Armando Neves

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ANDREA PAULA PICHERZKY

ARMANDO NEVES – CHORO NO VIOLÃO PAULISTA

São Paulo, SP
IA - UNESP
Outubro, 2004
ANDREA PAULA PICHERZKY

ARMANDO NEVES – CHORO NO VIOLÃO PAULISTA

Dissertação apresentada ao Programa de


Mestrado em Música do Instituto de Artes
da Universidade Estadual Paulista –
UNESP, como parte dos requisitos para
obtenção do título de Mestre, sob
orientação do Prof. Dr. Alberto T. Ikeda.

São Paulo, SP
IA - UNESP
Outubro, 2004
ii

RESUMO

Este trabalho tem como objeto a vida e a obra do violonista Armando Neves
(1902-1976), o Armandinho, focando sobretudo os seus Choros. O enfoque deste
estudo se dá por meio da contextualização histórica a partir da biografia de
Armandinho, que, tendo chegado a São Paulo em 1919, acompanhou ativamente as
transformações sociais e culturais da cidade, advindas da modernização. Vale
ressaltar que permaneceu em São Paulo durante toda a sua trajetória profissional
prestando seus serviços como chefe de conjunto regional, principalmente para a
Rádio Record (entre 1928 e 1931). Era um músico intuitivo, ou seja, não sabia ler
nem escrever música e dependia de seus amigos músicos como Geraldo Ribeiro,
Vital Medeiros e João Alves Silva, - o Aymoré - para que suas músicas fossem
escritas.
Buscamos nesta pesquisa atingir três objetivos. Em primeiro lugar, a
reconstituição de sua atuação profissional abordando aspectos históricos relevantes
à cidade de São Paulo, a profissionalização dos músicos (cinemas e rádio), os
grupos e músicos que atuaram ao seu lado; em segundo lugar, buscamos destacar
por meio da análise musical de suas composições denominadas Choros, a sua
identidade composicional; e, finalmente, em terceiro lugar a catalogação completa
de sua obra.

Palavras chave: Armando Neves, Armandinho, choro em São Paulo, violão


paulista, Rádio Record, Regional do Armandinho.
iii

ABSTRACT

This work has as its aim the life and work of the acoustic guitar player
Armando Neves, (1902-1976), known as Armandinho, focusing mostly in his Choros.
The focus of this study is achieved through the historical contextualization based on
Armandinho’s biography. Having arrived in São Paulo in 1919, he participated
actively on the social and cultural transformations of the city, supervened from the
modernization. It is worth highlighting that Armandinho did not leave São Paulo
during his entire professional career, working as a chef of a regional group, especially
for Radio Record (between 1928-1931). Armandinho, who was an intuitive musician,
that is, he did not know how to read or write music, depended on his musician friends
such as Geraldo Ribeiro, Vital Medeiros and João Alves Silva, Aymoré, to have his
pieces written.
In this research we tried to tackle three objectives. Firstly, the reconstitution of
his professional performance, tackling historical aspects relevant to the city of São
Paulo, the legal professional status of musicians (cinema and radio), the groups and
musicians who worked with Armandinho; secondly, we tried to highlight, through the
musical analysis of his compositions called Choros, his compositional identity and,
finally, the complete cataloguing of Armadinho’s work.

Key words: Armando Neves, Armandinho, choro in São Paulo, acoustic guitar,
Radio Record, Regional do Armandinho.
SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................................. ii
ABSTRACT.......................................................................................................... iii
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 06
1. ARMANDO NEVES – BIOGRAFIA.................................................................. 12
1.1 O Amador................................................................................................... 12
1.1.1 O futebol........................................................................................... 13
1.1.2 A música........................................................................................... 17
1.1.3 Os primeiros conjuntos e as primeiras atuações radiofônicas........ 19
1.2 O Profissional (1931-1961)....................................................................... 26
1.2.1 A era do Rádio.................................................................................. 26
1.2.2 A Rádio Record: uma breve história................................................. 28
1.2.3 O Primeiro Concurso de Música Brasileira....................................... 32
1.2.4 O artista de rádio na programação e outras apresentações............ 35
1.2.5 Os músicos acompanhadores: caminho para o anonimato............. 47
1.2.6 O movimento da Velha Guarda........................................................ 50
1.2.7 O músico negro................................................................................ 53
1.3 O Compositor........................................................................................... 58
1.3.1 O músico prático.............................................................................. 58
1.3.2 Três fases composicionais.............................................................. 63
1.3.3 Os últimos anos de Armandinho...................................................... 68
2. OS CHOROS................................................................................................... 70
2.1 Choro e Chorões Paulistas....................................................................... 70
2.2 O Violão de Armandinho........................................................................... 74
2.3 O Choro de Armandinho........................................................................... 76
2.3.1 Os choros da década de 1920......................................................... 81
2.3.2 Os choros da década de 1940......................................................... 84
2.3.3 Os choros da década de 1950......................................................... 86
2.3.4 Os choros da década de 1960......................................................... 88
2.3.5 Os choros não datados.................................................................... 97
3. A OBRA COMPLETA - CATALOGAÇÃO....................................................... 100
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 132
ANEXOS............................................................................................................... 136
PARTITURAS DOS CHOROS ANALISADOS
ENTREVISTAS
ICONOGRAFIA
CD COM DEZOITO CHOROS
INTRODUÇÃO

Atuando como professora de música desde 1991, sempre tive como


preocupação a seleção e ampliação de um repertório que abarcasse vários períodos
da história da música, de forma a acrescentar na formação do aluno as várias
linguagens desenvolvidas em cada época. Simultaneamente, dava-se da mesma
forma a minha carreira como instrumentista, porém voltada para a música erudita,
tanto brasileira quanto européia.
Em 1994, iniciei meus estudos em música popular, mais especificamente o
choro, a partir da criação de um grupo de prática instrumental, o grupo Choronas,
que tinha como objetivo principal a pesquisa histórica e musical do choro. A
participação como instrumentista e pesquisadora neste grupo abriu novas
perspectivas na ampliação de repertório: a música popular brasileira original para
violão solo. Iniciei então um processo de coleta e aprofundamento na obra dos
compositores instrumentistas mais conhecidos, como Canhoto, João Pernambuco,
Dilermando Reis e Garoto, e alguns menos conhecidos, como Domingos Semenzato
e Atílio Bernardini.
De todos os autores citados, independentemente da quantidade de obras, foi
possível, com uma certa facilidade, encontrar material editado – partituras e
gravações – disponível para a pesquisa. Porém, algo me chamou a atenção: um
certo violonista, compositor de choros, valsas e maxixes de quem era muito difícil
encontrar partituras editadas. Tudo o que chegava a minhas mãos eram, algumas
vezes, cópias de manuscritos, várias transcrições de uma mesma música, poucas
partituras editadas; gravações, simplesmente não havia. A falta de material, a
qualidade musical das obras, e o fato de, apesar de possuir uma obra relativamente
numerosa, ser um autor pouco conhecido, instigaram-me a pesquisar e conhecer
este violonista: Armando Neves.
Além disso, em um primeiro contato com as obras até então disponíveis, pude
notar elementos musicais que se destacavam e imprimiam um caráter próprio ao
compositor, como, por exemplo, a utilização da sexta corda afinada em Ré1 na
maioria das composições.

1
A afinação usual do violão é com a sexta corda afinada em Mi.
Sendo a música popular – e mais especificadamente o violão na música
popular – ainda um tema pouco focado, alguns trabalhos realizados em outras
universidades compuseram a minha bibliografia básica não só com relação ao
conteúdo, mas também com relação à condução da pesquisa. A tese de Giacomo
Bartoloni “Violão: a imagem que fez escola. São Paulo 1900-1960” trouxe aspectos
culturais e históricos na compreensão da trajetória do violão na cidade; a dissertação
de Gilson Antunes “Américo Jacomino: Canhoto e o desenvolvimento da arte
solística do violão em São Paulo” trouxe aspectos mais próximos ao meu objeto,
principalmente por se tratar de um violonista que, além de ter sido indiretamente o
primeiro incentivador de Armandinho, foi um violonista que atuou nos meios tanto da
música popular quanto da erudita.
Apesar de esta pesquisa não focar a produção violonística de Armando Neves
para conjunto regional, a leitura das dissertações “Baixaria: Análise de um elemento
característico do choro, observado na performance do violão de sete cordas”, de
Josimar Machado Gomes Carneiro, e “O acompanhamento do violão de seis cordas
no Choro a partir de sua visão no conjunto Época de Ouro”, de José Paulo Becker,
foram importantes, pois trouxeram análises e considerações musicais sobre a função
e o desenvolvimento do violão no choro.
Quando iniciei a pesquisa sobre Armando Neves, tive a oportunidade de
conhecer o jornalista José Oswaldo Colibri Vitta que foi um dos fundadores do
“Clube do Choro de São Paulo”, idealizado quando da morte de Armando Neves, em
1976, e inaugurado aos 15 de setembro de 1977. Colibri, como é conhecido,
juntamente com o engenheiro e violonista Gilberto Perigo, e o músico e pesquisador
Olavo Rodrigues Nunes tinham como um dos objetivos, além de divulgar a música
popular, resgatar a vida e a obra de músicos paulistas. O músico escolhido para ser
o primeiro da série foi Armando Neves, que falecera em 1976, e o segundo seria o
violonista Garoto2.
Armando Neves foi amigo pessoal de Olavo Rodrigues Nunes que,
conhecendo a produção musical e preocupando-se com a possibilidade de perda
após a morte do autor, já vinha catalogando suas obras e recolhendo depoimentos
sobre sua vida para uma futura publicação de sua biografia. Como primeiro produto
do Clube do Choro, foram gravadas em Lp doze composições de Armandinho

2
Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955)
interpretadas por vários violonistas (Paulinho da Viola, Paulinho Nogueira, Carlos
Iafelice, Vital Medeiros e Antônio Rago), e também o jornal “Urubu Malandro”, que
no primeiro número traz, além da história do Clube do Choro, uma breve biografia
de Armandinho e as partituras das doze obras gravadas no Lp Armandinho Neves3.
Com a morte de Olavo Rodrigues Nunes, que era músico e o principal pesquisador
do trio, a pesquisa sobre a vida de Armandinho foi interrompida, e todo o material
arquivado foi guardado em uma caixa no arquivo pessoal de Colibri. Com a
dispersão do trio, os projetos do clube tomaram outro rumo que não nos cabe aqui
discutir, e o material nunca mais foi manuseado. Todo esse acervo, porém, foi
disponibilizado para a minha pesquisa em agosto de 2003, possibilitando-me
direcionar a biografia de Armandinho com maior precisão.
Além desse material, foram utilizados também quatro depoimentos de
músicos que conviveram com Armandinho em alguma fase de sua vida: Ronoel
Simões, Geraldo Ribeiro, Antônio Rago e Francisco Araújo. Ronoel foi violonista e
atualmente é possuidor do maior acervo violonístico do Brasil. Armandinho
freqüentava sua casa em reuniões que são realizadas até hoje, nas quais músicos e
apreciadores do violão se reúnem para tocar e ouvir o repertório violonístico. Além
do depoimento colhido em sua casa, dele adquiri o Lp gravado pelo Clube do Choro,
uma cópia em CD de um Lp lançado em 1966 por Geraldo Ribeiro só com obras de
Armandinho, e uma cópia, também em CD, de uma gravação caseira com Geraldo
Ribeiro interpretando outras obras nunca gravadas nem editadas.
Geraldo Ribeiro morou com Armando Neves durante um ano, de 1959 a 1960,
e naquele período passou para o papel grande parte de sua obra. Após esse
período, gravou um Lp só com obras de Armandinho4 e editou as partituras das
músicas gravadas pela Editora Fermata. Geraldo Ribeiro foi, sem dúvida, como
intérprete ou como professor, o grande divulgador das obras de Armandinho, pois
sempre incluía composições deste no repertório de seus alunos.
Antônio Rago, por sua vez, foi integrante do Regional do Armandinho na
Rádio Record, no período entre 1937 e 1939. Sua entrevista contribuiu
principalmente com relação à atuação de Armandinho como chefe de regional. Já
Francisco Araújo, apesar de tê-lo conhecido e freqüentado a sua casa, não conviveu
diretamente com ele, pois era muito jovem. A importância de seu depoimento se deu

3
Armandinho Neves. São Paulo: Bandeirantes Discos, 1978.
4
Geraldo Ribeiro. Em solos de violão. Lp. São Paulo: Fermata Discos, 1970.
principalmente por ter sido aluno de José Alves Silva, conhecido como Aymoré. Este
foi contemporâneo de Armandinho, tendo tocado com ele em várias formações no
decorrer de sua vida; escreveu algumas de suas obras e, mais importante, manteve
viva a memória de quatro músicas que, após a morte de Armandinho e a pedido de
Olavo Nunes Rodrigues, foram gravadas por ele e escritas por Francisco Araújo.
Todas as entrevistas seguiram o mesmo roteiro, abordando aspectos
pessoais entre o entrevistado e Armandinho, e aspectos profissionais e pessoais do
próprio compositor. Algumas informações divergentes entre os entrevistados foram
solucionadas com a abertura do arquivo em posse do Colibri, que neste trabalho
chamaremos de Arquivo Armandinho, como informações sobre data de composição,
título e autoria de transcrições das obras.
O primeiro capítulo trata da contextualização histórica da vida de Armando
Neves, dividindo-a em três partes: o amador, o profissional e o compositor. A
primeira parte refere-se a sua vida até 1929, enquanto dividia seu tempo entre a
música e o futebol, e ainda aos primeiros grupos dos quais fez parte e seus
primeiros incentivadores.
À segunda parte coube principalmente a sua vida profissional na Rádio
Record, entre 1930 e 1960, destacando a importância do Primeiro Concurso de
Música Brasileira, realizado pelo jornal A Gazeta, no qual Armandinho foi
contemplado com o segundo lugar na categoria instrumentista: violão. Enfoco
também os grupos dos quais fez parte, o processo de modernização das
transmissões radiofônicas e da inclusão e função das rádios no cotidiano da cidade;
e, finalmente, uma discussão também sobre o Armandinho instrumentista, uma vez
que, por um lado, nos depoimentos dos entrevistados, foi comum a afirmação que
Armandinho não era solista e, por outro lado, através dos recortes de jornais e
programas de concerto, constatamos que, por um período de sua vida, atuava como
solista e era considerado como tal por importantes músicos que foram seus
contemporâneos.
A terceira parte deste capítulo trata do compositor, na qual abordamos o fato
de Armandinho ter sido um músico exclusivamente prático e as fases de sua
produção como compositor. Buscaram-se suas prováveis influências analisando o
contato com músicos e artistas de várias tendências e estilos, combinado com sua
desenvolvida habilidade auditiva. Abordamos igualmente as parcerias, os músicos
que se preocuparam em transcrever suas composições e, também, a importância de
Geraldo Ribeiro como grande divulgador de sua obra.
A principal fonte utilizada é o arquivo pessoal de Colibri, ou Arquivo
Armandinho, contextualizada a partir da leitura de três obras que formam o eixo
deste capítulo: Orfeu Extático na Metrópole, de Nicolau Sevcenko, Sonoridades
Paulistanas e Metrópole em Sinfonia, de José Geraldo Vinci de Moraes. O Arquivo
Armandinho contém um vasto material que inclui, além de pertences pessoais, mais
de duzentas fotografias, sendo de 1917 a mais antiga; vinte e cinco programas de
concertos; sete recortes de jornais relacionados à sua atuação como jogador de
futebol; cinqüenta itens entre cartas, documentos de familiares e anotações
pessoais; trinta e um documentos pessoais (RG, CIC, Carteira de Trabalho, OMB,
etc.); e, finalmente, cinqüenta recortes de jornais relacionados às suas atividades
como músico.
Armandinho compôs mais de setenta obras entre mazurcas, gavotas, valsas,
prelúdios, cantigas, canções e choros. Algumas delas, principalmente as mazurcas,
prelúdios e gavotas, muito se aproximam de uma linguagem erudita, fato que abriria
uma discussão sobre o erudito e o popular e que foge ao intuito deste trabalho.
Portanto, para fazer um recorte em sua obra, no segundo capítulo nos restringimos à
análise das dezoito composições intituladas “Choro”.
Para tanto dividimos o capítulo em três partes. Na primeira parte,
apresentamos um breve histórico do choro com enfoque em São Paulo, e na
formação dos chorões paulistas. Na segunda parte, abordamos as características
violonísticas de Armando Neves e, finalmente, na terceira parte, identificamos e
destacamos os elementos musicais, harmônicos, rítmicos e melódicos que,
apresentados em ordem cronológica, demonstram a formação de sua identidade
como compositor no decorrer de sua carreira.
O terceiro capítulo é a catalogação das obras em sua totalidade. A principal
fonte foi a catalogação feita por Olavo Nunes Rodrigues, a qual, em sua maioria,
contém informações baseadas em depoimentos do próprio Armandinho, documentos
de sessão de direitos autorais de algumas composições e recortes de jornais. A
catalogação encontrada já apresentava uma organização por gênero: choros,
valsas, prelúdios, canções, gavotas, maxixes, cantigas e mazurcas. Optamos por
manter esta forma de catalogação, porém acrescentamos a esta organização
informações como data de transcrição e comentários baseados nas anotações
pessoais do pesquisador Olavo Rodrigues Nunes. Acrescentamos também o item
obras perdidas, no qual agrupamos as obras das quais não encontramos registros
fonográficos ou impressos, porém foram citadas como composições de sua autoria
em programas de concertos, recortes de jornal e documentos de cessão de direitos
autorais.
As informações contidas nesta catalogação dissolverão a maioria das dúvidas
com relação à data de composição, título, dedicatória, autoria das transcrições,
numeração das obras, parcerias e existência de manuscrito ou cópia.
Finalizando, apresentamos nas considerações finais as conclusões sobre as
questões que permearam a realização deste trabalho. Porque Armandinho nunca
teria saído de São Paulo durante toda sua carreira? Quando e por que se deu a
opção pela atividade como instrumentista acompanhador ao invés do solista? O fato
de ser negro teria influenciado algumas decisões em sua carreira? Quais foram os
pontos positivos e negativos advindos do fato de ele ser um músico exclusivamente
prático? De que forma o fato de ser um músico exclusivamente prático torna-se
presente em suas composições?
Como anexos, apresentamos as transcrições dos depoimentos colhidos para
a realização deste trabalho, um anexo iconográfico com documentos pertencentes
ao Arquivo Armandinho, as partituras dos dezoitos choros analisados e, por fim, um
CD com gravações destes.
Com relação aos depoimentos colhidos, apesar de terem trazido informações
importantes a esta pesquisa, infelizmente o depoimento do violonista Francisco
Araújo não faz parte do anexo, pois, por motivos técnicos, foi impossível a realização
de sua transcrição. A iconografia é composta por uma parte das fotografias e
documentos encontrados no Arquivo Armandinho, e que acreditamos importantes
para complementar as informações presentes no corpo da pesquisa.
Com relação às partituras, optamos por disponibilizar as que serviram de
referência para as gravações e, finalmente, no CD anexo, apresentamos as
gravações dos dezoito choros realizadas por mim no ano de 2004, apresentando a
minha versão interpretativa dos choros de Armandinho.
1. ARMANDO NEVES - BIOGRAFIA

1.1 O Amador

Sobre o início da vida de Armandinho temos poucos registros. As entrevistas


para a realização deste trabalho foram feitas com músicos que conviveram com ele
apenas profissionalmente, e não localizamos nenhum parente que pudesse nos
detalhar alguns fatos e aspectos importantes de sua vida pessoal.
Encontramos uma breve biografia escrita em 1976, por Alberto Rossi, com a
finalidade de constar o nome de Armandinho da Enciclopédia de Música Brasileira.
Ainda em 1976, após a sua morte, um grupo de amigos criou o primeiro Clube do
Choro de São Paulo. Um de seus fundadores e amigo pessoal de Armandinho,
Olavo Rodrigues Nunes de Souza, colheu um depoimento sobre sua vida, o qual
resultou na breve biografia que foi publicada no primeiro jornal do clube, o “Urubu
Malandro”, em agosto de 1978. Encontramos, ainda, alguns recortes de jornal com
breves biografias: Folha de São Paulo, 07 de março de 1977; A Gazeta, 1931 (não
foi possível precisar a datas); e Correio Brasiliense, 29 de março de 1973, que
serviram como base para a tentativa de traçar a sua biografia.
Armandinho nasceu em 28 de novembro de 1902, na cidade de Campinas.
Filho de Alípio Neves, brasileiro, negro, falecido em 1913, e Mathilde Calcone Neves
(1866 – 1944)5, italiana de Padova. Teve vários irmãos e irmãs, dentre os quais seu
grande amigo e companheiro até o final da vida Alípio Neves, nascido em 30 de
julho de 1903 e falecido em 05 de julho de 19756. Até os dezenove anos morou em
Campinas, onde concluiu o curso primário7. Armandinho possuía desde cedo duas
habilidades que o acompanharam na sua jornada profissional: a música e o futebol.
Freqüentava a casa do músico Antônio Paula de Souza8, que já naquela época
escrevia as melodias que Armandinho inventava, tendo também jogado na Ponte
Preta e no Guarani.9

5
Informação obtida no Cemitério do Araçá, em São Paulo, capital.
6
Atestado de Óbito nº 38.292. São Paulo, 06 de julho de 1975. Arquivo Armandinho
7
Carteira de Trabalho de Armando Neves. 09 de setembro de 1940. Arquivo Armandinho.
8
FILHO, Claver. Recorte de jornal sem identificação. 1973.
9
Ibid.
1.1.1 O futebol

Sua paixão pelo futebol o acompanhou por toda a vida. Até 1930,
aproximadamente, Armandinho dividiu suas atividades entre o futebol e a música.
Através dos recortes jornalísticos arquivados por ele, tentaremos trilhar a sua
trajetória como jogador e amante do football, e tecer uma breve contextualização
daquela época.
Conforme explica Sevcenko (1992), com o desdobramento dos avanços
tecnológicos surgiu, ao final dos 1910, uma nova atitude que invadiu o cotidiano do
paulistano, refletindo-se nos seus hábitos e na sua estrutura sociocultural: o culto ao
corpo e a idéia de que a resistência física era extremamente importante para
garantia dos triunfos; o corpo, assim como a sociedade, era vista como uma
máquina que, através do aperfeiçoamento, regulagem e coordenação de seus
maquinismos, poderia melhorar o seu desempenho. (SEVCENKO, 1992, p.48)
Com essa nova mentalidade, vários segmentos da sociedade sofreram
alterações; porém, o que nos interessa neste momento é manter o foco nos
esportes, mais especificamente no futebol.
A paixão pelo movimento, pela velocidade e pelo máximo de energia gerou
um crescimento significativo na prática de esportes e, também, a importação de
novas modalidades atléticas, provocando, inclusive, um crescimento econômico que
girava ao redor dessas atividades. Surgiram também, na mesma época, os primeiros
teóricos da Educação Física, que pensavam e escreviam verdadeiros manuais, com
práticas detalhadas para que o indivíduo pudesse melhorar o seu desempenho
físico. É interessante observar, como nos lembra Sevcenko (1992), que em seus
primórdios a Educação Física estava vinculada ao adestramento animal, indicando
que o objetivo do treinamento era agir sobre o inconsciente, tornando o indivíduo
mais competitivo, rápido e eficiente no seu desempenho.
Associado aos jovens, não só como símbolo de vitalidade, mas também
significando uma ruptura com o Velho Mundo, o esporte virou moda, provocando
alterações no hábito de vestir, de aproveitar os momentos de lazer e de atitudes dos
paulistanos no cotidiano. É interessante observar aqui que o esporte alcançava
todas as classes sociais, vindo a suprir carências de lazer aos menos abastados, e
também proporcionando oportunidades de destaque e um certo nivelamento social,
uma vez que os atletas que se sobressaíam, eram tratados como heróis,
independentemente de sua origem, raça ou classe social. (SEVCENKO, 1992)
O fato de os esportes alcançarem vários setores da sociedade imprime um
marco importante também para a história do futebol, pois a sua prática se populariza
e se amplia ocupando espaços em toda a região metropolitana. Em depoimento a
Ecléa Bosi, o Sr. Amadeu, nascido em 1906, lembra claramente este momento:

Meu tempo de juventude foi muito empregado no esporte; organizava


jogos, escalava os times, dava notícias para a Gazeta. Dirigi o clube
São Cristóvão aí do Brás, composto de vendedores de jornal [...] Nós
pagávamos para jogar, ninguém ganhava; quem perdia chorava,
tinha amor no clube. Eu comecei a jogar com nove anos. Naquele
tempo tinha mais de mil campos de várzea. Na Vila Maria, Canindé,
na Várzea do Glicério, cada um tinha mais ou menos cinqüenta
campos de futebol. Penha, pode pôr cinqüenta campos. Barra Funda,
Lapa, entre 20 e 25 campos. Ipiranga, junto com Vila Prudente, pode
pôr uns cinqüenta campos. Vila Matilde, uns vinte [...] Cada campo
tinha um clube, e quando tinha clube, vinha o progresso. No domingo
vinham duas mil pessoas assistir, e começava o comércio, o
progresso”. (BOSI, 1995. p.137).

