.

Atualmente, eram do tamanho dos pratos da Jerry &


Sons e tinham um belo tom de vermelho, com algumas listras
de pele morta que pareciam bacon.

Manquei, mudando meu peso de um lado para o outro no


balcão de check-in, numa partida, sozinha, de Jogo da Lava39.
Na semana passada, concluí o máximo possível do processo de
check-in on-line, comprando um pacote de internet e bebidas,
garantindo que o cartão correto estava no arquivo e
imprimindo e anexando as etiquetas de bagagem com
antecedência.

Ao contrário da crença popular, não era tão bagunceira.

A senhora do check-in (eu estava delirando demais com a


dor de correr pela segurança para decifrar qual era o seu cargo
real) devolveu nossos passaportes, deu-nos nossos cartões de
identificação de passageiros recém-retirados (naturalmente,
Cruz parecia pronto para a foto, e ela me pegou no meio de um
piscar), e nos entregou um pacote de boas-vindas, recitando
roboticamente suas falas.

— Muito obrigada por escolher a linha de cruzeiros Allure


of the Ocean! Esperamos sinceramente que aproveitem suas
estadias aqui. Tenham uma excelente experiência!

39-Brincadeira infantil que consiste em se locomover por um ambiente imaginando que o chão é feito
de lava.
Tentamos passar furtivamente por uma fotógrafa que
forçou Cruz e eu a tirar uma foto juntos na frente de um fundo
falso cafona de navio. Seu sorriso vacilou quando percebeu que
eu não poderia fisicamente reunir um sorriso em meio à dor.

Ela silenciosamente tirou as fotos, disse-nos que


poderíamos comprá-las na galeria de fotos (dispenso) e nos
enviou em nosso alegre corredor.

Apesar da dor, nunca me senti tão feliz em toda a minha


vida.

Tínhamos conseguido. Estávamos no navio, mesmo que


tivéssemos que esperar na fila do check-in que parecia
serpentear até Nova York (parecia que não éramos os únicos
atrasados - ha!). Nossas malas também haviam sido
despachadas e deveriam estar esperando nas portas de nossos
quartos depois do jantar.

Já tínhamos, porém, ultrapassado essa fase.

Feito. Finalizado. Finito. Livre como pássaros.

Sempre há uma sensação tola de arrogância quando se


deixa um rastro de pessoas exaustas e irritadas atrás de você
em uma fila que acabou de cruzar para a liberdade do pós-
check-in, e naquele momento, eu senti isso.

— Quer parar em algum lugar, para poder calçar as


sandálias antes de encontrarmos nossas famílias? — As
sobrancelhas grossas de Cruz franziram, seu cavalheirismo,
naquele momento, superando seu ódio por mim.
Balancei minha cabeça. — Neste ponto, colocar qualquer
coisa só fará meus pés ficarem piores.

— Existe uma solução temporária para isso. — Ele me


olhou fixamente.

Oh, sim.

Aquela bobagem que ele vomitou quando ainda


estávamos em seu carro.

— Se eu deixá-lo me carregar, seu fedor de masculinidade


tóxica vai passar.

— Como adivinhou? — Parecia genuinamente surpreso e


chocado. — Essa é a minha colônia favorita.

Então. Dr. Costello tinha piadas.

Sim, eu e os dez dias que deveria passar com ele.

Três minutos pulando de um pé para o outro se passaram


antes que eu percebesse que estava me punindo, não a ele.

— Tudo bem, — digo, resistindo ao impulso de lembrá-lo


que era sua culpa por escolher o estacionamento tão longe do
porto. — Você pode me carregar.

— Tem certeza de que sobreviverá ao meu fedor?

— Vou prender a respiração, mas nada de mão boba.

— Tentarei o meu melhor.

— Não tente, prometa.


— Pareço tão desesperado para você?

Pensei nisso de maneira genuína. Afinal, ele estava


namorando uma das mulheres mais bonitas de Fairhope.

— Não particularmente, mas esse bigode lhe dá uma


vibração de pervertido. Melhor prevenir do que remediar.

Ele me pegou com tanta facilidade que um ronronar


indolente me escapou. Deixei meus braços balançarem sem
rumo ao lado do meu corpo, porque segurar seu pescoço
parecia demais com uma donzela em perigo para o meu gosto.

Ainda assim, foi divino, quase eufórico, quando me


carregou no estilo lua de mel na frente de dezenas de pessoas
que embarcavam no navio e agora estavam dizendo awn e ooh,
sorrindo para nós com admiração aberta.

Olhe para aquele casal. São como Gisele e Tom Brady,


apenas toleráveis. Ele deve dar a ela sexo oral o tempo todo,
provavelmente pensaram. Não apenas nos fins de semana e
depois de alguns drinks.

Se eles soubessem que não havia nada que Cruz


desejasse mais do que me jogar ao mar como uma âncora e me
ver ser desmembrada por uma multidão de focas enfurecidas.

Uma mulher deu uma cotovelada no marido e perguntou


por que ele não podia ser tão romântico, e outro homem
colocou dois dedos na boca e assobiou. — Sim, baby. É assim
que se consegue alguma coisa. — O que, naturalmente,
rendeu-lhe um tapa na cabeça de sua parceira.
— Disseram que estavam no parque aquático do convés
superior, bebendo no bar, — falei.

Cruz foi até a escada porque o cruzeiro terminaria antes


que a fila para os elevadores se esvaziasse. Decidi que ele era
meu meio de transporte favorito. E também que tinha bíceps
extremamente fortes.

Tentei não pensar em outras maneiras de ele me dar uma


carona.

— Ligue para eles, — Cruz instruiu.

Meu telefone já estava pressionado no meu ouvido. — Não


há sinal aqui embaixo.

— Está muito barulhento aqui, — Cruz disse quando


chegamos ao convés superior, e finalmente recebi um sinal
apenas para ouvir o correio de voz de Bear.

O parque aquático.

Bear não estava brincando. Este lugar era tão grande


quanto uma cidade.

— Obrigada, Capitão Óbvio.

— De nada, Mulher Gato.

— O humor fica bem em você, Dr. Costello.

— Você deveria ver o que está por baixo.

Essa foi a primeira vez que pisamos à beira do flerte, e


mesmo isso tinha veneno suficiente para matar uma manada
de elefantes.

— Talvez aceite a oferta, — disse sarcasticamente. —


Todos em Fairhope sabem que distribuo as mercadorias
facilmente.

Ele derrapou até parar, com o queixo inclinado para


baixo, os olhos de um azul profundo escurecendo. De repente,
estávamos olhando um para o outro, nossos narizes nem
mesmo um centímetro de distância, e o barulho e gritos e risos
e crianças caindo como canhão em piscinas deixou de existir.

Cruz Costello parecia... com fome. E não por comida.

Meu coração deu uma cambalhota em uma piscina de


algo quente e pegajoso, e resisti à vontade de lamber meus
lábios.

Por um momento, pensei que fosse me beijar. Ele me


agarrou mais profundamente contra seu peito, musculoso
como um deus grego, e todas as terminações nervosas do meu
corpo chiaram.

Minhas entranhas se transformaram num líquido


espesso e pegajoso... e então me lembrei quem ele era e o que
fez comigo. E que tinha uma namorada que eu odiava (às vezes,
na minha cabeça).

Virei minha cabeça para o outro lado, fazendo um show


ao verificar minhas unhas de cinco centímetros.
— O que diabos foi isso, Costello?

— Nada, Turner. Você estava apenas me olhando de


forma estranha, então procurei sinais óbvios de um ataque
cardíaco. A propósito, suas pupilas estão dilatadas.

— Uh-huh. Lembre-se de que você tem namorada.

— Não tenho, na verdade.

Não deveria me sentir tão alegre quanto me senti quando


disse isso. Ele retomou sua caminhada comigo em seus
braços. Só que agora, estava se arrastando. Senti seus passos
irritados na minha espinha.

Ainda não conseguíamos localizar nossas famílias no bar.


Estava lotado, barulhento e transbordando de pessoas em
diferentes estados de nudez e embriaguez.

Odor corporal, cloro e álcool barato invadiram minhas


narinas. Paraíso. Como é que ninguém nunca o engarrafou em
um perfume?

— Nawwww. — Fiz um gesto exagerado, colocando a mão


no coração. — Mas vocês eram tão perfeitos juntos. Casal
Farinha de Aveia do Ano. Então, sou sua próxima conquista?
Seu estepe?

— Estepes não fazem meu tipo.

Fui eu, ou ele não negou categoricamente?

— Então, por que parecia que ia me beijar? É porque não


caio aos seus pés? — Provoquei.

— Eu geralmente gosto de meus encontros ao nível da


virilha. Se estão aos meus pés, estão fazendo algo errado.

— Grosseiro. Além disso – sexista.

— Natural. Além disso – não se eu estiver retribuindo. O


que, para seu conhecimento geral, sempre faço. De qualquer
forma, disse que eu poderia ser eu mesmo perto de você, certo?
Este sou eu. É pegar ou largar.

— Escolho largar, — disse enfaticamente, meu coração


batendo a mil quilômetros por minuto, o que estava
acontecendo?

Estávamos realmente discutindo sexo?

— Bem, querida, nunca fui seu para começar. Agora ligue


para seus pais novamente. Vou tentar minha mãe.

Ele me colocou no chão, farto da minha malícia. Tive um


vislumbre do oceano pela primeira vez. Era interminável, azul
e promissor, espalhado aos meus pés, e me lembrei que em
alguns minutos, não teria que lidar com Haughty McHotson40
de forma alguma. Estaria muito ocupada com minha família,
meu filho e meu bronzeado.

Chega de arrumar gôndolas, de servir mesas. As coisas


estavam finalmente, finalmente, melhorando.

40-Apelido criado para o Cruz com o intuito de soar como nome e sobrenome – Gostosão Arrogante.
Liguei para minha mãe, depois para meu pai, depois para
Bear. Estava esperando Bear atender quando ouvi a voz da
mãe de Cruz explodindo no alto-falante de seu telefone.

— Cruz? Onde você está, querido?

— Deque superior. Bar Waterpark. Estamos procurando


por vocês.

Chicoteei minha cabeça para pegá-lo conversando por


vídeo com sua mãe, andando de um lado para o outro. Eu não
era a única que estava olhando. Toda a população feminina do
navio de cruzeiro cobiçava esse pedaço de carne nobre. Alguns
dos homens também.

Orgulho estúpido encheu meu peito. Todos podiam olhar,


porém ele estava comigo, mas então eu também estava cheia
de pavor, porque não apenas NÃO estávamos juntos, ele estava
literalmente tentando ao máximo se afastar de mim.

— Sim. Estamos no saguão, que fica bem atrás. Você verá


o lindo lustre, feito de garrafas de licor vintage vazias. Muito
bonito. Estou usando um vestido marfim e um chapéu de
palha, e Donna está usando... ah, não sei o que ela está
usando, querido. Essas pessoas não reconheceriam uma boa
escolha de moda se isso os atingisse na bunda.

Bem. Tinha certeza de que não deveria ouvir isso.

Não tinha dúvidas de que estava junto com essas


pessoas. O pessoal de colarinho azul41 de Fairhope.

Cruz teve a decência de me lançar um olhar de desculpas


antes de correr para o final do bar do parque aquático.

— Não consigo ver o salão. Tem certeza de que está no


parque aquático?

— Perto do parque aquático.

— Sim, não vejo nenhum lustre, também. Apenas um bar


que parece um submarino amarelo.

Uma sensação de pânico começou a zumbir na boca do


meu estômago. A buzina do navio soou, abafando meus
batimentos cardíacos.

— Que tal nos encontrarmos em outro lugar? Posso


esperar por você no centro de spa no deque dezenove.

— Os deques só vão até os dezoito, mãe.

— Bobagem, Cruzy. Pensaria que um homem que


terminou a faculdade de medicina saberia contar.

O pânico em meu abdômen subiu, subiu, até ao meu


esterno, tornando quase impossível respirar.

Cruz parou de andar, esfregando o rosto cansado e


balançando a cabeça.

41-A expressão colarinho azul faz menção aos uniformes utilizados pelos operários norte-americanos
no início do século XX. Quer dizer os que trabalham em empregos considerados braçais e não são
ricos.
— Está no folheto, mãe. O Elation tem dezoito deques.
Procure.

— O Ecstasy tem dezenove deques. Verifique por si


mesmo – por que estamos tendo essa conversa?

A bola de pânico dentro de mim agora estava bloqueando


minha garganta. Eu não conseguia respirar. A náusea tomou
conta de mim.

Pluck, pluck, pluck.

Cruz lentamente se virou para mim, seus olhos de oceano


insondáveis brilhando com acusação. Enquanto isso, o Elation
escolheu este exato momento para começar a navegar,
deixando o porto enquanto centenas de turistas preguiçosos
contra o corrimão o observavam se afastar da terra.

— O Ecstasy? — Repetiu, para os meus ouvidos, não para


os dela.

— Sim, querido. Por quê? Espere, em que navio você está?


— Houve uma risadinha nervosa do tipo quais-são-as-chances
no final da frase.

— No Elation, — disse ele à queima-roupa, seu olhar não


deixando o meu, ficando mais quente, mais escuro, mais
assustador.

Eu quero minha mamãe.

— Por que diabos estaria no Elation? — Sua mãe


explodiu.
As nossas famílias começaram, ao seu redor, a conversar
acaloradamente. As palavras “por quê?” e “de novo não” e
“culpa dela” foram lançadas ao ar.

— Essa é uma pergunta muito boa, mãe. Por que não me


deixa voltar com a resposta depois que eu descobrir por mim
mesmo?

Com isso, ele desligou e se voltou totalmente para mim.


Meu único consolo era que estávamos na frente de muitas
pessoas, então era improvável que me jogasse ao mar.

Ainda.

— O Elation, — disse simplesmente. Sua voz áspera e


morta e tão fria, um arrepio percorreu minha espinha.

Mordi meu lábio inferior. — Lembrei-me de algo com E.

— Lembrou-se. — Ele caminhou em minha direção, frio


como um pepino, mas também formidável como Michael
Myers. — Mas você não pensou em, ah, não sei, verificar
novamente?

Dei um passo para trás, recuando em direção a uma


rampa elevada na qual um concurso de camiseta molhada
estava acontecendo, tentando evitar sua ira. Mais do que
estúpida, me sentia sem esperança, porque sabia que todos
estavam discutindo o quão inútil eu era. Como provavelmente
foi um milagre conseguir segurar uma bandeja e anotar um
pedido de panqueca.
— Perfeitamente capaz de reservar duas passagens para
um cruzeiro. — Cruz imitou minha voz e fez um bom trabalho,
dando mais um passo em minha direção, como um predador
mirando sua presa. — Isso é o que disse no restaurante. Eu
deveria ter especificado que me referia ao CRUZEIRO DE
NOSSAS FAMÍLIAS?

— Eu... eu... eu...

As desculpas, contudo, morreram na minha garganta.


Não havia como justificar o que havia acontecido.

Eu estava bêbada, nervosa com o retorno de Rob e cometi


um grande erro. Havia confundido Elation com Ecstasy e agora
me lembrava do motivo: assim que meus pais me disseram que
os Costellos estavam reservando um cruzeiro para nós,
comecei a pesquisar os diferentes navios de cruzeiro.

Sempre voltava para o Elation, porque parecia o mais legal


e era altamente recomendado. Embora não me fizesse muito
bem agora que estava compartilhando-o com um homem que
queria me afogar.

— Posso ter o simpático e falso Cruz de volta?

Estremeci quando ele estava tão perto que praticamente


podia sentir o seu cheiro. O cheiro tentador de sândalo com
couro em um homem endinheirado, e o almíscar aguçado e
potente de homem. Seu corpo estava rígido e grande e nivelado
com o meu, zumbindo com a necessidade de quebrar algo. De
preferência meus ossos.
Minhas costas estavam coladas na rampa elevada. Atrás
de mim, mulheres estavam rindo e comparando camisetas
molhadas. Eu não tinha para onde ir.

— Não, — sussurrou, seu hálito mentolado soprando em


meu coque colmeia. Fechei meus olhos com força. Talvez se
não olhasse, ele desaparecesse. — Cruz simpático está morto
para você, Turner. Jesus. Não posso acreditar que seja
realmente tão... estúpida... pra caralho!

De todas as coisas ofensivas que as pessoas disseram


sobre mim ao longo dos anos, realmente pensei que essa era a
mais cortante. Em primeiro lugar, porque veio de Cruz, um
homem que era notoriamente incapaz de machucar uma
mosca, mesmo que a enervante fosse eu, e que dedicou sua
vida e trabalho especificamente para fazer as pessoas se
sentirem melhor. Em segundo lugar, porque desta vez,
acreditei nele.

Eu fui estúpida.

Desviei o olhar, tentando não chorar, ciente de que


estávamos reunindo uma pequena e curiosa audiência. Minha
capacidade de explodir em lágrimas a qualquer momento era
lendária, e estava se tornando uma grande desvantagem aos
vinte e nove anos.

Tentei manter minha voz calma. — Sugiro irmos para


nossos quartos para nos reagruparmos, e conversamos sobre
isso quando você se acalmar um pouco.
— Sério? — Perguntou.

— Sim.

— Olhe para mim agora, Tennessee.

Arrastei meu olhar para cima das tábuas do convés,


usando toda a minha coragem para fazê-lo. Ele ergueu nossos
cartões de embarque na frente do meu rosto.

— Algo sobre isso parece estranho para você?

Pisquei. Não consegui registrar nada, a adrenalina estava


muito forte na minha corrente sanguínea.

Naturalmente, me senti ainda mais estúpida. Eu


praticamente podia ouvir seus pensamentos.

Ela não sabe ler. Inacreditável. O meu irmão se casará com


uma mulher cuja irmã é analfabeta.

— Qual é o problema? — Bufei, frustrada.

— Quantos quartos vê aqui?

— Um.

— E nós somos quantos?

— Dois.

— Boa menina. Agora, deixe esses números afundarem.

Abaixei minha cabeça de vergonha. Quão bêbada,


exatamente, eu estava quando reservei aquelas passagens?
Muito, pelo que parece.

Não consegui mais conter as lágrimas e não queria que


ele me visse chorar, então empurrei seu peito, me virei e fugi,
deixando-o ali mesmo, rodeado de mulheres de biquíni e
camisetas molhadas, e homens que as assediavam para que
saíssem do palco e lhes dessem um pouco de atenção.

Meus pés ainda queimavam, mas estava entorpecida


demais para sentir a dor enquanto vagava sem rumo ao redor
do navio. Bear tentou me ligar de volta, mas enfiei meu telefone
no bolso depois de colocá-lo no modo silencioso.

Não conseguia encarar meu filho com lágrimas quentes


escorrendo pelo rosto depois de estragar mais uma tarefa
simples. Para ser honesta, não conseguia nem olhar nos seus
olhos depois do erro que cometi.

Mamãe, papai e Trinity ligaram também, mas não queria


falar com ninguém agora.

Em vez disso, continuei dando voltas e mais voltas em


círculos.

Este desamparo, esta pequenez do meu ser, parecia um


sintoma de algo maior.

De toda a minha existência.


Eu não conseguia acreditar nessa mulher.

Era uma maldita ameaça em um vestido minúsculo.

Eu nunca deveria tê-la deixado lidar com a reserva das


passagens. Esta era a garota que tinha ficado infamemente
grávida sob as arquibancadas do campo de futebol do Fairhope
High, enquanto eu vigiava para ela e Rob, o braço direito
honrado que eu era. Lembrava-me daquela cena muito bem.

Cara Loughlin estava me bajulando, tentando me fazer


convidá-la para o baile de forma indireta, e tudo que eu
conseguia pensar era no fato de que Rob estava tirando a
virgindade de Tennessee Turner nem mesmo a alguns metros
de mim.

Ouvi seus gemidos ferozes, como se estivesse lutando


com um porco, não fazendo amor com sua namorada do
colégio, e um suspiro suave dela. Quatro meses depois,
Tennessee largou o colégio e começou a usar roupas largas, e
todos nós sabíamos o que isso significava.

Não ajudou o fato de Rob ter terminado com ela, e num


momento de embriaguez após o baile, enquanto estávamos
todos bebendo no gazebo da biblioteca, ele subiu no telhado
branco e gritou: — Estive no Tennessee42 e me senti muito bem,
pessoal!

A mulher que, quando questionada sobre o que era bom


no Jerry & Sons, respondia: — O banheiro. Às vezes. Quando
limpos.

Esta era a mulher em quem confiei para nos reservar as


passagens. Eu não tinha ninguém para culpar além de mim
mesmo.

Em vez do plano B, fui localizar nossa cabine, que era


espaçosa para um cruzeiro (baixo padrão), mas pequena
demais para evitar uma mulher com uma personalidade do
tamanho do Mississippi43. Então peguei o meu colete salva-
vidas e me dirigi para o treino de segurança.

Qualquer pessoa que já tenha feito um cruzeiro sabe que


se tem uma chance melhor de se tornar o primeiro astronauta
unicórnio do que escapar do treinamento. Seus anúncios são
altos o suficiente para acordar os mortos, e ligam para o seu
quarto e tornam a sua existência um inferno até que você
participe do exercício obrigatório.

Um dos funcionários do cruzeiro digitalizou minha


carteira de identidade, confirmou minha identificação e me

42-Tennessee, além do nome da personagem, é o nome de um estado sulista dos Estados Unidos, por
isso o trocadilho da frase.
43-Estado da região sudeste dos Estados Unidos.
indicou um assento no canto do salão de comédia stand-up,
meu posto de treinamento designado. Enquanto esperava para
ouvir o discurso de segurança de trinta minutos, tentei pensar
em como Tennessee Turner havia se tornado minha única
(apenas a única) inimiga em Fairhope.

Eu sabia exatamente por que a detestava, embora meus


motivos não fossem tão justos com ela, mas não tinha a menor
ideia de por que me odiava. Só sabia que sim, porque ela era
um dos poucos residentes em Fairhope que optou por se
consultar com um médico em Wilmington em vez de
permanecer com um local.

Após o treino de segurança, parei no balcão de


atendimento ao hóspede, que havia esvaziado
consideravelmente, e perguntei sobre descer na ilha mais
próxima e juntar-me ao Ecstasy.

— Bem... — A representante no uniforme extrapassado


sorriu timidamente. — O problema não seria sair do Elation,
mas encontrar quartos disponíveis no Ecstasy. Sem falar que
ambos os navios de cruzeiro teriam que estar na mesma ilha
aproximadamente no mesmo dia para que isso acontecesse, o
que só pode ocorrer no quarto dia, dependendo do clima.

— O que acontece em caso de emergência?

— Temos uma clínica médica interna, totalmente


equipada, e um heliporto para emergências médicas. Você
poderia me explicar a situação? Talvez então possa ajudar, —
se animou a representante.
Gostaria, mas eu mesmo não entendo muito bem.

— Por acaso tem algum quarto disponível, então? —


Suspirei. — Pagarei qualquer quantia.

Qualquer quantia.

Meu financiamento do Q844 estava terminando em breve,


e faria um upgrade para um Land Rover Sport, mas, dane-se,
evitar essa mulher tinha prioridade.

— Não, eu sinto muito.

— Eu também, — murmurei.

Deixei meus dados e o número do quarto para ela, de


qualquer maneira, e pedi que me avisasse se e quando pudesse
escapar dessa festa do pijama inesperada com a Turner mais
velha. Acho que disse a frase “dinheiro não é problema” três ou
quatro vezes, o que me fez sentir como um cafetão bajulador
de LA, mas tempos desesperados exigiam medidas
desesperadas.

Fiz um tour pelos deques populares depois disso, me


familiarizando com a área. No que diz respeito aos navios de
cruzeiro, o Elation foi provavelmente o melhor em que estive.
Tinha uma dúzia de restaurantes, salões de beleza, dois
parques aquáticos, dois cassinos, quadra de tênis, shopping,
bibliotecas, bares, cinema, pista de patinação no gelo, teatro
de artes cênicas, submarino e montanha-russa.

44-Modelo de carro da Audi.


Estava começando a me acalmar, e inconscientemente
(mas evidentemente não tão inconscientemente) ficar atento a
Tennessee. Ainda estava com raiva o suficiente para que lhe
enviar mensagens de texto estivesse fora de questão – ela nos
ferrou e não terminei de lembrá-la – mas ela também parecia
genuinamente chateada quando nos separamos, e não estava
acostumado a vê-la com qualquer outra expressão além de
puro orgulho e teimosia. E sabia que provavelmente estava
pirando por estar longe de seu filho. Estavam presos pelo
quadril desde o momento em que ele nasceu. Deve ter sido
difícil perceber que não estavam no mesmo navio.

Eu secretamente gostei da sua garra. A atitude de ignorar


Fairhope. Como ela não recuou, não foi embora, não tentou
freneticamente convencer a todos que não era quem eles
pensavam que era. Ela foi injustiçada por Fairhope, tanto
quanto pude perceber, ao cometer um erro, pelo qual assumiu
cem por cento da responsabilidade, mas ainda considerada
cem por cento culpada.

É verdade que ela achava difícil se concentrar e errava em


alguns pedidos na lanchonete de vez em quando, mas atribuí
isso à desatenção ou a conexão em partes de um trabalho de
merda, não à estupidez. Depois que se conversava com a
mulher, dava para perceber que ela era muitas coisas, mas,
caramba, não era uma idiota.

Encontrei Tennessee três horas depois de nos


separarmos, exatamente onde esperava localizá-la – no open
bar, mostrando suas pernas bronzeadas e dentes brancos.
Anteriormente, a recepcionista do check-in havia confirmado
os pacotes de bebidas à vontade em nossos cartões de
identificação.

E, é claro, sendo Tennessee a Tennessee, já havia feito


bom uso de seu pacote e estava tomando um coquetel branco,
uma cereja Maraschino pendurada em seus lábios carnudos,
ainda em seu uniforme de trabalho, conversando com um
homem nos seus sessenta anos. Mesmo de longe, poderia dizer
que ela estava flertando descaradamente. Ele usava bermudas,
uma camisa havaiana e um sorriso meio bêbado que lhe dizia
sem palavras o que ele queria fazer com ela.

Ela provavelmente estava abrindo caminho para a sua


carteira. O boato na cidade era que ela tinha ficado grávida do
filho de Rob propositalmente para tentar prendê-lo. A outra
opção, que realmente queria brincar no milharal com o Sr. Rich
Tourist45, não deveria ter me surpreendido, considerando sua
reputação, mas surpreendeu. De qualquer forma, uma nova
raiva rugiu em meu sangue quando a vi ronronando e rindo
como se tudo estivesse bem no mundo. Caminhei até ela,
engessando meu melhor sorriso de médico de confiança,
enquanto corria minha mão por sua espinha por trás,
espalhando meus dedos dentro de seu cabelo loiro com laquê.
Eu teria beijado sua testa também, se não achasse que isso
resultaria em não ser capaz de ter filhos nesta vida.

Ela girou quase violentamente, arrancando seu corpo do

45-Sr. Turista Rico.


meu. Quando olhou para mim, a cereja caiu de sua boca e tive
que admitir – irritou-me ainda mais que de alguma forma,
embora fosse o favorito da cidade, ela era praticamente alérgica
ao meu rosto.

— Querida.

Coloquei uma mecha de seu cabelo atrás da orelha,


maravilhado com o quão pequeno e esteticamente agradável
tudo nela era, mesmo quando tentava parecer a versão drag
queen de Christina Aguilera. Seus lábios eram carnudos e
naturalmente com um biquinho, seus olhos em algum lugar
entre avelã e verdes, e seu nariz era tão pequeno que implorava
para ser beliscado.

— Com licença, senhor, eu o conheço? — Perguntou


friamente.

Olhou para mim como se eu tivesse feito um transplante


de personalidade, sem saber de onde vinha a minha atitude
descontraída. O homem olhou entre nós, virando-se
ligeiramente em sua banqueta para me acolher.

— Muito engraçado, Sra. Weiner. — Deslizei entre ambos,


lhe dando minhas costas enquanto apoiava um cotovelo no
balcão. Eu não me importei em ser rude. Ninguém neste
cruzeiro me conhecia, exceto Tennessee, e suas palavras não
valiam nada em Fairhope. — Tenho procurado por você por
toda parte.

— Você é... Sr. Weiner? — Ouvi o homem perguntar atrás


de mim.

— O primeiro e único, — confirmei.

— Então este é o seu marido? — Esta pergunta foi dirigida


a ela.

— Também sim, — disse, ao mesmo tempo em que ela


corrigiu, — primo.

Dei um passo para trás para que pudessem ver o rosto


um do outro. Pela primeira vez desde que entrei neste maldito
navio, estava tendo algo que parecia, pelo menos de longe,
diversão. O rosto de Tennessee estava vermelho como um
tomate maduro. O velho empalideceu, mas ao dar uma
segunda olhada em suas panturrilhas bem torneadas,
endireitou os ombros e decidiu tentar novamente.

— Você é casada com seu primo? — Perguntou a ela,


lentamente como se decidisse se isso era ou não um problema.

Tennessee desviou os olhos em minha direção, me


prendendo com um olhar que me prometia uma morte lenta e
dolorosa envolvendo definhamento, fome e asfixia.

— Estamos em processo de divórcio. — Ela brincou com


seu brinco de plástico timidamente, fazendo todo o seu ato de
megera.

Joguei meu braço sobre o seu ombro e girei para ele.

— Estávamos em processo de obtenção do divórcio.


Decidimos dar uma última chance. É por isso que estamos
aqui, neste cruzeiro. Esta é a nossa segunda lua de mel tudo-
ou-nada.

— Onde foi sua primeira lua de mel? — O homem olhou


para nós com o cenho franzido, obviamente ficando
desconfiado.

— Paris, — disse Tennessee, ao mesmo tempo em que


respondi: — Fiji.

Ele tomou um gole vagaroso de sua cerveja, esperando


que contássemos nossas histórias, mas embora não desse a
mínima para o que ele pensava de mim – finalmente, estava
num território desconhecido, onde poderia me soltar e ser
menos do que perfeito – era óbvio pela maneira como minha
companheira estava arrumando seus membros e trocando os
tons de vermelho, que estava tendo dificuldade em tentar
explicar minha existência.

— Fomos primeiro a Paris, por um fim de semana, mas


depois ele quis ir para Fiji. E sempre fazemos o que ele quer. É
por isso que estamos nos divorciando. Porque é sempre da
maneira do Sr. Weiner ou a estrada. Ele é o amado menino de
ouro da cidade, entende?

O homem assentiu com conhecimento de causa,


enterrando a mão em uma tigela de ervilhas com wasabi e
jogando um punhado na boca.

— Já passei por isso. Divorciado duas vezes agora, com


três filhos entre as ex-esposas. A vida me pegou de jeito depois
daquele segundo divórcio. Lembrou-me que o sol não brilha na
minha bunda.

— Sim! — Tennessee bateu palmas, feliz por ter um


aliado. — Não desejo mal a muitas pessoas, mas espero que
meu futuro ex-marido descubra que ele é, na verdade, mortal.

— Não acho que está lhe contando toda a história,


querida. — Desenrolei meu braço de seu ombro para pegar seu
misterioso coquetel branco, tomando um gole. Tinha gosto de
coco, marshmallow tostado e gim. — Diga a ele por que
realmente descobrimos problemas conjugais em Fiji.

Ela abriu a boca para me impedir, mas eu estava muito


longe, impulsionado por vingança e raiva, e outra coisa que
não poderia exatamente colocar um nome, mas fez meu sangue
correr mais quente.

— Qual é o seu nome mesmo? — Perguntei ao Sr. Rich


Tourist.

— Brendan.

— Então, Brendan, lá estava eu, recém-casado em Fiji,


delirantemente feliz e profundamente apaixonado... por minha
prima.

Desta vez dei um beijo ocasional no topo da cabeça de


Tennessee. Senti-a enrijecer ao meu lado. Até seu cabelo
estava quente de vergonha. Ela fingiu envolver um braço em
volta da minha cintura, na verdade cavando suas garras no
meu abdômen, procurando sangue.
Ignorei a dor, continuando, — queria surpreendê-la lhe
dando um colar de pérolas pretas. Não há lugar melhor para
encontrá-las do que em Fiji, certo?

— Pérolas não são as minhas favoritas. — Tennessee


fingiu examinar suas unhas atrozmente compridas. — São
basicamente vesículas de ostra. Sabiam disso? As ostras as
produzem para aliviar a dor quando os detritos ficam presos
em seus corpos.

— Por favor, desculpe-a. — Sorrio de forma vitoriosa,


esfregando seu ombro. — Minha esposa aqui foi criada por
lobos. Ela não se dá bem com uma conversa educada. De
qualquer forma, minha esposa havia me dito que me esperaria
no hotel. Não pensei muito nisso na época.

— Você deveria, — Tennessee disse inflexivelmente. — Eu


tentei escapar do nosso casamento cinco ou seis vezes até
aquele momento.

Ignorei-a, rindo enquanto balancei minha cabeça, como


se isso fosse nada mais do que nossa brincadeira usual.

— De qualquer forma, lá estou eu, comprando para ela


um grande colar de pérolas pretas, para combinar com seu
grande coração preto. Subo para o nosso quarto, e vejam só...
ela não está sozinha.

Tennessee revirou os olhos, cruzando os braços sobre o


decote generoso quando teve certeza de que havia tirado
sangue suficiente sob a minha camisa.
— Era o cara da manutenção. Meu amado marido fez uma
bagunça e entupiu o banheiro depois de ir com tudo nos frutos
do mar na noite anterior.

Continuei, me sentindo imprudente, e desequilibrado, e


completamente diferente de mim pela primeira vez em anos.

— Querida, não sei o que ele disse a você, mas o que o


peguei fazendo não tinha nada a ver com desentupir o
banheiro e tudo a ver com obstruir você.

O bom e velho Brendan se engasgou com a cerveja,


tossindo e cuspindo um pouco da espuma e da ervilha com
wasabi. Um barman chegou, entregando-nos três copos altos
de água. Brendan engoliu o seu em menos de dois segundos.

— Você o traiu? — Ele sacudiu o polegar em minha


direção, seu rosto trovejando enquanto observava Tennessee.

Encolheu os ombros evasivamente. — Ele traiu primeiro.


Com minha irmã.

— Pode ser, mas foi você quem trouxe um terceiro


participante para o nosso casamento.

Ela torceu a cabeça e me lançou um olhar violento. —


Você é quem queria um ménage à trois! — Cutucou meu peito
com o dedo.

— Estou falando sobre a gonorreia.

— Ok, então. — Brendan se levantou, batendo nos bolsos


para garantir que sua carteira, telefone e dignidade estivessem
todos em um só lugar. — Estou indo para o meu quarto agora.
Obviamente, vocês têm algumas coisas a resolver, e,
francamente, está ficando um pouco tarde e jantei muito. Foi
um prazer conhecê-los, Sr. e Sra.... Weiner.

O último nome foi pronunciado com um estremecimento.

Acenei para ele com um sorriso. — Sem problemas. Talvez


possamos jogar uma partida de golfe algum dia.

— Sim. Não tenho certeza. Não sou muito de jogar golfe.

Ele já estava do outro lado do bar. O menor violino do


mundo46 para esse esquisito.

Envolvi meu braço em torno de Tennessee e apertei, meu


sorriso se alargando.

— Diga adeus a ele, prima.

— Eu vou matar você, — murmurou.

— Oh, querida, não se eu te matar primeiro.

46-Um ditado sarcástico usado quando uma pessoa conta a outra algo levemente infeliz que lhe
aconteceu, às vezes exagerado para ganhar simpatia. Implica que a pessoa que fala de sua desgraça
espera que alguém venha a tocar a música mais triste do mundo no menor violino do mundo para
corresponder com a aparente troca da situação.
Só para constar, não estava conversando com Brendan
no bar.

Eu nem deveria estar no bar para começar.

Estava indo em direção ao calçadão, perdida em


pensamentos e mal conseguindo superar outra torrente de
lágrimas e soluços, quando notei, do outro lado do deque, que
havia apenas um barman cuidando do enorme bar. Estava
agitado, não muito mais velho do que vinte e três anos, com
duas manchas enormes de suor adornando suas axilas.

Ajudar os outros sempre me deu um senso de direção e


acalmou minha alma. Ver alguém que podia estar mais
estressado do que eu naquele momento significava que poderia
fazer algo melhor para ele, se não para mim. Além disso, não
era como se tivesse mais alguma coisa para fazer enquanto
Cruz Costello estava, sem dúvida, ocupado dizendo ao mundo
inteiro o quão idiota eu era.

E ainda estava usando meu uniforme do Jerry & Sons e


parecia uma garçonete. Se isso não era destino, não sabia o
que era.
O barman – Stevie – quase me beijou de tão grato pela
ajuda. Aparentemente, as duas garçonetes que deveriam
trabalhar com ele neste turno adoeceram, e ele estava
esperando que suas substitutas se vestissem.

Ajudei-o por vinte minutos, antes que dois bartenders


veteranos viessem salvar o dia. Quase fiquei desapontada
quando apareceram, já que eu estava dando dicas bem legais
e tirando minha mente do calvário Elation/Ecstasy.

Fiz até uma nota mental para tentar encontrar trabalho


em cruzeiros em algum momento antes de Bear ir para a
faculdade, para que pudesse, bem, conseguir pagar uma.
Inferno, mesmo trabalho, mas não em uma cidade que me
odiava? Onde estava a desvantagem?

Para mostrar sua apreciação, Stevie começou a mandar


todos os tipos de coquetéis chiques na minha direção – o tipo
que tinha que pagar e não vinha de graça com o pacote de
bebidas à vontade.

E logo tive que entregar alguns deles para as pessoas ao


meu redor para evitar o envenenamento por álcool. Um deles,
um tal de Brendan McGinn da Louisiana, decidiu puxar
conversa comigo.

Tudo estava indo bem, e eu realmente comecei a me


acalmar um pouco, até que Cruz invadiu e fez ambos
parecermos pervertidos nojentos. A pior parte é que fui
surpreendida por seu comportamento.
Ele nunca agiu assim antes. Nem agora. Nem no colégio.
Caramba, nem mesmo quando éramos duas crianças com
meleca no berçário local.

Sabia que Cruz nunca se envergonharia (e a mim) assim


dentro dos limites da cidade de Fairhope, mas agora, longe de
nossa cidade – de nosso estado – aparentemente, todas as
apostas estavam canceladas. Eu era oficialmente seu parque
de diversões de humilhação, projetado exclusivamente para
seu entretenimento.

Ele era de ouro, da realeza, e nunca estava errado, mas


pelos próximos dez dias, planejava ser o que lhe apetecesse, ou
seja, o meu algoz.

Agora, Cruz e eu íamos juntos para o quarto, já que não


sabia onde era, e tentando muito não nos matar.

— Aquilo era mesmo necessário? — Assobiei,


caminhando pesadamente até o elevador.

Péssima ideia.

Meus pés ainda não haviam se recuperado da minha


experiência-o-chão-é-lava. Não invejei o pobre encarregado da
manutenção que teria que raspar metade da minha pele morta
do convés esta noite.

— Nem um pouco, mas foi muito divertido.

— Gostaria que o povo de Fairhope pudesse ter visto você


em ação. Falando sobre adultério e incesto.
— Não se esqueça da gonorreia, — Cruz disse
casualmente.

— Sério, como é que as pessoas não veem através das


besteiras? — Perguntei, assim que o elevador se abriu.

Nós dois entramos, junto com as três pessoas atrás de


nós que não tínhamos notado até aquele momento, mas
certamente nos notaram e nos olhavam com franca
curiosidade. Cruz não parecia se importar em ser o centro do
tipo errado de atenção, seu olhar vítreo me dizendo que nunca
se sentiu tão confortável.

— Bem, para começar, as pessoas não são tão


perspicazes. Fácil de soprar fumaça em suas bundas47. Por
outro lado, guardo esta parte da minha personalidade
especialmente para você, Sra. Weiner.

— Eu deveria gravar você, — murmurei.

— Eu deveria processar você.

— Oh, sim? — Disse. — Pelo que exatamente?

— Por socar minha garganta, por estragar minhas únicas


férias este ano. Pode escolher.

— Você socou a garganta dele? — Uma adolescente, com


cabelo roxo e um anel de septo ao nosso lado, se virou para
mim, levantando o punho para um cumprimento. — Cara.

47-Alimentar o ego de alguém com bajulações e comentários constantes.


Legal.

Inclinei-me em sua direção, colocando minha mão ao lado


da minha boca, como se estivesse contando um segredo.

— Ele caiu como uma torre Jenga. Foi bonito.

Todo mundo riu.

O elevador se abriu e Cruz saiu. Segui-o por um corredor


estreito com carpete marinho e impressões douradas nele. As
portas eram feitas de madeira pesada de mogno profundo, e o
aroma persistente de frutas cítricas e produtos de limpeza
pairava no ar.

Cruz deslizou o cartão eletrônico pela fenda da porta e a


abriu. Percebi que, apesar de sua intensa aversão por mim, ele
segurou a porta aberta para que eu entrasse primeiro.

Sempre o cavalheiro.

— Eu tomo banho primeiro. — Entrei, me jogando na


única cama queen-size que o quarto tinha a oferecer e inalando
o cheiro dos lençóis, ainda frescos de uma lavagem.

Cruz jogou o cartão eletrônico numa mesa próxima e se


encostou na parede finíssima que a cabine tinha a oferecer.
Era quase metade do tamanho de um quarto de hotel Holiday
Inn comum, mas impecavelmente mobiliado e extremamente
limpo. Mesmo assim, não tinha ideia de como sobreviveria dez
dias dentro deste lugar com Cruz Costello.

— Vá em frente, — disse. — Você parece precisar disso


mais do que eu.

— Você quer dizer que estou fedendo?

— Estou dizendo que saboreio cada minuto que passo


longe de você.

— Você deveria escrever canções de amor, — sorrio para


ele. — Isso é muito romântico.

— Sabe que saborear é mais do que relacionado a comida,


certo? — Ele deu um golpe baixo, levantando uma sobrancelha
cética.

Determinada a resgatar o que quer que tenha sobrado


dessa viagem, optei por não discutir com ele, abrindo o zíper
da minha mala e tirando meus produtos de higiene pessoal e
algumas roupas limpas.

Assim que entrei no banheiro minúsculo, abri as


torneiras e o chuveiro ao máximo para ter privacidade, e
continuei com meus negócios. Reservava-me o direito de soltar
alguns peidos delicados sem ser julgada por isso enquanto
estava no conforto do meu banheiro.

Tomei meu tempo tomando banho, lavando o cabelo,


escovando os dentes, aplicando todos os tipos de cremes de
cortesia, e colocando as roupas limpas que tive o bom senso
de carregar na bolsa, sabendo que nossa bagagem só poderia
ser entregue depois do jantar. (Ok, Cruz me lembrou de pegar
o vestido, antes de entregarmos nossa bagagem, com um
comentário sarcástico sobre o código de vestimenta da sala de
jantar.)

Cheguei até a secar o cabelo. Fiquei tentada a prendê-lo


com alfinetes e borrifá-lo até a morte, como sempre, mas
depois lembrei que não estava mais em Fairhope. Poderia me
permitir ser outra pessoa, talvez o meu verdadeiro eu, e não as
expectativas das pessoas sobre mim.

— Tudo pronto, Perfect McPerfson48, o chuveiro é todo


seu. — Saí do banheiro saltitando.

Cruz se foi.

Encontrei Cruz na sala de jantar trinta minutos depois.

Entrei com meu batom vermelho Anna Nicole Smith49 e


um minivestido preto justo que não deixava muito espaço para
a imaginação.

Nossa mesa designada de alguma forma ostentava uma


vista para o mar (não acreditava que sorte tivesse algo a ver
com isso). Cruz compartilhava seu jantar com uma das
diretoras do cruzeiro, cuja única função era parecer brilhante
e bonita enquanto convencia os hóspedes de que estavam se

48-Apelido criado para o Cruz com o intuito de soar como nome e sobrenome – Pessoa Perfeita.
49-Foi uma atriz e modelo erótica estadunidense, conhecida por ter sido a capa da Playboy.
divertindo o suficiente para reservar outro cruzeiro. Ela estava
sentada no meu lugar designado, rindo e prendendo o cabelo
atrás das orelhas o tempo todo.

Repugnante. Ela não sabia que éramos casados?

Apertei os olhos, tentando descobrir se parecia um


encontro ou não. Ela era o tipo de mulher atraente que homens
como Cruz procuravam – morena, pequena, esguia, confiante
e vestida de maneira desleixada, mas ainda assim cara.

No final das contas, porém, era difícil descobrir se um


homem tinha a intenção de dormir com uma mulher quando
tudo que se podia ver era ele lhe pedindo para passar a
manteiga.

Também localizei Brendan McGinn. Estava sentado


sozinho em uma mesa de dois lugares, comendo um
hambúrguer que ofereciam apenas no menu infantil. Brendan
notou nós dois também, e me deu um olhar “que diabos”
quando viu Cruz com a Mulher Elegante Diretora de Cruzeiro.
Marchando até Brendan, ocupei o assento vazio, sinalizei para
o garçom, disse que teria o que Brendan estava comendo e
puxei conversa.

— Que marido você tem aí. — Brendan bufou.

— Ele é um médico, sabe, — gabei-me.

Eu tinha certeza que esta seria minha única chance de


ter um médico como meu marido, ou qualquer marido para
esse assunto.
— Também seu primo.

Acenei minha mão com desdém, sem saber por que estava
entretendo a loucura de Cruz.

— Cruz é adotado. A sua mãe estava no circo e fez muitas


coisas estranhas com o corpo durante a gravidez. Ele apareceu
com todos os tipos de problemas. Você não notou que a cabeça
dele tem o formato de uma berinjela?

— Bem, agora que apontou isso... — Brendan parou,


estreitando os olhos para Cruz.

Que coisa, isso foi libertador. Acenei com a cabeça.

— O que mais há de errado com ele? — Brendan


perguntou.

— Eu realmente não deveria dizer.

— Vá em frente. Consigo guardar um segredo.

Eu tinha certeza de que ele não conseguia manter o


celular com ele o tempo todo, quanto mais um segredo, mas
esse era o ponto, não era?

— Ele tem... uhm, na verdade, havia alguns artigos sobre


ele naquela época. — Limpei a garganta e baixei a voz — Tem
dois pênis.

— Ele O QUÊ?

Repeti a mentira, algo vibrando atrás do meu peito. Foi


muito divertido me vingar de Cruz.
— Agora eu entendo tudo, — disse Brendan. — É uma
coisa de sexo.

— O que você quer dizer? — Perguntei sombriamente.

— Vocês dois são apaixonados. Posso dizer, mesmo


quando brigam, tem uma ótima vida sexual.

Eu sinceramente esperava que Brendan não servisse a


este país no FBI ou na CIA, porque seus instintos estavam
errados se pensasse que isso era uma tara.

— Sim, uma pena que ele está prestes a pegar a linda


morena diretora de cruzeiros do deque da piscina antes que a
noite acabe, — murmurei amargamente.

Brendan acenou com a cabeça, provavelmente decidindo


que nos aceitaria como éramos e não faria muitas perguntas.

Tivemos uma refeição agradável e uma bebida ainda mais


agradável. Quando olhei por cima do ombro para ver se Cruz
tinha acabado com a mulher, vi que ele estava apenas
começando. Mais algumas pessoas, seus colegas, a julgar
pelos uniformes, se juntaram a eles e agora todos estavam
bebendo.

Bebendo e olhando para mim de vez em quando, como se


ele estivesse espalhando mentiras sobre mim também. Um
choque repentino passou por mim, como um terremoto.

Cruz estava aqui, tendo o melhor momento de sua vida


sem sua família, livre para ser quem quisesse, enquanto eu
estava longe de Bear pela primeira vez na minha vida e
provavelmente não o veria nos próximos dez dias.

Desde o momento em que Bear nasceu, não fiquei longe


dele por mais de doze horas.

Isso era inédito. A dor de sentir sua falta me corroeu como


um animal noturno.

Rapidamente, e antes que minha lógica anulasse meu


intenso senso de piedade, dei um beijo de despedida na
bochecha de Brendan e me retirei para minha cabine. Quando
cheguei lá, encontrei minha mala, junto com a de Cruz,
esperando na porta.

As nossas eram as únicas bagagens ainda esperando no


corredor paradas lado a lado, mas longe o suficiente, como dois
amantes brigando.

Decidi pegar ambas, principalmente porque não queria


que ele me culpasse se alguém roubasse uma de suas
preciosas meias Hermes, ou o fio dental feito de prata, ou
qualquer bobagem em que estava gastando seu salário.

Bati a porta, pressionei minhas costas contra ela e fechei


meus olhos.

Quando os abri novamente, notei uma cadeira de


penteadeira estofada, cor creme, empurrada para baixo de
uma mesa espelhada. Pressionei-a contra a porta, seu encosto
travando a maçaneta.
Então vesti meu pijama e me deitei na cama.

Estava cansada demais para esperar e ver como Cruz


reagiria à sua posição como uma pessoa temporariamente sem
cabine.

Acabou que eu não precisei.

Ele bateu na porta como um assassino sangrento à uma


da manhã, me acordando.

— Tennessee Turner. Abra a maldita porta agora mesmo.

Sentando-me ereta na cama, prendi a respiração e olhei


para a porta como se ele fizesse o Hulk passar por ela.

Eu não era má. Não queria dividir a cama com Cruz


Costello. Não confiava nele.

E, além disso, não tinha compartilhado a cama com


ninguém em toda a minha vida. Até minha virgindade fora
tirada num pedaço de grama fresca sob as arquibancadas,
salpicado de ervas daninhas, mas acima de tudo – pensei que
Cruz poderia fazer um movimento, visto que eu era a prostituta
favorita da cidade. E não confiei em mim mesma para recusá-
lo como obviamente deveria.

— Eu sei que está acordada, — rangeu do outro lado da


porta.

— Estou, — digo casualmente. — E daí?

— Eu não vou dormir aqui fora.


— Certeza sobre isso? — Bocejei.

— Maldição, Tennessee.

— Não diga o nome de Deus em vão50. Ele não tem nada


a ver com esta situação.

— Você pagará por isso.

— Posso te pagar com as mesmas gorjetas que me dá?


Porque acho que você deveria investir em boas maneiras agora.

Baixando minha cabeça para trás em uma montanha de


travesseiros, sorrio.

— Bem, pelo menos nesta noite está a salvo da minha


gonorreia, Sr. Weiner.

50-Nafrase anterior, o personagem usa a palavra “goddammit” que traduzindo “maldição”. A palavra
“goddammit” se inicia com “god” que significa Deus, por isso a personagem responde dessa forma.
— Poderia ter acontecido com qualquer um.

Bear deu de ombros com firmeza no dia seguinte, se


referindo ao desastre do Embarque do Cruzeiro – de novo –
enquanto estávamos em uma chamada de vídeo.

Segurei meu telefone no ar, vagando pelo meu quarto em


meu biquíni rosa choque, sobre o qual tinha jogado uma túnica
perolada, que parecia muito com algo que se encontraria no
lado atrevido da loja da Victoria's Secret, não na praia. Fui até
o banheiro, onde passei maquiagem no rosto.

— Não, não poderia. E de qualquer maneira, isso não


aconteceu com alguém. Aconteceu comigo. — Fiz beicinho para
o espelho a minha frente.

— Só não entendo por que nos faz parecer tão mal. —


Minha mãe, claro.

Ela espiou atrás de Bear, junto com meu pai, que me deu
um sorriso cansado e disse — Oi, Nessy.

— Espero que esteja sendo legal com o Dr. Costello,


querida. — A voz da minha mãe continha uma nota de
advertência. — Ele é um cara decente. Não merece ficar preso
no meio disso.

Aquele cara decente, na noite passada, disse às pessoas


que eu era sua prima e que estávamos passando doenças
sexualmente transmissíveis um para o outro – antes de dar em
cima de qualquer uma com saia, tive vontade de gritar.

Em vez disso, disse a mim mesma que atualmente estava


usando o caro pacote de internet desse idiota falando com
minha família, então não era como se o carma não o tivesse
pegado de jeito.

— Sim, ele sabe como sinto muito. — Mentirosa,


mentirosa, calças em chamas51. — Onde está Trinity?

Minha mãe olhou para o outro lado da sala e estremeceu.

Oh, que bom.

Então Trinity estava lá e não queria falar comigo. Mais


uma vez.

Não sabia o que havia acontecido entre nós, exatamente.


Eu sempre fui tão próxima da minha irmã mais nova – mesmo
depois que engravidei e me tornei um constrangimento para
minha família – mas nos últimos meses, ela se tornou distante,
fria, quase crítica.

Não fazia sentido. Trinity sempre foi a única a pular na

51-Uma expressão do inglês para quem está mentindo.


garganta de alguém quando falavam algo maldoso sobre mim.

Ela me defendia com tudo o que tinha, e afirmava que as


pessoas me deixavam muito mal, convenientemente ignorando
os erros de Rob. Alguns até disseram que o entendiam por não
ter escolhido estragar sua vida e ficar.

Trinity e eu não brigamos, nem nada parecido, para


justificar a maneira repentina que nos separamos. Porém, eu
tinha um pressentimento do porquê ela estar sendo reservada.
O Dr. Costello Sênior e sua esposa Catherine eram
indiscutivelmente os cidadãos mais honrados de Fairhope.
Enquanto Trinity não dava a mínima para o que seus colegas
de classe diziam sobre mim, a opinião de Catherine e Andrew
era uma questão totalmente diferente.

Ela não queria que eu bagunçasse tudo com os Costellos


por sua causa – por seu futuro como parte da família deles. O
que significava que eu tinha que fazer um esforço com o Dr.
Satã. Senão por mim, então por ela.

— Entendi. — Passei batom escarlate em meus lábios. —


Ela não quer falar. Tudo bem.

— Não é que eu não queira falar. — O rosto de Trinity


invadiu a câmera do telefone, duas manchas de blush
marcando suas bochechas. Parecia pálida e preocupada. E, se
não me engano, também estava vestida de freira na tentativa
de impressionar seus futuros sogros. — É só que... Cristo,
Nessy, Catherine já é uma dor na...
— Missa52. — Bear completou por ela.

Ele sabia que eu não gostava de palavrões.

— Isso, — Trinity concordou. — E agora anda


murmurando coisas maldosas sobre nós. Oh, Nessy, ela é tão
horrível.

Algo em meu peito aliviou por ela estar falando comigo


novamente. Talvez fosse apenas o estresse do casamento?

— Olha, eu sinto muito. Foi um erro honesto. O que Wyatt


diz sobre tudo isso?

Apliquei uma terceira camada de rímel, esperando ouvir


uma batida na porta e encontrar um Cruz de aparência
enrugada. Até agora, a manhã tinha sido felizmente livre de
Costello, mas não estava contando com isso para durar.

— Ele não está dizendo nada. — Trinity suspirou. — Seus


pais são seus ídolos. Nunca irá contra eles.

— Parece um bom partido.

— Não me venha com insolência, Nessy. Você não tem o


direito depois das escolhas de vida que fez.

Ai.

— Bem, aguente firme, ok? Vou melhorar isso quando os

52-Na frase anterior a personagem ia falar “pain in the ass” que significa “dor na bunda”, mas como é
uma frase grosseira, substituíram “ass” por “mass” – pronúncia muito parecida, mas com significado
diferente.
vir. Vou me desculpar mil vezes. Eu juro.

Depois de desligar e parecer excessivamente maquiada –


não precisava de uma consulta semanal com o terapeuta para
saber que era uma técnica de camuflagem projetada para me
proteger da sociedade – saí do meu quarto, balançando uma
pequena bolsa de pele falsa. Eu parecia tão elegante quanto
uma mancha de ketchup em um top sem alças e estava
perfeitamente bem com isso.

Afinal, não poderia ser acusada de tentar conquistar um


rei britânico num cruzeiro da Carolina do Norte às Bahamas.

Não consegui encontrar Cruz em lugar nenhum durante


o café da manhã, o que contribuiu muito para meu senso de
urgência em consertar o que quer que eu tenha bagunçado
entre minha família e os Costellos.

Depois, a caminho da piscina, passei por uma biblioteca


com paredes de vidro com vista para o oceano, e o vi sentado
sozinho, parecendo fresco como uma margarida, vestindo uma
roupa inteira que tinha visto num manequim no dia anterior
no calçadão na janela da Prada. Bermuda preta, uma camiseta
azul marinho encorpado e seu relógio grande e arrojado.

Então passou a noite no quarto da Mulher Elegante


Diretora de Cruzeiro. Se alguém estava dando DST a alguém,
era este bastardo. Fiz uma anotação para não chegar perto da
região sul de Gabriella Holland quando fizéssemos os ajustes
de nossas roupas de damas de honra.
Ele estava tomando um café expresso e lendo as notícias
em um iPad preso à mesa por um cabo de segurança.

Tomando algumas respirações calmantes, empurrei a


porta de vidro da biblioteca e me movi em sua direção, parando
bem a sua frente.

A música baixa de elevador enchia a sala, que estava


cheia de homens de cinquenta e cinco anos ou mais. Perguntei-
me em que momento, exatamente, Cruz Costello havia se
transformado de um homem aos trinta anos arrojado com
músculos para um aposentado da Flórida.

— Sabia que ler notícias constantemente é quase tão


prejudicial para o seu coração quanto fumar? — Soltei. Porque
dizer coisas estúpidas sempre foi mais fácil do que pedir
desculpas.

Ele não tirou os olhos do iPad, passando o dedo sobre ele


para virar uma página.

— Eu não sabia disso, porque não é verdade. Cite sua


fonte.

— Revista Southern Belle53.

— Permita-me ser cético. Esta é a sua versão de um


pedido de desculpas? — Suas palavras ondularam por mim.

Droga, ele tinha uma voz boa e baixa.

53-Beldade do sul.
— Se vou me desculpar, você também deveria.

Ele olhou para cima, recostando-se na poltrona reclinável


marrom que ocupava, uma baforada de seu aroma amadeirado
não diluído invadindo minhas narinas, fazendo tudo abaixo do
meu umbigo formigar.

— Pelo quê?

— Contar a Brendan que éramos primos, casados e


portadores de DSTs. Nessa ordem exata.

— É justo, — ele me surpreendeu ao dizer. — Você


primeiro.

Fechei meus olhos. Eu não tinha mais quatro anos. Então


por que era tão difícil me desculpar?

A felicidade de sua irmã está em jogo. Agora não é hora de


ter orgulho.

— Desculpe, reservei as passagens erradas. Realmente,


eu realmente, não tive a intenção.

— Nesse caso, peço desculpas por constrangê-la na frente


de seu amiguinho, mas me reservo o direito de fazê-lo
novamente quando provocado, sob o argumento de que foi
mais diversão do que tive em anos. — Ele apontou para a
cadeira ao seu lado. — Café?

— Por favor. — Sentei-me, me sentindo um pouco


estranha.
A verdade é que não estava acostumada a ser servida.
Sempre fui eu quem serviu. Mesmo assim, uma garçonete da
cafeteria ao lado veio anotar meu pedido – um flat white54 e um
doce que parecia francês que não consegui pronunciar, mas
poderia apontar no menu.

Ocorreu-me que eu tinha que pagar pela minha comida e


me odiei por não me limitar a comer o café da manhã de graça,
servido mais cedo, ou o bufê gratuito vinte e quatro horas no
convés da piscina, do qual tinha muito orgulho de fugir.

Eu, contudo, tinha o dinheiro da gorjeta de ontem na


minha bolsa, então não teria que contabilizá-lo na minha
planilha mensal do Excel. Ainda posso comprar o videogame
do Bear no final do mês. Talvez.

— Então. Teve sorte ontem? — Não pude deixar de


perguntar.

— Se por sorte quer dizer que não tive que passar a noite
com você, então sim.

— Passou com outra pessoa? — Perguntei casualmente.

— Sim.

Ok, isso não deveria doer. Certamente não do jeito que


doeu. Estava enredada em vinhas de ciúme que me sufocavam.

— Agradável. Ela é da nossa área?

54-É uma bebida feita a partir da mistura de café expresso e leite vaporizado, com uma camada bem
fina de espuma por cima.
— Não tenho certeza. — Cruz virou outra página no iPad.
— Ela era uma vendedora da Prada de cinquenta anos que
secretamente me alugou seu beliche de cima no deque da
equipe, e optou por dormir com seu Brendan, obtendo uma
margem de lucro de cem por cento.

Santa palmas55.

Dr. Costello era engenhoso.

Ele deve ter confundido meu rosto surpreso com outra


emoção, porque disse devagar e com voz rouca — Desculpe,
não deu certo entre você e o namorado. A menos, é claro, que
não se importe em ser o estepe de Bonnie e Brendan.

— Ele pode ficar com Bonnie.

— Pelo que ela me disse, quando veio buscar seu cartão


eletrônico de volta esta manhã, você também lhe falou que eu
tenho dois pênis.

Podia sentir que estava ficando cada vez mais vermelha,


mas não respondi a isso.

Cruz me deu um pequeno sorriso paternalista. — Na


verdade, tenho apenas um, mas posso ver por que cometeu
este erro, considerando seu comprimento e largura. Estou
lisonjeado por ter prestado tanta atenção.

— Por que disse que não estava sozinho, então? Ela não

55-Trocadilho feito entre “holy crap”, uma expressão que significa santa merda/puta merda – e “holy
clap”, que traduzida fica santa palmas, já que a personagem não gosta de falar palavrões.
estava com você.

— Só para ver seu rosto. Você odeia me ver vencer.

— Verdade. — Suspirei. — O que é uma merda, porque


você é o Dr. Cruz Costello, então sempre vence.

— Nem sempre.

Houve uma pausa na conversa e senti o desejo de


preenchê-la, de alguma forma.

— Devo dizer que é muito criativo da sua parte encontrar


uma maneira de tirar de mim meu sugar daddy56 em potencial,
antes mesmo de eu fazer qualquer coisa.

A garçonete me serviu meu flat white e o doce e correu


para a mesa ao lado, onde as pessoas não estavam discutindo
sobre pênis e sugar daddy, ou estavam? Dei uma mordida na
massa amanteigada, lavando-a com o líquido quente.

Isso era definitivamente melhor do que um orgasmo, ou


então disse a mim mesma, já que um orgasmo não estava nas
cartas para mim. Era péssima em dar um para mim mesma e
sempre me esquecia de conectar meu vibrador no carregador,
já que só conseguia fazer isso quando Bear não estava em casa.

Qualquer pessoa que tivesse um filho adolescente sabia


que não devia deixar as coisas à vista. Bear sempre procurava
alguma coisa no meu quarto, fosse um carregador, uma

56-Umhomem mais velho que se relaciona com uma mulher mais jovem e que financeiramente
“mima” a mulher.
bateria, um elástico ou algum troco.

— Você não precisa de um sugar daddy.

Era só eu ou Cruz Costello parecia extremamente irritado


de repente?

— Por que não? — Ronronei.

— Pode conseguir um maldito marido de verdade, se


dedicar-se a isso.

— Ha. — Tomei outro gole do meu café. — Não em


Fairhope.

— Não tenha tanta certeza disso. — Ele me deu seu olhar


superior. Aquele que me lembrou de que ele era muito melhor
do que eu.

— O que ouviu? — Inclinei minha cabeça, curiosa de


repente. — É Tim Trapp? Porque você sabe que eu não posso,
em sã consciência, me casar com aquele homem e fazer com
que meu filho se torne Bear Trapp.

Cruz olhou para mim com uma mistura de irritação e


repulsa, balançando a cabeça.

— Eu não ouvi nada específico. Tudo o que estou dizendo


é que se colocar um pouco de esforço – e muito mais roupas –
descobrirá que as pessoas não são tão alérgicas a você quanto
pensa.

— Achei que os caras gostassem de cabelos grandes,


peitos e roupas minúsculas.

— Não é o tipo que você deseja atrair.

— E quem devo querer atrair? — A conversa estava


tomando um rumo surpreendente mais uma vez. — Pessoas
como você?

— Por exemplo. — Ele tomou um gole de seu expresso,


cruzando as pernas como George Clooney em um comercial de
avião particular ou algo assim. — Por quê? Terminar com
alguém como eu seria tão terrível?

Não, é que alguém como você nunca olharia para mim em


um bilhão de anos.

— Sim, — disse secamente, a picada de rejeição já


formigando em minha alma antes que me ignorasse. — Na
verdade, seria.

Cruz rosnou, mostrando os dentes no que deveria ser um


sorriso, mas me deixou com uma sensação de frio e um pouco
nauseada. Ele se levantou, pousou o iPad e entregou à
garçonete seu cartão de identificação do navio de cruzeiro,
para que eu não tivesse que pagar. Se ele pensava que eu
bancaria a pessoa com moral elevada e exigiria dividir a conta,
estava muito enganado.

— Para que esta viagem termine sem nenhuma acusação


de homicídio contra qualquer um de nós, sugiro que fiquemos
longe um do outro e nos encontremos na cabine no final de
cada dia. — Sugeriu.
— Soa bem.

— Onde vamos dividir a cama, já que não dormirei no


chão ou deixarei Bonnie destruir minha conta bancária.

— Isso é justo, — disse uniformemente. — Mas haverá


uma barreira de travesseiro entre nós.

— Melhor ainda.

— Bom. Excelente. Que bom que está tudo resolvido.

— Ah, e Tennessee?

— Sim?

— Na próxima vez que me trancar fora do meu próprio


quarto, pago pela minha família, eu te sujarei de sangue e te
jogarei para fora do navio como isca de tubarão. Entendido?

Poderia dizer pela escuridão brilhando em seus olhos


azuis oceânicos que não estava brincando completamente.

Ainda assim... tive que empurrar.

Tornou-se um jogo.

Um que não conseguia encontrar maturidade para parar.

— De quem seria esse sangue?


Duas horas depois, me encontrei no que deveria ser meu
habitat natural – à beira da piscina, no convés superior,
bronzeando as nádegas.

Depois de conversar com meus pais e garantir que Bear


estava se divertindo (aparentemente, ele não saía do fliperama
desde as dez da manhã, e havia até encontrado um amigo
adolescente fedorento chamado Landon), ocupei uma
espreguiçadeira, peguei um livro de capa mole que alguém
havia abandonado, pedi um coquetel de frutas, e fiz algo que
não fazia desde os dezesseis anos – relaxar.

Nada de turnos duplos no restaurante, limpando,


lavando a louça, lavando a roupa, ou ajudando Bear com o
dever de casa – ou Trinity com os preparativos do casamento.
Nada de curvar-se para garotos adolescentes ou enfrentar a ira
dos meus ex-amigos do colégio que zombavam de mim, com
suas alianças de casamento e hipotecas.

Até o livro era muito bom para algo que encontrei com um
adesivo de desconto e uma mancha branca suspeita.

