Armando Neves
Armando Neves
Armando Neves
São Paulo, SP
IA - UNESP
Outubro, 2004
ANDREA PAULA PICHERZKY
São Paulo, SP
IA - UNESP
Outubro, 2004
ii
RESUMO
Este trabalho tem como objeto a vida e a obra do violonista Armando Neves
(1902-1976), o Armandinho, focando sobretudo os seus Choros. O enfoque deste
estudo se dá por meio da contextualização histórica a partir da biografia de
Armandinho, que, tendo chegado a São Paulo em 1919, acompanhou ativamente as
transformações sociais e culturais da cidade, advindas da modernização. Vale
ressaltar que permaneceu em São Paulo durante toda a sua trajetória profissional
prestando seus serviços como chefe de conjunto regional, principalmente para a
Rádio Record (entre 1928 e 1931). Era um músico intuitivo, ou seja, não sabia ler
nem escrever música e dependia de seus amigos músicos como Geraldo Ribeiro,
Vital Medeiros e João Alves Silva, - o Aymoré - para que suas músicas fossem
escritas.
Buscamos nesta pesquisa atingir três objetivos. Em primeiro lugar, a
reconstituição de sua atuação profissional abordando aspectos históricos relevantes
à cidade de São Paulo, a profissionalização dos músicos (cinemas e rádio), os
grupos e músicos que atuaram ao seu lado; em segundo lugar, buscamos destacar
por meio da análise musical de suas composições denominadas Choros, a sua
identidade composicional; e, finalmente, em terceiro lugar a catalogação completa
de sua obra.
ABSTRACT
This work has as its aim the life and work of the acoustic guitar player
Armando Neves, (1902-1976), known as Armandinho, focusing mostly in his Choros.
The focus of this study is achieved through the historical contextualization based on
Armandinho’s biography. Having arrived in São Paulo in 1919, he participated
actively on the social and cultural transformations of the city, supervened from the
modernization. It is worth highlighting that Armandinho did not leave São Paulo
during his entire professional career, working as a chef of a regional group, especially
for Radio Record (between 1928-1931). Armandinho, who was an intuitive musician,
that is, he did not know how to read or write music, depended on his musician friends
such as Geraldo Ribeiro, Vital Medeiros and João Alves Silva, Aymoré, to have his
pieces written.
In this research we tried to tackle three objectives. Firstly, the reconstitution of
his professional performance, tackling historical aspects relevant to the city of São
Paulo, the legal professional status of musicians (cinema and radio), the groups and
musicians who worked with Armandinho; secondly, we tried to highlight, through the
musical analysis of his compositions called Choros, his compositional identity and,
finally, the complete cataloguing of Armadinho’s work.
Key words: Armando Neves, Armandinho, choro in São Paulo, acoustic guitar,
Radio Record, Regional do Armandinho.
SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................................. ii
ABSTRACT.......................................................................................................... iii
INTRODUÇÃO...................................................................................................... 06
1. ARMANDO NEVES – BIOGRAFIA.................................................................. 12
1.1 O Amador................................................................................................... 12
1.1.1 O futebol........................................................................................... 13
1.1.2 A música........................................................................................... 17
1.1.3 Os primeiros conjuntos e as primeiras atuações radiofônicas........ 19
1.2 O Profissional (1931-1961)....................................................................... 26
1.2.1 A era do Rádio.................................................................................. 26
1.2.2 A Rádio Record: uma breve história................................................. 28
1.2.3 O Primeiro Concurso de Música Brasileira....................................... 32
1.2.4 O artista de rádio na programação e outras apresentações............ 35
1.2.5 Os músicos acompanhadores: caminho para o anonimato............. 47
1.2.6 O movimento da Velha Guarda........................................................ 50
1.2.7 O músico negro................................................................................ 53
1.3 O Compositor........................................................................................... 58
1.3.1 O músico prático.............................................................................. 58
1.3.2 Três fases composicionais.............................................................. 63
1.3.3 Os últimos anos de Armandinho...................................................... 68
2. OS CHOROS................................................................................................... 70
2.1 Choro e Chorões Paulistas....................................................................... 70
2.2 O Violão de Armandinho........................................................................... 74
2.3 O Choro de Armandinho........................................................................... 76
2.3.1 Os choros da década de 1920......................................................... 81
2.3.2 Os choros da década de 1940......................................................... 84
2.3.3 Os choros da década de 1950......................................................... 86
2.3.4 Os choros da década de 1960......................................................... 88
2.3.5 Os choros não datados.................................................................... 97
3. A OBRA COMPLETA - CATALOGAÇÃO....................................................... 100
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 126
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................... 132
ANEXOS............................................................................................................... 136
PARTITURAS DOS CHOROS ANALISADOS
ENTREVISTAS
ICONOGRAFIA
CD COM DEZOITO CHOROS
INTRODUÇÃO
1
A afinação usual do violão é com a sexta corda afinada em Mi.