Trazido em 1894 pelo inglês Charles Miller, o futebol era inicialmente


praticado pela elite paulistana, como os funcionários de alguns bancos e da São
Paulo Railway Company. Vinci de Moraes nos lembra, em Sonoridades Paulistanas,
que os ingleses tiveram grande participação no processo de metropolização da
cidade através de empresas como a São Paulo Trainway Light and Power, Cia.
Água e Luz, a São Paulo Railway Company, a Cia. City de Desenvolvimento, entre
outras, e foram também grandes incentivadores dos esportes. Em 1900, com a
Fundação do Club Athlético Paulistano, o futebol foi organizado oficialmente e
passou-se a disputar campeonatos. (BRANDÃO , 1996, p. 14).
Durante os primeiros anos do século XX, surgiram clubes, agremiações e
associações que eram mantidas pelos próprios sócios e que, ao final da década de
1910, formaram uma grande coligação esportiva que tinha como principal função
atuar como entidade fomentadora, supervisora e coordenadora de toda a vida
desportiva que surgia na cidade: A Associação Paulista Sports Athléticos.
Dentre todos os esportes, o futebol foi o que mobilizou e atingiu o maior
número de pessoas na cidade, levando multidões inesperadas aos jogos, gerando o
aparecimento de torcidas fiéis e rivais10. (SEVCENKO, 1992, p.58) O futebol atingiu
dimensões políticas com o próprio prefeito de então, Washington Luís (1870 - 1957)
investindo no esporte e criando o primeiro Campeonato Sul-Americano de Football11,
no qual nove entre os onze jogadores da Seleção Brasileira eram paulistas. São
Paulo tornava-se o centro do esporte no Brasil.
Em 1918, ainda em Campinas, Armandinho filiou-se à Associação Paulista
Sports Athléticos, tendo então seu primeiro registro como jogador de futebol amador,
jogando pelo time 1o de Maio Futebol Clube12. Em 28 de abril de 1922, contribuindo
como atleta, foi considerado sócio “isento de mensalidade”, no terceiro aniversário
do Amparo Athlético Club, ano em que foram inaugurados sua sede e o jornal O
Amparo Athlético, “Orgam” dedicado ao Amparo Athlético Club13 .
Até o ano de 1929, Armandinho defendeu vários times paulistas: em 1925,
jogou pelo Santo Amaro Futebol Clube; em 1927, pelo Sport Club Corinthians
Paulista; em 1928, pelo São Bento Futebol Clube. Os jornais da época relatavam e
descreviam os jogos de uma forma que transportava o leitor ao campo;
apresentavam a escalação das equipes, a descrição dos melhores lances e até a
avaliação da arbitragem. Adiante reproduziremos trechos nos quais encontramos
referência aos gols assinalados por Armandinho e à sua atuação que, a nosso ver,
atestam a sua qualidade e eficiência como jogador14.

Santo Amaro Futebol Clube. Armandinho é o terceiro da direita para a esquerda.

10
Em 23 de junho de 1919, Corpus Christi, data que coincidiu com um dos jogos entre o Paulistano e
o Palestra, segundo jornais da época, houve desfalque na presença do público masculino à procissão
devido à sua enorme assistência ao jogo.
11
A final deste campeonato foi disputada entre Brasil e Uruguai, com vitória da seleção brasileira por
1 x 0, resultado este que inspirou Pixinguinha a compor um de seus choros mais famosos: “Um a
Zero”. (CABRAL, 1997, p. 49).
12
Carteira de Identidade. Arquivo Armandinho.
13
Jornal O Amparo Athletico. Amparo: 28 de abril de 1922, número 1.
14
Alguns recortes jornalísticos sobre futebol estão apresentados na integra no anexo iconográfico
deste trabalho.
Nesta foto da equipe do Santo Amaro Futebol Clube, em jogo realizado pelo
Campeonato Municipal de 1925, no campo do Floresta15 podemos notar a presença
de um público numeroso no estádio, atestando a inclusão e crescimento do futebol
como opção de lazer para a população, e, como discutiremos ainda neste capítulo, a
presença de apenas quatro integrantes negros na equipe.
Em 29 de outubro de 192716, foi anunciada a sua estréia pelo Corinthians
contra o Independência (4 x 2), no campo do Palestra, atual estádio da Sociedade
Esportiva Palmeiras: “Como se vê, ocupará a posição de centroavante o jogador
Armandinho, novo elemento do Corinthians, e do qual se dizem maravilhas”.
E, no dia seguinte, o anúncio da vitória17 e, em meio à descrição do jogo, a
referência ao gol de Armandinho: “Os ataques do Independência são realmente mal-
rematados. Ribas chuta na trave e Peres atira fora. Numa escapada, Armandinho
marca o terceiro gol do Corinthians”.
Sua permanência no Corinthians foi curta, pois, em 1928, integrando a equipe
do São Bento, Armandinho marcou o único gol da partida contra o Hespanha, em
partida realizada em Santos18: “Quando só faltavam oito minutos para o término da
peleja, Armando, aproveitando um centro curto da extrema, conquistou o único
ponto para o São Bento”.
Nos dois últimos recortes jornalísticos nos quais encontramos referência ao
“mestre das fintas e arremates”19, Armandinho consta como integrante da equipe do
São Bento, informação que nos sugere ter sido esta, a última agremiação na qual
tivesse atuado antes de se dedicar exclusivamente à música.
Em novembro de 1929, na partida São Bento 5 X 3 Palmeiras: “No início,
Picho, recebendo a bola de Armandinho, escapa e passa a Valeriano, que pratica
diversas fintas, e marca o segundo ponto do São Bento. Depois de vários lances,
Scott recebe um passe de Faria e escapa. Centra depois a Lobo, que por sua vez
entrega depois a Tito, que, com magnífico chute, empata novamente a partida. Logo

15
O campo do Floresta pertenceu ao São Paulo Futebol Clube, e hoje pertence à Portuguesa de
Desportos, levando o nome de Dr. Oswaldo Teixeira Duarte, conhecido como Canindé. (BRANDÃO,
1996, p.14)
16
Recorte de Jornal sem identificação, outubro de 1927. Arquivo Armandinho.
17
Idem.
18
Recorte de Jornal sem identificação, 1928. Arquivo Armandinho.
19
Recorte do jornal A Gazeta, edição de 16 de julho de 1929.
depois, Armandinho escapa e Japonês concede toque na área penal, que redunda
em gol”.20
E, ainda em novembro, a notícia sobre a partida São Bento 3 X 1 Germânia:
“Do São Bento é digno de nota o jogo desenvolvido por Armandinho e Picho, que
com maestria e precisão têm desenvolvido jogo apreciável”.21
Apesar de ter abandonado a carreira futebolística, continuou ligado
informalmente ao futebol22, acompanhando o crescimento do esporte e não
perdendo oportunidades de participar ou assistir a jogos. Como veremos, esta opção
profissional se deu de forma gradativa, uma vez que existem registros de suas
atuações, tanto em conjuntos musicais e eventos artísticos quanto em partidas
futebolísticas, com datas concomitantes. Vejamos como se deu seu ingresso no
ambiente musical paulista.

1.1.2 A música

Segundo o depoimento dado a Olavo Rodrigues Nunes, o fato de ter


conhecido o trio Canhoto – Abigail – Viterbo foi um grande incentivo para se
direcionar à profissão de músico. Este trio estreou em São Paulo, em 1919,
alcançando grande sucesso nos teatros da cidade23. Viterbo Azevedo era folclorista;
Abigail Gonçalvez, uma cantora de apenas dez anos de idade que já despontava por
seu talento; e, ao violão, Américo Jacomino24, “o violão mais original e mais
completo que esta cidade já ouviu, o compositor admirado e applaudido de
“Abysmos de Rosas”.25
Após tê-los visto tocar, Armandinho arrumou um violão em 1920 e procurou
um professor, que, ao invés de incentivá-lo a estudar música, incentivou-o a
continuar seu aperfeiçoamento musical da forma como vinha fazendo até então: “de
ouvido”, através da sua intuição e capacidade de absorver influências musicais. O
violonista Geraldo Ribeiro diz que, até o final da vida, Armandinho tinha a seguinte

20
Recorte de jornal, sem identificação, de novembro 1929. Arquivo Armandinho.
21
Recorte de jornal sem identificação
22
Ver, no anexo, recorte sobre o jogo entre as emissoras e sobre a viagem do trio da Record a
Santos.
23
Recorte de jornal sem identificação. 1931.
24
Américo Jacomino (1884-1928). Conhecido como Canhoto, foi considerado o primeiro violonista
brasileiro de concerto.
25
Recorte de jornal, sem identificação, de 1936. Arquivo Armandinho.
resposta quando indagado se conhecia partitura: “Partitura? Ah, sim, conheço de
vista”.26
Conheceu, então, os irmãos Joaquim e José Matoso, violonistas que atuavam
em cinemas, teatros e circos, e que o auxiliaram no aperfeiçoamento ao
instrumento27. Em 1923, conheceu Gustavinho, violonista que conhecia teoria
musical, e Zezinho, que “tocava de ouvido”, “orelhudo”28, como ele. Zezinho mostrou-
lhe alguns choros, incentivando-o ainda mais ao estudo. O ano de 1923 também
marca sua vida com a estréia profissional: em 10 julho, ao lado de Paraguassu29 e
outros artistas que faziam sucesso, no “Cine Oberdan – o mais confortável do
Brás”.30
Acreditamos ser relevante aqui destacar a importância e o valor do cinema no
início do século XX, pois, assim como os esportes, também sofreu importantes
modificações com a expansão urbana e foi determinante para a
semiprofissionalização dos músicos. Ao final da década de 1910, os aparelhos
cinematográficos progrediram tecnologicamente, tornando-se mais baratos e,
conseqüentemente, passando a ser mais comercializados. Aos poucos, vários
teatros abriram espaço para esses aparelhos, modificando sua programação
exclusivamente para a exibição de filmes, gerando um boom de cinemas por vários
bairros da cidade.(MORAES, 1995, p.178)
Também chamados cine-teatro, suas programações incluíam uma atração
principal, como uma companhia de ópera, teatro de revista ou, mais adiante, no
início da década de 1920, um filme e, nos intervalos, uma programação musical. Por
serem mudos os primeiros filmes exibidos, os cinemas passaram a contratar
músicos para preencher a lacuna do som com música ao vivo. A principal função
destes músicos era preencher o vazio sonoro dos cinemas e o ruído dos projetores,
sendo que, para tanto, não havia repertório definido, deixando a cargo de sua
criatividade a sincronia entre a música e a cena. (MORAES, 1995, p.181).

26
Depoimento de Geraldo Ribeiro, colhido em novembro de 2002, em sua residência, em Tatuí.
27
Dados compilados por Alberto Rossi para a Enciclopédia da Música Popular Brasileira, em 1963.
Arquivo Armandinho.
28
“Orelhudo” é um dos termos usados até hoje para designar as pessoas que, não tendo
familiaridade com a notação musical, tocam apenas “de ouvido”.
29
Roque Ricciardi (1894 - 1976). Paulista, filho de imigrantes italianos, ficou conhecido como
Paraguassu. Cantor de serenatas e violonista, participou das primeiras gravações mecânicas
realizadas no início do século XX e, ao contrário da maioria dos músicos, desenvolveu toda a sua
carreira artística em São Paulo.
30
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In Urubu Malandro. São Paulo, agosto de 1978,
p. 7.
Além dos músicos que acompanhavam os filmes, os cinemas também
contratavam orquestras para tocar em suas salas de espera, hábito que permaneceu
temporariamente quando a tecnologia já possibilitava o cinema falado, ao final da
década de 1920. Tocavam nos cinemas tanto os músicos eruditos quanto os
populares, os profissionais ou os amadores, como Souza Lima (1898-1982),
Camargo Guarnieri (1907-1992), Francisco Mignone (1897-1987), Garoto (1915 -
1955), Canhoto (1889-1928), Armandinho (1902 -1976), Paraguassu (1894 -1976),
entre outros. Com o desenvolvimento do cinema falado, houve uma grande perda de
espaço de profissionalização, e os músicos migraram para outras formas de
sustento, como as rádios, a produção de trilhas sonoras, a indústria do disco,
inaugurando um novo momento na música popular brasileira.
O cinema representou não só uma nova possibilidade de sustento para
muitos músicos, mas também um espaço para demonstrarem e praticarem suas
habilidades. Foi neste espaço que importantes conjuntos musicais, como Os Oito
Batutas, no Rio de Janeiro, e os Chorões Sertanejos, em São Paulo, entre inúmeros
outros, despontaram no cenário da música popular brasileira.

1.1.3 Os primeiros conjuntos e as primeiras atuações radiofônicas

Armandinho, além de competente, adaptava-se bem às rápidas mudanças


advindas da modernização, inserindo-se e atuando cada vez mais no meio musical.
Por volta de 1923, passou a acompanhar Paraguassu em serenatas. Entre 1927 e
1928, integrou o grupo Turunas Paulistas como Rangé, ao lado dos músicos
Alexandre Carrara (Buritama), Manuel dos Santos (Pile), José Sampaio, Benedito
dos Santos (Flor da Faina), Mário Ramos (Ave Céo), José dos Santos (Gama),
Cavalheiro Mulato (Canindé), Domingos Marino (Catolé), Mário Boquiaberta
(Mandinga) e Flores Peçanha, o declamador Plínio de Castro Ferraz e os cantores
Arnaldo Pescuma e Paraguassu. Seus integrantes se vestiam com trajes e
utilizavam pseudônimos sertanejos, assunto que discutiremos adiante. Com este
grupo, apresentou, no dia 08 de maio de 1927, no Teatro Municipal de São Paulo, e
nos dias 20, 21 e 22 do mesmo mês, no Teatro Boa Vista, o espetáculo “Noite
Brasileira”.31 Idealizado por Canhoto, neste espetáculo foram apresentados números

31
“Noites Brasileiras”. 20 de Maio de 1927. Programa cedido pelo pesquisador Gilson Antunes.
de música e curiosidades regionais, indicando existir uma preocupação com relação
ao resgate e divulgação da música brasileira. Este espetáculo “ficou na memória”
dos paulistanos, sendo resgatado por um jornalista quando da segunda colocação
obtida por Armandinho no Primeiro Grande Concurso de Música Brasileira, realizado
em 1931:

Armando Neves, o Armandinho, ou melhor, o Range das Noites


Brasileiras de “Canhoto” [...] os “Turunas Paulistas”, estes foram os
verdadeiros intérpretes das “Noites Brasileiras” de Canhoto; estes
foram os artistas que, em nosso Municipal e no Boa Vista em 1927,
escreveram uma das páginas mais bonitas da história da nossa
música regional, com aqueles programas inesquecíveis de “o que é
nosso”.32

Ainda em 1927, Armandinho iniciou a sua trajetória radiofônica, passando a


compor o quadro de artistas da Rádio Educadora Paulista, exercendo a função de
chefe de regional. Participou de mais dois grupos que atuavam intensamente na
capital e interior: o “Os Oito Turunas” e o “Batutas Paulistanos”. Os nomes dos
grupos citados parecem ter sido influenciados por grupos que passavam por São
Paulo trazendo novas músicas e idéias: “Os Turunas Pernambucanos”, “Os Turunas
da Mauricéia”, de Pernambuco, e, principalmente, “Os Oito Batutas”33, do Rio de
Janeiro.
Este grupo criado em 1919 no Rio de Janeiro, e tendo componentes músicos
como Pixinguinha e Donga, excursionou pelo Brasil entre 1919 e 1922, e foi o
primeiro grupo brasileiro a levar para a Europa, em 1922, um repertório puramente
brasileiro, com choros, maxixes, lundus, canções sertanejas, corta-jacas e batuques.
Vale ressaltar, aqui, a importância dos integrantes do conjunto na gênese de um
gênero musical que se tornaria um símbolo da música brasileira, o samba.
Musicalmente bastante semelhante ao maxixe, o samba era praticado pelas
comunidades negras dos morros do Rio de Janeiro.

32
Grande Concurso de Música Brasileira. Recorte de jornal, sem identificação, de 27 de março de
1931.
33
Os Oito Batutas. No ano de 1919, havia uma orquestra que tocava no Cinema Palais, no centro do
Rio de Janeiro. O cinema passava por problemas financeiros, tendo sido necessária, a mando de seu
gerente, Isaac Frankel, a redução do número de músicos que compunham o conjunto que lá se
apresentava. Os componentes que ficaram foram: Alfredo da Rocha Viana, conhecido como
Pixinguinha, seu irmão, Osvaldo Viana, o China, Ernesto dos Santos, o Donga, Raul Palmieri, Nelson
Alves, José Alves Luis Silva e Jacob Palmieri. O grupo, apelidado de Os Oito Batutas pelo próprio
gerente, Isaac Frankel, logo começou a tocar em vários cinemas do Rio de Janeiro e, em poucos
meses, começaram a viajar pelo país.
Naquele tempo [1920] não havia clubes dançantes. Os bailes eram
feitos em casa de família. Em casa de preto a festa era na base do
choro e do samba. Numa festa de preto havia o baile mais civilizado
na sala de visitas, o samba na sala do fundo e a batucada no terreiro.
A maioria dos sambistas e dos chorões era de cor. Branco quase não
havia”. (PEREIRA, 2001 p. 221)

Não há dúvida de que este grupo, Os Oito Batutas, teve suma importância na
divulgação e valorização da música popular brasileira; porém, o que nos interessa
aqui é conhecer alguns grupos que acreditamos terem sido formados sob sua
influência. Em 1921, surgiu em Recife o grupo “Turunas Pernambucanos”, que tinha
como componentes: Severino Rangel (Ratinho) ao saxofone; José Calazans
(Jararaca) ao violão e canto; Cipriano Silva ao violão; Robson Florence
(Sapequinha) ao cavaquinho; Aldemar Adour (Cobrinha) pandeiro e ganzá; Artur
Costa (Sabiá) reco-reco e canto e Romualdo Miranda (Bronzeado) ao violão.
Estrearam no Rio de Janeiro, também no cinema Palais, em 1922, e no seu
repertório traziam “músicas do norte, caboclos brasileiros, cantigas do sertão,
emboladas e desafios”. A partir de então, João Pernambuco34 ao violão, Jacob
Palmieri (Jandaia) ao pandeiro e Felinto de Moraes (Caxangá), também ao violão,
passam a integrar o conjunto.
Em 1927, mais um grupo vindo do norte, os “Turunas da Mauricéia”,
apresenta-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, trazendo novamente emboladas e
canções sertanejas e tendo como integrantes Romualdo Miranda, João Frazão e
Manuel Lima aos violões, Augusto Calheiros ao canto, João (Luperce) Miranda ao
bandolim, com os respectivos apelidos: Patativa do Norte, Riachão, Guajurema,
Piriquito e Bronzeado. Além do repertório, a forma de se vestirem e o uso de
apelidos relacionados com a vida sertaneja foram logo incorporados pelo violonista
paulista Américo Jacomino na criação do grupo “Os Oito Turunas”, e pelo próprio
Armandinho na criação dos “Chorões Sertanejos”, em 192735. É interessante
observar ainda a semelhança entre os nomes dos conjuntos ao utilizarem os termos
“Turunas” e “Batutas”. A utilização desses termos, que são sinônimos e significam

34
Sobre o ingresso de João Pernambuco no conjunto “Os Oito Batutas” ver: CABRAL, Sergio.
Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997, p. 51.
35
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In: Urubu Malandro, Caderno do Clube do Choro
de São Paulo. 1978. p.11.
“negro valente” e “valentão”36, respectivamente, leva-nos a crer em uma certa
competição musical entre os estados.
Já o grupo “Chorões Sertanejos”, criado por Armandinho em conjunto com
Raul Torres (1906-1970), também se apresentava com trajes típicos; porém, ao
acrescentar ao nome o termo “Chorões”, demonstrava uma mescla entre a música
urbana e a música sertaneja. O grupo, que teve como primeiros integrantes Raul
Torres –“Bico Doce”; Antônio Del Bagno –“Nho Lao”; José Alves da Silva (Aymoré) –
“Ranzinza”; Armando Neves –“Lampeão”; e Arthur Santana (Azulão), permaneceu
em atividade até 1931, coincidindo o seu término com o avanço do cinema falado já
referido anteriormente.

Os Chorões Sertanejos, em foto da década de 1920.


Da esquerda para a direita: Armando Neves (Lampeão); Arthur
Santana (Azulão); Antônio Del Bagno (Nho Lao); José Alves da
Silva -Aymoré- (Ranzinza); Raul Torres (Bico Doce).