O dia estava se revelando bom demais para ser verdade,


e foi assim que soube que as coisas estavam prestes a dar
errado. Guarde minhas palavras, se o Elation não sofresse um
destino semelhante ao do Titanic no final do dia, então todo o
cruzeiro sofreria com uma intoxicação alimentar.

Pouco depois de comer uma salada refrescante de frutas


e nozes no almoço, eu e minha barriga de comida voltamos
para nossa espreguiçadeira. Eu me deitei de barriga para baixo
e virei uma página do livro quando uma sombra se projetou
sobre meu corpo, descendo à minha direita enquanto alguém
se sentava na espreguiçadeira ao meu lado, embora a fileira
inteira estivesse vazia.

Há um lugar especial no inferno reservado para pessoas


que optam por se sentar ao seu lado quando qualquer outro
lugar está disponível. E eu realmente esperava, sinceramente,
que este lugar estivesse superlotado e que todos lá fedessem,
porque é isso que esse tipo de pessoa merecia.

— Ora, olá, bochechas fofinhas.

Ele definitivamente não estava se referindo ao par no meu


rosto.

Apertei os olhos, usando minha mão como viseira contra


o sol. O cara a minha frente parecia o típico garoto de uma
fraternidade, não tinha mais de vinte anos, com um boné de
beisebol virado para trás, calção de banho havaiano e uma
tatuagem Bros Before Hos57 no peito, que aposto que seus
amigos da fraternidade tinham tatuado também.

— Meu nome é Dale.

Claro que era. Aposto que quando sua mãe fez um


ultrassom, tudo o que viram dentro de seu útero foi uma placa
de papelão que dizia idiota.

— Nessy.

57-Amigos antes das mulheres.


— É um nome fofo. Você é daqui?

Onde seria isso? No meio do Mar do Caribe?

— Olha, estou muito lisonjeada por ter visto minha bunda


e não pensar que eu fosse uma mãe solteira de vinte e nove
anos sobrecarregada e mal paga, mas é isso que sou. Então,
podemos pular o bate-papo e posso sugerir que experimente o
parque aquático do outro lado do convés? Muitas garotas da
sua idade lá.

Eu fui muito direta, mas mães solteiras que lutavam não


podiam se dar ao luxo de brincar com meninos reprovados.

— Eu não me importo que tenha vinte e nove. — Ele


estava rolando um swizzlestick58 de um lado da boca para o
outro.

— Bem, eu me importo. — Deixei minha cabeça cair


contra a espreguiçadeira e virei na outra direção, considerando
o fim da conversa.

Não que eu fosse contra namorar homens, mas se fosse


encerrar uma greve de homens de treze anos, não seria com
Dale aqui, que achou apropriado se tatuar com algo tão sem
classe, mesmo para os meus padrões.

— Idade é apenas um número.

— Essa é uma pegada muito romântica.

58-Éum utensílio para misturar coquetéis montados feito a partir do ramo da árvore chamada
Quararibea turbinata, facilmente encontrada no Caribe.
Puck chit59, esse cara iria embora?

— Oh, eu não sou um romântico. Estou apenas


procurando algo casual, queridinha.

— Obrigada por esclarecer. Estava pensando que tipo de


diamante quero no meu anel de noivado.

Teria que me afastar desse local em breve.

Eu não podia me dar ao luxo de brigar com alguém neste


barco. Os Costellos já estavam me observando com olhos de
falcão, esperando que eu desse o golpe final na minha
reputação e os fizesse implorar ao filho para cancelar o noivado
com minha irmã. E o seu informante, Cruz, estava neste barco.

Não. Eu já estava andando sobre gelo fino. Tropeçando,


mais parecido.

— Droga, Nessy. Só me dê uma chance. Farei isso bom


para você.

O babaca Dale colocou a mão no meu cotovelo,


apertando-o. Recuei rapidamente, como se ele tivesse posto
fogo em mim. Talvez fosse um exagero, mas eu odiava os
homens me tocando.

Talvez porque o último homem que me tocou me deixou


na posição mais vulnerável em que já estive, ou talvez porque
era muito comum em Fairhope beliscar minha cintura ou dar
tapinhas nas minhas costas – muito perto da minha bunda –

59-A personagem deveria dizer “fuck ‘shit” que pode ser traduzido como “puta merda”’.
para chamar minha atenção quando alguém queria fazer um
pedido.

— Não me toque!

As palavras não pretendiam soar como um gemido, mas


saíram assim, de qualquer maneira.

— Querida. — Eu ouvi um sotaque rouco e familiar. Um


que não poderia pertencer a qualquer mortal comum. Cada
centímetro da minha carne se transformou em pedregulhos, e
os cabelos finos do meu pescoço se arrepiaram, apesar do sol
batendo em mim. — Aí está você. Desculpe, estou atrasado.
Decidi fazer o curso avançado de jujutsu após o kickboxing.

Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, a mão


do Babaca Dale estava fora do meu cotovelo, empurrada
fisicamente por outra mão masculina muito maior.

Cruz sentou-se à beira da minha espreguiçadeira,


fazendo-a mergulhar para o lado. Ele estava sem camisa agora,
usando um boné da maneira correta e adulta.

Estava feliz por ter colocado meus óculos escuros, porque


agora poderia bebê-lo sem que ele tivesse a satisfação de saber
que eu estava olhando.

Seu torso era musculoso de dar água na boca, sua pele


dourada e macia. Ele tinha braços protuberantes, com veias
que serpenteavam até os antebraços. Uma fina faixa de cachos
loiros serpenteava abaixo de seu umbigo e desaparecia em
algum lugar sob seu short. Eu queria seguir essa trilha com
minha língua.

Eu realmente deveria me lembrar de carregar meu vibrador


quando voltar para casa.

Cruz poliu uma maçã vermelha brilhante em seu calção


de banho e deu uma mordida suculenta.

Chocada com esta luxúria surpresa para o Dr. Costello, e


um desejo inexplicável de trocar de lugar com sua maçã, virei
minha cabeça e ignorei os dois homens.

— Ela é sua esposa? — Babaca Dale resmungou.

— A primeira e única, — respondeu Cruz. — A sortuda


Sra. Weiner.

— Weiner. — BD repetiu, dando um bufo do tipo Beavis


and Butt-Head60.

— Problema? — Cruz perguntou.

— Não. Não. Ótimo sobrenome. Alemão, certo?

Houve uma pausa. Cruz pegou o protetor solar ao meu


lado, espirrou uma quantidade generosa de loção branca em
sua mão e começou a massagear minhas costas com ele.

Nossa, isso é bom.

— Tenho que mantê-la protegida do sol, — falou com a

60-Éuma série de animação americana, cada episódio mostra histórias curtas focadas em uma dupla
de adolescentes em fase pós-puberdade, chamados Beavis e Butt-Head, que moram e estudam na
cidade fictícia de Highland.
maçã ainda presa entre os dentes. — Sabe que sou a única
coisa que pode deixar seu traseiro vermelho.

Oh. Meu. Grub61.

Suas mãos eram fortes e audaciosas, seus dedos longos,


e disse a mim mesma que estava deixando-o fazer isso porque
não precisava de outra luta em minhas mãos com um Costello.
Não porque estivesse mexendo com todos os tipos de coisas na
região inferior do meu corpo, ou porque no minuto em que sua
pele tocou a minha, percebi que minhas costas realmente
precisavam de uma massagem na última década ou mais.

— Você ainda está aqui, — disse Cruz casualmente, se


referindo ao Babaca Dale. — Quer levar um soco no rosto ou
está esperando que eu esqueça que está dando em cima da
minha esposa e vá pegar uma cerveja para mim?

— Uhm. Sim. Não. Estou... — O jovem Dale se levantou,


olhando em volta, como se tivesse esquecido algo. Talvez seu
orgulho. — Desculpa. Meu pai... quero dizer, mal! Foi mal.

— Continue. E diga a seus amigos que ela está


comprometida também. Eu não quero ver nenhum de vocês
chegando perto da minha esposa.

Cruz fez um show ao flexionar os músculos, dando a Dale


um ingresso na primeira fila para o show de armas. Tive que
admitir, fiquei impressionada.

61-A personagem deveria dizer “oh my god” que significa “ai meu deus”.
Eu sabia que Cruz era um corredor, e que assumiu a
responsabilidade de treinar a liga de T-ball62 em nossa escola
primária local (o que, francamente, achei assustador,
considerando que ele não tinha filhos lá), mas não sabia que
era tão rasgado.

Ele era consideravelmente mais alto do que Dale e tinha


pelo menos dez quilos a mais de músculos.

— Tudo bem. Sim. Justo.

Assim que Dale se foi, Cruz retirou as mãos de mim o


mais rápido que humanamente possível, mudando para a
espreguiçadeira ao lado da minha. Lamentei a perda de seu
toque, mas celebrei o fato de que poderia relaxar o suficiente
para tirar uma soneca sob o sol por mais algumas horas antes
do jantar, agora que o garoto da fraternidade tinha ido embora.

— De nada, — disse Cruz, quando não agradeci.

Apoiei minha bochecha contra a espreguiçadeira,


olhando para ele através dos meus óculos.

— Você realmente gosta de ser o herói de todos, não é? —


Não havia cura para minha mesquinhez no que dizia respeito
a este homem.

— O que há para não gostar?

Ele segurou a espreguiçadeira em ambos os lados, seus


bíceps em destaque, seu abdômen trincado em plena exibição.

62-Beisebol modificado para crianças.


Ao lado, sua maçã foi comida até o caroço. Ele a demoliu.

Eu me pergunto se ele come sua maçã do jeito que come


bo...

— Os heróis são criaturas tão simples, — ouvi-me


exclamar veemente. — Eu, pelo menos, estou sempre com
tesão pelo vilão dos filmes.

— Isso poderia explicar algumas coisas sobre a sua vida.

— Ei. — Curvei uma sobrancelha. — Está chamando seu


melhor amigo de vilão?

Agora que Rob estava de volta à cidade, tinha certeza que


ele e Cruz reacenderiam seu bromance63.

— Não, estou chamando-a de mulher com poucos


escrúpulos.

Rio guturalmente, me virando de costas e apoiando uma


perna sobre a outra. Percebi que nem mesmo o Santo Cruz
conseguiu arrancar os olhos dos meus seios inchados, o que
fez com que as cordas que prendiam a parte de cima do meu
biquíni trabalhassem ainda mais.

— Bela trégua a que temos aqui.

— O que posso dizer? Você traz à tona o que há de pior


em mim. — Ele balançou sua cabeça.

63-Éuma expressão da língua inglesa utilizada para designar um relacionamento íntimo, não-sexual
e romântico, entre dois homens.
— Então por que me salvou do Sr. Babaca?

— Apenas uma pessoa tem permissão para lhe causar


problemas neste cruzeiro, e essa pessoa sou eu.

Meditei sobre suas palavras.

Por um lado, gostei do fato de que, apesar de nossa


brincadeira, Cruz Costello realmente era completamente
inofensivo, no sentido de que eu sabia que nunca seria cruel
ou francamente mau comigo. Ele simplesmente não tinha isso
nele. Era genuinamente um cara bom e nunca faria nada para
me irritar, me protegeria dos Dales.

Por outro lado, era exatamente isso que o tornava tão


perigoso. Era adorável demais e eu... bem, não poderia me
apaixonar. Não podia me dar ao luxo de distração. Como
estava, eu já lutava para sobreviver.

E ele tinha Gabby, ou não? Por que me dizer isso?

Quando percebi que tínhamos ficado em silêncio por mais


de um minuto, disse a Cruz: — Olha, precisamos tentar ser
cordiais um com o outro. É importante para Trinity e Wyatt.

— Eu sou cordial.

— Pode fingir que eu não te horrorizo? — Enfatizei.

— Eu posso tentar.

— Bom. Sua aprovação em relação a mim em Fairhope é


como obter a absolvição do papa. Enquanto está nisso, meus
olhos estão aqui. — Fiz um gesto para o meu rosto, quando
ficou claro que o Dr. Costello não conseguia parar de olhar
para o meu decote.

Suas bochechas ficaram rosadas, e ele voltou seu olhar


para a piscina.

— Você está usando óculos escuros, — disse.

— Então, olhe para outro lugar.

— Já estou fazendo isso.

— Não são falsos, sabe.

Inalei. Foi um dos muitos rumores sobre mim em


Fairhope. Que comprei um novo par de seios no meu
aniversário de dezoito anos para tentar conquistar um marido
rico que aceitaria meu filho pequeno como um pacote. A
verdade, meus seios nunca se recuperaram totalmente
(trocadilho intencional) de ser o buffet aberto do Bear durante
os dois anos em que o amamentei (a fórmula custa uma
fortuna).

— Nunca acreditei nesses boatos.

— Então por que estava olhando? — Desafiei-o.

— Porque sou um homem de sangue quente, e você é...


— Impediu-se de terminar a frase.

— O quê? — Perguntei, quase freneticamente.

Até um segundo atrás, achava impossível acreditar que


ele me achava mais atraente do que uma escarradeira.

— Nada.

Tirei os óculos do rosto, balançando as pernas na


espreguiçadeira e me endireitando. Meu sorriso de prostituta
estava vermelho escarlate e em plena exibição.

— O que eu sou, Cruz?

— Gostosa. — Disse rispidamente, sua voz baixa, medida


e cheia de coisas que queria fazer comigo. — Extremamente
gostosa.

— Acha?

— Agora você está apenas a procura de elogios.

— Divirta-me. — Fiz beicinho.

— Por quê?

Ele esfregou a ponta do nariz, que estava ligeiramente


rosada em comparação com o resto de seu corpo de bronze.

Ha! Então Cruz Costello não conseguiu um bronzeado


incrível. Essa imperfeição insignificante me fez sentir muito
mais feliz do que deveria.

— Porque temos mais oito dias depois de hoje para


passarmos juntos em uma cabine do tamanho de um selo
postal, e quero saber o que esperar.

— Uma abundância de tempo sozinha e zero rala e rola.


— Acabou de dizer rala e rola. — Posso ou não ter dado
uma risadinha.

— Você diz gasshole, senhora. E estou indo embora.

Ele, porém, não se levantou e suspeitei que sabia por quê.


Meus olhos deslizaram para sua virilha. Mudou de posição na
espreguiçadeira marroquina laranja, cruzando as pernas.

Fiz beicinho, fingindo não notar. — Não sou boa o


suficiente para você, não é?

— Você é cheia de besteiras, Tennessee Lilybeth Turner.


Não me teria nem se eu fosse o último homem na Terra.

Ele se lembrou do meu nome do meio. Uma vibração


passou sob meu umbigo.

— E por que acha isso?

— Porque você odeia os homens. — Seu bigode se


contraiu. — Todos eles. Sem exceções. Nós te assustamos.
Sabe que Bear crescerá e se tornará um também, certo?

Sim, e prefiro não pensar nisso.

Houve uma pausa de silêncio. Eu não neguei sua análise.


Não fazia sentido. Nós dois nos recostamos em nossas
espreguiçadeiras, observando as pessoas nadando na piscina,
casais se beijando e espirrando água um no outro.

— O que está pensando? — Perguntou depois de alguns


minutos.
— Por que está perguntando?

— Você sempre pensa em coisas estranhas. Como aquela


coisa de pérola. A história da vesícula.

— Isso é um fato incontestável, Dr. Costello.

— Bem. — Ele inclinou o boné para baixo, como um


caubói, um sorriso puxando seus lábios sob o bigode perfeito.
— Dê-me a honra.

Fiz uma careta. — Estou pensando que há muitos germes


e órgãos genitais semiexpostos nesta água todos os dias. Não
há absolutamente nenhuma maneira na Terra de você me
encontrar dentro da piscina de um navio de cruzeiro.

Ele riu.

— O que você está pensando? — Perguntei.

— Que você é diferente do que pensava, — disse. — Muito


diferente.

— Tanto faz. — Respondi, porque ele não parecia estar


falando mal, mas francamente, eu tinha orgulho suficiente
para não ser pega buscando elogios duas vezes em dez
minutos.

— Então. Quer jantar juntos? Um jantar amigável? —


Perguntou.

— Você está pagando.

— É grátis.
Suspirei. — As bebidas também?

— Temo que sim.

Uma mulher passou num vestido chique.

— Então que tal um belo vestido Prada? Eu realmente


quero viver a vida de uma mulher mantida, mesmo que apenas
por um dia.

— Isso é um não.

— Ugh. — Revirei meus olhos. — Você é um marido


clappy64, Sr. Weiner.

— E você tem uma aversão estranha a palavrões.

Ele se levantou e me ofereceu a mão, e eu aceitei.

E foi aí que o problema começou.

64-A personagem deveria dizer “crap” que significa “de merda”.


Se este cruzeiro me ensinou algo que a faculdade de
medicina não ensinou, além do fato de que Tennessee Turner
não tinha futuro no ramo de viagens, foi que poderia,
realmente, ter uma ereção de três horas sem medicação erétil
prescrita.

Tudo bem, cinco.

Seis, mas honestamente mais parecido com cinco e meia.

Sem. Parada. Maldição.

No início, notei-a do outro lado da piscina, minúsculo


biquíni rosa em sua figura de supermodelo, bronzeando sua
bunda. Não havia nenhum homem nas proximidades que não
a bebesse com os olhos, até que, finalmente, todas as mulheres
que se prezavam na área arrastaram seu namorado daquela
fileira de assentos, deixando Tennessee completamente
sozinha e uma presa fácil.

Assisti de uma distância segura, a maior parte do meu


sangue concentrado entre as minhas pernas e novamente me
perguntei por que ela era tão difícil de evitar em um navio de
cruzeiro do tamanho de Long Island.

Planejava colocar em dia algumas revistas médicas, mas


a única coisa que aprendi durante a tarde foi que Tennessee
Turner tinha zero ângulos ruins.

Confie em mim, eu verifiquei.

Finalmente, um filho da puta tatuado fez alguns


movimentos sobre ela.

Estudei sua reação de perto. O que se dizia na cidade era


que ela era uma atrevida, mas eu tinha uma política de fofoca-
zero, e só acreditava no que meus olhos podiam ver quando se
tratava de pessoas. E o que notei ao longo dos anos foi que
Tennessee não apenas bloqueava ativamente os avanços de
todos, mas não era vista com um homem desde Robert
Gussman.

Poderia dizer por sua linguagem corporal que Tennessee


não apreciava as atenções de seu novo admirador. Lutei para
ficar fora da situação, até que o idiota colocou a mão em seu
cotovelo.

Eu estava lá em meio segundo, o enxotei e fiquei


esperando a – espere por isso – conversa.

Porque, no fim das contas, Tennessee Turner era muito


divertida de se estar por perto, ou pelo menos, ela não me
bajulou e me tratou como se eu andasse sobre as águas
(embora não tenha duvidado por um segundo que me jogaria
para fora do navio sem a menor cerimônia só para ter certeza).
Ela foi a única pessoa em Fairhope que viu além do meu
exterior brilhante, e estava curioso para saber o que,
exatamente, ela estava vendo.

Fomos para o nosso quarto. Carreguei sua bolsa de praia


de palha, grato por ter algo para esconder minha ereção furiosa
enquanto ela tagarelava alegremente sobre a estratégia que
usaríamos para o buffet aberto que tínhamos escolhido para o
jantar.

Ela parecia confundir um cruzeiro de férias com uma


guerra, e estava ficando muito animada com isso.

— A seção de aves e carnes está sempre lotada. As filas


são terríveis, reparei ontem. Sugiro que fique lá e pegue
porções duplas para cada um de nós enquanto cuido da massa
e das saladas. A menos que queira batatas com sua carne? Eu
não sei. Acho que não consigo olhar para as batatas da mesma
forma desde que comecei a trabalhar no Jerry & Sons. Coulter
fez coisas terríveis com elas ao longo dos anos.

— Eu como lá toda semana, sabe.

Ela acenou com a mão para me desconsiderar, algo que


achei estranhamente cativante. Até seus dedos eram sexys.

— Nada muito anti-higiênico. Além disso, sempre pede o


BLT65 com salada ao lado.

65-Éum tipo de sanduíche, nomeado pelas iniciais de seus ingredientes principais, bacon, alface e
tomate (bacon, lettuce and tomato)
— Reconfortante.

Saímos do elevador e contornamos o corredor que levava


ao nosso quarto. À distância, avistei duas mulheres vestidas
com uniformes de gestão e um casal de meia-idade
conversando animadamente.

— Então, por que nunca procurou outra coisa para


trabalhar? — Perguntei.

— Não sou muito inteligente.

— Muitas pessoas não são.

Apontar que ela era inteligente, ou pelo menos mais


perspicaz e eloquente do que qualquer pessoa que eu conhecia,
seria considerado puxa-saquismo. Além disso, tinha a
sensação de que não acreditaria que eu a via como um ser
humano completo e cheio de nuances, não importa o quão
fervorosamente defendesse meu caso.

— Fairhope é uma cidade pequena. Não há muitas


oportunidades de trabalho.

— Elas aparecem de vez em quando.

— Qual é, Cruz. Agradeço, de verdade, mas as pessoas


não gostam de mim e seria cruel me fazer querer tentar.

Estava começando a ficar irritado, mas não tinha certeza


se era com ela, com a cidade em que morávamos ou ambos.

— É uma situação do ovo e da galinha, Turner. Ninguém


sabe o que veio primeiro. Você nem mesmo está tentando.
Claro que as pessoas pensam o pior de você.

— Bom. Deixe-os.

À medida que nos aproximávamos do casal e das


representantes da administração, suas vozes ficavam mais
altas. A senhora de meia-idade estava chorando e se jogando
dramaticamente contra a parede, enquanto seu marido
esfregava suas costas para consolá-la, olhando para o prejuízo.

— Eu só não pensei que isso aconteceria em algum lugar


como este. Que vergonha para todos vocês. Isso é
completamente inaceitável e, para que saibam, já entrei em
contato com um advogado.

— Senhora, prometo que vamos chegar ao fundo disso.


Tenho certeza de que pode ser explicado.

— Nada pode ser explicado! — A mulher gritou, jogando


os braços para o ar. Era uma mulher robusta, com mechas
vermelhas brilhantes e joias que pareciam pesadas para
carregar. — Tinha quinze mil dólares em joias naquela mala.
Como pode simplesmente jogá-la no corredor?

As duas representantes da administração trocaram


olhares desamparados, enquanto a senhora começou a soluçar
novamente, enterrando a cabeça no ombro do marido.

— Bem, senhora, coisas assim não acontecem com muita


frequência. Se houve uma confusão...
Tennessee e eu nos olhamos quando paramos em frente
à nossa porta, que por acaso era a porta diretamente oposta à
do casal. Nós dois sorrimos educadamente enquanto eu
deslizava nosso cartão eletrônico na abertura.

— Talvez eles a tenham pegado, — a mulher fungou atrás


de nós.

Tennessee congelou, agarrando meu pulso de repente,


como uma garotinha.

— Senhora, não podemos pedir a este casal para nos


mostrar seu quarto.

— Sim. Lembro-me da mulher loira. Ela andou muito ao


redor do nosso quarto ontem, parecendo problemas e pecado.
— A voz da mulher ficou mais alta, mais ousada.

Virei-me, dando a ela um olhar gelado.

— Bem, acontece que a loira tem um quarto aqui.

— Difícil de acreditar. — A mulher lançou um olhar crítico


sobre Tennessee, da cabeça aos pés. — Mas ela tem, eu acho,
não é? O que isso diz sobre você? — Ela se virou para me olhar
acusadoramente.

— Que eu tenho um bom gosto. — Sorrio indiferente.

Seu marido gargalhou e ela lhe deu uma cotovelada.

— Isso é muito subjetivo, — bufou. — Mas do jeito que


está, ela é minha principal suspeita. Parece uma vigarista,
uma garota comum, e está vagando pelo corredor. Agora
mostre-nos o seu quarto. Já está aberto.

Era verdade. Empurrei a porta entreaberta neste


momento.

— Não! — Tennessee gritou, ficando vermelho brilhante.

Ela não poderia parecer mais suspeita se tentasse, mas


não acho que ela realmente roubou nada. Estive no quarto
brevemente hoje depois de nossa conversa na biblioteca, e tudo
parecia em perfeita ordem. Ela carregou nossas malas, mas
não havia uma terceira em lugar nenhum.

— Não pode entrar em nosso quarto. — Tennessee


engasgou. — Só porque pareço suspeita para você não significa
que pode me revistar. Esta é a América!

Uma das representantes – uma mulher negra – deu a


Tennessee um olhar fala sério, cara?, ganhando dez pontos por
sarcasmo e outros dez por timing.

O problema era que eu estava ficando agitado com as


pessoas dando a Tennessee o tipo errado de atenção em todos
os lugares que íamos. É verdade que ela parecia exagerada com
a maquiagem, as roupas minúsculas e o cabelo inspirado nas
mulheres dos anos sessenta, mas essa era sua prerrogativa, e
ela não merecia receber merda por isso.

Eu não sabia o que a fazia querer arruinar sua boa


aparência com tinta de guerra e renda, mas isso não
significava que as pessoas tinham o direito de chamá-la de
prostituta na sua cara.

Mudando de assunto, minha ereção se tornou, na melhor


das hipóteses, meio mastro. Boas notícias para minha bexiga,
que atualmente abrigava cerca de um galão de urina.

— Não temos nada a esconder. — Dei a ela um sorriso


bem-humorado.

— Excelente! — A mulher jogou os braços para o alto. —


Nesse caso, mostre-nos o seu quarto.

— Não! — Tennessee insistiu.

— Na verdade, — uma das representantes interrompeu —


é perfeitamente possível que a administração nos peça para
bater nas portas dos quartos próximos e pedir para
verificarmos novamente, então se pudéssemos dar uma olhada
agora, seria ótimo.

— Sem problemas. — Empurrei a porta totalmente,


sacudindo minha cabeça para indicar que poderiam entrar.

Não tínhamos nada a esconder. Éramos inocentes e eu


queria ver o rosto daquela mulher quando entregasse um
humilde pedido de desculpas a Tennessee.

Falando em Tennessee, disparou passando por mim,


arfando. A mulher rude/soluçante se arrastou atrás de nós,
valsando para dentro.

— Aí está. — A mulher apontou para minha mala,


gritando. Seu rosto estava suado e vermelho, e se lançou
contra minha bagagem azul-marinho como se fosse sua irmã
gêmea há muito perdida, se abaixando e abraçando-a. — Essa
é a minha mala. Eu sabia que ela a havia roubado. Sabia. O
que te disse, Fred? Tenho um bom senso para essas coisas.

— Senhora, — rosnei — a única coisa que sinto é que


precisa checar seus olhos. Essa é a minha mala, e agradeceria
se parasse de se esfregar nela.

— Não tente encobri-la.

A mulher não apenas mostrou os dentes para mim,


também estava empurrando minha mala ainda fechada para
fora do meu quarto. Pisei na sua frente, bloqueando o
caminho. Enquanto isso, Tennessee estava balançando em um
canto, desfrutando de um colapso mental agradável e
tranquilo. Não sabia que era tão sensível, ou uma louca por
golpes.

Esta senhora deve ter acertado um nervo dos diabos.

— Não. — Avisei a mulher a minha frente, minha


mandíbula latejando de irritação. Eu nunca tinha sido menos
do que um perfeito cavalheiro para uma mulher antes, e isso
também parecia mais libertador do que alarmante.

Seus olhos brilharam. — Estou saindo com minha mala.

— Não é sua. Minha companheira já disse que ela não a


roubou.

— Eu não me importo com o que sua prostituta disse. —


A mulher enunciou mais devagar para causar impacto. —
Estou saindo com isso. E, francamente, da próxima vez que
levar uma trabalhadora do sexo para um cruzeiro, pelo menos
consiga uma acompanhante cara. Você está se envergonhando
de andar por aí com ela como se não soubéssemos o que ela é.
Agora, se me der licença, estou indo embora.

— Quer fazer um alvoroço? — Levantei uma sobrancelha.

Ela quase desmaiou.

— Vocês se merecem, — cuspiu.

— Quem me dera.

Agitá-la foi divertido, e não podia realmente deixá-la sair


daqui antes de fazer Tennessee se sentir melhor com a
confusão.

Em algum momento de toda essa bagunça, seu marido –


pobre Fred – teve o bom senso de arrancar minha mala de suas
mãos e abri-la, revelando alguns vestidos floridos, sapatos de
salto alto e joias que definitivamente não empacotei para o
cruzeiro.

Ele se agachou, agitando um punhado de diamantes no


ar em triunfo.

— Viu? Isto é dela. Diz bem aqui na etiqueta da mala.


Ramona Warren. Essa é minha esposa.

Por um segundo, fiquei completamente sem palavras.


Provavelmente porque nunca estive em uma situação como
essa antes.

Ninguém nunca me acusou de qualquer delito e nunca


fui pego com as calças abaixadas (ironicamente, a não ser
naquela vez em que fui pego com as calças abaixadas, no
primeiro ano da faculdade com Felicia Ralph).

Logicamente, poderia dizer que havia espaço para erro –


ambas as malas eram azul-marinho. Até eu tinha confundido
à primeira vista com a minha. E definitivamente deveria ter
aberto minha mala e verificado seu conteúdo – o que teria feito,
se tivesse tido a chance, a qual Tennessee me tirou quando me
trancou do lado de fora na noite anterior.

Havia então outras coisas a serem consideradas. Como –


quem diabos não leu a etiqueta numa mala antes de trazê-la
para o quarto? – Tennessee Turner, é quem.

Além disso, por que Tennessee estava tão estressada


sobre o nosso quarto ser revistado antes de ser revelado que a
mala pertencia a essa mulher? O que ela tinha a esconder?
Pelo que poderia dizer, não havia brinquedos sexuais ou fezes
humanas à vista de todos para tornar uma busca rápida no
quarto insuportavelmente desconfortável.

Virei-me para olhar para minha companheira. Tennessee


desviou o olhar, para janela, para o oceano azul, seu queixo
erguido, ambos os seus olhos cristais brilhantes. Ela ia chorar.

Voltei-me para o Sr. e a Sra. Warren.

— Desculpe-me.
As gestoras começaram a tagarelar sobre vouchers para
bebidas de cortesia e um novo sistema de pontos que
permitiria ao Sr. e a Sra. Warren um quarto melhor se
escolhessem o mesmo cruzeiro novamente.

— Aposto que se sente muito idiota agora, não é, Sr.


Valentão? — A adorável Sra. Warren pisou no chão acarpetado
com um sorriso malicioso quando passou por mim, seu ombro
roçando meu braço propositalmente.

— Tudo o que sinto é intensa compaixão pela minha


companheira, que cometeu um erro humano e teve que pagar
por isso encontrando-se com sua cara azeda. — Afirmei com
calma.

A Sra. Warren bufou, já fora da porta. — Mantenha-a sob


controle, amigo.

— É um belo visual. Poderia, se ela estiver interessada.


— Recebi o efeito desejado quando a Sra. Warren empalideceu
para uma tonalidade reservada para as paredes de instituições
mentais. — Isso significa que está com minha mala? —
Perguntei, o idiota prático que eu era.

— Há algumas malas na cabine de achados e perdidos.


Vamos verificar. — Disse uma das representantes, prestativa.

E então, Tennessee e eu estávamos sozinhos.

Ela, eu e o elefante na sala.


— Foi um acidente — Tennessee deixou escapar antes
mesmo que eu girasse para olhar para ela. O que acabou sendo
uma tarefa e tanto, agora que acreditei que ela poderia ter
roubado a mala.

Eu mal conseguia olhar para o seu rosto de tanta raiva.

Havia noventa e nove por cento de chance de que fosse


um erro honesto, é claro. Ela cometeu muitos erros honestos,
mas esta margem de um por cento me incomodou.

Tennessee provou ser obcecada por dinheiro. Ela me


pediu para lhe comprar um vestido mais cedo. Estava
preocupada em se encaixar? E se tivesse pensado que poderia
roubar alguns itens antes de devolver a mala ao seu legítimo
dono?

— Acredito em você. — Digo, porque era a coisa certa a


se dizer.

— Não, não acredita. — Ela se jogou sobre a cama com


um suspiro pesado, embora estivesse coberta de protetor solar,
suor e um dia cheio de sol. — Posso ver em seu rosto. Acha
que fiz de propósito.

— Não.

Talvez.
Ela gemeu no travesseiro. — A expressão em seu rosto
era insuportável.

— Você parece achar meu rosto geralmente punível.

— Pensei que era a sua. De verdade. Não havia outras


malas no corredor. Alguém deve ter levado a sua. Achei que
era óbvio. Você tem que acreditar em mim.

— Sim, — disse, e porque queria que essa conversa


estranha acabasse, acrescentei — É a Messy Nessy. Coisas
assim acontecem com você o tempo todo.

Ergueu os olhos do travesseiro, e imediatamente, soube


que tinha estragado tudo. Ela parecia tão abatida, tão infeliz
que queria... queria...

Não complete essa frase, Dr. Costello. Nem mesmo em sua


cabeça. Ela não é problema seu. Não quer ser seu problema.

— Tennessee... — disse em vez disso.

— Vou tomar banho primeiro, — disse categoricamente,


se desprendendo da cama e indo para o banheiro. —
Certifique-se de que seus objetos de valor estejam fora de vista
quando eu voltar. Não iria querer meus dedos pegajosos sobre
eles.
Quando minha colega de quarto saiu do banheiro (por
que ela teve que abrir as três torneiras? Não havia maneiras
mais práticas de se afogar em um cruzeiro?), um dos
representantes entrou em nosso quarto com minha mala,
explicando que estava na cabine de achados e perdidos.

Dei uma boa gorjeta a ele, empurrei a mala para dentro e


decidi que, apesar da minha dúvida, decorrente da má
reputação geral infundada de Tennessee em Fairhope, lhe
daria o benefício da dúvida.

Tivemos um bom dia hoje e, por “bom”, quero dizer que


ninguém tinha ameaçado fisicamente prejudicar o outro, e
queria mantê-lo assim (embora agora pensando sobre isso,
tinha lhe dito, esta manhã, que iria banhá-la em seu próprio
sangue e jogá-la aos tubarões se me trancasse do lado de fora
novamente).

Ela saiu do banheiro parecendo algo saído de um catálogo


da Victoria's Secret. A Sra. Warren estava completamente
errada. Se Tennessee fosse uma prostituta, ela custaria pelo
menos dois mil por noite.

Um minivestido preto rendado se agarrava às suas curvas


com uma fita de cetim rosa cruzada diagonalmente em suas
costas, amarrando toda a roupa no lugar. Seu grande cabelo
Marilyn Monroe parecia impecável, e seus saltos eram altos o
suficiente para ela ver o Empire State Building66 em um dia
ensolarado. Não estava usando maquiagem ainda, e tinha que

66-É um arranha-céu de 102 andares no centro de Manhattan, Nova York.


admitir, Tennessee de aparência natural fez meu estômago
revirar como um adolescente encontrando o estoque da
Playboy de seu pai pela primeira vez.

Olhou para minha mala sem comentários, passando por


mim para o que assumi ser sua mesa de cabeceira, tirando
uma bolsa de maquiagem da gaveta.

— Eles encontraram, — disse, referindo-me à mala.

Ela abriu o zíper da bolsa de maquiagem, corando com o


peso do meu olhar. — Oh, bem, isso é bom. Talvez se você se
depilar regularmente, seu pênis não será tão difícil de localizar
da próxima vez.

Voltamos a ser inimigos.

— Eu disse que acredito em você.

— Oh, mas não acredito que você acredite em mim. —


Rebateu. — De qualquer forma, está tudo bem. Você não
parecia decidido a pegar uma porção dobrada de carne para
nós, de qualquer maneira.

Não íamos jantar juntos agora?

Isso era besteira, mas não iria persegui-la. Nunca


persegui uma mulher na minha vida e não estava prestes a
começar com a Sra. Rabugenta.

Peguei algumas roupas limpas e me arrastei para o


chuveiro. Com que tipo de temperatura da água ela tomou
banho? O lugar parecia uma sauna.
Quando saí, ela estava jogada sobre a cama – nossa cama
– fazendo chamada de vídeo com sua família. Um sorriso alegre
marcou seu rosto – poderia dizer que estava fingindo.

Havia um milhão de coisas que eu queria lhe dizer. Em


algum lugar dentro disso também havia um pedido de
desculpas por ser um idiota, mas antes que pudesse fazer
qualquer uma dessas coisas, meu celular tocou. Era Wyatt,
meu irmão. Atendi.

— Ei.

— Como está aí? — Wyatt parecia estar comendo algo


crocante. — A bimbo está lhe causando problemas? Você está
dividindo o quarto com ela, não é?

Cerrei meus dentes. Eu não gostava de como Wyatt falava


sobre Tennessee, mas não era muito diferente de como
qualquer outra pessoa falava sobre ela.

Por anos, aceitei silenciosamente os ataques verbais


porque não eram dirigidos a mim ou aos meus próximos, mas
Tennessee era um ser humano, e, na verdade, nenhum ser
humano deveria ser submetido a este tipo de tratamento. Só
porque era adulta e não fazia algumas coisas certas.

Olhei para minha colega de quarto do meu lugar perto da


penteadeira, meu telefone preso ao meu ouvido para que não
pudesse ouvir nada. Ela ainda estava deitada na cama,
parecendo uma garota de programa. Por que ela não podia se
vestir como uma pessoa normal? Teria atraído tantos
pretendentes sem toda a porcaria cobrindo seu rosto. Tinha
certeza de que Tennessee pensava que o preconceito em
relação a ela era por causa de Bear.

A verdade, pelo que ouvi, Bear era um bom garoto. Ele


nunca teve problemas e nunca esteve em meu consultório com
uma fratura ou osso quebrado que não pudesse explicar.

Muita água (e escândalos) passou sob a ponte da pequena


cidade desde que ela o teve. A Sra. Kimbrough fez uma cirurgia
plástica que deu errado, Meghan Harris e John Smith
trocaram seus cônjuges um pelo outro, e tínhamos certeza de
que nosso mais novo residente estava sob proteção de
testemunhas. A verdadeira razão pela qual as pessoas a
desprezavam era porque ela adicionava gasolina e delineador
grosso a cada coisa ruim que as pessoas diziam sobre ela.

— Está tudo bem, — digo secamente. — Ela é discreta.

Quase tão discreta quanto o Everest, se estamos nos


tornando técnicos aqui.

— Acha que vai pegar? — Wyatt colocou outro item


crocante em sua boca. Nachos? Tacos? A p... ersonalidade67
seca de sua noiva?

Cravei as palmas das mãos nas órbitas dos olhos. —


Muito bagunçada.

67-Em inglês o personagem ia falar “pussy” que significa “boceta” e decide mudar para a palavra
personalidade. Em português as duas palavras não se iniciam com a mesma letra, dificultando a
criação do trocadilho.
— Eu diria – use dois preservativos. Não quero
complicações, especialmente perto do dia do meu casamento.
Mamãe e papai estão tensos do jeito que estão.

— Por que acha?

Comecei a remexer em toda a porcaria que ela havia


deixado na penteadeira, o que era muito. Sua impressão estava
em todo o quarto. Seu spray de cabelo, meias, acessórios de
plástico baratos e embalagens de chiclete.

Messy Nessy, de fato.

— Eles querem ter certeza de que não acabará em divórcio


também. — Wyatt estremeceu.

Meu irmão mais velho era engenheiro em uma empresa


com sede em Wilmington. Um partidão em Fairhope, ou pelo
menos foi, antes de se casar com sua primeira esposa Valerie.
Conheceu Valerie enquanto ela o atendia num bar de peitinhos
– palavras dele, não minhas – e pensou que seria uma boa ideia
levá-la para casa e fazer dela uma mulher honesta. Três anos,
o vício em cocaína de Valerie e uma conta bancária esvaziada
depois, Wyatt estava de volta ao mercado. Desta vez, não
queria alguém tempestuosa e eletrizante.

Ele queria a versão mais enfadonha de uma mulher que


o mundo poderia lhe oferecer. Alguém que era mansa e não
precisava ser constantemente vigiada, entretida e pacificada. A
doce e despretensiosa Trinity Turner era o equivalente humano
à cor bege.
— Eu não acho que vá. — Disse, colocando a boca de uma
garrafa de spray de cabelo no meu nariz e cheirando. Cheirava
a um incêndio acidental iminente e a uma Yankee candle68.

— Obrigado pelo voto de confiança. — Wyatt riu. — De


qualquer forma, mamãe está tendo um ataque cardíaco
pensando que Messy Nessy vai te seduzir.

— Ela não é do meu gosto.

— Ela é do gosto de todos quando se trata de um caso de


uma noite, mas a longo prazo? — Wyatt fez tsk69. — Um grande
não.

Meu irmão mais velho sabia tão pouco sobre mim, sobre
minha vida, às vezes parecia que eu estava conversando com
um completo estranho.

— Posso ajudá-lo em mais alguma coisa, mano? — Parei


de falar mal de Tennessee por um dia.

— Não. Apenas trabalhe no discurso do padrinho. Sabe


que quero ler e dar o OK de antemão.

— Sem problemas.

— Ah, e Cruz?

— Hmm?

— Se acontecer de tirar uma foto dela dormindo nua...

68-Marca de vela perfumada famosa nos EUA.


69-Expressão de desaprovação ou aborrecimento.
bem, você sabe o meu número.

Desliguei, pegando o fim da conversa entre Tennessee e


sua irmã Trinity.

— Não queria dizer nada próximo a Bear, mas Rob está


ligando sem parar, Nessy. Ele disse que você não estava
atendendo.

Minha colega de quarto pegou seu lábio inferior com os


dentes, liberando-o lentamente.

— Sim. Ainda não contei ao Bear que Rob está na cidade.


Ele não sabe.

— Sabe agora, — disse Trinity se desculpando. — Rob


conseguiu o número de telefone de Bear de alguma forma. E já
que Bear tem invadido o pacote de internet dos Costellos...

Era bom saber que algumas coisas passavam na família


Turner. Como a necessidade de sequestrar o pacote de internet
de outras pessoas.

— Não! — Tennessee se engasgou, sentando-se ereta na


cama. — Está brincando comigo? O gasshole! Eu não posso
acreditar nele.

Não podia acreditar que ela disse gasshole.


Intencionalmente. Quantos anos tinha esta mulher, três? E
como é que ela não tinha nenhum problema em se vestir como
uma prostituta quando dava fortes vibrações puritanas em
outros aspectos?
— Sim, — disse Trinity calorosamente. — Mas me deixe
lhe dizer, eu estava lá quando aconteceu, e Bear não gostou de
Rob falar pelas suas costas. Ele lhe disse, e é uma citação:
“Não quero vê-lo. Não por causa do que fez comigo. Não nos
conhecemos, então não levarei isso para o lado pessoal, mas
por causa do que fez com minha mãe”. Isso foi o que ele disse.
Disse que não conseguia se imaginar traindo você daquele
jeito. Então desligou na cara dele. Foi épico.

Eu esperava que ela animasse com esse desenvolvimento,


mas sua carranca me surpreendeu.

— Ele não estaria me traindo. Quero que tenha uma


figura paterna em sua vida. — Tennessee mordeu aquele lábio
inferior carnudo agora, esquecendo que eu estava no quarto.
— Simplesmente odeio que Rob tenha feito isso sem me dizer.
Mostra que não mudou nada.

— Bem, você realmente o ignorou por duas semanas. —


Trinity apontou.

— Ele me ignorou por treze anos!

— Verdade. O flip-head70.

Havia tanta coisa errada com essa família e seu


vocabulário que não sabia por onde começar.

— Pode me fazer um favor? — Tennessee perguntou. —


Preciso garantir que isso não saia do controle. Pode pedir a

70-A personagem deveria dizer “shit-head” que seria “cabeça de merda”.


Bear para entregar seu telefone celular para que Rob não possa
chegar até ele? Quero dizer a este homem poucas e boas, e não
quero que Bear se sinta pressionado.

— Eu não acho que Bear gostará de ser punido pelas


ações de Rob. — Trinity avisou.

— Eu também não. Diga-lhe que comprarei o videogame


que ele quer. E vou levá-lo para aquela lanchonete em Salem.

— Tudo bem. Fique segura, mana.

— Você também.

Desligaram. Tennessee ainda ignorava minha existência.


Ela tamborilou os dedos contra o joelho, preocupada. Apreciei
o quanto se importava com seu filho e como era protetora com
ele. Era obviamente louca por aquele garoto.

— Quer que eu fale com ele? — Perguntei.

Sua cabeça chicoteou para cima, como se tivesse acabado


de lembrar que eu estava lá.

— Rob, — expliquei. — Não Bear.

Eu não conhecia Bear. Ele não era meu paciente – sua


mãe o levou a uma clínica fora da cidade – e o tinha visto muito
pouco ao longo dos anos, o que me convinha, considerando as
circunstâncias.
— Posso lidar com minha própria blip71.

— O fato de usar a palavra blip neste cenário me diz algo


diferente. Só estou tentando ajudar.

— Ajude se tornando o mais escasso possível.

Aqui vamos nós novamente. Mordi a parte interna da


minha bochecha, usando cada grama de minha paciência para
não gritar com ela.

— Não é comigo que você está brava, então sugiro que


respire fundo.

— Você é tão ruim quanto ele. — Retrucou, me prendendo


com um olhar.

— Por quê? Por causa da nossa amizade no colégio?

— Porque é do mesmo tipo privilegiado de gasshole.

— Se eu sou um estereótipo, então hoje provou que você


também é. — Soltei um sorriso malicioso.

— Posso ser fácil, Dr. Costello, mas fique tranquilo, para


você, sempre tornarei a vida difícil. — Ela se levantou e pegou
sua bolsa. — Fique no seu canto do navio hoje.

E bateu a porta na minha cara.

Isso correu bem.

71-A personagem deveria ter dito “shit” que significa “merda”.


Passei o jantar lendo as muitas mensagens de texto de
Gabriella. Ela me enviou fotos de suas garrafas (não era um
eufemismo72 – estava lançando novas garrafas de água para
mulheres que iam à academia) e sua nova lingerie modeladora,
que recebeu gratuitamente como material promocional para o
seu blog.

Respondi bruscamente, mas respondi mesmo assim.

Não havia sentido evitá-la os dez dias inteiros. Não era


apenas cruel, mas também desnecessário.

Não era como se eu tivesse muitas pessoas com quem


conversar, com minha companheira me odiando e um número
crescente de pessoas no navio pensando que eu tinha dois
pênis e era casado com uma prostituta ladra que me passou
gonorreia. (Notei que Brendan e o casal Warren estavam
dividindo uma mesa no buffet de jantar.)

Tennessee não estava em lugar nenhum, mas


conhecendo-a, não perdeu o jantar grátis e economizou para si

72-Em inglês, a palavra “jugs” utilizada pelo personagem também é uma gíria que significa “peitos”.
mesma.

Normalmente, estudava o itinerário durante os cruzeiros


e planejava meus dias e noites com antecedência. Não dessa
vez. Estava distraído demais para ser meu eu usual e
calculado. Improvisei e caminhei sem rumo depois do jantar.

Acabei no fliperama.

Nos últimos sete anos, toda vez que fazia um cruzeiro com
minha família (e muitas vezes com uma namorada designada),
não tinha tido a chance de aproveitar o fliperama.

Era considerado juvenil e eu estava em um capítulo


diferente na vida. Um capítulo em que jogava golfe e tênis com
meu pai, e discutia política mundial e o mercado de ações na
biblioteca com Wyatt e seus amigos carecas.

Não sabia quando seria a próxima vez que poderia fazer


isso ininterruptamente e sem ser observado por todos que me
conheciam.

A idade média no fliperama era de quinze anos, e isso só


porque a elevei dos doze com meus próprios trinta e um anos.
Aparentemente, havia outro fliperama no navio de cruzeiro,
que servia álcool, e era onde a maioria das pessoas preferia
estar. Todos ao meu redor eram pelo menos duas cabeças mais
baixos, com roupas tingidas, cabelos com gel e quantidades
desproporcionais de colônia e perfume.
Comecei com algumas corridas da NASCAR73, mudei para
Donkey Kong e depois cheguei ao Galaxian74. Gastei cerca de
uma hora antes de perceber que o lugar estava se esvaziando
de forma suspeita, ou para ser mais específico, todos estavam
se movendo em direção a um lado do fliperama, amontoados
ao redor da mesa de air hockey75 em grupos de quatros e
cincos. Como conhecedor de air hockey, fui até a mesa para
ver do que se tratava.

Deveria saber desde o início que a única pessoa com a


capacidade de atrair a atenção de todos os homens neste
cruzeiro era Tennessee Turner.

Ela se inclinou para frente em um lado da mesa de air


hockey, seus seios derramando do vestido rendado como
refrigerante em um cinema vagamente regulamentado.
Pressionou a ponta do dedo no taco perto da ponta, como se
não pudesse se incomodar em segurar a coisa toda, impedindo
que o disco escorregasse em sua fenda.

Olhei para o competidor dela e encontrei um homem que


parecia ter quase 30 anos, aparado e decente, que realmente
prestava atenção no jogo e não nas garrafas (isso era um
eufemismo, a propósito).

Minha pulsação acelerou. Ignorei a sensação estranha,


atribuindo isso ao fato de que estava passando dez dias com a

73-Um simulador de corrida de carro.


74-Tanto Galaxian quanto Donkey Kong são jogos muito parecidos com os de videogame, jogados em
uma máquina similar as de caça-níqueis.
75-Hóquei de ar ou Air-Hockey é um esporte em que dois jogadores oponentes rebatem um disco que

flutua sobre uma camada de ar frio no intento de marcar pontos inserindo-o na meta adversária.
idiota/prostituta oficial da cidade no meio do oceano.

Eles continuaram por dez minutos. Ela acabou com o


pobre rapaz, então outro cara – mais jovem, desta vez – tomou
seu lugar enquanto o homem de vinte e poucos anos se
aposentava, e voltou alguns momentos depois com um
coquetel para a senhora. E por “a senhora” quero dizer a atual
ruína da minha existência.

Ela limpou o chão com o cara número dois também, e


depois com a garota que o substituiu e o homem de meia-idade
que entrou – ele era o pai de alguém e foi chamado para salvar
o dia.

Tennessee era indiscutivelmente talentosa no air hockey,


me lembrei de nossa adolescência. A verdade, havia apenas
uma pessoa que ela não tinha batido em toda a cidade.

Eu.

Mesmo que devêssemos ficar longe um do outro esta


noite, não poderia recusar a competição quando se
apresentava. Então, enquanto mais e mais pessoas se reuniam
e imploravam para jogar com Tennessee, dei um passo à frente,
na sua frente, do outro lado da mesa de air hockey, e coloquei
três Benjamins76 no centro.

— Quer torná-lo interessante?

— Isso, vindo do homem mais chato do planeta Terra. —

76-Benjamin Franklin, ex-presidente dos EUA, está impresso na nota de 100 dólares americanos.
Ela fingiu assoprar as unhas, como se estivessem pegando
fogo, com um sorriso sarcástico no rosto. — O que está
oferecendo?

— Aposto que posso ganhar o próximo jogo com um braço


nas costas.

Todos ao nosso redor respiraram fundo.

Tennessee endireitou sua postura, me dando seu olhar


só-negócios, ao qual estava acostumado por frequentar o Jerry
& Sons. Secretamente adorava quando ela atendia a minha
cabine. Qualquer migalha de atenção dela era bem-vinda.

Ela arqueou uma sobrancelha. — Sr. Weiner, estou


surpresa.

— Por que isso, Sra. Weiner?

— Pensei ter dito para me deixar em paz esta noite.

— Isso foi antes de eu perceber que você era o evento


principal no fliperama. — Fiz questão de baixar meu olhar para
seu decote, deixando-a saber que eu não me referia apenas às
suas habilidades de air hockey.

Ela me deu um sorriso malicioso de gatinha sexy. Matava-


me que eu a queria e me matava ainda mais que não poderia
tê-la, mesmo depois de ter recebido todas as vantagens para
torná-la minha. Eu era o único com o dinheiro, a reputação
impecável e o harém de namoradas em potencial. E, no
entanto, não consegui mais do que revirar os olhos dessa
mulher.

— Querido, pensei que estava estabelecido que não pode


lidar comigo.

Assobios baixos emergiram da multidão que se formava


ao nosso redor. Parecia que metade do maldito navio de
cruzeiro estava assistindo. Esperei pelo pavor de ser pego
fazendo algo menos que perfeito para azedar minhas
entranhas, mas não aconteceu. Nunca me senti mais vivo do
que naquele momento.

— Experimente. — Disse lentamente.

— Faça trezentos mil. — Ergueu o queixo para o dinheiro


entre nós.

— E quando perder?

— Eu não perderei.

— E se perder? — Alterei. — O que ganho?

— Sua escolha.

— Escolherei o que vestirá pelo o resto do cruzeiro.


Levarei você para fazer compras e a vestirei com o que quiser.
Vou vesti-la... — Fiz uma pausa estratégica — e despi-la como
eu quiser.

A multidão gritou de alegria (trocadilho intencional,


obviamente). Fiquei surpreso com a resposta deles por um
momento, até me lembrar de nosso casamento falso...
Seus olhos afiados cor de avelã, a bela tonalidade de um
coração de árvore, arderam por uma fração de momento, antes
que fixasse outro sorriso de escárnio naqueles lábios
vermelhos brilhantes.

— No que me diz respeito, pode me pedir para andar


pelada até tocarmos a terra novamente. Não está ganhando,
então realmente não me importo com o que você quer de mim.

— Isso é um acordo? — Arqueei uma sobrancelha.

Ela me deu um aceno rápido. A multidão aplaudiu.

Peguei o dinheiro entre nós, enfiando-o no bolso e estendi


a mão para sacudir a dela. Sua mão estava fria e úmida.
Afastei-me dela, odiando a sensação que seu aperto de mão
simples teve em mim.

— Sete rodadas ou o primeiro a marcar sete pontos —


estabeleci as regras.

— Sim, eu sei como jogar air hockey, parceiro.

Ela me aniquilou nas duas primeiras rodadas, mas só


porque deixei. Queria aumentar sua confiança e também
garantir que pensasse que tinha uma chance justa. A terceira
rodada, entrei no jogo. Em nossa juventude, Tennessee e eu
sempre nos encontramos competindo no air hockey no
fliperama local. Éramos simplesmente os melhores nisso. Rob
costumava não perceber como eu olhava para sua namorada
enquanto brincava com ela. Provavelmente porque estava
ocupado exibindo para as outras garotas seus talentos na
máquina de garras – aquele bastardo sempre ficava com o
ursinho. Ele tinha uma técnica secreta que não compartilhava.

Ganhei a terceira, quarta e quinta rodadas e planejava


ver para onde a brisa sopraria com a sexta rodada. Tennessee
era boa – mas eu era melhor, também queria mudar todo o seu
guarda-roupa e trazê-la de volta para Fairhope como uma
mulher nova e respeitável e ganhar pontos de brownie77 por
isso.

O Dr. Costello perfeito causou uma transformação em


Tennessee Turner e agora a irmã de sua cunhada parece
alguém que poderíamos deixar cuidar de nossos filhos.

— Você ficou enferrujado. — Tennessee comentou do


outro lado da mesa, bloqueando o disco que mandei girando
em sua direção e deslizando-o de volta para mim com força.
Ela estava ofegante.

— Você ficou arrogante, — respondi. Ela queria quebrar


meu exterior frio. Teria uma grande decepção.

— Sim, bem, os últimos anos foram moleza. — Ela soprou


uma mecha de cabelo loiro que escapou do penteado com laquê
e caiu sobre o olho. — Então, naturalmente, baixei a guarda.

— Vai reclamar da sua vida toda vez que conversamos?


— Enviei o disco cambaleando em seu caminho na velocidade
da luz. — Porque, nesse caso, não sou o único chato aqui.

77-Um prêmio imaginário dado a alguém que faz boas ações ou tenta agradar.
— Você deveria ter mais empatia por mim, sabe. — Bufou.
— Nem todos nós temos vidas perfeitas.

Tenho muito mais a lhe oferecer do que empatia, se


simplesmente descesse da nuvem de autopiedade em que está
presa.

— Vocês dois não são casados? — Um adolescente


confuso na multidão se perguntou em voz alta, coçando uma
espinha aberta na bochecha.

— Minha vida não é perfeita, — disse, bloqueando o disco


que mandou na minha direção. Droga. Ela tinha alguns
truques escondidos. Esqueci o quão divertido ela era quando
de fato éramos... bem, deixados para sermos nós mesmos.

— Claro que é. — Ela soltou uma risada gutural e sexy.


— Por que largou a pobre Gabriella? Não gostou do test drive?

— Queríamos coisas diferentes, — disse secamente.

— O que quer? — Tennessee perguntou, tentando me


distrair e deslizar aquele disco para dentro do meu buraco.

Você, pensei amargamente. Quero você.

Eu não tinha, contudo, álcool suficiente em meu sistema


para dizer isso, e de qualquer maneira, não tenho certeza se
realmente, verdadeiramente, a queria. Quer dizer, eu a queria,
mas da mesma forma queria quatro pãezinhos de canela. Seria
bom ter, mas poderia matá-lo depois.

— Não tenho certeza. — Em vez disso, inclinei o quadril


contra a mesa de air hockey, fingindo estar entediado. E,
enquanto estava nisso, mandei o disco direto para o seu
buraco. Ele caiu dentro de um golpe limpo. Ela gemeu,
baixando a cabeça enquanto eu continuava. — Sempre achei
que quando encontrasse, saberia. Quatro-dois para mim, por
falar nisso.

Ela agarrou o disco e colocou-o na mesa novamente,


desferindo o golpe de uma mulher possuída pelo diabo. — Está
ficando um pouco velho.

— Não tem quase trinta anos? — Perguntei


coloquialmente. — Você sabia que qualquer gravidez de uma
mulher com trinta e cinco ou mais é chamada de gravidez
geriátrica?

— Você fala muito bem, não é, Sr. Weiner?

As pessoas riram de nós. Eu tive que lembrar que


tínhamos uma audiência. Isso ajudou a manter minha
frequência cardíaca – e aquela coisa dentro das minhas calças
– sob controle. Ganhei outra rodada, fazendo cinco a dois para
mim, e não estava com humor para lhe oferecer alguma
benevolência deixando-a vencer uma rodada.

— Você sempre me odiou, — acusei. — Por quê?

— Isso é mentira. — Sua boca se abriu em choque


indignado. — Você é o único que sempre me desprezou. Mesmo
antes de começar a namorar Rob.

— Como assim?
— Quem é Rob? — Alguém perguntou.

Ela colocou o disco de volta na mesa, enviou-o na minha


direção e acertou precisamente no meu gol. Tudo bem. Talvez
estivesse um pouco distraído.

— Cinco-três para você. — Piscou para mim


sugestivamente. — E uma vez ouvi você lhe dizer que achava
que ele e eu não tínhamos nada em comum, e que não deveria
me convidar para sair. Você disse que garotas como eu dão
muito trabalho.

Não queria contar a ela que eu disse isso a ele porque


tinha um interesse nessa história.

— E você dava. — Dei de ombros, colocando o disco de


volta em seu lugar e começando outra rodada.

— Não me olhou nos olhos depois que comecei a namorar


com ele. Não aguentou que ele não deu ouvidos a você, não é?

Sim. Era isso mesmo. Certo.

— Estava certo, não estava? — Enviei o disco girando de


novo.

— Acho que sim, mas aquilo que todo mundo chama de


erro? — Ela segurou meu olhar, parando o jogo por alguns
segundos. — Ele é a melhor coisa que já me aconteceu, e não
o substituiria por nada neste mundo.

— Bom para você.


Bati o disco com meu taco e ganhei novamente. — Seis-
três.

Tinha mais uma rodada para ganhar antes de colocá-la


em um vestido adequado e sapatos baixos. Era provavelmente
o único homem na Terra que queria ver a mulher que ele
desejava vestida como uma bibliotecária sênior, e não por
causa de alguma fantasia pervertida.

— Então, como lidará com um par de jeans de verdade?


E não me refiro ao tipo Daisy Dukes78. Seu corpo é alérgico a
tecido? — Perguntei.

— É alérgico a tolices. É por isso que você me dá urticária.

— Eu amo o nosso amor, — murmurei sarcasticamente.

Ela fez sons de engasgo, mas ainda estava aqui.

— Não se acovarde, — avisei.

— Uma aposta é uma aposta.

Com isso, dei o golpe final. Endireitei minha postura, um


sorriso insuportavelmente presunçoso decorando meu rosto.

— Sete a três.

A multidão ao nosso redor bateu palmas e assobiou,


torcendo por mim. O queixo de Tennessee caiu, mas não saiu
nada. Ela parecia genuinamente confusa.

78-São extremamente curtos, ajustados à forma.


— Você perdeu, — disse lentamente. — De novo. Já deve
estar se acostumando com isso, não é, Sra. Weiner?

A brincadeira foi salpicada com uma piscadela, destinada


a lhe dar a chance de jogar outra coisa inesperada na minha
direção. Estava totalmente preparado para deixá-la dar a
última palavra, mas ela não mordeu a isca. Em vez disso,
endireitou os ombros, deu um passo para trás, me
parabenizou pela minha vitória, sua voz trêmula em torno das
palavras, e saiu correndo.

Ela não estava na cabine quando voltei do bar, depois de


cuidar de dois uísques e de uma dor de cabeça. Eram onze e
meia, e embora a ideia de ir para a cama cedo, e deixá-la
rondar o navio e ficar de mau humor como a louca que
obviamente era, fosse tentadora, não podia fazer isso.

Gemi enquanto saía do meu quarto, tropeçando no Sr. e


na Sra. Warren, que tinham acabado de voltar do cassino,
parecendo exuberantes e com uma sorte injusta.

— Onde está sua esposa? — Sra. Warren zombou com


escárnio, segundos antes de fazer fusquinha para mim. Eu
juro que se ela tivesse um ataque cardíaco aqui, agora, mijaria
em meu Juramento de Hipócrates e a deixaria bater as botas.
— Admirando seu rosto impecável e figura nocaute na
frente do espelho em nosso quarto, — mordi de volta, ainda
segurando um rancor do tamanho de Chipre contra ela pelo
que fez a Tennessee. — Estar com uma mulher tão bonita é
uma bênção e uma maldição.

— Bem, não vejo nenhum anel em nenhum dos dedos de


vocês.

— Isso mesmo. Estamos atualizando os diamantes no seu


anel, então tivemos que enviá-lo para a África do Sul. Os
melhores 500 mil que já gastei.

— E o seu anel? — Colocou as mãos na cintura, enquanto


Fred esperava por ela dentro do quarto, segurando a porta
aberta.

— O meu foi perdido enquanto estávamos jogando um


jogo muito adulto no buffet hoje. Avise-me se encontrar na sua
sobremesa amanhã de manhã, está bem?

Com isso, fui para os elevadores.

Procurei por Tennessee (quase) em todos os lugares. Para


ser honesto, não sabia o que fazer com aquela mulher. Em um
segundo era a coisinha castradora e tagarela que aprendi a
admirar, temer e querer ir para a cama na última década e
meia, e no próximo, era sensível, retraída e tímida. Quase como
a garota que namorou Rob.

Sabia que um homem melhor – ou talvez apenas um


homem que não tinha passado a vida inteira com uma coroa
de ouro imaginária na cabeça – simplesmente admitiria o que
acontecera no passado e limparia o ar.

Crescendo, sempre senti algo por Nessy Turner. Como


não poderia? Em minha mente, ela deveria ser minha
namorada no colégio. Linda, gentil e digna, com nota máxima
e um lugar na equipe de debate (sem surpresas aí). Mesmo
quando descobri que Rob tinha um tesão por ela, não fiz a
coisa usual de Cruz e dei um passo para trás. Jogamos pedra-
papel-tesoura, três vezes, na verdade, e acabei ganhando, mas
então Rob foi em frente e a chamou para sair de qualquer
maneira, passando por cima de mim e revelando o primeiro
sinal de que era um péssimo amigo no processo.

Depois disso, não havia nada que eu pudesse fazer


porque Tennessee disse que sim.

Ela. Disse. Sim. Para. Ele.

Ela não gostava de mim, e isso foi um golpe grande o


suficiente para destruir meu ego adolescente e fazer com que
eu não gostasse dela pelo resto do ensino médio. Claro, em
retrospecto, fiquei imaginando. Imaginando o que teria
acontecido se eu fosse o único a convidá-la para sair primeiro.

Ela teria dito sim? Eu suspeitava que sabia a resposta


para isso.

Ela não gostava muito de Rob, mas ainda assim deu uma
chance a ele. Ele a levou para tomar um sorvete no centro da
cidade, e secretamente riu no vestiário sobre como esperava
que ela não pedisse mais do que duas colheres porque sua
bunda estava quebrada naquela semana.

Sabia que nunca teria nos deixado terminar na posição


em que ela e Rob estiveram. Nunca teria tirado sua virgindade
do jeito que ele fez, desprotegido, publicamente, com as
pessoas assistindo. E se eu tivesse, por qualquer motivo – se
estivéssemos bêbados ou chapados ou apenas completamente
sem juízo em uma noite infeliz – teria assumido isso e me
casado com ela.

Eu teria, mas não fui eu quem ela escolheu. Então, essa


era a minha verdade.

Minha verdade de dois uísques e uma cerveja. E estava


levando para o túmulo comigo.

Acabei encontrando Tennessee em um dos deques,


encostada no púlpito, observando as ondas negras quebrarem
contra a enorme embarcação. Seu cabelo tinha se submetido
ao vento, dançando em torno de seu rosto em mechas
cinzentas e glaciais.

Ela se abraçou de costas para mim. Doeu fisicamente vê-


la assim. Tão vulnerável e deslocada. Não querendo assustá-
la, falei antes de avançar em sua direção.

— Eu sinto muito.

Ela não se virou para olhar para mim. Em vez disso, sua
cabeça balançou um pouco, o gesto tão leve que não poderia
nem dizer se era intencional.
— Pelo quê?

— Ser um idiota.

— Considere-se perdoado. A maioria dos homens é.

— Isso não é justificativa.

Aproximei-me dela e vi que seu rosto estava cheio de


lágrimas. O rímel preto rastejou por suas bochechas como
teias de aranha, e seu nariz estava vermelho, inchado e
bufante. Ela parecia menos do que linda, e meu peito estava
cheio e quente. Parecia... real. Sem todos os sorrisos plásticos
e delineador dramático.

— Eu sei que hoje foi um desafio para você, e...

— Não. — Ela me cortou.

— Não o quê?

— Faça o truque do cara legal. Não posso lidar com isso


agora.

