Artigo o Estúdio Como Um Laboratório

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Sobre o ensino das artes visuais: o estúdio de pintura

como laboratório¹

Jociele Lampert² (UDESC)


Fábio Wosniak³ (UDESC)

Resumo

O texto apresenta reflexões sobre o Grupo de Estudos Estúdio de Pintura


Apotheke da Universidade do Estado de Santa Catarina - SC, bem como, situa
o contexto da Arte como Experiência de acordo com Dewey (2010), e aponta
para o lugar da prática artista e prática pedagógica para o artista pro-
fessor. O Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, é um Programa de
extensão, vinculado ao Grupo de Pesquisa Entre Paisagens CNPq/UDESC. Como
Programa de extensão torna-se um laboratório, no sentido que articula
vivências, experiências e propostas de ensino/aprendizagem pautadas em
pesquisa.

‘Entre Paisagens’ configura não apenas a nomenclatura do Grupo


de Pesquisa CNPq/UDESC onde me situo como professora, e direciona
uma práxis de fazer artístico como pesquisa, que evidencia direcio-
namentos ao ensino, pesquisa e extensão, na via da Universidade.
Neste entre, situa-se a prática de olhar sobre a formação inicial de
professores, que tem como eixo principal a construção e estrutura da
experiência poética de pesquisa sobre e em Artes Visuais. Seguindo
esta perspectiva, e evidenciando os procedimentos metodológicos e
pedagógicos, instaurados no espaço/tempo/lugar de minha 'professo-
ralidade', imersa no Ensino Superior, bem como, das possibilidades

¹ Este artigo foi publicado no Livro: SANTOS, Luciane M. dos; PREVE, Ana Maria Hoepers
(orgs). Laboratórios de Ensino em Cursos de Licenciatura: Relato de experiências e
Práticas. Porto Alegre: Alcance, 2016, p. 88-98.

² Desenvolveu pesquisa como professora visitante no Teachers College na Columbia


University na cidade de New York como Bolsista Fulbright (2013). Professora Adjunta na
Universidade do Estado de Santa Catarina. Atua no Mestrado e Doutorado em Artes Visuais
PPGAV/UDESC na Linha de Pesquisa de Ensino de Artes e na Graduação em ArtesVisuais
DAV/UDESC. É membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Arte, Educação e Cultura UFSM/CNPq.
Membro/Líder do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem UDESC/CNPq. Coordenadora do Grupo de
Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC).

³ Doutorando em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino das Artes Visuais -


PPGAV/UDESC; Mestre em Artes Visuais na Linha de Pesquisa de Ensino das Artes Visuais -
PPGAV/UDESC; Pedagogo e Psicanalista. Membro/Pesquisador do Grupo de Pesquisa Arte na
Pedagogia (Mackenzie/SP), Membro/Pesquisador do Grupo de Pesquisa Entre Paisagem
(UDESC/CNPQ) e integrante do Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke (UDESC). Editor
associado da Revista Apotheke.
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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
e potência da articulação entre o saber/fazer da prática docente e
artística, construí, um Grupo de Estudos, intitulado, '4Estúdio de
Pintura Apotheke’, que representa a busca por pesquisas, ancoradas
na paisagem da experiência artística, que pode gerar outras instân-
cias de produção e reflexão, frente a Educação.

APOTHEKE é um palavra que tem origem grega, do substantivo apot-


heke, que designava armazéns do porto de Atenas na Grécia Clássica;
Também de origem germânica, indica a origem da palavra botica, boti-
cário ou farmácia. A escolha por esta nomenclatura, decorre da per-
cepção da botica como lugar de laboratório, de um labor experimen-
tal. O que aproxima-se da proposta do grupo de estudos, tendo a pin-
tura como eixo norteador para o processo artístico e prática pedagó-
gica, considerando o campo ampliado e os possíveis desdobramentos
para o pensamento visual. Neste espaço, questões sobre Arte como
experiência, ou ainda, sobre o lugar de quem produz e de quem ensina
Arte ou simplesmente de um saber/fazer/sentir competente ao artista
professor, surgem constantemente e evocam a investigação sobre o
modo como o ensino/aprendizagem influencia atitudes, crenças, valo-
res, bem como, estudos e produções artísticas dos sujeitos (artistas
professores) pesquisadores, envolvidos com o grupo. Propõe-se
investigar a Educação em tessitura do espaço/tempo, e das articula-
ções cartográficas, entre o professor e o ser artista professor, com
a clave sobre a prática artística articulada aos saberes pedagógi-
cos. De acordo com o projeto de pesquisa "Arte Educação pela pintu-
ra: a produção artística do artista professor”, constata-se:

O grupo de estudos Estúdio de Pintura Apotheke surge do Proje-


to de pesquisa “Arte Educação pela pintura: a produção artís-
tica do artista professor”. Este apresenta uma tessitura coe-
rente ao contexto do ensino de arte contemporâneo. Pois, deri-
va da articulação possível entre teoria e prática, assim como,
pode abordar questões pertinente a quem ensina e produz Arte.
O’ seja, a escolha da articulação entre Arte Educação e pintu-
ra, em meio as questões que permeiam a construção do conheci-
mento do artista/professor/pesquisador, decorre da busca per-
manente por amplo repertório de quem ensina e produz e pesqui-
sa no contexto pictórico. (LAMPERT, 2013, p. 3)

4
Formado por 23 participantes, dentre estes, professores da UDESC, outras IES,
alunos de Graduação e Pós-Graduação em Artes Visuais, e professores da Rede Pública
de Fpolis/SC. Site: http://www.apothekeestudiodepintura.com

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Há duas linhas que pairam sobre o tema do artista professor: a
primeira, instaura que é preciso ter produção, reconhecimento,
receber crítica, curadorias e ser legitimado pelo sistema de cir-
cuito de Arte; A segunda, (a qual, penso fazer parte), aponta para
a percepção sobre o tema, evidenciado por eixos: de perceber no ato
criativo a concepção de planejamento e metodologia para aulas, bem
como, da relevância em ter processos criativos singulares e expe-
rimentações (seja por meio de cadernos, diários, anotações, até em
produção sistemática que pode estar (ou não) inserira em um siste-
ma e circuito de Arte, ou da conversa com artistas e reflexões sobre
outros textos e diálogos e exemplos de outros processos. Ou seja,
para ser um professor artista, (é necessário a pesquisa ser ine-
rente ao processo de criação), também ponderar sobre o
lugar/tempo/espaço de produção e recepção do ‘objeto' artístico.
Assim como, compreender a produção de conhecimento sobre o ensi-
no/aprendizagem, articulada com o espaço da sala de aula, da Esco-
la, do estúdio do artista ao diário, ao caderno e/ou à cidade, onde
deambulamos sobre diferentes visualidades, e que, poderá servir
de lugar para outros processos formativos, fora de conteúdos e cur-
rículos, a isto nomeia-se transcognição, segundo Sullivan (2005).
Como professora de Graduação e Pós-Graduação em Universidade
pública no Brasil, venho me questionando: como desenvolver arti-
culação entre teoria e prática no ensino/aprendizagem em Artes
Visuais? Também questiono, como são os profissionais que saem da
Universidade hoje, dos Cursos de Artes Visuais? Independente de
ser professor, artista, artista professor, ou mesmo, artista edu-
cador, ocorre refletir sobre como os profissionais reverberam e
articulam a potência criativa entre fazer e pensar Arte, e mais,
qual o lugar da pesquisa em Arte e sobre Arte, na vida profissional
desse sujeito?
Dentro de um quadro amplo, do lugar onde situa-se a pesquisa
em Arte e sobre Arte, o artista professor está urdido em uma inter-
face crítica e criativa, seja ministrando aulas, organizando even-
tos, desenvolvendo pesquisas, realizando exposições ou desempe-
nhando funções administrativas em projetos e no contexto univer-
sitário.
Alan Thornton (2013), questiona sobre a construção da iden-
tidade do artista professor pesquisador: 1) Como eu me identifico
em minha profissão? 2) Com quais títulos, regras, práticas, conhe-
cimento, valores e vocações os outros me identificam? O autor, refe-
re-se aos rótulos e conceitos, com que, frequentemente lidamos
como artistas professores pesquisadores no contexto onde nos