Com este grupo, Armandinho atuou em praticamente todos os cinemas da


cidade, chegando a gravar algumas músicas pelo selo Parlophon37. Até o seu
término, o conjunto sofreu algumas alterações, passando a fazer parte dele músicos

36
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
37
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In: Urubu Malandro,Ccaderno do Clube do Choro
de São Paulo. 1978. p. 8.
que despontaram no cenário da música popular, como Garoto (Aníbal Augusto
Sardinha), ao cavaquinho, e Attilio Grany, à flauta, que integraram o conjunto em
193038 com os pseudônimos “Moleque” e “Canário”, respectivamente. Vale ressaltar
que o contato entre Garoto e José Alves Silva, ou Aymoré, como ficou conhecido,
gerou uma das duplas mais ativas das rádios brasileiras na década de 1930.
Como nos lembra o pesquisador Pereira (2001), o repertório executado pelo
grupo, uma mescla entre músicas identificadas com fontes culturais estrangeiras
(valsas e polcas), ritmos nordestinos (que exploravam temas e assuntos quase
sempre em oposição à cidade, como cocos e emboladas) e, finalmente, músicas
identificadas com a tradição negra da cultura brasileira (como o maxixe), era um
reflexo claro do momento vivido pela música brasileira em meio ao crescimento
urbano e aos avanços tecnológicos:

Em São Paulo e no Rio, até a década de 1930, assistiu-se à música


e aos elementos culturais a ela mais diretamente ligados
transformarem-se em foco de resistência de valores ruralistas e em
mensagens do nosso sertão. Durante todo esse período, nos palcos
cariocas (e paulistas) e depois até mesmo na rádio, falar como
sertanejo, cantar e versejar como sertanejo vestir-se e usar
pseudônimos sertanejos eram mais do que moda, pois se tornara
uma imposição aos interpretes e criadores, na medida em que esta
volta para o sertão era um retorno estimulante e estimulado às fontes
de brasilidade, descaracterizadas pela vida urbana”. (PEREIRA.
2001. p. 192)

O texto da música de Armandinho, Flor da Saudade (+1930), retrata bem a


temática sertaneja à qual nos referimos.
Flor da Saudade -1931.
Parte A Parte B
Lá na roça eu conheci Você não olha mais pra mim
Uma caboca maneirosa Não sei por que não sei não
Lá num vale, um bem-te-vi Vou matar o bem-te-vi
Derrubava a flor cheirosa Que não tem mais coração
Foi na sombra do ingazeiro Bem-te-vi não cante assim
Que a caboca me contou Não derrube flor cheirosa
Que era mesmo um cativeiro Não zombe mais de mim
Amarrada pelo amor Nem da caboca maneirosa.

38
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. p
59.
Apesar de composta em 1931 e executada pelo próprio Armandinho em
programas radiofônicos no mesmo período, não sabemos ao certo qual teria sido o
gênero desta composição. A única gravação encontrada foi realizada pela dupla
Cascatinha e Inhana39, provavelmente na década de 1950, quando estes
ingressaram na Rádio Record. Classificada como “Toada-Baião”, e apresentada em
compasso binário.
A Parte A é apresentada como um lamento acompanhado por violões,
cavaquinho e acordeom, em contraste com a Parte B, na qual são inseridos
instrumentos de percussão fazendo a marcação típica do baião. Esta observação se
dá pelo fato de o gênero baião ter se popularizado com a vinda do sanfoneiro Luiz
Gonzaga no final da década 1940, abrindo a possibilidade de alteração no gênero
original da música quando de sua gravação.
Em 1928, Armandinho passou a atuar na Rádio Record, integrando o grupo
regional ao lado de Barreto, Pinheirinho (cavaquinho) e Nestor (violão tenor). Vale
lembrar que o fato de participarem como artistas nas emissoras radiofônicas
propiciava aos músicos a possibilidade de representá-las atuando em teatros e
outros espaços de entretenimento, e também se apresentava como uma real
possibilidade de profissionalização. Em fevereiro do mesmo ano, aconteceu no
Theatro Boa Vista uma apresentação do “Cocktail Bandeirante”, um conjunto de
variedades integrado por artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, e tendo como
atração especial a cantora Adelina Fernandez – A rainha do fado português e seus
famosos guitarristas. Em nota no jornal se lê: “Do conjunto fazem parte Barreto,
Armandinho, Pinheirinho e Nestor, o famoso quartetto da Record”.40
No período de 17 de fevereiro a 04 de março de 1928, foi confiada ao
violonista Canhoto a tarefa de organizar uma Orquestra Típica, de instrumentos de
cordas, constituída por músicos de São Paulo, para se apresentar no Salão de
Automóveis da empresa automotiva General Motors, evento este realizado no Cine
Odeon. Não sabemos qual foi o repertório executado por este grupo, porém não
resta dúvida sobre a importância de seu registro em fotografia, na qual podemos,
além de apontar a quantidade de músicos paulistas reunidos, identificar outros
tantos que se destacariam no cenário artístico brasileiro.

39
Cascatinha e Inhana: Francisco dos Santos, o Cascatinha - Araraquara, SP - 20/4/1919 - São José do Rio
Preto, SP - 14/3/1996. Ana Eufrosina da Silva Santos, a Inhana - Araras, SP - 28/3/1923 - São Paulo, SP -
11/6/1981
40
Recorte de jornal, sem identificação, fevereiro de 1928. Arquivo Armandinho.
41
Armandinho é o quarto da direita para a esquerda e Garoto , com apenas doze anos, é o quinto na
42
primeira fileira e na mesma direção, e Zezinho , o futuro Zé Carioca, é o sétimo.

Em dezembro do mesmo ano, apesar de ainda não estar registrado


legalmente na emissora, o que viria a acontecer apenas em 1931, Armandinho foi
presenteado pelos diretores da Rádio Record com um violão da marca Del Vecchio,
em consideração ao fato de ser o elemento mais antigo do regional da rádio e um
propagandista da música brasileira.
Como referimos anteriormente, Armandinho aproveitou as oportunidades
surgidas para atuar em atividades as quais dominava, o futebol e a música. Estas
atividades, porém, não lhe davam a estabilidade financeira para sobreviver.

41
Aníbal Augusto Sardinha. (1915-1955) Paulista, conhecido como Moleque, Moleque do Banjo e
finalmente Garoto, por ter começado sua carreira desde menino, aos 11 anos. Foi um virtuose,
dominando todos os instrumentos de cordas dedilhadas. Atuou junto ao Bando da Lua e Carmem
Miranda na década de 1940, e é considerado por muitos o compositor precursor da bossa nova.
42
José Patrocínio de Oliveira (1/02/1904 -22/12/1987) Natural de Jundiaí, integrou o elenco de
artistas da Record, tendo tocado ao lado de Armandinho no Trio da Record e no Regional do
Armandinho. Na década de 1940 partiu para os Estados Unidos, tendo participado de filmes e
programas radiofônicos. Ficou conhecido como Zé Carioca por ter inspirado o produtor Walt Disney
na criação do personagem de histórias em quadrinho.
Segundo Olavo Rodrigues Nunes, ainda em 1927, Armandinho teria sido empregado
como funcionário público municipal e, apesar de não ser possível precisar
exatamente a data de sua contratação, sabemos que exerceu o cargo de Fiscal
Sanitário na carreira de “servente-contínuo-porteiro” até 1955, quando se aposentou
por “antiguidade”.43
Como veremos adiante neste capítulo, uma grande parte dos instrumentistas
atuantes nas emissoras radiofônicas mantinha uma profissão paralela como forma
de complementar a renda mensal, uma vez que apenas as atividades musicais não
eram suficientes para tal. Com Armandinho não foi diferente, e acreditamos que sua
atuação como funcionário público lhe serviu de suporte para que, uma vez
completamente integrado à vida artística paulistana, pudesse se dedicar à sua
carreira como músico.

1.2. O Profissional (1931-1961)

A década de 1930 representa um período de grandes transformações na vida


de Armandinho. Dois fatos nos servirão de apoio: a inauguração da Rádio Record e
sua influência na vida de Armandinho, e a realização do Primeiro Concurso de
Música Brasileira.

1.2.1. A era do Rádio

Na década de 1920, havia quatro emissoras atuando na cidade de São Paulo:


a Rádio Educadora Paulista, que iniciou suas atividades oficialmente44 em fevereiro
de 1924; a Rádio Club Paulista, fundada em 18 de junho de 1924, a Rádio Record,
fundada em 1928; e finalmente a Rádio Cruzeiro do Sul, fundada em 1929
(MORAES, 2000, p.62).
Naquele período, assim como no futebol na década anterior, as rádios
funcionavam como associações nas quais os indivíduos participavam pagando uma
mensalidade e reunindo-se para ouvir as emissoras ao redor de um aparelho.
Seguindo a idéia inicial de Roquete Pinto, de “fazer das emissoras veículo de

43
Termo usado no documento de aposentadoria. Arquivo Armandinho.
44
TOTA, Antônio Pedro. A locomotiva no ar – rádio e modernidade em São Paulo. 1924 – 1934. São
Paulo: Secretaria da Cultura/PW, 1990, p 27. Segundo o autor, em 30 de novembro 1923 a Rádio
Educadora Paulista já havia iniciado suas transmissões.
divulgação cultural e de educação”, a primeira rádio paulista, Sociedade Rádio
Educadora Paulista, foi criada com o propósito de “educar o povo sob o ponto de
vista artístico intellectual e cívico por meio da radiotelephonia”. (MORAES, 2000, p.
50)
Havia uma legislação45 que proibia a veiculação de qualquer tipo de
propaganda, o que fazia com que as rádios dependessem exclusivamente do
recurso financeiro das mensalidades de seus contribuintes, restringindo, portanto, a
prática do rádioamadorismo às pessoas de posse, ou seja, novamente como o
futebol em seus primórdios, era uma prática da elite paulista, possível apenas para
pessoas com uma certa condição financeira.
Sem qualquer intuito comercial, as rádios, mantidas por estas associações ou
clubes, alternavam horários de emissão das programações para não estabelecer
concorrência entre si. Os músicos, técnicos e artistas que trabalhavam nas rádios
eram, em sua maioria, amadores e não recebiam dinheiro para executar suas
funções. Como observamos no depoimento abaixo, alguns músicos usavam
pseudônimos para não serem confundidos com profissionais ou, em alguns casos,
para não serem relacionados à música popular.

Comecei a compor e a cantar em 1928, formando um conjunto só de


brancos. Usei pseudônimo porque tinha vergonha de ver meu nome
relacionado ao samba e à música popular. (ALMIRANTE, 1963, p.
63)

Naquele momento, final dos anos 1920, o rádio não sendo ainda um veículo
de comunicação de massas, não era utilizado de forma individual, mas sobretudo de
modo coletivo no espaço privado das famílias e amigos, ou em praças e festas.
A partir de 1930, houve uma transformação importante no perfil das rádios,
pois de educativas passaram a ter um caráter comercial, cujo novo lema era distrair.
Com os novos avanços tecnológicos, os rádios diminuíram de tamanho e se
tornaram mais acessíveis, adentrando a residência da população paulista46 e
iniciando a sua progressiva transformação em veículo de comunicação de massa.
Esses fatores propiciaram um aumento no número de ouvintes, estimulando o

45
Decreto nº 16.657, de 05 de novembro de 1924: normas para a prática da telefonia sem fio por
sociedades civis sem fins lucrativos, sendo proibida a veiculação de publicidade. [TOTA, 1990, p. 35).
46
Apenas na década de 1940 as rádios se tornaram mais acessíveis economicamente a outros
estados além de São Paulo e Rio de Janeiro. (CALDAS, 1995, p. 60)
crescimento da indústria radiofônica que, para manter e atrair novos ouvintes,
passou a diversificar a sua programação.
Em conjunto com essa diversificação, tornou-se necessária a
profissionalização dos músicos e artistas que trabalhavam nas rádios. Assim como
ocorreu no futebol, o rádio passou a ser usufruído pela população de baixa renda.
(PEREIRA, 2001, p. 61) Os programas de auditório, realizados no início em
pequenas salas e ao final dos anos 1930 em grandes auditórios, começaram a
tomar forma, atraindo e ampliando ainda mais o contato com novos ouvintes.
Todo esse movimento estimulou o surgimento de outras rádios em meados da
década de 1930, como a Rádio Kosmos (1934), a Rádio Difusora (1934), a Rádio
Excelsior (1934), a Rádio São Paulo (1934), a Rádio Cultura (1934) e a Rádio Tupi
(1937).
Faremos aqui um recorte que julgamos imprescindível para situar
Armandinho.

1.2.2 A Rádio Record: uma breve história

Fundada em 1928 por Álvaro Liberato de Macedo, a Rádio Record foi


comprada, em 1931, por Paulo Machado de Carvalho, que alterou o rumo da rádio,
direcionando-a para um lado mais comercial e popular. (MORAES, 2000, p. 62) Com
o intuito de aproximar da emissora novos ouvintes e torná-la mais popular, a primeira
alteração que se fez notar foi mudança na linguagem dos locutores, ou seja, a forma
como se dirigiam aos ouvintes. Utilizando um linguajar menos formal e mais próximo
do cotidiano, ao invés de se referirem ao ouvinte como “vossa excelência”,
passaram a chamá-lo de “você” e “amigos ouvintes”. Essa nova forma de tratá-los
estimulou e abriu possibilidades para que os ouvintes se aproximassem, sugerindo,
inclusive, alterações na programação através de cartas e telefonemas. Outra
transformação significativa foi aplicada nos moldes dos programas, que passaram a
ser mais curtos e variados, dirigidos a várias comunidades de imigrantes e,
principalmente, incluíam cada vez mais a música popular brasileira.
Em 1932, um fato que modificou profundamente o foco financeiro das
emissoras, refletindo-se diretamente na sua relação com os ouvintes, foi o
surgimento da legislação referente à publicidade radiofônica, a partir da qual o elo
“emissora-ouvinte" passou a contar com um terceiro elemento, o “anunciante”. As
emissoras, não dependendo mais das associações e dos clubes, passaram a ter
como objetivo principal o aumento de audiência, visando, inclusive, a um retorno
financeiro para o seu anunciante, cumprindo, a partir de então, a função de veículo
comercial. (CALDAS, 1995, p. 54)
Com esse novo recurso financeiro injetado pelos anunciantes, as emissoras
passam a ter a possibilidade de contratar músicos e artistas, passando a compor
seus castings fixos de conjuntos regionais, pequenas e grandes orquestras,
regentes e cantores. Novamente a Rádio Record deu o primeiro passo, tendo sido a
primeira emissora a formar uma equipe de artistas permanentes, sempre disponíveis
para preencher a programação. São dessa época os cantores Vassourinha, Arnaldo
Pescuma, a dupla sertaneja Alvarenga e Ranchinho, entre outros. (CALDAS, 1995,
p. 57)
Ainda em 1932, durante a Revolução Constitucionalista, os diretores da
Record organizaram a primeira cadeia de emissoras do país com a Rádio Cruzeiro
do Sul, a Rádio Educadora e a Rádio São Paulo, no intuito de irradiarem as notícias
da revolução em primeira mão, levando à projeção da rádio paulista por todo o
Brasil, ampliando ainda mais seus ouvintes.
À medida que se dava essa ampliação, surgia a necessidade de novas
instalações para suprir o número crescente de ouvintes participantes dos programas
de auditório. É interessante observar um fato que confirma o caráter diferenciado da
Rádio Record com relação às emissoras paulistas naquele período. Em sendo uma
fase de aproximação com o povo, as rádios cariocas transformavam seus espaços
físicos de forma que pudessem direcionar seus programas para as grandes
camadas, trazendo o povo para seus espetáculos.
Já, em São Paulo, a preocupação era a de manter salas luxuosas, buscando
atrair principalmente a elite paulista. (TINHORÃO, 1981, p. 52) Diferentemente das
rádios paulistas em geral, a Rádio Record seguiu a mentalidade carioca ao alugar,
em 1940, o salão do Hotel Esplanada para realizar seus programas de auditório,
atraindo principalmente as camadas mais populares para sua programação.
Esses programas de auditório, além de aproximarem o público de seus
artistas preferidos, estimulavam a popularização da música brasileira, uma vez que
os cantores gravavam e vendiam a música popular brasileira, conforme explica
Caldas: “[...] o rádio e a música popular brasileira estão para os anos trinta e
quarenta assim como a novela das oito está para a década de 1980 e 1990”.
(CALDAS, 1995, p. 59)
A concorrência tornou-se cada vez mais acirrada, obrigando o empresário
Paulo Machado de Carvalho a comprar, em 1944, as rádios São Paulo e
Bandeirantes, e a Pan-Americana, em 1945, e, unindo-as à Record, formar o Grupo
Emissoras Unidas. Com esta união, que fazia frente ao Grupo Emissoras
Associadas, formadas pelas rádios Tupi e Difusora, novos programas eram criados e
distribuídos entre as emissoras que mantinham um caráter específico de
programação (CAMPOS, 2004).
A Rádio Pan-Americana, por exemplo, tinha a programação dedicada aos
esportes, a Rádio São Paulo era especializada em novelas e a Rádio Record
mantinha a sua programação dedicada ao lazer do ouvinte, com programas
humorísticos e, principalmente, musicais, divulgando cartazes e lançando novos
conjuntos musicais.
A partir desta união, a Record conseguiu se manter em primeiro lugar no
ranking como “A Maior”; porém, essa situação começou a mudar de figura no início
da década de 1950 com a inauguração das emissoras de televisão, inaugurando um
período de instabilidade geral para todos os profissionais das rádios.
A TV Record, inaugurada em 27 de setembro de 1953, passou a ser o foco de
atenção de seus proprietários, que nela injetaram todos os esforços em alcançar as
pioneiras TV Tupi (inaugurada em 18 de setembro de 1950 e a TV Paulista, em 14
de março de 1952). Ao contrário do que pensava a maioria dos artistas da rádio, a
TV buscava, em seu início, incluir em sua programação novos atrativos; porém, sem
aproveitar o elenco de artistas radiofônicos. Armandinho, por exemplo, apenas em
1956 foi chamado a participar do programa semanal Retrato Musical do Brasil47.
Mais uma vez, agora com o intuito de conter o inevitável declínio de audiência,
a Rádio Record inaugurou novos programas, porém buscando atingir diretamente o
sentimento dos ouvintes, abordando temas realistas, como a denúncia do
preconceito racial, a desigualdade, a fome, o desemprego e a criminalidade.
Programas como “A aurora sem destino”, no qual o diretor do Abrigo de Menores
narraria histórias de crianças abandonadas, afetavam diretamente a maioria da
população.

47
7 dias na Tv. Semana de 2 a 8 de janeiro de 1956. Ano IV n 175. Arquivo Armandinho.
Ainda assim, perdendo a concorrência para as emissoras televisivas, em 1959,
a Record fecharia as portas do estúdio, transferindo seus microfones para o prédio
da TV Record. (CAMPOS, 2004, p. 308)
Em vista da grande rotação de músicos e conjuntos entre as rádios
componentes das Emissoras Unidas, a permanência de Armandinho frente ao
Regional da Record o tornara conhecido como “o mais antigo da emissora”, tendo
sido homenageado quando do aniversário desta, em 1947, conforme carta a seguir:

Carta das Emissoras Unidas – Arquivo Armandinho


Apesar de compor o quadro de artistas da Record desde 1928, apenas em 16
de outubro de 1930 Armandinho obteve um primeiro registro oficial, expedido pelo
Gabinete de Investigações de São Paulo, que o reconhecia como empregado da
Rádio Record, onde trabalhava até “as 23h00 mais ou menos”.48 Participava
intensamente da programação, inclusive em irradiações pioneiras, como o programa
em homenagem a João Pernambuco49 transmitido em 1929, no qual, apresentando
mais uma faceta de seu ineditismo, a emissora teria deixado o microfone aberto
durante todo o programa. Neste, com duração de duas horas, foram apresentados
solos de João Pernambuco, canções de Catulo da Paixão Cearense, anedotas
caipiras, “enfim, tudo quanto se refere a uma reunião de rapazes50”. Do programa
participaram, além do convidado, alguns músicos da Rádio Record, dentre os quais
O grupo “Os Três Sostenidos”, composto por José Mello, Theotonio Corrêa e João
Avelino, o cantor Arnaldo Pescuma, Barreto e Paraguassu.
Antes de adentrarmos em suas atividades como artista da rádio, abordaremos
o Primeiro Concurso de Música Brasileira, um marco na vida profissional de
Armandinho.

1.2.3 O Primeiro Concurso de Música Brasileira

Entre os meses de março e maio de 1931, a Rádio Educadora, em conjunto


com o jornal A Gazeta, elaborou o Primeiro Concurso de Música Brasileira, evento
este que, a nosso ver, influenciou profundamente o cotidiano das rádios, dos
ouvintes e, principalmente, dos próprios artistas a ele concorrentes.
Segundo as regras do concurso, seu objetivo era promover a divulgação de
músicos paulistas oferecendo aos vencedores, além de um prêmio em dinheiro,
talvez o de maior importância, a firmação de um contrato anual com a Rádio
Educadora, ou seja, a profissionalização.

48
Documento de Identidade. Arquivo Armandinho.
49
João Teixeira Guimarães (1883-1947). Violonista pernambucano, atuou como integrante do
conjunto Os Oito Batutas em 1922 e, como compositor, deixou uma obra significativa para violão solo
composta de choros, maxixes e outros gêneros da música popular brasileira.
50
Rádio Sociedade Record. Jornal s/ identificação.São Paulo, Dezembro de 1929. Arquivo
Armandinho.
Vejamos o regimento do concurso:

Bases e prêmios do Grande Concurso de Música Brasileira.


O presente certamen será regido pelas seguintes disposições:
a. Os concorrentes poderão ser de ambos os sexos.
b. Poderão pertencer a qualquer sociedade musical.
c. Serão brasileiros domiciliados no estado de São Paulo.
d. Ao alcançarem o número de mil votos ficam na obrigação de
tomar parte em uma irradiação da PRAE para sua melhor
identificação com o grande público.
e. Para efeito deste concurso, fica a música popular classificada
em música “lieder” (canções, etc.) e músicas regionaes (sambas,
maxixes, etc.) havendo um vencedor para cada classe.
f. O presente concurso extende-se por todo o estado de São
Paulo e a elle poderão concorrer amadores e profissionais.
g. Este concurso encerrar-se-á no dia 30 de Abril vindouro.

A Rádio Educadora firmará com os intérpretes vencedores um


contrato anual, que constará de uma irradiação por semana,
podendo os mesmos, em grupo, ou separadamente, firmarem os
contratos que quiserem com as sociedades de música, rádios ou
discos do paíz e independente de qualquer compromisso. Aos
compositores a Rádio dará uma lembrança de 1.000$000, que será
oferecida a cada um dos vencedores51.