Franzi meus lábios. Ela teve um dia desastroso, com um


traste asqueroso que colocou a mão sobre ela, uma mulher que
a acusou de ser uma ladra – e uma prostituta – Rob, que por
razões não reveladas, tomou para si a responsabilidade de
contorná-la e falar com o filho deles pela primeira vez, e então
a cereja no bolo de merda foi eu vencê-la – depois dizer que ela
devia estar acostumada a perder.

Realmente uma jogada de classe, Costello.


— Para o registro, não acho que seja uma perdedora, —
disse sombriamente.

— Por quê? — Ela girou a cabeça na minha direção, as


lágrimas secando em seu rosto endurecendo sua maquiagem
distorcida. — Estava certo. Acertou o prego na cabeça. Eu sou
uma perdedora. A verdade, nem consigo me lembrar da última
vez que ganhei algo. Qualquer coisa. Sou uma vergonha para
minha família e vou envergonhar meu filho quando ele crescer
e perceber o quanto sou um desastre. Não tenho um emprego
de verdade, nenhuma perspectiva ou qualquer coisa pela qual
ansiar. E você também está certo ao dizer que estou chateada
com isso. Sou uma idiota, uma fracassa, e eu...

Beijei-a implacavelmente.

Puxei-a para o meu abraço, circulei meus braços ao seu


redor, protegendo-a do mundo, do vento, de si mesma, e fiz o
que deveria ter feito todos aqueles anos atrás – coloquei meus
lábios nos dela, esperando como o inferno que não fosse me
rejeitar.

Seus lábios estavam frios, seu nariz estava congelando,


mas não me importei, porque ela não me afastou. Ela cheirava
a seu coquetel de coco e marshmallow, e aquela garota do
ensino médio que costumava seguir com meu olhar sob o boné
quando ninguém estava olhando. Queria abrir minha boca,
lançar minha língua para fora, provar mais dela, tudo dela,
mas estava com medo de que se afastasse.

Ela estava nervosa e cautelosa, como um gato de rua,


seus instintos desgastados. Estava pronta para correr a
qualquer segundo quando se tratava de homens.

Então, em vez de cavar meus dedos na bunda que


sonhava desde que tinha dezesseis anos, ou empurrar um
joelho entre suas coxas e fazê-la me cavalgar até Orgasmville79,
me concentrei em mordiscar o caminho suavemente de sua
boca ao pescoço, acariciando meu nariz contra sua orelha,
dando uma rápida lambida no local sob o lóbulo da orelha, e
em seguida, soprando ar nele para fazê-la estremecer. Ela
parecia gostar, seus dedos enrolando em volta da minha
camisa enquanto balançava em mim. Havia algo inocente –
quase casto – sobre o contato, e isso enviou uma onda de
desejo por minhas veias que fez meu corpo ficar descontrolado.

Meu pau estava tão duro que tinha certeza que poderia
rasgar minhas calças se não tomasse cuidado. Mudei de seu
pescoço e sua orelha para sua bochecha, a ponta de seu nariz
e coroa de seu cabelo, salpicando todos com beijos leves como
uma pena que me fez doer.

Era estranho, eu sabia. Mais íntimo do que sexy, mas


senti que era exatamente o que ela precisava, e depois de todos
esses anos, achei melhor tê-la em seus termos do que não tê-
la.

— Estou te dizendo, amigo. Esses dois têm o


relacionamento mais disfuncional que já vi. Sabia que ele a
traiu com a irmã dela e tem dois paus e ela passou gonorreia

79-Cidade/Vila do orgasmo.
para ele? Então ele a sufocou com um colar de pérolas pretas
e lhe deu vesículas.

Nossas cabeças recuaram em uníssono para seguir a


fonte desse absurdo. Nós dois olhamos para cima para ver
Brendan e um companheiro bebendo cerveja no pátio de um
dos bares abertos, olhando para nós. O companheiro
masculino franziu a testa.

— Espere, a irmã dela tem dois paus?

— Não, ele tem dois paus e a traiu com a irmã dela, mas
ela também o traiu. Primeiro, acho. — Respondeu Brendan.

— Sabia que ela é uma ladra? E Ramona diz que ele é um


cara da máfia. Coisa de diamante de sangue. Negócios em toda
a África do Sul.

Tennessee e eu caímos na gargalhada, ainda abraçados.

— Viu? Eles são sem vergonha. Eu te disse. O


relacionamento mais disfuncional de todos os tempos. —
Brendan cimentou.

— Não está errado sobre isso, Brendan. — Tennessee


abraçou seu diafragma enquanto caminhava em direção aos
elevadores, se afastando de mim, e eu a segui. — Mas não é
bom falar sobre as pessoas pelas costas.

— Você estava bem aqui, docinho. — Brendan falou


lentamente em seu sotaque sulista.

— Estávamos no meio de algo, — apontei para ela, meu


pau balançando a cabeça na minha calça em concordância.

— Considere isso o final. Acabei de recuperar meu juízo.

— Droga, — murmurei, seguindo-a como um cachorrinho


apaixonado.

Entramos no elevador. Estava prestes a me virar e


persuadi-la com minha língua quando outro casal se
aproximou e se juntou a nós.

Caramba!

O silêncio encheu o pequeno espaço enquanto o homem


ao meu lado deslizava a mão sobre a curva da bunda da
mulher. Pelo menos um de nós estava recebendo algo esta
noite.

Quando chegamos ao nosso andar, deixei Tennessee sair


primeiro, então coloquei minha mão na parte inferior de suas
costas enquanto caminhávamos para o nosso quarto. Havia
mudado, com sucesso, de um conhecido para alguém que a
tocava ocasionalmente, e não estava prestes a desistir de meus
novos privilégios.

— Pode retirar sua mão e a farsa a qualquer momento


agora, não há ninguém aqui. — Ela tentou pentear o cabelo de
volta ao estado normal.

— Sem farsa. Querer passar um tempo com você é um


crime?

— Depende do estado. Pelo que sei, Nevada é o único


lugar com prostituição legalizada.

— Pare com isso agora.

Esperava como o inferno que o Sr. e a Sra. Warren não


estivessem saindo para um lanche tarde da noite, porque eu
estava fadado a estrangular os dois se aparecessem e fizessem
algo que Tennessee achasse desencadeante.

— Deixe-me adivinhar – quer passar um tempo comigo


sem roupas.

— Tudo bem com as roupas, mas não as que escolhe


vestir. — Abri um sorriso.

— Engraçado. Sempre pensei que eram as mulheres que


queriam mudar os homens, e não vice-versa.

— Eu não quero mudá-la. Quero ajudá-la a descobrir


todo o seu potencial.

Excelente. Agora eu parecia seu conselheiro escolar, ou


seu cafetão. De qualquer forma, era paternalista. Abri a porta
e então a tranquei atrás de nós. Ela desfilou em direção ao
banheiro, sua bunda balançando de um lado para o outro. De
volta a ser uma gatinha sexy.

Eu não conseguia acompanhar o humor e a


personalidade dessa mulher.

— Ninguém pediu sua ajuda, Dr. Costello. Vá ser o


Capitão Save-a-Ho80 de outra pessoa.

Ela bateu a porta do banheiro na minha cara.

— Eu não sairei até você ir para a cama. Não vamos


continuar nosso pequeno erro. — Ela anunciou uma vez que
estava na segurança do banheiro.

Colei minha testa na porta. — O que te faz pensar que foi


um erro?

Era patético até – e especialmente – aos meus próprios


olhos. Por que estava me incomodando? Eu tinha tantas
outras mulheres para escolher em casa.

— Eu não faço sexo por uma noite, — gritou do outro lado


da porta. — Pode soar surpreendente, até mesmo antiquado
para alguns, mas é assim comigo.

— Não tem que ser um caso de uma noite, — ouvi-me


dizer. — A menos que a gonorreia seja verdade.

— Contanto que ninguém descubra, certo?

Gemi. Ela me pegou. Não que tivesse vergonha, mas...

— Seus pais também não aprovarão. — Apontei.

— Não, — concordou. — O que me traz à minha


declaração anterior – nada de rala e rola. Eu não quero ser seu
segredinho sujo.

80É uma expressão utilizada principalmente por stripper para designar homens que frequentam os
clubes e estão sempre tentando ‘salvar’ as mulheres de lá mesmo sem nenhum pedido de ajuda.
— Você é uma mulher irritante. — Pressionei meu punho
contra a porta.

— E você deveria estar acostumado a ouvir um “não” de


vez em quando. — Brincou.

Eu a ouvi escovando os dentes e removendo a maquiagem


usando aquela coisa à bateria que limpava profundamente o
seu rosto.

— E outra coisa, — acrescentou, sabendo muito bem que


eu ainda estava do lado de fora, esperando que me agraciasse
com sua presença. — É melhor que haja uma barreira de
travesseiro entre nós quando eu sair.

— Como o inferno, querida. — Eu me afastei da porta,


olhando para ela como se tivesse me ofendido pessoalmente.
— Quer uma barreira, faça você mesma.

Com isso, rasguei as toalhas em forma de cisne que


esperavam na nossa cama ao lado do itinerário de amanhã, e
joguei-as juntamente com as pétalas de rosa vermelhas no lixo.

A Sra. Weiner não merecia nada de bom esta noite.


Abri um olho, na manhã seguinte, para encontrar as
costas triangulares e irritantemente atléticas de Cruz
enquanto... espere, o que diabos ele estava fazendo,
exatamente?

— Cruz? — Solucei, juntando meus membros numa


posição sentada.

Minhas costas doíam por causa da montanha de


travesseiros que arrumei entre nós e que se cravaram em
minha espinha, e da falta de um travesseiro para colocar
minha cabeça para que pudesse fazer aquela montanha
acontecer.

— Sim, querida?

Olhou por cima do ombro, me lançando um sorriso


encantador sob o bigode enquanto colocava minhas roupas em
sacos de lixo. A pior coisa sobre ele é que me fez acreditar que
poderia ser bom para mim. Isso foi simplesmente horrível da
parte dele.

— O que você está fazendo?


— Exatamente o que parece.

— Articule para mim. São seis da manhã.

— Quinze para as nove. E estou jogando fora suas


roupas.

— Por quê? — Exigi, endireitando minhas costas em


alerta. Não tinha dinheiro para repor aquelas roupas, por mais
horríveis que fossem. Não conhecia pessoas que não tinham
seu dinheiro, valorizando cada pequena coisa que possuíam?

Ele não parou o que estava fazendo, continuando com o


mesmo movimento suave enquanto esvaziava o meu lado do
armário.

— Bem, porque fizemos uma aposta, e nessa aposta


prometeu que me deixaria comprar um guarda-roupa
totalmente novo, e como vai querer levar essas novas roupas
para casa, não terá espaço para estas. É uma pena, de
verdade, mas isso é a vida.

Eu sabia o que estava fazendo e não gostava disso. Ele


queria me ajudar a ter uma boa e adequada aparência para
que o povo de Fairhope me aceitasse.

Bem, apesar da minha amargura, eu não queria ser


aceita. Gostava de me destacar como uma ferida no polegar,
uma erva daninha em um jardim de rosas pitoresco, e lembrá-
los de que esta cidade não era tudo isso.

— Deixe minhas roupas como estão.


— Uma aposta é uma aposta.

— Vou honrar a aposta, mas ainda quero minhas roupas.

— Por quê?

— Porque não pode me mudar. Sou quem sou, e se não


gosta disso, você é bem-vindo para se juntar à população geral
de Fairhope e me ignorar.

Ou participe de uma guerra sexual na qual, discretamente,


me assedie sexualmente.

Essa também parecia ser a tendência.

— O problema é que não é, de fato, quem você é. — Girou


em minha direção, me dando um olhar severo. Seus olhos
podiam derreter calcinhas da mesma forma que Uri Geller81
entortava colheres de chá. — Você é a coisa mais próxima da
Virgem Maria que já beijei, mas anda por aí parecendo uma
devoradora de homens. Seu botão de autodestruição é grande,
brilhante e vermelho, e quero quebrá-lo. Perdeu ontem, e não
gosto de perdedores magoados. Agora levante sua bunda.
Precisamos começar cedo. Café da manhã e compras duty-
free82.

Se não fosse pelo fato de que ele estava mandando em


mim, poderia apreciar a veia dominadora de Cruz.
Momentaneamente brinquei com a ideia de recusá-lo e entrar

81-Tornou-se famoso nos anos 1970 ao se clamar paranormal em programas de televisão em que
realizava demonstrações de seus supostos poderes.
82-É uma loja que fica dentro de aeroportos internacionais ou em locais próximos a fronteiras, que

pode vender produtos com isenção de impostos.


em outra discussão, mas a verdade era que estava exausta de
lutar depois do dia que tive ontem.

A coisa do Rob realmente me preocupou, e o beijo com


Cruz não ajudou em nada. Como as franjas da quinta série,
nunca deveria ter acontecido, e não deixaria acontecer de novo.

Sabia que ele estava bêbado de antemão – podia sentir o


gosto do uísque em seus lábios – e percebi que era um erro
humano de ambas as partes. Droga, mas, fez alguns pontos
convincentes sobre por que deveríamos nos pegar.

— Tudo bem. Deixe-me ligar para Bear e ver se ele está


bem, e então iremos.

Cruz pareceu surpreso com minha atitude flexível. Seus


olhos me percorreram com desconfiança enquanto me movia
ao redor do quarto, como se soubesse que eu estava
planejando uma fuga.

Havia algo letal naqueles olhos azuis escuros e


mandíbula forte. Fiquei pensando se eu era a única pessoa que
notou isso nele. Que ele nem sempre era cavalheiresco e suave.

— Por que Bear? — Perguntou do nada quando saí do


banheiro, vestindo um par de shorts curtos e uma blusa de flor
de cerejeira que exibia minha barriga.

Engraçado. Mesmo Rob não tinha me perguntado isso.

— Oh, não sei. — Apliquei uma segunda camada de


batom na frente do pequeno espelho da porta de entrada. —
Acho que porque me apeguei a ele nos últimos sete anos ou
mais e gostaria de saber se ele dormiu bem, comeu esta
manhã, esse tipo de coisa.

Cruz encostou o ombro na parede, um tênis estiloso


apoiado na minha mala, me observando atentamente.

— Não. Por que escolheu esse nome?

— Prometa que não vai rir. — Realmente daria esta


informação? Nossas famílias estavam se fundindo – ele ouviria
coisas mais cedo ou mais tarde.

— Não posso, em sã consciência, prometer isso,


considerando as coisas que tendem a deixar sua boca sem
filtro.

— É justo. — Enfiei o batom na minha pequena bolsa de


pele falsa. — Eu o chamei de Bear em homenagem a Bear
Rinehart, vocalista do Needtobreathe.

— Aquele grupo de rock cristão?

— O único. — Esperei que o golpe viesse.

— Mas Bear não é o apelido do cara? Seu primeiro nome


é William ou algo assim.

— Bem, não sabia disso na época, sim? E não podia pagar


pelos livros de nomes chiques que as pessoas compram antes
de dar à luz e pensar em algo mais divertido, como Axel ou
Cosmo.
Observei-o, esperando que ele gargalhasse – me senti
burra após descobrir sobre isso por conta própria – mas, para
minha surpresa, ignorou a coisa toda, dirigindo-se à porta e
abrindo-a para mim.

— Bem? — Levantei minhas sobrancelhas. — É isso?

— Você me deu uma explicação para minha satisfação.


Sim. É isso.

— Acha que é um nome estranho?

— Não escolheria para meu próprio filho, não. Então,


novamente, não fui eu quem empurrou um humano de três
quilos para fora de um buraco íntimo em meu corpo após oito
horas de contrações e nove meses de azia, por isso não tenho
certeza se sou a melhor pessoa para perguntar.

— Boa resposta. E foram dez horas, não oito.

— Cristo. Não é de admirar que tenha se voltado para


Jesus.

Após ter ligado para Bear para ter certeza de que estava
bem (ele e Landon iriam para a pista de gelo mais tarde hoje),
subimos para o buffet de café da manhã. Cruz escolheu suco
de laranja espremido na hora com claras de ovo e algumas
frutas, enquanto eu tinha tudo o mais que o café da manhã
continental tinha a oferecer.

Não saí de férias desde o verão em que fiz quinze anos, e


agora que me resignei a não conseguir aproveitar a viagem com
meu filho, queria aproveitar essa ocasião antes de voltar para
casa.

Cruz não fez comentários sobre a quantidade de comida


que enfiava na boca a uma velocidade recorde do Guinness, e
tive a dignidade de não tentar explicar meu comportamento de
esquilo.

Quando, porém, cheguei com meu sétimo prato para a


refeição – minha sobremesa, um sorvete de chocolate – e
comecei a temperá-lo com sal, ele não aguentou mais.

— Você coloca sal no seu sorvete? — Deixou cair seu


jornal, me olhando.

— O salgado aumenta a doçura.

— Sua loucura aumenta sua gostosura.

— Cruz! — Repreendi. — O que bebeu? É fora do padrão


você não me odiar.

— Eu nunca te odiei, sua tola.

Havia algo de cauteloso e desprotegido na maneira como


me olhou. Algo tão completamente diferente do Cruz, mas optei
por ignorar porque... bem, porque eu era uma bagunça e não
sabia nada sobre os homens e não queria cometer erros.
Ele pode ser inofensivo, mas ainda não me fez sentir
segura.

De lá, mudamos para o shopping center, ou arena, ou o


que quer que fosse esse inferno. Com isenção de impostos ou
não, nenhum dos preços estava dentro da faixa que eu gostava
de pagar.

Deixe-me reformular – não gostava de pagar


absolutamente nada pelas atrocidades que chamava de
minhas roupas, fato que muitas vezes me levou a diferentes
brechós, onde aparentemente, muitas das roupas pertenciam
a mulheres de certa profissão ancestral. Não que não
conseguisse encontrar nada sensato. Havia cardigãs modestos
em grande quantidade para escolher, que tinha certeza que
costumava pertencer a vovós igualmente agradáveis do tipo da
Sra. Underwood, mas suponho que precisava escolher uma
opção de moda simplificada, e portanto, optei pelo tipo puta.

— Só quero que saiba que me sinto muito desconfortável


por assinar um cheque para pagar minhas coisas, — menti
descaradamente.

Cruz tinha dinheiro e vinha de uma casa de classe média


alta. Se havia uma coisa que não sentia por ele, era
desconforto.

— Só quero que saiba que eu não poderia me importar


menos. — Brincou.
Primeiro me arrastou para a Ann Taylor83, mas não
conseguiu me convencer a experimentar nada, com o
fundamento de que eu não queria parecer como se Margaret
Thatcher84 estivesse contando para a Inglaterra que estavam
entrando nas Malvinas. Cruz enfrentou os mesmos desafios na
Gap, onde as roupas eram significativamente mais jovens, mas
de alguma forma também mais leves.

— Vou parecer tão atraente quanto uma declaração de


imposto de renda, — engasguei-me.

— Bem, — insistiu Cruz, — de uma forma ou de outra,


você terminará o dia hoje parecendo minha adorável esposa
missionária.

As coisas mudaram para melhor quando entramos na


Anthropologie. Suas roupas pareciam ter muita cor e
arrogância, como o tipo de roupa que veríamos uma prole de
Hollywood usando em uma ida ao café para impressionar os
paparazzi.

Peguei três vestidos de verão na altura do tornozelo em


diferentes padrões e cortes, cada um deles mais caro do que
meu aluguel, e observei a cara de pau de Cruz enquanto
passava seu cartão de crédito para pagar por eles.

Presumi que ele poderia estar fazendo isso por ordem de


Wyatt, ou mesmo de Catherine Costello, para tentar me
transformar em algo digerível para consumo humano. Este dia

83-Loja de roupas.
84-Ex-primeira-ministra do Reino Unido.
inteiro me fez sentir extremamente irritada, mas ainda assim
continuei. Infelizmente, não tive nenhuma palavra a dizer
sobre isso, pois havia perdido uma aposta.

Então havia Trinity e a ira dos meus pais para pensar. E


o fato de Bear merecer uma mãe que não parecia exercer a
profissão mais antiga do mundo. Além disso, em particular,
poderia admitir que realmente gostei dos vestidos da
Anthropologie.

— Acho que estou começando a ter uma ideia do que


gosta, — disse Cruz quando saímos da loja, que, a propósito,
cheirava a um carro novo e o banheiro de luxo de alguém.

Ignorei sua observação. Já me sentia como Julia Roberts


em Pretty Woman85, sem que me falassem que estava à beira
da autodescoberta e da transformação interior.

Em seguida, fomos para o Free People, onde peguei


alguns pares de calças e algumas camisas e jaquetas casuais.
Então fomos a uma boutique boêmia, algo pequeno e não muito
caro, e Cruz esbanjou em dois pares de sandálias para mim –
ambas ortopédicas, mas surpreendentemente não horríveis – e
uma pequena bolsa que não parecia um esquilo tingido.

Não lhe agradeci nenhuma vez durante toda a viagem de


compras, com o cuidado de lembrá-lo de que a ideia foi dele,
não minha.

Finalmente, por volta das duas da tarde, quando estava

85-Filme de comédia romântica de 1990, no Brasil recebeu o nome de Uma linda mulher.
pronta para almoçar (mais como se corresse o risco de comer
meu próprio braço), ele parou na frente da Prada.

Empurrou o queixo para dentro. — Primeiro as damas.

— Você é louco? — Olhei para ele. — Não vou realmente


deixá-lo me comprar qualquer coisa de lá.

Sabia que tinha brincado sobre isso outro dia, mas


também brinquei sobre ter filhos de Benicio Del Toro, e com
certeza estava fechado para negócios.

— É uma outlet86.

— É ultrajante, — rebati. — Não me importa quanto


dinheiro alguém tenha, um lenço de quinhentos dólares é
exagero.

— Custos de qualidade.

— Diga isso aos meus sapatos Kmart. Eles têm me servido


bem por três anos e aumentando. Mesmo quando trabalho em
turnos duplos. — Fiquei surpresa que meus pés não bateram
em meu rosto por mentir.

— Como regra geral, tento não conversar com objetos


inanimados. Por que se importa? É meu dinheiro. Posso decidir
com o que quero gastá-lo.

— Por que iria querer gastá-lo com uma semiestranha de

86-Estabelecimento comercial ou conjunto de lojas cujas mercadorias são vendidas, diretamente ao


público, a preços reduzidos.
quem nem gosta?

— Essa semiestranha da qual nem gosto está prestes a se


tornar minha família. Além disso, sou uma merda para dar
gorjeta.

Estávamos bloqueando a entrada da Prada, mas tudo


bem, porque ninguém além de nós parecia irracional o
suficiente para entrar. Também havia um guarda na entrada.
Um flipping87 guarda. Fez-me querer vomitar. Eu nunca
entraria em uma loja onde algumas pessoas não se sentem
bem-vindas. Pessoas como minha mãe, ou como eu, para falar
a verdade.

— Ugh, não me lembre. — Empurrei meu nariz para ele,


inflexível em resistir. — Odiaria estar associada a você. Pode
arruinar minha reputação.

— Sua reputação está na merda, — lembrou-me


gentilmente.

— Sim, bem, talvez encontre sua técnica de beijo lá, já


que parece estar no mesmo destino. Que diabos foi aquilo
ontem?

Aversão clássica. Eu era um mestre da distração.

— Você gostou, — disse calmamente.

— Não gostei.

87-A personagem deveria ter dito “fucking”, que deixaria a frase como: um fodido guarda.
— Gostou, também.

Senhor, eu gostei. E não apenas tinha gostado, mas o fato


de que tinha sido doce e íntimo, e não sujo e carnal, tinha me
desarmado completamente. Eu ainda sentia minha pulsação
contra meus lábios. Ambos os pares.

Nota mental número cento e sessenta: Carregue. Aquele.


Vibrador.

Além disso, por que Cruz estava passando por todos os


lugares? Não tinha privacidade alguma neste lugar. Caso
precisasse, ah, não sei, me reaproximar da minha libido
adormecida e me tocar (do jeito “Drunk in Love” da Beyonce).

— Alimente-me, Dr. Costello. — Joguei meu cabelo


dramaticamente, adotando um sotaque inglês que roubei dos
Bridgertons. — Pois estou faminta e não quero mais debater
aquele beijo imprudente e fortuito.

— Por que parece que engoliu um dicionário Oxford?

Nós dois rimos, então balançamos a cabeça, nos forçando


a desviar o olhar.

Paramos em uma barraca de cachorro-quente e provamos


algumas de suas salsichas. Nenhuma insinuação voou no ar
durante a refeição rápida. Uma agradável surpresa, visto que
as piadas de Weiner88 obviamente não estavam abaixo de nós.

88-Salsicha em alemão e também é o sobrenome que os dois personagens fingem possuir quando são
um casal.
Fizemos mais compras depois, então nos retiramos para
o quarto, planejando tomar um banho, nos vestir para jantar
mais cedo e depois ir ao cassino. Eu nunca tinha ido a um
cassino antes, o que Cruz disse ser um crime.

Quando chegamos ao nosso quarto, a Sra. Warren estava


esperando por nós, sem Fred, parecendo muito presunçosa
enquanto tomava um gole de um coquetel colorido com
guarda-chuvas extras.

— Estive esperando por você. — Sorriu com o canudo. Ela


tinha uma semelhança incrível com Úrsula, a bruxa do mar da
Disney.

— Deixe-me adivinhar. Perdeu seus plugues anais e


pensou imediatamente em verificar se nós os roubamos, —
murmurei, agarrando minha bolsa mais perto do meu corpo
instintivamente.

A cabeça de Cruz torceu quando me lançou um olhar


cheio de diversão e assassinato.

Clap89.

Havia esquecido que tinha companhia e não deveria ser


rude como sempre.

— Anais o quê? — Ela levou a mão ao ouvido.

Balancei minha cabeça. — Esquece. Por que está aqui,


Sra. Warren, além do óbvio, para abençoar minha vida com

89-A personagem deveria ter dito “crap” que significa ”merda”.


mais momentos felizes e boas lembranças?

Paramos na nossa porta, que ela estava bloqueando.


Cruzou os braços sobre o amplo peito. Outro dia, quando
exigiu entrar em nosso quarto, enlouqueci. Enlouqueci porque
sabia que era exatamente o tipo de erro que eu poderia
cometer, então lembrei que as malas estavam, na verdade,
colocadas bem distantes uma da outra, mas também sabia
(sensatamente) que ninguém acreditaria que seria não
intencional se tivesse me enganado. Quando os adolescentes
podem tirar fotos da sua bunda... enquanto a belisca, sabe que
o mundo não é justo ou está do seu lado.

— Achei que deveria saber que todo mundo no navio sabe


que você tentou roubar minhas joias. Achei que seria um
serviço geral alertar as pessoas.

— OK. Vamos fingir que me importo. Agora vá embora.

— Mas você deve se preocupar.

Seus olhos mudaram de mim para Cruz, seu sorriso se


alargando.

Pluck90, ela é desagradável.

Eu não entendia o que inspirava algumas pessoas a


querer tanto magoar outras. Certamente, se não gostasse de
alguém tão profundamente, iria evitá-lo a qualquer custo e
esquecer sua existência. Tentar infligir dor a alguém só

90-A personagem deveria ter dito “fuck” que significa “porra”.


mostrava uma coisa – que era você quem estava sofrendo.

— Deve se preocupar, porque há alguém neste navio que


sabe quem um de vocês realmente é.

Meu coração caiu. Sério? Como era ser mãe adolescente,


há tantos anos, fora dos confins da minha pequena cidade.

— Isso mesmo, Dr. Espertinho. — Só que pela primeira


vez não fui eu o holofote da vergonha – ela estava olhando para
Cruz. — Aparentemente, um de seus colegas da faculdade de
medicina está aqui com a esposa. Ele sabe que você está aqui
com uma garota de programa, ou o que quer que essa mulher
seja para você. Não é sua esposa real. Não pense que somos
tão idiotas. Ninguém em sã consciência se casaria com esse
lixo de trailer.

— Insulte-a mais uma vez na minha cara e terei certeza


de que passará a noite sendo interrogada pela segurança assim
que denunciá-la. Você está nos assediando, e não tolerarei
isso. — Cruz pronunciou as palavras como balas, golpe após
golpe, gelado e equilibrado.

— Awn. Você se apegou, não é? É apenas um vale-refeição


para ela.

— Está no meu caminho, Sra. Warren. Mova-se ou terei


certeza de movê-la eu mesmo. Dica amigável: não serei legal.

Satisfeita por ter desferido um golpe e tanto, a Sra.


Warren disparou pelo corredor e em direção ao elevador.
Empurrei a porta, esperando Cruz entrar.
— Olha, é tudo fofoca de cruzeiro. E quais são as chances
desse estudante de medicina conhecer alguém em Fairhope
para quem pudesse contar isso? É um absurdo, — disse. — E
por que alguém se importaria?

Odiava ter que desculpar minha existência, mas tinha


que admitir que estava longe do reino das mulheres que
normalmente ficavam penduradas em seu braço. Eu não era
uma pequena morena com graduação em artes liberais em
estudos de gênero e gestão de dança. Embora tivesse um
vestido de trezentos dólares que parecia deliberadamente
amassado agora, então definitivamente estávamos chegando a
algum lugar mais perto.

Cruz parecia frio e indiferente enquanto se movia pelo


quarto. Eu entendi. Realmente. Até agora, tudo era diversão e
jogos. Adotamos um sobrenome falso – Weiner. Sob o disfarce
de um casal com uma vida sexual muito estranha.

Ninguém nos conhecia aqui, e nossas pequenas


travessuras não tinham sido nada além de diversão inofensiva.
Agora, a realidade estava se misturando com a bolha que
pensava ser inquebrável. Ele não estava acostumado a ser
menos do que perfeito, e eu estava limitando seu estilo, muito.
Isso serviu como um lembrete de que lá fora, no mundo real,
nossas vidas não podiam se entrelaçar. Elas se colidiriam para
sempre.

— Está tudo bem. — Cruz disse arrastado. — Pule para o


chuveiro.
— Eu mesma falarei com a Sra. Warren. Explicarei tudo.
— Segui-o ao redor do pequeno quarto, me desculpando de
repente.

Ele se virou para mim bruscamente. — Não se atreva.

— Por que não?

— Ela é uma pessoa mesquinha e egocêntrica, e não


quero que contribua para sua viagem de poder. Além disso,
você está certa. Pelo que sei, essa pessoa não conhece ninguém
em minha vida. Mantive contato apenas com alguns amigos e
tenho certeza de que nenhum deles está neste cruzeiro.

— E de qualquer maneira, — acrescentei


cooperativamente, minha alma morrendo por dentro, —
mesmo que seja alguém que o conheça – e daí? Nossas famílias
sabem que estamos juntos em um cruzeiro e sou eu quem é
acusada de ser uma ladra e uma prostituta. Você é apenas o
homem que a contragosto divide um quarto comigo.

— Verdade. — Cruz acariciou seu queixo, refletindo sobre


isso.

Uau. Surpreendentemente: ouch.

Ele realmente não queria que as pessoas em Fairhope


soubessem que tínhamos qualquer afiliação um com o outro.

— Mas veja. — Fiz um gesto para o quarto. — É


exatamente por isso que não deveríamos mais nos beijar. Você
tem vergonha de mim.
— Não tenho vergonha de você.

As suas palavras, porém, careciam do calor letal usual e


da sinceridade, e ele não entrou em detalhes. Desanimada,
entrei no chuveiro e saí vestindo um dos roupões de banho de
cortesia, enquanto entrava logo atrás de mim.

Vesti uma das roupas que ele comprou para mim durante
a nossa maratona de compras – um dramático vestido preto na
altura do joelho com um decote em coração e babados de cetim
na bainha – e sandálias de tiras em tons de camelo.

Em vez de deixar meu cabelo grande o suficiente para ser


reconhecido em Marte, optei por deixá-lo solto permitindo que
caísse em ondas naturais passando por minhas omoplatas. E,
no mesmo espírito de tentar aliviar as tensões, porque
realmente me sentia mal com toda a situação, optei por uma
maquiagem mínima, determinada a não o constranger como
companheira, chamando mais atenção do que já tinha feito.

Um pouco de blush, rímel e brilho labial. Sem sombra,


contorno e usando o bronzer como arma de destruição em
massa. Depois que terminei, olhei no espelho do corredor e mal
me reconheci. Eu parecia uma adulta. Uma bela adulta.
Alguém com um trabalho sensato. Na área de seguros ou
equipamentos médicos. Talvez até uma professora, mas de
alguma forma, mais jovem também.

Meus dedos vibraram sobre minha caixa torácica,


flutuando até meus lábios.
Eu parecia bonita. Sentia-me bem. E isso era perigoso. A
esperança era uma coisa muito perigosa.

— Você é, e sempre será, a garota mais bonita de


Fairhope, Carolina do Norte.

Soltei um pequeno suspiro de surpresa. As palavras me


fizeram virar.

Cruz estava de pé, as mãos enfiadas fundo nos bolsos da


frente, o ombro encostado no batente da porta, olhando para
mim com fome ousada.

Havia algo tão incrivelmente sexy nele, com seu cabelo


castanho escuro penteado para trás, seu bigode perfeitamente
bem cuidado e corpo esculpido em mármore. Usava uma
camisa social azul-marinho, jeans de grife e um par de
mocassins pontudos que faziam os homens parecerem ainda
mais ricos. Cheirava amadeirado e terroso e limpo, seu cheiro
se infiltrando em minhas narinas, mesmo do outro lado do
quarto.

Dei a ele um sorriso malicioso. — Não deixe que Gabriella


Holland ouça-o dizer isso.

Ou Fiona Sandford, ou Mariah Navarro, ou Alyssa


Williams.

Engraçado, como eu era a meretriz enquanto ele era o


único que dormia com metade da cidade. Dois pesos e duas
medidas e tudo.
Às vezes, realmente era uma pena ser mulher.

— Gabriella deve saber. É por isso que ela não gosta de


você.

Meu coração deu um salto violento. Será que acabou de


realinhar suas alianças e passar para o Time Nessy?

Improvável, mas uma garota pode sonhar.

— Está quebrando meu coração aqui, Cruz. Achei que ela


poderia ser minha melhor amiga.

— Você não tem amigos.

— Isso é porque sou um risco.

— É porque você é muito bonita, e nenhuma mulher em


sã consciência quer estar ao seu lado. Agora, posso te pagar o
jantar?

Virei meu cabelo, que parecia muito mais leve sem um


quilo de spray de cabelo.

— O jantar é grátis.

— Bebidas, então.

— Temos pacotes de bebidas à vontade.

Seu sorriso se alargou. — Então acho que seu único


incentivo para se juntar a mim é minha companhia.

— Não é muito, mas aceitarei.


Ser o assunto da cidade e ter má reputação era o que
chamei apenas de mais uma terça-feira, mas como Cruz estava
acostumado a ser a criança de ouro, fiz um esforço para ser
quem pensava que ele queria que eu fosse quando chegamos a
nossa mesa de jantar designada.

Minhas costas estavam retas, meu rosto sério e só ria


baixinho quando era apropriado. Estava decidida a não lhe
causar constrangimento pelo resto da viagem.

Mais porque queria ficar do lado bom da minha família


do que impressionar Cruz, embora deva ser dito, o fato de que
ele gastou cerca de dois mil dólares e sua atenção total em mim
hoje me fez gostar muito mais dele.

— Como está seu shima aji91? — Perguntou com firmeza,


me olhando.

Pequeno como diabos, queria responder.

Desta vez, fomos para o jantar exclusivo, não o tudo-o-


que-você-pode-comer ou a sala de jantar gratuita, e a comida

91-Peixe.
era em miniatura. Você encontraria mais num prato da Jerry
& Sons depois que o cliente acabasse.

— Excelente, obrigada. — Limpei os cantos da boca


desnecessariamente com um guardanapo. — E sua codorna
branca?

— Boa. — Deu-me uma olhada cínica, sabendo muito


bem que eu estava fingindo. — Quer compartilhar a variedade
de sobremesas?

Tentei imaginar o que uma garota como Gabriella


responderia a isso. Era disso que gostava, certo? Essa é a
companhia que ele escolheu de bom grado.

— Obrigada, mas não como açúcar depois das seis, —


murmurei.

— Você destruiu um pacote de Oreos na noite passada,


na cama. Então peguei você mastigando as migalhas esta
manhã.

Senti-me ficando rosa. — Estou tentando melhorar isso.


Eu tenho que cuidar da minha aparência.

— Sua aparência é perfeita.

— Isso é uma avaliação médica ou pessoal?

— É um maldito fato que gostaria que não fosse verdade,


porque isso tem me distraído desde meus anos no time de
futebol do colégio, quando você ia aos jogos de Rob. O que deu
em você?
Whoa. Whoa. Whoa.

Era muito para descarregar, mas ele entregou a farpa


com tanta facilidade, com um sorriso quase zombeteiro, que
me forcei a não abrir o assunto. Eu não podia me dar ao luxo
de discutir com ele publicamente e/ou beijá-lo. Não essa noite.

— Estou tentando não causar nenhum problema.

— Por ser a mulher mais chata do planeta Terra?

— Tentando agir como alguém com quem realmente seria


visto, — retruquei, meu nariz e olhos parecendo
insuportavelmente quentes de humilhação.

Eu não choraria, é claro, mas estava me sentindo


estranha por tentar pacificar um homem que não era meu pai
ou Bear. Ia contra minha religião ou algo assim.

Ele gemeu, acenando para nossa garçonete.

— Meu único problema com você é que gosta de se vestir


como o papel que pessoas da cidade lhe deram. O resto da sua
personalidade é divertida para mim. Posso lidar com loucura.
Falo o idioma fluentemente.

A garçonete se aproximou, abraçando uma bandeja preta


redonda contra o peito e olhando para Cruz como se ele fosse
seu sortimento de sobremesa.

— Pode, por favor, pegar para minha esposa aquele


coquetel de coco que ela gosta?
— Margarita de Natal invertida? — Sorriu.

— Com marshmallows extras, — murmurei baixinho.


Porque, droga, era bom. — E um uísque para o cavalheiro, por
favor. Eu não quero ficar bêbada sozinha.

— Alguma preferência?

Cruz deu a ela sua preferência – é claro que tinha uma –


e um momento depois, eu estava sugando a bebida doce e
alcoólica de um canudo.

— Sabe que pode abandonar o disfarce da história de


casados. As pessoas devem saber que não somos um casal de
verdade agora.

— Gosto de mantê-los adivinhando. — Ele me lançou um


olhar enigmático. — Eu tenho uma confissão a fazer.

— Isso me fará querer dar um soco na sua cara? —


Perguntei.

— Muito possivelmente.

— Então, por favor, espere até voltarmos para o quarto.


Estou tentando ao máximo não o envergonhar.

— Beba seu coquetel, Tennessee. Você é impossível


quando está sóbria e ansiosa para agradar.

— Por que me chama assim? — Obedientemente, chupei


meu canudo. — Tennessee. Para todos os outros, sou a Messy
Nessy.
Encolheu os ombros. — Eu não acho que seja tão
bagunceira. E, além disso, Nessy me lembra o monstro do lago
Ness, e francamente, acho que está dando a ele uma má
reputação.

Limpei o coquetel rapidamente e pedi outro com o sortido


de sobremesas, que aliás, aproveitei, não dando a Cruz a
menor oportunidade de sequer provar uma migalha.

— Para onde vai toda essa comida? — Cruz finalmente


perguntou, seus olhos arregalados e cheios de surpresa.

Dei um tapinha na minha barriga lisa. — Tenho um


metabolismo rápido.

Oops. Essa foi apenas outra maneira de dizer que faço


muito cocô, não é? Eu não estava tão cautelosa depois de dois
drinques em mim, mas me dei um passe livre porque ainda
estávamos tendo uma noite agradável.

— Lembro que costumava comer uma rosquinha todas as


manhãs, e dissecar os granulados um por um com o indicador
e o polegar e mordiscá-los lentamente no colégio.

Minha mãe costumava considerar uma ofensa pessoal eu


não engordar com esse hábito. Meu corpo flexível foi um
presente genético da parte de meu pai.

Trinity tinha puxado à minha mãe. Ambas estavam


sempre entrando e saindo das dietas. Vigilantes do Peso. Praia
do Sul. Cetogênica. Mediterrâneo. A dieta alimentar do bebê. A
dieta tampa-o-nariz-enquanto-come foi a pior. Elas fizeram
isso para não sentirem o cheiro da comida. Infelizmente,
também não conseguiam respirar, o que prejudicou seus
esforços para sobreviver.

De qualquer forma, e voltando ao nosso assunto, me


surpreendeu que Cruz tivesse prestado atenção em mim.
Cresci pensando que ele estava felizmente alheio à minha
existência como mais do que a namorada irritante de Rob. Se
mesmo isso.

Curvei uma sobrancelha. — Você parece se lembrar


muito sobre mim no colégio.

— Eu tenho uma boa memória.

— Ou tendências de perseguição.

— Ah, aí está ela. Suave como arame farpado e tão sutil.

— Estou começando a achar que está gostando disso. —


Estreitei meus olhos.

— Estou. Você está me causando problemas. Ninguém


nunca me dá problemas.

— Uma vida tão difícil. — Coloquei as costas da mão na


testa, como uma duquesa vitoriana indignada.

Ele se inclinou para frente, deixando os cotovelos cair


sobre a mesa. Um gesto tão pequeno, e ainda assim, me
encheu de alegria inesperada saber que até mesmo o Todo-
Poderoso Dr. Cruz Costello poderia usar alguns ajustes de
mesa.
— Então. O que quer que eu lhe ensine primeiro? —
Perguntou.

— Como fazer uma cidade inteira acreditar que é o


presente do Senhor quando é perfeitamente óbvio que é o Sr.
Na Média com um bigode fabuloso?

— Quero dizer no cassino.

Seu sorriso se alargou ainda mais, fazendo meus joelhos


se separarem involuntariamente sob a mesa. Lambi meus
lábios quando pensei sobre a sombra de cabelo loiro escuro
salpicado em seu peito.

Ontem na piscina foi a primeira vez desde os dezesseis


anos que quis escalar alguém como uma árvore. Minha
sexualidade esteve tão adormecida nos últimos anos que não
tinha percebido que ainda estava enterrada dentro de mim.

— Oh. Não sei. Acho que vou apenas para os caça-


níqueis.

Tradução: eu não tinha dinheiro para mais nada.

Ele balançou sua cabeça. — Vamos lá, Tennessee. Você é


mais ousada do que isso.

— Posso ser ousada, mas também estou falida.

— Eu pagarei a conta.

— Já fez o suficiente disso.

— Nem perto. A verdade é que quero me divertir neste


cruzeiro, e se isso significa gastar alguns dólares, então sou
totalmente a favor. Não é sobre você, Tennessee, é sobre mim.
Se realmente quer ser como Gabriella Holland, me deixe tratá-
la bem.

— Não quero ser como Gabriella Holland, — corrigi. — E


não quero sua caridade.

— Chama isso de caridade? — Bufou. — Querida, se não


gostasse de você, a deixaria no quarto e encontraria outra
pessoa para me manter entretido.

Esse foi um elogio muito sincero, se já tivesse sido


golpeada por um.

— Não espera que eu faça sexo com você, não é? —


Inclinei minha cabeça para o lado.

— Esperar? Não. Ter esperança? Sempre.

Refleti sobre isso.

É verdade que não deixei que os homens me tratassem


bem. Na verdade, não deixei que me tratassem. Os poucos
homens na cidade que queriam mais do que uma queda entre
os lençóis comigo e realmente passaram pelo esforço de me
cortejar foram recebidos com frieza.

Joguei as flores de Tim Trapp no lixo bem na frente de


seus olhos, doei os presentes que Roy McCarthy me mandou
para instituições de caridade, e recusei categoricamente um
trabalho com Eamon Levy como secretária em sua oficina,
embora tivesse grandes benefícios e seguro, porque sabia que
ele me convidaria para sair.

Talvez, porém, essa fosse a solução perfeita. Brincar de


faz de conta com um homem que nunca poderia ter na vida
real. Para me curar e praticar um pouco nesta pequena
aventura.

— Tudo bem. Ensine-me seus caminhos, Mestre Costello.

— Senhorita Turner, pensei que nunca perguntaria.

Algumas coisas que imediatamente se destacaram para


mim na primeira vez que entrei em um cassino.

Comecemos pelo princípio – este não era um lugar para


pessoas que sofriam de epilepsia.

As cores brilhantes, as luzes ofuscantes, os constantes


ding-ding-ding ecoando em seus ouvidos e os arredores escuros
faziam o lugar parecer o que poderia ter acontecido com Alice,
se tivesse entrado no País das Maravilhas sob a influência de
LSD e muitas doses de tequila.

Parecia a versão adulta de um fliperama, só que viscoso


em vez de divertido. Com garçonetes vestidas com uniformes
que faziam minha roupa do Jerry & Sons parecer que pertencia
a um convento, flutuando entre as mesas e distribuindo
bebidas para homens e mulheres suados.

Cruz estava certo ao dizer que as máquinas caça-níqueis


provavelmente eram uma escolha ruim. As únicas pessoas que
as ocupavam tinham setenta e cinco anos ou mais, e parecia
que tinha que confiar apenas na sorte, que eu sabia que era
algo do qual não era dotada.

Além disso, obter o controle de uma situação – ou pelo


menos ter a ilusão de ter controle – era importante para mim.

Meus olhos imediatamente se voltaram para as mesas de


blackjack92 e a roleta. Havia algo absolutamente sinistro neles.
Alguma força magnética que fazia as pessoas parecerem mais
alertas e nervosas quando os dealers93 colocavam as cartas
nas mesas.

Senti o braço de Cruz roçar no meu e um arrepio


percorreu meu corpo novamente. Tinha que ser cuidadosa.
Minhas inibições em torno dele já estavam soltas. Ele ficou ao
meu lado, olhando na direção em que minha cabeça estava
virada.

— Acho que gostará do blackjack.

— Por quê? — Perguntei.

— Regras relaxadas, vantagem da casa baixa e ritmo

92-Também conhecido como vinte-e-um.


93-É
o responsável após o sorteio que se encarregará de embaralhar as cartas e distribuí-las aos
demais jogadores.
acelerado. Você é o tipo de garota que vai direto ao assunto.
Vai gostar.

— Não sei jogar.

— É para isso que estou aqui.

Ele enlaçou meu braço no dele e me puxou para frente,


em direção a uma das mesas de veludo verde com as cartas e
as fichas. O crupiê nos deu um sorriso rápido enquanto
distribuía as cartas aos jogadores, e segui as mãos de todos
cuidadosamente enquanto os lábios de Cruz tocavam minha
orelha com ternura.

O desejo rasgou minha pele, veias e ossos. De repente,


tudo que eu queria fazer era pressionar meu corpo contra o
dele e bebê-lo como um bom champanhe. Ele estava acordando
o vulcão novamente.

— Aqui está o detalhe. Cada jogador quer vencer o crupiê,


o que significa que não joga um contra o outro, joga contra
aquele cavalheiro ali. A maneira de fazer isso é obtendo uma
contagem o mais próximo possível de vinte e um, sem
realmente passar do número.

Meus mamilos enrugaram-se ao ouvir sua voz rouca, mas


estava totalmente desinteressada no jogo e totalmente
investida em sentir mais de seu corpo pressionado contra o
meu. Os breves beijos de ontem me deixaram sem fôlego e
agora, meio bêbada e com tesão, queria Cruz Costello inteiro.

— É sua escolha se seu ás valerá um ou onze. As cartas


com figuras valem dez e qualquer outra carta tem o mesmo
valor do naipe. Até agora tudo bem?

— Sim.

Não registrei nada do que ele acabou de dizer. Algo sobre


um cafetão94. A única coisa que me afetou foi a maneira como
cheirava, a maneira como seus lábios se moviam sobre a
minha orelha e seu braço pesado contra o meu.

Cruz passou a explicar sobre as apostas, embaralhar e


cortar, o acordo, divisão de pares, dobrar para baixo e os
naturais.

Bloqueei com sucesso cada pedacinho de informação com


meu cérebro de pedaço de rocha, em vez de me concentrar no
ritmo da minha respiração enquanto me perguntava o que
aconteceria se me esfregasse contra ele.

Nota para mim mesma: não beba e pense. Você não é boa
nisso.

Cruz jogou algumas rodadas, recitando pacientemente


todas as coisas que me explicou sobre o vinte-e-um, embora
pudesse dizer que isso incomodava os homens ao nosso redor
e divertia as mulheres em seus braços.

Balancei a cabeça com veemência, sinalizando para as


garçonetes por mais e mais coquetéis sempre que ele desviava
o olhar. Eu nunca tinha ficado bêbada publicamente. Na

94-Eminglês naipe (de cartas) é “pip” e cafetão é “pimp”, a personagem faz uma confusão com a
pronuncia.
verdade, muito raramente tomava mais do que alguns copos,
sozinha.

Engravidei antes de ter o prazer de ficar bêbada, e ficar


bêbada depois de dar à luz um filho parecia imprudente, se
não completamente impossível. Mesmo se quisesse, não estava
mais frequentando o ensino médio, e, portanto, não saía com
meus ex-colegas de classe. Beber sozinha durante a
amamentação? Nem mesmo no meu pior dia. Isso significava
que agora, com a idade de vinte e nove anos, finalmente estava
verificando a minha lista de desejos e ficando completamente
bêbada.

Cruz não sabia o quanto eu bebia. Ele estava muito


concentrado em seu jogo e em explicar o jogo para mim. Além
disso, fiz um ótimo trabalho segurando minha bebida debaixo
da mesa e sendo furtiva com meu canudo. Em suma, ainda
ostentava a idade mental de um pré-adolescente.

Incrível.

Quando foi minha vez de jogar, provei ser talentosa em


mais do que apenas ser uma criminosa da moda e uma
péssima garçonete, e perdi para ele trezentos dólares em três
jogos consecutivos.

Foi rápido e indolor, visto que eu não tinha ideia do que


estava fazendo, e lenta para reagir quando o crupiê me
explicou meus próximos movimentos, mas Cruz tinha uma
cara de pôquer notável e parecia casualmente divertido, ao
contrário de assassino e chateado.
— Quer tentar de novo?

Inclinou-se muito perto de mim para que não me


aproveitasse e farejasse seu peito. Seu pescoço tinha um cheiro
incrível. Fiquei momentaneamente cega de raiva quando
pensei em como Gabriella deve ter desfrutado de toda essa
benevolência masculina na cama por meses e meses.

— Você é louco? — Solucei. — Eu sou um desastre


nacional.

— Eu não iria tão longe. Perigo estadual, talvez. E ainda


está aprendendo.

— Às suas custas.

— Como eu disse, isso é problema meu, não seu.

— E que lindo problema para se ter nas mãos, hein, Dr.


Costello? — A voz de um homem veio de trás do meu ombro.

Virei-me para encarar um homem corpulento, musculoso


como o Robocop, com cabelo grisalho aparado e uma camisa
de botão que ameaçava estourar. Cheirava a colônia o
suficiente para afogar um castor, e ao seu lado estava uma
mulher com cabelo loiro descolorido e um vestido vermelho que
destacava todos os seus atributos aprimorados.

Seus mamilos estavam tão proeminentes através de suas


roupas que me perguntei se era algum tipo de declaração de
moda. Quer dizer, o local tinha ar-condicionado, mas não era
tão frio. De repente, me vi naquela mulher. As roupas mínimas.
A sexualidade cara a cara. Era tudo uma fachada e me deixou
desconfortável.

— Dr. Wootton. Faz algum tempo.

Os dois homens apertaram as mãos. Podia-se cortar a


tensão no ar com uma faca de manteiga.

Duas coisas eu sabia com certeza – Dr. Wootton era o


colega a quem a Sra. Warren havia se referido, a pessoa que
reconheceu Cruz, e que esses dois homens não se davam bem.

— Esta é minha esposa Jocelyn.

— O prazer é meu. — Jocelyn estendeu a mão para Cruz


para que ele a beijasse.

Ele obedientemente o fez, o cavalheiro detestável que era.

— Querida, este é o Dr. Costello, o cara de quem falei


ontem depois que Ramona nos contou sobre o... incidente.

Aqui vamos nós.

— Este é Dalton. — Cruz ignorou a introdução morna do


Dr. Wootton, colocando a mão no meu ombro. — Estudamos
medicina juntos. Dalton, Jocelyn, este é meu lindo encontro
para a noite, Tennessee.

— Ah, encontro. É assim que chamam hoje em dia? — Dr.


Wootton gargalhou.

— O que mais chamaria de tomar uma bebida com uma


amiga da cidade? — Cruz perguntou indiferente.
— Ramona disse...

— Ramona está procurando uma manchete, — disse


Cruz. — Sério, Dalton. Achei que a fofoca estava abaixo de
você. Não estamos mais no jardim de infância.

Jocelyn sugeriu que tomássemos um drinque juntos, e


ambos os homens eram educados demais para dizer que era
uma ideia terrível, então aqui estávamos nós, tomando
drinques.

Não havia lugares vazios no bar, então optamos por uma


mesa redonda com quatro bancos ao lado das mesas de roleta.
Pessoalmente, achei que os mamilos de Jocelyn mereciam um
banquinho só deles. Eram reforçados também?

Sentei-me em frente a ela e Cruz estava na frente de


Dalton.

Achei que não era uma boa hora para confessar a Cruz
que eu tinha bebido mais três drinques que ele não sabia
enquanto jogava vinte-e-um, e que estava me intrometendo na
fila do bêbado como um gambá.

Jocelyn não conseguia parar de despir Cruz com seu


olhar enquanto Dalton seriamente me devorava com os olhos.

Eram swingers95? Sem julgamento aqui, mas de jeito


nenhum eu participaria desse tipo de coisa com esse casal com

95-Casais
que mantêm relações sexuais com outros casais ou pessoas solteiras na companhia e com o
consentimento do parceiro.
poderosos mamilos brandindo.

Decidi pedir o mesmo vinho que Jocelyn bebia, enquanto


os homens optaram pelo uísque. Ocorreu-me que
provavelmente deveria parar de beber, mas esta foi minha
primeira experiência real com o álcool. Patético, considerando
que tinha quase trinta anos, mas também era verdade. E essa
era a viagem de novas experiências, aparentemente.

— Onde está trabalhando atualmente? — Cruz perguntou


a Dalton, obviamente tentando conduzir a conversa para um
território mais seguro.

— Sou um cirurgião plástico em Greenville. Na Clínica de


Cirurgia Plástica e Reconstrutiva Green View.

Isso poderia explicar por que sua esposa tinha plástico


suficiente para moldar uma lata de lixo industrial.

— Agradável. É isso que estava procurando.

— E você? Soube que acabou pegando o emprego do seu


velho, afinal? — Dalton tirou um cubo de gelo de seu copo de
uísque em sua boca, esmagando-o com os dentes. — Pensei
que tinha dúvidas sobre isso?

Cruz endureceu ao meu lado. O sorriso bem-humorado


ainda brincava em seus lábios, mas poderia dizer que algo
havia mudado dentro dele.

— Fiquei em cima do muro por meio minuto. No final das


contas, gosto de Fairhope.
Dalton tomou um gole de seu uísque. “The Gambler” de
Kenny Rogers estava tocando ao fundo.

— Pensei que tinha dito que isso lhe dava muitas


memórias sombrias.

Eu não pude evitar, mas soltei uma risadinha nada


feminina.

— Memórias sombrias? — Ecoei. — Cruz foi, e sempre


será, a luz norteadora de Fairhope. Acho que sua única
memória desagradável é o nascimento, e isso só porque foi
nesse momento que as pessoas começaram a bajulá-lo vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana, e se cansou de ser
admirado.

Dalton voltou seu olhar para mim, vendo isso como um


convite direto para responder aos meus seios.

— Foi o que ouvi também, mas ele disse algo sobre uma
ex e algumas coisas que deram errado. A última vez que
conversei com nosso garoto aqui, disse que estava procurando
um estágio em Charlottesville. Isso foi antes de nos formarmos.

— Ex? — Chicoteei minha cabeça em direção a Cruz,


franzindo a testa. — Que ex?

Cruz tinha brincado com algumas garotas populares no


colégio, mas era muito inteligente, muito intocável para se
estabelecer com uma delas. E, além disso, as pessoas em
nossa escola tinham essa mentalidade de cidade pequena que
garantia quase zero drama onde rompimentos estavam
envolvidos – as opções de namoro eram muito pequenas para
se sentir estranho em namorar o ex de um amigo... ou amigo
de um ex...

Na verdade, eu tinha certeza de que a minha e a de Rob


era a única história complicada de Fairhope High durante seu
ano de formatura. Além disso, em uma nota lateral – por que
todos estavam embaçados? E como minhas pernas pareciam
pesadas demais para mover, mas também quentes e
agradáveis? Era assim que estar bêbado era? Não admira que
os alcoólatras sejam pessoas mal-humoradas.

E também faziam muito isso. Rio uma vez.

Cruz chutou meu tornozelo por baixo da mesa,


sinalizando para que eu calasse a boca.

— Você não conhece toda a minha história de vida,


Turner.

— Eu sei que você não tinha uma namorada bagunçada


em casa ou memórias sombrias, — rebati, salpicando minha
declaração com um soluço.

Dalton e Jocelyn olharam entre nós, sorrindo.

— Quem quer algumas doses? — Jocelyn ronronou.

— Eu não, — estava prestes a dizer, quando Cruz disse


— Ótima ideia.

Oh, garoto.
Ele ficaria tão chateado quando eu acabasse vomitando
nos mamilos pontudos da esposa de seu amigo.

Uma rodada de tequila chegou e todos nós esvaziamos o


conteúdo de nossos copos. Dalton e Cruz mudaram para a
cerveja e começaram a falar sobre futebol, enquanto Jocelyn
pedia um pouco de espumante para “nós meninas”.

— Então. — Jocelyn me deu uma olhada lenta. — O que


fez?

Dizer a ela que não fiz nada parecia indelicado e


arrogante, mesmo que fosse verdade. Apontei para meu
queixo, nariz e mais algumas áreas do meu corpo.

— Em todo lugar, praticamente. A única coisa real sobre


mim é meu coração. E me disseram que não é o melhor. E
você?

O ombro trêmulo de Cruz, pressionado contra o meu, me


disse que ele me ouviu e ficou muito divertido com a minha
resposta.

Minhas paredes estavam caindo, rápido e forte, e estava


ficando cada vez mais apaixonada pela ideia de brincar com
Cruz Costello. Com roupas.

Porque, pensando bem, era o crime perfeito. Ele não


queria que uma palavra vazasse. Eu não queria que uma
palavra vazasse. Estava me sentindo brincalhona. Ele era...
um homem.
E ambos sabíamos que este cruzeiro tinha uma data de
término, e nenhum de nós tinha qualquer ideia de continuar
além daqui e agora. Além disso, aprendi minha lição uma
década e meia atrás. Não o deixaria ir até o fim. Eu não
engravidaria de novo.

Então, qual era o problema?

Cruz era um cavalheiro. Ele nunca ficaria se gabando.

Taticamente, tirei meu pé da sandália e usei meu dedão


para escovar a parte interna de sua panturrilha
sugestivamente sob a mesa enquanto acenava para algo que
Jocelyn disse.

— …Redução da linha do queixo, mas lhe disse “Baby,


enquanto está aí, faça um contorno no meu nariz, está bem?”
Claro, não pensei que ele realmente faria isso...

Enquanto isso, Cruz assentiu e tomou um gole de cerveja,


ignorando meu avanço disfarçado. Felizmente, eu estava
bêbada demais para entender como uma ofensa, ou uma dica.

Talvez estivesse sendo muito sutil. Não havia como ele


não estar no jogo. A maneira como me beijou ontem
praticamente cimentou a atração que existia. Além disso, ele
admitiu que eu era uma gostosa na piscina.

Deslizei minha mão por baixo da mesa e a coloquei em


seu joelho. Droga, suas coxas eram duras como uma estátua.

— …Chris Wade conseguiu 1.794 jardas recebendo, não


tem que ser agressivo quando estiver correndo abertamente, —
Dalton explicou a Cruz calorosamente, enquanto sua esposa
continuou falando, — …a criação de covinhas será meu
próximo procedimento. Acho que pedirei um no nosso
aniversário. Sete anos de casamento contam como um grande
aniversário, certo?

Quando Cruz ainda não entendeu, arrastei minha mão


até seu joelho, meu dedo mínimo roçando sua coxa. Esperava
que o resto dele estivesse tão duro quanto sua perna. Arrisquei
um olhar para ele.

Estava carrancudo para algo que Dalton disse e


acrescentou: — Eles também têm uma das piores unidades de
proteção contra passes da NFL, então isso não quer dizer
muito.

Meu dedo mindinho quase atingiu sua virilha, e


finalmente – finalmente – a mão esquerda de Cruz serpenteou
por baixo da mesa também. Em vez de parar minha mão,
colocou a dele diretamente na borda do meu vestido, onde o
tecido tocava minha pele.

Um tiro de prazer percorreu minha espinha com o contato


em minha carne sensível. Pressionou um cubo de gelo na parte
interna do meu joelho.

Uau.

— Dois podem jogar este jogo, — murmurou baixinho,


fingindo estar absorto no bate-papo de Dalton sobre futebol.
— O jogo começou, — disse através de um sorriso fechado
direcionado a Jocelyn, que agora estava considerando remover
o excesso de pele labial de sua vagina depois que ela e Dalton
tivessem seu terceiro e último filho, que estavam planejando
para o próximo ano.

Eu sabia muito sobre suas vidas sexuais. E o formato de


seus mamilos.

— …Poderia ser uma cortina de fumaça para Roberts,


mas se ele fizer este movimento, acho que estaremos em boa
forma. — Cruz continuou conversando com Dalton, enquanto
sua mão subia pela minha coxa com o cubo de gelo, que estava
literalmente derretendo contra minha pele escaldante.

Meu dedo mindinho escovou seu pacote em sua calça


jeans. Ele estava duro, totalmente carregado e pronto para ir.
Agora, se pudesse descobrir o quão longe eu queria levar isso.

— Melhor ficar parado do que negociar. — Cruz


respondeu a algo que Dalton disse quando seu pau empurrou
meu dedo mindinho.

Ele fingiu se reorganizar em seu assento enquanto dava


um pequeno impulso de quadril ao meu toque.

Caramba, nossa.

Isso estava acontecendo.

O cubo de gelo continuou sua jornada entre minhas


pernas, quase descansando na minha calcinha. Soltei um
gemido suave. Foi um toque tão gentil, não para mover minha
calcinha de lado e me provocar pressionando contra o tecido.
Mudando de assunto (relacionado), nunca mais faria contato
visual com esse homem.

— Tennessee? Está comigo? — Jocelyn estalou os dedos


na frente do meu rosto.

Santa fug96, e agora? — Huh? — Queria saber se eu


precisava de um pouco de sua pele labial extra para aumentar
minha bunda?

— Perguntei se conhece a ex misteriosa que fez Cruz


renunciar Fairhope enquanto estava na faculdade de
medicina.

— Uhm. — Limpei minha garganta, mudando na minha


cadeira para ganhar mais fricção contra o meu clitóris. — Não
consigo me lembrar. Ele alguma vez a descreveu?

— Eu não sei. Querido, descreveu? — Jocelyn deu uma


cotovelada em seu marido.

Os olhos de Dalton foram direto para minhas garotas –


juro, o cara era um desprezível de primeira série – e deu de
ombros.

— Não me lembro, foi há muito tempo. E Cruz e eu nos


movemos em círculos diferentes, mas deixe-me ver...

Cruz deslizou o que restou do cubo de gelo pela lateral da

96-A personagem deveria ter dito “fuck” e a frase seria “santa merda”.
minha calcinha, deixando-o derreter contra a minha fenda, e
caramba...

— Loira, acho que disse. Olhos castanhos? Não. Não.


Avelã. Pernas longas. Disse que era um ser humano horrível.
Tato zero quando se tratava de assuntos do coração. Ela tinha
um nome estranho, — recitou Dalton. — Lessy? Noriana?

Espere um minuto…

Cruz escolheu aquele momento para jogar minha mão


longe de sua virilha, se levantar e terminar o resto de sua
cerveja.

— Tudo bem, amigo, foi bom ver você. Pagarei a conta no


bar. Envie lembranças a Joyce.

— Ela está bem aqui, — Dalton hesitou. — E os seus…

— Sim. Claro que está. — Cruz começou a me puxar para


fora do meu banquinho, nem mesmo se preocupando em ouvir
o resto. — Prazer em conhecê-la, Joyce. Você é totalmente
inesquecível.

Infelizmente, estava bêbada e apreciando a sensação da


ponta de um cubo de gelo provocando meu clitóris, o que
resultou em meus pés tropeçando como um cervo bebê, rindo
incontrolavelmente.

— Venha, querida, vamos embora.

Cruz agarrou minha mão e praticamente correu pelo


cassino em direção à saída, jogando um maço de dinheiro no
barman ao sair.

Tentei acompanhá-lo, ofegante. Muitas coisas passaram


pela minha cabeça, mas o problema mais urgente era...

— Por que diabos disse a seus amigos na faculdade de


medicina que éramos um casal?

Foi a mim que ele descreveu. Eu sabia.

E pensei que Dalton e Jocelyn sabiam disso também,


porque ficavam olhando para mim como um quebra-cabeça
que tinham que montar. A mulher por trás do enigma.

Não era sobre eles serem swingers. Bem, talvez nem tudo
sobre serem swingers – olharam para mim tentando conectar
pontos, não nossos genitais.

Talvez ambos? Pluck97 não. E tinha acabado de me


atingir.

— Eu não sei do que está falando, mas esteve me


provocando a noite toda e é hora de fazer algo sobre isso. Onde
estão os elevadores? — Cruz murmurou. Estava aceso como
uma vela romana, olhando para a esquerda e para a direita
freneticamente enquanto segurava minha mão como se eu
tivesse planos imediatos de desaparecer.

Passamos por Brendan e um grupo de caras de meia-


idade que gargalharam a caminho do cassino em um uniforme

97-A personagem deveria ter dito “fuck no” que pode significar “porra nenhuma” ou “claro que não”.
de camisas havaianas e barrigas de cerveja.

— Vejam só. Hoje são pombinhos. — Brendan assobiou


enquanto passava por nós. — Amanhã, quem sabe?

— Fui eu quem Dalton descreveu. O que diabos foi isso?


— Segui atrás de Cruz, tentando acompanhar.

— Você não é a única loira em Fairhope.

— Olhos cor de avelã? Nome estranho? Personalidade


questionável?

— Eu quis dizer Taylor Cunningham.

— Taylor não é um nome estranho.

Ela também não era loira e tinha um temperamento


perfeitamente agradável, mas dei a ele o benefício da dúvida,
já que o cabelo dela era claro.

— Acha? — Ele fez uma curva acentuada para a direita,


depois de tentar encontrar os elevadores à sua esquerda. —
Acho que é o nome de um cara. Costumava ser, de qualquer
maneira. É tudo gênero fluido nos dias de hoje.