Sendo a música popular – e mais especificadamente o violão na música
popular – ainda um tema pouco focado, alguns trabalhos realizados em outras
universidades compuseram a minha bibliografia básica não só com relação ao
conteúdo, mas também com relação à condução da pesquisa. A tese de Giacomo
Bartoloni “Violão: a imagem que fez escola. São Paulo 1900-1960” trouxe aspectos
culturais e históricos na compreensão da trajetória do violão na cidade; a dissertação
de Gilson Antunes “Américo Jacomino: Canhoto e o desenvolvimento da arte
solística do violão em São Paulo” trouxe aspectos mais próximos ao meu objeto,
principalmente por se tratar de um violonista que, além de ter sido indiretamente o
primeiro incentivador de Armandinho, foi um violonista que atuou nos meios tanto da
música popular quanto da erudita.
Apesar de esta pesquisa não focar a produção violonística de Armando Neves
para conjunto regional, a leitura das dissertações “Baixaria: Análise de um elemento
característico do choro, observado na performance do violão de sete cordas”, de
Josimar Machado Gomes Carneiro, e “O acompanhamento do violão de seis cordas
no Choro a partir de sua visão no conjunto Época de Ouro”, de José Paulo Becker,
foram importantes, pois trouxeram análises e considerações musicais sobre a função
e o desenvolvimento do violão no choro.
Quando iniciei a pesquisa sobre Armando Neves, tive a oportunidade de
conhecer o jornalista José Oswaldo Colibri Vitta que foi um dos fundadores do
“Clube do Choro de São Paulo”, idealizado quando da morte de Armando Neves, em
1976, e inaugurado aos 15 de setembro de 1977. Colibri, como é conhecido,
juntamente com o engenheiro e violonista Gilberto Perigo, e o músico e pesquisador
Olavo Rodrigues Nunes tinham como um dos objetivos, além de divulgar a música
popular, resgatar a vida e a obra de músicos paulistas. O músico escolhido para ser
o primeiro da série foi Armando Neves, que falecera em 1976, e o segundo seria o
violonista Garoto2.
Armando Neves foi amigo pessoal de Olavo Rodrigues Nunes que,
conhecendo a produção musical e preocupando-se com a possibilidade de perda
após a morte do autor, já vinha catalogando suas obras e recolhendo depoimentos
sobre sua vida para uma futura publicação de sua biografia. Como primeiro produto
do Clube do Choro, foram gravadas em Lp doze composições de Armandinho
2
Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955)
interpretadas por vários violonistas (Paulinho da Viola, Paulinho Nogueira, Carlos
Iafelice, Vital Medeiros e Antônio Rago), e também o jornal “Urubu Malandro”, que
no primeiro número traz, além da história do Clube do Choro, uma breve biografia
de Armandinho e as partituras das doze obras gravadas no Lp Armandinho Neves3.
Com a morte de Olavo Rodrigues Nunes, que era músico e o principal pesquisador
do trio, a pesquisa sobre a vida de Armandinho foi interrompida, e todo o material
arquivado foi guardado em uma caixa no arquivo pessoal de Colibri. Com a
dispersão do trio, os projetos do clube tomaram outro rumo que não nos cabe aqui
discutir, e o material nunca mais foi manuseado. Todo esse acervo, porém, foi
disponibilizado para a minha pesquisa em agosto de 2003, possibilitando-me
direcionar a biografia de Armandinho com maior precisão.
Além desse material, foram utilizados também quatro depoimentos de
músicos que conviveram com Armandinho em alguma fase de sua vida: Ronoel
Simões, Geraldo Ribeiro, Antônio Rago e Francisco Araújo. Ronoel foi violonista e
atualmente é possuidor do maior acervo violonístico do Brasil. Armandinho
freqüentava sua casa em reuniões que são realizadas até hoje, nas quais músicos e
apreciadores do violão se reúnem para tocar e ouvir o repertório violonístico. Além
do depoimento colhido em sua casa, dele adquiri o Lp gravado pelo Clube do Choro,
uma cópia em CD de um Lp lançado em 1966 por Geraldo Ribeiro só com obras de
Armandinho, e uma cópia, também em CD, de uma gravação caseira com Geraldo
Ribeiro interpretando outras obras nunca gravadas nem editadas.
Geraldo Ribeiro morou com Armando Neves durante um ano, de 1959 a 1960,
e naquele período passou para o papel grande parte de sua obra. Após esse
período, gravou um Lp só com obras de Armandinho4 e editou as partituras das
músicas gravadas pela Editora Fermata. Geraldo Ribeiro foi, sem dúvida, como
intérprete ou como professor, o grande divulgador das obras de Armandinho, pois
sempre incluía composições deste no repertório de seus alunos.
Antônio Rago, por sua vez, foi integrante do Regional do Armandinho na
Rádio Record, no período entre 1937 e 1939. Sua entrevista contribuiu
principalmente com relação à atuação de Armandinho como chefe de regional. Já
Francisco Araújo, apesar de tê-lo conhecido e freqüentado a sua casa, não conviveu
diretamente com ele, pois era muito jovem. A importância de seu depoimento se deu
3
Armandinho Neves. São Paulo: Bandeirantes Discos, 1978.
4
Geraldo Ribeiro. Em solos de violão. Lp. São Paulo: Fermata Discos, 1970.
principalmente por ter sido aluno de José Alves Silva, conhecido como Aymoré. Este
foi contemporâneo de Armandinho, tendo tocado com ele em várias formações no
decorrer de sua vida; escreveu algumas de suas obras e, mais importante, manteve
viva a memória de quatro músicas que, após a morte de Armandinho e a pedido de
Olavo Nunes Rodrigues, foram gravadas por ele e escritas por Francisco Araújo.
