Resumo 2 - Filosofia 11

Fazer download em docx, pdf ou txt
Fazer download em docx, pdf ou txt
Você está na página 1de 10

Unidade 2 – O Conhecimento Científico | Filosofia 11º

CAP 1 – Conhecimento vulgar e conhecimento científico

A ciência, associada à técnica e à tecnologia, trouxe ao longo do tempo, inúmeras vantagens, comodidades e
confortos. A ciência alcançou um estatuto superior ao de outras formas de conhecimento. A maioria das pessoas
valoriza a ciência e o conhecimento científico sob a crença de que são fiáveis e seguros, mas o desenvolvimento da
investigação científica e da tecnologia também trouxe a debate inúmeras questões que nos obrigam a refletir sobre o
valor, os riscos e os limites da própria ciência.
A Epistemologia (filosofia das ciências) é a área da filosofia que se ocupa do estudo das questões relativas à
prática e ao conhecimento científicos.
“O estudo crítico dos princípios, das hipóteses e dos resultados das diversas ciências, destinado a determinar a sua
origem lógica (não psicológica), o seu valor e a sua importância objetiva.”
“O estudo sistemático da natureza da ciência, especialmente dos seus métodos, conceitos e pressuposições.”
Alguns exemplos de questões epistemológicas,
- O que é a ciência?
- O que distingue uma boa teoria científica de uma má teoria?
- Qual deve ser o método a adotar em ciência?
- Como progride a ciência?
- Será que o conhecimento científico é objetivo?
- O contexto cultural e social tem alguma influência sobre a atividade científica?

Senso comum e conhecimento científico


A realidade pode ser explorada e compreendida de diferentes modos, daí que existem diferentes níveis de
conhecimento acerca da realidade. Temos, assim, o conhecimento vulgar (senso comum) e o conhecimento
científico.
Senso comum *
É o primeiro nível de conhecimento que se constitui a partir da apreensão espontânea e imediata do real; adquire-
se do trato direto com as coisas e com os outros homens e não resulta de nenhuma procura sistemática e metódica,
nem exige qualquer estudo prévio, como o conhecimento científico. Apesar do senso comum fazer parte da
consciência de um povo e ser funcional, não proporciona a compreensão dos fenómenos, das coisas e da realidade e
pode mesmo conduzir a uma visão errónea da realidade.
1. Crenças amplamente aceites por muitos seres humanos (parte da cultura popular)
Estas crenças expressas numa dada cultura sob a forma de ditados e provérbios populares (que frequentemente
ouvimos nas conversas quotidianas). Difere, ou pode diferir, por isso, de comunidade para comunidade, no
espaço e no tempo. Inclui aquelas crenças amplamente partilhadas cuja justificação decorre da experiência
coletiva e acumulada dos seres humanos e da popularização dos conhecimentos científicos (o heliocentrismo é
disso um exemplo).
2. O senso comum é acentuadamente acrítico
As crenças são transmitidas de geração em geração, não se pensando seriamente na possibilidade de estarem
erradas. A durabilidade do conhecimento vulgar deve-se, em parte, a esta caraterística acrítica.
3. Essencialmente prático e utilitário
Embora possamos reconhecer no senso comum a necessidade natural de explicar o mundo, de resolver
problemas que têm a ver com o seu funcionamento, o seu valor é essencialmente prático. A sua preocupação
não é a de nos dar a verdade acerca do modo como o mundo funciona, mas a de sabermos o que devemos fazer
nas diversas situações da vida. A utilidade prática baseada num “saber de experiência feito” sobrepõe-se à
curiosidade intelectual.
4. Fraca sistematização e muito fraco espírito metódico
O conhecimento do senso comum é pouco sistemático, ou seja, os seus conteúdos não estão relacionados entre si,
não formam um conjunto organizado e coerente. Por isso, para uma mesma situação, facto ou acontecimento,
encontramos posições incompatíveis.
5. É de natureza qualitativa
É um conhecimento baseado na experiência vivida, organizado a partir de uma ordem subjetiva.