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situamos como tal. Cabe salientar, que todo o objeto artístico
poderá ser passível de dinâmicas pedagógicas, políticas e discur-
sivas. Também relevante apontar que a Arte que ensinamos na Uni-
versidade é diferente da Arte, que circula no sistema e mercado de
Arte, que é diferente da Arte que ensinamos na Escola. Trata-se do
mesmo cerne (Arte), e no entanto, com objetivos e proposições dife-
renciados, (Lampert, 2009), o que pressupõe a construção de pensa-
mentos e ações em instâncias distintas, que invadem práticas
artísticas e saberes pedagógicos. Desta forma, minhas reflexões
incidem sobre o tema do artista professor.
O termo foi usado inicialmente por George Wallis, em meados
do século dezenove, e vem sendo construído desde então, para firmar
um retrato pedagógico da identidade associado a práxis do
fazer/saber Arte. Desde então, uma rede de ações, textos/teorias e
práticas foram desenvolvidas, para entender o processo de pensa-
mento que discute o lugar do artista professor, que é um processo
conceitual de ampliar um modo artístico e estético de pensar o ensi-
no de Arte. Assim, conforme Joaquim, p. 148-151:

O professor-artista surge, no campo da literatura em torno


da educação artística, como uma figura na qual confluem diver-
sas tensões que advêm do cruzamento de dois campos diferen-
tes, o professor e o artista, fazendo com que quem nele se
inscreva esteja sujeito também a essas forças [...]” “Assim
se por um lado encontramos alguns artistas que se consideram
professores, alimentando uma atividade da outra como algo
essencial e inevitável. Por outro, temos artistas que dese-
jam manter alguma distinção entre o seu lado artístico e o
ensino, oferecendo algum entrave e distanciamento aos ter-
mos “educação” ou “ensino”. [...] Isto quer dizer que as ten-
sões que rodeiam o termo professor-artista podem assumir
várias formas, pelo que a pessoa que a ele se associa não
terá necessariamente que se colocar numa posição rígida,
podendo assumir uma força de expansão, algo em movimento.

Para Camnitzer (2015), a Arte foi deixada de lado pela Edu-


cação, porque supõe-se um instrumento emocional e expressivo, que
utiliza uma simbologia imprecisa (quanto não totalmente subjeti-
va), por outro lado, se supõe que Arte não pode competir com a
escrita e a matemática, e assim, seria incapaz de funcionar como
algo útil, para que tenha a ver com o conhecimento. Assim, aponta-
se para uma ideologia utilitarista do conhecimento. No entanto,
Arte é uma forma de pensar, mais que um instrumento. No sentido
amplo, não se refere apenas a objetos “sacralizados ou adorados"
(que chamamos obras de Arte), não se trata de negar fantasia, mági-