Todas as entrevistas seguiram o mesmo roteiro, abordando aspectos
pessoais entre o entrevistado e Armandinho, e aspectos profissionais e pessoais do
próprio compositor. Algumas informações divergentes entre os entrevistados foram
solucionadas com a abertura do arquivo em posse do Colibri, que neste trabalho
chamaremos de Arquivo Armandinho, como informações sobre data de composição,
título e autoria de transcrições das obras.
O primeiro capítulo trata da contextualização histórica da vida de Armando
Neves, dividindo-a em três partes: o amador, o profissional e o compositor. A
primeira parte refere-se a sua vida até 1929, enquanto dividia seu tempo entre a
música e o futebol, e ainda aos primeiros grupos dos quais fez parte e seus
primeiros incentivadores.
À segunda parte coube principalmente a sua vida profissional na Rádio
Record, entre 1930 e 1960, destacando a importância do Primeiro Concurso de
Música Brasileira, realizado pelo jornal A Gazeta, no qual Armandinho foi
contemplado com o segundo lugar na categoria instrumentista: violão. Enfoco
também os grupos dos quais fez parte, o processo de modernização das
transmissões radiofônicas e da inclusão e função das rádios no cotidiano da cidade;
e, finalmente, uma discussão também sobre o Armandinho instrumentista, uma vez
que, por um lado, nos depoimentos dos entrevistados, foi comum a afirmação que
Armandinho não era solista e, por outro lado, através dos recortes de jornais e
programas de concerto, constatamos que, por um período de sua vida, atuava como
solista e era considerado como tal por importantes músicos que foram seus
contemporâneos.
A terceira parte deste capítulo trata do compositor, na qual abordamos o fato
de Armandinho ter sido um músico exclusivamente prático e as fases de sua
produção como compositor. Buscaram-se suas prováveis influências analisando o
contato com músicos e artistas de várias tendências e estilos, combinado com sua
desenvolvida habilidade auditiva. Abordamos igualmente as parcerias, os músicos
que se preocuparam em transcrever suas composições e, também, a importância de
Geraldo Ribeiro como grande divulgador de sua obra.
A principal fonte utilizada é o arquivo pessoal de Colibri, ou Arquivo
Armandinho, contextualizada a partir da leitura de três obras que formam o eixo
deste capítulo: Orfeu Extático na Metrópole, de Nicolau Sevcenko, Sonoridades
Paulistanas e Metrópole em Sinfonia, de José Geraldo Vinci de Moraes. O Arquivo
Armandinho contém um vasto material que inclui, além de pertences pessoais, mais
de duzentas fotografias, sendo de 1917 a mais antiga; vinte e cinco programas de
concertos; sete recortes de jornais relacionados à sua atuação como jogador de
futebol; cinqüenta itens entre cartas, documentos de familiares e anotações
pessoais; trinta e um documentos pessoais (RG, CIC, Carteira de Trabalho, OMB,
etc.); e, finalmente, cinqüenta recortes de jornais relacionados às suas atividades
como músico.
Armandinho compôs mais de setenta obras entre mazurcas, gavotas, valsas,
prelúdios, cantigas, canções e choros. Algumas delas, principalmente as mazurcas,
prelúdios e gavotas, muito se aproximam de uma linguagem erudita, fato que abriria
uma discussão sobre o erudito e o popular e que foge ao intuito deste trabalho.
Portanto, para fazer um recorte em sua obra, no segundo capítulo nos restringimos à
análise das dezoito composições intituladas “Choro”.
Para tanto dividimos o capítulo em três partes. Na primeira parte,
apresentamos um breve histórico do choro com enfoque em São Paulo, e na
formação dos chorões paulistas. Na segunda parte, abordamos as características
violonísticas de Armando Neves e, finalmente, na terceira parte, identificamos e
destacamos os elementos musicais, harmônicos, rítmicos e melódicos que,
apresentados em ordem cronológica, demonstram a formação de sua identidade
como compositor no decorrer de sua carreira.
O terceiro capítulo é a catalogação das obras em sua totalidade. A principal
fonte foi a catalogação feita por Olavo Nunes Rodrigues, a qual, em sua maioria,
contém informações baseadas em depoimentos do próprio Armandinho, documentos
de sessão de direitos autorais de algumas composições e recortes de jornais. A
catalogação encontrada já apresentava uma organização por gênero: choros,
valsas, prelúdios, canções, gavotas, maxixes, cantigas e mazurcas. Optamos por
manter esta forma de catalogação, porém acrescentamos a esta organização
informações como data de transcrição e comentários baseados nas anotações
pessoais do pesquisador Olavo Rodrigues Nunes. Acrescentamos também o item
obras perdidas, no qual agrupamos as obras das quais não encontramos registros
fonográficos ou impressos, porém foram citadas como composições de sua autoria
em programas de concertos, recortes de jornal e documentos de cessão de direitos
autorais.
As informações contidas nesta catalogação dissolverão a maioria das dúvidas
com relação à data de composição, título, dedicatória, autoria das transcrições,
numeração das obras, parcerias e existência de manuscrito ou cópia.