Eu queria que ele parasse.

Queria falar sobre o que isso significava, mas... eu o


queria mais na minha calcinha, então coloquei um alfinete na
conversa.

— Onde estão os malditos elevadores? — Cruz fervilhava.


Foi a primeira vez que o vi, mesmo remotamente
perturbado, querendo algo em vez de ter isso automaticamente
dado a ele, e me deu muito orgulho e alegria saber que fui eu
quem o fez daquele jeito.

— Não tenho certeza, mas há uma sala de manutenção a


cerca de trinta metros de nós.

— Bom o bastante. — Ele fez um caminho mais curto em


direção à porta. — Não posso arriscar que mude de ideia sobre
mim novamente. Sem tempo.

Um segundo depois, estávamos amontoados na sala de


manutenção. Estava aninhado em um canto do convés, sem
ser visto por outras pessoas, cheio até a borda com sacolas de
ferramentas, vassouras, uma escada, rolos de papel higiênico
e produtos de limpeza.

Cruz trancou a porta atrás de nós e me prendeu contra


ela, seus braços descansando em cada lado dos meus ombros
enquanto olhava para mim. Sua respiração deslizou pelo meu
rosto, doce e alcoólica, atingindo todos os meus sistemas, me
dando arrepios.

— Eu...

Comecei a dizer algo para preencher o silêncio


insuportável e cheio de tensão, mas sua boca esmagou a
minha com força antes que eu pudesse respirar.

— Não, Turner. Você não se atreverá a sair desta.


Esse beijo foi muito diferente do de ontem. Para dizer o
mínimo, Cruz Costello tentou quebrar e puxou todos os
obstáculos.

Foi animalesco, cru e contundente. Uma resposta ao


convite que fiz a ele mais cedo naquela noite, quando meu dedo
mindinho roçou os botões de sua calça jeans.

Minha cabeça girou com uma necessidade crua e


inebriante.

Ele me empurrou contra a porta de madeira, agarrando a


parte de trás das minhas coxas e envolvendo minhas pernas
em volta de sua cintura estreita, como nos filmes. Um cabo de
vassoura caiu ao nosso lado, fazendo uma fileira de produtos
de limpeza em uma prateleira chover no chão.

Nenhum de nós parecia se importar com a névoa de álcool


e hormônios.

Ele assobiou em minha boca quando abri para ele, minha


língua dançando com a dele. Tinha um gosto tão bom, tão
masculino, e queria mais. Queria tudo dele. Não conseguia
lembrar por que o odiei.

Enfiei meus dedos em seu cabelo, puxando-o para mim,


torcendo minha cabeça aqui e ali, para beijá-lo de diferentes
ângulos, mais profundo, mais rápido, com mais paixão.

Nós nos beijamos como adolescentes. Gemendo,


puxando, mordendo e suspirando. Como se o mundo estivesse
prestes a acabar e tivéssemos que nos satisfazer antes do fim.
Mesmo quando fechei os olhos, seu bigode me lembrou de que
era Cruz Costello que eu estava beijando, e me deixou tão
molhada que tinha certeza de que o esfregão do cômodo que
estávamos ocupando seria bem utilizado no momento em que
terminássemos.

— Tennessee Lilybeth Turner. — Meu nome saiu de seus


lábios em espanto, como se não pudesse acreditar no que
estávamos fazendo. — A garota mais linda viva.

Ok, isso foi um exagero, mas não discutiria.

Ele abaixou a cabeça ao mesmo tempo em que empurrava


meus seios através do vestido, beijando-os através do tecido.
Era ainda mais erótico do que vê-lo tirá-los e ir com tudo.
Porque havia antecipação nisso.

Observei-o trabalhando, lambendo, sugando meus


mamilos inchados e sensíveis. Ansiavam por mais e menos e
por eu-não-tinha-certeza-do-que-mais. Ele raspou os dentes
sobre eles, esfregando-os de uma maneira que parecia tão
deliciosa, tão boa, que pensei que fosse explodir.

— Qual é o protocolo sobre mulheres atingindo o clímax


rápido demais hoje em dia? — Murmurei, me esquecendo de
esconder minha embriaguez, minhas mãos por toda a sua
bunda firme.

Felizmente, Cruz estava muito ocupado não gozando para


notar. Ele parecia o tipo de nobre incômodo que pararia o que
quer que estivéssemos fazendo se soubesse como eu estava
bêbada.

Eu. Precisava. Disso.

Ele caiu de joelhos a minha frente, suas mãos grandes e


fortes agarrando minha cintura enquanto beijava seu caminho
pelo meu corpo, passando pela minha barriga, umbigo e
continuando para o sul.

— Ainda não percebeu? — Murmurou no tecido do meu


vestido. — Você pode fazer o que quiser e ainda assim ser de
ouro aos meus olhos.

Uau. Isso tinha que ser de longe a coisa mais sexy que
alguém já me disse.

O que, claro, não significava muito, visto que o segundo


colocado era: — Ei, baby, quer me mostrar os peitos?

Deixei Cruz jogar uma das minhas pernas por cima do


ombro, empurrar minha calcinha para o lado e puxar uma
inspiração generosa, longa e profunda.

Lá.

Nunca recebi ou retribuí quando se tratava de sexo oral,


nunca fui tão longe em meu repertório sexual, embora tivesse
assistido pornografia o suficiente para saber os detalhes
técnicos disso.

Embora tivesse que admitir, achei muito menos


embaraçoso quando um estranho, com cara de pixel, num site
pornô de vídeo caseiro, estava lambendo partes de sua
senhora, enquanto gemia em um idioma que tinha certeza que
pertencia ao The Sims, do que na vida real.

— Uhm. Oh. Kay. — Rio.

Ele parou, prestes a se afastar de mim, sem dúvida para


perguntar se eu estava bem com o que estava acontecendo.
Estava, não apenas estava bem, mas também estava
morbidamente curiosa. Puxei-o de volta para o meu centro,
enterrando seu lindo rosto entre minhas coxas.

— Como é que gosta? — Ele esfregou o nariz em mim.


Tipo, diretamente naquela minha parte.

Havia um menu?

— Surpreenda-me.

Ele usou seus polegares para me abrir, então me lambeu


da minha bunda até o meu clitóris. Soltei um suspiro feliz,
segurando sua cabeça e me certificando de que não fosse a
lugar nenhum.

Observei atentamente quando começou a me lamber lá,


aproveitando cada gota da minha excitação, fazendo barulhos
à medida que usava meu desejo para cobrir meu clitóris e
chupá-lo.

Foi quando comecei a suspeitar que desmaiaria. O prazer


era tão intenso, tão intensificado, todos os músculos do meu
corpo se contraíram na expectativa do que estava por vir
(desculpe o trocadilho).
— Você é tão apertada. — Cruz usou seu dedo indicador
e médio para me penetrar enquanto trabalhava em meu
clitóris.

Bem, sou praticamente virgem, se desconsiderar o dia em


que Bear foi concebido!

Felizmente, embora estivesse bêbada, ainda tinha alguns


filtros verbais básicos no lugar. Meu orgasmo foi diferente de
todos os que me dei. Eu sabia disso antes mesmo de me
atingir.

Primeiro, porque não conseguia controlar meus membros


de jeito nenhum. Basicamente, se tornaram aquela coisa que
acontece com o Frappuccino98 depois que o deixa ao sol por
metade do dia.

Segundo, porque me arqueei e flexionei como se estivesse


pronta para lançar a mim mesma em outro continente.

Terceiro, porque a onda de arrepios passando por mim


me afogou para o mundo exterior, e por um momento, era
apenas eu, navegando em uma nuvem.

O melhor. Clímax. De todos.

A nuvem se dissipou debaixo de mim e me trouxe de volta


ao planeta Terra quando o cheiro almiscarado do meu sexo
invadiu meus lábios enquanto Cruz me beijava, atrapalhando-
se com seu cinto para libertar seu pau. Foi quando o empurrei,

98-Bebida gelada que pode conter café, chocolate, baunilha etc.


balançando a cabeça violentamente.

— Não. Sem chance. De jeito nenhum.

— Por que não? Você está bem?

Ele ficou a minha frente, ofegante, a mão ainda na fivela.


Seu peito subia e descia ao ritmo de seus batimentos
cardíacos. Seu cabelo estava uma bagunça – obra minha. Amei
que seus lábios estivessem vermelhos e inchados de me dar
prazer... Mas não o suficiente para bagunçar minha vida e
oficialmente se tornar a piada de Fairhope. — Estou bem…

— Estou limpo. — Ele apontou para si mesmo. — Faço


questão de verificar a cada três meses.

— Eu não estou tomando pílula.

— Eu vou retirar.

Dei a ele um olhar duplo nojento, empurrando meu


vestido para baixo. Era difícil ser levada a sério quando minha
vagina ainda estava fazendo contato visual com sua ereção
através de sua calça jeans.

— Está brincando comigo? Essa é a única coisa que nos


alertaram na educação sexual. E não escutei. Alerta de spoiler:
o método de retirada não é um plano à prova de balas!

— Na verdade, — a boca de Cruz puxou em um sorriso


diabólico, — se a retirada for feita corretamente, o método é
noventa e seis por cento eficaz. Não que eu o tenha testado em
outra pessoa.
— Sim, bem, você não vai testá-lo em mim também. —
Dei outro empurrão nele, me sentindo sóbria de repente. —
Não faço sexo, senhor.

— Quer dizer, em geral ou comigo?

— Quero dizer em geral. Não posso arriscar.

Uma risada baixa e grave escapou dele. — Nunca. — Seu


sorriso era perfeito, seus dentes retos e brancos brilhando.

— Nunca.

— Isso é ridículo. Se isso fosse verdade, significa que


nunca fez sexo depois de ter Bear.

Cruzei meus braços sobre o peito, meus lábios virando


para baixo em um estremecimento.

Seus olhos se arregalaram. — Não.

— Sim.

— Tennessee, você... pode prevenir a gravidez hoje em


dia.

— Concordo. E faço isso da maneira mais eficaz de todas.


Eficácia de cem por cento, na verdade, se excluir a Virgem
Maria, e as versões variam sobre o que aconteceu com ela. Eu.
Não. Faço. Sexo. E, especialmente – especialmente, —
descruzei meus braços para apontar o dedo para o teto
enquanto continuava meu discurso honrado, — não farei sexo
com um homem que já me assediou sexualmente.
— Assediada sexualmente? Você? — Cuspiu, seus olhos
brilhando em alarme. — Brincou com meu pau enquanto eu
estava discutindo sobre os Panthers99, nem mesmo uma hora
atrás.

— Estou falando da vez que te dei um soco na garganta.


Não aja como se tivesse esquecido isso.

— Pensou que eu estava atacando-a? — Para ser justo,


ele parecia horrorizado.

Acho que era hora de revisitar aquele dia.

Apertem os cintos, turma.

99-Equipe de futebol americano do estado da Carolina do Norte.


Ok. Então, sobre esse assunto...

Eu meio que dei um soco na garganta do MVP100 de


Fairhope naquela época. Quando eu tinha vinte e quatro anos
e Cruz... o quê? Vinte e seis? E tinha acabado de voltar para a
cidade da faculdade de medicina.

Havia algumas maneiras diferentes de contar essa


história, mas os principais fatos permanecem os seguintes:

1. Eu tinha acabado de conseguir meu emprego no


Jerry & Sons. Antes disso, tinha que limpar casas e cortar
grama em toda a cidade para pagar as mensalidades da
escola de Bear, aulas de natação, práticas de judô, e sabe,
a vida em geral.

2. Cruz estava no auge. Era tão procurado que o


pessoal do programa The Bachelor101 ligou para ele para
saber se queria fazer um teste. Tinha acabado de comprar
sua primeira casa, antes mesmo de começar a praticar
medicina. Um impressionante edifício colonial com

100-Jogador mais valioso.


101-É um reality show de encontros amorosos.
paredes de cal, com seis colunas brancas, venezianas
pretas e roseiras na entrada. Parecia a casa dos sonhos
da Barbie, e fora ocupada por uma ex-modelo glamorosa
e um jogador de beisebol antes de se mudarem para a
Flórida. Enquanto crescia, eu fantasiava comprá-la para
mim e minha família com o dinheiro hipotético que
ganharia ao me tornar uma atriz de Hollywood (apesar do
fato de não ter um osso de atuação em meu corpo, e em
grande parte não pensar que seria boa nisso). Agora, ela
pertencia àquele mané.

3. Era Quatro de Julho e a cidade inteira estava num


frenesi. Houve um desfile, carrinhos de churrasco por
toda parte e carruagens puxadas por cavalos passando
pelo centro da cidade. Carros alegóricos foram
preparados pela manhã, e havia pinturas faciais, música,
palhaços, fogos de artifício e a pia da cozinha (história
verdadeira, o aspirante a comediante Charlie Spacey
trouxe sua pia da cozinha como uma espécie de
declaração política sobre o desperdício daquele dia que
ninguém se importava).

Jerry & Sons estava fechado durante o dia, então deixei


meus pais levarem Bear para o centro da cidade para as
festividades enquanto eu ficava em casa, tomando um pote de
sorvete Costco, uma cerveja e minha fonte interminável de
autopiedade.

Foi a primeira vez que perdi uma celebração do Quatro de


Julho. Mesmo no auge do meu escândalo, esses desfiles eram
tão profundamente nostálgicos e doces para mim que não pude
recusá-los.

O problema era que eu sabia que Cruz estaria lá, e


realmente não queria enfrentá-lo. Era um lembrete constante
do fato de que ele e Rob construíram suas próprias vidas
enquanto eu fazia sacrifícios injustos e pagava minhas dívidas
por meu comportamento imprudente, mesmo que isso tivesse
me dado a coisa mais preciosa da minha vida.

Provavelmente eram nove da noite, pouco antes do início


dos fogos de artifício, quando ouvi uma batida na porta lá
embaixo. Estranhando (meus pais e Bear não estariam de volta
até bem depois das dez e Trinity estava com seus amigos até a
manhã seguinte), fui atender.

— É melhor não ser um serial killer, — murmurei


enquanto enfiava meus pés nos chinelos do meu pai e abria a
porta.

E lá estava ele. Cruz Costello.

Parecendo lindo, musculoso, decidido e... atordoado?

Pensando bem, um assassino em série não era tão


indesejável considerando a alternativa.

— Seus seios estão ótimos, — soluçou, seu olhar cobalto


escuro varrendo meu peito.

Era verão, quente como o pecado, e não estava usando


sutiã por baixo da blusa branca. Coisa estranha para se dizer,
só que da última vez que nos vimos, acho que estava
amamentando. Felizmente, terminei de cuidar de Bear. Meus
mamilos não eram mais cada um do tamanho de uma pizza
tamanho família, e as veias azuis grossas como salsichas
haviam sumido há muito tempo.

Por um tempo, não consegui imaginar ninguém querendo


mexer no bufê do Bear. E toda vez que tomava banho quente
para massagear esses seios (porque eu tinha uma tonelada de
dutos de leite), gritava de dor e meus seios choravam comigo,
vazando leite amarelado.

De fato, a maternidade foi uma coisa maravilhosa.

— Em que posso ajudá-lo, Costello? — Suspirei,


querendo que ele fosse embora.

Era difícil acreditar que costumava ter uma queda por


esse cara antes de Rob me convidar para sair. Cruz era tão
nauseantemente perfeito. De uma forma totalmente
desconcertante. Tipo, a maneira como um bolo feito
profissionalmente era tão perfeito e macio que não queria
cortá-lo. Embora eu quisesse cortar Cruz Costello, às vezes.

— Pode... me deixa entrar e me ex-plicar que Rob tinha


que... não.

Droga, ele estava bêbado.

— Para começar, um domínio geral da língua inglesa, —


disse impassível.
Ele estava aqui apenas porque não podia tolerar o fato de
que eu não tinha me jogado nele anos atrás, quando todas as
outras garotas o fizeram? Fale sobre egos masculinos frágeis.

Atrás dele, o desfile noturno havia passado, tocando


tambores e cantando.

Cruz fez uma cara de nojo. — Ele costumava se gabar.

— Muito elegante.

Revirei os olhos, mas as lágrimas picaram por trás deles,


fazendo-os arder. Paguei tão caro pelo meu erro que parecia
tão desnecessariamente cruel trazer isso à tona novamente e
falar sobre os detalhes íntimos. Quantas vezes poderia expiar
o erro?

Fiz tudo certo dessa vez, ou o mais certo que pude, de


qualquer maneira, considerando as circunstâncias.

Cruz deu um passo à frente. Cheirava a fogueira, âmbar


e sândalo. Amadeirado e almiscarado ao mesmo tempo. Tive
que me lembrar de que ele queria o que todos os outros
queriam antes dele – me colocar na cama, porque,
aparentemente, essa era a tarefa mais fácil dentro das
fronteiras de Fairhope.

— Afaste-se de mim, — avisei, dando um passo para trás.

— Não antes de você me dar o que quero...

— O que você quer? — Perguntei, incrédula.


— Sim. Tudo o... que me pertencia.

Ele daria mais um passo, podia dizer, e naquele momento


a única coisa em que pensei foi como pareceria.

A vadia Messy Nessy, deixando o recém-formado médico-


barra-quarterback de Fairhope entrar em sua casa enquanto
seus pais (e filho!) estavam fora. Claro que ela teria pedido –
implorado por isso.

Seria a palavra do menino de ouro contra a de Jezabel.

Balancei meu punho e mirei em sua bochecha, mas ele


era alto, e acabei batendo meus dedos contra seu pomo de
adão.

Devo ter subestimado minha força, ou talvez Cruz


estivesse bêbado demais para obedecer às regras da gravidade,
porque caiu como uma criança privada de sono, caindo de
bunda no gramado da frente dos meus pais.

Ele gemeu de dor enquanto o desfile passava marchando


com percussões e trombetas, e me ocorreu que estávamos
chamando a atenção e que eu seria massacrada.

— Cale a boca, Costello. Levante-se e dê o fora. — Sibilei,


saindo para garantir que ouvisse meu aviso.

Isto, é claro, só o fez gemer mais alto. Sério, por que eu


ainda me incomodei?

Deveria ter apenas agarrado Bear, o empurrado pra o


carro e mudado para outro estado. Não havia nenhuma
maneira de Fairhope me deixar em paz.

— Ela o agrediu! — Mrs. Underwood chorou do outro lado


da rua.

— Deu um soco na sua garganta! — O Sr. Thomas


choramingou.

As pessoas começaram a correr do desfile em direção ao


meu gramado. Recuei, sentindo minhas bochechas corarem.

Excelente. Agora estava me metendo em problemas sem


nem mesmo sair da minha porta. Eu realmente era uma causa
perdida.

Eles ajudaram a levantar Cruz e perguntaram se estava


bem. Corri para dentro e fechei a porta, espiando pelo olho
mágico, meu rosto tão quente de mortificação que pensei que
fosse explodir.

— Você está bem?

— Oh, querido, o que ela fez com você?

— Eu sinto muito. Ela sempre foi uma diabinha!

Cruz apenas balançou a cabeça e amuou, olhando para a


minha porta como se soubesse que eu estava por trás dela.
Então, veja, este foi o infame incidente do soco na garganta.

Totalmente contado. Agora vamos seguir em frente, por


favor.
— Uma chance. — Cruz esfregou o queixo quadrado mal
barbeado na sala de manutenção.

— O quê? — Perguntei.

— O que eu merecia, o que fui falar naquela noite, era


sobre uma chance. A chance que você deu a ele em vez de a
mim. Não um beijo. E nada além disso. Uma simples chance.

Por um momento, apenas encarei Cruz, atordoada. Achei


que ele queria a chance de me foder, não a chance de... pedir
para me foder?

Olhou para o chão enquanto esfregava a bochecha,


continuando: — Não estava tentando fazer nenhum negócio
engraçado com você. A verdade é que sempre tive uma queda
por você.

— Hummm, o quê?

— Estava esperando para te contar no desfile do Quatro


de Julho quando cheguei em casa da faculdade de medicina.
Achei que você estaria lá, já que nunca o perdia, não importava
o que acontecesse. Realmente não ligava para a sua reputação
na época. Achei que não podia deixar um bando de estranhos
ditar o que eu poderia ou não fazer da minha vida. No começo,
esperei você aparecer. Tomei uma cerveja, depois outra e
depois outra. A quarta foi um exagero, deixe-me te dizer,
porque foi quando as coisas começaram a ficar de lado, e
passei para as doses. O percurso para me encontrar dizendo
coisas ofensivas em sua varanda foi curto a partir daí, e todos
nós sabemos como terminou, mas na época, fui até você
porque queria perguntar se jantaria comigo. E queria saber se
jantaria comigo não porque eu queria envergonhá-la, mas
porque o tempo todo que estive fora, na faculdade de medicina,
toda vez que beijei uma garota, sempre pensei comigo mesmo
– qual será o gosto da Tennessee?

Pensei que ele tinha vindo pela única coisa que a cidade
não o tinha oferecido em uma bandeja – a única coisa que seu
amigo tinha conseguido que ele não tinha – eu.

— Não disse nada disso. Você disse que eu tinha seios


ótimos, — acusei, com lágrimas ardendo em meus olhos.

Ele mordeu a parte interna da bochecha. — Retiro o que


disse.

— Oh?

— Eles não são ótimos. São perfeitos.

— Espera que eu acredite que você realmente queria me


convidar para sair? — Gritei, emocionada de repente, e não do
tipo bom.

Eu teria dito sim num piscar de olhos, minha raiva e dor


em relação a ele que se danassem, mas agora, agora muita
água tinha passado por baixo da ponte, e não era mais uma
opção. Todas as mulheres com quem saiu. Todos os boatos aos
quais fui submetida. Todos esses anos.

Eu realmente não me importava com sua reputação na


época.

Ele usou o tempo passado. Não presente. O namoro não


estava mais na mesa.

— Não estou esperando que faça nada. Essa é a verdade.


Faça o que quiser com isso.

Sim. Eu estava chorando agora.

A primeira lágrima quente e gorda rolou pela minha


bochecha, indo até o canto da minha boca e explodindo seu
gosto salgado por toda a minha língua. Foi horrível, porque de
alguma forma, consegui me impedir de chorar mesmo depois
que descobrimos que estraguei as passagens do cruzeiro.

— Seu bastardo, — assobiei.

— Eu sinto muito. — Ele parecia genuinamente


apologético.

— Por que nunca tentou de novo?

— Você me agredindo fisicamente naquela primeira vez


meio que estragou meus planos – não que eu me lembrasse de
tudo.

— Isso não significa nada!

— Não significa não.


— Não significa talvez, dependendo do contexto. Eu não
tinha ideia do que estava oferecendo, apenas o que parecia que
você estava tentando pegar. Então aquela ex que falou para as
pessoas na faculdade de medicina...

Ele balançou sua cabeça. — Eu não queria voltar e vê-la


com Bear. Era demais, depois de uma paixonite por você
durante todo o colégio, mas no final das contas, algum tempo
depois do soco na garganta e da minha terceira namorada
séria, meus sentimentos acalmaram e a superei.

— Bom saber. Obrigada. — Murmurei, duas lágrimas


correndo uma atrás da outra, patinando sobre minha
bochecha. — Agora nunca poderemos ficar juntos. Nossos
irmãos se casarão e sou a esposa de Ló102 há muito tempo. De
jeito nenhum a cidade me deixará sair impune por namorar
alguém como você. Muito menos nossas famílias.

E então havia a outra parte. A parte em que eu realmente


não achava que o merecia, e, de qualquer maneira, nunca mais
queria fazer sexo em toda a minha vida, ou ter outros filhos.
Esse tipo de coisa divertida.

— Concordo. — Disse, dando um passo cauteloso em


minha direção. — Mas ainda temos esta viagem e sugiro que a
aproveitemos ao máximo.

Ele apertou meus braços, olhando profundamente nos


meus olhos. Não deveria me sentir insultada, considerando

102-É
uma personagem bíblica do Antigo Testamento que ficou conhecida por ser transformada em
uma estátua de sal.
que era exatamente isto que esperava quando entramos na
sala de manutenção, mas de alguma forma, tudo mudou nos
últimos minutos.

Senti-me como se estivesse estrelando meu próprio e


bagunçado filme Sliding Doors103. Só que eu não era Gwyneth
Paltrow e Cruz não era... bem, esqueci quem mais atuou
naquele filme, o que significava que definitivamente não era
tão gostoso. Mais peças adicionadas ao quebra-cabeça que era
Cruz Costello enquanto digeria a nova revelação.

— Pergunta. — Saí de seu abraço novamente.

— Manda ver.

— Por que Gabriella começou a me odiar ainda mais


quando vocês dois começaram a namorar? O que disse a ela?

— Eu não disse nada a ela.

Houve uma pausa.

— Mas ela me pegou olhando sua conta do Instagram um


dia.

— Eu nem mesmo atualizo minha conta. São todas fotos


de paisagens e sobremesas e citações de John Lennon.

— É muito deprimente, — concordou.

Ficamos um na frente do outro. Parecia que não havia

103-Filme de comédia dramática; o filme alterna entre duas histórias, mostrando dois caminhos que
a vida da personagem central poderia seguir, dependendo de ela pegar ou não um trem.
muito mais a dizer depois disso. E, no entanto, nada foi
resolvido.

Cruz esfregou a nuca. — Não quero parecer um idiota,


mas se não está planejando fazer algo sobre minha ereção, pelo
menos me tire da minha miséria e me deixe fazer o homem
careca chorar no chuveiro.

— Tem um homem careca no nosso chuveiro?

— Masturbar, — disse Cruz categoricamente. — Preciso


cuidar das minhas bolas azuis.

— Certo! — Afastei-me, sentindo-me corar. — É claro,


claro. Não me deixe atrapalhar seu caminho.

— Um pouco tarde demais para isso.

Alguns segundos depois, ambos evacuamos a sala.


Sempre tive uma queda por Tennessee Turner.

Desde o momento em que a vi pela primeira vez no


berçário, cambaleando, dando um tapa limpo e confiante na
nuca de outra criança para roubar uma boneca de pano, soube
que essa garota era especial.

Na verdade, se fosse ser mesquinho (e definitivamente


não seria mesquinho), era eu quem deveria chamá-la para sair
entre mim e Rob. Como mencionei, fizemos pedra-papel-
tesoura e meu papel embrulhou a sua pedra, mas ele destruiu
minha chance de qualquer maneira.

Cagou direto em todo o código do irmão e chamou a bela


loira para sair.

Estava chateado? Sim.

Dei um soco na sua cara? Também sim.

Odiava Tennessee Turner por aceitar sua oferta de um


sorvete e jurei ignorar sua existência daquele momento em
diante? Imploro a quinta104.

Viu? Nem um pouco amargo.

Agora estava no chuveiro de nossa cabine enquanto


Tennessee provavelmente estava construindo um forte de
travesseiros e se escondendo atrás dele para me evitar
enquanto meu pau chorava lágrimas de esperma no
revestimento enquanto me lembrava do seu gosto na sala de
manutenção.

Graças a Dalton e sua grande boca de clareamento.

Se uma coisa boa saiu disso – e eu estava realmente


lutando para encontrar um raio de esperança aqui – foi que
tive a chance de limpar o ar e explicar a ela que não tentei, na
verdade, mexer com ela naquele Quatro de Julho.

Poderia dizer pela reação de Tennessee hoje que ela teria


dito sim, se a convidasse para sair como um ser humano
decente. Agora não conseguia parar de pensar em Tennessee e
eu num universo alternativo, transando como coelhos três
vezes por dia. Teria dado a ela um emprego como minha
secretária ou algo assim. Teríamos encontros noturnos e a
teria levado a eventos de gala, e discutido com ela durante todo
o caminho até lá.

Eu ainda não conseguia acreditar que a mulher era


praticamente virgem. Ela fez sexo uma vez em toda a sua vida.

104-É um termo coloquial frequentemente usado para invocar a cláusula de autoincriminação quando
as testemunhas se recusam a responder a perguntas em que as respostas possam incriminá-las.
A coisa mais louca era que eu sabia que ninguém desceu
nela ou fez sexo oral, porque Rob costumava nos dar relatórios
detalhados de suas ações antes de marcar o ponto.

Digamos que houve muita chupada de seios e dedilhada,


mas nada mais. O que tinha que admitir, dava a Tennessee o
brilho de uma terra inexplorada, selvagem e não mapeada,
esperando para ser descoberta.

Infelizmente, parecia que ela não me deixaria chegar


perto, ironicamente depois de descobrir que eu não a assediei
sexualmente.

Sempre pensei que tinha uma compreensão bastante


decente do que as mulheres queriam, mas aparentemente
estava errado, porque não tinha a menor ideia do que
Tennessee Turner precisava ou desejava.

Tudo o que eu sabia era que, se fosse um relacionamento


que ela queria, meus pais se matariam, e então Wyatt me
abandonaria e fugiria com o dinheiro da herança.

Aos vinte e seis anos, tinha acabado de sair da faculdade


de medicina, novato na vida adulta e na vida real. Meus pais
ficaram tão felizes por me ter de volta na cidade, eles teriam
aceitado um animal de fazenda como uma nora em potencial,
qualquer coisa que me fizesse ficar por aqui. Agora, tinham
todos os tipos de ideias.

Segurei o casamento por muito tempo. Eles não seriam


felizes com ninguém menos do que um Windsor105.

E não eram só eles. Eu tinha minha própria reputação a


considerar.

Estar com Tennessee arruinaria tudo que construí desde


que voltei. Minha reputação, posição social, negócios
prósperos e entregas constantes de tortas caseiras por clientes
agradecidos.

...Então por que não me importo com nenhuma dessas


coisas?

Fechei a torneira, enrolei uma toalha na cintura e saí do


banheiro. Encontrei Tennessee jogada em nossa cama,
vestindo uma das camisas que comprei para ela hoje cedo, sem
maquiagem e comestível demais. Brincava com uma mecha de
seu cabelo loiro, parecendo pensativa enquanto olhava para
mim.

— Se sentindo melhor? — Perguntou.

— Dificilmente.

— Pensei que não gostasse de trocadilhos.

— Eu tenho meus momentos. — Avancei em direção ao


nosso armário compartilhado, puxando uma cueca. Notei que
seu forte de travesseiros ainda não estava no lugar. — Aviso
justo – durmo de cueca, então se isso for um problema...

105-Membros da família real britânica.


— Não é um problema. — Respondeu rapidamente,
ficando escarlate visível em todos os lugares. — Na realidade…

Virei-me quase violentamente, procurando seu rosto.

— Sim?

Muito ansioso, idiota?

— Estava me perguntando... — Ela desenhou um círculo


com o dedo na coxa. — Se poderia me ensinar como ficar com
um cara. Desculpe, surtei com você antes. Estou muito fora de
mim quando se trata do sexo oposto. Sei que não temos muito
tempo aqui, mas acho que tem razão. Seria bom tirar o melhor
proveito da situação, visto que ambos sabemos que não temos
nenhum futuro juntos e isso se encerra assim que voltarmos
para casa.

Puxei a cueca pelas minhas pernas sob a minha toalha.


Foi uma jogada ambiciosa, mas tinha visto mulheres fazerem
algo semelhante com seus sutiãs e camisas.

— Ninguém em casa pode descobrir, — adicionei, me


sentindo um idiota, e sem dúvida soando como um também.

Em minha defesa, tinha sido totalmente rejeitado por ela


desde os dezessete anos, e não queria perder um pingo da
minha encantadora qualidade de vida pelo prazer de tê-la como
um caso.

— Eu sei. — Tennessee se endireitou na cama. — Acredite


em mim, meus pais e minha irmã me matariam cem vezes se
descobrissem que toquei em um fio de cabelo de sua cabeça
dourada. Além disso, estou extremamente danificada. Não há
como eu lidar com um relacionamento. Também tenho muito
a perder.

— E então há Rob, — adicionei, deixando cair a toalha e


avançando em direção à cama, meu pau coberto com
segurança pela cueca.

De jeito nenhum deixaria Gussman pensar que eu


ansiava por sua ex-namorada há décadas. Que uma pequena
e terrível parte de mim estava feliz por ele ter ferrado tudo do
jeito que fez, porque isso significava que ela nunca o aceitaria
de volta. E agora estava de volta e o que diabos isso significava
então?

— Sim. Que amigo você é. — Tennessee soltou uma risada


gutural e sexy. — Não se preocupe, nunca direi a seu amigo
que provou meus produtos.

Ela pensou que eu estava fazendo isso por lealdade a ele.


Bem, a verdadeira razão – meu ego frágil – não me conquistaria
nenhum ponto de personalidade, então decidi manter isso para
mim.

— Certo, — disse, deslizando para baixo das cobertas.

Uma nova onda de desejo correu por minhas veias


quando meu corpo encontrou o dela sob o cobertor. Ela parecia
tão jovem sem toda a maquiagem e spray de cabelo que quase
poderia nos imaginar como adolescentes.
Meu pau, que não tinha absolutamente nenhum
interesse em se levantar nem mesmo dez minutos depois de
me masturbar, já cutucou sua barriga entre nós, balançando
preguiçosamente de um lado para o outro enquanto tentava
chamar sua atenção como um cachorrinho ansioso.

— Holy cheat-balls106. Essa coisa é enorme.

Ela tocou minha coroa com a ponta do dedo através da


minha cueca, antes de puxar a mão, como se fosse ser
mordida.

— Sério, pode colocá-lo na coleira e levá-lo para uma


caminhada no centro da cidade.

— Não se atreva a fazer outra piada com Weiner, — avisei,


brincando com a bainha de sua camisa por nenhuma razão
além do óbvio – tinha privilégios de acariciar hoje.

— Essa coisa tem vontade própria. — Ergueu uma


sobrancelha especulativa, olhando para baixo entre nós. —
Posso tocar de novo?

Você pode levar para casa, colocá-lo em um aquário e


chamá-lo de Sally se isso te deixar feliz.

— Absolutamente. Você também pode cuidar, apertar,


lamber, chupar, acariciar. Não morde, mas ocasionalmente
cospe. Avisarei antes disso.

106-Apersonagem deveria dizer “holy shit balls” que é uma expressão que pode ser traduzida como
“santas bolas de merda”.
Ela olhou para mim com entusiasmo, seus olhos
brilhando de alegria. — Houve um trocadilho aí, Dr. Cruz. Bom
trabalho.

Ela apenas falava comigo como se eu fosse seu aluno da


pré-escola.

…E eu apenas abri um sorriso bobo, também como um


aluno da pré-escola.

Suas unhas compridas e pontudas correram do meu


abdômen trincado até minha cueca, fazendo minha pele
formigar deliciosamente. Ela enfiou a mão na braguilha,
puxando meu pau ereto para fora como se fosse uma galinha
prestes a se tornar seu almoço.

Não comentei sobre a falta de sutileza. Não queria que ela


se sentisse constrangida. Acariciou-o suavemente, hipnotizada
por ele. Ela era tão linda que eu não sabia o que fazer comigo
mesmo. Tê-la tocando meu pau depois de quatorze anos o
imaginando acontecendo fez coisas estranhas no meu peito.

— Está bom para você? — Murmurou.

— Estava bom cerca de três minutos atrás, quando estava


sentada na cama, simplesmente existindo. Agora que está
tocando meu pau, estamos profundamente em território
divino, avançando em espiral.

Observei-a atentamente.

Ela tirou as cobertas de nós para que pudesse dar uma


olhada melhor no meu pau. Mexeu-se e se endireitou enquanto
brincava com ele, seu cabelo amarelo caindo em seu rosto
como raios de sol brilhantes. Meu pau ficou mais inchado e
pesado em sua mão. Esse bastardo tinha seu próprio pulso
neste momento.

— Vou lambê-lo agora.

— Por favor, — resmunguei, minha voz falhando no meio


de uma palavra.

Nem me importei.

As coisas que estava disposto a fazer naquele momento


para conseguir que sua boca tocasse meu pau me
preocuparam, francamente. Vamos apenas dizer que a Sra.
Warren não estava a salvo de uma morte violenta e rápida se
Tennessee dissesse a palavra.

Falando do estado maravilhoso, a garota que recebeu o


nome em homenagem a isso abaixou a cabeça, segurando meu
pau quieto enquanto dava uma rápida lambida na coroa.
Estrelas explodiram em minha visão. Acariciei seu cabelo tão
gentilmente quanto humanamente possível para encorajá-la.
Ela se abaixou novamente, sua língua girando em torno da
coroa.

— Estou fazendo errado. — Olhou para mim, mordendo


o lado do lábio.

— Querida, mesmo que dançasse ao seu redor para tentar


fazer chover, ainda seria perfeito.
— Sei o que devo fazer. Já vi pornografia o suficiente. Eu
só... é tão grande.

— Não precisa absorver tudo. Cubra a base com a mão.

Guiei-a pelo pulso, envolvendo seu pequeno punho ao


redor da raiz do meu eixo. Isto era tão colegial e eu estava tão
envolvido que suspeitei seriamente que acabara de revelar uma
torção inesperada minha.

As coisas tinham se tornado tão chatas na cama


recentemente, as Gabriellas e Karens do mundo se
confundindo numa mistura de aspirantes a estrelas pornôs
que procuravam me provar que eram as escolhidas, a mulher
sem a qual não poderia viver.

Nunca me ocorreu que o que estava fantasiando era uma


mulher que não estava agindo como uma profissional. Uma
mulher que estava absorta no momento, totalmente presente
para o prazer disso, em vez de fingir para me excitar.

Refrescante.

Tennessee se inclinou, levando um pouco do meu pau em


sua boca. Ela deu uma chupada completa antes de balançar a
cabeça hesitantemente para fazer sexo oral.

No que diz respeito a fazer sexo oral, ela tinha um longo


caminho a percorrer, mas apenas a visão dela fazendo isso me
jogou perto do limite. Estava prestes a gozar, sentado nesta
cama estranha, a observando me chupar. Além disso, não
conseguia parar de acariciar seus cabelos.
Meu pau estremeceu em sua boca, e estava se tornando
mais e mais claro que eu estava prestes a explodir após três
segundos.

— Querida, deixe-me fazer isso ser bom para você


também. — Minha voz estava tão grossa que parecia que eu
tinha engolido uma bola de futebol.

Ela olhou para cima, um pouco perplexa.

— Não é bom para você, é?

— Não. Não. É ótimo.

— Então qual é o problema? — Ela ainda estava


segurando meu pau – refém, alguns diriam – que não era a
melhor maneira que um homem queria negociar sua posição.

— Sem problemas. Pode continuar fazendo o que está


fazendo.

— Não, me diga.

— Tudo bem. Se não parar de chupar meu pau, gozarei


nessa sua linda camisa grande demais, e como ela é nova, e
como tenho mais de treze anos, gostaria muito que isso não
acontecesse.

— Oh.

— Você me pediu para te contar.

— Pedi. Então, o que mais podemos fazer? Agora que


aprendi como dar um boquete.
Ela realmente não sabia como chupar, mas não iria
corrigi-la. Por um lado, era rude e desanimador. Por outro lado,
já estava preparando o cara que viria atrás de mim para uma
conversa estranha, se não para um fracasso total.

Eu esperava que ela o largasse. A verdade, esperava que


ele morresse antes de ter a chance de conhecê-la. Obviamente
precisava de terapia.

— Há muito que podemos explorar, — murmurei,


empurrando-a para trás.

Sua cabeça caiu no travesseiro. Entrelacei meus dedos


nos dela de ambos os lados, prendendo-a na cama, meus
lábios tremulando sobre seu pescoço.

— Pode fazer como nos livros que rasgam o corpete? —


Tennessee deixou escapar ansiosamente, como uma colegial
em seu primeiro passeio em um parque temático. — Ou talvez
apenas rasgar a camisa? Qualquer tipo de rasgo seria bom,
para ser honesta. Eu sempre fui uma grande fã de caras
rasgando roupas de mulheres nos livros.

— Querida, considere minha contribuição para a


sociedade destruir suas roupas.

Com isso, agarrei a gola da camisa que tinha comprado


antes e rasguei em um movimento suave, seus seios redondos
perfeitos aparecendo a minha frente. Em forma de pera, com
mamilos cor de flamingos. Bati minha boca na dela, sem fôlego.

Meu cérebro ainda não conseguia compreender que isso


estava acontecendo. Ela empurrou seus quadris em minha
direção, gemendo, e movi meus lábios para beijar seus seios,
lamber seus mamilos, mergulhar minha língua em seu
umbigo.

— Estou tão brava, — gemeu, enquanto eu esfregava


minha barba por fazer em toda a parte interna de suas coxas.
— Todo esse tempo poderia ter desfrutado de todas essas
coisas sem fazer sexo com ninguém. Que desperdício.

Mordi a parte interna de sua coxa, atirando meu braço


para cima para apertar um de seus seios em advertência.

— Nem todos os encontros são iguais.

— Não brinca, Costello. Acha que Rob chegou aos pés do


que está acontecendo aqui durante os oito meses que estive
com ele? — Ela riu suavemente.

Minha ereção baixou para uma semi só de ouvir seu


nome. Uma sensação de frio tomou conta de mim, como se
alguém tivesse jogado um balde de gelo em meu estômago.
Empurrei isso, mas foi a primeira vez que achei Tennessee
menos do que absolutamente encantadora. Citar um ex na
cama foi uma jogada idiota. Eu não me importava quão
inexperiente ela era. Ela não era burra. Estava tão acostumada
a estragar relacionamentos que não se importava com o que
saía de sua boca.

A menção de Rob deu o resultado desejado de me irritar,


então arranquei sua calcinha de sua cintura com pouca
consideração ao fato de que isso estalou sobre sua pele no
processo.

Ela reclamou, mas imediatamente inclinou seus quadris


em direção à minha boca, perseguindo minha língua.
Pressionei minha palma contra sua boceta, abaixando sua
bunda de volta para o colchão, olhando para cima, meus olhos
encontrando os dela.

— Algumas regras básicas, Turner.

Ela piscou para mim rapidamente, esperando.

— Nenhuma conversa de ex nesta cama. Isso não é legal.

— Oh. Sim. Claro. Desculpa.

— Se algo for demais, é só dizer a palavra.

— Que palavra?

Quase esqueci que ela era a nerd mais literal do mundo


inteiro. Com seu TDAH não diagnosticado, trocadilhos e
aversão a palavrões. Refleti sobre isso por um momento.

— Banana.

— Tudo bem.

— E me prometa uma coisa.

Ela revirou os olhos. — Sim, sim, não me apaixonarei por


você.

Meu peito ficou tenso, mas lhe dei um sorriso irônico.


— Fofo, mas o que escolhe fazer com nossa atração
mútua não é da minha conta. Você é uma menina crescida.
Não. Quero que me prometa que sabe que não vou deixá-la
engravidar, então não se preocupe com isso. Apenas me deixe
fazer isso ser bom para você.

Ela hesitou, as sobrancelhas franzidas.

— Eu não...

Balancei minha cabeça. — Eu não sou Rob.

— Você acabou de dizer sem conversa de ex na cama.

— Isso supera todas as regras. Não sou ele. Nunca farei


isso com você, ou a mim mesmo, ou a nosso bebê hipotético.
Confie em mim, pelo menos?

Ela engoliu em seco, seus olhos dançando nas órbitas.


Poderia dizer quando isso aconteceu. Quando decidiu colocar
sua confiança em minhas mãos. Deixar ir.

Seus olhos castanhos brilharam e seu lábio inferior


tremeu.

— Sim, — murmurou. — Prometo.

— Boa menina.

Chupei sua boceta inteira em minha boca.

Ela choramingou e afundou as unhas em meu crânio, tão


fundo que quase podia senti-las cavando em meu cérebro.
Obriguei-a a terminar primeiro, lhe dei outro orgasmo –
porque era esse tipo de cavalheiro – então subi sobre seu corpo,
deixando cair beijos e mordidas ao longo de sua pele enquanto
deslizava um dedo para dentro e para fora dela, pressionando
minha ereção quente e inchada contra seu estômago. Enchi
sua boca com minha língua novamente e cada centímetro de
sua pele estava perseguindo a minha.

— Pegarei um preservativo agora, querida. Vou colocá-lo,


depois me certificarei de sair antes de gozar também, ok? Farei
ambos. Prometo.

Prometeria a ela minha casa inteira, recentemente livre


de hipotecas, se dissesse que sim. Portanto, fiz questão de
destacar o quanto teria de ser cuidadoso com isso.

Ela balançou a cabeça, ainda me beijando. — Não, não.


Eu farei qualquer outra coisa. Só não isso.

Qualquer coisa?

Eu não era bastardo o suficiente para sugerir anal,


embora deixe registrado que passou pela minha cabeça.

— Querida... — Não era do sexo que ela tinha medo, era


da gravidez, mas...

— Banana! Banana, banana, banana!

Ela agarrou meu eixo entre nós e apertou na raiz,


movendo a mão para cima e para baixo, tentando me aliviar.
Queria tentar convencê-la mais uma vez, mas ela disse a
palavra de segurança, e embora fosse ligado a um pau, não era
um. — Deveria parar quando alguém disser a palavra segura.

— Aqui, — ela murmurou em nosso beijo sujo, sem parar


sua mão. — Vou aliviá-lo também.

A pior parte é que meu pau, que não era conhecido por
sua astúcia, estava absolutamente bem com o negócio. Ele
saltou em sua mão, feliz, balançando a cada vez que ela o
acariciava.

Podia sentir minhas bolas apertarem e sabia que gozaria


em todo o seu peito. Arranquei minha boca da dela, olhando
para baixo entre nós enquanto ela me masturbava, meu pau
angulado entre seus seios. Eu não queria perder quando isso
acontecesse.

— Estou fazendo isso bem?

— Talvez vá um pouco mais rápido.

Ela fez. Fechei meus olhos, deixando cair minha cabeça


para trás.

— Mais rápido?

Ela foi mais rápida. Eu estava à sua mercê.

Nunca estive à mercê das mulheres quando se tratava de


sexo. Namorei boas e antiquadas beldades que faziam o que eu
mandava no quarto. Aceitavam bem as instruções, sempre
superando as expectativas e nunca sugerindo nada fora da
caixa.
— Merda, querida, estou perto.

— Incrível, — respirou debaixo de mim, e podia sentir as


pontas de seus seios saltando com o ritmo de seus
movimentos.

E então aconteceu.

Meu pau atirou confete branco de felicitações em seus


seios por me fazer gozar. Este foi sem dúvida o melhor orgasmo
que já tive. E tive muitos. Sentei-me ao seu lado, puxando-a
em meus braços e beijando sua testa.

— Isso foi incrível.

Ela não falou, nos minutos seguintes, apenas se apertou


contra mim.

Depois de alguns momentos, sua respiração tornou-se


lenta e superficial, e percebi que ela adormeceu.

Nos meus braços.

Era quase romântico, se não fosse pelos roncos suaves


que saiam de seu narizinho, ou pelo fato de que meu pau agora
estava completamente feliz, mas outra coisa dentro de mim
com certeza não estava.
A minha vida toda nunca dormi muito.

Meu corpo não foi programado para dormir depois das


seis e meia da manhã

Desde muito jovem, tive escola, treinos de futebol, missa


dominical, empregos de verão, trabalho voluntário. Você
escolhe, acordei cedo para isso.

Então, é claro, na única vez em que dormi, algo


catastrófico aconteceu.

Os primeiros sinais de desastre ocorreram no momento


em que percebi que havia alguém que não era Tennessee
dentro do quarto, enquanto eu estava deitado de bruços,
minha bunda completamente visível para quem estava lá.

— Olá, Sra. Costello! Temos boas notícias para você e seu


marido.

— Você tem? — Ouvi Tennessee perguntar. — O que é? A


Sra. Warren teve um AVC?

Virei minha cabeça lentamente ao mesmo tempo em que


puxei a coberta sobre a minha bunda. Não que eu não tivesse
orgulho das minhas nádegas de aço, mas exibi-las era pura
vaidade. A funcionária soltou uma risadinha desconfortável.

— Não, a Sra. Warren está bem. Seu marido expressou o


desejo de deixar o cruzeiro mais cedo e passar do Elation para
o Ecstasy. Dissemos-lhe que talvez não fosse possível. Temos
o maior prazer em informá-lo que é. Faremos uma parada em
Green Turtle Cay em algumas horas, onde poderá trocar de
cruzeiro. Decidi verificar pessoalmente com o centro de
controle a bordo do Ecstasy, e podem acomodá-los. Pedimos
apenas que façam o check-out até as onze, para que possamos
preparar toda a papelada.

Houve um breve silêncio, seguido pelo som de Tennessee


pigarreando. Senti-me um completo idiota.

Não que ela não soubesse que tentei sair deste navio
quando descobrimos que estávamos presos juntos, mas o
momento não poderia ter sido mais horrível. Para ser honesto,
nem queria me juntar às nossas famílias neste momento.

Agora que eu tinha Tennessee só para mim, a perspectiva


de esfregar e lamber os genitais um do outro por mais seis dias
parecia muito mais atraente do que jogar golfe e bridge com
Wyatt e papai.

— Obrigada. — Apanhei minha paixão de infância em pé


como uma régua na frente da representante, vestindo uma de
suas roupas inúteis de antes. — Agradeço. Faremos o check-
out na hora certa.

Depois que fechou a porta, Tennessee começou a embalar


suas coisas silenciosamente. Virei de costas, meu pau
balançando, pronto para se familiarizar novamente com
Turner.

Cale a boca, pau. Temos peixes maiores para fritar.

— Foi antes, — disse roucamente.


— Não me importo. — Estava colocando todas as suas
roupas velhas em sua bolsa, mas não fez nenhum movimento
para pegar as novas que comprei para ela.

— Eu não tinha ideia que nos daríamos bem, ou que


sentia outra coisa senão puro desgosto por mim. — Sentei-me,
passando a mão pelo cabelo.

— Desejo não é um sentimento bom o suficiente para


desperdiçar o tempo com a família. — Encolheu os ombros,
tentando parecer imperturbável. — E não importa, de qualquer
maneira, porque acabaria em seis dias. Então, sério, quem se
importa?

Eu. Eu me importava.

— Podemos esquecer que essa conversa aconteceu, —


sugeri.

Estava falando daquela com a funcionária do cruzeiro.

— Certo, ou a dos dias anteriores. — Disse Tennessee,


referindo-se à conversa que estávamos tendo naquele
momento.

Não houve mais conversa depois disso, quando fizemos o


check-out, saímos do Elation e embarcamos no Ecstasy.

Que grande êxtase foi.


Mais tarde naquela noite, Tennessee e eu estávamos
sentados ao redor de uma grande mesa de jantar, junto com o
resto de nossas famílias. Sentei-me num lado com Wyatt,
mamãe e papai, e ela estava com seus próprios pais, Trinity e
Bear.

Bear parecia muito com Rob, fiquei surpreso a primeira


vez que o vi. O garoto era uma réplica do meu ex-melhor amigo,
com covinhas, cabelo castanho e tudo. Ele usava uma camisa
jeans e calça jeans preta, e tenho que dizer, parecia um garoto
próspero de uma boa família. Isso me fez sentir culpado por ter
me surpreendido.

Lembrei-me de que Tennessee mencionou que ela


comprava as roupas dele. A raiva bateu em mim. Como poderia
não ver isso todos aqueles anos em que a ignorei? Como
sempre colocava o filho em primeiro lugar? Como priorizou
fazer as pessoas (além dela mesma) parecerem como se
valessem um milhão de dólares?

— O que está jogando esses dias, garoto? Fortnite107? —


Wyatt perguntou a Bear.

— Sem chance. — Bear balançou a cabeça, mastigando a


ponta de uma batata frita. — Estou mais interessado na
história do jogo. Construção de caráter. Coisas assim. Fortnite
tem tudo a ver com correr e atirar sem rumo. Preciso de
contexto.

107-Jogo de videogame da categoria sobrevivência.


— Então, o que está jogando? — Interrompi. Eu
costumava ser bom em videogames antes de me tornar o
curandeiro e protetor da cidade em tempo integral. — Se não é
Fortnite.

Bear se virou para me olhar pela primeira vez. Perguntei-


me se ele sabia da profunda antipatia de sua mãe por mim,
pelo menos até alguns dias atrás, mas a julgar por seu rosto
inexpressivo, não tinha ideia.

— God of War.

— Não é esse o jogo em que os personagens são pai e


filho? — Wyatt enfiou uma costela inteira na boca, estalando
os lábios enquanto comia.

— E daí? — Bear franziu a testa defensivamente. —


Continua sendo bom.

— Se gosta de God of War, vai adorar Assassin's Creed.


— Comentei.

— Eu sei. — Os olhos de Bear brilharam quando se virou


para mim novamente. — Estou economizando para isso.

— Eu tenho.

— Você tem?

Wyatt parecia aliviado por poder voltar a conversar com


meu pai sobre futebol.

Balancei a cabeça, e porque, aparentemente, não estava


acima da manipulação desavergonhada, acrescentei: —
Sempre que quiser jogar, é só me avisar. Tenho uma sala de
jogos com todos os consoles que possa imaginar. Mesa de air
hockey também.

Lancei um olhar para Tennessee. Seu pescoço


imediatamente se estendeu e ela colocou a mão no braço de
Bear.

— Querido, o Dr. Costello está apenas sendo educado.

— Não estou sendo educado. — Coloquei um pedaço de


frango na boca. — Se ele quer vir jogar, tudo bem para mim.
Seremos praticamente uma família agora.

— Isso é totalmente desnecessário. — Ela me lançou um


sorriso falso educado.

— Só estou tentando ser um bom cunhado. — Mostrei


meus dentes de volta para ela.

— Então, como sobreviveu a Nessy por quatro dias,


afinal? — A Sra. Turner se virou para mim em seu assento,
rindo levemente. — Espero que não tenha lhe causado muitos
problemas.

O único problema que Tennessee estava me dando no


momento era o fato de ela ter voltado a usar roupas Pretty
Woman e estava chamando a atenção de todos os homens na
sala de jantar do Ecstasy.

— Fomos perfeitamente civilizados. — Lancei um olhar


para minha paixão de infância, desafiando-a a me desafiar.

— Perfeitamente, — disse ela com um sorriso doce.

— Bem, peço desculpas se ela lhe causou algum...


desconforto. — Trinity se mexeu na cadeira, parecendo chata
como tinta branca secando numa parede em seu vestido preto
de freira. Ela sempre foi assim... sim, pensando bem, foi.

A raiva começou a deslizar de volta para o meu sistema.


Não gostei da maneira como a família de Tennessee a estava
diminuindo, ou a maneira como ela encolhia como uma
margarida murcha, mesmo com todo o seu cabelo e cores
brilhantes e batom vermelho, enquanto falavam.

— Nenhum desconforto. — Fixei Trinity com um olhar


seco e casual.

Trinity estremeceu visivelmente. — Claro. Ela é ótima.


Minha irmã favorita. — Riu, apoiando a cabeça no ombro de
Tennessee. — Minha única irmã também.

Hilário. Além disso, ela definitivamente não deveria largar


seu trabalho diurno, que corria o risco de perder de qualquer
maneira, porque seu chefe – eu – tinha seu traseiro em uma
tipoia108.

Tennessee enrijeceu, olhando para o outro lado.

— Correu tudo bem? — Agora seu pai lhe perguntou


diretamente, como se eu a estivesse encobrindo. Ele parecia

108-Punir severamente ou repreender severamente um por um delito.


ser o tipo de repetir tudo o que sua esposa estava dizendo.

Entretanto, Tennessee tinha vinte e nove anos, pelo amor


de Deus. Que tipo de besteira foi essa?

— Cruz já te disse, estava tudo bem. — Tennessee falou


lentamente com uma raiva mal contida, empurrando a comida
em seu prato com o garfo.

Percebi que ela não bebia vinho como todos os adultos.


Em vez disso, que não foi oferecido vinho em primeiro lugar
por sua família, ou pela minha. Outro sinal revelador de que,
aos olhos de sua família, ela ainda era a criança que estragou
tudo.

— De qualquer forma, Dr. Costello, sentimos muito sobre


a confusão. — Disse Donna Turner.

— Tennessee já se desculpou. Várias vezes, na verdade.


— Inclinei-me na cadeira, meu queixo latejando de irritação.
— Não há necessidade de fazer um grande alarde sobre isso.

— Esse é o meu Cruzy, — minha mãe murmurou,


descansando a mão no meu ombro. — Tão maravilhosamente
indulgente.

Isso continuou e continuou durante toda a refeição de


três pratos. A conversa parecia andar em círculos:

Casamento de Wyatt e Trinity.

Quando eu finalmente me casaria com Gabby?


Messy Nessy precisaria descobrir como se estabelecer e
dar uma chance a Tim Trapp se quisesse se casar, embora ele
tivesse um problema de mau cheiro, duas ex-esposas e um
negócio naufragando.

Durante todo o tempo, a única coisa com que me


importava era que a irmã mais velha Turner parecia miserável.
Então, quando todos se retiraram para seus quartos (tanto
Tennessee quanto eu, tínhamos nossos próprios quartos
separados), imediatamente caminhei para a sua cabine para
verificar se ela estava bem.

Não me importava se ela não queria me ver. Alguém tinha


que lhe mostrar que não a via como uma merda colossal –
porque não era. Ela era a melhor do grupo.

Levantei meu punho para bater em sua porta assim que


isso se abriu e sua mãe saiu. As sobrancelhas de Donna
Turner se arquearam de surpresa.

— Dr. Costello! Este é o quarto de Nessy. Suponho que


esteja procurando o quarto de Trinity e Wyatt?

— Está supondo errado. — Mostrei meus dentes no que


esperava ser um sorriso. — Vim para ver Tennessee.

— Mas... por quê? — Ela parecia genuinamente surpresa.

— Ela parecia um pouco quieta durante o jantar. Queria


ter certeza de que estava bem.

Pude localizar meu objeto de desejo atrás do ombro de


sua mãe, dentro do quarto. Estava abraçando os braços e
olhando pela janela. O quarto era muito ruim. Não tão
espaçoso ou novo quanto o meu.

— Ah, bem. Apenas tenha cuidado. Não posso imaginar


que Gabriella ficaria feliz em saber que tem passado tanto
tempo sozinho com outra mulher ultimamente.

Donna lançou um sorriso bobo antes de caminhar pelo


corredor, de volta ao seu quarto. Observei-a ir embora, me
lembrando de que não desistiria de minha reputação de
mocinho, e de todo o poder que vinha com isso, por causa dos
problemas de outra pessoa.

Empurrei a porta, sem esperar que Tennessee me


convidasse a entrar. Apoiei um ombro contra a parede,
enfiando as mãos nos bolsos da frente.

— O que diabos aconteceu lá?

— O que quer dizer? — Ela ainda estava de costas para


mim, seu timbre fraco e ocioso. Como se tivesse se desligado
mentalmente.

— Eles trataram você como uma criança.

— Talvez seja assim que me veem.

— Bem, talvez seja hora de parar. Respeito tem que ser


exigido, ninguém vai dar isso a você de graça.

— É isso que veio aqui dizer?


Ela se virou, ainda se abraçando. Mesmo que seus olhos
estivessem secos, as luzes estavam apagadas atrás deles. A
mesma garota que jogava atrevimento no meu caminho
semanalmente na lanchonete tinha ido embora. Eu a queria de
volta.

Não o seu fantasma, que estava bem na minha frente


agora, fingindo que estava tudo bem.

— Ou veio aqui para me dizer quão legal Bear é, como


gostaria de dar-lhe alguma orientação, para deixá-lo jogar seus
videogames, ou o que quer que tenha sido aquela besteira?
Porque também não preciso da sua ajuda, Cruz.

Engraçado, ela parecia estar sem palavras quando sua


família a repreendeu, mas não teve problemas para explodir
minhas bolas pelo crime de respirar em sua vizinhança.

— Nah, o garoto tem um pai que quer estar na foto. Só sei


que os videogames são caros pra caramba.

— Isso ainda não explica por que está aqui.

— Para convidá-la para uma bebida. Agora mesmo. Você


precisa disso. Eu preciso disso. Seu filho está com os avós.
Vamos ser adultos de novo. Só por uma ou duas horas.

Ela ficou tentada. Poderia dizer, pela forma como a sua


mão tremulou sobre o colar de plástico, reorganizando-o sobre
o pescoço delicado.

— Quer dizer, no bar? Nossas famílias poderiam nos ver.


— Tentarei não gozar em seu peito nu, então, — disse
impassível.

Ela reprimiu um sorriso. — Não acho que seja uma boa


ideia.

— Não gozar em seu peito? Eu também. Publicamente,


pelo menos, mas tomar uma bebida não deve ser problema.
Então podemos ir para o meu quarto e fazer todas as coisas
divertidas.

— Não, não acho que devemos ser vistos juntos, ponto


final.

— Ser minha amiga te dará uma grande influência em


Fairhope. É o primeiro passo para ganhar respeito.

— Senhor, você realmente é um cara legal, não é? —


Fungou, exasperada.

— Se isso faz você se sentir melhor, dizem que sempre


nos damos mal.

— Não ontem à noite, você se deu bem.

Touché.
— E então, esse é o meu grande e ruim segredo.

Alguns drinques depois, em um dos muitos bares do


Ecstasy, tirei minhas inibições e disse a Cruz a verdade. Do
jeito que estava, ele parecia ser a única pessoa além de Bear
que estava no meu time no momento.

— Sou uma pessoa secretamente decente, ou pelo menos


tento ser. Atrasei-me para o cruzeiro no dia em que me buscou
porque precisava ajudar Trixie, a nova garçonete.
Simplesmente não podia deixá-la assim. E acho que seu
grande segredo é que pode ser um idiota.

— Nem sempre. — Cruz tomou um gole de sua cerveja.


Ele parecia muito bonitão esta noite. Talvez porque eu
soubesse o que estava esperando sob suas roupas. Todo aquele
músculo potente. — Mas não posso dizer que sentirei falta dos
Warren ou de Dalton e sua esposa, que, a propósito, parecia
uma vela derretida com uma peruca.

— Uma peruca ruim. — Gargalhei. — Eu tenho uma


confissão a fazer.
— Se está prestes a me dizer que fingiu comigo ontem,
não se preocupe. Vou me jogar para fora do convés agora
mesmo.

Rio, odiando que ele fosse tão irresistível.

— A boa notícia é... definitivamente não fingi.

— A má notícia é que está mentindo? — Arqueou uma


sobrancelha.

— Não, mas estava meio bêbada. Lembro-me de tudo,


mas... as coisas estavam um pouco confusas.

O sorriso sumiu de seu rosto e uma explosão de tristeza


passou por mim. No final das contas, comecei a me importar
com o que Cruz pensava, o que ele queria da vida. Eu não
queria desapontá-lo, mesmo sabendo que não estava
preparada para lhe dar o que obviamente merecia.

— Seriamente? — Perguntou. — Eu não vi você beber


muito.

— Na mesa de blackjack. Quando não estava olhando. —


Dei a ele um olhar envergonhado.

Ele acariciou o queixo, refletindo sobre isso. — Devo me


sentir um canalha por tirar vantagem de você? Porque meio
que me sinto.

— Está brincando comigo, flipping109? Basicamente,

109-A personagem deveria dizer “fucking” e a frase seria: está brincando comigo, porra?
ataquei-o na frente do seu velho amigo. Eu só não queria...
sabe, mentir para você, ou omitir a verdade. Como quiser.

— Eu terei certeza de tê-la sóbria e atenta na próxima vez.

Não haverá uma próxima vez.

— Sim, haverá.

Clap.

Disse isso em voz alta?

— Disse. E você disse isso em voz alta também.

Tirando meu coquetel de frutas do bar pegajoso, coloquei-


o nos lábios e chupei o canudo. — Prometemos um ao outro
nenhum rala e rola quando saíssemos do cruzeiro.

— Exatamente. E, tecnicamente, ainda estamos em um


cruzeiro.

— Um cruzeiro cheio de membros da nossa família.

— Felizmente, ambos temos nossos próprios quartos e


temos idade suficiente, caso sua família realmente a tenha
convencido de que não é uma adulta.

— É perigoso aqui.

— Diga que não me quer, — ele desafiou, seu rosto


ficando sério e intenso de repente.

— Se nossos pais descobrirem, isso será o meu fim. Eu...


— Você é uma adulta, capaz de tomar suas próprias
decisões. Diga que não me quer, Tennessee.

— E não pense que de repente ficarei bem com você


colocando suas coisas em mim e me engravidando por
acidente...

— Não está ouvindo. Perguntei a você uma coisa muito


simples: diga que não me quer.

— Eu não posso! — Lancei meus braços no ar,


exasperada. — Cristo, não posso dizer isso. Porque não é
verdade.

— Então me deixe fazer isso por você. Deixe-me estar ao


seu serviço, ajudá-la a superar o desconforto de ir para a cama
com um homem. Somos uma combinação perfeita. Será
sazonal, passageiro e ótimo. Pare de deixar que os outros
comandem sua vida. Assuma o comando. Você conquistou
isso.

Depois, Cruz me acompanhou de volta ao meu quarto,


mas quando chegamos à minha porta, ele continuou
caminhando em direção ao final do corredor, me levando com
ele através do tapete cor de vinho e dourado.

Não perguntei para onde estávamos indo. Eu sabia.

E estava no jogo. Ele estava certo. Era hora de


desbloquear minha sexualidade, e que melhor maneira de fazer
isso do que em um navio chamado Ecstasy?
Desta vez, quando me despiu, não houve piadas, nem
brincadeiras. Ele o fez lenta e meticulosamente, mantendo seu
olhar no meu o tempo todo, seus dedos tremendo um pouco.

Beijou meus ombros nus primeiro, depois meus seios.


Minhas palmas abertas vieram em seguida – lambeu entre
meus dedos, sua língua quente girando dentro e fora deles – e
quando alcançou entre minhas pernas, ele lambeu cada
centímetro de mim lá, chupando e mordendo.

Quando estava esparramada em sua cama,


completamente nua, me sentindo preciosa e poderosa, ele
circulou o colchão como um tigre enjaulado, me observando de
todos os ângulos. Abriu sua carteira, que estava em sua mesa
de cabeceira, e puxou um preservativo.

— Você ficaria com alguém aqui, de qualquer maneira,


não é? — Murmurei, seguindo-o com os olhos semicerrados.

— Nenhuma delas teria sido tão memorável quanto você.

— Não acredito que estamos fazendo isso.

— Não acredito que esperamos tanto, — respondeu.

Ele fez um show ao rolar o preservativo sobre seu pênis,


e respirei irregularmente e cheia de ansiedade quando cutucou
minha entrada. Beijou minhas pálpebras, então minha testa,
então minha bochecha.

— Lamento que tenha tido que lidar com tanta besteira,


mas prometo não permitir que nada que não queira aconteça
entre nós.