Página 1 de 10
Por outras palavras,
O senso comum é constituído por:
- Saber imediato: observações ingénuas da realidade;
- Saber subjetivo: observações espontâneas;
- Saber heterogéneo: acumulação não organizada das repreensões da realidade;
- Saber acrítico: ideias feitas e não refletidas da realidade.
É o conhecimento acumulado pelos homens, de forma empírica, porque se baseia apenas na experiência quotidiana,
sem se preocupar com o rigor que a experiência científica exige e sem questionar os problemas colocados justamente
pelo quotidiano. É um conhecimento adquirido de forma espontânea, sem muita preocupação, com um método ou com
a sistematização – saber acrítico, assistemático e ametódico. O senso comum é ainda subjetivo ao permitir a
expressão de sentimentos, opiniões e de valores pessoais.

O senso comum é útil, mas limitado uma vez que não é rigoroso, sistemático nem objetivo como o conhecimento
científico. Não é rigoroso porque não utiliza instrumentos de medição, é assistemático porque se baseia noutros
conhecimentos e também não é objetivo porque depende da observação, que é subjetiva, varia de pessoa para pessoa.
Ao afirmar que o senso comum é útil, referimo-nos ao facto de ser essencialmente prático, visto que é a partir deste
que aprendemos diversas atividades simples do quotidiano.

Em suma, o senso comum não é metódico, as suas crenças não resultam de uma investigação orientada por hipóteses
explicativas que se confrontam com os factos. Mas, pese embora a faceta negativa atribuída ao senso comum, este
funciona, muitas vezes, como ponto de partida para o conhecimento científico. O filósofo Karl Popper chega
mesmo a afirmar que “a ciência é o senso comum organizado”.

Conhecimento científico *
O conhecimento científico, ao contrário do senso comum, resulta de um esforço intelectual sistemático, metódico e
controlado pela experiência, para explicar, tão profundamente quanto possível, os fenómenos conhecidos. Os
cientistas testam as teorias, confrontam-nas com a experiência e têm uma disposição geral para as modificar caso não
estejam de acordo com aquilo que observam no mundo. Para isso, dispõem de um método próprio assistido por
tecnologias e instrumentos e de uma linguagem técnica adequada para representar o objeto do seu estudo.
1. Estamos perante conhecimentos que se baseiam no estudo objetivo do modo como a natureza funciona e
não simplesmente no saber acumulativo de geração em geração.
2. Os conhecimentos científicos são o resultado de investigação metódica orientada por hipóteses
explicativas que constantemente se submetem ao confronto com os factos.
O conhecimento científico é provisório, dado que procura descrever fielmente a realidade, mas pode ser
desmentido por esta.
3. O conhecimento científico é útil, mas o seu valor não se limita a esse aspeto prático
Neste predomina, de forma quase exclusiva, a preocupação com necessidades práticas. A ciência nasceu em
grande parte de necessidades práticas, mas não se limita a satisfazê-las.
4. O conhecimento científico tem mais valor explicativo do que o senso comum
Dado ao cuidado e rigor que carateriza a prática científica, a sofisticação dos instrumentos usados, tendemos a
considerar que os resultados da investigação científica têm maior valor explicativo.
5. O conhecimento científico é sistemático e organizado
O senso comum é desorganizado e assistemático. Embora o caráter sistemático e organizado não seja uma
caraterística que distinga de forma clara e particular a ciência, a verdade é que, em certa medida, o distingue
do conhecimento vulgar, como o prova a proliferação de provérbios e ditados populares que afirmam e negam
ao mesmo tempo um facto ou uma situação. Com referência ao caráter sistemático quer acentuar-se que há a
preocupação por parte do cientista de ligar os conhecimentos uns aos outros e de evitar que as afirmações
se contradigam.
6. Adota uma descrição quantitativa
Embora uma teoria científica se possa exprimir sem uma única fórmula, o uso da matemática é um auxiliar
precioso do raciocínio e uma linguagem rigorosa para a descrição dos fenómenos observados.
7. O conhecimento científico é revisível e deve acomodar novos fenómenos