Finalizando, apresentamos nas considerações finais as conclusões sobre as
questões que permearam a realização deste trabalho. Porque Armandinho nunca
teria saído de São Paulo durante toda sua carreira? Quando e por que se deu a
opção pela atividade como instrumentista acompanhador ao invés do solista? O fato
de ser negro teria influenciado algumas decisões em sua carreira? Quais foram os
pontos positivos e negativos advindos do fato de ele ser um músico exclusivamente
prático? De que forma o fato de ser um músico exclusivamente prático torna-se
presente em suas composições?
Como anexos, apresentamos as transcrições dos depoimentos colhidos para
a realização deste trabalho, um anexo iconográfico com documentos pertencentes
ao Arquivo Armandinho, as partituras dos dezoitos choros analisados e, por fim, um
CD com gravações destes.
Com relação aos depoimentos colhidos, apesar de terem trazido informações
importantes a esta pesquisa, infelizmente o depoimento do violonista Francisco
Araújo não faz parte do anexo, pois, por motivos técnicos, foi impossível a realização
de sua transcrição. A iconografia é composta por uma parte das fotografias e
documentos encontrados no Arquivo Armandinho, e que acreditamos importantes
para complementar as informações presentes no corpo da pesquisa.
Com relação às partituras, optamos por disponibilizar as que serviram de
referência para as gravações e, finalmente, no CD anexo, apresentamos as
gravações dos dezoito choros realizadas por mim no ano de 2004, apresentando a
minha versão interpretativa dos choros de Armandinho.
1. ARMANDO NEVES - BIOGRAFIA
1.1 O Amador
5
Informação obtida no Cemitério do Araçá, em São Paulo, capital.
6
Atestado de Óbito nº 38.292. São Paulo, 06 de julho de 1975. Arquivo Armandinho
7
Carteira de Trabalho de Armando Neves. 09 de setembro de 1940. Arquivo Armandinho.
8
FILHO, Claver. Recorte de jornal sem identificação. 1973.
9
Ibid.
1.1.1 O futebol
Sua paixão pelo futebol o acompanhou por toda a vida. Até 1930,
aproximadamente, Armandinho dividiu suas atividades entre o futebol e a música.
Através dos recortes jornalísticos arquivados por ele, tentaremos trilhar a sua
trajetória como jogador e amante do football, e tecer uma breve contextualização
daquela época.
Conforme explica Sevcenko (1992), com o desdobramento dos avanços
tecnológicos surgiu, ao final dos 1910, uma nova atitude que invadiu o cotidiano do
paulistano, refletindo-se nos seus hábitos e na sua estrutura sociocultural: o culto ao
corpo e a idéia de que a resistência física era extremamente importante para
garantia dos triunfos; o corpo, assim como a sociedade, era vista como uma
máquina que, através do aperfeiçoamento, regulagem e coordenação de seus
maquinismos, poderia melhorar o seu desempenho. (SEVCENKO, 1992, p.48)
Com essa nova mentalidade, vários segmentos da sociedade sofreram
alterações; porém, o que nos interessa neste momento é manter o foco nos
esportes, mais especificamente no futebol.
A paixão pelo movimento, pela velocidade e pelo máximo de energia gerou
um crescimento significativo na prática de esportes e, também, a importação de
novas modalidades atléticas, provocando, inclusive, um crescimento econômico que
girava ao redor dessas atividades. Surgiram também, na mesma época, os primeiros
teóricos da Educação Física, que pensavam e escreviam verdadeiros manuais, com
práticas detalhadas para que o indivíduo pudesse melhorar o seu desempenho
físico. É interessante observar, como nos lembra Sevcenko (1992), que em seus
primórdios a Educação Física estava vinculada ao adestramento animal, indicando
que o objetivo do treinamento era agir sobre o inconsciente, tornando o indivíduo
mais competitivo, rápido e eficiente no seu desempenho.
Associado aos jovens, não só como símbolo de vitalidade, mas também
significando uma ruptura com o Velho Mundo, o esporte virou moda, provocando
alterações no hábito de vestir, de aproveitar os momentos de lazer e de atitudes dos
paulistanos no cotidiano. É interessante observar aqui que o esporte alcançava
todas as classes sociais, vindo a suprir carências de lazer aos menos abastados, e
também proporcionando oportunidades de destaque e um certo nivelamento social,
uma vez que os atletas que se sobressaíam, eram tratados como heróis,
independentemente de sua origem, raça ou classe social. (SEVCENKO, 1992)
O fato de os esportes alcançarem vários setores da sociedade imprime um
marco importante também para a história do futebol, pois a sua prática se populariza
e se amplia ocupando espaços em toda a região metropolitana. Em depoimento a
Ecléa Bosi, o Sr. Amadeu, nascido em 1906, lembra claramente este momento:
10
Em 23 de junho de 1919, Corpus Christi, data que coincidiu com um dos jogos entre o Paulistano e
o Palestra, segundo jornais da época, houve desfalque na presença do público masculino à procissão
devido à sua enorme assistência ao jogo.
11
A final deste campeonato foi disputada entre Brasil e Uruguai, com vitória da seleção brasileira por
1 x 0, resultado este que inspirou Pixinguinha a compor um de seus choros mais famosos: “Um a
Zero”. (CABRAL, 1997, p. 49).