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ca ou a capacidade de maravilhar-se com o que é produzido, mas há de
enfatizar a capacidade de instaurar um pensamento visual com mais
propriedade racional (mesmo que percebido como subjetivo). Do mesmo
lado, Educação tão pouco deverá ter o sentido de ler, escrever e
fazer cálculos, mas sim, 'formar' pessoas capazes de pensar criti-
camente, que sejam capazes de questionar e utilizar o pensamento cri-
ativo. Não sendo Educação, uma mera manutenção ou instrumento (tam-
bém) de controle do status quo e manutenção do Estado.
Assim, problemas geram respostas e respostas geram outros pro-
blemas, e isto obviamente, não cabe apenas no campo do ensino de
Artes Visuais, e sim, trata da área de Educação amplamente. Reflete-
se sobre a conjunção entre Arte e Educação, e a noção de que Arte tem
que ser uma parte do processo. Não se trata de entender "Arte na Edu-
cação" isto seria ainda, seguindo as reflexões de Camnitzer (2015),
um pensamento esquemático e fragmentado. Ler e escrever, não são ati-
vidades distintas de ver e desenhar, não é possível apartar concei-
tualização e questionamento de um processo de criação, desta forma,
ter uma visão multi, poli ou interdisciplinar claramente amplia o
repertório disponível para entender os elementos básico de um pro-
blema, e assim, Arte não pode ser uma disciplina ancorada em artesa-
nia ou fábrica de objetos, mas sim um meio ou lugar para organizar e
expandir conhecimento, isto porque é um meio de transbordar e trans-
gredir em diferentes áreas e metodologias, que questionam o próprio
conhecimento e sistema.
Trata-se de um exercício sobre o ‘duo’, sobre o duplo, no sentido de
percorrer fronteiras, ciente do risco, não somente criar uma zona
de contato entre o estúdio e a sala de aula, mas perceber em ações e
dinâmicas, que é possível uma colagem. Compreende-se que a aula
de Arte (Lampert, 2009), deverá ser um contexto multiplicador atra-
vés da pluralidade de confluências existentes em seu cerne, assim, a
colagem propiciaria estratégias conceituais e para Garoian e Gaude-
lius (2008, p. 23):

Dada a posição da colagem como uma forma usada para atrair con-
sumo, ela não é, coincidentemente, a forma de discurso mais
amplamente usada pelos sistemas mediados de massa de televi-
são, publicidade, noticiário, cinema e Internet. Além disso,
considerando o excesso de material visual disponível nos jor-
nais, revistas e outras formas de cultura visual, virtualmen-
te cada professor de sala tem empregado a colagem como um pro-
cesso rápido, fácil e barato de produção de imagem para os
estudantes ilustrarem o que eles aprendem em várias discipli-
nas acadêmicas.

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No entanto, a colagem poderá ser vista não como procedimento ou
meio somente de um fazer artístico tecnicamente concebido, mas sim,
evidenciar a dimensão estética e narrativa, entendendo a colagem
como um eixo conceitual que permeia a elaboração crítica do contex-
to. Na colagem há uma indecisão, narrativa de caráter representacio-
nal ou anti-representacional (seja qual for o caso), tratando-se de
um emblema para a cultura contemporânea, assim é necessário que seja
proposto ao ensino de arte uma atenção crítico/pedagógica sobre a
colagem.
Assim, partindo da interação (ou integração) entre theoria, prá-
xis e poesis entende-se um princípio onde são acolhidos sentidos múl-
tiplos que acabam por percorrer a tensão e a pulsão na Arte e Educa-
ção. Compreende-se que a pesquisa em Arte, que elabora um pensamento
sobre o processo criativo, não acaba em um objeto artístico, e sim
pressupõe a construção de um pensamento visual que pode ser subjeti-
vado em meio às questões que permeiam a cultura visual. Desta forma,
perceber o contexto relacional e o interstício social que a Arte pode
apontar, e isto não é negar a expressividade artística ou poesia ou
fantasia, como já foi dito, mas pressupõe entender a Arte como produ-
ção cultural.
Se pensarmos o artista e sua obra, a poética enquanto relação de
diálogo do processo criativo no fazer plástico e em correlação, pen-
sarmos a questão do professor e suas articulações na ação pedagógi-
ca, certamente encontraremos processo criador. Não é o processo de
construção plástica, mas sim a poética do ato criador exercido no
cotidiano da sala de aula, isto denota pensar o processo artístico
paralelo às questões que permeiam o ensino da Arte. Construir esta
poética é tarefa árdua, é amarrar a área de conhecimento a implica-
ções imbricadas no processo educacional. Levando-se em consideração
que estas questões e tantas outras são trabalhadas nos cursos de for-
mação, de acordo com Lampert (2005), é questionável o porquê ainda
encontrarmos professores em escolas (muitas vezes recém formados)
trabalhando de forma desconexa da realidade do aluno, sendo extrema-
mente conteúdista, aplicando provas, propondo atividades meramente
pelo fazer técnico, e sem fim educacional algum, ou por um mero valor
cartesiano.