Página 2 de 10
O constante confronto com os factos e a vontade de dar uma imagem fiel da realidade conduzem o cientista
a não considerar como definitiva nenhuma teoria. Se o seu objetivo é dar-nos a verdade sobre o mundo, o
cientista em geral sabe que, mais do que a posse da verdade, é a aproximação à verdade que carateriza a
pesquisa científica. E tal também ocorre devido à constante evolução tecnológica, pois a tecnologia e a ciência
andam de ‘mãos dadas’.
8. Os cientistas não acreditam ingenuamente nas aparências
Podemos pensar que a cor da pele torna duas pessoas muito semelhantes, mas estas podem, quanto ao tipo
sanguíneo e à constituição genética, ser muito diferentes. Estamos habituados a julgar os seres humanos em
termos de semelhanças físicas, e em especial se são parentes próximos: irmãos, pai e filho, etc. Também é
comum dizer-se que os habitantes de uma aldeia “assemelham-se todos”, ou que todos os Africanos e
Chineses são parecidos. Temos por hábito, julgar que as semelhanças físicas servem para identificar certos
grupos e os distinguir de outros.
Mas as aparências enganam, aqueles que se parecem superficialmente/fisicamente, estão mais afastados
do que se poderia pensar quanto a aspetos fundamentais que não estão ao alcance da experiência sensível
imediata. Com efeito, a Genética ensina-nos que o sangue do pai português pode matar o seu próprio filho,
enquanto o sangue de um chinês pode salvar a vida ao filho do mesmo, aquando de uma transfusão de sangue,
por exemplo. Isto é, quem é fisicamente semelhante pode não o ser em termos genéticos, e vice-versa.

De uma forma geral, as diferenças essenciais são: o conhecimento científico tem mais poder explicativo e tem um
caráter metódico. Como é em boa parte devido ao seu caráter metódico que o conhecimento científico tem maior
poder explicativo, será dada maior atenção a esse aspeto metódico da ciência. A principal diferença é que o cientista
obtém a verdade com base num procedimento sistemático de recolha de dados orientado por um conjunto de regras.
Desenvolve-se, então, em torno de uma hipótese explicativa, uma investigação. A investigação deve ser rigorosa
e cuidada e há conjunto de etapas que devem ser percorridas para que se atinja a meta desejada: resolver o problema.
Essas etapas são:
1. Formular claramente e descrever o problema a ser estudado;
2. Formular uma hipótese de resolução do problema que seja testável;
3. Escolher a estratégia ou metodologia adequada;
4. Realizar o estudo que permite confrontar a hipótese com os factos;
5. Analisar os resultados e confirmar se a hipótese que foi submetida a exame passou no teste.

Senso comum ou Conhecimento vulgar Conhecimento científico


1. Parte da cultura popular 1. É objetivo e crítico
2. Relativamente acrítico 2. Essencialmente metódico
3. Essencialmente prático e utilitário 3. Alto valor teórico e prático
4. Fraca sistematização 4. Essencialmente explicativo
5. Muito fraco espírito metódico 5. Forte pendor sistemático
6. A descrição predomina sobre a explicação 6. Possui uma natureza quantitativa
7. Deixa-se iludir pelas aparências 7. É revisível
8. Possui uma natureza qualitativa 8. Procura ir além das aparências ou impressões
9. É dogmático imediatas
Tipo de conhecimento superficial, não especializado em Tipo de conhecimento aprofundado e especializado em
qualquer domínio, mas que apresenta respostas diferentes domínios, construindo explicações dos
imediatas e funcionais, visando a resolução dos fenómenos e tendo por base uma organização teórica e
problemas do dia a dia. um método.

Breve noção do que é o conhecimento científico *


De uma forma um pouco redundante, podemos dizer que a ciência é a atividade de explicação e de criação de teorias
desenvolvida pela comunidade científica, num dado contexto histórico, em laboratórios de universidades e outros
centros de investigação.
Qual é o objetivo dessa atividade? Encontrar respostas para questões acerca do ser humano e do mundo através do
uso de métodos de prova e de justificação que sejam racionais, objetivos e públicos.

Página 3 de 10
O que pode resultar dessa atividade? Diz-se que a atividade científica, baseada no pensamento crítico, alcança leis e
teorias que, não sendo dogmas, são, no fundo, hipóteses sempre passíveis de revisão. A ciência não cria verdades
absolutas ou teorias definitivas.
O que são leis científicas? São regularidades que o ser humano pensa ter descoberto na análise dos fenómenos da
natureza. Podemos dar o nome de leis científicas às hipóteses que ainda não foram invalidadas por facto algum. São
proposições gerais que descrevem e explicam por que algo acontece. Possuem claramente um conteúdo empírico
– baseado na experiência.
O que são teorias científicas? As teorias científicas são conjuntos organizados e sistemáticos de enunciados que
explicam um determinado tipo de fenómenos, que sistematizam conhecimentos ou tornam possível uma melhor
avaliação das hipóteses. A organização das leis em conjuntos sistemáticos chamados teorias [teorias são, então, conjuntos
de leis] deve-se ao facto de a explicação científica da realidade ou de um aspeto da realidade pretender ser o mais ampla
possível.
O que torna científica uma teoria ou uma lei?
a) Uma teoria é científica se, não negada pelos factos, possui um grande valor explicativo, isto é, permite prever
novos fenómenos e factos, dando conta deles.
b) Uma lei é científica quando possui um conteúdo empírico forte cuja generalização, quando corroborada pela
experiência, nos fornece informações relevantes acerca do mundo.
Conclui-se que, a ciência é, então, um procedimento metódico, objetivo e sistemático que pretende explicar
fenómenos, desenvolvendo para tal hipóteses e construindo leis e teorias sempre suscetíveis de revisão.