Não podemos esquecer que a maioria dos músicos, profissionais ou não,


pertencia às sociedades musicais e que, se para eles o concurso se apresentava
como possibilidade de profissionalização, para as emissoras representava a
oportunidade de descobrir instrumentistas, cantores e compositores que pudessem
compor seus quadros artísticos, prática unânime entre as emissoras nos anos
seguintes. Além disso, o concurso estreitou e ampliou a relação entre os ouvintes e
a emissora, uma vez que estes participavam ativamente, manifestando o seu voto
por meio de cartas e acompanhando a contagem de votos publicada diariamente no
jornal. Também era através do jornal que os ouvintes se manifestavam dando
opiniões sobre o concurso e sobre a situação da música brasileira, como o seguinte
comentário:

É simplesmente grandiosa a acção benéfica desse jornal, com


respeito às musicas nacionaes, e creia que, até hoje, vivemos na
mais completa obscuridade, cultivando somente peças alheias, isto
é, obras estrangeiras, tangos e fox-trots.52

51
Bases e prêmios do Grande Concurso de Música Brasileira. A Gazeta. Março, 1931. Arquivo
Armandinho.
52
Grande prêmio de música brasileira. A Gazeta. Março ou Abril, 1931. Arquivo Armandinho.
As categorias musicais existentes no concurso e a quantidade de
concorrentes nos mostram a amplitude do movimento musical na cidade no início da
década de 1930. Estas incluíam: violino, piano, bandolim, clarineta, bateria, flauta,
saxofone, violão, trombone de vara, piston, banjo, cavaquinho, cantor de músicas
lieder53, cantor de músicas populares, cantora de músicas populares, declamadores,
declamadoras, compositores lieder e compositores populares.
Lembrando ser este um período de transição profissional para os artistas que
até então atuavam em cinemas e teatros, não temos dúvida de que o referido
concurso foi de extrema importância tanto para músicos já experientes quanto para
os amadores em busca de oportunidades profissionais. Como dependiam dos votos
dos ouvintes, os artistas que já atuavam na cidade na década de 1920, portanto já
conhecidos do público, figuravam como candidatos já nas primeiras contagens de
votos, como os cantores Raul Torres, Pilé, Paraguassu e Barreto, e os violonistas
Armandinho e Larosa Sobrinho. Entre os músicos mais jovens, encontramos o nome
de Garoto, com apenas 16 anos de idade, concorrendo ao lado de Zezinho
(companheiro de Armandinho na Record entre 1937 e 1939) na categoria banjo. É
interessante notar, também, que os músicos podiam concorrer nas várias categorias
em que atuavam, como Nabor Pires Camargo (1902-1996), clarinete e compositor
de músicas populares, e Vicente de Lima, flauta e compositor de lieder.
Além da contagem de votos ser publicada diariamente no jornal A Gazeta,
breves biografias dos músicos que se mantinham entre os primeiros colocados eram
publicadas dias antes da apuração final54, aumentando ainda mais seu prestígio
perante o público. O número de votos atesta a adesão de sua participação no
concurso - o compositor Sivan, um dos recordistas de votos, iniciou o concurso com
menos de 2.000 votos e terminou somando mais de 140.000 votos. Armandinho,
sempre entre os primeiros colocados na categoria violão, iniciou o concurso também
com menos de 2.000 votos, alcançando mais de 40.000 ao final, obtendo a segunda
colocação.
Na apuração final, publicada em 09 de maio de 1931 pelo jornal A Gazeta,
foram formados o Primeiro e o Segundo Conjunto Artístico Paulistano, compostos,

53
Apesar de estar relacionada à música alemã, no Brasil e na época em questão, o termo lieder era
utilizado para designar canções de caráter erudito, como trechos de óperas, diferenciando-as das
canções populares.
54
A biografia de Armandinho foi publicada em 27 de março de 1931. Jornal A Gazeta. Ver anexo
iconográfico.
respectivamente, pelos primeiros e segundos “azes paulistas da música brasileira”,
como segue:
Categorias Primeiro Conjunto Segundo Conjunto
Artístico Paulistano Artístico Paulistano

Violino Alberto Marino Ernesto Trepiccioni


Piano Odmar Amaral Gurgel Gaó) Norberto Bastos
Flauta Salvador Cortese Vicente de Lima
Saxofone José da Silva Pecci
Violão Larosa Sobrinho Armandinho
Trombone José Nicollini José Magalhães
Piston Clóvis J. Serafini
Banjo Zezinho Luiz Buono
Cavaquinho Pinheirinho Cyro Lima
Bandolim Cárdia Leôncio Carvalho
Clarinete Nabor Pires Camargo Luis Argento
Bateria José Maria Alcides Bizzochi
Cantor lieder Edgar Arantes Arnaldo Pescuma
Cantor popular Motta da Motta Paraguassu
Cantora popular Maria Antonieta Pereira Elizinha Pieroti
Declamadora Rodophi Augusta Maria de Lourdes Antunes
Declamador Aldrovando Srosopi Cherubin Corrêa
Compositor lieder Sivan Eduardo Dohmen
Compositor popular Ponzio Sobrinho Roberto Splendore

Menos de um mês após o término deste concurso, no dia 1º de junho de


1931, Armandinho obteve seu registro pela Rádio Record em carteira de trabalho e,
finalmente, com a discriminação de sua profissão: “músico”. Junto com ele foram
contratados pela mesma emissora Nabor Pires Camargo ao clarinete, Francisco
Lima ao violão e Pinheirinho ao cavaquinho, todos vencedores do concurso,
constituindo a primeira formação do conjunto que viria a ser conhecido e prestigiado
como o Regional da Rádio Record. (BERNARDO, 2002, p. 50)

1.2.4 O artista de rádio na programação e outras apresentações

Armandinho, agora oficialmente um artista de rádio, inicia, a nosso ver, um


dos períodos mais produtivos de sua carreira como instrumentista, aproveitando
todas as possibilidades geradas pelo convívio no ambiente radiofônico. Acreditamos
que o contato com instrumentistas variados, as oportunidades de acompanhar os
grandes “cartazes” que surgiram nos anos seguintes e a sua atuação em várias
formações instrumentais definiram sua personalidade musical e profissional.
Naquele período, a programação musical, principalmente a noturna, era
variada e incluía vários gêneros de música, como o jazz e a ópera, sempre, porém,
intercalados com música popular brasileira. Como as irradiações eram ao vivo, os
músicos ficavam à disposição da emissora durante todo o período para serem
inseridos na programação, proporcionando o contato com diversas linguagens e
gêneros musicais.
Podemos observar em um programa de 17 de novembro de 1931, quando
Armandinho atuava como solista e acompanhador, apresentando-se em pequenas
entradas de quinze minutos, executando inclusive composições próprias:

Das 20h às 20h15 - Grupo Regional e números de canto pela


Srta.Rachel de Freitas: a) Armandinho - De malandro, não quero
mais saber; entre outros.
Das 20h45 às 21h - Grupo Regional e Srta. Rachel de Freitas.
Das 21h30 às 21h45 – Grupo regional e Alonsito: a) Dolores –valsa
pelo Alonsito; b) Armandinho – Frô da Saudade55; c) [...] d) solo pelo
Armandinho.
Das 22h15 às 22h30 – Grupo Regional e Companhia56.

À medida que crescia o número de ouvintes, aumentava a concorrência entre


as emissoras e, conseqüentemente, o espaço para a música brasileira, que era tida
como a grande atração para os ouvintes. Em outro programa de 193357,
observamos já uma considerável alteração na programação com relação à
quantidade e variedade dos programas, privilegiando a música brasileira e, a nosso
ver, como reflexo direto do Primeiro Concurso de Música Brasileira de 1931, o
aumento de músicos atuantes na programação. “Das 17h15 às 17h30: programa dos
compositores Armandinho e Barreto com grupo regional e Barreto”.58
Com o aumento da concorrência, as emissoras aproveitavam os artistas fixos
fazendo-os transitar entre os vários gêneros de programas criados, desde os
direcionados às pequenas comunidades de imigrantes aos programas sertanejos,
esportivos e humorísticos, entre outros. Ainda em 1933, a Rádio Record, sempre
pioneira, criou o primeiro programa humorístico da rádio brasileira, O Hora X:

55
Composição de Armandinho gravada por Cascatinha e Inhana na década de 1950.
56
Arquivo Armandinho.
57
Arquivo Armandinho.
58
Arquivo Armandinho.
O Hora X nasceu para espantar a tristeza banal do paulista [...] A
alegria é a victória natural do homem sobre a vida. Todo vencedor ri,
se souber vencer. A inversa também é verdadeira. Todo homem que
ri é um vencedor. [...] A Hora X já venceu. Derrubou a neurasthenia
quase invencível do paulista.59

Nesse programa, do qual participavam os integrantes do Regional da Record


de 1933 - Pinheirinho ao cavaquinho, Nestor Amaral ao bandolim, Armandinho e
Hernest Blotta aos violões, ao lado da cantora Helena Pinto de Carvalho e do
apresentador César Ladeira - o objetivo era, além de fazer o ouvinte se divertir com
os “números leves, boas piadas e bom humor” e obviamente boa música, buscar sua
“hora de successo”.
Além dos programas radiofônicos, Armandinho reunia várias formações
instrumentais e se apresentava em espaços promovidos por entidades particulares.
Segundo pudemos notar, os programas apresentados nesses espaços seguiam o
formato dos programas radiofônicos, cinemas e teatros, nos quais os artistas,
músicos, cantores e declamadores se intercalavam, mesclando obras de gêneros e
caracteres distintos. Vejamos, a seguir, alguns programas dos quais fez parte.
Em maio de 1931, apresentou-se na Sociedade Cadima, em um programa
variado, executando duas composições próprias: Apanhei-te Nazareth, composição
editada pela Bandeirante Editora Musical com o nome de Recordando Nazareth60, e
Gemidos de um Coração61, ao violão solo.
No mesmo mês, partiu em excursão pelo interior, integrando o grupo de
Paraguassu, o Conjunto Verde-Amarelo. Vale reproduzir nota em jornal também de
maio de 1931:

O GRUPO VERDE AMARELO - Em excursão pelo interior paulista,


seguirá amanhã para Sorocaba, Itathuí, Rio Preto, Mirasol, etc., o
applaudido conjuncto Verde Amarelo, composto de Paraguassú,
Barreto, Attilio Grany, Garoto, Armandinho e Sampaio. [...] os
elementos do Verde Amarelo são todos elles figuras que vivem
dentro de nossa admiração. Quer atravez de suas optimas
gravações, quer atravez de suas músicas, quer no palco, quer na
estima popular, são nomes que pairam na primeira plana de nossos

59
Página de revista sem identificação, janeiro de 1933.
60
Informação obtida nas anotações de Olavo Nunes. Arquivo Armandinho. Em algumas breves
biografias de Armandinho, consta que este chegou a tocar com Nazareth, porém não encontramos
nenhum documento escrito ou sonoro que comprove esta afirmação.
61
Obra considerada perdida, pois não encontramos nenhuma outra referência a ela.
artistas. [...] Armandinho, violonista de real popularidade entre
nós, é um solista primoroso e um acompanhador seguríssimo
[destaque nosso]. Figura de renome da história da música regional
em São Paulo, Armandinho é o violão do segundo Conjunto Artístico
Paulistano da Gazeta.62

Nos dias 23 e 24 de abril de 1932, participou da Feira de Vaidades em


comemoração à reabertura do Teatro Apolo, integrando o regional, “um dos números
mais interessantes”, ao lado de Paraguassu, Pinheirinho, Januário e coro.
Em maio do mesmo ano, apresentou-se ao lado de Barreto e Chaves, sob o
nome de Trio Brasileiro, no Teatro Municipal de São Paulo. O evento denominado
Recital do “Conjuncto de Artistas de Rádio” teve como chamada “Todos os artistas
que tomam parte neste recital tem discos gravados das músicas executadas. – a
venda na Casa Mascote”.
Em setembro de 1932, apresentou-se com o “magnífico trio: Barreto,
Armandinho e Pinheirinho”, na Associação Athlética Estrella de Ouro, apresentando
cateretês, sambas e emboladas.
Em outubro do mesmo ano, apresentou-se na União Catholica Santo
Agostinho acompanhando a cantora Rachel de Freitas, executando canções
regionais, ao lado de Pinheirinho. Consta do programa Grupo Regional dos
Senhores Armandinho e Pinheirinho.
Em 19 de fevereiro de 1933, apresentou-se em Araraquara ao lado de
Benedito Chaves, da Rádio Cruzeiro do Sul, acompanhando a cantora Helena Pinto
de Carvalho, executando o seguinte programa:

Primeira Parte: Segunda Parte: Terceira Parte:


Maria – canção - Ary Frô de Ipê – canção
– Carnaval 1933
Barroso Bonfiglio Linda morena –
marchinha – Lamartine
Benedicto Pretinho – A bahiana tem cocada – typyco Babo
côco – Joubert de – Ary Kerner
Carvalho
Fita Amarela – samba –
Felicidade – canção – Menina que tem uma pose – Noel Rosa
Aymberé samba – L. Babo
Praga – samba – Quem me compreende – A tua vida é um segredo
Aymberé canção – Ary Barroso – samba saudoso –
Lamartine Babo

62
O Grupo Verde-Amarelo. Jornal sem identificação, em maio de 1931.
Brincando com fogetão
canção – M. Grau Vae haver barulho no Formosa – marchinha -
“chateau”- samba – Noel Rosa Lamartine Babo
Cadê minha pomba
rola – côco Eu vi uma lagartixa – embolada Segura esta mulher –
pernambucano – N.N – Hekel Ary Barroso.

Em setembro de 1933, novamente acompanhando Helena Pinto de Carvalho,


ao lado de Chaves, da Rádio Cruzeiro do Sul, apresentou o seguinte programa, que
era intercalado por declamadores:

A tua vida é um segredo – samba –Lamartine Babo


Caboquinha – canção – Joubert
Coco da minha terra – Hekel Sapoty – choro canção – M. Grau
Morena cor de canella – samba – Kerner
Favella –samba canção estilo carioca – Hekel
Loura e Morena – fox – Tapajós
Branca das neves – tango canção – Amaral
Moleque indigesto – marcha digestiva – Lamartine Babo
Eu vi uma lagartixa – embolada – Hekel

Observando o repertório executado nos programas apresentados, podemos


verificar a versatilidade de atuação de Armandinho com relação aos gêneros da
música brasileira e às diversas formações instrumentais com as quais atuava, das
emboladas e cocos aos sambas e choros, e se apresentando com regional, solo,
duo ou trios.
Em novembro do mesmo ano, apresentou-se no salão da “Escola Dominical
da Egreja Presbiteriana”, ao lado de Zezinho, acompanhando o cantor Januário de
Oliveira, novamente em programa variado.
Os artistas radiofônicos, sempre em contato direto com o público, tornavam-
se verdadeiros garotos-propaganda das emissoras. Associando suas imagens a
elas, representavam sua qualidade e suas novas conquistas tecnológicas. Em 1934,
o jornal ”O Malho” fez circular uma edição especial sobre os artistas e a
programação da Rádio Record, já conhecida como a “Voz de São Paulo”, na qual há
uma foto de Armandinho com os seguintes dizeres:
Diante do moderníssimo microphone “moviecord”, da Record, a figura de
Armandinho, o violonista que a cidade toda escuta com prazer. A terra
que já deu Canhoto ao Brasil, continua produzindo “astros” do nosso
mais característico instrumento. E Armandinho, pela téchnica e pela
inspiração pode sem dúvida alguma figurar como “astro” na galeria de
artistas regionais da “Voz de São Paulo”.

Outra formação também utilizada como chamariz foi o Trio da Record, formado
pelos integrantes do regional da emissora, Armandinho, Zezinho e Antônio Rago, que
durante o ano de 1937 possuía programas exclusivos nos quais “esse admirável trio
irradiou programas em conjunto e de solos que se tornaram inesquecíveis pela
técnica e pelo repertório”.63

63
Jornal Folha da Noite, 1937.
Também é deste ano a única fotografia que encontramos, na qual pudemos
identificar todos os componentes do Regional da Record de 1937: Armandinho e
Antônio Rago - violões; Zezinho - cavaquinho e violão tenor; Ernesto - flauta; Sute e
Penosa - ritmos.
Como já referimos anteriormente, além da oportunidade de atuar em outros
espaços de lazer, o ambiente radiofônico também propiciava aos músicos o contato
com atores, declamadores, enfim, uma grande quantidade de artistas de vários
gêneros que despontavam naquela época. A música brasileira ganhava mais espaço
com o aparecimento dos “cartazes”, e as emissoras praticavam um verdadeiro
intercâmbio entre os artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Com a inauguração da Rádio Nacional, em 18 de setembro de 1936, iniciou-
se, ainda em pequena escala, uma verdadeira migração dos profissionais paulistas
da música para o Rio de Janeiro, fato este que, segundo o autor Campos, teve o seu
lado positivo, obrigando as emissoras paulistas a “elaborarem programas mais
criativos para chamarem a atenção do público”. Dentre os músicos que partiram para
o Rio de Janeiro estava o Maestro Gaó, que assim definiu as diferenças entre os
programas paulistas e cariocas:

Acho os programas de São Paulo mais variados. As estações


procuram sempre novidades ou artistas novos. É necessário variar
muito para chamar a atenção do ouvinte paulista. (CAMPOS, 2004, p.
270)

Talvez por estar estabelecido profissional e financeiramente em São Paulo –


lembremo-nos, aqui, do seu emprego público –, Armandinho foi um dos únicos
músicos de destaque que não migraram para o Rio de Janeiro. Acreditamos, aliás,
que todo esse movimento migratório de artistas, principalmente de seus
companheiros, tenha contribuído para sua fixação na função de chefe do regional,
conquistando prestígio e confiança da emissora e um respeito hierárquico entre os
músicos, pois passou a ser o integrante mais antigo, se não o único, a permanecer
durante toda a carreira no mesmo regional. Não é por acaso que, a partir de meados
da década de 1930 e início de 1940, o Regional da Record passou a ser conhecido
como o Regional do Armandinho64.
Em depoimento a Olavo Rodrigues Nunes, Armandinho afirmava que muita
gente passou pela sua mão, ou seja, que como chefe do regional teria apadrinhado
muitos músicos.

64
Encontramos no arquivo pessoal de Armandinho fotos com dedicatórias de artistas paulistas e
cariocas.
Na Record? Ah! Passou rápido. Aquela chateação de durante o dia
na repartição [pública] ficava pra trás quando eu ia à noite para a
rádio. Teve gente que saiu por aí, fez sucesso. O Rago, o Aymoré, o
Zezinho, o Garotinho do Banjo [Aníbal Augusto Sardinha – Garoto], o
Laurindo [de Almeida], e mais uma turma grande [...] E passou tanta
gente pela minha mão, rapaz!65

O termo apadrinhamento era muito usado quando um músico da casa, no


caso a Record, preparava, estimulava e lançava algum outro músico.

O apadrinhamento de carreira é um valor positivo que define relações


entre os radialistas. A sua prática beneficia o padrinho e o
apadrinhado. O número de artistas que consegue apadrinhar confere
ao profissional a medida de seu prestígio no meio radiofônico. Para o
apadrinhado é interessante ter seu nome ligado a um profissional
com boas qualidades artístico-profissionais, ou de prestígio.
(PEREIRA, 2001, p. 89)

Alguns artistas, como o cantor Vassourinha66 e o violonista Antônio Rago,


tiveram suas primeiras experiências radiofônicas por intermédio de Armandinho.
Como nos contou em seu depoimento, Antônio Rago sempre demonstrou
muito respeito por Armandinho, pois era “o mais velho, o mestre”. “Quem deixou a
marca [referindo-se ao instrumento] dos antigos foi o Aymoré, mas veio depois do
Armandinho, primeiro veio o Armandinho”.67 Em 1937, após retornar de uma
temporada em Buenos Aires ao lado de Arnaldo Pescuma, Armandinho convidou-o a
preencher uma vaga surgida em seu regional, no qual permaneceu até 1939,
quando se transferiu para a Rádio Tupi.
Como integrantes do grupo Chorões Sertanejos, idealizado por Armandinho e
Raul Torres, Garoto e Aymoré se conheceram e formaram uma dupla que, como já
referimos anteriormente, predominou no cenário musical brasileiro na década de
1930. Em 1933 foram convidados para formar o Regional da Rádio Kosmos, que iria
oficialmente ao ar em 1934. Viajaram juntos por várias capitais brasileiras e à
Argentina, sempre, porém, com a base profissional em São Paulo. Fizeram parte do

65
“Armandinho, chorão paulista coração brasileiro”. In Urubu Malandro, São Paulo,agosto de 1978, p.
9.
66
Vassourinha – Mario Ramos (1923-1940).
67
Depoimento de Antônio Rago, 27 de março de 2003.
elenco do filme “Fazendo Fita”, de Vittorio Capellaro, ao lado de Paraguassu,
Alzirinha Camargo e outros artistas, interpretando sucessos do rádio68.
Em 1936, como chefe do regional, Armandinho indicou o duo para
acompanhar os “Quatro Ases Cariocas” – Silvio Caldas, Nono (Romualdo Peixoto),
Luiz Barbosa e Araci de Almeida –, que passavam por São Paulo para cumprir
temporada na Record, sendo acompanhados pelo Regional do Armandinho. O
sucesso foi tal que lhes rendeu um convite muito importante para sua carreira: a ida
para o Rio de Janeiro.
Outro artista importante que teria sido preparado por Armandinho foi Mário
Ramos, ou Vassourinha69, cantor negro que começou ainda criança como office-boy
da Record.

Pois é baixinho! [referindo-se a Olavo] A única coisa que não me


conformo até hoje é com Vassourinha. Coitadinho! Se não tivesse
ido tão cedo, seria melhor, mas muito, muito mesmo, superior àquele
cavalo do Chico Alves. Quantas vezes aquele menino cantou ali
naquele canto – aponta com a piteira para um canto decorado com
teias de aranha – e pediu que eu lhe ensinasse mais bossa, mais
molejo. Não foi Alípio?70

Utilizamos este depoimento para abordar um aspecto importante para


entendermos um pouco mais o cotidiano de Armandinho. Desde que se mudou para
São Paulo, por volta de 1921, estabeleceu-se no bairro do Glicério, na Rua do
Glicério, nº 348, onde permaneceu até 1974, portanto dois anos antes de sua morte.
Nessa casa, na qual viveu com seu irmão Alípio Neves, realizavam verdadeiros
encontros musicais, nos quais Alípio, que cozinhava muito bem, encarregava-se da
comida e Armandinho, da música. Além de Vassourinha, sua casa era freqüentada
por vários músicos de sua geração e músicos mais jovens que vinham aprender com
o “mestre”.

Geraldo Ribeiro: Lá todo dia tinha sarau na casa dele. Era choro o dia
todo. O dia todo não. A tarde começava, as pessoas iam lá [...]
Quem você lembra de ter visto na casa dele?

68
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. p.
18.

69
Revista sem identificação, com anotação manuscrita da data: março de 1937. Arquivo Armandinho.
70
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In Urubu malandro. p. 9.
Por exemplo: o Rago ia sempre lá, o Vital Medeiros, Alfredo
Scupinarri, o que foi meu professor Oscar Magalhães Guerra, enfim,
esses violonistas de São Paulo [Geraldo Ribeiro refere-se ao início
da década de 1960].
Quem freqüentava a casa dele?
RAGO: Todo mundo. Todo mundo. O pessoal ia lá mesmo, os
cantores, cantoras. E lá a gente fazia a festa. Os violonistas [em
geral]. O Geraldo [Ribeiro] chegou até morar na casa dele. Às vezes
vinha gente que não tinha dinheiro para ficar no hotel e ia pra casa do
Armandinho.
SIMÕES: Mas eu encontrava com o Garoto, ele ia tocar nessas
mansões aqui em São Paulo. Ele morava no Rio e vinha tocar aqui e
eu ia com ele também. E muitas vezes quando eu me despedia dele
eu dizia: ”aonde você vai agora?” G: “vou à casa do Armandinho”, R:
“fazer o quê?”, G: “pegar música”. O Armandinho passava para ele
de ouvido, né?, e o Garoto pegava com aquela facilidade que ele
tinha e tocava muita coisa do Armandinho. Mas o Garoto freqüentava
a casa do Armandinho para pegar as composições dele, ele gostava
muito das músicas do Armandinho [década de 1940].