Eu, contudo, já sabia que não era verdade, porque meu


coração dava voltas cada vez que ele olhava para mim, e sabia
que nunca me permitiria tê-lo.

Eu estava com muito medo. Muito frágil.

Ele me beijou quando entrou em mim. No início, doeu


como o inferno, e fechei os olhos com força e segurei-o como
meu bote salva-vidas. Mesmo que devesse ter me sentido
patética – uma virgem mãe solteira de vinte e nove anos – ele
me fez sentir bonita, valiosa e rara.

Quando começou a se mover dentro de mim, meu coração


deu saltos perigosos, alegres e ansiosos dentro do meu peito, e
tinha oitenta e três por cento de certeza de que estava tendo
um ataque cardíaco. Eu raramente pensava nisso, mas o que
aconteceu com Rob realmente me ferrou. Cada vez que fechava
meus olhos, flashbacks fechavam atrás de minhas pálpebras.

Rob enfiando a mão na minha calcinha e rindo


rispidamente quando Cruz nos viu.

Rob enfiando em mim enquanto eu fechava os olhos e


tentava pensar pensamentos agradáveis, porque eu era sua
namorada, e queria ficar com ele, e Molly Hough me disse que
ele me largaria se não lhe desse a mercadoria antes de ele ir
para a faculdade.
Rob me dizendo que tudo ficaria bem. Que ninguém
engravidava na primeira vez. E mesmo assim, acabei de
terminar minha menstruação, certo?

Rob balançando a cabeça quando finalmente consegui


encurralá-lo do lado de fora da porta de sua casa, frenético e
histérico.

— Olha, Nessy, não é nada pessoal. Sou muito jovem, ok?


Faça o que tem que fazer, mas me deixe fora disso.

As lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto.

Eu estava preocupada que Cruz fosse parar, mas ele não


parou.

Cruz beijou cada uma delas, deslizando para dentro e


para fora de mim, não por causa de seu próprio prazer,
suspeitava, mas porque ele sabia que se parássemos, eu me
sentiria um fracasso completo e não poderia enfrentá-lo ou a
mim mesma.

— Eu sinto muito. — Ele beijou meu nariz e acreditei nele.

— Sinto muito. — Ele beijou o lado do meu queixo.

— Lamento imensamente.

Depois dos primeiros minutos porém, ficou muito bom.


Não incrivelmente bom. Eu ainda estava muito mais confortável
com Cruz Costello me comendo do que chegando
perigosamente perto de colocar um bebê em mim.

Mesmo assim, A pelo esforço e B+ pela maneira como isso


me fez sentir. Cheia, difusa e saciada.

Eu não gozei, mas cheguei perto.

Ele gozou, e assim como prometeu, assim que soube que


seus meninos estavam nadando para o norte, puxou para fora,
deu-se alguns puxões com a camisinha ainda colocada e
encontrou sua liberação dentro dela.

Depois, apenas olhamos para o teto em silêncio. Seu


braço foi jogado sob meus ombros. Annie Hall110 estava
passando no mudo na TV à nossa frente. Estava dividida entre
chorar e começar uma briga com ele. Não fiz nada disso.

Apenas puxei os pelos loiros encaracolados de seu peito e


murmurei em sua axila — Tudo bem se eu passar a noite aqui?

Ele beijou meu cabelo, mas não respondeu.

Tomei isso como um sim.

110-Filme de comédia romântica.


Os próximos seis dias foram uma felicidade inesperada,
repleta de bons momentos com Bear durante os dias e noites
escaldantes com Cruz.

Nossas famílias fizeram muitas coisas juntas, mas


consegui escapar da maioria delas, citando o fato de que eu
não era quem os Costellos realmente precisavam conhecer e
tinha um filho adolescente que não achou o bridge e o golfe
muito divertidos.

(Essa parte era mentira. Quer dizer, não era, Bear não
achava bridge e golfe divertidos, mas ele estava com Landon
na maioria dos dias, me deixando trabalhar no meu bronzeado
e ler os livros que Trinity trouxera com ela.)

Já que Bear ainda estava ficando com Mamaw e Papaw,


eu tinha a cabine só para mim. Ainda fazia questão de sempre
visitar Cruz para nossas escapadas sexuais.

Nossas famílias confiavam cegamente na virtude (e


sanidade) de Cruz de não querer me tocar, então ninguém
poderia imaginar quanto tempo estávamos passando juntos.
Principalmente quando todos ainda achavam que ele estava
com a Gabby perfeita. Nem mesmo quando ficou claro que
nenhum de nós jamais foi a nenhum dos encontros para um
drinque depois do jantar.

Senti que Catherine tinha uma suspeita. Ela tentou me


encurralar uma vez depois do jantar e casualmente me
perguntou se eu conhecia Gabriella, a quem ela se referia como
sua futura nora, embora qualquer pessoa sã pudesse dizer que
o nome de Gabriella Costello simplesmente tinha muitos L's
nele.

— Ela é a dama de honra da minha irmã — respondi


secamente, tomando um gole do meu chá gelado.

— Que interessante. Alguém poderia pensar que Trinity


teria escolhido você.

Encolhi os ombros. — Trinity tem direito às suas


decisões. De qualquer forma, tenho certeza de que Gabriella e
Cruz terminaram.

Eu disse isso para lembrá-la de que não me senti


ameaçada, embora realmente sentisse. Não por ter alguma
ideia sobre namorar Cruz.

— Tenho certeza de que vão voltar. Ele se preocupa muito


com ela.

— Ele com certeza se preocupa, senhora.

Eu queria dizer que não era verdade. Que era comigo que
ele se importava. Que em outro mundo, em outra época,
poderíamos ter sido um casal.

Se eu não tivesse dado um soco na sua garganta. Se não


tivesse saído com seu melhor amigo quando, na verdade, era
por ele que eu ansiava, como o resto da cidade.

Eu era um clichê. Amar Cruz Costello era como ter um


pôster de Brad Pitt ou Tom Cruise em sua parede nos anos
noventa.

Mesmo que eu não tivesse embalado nenhuma das


roupas que Cruz comprou para mim e insistentemente vestido
minhas próprias coisas, suavizei pelo bem do Bear, e dei uma
pausa no spray do meu cabelo e um feriado do acrílico para
minhas unhas.

Claro, mamãe e papai eram os de sempre comigo, e


Trinity era uma grande chata, correndo atrás de Catherine
Costello o tempo todo, bajulando-a, arrulhando para cada par
de brincos, sapatos ou túnica que usava.

No geral, contudo, me diverti. Então, quando nossa


viagem chegou ao fim, uma grande parte da minha felicidade
ficou naquele navio. Assim que voltamos à terra e ao concreto,
as duas famílias entraram no modo de logística.

— Querida, Wyatt e Trinity estão alugando um carro.


Podem levar você e Bear para casa. Não se importa, não é,
Wyatt? — Meu pai se virou para ele.

Wyatt, que tinha um beicinho malcriado, quase infantil,


um rosto elegante, mas nada do charme e carisma que seu
irmão possuía, chutou uma pedra no estacionamento. — É um
pouco fora do caminho, mas qualquer coisa para minha
cunhada e Bear.

Sim. Ele definitivamente carecia de algo no departamento


de magnetismo.

— Vou dar uma carona para eles, — Cruz se ofereceu.

— Oh, Cruzy, realmente não há necessidade. — Catherine


colocou a mão em seu braço. — Podemos levá-los de volta.
Tenho certeza que você quer parar na clínica antes de chegar
em casa.

— Multitarefa é meu forte. — Cruz se aproximou de Bear


e eu, e meu coração saltou como um peixe fora d'água.

Cada vez que ele tinha sido bom e doce comigo


publicamente, as borboletas causavam estragos dentro de
mim. Não sei por quê. Ele era bom e doce com todos.

Provavelmente porque ele era bom e doce com todos.

Cruz pegou minha mala, levando-a para seu Audi.

A Sra. Costello disse nãããão em câmera lenta.

— Eu vou no banco da frente! — Bear bateu com o punho


no ar.

Cruz deu uma risadinha. — Talvez da próxima vez, filho.

Filho.
A ideia de alguém chamando Bear assim me deu vontade
de chorar. Então, novamente, tudo me deu vontade de chorar
quando estava ao lado de Cruz.

Isso é bom, disse a mim mesma. Isso significa que


realmente não gosta dele. Nenhuma história de amor começa
com “ela não podia deixar de querer chorar toda vez que ele
estava no mesmo cômodo...”

— Isso é legal da sua parte. — Ofereci a Cruz um sorriso


educado, como se não tivéssemos cavalgado os genitais e
rostos um do outro três vezes por noite todas as noites nos
últimos sete dias.

Eu quase não consegui me convencer a agradecê-lo.

Não sei por quê.

Simplesmente parecia crucial, para mim, parecer uma


mulher que não precisava dele e não tinha muito interesse por
ele. Nenhum da variedade carente e entusiasmada com a qual
estava acostumado.

A viagem de volta ao bangalô passou agradavelmente,


com Cruz e Bear falando sobre videogames e eu olhando pela
janela, vendo a paisagem deslizar e me forçando a não fingir
que éramos uma unidade familiar pequena, mas feliz.

Passei tantos anos sem me permitir fantasiar, que


começar a fazê-lo com alguém que estava ao mesmo tempo ao
alcance e tão longe era uma receita infalível para um colapso
mental.
Eu tinha que proteger minha vida. Meu coração.

E, acima de tudo, minha calcinha.

Chega de bebês, Tennessee Turner. Vai sair desta cidade


em poucos anos, sem aprofundar essas raízes.

Quando paramos em frente da minha casa instável, Cruz


desligou o motor e se virou para Bear.

— Se importa se eu tiver uma conversa particular com


sua mãe?

— Não vai ser mau com ela, vai? — A mão de Bear parou
na maçaneta da porta no banco de trás. Ele olhou entre nós
dois, agudamente protetor comigo.

Meu coração disparou.

— Honra de escoteiro. — Cruz levantou dois dedos.

Eu gostava de como ele não chamava Bear de amigo ou


parceiro como Wyatt fazia. De uma forma condescendente,
achava enfadonho. Bear acenou com a cabeça, e Cruz
estendeu a mão para oferecer-lhe um golpe de punho, que Bear
retribuiu.

— Tem certeza que vai me deixar jogar na sua sala de


jogos? — Bear perguntou novamente, cético.

— E pedir pizza para nós. Envie-me um texto. Avisarei


quando estiver livre.

Essa conversa definitivamente não deveria ter feito minha


calcinha derreter, mas derreteu.

— Eu já volto, Care Bear.

— Ok, mãe.

Bear saiu do carro, contornando-o para abrir o porta-


malas e tirar nossas malas.

Cruz se virou para mim. — Quero ver você neste fim de


semana.

— Você me vê toda semana.

Aja com calma. Aja com calma.

— Não seja engraçada.

— Não estou sendo engraçada, estou sendo uma pessoa


prática. O que aconteceu com você não querer que eu manche
seu nome com minha reputação e comigo não querendo
chatear minha família?

Cruz abriu a boca para responder, mas uma batida na


janela do passageiro me fez pular no assento. Abaixei-a para
encontrar a carranca estrondosa de Bear olhando para mim.

Eu nunca o tinha visto tão abertamente furioso. Bear era


a criança mais relaxada do planeta Terra.

— O que está acontecendo?

— Ele está aqui.

— Quem é ele?
Bear apontou com o queixo em direção à nossa porta da
frente.

Chicoteei minha cabeça para encontrar Rob sentado na


escada que conduz à nossa varanda. Levantou-se quando viu
que o havíamos notado, oferecendo um aceno manco e incerto
em nossa direção.

Ele parecia um pouco melhor do que da primeira vez que


veio, cerca de três semanas atrás. O gesso havia sumido agora,
e estava recém-barbeado e usando um terno.

— Cruz? — O rosto de Rob se iluminou e


momentaneamente esqueceu que tinha vindo aqui pela família
que deixou para trás. — Puta merda, cara. Costello?

— Rob! — Cruz exibiu seu belo sorriso Old Spice estou-


montando-um-cavalo111, e saiu de seu carro, correndo em
direção a Rob.

Os dois homens deram aquele abraço de palmas nas


costas e riram, circulando um ao outro, se esforçando para
agradar enquanto falavam. Eu não sabia o que esperar, mas
certamente não era isso.

Cruz não tinha falado sobre Rob com carinho – ou nada


– durante o cruzeiro. Depois de um tempo, naturalmente
assumi que ele era do Time Tennessee.

111-Old Spice é uma marca de desodorante masculino que é conhecida por ter comerciais muitas vezes

sem sentido. Em alguns deles o ator está montando um cavalo e sorrindo. No dia a dia, a frase é usada
quando se tenta reforçar que você é foda.
— Ah, o tio Cruz é amigo desse estranho. — Bear me tirou
do meu devaneio, abrindo a porta do passageiro para mim e
me ajudando a sair.

Senti-me enjoada.

Eu não podia acreditar que Cruz deu a Rob uma recepção


tão calorosa depois de tudo o que compartilhamos nos últimos
dez dias.

— Por favor, pare de chamá-lo de tio Cruz. Ele não é seu


tio.

— É nisso que estamos nos concentrando agora? — Bear


levou nossas malas até a porta, de mau humor.

— Deixe-me falar quando chegarmos lá, — disse a ele.

— Por quê? Ele foi um idiota comigo também, lembra?

— Confie em mim, lembro, mas isso precisa ser tratado


com sutileza.

— Mãe, você e a sutileza nem podem coexistir no mesmo


universo.

Meu estômago parecia que alguém o tinha enchido de


pedras antes mesmo de eu chegar ao limiar da minha porta.

Bear estava bem ao meu lado, e quando Rob o viu pela


primeira vez – uma cópia carbono de si mesmo quando tinha
treze anos – cambaleou para trás com o impacto. Como se o
rosto de Bear sozinho o ferisse de alguma forma.
— Jesus Cristo. — Ele tapou a boca com a mão. Seus
olhos eram duas luas verdes brilhantes.

— Yup. — Bear estourou o P, ignorando completamente


meu pedido para que não falasse. — Chama-se genética, pai.
Procure na Internet.

— Desculpe por ter ligado, Bear. Eu só... — Rob estava


tentando encontrar as palavras certas.

Sim, boa sorte com isso.

Bear soltou uma risada metálica. — Lamente por não ter


estado aqui por treze anos, idiota. Vejo você do outro lado.
Estarei lá dentro se precisar de mim, mãe.

Com isso, Bear beijou minha bochecha, empurrou a porta


de tela e entrou com nossas malas. Eu nunca amei mais aquele
garoto.

Virei-me para Rob com uma carranca. — Não posso


acreditar que você ligou para ele.

Embora, na verdade, pudesse. O que mais poderia


esperar de um bas...carta112 egoísta e narcisista?

— Você não me deixou escolha — Rob disse suavemente,


seus ombros caídos. — Não atendia nenhuma das minhas
ligações.

— Eu deveria processá-lo. — Processar, estrangular, dar

112-A personagem deveria ter completado a palavra e dito “bastard” que significa bastardo.
um tiro, tanto faz.

— Eu tenho o direito de vê-lo. — Rob me lembrou


sensatamente.

Cruz estava ao lado de Rob, como uma planta de casa


inútil, embora linda.

— Como foi seu cruzeiro? — Rob tentou o desvio como


estratégia.

Ótimo, cavalguei seu melhor amigo.

— Não é da sua conta. — Cerrei meus dentes. — Esta é a


última visita não anunciada que me faz, entendeu, Gussman?

— Trabalhei no seu jardim enquanto não estava aqui. E


fiz um cheque para você. Começarei a pagar pensão alimentícia
a partir de agora. Aqui. — Rob enfiou a mão no bolso, pescando
um pedaço de papel amassado.

Peguei-o, rasguei-o na frente de seus olhos, e fiz um show


ao jogar os pedaços no ar como confete, pensando que não era
tão agradável quanto as pessoas faziam parecer nos filmes,
desde que eu realmente precisava do dinheiro e agora também
precisaria limpar a bagunça de pedaços de papel depois.

— Você me pagará pensão alimentícia, mas o tribunal


decidirá a quantia que vai pagar e tudo será oficial. Não
fingiremos que está me fazendo nenhum favor. — E, porque
odiava que Cruz estivesse assistindo toda essa provação, me
virei para o meu caso. — Bem? Você teve seu show por hoje.
Obrigada pela carona. Por que não vai até sua clínica agora,
Dr. Costello?

Os olhos de Cruz escureceram. Sabia que estava sendo


desnecessariamente tagarela, mas não tinha outra escolha. Eu
não podia mostrar fraqueza e não estava pronta para mostrar
nossa... o que quer que essa conexão fosse ou seria. Não até
que descobríssemos melhor.

— Eu te vejo mais tarde, Rob. — Cruz bateu no ombro do


meu ex-namorado antes de sair da minha varanda, ignorando
minha existência.

Éramos apenas Rob e eu agora.

— Eu não desistirei, Nessy.

Queria recuar fisicamente com o apelido. Pegá-lo como se


fosse um objeto inanimado e jogá-lo de volta nele.

— Eu não estou pedindo isso a você, e agora é Tennessee.

Ou pelo menos, eu queria que fosse. Gostei da maneira


como Cruz usou meu nome de batismo.

— Deixe-me falar com ele, mas nunca mais me ignore.


Falo sério, Rob. Você estragou tudo. Agora jogará de acordo
com nossas regras.

— Justo — disse. — Eu sinto muito novamente. Foi uma


noite ruim. Não sabia que tinham partido para um cruzeiro. Só
descobri após o fato. Pensei que você... que simplesmente o
pegou de mim e fugiu.
Arrepiei-me. — Eu nunca faria isso.

A menos que eu ganhe na loteria, mas ele não precisa


saber disso. E pude ver como isso pode ter parecido – tudo
bem, totalmente – parecido com isso.

— Sim. Eu sei disso agora. Minha mãe me contou sobre


o cruzeiro Costello-Turner. Ele é um garoto bonito. Parece
comigo quando tinha a sua idade.

— Que arrogância a sua pensar que era tão bonito ou


inocente.

— Vamos lá, você sabe que é verdade.

Não importa o quanto quisesse esfaquear Rob até a


morte, era difícil quando ele finalmente me deu o melhor
presente de todos, meu filho, e parecia que estava realmente
ansioso para conhecer Bear agora. E ele tinha ajeitado o
quintal... demonstrando disposição para se esforçar mais do
que preencher um cheque.

Além disso, não poderia deixar minha história pessoal


impactar as escolhas de Bear de conhecer sua família – talvez
até mesmo seus outros avós – e ganhar mais entes queridos a
longo prazo.

— Deixe-me falar com Bear. Vou acalmá-lo quanto à ideia


de conhecer mais sobre você, mas estou avisando agora,
Robert, não o pressionarei. Se ele não estiver aberto à ideia,
terá que dar-lhe espaço para respirar até que decida. —
Levantei um dedo no ar em advertência.
Rob acenou com a cabeça. — Há algo que possa comprar
para ele? Algo que particularmente deseja?

Pensei no jogo Assassin's Creed. Balancei minha cabeça.

— Bear não é subornável.

— Bom garoto.

— Sim, não graças a você. Não fique tão orgulhoso.

— Posso te perguntar algo fora do assunto? — Rob coçou


o lado da mandíbula, um gesto que trouxe de volta boas
lembranças que me fez querer vomitar.

Fiquei imaginando quantas pessoas já sabiam que ele


estava de volta à cidade e quem seria a mulher que ele decidiria
namorar agora que estava em casa.

— Não, — disse categoricamente. — O único assunto que


você e eu temos em comum é Bear.

Rob, porém, foi em frente, de qualquer maneira.

— Há alguma coisa acontecendo entre você e Costello?

Soltei uma risada, balancei a cabeça, virei as costas e bati


a porta na sua cara.

Quem me dera.
Mais tarde naquela noite, Bear e eu estávamos jogados
no sofá em frente a um reality show onde celebridades estavam
presas numa ilha, comendo minhocas e arroz cru, bebendo
gotas de chuva para sobreviver, enquanto brigavam sobre
ameaças existenciais como extensões de cabelo ou quem
realmente tinha implantes de bumbum.

— O que acha de dar ao seu pai a chance de se explicar?


— Perguntei casualmente, passando para Bear uma tigela de
pipoca recém-feita.

Bear enterrou a mão na tigela e jogou um punhado na


boca.

— Acho que isso nunca acontecerá.

— Nunca é uma palavra forte.

— É uma exata também.

Pensei sobre isso por um momento. Meus sentimentos


estavam dilacerados.

Uma parte de mim queria proteger Bear a todo custo,


para ter certeza de que ele não ficaria desapontado se Rob
decidisse se levantar e partir nos próximos meses, ou mesmo
anos a partir de agora. Afinal, o homem não tinha mostrado
um histórico excelente com suas escolhas de vida.

Por outro lado, não suportava a ideia de impedir meu filho


de ter uma figura masculina em sua vida – seu próprio pai,
nada menos. Não queria privá-lo de nada. Ele merecia ter dois
pais amorosos, e Rob afirmou que era um homem mudado.

— Sabe, — disse, esmagando um pedaço de pipoca na


tigela entre meus dedos. — Quando seu pai e eu nos
conhecemos, todos pensavam que ele se tornaria um jogador
de futebol profissional. Ele era um fã fanático dos Panthers.
Tinha uma bola de futebol com todos os autógrafos dos
jogadores, todos eles. E a manteve em um local frio e seco em
sua garagem para que as assinaturas não desbotassem. Uma
vez ele me disse que queria dar a bola para o filho. Pensei que
era uma coisa tão doce de se dizer.

Bear olhou para mim como se eu tivesse feito xixi em sua


tigela de pipoca, antes de revirar os olhos.

— Eu nem gosto de futebol. — Abri minha boca para dizer


algo, mas antes que pudesse, ele se levantou e balançou a
cabeça. — Também não gosto de idiotas. Portanto, isso não é
um bom presságio para ele. Se deixar as pessoas pisarem em
você, dará a elas o poder de machucá-lo. A boa notícia é que o
Dr. Costello está fora de perigo, embora sejam amigos, mas
apenas porque quero muito jogar Assassin's Creed. Boa noite,
mãe. Tennessee.
No dia seguinte, enviei uma mensagem para Rob durante
meu turno da manhã no Jerry & Sons e lhe disse que Bear
tinha pedido mais tempo.

Rob: Obrigado pela atualização. Vai me manter


informado?

Eu: Sim.

Rob: Encontrei seu pai no centro ontem. Tinha um pneu


furado. Ajudei-o a consertar.

Eu: Surpresa por ele não ter te matado.

Rob: Ele queria. Ajudou o fato de termos uma audiência.

Eu: Vergonha.

Rob: O que diria se eu te convidasse para jantar comigo?

Eu: Eu diria que está completamente delirando e


provavelmente deveria parar com as drogas.

Rob: Entendido. Vou tentar novamente na próxima


semana.
Cruz, porém, era outra história.

Eu não tinha responsabilidade para com ele e não havia


pontas soltas para amarrarmos. Ele tentou me ligar de manhã,
mas enviei direto para o correio de voz e sinceramente torci
para que não aparecesse no restaurante.

Tínhamos concordado em deixar nosso pequeno caso


para trás depois do cruzeiro, e agora que estávamos de volta à
cidade, não havia porquê prolongar o inevitável.

Três dias depois, após um longo turno cheio de clientes


condescendentes e confusão, uma mulher local que me acusou
de tentar anotar os detalhes do seu cartão de crédito quando
pagou (não fiz) e Coulter, que decidiu que pararia de fazer
comida com cebola, já que o fazia chorar, corri para o salão de
noivas onde Trinity estava experimentando o vestido.

Irrompi no meio do evento para encontrar minha mãe


sentada em um sofá estofado de creme nos fundos da loja de
noivas, chorando muito, e Gabriella bebendo uma taça de
champanhe com um rosto azedo e um vestido rosa brilhante.

Trinity estava no espelho das noivas com seu vestido de


noiva, um espartilho de renda impecável com uma cauda de
capela e um cinto de diamantes bordado. Estava fazendo
beicinho para o espelho, reclamando para a funcionária do
salão que o zíper estava cavando em sua gordura inexistente
nas costas.

— Como é que beberei água nessa coisa? Sabia que o


cruzeiro era uma má ideia. Eu nunca deveria ter ido ao bar
onde pode se beber tudo o que puder. Oh, oi, Nessy.

Ela teve um vislumbre de mim através do espelho do chão


ao teto a sua frente. Minha mãe e Gabriella viraram a cabeça
para olhar para mim.

— Oi, querida. — Minha mãe espiou, enxugando as


lágrimas do rosto. — Olha como sua irmã está linda.

Gabriella não disse nada. Encolhi-me no chão de


parquete em direção à área de estar e bati palmas.

— Trinity, você parece divina.

— Concordo sobre o zíper. Você realmente poderia usar


um pouco mais de espaço, ou talvez apenas faça uma dieta
radical. Atkins, alguém topa? — Gabriella murmurou, seus
olhos fixos em seu telefone enquanto percorria o Instagram,
curtindo fotos de pessoas com uma expressão sombria no
rosto.

— Ela não tem nenhum peso extra para perder, —


apontei, sentada ao lado de minha mãe.

— Sempre há peso a perder, — disse mamãe com


saudade, dando tapinhas em seu próprio diafragma, que era
geneticamente um pouco mais largo do que queria.

A funcionária da loja pediu licença para ir buscar o kit de


costura e saiu correndo da sala. Trinity girou no espelho,
descendo do degrau e se aproximando de nós.
— Estava contando a Gabriella sobre o cruzeiro. Foi
muito luxuoso, não acha?

— Sim. Muito chique. — Tentei não chamar muita


atenção para mim, sabendo que Gabriella e eu não éramos
exatamente melhores amigas.

— Sim. — Gabriella jogou o cabelo escuro sobre um


ombro, bebendo seu champanhe. — Cruz me contou tudo
sobre isso.

Ele fez isso agora?

Não achei que teriam muitos motivos para conversar,


considerando que terminaram. Então, novamente, eu
realmente não acho que Cruz ficaria tão feliz em ver Rob,
também, e ele se divertiu lhe dando tapinhas nas costas no
meu gramado.

— Vocês ainda estão se falando? — Trinity cantarolou,


seus olhos brilhando. — Isso é um bom sinal.

Queria estrangular minha irmã naquele momento, mas


me lembrei que ela não sabia que Cruz e eu tínhamos uma
coisa.

Gabriella colocou o champanhe em uma mesa próxima,


esticando as pernas bem torneadas. — Oh, sim. Estamos meio
que encontrando nosso caminho de volta um para o outro.
Lentamente. Acho que ambos surtamos um pouco, com você e
Wyatt se casando. É só muita pressão sobre nós dois, sabe?
Eu tenho meu novo negócio...
— Seu novo negócio? — As palavras voaram antes que
pudesse detê-las.

Ela se envaideceu. — Meu blog. Está realmente


decolando.

Parecia ótimo.

Gabriella continuou — E acho que ele sabe que sou a


coisa séria, então está... tipo, não sei, ansioso?

A palavra que está procurando é desinteressado, querida.

— Faz todo o sentido, — disse Trinity. — Vejo a maneira


como ele olha para você. Preocupa-se muito com você.

Eu queria muito vomitar.

— Cruz lhe disse que Gabriella e ele estavam dando um


tempo? — Minha mãe se virou para mim, alheia à bomba que
acabara de jogar na sala. — Vocês dois parecem ser amigos
hoje em dia. Eu nem tinha percebido que eram próximos até
que embarcaram no navio certo.

Os olhares de Trinity e Gabriella se voltaram para mim


tão rápido que fiquei surpresa que seus olhos não rolassem
para fora das órbitas. Peguei um folheto de noiva e o observei,
sentindo seus olhares abrindo caminho em meus órgãos
internos, desejando não corar.

— Ele pode ter mencionado isso, — murmurei, mas só


porque queria que fosse conhecido, no caso de se espalhar a
notícia de que Cruz e eu tínhamos compartilhado um caso, que
ele era solteiro no momento.

Destruidora de lares era uma coisa de que não tinha sido


acusada. Ainda.

— Pobrezinho deve ter ficado fora de si. — Trinity levou a


mão ao coração.

Ele ficou bem. Especialmente quando minha boca estava


enrolada em seu pênis e ficava me dizendo que eu era a garota
mais bonita da cidade, a cidade em que você também mora...

A vendedora voltou para a sala com seu kit de costura,


sorrindo amplamente.

— Senhorita Turner, por favor, volte para o degrau.


Tirarei as suas medidas novamente para poder consertar a
situação do zíper.

Trinity fez o que ela disse. Senti os olhos de Gabriella fixos


em mim, estreitos e ameaçadores, e fingi estudar um artigo de
noiva sobre marcas de freadas em vestidos de noiva.

— A propósito... — Trinity levantou sua trança loira para


que a mulher pudesse pressionar a fita métrica em sua
cintura. — Alguma notícia do Rob?

— Ele estava esperando por nós do lado de fora quando


voltamos do cruzeiro. Bear estava chateado com isso. Falei com
ele depois, e não parece realmente pronto para dar uma chance
ao Rob.

— Não é escolha dele, é? — Mamãe deu um tapinha no


nariz com um pedaço de lenço de papel usado. — Ele é apenas
uma criança. Deve fazer tudo o que você mandar. E você deve
lhe dizer que Rob é o seu pai e que precisa se controlar.

Isso chamou minha atenção. Imobilizei-a com um olhar


de desdém.

— Com licença? Espera que eu jogue pela janela a


confiança e o vínculo que tenho com meu filho para apaziguar
e obedecer aos caprichos de um homem que, até menos de um
mês atrás, fingia que não existíamos? Crew113. — Deixei o S de
fora intencionalmente.

— Espero que você faça a coisa certa e deixe-o te ajudar.


— Mamãe endireitou os ombros, um olhar altivo em seu rosto.

— Nós nos saímos bem antes dele. Bear vai encontrá-lo


quando estiver pronto, e nem um momento antes.

— Você está sendo teimosa, — afirmou minha mãe.

Você está julgando.

Seus lábios pressionaram em uma linha mais apertada.


— Pegue o dinheiro.

Tire seu nariz do meu negócio.

Eu não poderia, contudo, dizê-lo. Não tive coragem.

— Escute, Nessy, honestamente acho que ele é um


homem mudado. Quer dizer, está se esforçando muito.

113-A personagem deveria ter dito “screw that” que é “nem ferrando”.
Conseguiu um emprego com o pai dele e tudo, — Trinity
murmurou, ainda se olhando no espelho. — Wyatt me disse
que ele foi visitar os Costellos na noite passada. Eles tiveram
um grande jantar e tudo. Cruz e Wyatt também estavam lá.

— Sim. Cruz me contou. Conversamos sobre isso. —


Disse Gabriella automaticamente, deixando claro que ela e
Cruz estavam conversando.

Mije na perna dele, querida, por que não mijar?

O que me incomodou mais do que minha mãe me dizendo


para apressar Bear para conhecer Robert foi o fato de que Cruz
parecia se tornar seu amigo novamente imediatamente. Senti-
me tão estúpida por cair na cama com Cruz. Os dois
provavelmente estavam comparando notas sobre mim ontem
durante as cervejas.

— Olha, não estou dizendo que Rob não pode ver Bear ou
não pode viver nesta cidade. Tudo o que estou dizendo é que
estamos vivendo um dia de cada vez e nos acostumando a tê-
lo por perto novamente. Isso é tudo.

Depois que Trinity teve suas medidas refeitas, nós três


saímos da loja para um dia claro de verão. Gabriella deu um
beijo no ar em minha irmã nas duas bochechas e abraçou
minha mãe.

Mamãe enlaçou o braço no de Trinity e estava prestes a


guiá-la de volta para o carro. Trinity pôs a mão no cotovelo de
mamãe.
— Mãe, pegue o carro, sim? Tenho que falar com Nessy
por um segundo.

Uh oh.

Isso não poderia ser bom. Sempre que minha irmã queria
ficar sozinha comigo, era porque queria me repreender. Na
maioria das vezes, por causa de minhas maneiras e reputação.
Da última vez que isso aconteceu, tentou me forçar a pedir
desculpas a Tim Trapp por não ter saído com ele.

Fiquei ao seu lado como uma criança punida,


aguardando o veredicto depois de maquiar o cachorro.

Quando mamãe estava fora do alcance da voz, Trinity se


virou para mim com um sorriso educado no rosto. Como se
não fôssemos duas irmãs com um vínculo inquebrável, mas
estranhas que por acaso ocuparam a mesma casa por vinte e
três anos antes de eu me mudar.

— Nessy, sabe o quanto eu te amo.

— Sinto um mas vindo em minha direção. — Cruzei os


braços, já na defensiva.

Trinity soltou um suspiro, brincando com o fecho da


bolsa Gucci que Wyatt havia comprado para ela no Natal. —
Mas percebi que você meio que se jogou em cima de Cruz
enquanto estávamos de férias. Honestamente, foi um pouco
embaraçoso de assistir. Gabriella é minha melhor amiga e
minha dama de honra. Sei que não tenho o direito de lhe pedir
isso, mas poderia, por favor, tentar... recuar? Por mim? Eu não
suportava vê-la machucada quando era rejeitada daquela
maneira, sabe?

Queria jogar minha cabeça para trás e rir. Em vez disso,


encarei-a com uma calma mortal.

— Eu não tenho me jogado no Dr. Costello.

— Você tem que me prometer que não complicará as


coisas. Eu te amo tanto... — De novo, essa cobertura, a coisa
dita antes que algo doloroso saísse de sua boca. — Mas você é
a Messy Nessy, e muitas pessoas em Fairhope estão chamando
este de o casamento do ano. As pessoas estão me vendo para
variar. Por favor, não estrague isso para mim. Por favor.
Finalmente acho que estou chegando a algum lugar com
Catherine.

Estava feliz por ser tão boa em esconder meus


sentimentos, porque cada parte de mim queria vomitar em
seus sapatos confortáveis. Em vez disso, lhe mostrei um dos
meus beicinhos infames, encolhendo os ombros enquanto
deixei seus comentários rolarem nas minhas costas. Alguns
trabalhadores da construção civil passaram por nós e
assobiaram para mim a caminho de uma lanchonete.

— Olá, Messy Nessy. Oh, como gostaria de te levar para


uma voltinha.

Trinity torceu o nariz, enojada.

— Não se preocupe, irmãzinha. Estou ficando bem longe


do Sr. Calças Extravagantes. Gabriella pode ficar com ele. — E
porque estava cansada de ser a prostituta que não conseguia
apanhar um homem, acrescentei: — Rob quer outra chance.
Não sei. Talvez dê a ele. Apesar de todos os seus defeitos, ainda
é muito gostoso.

— Oh, Nessy, ouvi dizer que ele ainda é lindo! Uma amiga
minha o viu em uma churrascaria fora da cidade e disse que é
um verdadeiro sonho. Você deveria ir em frente.

Ela parecia tão aliviada, tão feliz por compartilhar uma


fofoca tão normal entre irmãs, ainda sim estranho para nós,
por um momento, estava realmente tentada.

Ok, não, mas ainda assim.

Trinity jogou seus braços em volta de mim, me apertando


em um abraço animado.

— Pense na história. Robert Gussman voltou depois de


todos esses anos e reuniu sua família de volta! Isso é
praticamente um conto de fadas.

Robert Gussman nunca teve sua família em primeiro


lugar, mas agora não era o momento de corrigi-la.

— Sim. — Sorrio, dando tapinhas nas suas costas. — É


uma bela história.

— Apenas fique longe de Cruz. Não precisamos desse tipo


de drama em nossas mãos.

— Claro que não.


Minha promessa de ficar longe de Cruz Costello durou
pouco mais de vinte e oito minutos.

Vinte e sete e quinze segundos, se estivesse contando, o


que claramente, não estava. Não foi minha culpa, visto que
entrei pela porta – para a minha casa, veja bem – e lá estava
ele, empoleirado no sofá ao lado de Bear, ambos segurando
controles, olhando para a TV, com os olhos arregalados,
gritando um para o outro nas duas direções, e palavrões em
decibéis mais adequados para o Madison Square Garden114.

— Pegue-o. Pegue-o. Ele. Tem habilidade suficiente. Eu


cuido de você, cara. Basta apontar para o coração, — Bear
praticamente rosnou, acotovelando Cruz. — Sabe onde está o
coração?

— Sim, idiota, sou um médico.

— Bem, que bom que mamãe me leva para o Dr. Finch


fora da cidade, porque seu diploma diz coração, mas sua
pontaria diz perna.

114-Uma arena coberta em Nova York.


— Estou tentando chegar ao centro, mas o desgraçado
continua jogando bombas de espinhos em mim.

— Cara! — Bear gritou, socando os botões do controle


com o polegar. — Eu sou um bastardo.

Minha garganta se fechou de horror, vergonha e... sim, aí


estava, culpa também, como se tivesse uma escolha no
assunto. Tentei proteger Bear deste termo por tanto tempo, fiz
o meu melhor para garantir que nunca se sentisse menos
que...

Cruz revirou os olhos, ainda olhando para a TV enquanto


movia o controle de um lado para o outro. — Se está
procurando simpatia, é melhor tentar na porta ao lado. Aqui.
Acabei com ele para você, n00b115. Agora, deixe-me voltar e
encontrar algumas poções vitais antes de eu morrer, porra.

Isso finalmente me fez sair da névoa estranha que tinha


se apossado de mim.

— Linguagem! — Rugi, batendo minha bolsa contra o


aparador perto da porta. — Esta casa é uma zona livre de
bombas P.

— Desculpe, senhora. — Cruz murmurou, os olhos ainda


colados na TV. Ele então deu a Bear um sorriso malicioso. —
Sua mãe é fofa.

115-Noob (ou n00b) é uma gíria que significa “novato”. É popularmente usada em comunidades de
jogos on-line pelos jogadores mais experientes quando querem fazer referência a jogadores novatos
ou a jogadores egoístas ou ignorantes.
— Cale a boca, cara. — Bear rosnou, acertando o braço
de Cruz com seu controle.

Cruz deu uma risadinha. — A vingança é uma bruxa.

— O que está fazendo aqui? — Entrei e fiquei na frente da


TV, bloqueando sua visão de personagens de aparência
medieval em capas correndo por um labirinto escuro enquanto
bombas incendiárias caíam ao redor deles enquanto gritavam
por eu estar no caminho.

— Bem, eu moro aqui. — Bear ergueu os braços em sinal


de rendição, como se não fosse culpado por deixar Cruz entrar.

— E dei uma carona para ele porque o vi andando com


um skate quebrado debaixo do braço enquanto estava voltando
para o trabalho.

— Sim. — Bear olhou para mim inocentemente. — Isso


também aconteceu.

— Como chegaram do Dr. Costello dando uma carona,


para o Dr. Costello sentado no seu sofá, ajudando-o a
esfaquear um monstro sangrento até a morte?

Além disso, não tinha dinheiro extra para comprar um


skate novo. Teria que fazer um empréstimo?

Virei-me para desligar a TV, ciente de que os olhos de


Cruz provavelmente estavam focados na minha bunda. Eu
ainda estava brava com ele por encontrar com Rob e ligar para
Gabriella, e francamente, por simplesmente monopolizar o
oxigênio em um planeta onde nossos recursos estavam lenta
mas certamente diminuindo.

Nota para mim: doar para uma instituição de caridade


ambiental quando e se eu conseguir me recuperar e pagar minha
dívida.

— Bear disse que estava com fome, então me ofereci para


lhe fazer o jantar. — Cruz sorriu de forma vitoriosa, sem se
deixar abater pela minha recepção nada ansiosa.

— A boa notícia é que Bear não tem mais três anos e pode
fazer sua própria comida.

— Mas é melhor quando outras pessoas fazem para você.


— Bear apontou.

— O que me lembra. — Cruz se levantou, jogando o


controle no sofá. — Preciso verificar o molho do macarrão e os
nuggets de frango. Volto logo.

— Eu vou com você, — ofereci-me.

Precisávamos trocar uma ou sete palavras. Fechei a frágil


porta na cozinha atrás de nós, tentando ignorar o cheiro de dar
água na boca vindo da panela no fogão e focando meu olhar
nele.

— Que diabos, Cruz?

— Você não está retornando minhas ligações. — Explicou


casualmente, mergulhando um dedo em uma panela cheia de
molho de tomate e colocando-o na boca. Então começou a
mexer o molho, antes de se mover em direção a um dos
armários com uma familiaridade que deveria odiar.

— Isso é porque dissemos que tínhamos terminado depois


do cruzeiro.

— Sobre isso, mudei de ideia. Não quero terminar depois


do cruzeiro. — Ele se moveu pela minha cozinha como se fosse
o dono do maldito lugar, adicionando o macarrão ao molho e
mexendo tudo.

— Infelizmente para você, são necessários dois para


dançar o tango.

— Nunca dançarei tango com você, querida. É uma das


pessoas mais desajeitadas que já conheci.

— É uma figura de linguagem. Eu não quero ficar com


você.

— Bem, isso é apenas uma mentira descarada, e como


condição, não aceito mentiras. Dê-me um motivo pelo qual não
devemos continuar dormindo juntos. Faça-o bem. — Foi até o
forno para verificar os nuggets de frango.

— Eu te darei um punhado, só porque sou generosa


assim. Um – é o melhor amigo do meu ex, com quem posso
entrar numa disputa legal por causa do nosso filho.

Cruz puxou a bandeja do forno com os nuggets de frango


fumegantes, acenando para mim. — Chamar Rob mais do que
um conhecido neste momento é um exagero. Encontrei-o para
jantar porque minha mãe o convidou. Não vamos atirar merda
tão cedo, e de qualquer forma, nunca irá tão longe como uma
disputa legal, porque Rob sabe que todos na cidade o matariam
se ele fizesse alguma merda.

Bufei. — Sim, porque sou a queridinha de Fairhope.

— Não, mas foi você quem ficou e engoliu tudo. A lealdade


das pessoas é sua, mesmo que não seja a escolha deles para a
cidadã do ano. Próximo motivo, por favor.

Soltei um suspiro rápido. Poderia ser assim tão simples?


— Gabriella. Você ainda está em contato com ela.

— Ela liga de vez em quando. O que devo fazer, desligar o


telefone no seu ouvido? E daí?

— Ela acha que vocês voltarão.

— Acho que as praias de nudismo deveriam ser abertas


apenas para gente gostosa. E daí se ela pensa alguma coisa?
Dificilmente torna isso verdade. Próóóóximo.

— Sua mãe está começando a suspeitar que estamos


dormindo juntos, — apressei-me em apontar, observando
enquanto ele colocava três pratos na mesa de jantar redonda e
lascada na minha cozinha, convidando-se para ficar. — Ela
insinuou isso quando estávamos no cruzeiro.

— Embora não seja a primeira escolha de nora de minha


mãe, não é da conta dela com quem eu durmo ou com quem
escolho viver o resto da minha vida. Não preocupe sua linda
cabeça com coisas que não têm nada a ver com você. Agora
que está resolvido...

— Espere, tenho mais!

Ele me agarrou pela cintura, me levantou e me tirou da


frente da geladeira com facilidade, colocando-me no balcão e
abrindo a geladeira para tirar uma garrafa de Coca Diet.
Colocou três copos na mesa também.

— Estou ouvindo.

— Trinity me pediu especificamente para não começar


nada com você. Ela não quer complicações no casamento.

Isso o fez congelar no meio do caminho. Ele se virou


lentamente, sua mandíbula latejando novamente enquanto me
observava com os olhos estreitos de falcão.

— Quer dizer que nossas vidas agora estão sendo


administradas por uma idiota de vinte e cinco anos que não
consegue nem reconhecer um idiota classe A quando alguém
a pede em casamento?

Ele tinha razão, mas não era tão simples. Trinity era
minha irmã. Não poderia ir contra minha família inteira por
uma aventura. Engoli em seco.

Cruz colocou a Coca na mesa, vindo em minha direção


com propósito e confiança. Sabia que Bear poderia aparecer a
qualquer segundo agora, e a emoção de ser pega fez meu pulso
acelerar, mas era mais do que isso – eu sentia falta de Cruz.
Cada nervo do meu corpo formigou quando pensei sobre as
mãos de Cruz em mim novamente. Seu corpo grande e forte
contra o meu. Ele parou seus braços em cada lado meu na
bancada, seus lábios a um centímetro dos meus.

— Estou farto de ouvir as pessoas me dizendo o que devo


e não devo fazer. Como devo e não devo agir. Quero você e você
me quer, e isso deve ser o suficiente. Fui claro?

Nunca pensei que seria uma daquelas mulheres que


gostava do possessivo macho alfa Eu-Tarzan-Você-Jane, mas
naquele momento, quando pude sentir sua ereção
pressionando contra minha cintura, quando seus olhos eram
veludo líquido, tão azuis que poderia me afogar neles, sabia
que havia uma chance bastante boa de fodermos. Inclinando
meu queixo para cima, meus lábios se moveram sobre os dele.

— Contanto que mantenha sua boca fechada e não diga


a ninguém, posso mantê-lo como um entretenimento
temporário, — murmurei.

Ah, por que não? Vamos admitir. Eu nunca me lembrava


de carregar aquele vibrador.

— Defina temporário. — Seus lábios estavam nos meus


quando falou, e parecia divino.

— Algumas semanas.

— Não. Detalhes a serem discutidos.

— Está perdendo o objetivo do entretenimento


temporário.

Na verdade, eu simplesmente não conseguia me imaginar


saindo com ninguém, sem mencionar um homem que poderia
me quebrar de uma centena de maneiras diferentes, sem nem
mesmo me tocar.

— Seu entretenimento temporário está ficando depois do


jantar. E quer você de renda preta assim que a criança dormir.

— Eu não tenho renda preta.

— Vestir nada é ainda melhor. — Ele me deu um beijo


rápido e se afastou bem a tempo. Bear entrou, arrastando seus
tênis pelo chão antes de se jogar em sua cadeira de sempre na
mesa de jantar, alheio.

— Massas e nuggets de frango. Simpático.

— Lavou as mãos, meu jovem? — Perguntei


afetadamente.

— Sim, senhora.

O jantar foi surpreendentemente tranquilo. Cruz e Bear


trocaram notas sobre seu videogame, surgindo com novas
estratégias sobre como matar o monstro chefe. Depois, Bear
nos contou sobre sua próxima viagem à cidade com sua vovó,
que deveria acontecer neste fim de semana.

Cruz deu uma espiada em mim. — Quanto tempo ficará


longe?
— Não sei. Tipo, seis ou sete horas, acho. — Bear
encolheu os ombros.

— Interessante.

Chutei Cruz por baixo da mesa. Forte. Ele riu em


resposta, obviamente ainda não se incomodando com meu
pânico.

— Você convidará minha mãe para sair ou algo assim? —


Bear olhou entre nós, mais intrigado do que enojado a julgar
por sua expressão.

Engasguei-me com minha Coca, cuspindo um pouco


dela, com uma boa porção saindo pelas minhas narinas. Cruz
parecia perfeitamente à vontade enquanto estudava Bear
casualmente.

— Indeciso. Qual é a sua opinião?

Bear usou um garfo e uma colher para enrolar o máximo


de massa que caberia na boca e deu uma mordida enorme. A
comida, tinha que admitir, era comestível, o que era incrível,
visto que Cruz era solteiro e amplamente considerado o maior
presente de Deus. Ele não tinha nada que ser talentoso na
cozinha e na cama.

— Terei que pensar sobre isso. Se namorarem e depois


terminarem, não poderemos mais jogar videogame.

— Mas, se namorarmos e acabarmos nos casando, você


terá sua própria sala de jogos.
Quase tossi um pulmão, tão perturbada quanto estava.
Isso foi totalmente cruel. Um homem como Cruz nunca se
casaria com uma mulher como eu. Bear teve que bater nas
minhas costas porque pensou que algo ficou preso em meus
tubos de ar.

— Ninguém vai se casar! — Gritei.

— Tia Trinity vai. — Bear disse, voltando-se para Cruz —


De qualquer forma, sim, pode convidá-la para um encontro se
posso ficar com sua sala de jogos.

— Não é assim que funciona. De qualquer forma, se


decidirmos sair, sua mãe gostaria que mantivesse em segredo.
Ela tem vergonha de mim.

— Por quê? — Bear inclinou a cabeça para o lado,


olhando para mim acusadoramente.

Ganhei tempo enfiando um nugget de frango na boca e


ficando com uma queimadura de terceiro grau na língua.

— Isso não tem nada a ver com vergonha. Simplesmente


não somos compatíveis, é por isso. As pessoas podem ter algo
a dizer.

— As pessoas sempre têm coisas a dizer sobre qualquer


coisa. — Bear cuspiu. — E daí?

Cruz deu-lhe um soco de punho e agora eu era


oficialmente a oposição nesta dinâmica de jantar. Eu não
conseguia acreditar que tudo o que Cruz tinha que fazer para
formar uma coalizão com meu filho era jogar um videogame
com ele, e jogar alguns nuggets no forno na mistura, e isso era
eu, vendida para o casamento?

Depois que Bear foi para a cama, Cruz serviu uma taça
de vinho barato para nós dois. Ficamos na sala de estar, dando
a Bear a chance de adormecer. Assistimos ao noticiário sem
realmente assistir ao noticiário, sentados na beirada de nossas
poltronas, esperando ansiosamente que meu filho
adormecesse.

Ao contrário de outros meninos de treze anos que ficavam


perfeitamente contentes em ficar acordados a noite toda e
então lutavam para acordar para a escola no dia seguinte, Bear
caiu como um tronco. O garoto poderia dormir até o fim
durante uma terceira Guerra Mundial. Suspeitei que fosse
devido à sua agenda lotada durante o dia, que normalmente
incluía andar muito de skate de um lugar para outro, escola,
dever de casa e ajudar seu Papaw com alguns trabalhos
manuais todas as tardes.

— Acha que ele dormiu? — Cruz perguntou quando o


relógio bateu onze.

— Há uma boa chance, mas deixe-me verificar


novamente.

Levantei-me e caminhei até o quarto de Bear, sentindo


Cruz se movendo atrás de mim. Quando cheguei ao corredor
estreito, empurrei a porta de Bear, revelando uma sala
aconchegante cheia de pôsteres de Zelda e Halo e Tony Hawk
e Rodney Mullen. Bear estava roncando, dormindo de lado,
toda a parte superior do corpo fora da cama. Resisti ao desejo
de colocá-lo em uma posição normal.

— Apagado, — sussurrei.

Caminhamos na ponta dos pés para o meu quarto e


fechamos a porta. Assim que ficamos sozinhos, rodeados pelo
silêncio da noite, minha cama queen-size e nada mais, me
senti constrangida novamente. Mudei-me para o meu velho
armário sem porta, removendo meus brincos baratos enquanto
falava.

— Não diga coisas assim de novo. Sobre se casar comigo,


quero dizer. É maldoso com Bear. Começará a pensar que está
falando sério. Ele é uma criança, é literal.

— Você é uma adulta e é literal. — Cruz começou a


desabotoar sua camisa preta. — E, além disso, não estava
brincando. Recuso-me a deixar a opinião de outras pessoas me
foder se não estiverem me dando um orgasmo também. Eu me
reservo o direito de fazer o que quiser para e com você.

— Quando decidiu isso? — Perguntei, indignada.

— Eu não sei. — Encolheu os ombros. — Em algum


momento desta semana, quando me peguei recebendo o
número de telefone de uma mulher para quem não queria ligar,
ouvi um boato de que você estava vendendo maconha na
Fairhope High para pagar pelo seu Botox, mas me vi
completamente imperturbável pelo que dizia sobre mim se
saísse com você.

Era besteira, e ambos sabíamos disso. Ele tinha muito a


perder. Mesmo que não tivesse, namorar com ele não valia a
ira da minha família e dos habitantes da cidade. Abri minha
boca, mas ele me calou com um beijo escaldante, encharcado
com doces lembranças e fome, e o alho do molho de macarrão
que havia feito. Mordendo seu lábio inferior, puxei suas calças,
me atrapalhando sem sucesso com os botões e zíperes.

— O que é isso, um maldito cinto de castidade?

Ele riu em nosso beijo rispidamente, empurrando meu


uniforme dos meus ombros, arrancando-o de cima de mim.

— Ainda tenho as roupas que comprei para você em


minha casa. — Desabotoou a frente do meu minivestido. Seus
dedos se afundaram profundamente em minha pele, deixando
marcas.

— Queime-as. — Mordi seu pescoço mal barbeado,


empurrando a mão em sua calça e segurando sua ereção
enorme descaradamente.

Ele sacudiu alegremente na palma da minha mão em


saudação.

Olá para você também, lindo.

— Só se vier me ajudar, — desafiou Cruz.

— Eu pretendo ir, tudo bem.


Estranhamente, porém, quando pensei sobre aquelas
roupas, não fiquei cheia de um pavor teimoso e desafiador.
Acontece que gostei bastante daquelas roupas ridiculamente
caras e de algumas das memórias criadas nelas.
Principalmente as flutuantes de estilo boêmio que me faziam
parecer uma das gêmeas Olsen116 levando o lixo para fora.
Senti falta deles (os vestidos, não das Olsens. Quer dizer, eram
ótimas em Full House, mas nunca vi as coisas recentes).

Um minuto depois, estava deitada de costas na cama, o


observando colocar uma camisinha. Ele rolou os quadris,
deslizando para dentro de mim em um movimento
dolorosamente lento, sorrindo para mim. Girou seus quadris,
reunindo meu cabelo em seu punho e puxando-o para estender
meu pescoço e me fazer olhar para ele. Os planos de seu rosto,
suas maçãs do rosto impressionantes de partir o coração, eram
demais para mim. Eu gemia alto, sem me importar com o fato
de que havia outra pessoa sob este teto.

— Senti falta disso. — Minha respiração estava


entrecortada, minha voz tensa.

— Eu senti falta de você.

Naquele momento, odiei admitir, mas Trinity não


mapeava meu universo. Nem Wyatt, Gabriella, Catherine
Costello, meus pais, nem todo o estado da Carolina do Norte.
Apenas Cruz, e a maneira como me fez sentir.

116-Mary-Kate e Ashley Olsen são atrizes estadunidenses muito famosas desde pequenas. Fizeram
séries como Full House (Três é Demais em português) e diversos filmes de comédia.
— Acho que acabou de encontrar meu ponto G. — Peguei
seu rosto em minhas mãos.

— Quer dizer, aqui? — Ele puxou e empurrou


profundamente dentro de mim novamente, um estrondo rouco
vindo de seu peito.

— S-i-m.

— Só para deixar claro, esse lugar aqui? — Ele se retirou


e afundou em mim mais uma vez.

— Ohhhhh.

— Este aqui, certo?

Estava tão perto do limite que não sabia o que fazer


comigo mesma. Felizmente, não precisava saber. Cruz fez todo
o trabalho por mim. Entrou em mim rápido e forte, seu pau
deslizando novamente e novamente, criando uma fricção
deliciosa. Meu clímax subiu em espiral como uma trepadeira
de hera, circundando e acorrentando todos os órgãos do meu
corpo. Foi tão intenso. Tão delicioso que não conseguia parar
de ofegar. Meu corpo implorou por liberação.

— Cruz. Cruz.

Ele me beijou rudemente, enfiando a língua na minha


garganta para me calar.

— Shhh. Acordará a criança e nunca mais visitarei o


Tennessee.
A risada floresceu dentro do meu peito, uma mistura
estranha de felicidade e tesão tomando conta de mim. Um
minuto depois, estava surfando na onda mais intensa de
orgasmos em cadeia que já tive em toda a minha vida. Ponto.
Ponto final. Ponto de exclamação.

Assim que Cruz sentiu minha liberação, ele me virou de


bruços, como se eu fosse leve como uma pena, e entrou em
mim por trás. Abrindo minhas coxas e ficando de joelhos,
senti-o me empurrando de volta, um pouco mais rudemente do
que o seu médico de confiança deveria.

— Pernas fechadas e bunda para baixo, querida. Mais


fricção.

— Você tem um lado sujo. Gosto disso.

— Bom, porque há um monte de coisas sujas que quero


fazer com você.

Ele estava certo. Isso era muito mais sexy do que o estilo
cachorrinho clássico que tinha visto na pornografia (ok, vamos
tirar do caminho – assisti um monte de pornografia antes de
ter relações sexuais com Cruz). Era requintado, rude e cheio
de paixão. Senti como se ele estivesse me incendiando. Outro
orgasmo percorreu meu corpo rapidamente.

Cruz gozou também. Desta vez dentro de mim. Quando


saiu de cima de mim, beijou minha têmpora e disse — E não,
não está grávida.

Estremeci. — Você me conhece nauseantemente bem.


Ele colocou os lábios no meu couro cabeludo, refletindo
sobre isso. — Sim, conheço, não é?

— Desde o jardim de infância.

— Berçário, — ele me corrigiu.

— Ugh, — gemi. — Estamos velhos.

— Melhor do que permanecer jovem para sempre. As


implicações não são tão grandes.

— O que realmente aconteceu hoje? — Perguntei em seu


peito duro, meus dedos mais uma vez emaranhados em seus
pelos do peito. — Bear realmente quebrou seu skate?

Porque eu teria que quebrar alguns cofrinhos para


comprar um novo para ele. Era seu meio de transporte favorito.

— Sim.

Houve um breve silêncio.

— Com o meu incentivo, suponho. — Ele se apoiou em


um cotovelo, me estudando com seu olhar confiante e
tranquilo que me fez sentir como uma semente desabrochando
em uma flor ao sol.

— Você me enganou.

Seu peito retumbou com uma risada que estremeceu


contra meu ouvido.

— Precisávamos de uma boa desculpa.


— Poderia ter encontrado uma desculpa mais barata, —
protestei.

— É apenas uma pequena pastilha. Ele disse que seu avô


pode colá-la novamente. Do contrário, darei a ele meu velho
skate que tenho no porão. Não corro o risco de usá-lo
novamente. As crianças gostam de coisas vintage como essas
hoje em dia.

— Deixe algum espaço para Rob tentar ganhar o afeto de


seu filho. — Rio, maravilhada com o quão bem Cruz e Bear
eram juntos.

Isso deixou Cruz tenso. Meu nariz se contraiu e tentei


muito não parecer envergonhada. Que tipo de coisa estranha
para dizer ao homem de quem jurou ficar longe (para sua
irmã), que estava atualmente na sua cama. Eu realmente era
uma figura.

— Vou agir com cuidado, — disse Cruz, finalmente.

Sabia que ele queria dizer com Rob, mas eu queria muito
que ele tivesse misericórdia de mim também.
— Lá está ele, o homem do momento, o amado da cidade.
— A Sra. Underwood, que tinha aproximadamente mil anos,
veio cambaleando em minha direção do lado de fora da clínica
depois que encerrei o expediente.

Fiquei imóvel, interiormente socando meu próprio rosto


por me esquecer de verificar as janelas antes de sair do
trabalho. Sempre havia alguém querendo um favor. Uma
carona, um diagnóstico médico rápido, alguns conselhos de
vida.

— Ouvi dizer que está tratando a esposa grávida de Beau


Duggar por baixo da mesa, porque ela não tem seguro. Isso é
gentileza sua. — Acenou com sua bengala em minha direção,
me mostrando sua dentadura incrivelmente branca.

— Obrigado, Senhora.

E então, porque ainda estava enraizado em mim, porque


estava tão profundamente e agudamente apegado ao papel que
este lugar me designou, me forcei a acrescentar — Posso levá-
la a qualquer lugar, Sra. Underwood? Casa, talvez?
— Oh! — Ela colocou a mão no peito. — Tem certeza?

Não.

— Absolutamente.

— Que bom que ofereceu. Na verdade, estava a caminho


da casa da sua mãe, se é que pode acreditar. Estamos
trabalhando no próximo almoço.

— Será um prazer.

Também seria o meu inferno. Mamãe morava do outro


lado da cidade, o que significava uma viagem mais longa na
direção oposta ao meu destino, na presença da maior
fofoqueira da cidade, mas não poderia voltar atrás, não é?

— Adorável. Ela me disse que vai ajudá-la a arrumar os


assentos no jantar de ensaio da semana que vem. Deve estar
animado para ver Wyatt se casando novamente.

— Imensamente.

— Você é o próximo?

— Infelizmente para a futura Sra. Costello, — brinquei


suavemente.

— Ah, vamos. Qualquer uma adoraria tê-lo, Cruzy.

Não a garçonete mais famosa e gloriosamente


escandalosa da cidade, ao que parecia.

Depois que deixei a Sra. Underwood – e a acompanhei até


a porta da minha mãe, de braços dados – voltei à cidade para
tirar algumas fotos promocionais do Programa de
Conscientização do Bem-Estar do qual participava.

Correria uma maratona com mais algumas pessoas para


arrecadar dinheiro para uma fundação destinada a ajudar
crianças que sofrem de obesidade. Quando terminei o material
promocional, olhei para o relógio para ver se tinha um
momento para verificar Tennessee na lanchonete.

Eu tinha cerca de três minutos antes de precisar voltar


para casa e me preparar para a despedida de solteiro de Wyatt
na cidade.

Meus banhos, meus lanches, meus intervalos para o café


– tudo era cronometrado perfeitamente com um cronômetro
para garantir a máxima eficiência de tempo.

Estava prestes a abrir a porta do Jerry & Sons – quase


pude identificá-la pelas janelas – quando uma pequena figura
cheirando a flores bloqueou meu caminho.

— Dr. Costello! Que bom vê-lo. A verdade, esperava


encontrá-lo.

A Sra. Holland se jogou a minha frente, em um cardigã


pastel, jeans de grife e uma bolsa Chanel. Seu cabelo moreno
chanel era pontiagudo, seus olhos astutos e frios. Poderia dizer
que Gabriella era sua prole, porque as duas pareciam
perpetuamente compostas e ávidas.

— Senhora. — Sorrio pacientemente, temperando o gesto


com um breve beijo em sua bochecha. — Como está se
sentindo hoje?

Tradução: a menos que esteja prestes a cair morta e


precisar de assistência médica, se afaste da porta e me deixe
dizer oi para minha namorada.

Mas Tennessee era realmente minha namorada?

Provavelmente não.

Na verdade, sem dúvida ela me acertaria com um objeto


pontiagudo se a chamasse assim em público. Porém, na minha
cabeça, poderia chamá-la do que quisesse.

— Estou bem, obrigada. E você?

Olhei por cima do seu ombro para Tennessee dentro da


lanchonete, servindo uma mesa de adolescentes ranhosos que
fingiam deixar cair alguns utensílios para olhar sua saia. Eles
riram quando ela se abaixou, e pela primeira vez, realmente
prestei atenção neles, não nela. Meu sangue gelou. Como
ousam.

— Bem. Bem. — Ouvi-me dizer, sem prestar atenção.

Ela virou a cabeça para seguir meu olhar, percebeu para


quem eu estava olhando, então me perfurou com um olhar.

— Gabriella disse que você e ela estão dando um tempo.

— Decidimos parar de nos ver, sim.

— Bem, isso é uma pena. Ouça, sei como é, certo? O pai


de Gabriella era exatamente como você. Muito procurado.
Bonito, rico e bem-educado. Teve problemas para se
estabelecer, encontrar paz com apenas uma mulher. Entendo
o charme e o fascínio que certas mulheres têm sobre os
homens. — Sua voz se tornou aguda, quase estridente. Nós
dois sabíamos exatamente a quem ela estava se referindo. —
Mas estou aqui para lhe dizer, querido, que Gabriella ainda
está interessada. Você se divertiu no cruzeiro e agora ambos
podem deixar isso para trás. Às vezes, um homem precisa
desabafar. Tirar as coisas de seu sistema antes que siga em
frente. Melhor ter feito isso agora do que depois que se casar.

Eu queria dizer que sua filha não conseguia nem competir


com o dedinho do pé de Tennessee Turner.

Gabriella era um lindo presente amarrado com uma fita


e Tennessee era uma tempestuosa bomba-relógio envolta em
uma armadilha... e ainda assim, era ela quem eu queria.

Porque, contudo, eu era eu, o melhor cara vivo, inclinei


minha cabeça com falsa humildade.

— Sinto muitíssimo, Sra. Holland, mas realmente preciso


ir.

Agarrou meu antebraço com seus dedos ossudos,


pressionando com força para me impedir de ir.

— Ouvi dizer que estava recebendo algum tipo de prêmio


médico. Isso é verdade?

— Sim. O AAFP. American Academy of Family


Physicians117.

Ela me agarrou pelo colarinho, entrando na frente do meu


rosto, seu sorriso se transformando em uma carranca.

— Ouça aqui, Dr. Costello. Minha filha é inteligente,


bonita e ganha um bom salário. O melhor partido nesta cidade
esquecida por Deus. Ela está disposta a percorrer um longo
caminho para fazer ambos acontecerem. Odiaria vê-lo estragar
tudo em algum caso de uma noite que se estendeu por um mês
ou dois. Sem mencionar que as pessoas começarão a falar, e
eu odiaria que isso acontecesse.

Eu não tinha ideia de como a Sra. Holland chegou à


conclusão de que Tennessee e eu éramos um casal, mas lhe
perguntar seria uma forma de confirmar nosso
relacionamento, algo que minha namorada relutante não
queria e eu não precisava.

Então, em vez de alimentar minha curiosidade, dei um


passo para trás.

— Senhora, tenho o maior respeito por sua filha, mas


estou em um lugar onde preciso pensar muito sobre meu
próximo passo, e não seria justo com ela se eu fosse desonesto.

Quando saí das garras pacificadas (retraídas) da Sra.


Holland, estava cerca de dez minutos atrasado para voltar para
casa. Lancei outro olhar irritado para a lanchonete. Tennessee
agora estava espantando um motorista de caminhão que havia

117-Academia Americana de Médicos de Família.


passado pela cidade e parecia estar persistentemente flertando
com ela.

A verdade é que não me senti nem um pouco poderoso


naquele momento. Senti-me como um capacho. Encurralado
por permitir que os habitantes da cidade tratassem Tennessee
da maneira que quisessem. E restringido pela própria
Tennessee por reivindicá-la como minha e protegê-la do jeito
que sempre quis, mas no final das contas, responder a sra.
Underwood, ou a sra. Holland, ou apenas pegar a porra que
queria da minha namorada estava fora de questão.

Eu era bom demais. Muito decente.

Balancei minha cabeça e fui para casa.

Uma hora depois, eu estava no inferno.

Mais especificamente na Mercedes do meu irmão


enquanto dirigíamos para Winston-Salem para sua despedida
de solteiro. Eu era o motorista designado, porque o Dr. Cruz
Costello – adivinhou – estava sempre de plantão.

Isso, por si só, não era tão ruim.

Precisava cortar o álcool, de qualquer maneira, se


quisesse manter o corpo ágil de corredor, mas o fato de Wyatt
ter ido em frente e convidado Rob? Isso era imperdoável.
Completamente estúpido.