Relação entre o senso comum e a ciência – continuidade ou rutura? *


Há duas posições filosóficas antagónicas no que concerne à relação entre senso comum e conhecimento científico.
1) O senso comum é o ponto de partida para o conhecimento científico.
2) O senso comum representa um entrave ao desenvolvimento do conhecimento científico.
É a partir do senso comum que todos os conhecimentos se formam, mas não é consensual a forma como este
processo ocorre. Segundo Karl Popper, o senso comum é o ponto de partida para qualquer tipo de
conhecimento. Defende que a diferença entre o senso comum e o conhecimento científico reside no grau de
profundidade como analisamos as coisas. A função da ciência é corrigir e melhorar o senso comum, daí que o
senso comum não deve ser considerado o alicerce em cuja base assentaria o conhecimento científico. É através da
crítica, da modificação e da correção que o senso comum pode dar origem ao conhecimento científico.
Para Karl Popper desprezar o senso comum equivaleria a deitar fora alguns dados que poderiam ser úteis na
constituição da ciência. Ainda que o conhecimento vulgar possa estar errado, a compreensão desse erro constitui
um passo na direção de mais e melhor conhecimento.
Por outro lado, Gaston Bachelard considera o senso comum um obstáculo ao conhecimento científico e por isso
defende uma clara distinção entre os dois tipos de conhecimento. Considera que:
- Ao crer no conhecimento vulgar, julgamos já ter conhecimento sobre determinado assunto e não insistimos na
investigação.
- Senso comum e conhecimento científico são metodologicamente diferentes, pelo que as conclusões do senso
comum nunca serão fiáveis.
- As razões pelas quais o conhecimento científico justifica as suas teses são radicalmente diferentes das do senso
comum, pois sustentam-se em evidência científica e não em opinião.
O exemplo de Galileu Galilei
Galileu foi sujeito a um processo por parte da Inquisição por afirmar que a Terra não se encontrava no centro do
sistema solar, mas movia-se em torno do Sol. Neste processo opuseram-se o senso comum e o conhecimento
científico:
Senso comum: A Terra encontra-se imóvel no centro do Universo e os restantes astros giram em seu redor.
Conhecimento científico: O Sol está no centro do sistema solar e os restantes astros (incluindo a Terra) giram em
seu redor.
Em resultado deste processo, Galileu foi condenado a renunciar publicamente às suas ideias e, posteriormente, a
deixar de ensinar o heliocentrismo como teoria verdadeira. O caso de Galileu é muitas vezes utilizado para
exemplificar uma situação em que o senso comum se apresenta como um obstáculo efetivo ao desenvolvimento do
conhecimento científico.