12
Carteira de Identidade. Arquivo Armandinho.
13
Jornal O Amparo Athletico. Amparo: 28 de abril de 1922, número 1.
14
Alguns recortes jornalísticos sobre futebol estão apresentados na integra no anexo iconográfico
deste trabalho.
Nesta foto da equipe do Santo Amaro Futebol Clube, em jogo realizado pelo
Campeonato Municipal de 1925, no campo do Floresta15 podemos notar a presença
de um público numeroso no estádio, atestando a inclusão e crescimento do futebol
como opção de lazer para a população, e, como discutiremos ainda neste capítulo, a
presença de apenas quatro integrantes negros na equipe.
Em 29 de outubro de 192716, foi anunciada a sua estréia pelo Corinthians
contra o Independência (4 x 2), no campo do Palestra, atual estádio da Sociedade
Esportiva Palmeiras: “Como se vê, ocupará a posição de centroavante o jogador
Armandinho, novo elemento do Corinthians, e do qual se dizem maravilhas”.
E, no dia seguinte, o anúncio da vitória17 e, em meio à descrição do jogo, a
referência ao gol de Armandinho: “Os ataques do Independência são realmente mal-
rematados. Ribas chuta na trave e Peres atira fora. Numa escapada, Armandinho
marca o terceiro gol do Corinthians”.
Sua permanência no Corinthians foi curta, pois, em 1928, integrando a equipe
do São Bento, Armandinho marcou o único gol da partida contra o Hespanha, em
partida realizada em Santos18: “Quando só faltavam oito minutos para o término da
peleja, Armando, aproveitando um centro curto da extrema, conquistou o único
ponto para o São Bento”.
Nos dois últimos recortes jornalísticos nos quais encontramos referência ao
“mestre das fintas e arremates”19, Armandinho consta como integrante da equipe do
São Bento, informação que nos sugere ter sido esta, a última agremiação na qual
tivesse atuado antes de se dedicar exclusivamente à música.
Em novembro de 1929, na partida São Bento 5 X 3 Palmeiras: “No início,
Picho, recebendo a bola de Armandinho, escapa e passa a Valeriano, que pratica
diversas fintas, e marca o segundo ponto do São Bento. Depois de vários lances,
Scott recebe um passe de Faria e escapa. Centra depois a Lobo, que por sua vez
entrega depois a Tito, que, com magnífico chute, empata novamente a partida. Logo
15
O campo do Floresta pertenceu ao São Paulo Futebol Clube, e hoje pertence à Portuguesa de
Desportos, levando o nome de Dr. Oswaldo Teixeira Duarte, conhecido como Canindé. (BRANDÃO,
1996, p.14)
16
Recorte de Jornal sem identificação, outubro de 1927. Arquivo Armandinho.
17
Idem.
18
Recorte de Jornal sem identificação, 1928. Arquivo Armandinho.
19
Recorte do jornal A Gazeta, edição de 16 de julho de 1929.
depois, Armandinho escapa e Japonês concede toque na área penal, que redunda
em gol”.20
E, ainda em novembro, a notícia sobre a partida São Bento 3 X 1 Germânia:
“Do São Bento é digno de nota o jogo desenvolvido por Armandinho e Picho, que
com maestria e precisão têm desenvolvido jogo apreciável”.21
Apesar de ter abandonado a carreira futebolística, continuou ligado
informalmente ao futebol22, acompanhando o crescimento do esporte e não
perdendo oportunidades de participar ou assistir a jogos. Como veremos, esta opção
profissional se deu de forma gradativa, uma vez que existem registros de suas
atuações, tanto em conjuntos musicais e eventos artísticos quanto em partidas
futebolísticas, com datas concomitantes. Vejamos como se deu seu ingresso no
ambiente musical paulista.
1.1.2 A música
20
Recorte de jornal, sem identificação, de novembro 1929. Arquivo Armandinho.
21
Recorte de jornal sem identificação
22
Ver, no anexo, recorte sobre o jogo entre as emissoras e sobre a viagem do trio da Record a
Santos.
23
Recorte de jornal sem identificação. 1931.
24
Américo Jacomino (1884-1928). Conhecido como Canhoto, foi considerado o primeiro violonista
brasileiro de concerto.
25
Recorte de jornal, sem identificação, de 1936. Arquivo Armandinho.