Assim como na casa de Armandinho, esses encontros informais chamados


“roda de choro” aconteciam em outras residências e cumpriam a função de
“autênticas escolas populares de música e local permanente de exercício autodidata,
decisivo para os instrumentistas sem educação musical formal”. (MORAES, 2000, p.
251) Os músicos participavam das rodas de choro tocando ou, como diria Antonio
Rago, “se encostando”, ou seja, apenas ouvindo os músicos mais experientes
executarem um amplo repertório composto de choros, valsas, maxixes, entre outros
gêneros brasileiros, como forma de aprimoramento musical.
De vital importância para a divulgação e sobrevivência do choro nas décadas
de 1910 e 1920, as rodas de choro geraram os ótimos instrumentistas que ocuparam
os espaços de entretenimento que surgiam na cidade, e que a partir dos anos 1930,
como já mencionamos, deslocaram-se para atividades mais profissionais em
gravadoras, orquestras de rádio e grupos que acompanhariam os intérpretes mais
famosos. (MORAES, p. 251)
Porém, nem todos conseguiam sua profissionalização, pois, levando-se em
consideração que as empresas radiofônicas em constante crescimento contratavam
prioritariamente artistas que faziam sucesso, ou seja, cantores e intérpretes, a
grande maioria dos instrumentistas exercia outra profissão durante o dia e apenas à
noite se transformava em músicos populares de bandas, cinemas, teatros e rodas de
choro.
Em um levantamento realizado por Vinci de Moraes na década de 1930, a
cidade contava dez núcleos de choro, distribuídos por seus bairros centrais,
incluindo a casa de Armandinho. (MORAES 2000, p. 277)
Adentrando a década de 1940, com o rádio consolidado e completamente
presente no cotidiano do paulistano, as rádios Record e Nacional, do Rio de Janeiro,
firmaram um convênio estabelecendo, agora oficialmente, um intercâmbio de artistas
entre elas, (CALDAS, 1995, p. 62) possibilitando aos ouvintes paulistas um maior
contato com as grandes “estrelas” que despontavam no Rio de Janeiro, e também
aos músicos das emissoras paulistas a possibilidade, agora com maior intensidade,
de se apresentarem ao público carioca.
As emissoras, com um caráter cada vez mais comercial, multiplicavam-se no
Rio de Janeiro e em São Paulo, e o programa de auditório passava a ser, naquela
década, o grande arrecadador de ouvintes, agora presentes nas emissoras em
transmissões realizadas ao vivo.
O Rio de Janeiro, como principal centro cultural do país, representava uma
possibilidade de melhoria não só financeira, mas também de realização profissional
para os artistas paulistas. Assim, a migração para o Rio de Janeiro iniciada na
década anterior era uma trajetória quase óbvia para o artista em busca de um maior
reconhecimento. Assim se deu com Garoto, Aymoré, Antônio Rago, Laurindo de
Almeida (1917-1995) e tantos outros músicos.
Com a divulgação da música brasileira nos Estados Unidos, através de
Carmem Miranda e o grupo Bando da Lua em 1939 e 1940, abriu-se aos músicos
brasileiros outra possibilidade profissional, a América, onde, além de trabalharem em
emissoras radiofônicas, participavam de filmes e espetáculos musicais. Para lá
foram Garoto, Romeu Silva e sua Orquestra, da qual fazia parte seu antigo
companheiro Zezinho71. Em correspondências mantidas entre Armandinho e
Zezinho, podemos observar através de seus relatos a quantidade de trabalho
oferecida em terras norte-americanas:

Aqui já toquei em quase todas as estações de rádios cujos prefixos


são K.P.O e K.P.F. Já trabalhei em diversos filmes da Fox e
Universal e ontem terminei um short tocando um número brasileiro

71
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
junto com a orquestra de Henry King, que aqui é bem popular em
temas latino-americanos, como eles dizem.72

1.2.5 Os músicos acompanhadores: caminho para o anonimato

O Bando da Lua, um dos primeiros conjuntos vocais brasileiros, foi formado


em 1931 contando mais de vinte integrantes, com o nome de O Bloco do Bimbo. Em
1933, com apenas seis integrantes, o grupo gravou pela Odeon, tornando-se um
conjunto de nome, reconhecido por seus inovadores arranjos vocais e por sua
preocupação com elementos relacionados à cena, como figurinos e pequenas
coreografias, durante as apresentações. Apresentava-se em vários países da
América Latina, sempre com sucesso absoluto. Em 1934, trabalharam ao lado de
Carmem Miranda, participando dos filmes “Alô, Alô, Brasil” e “Banana da Terra”.
Sendo um conjunto de renome, apesar de realizarem alguns números juntos,
recusaram a participação como acompanhadores de Carmem Miranda em 1938 na
Argentina, pois “naquele tempo havia aquele preconceito idiota de que conjunto de
nome não podia ser acompanhador, coisa assim”.73 Finalmente em 1939 e 1940
tornaram-se os meninos da “Pequena Notável”, tendo viajado aos Estados Unidos.
Ao contrário da década de 1920, da qual pudemos identificar todos os
integrantes dos conjuntos que já referimos, essa preocupação em não serem
conhecidos como meros acompanhadores tem bastante fundamento naquele período
(1930/40), pois quem era reconhecido e valorizado, eram os “cartazes”, ou seja, os
cantores e cantoras que traziam o verdadeiro retorno financeiro. Os músicos que os
acompanhavam, e a quem cabia resolver as questões musicais, dificilmente eram
identificados pessoalmente – não se conheciam detalhes de sua atuação –, mas
apenas como integrantes do regional de alguma rádio ou que levasse o nome do
líder, como Regional do Canhoto, do Rago ou do Armandinho, sendo relegados a um
segundo plano tanto em programas de apresentações quanto em registros de
gravações.
Waldenir Caldas nos lembra que é nesse período, 1940, que os artistas
passaram a ser contratados pelas emissoras em regime de exclusividade, a partir do

72
Carta de Zezinho a Armandinho de 1941. Arquivo Armandinho.
73
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. p.
33.
qual eles não poderiam, sem prévia autorização, apresentarem-se em qualquer outro
lugar público. (CALDAS, 1995, p. 62) Se, por um lado, o regime de contratação
proporcionava maior estabilidade ao músico, por outro, a restrição em se apresentar
desvinculado da emissora estabelecia um empecilho com relação às atividades e
projetos pessoais74. Acreditamos que este não seria um motivo para que Armandinho
– como para a grande maioria dos músicos acompanhadores –, deixasse de
trabalhar, passando a conviver com – e, sem saber, contribuir para – o que seria, a
nosso ver, um dos maiores inimigos desses artistas: o anonimato.
À exceção de Carmem Miranda, que, como vimos, era acompanhada pelo
grupo O Bando da Lua, a maioria dos “cartazes” contava com a eficiência e
profissionalismo dos conjuntos das emissoras locais para acompanhá-los em suas
apresentações pelas capitais brasileiras. Com um pouco mais de perspicácia,
Garoto, em 1939, aceitou o convite para integrar o grupo em sua excursão aos
Estados Unidos ao lado de Carmem Miranda, desde que tivesse autonomia nas
apresentações, aparecendo como solista e tendo seu nome desvinculado do grupo,
ou seja, nos programas de concerto os acompanhadores seriam: O Bando da Lua e
Garoto, garantindo, assim, o reconhecimento de sua carreira independente da
cantora. Já o Bando da Lua perdeu sua força como grupo independente, tendo
permanecido sempre associado ao nome da “Pequena Notável”, dissolvendo-se
após a sua morte.
O cargo exercido por Armandinho como Chefe do Regional, cada vez mais
um grupo acompanhador, exigia bastante responsabilidade de sua parte, pois tinha
como função principal arregimentar os músicos e ensaiá-los de forma a estarem
sempre preparados para acompanhar os “cartazes”, ou para preencher possíveis
falhas na programação a qualquer momento. Segundo Antônio Rago, sua
competência era inquestionável:

O Armandinho era uma bola, sabe? Eu gostava muito do


Armandinho porque o que ele fazia ao dirigir o conjunto, sabe?, que
cada um que dirige um conjunto, cada um tem um [...] [jeito] e
desenvolve à sua maneira. Só que ele era um dirigente de muita

74
A cantora Inezita Barroso, hoje (2004) apresentadora do programa “Viola, Minha Viola” da TV
Cultura, disse-nos que gravou e se apresentou inúmeras vezes com o meigo Armandinho. Portanto,
por desavenças comerciais entre emissora e gravadora, não era possível dar créditos das gravações
aos músicos nem constar seus nomes nos encartes dos discos. Depoimento informal realizado no dia
21 de julho de 2004 quando da participação do grupo Choronas (do qual faço parte) em seu
programa Viola minha Viola.
sabedoria, ele pegava coisas, às vezes uma melodia pequenininha
coisa assim, nossa!, ele fazia coisas, mandava por tal acorde, isso
aquilo e coisa [...] Então, o regional, eles não gostam que a gente
fale, mas eu sempre falei, o regional sempre foi o quebra-galho das
emissoras. Sempre foi o quebra-galho. Por exemplo: se a orquestra
vai acompanhar um cantor, às vezes ficava duas, três horas
ensaiando poucas músicas. E fica o maestro, e escreve aqui não tá
certo, e mexe aqui mexe ali, ensaia e coisa e tal, né? Mas e se de
repente sumir o repertório? As músicas? Ninguém toca. E aí tem que
ser o quê? O regional. Então o regional [...] Chegava o Orlando Silva,
o Silvio Caldas, qualquer um deles [...] Dez minutos, às vezes cinco
minutos para entrar o programa: “meu Deus, eu vou cantar isso, vê
se é Dó se é Ré” eles [os cantores] põem num caderninho, né? Não
é que eles estão sabendo se é Dó ou se é Ré. Imagine que o Nelson
Gonçalves, uma vez, eu e o Poli dissemos: “vem cá, ô cartaz, você
que é o cartaz, né?, o grande cantor, me diga uma coisa, essa
música [canta uma melodia] é maior ou é menor? Aí o Nelson
Gonçalves: É [...] pode ser que seja maior que seja menor [...], Aí, eu:
Não, mas eu estou perguntando se é maior ou menor”, não sabia
dizer, não sente e não conhece. (RAGO, 2003)

Não temos dúvida sobre o aspecto negativo que esta falta de registro
representou e ainda representa para a música brasileira. Em vista desta carência de
informações na bibliografia específica sobre a música brasileira ou sobre a história
das rádios, podemos imaginar a quantidade de músicos, acompanhadores ou fixos,
que caíram no anonimato sem que nos chegasse qualquer informação.
Sabemos, por exemplo, que vários músicos que despontaram no cenário
musical paulista e carioca fizeram parte ou, no caso dos “cartazes”, foram
acompanhados pelo Regional do Armandinho; porém, os registros são quase nulos.
Alguns exemplos: o flautista João Dias Carrasqueira foi integrante do Regional do
Armandinho, porém não pudemos precisar em qual período; consta, em recorte de
jornal de 194975, que o Regional do Armandinho acompanhou o cantor Francisco
Alves no teatro Rex para o lançamento dos sucessos do carnaval de 1949;
entretanto, não sabemos quais eram os integrantes de então; em 1946, o Regional
de Armandinho participou de um “grandioso show”76 no teatro Ritz ao lado de
Adoniran Barbosa; no teatro, novamente, não se sabe quais eram os integrantes.
Como pode-se constatar, o posto de chefe do Regional da Record garantia a
Armandinho um certo status, estabilidade profissional e, principalmente, em sendo

75
Arquivo Armandinho
76
CAMPOS JÚNIOR, Celso de. Adoniran: Uma Biografia. São Paulo: Globo, 2004. p.176
conhecido como Regional do Armandinho, afastava a possibilidade do completo
anonimato. Talvez, agora concordando com Ronoel Simões, este tenha sido um dos
motivos pelo qual não tivesse migrado para o Rio de Janeiro como a maioria dos
músicos paulistas.

Por que nessa época do Armandinho todo mundo ia morar no


Rio de Janeiro? Por que o Armandinho não foi?
Ronoel Simões: Bom, ele estava preso aqui no Regional da Record,
ele era o chefe do Regional, acho que ele não queria sair, abandonar
o regional, tava aí e ganhava dinheiro, um padrão de vida normal,
acho que ele não quis ir ao Rio de Janeiro. O Rio era de fato o lugar
onde o choro, principalmente, tinha muita aceitação, se tocava muito
choro, samba, os cantores famosos eram todos de lá, né? Mas ele
não quis, achou melhor ficar aqui, já tinha o serviço dele aqui.
(Novembro, 2002)

1.2.6. O movimento da Velha Guarda

A década de 1940 traria ainda modificações importantes, principalmente para


o curso que a música popular vinha traçando. Vale lembrar que, na década de
1910, o repertório paulista mesclava gêneros rurais e sertanejos com gêneros
urbanos, como o choro e o maxixe, e que nessa mesma época, no Rio de Janeiro,
nascia o samba. Na década seguinte, conforme afirma Napolitano, o samba “descia
o morro”, passando a ser tocado e criado nos botequins, adquirindo características
musicais próprias – a síncopa como célula base –, e instrumentais – a inclusão de
instrumentos de percussão –, e obviamente entrando no circuito comercial, sendo
executado pelas rádios, irradiado para todo o país e constituindo-se definitivamente
como um gênero próprio brasileiro. (NAPOLITANO, 2002, p. 51)
Com o trânsito de músicos brasileiros aos Estados Unidos, o crescimento
cultural dos dois principais centros urbanos do país, São Paulo e Rio de Janeiro, e
principalmente, com a obrigação imposta pela política de união cultural de Getúlio
Vargas, na qual a Rádio Nacional do Rio de Janeiro devia ampliar o espaço na
programação para os ritmos regionais, abriam-se duas vertentes de influências
musicais. Uma, era a tendência para a penetração de gêneros estrangeiros, como a
rumba, o bolero, o cool-jazz e o cha-cha-cha (NAPOLITANO, 2002, p. 57), e outra, o
estímulo para o ingresso de novos artistas que trouxessem ritmos, gêneros e
instrumentos de outras partes do Brasil.
É nesse período que chegou ao Rio de Janeiro, vindo do Nordeste, o músico
Luiz Gonzaga, trazendo consigo o gênero baião, que teve o seu auge de
popularidade na década seguinte, e a sanfona, que apesar de ter sido incorporada
ao instrumental paulista no início do século por imigrantes italianos, passou então a
ser identificada como o instrumento do baião, tipicamente brasileiro.
Com todas essas influências na virada década de 1950, além de o mercado
musical encontrar-se dominado por sucessos musicais estrangeiros, os
compositores brasileiros também se voltavam para os gêneros “importados”, como o
bolero. (CABRAL, 1997, p. 175) Em seu depoimento, Donga, um dos primeiros
integrantes do conjunto Os Oito Batutas, relata como os compositores de gêneros
mais tradicionais – samba e choro – perdiam cada vez mais seu espaço nas rádios e
discos.

Nós não estamos em silêncio. Pelo contrário. De minha parte, posso


garantir que continuo a trabalhar minha música e meu violão. Não há
silêncio de nossa parte e não acredito que outros da Velha Guarda
tampouco estejam em silêncio. Todos estão trabalhando, compondo
e tocando. A questão é que há muito cartaz e ninguém vai se lembrar
dos velhos cartazes. As rádios, as casas, de discos, as orquestras,
os jornais estão cheios de outros músicos. No meio desses jovens
que se agitam no ambiente musical, há muitos valores verdadeiros,
ainda confundidos com os que fazem mais reclame, mais
propaganda própria do que música de fato. Eles aparecerão. E nós
não desapareceremos só porque os outros aparecem. A vida
pertence à mocidade, é claro, mas há sempre um lugar para os
velhos. E nem todo o barulho do mundo conseguiria abafar um valor
velho ou novo.77

Surge então, no Rio de Janeiro, o movimento Velha Guarda, que tinha como
objetivo resgatar um passado musical que parecia ameaçado e valorizar os artistas
mais antigos que perdiam cada vez mais seu espaço, tanto nas rádios quanto no
mercado fonográfico. O movimento foi encabeçado por Almirante e Lúcio Rangel
que, dispondo de seus espaços na mídia, demarcavam e divulgavam a boa música
popular marcada pela produção musical dos anos 1920 e 1930.
Em 1954, foi criado por Almirante o I Festival da Velha Guarda. Idealizado
inicialmente como um programa em homenagem ao 57º aniversário de Pixinguinha,
no qual seriam reunidos os mais antigos “militantes da música popular brasileira”,

77
Depoimento de Donga para a revista Radiolândia, em 1954. (CABRAL, 1997, p. 175)
unindo os músicos cariocas e paulistas numa grande exposição de música brasileira.
O evento, realizado no dia 23 de abril de 1954, tomou proporções maiores e, com o
patrocínio da Rádio e Televisão Record de São Paulo, foi incorporado às
comemorações dos IV Centenário da cidade de São Paulo.
O fato de este encontro ter sido realizado na capital paulista nos mostra que
havia uma maior aceitação do público paulista ao repertório mais tradicional, pois,
com o inquestionável sucesso do festival, em 29 de abril de 1955, foi realizado o II
Festival da Velha Guarda. Novamente unindo, dentre os mais de cem músicos
participantes, compositores cariocas, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e o
menino Baden Powell, entre outros, aos paulistas Paraguassu, Januário Oliveira,
Armandinho e Inezita Barroso. A programação se estendeu por quatro dias,
culminando com um grande espetáculo no Parque do Ibirapuera.

II Festival da Velha Guarda. Jornal s/ identificação. Armandinho é


o primeiro da direita. Arquivo Armandinho.

Apesar de ter participado de eventos importantes do meio artístico e de seu


grupo regional ainda ser requisitado para espetáculos ao lado de grandes cantores,
como Francisco Alves e Isaurinha Garcia, a década de 1950 foi determinante para o
encerramento da carreira profissional de Armandinho, tanto como funcionário público
quanto como artista de rádio.
Em 1955, no mesmo ano do II Festival da Velha Guarda, aposentou-se pelo
serviço público e, seis anos depois, em 30 de setembro de 1961, aposentou-se por
tempo de serviço pela Rádio Record, passando a se dedicar exclusivamente aos
seus hobbies preferidos, a criação de canários iniciada em fins dos anos 1940, à
pintura78 e, principalmente, à composição, tema do próximo item deste capítulo.
Antes, porém, gostaríamos de abordar com um pouco mais de atenção um aspecto
apontado algumas vezes durante este trabalho em fotos futebolísticas ou dos
conjuntos: o fato de Armandinho ser negro.

1.2.7. O músico negro

Nos depoimentos colhidos para esta pesquisa, todos os entrevistados


negaram que Armandinho sofresse algum tipo de preconceito racial; porém, suas
respostas nos davam alguns indícios do pensamento da época:

Existia algum tipo de preconceito com relação ao fato do Armandinho


ser negro?
RONOEL: Não, o músico negro é bem-aceito em todo lugar; por
exemplo: eu conheço outros músicos como o Bola Sete, que era
um negro brasileiro que morava nos Estados Unidos. Nunca
houve nada com ele porque era músico, né? [grifo nosso] Então
todo mundo apreciava muito ele, gostava muito dele, e o Armandinho
também, mesma coisa, não tinha nenhum preconceito contra ele não.
Era muito bem-aceito em todo lugar aonde ia, me parece que por ser
crioulo, isso nunca o atrapalhou.

GERALDO RIBEIRO: Não. Tinha umas coisas que eles falavam lá,
sabe? Ele era muito chegado a esses movimentos que existem nos
Estados Unidos, os negros, não é? Ele seguia tudo isso, não resta
dúvida. Mas ele mesmo não externava nada com esse negócio de
discriminação nem nada. Ele não reclamava nem nada. [grifo
nosso]

RAGO: Na verdade ele era mulato. Mas não. Sempre tinha aquele ar
de brincalhão, sempre fazendo brincadeira, era alegre.
Tinha pouca gente negra na rádio, e quando tinha algum negro,
é porque o cara era bom mesmo. E o preconceito sempre existiu e
existirá. [grifo nosso]

Em seu livro Cor, profissão e mobilidade, o pesquisador João Baptista Borges


Pereira nos apresenta alguns depoimentos de produtores e diretores artísticos de
vários setores das emissoras paulistas referentes ao aproveitamento profissional de

78
Disponibilizamos as pinturas pertencentes ao Arquivo Armandinho no anexo iconográfico.
negros nas programações. Vale ressaltar aqui que os depoimentos foram colhidos
entre 1959 e 1961, período em que foi realizada a pesquisa e que coincide com os
últimos anos de atividade de Armandinho como artista da Rádio Record.
Reproduzimos apenas um, a partir do qual desenvolveremos de forma sucinta
alguns aspectos relacionados aos negros, lembrando que todos os depoimentos
apresentados em seu livro têm o mesmo teor e apontam, em sua maioria, os
mesmos estereótipos:
Preto eu só uso como cantor ou músico. Aí eles são insubstituíveis.
Assim mesmo não programo, ao mesmo tempo, muitos profissionais
de cor. Procuro dosar brancos e pretos para satisfazer os ouvintes.
Já tenho recebido cartas criticando-me quando ponho “muita
negrada” num mesmo programa. Fora disto, preciso de gente capaz,
que trabalhe, leve a sério o serviço, sem ficar pensando em cachaça,
em tudo o que, como se sabe, o negro pensa [...] (PEREIRA, 2001.)

A referência “insubstituíveis como cantores ou músicos” demonstra o


estereótipo de o negro “carregar em seu sangue” aspectos musicais, principalmente
relacionados ao ritmo, advindos de seu passado sociocultural. Sabemos que os
escravos trazidos da África mantinham seus rituais e tradições nas senzalas e que,
com a proibição da escravatura e a sua migração para as cidades, geraram uma
influência que, em fusão com algumas danças européias que chegaram no início do
século XX, principalmente no Rio de Janeiro, originou o desenvolvimento de gêneros
musicais brasileiros, como o maxixe e o choro.
Em São Paulo, ao final do século XIX, com a substituição da mão-de-obra
escrava pelos imigrantes, os negros encontraram nas ruas da cidade o seu próprio
espaço, em que podiam entoar cantos de trabalho ou improvisar batucadas e
danças ao término do dia de trabalho.
Além das ruas, algumas instituições católicas negras também serviam como
pontos de encontro informais para a prática de rituais religiosos e auxiliavam os
negros que viviam de pequenos negócios de rua. Alguns ainda trabalhavam na casa
do senhor, exercendo funções relacionadas ao seu ambiente interno; quando
circulavam pela cidade era sempre trabalhando, carregando latas de água na
cabeça, levando e trazendo roupas dos riachos ou tratando de animais.
Já na transição para o século XX, com o aumento da imigração, os poucos
espaços do trabalho livre, até então ocupados por negros, passam a ser
preenchidos por estes imigrantes, restando aos negros realizar trabalhos mais
pesados e de pouca remuneração, concentrando-se em habitações coletivas em
bairros próximos ao centro e às margens das ferrovias, sendo os principais Barra
Funda, Bexiga e Lava-pés/Liberdade, nos quais eram freqüentes as atividades
musicais em grupo, as rodas de partido alto, capoeira e a prática do ainda
emergente futebol.