Página 4 de 10
CAP 2 – Ciência e construção: validade e verificabilidade das hipóteses
Perspetiva indutivista do método científico
Método – conjunto de procedimentos, orientados por um conjunto de regras, que estabelecem a ordem das operações
a realizar com vista a atingir um determinado resultado. A escolha de um método está dependente do objeto de estudo.
O método permite distinguir aquilo que é conhecimento científico do que não pode ser considerado como tal.
A ideia partilhada pelas pessoas que não se dedicam à ciência nem à reflexão sobre o método científico é a de que a
ciência usa o método indutivo. Esta perspetiva é também frequentemente aceite por vários cientistas. Se a partir desta
ideia julgarmos que o método indutivo é o método da ciência e não um entre outros estamos a ser indutivistas.
O método indutivo, muitas vezes chamado método experimental, é aplicado largamente nas ciências não formais,
como a Biologia, Física ou Economia, e é uma das bases para a elaboração de previsões, leis e teorias científicas, além
de auxiliar precioso em muitas decisões do nosso dia a dia. As ciências formais como a Matemática aplicam métodos
e sistemas dedutivos. As ciências não formais, fundadas na observação empírica, baseiam-se em grande parte na
indução.
A caraterística mais marcante da indução é o seu caráter ampliativo e provável, ou seja, as conclusões, apesar de
não serem cem por cento certas, garantem a inovação e um certo grau de confiança nas suas previsões. O enunciado
mais tradicional do método indutivo tem origem em Francis Bacon, e assenta nos momentos seguintes:
1. Observação. Recolhe-se o máximo possível de informação empírica sobre o fenómeno estudado. Ainda que
observações fortuitas ou ocasionais desencadeiem por vezes importantes descobertas científicas, a observação
científica deve ser sistemática, rigorosa e imparcial. A objetividade das observações deve ser garantida pelo
uso de instrumentos e medidas rigorosas.
2. Formulação da hipótese. A hipótese científica é uma conjetura (hipótese) ousada, baseada na observação,
que propõe uma verdade provisória elaborada com base nas relações e nos dados recolhidos. A hipótese
antecipa, pois, uma possível generalização.
3. Experimentação. É o momento em que as hipóteses são confrontadas com a experiência. A confrontação com
a experiência implica o recurso a instrumentos e técnicas laboratoriais complexas a fim de constatar se as
previsões apontadas pelas hipóteses correspondem ou não aos registos agora observados.
4. Confirmação e generalização. O sucesso dos testes e a sua repetição, em condições semelhantes, leva ao
experimentador a generalizar os resultados previstos pela hipótese, passando a designar esse facto como lei
científica.

Objeções à perspetiva indutivista do método científico


Esta perspetiva sobre o modo como os cientistas procedem para conhecer a realidade foi objeto de objeções
relevantes que incidem essencialmente na forma de entender a observação e a formulação das hipóteses.
Podemos resumi-las em duas grandes críticas:
1. É errado supor que começamos pela observação ou que há observação pura
2. As hipóteses não são, de modo algum, extraídas dos factos
Assim,
1. É errado supor que começamos pela observação ou que há observação pura
O indutivista reconhece que as observações mais eficazes se fazem no quadro de teorias e de técnicas de
observação que, claro, envolvem já conhecimentos muito complexos, mas supõe que, em última análise, na base
desses conhecimentos está a observação. O argumento, que parece convincente, é o de que, se o nosso
conhecimento é relativo a factos, então ele não pode começar por teorias – tem de começar por um
primeiro contacto com os factos. Karl Popper defende que sem teorias prévias, a observação carece de qualquer
orientação. As conjeturas (hipóteses ou expetativas) são logicamente anteriores às observações.
Isto é, a observação não é ponto de partida do método científico e, ainda que o cientista recorra à observação,
ela não é totalmente neutra e isenta. A observação dos fenómenos ocorre num determinado contexto. A

Página 5 de 10
observação do cientista é afetada por pressupostos teóricos, teorias, conceitos e expectativas desenvolvidas
face à investigação.
2. A ciência estuda fenómenos inobserváveis
Os factos só podem sugerir teorias a um sujeito capaz de mobilizar os seus conhecimentos (teorias e
capacidades) para construir a conjetura que visa solucionar um problema (suscitado pelo confronto entre os
factos e as teorias).
As hipóteses são produto da cooperação do raciocínio e da imaginação. Têm de ser criadas, inventadas.
Neste aspeto, o cientista pode criar hipóteses livremente, mas, tem de submeter as suas criações a testes
empíricos.
Assim, o raciocínio indutivo não confere o rigor lógico necessário às teorias científicas. A indução constitui,
em termos lógicos, uma operação que obriga a um salto do conhecido (de proposições particulares) para o
desconhecido (para proposições gerais).

Para além disso, as hipóteses podem ser verificáveis, ao contrário do que pensa o indutivista. As leis ou hipóteses
científicas exprimem-se ou tendem a exprimir-se na forma de enunciados universais, enunciados que referem um
número indefinido ou mesmo infinito de casos particulares possíveis. Assim, de um ponto de vista lógico, todos esses
casos deveriam estar provados para a lei ou hipótese poder ser dada como verificada – e isso é manifestamente
impossível.