resposta quando indagado se conhecia partitura: “Partitura? Ah, sim, conheço de
vista”.26
Conheceu, então, os irmãos Joaquim e José Matoso, violonistas que atuavam
em cinemas, teatros e circos, e que o auxiliaram no aperfeiçoamento ao
instrumento27. Em 1923, conheceu Gustavinho, violonista que conhecia teoria
musical, e Zezinho, que “tocava de ouvido”, “orelhudo”28, como ele. Zezinho mostrou-
lhe alguns choros, incentivando-o ainda mais ao estudo. O ano de 1923 também
marca sua vida com a estréia profissional: em 10 julho, ao lado de Paraguassu29 e
outros artistas que faziam sucesso, no “Cine Oberdan – o mais confortável do
Brás”.30
Acreditamos ser relevante aqui destacar a importância e o valor do cinema no
início do século XX, pois, assim como os esportes, também sofreu importantes
modificações com a expansão urbana e foi determinante para a
semiprofissionalização dos músicos. Ao final da década de 1910, os aparelhos
cinematográficos progrediram tecnologicamente, tornando-se mais baratos e,
conseqüentemente, passando a ser mais comercializados. Aos poucos, vários
teatros abriram espaço para esses aparelhos, modificando sua programação
exclusivamente para a exibição de filmes, gerando um boom de cinemas por vários
bairros da cidade.(MORAES, 1995, p.178)
Também chamados cine-teatro, suas programações incluíam uma atração
principal, como uma companhia de ópera, teatro de revista ou, mais adiante, no
início da década de 1920, um filme e, nos intervalos, uma programação musical. Por
serem mudos os primeiros filmes exibidos, os cinemas passaram a contratar
músicos para preencher a lacuna do som com música ao vivo. A principal função
destes músicos era preencher o vazio sonoro dos cinemas e o ruído dos projetores,
sendo que, para tanto, não havia repertório definido, deixando a cargo de sua
criatividade a sincronia entre a música e a cena. (MORAES, 1995, p.181).
26
Depoimento de Geraldo Ribeiro, colhido em novembro de 2002, em sua residência, em Tatuí.
27
Dados compilados por Alberto Rossi para a Enciclopédia da Música Popular Brasileira, em 1963.
Arquivo Armandinho.
28
“Orelhudo” é um dos termos usados até hoje para designar as pessoas que, não tendo
familiaridade com a notação musical, tocam apenas “de ouvido”.
29
Roque Ricciardi (1894 - 1976). Paulista, filho de imigrantes italianos, ficou conhecido como
Paraguassu. Cantor de serenatas e violonista, participou das primeiras gravações mecânicas
realizadas no início do século XX e, ao contrário da maioria dos músicos, desenvolveu toda a sua
carreira artística em São Paulo.
30
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In Urubu Malandro. São Paulo, agosto de 1978,
p. 7.
Além dos músicos que acompanhavam os filmes, os cinemas também
contratavam orquestras para tocar em suas salas de espera, hábito que permaneceu
temporariamente quando a tecnologia já possibilitava o cinema falado, ao final da
década de 1920. Tocavam nos cinemas tanto os músicos eruditos quanto os
populares, os profissionais ou os amadores, como Souza Lima (1898-1982),
Camargo Guarnieri (1907-1992), Francisco Mignone (1897-1987), Garoto (1915 -
1955), Canhoto (1889-1928), Armandinho (1902 -1976), Paraguassu (1894 -1976),
entre outros. Com o desenvolvimento do cinema falado, houve uma grande perda de
espaço de profissionalização, e os músicos migraram para outras formas de
sustento, como as rádios, a produção de trilhas sonoras, a indústria do disco,
inaugurando um novo momento na música popular brasileira.
O cinema representou não só uma nova possibilidade de sustento para
muitos músicos, mas também um espaço para demonstrarem e praticarem suas
habilidades. Foi neste espaço que importantes conjuntos musicais, como Os Oito
Batutas, no Rio de Janeiro, e os Chorões Sertanejos, em São Paulo, entre inúmeros
outros, despontaram no cenário da música popular brasileira.
31
“Noites Brasileiras”. 20 de Maio de 1927. Programa cedido pelo pesquisador Gilson Antunes.
de música e curiosidades regionais, indicando existir uma preocupação com relação
ao resgate e divulgação da música brasileira. Este espetáculo “ficou na memória”
dos paulistanos, sendo resgatado por um jornalista quando da segunda colocação
obtida por Armandinho no Primeiro Grande Concurso de Música Brasileira, realizado
em 1931:
32
Grande Concurso de Música Brasileira. Recorte de jornal, sem identificação, de 27 de março de
1931.
33
Os Oito Batutas. No ano de 1919, havia uma orquestra que tocava no Cinema Palais, no centro do
Rio de Janeiro. O cinema passava por problemas financeiros, tendo sido necessária, a mando de seu
gerente, Isaac Frankel, a redução do número de músicos que compunham o conjunto que lá se
apresentava. Os componentes que ficaram foram: Alfredo da Rocha Viana, conhecido como
Pixinguinha, seu irmão, Osvaldo Viana, o China, Ernesto dos Santos, o Donga, Raul Palmieri, Nelson
Alves, José Alves Luis Silva e Jacob Palmieri. O grupo, apelidado de Os Oito Batutas pelo próprio
gerente, Isaac Frankel, logo começou a tocar em vários cinemas do Rio de Janeiro e, em poucos
meses, começaram a viajar pelo país.
Naquele tempo [1920] não havia clubes dançantes. Os bailes eram
feitos em casa de família. Em casa de preto a festa era na base do
choro e do samba. Numa festa de preto havia o baile mais civilizado
na sala de visitas, o samba na sala do fundo e a batucada no terreiro.
A maioria dos sambistas e dos chorões era de cor. Branco quase não
havia”. (PEREIRA, 2001 p. 221)
Não há dúvida de que este grupo, Os Oito Batutas, teve suma importância na
divulgação e valorização da música popular brasileira; porém, o que nos interessa
aqui é conhecer alguns grupos que acreditamos terem sido formados sob sua
influência. Em 1921, surgiu em Recife o grupo “Turunas Pernambucanos”, que tinha
como componentes: Severino Rangel (Ratinho) ao saxofone; José Calazans
(Jararaca) ao violão e canto; Cipriano Silva ao violão; Robson Florence
(Sapequinha) ao cavaquinho; Aldemar Adour (Cobrinha) pandeiro e ganzá; Artur
Costa (Sabiá) reco-reco e canto e Romualdo Miranda (Bronzeado) ao violão.