Segregados em seus territórios, os negros procuravam manter vivas


suas tradições através da releitura de suas memórias nas
experiências cotidianas e que se expressavam nas festas populares,
nos batuques, nas pernadas e capoeiras, nos times de futebol, nos
samba de roda, nas rodas de macumba e jongo etc. (MORAES,
1995, p. 67)

Vale lembrar que os bairros acima citados eram também habitados por
imigrantes, principalmente italianos, que igualmente traziam seus costumes e
tradições, e que também eles lutavam para mantê-las vivas em meio ao processo de
urbanização. Surgia então, como manifestação cultural dessa população
marginalizada, uma prática musical na qual um grupo de músicos amadores,
geralmente com instrumentos de cordas, um outro de sopro e um cantor,
homenageava alguém, executando as músicas na frente das casas ou janelas: a
serenata, também conhecida como seresta.
Ora, foi a partir do desenvolvimento desta prática que surgiram, na década de
1920, os músicos e cantores com perfis menos amadores e que compuseram os
conjuntos que atuavam em cinemas e teatros, passando, na década de 1930, às
atividades radiofônicas. Não há dúvida de que, assim como no futebol, a atuação
como músico era uma oportunidade que os negros tinham de se destacarem e
transitarem por outros universos sociais. Ainda assim, em algumas fotos de grupos
paulistas dos quais Armando Neves fez parte naquela década, observamos a
presença de poucos integrantes negros.
Regional da Rádio Educadora, em foto de 1929. Armandinho, o único
negro do grupo, é o segundo, sentado, da direita para a esquerda.

Nesta foto da equipe da Record, provavelmente do final dos anos 1930, Armandinho e o
pandeirista são os únicos negros.
Abordamos, agora, a presença do negro atuante nas emissoras radiofônicas.
Como vimos, a progressiva transformação das rádios em veículo de massa propiciou
aos músicos e artistas em geral a possibilidade de trilhar uma carreira profissional, e
também aos ouvintes, principalmente a partir da popularização dos programas de
calouros, o ingresso no ambiente radiofônico em busca de oportunidades
profissionais. Imaginando-se a estrutura radiofônica como uma pirâmide, em cuja
base se encontra o “setor programático79” – do qual fazem parte os músicos – e no
topo, a administração, nota-se que a presença de negros nas mais altas esferas que
compõem a pirâmide é quase nula, ou seja:

o rádio reproduz a tendência observada na estrutura social global,


que se traduz em aproveitar negros e mulatos em atividades menos
categorizadas, e situadas na base da pirâmide ocupacional.80
(PEREIRA, 2001, p. 121)

Estas atividades “menos categorizadas” – podendo-se incluir aqui a atividade


de chefe de regional exercida por Armandinho – exigiam do artista os quesitos
relacionados especificamente à sua função, não dando maior importância a
aspectos como escolaridade, idade ou cor.

A maior concentração de negros se dá primeiro entre os músicos e


depois os cantores populares. Para tais atividades, a formação
escolar clássica é até certo ponto dispensável, porém são feitas
outras exigências mais ligadas ao domínio de determinadas técnicas
musicais: o canto ou o domínio do instrumento em si. Na área do
rádio-entretenimento, onde a matéria prima fundamental é a música
popular, em especial a música popular brasileira, sabe-se que negros
e mulatos gozam de grande prestígio. Suas características raciais,
longe de afastá-los das programações, é o fator que explica seu mais
freqüente aproveitamento. (PEREIRA, 2001, p.144)

No depoimento de Pixinguinha a seguir, podemos observar que ao músico


negro restava dedicar-se ao seu instrumento, garantindo assim o seu prestígio – o
que Armandinho fazia com naturalidade –, e proteger-se de situações que pudessem
ser constrangedoras.

79
Termo usado por João Borges Pereira para designar o setor que mantém contato direto com o
público, não participando, porém, da criação dos programas.
80
Pesquisa realizada em emissoras paulistas entre 1959 e 1960.
O negro não era aceito com facilidade. Havia muita resistência. Eu
nunca fui barrado por causa da cor, porque eu nunca abusei. Sabia
onde recebiam e onde não recebiam pretos. Onde recebiam, eu ia,
onde não recebiam, não ia. Nós sabíamos desses locais proibidos
porque um contava para o outro. O Guinle [Arnaldo] muitas vezes me
convidava para ir a um outro lugar. Eu sabia que o convite era por
delicadeza e sabia que ele esperava que eu não aceitasse. E assim
por delicadeza também não aceitava. Quando era convidado para
tocar em tais lugares, eu tocava e saia. Não abusava do convite”.
(PEREIRA, 2001, p.152)

1.3 O Compositor

1.3.1 O músico prático

Para conhecer o Armandinho compositor, acreditamos ser importante analisar


um aspecto comum entre a maioria dos músicos populares: o fato de não saberem
ler nem escrever música. Vale ressaltar que a não-familiaridade com a grafia musical
não impedia, e não impede, que o músico conhecesse os aspectos teóricos,
adquiridos de forma puramente auditiva e prática, suficiente para atuarem como
instrumentistas e compositores.
Assim como vários de seus companheiros que atuavam na esfera da
programação radiofônica, Armandinho não era alfabetizado81 musicalmente. Seus
conhecimentos musicais eram puramente intuitivos, tendo sido desenvolvidos e
ampliados de acordo com o ambiente sonoro de cada fase de sua vida musical e de
sua prática em rodas de choro.
Observando alguns métodos editados para violão, chamados de “método
prático” ou “violão sem mestre”, podemos ter algumas pistas de como eram
pensados esses aspectos teóricos, principalmente harmônicos. Vejamos o método
de violão editado em 1943, pelo violonista Garoto. Para cada tonalidade eram
definidos os acordes mais importantes, Tônica, Dominante, Subdominante e
Relativo, chamados de 1ª do tom, 2ª do tom, 3ª maior do tom e 3ª menor do tom
respectivamente82. Como secundários, eram apresentados os acordes chamados de
“preparação”, ou seja, as dominantes da subdominante, da dominante e do relativo

81
Entendemos como alfabetização musical apenas o domínio da escrita e da leitura da grafia
musical.
82
Considerando a tonalidade de Dó maior, a 1ª do tom é Dó maior, 2ª do tom é Sol maior, a 3ª maior
do tom é Fá maior , a 3ª menor do tom é Ré menor. Como acordes de preparação, teremos Dó com
Sétima, Ré com Sétima e Lá com Sétima.
menor. O mesmo esquema harmônico era apresentado para os tons maiores e
menores.
Esse sistema foi utilizado mais intensamente até meados da década de 1950,
quando, através do movimento da Bossa Nova, foi introduzido e popularizado no
Brasil o sistema de leitura por cifras83. Além de Garoto, o cantor Paraguassu e os
violonistas Canhoto e Larosa Sobrinho editaram métodos de “violão prático e sem
mestre”, sendo todos semelhantes entre si. Para melhor visualização, reproduzimos
as duas primeiras páginas do método de Garoto, que apresentam as tonalidades de
Dó maior e Lá menor, sendo que no restante do método é apresentado o mesmo
esquema harmônico, porém transposto para todas as tonalidades.

83
As cifras estipulam a tipologia do acorde (Maior, Menor, Diminuto, Com sétima etc.), relacionando
cada nota a uma letra, porém não definem, como no sistema antigo, sua relação ou função dentro da
tonalidade.
Em nenhum dos métodos observados existe orientação com relação aos
ritmos a serem executados, ou indicação de repertório para que estes esquemas
harmônicos sejam aplicados e nem mesmo outra seqüência harmônica utilizando os
mesmos acordes. Devemos discordar aqui da opinião exposta por Giacomo
Bartoloni ao se referir a um método de violão, semelhante a este, de autoria do
cantor Paraguassu:

O método anunciado Violão sem Mestre se mostrou ineficiente, uma


vez que não indica ritmos, muito menos qualquer técnica suficiente
para o aprendizado. Foi concebido para atender a um mercado cada
vez mais interessado no violão e que dado o sucesso do autor, sua
imagem provavelmente foi anexada mais como uma campanha de
marketing do que propriamente sua autoria. (BARTOLONI, 2000,
p.183)

Sem adentrar a questão do marketing, acreditamos em sua eficiência,


considerando que esses “métodos práticos” eram, em primeiro lugar, dirigidos ao
público da música popular e, em segundo lugar, apesar de não exigirem do músico o
conhecimento da grafia musical, serviam para muni-lo de digitações de acordes
básicos e freqüentes no repertório da música brasileira e, o fato de não conterem
informações adicionais nos leva a deduzir que os aspectos rítmicos, melódicos e as
variações harmônicas deveriam ser, e assim o eram, exercitados e desenvolvidos de
forma prática, ou seja, tocando com outros músicos ou “tirando”84 as músicas “de
ouvido” a partir de gravações.
Abordamos esta questão para podermos observar, sempre ao redor de
Armandinho, alguns aspectos relevantes gerados a partir desta prática puramente
auditiva. Em primeiro lugar, no caso de músicos compositores, o risco de perda das
composições, pois, para que suas obras fossem registradas, dependiam de alguém
que dominasse a escrita ou de que a sua música fosse registrada em disco ou,
ainda, que determinada música permanecesse na memória de algum músico que
pudesse, um dia, vir a escrevê-la.85
Apesar de ter contado com esses três fatores, e ainda com o trabalho de
compilação de Olavo Rodrigues Nunes, sabemos até o momento que três de suas
obras foram perdidas, as músicas “A turma é bamba”, “Mulher desprezada” e
“Falando sozinha”, das quais encontramos apenas documentos de cessão dos
direitos autorais e sobre as quais falaremos adiante. Em segundo lugar, restringindo-
nos apenas ao âmbito violonístico, apontamos a limitação da possibilidade de entrar
em contato com a literatura violonística disponível na época, como métodos de
técnica e partituras de obras clássicas.
Este item nos parece ter sido bastante importante, se não definitivo, para o
direcionamento de sua carreira que, a certa altura, pendeu para o instrumentista
acompanhador e não solista. Desde cedo tocando em conjuntos e nas rádios até um
certo período de sua carreira, Armandinho realizava alguns números como solista;
porém, a prática como acompanhador, exigindo um esforço diferenciado da prática
solista, parece ter predominado. Segundo Geraldo Ribeiro, o Armandinho era um
“vidão” que se poupava de grandes esforços:

O Armandinho nunca teve interesse mesmo em aprender a ler?


De jeito nenhum, Armandinho era um “vidão”. Ele não se esforçava
pra fazer nada. Essa também é uma grande característica do espírito

84
Termo usado para indicar a identificação de elementos musicais de fontes não grafadas.
85
Ver capítulo 3.
dele, tudo o que saía dele era natural. Se tivesse que fazer esforço
não servia. (dezembro, 2002)

Esta afirmação nos leva a crer em uma dificuldade em se manter uma prática
focada na técnica e no desenvolvimento de repertório de forma intensa, sem dúvida
necessária ao solista. Não que esta fosse necessária a todos os músicos, pois,
como sabemos, o violonista Canhoto, por exemplo, não tinha a prática da leitura e
foi um grande solista, mas, no caso de Armandinho, talvez o contato com métodos e
partituras de uma forma sistemática pudesse ter contribuído para ampliar suas
habilidades técnicas, além de tê-lo auxiliado em sua carreira como solista.
Em terceiro lugar, este mesmo desprendimento teórico gerou algumas
condutas musicais próprias guiadas pelo seu gosto individual, e que serão
demonstrados no próximo capítulo; porém, aqui nos interessa apenas o fato de que
o músico puramente auditivo tende a criar uma identidade própria, baseada em seu
gosto pessoal. Vejamos o que nos dizem Geraldo Ribeiro e Antônio Rago:

Como você via o Armandinho como compositor?

GERALDO RIBEIRO: Eu achava o Armandinho muito original, não


é? Aliás, como quase todos esse compositores de ouvido, caso de
Américo Jacomino, João Pernambuco e outros. Todos originais
porque eles não se comprometiam com notas musicais, eles eram
livres, né?, na mente deles eram livres. Essas soluções harmônicas
dessas mentes, geralmente, são soluções harmônicas feitas com
bastante bom gosto e tudo, né? (dezembro, 2002)
RAGO: Gozado, além de ele ser um instrumentista de orelhada como
nós dizíamos na gíria, sem conhecer uma nota de música, ele lia e
relia, poderia se dizer assim. Porque fica conhecendo por prática,
não tecnicamente, na prática, sabe o que é Dó, sabe o que é Ré,
sustenido bemol, sabe tudo. Então leva uma vantagem grande e
perde alguma coisa também. Perde porque a pessoa sabe ler bem,
lê, escreve, lê e não precisa procurar alguém. Mas a gente ouve
uma, duas, três vezes uma música, pronto, já tira e já faz arranjo
melhor. Que aí cada um emprega sua harmonia. (junho, 2003)

E, finalmente, em quarto lugar e complementando o item anterior,


reconhecemos a capacidade de Armandinho em aplicar influências musicais
recebidas em seu ambiente sonoro em suas composições. Em seu depoimento,
Rago nos diz que Armandinho era chamado de “Beethoven do violão” (ver p.78),
pois, por terem um caráter erudito, algumas de suas peças não cabiam no regional:
Então, Armandinho tinha essa enorme facilidade de pegar uma
música e pôr os acordes certos, a harmonia moderna mais atualizada
em todas as épocas, né?, e só que ele não era um violonista de solo.
Não, ele era de acompanhar e de tocar, de tocar assim calminho. Era
acompanhador. Mas sabe como são as coisas, o Armandinho
aposentou-se e parou naquela época. Parou e ficou trabalhando as
coisas dele, porque o difícil era gravarem as músicas dele. Não
tocam! De que adianta? Vou tocar uma música de Armandinho, veja
o trabalho que dá. [Em seguida toca a música O dono da bola,
dedicada a ele e gravada no CD anexo a esta dissertação] (junho,
2002)

1.3.2 Três fases composicionais

De fato, as 76 obras de Armandinho sobreviveram graças ao seu contato com


alguns violonistas que se propuseram a escrevê-las, a algumas gravações
realizadas por outros violonistas e, principalmente, ao trabalho de catalogação
realizado por Olavo Nunes Rodrigues.
Analisando as datas de suas composições, dividimos a sua produção nas
seguintes fases: a primeira, abrangendo as composições da década de 1920; a
segunda, as décadas de 1930 e 1940; e, finalmente, a terceira, de 1950 a 1973, ano
de sua última composição.
As composições de sua primeira fase foram escritas entre 1925 e 1928,
lembrando ser este o período de sua inclusão no ambiente musical de São Paulo,
participando de vários conjuntos (Chorões Sertanejos, Turunas Paulistas, entre
outros), e das primeiras transmissões irradiações radiofônicas (Rádio Educadora e
Rádio Record). Deste período encontramos oito composições, os choros Guru,
Pinheirada, Serrano e Recordando Nazareth, as valsas Colibri, Soluços de Virgem e
Valsa (14)86 e a Mazurca (1).
O choro Serrano foi composto em parceria com João Pernambuco, autor da
primeira parte, e Armandinho87, da segunda, como nos informa Ronoel Simões:
O João Pernambuco vinha do Rio aqui e, como era natural, ele sempre se
encontrava com Armandinho. E um dia foram a Santos, não sei, acho que foram
tocar em Santos. E o nome do choro era Serrano, porque era no alto da Serra que

86
A numeração é dada entre parênteses por ter sido acrescida em data posterior à composição. Ver
Capítulo III.
87
Anotações pessoais de Olavo Nunes Rodrigues a partir do depoimento de Armandinho. Arquivo
Armandinho. p16.
começaram a compor esse choro, sabe? Tem Serrano e tem outro, Pinheirada
também, junto com o João Pernambuco, muito bonito o choro! (novembro, 2002)
Tanto o choro Serrano quanto o Pinheirada (1925), também em parceria com
João Pernambuco, sobreviveram apenas na memória de seu companheiro Aimoré,
quando em 1977 foram gravadas em fita cassete e, finalmente, transcritas.
As décadas de 1930 e 1940, considerando-se o grande espaço de tempo,
foram as menos produtivas no que se refere às composições. Deste período
encontramos registros de apenas sete trabalhos: as valsas Noite triste e Mathilde, o
Choro (10) e a toada Flor da saudade, e três obras que consideramos perdidas.
A catalogação das obras consideradas perdidas foi possível graças aos
documentos de cessão de direitos autorais88 encontrados no Arquivo Armandinho.
Não temos dúvida de que no período em questão, com mercado musical em
emergência, a venda de músicas autorais às gravadoras e editoras era uma forma
de os compositores ampliarem suas fontes de rendimento. Não fugindo à regra,
Armandinho cedeu os direitos autorais das três composições em questão.
Em 06 de março de 1931, a composição de letra e música do samba Mulher
desprezada foi cedida para a Victor Talking Machine Company of Brazil, recebendo
“duzentos réis por cada disco que sirva para reproduzir mecanicamente uma das
referidas composições e que seja vendido pela VICTOR Co”.89
No dia 24 do mesmo mês, cedeu os direitos de letra e música da marcha
intitulada A turma é bamba90, com as mesmas “regalias” que o contrato anterior91, e
em 7 de janeiro de 1933, os direitos autorais da marcha Falando sozinha. Neste
último documento, entretanto, não fica claro com qual companhia foi efetivado o
contrato.
Parece que esta prática de cessão de direitos autorais também se dava de
maneira informal entre os músicos, através de documentos escritos de próprio punho
dos autores, autorizando sua utilização.

88
Em 1928, foi estabelecida a primeira lei que buscou regulamentar as relações entre compositores,
editoras e gravadoras. Criada por Getúlio Vargas, quando deputado no Rio Grande do Sul, a lei
estabelecia o pagamento de direitos autorais por parte das empresas do setor de gravação e
editoração musical, e acabou conhecida como “Lei Getúlio Vargas”.
89
Convênio de concessão de direitos autorais, 06 de março de 1931. Arquivo Armandinho.
90
Convênio de concessão de direitos autorais. 24 de março de 1931. Arquivo Armandinho.
91
Este documento foi utilizado por Armandinho para pedir sua aposentadoria como músico em 1973.
Está escrito com sua caligrafia.
Em documento datado de 28 de dezembro de 1932, o Dr. Paulo Machado de
Carvalho, proprietário da Rádio Record, cedeu os direitos de impressão e gravação
da canção de sua autoria, Eu gosto tanto de você, a Armandinho92; e em 18 de
janeiro de 1935, também em papel manuscrito assinado por Vicente de Lima,
compositor e flautista que obteve a segunda colocação no Grande Concurso de
Música Brasileira de 1931, uma autorização ao músico Nestor Amaral para gravar a
canção Saudade venenosa, e da valsa-canção Diante da própria cruz, para as quais
Armandinho teria composto a música e Vicente Lima, os versos. Também não
encontramos referências a quaisquer gravações.
Acrescentaremos ainda às obras perdidas as composições citadas no recorte
do jornal Correio de São Paulo, de 1934: Como é lindo o teu olhar (valsa), Linda e
cruel (canção) e Paraíso dos sonhos (valsa). A música Evocando Nazareth
provavelmente se refere ao Choro 18, editado como Recordando Nazareth. É
interessante notar que suas obras eram executadas por várias formações
instrumentais e não só ao violão.

92
Papel datilografado. Arquivo Armandinho.
Sabemos que naquele período ampliavam-se as possibilidades de atuação
dos músicos, exigindo-lhes maior disponibilidade e dedicação às atividades em
emergência, como gravações e programas radiofônicos. Sabemos também que, nos
anos 1930, Armandinho conquistava e construía seu prestígio e status como
instrumentista perante os músicos e ouvintes paulistas ao vencer o I Concurso de
Música Brasileira de 1931 e ao assumir o cargo de chefe do Regional da Record.
Vale aqui lembrar novamente que, dividindo seu tempo com as atividades
musicais, dedicava-se a um cargo público que exercia durante o dia. É
compreensível que, com todas essas atividades que tiveram o seu auge na década
de 1940, Armandinho tivesse pouco tempo para se dedicar à composição, atividade
retomada ao final da década de 1950, a qual passamos a abordar.
Faremos uma subdivisão dentro da terceira fase de produção de Armandinho.
A primeira, de 1950 a 1958, da qual encontramos 14 composições, e que coincide
com o início da Televisão no Brasil e com sua aposentadoria do serviço público; e a
segunda, de 1959 a 1973, da qual encontramos 37 composições93, e que coincide
com o período de sua convivência com os violonistas Geraldo Ribeiro e Vital
Medeiros, responsáveis pelo maior número de transcrições de suas obras, e sua
saída da Rádio Record.
Em 1954, conheceu o músico e poeta Elpídio dos Santos94, que passou a
freqüentar os encontros musicais na casa de Armandinho. Juntos compuseram
Carreteiro95 e as valsas Segredo (1954), Realidade (1954) e Longe dos olhos
(1956), para as quais Armandinho teria composto a música e Elpídio dos Santos, a
letra. São ainda desse período os Prelúdios 2, 7 e 8, o choro Galho seco, a Mazurca
2, o Estudo 1, a Guarânia, a Canção 1, a Cantiga de ninar 1 e as Valsas 2 e 3. É
interessante observar a variedade de gêneros nos trabalhos de Armandinho,
demonstrando influências não só da música popular brasileira mas também da
música erudita (como nos prelúdios) e de outras culturas (como a guarânia).
No período de 1959 a 1973, encontramos 37 composições. Vale ressaltar
que, dentre os 18 choros compostos, 10 são desse período.

93
Vale lembrar que não foi possível precisar as datas de 9 composições de sua produção total.
94
Elpídio dos Santos (1909-1970). Nascido em São Luís do Paraitinga, músico e poeta, foi o
principal compositor das trilhas dos filmes de Mazzaropi.
95
Não podemos precisar a data nem o gênero,pois encontramos apenas a letra. Arquivo Armandinho.
A partir de 1959, Armandinho passou a compor intensivamente, resultando,
como já referimos, em 37 composições. Naquele ano conheceu o violonista Geraldo
Ribeiro96 através do construtor de violões Romeu di Giorgio em um sarau na casa de
um amigo em comum, o dentista Dr. Salles Navarro. Lá ficaram amigos e, como
Geraldo Ribeiro procurava lugar para morar, Armandinho o convidou para se
hospedar em sua casa o tempo que fosse necessário, dando início então a uma fase
importante de preservação e ampliação de sua obra musical.
Geraldo Ribeiro morou com Armandinho durante um ano – de 1959 ao final
de 1960 – período no qual, além de transcrever muitas obras de Armandinho (34),
passou a incluí-las em seu repertório, apresentando-as em recitais no Brasil e no
exterior, e divulgando-as entre seus alunos. Em 1970, gravou o LP Geraldo Ribeiro
interpreta Armandinho, com 12 obras, lançado em conjunto com um álbum das
partituras das músicas gravadas.
Suas composições foram muito bem recebidas e elogiadas pela imprensa,
como pode-se notar nos comentários abaixo.