Já tinha sido ruim o suficiente suportar a presença do


babaca durante o jantar outro dia, enquanto minha mãe o
bajulava e reclamava sobre como Tennessee era uma vergonha
para Fairhope, mas agora tinha que passar uma noite inteira
com ele, junto com Tim Trapp e Kyle, um dos filhos inúteis que
era responsável pelo título de Jerry & Sons.

— Por que seu primeiro casamento acabou? — Rob


perguntou a Wyatt do banco do passageiro, abrindo uma
cerveja. Parecia muito menos inconsolável do que naquele dia
em que o encontrei na varanda de sua ex-namorada.

— Ela era uma viciada em cocaína e me secou


financeiramente, mas, cara, era uma gostosa. E o seu? —
Wyatt chupou sua caneta vape118.

— Meu primeiro casamento acabou devido ao fato de que


Julianna era uma maldita vadia. — Rob deu um soluço e bufou
meio que misturado, o que não lhe rendeu nenhum ponto,
tomando um gole de sua cerveja. — Era uma vaca mal-
humorada e sempre reclamava quando tínhamos que mudar
de lugar por causa do meu emprego – como se fosse minha
culpa precisar viajar de escola em escola para ser técnico? E
Dani, bem, Dani era um amor.

118-Também conhecido como vaporizador, foi concebido para estimular o fumo àqueles que queriam
parar com o cigarro convencional por causa da nicotina. Agora, os adolescentes usam para parecer
“legais” e tentam se exibir aos amigos.
Ele engoliu o resto de sua bebida.

— Então o que aconteceu? — Kyle perguntou, sentado no


banco de trás, enrolando um baseado.

— Ela descobriu que eu tinha um filho.

— Mulheres. — Wyatt suspirou, sugando sua vape. —


Sempre tão dramáticas.

Todo mundo riu.

— Ela planejou uma viagem a Fairhope para me


surpreender no meu aniversário, me trazer de volta para
minha cidade natal, ver meus pais, e tive que lhe explicar
porquê não podíamos vir. — Rob lamentou.

— Você escondeu dela o fato de que tinha um filho? —


Perguntei.

Foi a primeira vez que falei desde que pegamos a estrada,


então todos se viraram para mim para garantir que ouviram
direito. O silêncio desceu sobre o carro antes de Rob
responder.

— Não estou exatamente orgulhoso disso, cara.

— Parece que só voltou para casa porque todos os outros


planos falharam. — Eu disse asperamente.

O rosto de Rob ficou sério e colocou de lado sua lata de


cerveja vazia. — Vim para casa porque era hora de agir como
um homem. Eu cometi um erro. Estou pagando por isso agora.
— Águas passadas. — Wyatt acenou com a mão, tentando
acalmar as coisas. — Você está de volta, está tudo bem.

— Olha, sei que realmente ferrei tudo com ela. Nessy,


quero dizer.

Julianna e Dani também, Senhor Ferra-com-Tudo.

— Vai tentar reconquistá-la? — Kyle lambeu o rolo de


papel de seu baseado de um lado para o outro.

Tim estava cochilando no banco de trás neste ponto entre


Kyle e Rob, totalmente apagado. Era o que acontecia quando
se tinha que pagar pensão alimentícia a duas mulheres
diferentes e manter três empregos.

— Claro que sim. — Rob deu uma risadinha. — Nessy


ainda tem um corpo assassino, uma boca atrevida e é a mãe
do meu filho. Pontos de bônus – ela se sustenta, o que não
pode prejudicar minha situação financeira. Imagino que se
ainda não pulou na minha garganta por dinheiro, ela não vai.
— Ele gargalhou, balançando a cabeça. — Embora falei sério
sobre ajudá-la. Começar a pagar pelas coisas do Bear.
Enquanto isso, bancarei o santo torturado por alguns meses,
e, com sorte, rastejarei de volta para a sua cama por um tempo,
pelo menos. Acha que ela me aceitará?

— Claro, — disse Wyatt.

— Pode ser. — Kyle inclinou a cabeça.

Bufando, digo: — Ela não é estúpida ou desesperada,


sabe.

— O que você disse? — A mão de Rob encontrou meu


ombro.

Afastei-o.

— Nada.

Entramos num bar de esportes chique vinte minutos


depois.

Havia uma cabine de vinil preta reservada para nós.


Música country explodia nos alto-falantes, jogos de futebol
estavam passando em enormes TVs de tela plana nas paredes
e havia pessoas se esfregando e dançando a poucos metros do
bar, que se conectava a uma espécie de boate.

Tive a aguda sensação de ser o único adulto responsável


neste bar, com o QI médio do lugar equivalente ao tamanho de
um sanduiche comido pela metade. Wyatt era meu irmão,
então amá-lo era parte de um pacote, mas nunca entendi suas
decisões. Principalmente aquela sobre convidar um dos meus
ex-melhores amigos para sua despedida de solteiro.

As garçonetes – que vestiam roupas ainda mais curtas do


que o uniforme da lanchonete da Tennessee – serviam comida
em tangas pretas, um sutiã combinando e uma gravata de seda
branca. Começamos com uma rodada de bebidas e alguns
drinques de tequila, pedimos comida, e em seguida mais
drinques de tequila.

Todos tomaram o álcool como se fosse um esporte


competitivo enquanto eu observava e rezava para que ninguém
vomitasse na Mercedes no longo caminho de volta para casa.
O carro não era meu, mas seria uma dor de cabeça limpá-lo
depois. Sete doses e quatro cervejas depois, meu irmão e seus
amigos estavam pisando perto do território do desastre com
uma margem de envenenamento por álcool. Estavam quase a
meio passo de conseguir tatuagens iguais e horríveis das quais
se arrependeriam definitivamente mais tarde.

Wyatt, Kyle e Tim – o último parecia visivelmente mais


acordado depois de beber seu próprio peso em doses –
arrastaram suas bundas quase de meia-idade para a pista de
dança, esfregando suas virilhas contra garotas de faculdade ao
som de Sam Hunt e Blake Shelton.

Rob ficou para trás. Não precisava ser um gênio para


saber que era porque tinha contas a ajustar comigo. Estudei
meu copo d'água como se fosse a coisa mais interessante do
universo, me perguntando se poderia fazê-lo se afogar enfiando
a sua cabeça nele.

— Então. — Rob disse.

— Então.
— Eu meio que imaginei que pelo menos pegaria o
telefone e me ligaria depois que descobrisse que eu estava na
cidade. — Ele se recostou no vinil, me olhando por trás da
borda de seu copo de uísque.

— O mesmo poderia ser dito sobre você. — Minha voz era


concisa, suave. — Não fui eu quem sumiu por treze anos.

— A primeira vez que te vi novamente, você estava com


Nessy e não parecia muito feliz em me ver. — Rob colocou seu
uísque na mesa, angulando seu corpo inteiro em direção ao
meu. — O que está acontecendo entre você e minha ex, Cruz?

Levou tudo em mim para não lhe dizer a verdade. Que


estávamos transando, rindo, brincando e conhecendo um ao
outro. Que ultimamente Tennessee parou de borrifar em seu
cabelo algo que parecia plástico, e ficou sem as unhas
estranhas, e lentamente começou a perceber que as pessoas
poderiam vê-la como ela era, se apenas lhes desse uma chance.

Era como a frase de Cobain119: “Prefiro ser odiado por


quem sou a ser amado por quem não sou”. Ela decidiu ser ela
mesma, sem remorso. Honrando a si mesma e quem era. Não
fazendo reparações ou tentando apaziguar as pessoas da
cidade.

Eu estava mais do que pronto para juntar os pedaços que


havia deixado para trás, e não achava que ele merecia meia
chance com ela, mesmo que, infelizmente, ela tivesse que

119-Kurt Cobain foi um cantor, compositor e músico norte-americano famoso por ter sido o fundador,
vocalista e guitarrista da banda Nirvana.
aturar a sua existência por causa do filho, mas sabia que ela
nunca me perdoaria se eu contasse a verdade ao ex-namorado.

Tomei um gole da minha água. — Não tenho certeza se é


da sua conta.

— Eu sou o seu ex.

— Vocês eram crianças, e foderam antes de você


abandoná-la. Quer saber algo sobre a vida da Tennessee,
pergunte a ela, não a mim. — Bati meu copo contra a mesa.

— Não pense que não me lembro de como você costumava


ansiar por ela. — Ele parecia zangado, contemplativo e com
prisão de ventre. Acho que ele tentou parecer durão.

Um sorriso torto encontrou meus lábios. — Você está


bêbado.

— Pode ser, mas também estou certo, não estou? Terei


concorrência aqui? O mínimo que pode fazer por mim é ser
franco.

— Na verdade, Rob, devo a você merda no que diz respeito


a Tennessee Turner. Se minha memória não me falha, e
raramente falha, era eu quem deveria chamá-la para sair todos
aqueles anos atrás. Eu ganhei o jogo.

Será que eu estava realmente trazendo à tona o confronto


pedra-papel-tesoura de antes de minhas bolas terem caído
completamente como se isso significasse alguma coisa? Wyatt,
Kyle e Tim estavam tirando fotos de dentro do decote das
garçonetes e uivando para o teto, enquanto Rob e eu
estávamos envolvidos num olhar fixo que teria sido tenso se
ele tivesse sido capaz de se concentrar adequadamente em seu
estupor bêbado.

— Ainda está preso nisso? — Sua boca caiu. — Ela me


queria.

— Você a deixou, porra.

— Você não conhece a história toda.

A cabeça de Rob recuou e olhou para mim com tanto ódio


que me perguntei se algum dia o conheci. Eu estava
prejudicando seu plano cuidadosamente elaborado para tornar
Nessy a esposa número três.

Ele não estava preparado para a resistência de nenhum


de nós. Pensou que entraria facilmente e bancaria o papai para
Bear e o marido para Tennessee. Sua família em espera, que
ele manteve em banho-maria no caso de tudo o mais falhar. E
que Tennessee, na cidade onde todos ficariam tão felizes, tão
gratos, por ela o receber de volta, como se não tivesse orgulho
ou autoestima, o aceitaria. Como se não merecesse coisa
melhor do que ele – inferno, do que todos nós.

— Esclareça-me, então.

Wyatt agora dava um beijo francês em uma mulher que


definitivamente não era sua futura esposa em minha visão
periférica. Sentiria pior por Trinity, se ela não tratasse sua
irmã mais velha como se ela mesma tivesse sua vida toda
planejada.

Rob soltou o ar, se levantando e deslizando para fora da


cabine. Começou a andar.

— Eu era muito jovem. Muito jovem.

— Ela também.

— Cruz, eu lhe pedi que abortasse aquilo.

Vi vermelho. Tudo. Vermelho. Porra. Não conseguia ver


nada além do sangue que queria tirar daquele bastardo ao ver
como acabara de reduzir Bear – um garoto incrível que não teve
nada a ver sobre a criação – em “aquilo”.

— Aquilo agora tem um nome, também uma


personalidade, preferências e aversões. Aquilo estava
crescendo dentro dela. Mantê-lo era direito dela.

— Se eu tivesse ficado, nunca teria a chance de ser


alguma coisa. Queria mais para mim.

— Bem, estou feliz que esteja me contando o seu lado da


história, depois de ser tão abnegado e estoico por tanto tempo.
Estou realmente começando a torcer por você nessa jornada
heroica de autodescoberta, — disse sarcasticamente. — Está
planejando viajar pela Europa para se encontrar, a seguir?

— Ela decidiu por nós dois. Não foi justo. — Rob puxou
seu cabelo, balançando a cabeça.

— Justiça voou pela janela no momento em que virou as


costas para ela, seu bastardo.

Rob pegou sua bebida, esvaziando o copo em um gole e


batendo-o contra a mesa, zombando. Ele olhou para cima,
seus olhos vazios e frios.

— Você ainda está apaixonado por ela.

E você ainda não está. Se ele a amasse, nunca teria agido


da maneira que agiu, ou agiria assim.

— Basta lembrar, Cruz. Mesmo se transar com ela, ela é,


e sempre será, minha sobra. Estive lá primeiro. Provei-a
primeiro. Eu...

Não o deixei terminar a frase. Derrubei-o no chão, dando


o primeiro soco que acertou em cheio seu nariz. Ele se levantou
e cambaleou para trás, se firmando ao agarrar a borda de outra
cabine e a peruca de alguém.

A pessoa deu um tapa na mão de Rob. Rob sorriu para


mim, seus dentes ensanguentados com os vasos estourados
que provavelmente danifiquei com meu punho. Blake Shelton
cantou que Deus lhe deu alguém, e estava prestes a entregar
ao Todo-Poderoso outro filho Dele na forma de Robert
Gussman.

Meu ex-melhor amigo jogou todo o seu peso em mim, se


agachando para tentar me acertar no estômago. Fui mais
rápido, porém, para não mencionar sóbrio, e o evitei, fazendo-
o cair contra nossa cabine vazia em um monte de membros.
Ele gemeu de dor, ouvi a música mais baixa e as pessoas atrás
de nós correndo para interromper a briga. Agarrei a bainha de
seu colarinho, levantando-o e puxando-o até que seus olhos
encontrassem os meus.

— Não.

Soquei seu rosto.

— Se.

Soquei seu estômago.

— Atreva.

Chutei-o nas bolas.

— Chamá-la de sobra.

Soco. Soco. Soco.

Todo o rosto de Rob estava ensanguentado, mas ele ainda


conseguiu lançar um gancho direto na minha órbita quando
não esperava. Tropecei alguns passos, os braços de Wyatt me
pegando antes que eu voltasse e fosse para a destruição total
de Robert. Tim e Kyle puxaram Robert para longe, nos
separando.

— Puta merda, Cruz. Que porra é essa?! — Wyatt


explodiu, me empurrando violentamente em direção à porta,
sua expressão rugindo, seus lábios ainda brilhando com o
brilho labial de melancia de uma estranha.

Rob, Kyle e Tim ficaram para trás. Saímos para a noite


úmida de verão e soltei o ar, meu corpo zumbindo com
violência.

— Ele é um filho de uma – arma120.

— Ele era um de seus melhores amigos. — Wyatt apontou


para a porta do clube.

Os dois seguranças do lado de fora nos olharam como se


fôssemos convidados no Jerry Springer – quando o pai dos
bebês, que engravidou cinco mulheres em um período de três
dias, acabou de entrar para ouvir seus resultados de
paternidade.

— O que está acontecendo com você, irmão? Não pense


que não percebi que ficou confortável com a outra garota
Turner. Eu não disse merda nenhuma porque imaginei que a
largaria depois do cruzeiro, mas, Jesus Cristo, isso está
ficando demais.

— Demais o quê? — Desafiei-o, arqueando uma


sobrancelha.

— Muitos problemas para alguém como ela.

Joguei minha cabeça para trás e ri. — Você se casará com


a sua irmã.

— A sua irmã é diferente. Trinity é inofensiva. Um rato de


igreja.

— Bem, Tennessee é toda veneno e mel, perigosa mas

120-Em inglês, “son of a gun” (filho de uma arma) é uma forma mais educada de se dizer “filho da
puta”.
irresistível. Ela é melhor do que Trinity. Melhor do que todos.

— Na cama, talvez, mas...

Agarrei a bainha de sua camisa, não me importando mais


com a minha preciosa reputação.

Pressionei meu nariz contra o dele. — Não faça isso. É a


última vez que você fala assim dela, entendeu? Da próxima vez,
seu rosto terá o formato do meu punho.

— Uau. Ok. — Ele me empurrou, dando alguns passos


para trás. Virou-se e chutou uma lata de lixo, despejando seu
conteúdo na calçada. — Droga!

Ele andou de um lado para o outro. Robert, Kyle e Tim


saíram do clube, suados e desorientados.

Rob me olhou com homicídio em seus olhos, apontando


um dedo para o meu rosto. — Eu não entrarei em um carro
com esse psicopata.

— Melhor começar a andar se quiser chegar em casa pela


manhã. O oeste é nessa direção, caso seu traseiro bêbado
precise de um mapa. — Girei as chaves no meu dedo indicador,
indo em direção ao carro de Wyatt.

Todos se arrastaram atrás de mim, incluindo Robert.


Wyatt foi o primeiro a me alcançar.

— Isto é sério? — Perguntou.

Eu sabia exatamente o que ele queria dizer. Pesei os prós


de dizer a verdade. Não havia como pelo menos parte desta
noite não chegar até a Sra. Underwood, que se certificaria de
dizer a todos os outros em Fairhope. Não adiantaria fingir o
contrário.

— Sim.

— A mamãe sabe?

— Não.

— Vai contar a ela?

Esfreguei meu queixo. — Se Tennessee estiver de acordo,


de qualquer forma, vamos esperar até depois do seu
casamento. Não quero que sua noiva morra de ataque
cardíaco.

— Eu agradeço. Encontrar uma terceira seria um


aborrecimento.

— Não se menospreze. Ainda tem a maior parte do seu


cabelo e um pedaço respeitável de herança. Você ficará bem.
Só não conte a ninguém antes que Tennessee e eu estejamos
prontos.

— Entendido, mano.

Houve silêncio por alguns momentos. Fiquei pensando se


os outros caras nos ouviram. Não tinha certeza se queria que
eles soubessem ou não.

— Você beijou outra pessoa, — apontei para Wyatt.


Ele suspirou. — Meu irmão, nem todos os
relacionamentos são iguais. Trinity e eu temos uma ideia muito
boa do que queremos um do outro. Duvido que espere
fidelidade da minha parte. Ela só quer se casar com dinheiro e
parar de trabalhar.

— Bom, — eu disse. — Porque ela é uma enfermeira muito


ruim.

— Nessy é uma boa garçonete. Kyle disse que Jerry lhe


contou que ela recebe as melhores gorjetas.

— Ela é talentosa.

— Espero que ela te faça feliz.

— Wyatt?

— Qual é?

— Diga a Trinity o que aconteceu esta noite. Porque se


não o fizer, eu conto.
O dia seguinte era sábado e meu dia de folga. Uma
verdadeira bênção, considerando que não poderia aparecer na
clínica, em plena luz do dia, com a aparência de alguém que
levou um soco.

Um hematoma roxo-escuro se formou ao redor do meu


olho direito ao longo da noite, e pela manhã parecia que eu
havia sido assaltado.

Coloquei um boné de beisebol, meus óculos escuros e


caminhei para Jerry & Sons, onde Tennessee estava flutuando
entre as cabines, estourando seu chiclete rosa ruidosamente e
brincando com os clientes.

Deslizei para uma cadeira vazia e esperei que me notasse,


admirando a maneira como lidava com seu público como uma
estrela dos anos cinquenta. Ela tinha muito charme, o que a
fez explodir em cores e personalidade. Era insuportável aos
olhos daqueles que não podiam ser ela ou estar com ela.

Meu peito se encheu de orgulho quando percebi que ela


usava uma meia-calça preta por baixo do uniforme, então
ninguém mais podia ver por baixo do vestido.
Tirei meus óculos escuros e coloquei uma haste na gola
da minha camisa polo. Parecendo que levei um soco bem no
rosto, como se eu fosse um esquisito. Usar óculos dentro de
locais fechados só era aceitável se fosse:

1) Brad Pitt, ou

2) Cego.

Eu não era, pelo menos que eu saiba, nenhum dos dois.

Alguns momentos se passaram antes que Tennessee


virasse sua cabeça para o lado, sua risada saindo de sua
garganta com algo que Jerry disse, antes de me notar. Seu
sorriso caiu e ela colocou uma bandeja cheia de refrigerantes
e hambúrgueres no balcão, correndo para mim.

A cor sumiu de seu rosto, e foi assim que percebi que não
estava apenas usando meia-calça, mas também não usava
base suficiente para brilhar como um palhaço de circo. Estava
evoluindo, se tornando a versão mais autêntica de si mesma
que já vi, e eu queria crescer junto com ela.

— Santa ovelha121, Cruz! — Ela deslizou para a minha


cabine, agarrando minhas bochechas com as mãos e
estudando meu rosto. Parecia muito pior do que realmente era.
— O que aconteceu com o seu rosto?

— Caí.

121-Afrase deveria ser “holy shit” (caramba, santa merda), mas a palavra shit foi substituída por
“sheep’ (ovelha).
— Em que você caiu?

— Um idiota classe A.

— Terá que me dar mais do que isso, mas primeiro as


coisas mais importantes – posso pegar alguma coisa? Água?
Café? Um milkshake? Talvez um pouco de Tylenol? Esqueça
isso, te darei um Tylenol de qualquer maneira. Isso parece
desagradável.

— É principalmente inofensivo, mas o que estou prestes


a lhe dizer não é, então pegue uma xícara de café e sente sua
bunda linda.

Não estava acostumado a cortejar mulheres.

Eu não estava acostumado a aparecer em suas vidas


espontaneamente, que era exatamente o que estava
acontecendo com Tennessee. Desde que começamos a dormir
juntos no cruzeiro, ela não ligou, mandou mensagem ou me
deu qualquer indicação de que queria algo sério comigo. Em
algum ponto, teria que obter um pingo de empenho dela
também, mas por enquanto lhe dei alguma margem de
manobra, considerando suas inseguranças e sua história.

Ela me prendeu com um olhar ilegível, sua preocupação


se transformando em apreensão. — Isso não parece muito
bom.

— Depende para quem está perguntando.

— Espere aqui.
Um minuto depois, ela voltou com uma xícara de café
fresco e uma torta de maçã que já tinha visto dias melhores,
provavelmente no início dos anos noventa. Colocou dois
Tylenols na minha mão discretamente. Uma garçonete que
imaginei ser Trixie, a nova garota, assumiu as mesas de
Tennessee enquanto conversávamos, dando tapinhas em seu
ombro para mostrar sua lealdade.

Comecei explicando que não sabia que Rob apareceria na


despedida de solteiro, e então a coisa que ele me disse, sobre
eu pegar sua sobra, e como não me deixou escolha a não ser
dar um soco na sua cara.

— Então agora ele sabe que estamos nos pegando? — Ela


empalideceu.

Era isso que estávamos fazendo? Pegando-nos? Senti


uma segunda batida, desta vez no estômago. Queria corrigir
sua definição, mas agora não era o momento.

— Não necessariamente. Mantive vago. Não deveria estar


mais preocupada com o fato de que ele te chamou de sobra?
Este é o chamado homem reformado que quer uma segunda
chance com você.

Tradução: ele está tendo uma segunda chance com você


sobre seu cadáver, certo?

— Gostaria que você me deixasse lidar com Rob. Isto só


atrai mais atenção para mim, Cruz. — Esfregou a testa com
cansaço. — Messy Nessy ataca novamente, causando
problemas entre dois melhores amigos. Trinity vai me matar.

— Você não fez nada de errado, — apontei.

— Ela me disse para ficar longe de você.

— Não teremos essa conversa de novo. Você precisa se


defender.

— Quem disse? Alguém que ainda está tentando ser o


queridinho de todos?

Isso estava ficando velho. E cansativo.

Mesmo sabendo que ela estava certa – eu ainda era muito


agradável com todos por aqui, mesmo aqueles que precisavam
de um bom chute na bunda – levantei-me.

— Onde está indo? — Ela olhou para a esquerda e para a


direita, sussurrando e gritando.

Deus me livre se alguém soubesse que estávamos tendo


uma conversa íntima sobre algo que não tinha nada a ver com
como eu queria meus ovos fritos ou o casamento de nossos
irmãos.

— Encontrar uma namorada com coragem. Se vir uma,


mande-a em minha direção, ok?

— Uma namorada? — Ela deu um pulo na cadeira, seus


olhos grandes e selvagens.

Dei a ela um olhar desafiador, o-que-você-fará-sobre-isso.


Esfregou a nuca, as bochechas manchadas de vermelho.
— Acho... eu só... — Ela riu. — Ok. Uau. Isto está se movendo
rápido.

— Nós nos conhecemos desde do maternal. A propósito,


estava atrasada para aprender a usar o penico. — Eu disse
categoricamente.

— Eu tinha pesadelos. — Ela socou meu braço, rindo. —


E o que quero dizer é que há um mês eu nem sabia que você
gostava de mim.

— Bem, eu gosto. — Disse suavemente com um suspiro.

— Eu também gosto de você. Eu só... — parou,


balançando a cabeça. — Tenho medo da minha família, e para
ser totalmente honesta, também tenho medo de mim mesma.
Sou a Messy Nessy, bagunço as coisas. E estou com muito
medo por você. Podemos mantê-lo em segredo por enquanto?

Ah, sim. Messy Nessy não merecia nada de bom.


Especialmente quando esse algo poderia ofuscar o casamento
de sua preciosa irmã.

— Até depois do casamento, — digo secamente. — Não


viverei na vergonha. Não fiz nada de errado.

— Uma namorada. — Tennessee murmurou, com os


olhos arregalados. — Não sou namorada de ninguém desde os
dezesseis anos.

— Bem, é hora de alguém domá-la, Srta. Turner.


Virei-me e fui embora, saindo da lanchonete. Observei
pelo reflexo na porta de vidro enquanto ela corria para
sussurrar algo no ouvido de Trixie, depois me seguiu para fora,
sem se preocupar em se despedir de Jerry. Tennessee entrou
no meu carro, abaixando a cabeça para se certificar de que
ninguém a visse.

— Está me seguindo? — Perguntei alto demais enquanto


ela colocava o cinto de segurança, apenas para ser um idiota.

Ela sorriu para mim como uma louca, a cabeça enfiada


ao lado do porta-luvas, ainda se escondendo. — Pode ser. Para
onde estou seguindo-o?

— Minha casa.

— Agradável. Bear está com sua mamaw o dia todo, e


mencionou que quer uma festa do pijama para que possa
ajudar meu pai amanhã de manhã a montar uma casa na
árvore para seu vizinho.

— Tudo o que ouvi foi um tempo de qualidade com minha


namorada.

Ela alcançou o console central e beijou minha coxa, ainda


fora da vista de quem olhava dentro do meu carro.

Era secreto e proibido, e até um pouco louco.

Uma calamidade esperando para explodir em meu rosto


de uma forma muito pública, nada no estilo Cruz.

E adorei isso.
Acordei na cama de Cruz com um café quente, um
croissant aquecido e um bilhete.

Querida namorada,

Shanna Duggar, a esposa de Beau, entrou em trabalho de


parto esta manhã e me chamaram para ajudar. Estarei de volta
o mais rápido possível. Suas roupas estão do lado direito do
meu closet (não se desespere).

Cruz.

Agarrei a nota no meu peito. Em vez de enlouquecer,


pensei em como seria bom namorar Cruz.

Depois que acordei e usei uma escova de dente


sobressalente que ele deixou para mim em seu banheiro, fiz
um tour por conta própria. Eu nunca tinha estado dentro da
minha casa dos sonhos da Barbie antes.

Ontem, estávamos ocupados demais fazendo sexo e


devorando comida para viagem para que fosse apropriado
pedir um tour. Além disso, uma parte de mim ainda estava
fortemente protegida em torno dele.

Não era exatamente uma situação de igualdade.

Ele tinha tanta influência sobre mim, sendo quem ele era,
e eu sendo quem eu era, que não queria apontar que tinha
sonhos vívidos de morar nesta casa desde que era
praticamente uma criança (ainda não treinada para usar o
penico).

A casa era linda por dentro. Com paredes com detalhes


em viga, móveis em estilo rancho e interruptores de luz
dourados. Ele tinha uma cozinha branca clássica, ampla com
muito espaço, e repleta de padrões e tecidos. Os banheiros
tinham banheiras com pés em garra e todos os tipos de
sabonetes que aposto que eram estritamente decorativos, mas
queria usar de qualquer maneira, o filisteu122 que eu era.

Não havia nenhuma dúvida em minha mente que este


lugar foi projeto da paixão de um designer de interiores caro
de fora da cidade, e, por um minuto, queria chorar de tão
impressionada com o quão bonito e familiarmente íntimo
parecia.

Corri para encontrar a sala de jogos, aquela que Bear


queria visitar, quando ouvi a campainha tocar.

122-Significa ser grande, desajeitado.


Parei no meio do caminho.

Meus instintos me disseram para não atender – não era


a minha porta, afinal, e Cruz e eu tínhamos planejado manter
isso em segredo pelo menos até o casamento de Wyatt e Trinity
(e, vamos admitir, muito depois disso, também, se eu pudesse).

Então, novamente, Cruz havia saído de casa com muita


pressa. E se estivesse esperando por algo e agora contasse
comigo para receber? Peguei meu telefone e enviei uma
mensagem rápida.

Tennessee: Ei, namorado. Sua campainha está tocando.


Devo atender?

Sua resposta veio menos de cinco segundos depois.

Cruz: Por favor.

Bem. Na pior das hipóteses, estava usando um dos lindos


vestidos da Anthropologie que ele me comprou. Então, se fosse
alguém da cidade, poderia dizer que estávamos trabalhando
nos arranjos de última hora para o casamento de nossos
irmãos.

A campainha tocou novamente e corri do segundo andar


para a entrada, abrindo a porta.

Gabriella estava do outro lado da soleira, seus grandes


cachos negros e brilhantes e seu sorriso fino no lugar. Tinha
um bronzeado profundo e um vestido azul-claro na altura do
joelho, não muito diferente do que eu estava usando. Seu
sorriso caiu assim que me viu.

— Messy Nessy.

Não havia ponto de interrogação em sua voz, nem muita


surpresa também.

Inclinei o quadril contra o batente da porta, desapontada


por não ter chiclete para estourar em seu rosto enquanto a
recebia. — Sherlock. Como posso ajudá-la?

Eu me permitia ter uma atitude com ela quando Trinity


não estava por perto. Minha vingança pessoal por todas as
vezes que me maltratou enquanto estávamos em sua
companhia.

— O que está fazendo aqui? — Ela agarrou sua bolsa de


palha em seu punho, mostrando seus dentes muito brancos.

— Cruz e eu estamos comparando os RSVPs123 com a


disposição dos assentos mais uma vez antes do jantar de
ensaio. — A mentira escorregou de entre meus lábios tão
naturalmente que fiz uma nota para me dar um tapinha nas
costas depois que ela fosse embora.

Ela levantou uma sobrancelha cética. — Espera que eu


acredite nisso?

— Não espero nada de você, mas gostaria de continuar


meu dia. Então, se pudesse me dizer como posso ajudá-la mais

123-Répondez s'il vous plaît, em francês, que significa “responda, por favor”. O RSVP é utilizado pela
pessoa que deseja confirmar quem irá ao evento que será realizado.
cedo ou mais tarde, agradeceria.

— Quero falar com Cruz.

Ela ergueu o queixo. Tinha que admitir, lidou com a


situação com (relativa) graça. Sabia melhor do que ninguém
quão desesperada ela estava para pegar o solteiro favorito de
Fairhope.

— Desculpe, ele foi ajudar os Duggars a dar à luz.

— E ele a deixou ficar na sua casa? — Esticou o pescoço


para olhar dentro.

Por princípio, estreitei um pouco a porta, para manter o


interior longe de seus olhos curiosos.

— Não soe tão chocada. Não poderia roubar todos os


objetos de valor, mesmo se quisesse. Quero dizer, como diabos
devo remover aquele sofá Astoria antigo? A menos que queira
me ajudar?

Isso realmente a irritou.

— Oh, isso é um absurdo!

Gabriella me empurrou para dentro de casa com um


movimento rápido, se juntando a mim e fechando a porta atrás
dela. Por um momento, suspeitei que ela tentaria me matar,
mas então lembrei que poderia aguentá-la. Sem mencionar que
ela nunca seria capaz de esconder meu corpo. Era a pessoa
menos criativa que já conheci.
— Escute aqui. — Ela cutucou meu peito, avançando em
minha direção como um tigre letal em uma gaiola. — Eu sei o
que está tentando fazer, e não deixarei você escapar impune,
destruidora de lares.

— Droga, finalmente me graduei de uma vadia para uma


destruidora de lares. Levei uma década, mas aqui estamos.

— Está tentando engravidar de novo, pensando que Cruz


não é o tipo de cara que te dá as costas.

Outro passo em minha direção. Dei um passo para trás


por instinto, principalmente porque suspeitei que ela me
rasgaria membro por membro se a empurrasse para trás, e não
queria me envolver em uma briga de gatos numa casa que não
era minha (tanto quanto queria uma luta de socos, não queria
a atração principal que vinha junto).

Rio, porque tentava fazer exatamente o oposto de


engravidar. Tanto é assim que coloquei na agenda do meu
telefone para marcar uma consulta com minha obstetra, que
não tinha notícias minhas desde que Bear nasceu, para
começar a tomar pílula.

— Cai fora, Gabriella.

— Estou te dizendo agora, Nessy. — Ela me encurralou


em uma alcova, seu corpo pressionado contra o meu, seu rosto
tão perto que sua saliva salpicou minha pele. — Se não recuar,
vou garantir que sua vida seja um inferno nesta cidade.
Primeiro, farei você perder seu emprego. Não tenho ideia do
que ainda tem de valor sobrando, mas então, farei você perder
tudo o que sempre cuidou.

— Isso é uma ameaça? — Sorrio, mas por dentro, estava


gritando.

Não preciso disso. Não precisava ficar cara a cara com


Gabriella Holland. Com toda a cidade natal. Porque a
escolheriam. Estavam sempre procurando me pisotear para
ficar um pouco mais alto. Eles realmente precisavam de novos
hobbies.

— É uma promessa. Deixe Cruz em paz.

— A seu pedido?

— A minha ordem.

— Você deveria saber. — Empurrei Gabriella de cima de


mim, cansada de sua atitude. — Não aceito muito bem as
ameaças. Pode pensar que tem uma grande influência nesta
cidade, mas venho cuidando de mim mesma por muito tempo
e planejo fazê-lo muito depois que você se for. Agora, se isso é
tudo, sugiro que ligue para o Cruz e tente combinar um
encontro entre vocês dois. A menos, é claro, que ele esteja
ignorando-a.

Eu fiz beicinho.

De acordo com a expressão no rosto de Gabriella, acertei


na mosca.

— Isso não acabou. — Ela mexeu o dedo na minha cara.


— Tremendo nas minhas botas aqui, Holland.

Ela bateu a porta ao sair. Desabei contra a parede,


deixando escapar uma respiração irregular.

Nota para mim mesma: compre botas assim que puder


pagar por um par. Por causa da parte do tremor? Isso foi real.
Dois dias depois, entrei na casa dos meus pais para
deixar as cestas de palha feitas à mão por mim que seriam
usadas pelas meninas das flores na cerimônia de Trinity.

Tecnicamente, Gabriella deveria comprá-las em uma


boutique fora da cidade, mas, tecnicamente também, Gabriella
era uma praia124 de proporções gigantescas e citava dores de
cabeça que a haviam impedido de fazer a viagem.

Estava usando um dos meus vestidos Cruz (foi assim que


os chamei em minha mente, o que me fez imaginá-lo dentro
dos vestidos, o que era igualmente hilário e sexy). Também
deixei meu cabelo para baixo, literal e figurativamente, e agora
caía suavemente sobre meus ombros.

O apelo de parecer a garçonete exausta que precisava de


um banho e um direcionamento se dissipou desde que percebi
que poderia cortar trinta minutos de preparação todas as
manhãs apenas para me tornar menos atraente do que era.

Donna Turner, minha mãe, meu ídolo de infância, e a

124-A personagem deveria ter dito “bitch” (vadia), mas trocou por “beach” (praia) que tem pronuncia
muito parecida.
mulher que tinha compaixão por tudo e por todos, inclusive as
moscas-das-frutas, abriu a porta e deu um beijo molhado na
minha bochecha.

— Olá, Nessy. Entre. Estou fazendo um lanche da tarde.

Espreitei para dentro, um pouco magoada, ela não disse


nada sobre o meu traje.

Outro dia, quando Gabriella apareceu na casa de Cruz


agindo como uma mulher pronta para cozinhar um coelho125
(se não entendeu a referência – parabéns, você é jovem), decidi
que era hora de parar de dar a esta cidade motivos para me
odiar e embalei todas as roupas que ele me comprou, jurando
usá-las exclusivamente.

Mais tarde naquela noite, coloquei todas as minhas


roupas de prostituta em sacos de lixo pretos e as doei. Não
podia correr o risco de tê-las por perto. Não queria voltar a ficar
parecida com o que esta cidade queria que eu fosse.

— Onde está Care Bear? — Mamãe flutuou até a cozinha


e voltou para a variedade que tinha feito no balcão, cenouras
infantis, aipo e brócolis cru com molho de baixo teor de
gordura no centro.

O café da manhã, almoço e jantar oficiais dos Turner


antes do casamento, me disseram. A resposta à sua pergunta

125-Uma expressão que designa uma pessoa ciumenta ou obsessiva, geralmente uma mulher, que fica
atrás de seu parceiro anterior de forma desesperada e perigosa. Alude a uma cena notória no filme
americano Fatal Attraction (1987), no qual a personagem Alexandra Forrest ferve vivo um coelho de
estimação pertencente à filha de seu antigo amante.
era que Bear estava jogando videogame com Cruz em sua casa.
Como nenhuma mãe solteira que se preze dispensava um
mimo sem cláusula, havia uma estipulação ligada ao evento
monumental.

Rob estava me dando nos nervos, ligando quase todos os


dias, implorando para ver Bear e eu. Deixando mantimentos,
cheques, presentes, e suspeitei – se não o aceitasse logo,
sacrifícios humanos.

Eu basicamente disse a Bear que ele poderia sair com seu


novo amigo adulto, Cruz, se concordasse em se encontrar com
seu pai, mesmo que apenas por uma hora, na segurança de
nosso bangalô, comigo servindo como intermediária.

Foi a coisa mais ética a fazer? Não. Estava usando isso


como um momento de ensino? Também não. Estava me
sentindo mal com isso? Nem um pouco.

Bear cresceu sem pai, sob pressão financeira e cultural,


sendo meu filho, e seu músculo do perdão era inexistente. Eu
sabia que ele precisava flexioná-lo um pouco para fazer
funcionar.

E não importa o quanto não gostava de Rob – e realmente,


sinceramente, o odiava do fundo do meu coração negro e frio –
não havia como negar que ele estava honestamente tentando
compensar Bear.

Rob deixou presentes para Bear na varanda da frente. O


tempo todo. Presentes que Bear totalmente ignorou enquanto
passava o dia. O garoto era mais frio do que a seção de
produtos da Costco. Não sabia se deveria ficar impressionada
ou preocupada.

— Bear está com um amigo. — Apoiei meu quadril contra


um armário da cozinha, colocando uma cenoura na minha
boca.

— Como ele está se saindo com Rob?

Minha mãe abriu a geladeira, retirando morangos frescos


para a sobremesa. Achei irônico que os Turners tivessem
adotado oficialmente uma dieta de hamster, visto que eram tão
bons em comer seus filhotes.

— Ele não está se dando bem com Rob ainda, mas


estamos falando sobre Bear encontrá-lo para jantar em um
futuro próximo.

— Você deveria dar uma chance ao homem. — Mamãe


fechou a geladeira com o pé, enxaguando os morangos com
água e sal na pia para tirar toda a sujeira. — Já disse que ele
ajudou seu pai com um pneu furado outro dia?

— Apenas cerca de dezessete vezes.

— E apareceu na semana passada com algumas flores


frescas para mim, perguntando como nos sentiríamos se ele te
convidasse para sair.

Soltei um assobio baixo. — E dizem que o cavalheirismo


está morto.
— Vamos, Nessy, sejamos realistas. Você realmente não
pode encontrar alguém muito melhor do que ele. Ele tem um
emprego estável, ainda é bonito e é o pai do seu filho. Por que
está sendo tão obstinada? Fez o seu ponto. Ele está esperando
por você há semanas. Está na casinha de cachorro há muito
tempo.

— Não estou interessada nele.

— Ele parece estar pronto para um compromisso, no


entanto.

— Ele é divorciado duas vezes, mãe.

— Terceira vez é o charme.

Não deveria ter ficado ofendida, considerando todas as


outras coisas que mamãe disse sobre mim ao longo dos anos,
mas fiquei. A completa confiança com a qual disse que eu
nunca encontraria alguém melhor do que Rob atingiu
diretamente em meus sentimentos, mas não o suficiente para
lhe dizer que eu estava namorando o estimado cidadão honesto
de Fairhope.

— Prefiro morrer sozinha a voltar com Rob.

— Bem, tudo bem. — Usou o quadril para fechar o


armário da cozinha. — Porque, aparentemente, está
caminhando para esse exato destino.

Nossa conversa foi interrompida por uma tempestade na


forma de minha irmãzinha, que abriu a porta da frente com
força suficiente para desconectá-la das dobradiças, rolando
como se todas as pessoas da cidade tivessem chutado seu
cachorro. Estava vermelha, suada e zumbindo. Seu vestido
estava meio rasgado no que parecia ser uma fuga apressada, e
sua trança havia se desfeito. Nunca tinha visto minha irmã
parecendo menos do que a menina saudável da igreja que era,
então, naturalmente, isso me fez pensar.

— Onde ela está? — Minha irmã berrou, chutando uma


caixa cheia de sacolas de brindes de casamento que estava em
seu caminho (obra minha, naturalmente).

Olhou para a esquerda e para a direita, procurando seu


objeto de fúria. Ela se concentrou em mim, mostrando os
dentes como um animal raivoso.

Caminhou até a cozinha, sem se preocupar em responder


ao grito da minha mãe enquanto se jogava entre nós, tentando
abraçar Trinity ou talvez apenas impedi-la de arrancar todos
os fios de cabelo da minha cabeça.

— Lá está ela. Tennessee Turner, o objeto de desejo de


todo homem.

Parecia uma maneira improvável de iniciar uma conversa


com alguém a quem gostaria de agradecer por todo o trabalho
árduo em seu casamento, mas ainda mantive a mente aberta.
Nunca se sabe quando alguém poderia ser atingido pela
constatação de que desistiria do mundo por eles.

Recusando-me a parecer confusa, me virei e enchi meu


copo com água da torneira. Lembrei-me de que não tinha feito
nada de errado (exceto Cruz). Que fosse o que fosse, era um
simples mal-entendido (exceto Cruz), e que não tinha nada a
esconder (também, exceto Cruz). Depois de tomar algumas
respirações rápidas, me virei para encará-la.

— Olá para você também, irmãzinha. Quer ver as cestas


de palha que fiz para as floristas? Amarrei algumas flores
nelas. — Achei um toque legal.

— Nem um pouco. Deixe me perguntar algo. — Um


sorriso gelado marcou seu rosto. Provocador, zangado e errado.
Como se tivesse sido pintado com sangue. Deslizou em minha
direção como uma cobra prestes a atacar. O pânico obstruiu
minha garganta. — Lembra quando largou o colégio? Quando
estava grávida? E todo mundo na escola me insultou, encheu
meu armário com camisinhas e me xingou por sua causa?
Como tive que almoçar no banheiro porque não queria ser
assediada?

— Eu me lembro, — engoli.

Todo o meu corpo reagiu a essa memória. Alcatrão quente


se espalhou dentro do meu estômago. Gotas de suor
começaram a se formar na minha testa.

Ela parou atrás de uma cadeira em frente a mim,


segurando as costas dela. Mamãe ficou entre nós na cozinha,
olhando para frente e para trás, sem saber como parar o que
estava se desenrolando diante de seus olhos.
— E lembra-se de quando Bear nasceu e chorou a noite
toda, todas as noites, e você estava perdendo o controle, e
mamãe e papai trabalhavam de manhã cedo, então me ofereci
para cuidar dele metade da noite, descongelar leite materno
para ele, embalá-lo enquanto você pegava no sono?

— Sim, — respondi baixinho.

Porque ela tinha feito todas essas coisas. Ela mesma era
apenas uma criança, cheia de compaixão até a borda. Éramos
nós contra o mundo. Pelo menos até Wyatt Costello entrar em
cena, e sua necessidade de garantir que seu futuro fosse
diferente do meu, anular seu amor por mim. E não tinha
jogado nada na minha cara até agora.

— E lembra quando Bear precisou de uma cirurgia no


ouvido e você não tinha dinheiro e lhe dei todas as minhas
economias do meu trabalho de verão no Ministério da Criança?

A pergunta foi respondida com um aceno fraco da minha


parte. Fechei os olhos, tentando respirar fundo, mas sem
sucesso.

Eu queria que o chão se abrisse e me engolisse por


inteira. Para desaparecer da face da terra, estava com tanta
vergonha do que fiz todos passarem. E do meu egoísmo, por
mais uma vez fazer o que quis. Por levar adiante este caso
inútil com Cruz.

Quem se importava por que ela não gostava de nós como


casal?
Ela foi autorizada a me pedir isso depois de tudo que fez
por mim. Não era como se Cruz e eu terminássemos juntos na
vida real, de qualquer maneira.

— Uma coisa é certa – sempre estive do seu lado, Nessy.


Sempre fiz coisas por você. Sempre te ajudei. Eu não deixava
ninguém falar mal de você. — Os olhos de Trinity se encheram
de lágrimas. Não a corrigi e expliquei que, mesmo se seus
amigos não falassem folhas126 sobre mim na sua cara, fizeram-
no pelas costas e às vezes na minha cara. — Então, o que eu
quero saber agora, minha querida irmã, é por que não pôde
cumprir minha única regra, meu simples pedido, meu apelo
para que não arruinasse meu casamento?

Minha mãe se engasgou alto e agarrou suas (numerosas)


pérolas. Estava usando muitas joias hoje e me lembrou um
pouco a Sra. Warren. — O que quer dizer, Trinity?

— Esta prostituta que você criou, — minha irmã apontou


para mim acusadoramente, levantando a voz, — está dormindo
com o namorado da minha dama de honra.

— Ele não é o namorado dela! — Gritei, odiando que


parecesse desesperada. — Cruz e Gabriella não estão juntos.

— Eles estão dando um tempo! — Trinity gritou do outro


lado da mesa. — Gabriella está fora de si. Ela disse que pode
não estar no estado mental adequado para ir ao casamento!

126-A personagem deveria ter dito “shit” que significa merda.


Uau.

Poderia prever isso vindo de cem quilômetros de


distância, com os olhos vendados e sem um mapa. Talvez eu
fosse egoísta, mas Gabby também era.

— Está dormindo com Cruz Costello? — Minha mãe


engasgou com a revelação e um pedaço de couve-flor crua.

— Que bela pausa isso é. Ele não atende nenhuma de


suas ligações e atravessa a rua quando a vê! — Rugi de volta
para minha irmã, tentando não parecer a maior molenga do
planeta Terra.

— Isso é porque você o está envenenando contra ela. —


Trinity estava chorando agora, as lágrimas escorrendo pelo
rosto. — A cidade inteira sabe! Gabriella está humilhada.

— Tem certeza de que sou eu que estou usando veneno


como método? — Rio incrédula, escondendo toda a dor atrás
da risada porque lavei minha armadura do meu rosto. —
Porque sua suposta melhor amiga acabou de dizer que ela pode
não ser sua dama de honra, também apareceu outro dia para
me chamar de destruidora de lares e ameaçar arruinar minha
vida.

— Como ela pode arruinar sua vida se você já fez um


trabalho tão fantástico sozinha? — Trinity bufou.

— Minha vida não está arruinada! — Bati meu punho na


mesa. — Eu tenho um filho que amo e uma família pela qual
morreria, se você não percebeu. Talvez eu pudesse ter um
emprego melhor, mas pelo menos não estou tão desesperada
para largar o meu a ponto de me casar com um homem com a
maturidade emocional de uma toranja que praticamente
ignora minha existência.

— Nessy! — Minha mãe colocou a mão em concha. — Que


vergonha! Wyatt é um homem adorável.

— Wyatt mal sabe seus nomes.

— Retire isso. — Trinity ordenou, ladrando para mim.

— Mesmo se fizesse, não tornaria a coisa menos


verdadeira!

Trinity avançou em minha direção, me batendo com tanta


força, com tanto zelo, que meu rosto voou na direção oposta e
minha bochecha bateu no armário da cozinha.

Nos primeiros segundos, não consegui sentir nada. Então


a queimadura começou a se espalhar por toda parte, como um
incêndio.

Minha mandíbula. Meus olhos. Meu nariz. Minha alma.

Virei minha cabeça, olhando minha irmã bem nos olhos.

Esta era a minha hora de enfrentar minha família como


Cruz tinha me dito para fazer, uma e outra vez.

Para lhes dizer que, na verdade, podia namorar quem eu


quisesse. Que minha vida não tinha acabado ou era menos
significativa do que a deles.
Que eu não era uma bagunceira completa e que, embora
estivessem lá para me ajudar nos bons e maus momentos, eu
merecia não apenas sua ajuda e orientação, mas também
respeito. Estive lá para eles também, mas as palavras, todas
as palavras que tinha para dizer a Trinity e minha mãe, ficaram
presas na minha garganta quando pensei em tudo que eu
poderia perder.

Os avós de Bear, a quem ele tanto amava. E tia Trinity,


que o levava à cidade todos os anos antes do Natal para
algumas compras, e fazia para ele suas tortas de limão
favoritas para o Dia de Ação de Graças, embora absolutamente
ninguém mais amasse aqueles cremes horríveis.

Pensei em perder potencialmente a única coisa constante


na minha vida e na de meu filho, por um homem que era ótimo
– perfeito, até – mas, no final das contas, apenas um homem.
E congelei.

— Bem? — Trinity cuspiu em meu rosto, seus dentes


cerrados contra suas palavras.

Minha mãe se moveu ao seu lado, enlaçando seus braços.


Elas tinham uma aliança. Eram uma unidade totalmente
formada e eu não fazia parte disso. Dei um passo para trás.

— Acabe isso com Cruz, — disse Trinity. — Ou não terei


uma dama de honra.

— Sua dama de honra odeia você, — disse simplesmente,


minha voz minúscula e resignada, e não completamente
minha. — Não percebeu que ela não faz nada por você a não
ser conseguir o desejado título de dama de honra? Ela te
assusta tanto que você deu um tapa na sua própria irmã para
mostrar um ponto.

— Gabriella merece Cruz. Ela trabalhou duro para pegá-


lo e tê-lo também. Eles só precisam de tempo para descobrir
as coisas. — Trinity disse defensivamente, se acalmando um
pouco. — E de qualquer maneira, o que acha que acontecerá?
Ele se casará com você ou algo assim? Pare de sonhar, Nessy,
e faça a coisa certa pelo menos uma vez na vida. Tenha respeito
próprio pelo menos uma vez na vida. Ah, e antes de sair. —
Trinity se virou, chutando a caixa de brindes entre nós em
minha direção. — Certifique-se de que nada está quebrado. A
última coisa que preciso é dar aos meus convidados vidros
quebrados em um invólucro de celofane por sua causa.

Peguei a caixa, a humilhação queimando meu peito, me


virei e fui embora.

Nota para mim mesma: pare de tentar apaziguar as


pessoas que não querem nada com você, uma vez que criar
coragem. Câmbio e desligo.
— Obrigado por me deixar jogar Assassin's Creed. Foi
demais. Eu mataria para ter sua sala de jogos, cara. — Bear
desafivelou-se no banco do meu passageiro, seu sorriso
ameaçando dividir seu rosto em dois.

— Por favor, não. Sua mãe encontraria uma maneira de


me culpar, e a fiança seria altíssima.

Desliguei o motor, meu olhar tocando a porta da frente


do bangalô frágil. Havia uma caixa de skate novinha em folha
encostada na porta. Fiz uma careta.

— Sua mãe comprou um novo para você? — Tive a


impressão de que ela estava economizando para comprar um
videogame para ele.

— Negativo. Isso seria Rob, aquele pé no saco. Sei que é


seu amigo, mas de verdade, ele pressiona mais do que um bom
sutiã. — O cabelo castanho de Bear caiu sobre seus olhos
verdes. Ele afastou-os, balançando a cabeça.

— Ele está dando sinais promissores de se tornar um cara


semi decente, — forcei-me a dizer.
Verdade, ele falou merda para mim na despedida de
solteiro de Wyatt, mas nada poderia anular o fato de que estava
genuinamente tentando, mesmo que não estivesse chegando a
lugar nenhum com Tennessee.

— Ele é um doador de esperma glorificado, — disse Bear.

— Ele está tentando fazer as pazes com você.

— Vai ser preciso mais do que um skate e algumas


caretas tristes de Dwight Schrute127 para me colocar a bordo
sobre aquela reunião de família.

O garoto era fã de The Office. Quão idiota foi Rob em


desistir do que deixou para trás? Bear se abaixou para
recuperar sua mochila, jogando-a sobre o ombro.

— De qualquer forma, obrigado pelo jogo. E a pizza, mas


não a conversa estimulante.

— Bear, espere.

Coloquei meu braço em seu ombro. Ele se virou para me


olhar com expectativa. Eu realmente não queria jogar esse jogo
de novo, no qual ia atrás de Tennessee. Fez-me sentir como um
fã desesperado.

Ela não tinha me ligado depois do nosso último encontro,


e mesmo que eu fingisse que não dava a mínima e ligasse para
ela no dia seguinte, todo esse relacionamento unilateral estava

127-É um personagem fictício da série The Office.


começando a me dar nos últimos nervos.

— Diga a sua mãe para sair.

— Você está a vendo? — Um sorriso torto e com covinhas


que me lembrou muito de Rob se estendeu em seu rosto. Eu
gostava muito desse garoto, mas também tinha que aceitar o
fato de que ele sempre estaria conectado ao homem que agora
era meu inimigo.

Estou saindo com ela. Não tenho tanta certeza de que ela
está saindo comigo.

— Pergunte a ela.

— Mamãe nunca teve namorado. Duvido que admita ter


um agora.

— Bem, diga-lhe que o que quer que eu seja para ela, está
esperando do lado de fora e quer uma palavra.

Bear deslizou para fora do meu carro e correu para a


varanda da frente, chutando o skate para longe enquanto
destrancava a porta de tela. Alguns momentos depois,
Tennessee valsou para fora da dita porta, vestindo um par de
jeans confortável e uma blusa branca com babados. Ela
parecia sombria, e de novo, aquele aperto no coração, de que
eu estava fazendo isso sozinho, mesmo tendo minha própria
fonte de problemas para lidar, bateu em mim. Caminhou em
direção ao meu carro, parando seus cotovelos contra a minha
janela, seus seios quase no meu rosto.
— E aí? — Ela beijou minha bochecha.

Viu? Está tudo bem. Você está apenas sendo paranoico.


Está tão acostumado com as mulheres bajulando-o, que não
pode aceitar que sua namorada não queira fugir para se casar
neste minuto.

— Você me diz. Não nos falamos o dia todo.

Eu soava oficialmente como todas as mulheres que já


decepcionei na vida. Tinha que admitir, estar do outro lado
dessa equação parecia uma merda.

— Eu não queria interromper você e Bear.

— Então por que não está me convidando agora? —


Desafiei.

Ela olhou para a esquerda e para a direita, seu rosto


caindo quando baixou a voz.

— Gabriella tem dito a todos que estamos dormindo


juntos. Lembra que disse que ela parou em sua casa quando
estava fazendo o parto do bebê Duggar?

Como eu poderia esquecer? Tennessee quase teve um


colapso nervoso. Sabia que precisava me sentar com Gabriella
e explicar, pela milionésima vez, que estávamos acabados, mas
não confiava nela para não fazer alguma besteira do tipo Days
of Our Lives, Roman-não-está-morto-nem-ele-é-Romano128.

128-Daysof Our Lives é uma novela estadunidense exibida desde 1965. Em uma das temporadas um
personagem chamado Roman foi “morto” durante sua festa de casamento por um assassino em série.
Gravidez secreta, chantagem emocional, exorcismo –
Gabriella não estava acima de nenhum desses truques para
nos fazer acontecer, e queria dar mais alguns dias para meu
relacionamento com Tennessee se estabilizar.

— Lembro-me, — cerrei meus dentes.

— Bem, acho que é a sua vingança. Todo mundo sabe que


estamos dormindo juntos agora.

— Excelente. — Dei de ombros. — Agora não temos que


manter isso em segredo.

— Trinity quer que eu acabe com isso.

— Ela vai mudar de ideia.

E se não mudar, bem, uma pena para Trinity, então.


Tennessee era uma irmã incrível. Sua vida girava em torno de
fazer Trinity feliz.

— Agora, posso entrar e jantar com minha namorada?

— Eu... bem, eu estou...

Meus olhos se arregalaram. Ela não estava realmente


pensando em terminar as coisas por causa de Trinity, estava?

Porém, estava. Claro que ela estava. Estávamos falando


sobre Tennessee.

Depois, foi revelado que Roman não havia morrido, estava vivendo em uma cidade junto com todas
as outras supostas vítimas desse assassino. Roman em inglês também significa “romano”, daí o
trocadilho.
— Você está considerando isso, — digo categoricamente.

— Estou tentando descobrir a melhor estratégia. — Ela


deixou sua cabeça cair para a borda da minha janela.

— Você é um milagre médico, sabe. — Eu disse.

Ela olhou para cima, descansando uma bochecha contra


a moldura da minha janela. — Como assim?

— Você é a única pessoa que conheço que consegue ficar


de pé sem uma coluna vertebral.

Ela estremeceu, afastando-se do carro.

Agarrei seu queixo, tentando fazê-la olhar para mim. Ela


fez um som baixo de gemido e se afastou, esfregando a
bochecha. Foi quando vi que estava usando de novo uma
quantidade profana de maquiagem. E que a maquiagem foi
projetada para esconder algo feio... em vez de esconder algo
bonito. Estreitei meus olhos, percebendo que uma de suas
bochechas estava vermelha e tinha marcas de dedos nela.

— O que...

— Estou bem. — Ela deu um passo para trás.

Era tarde demais, porém. Eu já tinha saído do carro e


batido a porta atrás de mim.

— O inferno que está. Quem fez isto com você? Foi Rob?

Eu ia matá-lo e depois dá-lo como alimento aos coiotes


aos pouquinhos.
Ela bufou. — Daria uma bofetada no Rob antes que ele
me desse um tapa.

Minha mandíbula ficou rígida e meus músculos


contraíram.

— Trinity.

— Eu cuido disso. — Ela tentou fugir de mim.

— A bruxinha.

— Ela estava brava.

— Ela está prestes a ficar furiosa quando eu chutar sua


bunda para o meio-fio e a deixar sem emprego.

— Cruz, não. — Ela agarrou meu braço, puxando com


força. — Por favor, me deixe lidar com isso do meu jeito.

— Seu jeito é ficar na estrada esperando que ela atropele


você. Não se trata apenas de você – acha que quero alguém tão
impiedoso cuidando de pacientes vulneráveis? Não, obrigado.

— Minha maneira é dar tempo à minha família.


Apaziguando-os para a ideia.

— Que ideia? De você sair com um membro respeitável


da comunidade?

— De eu começar outro escândalo. — Projetou sua


mandíbula. — Eles odeiam quando sou o centro das atenções.

Eu os odeio por fazerem você se sentir como um fardo. E


eu por não assumir o comando, porque Deus me livre de fazer
algo menos do que puro e incomodar alguém.

— Estou começando a perder minha paciência aqui,


querida. — Disse, soando sério. — Não perseguirei você para
sempre. Eu gosto de você, Tennessee, mas não gosto da
maneira como me faz sentir, e isso está começando a se tornar
um problema.

— Eu sei. — Ela disse com firmeza, colocando as palmas


das mãos no meu peito.

Meu coração batia loucamente. Maldição, eu a queria.


Queria correr, mas seus olhos eram sinceros.

— Dê-me alguns segundos para entender tudo, está bem?


Vejo você no jantar de ensaio amanhã.

Dirigi de volta para casa, sentindo uma estranha


sensação de calamidade tomando conta de mim. Quando
estacionei em frente à minha porta da frente, percebi o porquê.
Ela estava se afastando de mim. Deixando-me na mão fácil, do
jeito que eu havia decepcionado Gabriella e todas as mulheres
antes dela.

Preciso pensar sobre isso. Preciso dar sentido a tudo isso.

Eu preciso de um tempo sozinho.

Soquei o volante com tanta força que rasguei o filho da


puta.

Estava perdendo Tennessee Turner e sentia isso.


— Você não precisava fazer isso. — Trinity me disse no
dia seguinte em minha clínica.

Ela desabou no assento em frente ao meu enquanto eu


rabiscava algumas anotações sobre meu último paciente.
Parecia algo que tinha sido arrastado de um esgoto para
destruir Nova York em um filme de ficção científica
culminante.

Não tirei os olhos das minhas anotações, porque sabia


que o contato visual a faria perder o emprego. — Quer ser mais
específica?

Pelo canto do olho pude vê-la puxando a ponta da cauda


de sua trança e dividindo os finos cabelos loiros.

— Wyatt. O beijo. A despedida de solteiro. Ele disse que


você dobrou o seu braço para me dizer, mas eu não queria
saber.

— Bem, particularmente não me importo com o que você


queria ou não queria, para ser honesto. Era mais sobre minha
consciência limpa do que seu conforto.
— Estou envergonhada por você ter visto.

— Sério? — Perguntei casualmente. — Você tem muito


mais coisas para se envergonhar, ver meu irmão beijando
outra pessoa nem deveria estar entre as mil melhores.

Seus olhos dispararam de suas pontas duplas,


alargando-se. — Eu fiz algo errado, Dr. Costello?

Sim. Tantas coisas, não consigo parar de contá-las.

— Agora, por que acha isso? — Fechei o arquivo em que


estava trabalhando, me levantei e fui devolvê-lo ao meu
gabinete.

— Você nunca falou comigo de tal... tal...

— Maneira sincera e sem besteira? — Forneci.

— Sim. É como...

— Um tapa na cara? — Terminei por ela novamente. Ela


fez um som choroso que tomei como confirmação. — Vergonha.
Você parecia que precisava de um.

Levantou-se, alisando nervosamente seu uniforme azul,


me observando enquanto eu caminhava pela sala. Tentou
arrumar o porta-canetas na minha mesa e derrubou-o,
espalhando tinta por toda a madeira de mogno.

Ela se atrapalhou para colocá-lo de volta, sussurrando:


— Sheet, sheet, sheet129. — Joguei meus arquivos no armário,
apreciando a visão dela suando. — É sobre Tennessee? Ela te
contou alguma coisa sobre mim? Contou? Porque eu...

— Não tente se explicar para mim, enfermeira Turner.


Queria que meu irmão lhe contasse, porque achei que deveria
saber. Também porque acho que é hora de você comer uma
fatia grande e pesada de torta da humildade.

Estava saindo quando ela segurou meu pulso, pânico


nadando em seus olhos. Trinity pode ter desejado largar seu
emprego para ter filhos, mas aposto que a perspectiva de se
casar com meu irmão tinha se tornado muito menos segura,
agora que sabia que ele estava experimentando outras
mulheres.

— Eu não sou uma pessoa má, Dr. Costello. Já passei por


muito. Só quero uma vida normal. Isso é tudo. Para ser uma
mulher comum com uma família comum. Nessy é incrível, mas
tende a... complicar as coisas.

Afastei seu toque, saindo do meu escritório.

Tennessee não era uma complicação.

A sua família era.

129-Apersonagem deveria ter dito “shit” que significa merda, mas optou por “sheet” que tem a
pronuncia muito parecida, mas significa folha ou lençol.
Rob apareceu no jantar de ensaio.

Isso ou seu fantasma veio visitar, mas isso significaria


que ele morreu, e tal bênção não foi da minha sorte,
infelizmente.

— Não olhe para mim.

Wyatt ergueu os braços em submissão assim que vimos


Rob saindo de seu novo Toyota Supra ostentoso, caminhando
para o local do casamento com a cabeça baixa.

Ele alisou a gravata, lembrando a todos que tinha um


emprego remunerado, e usou aquela expressão particular de
um homem inseguro se era bem-vindo ou não.

O cenário era um tédio. Um celeiro com um deque


envolvente, espreguiçadeiras e móveis Pottery Barn. Tudo era
branco. Incluindo o rosto de Tennessee, assim que percebeu
que ele estava aqui.

Rob veio diretamente para nós.

— O que diabos ele está fazendo aqui? — Virei-me


bruscamente para meus pais.

Pelo que eu sabia, o trem de fofocas de Gabriella não


havia parado em seus ouvidos ainda, mas todos em minha
família, exceto Wyatt, mantinham seus planos secretos.
Meus pais, que estavam vestidos com um smoking e um
vestido roxo (adivinha quem usava o quê), balançaram a
cabeça, perplexos.

— Mas por que se importaria? Vocês dois eram


superunidos enquanto cresciam, — mamãe reclamou,
lambendo o polegar para limpar a sujeira imaginária da minha
bochecha.

Adicionei isso à lista interminável de coisas que odiava


por ser um ursinho de pelúcia corpulento de tamanho normal
que tinha o título de Criança Favorita.

— Ele ainda é estúpido e um ladrão.

— Oh, Cruzy, eu gostaria que não fosse tão grosseiro.


Você mudou desde o cruzeiro.

Afastei-me da minha família, tentando encontrar


Tennessee para que pudesse avisá-la.

Encontrei-a parada com sua família em um gramado


verdejante perto da área de jantar. Os Turners conversavam
animadamente.

No início, pensei que talvez Trinity estivesse tendo


dúvidas, com Wyatt quase pegando as amígdalas de outra
pessoa com a língua outro dia.

Quem sabia o que poderia ter acontecido se Rob e eu não


tivéssemos decidido reconstituir todos os filmes adolescentes
ruins já feitos e começar uma briga por uma garota no bar?
Wyatt poderia ter dormido com aquela mulher.

Quando porém cheguei mais perto, percebi que não,


Trinity não estava nem um pouco chateada com Wyatt.
Tennessee e Bear estavam parados como uma frente unida em
uma extremidade do gramado, enquanto Trinity, Donna e
Bryan ocupavam o outro lado.

— Nada está mais sob meu controle. Gabriella fugiu de


mim. Não posso acreditar que ela não está aqui por causa de
outra dor de cabeça.

— Eu posso. — Tennessee murmurou. — Acreditaria se


ela pulasse o evento devido a uma unha rachada.

Sua irmã lançou um olhar gelado.

— Não só minha melhor amiga não está aqui, mas o pai


do filho da minha irmã está. Posso ter apenas um dia em que
se trate de mim e não dela? — Trinity lamentou.

— Querida, o dia é todo seu, mas Rob tem o direito de ver


o filho. — Donna esfregou as costas de sua filha favorita.

Então Donna foi a responsável pela aparição de Rob.


Aposto que ela não se incomodou em perguntar à filha mais
velha o que achava do arranjo.

O rosto de Tennessee parecia tenso e resignado, sua


postura rígida.

Yup. Ela definitivamente não tinha nada a ver com isso.


Aproximei-me deles, colocando a mão nas costas de
Tennessee enquanto lhes mostrava um sorriso bem-
humorado.