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ISSN: 2447-1267 Santa Catarina, v.5, n.1, ano 3, março de 2017.
Imagem 1: Grupo de Estudos Estúdio de Pintura Apotheke, 2014 – 2015. Estudos de
modelo vivo, colagem, natureza morta e anthotypes. Foto: Acervo do Grupo.

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Arte como Experiência

A constante interação entre sujeito e ambiente, juntamente com


os resultados dessa relação, será o que constituirá uma experiência.
Neste perspectiva, vale lembrar que Dewey fundou uma ESCOLA
LABORATÓRIO, vinculada ao Departamento de Educação na Universidade
de Chicago (1894 - 1904), onde a experiência era aproximada do con-
texto relacional dos sujeitos, e não evidenciada em disciplinas
fechadas em conteúdos. Na relação entre a Arte e a Estética, o filóso-
fo afirma que o trabalho poético, desenvolvido em uma perspectiva da
filosofia da experiência, seria o clímax da sofisticação entre a união
dos saberes – afetivo, intelectual e prático (DEWEY, 2002). Assim,
as Artes oferecem vitalidade e aprofundam o conhecimento das expe-
riências acumuladas, porque

Toda arte envolve órgãos físicos, como o olho e a mão, o ouvido


e a voz e, no entanto, ela ultrapassa as meras competências téc-
nicas que estes órgãos exigem. Ela envolve uma ideia, um pen-
samento, uma interpretação espiritual das coisas e, no entan-
to, apesar disto é mais do que qualquer uma destas ideias por
si só. Consiste numa união entre o pensamento e o instrumento
de expressão. (DEWEY, 2002, p. 76).

É justamente na integração entre o pensamento e o instrumento
de expressão que se pode esboçar uma ideia do que o autor nos comuni-
ca a respeito da experiência singular/estética. A experiência para
Dewey é um processo do viver que relaciona-se de maneira intensa e
contínua entre o mundo e o sujeito. Dessa relação brotam conflitos,
resistências, impressões. Destes elementos, por sua vez, emergem as
experiências, envoltas em ideias e emoções. É, portanto, neste con-
ceito instaurado por Dewey que uma filosofia da experiência para a
Arte/Educação contemporânea torna-se pertinente.
A experiência singular é também uma experiência estética,
tendo em vista que em ambas as experiências há consumação, e nunca
cessações - como no caso de uma experiência intelectual. Neste sen-
tido, a experiência intelectual é diferente da experiência singu-
lar/estética. A primeira tem como matéria-prima símbolos e signos, e
exige uma conclusão, um encerramento. É justamente por sua natureza
conclusiva que gera incertezas. Ao contrário, a experiência singu-
lar/estética reside em fluxos constantes, possui lugares de repouso,
unidade, e o seu desfecho é atingido por um movimento ordeiro e orga-