Conceção falsificacionista de ciência – falsificacionismo de Karl Popper*


Segundo Popper, a verificação não é um procedimento logicamente correto – crítica ao método indutivo. Se a nossa
crença for a de que todos os cisnes são brancos, basta que apareça um cisne preto para invalidar a hipótese científica
ou crença inicial. A estratégia da verificação assenta no raciocínio indutivo. Este é baseado na lógica do condicional e,
como sabemos, nenhuma lei lógica autoriza que a afirmação do consequente possa levar à verdade do
antecedente. Pelo contrário. Basta a negação do consequente para se concluir a negação do antecendete, como se
pode constatar pela aplicação do modus tollens. Assim considera-se T, a teoria, e C, a consequência de T. Basta uma
observação negativa para concluirmos que,
Se T, então C.
Ora, não C.
Logo, não T.
A adoção da estratégia indutivista, assente no critério da verificação, deve, então, segundo Popper, ser
substituída por outro critério mais seguro, chamado critério da refutação. A sua estratégia é criar hipóteses de
elevado conteúdo empírico que possam ser refutadas e não a de procurar verificar as hipóteses. As leis e as teorias
científicas seriam tanto mais verdadeiras quanto mais resistissem à sua falsificação. Este é o aspeto inovador do
método de Popper. Popper propõe a substituição do método indutivo por um modelo hipotético-dedutivo que
assenta não na verificabilidade das hipóteses, mas na sua falsificabilidade.
Etapas do modelo hipotético-dedutivo*
1. Formulação da hipótese ou conjetura
O ponto de partida da investigação científica são os problemas ou factos-problemas. Um facto-problema
surge, em geral, de conflitos decorrentes das nossas expectativas ou das teorias já existentes. Para o resolver, o
cientista terá de propor uma explicação provisória – hipótese (ou conjetura): momento criativo da atividade
científica, associado à intuição, à imaginação, ao raciocínio abdutivo (raciocínio criativo) e não à indução.
Perante o problema criam-se hipóteses (ou conjeturas), isto é, uma explicação provisória de um dado fenómeno
que exige comprovação; possíveis soluções do mesmo.

2. Dedução das consequências


Depois de a hipótese ter sido formulada, são deduzidas as suas principais consequências. Ou seja, na prática o
cientista procura prever o que pode acontecer se a sua hipótese ou conjetura for verdadeira.
3. Experimentação
Agora será necessário descobrir se as previsões que o cientista fez estão ou não corretas: a hipótese será
testada, confrontada com a experiência. Os resultados podem, então, mostrar o “sucesso” ou o fracasso da
conjetura proposta.

Página 6 de 10
- Se for validada pela experiência, a hipótese é considerada como credível e passará a ser reconhecida na
comunidade científica – teoria corroborada.
- Se não for validada, teremos de a abandonar ou de a reformular – teoria refutada ou “falseada”.
Em suma,
Conhecimentos prévios ou
Problema Conjeturas Consequências Refutação
expetativas

O conhecimento científico, é, portanto, hipotético e provisório.

Posição de Karl Popper relativamente ao problema da indução


De entre as objeções que foram levantadas ao indutivismo, conta-se, ainda, a questão da justificação da indução.
Trata-se de mostrar que não há qualquer fundamento – racional ou empírico – que sustente uma tal crença. O
problema foi inicialmente colocado por David Hume e, posteriormente, retomado por Popper.
Segundo Hume, é a suposição de que a natureza é uniforme que autoriza a inferência indutiva no sentido da
generalização e previsão. Mas tal suposição é, por si só, falaciosa. Vejamos. Uma vez que acreditamos que a natureza
se comporta sempre da mesma maneira, esperamos que o futuro reproduza os acontecimentos que ocorreram no
passado, pois, até ao momento, a natureza comportou-se assim, ou seja, o pressuposto de que partimos resulta, ele
próprio, de uma indução. Assim, aquilo que valida a indução é também uma indução, o que traduz um vício de
raciocínio (petição do princípio). Então, se este tipo de dedução/indução não oferece crédito, não podemos saber se o
conjunto de crenças que fundam o nosso conhecimento do mundo são ou não verdadeiras, pois não as podemos
justificar racionalmente.
Todavia, se a indução não se mostra como uma base sólida que permita sustentar racionalmente as nossas crenças, tal
não significa o descrédito da ciência – é essa a posição de Popper.
Segundo Popper, o ponto de partida da ciência é a teoria – a conjetura – e não a observação. Também por isso,
ela não é mais uma reação às regularidades observadas, mas uma criação do cientista, da qual se deduzem predições
que são confrontadas com os factos. Nesse sentido, se a indução não é necessária para formar uma hipótese, ela não
tem qualquer papel na ciência.