Lançamento da Fermata nos traz composições de Armandinho que


tiveram sua época de ouro nos idos de 1930 [...] Explorando as
cordas graves do violão, as composições de Armandinho possuem
atrativos dos mais raros.97

As músicas de Armandinho
Já por várias vezes falamos sobre a extraordinária valorização que o
violão passou a ter no Brasil, em termos fonográficos, nos últimos
anos. Se até há alguns anos somente se conheciam os LPs de
Dilermando Reis, a partir de 1960 - principalmente com a valorização
que a Bossa Nova deu ao “pinho” - os discos de solistas de violão
passaram a fazer parte obrigatória dos catálogos das principais
gravadoras. E não apenas no campo popular, mas – o que é
importante – também no setor erudito.
Pela Fermata, vem de sair um belo álbum com Geraldo Ribeiro
interpretando 12 composições de Armando Neves, Armandinho, um
importante compositor pouco divulgado. Nascido em Campinas [...]
teve uma vida rica de atividades artísticas pontilhadas por um grande
número de composições inspiradas de harmonização correta, estilo

96
Geraldo Ribeiro, 1939, nasceu em Mundo Novo, no estado da Bahia. Já em São Paulo foi aluno do
compositor Theodoro Nogueira e, aos dezenove anos, gravou seu primeiro LP, com obras de
Augustin Barrios. Em 1966, Geraldo Ribeiro mudou-se para Brasília para exercer o cargo de
professor-titular de violão no Instituto Central de Artes, Departamento de Música da Universidade de
Brasília, cargo que ocupou até 1976. Gravou, em 1980, o LP Garoto, com 14 músicas inéditas
transcritas por ele. Hoje vive e leciona no Conservatório de Música de Tatuí.
97
Shopping News. São Paulo, 19 de abril de 1970.
próprio [...] Um bom disco, com um ótimo violonista, valorizando
musicas de um importante compositor brasileiro.98

A partir deste LP, amplamente divulgado e elogiado pela imprensa em âmbito


nacional, as obras de Armandinho passaram a ser incluídas em eventos até então
inéditos em toda sua carreira como compositor. A transmissão das composições
gravadas em um programa exclusivo na rádio BBC de Londres, em 30 de julho de
197199; a inclusão da composição Choro 1 como opção de execução aos candidatos
do Primeiro Concurso Estadual (São Paulo) de Violão100 , promovido pela Secretaria
de Cultura, Esportes e Turismo, em dezembro do mesmo ano; e, finalmente, uma
palestra sobre a vida de Armandinho proferida pelo violonista Lúcio Campello, em
março de 1973, na Escola de Música de Brasília, em evento organizado por Geraldo
Ribeiro101 , são alguns exemplos da referida inclusão de suas composições.
Outros violonistas importantes para o resgate da obra de Armandinho foram:
Vital Medeiros, freqüentador assíduo de sua casa, que escreveu 16 composições;
Aymoré, companheiro de profissão desde 1928 quando tocaram juntos no grupo
Chorões Sertanejos; o violonista erudito Alfredo Scupinari; e, finalmente, o violonista
Francisco Araújo, aluno de Aymoré.

1.3.3. Os últimos anos de Armandinho

Após o lançamento do LP de Geraldo Ribeiro, Armandinho encerrou sua


atividade como compositor tendo composto apenas um Choro na década de 1970, o
de número 7. Vivendo com uma modesta aposentadoria (Cr$600,00 – seiscentos
cruzeiros) do serviço público e como músico, passou a se dedicar à criação de
canários, hobby que teria iniciado em meados da década de 1950, e à pintura. Em
1974, ainda em companhia de seu irmão Alípio, mudou-se para o bairro de
Santana, deixando para trás a casa do Glicério, onde viveu por toda sua vida. Neste
período poucas pessoas freqüentavam sua casa, à exceção de Geraldo Ribeiro e
Olavo Rodrigues Nunes. No ano seguinte, com o falecimento de seu irmão em 5 de

98
“As músicas de Armandinho”. O Estado do Paraná. Curitiba, 21 de março de 1970.
99
Rádio BBC de Londres, 1971, programa mimeografado. Arquivo Armandinho.
100
“Concurso de violão: peças e prêmios”. Folha da Tarde. São Paulo, 06 de dezembro de 1971.
101
“Armandinho em Audição em família”. Correio Brasiliense. Brasília, 29 de março de 1973.
julho102, Armandinho passou a viver cada vez mais sozinho e, como que
pressentindo o final de sua vida, em 1976, escreveu de próprio punho um
testamento no qual relacionou todas as composições editadas e gravadas
manifestando sua intenção em doar todas as composições e os direitos autorais ao
Asilo de Velhos Ondina Lobo.
Apesar do breve período de divulgação de sua obra proporcionado pela
gravação do LP de Geraldo Ribeiro e das dedicatórias acrescidas em suas músicas
aos violonistas, poucos deles de fato executavam suas peças . Armandinho
expressava seu descontentamento proferindo frases como ”essa turma não que
saber de minha música” ou “também não dedico mais músicas para puto nenhum”
registradas nas anotações de Olavo Rodrigues Nunes no período em se dedicavam
à catalogação de sua obra (provavelmente a partir de 1968). Em seu testamento, o
qual reproduziremos a seguir, Armandinho demonstrava acreditar no valor de sua
obra considerando-a seu único bem:

São Paulo, 1976.


Prezado Sr. Eurico Ribeiro
Digníssimo Presedente do Asilo Ondina Lobo.
Eu, Armando Neves, brasileiro, solteiro, maior de idade e em pleno
gozo das minhas faculdades mentais, declaro que é do meu desejo
final, deixar como herança após minha morte os direitos autorais das
minhas músicas – as que estão impressas e as que estão gravadas
em discos – ou mais – as que são inéditas, que são inúmeras. De
forma que o Asilo Ondina Lobo, na pessoa de seu presidente será
meu herdeiro universal pois creio eu que minhas [músicas] valerão
muito no futuro e não já. Nada mais tenho a deixar pois sou pobre.
Eis a relação das músicas impressas e gravadas.” [as músicas
relacionadas constam do terceiro capítulo]

Armandinho faleceu no dia 12 de outubro de 1976, de infarto do miocárdio,


pobre e anônimo.

102
Atestado de Óbito. Arquivo Armandinho.
2. OS CHOROS

2.1 Choro e chorões paulistas

Sabemos que o choro, como forma de tocar, teve seu nascimento no Rio de
Janeiro, ao final do século XIX. Segundo Tinhorão, o termo teria surgido através da
forma “chorosa” como os músicos executavam as polcas, aprendidas “de ouvido” em
conjuntos à base de violões, cavaquinhos e algum instrumento solista.

Esses artistas aprendiam uma polca de ouvido e a executavam para


que os violonistas se adestrassem nas passagens modulatórias,
transformando exercícios em agradáveis passatempos. (TINHORÃO,
s/d, p.103)

Como gênero, o choro se consolidou com músicos como Joaquim Antônio


Callado - Chiquinha Gonzaga - Anacleto de Medeiros e, no século XX, através de
músicos como Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Não nos interessa, aqui, aprofundar
o desenvolvimento do choro no Rio de Janeiro, e sim como teria penetrado e
influenciado o ambiente musical paulista.
Segundo Vinci de Moraes, em Sonoridades Paulistanas, no início do século
XX, em São Paulo, o choro e a serenata, ainda como modo de interpretação e não
como gênero consolidado, caminharam juntos durante algum tempo, pois tinham
alguns aspectos em comum, como o modo informal de se organizarem e de se
expressarem, a base instrumental (violões, cavaquinho e algum instrumento solista)
e o fato de os músicos serem amadores, porém bons instrumentistas.
O termo “choro” também era utilizado para designar os conjuntos que
acompanhavam serenatas e atuavam como animadores musicais de festas
domésticas nos bairros populares. Os integrantes desses conjuntos, chamados
“chorões”, realizavam encontros musicais informais chamados “rodas de choro”, nas
quais se aperfeiçoavam ao instrumento e desenvolviam o repertório. Como a maioria
dos chorões era proveniente dos extratos intermediários da sociedade paulistana,
não havia condições de freqüentar e pagar escolas de música; portanto, os aspectos
técnicos e teóricos eram passados por meio das relações informais ou influência
direta dos familiares.
Após esta iniciação musical, o aperfeiçoamento na execução se dava por
meio da prática em festas, serenatas e concorridas rodas de choro. Segundo o
bandolinista Isaías de Almeida103 , as rodas têm uma importância fundamental na
formação do chorão, permitindo-lhe “o exercício da memória, da destreza ao
instrumento, do ouvido e do sentimento na interpretação, tornando-o um músico
completo”.
No mapa a seguir, reproduzido por Vinci de Moraes, podemos ter uma idéia
dos núcleos de choro da cidade de São Paulo, na década de 1930.

103
Isaías de Almeida, 07/06/1937, bandolinista. Trabalhou nas rádios Difusora e Tupi; tocou no
Regional de Antônio D’Áurea, o Conjunto Atlântico; formou o conjunto Bola Preta e, atualmente, é
idealizador do conjunto Isaías e Seus Chorões. Entrevista realizada por Andréa Paula Picherzky, em
setembro de 2001, no Arquivo da Biblioteca do Teatro Municipal de São Paulo.
Ainda segundo Vinci de Moraes, o repertório executado nestas rodas era
variado com relação aos estilos, porém restrito com relação à quantidade, pois o
acesso a gravações e partituras só foi ampliado a partir de meados da década de
1920. Lembremos ainda que, naquela década, como referido no Capítulo I, alguns
grupos do Rio de Janeiro e do Norte se apresentaram em São Paulo, incentivando a
formação de conjuntos e trazendo novo repertório para os músicos paulistas.
Com o crescimento das atividades radiofônicas na década de 1930, os
“choros” passaram a ser chamados de “regionais” e se multiplicaram pelas rádios e
atividades musicais da cidade. A maioria dos músicos populares que despontaram
no cenário musical paulista, principalmente na década de 1930, iniciou-se
musicalmente nessas rodas.
Não podemos deixar de citar aqui que, além dos cinemas e teatros, ainda nas
décadas de 1920 e 1930, os circos eram um importante espaço de atuação para os
músicos paulistas. O cantor Paraguassu, por exemplo, alavancou sua carreira ao
trabalhar, em 1908, com o palhaço negro Eduardo das Neves (1873-1919), carioca
que fazia uma temporada em São Paulo com o Circo Teatro Pavilhão Brasileiro.
Assim como ele, atuaram também em circos vários músicos, como Garoto, Canhoto
e Antônio Rago. (MORAES, 1995, p.176)
É interessante também destacarmos alguns aspectos em comum aos
músicos paulistas. Como foi apresentado no Capítulo I, a presença de negros nos
grupos de choro paulistas, ao contrário do Rio de Janeiro, era quase nula, não
ocorrendo o mesmo com os instrumentos introduzidos pelos imigrantes, como o
violino e o acordeom, nos conjuntos regionais – prova disso é a inclusão da
categoria violino no Primeiro Concurso de Música Brasileira de 1931.
Outro aspecto comum é o fato de a grande maioria dos músicos, assim como
Armandinho, ser descendente de imigrantes (sua mãe era italiana) e exercer alguma
profissão paralela à música. O flautista João Dias Carrasqueira, por exemplo, era
filho de portugueses e trabalhava como pintor de cerâmica da indústria dos Irmãos
Ferreira; o violonista Garoto, também filho de portugueses, trabalhava como
ajudante numa casa de instrumentos musicais no Brás (Garoto 15); o violonista
Canhoto era filho de napolitanos e trabalhava como pintor de painéis.
Não há dúvida de que as influências musicais recebidas de suas origens
contribuíam para desenvolver nos músicos uma versatilidade que lhes possibilitava
executar vários ritmos e gêneros musicais. O violonista Antônio Rago, por exemplo,
filho de calabreses, “era um autêntico quebra-galho, pois acompanhava qualquer
ritmo ou cantor, transitando da música italiana ao tango, e do samba ao choro”.
(MORAES, 2000, p. 256)

Nesta fotografia pudemos identificar Antonio D’Áurea (1912 - ?), filho de


imigrantes italianos; estudou mecânica no Liceu de Artes e Ofícios e trabalhou na
Empresa Cinematográfica Pathé. Paralelamente, atuava como violonista,
acompanhando cantores, tendo sido o idealizador da primeira formação do célebre
Regional Atlântico. Segundo Isaías de Almeida, sua casa era um importante local de
reunião de músicos. Também o violonista Juracy B. Wey (1910 - ?), que,
paralelamente às atividades musicais, trabalhava como funcionário publico do Poder
judiciário e organizava rodas de choro com Antônio D’Áurea.
2.2 O Violão de Armandinho

Acompanhando cantor em 1931. Arquivo Armandinho.

Na foto acima, acompanhando o cantor Francisco Alves, podemos notar que


Armandinho usava uma dedeira no polegar da mão direita. Geralmente de metal,
este acessório, característico dos violonistas de sete cordas nos conjuntos regionais,
auxilia no destaque sonoro das cordas graves do instrumento. Hoje em dia, com o
aperfeiçoamento na construção dos violões e na qualidade das cordas de nylon,
muitos músicos dispensam este acessório.
Encontramos, em seu arquivo pessoal, o último jogo de cordas – de nylon –
do violão de Armandinho. Acreditamos, porém, que, durante o período de sua
atuação nas emissoras radiofônicas, Armandinho usava cordas de aço, pois
possuíam maior projeção sonora, facilitando a captação dos microfones.
Nesta outra foto, do mesmo ano que a anterior,
podemos observar a postura de Armandinho. Apesar de
não utilizar o “apoio de pé”, e o violão estar apoiado na
cadeira, sua postura é bastante semelhante à dos
violonistas eruditos que apóiam o instrumento sobre a
perna esquerda e mantém o braço do violão levemente
suspenso. O violão desta foto é, provavelmente, da
marca Del Vecchio, presente dos Diretores da Rádio
Record, em 1928.

Uma das primeiras características que nos chamou a atenção nesta pesquisa
foi a afinação do violão utilizada por Armandinho. Ao invés da usual do violão, Mi –
Si – Sol – Ré – Lá – Mi (partindo-se da corda mais aguda para a mais grave),
Armandinho utilizava a sexta corda, a mais grave, afinada em Ré, portanto um tom
abaixo do usual, resultando na afinação: Mi – Si – Sol – Ré – Lá – Ré.
Esta afinação amplia a possibilidade de utilização de alguns recursos
harmônicos, principalmente para certas tonalidades específicas, como Sol maior ou
menor, Ré maior ou menor. Em Sol maior ou menor, possibilita o salto de quarta
ascendente na cadência V – I (ou D7 → G ou Gm); em Ré maior ou menor, o salto
de quinta descendente na cadência V – I (A7 → D ou Dm), ambas caracterizando o
movimento forte da cadência perfeita.
Acreditamos ser plausível este ter sido um dos critérios de escolha para a
utilização dessa afinação, apesar de não ter sido o único. O fato de ter dois semitons
mais graves propicia também conduções melódicas mais enriquecidas, sem que
haja a necessidade de interrompê-las com saltos ou com mudanças de
direcionamento por falta de tessitura.
Além dos aspectos musicais acima descritos, acreditamos que Armandinho foi
influenciado por dois violonistas, em especial, que também utilizavam essa afinação:
o paraguaio Agustín Barrios e o pernambucano João Teixeira Guimarães, conhecido
como João Pernambuco. É interessante observar que, além da afinação com a
sexta corda em Ré, Barrios variava também a afinação da quinta corda, em vez de
Lá a afinava em Sol, como nas músicas Choro da Saudade e Confession, conferindo
uma sonoridade ímpar ao instrumento.
Com o intuito de expor suas opiniões, reproduzimos abaixo os trechos das
entrevistas de Antônio Rago e Geraldo Ribeiro, músicos que conviveram
profissionalmente com Armandinho, nas quais este assunto foi abordado. É
interessante, apesar de diferentes a nosso ver, que estas opiniões se
complementam. Vejamos o que diz Antônio Rago:

Então, pra mim o Armandinho foi uma pessoa magnífica. Foi um dos
violonistas extraordinários! E outra coisa, o Armandinho não tinha
nada de violão sétima [referindo-se ao violão de sete cordas104] e
coisa e tal. Eu conheço violão sétima de quando eu era menino, os
portugueses usavam muito para fazer como se fosse um contrabaixo.
Mas o tom deles era um tom natural e com facilidade. Hoje está se
fazendo um violão de sétima com mais idéias de acordes, mais pra
frente, né? Mas Armandinho condenava, e dizia: “Não, a gente faz
aqui mesmo” [no violão de seis cordas]; então ele tocava com a sexta
em Ré. Você vê que o Armandinho estava sempre com a sexta em
Ré. Ele era igual a João Pernambuco, ele pegou do João
Pernambuco, que eles eram amigos.
E também no regional ele acompanhava com a sexta em Ré.
Sempre com a sexta em Ré. Podia ser Lá bemol, Si bemol, [a
tonalidade] não tinha problema nenhum.
Naquele tempo, era “encostar” nos outros. Encostar e levar pra casa
o que pegou do outro e freqüentar o ambiente. E Armandinho se
encostou em João Pernambuco.(junho de 2002)

Na opinião de Geraldo Ribeiro, essa influência viria de Agustín Barrios:

Ele [Armandinho] sempre me dizia: “Olha, a música de violão


tem que ser caracterizada através dos baixos, tem que
movimentar os baixos e os violonistas, geralmente os
compositores populares ficavam só no “Mi-Lá-Mi-Lá”. E ele dizia
que tinha que movimentar os baixos, dar variedade nos baixos.
Isso era uma característica muito interessante dele, né? E a
temática dele é bem dele, né?

104
O violão de sete cordas é um instrumento bastante utilizado nos conjuntos regionais de choro, e
cumpre a função de condução melódica através do contraponto em relação à melodia, geralmente
realizada por um instrumento solista. A sétima corda é a mais grave, sendo usualmente afinada em
Dó; no entanto, vários músicos hoje em dia a afinam em Si, ampliando ainda mais as possibilidades
melódicas.
A maioria de suas peças [de Armandinho] é escrita com a sexta
corda em Ré. Você acha que sua intenção era ampliar a
possibilidade melódica dos baixos?
Isso mesmo, ampliar essa possibilidade, porque ele achava que
a música para violão tava muito pobre a respeito dos baixos,
não é? Os baixos é que caracterizavam o choro, então muito
pobre porque só ficava no Mi-Lá-Mi-Lá. De vez em quando ele
falava: ”O Dilermando é muito bom violonista, mas só fica no Mi-
Lá-Mi-Lá..., o Canhoto a mesma coisa”, ele falava pra mim, então
ele queria botar outras notas, o Ré, o Sol, não é?

O João Pernambuco já foi um músico que explorava um pouco mais,


não é?
Ah, esse sim! O Armandinho falava muito bem dele. Ele era
muito amigo do Armandinho, foi muito amigo. Fizeram muitas
viagens juntos e tudo, né?

Então ele era acompanhador, usava o violão de seis cordas sempre


com a sexta em Re, independente da tonalidade?
Independente da tonalidade; veja só o Choro em Dó maior que
ele tem [Choro 9], é com a sexta em Ré. Mas aí é o seguinte, por
que é que o Armandinho se interessou já desde cedo fazer as
composições baseando nos baixos? Melhorando e
enriquecendo os baixos, por quê? Por causa do Barrios. Aí ele
andou pegando muita coisa do Barrios. Ele tocou para Barrios
também e o Barrios o aconselhou a estudar música. (novembro
de 2002)

Não queremos concluir que Armandinho foi um inovador ao utilizar essa


afinação, pois vários violonistas, seus contemporâneos – Dilermando Reis, Canhoto,
Garoto, João Pernambuco e Agustín Barrios – já a utilizavam. No entanto, não resta
dúvida de que ele foi um dos violonistas, se não o único, que a transformou em sua
própria afinação usual, utilizando-a nas composições e no seu dia-a-dia como chefe
de regional, no qual exercia a função de acompanhador.
Observando-se as tonalidades dos dezoito choros, apenas cinco foram
compostos com a afinação usual: Choros 11 e 14 em Lá menor, Choro 15 em Mi
menor, Choro 16 em Ré maior e Choro 18 em Lá maior. Dos treze choros restantes,
seis estão na tonalidade de Sol maior – Choros 1, 2, 6, 7, 8,10 -, três em Dó maior -
Choros 4, 9 e 12 -, um em Ré maior – Choro 13 -, e finalmente três em Ré menor –
Choros 3, 5 e 17.
2.3 O Choro de Armandinho

É fato que Armandinho era visto por seus companheiros de profissão como
um ótimo músico. Nas entrevistas realizadas para este trabalho, todos, sem
exceção, definiram-no como um compositor rebuscado para um músico popular.
Rago nos conta que, quando estava iniciando sua carreira, respeitava e tinha
vergonha de tocar para “o mestre” e, mais adiante em sua entrevista, diz sobre suas
composições: “nós o chamávamos de Beethoven, suas composições eram difíceis
de serem tocadas pelo regional, algumas não cabiam”.
Geraldo Ribeiro vai mais adiante e afirma que Garoto, freqüentador assíduo
de sua casa, teria sido profundamente influenciado por Armandinho. E, ainda, qual
seria o motivo que teria levado Geraldo Ribeiro, violonista e concertista de caráter
erudito, a se interessar não apenas em escrever, mas gravar e divulgar sua obra?
Não temos dúvida de que o fato de Armandinho ter sido um músico
puramente auditivo contribuiu para que desenvolvesse alguns procedimentos
composicionais pessoais, e às vezes repetitivos, os quais buscaremos aqui destacar.
Apesar ter composto em vários gêneros, neste capítulo faremos um recorde no
repertório abordando apenas as composições denominadas Choros, que serão
apresentados seguindo-se a ordem cronológica de composição.
Ao apontar os aspectos rítmicos, melódicos ou harmônicos que mais nos
chamaram a atenção em cada obra, e elementos comuns encontrados entre obras
de um mesmo período, buscamos, se assim podemos chamar, a identidade musical
de Armandinho como chorão.