Estrearam no Rio de Janeiro, também no cinema Palais, em 1922, e no seu
repertório traziam “músicas do norte, caboclos brasileiros, cantigas do sertão,
emboladas e desafios”. A partir de então, João Pernambuco34 ao violão, Jacob
Palmieri (Jandaia) ao pandeiro e Felinto de Moraes (Caxangá), também ao violão,
passam a integrar o conjunto.
Em 1927, mais um grupo vindo do norte, os “Turunas da Mauricéia”,
apresenta-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, trazendo novamente emboladas e
canções sertanejas e tendo como integrantes Romualdo Miranda, João Frazão e
Manuel Lima aos violões, Augusto Calheiros ao canto, João (Luperce) Miranda ao
bandolim, com os respectivos apelidos: Patativa do Norte, Riachão, Guajurema,
Piriquito e Bronzeado. Além do repertório, a forma de se vestirem e o uso de
apelidos relacionados com a vida sertaneja foram logo incorporados pelo violonista
paulista Américo Jacomino na criação do grupo “Os Oito Turunas”, e pelo próprio
Armandinho na criação dos “Chorões Sertanejos”, em 192735. É interessante
observar ainda a semelhança entre os nomes dos conjuntos ao utilizarem os termos
“Turunas” e “Batutas”. A utilização desses termos, que são sinônimos e significam
34
Sobre o ingresso de João Pernambuco no conjunto “Os Oito Batutas” ver: CABRAL, Sergio.
Pixinguinha, vida e obra. Rio de Janeiro: Lumiar, 1997, p. 51.
35
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In: Urubu Malandro, Caderno do Clube do Choro
de São Paulo. 1978. p.11.
“negro valente” e “valentão”36, respectivamente, leva-nos a crer em uma certa
competição musical entre os estados.
Já o grupo “Chorões Sertanejos”, criado por Armandinho em conjunto com
Raul Torres (1906-1970), também se apresentava com trajes típicos; porém, ao
acrescentar ao nome o termo “Chorões”, demonstrava uma mescla entre a música
urbana e a música sertaneja. O grupo, que teve como primeiros integrantes Raul
Torres –“Bico Doce”; Antônio Del Bagno –“Nho Lao”; José Alves da Silva (Aymoré) –
“Ranzinza”; Armando Neves –“Lampeão”; e Arthur Santana (Azulão), permaneceu
em atividade até 1931, coincidindo o seu término com o avanço do cinema falado já
referido anteriormente.
36
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
37
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In: Urubu Malandro,Ccaderno do Clube do Choro
de São Paulo. 1978. p. 8.
que despontaram no cenário da música popular, como Garoto (Aníbal Augusto
Sardinha), ao cavaquinho, e Attilio Grany, à flauta, que integraram o conjunto em
193038 com os pseudônimos “Moleque” e “Canário”, respectivamente. Vale ressaltar
que o contato entre Garoto e José Alves Silva, ou Aymoré, como ficou conhecido,
gerou uma das duplas mais ativas das rádios brasileiras na década de 1930.
Como nos lembra o pesquisador Pereira (2001), o repertório executado pelo
grupo, uma mescla entre músicas identificadas com fontes culturais estrangeiras
(valsas e polcas), ritmos nordestinos (que exploravam temas e assuntos quase
sempre em oposição à cidade, como cocos e emboladas) e, finalmente, músicas
identificadas com a tradição negra da cultura brasileira (como o maxixe), era um
reflexo claro do momento vivido pela música brasileira em meio ao crescimento
urbano e aos avanços tecnológicos:
38
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. p
59.
Apesar de composta em 1931 e executada pelo próprio Armandinho em
programas radiofônicos no mesmo período, não sabemos ao certo qual teria sido o
gênero desta composição. A única gravação encontrada foi realizada pela dupla
Cascatinha e Inhana39, provavelmente na década de 1950, quando estes
ingressaram na Rádio Record. Classificada como “Toada-Baião”, e apresentada em
compasso binário.
A Parte A é apresentada como um lamento acompanhado por violões,
cavaquinho e acordeom, em contraste com a Parte B, na qual são inseridos
instrumentos de percussão fazendo a marcação típica do baião. Esta observação se
dá pelo fato de o gênero baião ter se popularizado com a vinda do sanfoneiro Luiz
Gonzaga no final da década 1940, abrindo a possibilidade de alteração no gênero
original da música quando de sua gravação.