Em suma,
Segundo Popper, a indução não pode ser um procedimento científico porque o “salto indutivo” de alguns casos para
todos os casos implicaria que a observação de factos atingisse a totalidade, o que nunca pode ocorrer, por maior
que seja a quantidade de casos observados.
O modelo de investigação proposto por Popper – ou o método científico na perspetiva falsificacionista – pode ser
esquematizado do seguinte modo:
Problema – Conjetura ou hipótese explicativa – Dedução de consequências observáveis ou de
enunciados observacionais – Tentativa de falsificação – Corroboração/Refutação

O que distingue as teorias científicas das teorias não científicas? O problema da demarcação*
– Problema da demarcação entre ciência e não ciência –
Nos anos em que se formou, assistiu à enorme influência de duas teorias: a psicanálise e o marxismo.
A teoria marxista interpreta a história como luta de classes e exploração de uma classe por outra, que terminará com
o advento do comunismo (sociedade sem classes). De acordo com as previsões da teoria, a passagem do capitalismo
ao comunismo dar-se-ia nas sociedades altamente industrializadas. Mas as previsões não se cumpriram, não se tendo
verificado o colapso do capitalismo nas ditas sociedades. A teoria permanecia verdadeira: os factos só aparentemente
a desmentiam – o que aconteceu foi que essa transição para o comunismo abrandou, uma vez que surgiram nas
sociedades capitalistas, melhores condições para a classe operária.
A teoria freudiana afirmava que, na base dos nossos conhecimentos, existiam motivações e impulsos inconscientes
e que acontecimentos da primeira infância determinavam decisivamente a personalidade adulta.
Qual é o critério adequado para efetuar essa distinção ou demarcação?
a) Uma teoria é científica se for verificável

Página 7 de 10
Segundo Karl Popper, as teorias científicas incluem leis, e estas são enunciados universais. Ora, ao formular uma
lei, o conteúdo da mesma corresponde a algo que foi cumprido até agora, que está a ser cumprido e que será
cumprido no futuro. Pode, então, uma proposição deste tipo ser verificada? A resposta é não. Isso exigiria
que se observassem todos os casos particulares passados, presentes e futuros, o que é impossível.
O critério da verificabilidade não serve, e a verificação não permite distinguir teorias científicas de não científicas.
A estratégia de verificação pode incorrer na falácia da afirmação do consequente:
Se todos os corpos dilatam quando aquecidos, então estes metais vão dilatar ao serem aquecidos.
Observamos que estes metais dilataram ao serem aquecidos.
Logo, todos os metais dilatam quando aquecidos.
Esta forma de raciocinar encontra problemas lógicos. A afirmação ou confirmação do consequente – deduzida da
hipótese – não é prova válida da verdade do antecedente (da hipótese).
b) Uma teoria é científica se for confirmável
Dizer que uma teoria é confirmável, é dizer que pode ser parcialmente verificada pela experiência, pelo
confronto com os factos. Se enuncio uma proposição universal – todas as leis científicas o são –, parece
suficiente que se verifique nalguns casos para concluir que provavelmente essa proposição é verdadeira. Mas
esta forma de raciocinar é indutiva, e a indução não nos dá garantias quanto à verdade da conclusão. Quanto
maior for número de casos ou de exemplos de acordo com a hipótese, maior será a probabilidade de esta ser
verdadeira, mas o processo de confirmação (tal como o da verificação) é sempre inconclusivo. Dizer que
podemos verificar parcialmente enunciados universais é reconhecer que não estamos a confirmar enunciado
universal nenhum.

Mas, se falamos de leis científicas – enunciados universais – e reconhecemos que não podemos verificá-las nem
confirmá-las empiricamente, então não devemos concluir que não é possível distinguir teorias científicas de teorias
não científicas?

c) Uma teoria é científica se for falsificável


Pode-se considerar o confronto das hipóteses com os factos como uma forma de verificação, mas não é possível
realizar uma verificação conclusiva, pois há sempre a possibilidade de factos futuros contradizerem a hipótese.
Por esta razão, recorre-se à ideia de probabilidade: a repetição de verificações bem-sucedidas aumenta a
probabilidade de a hipótese ser verdadeira.
Para Popper, a atitude experimental deve ser diametralmente oposta: a teoria deve ser posta à prova com testes
severos, isto é, testes onde a probabilidade de a hipótese falhar é elevada. As hipóteses não devem ser
defendidas no sentido de procurar acumular casos que as verifiquem – devem arriscar-se em testes críticos.