• Considerações sobre as análises

Com relação à forma tradicional do choro, Mário Seve nos dá a seguinte


explicação:

Um choro típico possui três partes – A, B e C – e sua estrutura


estabelece modulações para tons relativos, vizinhos ou homônimos
entre as partes que costumam ter dezesseis compassos cada uma.
O padrão de execução dessas partes obedece à seguinte ordem:
AABBACCA. É uma tendência moderna os choros diminuírem os
números de partes, ou até mesmo partirem para modulações mais
bruscas. (SEVE, 1999, p.19)
Em nosso caso, e em se tratando de obras para serem executadas apenas ao
violão e não por um grupo regional – com instrumentos que cumprem funções
específicas, como solista, acompanhador e ritmo – , a afirmação sobre o número de
partes não condiz com o levantamento por nós realizado.
Observando os choros para violão solo de alguns compositores paulistas e
contemporâneos de Armandinho, notamos que a maioria foi composta em duas
partes, ao contrário dos choros de João Pernambuco, que são em sua maioria
compostos por três partes. Os choros para violão de Garoto, Sinal dos tempos, A
caminho dos Estados Unidos, Carioquinha, Tristezas de um violão, Enigma, Nosso
choro, Choro triste 2 e Jorge do Fusa, todos têm apenas duas partes. Em
contrapartida, os choros do mesmo compositor, escritos apenas com melodia e
cifras indicando a possibilidade de execução por um conjunto regional, têm, em sua
maioria, três partes, como os choros Caramelo, Pingo de ouro, Puxa-puxa,
Relâmpago e Vamos acabar com o baile.
Os choros do também paulista Dilermando Reis têm, em sua maioria, duas
partes, como Caboclinho, Conversa de bahiana, Divagando, Dr. Sabe-tudo,
Serenata e Magoado. E, finalmente, Canhoto, apesar de ter composto poucos
choros, sua composição Olhos Feiticeiros também tem apenas duas partes.
Com relação às modulações no choro, estas ocorrem “entre” as partes que o
compõem. Dificilmente ocorre uma mudança de tonalidade e sua afirmação em uma
única parte, ou seja, a partir da tonalidade inicial pode haver no máximo uma
cadência sobre um grau secundário, sendo a cadência final sempre no tom original.
Já, entre as partes, é comum a mudança de tonalidade para a região da dominante,
subdominante, relativos e homônimos maior ou menor. Harmonicamente, Seve nos
lembra de alguns procedimentos usuais no choro:

Nas seqüências harmônicas utilizam-se freqüentemente movimentos


lineares descendentes ou ascendentes, diatônicos ou cromáticos, na
linha do baixo. (SEVE, 1999, p. 19)

Vale ressaltar que, dentro de um conjunto regional, esta prática está implícita
nas inversões harmônicas realizadas pelos instrumentos acompanhadores, os
violões de seis e de sete cordas.
Os acordes diminutos, gerados pelo VII grau do modo menor harmônico, são
freqüentemente utilizados como acordes de passagem ou substitutos de acordes
dominantes. Também são comuns os acordes diminutos utilizados como “de
passagem”: estes acordes se apresentam geralmente no tempo fraco do compasso,
sendo utilizados de forma cromática ascendente ou descendente, garantindo a
condução de um acorde ao outro sem que haja quebra da melodia do baixo. E,
finalmente, a utilização de acordes diminutos como acordes substitutos de
dominantes que preparam acordes menores.
Com relação aos choros de Armandinho, apresentamos a seguir um quadro
discriminando a data, a forma e a tonalidade de cada choro. Podemos notar que, em
sua maioria, os choros foram compostos em duas partes, sendo apenas os choros
Recordando Nazareth e Pinheirada em três partes.

Década de 1920 Forma Tonalidade


1925 - Pinheirada - Choro 16 Ternária A- Ré maior, B- Sol maior, C- Sol maior
1926 - Serrano - Choro 17 Binária A- Ré menor, B-Ré maior
1927 - Guru - Choro 12 Binária A- Dó maior, B- Dó maior
1928 - Recordando Nazareth - Ternária A- Lá maior, B- Mi maior, C- Ré maior
Choro 18
Década de 1940
1940 - Choro 10 Binária A- Sol maior, B- Ré maior
Década de 1950
1956 - Galho seco - Choro 14 Binária A- Lá menor, B- Lá maior
1959 - Choro 2 Binária A- Sol maior, B- Sol maior
1959 - Choro 6 Binária A- Sol maior, B- Sol maior
Década de 1960
1960 - Choro 1 Uma parte A- começa em Sol maior e termina em
Ré menor.
1963 - Choro 3 Binária A- Ré menor, B- Ré maior
1963 - Choro 4 Binária A- Dó maior, B- Lá menor
1963 - O dono da bola - Choro 11 Binária A- Lá menor, B- Dó maior
1964 - Choro 5 Binária A- Ré menor, B- Fá maior
1967 - Choro 8 Binária A- Sol maior, B- Sol maior
1968 - Choro 9 Binária A- Dó maior,B- Fá maior
Década de 1970
1973 - Choro 7 Binária A- Sol maior, B- Ré maior
Composições sem data
Doloroso - Choro 13 Binária A- Ré maior, B- Sol maior
Quebrando o galho - Choro 15 Binária A- Mi menor, B- Mi maior

No decorrer do capítulo, apresentamos os trechos citados de cada obra,


disponibilizando em seu final as partituras na íntegra. Vale lembrar, como veremos
no Capítulo 3, que a enumeração da maioria das obras cumpre a função apenas de
catalogação e, portanto, não reflete uma ordem cronológica de composição.
Apesar de estarmos nos referindo apenas aos choros, as datas de suas
composições refletem a sua produção no geral, sendo que a década de 1940 foi o
período de menor produção e de meados de 1950 ao início dos 1970 encontramos o
maior número de composições entre vários gêneros, inclusive de choros.

2.3.1 Os choros da década de 1920

É importante observarmos que os únicos choros compostos em três partes


por Armandinho são deste período: Pinheirada, em parceria com João Pernambuco,
e Recordando Nazareth.
Encontramos alguns aspectos em comum aos choros dessa época. Em
primeiro lugar, com relação à harmonia, notamos a presença de poucas
dissonâncias – à exceção do choro Guru, do qual falaremos adiante –, progressões
harmônicas sempre ao redor das funções principais da tonalidade, ocorrendo
poucas inversões de acordes. Com relação ao acompanhamento, nota-se que os
acordes aparecerem em sua maioria com suas notas fundamentais no baixo,
conferindo-lhe uma função de apoio rítmico. Veremos que, a partir dos choros
compostos na década de 1940, esta função do baixo será alterada, passando a
realizar contrapontos com o tema principal, adquirindo maior importância melódica.

• Pinheirada (16) e Serrano (17).

Melodicamente, ambos apresentam um caráter mais próximo ao choro


tradicional, no qual a melodia encontra-se estruturada sobre notas da escala ou
arpejo de acordes, sendo, às vezes, suficiente para que se possa deduzir o
acompanhamento harmônico.

Pinheirada (16)

Podemos observar nas figuras 1 a 3 os temas das três partes anacrúsicos e


simétricos, ou seja, compostos de frases de oito compassos divididos em duas
semifrases de quatro compassos.
Figura 1

Figura 2

Figura 3

Com relação ao aspecto harmônico, as três partes seguem o mesmo


direcionamento harmônico, sendo os primeiros oito compassos I → V (dominante) e
os últimos oito compassos I → I (tônica).

Serrano (17)

Como já dissemos, a composição deste choro foi realizada em parceria com


João Pernambuco, que teria composto a parte A. Portanto, apresentamos apenas a
parte B (Figura 4), composta por Armandinho.
Figura 4

• Recordando Nazareth (18) e Guru (12)

Contrastando com os temas acima apresentados, estes dois choros têm seus
temas estruturados sobre a figura rítmica do maxixe – a síncopa com pausa na
primeira semicolcheia, no caso de Recordando Nazareth (Figura 5) e, como
variação, as colcheias seguidas de síncopa, no caso de Guru (Figura 6), imprimindo
um caráter rítmico à melodia.
Figura 5
Figura 6

Na parte B deste choro encontramos, pela primeira vez, a utilização de


acordes diminutos, que, como veremos, será bastante explorado por Armandinho
nos choros da década de 1960.

2.3.2. Os choros da década de 1940

• Choro 10

Único choro composto na década de 1940 e, segundo as anotações de Olavo


Nunes, bastante executado por Garoto.
Em relação aos choros até aqui descritos, a linguagem harmônica é o aspecto
que mais nos chama a atenção, sendo mais elaborada utilizando dominantes de
graus secundários – compassos três e quatro (Figura 7) e compassos um e dois
(Figura 8) – , e uma maior incidência de acordes diminutos utilizados como acordes
de passagem – segundo tempo dos compassos um e dois (Figura 7) e compassos
três e sete (Figura 8).
Outro aspecto importante é a relação mais dependente entre a melodia e o
acompanhamento, na qual, a partir da utilização de acordes invertidos, a condução
dos baixos passa a cumprir também uma função melódica, realizando um
contraponto com relação à melodia.
Vejamos a parte A, em Sol maior, observando apenas a melodia com baixo e
a indicação dos acordes em cifras:
Figura 7

Comparando com o choro Recordando Nazareth (Figura 5), encontramos o


mesmo motivo rítmico como estrutura do tema, a síncopa com pausa na primeira
semicolcheia, demonstrando ainda uma similaridade com a figura rítmica do maxixe.
No entanto, a diferença se dá na construção melódica, com apoggiaturas presentes
em todas as colcheias (assinaladas com o sinal +), e não apenas no primeiro tempo
do compasso, como no choro Recordando Nazareth.

Figura 8 – Parte B

Destacamos em azul na Figura 8, ainda referente à parte B do Choro 10, uma


seqüência melódica e rítmica estabelecida entre a melodia e o baixo que se repete
nos compassos seguintes. Como veremos adiante, a repetição de pequenas
seqüências harmônicas ou rítmicas torna-se bastante presente nos choros da
década de 1950, como no Choro 1, Doloroso, ou Quebrando o galho.

2.3.3 Os choros da década de 1950

Choro 2 e Choro 6 (1959)

Vale apontar que, nesse intervalo de tempo entre a composição do Choro 10


e dos Choros 2 e 6, Armandinho compôs mazurcas, valsas, prelúdios e canções (ver
Capítulo III), e acreditamos que esta prática de compor em outros gêneros ampliou o
seu repertório de elementos musicais que, como veremos, fazem-se notar nos
choros que a partir de agora abordaremos.
Apesar de terem sido compostos no mesmo ano e possuírem em comum a
tonalidade (Sol maior) e a forma (binária), os Choros 2 e 6 têm um caráter bem
contrastante.

• Choro 2 (1959)

Esta composição, em andamento lento, tem o caráter de choro-canção, no


qual a importância melódica é ressaltada com a indicação: cantando, presente no
início da partitura.
Harmonicamente, este choro nos apresenta elementos até então não
observados nos choros anteriores como:
• a utilização da subdominante menor (Figura 9):

Figura 9
• a ampliação da tonalidade realizando uma breve modulação para a região do
III grau (Si maior – B) (Compassos 21 -24) (Figura 10)

Figura 10

• e, finalmente, na cadência final, a utilização da seqüência VIb IIIb IIdim I,


típica da tonalidade menor, na cadência maior.

Figura 11

• Choro 6 (1959)

Como elementos novos, observamos neste choro a presença de síncopas


ligadas na estrutura melódica (em azul) do tema e, principalmente, apesar de ainda
em poucos momentos, a antecipação de acordes deslocados da pulsação (em
vermelho). Estes dois elementos serão muito explorados nos choros da década de
1960 (Choro 7, Choro 8 e Choro 11, por exemplo).
Figura 12

2.3.4. Os choros da década de 1960

Encontramos em alguns choros desse período a presença de elementos


harmônicos, rítmicos e melódicos em comum, os quais destacaremos a seguir;
porém, um deles, o Choro 1, diferencia-se de todos em vários aspectos.

• Choro 1 (1960)

Apesar de estar composto em Sol maior, tonalidade bastante utilizada em


suas composições, este choro difere de todos, em primeiro lugar por sua extensão,
sendo o mais longo deles; em segundo lugar, foi composto em apenas uma parte,
contrastando com a maioria, que contém duas partes; e, finalmente, por utilizar
recursos composicionais até então não explorados nos choros, como, por exemplo,
a repetição de motivos melódicos idênticos sobre harmonias diferentes.
Composto em homenagem ao violonista erudito Geraldo Ribeiro, este choro
tem como subtítulo o termo Erudito e, arriscamos afirmar que tenha sido composto
com a intenção de se diferenciar dos demais. Sua estrutura, livre do padrão do
choro, aproxima-o de um prelúdio.105

105
A estrutura do prelúdio é completamente livre. Muitas vezes o elemento temático não existe, e
contém apenas, como tema para estabelecer e definir a tonalidade, um simples desenho rítmico ou
melódico, algumas cadências dissolvidas em arpejos ou escalas. (ZAMACOIS, 1985, p. 214)
Outra surpresa deste choro é a sua coda, que, em vez de resolver no próprio
tom (Sol maior), finaliza na tonalidade de Ré menor. Por esse motivo, dividimos a
composição em A (Sol → Sol) e A’ (Sol → Dm).
Na Figura 13, observamos a seqüência harmônica II V I repetida a cada dois
compassos. Do compasso nove ao catorze, apresenta seqüência conduzindo ao
acorde Eb como SubV da Dominante (observar o motivo rítmico do baixo).

Figura 13

Na parte A, Figura 14, observamos do compasso dezesseis ao vinte e dois


um motivo melódico na voz aguda descendo por graus conjuntos (assinalado em
vermelho).

Figura 14

Do compasso vinte e quatro ao trinta e um (Figura 15), este mesmo motivo se


repete descendo também por graus conjuntos, porém sobre outra harmonia.
Figura 15

Um novo motivo melódico é apresentado do compasso trinta e dois ao trinta e


nove, na Figura 16 (em vermelho),

Figura 16

que será retomado nos compassos quarenta e quatro ao quarenta e sete, portanto já
na coda (Figura 17).

Figura 17
• Choro 4 (1963) e Choro 9 (1968)

Estes choros, por terem a mesma tonalidade – Dó maior – ajudam-nos a


confirmar o fato de Armandinho ter assumido a afinação do violão com a sexta corda
afinada em Ré, independentemente da tonalidade, dando valor ao argumento
mencionado no item 2.3.1, que aponta para a sua busca de uma maior amplitude
melódica na região grave.
Apesar de o Choro 4 estar em Dó maior, sua tonalidade só é explicitada ao
final do oitavo compasso da primeira parte com a cadência suspensiva em G7, e ao
fim desta, com a cadência conclusiva em Dó maior. Apesar de a nota si dos três
primeiros compassos ser natural, o movimento do baixo e a cadência em Ré menor
(assinalada em vermelho) demonstram uma intenção melódica e harmônica sobre a
região do II grau, aproveitando a maior extensão proporcionada pela afinação.

Figura 18

A parte B em Lá menor (Figura 19) apresenta seu tema estruturado sobre a


figura colcheia pontuada e semicolcheia, constituindo, assim como no Choro 1, um
motivo melódico que se repete sobre uma harmonia diferente:
Figura 19

Em azul, apontamos um procedimento encontrado em vários choros: a


descida harmônica cromática, da qual falaremos no próximo item.
Passaremos a destacar, agora, os elementos em comum presentes em
alguns choros.

a) O uso de um mesmo padrão melódico na construção de temas.

Vejamos na Figura 20 os quatro primeiros compassos dos choros 7 e 11.

Figura 20

Apesar da diferença na tonalidade, o Choro 7 em Sol maior e o Choro 11 em


Lá menor, ambas as melodias fazem um movimento ascendente, de sexta e terça,
respectivamente, descem uma quarta justa em graus conjuntos e saltam uma sétima
ascendente, resolvendo um tom abaixo na última semicolcheia do primeiro tempo.
• Choros 3 (1963) e 5 (1964).

Apesar de compostos com apenas dois anos de intervalo, seus temas são
bastante similares.
Podemos observar na Figura 21 que a harmonia e o direcionamento
melódico são praticamente os mesmos, sendo que o elemento que imprime um
caráter próprio a cada tema são o seu aspecto rítmico e o tratamento melódico dado
ao acompanhamento.

Figura 21

b) Uma mesma estrutura rítmica utilizada em vários choros e antecipação


harmônica.

Nos Choros 7, 8 e 11, os temas são estruturados com os mesmos elementos


rítmicos: as síncopas ligadas. Também notamos a utilização de antecipações
rítmicas dos acordes ou da melodia em relação aos baixos, que se mantêm
marcando a pulsação. Lembramos que no Choro 6 (1959) este elemento foi
identificado de forma discreta; nos choros a seguir, são utilizados de maneira mais
intensa.
Na Figura 21 podemos observar, nos compassos um e dois, o tema do Choro
7 apresentado em síncopas e, nos compassos seguintes, o mesmo trecho
apresentado oitava acima, acompanhado por uma melodia intermediária, em
intervalos de sextas, resultando em um preenchimento harmônico.
As notas ligadas são antecipações de notas do acorde ou dissonâncias
resolvidas na colcheia da síncopa seguinte.

Figura 21

As notas Sol e Fá do compasso quatro iniciam a condução melódica do baixo


do trecho a seguir (Figura 22). Vale observar que, além de a melodia e a harmonia
estarem antecipadas, o baixo também é apresentado em síncopas ligadas, retirando
a sustentação rítmica, deixando a pulsação “no ar”.106

Figura 22

Vejamos os temas do Choro 11 (Figura 23) e do Choro 8 (Figura 24):

Figura 23

106
Termo usado em música popular para designar a falta de apoio rítmico.
Além de a parte B do Choro anterior ser inteiramente apresentada em
síncopas ligadas com harmonia antecipada, também apresenta a descida cromática
de acordes, da qual falaremos a seguir. Vejamos a apresentação do tema do Choro
8:

Figura 24

c) Seqüência de acordes cromáticos descendentes.

Encontramos em vários choros, independentemente da época em que tenham


sido compostos, a utilização de uma descida cromática de acordes diminutos ou
dominantes, geralmente conduzindo à cadência final.

Figura 25
Guru (1927) - Parte B

Figura 26
Choro 8 (1967) - Parte A - final
Figura 27
Choro 7 (1973) - Parte A

Figura 28
Serrano (1926) - Parte B

Figura 29
Choro 4 (1963) Parte B
2.3.5. Os choros não datados

• Doloroso

Apesar de não termos encontrado a data de sua composição, sabemos que


esta se deu antes de 1959, pois é deste ano sua publicação pela Editora Ricordi
Brasileira. Além disso, destacaremos alguns aspectos musicais que nos levaram a
incluí-la na terceira fase composicional de Armandinho.
Na parte A, o tema (Figura 30) está estruturado sobre a figura colcheia
pontuada e semicolcheia, com a ausência de tempo forte na maioria dos
compassos, conferindo um “suingue” típico da música brasileira.

Figura 30

A mesma característica se mantém no tema apresentado na parte B (Figura


31), que tem como base rítmica, além da colcheia pontuada e semicolcheia, a figura
da síncopa ligada. Vale observar, ainda, a ornamentação melódica presente nos
compassos 4 (Figura 30) e 24 (Figura 31) conduzindo à volta dos temas.

Figura 31

Assim como no Choro 1 (Figura 9), encontramos nos compassos sete e oito
(Figura 29), uma seqüência de acordes II – V que se repete, conduzindo à
reapresentação do tema. Vale observar que nos tempos fortes são apresentadas
dissonâncias que resultam em uma sonoridade bastante comum na harmonia da
bossa nova, utilizando acordes com nonas e décimas terceiras:

Figura 32

• Quebrando o galho

Esta peça não apresenta nenhuma das características destacadas nas


composições da terceira fase de Armandinho, como antecipações de acordes, temas
estruturados sobre figuras ligadas ou harmonias antecipadas. A incluiremos como
sendo da segunda fase composicional uma vez editada em 1960 pela Editora
Bandeirantes.
A nosso ver, a forma como esta peça foi escrita para sua publicação dificulta
a visualização do motivo rítmico do tema da primeira parte, o grupo acéfalo de
quatro semicolcheias e a síncopa.

Figura 33
O mesmo motivo rítmico compõe a parte B deste choro (Figura 34),
modificando, porém, a melodia. Em azul, destacamos a relação entre esta e o
acompanhamento do baixo, que é repetido nos compassos onze e doze, e do vinte e
um ao vinte e três.

Figura 34

Como resultado das análises apresentadas neste capítulo, podemos apontar


três características básicas que ilustram o estilo musical de Armandinho: o uso de
um mesmo padrão melódico identificado nos choros 7, 8 e 11, o que também aponta
para o uso de seqüências, tanto melódicas quanto harmônicas, tal como as
encontradas nos choros 1 e Doloroso; o uso das antecipações rítmicas que se
intensificaram com o passar dos anos e que imprimiram quase um caráter de samba
ao invés de choro; e, finalmente, a utilização da descida cromática de acordes
diminutos ou dominantes, elemento que figura em compositores como Villa Lobos
(Choro 1) e João Pernambuco (Brasileirinho), porém de forma não tão intensa como
encontrado no total das obras de Armandinho.
3. A OBRA COMPLETA - CATALOGAÇÃO

Neste capítulo apresentamos a catalogação de todas as composições de


Armandinho que puderam ser encontradas, a maioria das quais, no Arquivo
Armandinho.
Olavo Nunes iniciou a catalogação das composições do autor – Armandinho
ainda era vivo – e, em suas anotações, trouxe-nos informações fundamentais para
entendermos os critérios utilizados, principalmente com relação à numeração das
obras, à data das composições e também aos títulos e às dedicatórias.
Armandinho não se preocupava em numerar as composições quando as
criava, o que gerou algumas confusões, tendo ocorrido encontrarmos, por exemplo,
um mesmo número para duas composições distintas. Com o intuito de organizar
suas obras em conjunto com Olavo, deu-lhe a orientação para que as enumerasse.
Em um momento de discussão sobre a enumeração de uma das obras, Olavo
registrou em suas anotações o pedido do compositor:

As músicas são minhas e eu ponho nelas o número que me dá na


cabeça. Ninguém tem nada com isso. Quando eu morrer você se vira
e arruma tudo. Mas vê se não vai inventar nome novo, tá? Trabalha
só com número.107

Observando algumas rasuras encontradas nos manuscritos, pudemos notar


que o próprio Armandinho guardava dúvidas com relação às datas de determinadas
composições, a exemplo do Prelúdio 2, catalogado por Armandinho e publicado no
jornal Urubu Malandro após a sua morte, que teve sua data modificada na presente
catalogação pelo fato de o manuscrito original, contendo a data correta, ter sido
encontrado posteriormente à publicação mencionada.
Como Armandinho não escrevia música, várias cópias eram feitas a partir de
um manuscrito original. No caso da Valsa 4, por exemplo, da qual foram
encontrados vários documentos, pudemos observar a indicação de datas diferentes;
do Choro 6, foram encontrados, igualmente, mais de um manuscrito ou rascunhos,
também apresentando, comparativamente, dados diversos. Com relação a estes
documentos, ao analisar o material disponível, optamos por manter as informações
catalogadas por Olavo Rodrigues Nunes.

107
Anotações pessoais de Olavo Nunes. Arquivo Armandinho.
Além da data e da numeração das composições, Armandinho também fazia
alterações com relação a título, subtítulo e dedicatória. Em algumas obras, o autor
escrevia o título e, logo abaixo, a designação do gênero musical. Em outras, apenas
a designação do gênero, resultando em várias Valsas ou Choros. Com o objetivo de
solucionar as confusões realizadas pelo autor, Olavo enumerou as obras
respeitando, principalmente, a ordem de inclusão no Arquivo à medida que se
encontravam novas partituras. Vale ressaltar, ainda, que apenas as obras
encontradas após a sua morte, em 1976, foram numeradas por Olavo, pois,
enquanto era vivo, Armandinho participava ativamente da catalogação.
A maioria das partituras contém dedicatórias a algumas pessoas, cuja
identificação, neste trabalho, seria impossível. A partir de algumas observações de
Olavo e anotações pessoais de Armandinho, podemos imaginar que, ao dedicar
certas obras a violonistas, como Maria Lívia São Marcos e Isaías Sávio, o autor
buscava que estes as incluíssem em seus repertórios de execução. Em outros
casos, não foi possível identificar as razões das dedicatórias.
Nas anotações de Olavo consta, ainda, que vários manuscritos encontravam-
se em poder do violonista Nelson Cruz, já falecido. Sabemos que foi amigo de
Armandinho e integrante do Sexteto Paulistano de Violões, ao lado de Vital
Medeiros; porém, até a realização deste trabalho, não encontramos seu arquivo
pessoal.
Incluímos, no item “composições perdidas”, as músicas das quais encontramos
referências em recortes de jornais, documentos de cessão de direitos autorais e na própria
catalogação de Olavo Nunes, sem que pudessem ter sido encontradas partituras ou gravações.

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