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nizado. O material vivenciado, ao mesmo tempo em que é marcado
pelas percepções, é transformado pelas experiências anteriores.
“A conclusão é uma consumação, e não uma cessação. Esta experiên-
cia carrega um caráter individualizador e autossuficiente.”
(DEWEY, 2010, p. 110)
A experiência singular/estética é uma espiral, seu fluxo con-
tínuo unifica a percepção entre o que é feito e o que é suportável;
cria conexões com experiências anteriores – uma observação cons-
tante entre o que existiu, existe e existirá, o processo é vivenci-
ado conscientemente. A ansiedade e as frustações, que fazem parte
da vida cotidiana e estão presentes no processo criativo, não são
impeditivas para que a inteligência organize a consumação da expe-
riência pulsante; discernimento entre ações e desejos, não há dico-
tomias, fragmentações entre inteligência e sensibilidade. Tudo se
relaciona, tudo está junto, é o próprio processo do viver unificado
ao ambiente tomando consciência de si – esse conjunto consciente
propicia ao sujeito uma experiência singular/estética. O estéti-
co, na filosofia da arte de John Dewey, não é um fator externo e que
se “lança” para a experiência. Tampouco está relacionado ao luxo,
ou é idealizado por qualquer corrente de pensamento transcenden-
tal. Para o autor, “o estético (...) é o desenvolvimento esclare-
cido e intensificado de traços que pertencem à toda experiência nor-
malmente completa (...) estético refere-se à experiência como
apreciação, percepção e deleite” (DEWEY, 2010, p. 125-127).
O estético presente na experiência e que faz desta uma expe-
riência singular/estética, possui uma forma distinta de operação.
O estético torna a experiência consciente através da classificação
do que é percebido – a consciência do conhecimento. Esse movimento
de relações está sempre unificado, incorporado com a apreensão
reflexiva de experiências anteriores. O material singular da per-
cepção estética é o equilíbrio e a proporção. Estes materiais sur-
gem da experiência, num primeiro momento das ideias, que proporci-
onam ao pensamento um carácter estético. A experiência se torna
predominantemente estética quando seu desenvolvimento é controla-
do, ou seja, quando aquilo que é feito transmite a ideia que está
sendo executada. A ordem e a realização existem e sinalizam o per-
curso da ideia, mesmo que assinalem o desvio e a ruptura (DEWEY,
2010).
Dewey afirma que “a arte, em sua forma, une a mesma relação
entre o agir e o sofrer, entre a energia de saída e a de entrada,
que faz com que uma experiência seja uma experiência” (DEWEY,

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2010, p. 128). Como o artístico está relacionado ao ato de produção
e o estético ao ato de prazer e percepção, uma obra acontece em sua
completude quando o artista, ao trabalhar, assume essas duas ati-
tudes transformando-a em uma só, ou seja, numa atitude artístico-
estética. O artista, na concepção de Dewey,

comparado a seus semelhantes, é alguém não especialmente


dotado de poderes de execução, mas também de uma sensibili-
dade inusitada às qualidades das coisas. Essa sensibilidade
também orienta seus atos de criação”. (DEWEY, 2010, p. 130).

Essa sensibilidade do artista está diretamente relacionada


ao seu modo de pensar acerca das coisas do mundo. O artista não ape-
nas reconhece as coisas, ele as vê, e das suas observações sobre as
coisas do mundo, constitui sua percepção. O artista apreende a
conexão entre o que ele está pensando e o que fará em seguida. O
artista vivencia na sua consciência o efeito da sua obra. Se ele
utilizar deliberadamente os materiais, não saberá a derivação do
seu trabalho. Eles são veículos, não a matéria-prima para produzir
a obra. O veículo, diferentemente da matéria-prima, é sempre uma
forma de linguagem, expressão e comunicação. Porém, o veículo só
encontra formação quando entra em contato com a consciência e a
habilidade de um indivíduo.
O que está em questão é o controle do desejo. Na ideia inicial
até será possível pensar em tudo, mas o “tudo” não é possível na
relação que se pretende produzir - o artista encontra os obstácu-
los, as dificuldades da produção. Saber produzir neste limite da
existência humana é aprender que a relação entre pensar e agir, cul-
minando em uma experiência singular/estética e compreendendo que
experiência não é uma soma entre o emocional e intelectual, mas que
ambos ocorrem inseparavelmente, é uma das modalidades mais exi-
gentes do pensamento. Chegar na consumação desta experiência é pro-
teger o trabalho de uma mera sucessões de excitações (DEWEY,
2010). Sendo assim, a experiência singular/estética presente nos
escritos de John Dewey é o lugar onde o autor nos esclarece sobre a
proximidade desse conceito com o campo das artes e do trabalho do
artista.

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Referências

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Panamá: Sirigua, 2015.

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do professor-artista no ensino em artes visuais. 2013. 260 fls. Tese de dou-
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Disponível em:
<http://dea.nea.fba.up.pt/sites/dea.nea.fba.up.pt/files/INVISIBILIDADES_3_se
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2009.159f. Tese (Doutorado Escola de Comunicações e Artes - ECA) Programa
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THORTON, Alan. Artist, Researcher, Teacher. A Study of Professional Iden-


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Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 2004. p. 795-814.

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