— Vejo que alguém te irritou. Posso fazer algo para


ajudar?

A visão da minha mão apoiada nas costas de Tennessee


fez Donna cambalear. Ela teve um ataque de tosse enquanto
Bryan olhava para mim como se eu tivesse acabado de voltar
de Marte usando um macacão de látex verde novo.

Trinity fez uma careta, provavelmente percebendo que


deveria ter atenuado sua maldade com a namorada de seu
chefe.

Foda-se. O segredo já estava aberto. Era melhor não


colocar um band-aid na situação.

Não fez mal que Robert estava aqui para testemunhar


isso com seus próprios olhos.

Para minha surpresa, Tennessee se inclinou um pouco


para mim, buscando meu toque. Um líquido quente e patético
se espalhou dentro do meu peito, e descansei meu queixo no
topo de sua cabeça casualmente.

— Está tudo sob controle. Desculpe, Rob está aqui. —


Tennessee pigarreou.

— Eu não sinto muito, — disse Donna desafiadoramente,


empinando o nariz no ar. — Bear precisa de um pai.
— Poderia ter nos consultado. — Trinity suspirou. — E se
Bear não estiver pronto?

— Bear é uma criança. Deve fazer tudo o que lhe for


ordenado, — ressaltou Donna.

Interessante abordagem dos pais. Eficaz também. Se você


fosse um tirano.

— Deveria ter perguntado à mamãe. — Bear se inclinou


para Tennessee, o que nos fez parecer uma família própria.

— Não fale assim com sua mamaw. — Bryan tentou


transmitir alguma autoridade, mas seu coração não estava
nisso.

Seus olhos percorriam o campo de golfe no gramado.

— Bear? — Ouvi uma voz atrás de mim.

Todos nós nos viramos.

Rob estava parado ali, bem na nossa frente. Não olhou


para mim, embora os hematomas da nossa luta mal tivessem
desaparecido de nossos rostos. Ele também não olhou para
Tennessee.

Apenas para o seu filho.

O rosto de Bear parecia dolorido. Uma mistura de


consternação e saudade que eu não tinha visto em ninguém
antes. Ele o tinha visto antes, eu sabia, mas apenas quando
Rob estava prestes a ser chutado e expulso da vizinhança.
E, assim, percebi que não havia levado em consideração
a única vantagem que Rob tinha sobre mim nesta situação –
linhagem.

— Rob. — Bear chiou, separando-se do grupo e puxando


os ombros para trás, estendendo-se até sua altura total para
mostrar a seu pai quão grande e forte era.

— Ei, amigo. — Os olhos de Rob ficaram vidrados.


Esfregou a nuca, olhando ao redor. — Eu tenho um monte de
presentes para você. Sei que jogou a maioria deles fora, mas
eu... eu... estou feliz que sua mamaw e seu papaw tenham me
convidado hoje. Porque realmente quero te conhecer. E, bem,
não posso culpá-lo por estar hesitante, mas...

Os ombros de Tennessee caíram sob meu toque, e seu


rosto foi tomado por todas as emoções do espectro.

— Bom discurso. — Bear deu de ombros. — Mas mamãe


chegou antes de você. Mais uma vez. Ela já me disse que
preciso vê-lo. Disse que não me deixaria sair com Cruz de outra
forma.

Ok. Isso não era totalmente verdade. Também parecia


terrível. Isso também fez com que Tennessee e eu parecêssemos
um casal.

Um casal malvado.

Rob acenou com a cabeça rapidamente. — É divertido sair


com Cruz. Éramos melhores amigos no colégio. Tudo bem se
eu estiver aqui esta noite? Não me sentarei perto de você nem
nada. Só quero... assistir.

O silêncio caiu sobre o celeiro aberto. Todos olharam para


Bear, esperando por uma resposta. O garoto enrubesceu,
enterrando o tênis profundamente em um pedaço de lama do
gramado e mordendo o lábio.

— Isso faz você parecer uma pessoa bizarra, — disse


finalmente, arrancando risadas de Tennessee e de mim.

— Prometo que não sou bizarro. — Rob disse.

— Mamãe disse que se divorciou duas vezes.

— Isso me torna apressado, e possivelmente um mané,


mas definitivamente não uma pessoa bizarra. O que disse?

Bear ergueu uma sobrancelha, olhando para Tennessee.


Ela lhe deu um breve aceno de confirmação.

— Digo que tanto faz, mas é melhor não contar piadas de


papai. Muito cedo para isso.

E foi isso.

Robert estava aqui, e todos precisávamos aguentar e agir


calmamente.

No jantar de ensaio, tive que me sentar ao lado de Wyatt


e meus pais e assistir Tennessee do outro lado da mesa. Estava
sentada bem ao lado de Rob, uma cadeira vazia do outro lado
dela, onde Gabriella deveria estar.

Eu tive que eliminar a conversa do meu lado da mesa


para poder ouvi-los, o que não foi fácil, visto que Trinity e Wyatt
estavam discutindo baixinho.

— …Disse que pelo menos tentaria. Se não está levando


este casamento a sério, por que me incomodo?

— Sinta-se à vontade para deixar de ser uma vadia a


qualquer momento, querida.

— Talvez eu deva ouvir Nessy e encontrar alguém que


preste atenção em mim.

— Sim, ela é uma ótima fonte de conselhos para a vida.

— Disse o cara que se casou com uma viciada. Pelo menos


ela cometeu seu erro na adolescência, não na idade adulta.

— Ela parece estar fazendo novos todos os dias. Com meu


irmão, por exemplo.

Enquanto isso, as coisas estavam parecendo melhores


para Tennessee e Rob, o que, francamente, me fez querer enfiar
minha cabeça no moedor de carne mais próximo e ligar o
aparelho no máximo.

— Desculpe-me por não ter avisado. Sua mãe me ligou


nem duas horas atrás. Tentei te ligar, mas você não atendeu.
— Rob se virou para pegar a expressão da minha namorada,
parecendo cauteloso.

— Isso soa como um movimento clássico de Donna, —


cortou. — Desculpas aceitas. Agora, se pudermos seguir em
frente, por favor. Não há necessidade de conversar com a
sobra. Você sempre fala com a comida antes de jogá-la no lixo?

— Estava muito bêbado, — explicou como um pedido de


desculpas.

— Foi um gasshole.

— Fui. Vingativo, estúpido e ciumento, e tão deprimente,


ciente de tudo que perdi ao longo dos anos. Não é desculpa,
mas é um motivo. Também sinto muito por isso.

— Deveria sentir por existir, — disse Tennessee com


dignidade.

— Eu sinto, geralmente, mas quem sabe, talvez Bear


precise de um transplante de órgão em algum momento e me
torne útil. Sonhe grande.

— Meus grandes sonhos morreram no dia em que você


fugiu e me deixou sozinha.

— Você tem recebido meus cheques?

— Sim. — Tennessee rasgou um pedaço de pão de massa


fermentada, colocando-o na boca, mas a mesma fúria que vi
nela na primeira vez que a deixei em casa, sumiu. Ela estava
se acostumando com a presença dele em sua esfera. — Eu os
peguei.

— Você ainda diz gasshole e santa ovelha. — Rob sorriu.

Ela revirou os olhos. — Coloque seus esforços onde


importam. Com o seu filho.
— Por quê? — Rob a estudou, sua mão se contraindo. Ele
queria tirar uma mecha de cabelo do seu rosto. Eu sabia,
porque queria fazer o mesmo. — Cheguei tarde demais? Você
é de Cruz agora? Quando perguntei pela cidade, ninguém disse
que sabia de alguma coisa sobre vocês dois.

Isso também poderia explicar como metade das pessoas


da cidade sabia sobre mim e Tennessee. Entre Gabriella e Rob
formando uma equipe para “checar os fatos”, sua falta de
graças cobriu todas as bases sociais.

Inclinei-me para frente na mesa, meu cotovelo afundando


profundamente em algum tipo de molho de beterraba, e ouvi
sua resposta.

Veio rápida e levemente, como se ela nem tivesse pensado


duas vezes. — Em seus sonhos. Cruz é apenas um brinquedo,
um interlúdio para passar o tempo. Não pertenço a ninguém,
Robert Gussman. Só a mim.

Cruz é apenas um brinquedo, um interlúdio para passar o


tempo. Em seus sonhos. Não pertenço a ninguém.

Isso foi o que Tennessee disse. Claro como o céu de


agosto.
Ela teve uma chance de confessar nosso relacionamento,
de me mostrar que se importava muito, que não era o único
aqui fazendo o trabalho pesado, e soprou tudo para o inferno.

Eu sabia que era uma atitude falsa, mas o fato de que ela
não aproveitou a maldita chance de me legitimar doeu pra
caralho.

Quero dizer, puck’s sake130.

Acabei de dizer puck’s sake? Até em minha cabeça? Deus,


precisava de outra bebida.

— Aonde está indo? — Wyatt perguntou quando saí


rapidamente do jantar de ensaio minutos depois que
terminamos.

Meus pais ficaram para discutir canapés e arranjos de lua


de mel com os Turner. Tennessee estava olhando furtivamente,
sem dúvida esperando que eu fosse para o seu lado.

Infelizmente para ela, não tinha apetite para ser seu fã


designado para aquela noite.

Fui direto para o meu carro, me sentindo um idiota por


não dizer adeus a Bear. Os adultos não tinham desculpa –
eram todos idiotas – mas Bear merecia coisa melhor.

Wyatt seguiu meus passos teimosamente, tentando me


alcançar. Eu estava secretamente orgulhoso dele por não ter

130-A expressão
correta seria “fuck’s sake”, mas “fuck” é um palavrão. A expressão pode ser traduzida
como ”pelo amor de Deus”.
me falado merda, embora sua confissão a Trinity o tenha
deixado em maus lençóis. Talvez ele finalmente estivesse
crescendo.

— Para onde vai, irmãozinho?

— Tomar uma bebida no centro. Preciso de algo forte. —


Enfiei um dedo na minha gravata, afrouxando-a enquanto
estalava meu pescoço.

— Conte comigo. Estive no pré-jogo antes do jantar de


ensaio, mas preciso de mais. — Wyatt tirou toda a gravata.

— Certeza sobre isso? — Deslizei para dentro do meu


carro, ligando a ignição. O motor ronronou. Wyatt sentou-se
no banco do passageiro. — Não quero que acabe cedendo à
tentação de novo.

Wyatt balançou a cabeça, aumentando o volume do meu


estéreo assim que pisei no pedal do acelerador. O rock clássico
encheu o carro.

— De jeito nenhum. Trair é muito incômodo. Acho que


terei que ser fiel de agora em diante.

— Cara esperto.

— Eu pareço com meu irmão mais novo.

— Quem dera.

Acabamos no único bar do centro. O Drunk Clam era um


bom estabelecimento que servia apenas três tipos de cerveja,
um tipo de uísque e amendoim que tinha certeza que tinha
vencido antes da Primeira Guerra Mundial

— Então, o que há com Nessy? Vocês dois pareciam frios.

Wyatt pediu cervejas para ambos e se sentou em um


banquinho no bar. Pelo canto do olho, detectei uma das
amiguinhas de Trinity, que sempre vinha à clínica buscá-la
para a aula de Pilates.

Eu gemi, mas lancei a ela um sorriso educado, de


qualquer maneira. Não queria nenhuma companhia esta noite.
A mulher enviou furiosamente uma mensagem em seu
telefone, enquanto redirecionava minha atenção para Wyatt.

— Ela é uma covarde.

— Por quê?

— Ela não será a autoridade do nosso relacionamento.

— E isso é importante para você porque...? — Wyatt deu


um gole em sua cerveja.

— Eu não sou um segredinho sujo.

Esperava que ele risse, mas semicerrou os olhos,


pensativo.

— Talvez ela esteja tentando protegê-lo. A sua reputação


manchada.

— A minha é imaculada e aguenta o golpe. Isso poderia


elevar a dela.
— Não se ela souber que todos falarão sobre como ela
ficou com o padrinho no casamento de sua irmã e se isso foi
antes ou depois de ele dispensar a dama de honra... por que
acha que Trinity era tão contra vocês ficarem juntos? — Wyatt
inclinou sua garrafa de cerveja em minha direção.

— Porque ela é uma vaca egocêntrica.

Wyatt riu. — Bem, suponho que seja isso também, mas


ela não queria que o escândalo obscurecesse a ocasião. Supõe-
se que seja o único momento na vida de uma mulher em que
tudo gira em torno dela como noiva.

— Você ao menos a ama?

Wyatt coçou o queixo, estreitando os olhos em um ponto


atrás do ombro do barman enquanto pensava genuinamente.

— Não sei. Eu amava Valerie, e isso acabou sendo um


desastre. Acho que adoro a ideia de Trinity, e ela adora a ideia
de mim, e isso é o suficiente. Para o que queremos. Por
enquanto.

Poucos minutos depois, Gabriella entrou no bar, vestida


com algo que eu não poderia descrever como outra coisa senão
um biquíni presunçoso. Não tinha tecido suficiente para
passar por uma saia, e aquela blusa curta mal cobria seus
mamilos. E ela tinha um monte de maquiagem, estou falando
todos os tons de sombra e batom vermelho suficiente para
pintar uma cena de crime particularmente sangrenta – e The
Rocky Horror Picture Show131, e entenderá o caos.

A amiga de Trinity era uma informante. Chocante.

Wyatt riu e bateu nas minhas costas enquanto os olhos


de Gabriella se fixaram em mim. Ela cortou a multidão de
frequentadores de bares como Moisés abrindo o mar.

— Vejam só. Com certeza não é fácil ser a porra do Cruz


Costello.

— Cruzy. — Gabriella fez beicinho, apertando-se entre


Wyatt e eu, empurrando a sua bunda no meu joelho. Por muito
pouco.

A maior parte de seu peso ainda estava apoiado no bar,


razão pela qual não poderia exatamente afastá-la. Além disso,
me chamou pelo apelido de minha mãe, o que fez meu pau, já
mole, murchar o resto. Nesse ponto, eu estava rachando tão
fundo e amplamente, que não tinha mais forças para ser o
Cruz perfeito.

— Gabriella. Que bom vê-la aqui depois do seu turno no


Hooters132.

— Achei que esse é o tipo de garota de que gosta,


considerando seu brinquedo recente. — Gabriella sacudiu o
cabelo, que mal se movia de tanto spray de cabelo.

— Ela não é um brinquedo. É um pé no saco, e na maioria

131-É um musical de comédia de terror britânico de 1975.


132-É uma rede de restaurantes. O uniforme das garçonetes é um top e um short muito curto.
dos dias fico pensando por que diabos me preocupo com esse
relacionamento.

— Relacionamento? — Gabriella respirou fundo. Girei-me


no banquinho para tirá-la do meu joelho. — Cruz, realmente.
Não está ficando um pouco empolgado aqui?

— Não fui eu que perdi um jantar de ensaio para ter um


ataque.

Droga, era bom ser mau.

— Eu estava com dor de cabeça.

— Nada que algum Tylenol não pudesse resolver, já que


está aqui agora.

Só então Tennessee entrou no bar, sua cabeça girando


aqui e ali. Meu coração quase gritou com a aparição do seu
rosto. Ela estava procurando por mim.

Wyatt deve ter enviado uma mensagem para Trinity sobre


onde estávamos. Eu não poderia culpá-lo por ser sincero com
sua futura esposa. Ninguém queria começar seu casamento no
tribunal, obtendo os papéis do divórcio.

Seu peito subia e descia.

Tennessee estava ofegante, sem fôlego. Procurando por


mim freneticamente.

Esperei que ela me encontrasse. Quando o fez, começou


a caminhar em minha direção e meu coração deu um salto
dentro do meu peito, mas então viu Gabriella parada ao meu
lado, e em vez de continuar, em vez de reivindicar o que era
dela, mostrando que estava tudo dentro, ela parou, olhando
incerta para o cômodo escuro.

Droga. Basta fazer um movimento. Um movimento. Eu farei


o resto.

Ela, porém, esperou obstinadamente na entrada,


cruzando os braços, esperando que eu desse o primeiro passo.

Como sempre.

Não deveria importar que parecesse ruim agora. Ela me


devia o primeiro movimento para mostrar que entendeu.

Gabriella notou Tennessee parada perto da porta. Um


sorriso escarlate explodindo com veneno tocou seus lábios. Ela
apertou a mão contra meu peito. Deixei-a.

— Problemas no paraíso?

— Nessy só precisa de um pouco de coragem para se


aproximar do namorado. — Wyatt riu, sinalizando para o
barman nos trazer outra rodada de bebidas sem perguntar a
Gabriella o que ela queria.

— Talvez ela não queira você o suficiente, — murmurou


Gabriella em meu ouvido. — Eu conheço alguém que quer.

Ela estava em cima de mim, sem realmente estar em cima


de mim, com as mãos nos meus ombros, braços, rosto.
Observei Tennessee com um sorriso preguiçoso de o-que-
você-fará-sobre-isso e esperava como o inferno que ela tivesse
um pouco mais de coragem do que eu lhe dei crédito.

Faça. Venha até mim. Diga ao mundo que não é apenas


uma aventura.

Meus olhos imploraram para que ela se aproximasse,


meu corpo inteiro quente com antecipação.

Ela estava à beira de algo. Eu poderia dizer. Ela deu um


passo à frente, em minha direção... então três passos para
trás. Então se virou e saiu correndo, me deixando no bar com
Wyatt e Gabriella.

Diria que eu estava uma bagunça, mas isso seria um


insulto para bagunças de todo o mundo. Finalmente entendi a
ideia por trás da palavra “eviscerado”. Sentia-me como um
peixe, minhas entranhas fisgadas, rasgadas e jogadas em uma
frigideira. Ótimo, agora eu estava desapontado e com fome.

Um minuto depois, me levantei, deixando Gabriella


escorregar do meu joelho novamente. Ela caiu com um
estrondo alto quando sua bunda ossuda encontrou o chão.
Joguei uma nota de vinte no balcão.

— Estou indo para casa.

Cumprimentei meu irmão com um toque de punho.

Então comecei a voltar para casa e lamber minhas feridas


em forma de Tennessee.
Três dias se passaram desde o jantar de ensaio.

Certifiquei-me de que Bear não me visse chorar. Ele já


estava passando por tantas mudanças em sua vida.

Ver Cruz com Gabriella quebrou algo dentro de mim –


algum orgulho estúpido e primitivo, nascido por não ter
nenhum quando se tratava de minha própria família,
suspeitei.

Não consegui me obrigar a ligar para ele, enviar uma


mensagem de texto, explicar por que não podia simplesmente
reivindicá-lo.

Porque ninguém jamais me reivindicou, e o medo da


rejeição, por mais improvável que seja, me imobiliza.

Meu corpo simplesmente não iria para ele no The Drunk


Clam, não importa o quão alto meu cérebro gritasse aos meus
pés para se moverem.

Cruz, em troca, finalmente desistiu de mim. Foi a


primeira vez desde que voltamos do cruzeiro que ele não ligou,
enviou mensagem ou apareceu sem avisar.
Não foi de todo ruim.

Rob veio um dia após o jantar de ensaio e jogou bola com


Bear no quintal por dez minutos, durante os quais Bear caiu
várias vezes, partiu o lábio e derrubou parte da minha cerca
enquanto tentava interceptar, antes de Rob choramingar. —
Maldito seja. Tem certeza que é meu filho? Você não tem um
osso atlético em todo o seu corpo!

Depois disso, Bear fez Rob subir em seu skate e tentar


andar. Rob caiu como um tijolo cinco vezes e foi recebido com
o sotaque lento e provocador de Bear. — Droga, tem certeza
que é meu pai? Vi melhor equilíbrio em uma bola de borracha!

Comecei a suspeitar que esses dois não encontrariam seu


equilíbrio, mas então Rob pegou sua arma secreta: Root Beer133
e Banco Imobiliário.

Nós três desfrutamos de um jogo de duas horas, completo


com hambúrgueres para viagem que Rob tinha saído para
comprar, por conta própria, e uma torta de chocolate da
padaria local.

Rob foi um cavalheiro perfeito para mim o tempo todo.

Depois da minha rejeição tímida durante o jantar de


ensaio, no qual disse que pertencia a mim mesma (o
sentimento permaneceu o mesmo, mas em retrospecto, deveria
ter deixado claro que estava saindo com Cruz), continuei a

133-Acerveja de raiz é um refrigerante doce da América do Norte tradicionalmente feito com a casca
da raiz da árvore sassafrás.
enviar a Rob uma série de textos explicando que minha
lealdade, gratidão e calcinha pertenciam ao seu ex-melhor
amigo, então ele deveria parar de se envergonhar tentando,
mas isso foi há dois dias, e isto era hoje.

E hoje, tinha um mau pressentimento que minha


abordagem indecisa a Cruz me morderia na bunda.

A campainha antiga acima da entrada da lanchonete


tocou. Entraram a Sra. Holland e sua filha Gabriella, ambas
usando vestidos de verão com bolinhas marrons, chapéus de
palha e bolsas de grife combinando.

Em minha opinião, combinar roupas entre pais e filhos


só era fofo antes da puberdade. Agora, simplesmente pareciam
as gêmeas do The Shining134.

— Mesa para dois, por favor!

Havia poucas coisas neste mundo que queria fazer menos


do que servir Gabriella, incluindo, mas não se limitando, a me
afogar na Celestine Pool135, ou me tornar a estilista de Miley
Cyrus. Por esse motivo, corri para Trixie, que estava flertando
com Coulter.

Bom para ela.

Coulter pode ter talentos limitados quando se tratava de


cozinha, mas em geral parecia um cara legal.

134-Filme de terror psicológico, em português “O Iluminado”.


135-É uma fonte de água com temperatura média de 84°C, localizada em uma reserva natural nos EUA.
— Trixie, pode ficar com a mesa três? Vou cobrir uma das
suas...

Trixie olhou para Gabriella e a Sra. Holland enquanto elas


se acomodavam na cabine de vinil e me sinalizavam
furiosamente.

— Claro que sim. Parecem que dão boas gorjetas.

Elas quase certamente não deixariam uma gorjeta, mas


não queria esmagar seu espírito. Entreguei a conta à mesa
cinco e comecei a limpar a mesa dois quando Trixie apareceu
ao meu lado.

— Desculpe, boneca. Disseram que querem que você as


sirva, especificamente. Elas foram bastante inflexíveis sobre
isso.

Aposto que sim.

Como se Gabriella fosse perder a oportunidade de me


lembrar que eu era uma humilde camponesa e ela uma
semicelebridade, com centenas de milhares de seguidores que
bajulavam todas as fotos que postava.

Coloquei um sorriso no rosto, agradeci minhas estrelas


da sorte por estar usando leggings sob meu uniforme revelador
e caminhei até a mesa delas, colocando dois menus
extrapegajosos em cima.

— Senhoras. Bem-vindas ao Jerry & Sons. Meu nome é


Tennessee e servirei vocês hoje.
Se matar alguém com gentileza fosse uma coisa real,
essas duas estariam mortas a qualquer minuto.

A Sra. Holland me encarou com olhos odiosos. Gabriella,


no entanto, jogou junto com minha encenação afável.

— Oh, Nessy, boa tarde. Amei sua nova repaginada!


Finalmente parece ter menos de cinquenta anos.

— Pareço? — Perguntei com surpresa fingida. — Droga,


mais algumas camadas de maquiagem e teria direito ao seguro
social e ao desconto para idosos do Applebee136. Como está a
sua dor de cabeça?

— Muito melhor, obrigada. Estou animada para ser a


dama de honra da Trinity.

E estou animada para deixar esta mesa e atender meus


outros clientes.

— Excelente. Deixe-me dar-lhes algum tempo para darem


uma olhada em nosso menu.

— Não há necessidade. — A Sra. Holland ergueu o queixo.


— Sabemos o que queremos.

— Sabemos? — Gabriella se virou para ela com ceticismo.

— Vamos querer um sundae. Sem amendoim, por favor.


E quero dizer sem amendoim. Minha anjinha é alérgica. —
Apertou a mão de Gabriella sobre a mesa. — Então, também

136-Uma rede de restaurantes.


não há vestígios de amendoim, certo?

— Vou me certificar de passar a mensagem para Coulter.


Algo mais? — Peguei seus menus de volta.

— Coca diet para mim, — murmurou Gabriella.

— E café para mim. — A Sra. Holland sorriu


inocentemente.

Lançando um último olhar, fui até Coulter e recitei o


pedido, destacando a regra de não usar amendoim.

— Conheço Gabriella. — Coulter enxugou a testa suada


com a parte de trás do antebraço, jogando tiras de bacon na
grelha. — Não se preocupe. Sem amendoim.

Correndo para um canto da lanchonete, peguei meu


telefone e comecei a escrever uma mensagem de texto para
Cruz.

Isso foi estúpido.

Certamente, eu não desistiria da melhor coisa que


aconteceu comigo desde Bear (e Spanx137) por causa de
algumas pessoas arrogantes, mesmo que algumas delas
fossem da minha família. E eu lhe devia um pedido de
desculpas por ser difícil e empurrá-lo para longe. Precisávamos
limpar o ar.

Tennessee: Ei. Desculpe pelo que aconteceu no jantar de

137 É uma fabricante americana de roupas íntimas.


ensaio. Eu gostaria de conversar. Pode vir...

Coulter bateu com o punho na campainha, indicando que


um dos pedidos estava pronto.

— Mesa três.

Meus olhos deslizaram de volta para a mensagem de texto


que eu estava terminando.

— Garçonete! Vai nos deixar esperando apenas para


poder mexer no seu telefone? É um sorvete! Derrete! — A Sra.
Holland gritou alto o suficiente para que as pessoas nos
estados vizinhos pudessem ouvir.

Com um rosnado baixo, empurrei meu telefone na minha


bolsa atrás do balcão, peguei o pedido e caminhei em direção
a sua mesa.

A Sra. Holland estava recostada no vinil vermelho, sua


filha longe de ser vista. Para onde foi a Gabriella? Para afiar
suas presas antes de afundá-las em meu pescoço?

— Aqui está. — Coloquei o sundae, o café e a Coca Diet


na mesa deles. — Espero que goste.

— Oh, vamos. Sem amendoim, certo?

— Isso é o que perguntou um trilhão de vezes, —


confirmei. — Não se preocupe, as únicas malucas138 que temos
por aqui são você e sua filha.

138-Malucas, em inglês, é nuts que também significa amendoim, por isso o trocadilho.
— Não te mataria ser mais educada.

— Não mataria você ser mais graciosa, — disse


impassível.

— Mal posso esperar para o Dr. Costello terminar com


você. — O sorriso da Sra. Holland aumentou.

Eu não pude evitar. Ri.

— Mesmo se ele me largar, o que muito bem pode


acontecer, nunca ficará com sua filha. Ela é tudo o que a criou
para ser – venenosa, má, mesquinha e talvez o pior de tudo –
chata.

— Suponho que seja um partido muito melhor?

Ela torceu o nariz. Pelo menos o sorriso sumiu de seus


lábios.

Dei de ombros. — Ele me escolheu, não foi?

Com essas palavras de despedida, voltei ao balcão,


passando por Gabriella no meu caminho. Ela zombou de mim,
seu ombro propositalmente roçando o meu enquanto sentava-
se.

— Elas parecem um par perfeito. — Trixie se desvencilhou


do telefone para apertar meu antebraço. — Desculpa.

— Está tudo bem. — Esfreguei seu braço. — Estou


acostumada com isso.

Depois de anotar outro pedido, estava prestes a recuperar


meu telefone e terminar a mensagem para Cruz quando ouvi
um suspiro alto nas minhas costas, seguido por um baque.

Virando-me, encontrei Gabriella no chão da lanchonete,


segurando o pescoço, gemendo que não conseguia respirar.

— Meu bebê! Meu bebê! — A Sra. Holland acenou com as


mãos freneticamente. — Alguém chame um médico! Acho que
está tendo uma reação alérgica! Ela é alérgica a amendoim!

As pessoas começaram a correr em todas as direções.


Trixie pegou o telefone atrás do balcão e discou nove-um-um.
Alguém disse que podiam ter uma EpiPen139 na bolsa, virou a
bolsa e vasculhou seus pertences.

A Sra. Holland estava chorando e fazendo o mesmo,


mexendo na bolsa da filha.

E... sabia que tinham armado para mim.

Não havia amendoim naquele sundae.

Certifiquei-me disso.

Coulter se certificou disso.

A Sra. Holland encontrou uma EpiPen na bolsa da filha.

— Eu achei! Achei! Graças a Deus. — Gritou de alívio,


correndo em direção à filha, que ainda estava escorregando no
chão, tentando respirar.

139-Adrenalina auto injetável.


Espetou a seringa na parte externa da coxa de Gabriella,
com um floreio extra de brilho dramático para uma mãe que
estava apunhalando sua filha.

— Há uma ambulância a caminho. — Jerry contornou o


balcão, correndo em direção à Sra. Holland. Ele se agachou no
chão para ficar na altura dos olhos dela, quase me derrubando
em seu caminho. — Não posso lhe dizer o quanto lamento, Sra.
Holland. Estou fora de mim. Isto nunca aconteceu conosco
antes. Um terrível erro humano. Terrível. Todos nós sabemos
que Gabriella é alérgica a amendoim.

— Ela fez de propósito! — A Sra. Holland o ignorou,


apontando em minha direção. — Faria qualquer coisa para
ganhar o Dr. Costello. Não aguentou o fato de ele ter gostado
da minha preciosa Gabriella! Eu quero que ela pague! Ela
tentou matar minha filha.

Essa foi a última coisa que ela disse antes de a


ambulância parar no meio-fio em frente à lanchonete.

E logo atrás, os policiais.


Apesar de minha reputação duvidosa, eu nunca tinha
sido presa antes.

Esta foi a primeira vez para mim, e certamente esperava


que fosse a última também. A menos, é claro, que a Sra.
Holland e sua filha conseguissem me colocar na prisão por
tentativa de homicídio.

O que, fui informada pelo oficial Corrigan (que foi


estagiário do meu pai quando era um xerife) era altamente
improvável, considerando que Coulter – que na verdade fez o
sundae – estava chorando muito quando falou com os policiais
na cena e jurou que não só tinha se assegurado de que não
havia amendoim no sundae, mas também deu uma olhada na
minha retaguarda enquanto eu caminhava até a mesa três
para dar o sorvete a elas, então ele testemunhou com seus
próprios olhos que não houve crime depois que fez o sundae.

Não mexi na sobremesa. Quem diria que agachamentos


podem salvar vidas?

Se eu saísse dessa situação inteira, me inscreveria na


academia local e trabalharia duro. Todos os trocadilhos
pretendidos.

Atualmente, estou detida em uma cela sozinha. Havia


vantagens em viver em uma cidade pequena. Uma delas era
uma taxa de criminalidade obscenamente baixa. O policial
Corrigan me disse que eu tinha permissão para um
telefonema, de preferência para alguém que pagaria minha
fiança.

— Acontece que conheço sua mãe e pai. — Puxou o cinto


sobre a barriga avantajada, pega em sua tentativa de escapar
de seu uniforme azul esticado. Eu estava atrás das grades,
engolindo cada uma de suas palavras. Decididamente, aquele
não era o momento para ficar atordoada. — Posso ajudá-la a
fazer a ligação, se quiser, ou talvez queira ligar para sua irmã?
Posso providenciar isso também.

A loucura era que não queria ligar para mamãe, papai ou


Trinity.

Queria ligar para Cruz.

Não confiava em nenhum dos membros da minha família


para não me fazer sentir horrível. Eu também sabia que eles
acreditariam absolutamente em qualquer coisa que Gabriella
e sua mãe os alimentassem.

A raiva tomou conta de mim quando pensei em como


armaram para mim e como, embora fosse inocente, minha
família não acreditaria em mim.

O que eu fiz para receber esse tratamento deles?


— Não. — Enrolei meus dedos sobre as barras de metal
frio, meus olhos encontrando os do policial Corrigan. — Quero
ligar para Cruz Costello.

— O médico? — Seus olhos saltaram.

Não, o pintor renascentista.

— Sim.

— Sabe o número dele?

Minhas bochechas esquentaram. — Não me lembro de


cor. Posso ter a lista telefônica?

— Claro, querida. O que precisar.

Trinta minutos depois, estava ligando para Cruz. Ele


atendeu no primeiro toque, o que me disse que já sabia o que
estava acontecendo. A verdade, tinha certeza de que todos no
planeta Terra estavam cientes da minha situação.

— Tennessee.

— Oi, — respondi calmamente, desesperada para não ser


uma covarde além de ser uma molenga. — Desculpe, estou
ligando. Sei que não nos falamos há três dias...

— Sua fiança foi fixada em cinco mil dólares. Seu pai


mexeu alguns pauzinhos, além disso foi seu primeiro delito, e
francamente, todo mundo sabe que é besteira.

Eu o ouvi se movendo. A porta de seu carro batendo com


força. Ele já estava vindo aqui para me salvar. Meu coração
disparou com inesperado prazer e calor.

— Oh. Ok. Então meu pai sabe.

— Sabe.

— Ele não está aqui.

— Disse que você deveria se sentar aí durante a noite e


pensar sobre o que fez. — Cruz proferiu a sentença
ironicamente. Houve um breve silêncio enquanto eu digeria
isso.

— Portanto, nem todo mundo sabe que sou inocente.

— Suponhamos que não.

— E você? — Perguntei finalmente.

— Eu sei que não fez isso, — disse simplesmente.

Obrigada.

Murmurei as palavras, mas não as disse.

Eu não poderia dizê-las.

Ainda não conseguia mostrar fraqueza para o homem que


estava tão escandalosamente fora do meu alcance, não importa
o quanto quisesse. Engasguei-me com elas. Tentei tirá-las de
lá. Fracassando.

— Você falou com Bear?

— Sim. Está com o pai. — Cruz respondeu brevemente.


Eu o ouvi dirigindo. Os sons da multidão de verão na rua,
de carros buzinando e adolescentes rindo ao fundo.

— Ele está assustado?

— Está chateado com a situação, mas sabe que não dará


em nada. Sua irmã vai buscá-lo na casa de Rob em algumas
horas, e ele dormirá na casa de seus pais.

— Então todos sabem que estou na prisão, mas ninguém


se deu ao trabalho de aparecer. — O gosto dessas palavras na
minha boca me deu vontade de vomitar.

— Sabem que é apenas uma questão de tempo até você


ser liberada.

— Ainda sim.

— Estou a caminho, — disse ele.

— Mas esperou que eu ligasse.

Ocorreu-me que ele só entrou no carro depois que fiz a


ligação, embora já soubesse qual era a minha fiança.

— Sim.

— Por quê? — Engoli em seco.

— Eu disse que estou cansado de persegui-la. Pelo menos


agora sei o que é preciso para você pegar o telefone e ligar.

Eu ia mandar uma mensagem para você, queria chorar.

A vergonha de falhar neste relacionamento de alguma


forma me doeu mais do que qualquer outro fracasso em minha
vida. Pressionei o telefone no lado machucado do meu rosto,
onde minha irmã me bateu, e tentei engolir a bola de lágrimas
em minha garganta.

Então o policial Corrigan pegou o telefone e me conduziu


de volta a minha cela.

Levei apenas um segundo para perceber que Cruz e eu


não estávamos mais juntos. Tudo que precisava era vigiá-lo
através da minha cela enquanto ele caminhava até o oficial da
delegacia de polícia.

A policial ergueu os olhos da tela do computador e


observou-o. Alto, magro e perfeito. Vestido com calças pretas,
um suéter de cashmere azul marinho e uma camisa social
branca por baixo.

Ele exalava confiança e elegância, também estava


atualmente pagando a fiança para sua amiga por
supostamente tentar assassinar sua ex-namorada.

Levantei-me e caminhei até as barras, olhando-o,


hipnotizada.

Sentindo meu olhar, ele me lançou um olhar, ignorou


meu aceno patético e voltou sua atenção para o oficial.

Agora que eu tinha tempo para digerir tudo o que estava


acontecendo, também fiquei impressionada com sua
disposição – para não falar da habilidade – de pagar cinco mil
dólares pela fiança de alguém com quem não estava mais
saindo.

Tragicamente, tentei alisar meu cabelo no lugar e dar um


tapa em minhas bochechas para obter um pouco de cor
quando dois policiais que eu não conhecia se aproximaram da
minha cela para me liberar.

Cruz esperava por mim na recepção, as mãos enfiadas


nos bolsos da calça.

— Obrigada, — disse, recusando contato visual com ele.

Ele sorriu tensamente. — É a primeira vez que me diz


isso.

Fiz uma careta para ele. — Certamente isso não pode ser
verdade.

Ele me comprou um guarda-roupa inteiro, colocou meu


filho sob sua proteção, me defendeu no jantar de ensaio e
muito mais, mas agora que pensei sobre isso, eu realmente não
agradeci por nada que fez por mim durante nosso curto, mas
tempestuoso relacionamento.

Meu orgulho estúpido realmente estava fora de controle.

— Desculpe, — murmurei.
— Outra novidade para você, — apontou, abrindo a porta
da delegacia para mim. — Hoje é simplesmente uma caixa
cheia de surpresas, Tennessee Turner.

— Droga. Eu sou péssima. — Soltei um suspiro enquanto


arrastava meus pés para fora da porta.

— Isso você é, e poderia usar alguma orientação nesse


território também140.

Ele acabou de criticar minhas habilidades orais?

— Bebeu uma poção da verdade ou algo assim?

Arrastei meus pés até o seu carro, me sentindo miserável.


Ele era frio e pragmático, e, de repente, percebi que não deveria
ter tomado como garantidas todas as vezes que ele foi doce e
atencioso comigo.

— Estou em vias de desistir de algumas coisas, —


explicou, abrindo a porta do passageiro para mim.

— Tais como?

— As merdas que dou sobre o que as pessoas pensam


sobre mim. Observe e aprenda. — Ele bateu a porta atrás de
mim.

Observei enquanto ele contornava o carro, afivelava o


cinto de segurança e ligava o motor. Não olhou para mim. Não

140-Quando a personagem diz “eu sou péssima”, em inglês, ela utiliza “I suck” que também é o verbo
“chupar”, levando ao trocadilho do sexo oral.
perguntou como eu estava.

Em vez disso, explicou com uma voz calma e mortal: —


Agora vamos dirigir para fora da cidade, onde tomaremos uma
xícara de café e discutiremos o nosso relacionamento.

— Agora? — Gaguejei.

Agora era um momento terrível para eu cair a seus pés e


explicar que não era que eu não estava interessada nele, mas
que era uma completa e absoluta idiota sem bolas141 (oh, que
ironia). Também tinha acabado de passar quatro horas em
uma cela de prisão.

Claro, de vez em quando as pessoas que costumavam


trabalhar com meu pai paravam na minha cela para me dizer
que as alegações não seguiriam em frente e que, na pior das
hipóteses, estaria fora de lá amanhã de manhã, mas mesmo
assim...

Minha reputação em Fairhope havia sofrido mais um


golpe, e teria que começar a puxar o saco dos meus pais se
quisesse salvar meu relacionamento com eles.

— Agora é um momento tão bom como sempre. — Cruz


mal tocou o volante enquanto dirigia, o que achei sexy e
assustador. — Eu tenho que fazer uma visita aos Duggars para
ter certeza de que a bebê Bella está bem, e isso me deixa uma
hora inteira para lhe dizer o que penso.

141-A expressão “sem bolas”, em inglês, é escrita “nutless”. “Nut” também significa amendoim.
— Mal posso esperar para vê-la.

Coloquei meus cotovelos nos joelhos, deitando


descaradamente. Gostava bastante dos Duggars. Eram
operários, o que significava que não me julgavam tão
severamente quanto os outros, mas certamente tinha peixes
maiores para fritar do que ver sua adição recente.

— Ela é muito fofa. Parece um alienígena.

Seu rosto se abriu quando falou sobre a bebê, e meu útero


se contraiu. Foi a primeira vez em treze anos que aquela coisa
me deu qualquer indicação de que ainda estava dentro do meu
corpo.

Huh.

— Você quer ter filhos? — Brinquei com a bainha do meu


uniforme.

— Claro, — disse Cruz. — Vários. Você quer mais?

— Não, — disse, me sentindo ainda mais desanimada. —


Não consigo me imaginar com um novo, agora que Bear é um
adolescente. É muito trabalho.

— Ele vai te ajudar.

— Crianças custam dinheiro, — apontei.

— Talvez a próxima seja com alguém que fique por aqui.

— A vida me ensinou a não contar com isso.


Sua mandíbula apertou, mas ele mordeu a língua.

Quinze minutos depois, virou à direita na saída da


Interestadual 74 e entrou em uma cidade aconchegante que
poderia ser a sósia de Fairhope. Enormes árvores antigas, uma
velha igreja, uma charmosa rua principal e um pequeno riacho
nos deram as boas-vindas.

Ele parou em uma pequena cafeteria de tijolos brancos


com vasos de flores transbordando, abriu a porta do carro para
mim e me ajudou a sair. Sabia que devíamos parecer estranhos
quando entramos na pequena loja. Eu, em meu uniforme rosa
cafona, e ele, parecendo o respeitável papai gostoso de alguém
com algumas torções ocultas. Mesmo assim, a garçonete que
veio anotar nosso pedido – um Americano para ele e um
cappuccino para mim – nem piscou quando nos sentamos.

Cruz foi direto ao assunto. — Diga-me o que aconteceu.

Contei-lhe sobre Gabriella e a Sra. Holland.

Sobre como insistiram que eu as servisse. O quanto


enfatizaram que ela era alérgica a amendoim – algo que eu
duvidava que alguém em Fairhope não soubesse neste
momento, visto que anunciava como se tivesse ganhado o
Prêmio Nobel – e como definitivamente não adicionei
amendoim ao sundae.

— Coulter apoiou você nisso. Trixie também. — Cruz


baixou a cabeça por um momento para verificar seu relógio
volumoso. — Até Jerry parecia cético, e diz que o cliente
sempre tem razão, mesmo quando a Sra. Underwood alegou
ter visto vestígios de seu amado cachorro Brutus em um de
seus hambúrgueres.

— Parece que todos na cidade estão em dia com meu


último escândalo. — Esfreguei minha testa, pensando no
pobre Bear e como sua mãe sempre conseguia fazer
manchetes. — Quão bravos estão meus pais?

— Isso é irrelevante, porque não fez nada de errado, e


qualquer pessoa com um par de olhos funcionais e uma vaga
noção do que está acontecendo na cidade no último mês pode
dizer. Agora, é assim que vai se desenrolar. Estabelecerei as
regras e vai cumpri-las e fazer o que eu digo, porque,
francamente, estou começando a achar que está pronta para
deixá-los acusá-la de tentativa de homicídio só para evitar que
seus pais e sua irmã fiquem bravos com você.

Lambi meus lábios, esperando por mais. Não poderia


discutir a merda de uma coisa que ele acabou de dizer. Eu
estava em perigo.

Cruz graciosamente recebeu seu Americano, tomou um


gole lento e continuou.

— Voltaremos para a casa dos seus pais para pegar Bear


e depois iremos para a minha casa. Antes de partirmos, vai
dizer a eles que estamos juntos, que vai morar comigo e que
não devem mais se intrometer em seus assuntos pessoais.
Você não tentará se explicar sobre o acidente do amendoim.
Não buscará a sua aprovação ou lhes dará qualquer desculpa
para levá-los a discutir mais o assunto. Irá informá-los dessas
mudanças e daremos o fora. Então vai esperar que eles
venham se desculpar com você. Porque, querida? Se não
começar a exigir algum respeito por aqui, ninguém vai lhe dar
isso.

Corri apaticamente a ponta do meu dedo indicador sobre


a borda da minha caneca de cappuccino, refletindo sobre isso.
Por um lado, não havia nada que eu quisesse fazer mais do
que o que ele acabou de oferecer. Por outro lado, estava com
medo pra caramba que acordasse amanhã, no dia seguinte, na
próxima semana, ou no próximo ano, e percebesse que eu não
era suficientemente boa para ele.

Uma vez que a novidade de ter a garota pela qual se


apaixonou no colégio passasse, veria que o que lhe sobrava era
uma mulher nervosa e excessivamente sarcástica com sua vida
em farrapos, sua carreira inexistente, que ainda estava
expiando o que fez aos seus pais.

Além disso, se fizesse o que me pediu, talvez não tivesse


pais.

— Conte-me o que está acontecendo na sua cabeça. —


Cruz se recostou em sua cadeira, seus olhos seguindo cada
momento meu com cuidado.

— Temo que minha família me dê as costas se fizer isso.

— Eles podem, e no curto prazo pode significar não falar


com eles, mas a longo prazo todos vão se entender, e eles
saberão como parar de mexer com você.

Era fácil para ele dizer. Não era uma mãe solteira.

Ele não confiava na minha mãe para ser babá, no meu


pai para ensinar Bear tudo que precisava saber sobre como se
tornar um homem e em Trinity para levar Bear às compras.
Não estava muito preocupado com onde passaria o próximo
Natal se as coisas dessem errado, ou destruindo uma família,
e a criança nela, uma criança que teve uma infância
complicada para começar.

— Mas e se isso não acontecer? — Afundei na minha


cadeira. — E se decidir me largar na próxima semana, quando
outra tempestade deslumbrante de Gabriella invadir a cidade?

— Estamos jogando “e se” agora? — Cruz arqueou uma


sobrancelha grossa.

— Tudo o que estou dizendo é que sou eu que tenho tudo


a perder.

Ele soltou uma risada cínica. — Sim, Messy Nessy. Você


tornou muito fácil namorá-la, saindo por aí colecionando
escândalos como selos ao longo dos últimos anos.

A pior parte é que eu sabia que se ele me desse um


empurrãozinho final em direção ao seu plano, teria ido num
piscar de olhos. Jogaria a cautela ao vento e tentaria, mesmo
que isso significasse ir contra minha família, mas, por acaso,
Cruz não estava mais jogando. Ele não parecia tão ansioso
para dar garantias como quando começamos... o que quer que
seja que estávamos fazendo. E eu não conseguia segurar sua
indiferença.

Eu não tinha ninguém além de mim para culpar.

Mesmo assim, segurei meu orgulho com as unhas


ensanguentadas. Com tudo que tinha em mim, meus pés
balançando no abismo da humilhação. Se fizéssemos isso, se
eu desistisse de tudo e fosse com ele, e ele me largasse, nunca
mais seria capaz de mostrar minha cara nesta cidade.

E perderia minha família no processo.

— O que vai ser, Tennessee? — Cruz perguntou, seu rosto


impassível, seus ombros tensos. Deu outra olhada no relógio.
Muito bem. Ele ainda tinha que fazer uma visita domiciliar aos
Duggars. — Está dentro ou fora?

— Eu tenho que te dizer agora? — Dei a ele um pequeno


bufo arrogante, como se estivesse muito divertida com sua
teatralidade.

Não gosto de ser encurralada. Especialmente não gostava


de ser encurralada por pessoas que tinham mais poder e
controle sobre a situação do que eu.

— Sim, raio de sol.

— Percebe que não é justo.

— O que estou percebendo é que nem mesmo uma


mulher pela qual ansiei por mais da metade da minha vida vale
essa montanha-russa de merda de namoro do décimo ano.
Tenho sido honesto, sincero e comprometido. Você me
surpreendeu uma e outra vez. Terminei.

— Nesse caso, me leve para a casa dos meus pais.

— Para lhes dizer que vamos morar juntos e enfiar o


preconceito em suas bundas?

Pela primeira vez hoje, vi o mesmo brilho infantil e


ansioso em seus olhos, que deixava as pessoas viciadas em sua
presença.

— Não, para pegar meu filho e ir para casa e tentar salvar


o que restou da sua reputação, se eu conseguir.

— Entendi. — Ele se levantou, jogando um maço de


dinheiro na mesa entre nós e enfiou a carteira de volta no
bolso.

— Preciso usar o banheiro. — Desviei o olhar, minhas


palavras proferidas com tanta dignidade quanto pude reunir.

— Esperarei por você no carro.


Minha cabeça latejava na manhã seguinte.

Tanto é verdade, que nos primeiros cinco minutos pensei


estar imaginando a batida na minha porta lá embaixo.

Gemendo, me virei em minha cama, enterrando meu


rosto em um dos travesseiros. Grande erro, já que o cheiro de
shampoo de Tennessee – margaridas e algum tipo de
sobremesa – permaneceu em minhas narinas, me fazendo doer
por completo.

Embora talvez essa dor também se deva ao fato de eu ter


acabado com uma garrafa inteira de uísque.

Talvez.

Depois que deixei Tennessee na casa dos seus pais na


noite anterior e ziguezagueei por sua rua direto para a casa
dos Duggars, arrulhei para a recém-nascida Bella, lhe dei um
rápido checkup e voltei para casa, onde prontamente tentei
beber até a morte.

Lamentei o dia em que disse a Trinity que poderia dar a


sua irmã mais velha uma carona até o porto para o nosso
cruzeiro.

E definitivamente os dias que se seguiram, nos quais


pensei que seria uma boa ideia beijá-la, prová-la, me enterrar
profundamente em seu corpo doce e tentador e traçar planos
sobre como torná-la minha.

Uma coisa era certa – se Rob acabasse conquistando-a,


teria uma eternidade de acessos de raiva e inseguranças para
lidar, então boa sorte com isso.

— Cruz? Oh, Cruzyyyy? — Ouvi uma voz estridente sob a


janela do meu quarto.

Gabriella.

Francamente, uma visita do Grim Reaper142 teria sido


mais bem-vinda, mas tinha contas a acertar com ela.
Desvencilhei-me da cama, amaldiçoando todos os músculos
doloridos do meu corpo enquanto descia as escadas com uma
camisa branca amassada e um par de jeans desabotoado.

Abri a porta bruscamente, batendo no pouquinho que


restava do uísque da noite anterior.

— Olá, Gabriella.

Ela estava de volta à aparência de uma donzela moderna,


cachos grandes, maquiagem perfeita e um vestido recatado.

Meu destino. Sim. Casar com uma mulher tão chata e

142-São espíritos malignos que controlam organismos mortos-vivos.


unidimensional quanto esta cópia carbono de todos os
personagens principais de um programa de televisão a cabo
que nunca assisti.

— Cruz, — exalou, arrastando suas garras em meu peito.


— Eu só queria dizer que sinto muito.

— É mesmo? — Perguntei categoricamente. — Importa-


se de me dizer por quê?

— Bem, Nessy disse a Trinity que você e ela terminaram.


Está tentando entrar no lado certo de sua família, suponho,
depois do que fez comigo...

Quase rio. Tennessee usou nosso relacionamento


rompido como desculpa para reivindicar o martírio.

— E o que exatamente ela fez com você? — Eu disse


lentamente.

— Oh, não ouviu? — Entrou na minha casa, sem ser


convidada, direto para a cozinha e ligou a máquina de café. —
Ela tentou me matar. Colocou amendoim no meu sundae.
Francamente, sabia que tinha alguns parafusos soltos desde
que a conheci, mas honestamente não...

— Ela não tentou matá-la, e ambos sabemos disso. —


Peguei uma banana da fruteira e a descasquei, enfiando tudo
na boca.

— Você não estava lá. — A coluna de Gabriella se


enrijeceu enquanto servia uma xícara para cada um de nós. —
Foi horrível. Tive tanta sorte que minha mãe encontrou minha
EpiPen...

— Geralmente não carrega sua EpiPen com você. — Eu


sabia disso porque a repreendi por isso quando ficamos juntos
por meio segundo. — Por que a tinha ontem?

Ela se virou, me entregando uma xícara de café e se


sentando à mesa de jantar. Permaneci de pé. Fingiu soprar
timidamente o café.

— Eu não sei. — Pareceu genuinamente surpresa com


minha pergunta e sua resposta.

Como Gabriella não era uma boa atriz, tinha certeza de


que ela não estava mentindo.

— Você não sabe como a EpiPen entrou na sua bolsa? —


Levantei uma sobrancelha.

— Não.

— Interessante.

— Talvez eu apenas tenha colocado lá, já que sempre me


dizia para fazer.

— Você teria se lembrado.

— O que está insinuando? — Sua expressão escureceu e


colocou a xícara de café na mesa.

— O que está negligenciando? — Retruquei.


Engoliu em seco. Ela parecia destruída pelo que ambos
concordamos, sem palavras, tinha acontecido.

— Precisa consertar isso, — disse gentilmente. — Contar


à polícia.

— Contarei.

Balancei minha cabeça e sentei em frente a ela.

— Olha, Gabriella, o negócio é o seguinte. Você é um


grande partido, mas a verdade é que, quando nos conhecemos,
não estava procurando por nada sério. Começamos a namorar
porque sabíamos que as pessoas esperavam que o fizéssemos.
E ficou fora de controle. A noite anterior ao cruzeiro, quando
terminei tudo, fiz isso porque queria ser um agente livre
quando estivesse no navio. Desprezível, mas é verdade. E
estava certa – tinha algo a ver com Tennessee. Sempre tive uma
queda por ela, e no fundo, sabia que o cruzeiro era a
oportunidade perfeita para chamar sua atenção.

Eu não sabia que isso era verdade até que disse, mas
agora que foi dito, tudo fazia sentido.

— E conseguiu. — Gabriella fez o possível para esconder


seu desgosto enquanto as palavras saíam de sua boca.

Eu a saudei com minha xícara, tomando um gole.

— Correto. Então, todo esse triângulo amoroso que


surgiu depois do cruzeiro? Nunca foi um triângulo. Sempre fui
um otário por aquela mulher enlouquecedora. Eu não poderia
dizer não a ela, mesmo que tentasse. Possivelmente, mesmo se
tivesse vindo até mim, totalmente grávida do meu melhor
amigo, e me pedido em casamento quando ela tinha dezesseis
anos.

A verdade da minha declaração encheu minhas veias de


uma raiva quente e branca. Odiava tê-la perdido, mas isso não
significava que deveria mentir para Gabriella, ou para mim
mesmo.

Eu amei Tennessee Turner desde o minuto em que


coloquei os olhos nela. Desde o primeiro momento em que a vi
no berçário, ela simplesmente brilhava mais do que todos os
outros.

E a pior coisa, talvez, era o fato de que eu sabia que


Tennessee estava mal. Fraca. Covarde na frente de sua família.
Completamente influenciável.

…E eu ainda a amava. Apesar de suas fraquezas.

E, droga, por causa delas também.

— Você realmente a ama. — Gabriella deu um suspiro


profundo, apoiando o queixo no punho.

— Infelizmente.

— Bem, não posso dizer que não tentei.

— Você deu o seu melhor e chegou mais perto do que o


resto.
Ela se levantou, olhando em volta, como se estivesse se
despedindo de tudo. Sabendo que provavelmente seria a
última vez que veria o interior deste lugar.

— Sua mãe ficará desapontada. — Ela sorriu cansada.

— Minha mãe está perpetuamente desapontada. —


Levantei-me, acompanhando-a até a porta. — Além disso,
conto com sua melhor amiga para abençoá-la com um neto
mais cedo ou mais tarde para mantê-la fora do meu caso por
um tempo.

Depois de fechar a porta atrás de Gabriella, cobri a porta


com a minha estrutura, fechando os olhos, desejando que a
dor de cabeça passasse.

Maldição, Tennessee.
No dia seguinte, não consegui comer.

Não conseguia dormir. Não conseguia beber.

Tudo o que fiz foi pensar em Cruz. Só que desta vez (ah-
ha!) também fiz algo a respeito.

Enviei-lhe dezenas de mensagens de texto, começando


um dia após ele ter me deixado na casa dos meus pais depois
de pagar minha fiança.

Tennessee: Eu realmente sinto muito.

Tennessee: Não podemos apenas manter o segredo por


mais alguns dias? Semanas? Meses?

Tennessee: Estou te fazendo um favor, sabe. Ninguém


quer me reivindicar publicamente. Sou tipo... tipo... uma DST!
Gonorreia, se quiser.

Tennessee: Lembra-se da Sra. Warren? Sinto a sua falta,


às vezes, mas só porque ela me lembra de você.

Tennessee: Ugh. Isso soou muito melhor em minha


cabeça.
Depois que a porta se fechou atrás de mim e tive que
enfrentar minha família sozinha, sabia que tinha tomado a
decisão errada. Não queria ficar perto de nenhum deles. Eles
me fizeram sentir horrível – estúpida, imprudente e
despreparada. Queria estar perto de Cruz, que sempre
valorizou minhas opiniões, minhas palavras e meus desejos.

Minha mãe gritou que não podia acreditar que tentei


matar alguém e se perguntou em voz alta quantas ave-marias
deveria rezar na igreja no próximo domingo – se eu pudesse
colocar os pés naquele lugar novamente sem queimar em
chamas.

Meu pai disse que sofreu muito constrangimento por ter


sua filha presa, queria me deixar apodrecer na prisão, mas
mencionou que as provas contra mim eram muito fracas.

E Trinity se recusou terminantemente a me olhar. Ela


ficou lá em cima o tempo todo, optando por não descer,
provavelmente porque não queria me bater de novo na frente
do meu filho.

Bear foi o único que demonstrou apoio. Ele me deu um


grande abraço (um abraço de urso, se quiser) e me disse que
acreditava em mim. Era uma situação triste que a única
pessoa na casa que acreditou na minha palavra foi aquela que
também tirei da minha vagina.

No entanto, na situação atual, não tive muito do apoio da


minha família – se é que tive – além de perder Cruz. Razão pela
qual já estava com um humor particularmente azedo quando
descobri que teria uma licença temporária.

— Só até que tudo se acalme e se resolva. — Jerry


suspirou na outra linha enquanto preparava o almoço para
Bear.

— Mas não fiz nada de errado, — respondi com os dentes


cerrados.

Não queria implorar por esse trabalho, mas também não


queria que minha eletricidade fosse cortada.

— Eu sei disso, querida. Todo mundo sabe. É por isso que


espero ligar de volta na próxima semana.

— Espera que eu apenas me sente e espere por você? —


Acenei meu punho no ar, embora não pudesse ver.

— Sim, — disse Jerry simplesmente. Sem desculpas. —


Olha, ninguém mais nesta cidade vai contratá-la agora.

Cansada demais para negociar com ele, desliguei e


terminei de fazer a caçarola vegetariana e a salada. Quando a
comida estava pronta, me joguei no sofá e gritei em um dos
lances.

Estranhamente, me preocupava mais com a perda de


Cruz do que com meu emprego.

— Mãe? — Ouvi alguns minutos depois – ou talvez horas


– e percebi que tinha adormecido.

Esfreguei meus olhos, balançando minhas pernas do sofá


e me levantando. Bear estava tirando os tênis perto da porta,
parecendo suado e feliz.

— Care Bear! A comida está pronta. Ajude-me a pôr a


mesa. — Eu já estava indo para a cozinha, fingindo que tudo
estava bem no mundo.

— Não se preocupe com a comida. Esbarrei em Cruz no


caminho de volta da escola. Ele estava na hora do almoço,
então me comprou tacos.

Congelei no meio do passo, me virando para olhar para


ele.

— Você saiu com Cruz?

— Sim. — Ele torceu o nariz, indo para a cozinha e se


servindo de um copo d'água. — Desculpa. Sei que vocês
terminaram ou algo assim, mas tipo, tudo bem em ser amigo
dele ainda, certo?

— Claro. — Recuperei-me, colocando um sorriso no rosto.

Desejei que Cruz estar lá por Bear fosse um sinal de que


ainda me queria. Infelizmente, conhecendo Cruz, estava
apenas sendo seu normal, perfeito. Uma noção dolorosa que
eu não conseguia nomear me apunhalou.

Cruz e Bear gostavam genuinamente um do outro.

— Mãe?

— Hmm?
— Você está bem?

— Claro, Care Bear! Por que não estaria?

— Uhm, porque está chorando.

— Estou? — Acariciei minhas bochechas rapidamente,


horrorizada ao perceber que estavam, de fato, molhadas. Não
ajudou minha autopiedade o fato de nenhum membro da
minha família ter aparecido para verificar como eu estava. —
Bem, devem ser alergias sazonais. Deixe-me lavar o rosto bem
rápido, querido. Volto já.

Quando voltei, Bear estava sentado à mesa da cozinha,


segurando seu telefone, parecendo culpado.

— E aí? — Perguntei despreocupadamente. Puxei um


pacote de biscoitos da despensa e joguei entre nós, pegando
uma caixa de leite e me jogando ao seu lado. — Por que está
me olhando de forma engraçada?

O rosto de Bear se contorceu. — Bem, meio que fiz algo


pelas suas costas.

— Por favor, não deixe “algo” ser uma menina. Sou muito
jovem para ser avó.

Os olhos de Bear se arregalaram e balançou a cabeça


freneticamente. — Jesus, mãe, não. Nem mesmo próximo.

— Certo. Então me conte.

— Liguei para Rob.


— Ligou? Quando? E por que eu ficaria brava? Estou feliz
que ambos estejam se conectando. — Puxei dois biscoitos do
pacote, colocando-os na boca.

— Bem, essa é a coisa. Liguei para ele para que pudesse


vir aqui. Agora mesmo.

Abri a boca para dizer ao meu filho que ele estava de


castigo até os dezenove anos, quando a campainha tocou. Bear
correu para atender a porta. Um segundo depois, Rob estava
em minha cozinha.

— Oi, Nessy.

— Camponês.

— Venho trazendo presentes.

— São os cheques mensais dos últimos treze anos?


Porque sou grata pelos últimos três, mas tem que se atualizar
seriamente.

Ele se sentou ao meu lado, jogando um grande balde de


pipoca no centro da mesa. Eu vi pelas listras vermelhas e
brancas que era da galeria local. Eu era uma otária por causa
dessa pipoca. Era a coisa mais gordurosa e doentia do planeta
Terra, e não podia resistir por nada. O fato de ele ter se
lembrado do meu lanche favorito de quando estávamos
namorando fez meu estômago embrulhar, e um toque
penetrante de nostalgia me percorreu.

— Hmm, pipoca. Isso é quase tão bom quanto os cheques.


— Enterrei minha mão no balde.

Bear pegou um pouco também.

— Liguei para Rob porque acho que você deveria falar com
um adulto, e eu simplesmente não sou... não sei, bom para o
trabalho. — Bear se levantou, olhando entre nós. — Vou
esperar no meu quarto, e depois que terminarem, Rob, quero
que me compre o novo Assassin's Creed.

— Só se sua mãe concordar com isso.

Rob voltou seu olhar para mim. Dei um aceno rápido. Eu


normalmente gostava de ler sobre um videogame on-line para
ver o quão violento era antes de comprá-lo (spoiler: são todos
violentos), mas no meu estado mental atual, deixaria Bear
assistir MMA com pouca ou nenhuma resistência.

— Excelente. — Bear juntou mais pipoca – tanto quanto


poderia fazer caber em seus punhos – e saiu da cozinha,
deixando Rob e eu sozinhos.

— Então... — Bebi direto da caixa de leite – uma das mais


raras alegrias de se tornar um adulto e pagar seu próprio
aluguel. — Acho que sabe sobre meu pequeno período na
prisão. Você estava lá para cuidar de Bear enquanto estive lá
dentro.

— Também sei que não foi você quem fez isso. — Rob
disse secamente, abrindo a mão num gesto para pedir o leite.

Passei para ele. Ele bebeu direto da caixa também.


— Bem, meus pais e minha irmã não.

— Eles sempre foram... duros com você.

— Oh? O que te faz dizer isso? — Mordisquei a pipoca.

— Bem, lembra quando contou a eles sobre nós, e sua


mãe disse que nenhuma filha dela seria menor de idade e
grávida sob seu teto? Seu pai teve que convencê-la a não te
expulsar.

Huh. Tinha me esquecido disso. Quanto mais pensava


nisso, mais percebia que havia sido injustiçada de maneira
profunda e contínua por minha família ao longo dos anos.

— Certo, — disse. — Lembro-me.

— Mas não é por isso que está deprimida. — Rob inclinou


a cabeça. — Está acostumada com sua família, e está
acostumada com esta cidade te tratando como um saco de
pancadas. Então, por que não me diz o que é?

— Cruz e eu terminamos, — admiti, jogando o resto da


pipoca de volta em sua tigela.

De qualquer forma, não conseguia sentir o gosto de nada


de tão deprimida.

— Terminaram. — Rob recostou-se em sua cadeira,


entrelaçando os dedos atrás da cabeça. — Por quê?

— Ele queria que eu morasse com ele.

— O bastardo. — Rob falou lentamente.


— Não é desse jeito. Ele sabia que meus pais e minha
irmã enlouqueceriam.

— E isso seria problema deles, não seu. — Rob me


surpreendeu ao dizer.

— Ainda é muito cedo. E não sei se ele está falando sério


sobre mim.

— Oh, ele está falando sério sobre você. — Rob deu uma
risadinha. — Muito sério. Ele ainda guarda rancor daquele
tempo em que fizemos pedra-papel-tesoura para quem iria
convidá-la para sair, e ele venceu, e ainda assim convidei você
para sair.

— Isso aconteceu? — Minha boca ficou instantaneamente


seca e despertei com atenção.

Rob balançou a cabeça lentamente. — Sim. Eu era um


idiota na minha juventude.

— Não brinca.

— O que quero dizer é que tudo o que ele sente por você
não é passageiro. Quando voltei e descobri que ainda era
solteiro, nenhuma parte de mim ficou surpresa ao ouvir isso.
Sempre achei que ele assumiria de onde deixei as coisas. As
coisas azedaram entre mim e ele depois que você e eu
começamos a namorar.

— Ele ficou olhando para nós a primeira – e a última vez


– que fizemos sexo, — lembrei-o.
— Sim. — Rob esfregou a barba por fazer no queixo. —
Acho que esse foi o último prego no caixão. Depois disso,
apenas fingimos que ainda estávamos bem um com o outro.
Ele nunca se recuperou disso.

Senti-me tão dominada pelas emoções, pela nostalgia,


pelas doces lembranças e pelo amor doloroso por Cruz, que
mal conseguia respirar.

Rob se inclinou sobre a mesa, agarrando minha mão na


sua e apertando. Ele manteve seus olhos nos meus o tempo
todo.

— Eu sinto muito por ter deixado você do jeito que fiz,


mas estou de volta agora e pode contar comigo para qualquer
coisa. Se precisa de dinheiro para aluguel, alguém para
assumir quando estiver sobrecarregada... qualquer coisa. Sei
que não estaremos mais juntos, mas ainda posso ser o pai de
Bear. Agora, por que não vai até o rapaz apaixonado e lhe diz
como se sente? Tenho que comprar um videogame para o meu
filho.

Pressionei a ponta do meu dedo na mesa para pegar os


grãos de pipoca, jogando-os de volta no balde. — Acho que
preciso lhe dar um segundo para se acalmar.

— Isso, ou tem medo de que ele não vá aceitá-la de volta.