A única coisa que, segundo Popper, os cientistas podem fazer é mostrar ou que são falsas ou que ainda não foi
provada a sua falsidade (muito diferente de dizer que são ou ainda são verdadeiras).
Se verificar ou confirmar uma proposição universal é impossível, o mesmo já não acontece com a sua refutação ou
negação. Basta surgir algo que vá contra essa mesma proposição para que esta seja refutada.
E se uma hipótese, ao ser posta à prova, resistir aos testes a que submetemos? Segundo Popper, só temos o direito
de dizer que não foi refutada e que temos razões para a aceitar, ou seja, para continuar a trabalhar com ela. Diz-se,
então que foi corroborada. Será uma boa teoria, digna de confiança, mas não foi demonstrada nem se pode dizer que
é verdadeira. No máximo, o que podemos dizer é que faz avançar o nosso conhecimento, que até agora explica bem os
factos. Porquê? 1. Porque nada garante que no futuro não seja desmentida ou substituída por uma melhor; 2. Porque,
se até ao momento ela serviu para resolver um problema, pode também suscitar novos problemas.

O que é então uma teoria genuinamente científica para Popper? É uma teoria que pode ser submetida a testes
empíricos e que pode ser refutada ou falsificada (negada) se esses testes lhe forem desfavoráveis. O que carateriza
as hipóteses científicas é a sua refutabilidade ou “falsificabilidade”: nenhuma hipótese científica é irrefutável, mais
cedo ou mais tarde pode ser declarada falsa.

O que implica ter mais conteúdo empírico? Implica que essa proposição, dando-nos mais informação sobre o
mundo, corre mais riscos de ser desmentida, de ser falsificada. O seu grau de falsificabilidade é maior.

Página 8 de 10
Que proposição é preferível, segundo Popper? A proposição que corre mais riscos é preferível porque é mais
informativa. E por ser mais rica em conteúdo informativo, é mais testável do que a outra.

Indutivismo Falsificacionismo
1. Observação. Recolhe-se o máximo possível de 1. Formulação da hipótese ou conjetura. O ponto de
informação empírica sobre o fenómeno estudado. A partida da investigação científica são os problemas
objetividade das observações deve ser garantida pelo ou factos-problemas. Para os resolver, o cientista terá
uso de instrumentos e medidas rigorosas. de propor uma explicação provisória – hipótese (ou
2. Formulação da hipótese. A hipótese científica é conjetura): momento criativo da atividade científica,
uma conjetura (hipótese) ousada, baseada na associado à intuição, à imaginação, ao raciocínio
observação, que propõe uma verdade provisória abdutivo (raciocínio criativo) e não à indução.
elaborada com base nas relações e nos dados Perante o problema criam-se hipóteses (ou conjeturas),
recolhidos. A hipótese antecipa, pois, uma possível isto é, uma explicação provisória de um dado fenómeno
generalização. que exige comprovação; possíveis soluções do mesmo.
3. Experimentação. É o momento em que as hipóteses 2. Dedução das consequências. Depois de a hipótese ter
são confrontadas com a experiência. sido formulada, são deduzidas as suas principais
4. Confirmação e generalização. O sucesso dos testes consequências. Ou seja, na prática o cientista procura
e a sua repetição, em condições semelhantes, leva ao prever o que pode acontecer se a sua hipótese ou
experimentador a generalizar os resultados previstos conjetura for verdadeira.
pela hipótese, passando a designar esse facto como 3. Experimentação. Agora será necessário descobrir se as
lei científica. previsões que o cientista fez estão ou não corretas: a
hipótese será testada, confrontada com a
experiência.
- Se for validada pela experiência, a hipótese é
considerada como credível e passará a ser reconhecida
na comunidade científica – teoria corroborada.
- Se não for validada, teremos de a abandonar ou de a
reformular – teoria refutada ou “falseada”

A sua estratégia é criar hipóteses de elevado conteúdo


empírico que possam ser refutadas e não a de procurar
verificar as hipóteses. As leis e as teorias científicas seriam
tanto mais verdadeiras quanto mais resistissem à sua
falsificação.

Página 9 de 10
Página 10 de 10

Você também pode gostar