Senti-me corando. — Não sou boa com rejeição.

— Não posso culpá-la. É uma merda. Quando estiver


pronta, no entanto, é só dizer uma palavra e entreterei Bear
enquanto tenta conquistar Cruz.

Lágrimas pinicaram meus olhos.

— Folha143, Rob, não posso acreditar que estou dizendo


isso, mas estou feliz que tenha voltado.

— Estou feliz por estar de volta, baby.

143-A personagem deveria ter dito “shit” que significa “merda”.


No dia seguinte, deixei Bear na escola depois de dar um
beijo de despedida nele, e dirigi até a clínica de Cruz.

Ainda era cedo, então consegui avistar minha irmã, que


não falava comigo desde o acidente com amendoim, entrando
na clínica e abrindo. Nem pensei em falar com ela.

Eu estava com muito medo.

Cruz juntou-se a ela logo em seguida. Pensei em sair do


carro e tentar falar com ele, mas então um fluxo de pacientes
inundou e percebi que ele não tinha tempo para lidar com
nossa bagunça.

Não tendo turno para ir hoje, decidi dirigir até a cidade


grande e procurar algumas oportunidades de trabalho. Jerry
estava certo. Eu não conseguiria um novo emprego em
Fairhope, mas ninguém me conhecia em Winston-Salem.

Fiz uma parada na biblioteca local, alterei meu currículo


muito curto, imprimi algumas dúzias de cópias e fiz uma prece
silenciosa aos deuses do emprego.

No começo, dirigia procurando por placas de pedido de


ajuda e vagas abertas fora de lojas e boutiques. Trabalhar na
Jerry & Sons era conveniente porque era muito perto de casa,
mas também era uma dor, porque eu conhecia cada um dos
meus clientes e todos falavam.

Agora que Rob estava em casa, tinha mais liberdade para


conseguir um emprego um pouco mais longe de Fairhope. Ele
trabalhava localmente, o escritório de seu pai ficava na mesma
rua da Fairhope High.

Se algo acontecesse, poderia contar com a sua presença.

Deixei alguns currículos e estava prestes a dirigir para


outra parte movimentada da cidade quando algo chamou
minha atenção: um outdoor no topo de um edifício de
aparência antiga.

Você ama maquiagem? Gosta de se vestir bem?

Que tal se tornar uma ESTILISTA?

Minhas respostas foram: sim, sim, e diabos, sim!

A ideia de vestir as pessoas, maquiá-las, dizer-lhes o que


fazer e vestir era quase boa demais para ser verdade. Afinal,
sempre usei minha aparência para transmitir algo, mesmo que
muitas vezes fosse a mensagem errada.

Disquei o número do telefone no meu celular e liguei. A


simpática senhora do outro lado da linha disse que me enviaria
um pacote com todos os detalhes. Era um curso de seis meses,
após o qual a empresa prometeu ajudar os dez melhores
graduados a encontrar uma colocação no setor.

Quando voltei para casa, meu humor havia melhorado


significativamente. Só por uma vez me permiti sonhar em me
tornar algo.

Uma estilista pessoal. Uma senhora que fala sobre moda


e roupas com outras pessoas. Quem ajuda as mulheres a
encontrarem a melhor versão de si mesmas para se sentirem
confiantes.

No caminho de volta, recebi uma ligação de Rob. Atendi,


e pela primeira vez desde que voltou para a cidade, não havia
aborrecimento e apreensão em mim quando respondi.

— O que foi, Rob?

— Praticamente nada. Terminei o trabalho mais cedo e


pensei em levar Bear para jantar fora e talvez alguns jogos de
fliperama. Quer vir junto?

— Eu tenho que ir para casa e trabalhar em alguma coisa.


— Ou seja, um plano financeiro de como pagaria o curso de
estilista. Sabia que Rob queria estar lá para mim
financeiramente, mas não havia nenhuma maneira de lhe
pedir um empréstimo para algo que não tinha nada a ver com
Bear. — Mas acho que é uma ótima ideia.

— Graças a Deus, porque fui eu perguntando de forma


indireta se poderia passar um tempo com nosso filho à noite.

— E sou eu dizendo a você de uma maneira direta que


certamente pode. Apenas certifique-se de que não seja exposto
ao álcool, tabaco ou política. Fiz um trabalho tão bom com ele
na sua ausência.

Ele riu baixinho. — Isso você fez. Ei, Trinity e Wyatt


passaram pelo meu escritório hoje. Estão procurando um
lugar.

— Sério? — Perguntei, me encontrando quase


imperturbável pela maneira como minha irmã não tinha me
contado sobre isso. Ajudou saber que tinha feito tudo o que
podia para manter nossa amizade firme. — Como está o
mercado?

— Crescendo.

— Então acha que pode ajudá-los?

— Não está no orçamento deles.

— Pensei que Wyatt tinha um bom trabalho? — Fiz uma


careta.

Pelo que eu sabia, os engenheiros seniores em Winston-


Salem fizeram dinheiro.

— Ele tem. Também tem uma dívida enorme depois de


seu primeiro casamento. Sua ex o deixou falido. E pelo que
pude constatar quando mostrei a eles uma antiga casa colonial
um pouco fora dos limites de Fairhope, sua querida irmã
conseguiu, de alguma forma, gastar todas as suas economias
no casamento.
Estremeci. — Viu? Suponho que havia vantagens em não
se casar.

Rob riu. — Querida, você valia a falência. Fui muito


estúpido para perceber na época.

Quando cheguei ao bangalô, me senti um tanto otimista.


Claro, internamente, meu coração ainda estava derretendo de
forma termonuclear só de pensar em Cruz, mas hoje cheirava
a possibilidades (e muito perfume floral. Algumas das
boutiques nas quais me inscrevi realmente precisavam
diminuir o nível).

Isso me lembrou de que as coisas poderiam e seriam


diferentes. Que eu tinha o poder de mudar minha vida. E
mesmo que minha família fosse uma dor, havia Rob, que
parecia realmente útil, e Bear, que estava lentamente saindo
de sua concha, encontrando suas raízes com seu pai.

Houve quase um salto nos meus passos quando saí do


meu Honda Odyssey e caminhei até a porta, mas então uma
pessoa se levantou da cadeira de balanço frágil na minha
varanda.

Minha arqui-inimiga, para ser mais específica.

A mulher que eu odiava mais do que o próprio Anticristo.

Não, não Catherine Costello.

Nem Trinity, nem mamãe.

Aquela que alegou que eu tentei matá-la – Gabriella


Holland.
Gabriella Holland.

O que ela estava fazendo aqui?

Sem uma arma, nem menos.

Eu não a imaginei como o tipo de garota que poderia


cometer um assassinato sem uma arma de fogo. Ela
simplesmente não tinha isso dentro dela.

Ainda assim me encontrei caminhando em um ritmo


uniforme todo o caminho até a minha varanda, jogando minha
bolsa no ombro e meu chaveiro em volta do meu dedo. A
imagem da indiferença.

— Nessy. — Gabriella torceu os dedos no colo. — Posso


entrar por um segundo?

Ela parecia um pouco em estado de choque, seus cachos


não tão inchados e perfeitos, e não estava usando nenhuma
maquiagem.

— Não sei se é uma boa ideia. — Enfiei minha chave na


fechadura, girando-a no lugar. — Pode alegar que tentei matá-
la novamente, e ouvi que advogados são caros.

— Acho que o estado lhe fornece um advogado, se não


puder pagar um, — disse gentilmente. — De qualquer forma,
prometo que quer ouvir o que tenho a dizer.

Ela caminhou comigo.

Empurrei a porta e entrei, e ela se convidou a entrar.


Agarrei meu telefone perto do meu peito como uma tábua de
salvação. Eu não confiava nesta mulher, que sempre foi vil
comigo, mas especialmente desde que Cruz entrou em cena.

— Posso te oferecer algo? Água, café, tranquilizante,


amendoim? — Fui até a cozinha e ela me seguiu.

Talvez fosse muito cedo para fazer aquela piada, mas não
sentia nenhuma culpa em mim. Sabia o que fazia e o que não
fazia. E não coloquei amendoim em seu sundae.

Gabriella riu atrás de mim. — Água está bem. Vou passar


os amendoins.

— Chocante. — Abri minha geladeira, tirando duas


garrafas de água, ainda bem fechadas. Se isso era um
estratagema para me jogar na cadeia novamente, ela mal podia
esperar. Entreguei a ela uma das garrafas. — Como está se
sentindo, afinal?

— É legal da sua parte perguntar.

Ela desatarraxou a tampa e tomou um gole. Nós duas


ainda estávamos de pé. Foi surreal tê-la em minha casa.
Alguns meses atrás, teria me sentido constrangida sobre o
quão pequeno e aconchegante aquele lugar era. Agora,
entretanto, não conseguia me importar com isso.

Se havia algo que descobri recentemente foi que a riqueza


de uma pessoa não se mede em dinheiro ou pertences. Em vez
disso, estava aninhada no fundo de sua alma. Eram seus
desejos, suas esperanças, seu caráter e sua capacidade de
erguer os outros em vez de arrastá-los para baixo.

— Estou me sentindo muito melhor. Acho que a


quantidade de amendoim que consumi foi muito pequena, o
que ajudou. E a EpiPen definitivamente fez a diferença.
Quando cheguei ao hospital, tudo o que precisaram fazer foi
me dar uma injeção de cortisona direto na bunda e me colocar
em um pouco de oxigênio por algumas horas enquanto
monitoravam minha condição. Foi muito simples.

— Estou feliz.

— Nessy, há algo que quero te dizer. Para ser franca, nem


sei por que estou dizendo isso. Eu só acho que deveria saber.

— Ok.

Inclinei-me contra o balcão. O mesmo local onde Cruz me


encurralou não muito tempo atrás e me deu um beijo ardente
segundos antes de Bear entrar.

Senhor, fui uma palhaça de primeira classe por conseguir


perder este homem.
— Eu fui ver Cruz ontem.

Lá vamos nós, pensei.

Estavam se casando. Provavelmente já estava grávida.


Ela ganhou a batalha, a luta, a guerra, e agora esfregava isso
em minha cara.

— Bom para você, — eu disse, muito alegremente.

— Não acabei. Fui até ele para ver se queria voltar a ficar
juntos. — Ela fez uma pausa. — Ele não quis.

— Oh.

Foi uma loucura, as coisas que meu coração fez no meu


peito naquele momento. Era alguma coisa do próximo nível do
Cirque du Soleil. Aparentemente, o Elation144 era mais do que
apenas um navio de cruzeiro.

— Ele chamou minha atenção para algo antes de eu voltar


para casa. O fato de que nunca levo minha EpiPen a qualquer
lugar comigo, mesmo quando vou a restaurantes.

Observei-a com cuidado, sem saber para onde isso ia.

— Ok…

Gabriella suspirou, colocando a garrafa de água fria na


testa, aparentemente aborrecida.

— O que estou tentando dizer é que alguém devia saber

144 Significa euforia.


que eu precisaria da minha EpiPen e se certificou de que eu
estava com ela na bolsa.

Continuei olhando-a, esperando por mais. Seu olhar se


ergueu e encontrou o meu.

— Minha mãe, Nessy. Minha mãe colocou lá. Usei o poder


de dedução. Não pode ter sido Coulter, porque Coulter sabe da
minha alergia e porque ele é um verdadeiro querido que nunca
machucaria uma alma, não importa o quão obscenamente sem
talento seja na cozinha, o que é um ataque culinário em si.

Foi a primeira vez que ouvi Gabriella contar uma piada, e


tenho que admitir que, no que diz respeito às piadas, não era
terrível.

— E você também não teria feito isso. Por que o faria?


Ganhou Cruz. Ele era seu. E você suportou tanto do nosso...
nosso... comportamento — pareceu se conformar com uma
palavra — ao longo dos anos, parecia fora do personagem e
fora do lugar para fazer algo assim de repente. Sem mencionar
que eu lhe disse pelo menos três vezes que não queria
amendoim no meu sundae, e você sabia que as coisas
poderiam ir mal. Você nunca faria isso com seu filho.

Algo se quebrou em mim quando disse isso. O


reconhecimento dela de que eu era uma mãe decente fez meu
coração sentir simpatia. Engoli em seco. Ela continuou.

— Isso me deixou com apenas um suspeito. Minha mãe.


Sabia que ela estava chateada comigo por perder Cruz. Estava
lívida e fora de si quando lhe disse que terminamos. E então,
quando o boato de que você e ele estavam juntos bateu nos
seus ouvidos, ela perdeu o controle completamente. Ela tinha
o motivo, o desejo e a proximidade de mim para realizá-lo.
Então fui confrontá-la ontem.

Meu estômago revirou de repente. A Sra. Holland estava


louca. Ela basicamente envenenou sua filha. Colocou a sua
vida em risco.

E para quê?

O solteiro mais gostoso da cidade?

Por mais que eu lamentasse o relacionamento


problemático com minha própria mãe, tinha certeza de que ela
estava acima de tentar me matar para fazer um ponto. Noventa
e seis por cento de certeza, de qualquer maneira.

— O que ela disse? — Perguntei.

— Ela disse, e é uma citação “Mas nada aconteceu com


você, não é? Agora, por que não volta para o Dr. Costello e
tenta seduzi-lo à moda antiga?”

— Uau. — E pensei que Trinity era ruim por bater minha


cabeça no... bem, não, isso também foi horrível. Só não... isso.

— Sim. — Gabriella se jogou em uma cadeira perto da


mesa de jantar, tirando o rótulo da água.

— Eu sinto muito. Não tinha ideia de que sua mãe era


tão... — Insana. Doente. Sociopata. Vilã-da-Marvel. —
Ambiciosa.

Ela soltou uma risada. — Ela não é ambiciosa, é uma


vadia.

Fiz uma careta. — Não amaldiçoamos sob este teto. Isso


me dá urticária. Podemos apenas chamá-la de alvejante145 ou
algo assim?

— Oh, Nessy, você é tão estranha. É muito difícil odiá-la,


sabia disso?

Seus olhos estavam vidrados de lágrimas. Não ousei me


mover, nem ousei respirar. Ainda era muito surreal para eu
lidar.

Gabriella Holland. Em minha casa.

Falando comigo sobre sua mãe maluca e planos


descontrolados para roubar Cruz.

— A pior parte é que eu nem gostava de Cruz. — Fungou.

— Agora, não sei se eu acredito...

— É verdade. Eu o vi em um jantar há alguns meses e


percebi quem ele era. Sabia que minha mãe ficaria muito feliz
se começássemos a namorar, então passei uma noite com ele
e meio que obriguei-o a sair comigo. Acho que ambos fizemos
isso porque deveríamos fazer. Eu era a it girl146 da cidade, e ele

145-Vadia em inglês é “bitch” e a personagem trocou por “bleach” que tem uma pronuncia muito
parecida, mas significa alvejante.
146-É um termo utilizado para se referir a mulheres que, mesmo sem querer, criam tendências,

despertam o interesse das pessoas em relação ao seu modo de vestir, de andar, pensar ou ser.
era o melhor de Fairhope, mas esse caso nunca decolou. E
quando terminou comigo, queria principalmente manter a
reputação. Então, quando vocês voltaram e ficou claro que ele
estava correndo por toda a cidade tentando torná-la dele, foi
quando realmente perdi o controle. Acho que minha mãe não
é a única alvejante em nossa família.

— Este não é um desenvolvimento novo, Gabriella. Você


tem sido horrível comigo há anos. — Afastei-me do balcão, me
sentando ao lado dela. — Por quê?

Gabriella esfregou a ponta do nariz, novas lágrimas


enchendo seus olhos novamente. Ela terminou sua garrafa de
água e fez uma careta.

— Está realmente me perguntando isso?

— Sim. — Empurrei minha garrafa de água fechada sobre


a mesa para ela beber. — Nunca fiz nada para você. Na
verdade, enquanto crescia, você costumava vir à nossa casa o
tempo todo para sair com Trinity, então sabia em primeira mão
que eu não era a pessoa horrível que todos me faziam parecer.

— Eu nunca nadaria contra a maré por você, — sua voz


se transformou em aço. — Era a Messy Nessy e eu a melhor
amiga da sua irmã. Tinha que garantir que as pessoas
soubessem que não era afiliada a você. Não poderia me dar ao
luxo de ser agrupada a você na mesma categoria. Não acreditei
nos boatos a seu respeito, mas não fiz nada para impedi-los. E
não ajudou que parecia sempre não se importar com o que os
outros pensavam...
— Eu realmente me importava.

Eu realmente me importo.

— Eu sei disso agora, mas não sabia antes. Seu exterior


é muito resistente. Foi preciso algo radical como minha mãe
tentando me envenenar para que pudesse tirar a cabeça da
minha...

— Copo147.

— Copo. — Um sorriso contemplativo brincou em seus


lábios agora. — Então você e Cruz realmente acabaram?

— Parece que sim, — digo miseravelmente.

— Sinto muito.

— Obrigada. O que fará com a sua mãe?

— Mudar-me o mais rápido possível, provavelmente de


volta à outra cidade se puder pagar. — Ela tomou um gole da
minha água. — Quero dizer, Fairhope é bom e tudo, mas é um
verdadeiro cemitério. Também não há muita variedade
masculina para escolher.

— Achei que ganhasse muito dinheiro.

Ela sempre fazia questão de lembrar a todos sobre seus


contratos suculentos. Gabriella bufou.

— Sou paga em brindes, não em dinheiro real. Acha que

147-A personagem substituiu “ass” que significa bunda para “glass’ que significa copo.
meu próximo senhorio estaria interessado em obter creme para
os olhos pelo aluguel?

— Duvido.

Ela se levantou e olhou ao redor da minha cozinha, como


se finalmente percebesse onde estava.

— De qualquer forma, só queria me desculpar e avisar


que pretendo ir até a casa do xerife agora mesmo e lhe dizer,
sem entrar em detalhes, que estou desistindo do caso e que
não foi você quem fez isto. Já liguei para Trinity e sua mãe e
lhes disse, então não se preocupe com isso.

Então, meus pais e minha irmã sabiam a verdade e ainda


não haviam entrado em contato. Acho que varreriam isso para
debaixo do tapete, como tudo em nosso relacionamento.
Nenhum evento era grande o suficiente para exigir que se
desculpassem comigo.

— Agradeço. — Levantei-me, caminhando para abrir a


porta para ela.

Gabriella parou na soleira.

— Nessy?

— Hmm?

— Você e Cruz... — Parou. — É diferente. Nunca o vi


assim. Ele sempre foi tão reservado e organizado. Você o faz
colorir fora das linhas, e não tenho certeza se isso é uma coisa
tão ruim. — Ela me deu uma rápida olhada. Estava usando
um dos meus vestidos hippie esvoaçantes e sandálias
coloridas. — Não deixe outras pessoas arruinarem as coisas
para você. Não vale a pena.
No dia em que Wyatt e Trinity se casaram, acordei com a
sensação de que todos os lutadores de MMA do mundo deram
um soco no meu peito na noite anterior, inclusive os amadores.

Meu peito doía tanto que era incrível que pudesse


respirar.

Quase me arranquei da cama, rastejando até a cozinha


para fazer uma xícara de café.

Ao contrário de mim, Bear parecia brilhante e feliz


quando entrou com um grande sorriso no rosto. Ele já estava
vestindo seu smoking, que tive que alterar três vezes em três
meses, já que parecia estar passando por um surto de
crescimento louco.

Parecia bonito com seu cabelo penteado para trás, e a


penugem acima de seu lábio superior estava visivelmente
ausente.

— Acabou de se barbear? — Levei a caneca de café aos


lábios, tomando um gole guloso.

Ele se serviu de suco de laranja, me dando um sorriso


envergonhado. — Gostou?

— Não se usou meu barbeador!

Pensei nos lugares que tinha visto o barbeador nas


últimas semanas. Especialmente durante meu período de
namoro com Cruz, e queria desmaiar e vomitar.

— Não. Papai me deu um novo. Aquele que se vê nos


comerciais de TV, com um aparador central e lâmina de aço
inoxidável.

— Papai, hein?

Levantei uma sobrancelha, tomando outro gole. Tentei


parecer muito menos animada do que estava. Gostava que
Bear tivesse um pai agora. Se eu morresse amanhã, Bear seria
oficialmente problema de Rob, o que significava que Bear tinha
mais uma pessoa para cuidar dele. E como eu não tinha falado
com ninguém da minha família por uma semana inteira, essa
era definitivamente uma boa notícia.

— Sim. E adivinha? Ele e Cruz disseram que me levariam


para cortar o cabelo em Raleigh. É aquele lugar para onde vão
todas as celebridades. Eles cortam o cabelo lá também.

Então Cruz, Rob e Bear eram uma coisa agora. Que


adorável. Quão, verdadeiramente, muito adorável.

Meu coração traidor deu alguns saltos e coloquei minha


xícara de café na mesa.

— Quando isso aconteceu?


— Ontem, quando papai e eu fomos pescar e Cruz o
acompanhou.

Eles foram pescar também? Era perturbadoramente


saudável.

Estava começando a pensar que eles estavam planejando


a despedida de solteiro de Bear em Vegas sem meu
consentimento.

— Você só tem treze anos, Bear. Deveria me dizer se vir


pessoas que não são seu pai. Eu não autorizei isso.

— Fomos pescar. — Bear abriu um armário sobre a minha


cabeça e tirou uma caixa de cereal, despejando metade de seu
conteúdo em uma tigela. — Além disso, ambos sabemos que o
tio Cruz não é uma má influência para mim. Não é minha culpa
que não quisesse morar com ele. O que, a propósito,
tecnicamente significa que eu deveria estar com raiva de você.
Eu poderia ter tido uma sala de jogos, mãe.

Ele se encostou ao balcão e começou a colocar cereal na


boca usando uma colher, sem leite. Herdou isso de seu pai.
Rob nunca costumava colocar leite em seu cereal, o que na
minha humilde opinião era definitivamente motivo para
deportação deste planeta.

— Cruz te disse isso?

— Não, papai disse quando Cruz não estava lá.

— O que ele disse, exatamente?


— Só que eu não deveria lhe dizer que ele disse alguma
coisa – opa – e que Cruz ficou meio chateado com isso, acho.

— Mesmo? — Perguntei com sede. — Ele parecia triste


para você?

— Não.

— Ele chorou?

Bear me olhou como se eu fosse louca. Eu era louca.

— Não.

— Bem, agora. — Funguei, levantando meu queixo. —


Acho que vai sobreviver, então. Dr. Costello é um homem muito
procurado.

Um homem procurado que manteve sua palavra e não me


contatou desde que me deu um ultimato e estraguei tudo.

Bear me deu um olhar lamentável.

O desgosto foi tão terrivelmente horrível.

Agora me lembrei do porquê não tinha relacionamentos.

Parecia o mesmo da última vez que tentei.


Três horas depois, entrei na suíte nupcial que Trinity
estava ocupando antes de sua cerimônia na Grace Covenant
Church, no centro da cidade.

E quando digo “suíte nupcial”, quero dizer o quarto de


infância dela, porque Fairhope não era conhecida por seus
hotéis, ou por seus locais de casamento, ou realmente por
qualquer coisa quando se pensava nisso.

Foi a primeira vez que vi minha família desde o fiasco do


amendoim, quando vim buscar Bear e recebi uma chuva de
insultos.

Minha família não entrou em contato comigo depois que


Gabriella veio me informar que ela havia corrigido as coisas, e,
francamente, estava ocupada demais solicitando empréstimos
para pagar meu curso de estilista pessoal para falar com eles,
ou talvez eu simplesmente não achasse que havia muito a ser
dito depois da maneira como deixaram as coisas.

— Mããããããããe. — Trinity choramingou, sentando-se em


frente ao espelho em um roupão de banho. — Não posso fazer
isso. Realmente não posso. Preciso cancelar o casamento.

Entrei no quarto, no qual Gabriella e mamãe corriam


como galinhas sem cabeça, o cabeleireiro prendendo o cabelo
de Trinity no lugar, pairando acima de sua cabeça.

Gabriella ergueu os olhos dos sapatos brilhantes de


Trinity e sorriu para mim. — Oi, Nessy.

— Oi, Gabriella. — Fechei a porta atrás de mim.


Trinity me recebeu bufando e revirando os olhos, e minha
mãe fez um gesto em direção à porta.

— Nessy, está atrasada. Faça-nos um favor e traga a


todos um lanche e um lanche para Bethany, a cabeleireira.
Estamos tendo uma crise aqui.

Olá para você também, mãe.

O quê? Sim, estou bem, apesar da passagem pela prisão.


Obrigada por perguntar como estou.

E sim, estou muito aliviada por Gabriella ter lhe contado a


verdade.

De maneira mesquinha, me virei para Gabriella com um


olhar interrogativo, não querendo me dirigir à minha mãe se
ela não pudesse nem se desculpar pelo que me fez passar.

— O que está acontecendo?

— A maquiadora não vem. — Gabriella estremeceu. — Ela


sofreu um acidente de carro.

— Ela está bem? — Perguntei.

— Oh, quem se importa?! É típico de Nessy fazer sempre


a pergunta errada. — Trinity bufou.

— Sim, está bem, mas os médicos acham que ela pode ter
uma concussão, então ficará no hospital durante a noite, —
respondeu Gabriella suavemente.

Balancei a cabeça e desci para pegar um lanche para


todos. Bear já estava na igreja com meu pai e Rob.

Cruz provavelmente estava lá também.

Eu não estava pronta para vê-lo. Não acho que algum dia
estaria pronta para vê-lo.

Eu não sabia o que fazer com a florescente nova amizade


de Rob e Cruz. Parecia que eu tinha mais uma vez sido
empurrada para a margem de um círculo social do qual deveria
fazer parte.

Voltei para cima com uma bandeja cheia de água com


gás, suco de maçã e biscoitos, e coloquei na beirada da
penteadeira, o mais longe possível de Trinity, cujo cabelo
estava quase pronto. Foi penteado com elegância e
dramaticidade.

— Meu Deus, o que está fazendo, Nessy? O suco está


literalmente a um metro de distância de mim. Isso é um
acidente esperando para acontecer. — Trinity disse
agressivamente.

— Nessy, por que não trouxe os sanduíches triangulares


que fiz? — Mamãe reclamou, alisando o vestido de noiva
pendurado na porta do armário de Trinity. — Não entendo,
estavam bem ali no balcão.

— E ainda não tenho ninguém para me maquiar! —


Trinity lançou os braços para o ar.

— Posso fazer a sua maquiagem, — eu disse calmamente.


Posso ter escolhido parecer uma drag queen até algumas
semanas atrás, mas sabia como lidar com uma bolsa de
maquiagem. Eu tinha uma mão firme e era muito boa em
delineador dramático e contorno. Além disso, meu jogo de
sombra era de matar.

Trinity me lançou um olhar escandaloso. — Passo.

— Não perturbe sua irmã, Nessy. Ela está estressada do


jeito que está. Basta trazer os sanduíches de triângulo. —
Mamãe me dispensou.

— Acho que deveria deixar Nessy fazer sua maquiagem,


Trinity. — Gabriella falou gentilmente, colocando a mão no
ombro da melhor amiga. — Ela é nossa melhor chance. Não
poderemos encontrar ninguém semiprofissional em tão pouco
tempo.

— Ela só estragará tudo. — Trinity gemeu. — Isso é o seu


preferido. Você sabe disso tão bem quanto eu, Gabriella.

Queria me levantar e sair. Não apenas do quarto, mas da


cidade, do Estado, do país.

A antipatia que sentia pelas mulheres em minha vida era


tão intensa, tão fora de controle, que mal conseguia respirar.

— Você tem que ser prática, — mamãe murmurou para


Trinity. — Talvez Gabriella esteja certa. Não há outra escolha.

— Eu ainda estou brava com ela. — Trinity fez beicinho.

Sorrio cordialmente, de repente completa e totalmente


exausta de seu bullying casual. — Adivinha? Eu também estou
brava com você. Então, por que não enfia sua birra estragada
no RABO e encontra outra pessoa para tentar deixar sua
FEIURA bonita, porque deixe-me dizer a você, irmãzinha, isso
será um desafio.

Todos no quarto me olharam em choque. Sim. Eu fiz isso.


Falei palavrão.

Trinity foi a primeira a se recuperar. Sua boca se


transformou em um grito silencioso em forma de O.

— Viu? Ela acabou de me chamar de feia no dia do meu


casamento.

Virei-me, abri a porta e saí correndo, subindo as escadas


de dois em dois. Mamãe disparou atrás de mim como um raio.

— Tennessee Lilybeth Turner! Você realmente acha que é


a hora certa para começar uma briga com sua irmã?

— Sim, — disse calmamente, pegando minha bolsa e me


dirigindo para a porta. — Ela está rodeada por todos os seus
fãs – não tem nada além do apoio de todos vocês.

Eu já estava vestida com minha roupa de madrinha


lavanda, mas estava pensando seriamente em fazer uma
parada em casa e mudar para uma roupa toda preta. Afinal,
aquele seria o funeral para a felicidade de Wyatt Costello.

Mamãe continuou me seguindo até a porta. — Olha, sei


que ela está um pouco sobrecarregada...
Virei-me bruscamente, levantando minha palma para
impedi-la de falar.

— Não, ela não está. É uma cadela completa e absoluta


para mim, e você também. Minha vida inteira tentei pacificá-
la. Você me obrigou a ralar muito para que este casamento
fosse exatamente o que queria que fosse. Ela nem mesmo me
convidou para sua despedida de solteira e praticamente me
agrediu para que eu terminasse com o único homem com quem
eu realmente me importava.

— Querida…

— E não só isso, — ergui minha voz, esperando que


Trinity pudesse ouvir, — mas quando a Sra. Holland me
acusou de tentar matar a sua filha, você simplesmente
acreditou na palavra dela. Foi preciso que Gabriella viesse
pessoalmente até você e lhe dissesse que não era verdade, e
mesmo assim não teve coragem de pegar o telefone e se
desculpar por seu comportamento. No entanto, sabia que eu
iria aparecer aqui hoje. Estou farta. Terminei com vocês, farta
da Trinity. Farta de toda esta família. Não vale meu amor,
minha compaixão, minha lealdade eterna. Não vale todas as
coisas que lhe dou gratuitamente, porque não devolve nem um
grama.

— Nessy, espere! — Mamãe chorou.

Eu não escutei.

Saí, caminhando para o meu carro. Dirigindo para longe


do lugar que me fazia sentir tão fraca, tão inadequada, senti
uma estranha sensação de calma tomar conta de mim.

Finalmente, eu estava assumindo o controle da minha


vida.

Chega de Messy Nessy.

Ninguém mais me colocaria para baixo.


Exigiu muito não voltar para casa e mudar de roupa, mas
no final das contas, não queria causar uma cena ainda maior
aparecendo como a viúva de alguém.

Carma já havia pegado minha irmã com força ao negá-la


a maquiadora com quem contava.

Apareci na igreja cedo e notei Bear, Cruz e Rob parados


no gramado da frente em seus smokings, rindo de alguma
coisa.

Quando Bear me notou, acenou para eu me aproximar.


Não poderia exatamente me virar e fugir, mesmo que fosse o
que quisesse fazer, então marchei na direção deles.

A cada passo que eu dava, os nós em meu estômago se


tornavam mais apertados e doloridos. Ver Cruz tão arrojado,
tão lindo, fez com que o peso do nosso rompimento
pressionasse meu esterno.

Parei a alguns metros deles e sorri. — Como está todo


mundo?

— Ótimo. — Rob sorriu.


— Incrível. — Bear sorriu.

— Tudo bem. — Cruz cortou ironicamente.

— Você está linda. — Rob ofereceu.

— Obrigada.

— De verdade, mãe. Como uma princesa. Eu amo a tia


Trinity, mas, honestamente, deve ser um saco para ela andar
pelo corredor sabendo que a mulher atrás dela é dez vezes mais
bonita.

Apertei o braço de Bear. — Awn. Essa é a coisa mais doce


e mais rude que já ouvi. Obrigada.

Rob olhou entre nós três, um sorriso malicioso pintando


seus lábios.

— Ei, Care Bear, por que não vem comigo para garantir
que o tio Wyatt não esteja bebendo até o coma?

Bear riu. — Ok, mas isso significa que vai me deixar


tomar um gole de cerveja como prometeu?

O rosto de Rob empalideceu e me lançou um olhar


inocente. — Não tenho ideia do que ele está falando.

— Cuidado, camarada. Você ainda não está fora de


perigo. — Balancei um dedo em sua direção, e assim, Cruz e
eu estávamos sozinhos.

Foi dolorosamente estranho. Especialmente porque tentei


ligar para ele algumas vezes e enviar mensagens de texto todos
os dias, e ele ignorou todas.

Eu não sabia como alguém que dizia gostar de mim era


capaz de me ignorar tão completamente. Não sabia como sua
alma não sangrava por todo o colchão todas as noites antes de
ele dormir.

Não pude suportar a dor de não estar com ele. Ele me


segurou com um olhar frio e cauteloso.

— Ei, — eu disse.

— Olá.

— Como esteve?

— Você perguntou isso há alguns momentos, — apontou.

Estava tentando abrir caminho para um pedido de


desculpas. Não, em lhe pedir para me aceitar de volta, mas ele
estava tornando isso difícil.

— Não podemos ser amigáveis? — Perguntei.

Cruz olhou para mim através de seus olhos azuis escuros


de cílios grossos com os quais não conseguia parar de sonhar,
reorganizando a gravata borboleta em seu smoking. —
Desculpe, querida, não.

— Não? — Ecoei fracamente.

— Não. Não quero ser amigável com você. Sou um cara


do tipo tudo ou nada, e no momento não está me oferecendo
nada, então não lhe darei as vantagens fingindo que não me
importo.

Havia tanta coisa que eu queria dizer, começando com


como estava absolutamente disposta a dar tudo de mim, mas
antes que pudesse falar, uma mão me agarrou pelo ombro e
me virou.

— Nessy, rápido. Trinity está chamando por você.

Era Gabriella, que usava uma réplica do meu vestido lilás


e o rosto de uma mulher que estava enfrentando o corredor da
morte.

A visão de Gabriella e eu juntas fez Cruz hesitar. Ele


olhou para nós duas com interesse aberto antes de deixar a
máscara de sua indiferença escapar novamente.

— Gabriella. — Ele cumprimentou.

— Cruz. — Ela sorriu fracamente. — Guarde uma dança


para mim.

— Com prazer.

Adaga envenenada, encontre meu coração.

— Falo com você mais tarde, — eu disse a Cruz.

Ele se virou e caminhou até Rob, Wyatt e Bear sem nem


mesmo me reconhecer. Deixei Gabriella me arrastar pelo
gramado até a limusine que Trinity havia alugado para a
ocasião.

— O que ela quer? — Murmurei no caminho para a


limusine. — É algo azul no meu rosto depois que ela me
estrangulou até a morte?

— Ela tentou fazer sua própria maquiagem e falhou


miseravelmente. Perguntou por você, mas então sua mãe disse
que basicamente desistiu e não queria mais nada com seus
traseiros miseráveis. Então Trinity decidiu vir até você para
que pudesse fazer a sua maquiagem.

Alguns segundos depois, eu estava sentada na frente de


Trinity em uma limusine espaçosa que cheirava a limão e
champanhe. Todo o rosto de Trinity estava inchado de lágrimas
e estava soluçando incontrolavelmente, olhando para mim
como um cachorrinho doente.

— Nessy... — Soluço. — Eu... — Soluço. — Maquiagem...


— Soluço. — Foi errado…

Franzi minha boca em uma carranca, olhando ao nosso


redor.

— O motorista terá que nos levar ao parque ou algo


assim. Algum lugar mais ensolarado onde eu possa ter alguma
luz natural.

— Pedirei a ele. — Mamãe acenou com a cabeça,


apertando um botão para fazer a divisória rolar para baixo
enquanto vomitava as instruções.

Alguns momentos depois, estava fazendo a maquiagem


de uma noiva enquanto ela se sentava em um balanço velho e
enferrujado, em vestido de noiva completo, enquanto ignorava
suas desculpas chorosas para mim.

— Obrigada. Muito obrigada. Oh, Nessy, sinto muito.

— Não me agradeça. Agradeça às suas estrelas da sorte


que somos geneticamente irmãs, ou teria deixado você andar
pelo corredor parecendo que seu sobrinho pintou seu rosto
enquanto estava dormindo.
A cerimônia em si foi boa.

Não conseguia parar de olhar para Cruz, que ignorou


completamente minha existência.

Sabia que as pessoas estavam prestando muita atenção


em nós dois, considerando o quão loucos os rumores eram, e
também estava ciente de que parecia que ele tinha me largado
e agora eu ansiava por ele pela eternidade.

E estranhamente... não me importei.

Coloquei tanta ênfase em parecer forte e imperturbável ao


longo dos anos... e isso não me levou a lugar nenhum. Agora,
estava sofrendo e estava tudo bem. Não queria esconder isso.

Era verdade.

Wyatt e Trinity trocaram votos. Houve muitas lágrimas. A


maioria delas era dele. Cara, o homem chorou sem parar. Não
tinha certeza se estava arrasado por se amarrar a outra mulher
maluca ou se sofria de algum tipo de influxo hormonal.

Cruz teve que lhe entregar um lenço de papel no meio de


seu juramento.

Até o padre O'Neill se apressou em dizer a parte se alguém


pode mostrar por que este casal não deve ser legalmente unido
em matrimônio, deixe-os falar agora ou cale-se para sempre,
suspeitando que o próprio Wyatt faria exatamente isso, e
teríamos um noivo em fuga em nossas mãos (o que me lembrou
– por que não havia livros e filmes sobre noivos em fuga?
Certamente, eles existiam também?). Quando o padre O'Neill
instruiu Wyatt a beijar Trinity, parecia que estavam tentando
fazer um ao outro reanimação boca a boca.

Então Trinity desatou a chorar depois de se segurar por


tanto tempo e acertou-o com o buquê, gemendo, o que diabos
há de errado com você? seguido de perto por veja o que me fez
fazer. Amaldiçoei em uma igreja, droga!

No caminho para a recepção, houve um acidente de trem


humano. Uma das amigas de infância de Trinity pisou no
vestido de outra mulher e as duas tombaram sobre um casal
de idosos.

Logo, havia uma pilha de pessoas perto dos bancos,


tentando se desvencilhar umas das outras. Eu tinha certeza
de que Trinity estava tendo um ataque cardíaco. Ela sempre
gostou que tudo fosse perfeito, especialmente quando sua nova
sogra estava por perto, mas quando olhei furtivamente para
minha irmã, ela parecia um pouco divertida e nem um pouco
mais chorosa ao ver pessoas tentando escapar da igreja sem
escorregar umas nas outras.
Seus olhos encontraram os meus inesperadamente.

— Aposto que essa é a única coisa que as pessoas


lembrarão quando falarem sobre meu casamento daqui a
alguns anos, — ela me disse, seu jeito de me entregar um ramo
de oliveira.

Eu, contudo, não estava tão pronta para deixar nossa rixa
ir.

— Não sei, — disse. — O noivo chorou como uma


menininha que viu Bambi pela primeira vez. Não conte com
isso.

Quando chegamos ao local, nos arredores de Fairhope, as


coisas começaram a melhorar. O tempo estava glorioso – um
pouco quente, mas ainda bonito – e as flores ao redor do celeiro
aberto estavam em plena floração.

As mesas e cadeiras eram rústicas e elegantes, recém-


pintadas de branco, envoltas em toalhas de mesa românticas
e um arranjo de flores no centro de cada uma delas,
consistindo de margaridas frescas, lírios e rosas.

Havia fontes cintilantes, um gazebo flutuante, gramados


bem cuidados e uma família de cisnes inclinando timidamente
o rosto para receber os convidados em um lago próximo.

Também soube que a comida era deliciosa, e que Wyatt e


Trinity optaram pelas opções culinárias mais caras, então
estava esperançosa de que o azar do novo casal Costello tivesse
chegado ao fim, mesmo que ainda desejasse dar um tapinha
na noiva praia148.

Os Turners e os Costellos (soa como uma banda dos anos


setenta cheia de pessoas com cabelos grandes e jeans boca de
sino) estavam sentados em uma longa mesa decorada com
rosas cor de rosa, castiçais antigos e lanternas.

Não admira que Trinity tenha gasto a maior parte de suas


economias neste casamento. Não havia nenhuma maneira de
papai ter pago pelos guardanapos sozinho com sua pensão de
xerife aposentado.

Eu estava sentada o mais longe possível de Cruz e não


pensei por um momento que fosse por acidente. Catherine
Costello parecia satisfeita por ter me banido da esfera de seu
filho precioso.

Ela até deu um tapinha na mão de Cruz e disse bem alto:


— Está vendo a mulher com o vestido verde de gola alta?
Aquela ao lado de Fiona Rouse? Quero fazer uma introdução.
Ela acabou de começar sua residência no Hospital Johns
Hopkins.

Continuei ansiando por Cruz em um silêncio digno,

148-A personagem substituiu “bitch” (vadia) por “beach” (praia).


ocasionalmente respondendo a minha mãe, irmã, pai e Bear,
que tentavam chamar minha atenção e falar comigo. Quanto
mais olhava para ele, mais percebia que havia uma
possibilidade real de implorar a ele para me receber de volta.

Publicamente. Muito publicamente. Felizmente?

A única maneira de trazê-lo de volta era mostrar que ele


era mais importante para mim do que meu orgulho estúpido.

Quando vieram os discursos, me recostei e tomei um gole


de vinho. Eu normalmente não bebia na frente da minha
família – sempre estava tão desesperada para não os
envergonhar de forma alguma – mas hoje algo fundamental
mudou em mim.

Jurei viver minha vida por mim e meu filho, e não por
mais ninguém.

Os discursos foram conduzidos por Cruz, que foi o


padrinho de Wyatt, e Gabriella, a dama de honra.

Cruz foi primeiro.

Ele fez o discurso perfeito, começando com a descrição de


Wyatt como um bebê rechonchudo e angelical, seus anos de
adolescência embaraçosos e pretensiosos Jon Bon Jovi, e até
mesmo encobriu aquele casamento infeliz de uma maneira
altamente divertida. Manteve os convidados rindo, mas
também em lágrimas, e serviu a sua audiência cativa com o
que deve ter sido um dos melhores discursos para ser feito em
qualquer casamento, em qualquer momento, na história do
mundo.

Boa sorte para você, Gabriella.

Quando Cruz se sentou, vi Trinity e Gabriella trocando


palavras abafadas. Gabriella sorriu envergonhada, acenou
com a cabeça e voltou para o seu lado da mesa.

Arqueei uma sobrancelha. Ela não desistiu dessa parte


também, certo?

Porque todos sabiam que discursos de casamento eram


como obituários. Ninguém queria fazer, mas alguém tinha que
fazer.

— Nessy? — Trinity se virou em minha direção, toda


sorrisos.

Oh, não.

— Sim? — Respondi com uma frieza que chocou até a


mim.

— Você se importaria de fazer um discurso para mim?

— Eu me importaria, na verdade. O que aconteceu? —


Não pude deixar de morder de volta. — Gabriella deu para trás
de novo?

— Na verdade, — Trinity tentou reunir outro sorriso, mas


este era um pouco vacilante, muito triste. — Eu disse a
Gabriella que queria que minha irmã fizesse o discurso para
mim. Eu sei que é de última hora, mas percebi... bem, tenho
sido realmente horrível com você, não tenho? Fiz você se sentir
como se fosse inferior, e ainda por cima não a escolhi para ser
a dama de honra, embora certamente tenha feito sua parte.
Então pensei... quero dizer, estava esperando...

Uma onda de adrenalina percorreu meu corpo. Essa era


sua maneira de se desculpar, mas era muito pouco, muito
tarde.

— Não acho que seja uma boa ideia, — disse com firmeza,
me recostando na cadeira. — Não tenho nada escrito, e sou a
Messy Nessy, lembra?

— Você é minha irmã, — afirmou Trinity. — Gosto da sua


bagunça. Sua bagunça está ótima. Perfeita. E você me conhece
melhor do que ninguém.

— Eu não quero envergonhá-la, — atirei de volta, um


pouco ansiosa agora.

Todo mundo estava olhando para nós. Todo mundo.

Estava ficando claro que ela estava me pedindo para fazer


isso e eu não queria. Curiosamente, não me importava mais
em ser a pessoa má.

— Você nunca vai me envergonhar. — Ela me entregou o


microfone, suas sobrancelhas subindo até a linha do cabelo.
— Por favor.

Peguei o microfone da sua mão, me levantando com um


rosnado baixo. Faria ela pagar por isso. Uma salva de palmas
veio do nosso público quando todos me acolheram.

Coloquei o microfone na boca, suspirando. — Não fiquem


tão felizes, ainda não ouviram o que estou prestes a dizer.

Uma gargalhada nervosa percorreu a sala aberta. As


pessoas aplaudiram novamente. Olhei ao redor da sala,
respirando fundo. Senti o punho de Bear enrolando em torno
da bainha do meu vestido, puxando.

Olhei para baixo.

Ele sorriu e murmurou — Você consegue.

Olhei para os rostos familiares, percebendo que todos


estavam embaçados na minha visão.

— Em primeiro lugar, fui encarregada de fazer este


discurso há exatamente dois segundos, então meu palpite
sobre o que está para sair da minha boca é tão bom quanto o
de vocês, mas, me conhecendo, suspeito que será no mínimo
divertido.

Mais risadas.

Roubei um olhar ansioso para Cruz. Ele se recostou como


se fosse feito de pedra, tomando um longo gole de sua cerveja,
verificando seu telefone.

O jackgass149.

149-A personagem trocou “jackass”, que significa estúpido/babaca, por “jackgass”, sem um significado

preciso, apenas pela pronuncia.


— Trinity e Wyatt. Wyatt e Trinity.

Brinquei com um dos meus brincos, ganhando tempo.


Dizer seus nomes em diferentes variações não me faria muita
coisa. Não era um ensaio que estava tentando preencher com
palavras para atingir a contagem de palavras.

— Quem teria pensado, hein? Não eu, isso é certo.


Sempre pensei que ela tinha uma queda enorme por Justin
Kent. — Estremeci. — Desculpe, Justin, que está aqui. E sua
esposa, que também está aqui... funcionou bem para todos.
Além de Wyatt, obviamente.

Isso realmente fez as pessoas rirem.

Todos, incluindo a própria Trinity e Wyatt, que se inclinou


para ela e lhe deu um beijo rápido na bochecha. Até onde eu
sabia, esta foi a primeira vez que ele mostrou a ela qualquer
tipo de calor em público desde que começaram a namorar.

Meu peito se inchou de orgulho. Segurei o microfone com


um pouco mais de força.

— Eu falo sério, no entanto. Trinity sempre foi a de ouro.


Aquela com os A's. Ela me ajudou muito quando Bear nasceu.
Até desistiu de todas as suas economias para me ajudar a
pagar por sua cirurgia no ouvido. É a melhor irmã que alguém
poderia pedir. — Virei-me para olhar para ela, meus olhos
enrugando. — Razão pela qual se tornou enfermeira. Não
conheço nenhuma outra mulher no mundo que consiga
conquistar as boas graças de uma criança com seu charme,
mesmo sabendo que ela está prestes a enfiar uma agulha
nelas.

Mais risadas. Eu não estava nada mal.

— Acho que esse é o problema de viver na sombra de um


herói, no entanto. Não se sabe o quanto tem até ficar à deriva.
Eu quase perdi... quer dizer, perdi um herói como esse, acho.

Dei outra olhada em Cruz. Sua mandíbula estava rígida,


seus olhos estreitos e escurecidos, mas pelo menos não estava
mais focado em seu telefone. Agora toda a sua atenção estava
em mim.

— Eu só... — Balancei minha cabeça. — Estou feliz que


minha irmã tenha conquistado o homem que ela quer. O
homem dos seus sonhos. Porque não é algo garantido. Às
vezes, os bons escorregam entre as rachaduras e não consegue
alcançá-los e puxá-los de volta para você.

Pela maneira como minha mãe colocou a mão nas minhas


costas, sabia que estava me desviando rápido, mas era tarde
demais. Tive a chance de ser ouvida por Cruz, e não
bagunçaria desta vez. Eu nem me importava que estava
roubando o show de Trinity.

Esta foi realmente a única vez que fiz isso de forma


maliciosa – deliberadamente – e ela precisava lidar com isso.
Pela primeira vez na vida fui egoísta.

— Não vou adoçar. Muita coisa mudou desde que Trinity


ficou noiva de Wyatt. Por um lado, nossas famílias fizeram um
cruzeiro juntas. E foi quando eu...

Não diga que fez sexo selvagem com o Dr. Cruz Costello.
Repito, não diga fez sexo selvagem com o Dr. Cruz Costello.

— Foi quando me apaixonei pelo Dr. Cruz Costello, —


terminei.

As pessoas se engasgaram e sufocaram com suas bebidas


na plateia. Resisti, a histeria borbulhando em minha garganta
me lembrando de que eu acabara de admitir em uma sala cheia
de pessoas que me desprezavam que estava apaixonada por
seu ídolo.

— Eu me apaixonei por ele e acho que talvez, por um


momento, ele se apaixonou por mim também.

Virei-me para olhar para ele completamente agora. Ele me


olhou fascinado. Não havia ternura ou amor ali. Apenas a
surpresa e o espanto de alguém que estava testemunhando a
carnificina de um desastre de trem acontecendo em câmera
lenta. Era tarde demais para recuar, então deixei tudo sair,
mesmo que Catherine Costello parecesse estar prestes a me
esfaquear com sua faca de carne.

— Eu não posso viver sem você, Dr. Costello. Quer dizer,


posso, mas não quero. Não da maneira mimada que as pessoas
não querem fazer coisas, como louvar roupa e a louça. Sei que
é a hora errada e certamente o lugar errado, mas Cruz,
aproveitarei minha chance e lhe direi – o ultimato que me deu
outro dia? Aceito! Eu aceito sua oferta!
Achei um toque legal. Para finalmente lhe dar o que ele
queria, ir morar com ele, depois de ser toda indecisa. Eu tinha
visto cenas assim em filmes e programas de TV o tempo todo.
Este foi o meu grande gesto, e como tal, ele não poderia me
negar.

A expressão de Cruz era ilegível, sua boca pressionada em


uma linha dura. Não era exatamente a aparência de um
príncipe da Disney antes de levar sua princesa favorita para
um tapete mágico, mas ei, eu tinha que trabalhar com o que
consegui.

— Desculpe, querida, essa oferta expirou.

O quê. Houve mais suspiros.

As pessoas pegaram seus telefones e os direcionaram


para o meu rosto. Catherine apertou o coração, como se
estivesse prestes a ter um colapso. Seu marido olhou de soslaio
para ela em silêncio, sem dúvida não acreditando em seu
teatro. Trinity me surpreendeu ao lançar a Cruz um olhar
assassino e estender a mão sobre a mesa para apertar minha
mão. Senti o ar deixar meus pulmões. A terra tremendo sob
meus pés.

Disse não. Ele não me queria mais.

Fechei meus olhos, deixando a humilhação penetrar.


Então ele continuou.

— Eu não sou um interlúdio para seu programa comum,


Tennessee Turner. Nem sou uma escolha de vida como o
veganismo que pode entrar e sair, dependendo do humor de
sua família. Amo nossas famílias, mas não o suficiente para
deixá-los interferir no grande amor da minha vida, entretanto
você não parece sentir o mesmo. Eu não quero que se mova
apenas para que possa se mudar de volta na primeira vez que
te irritar. Quando as coisas derem errado. Quando sua irmã
decidir ter um ataque. Quando minha mãe pensar que é
inadequada para mim e as coisas ficarem difíceis. Resumindo,
não quero deixá-la entrar, quando é tão óbvio que vai me
abandonar assim que as coisas ficarem difíceis de novo.

— Eu não vou, — gritei. — Prometo.

— Não acredito em você.

— Então o que sugere? — Soltei meu orgulho infame e


eterno em frangalhos. As pessoas estavam engolindo cada
segundo disso. Isto era bom demais para ser verdade. A
bagunça da cidade foi rejeitada pelo queridinho nacional. —
Não posso simplesmente desistir de você. Eu te amo.

— Entendo. A meu ver, só há uma solução. — Ele cruzou


os braços sobre o peito.

— O que é? Farei qualquer coisa.

— Qualquer coisa?

— Ok, não um trio. E nada de xixi no quarto.

Bufos e risadas vieram da plateia, mas nem todos


acharam graça. Alguns acobertaram por tosses
desconfortáveis.

Minha mãe desmaiou. Catherine parecia que estava


prestes a sair e estava esperando que alguém – qualquer um –
a impedisse. Ninguém o fez, então ela ficou mesmo assim.

— Isso restringe “qualquer coisa” significativamente, —


apontou Cruz.

— Oh, apenas me diga, Cruz.

— Case comigo.

— O quê?

— Faça de mim um homem honesto, Tennessee Turner,


e terei você de volta. Qualquer outra solução simplesmente não
funcionará para mim. Já te disse que é tudo ou nada. Disse
que nada não combina com você – bem, dê-me tudo de si.

Todos os olhos se fixaram em mim, esperando minha


resposta.

Bear apertou minha mão sob a mesa, sussurrando: — Eu


quero uma sala de jogos, mãe.

Minha mãe murmurou que me renegaria se eu o


recusasse. Aparentemente, ela acordou. Papai resmungou que
não poderia realmente pagar outro casamento. Trinity
choramingou no ouvido de Wyatt que seu show havia sido
roubado mais uma vez.

E Catherine Costello tombou e esvaziou o estômago em


um pedaço de gramado próximo.

— Sim, — ouvi-me dizer, um sorriso se espalhando pela


minha boca. — Sim, eu serei sua esposa, Dr. Cruz Costello.
Quase derrubei toda a minha família no caminho para
Tennessee, cortando Wyatt e partes do vestido da minha mãe.

Peguei Tennessee e beijei-a longa e fortemente na frente


de um público que veio para celebrar o amor de Wyatt e Trinity,
e até momentos atrás tinha certeza de que não havia amor
perdido entre seus irmãos.

Eu me sentiria mal se não fosse pelo fato de Wyatt e


Trinity estarem envolvidos no acordo, ou que eu estava
apaixonado pela mulher de quem acabei de ficar noivo desde
antes de ela sair das fraldas.

Tennessee se agarrou a mim, seus lábios colados aos


meus quase infantilmente, como se pudesse desaparecer a
qualquer momento.

— Senti tanta falta da sua boca. O resto de você também.

— Vai ter muito tempo a sós conosco, querida.


Começando hoje.

— Nojento, — ouvi Bear resmungar pelas costas da minha


noiva. — Eu ainda estou aqui, sabe. E o resto do condado
também, por falar nisso, então tire suas mãos da minha mãe.
Pai, pode acreditar no que ele está fazendo com ela?

Ele pode, e já fez muito pior, fiquei tentado a dizer.

Rob riu e bateu no ombro de seu filho enquanto eu


colocava Tennessee de volta no chão suavemente, afastando as
mechas de seu cabelo dourado para que pudesse dar uma
olhada melhor nela.

Minha.

Coloquei-a debaixo de um dos meus braços, para que não


pudesse fugir. Ela estava rindo e chorando ao mesmo tempo.
Deixei-a ter seu momento enquanto as pessoas corriam para a
mesa para nos parabenizar, atordoadas e divertidas em
medidas iguais.

Ninguém pareceu abertamente aborrecido ou


desapontado com o anúncio, exceto a Sra. Holland que se
levantou e foi embora quando Tennessee confessou seu amor
por mim.

Wyatt apareceu em minha visão periférica, Trinity ao seu


lado.

— Você com certeza sabe fazer uma cena. — Ele arqueou


uma sobrancelha, dando um tapa nas minhas costas em um
abraço de irmão.

Inclinei minha cabeça na direção de Trinity. — Cunhada?

— O quê? — Cuspiu em aborrecimento.


— Você está brava?

— Brava nem começa a cobrir isso, Dr. Costello. —


Apertou os lábios. — Mas não com a minha irmã. Não pôde
evitar o que saiu de sua boca. Empurrei-a para um canto com
aquele pequeno discurso. Ela apenas divagou seu caminho
para esta confissão. Você, por outro lado, pediu outra pessoa
em casamento no dia do meu casamento.

— Tenho certeza de que isso acontece o tempo todo. Sabe


quantas pessoas estão morrendo agora?

— No meu casamento também, devo acrescentar.

— O que posso fazer para te compensar? — Dei a ela um


sorriso genuíno.

— Nada que possa fazer me compensará. — Ela bateu


com o pé de salto na rampa elevada da mesa e fez uma careta.
— Aw. Agora acho que torci o tornozelo.

— Mesmo se eu pagar pela sua lua de mel?

— Mesmo que você... espere, as despesas também?

— Promete não ficar muito selvagem com meu cartão de


crédito?

— Nunca. E você tem um acordo. — Trinity estendeu a


mão para apertar a minha e peguei-a, rindo. Ela se virou para
Tennessee, franzindo o nariz. — Eu realmente sinto muito por
tudo, Nessy. Estava tão empenhada em tornar este dia o
melhor da minha vida, que esqueci totalmente que estava
fazendo algumas semanas miseráveis para todos os outros,
incluindo você. Esteve lá para mim, mesmo quando não a
merecia, e nunca esquecerei isso ou te darei como garantida
nunca mais. Prometo fazer melhor.

— Eu também. — Donna Turner se colocou entre Trinity


e Wyatt, dando a Tennessee um olhar intenso de cachorrinho
chutado. — O estresse do casamento não é desculpa. Fomos
tão injustos com você e Cruz. Sinto muito, querida.

Atrás deles, podia ver meu pai cutucando minha mãe


para entrar no círculo humano que havíamos formado. Ela
tentou afastá-lo, mas ele apenas lhe deu um empurrão mais
sólido.

Ela tropeçou em nós, fazendo beicinho.

— Acho que tenho minhas próprias desculpas para


entregar. — Ela revirou os olhos como uma adolescente mal-
humorada. — Posso ou não ter errado em mexer na vida
amorosa de Cruz. É que ele sempre foi tão perfeito e eu tinha
todo o conto de fadas planejado para ele. Então, quando ele
saiu do script, fiquei tão... tão...

— Louca? — Tennessee terminou para ela.

— Sim!

— Eu sei, o mesmo aqui. Metade do tempo em que


estivemos juntos fiquei pensando o que diabos ele estava
fazendo.
Minha mãe deu uma risada baixa e apaziguada. — Nunca
me ocorreu que ele tivesse planos diferentes. Parece um pouco
controlador, colocado dessa forma.

Houve um breve silêncio antes de Rob encolher os ombros


e dizer: — Este pode ser um dos raros momentos em que não
tenho um motivo para me desculpar com ninguém, mas no
espírito de ser o novo filho da puta favorito da cidade, agora
que Nessy está mostrando sinais promissores de ser a esposa
zelosa e estimada do Dr. Costello, também sinto muito.

— Pelo quê? — Bear perguntou, carrancudo.

Rob colocou a mão no ombro do adolescente. — Bem,


filho, não posso lamentar pelo dia em que foi concebido, porque
acabou sendo a única coisa que me ajudou a continuar
durante os dias sombrios – essas últimas semanas mudaram
minha vida, mas, uh, veremos. Acho que sinto muito por não
ter dado a Bear meu óbvio e indiscutível dom atlético.

— Sua humildade também, — apontou Tennessee.

— Estou feliz por você, mano. — Rob apertou minha mão.


— E obrigado.

— Pelo quê?

— Por me coroar oficialmente o novo solteirão mais


gostoso de Fairhope. A menos que tenha dúvidas e queira fazer
funcionar novamente? — Rob piscou para Tennessee.

Ela empurrou o peito dele, rindo.


— Em seus sonhos, Gussman.
Fizemos o bebê número dois sob a mesma arquibancada
onde engravidei de Bear.

Aconteceu depois que voltamos de uma fuga em Las


Vegas (a ideia de ter um casamento completo me deu vontade
de vomitar. Além disso, simplesmente não podia correr o risco
de Dalton e Jocelyn receberem um convite acidental. Não tinha
estômago para mais conversas sobre lifting de lábios vaginais
e preenchimento dos pés. E ainda tinha pesadelos sobre aquele
cruzeiro e todas as mentiras sobre dois pênis que vomitei lá).
Bear ainda estava na casa de Rob, meus pais estavam fora da
cidade e Wyatt e Trinity estavam procurando por casas em
Knoxville, mais perto de seu novo emprego.

Cruz e eu estávamos entediados, e ele sugeriu que


fôssemos assistir a um jogo de futebol americano da Fairhope
High. Mostrar apoio para a equipe local.

— Ah, não ponho os pés naquele campo de futebol, —


disse. — Não desde o dia em que fiquei grávida.

No início, ele riu disso.


Então, quando percebeu que eu estava falando sério,
disse: — Mas Bear é um aluno lá...?

Estremeci. — É por isso que o coloquei em videogames e


skate e desencorajei qualquer tipo de esporte de campo.

— Você é uma mulher louca.

— Estou bem ciente.

De acordo com o Dr. Cruz Costello, a melhor maneira de


se livrar de uma fobia é enfrentá-la de frente. No dia seguinte,
entramos sorrateiramente no campo de futebol no meio da
noite. Usava até sua jaqueta do time do colégio, que achei
estranhamente sexy (também extremamente apertada para o
tamanho correto de seus ombros). Puxou-me para debaixo das
arquibancadas e fez todos os tipos de coisas comigo, e desta
vez realmente gozei.

Duas vezes. Ok, três vezes. Ele realmente sabe como usar
a língua. Quando finalmente puxou um preservativo, tirei-o de
sua mão.

— Parei de tomar a pílula.

Seu rosto se iluminou. — Sério?

— Sim. Eu sei que você quer um bebê, e...

— Eu quero você mais do que um bebê, então não faça


isso apenas por minha causa.

— Não farei, — protestei. — Por quem me toma, uma


adolescente estúpida? Estou fazendo isso porque acho que
teremos um bebê realmente bonito e quero amarrá-lo a mim
para que possa continuar morando na sua casa, que, a
propósito, tem sido a casa dos meus sonhos desde a infância.

— Essa é a coisa mais romântica que você já me disse.

— Oh, Senhor, sério? — Perguntei surpresa.

Era uma coisa muito deprimente de se achar romântica.


Ele assentiu.

— Bem, que tal isso? Quero envelhecer com você e estar


ao seu lado quando reclamar sobre a substituição do quadril,
artrite e trombose venosa profunda.

— Obrigado, querida, por planejar minha morte


prematura antes de atingir a meia-idade. Agora pode calar a
boca para que eu possa entrar?

E foi isso. Ele estava dentro.

Isso foi há nove meses. E agora?

Agora estou correndo o risco de perdê-lo, já que minhas


unhas estão afundando profundamente em seus antebraços
cheios de veias.

— Eu vou matá-lo, — ofego. — Vou. O que você fez


comigo?

Estou em uma cama de hospital, em trabalho de parto do


nosso bebê, enquanto Bear e nossas famílias esperam do lado
de fora. É Natal, e tudo que quero fazer é comer pudim e
assistir Mama Mia, me perguntando como Amanda Seyfried
consegue ficar ainda mais magra.

— A epidural deve entrar em ação a qualquer minuto. —


Cruz bate na minha mão com amor, sorrindo para mim.

— Bom, porque estou prestes a expulsá-lo daqui se isso


não acontecer. Eu não posso acreditar que você fez isso
comigo.

— Parece que me lembro de você ser uma participante


voluntária.

O médico entra na sala, dando a Cruz um sorriso ei-eu-


também-sou-um-médico como cumprimento. Ignorando-me
totalmente. Vou processá-lo mais tarde por isso.

— A boa notícia é que a enfermeira Hallie disse que está


“coroando150”, então estamos prontos para começar a
empurrar. Você está pronta para conhecer seu bebê, Sra.
Costello?

— Não! — Grito, jogando meus braços no ar.

— Ela está. — Cruz corrige com um sorriso fácil.

Vinte minutos depois, Adriana Sylvia Costello está em


meus braços.

Ela parece uma alienígena doce e inofensiva. Estou

150-Coroando/coroamento: jargão usado pela equipe médica para dizer que o bebê está no fim do
canal do parto, ou seja, na vagina, e é possível ver a cabecinha do bebê.
falando de ET-fofo, não como os alienígenas que vêm ao nosso
planeta para invadir nossos países e retos. Seus olhos escuros
e azuis como os de seu pai, sua cabeça tão careca e brilhante
quanto a de Bruce Willis151.

— Olhe para você, — murmuro, segurando-a em meus


braços. — E pensar que quase não aconteceu por causa do
orgulho estúpido de sua mãe.

Cruz beija minha testa e passa o dedo na bochecha de


sua filha.

— Eu teria feito você minha de uma forma ou de outra.


Nunca teria desistido de você.

Nota para mim mesma: nunca deixe esse homem ir. Ele é
o verdadeiro negócio.

151-Ator.
Não gosto muito de escrever agradecimentos, porque
sempre esqueço as pessoas chave. Além disso, porque escrevo
meus livros com muita antecedência, às vezes agradeço às
pessoas que realmente não trabalharam no livro. Então vou
tentar fazer isso da forma mais indolor e rápida possível.

Muito obrigada a Tijuana Turner, Vanessa Villegas,


Ratula Roy, Marta Bor, Sarah Plocher e Yamina Kirky. Eu amo
muito vocês, sua amizade e apoio significam muito para mim.

Aos meus editores, Tamara Mataya, Paige Maroney Smith


e Mara White. Muito obrigada por tudo.

Aos meus designers de capa, Murphy Rae e Bailey


McGinn. É um dia ensolarado no paraíso do autor quando você
tem duas capas de cair o queixo para um livro que significa o
mundo para você.

Obrigada Social Butterfly PR por permitir que eu me


concentrasse em escrever, em vez de todas as ... você sabe,
coisas de adulto (insira calafrios aqui).

Agradecimentos especiais a Parker e Ava por basicamente


terem meus juízos juntos para mim, e para minha família, que
é uma grande distração para escrever livros, mas quem amo
de qualquer maneira, muito mesmo.

Um grande obrigado aos meus leitores, e especialmente


aos meus seguidores no IG que parecem tolerar minha
obsessão pela arte das unhas por razões além do meu alcance,
e aos leitores do meu grupo no Facebook, LJ’s Sassy Sparrows.
E aos incríveis blogueiros que trabalham incansavelmente
para colocar obras independentes de ficção no centro das
atenções.

Se você gostou de Bad Cruz (ou se não gostou, mas ainda


tem algo a dizer sobre isso), por favor deixe um comentário.
Mesmo a mais breve das avaliações pode ajudar a próxima
pessoa a decidir se deve ou não dar uma chance a Nessy e
Cruz.

Muito obrigada,

L.J. Shen

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