Em 1928, Armandinho passou a atuar na Rádio Record, integrando o grupo
regional ao lado de Barreto, Pinheirinho (cavaquinho) e Nestor (violão tenor). Vale
lembrar que o fato de participarem como artistas nas emissoras radiofônicas
propiciava aos músicos a possibilidade de representá-las atuando em teatros e
outros espaços de entretenimento, e também se apresentava como uma real
possibilidade de profissionalização. Em fevereiro do mesmo ano, aconteceu no
Theatro Boa Vista uma apresentação do “Cocktail Bandeirante”, um conjunto de
variedades integrado por artistas do Rio de Janeiro e de São Paulo, e tendo como
atração especial a cantora Adelina Fernandez – A rainha do fado português e seus
famosos guitarristas. Em nota no jornal se lê: “Do conjunto fazem parte Barreto,
Armandinho, Pinheirinho e Nestor, o famoso quartetto da Record”.40
No período de 17 de fevereiro a 04 de março de 1928, foi confiada ao
violonista Canhoto a tarefa de organizar uma Orquestra Típica, de instrumentos de
cordas, constituída por músicos de São Paulo, para se apresentar no Salão de
Automóveis da empresa automotiva General Motors, evento este realizado no Cine
Odeon. Não sabemos qual foi o repertório executado por este grupo, porém não
resta dúvida sobre a importância de seu registro em fotografia, na qual podemos,
além de apontar a quantidade de músicos paulistas reunidos, identificar outros
tantos que se destacariam no cenário artístico brasileiro.
39
Cascatinha e Inhana: Francisco dos Santos, o Cascatinha - Araraquara, SP - 20/4/1919 - São José do Rio
Preto, SP - 14/3/1996. Ana Eufrosina da Silva Santos, a Inhana - Araras, SP - 28/3/1923 - São Paulo, SP -
11/6/1981
40
Recorte de jornal, sem identificação, fevereiro de 1928. Arquivo Armandinho.
41
Armandinho é o quarto da direita para a esquerda e Garoto , com apenas doze anos, é o quinto na
42
primeira fileira e na mesma direção, e Zezinho , o futuro Zé Carioca, é o sétimo.
41
Aníbal Augusto Sardinha. (1915-1955) Paulista, conhecido como Moleque, Moleque do Banjo e
finalmente Garoto, por ter começado sua carreira desde menino, aos 11 anos. Foi um virtuose,
dominando todos os instrumentos de cordas dedilhadas. Atuou junto ao Bando da Lua e Carmem
Miranda na década de 1940, e é considerado por muitos o compositor precursor da bossa nova.
42
José Patrocínio de Oliveira (1/02/1904 -22/12/1987) Natural de Jundiaí, integrou o elenco de
artistas da Record, tendo tocado ao lado de Armandinho no Trio da Record e no Regional do
Armandinho. Na década de 1940 partiu para os Estados Unidos, tendo participado de filmes e
programas radiofônicos. Ficou conhecido como Zé Carioca por ter inspirado o produtor Walt Disney
na criação do personagem de histórias em quadrinho.
Segundo Olavo Rodrigues Nunes, ainda em 1927, Armandinho teria sido empregado
como funcionário público municipal e, apesar de não ser possível precisar
exatamente a data de sua contratação, sabemos que exerceu o cargo de Fiscal
Sanitário na carreira de “servente-contínuo-porteiro” até 1955, quando se aposentou
por “antiguidade”.43
Como veremos adiante neste capítulo, uma grande parte dos instrumentistas
atuantes nas emissoras radiofônicas mantinha uma profissão paralela como forma
de complementar a renda mensal, uma vez que apenas as atividades musicais não
eram suficientes para tal. Com Armandinho não foi diferente, e acreditamos que sua
atuação como funcionário público lhe serviu de suporte para que, uma vez
completamente integrado à vida artística paulistana, pudesse se dedicar à sua
carreira como músico.
43
Termo usado no documento de aposentadoria. Arquivo Armandinho.
44
TOTA, Antônio Pedro. A locomotiva no ar – rádio e modernidade em São Paulo. 1924 – 1934. São
Paulo: Secretaria da Cultura/PW, 1990, p 27. Segundo o autor, em 30 de novembro 1923 a Rádio
Educadora Paulista já havia iniciado suas transmissões.
divulgação cultural e de educação”, a primeira rádio paulista, Sociedade Rádio
Educadora Paulista, foi criada com o propósito de “educar o povo sob o ponto de
vista artístico intellectual e cívico por meio da radiotelephonia”. (MORAES, 2000, p.
50)
Havia uma legislação45 que proibia a veiculação de qualquer tipo de
propaganda, o que fazia com que as rádios dependessem exclusivamente do
recurso financeiro das mensalidades de seus contribuintes, restringindo, portanto, a
prática do rádioamadorismo às pessoas de posse, ou seja, novamente como o
futebol em seus primórdios, era uma prática da elite paulista, possível apenas para
pessoas com uma certa condição financeira.
Sem qualquer intuito comercial, as rádios, mantidas por estas associações ou
clubes, alternavam horários de emissão das programações para não estabelecer
concorrência entre si. Os músicos, técnicos e artistas que trabalhavam nas rádios
eram, em sua maioria, amadores e não recebiam dinheiro para executar suas
funções. Como observamos no depoimento abaixo, alguns músicos usavam
pseudônimos para não serem confundidos com profissionais ou, em alguns casos,
para não serem relacionados à música popular.
Naquele momento, final dos anos 1920, o rádio não sendo ainda um veículo
de comunicação de massas, não era utilizado de forma individual, mas sobretudo de
modo coletivo no espaço privado das famílias e amigos, ou em praças e festas.
A partir de 1930, houve uma transformação importante no perfil das rádios,
pois de educativas passaram a ter um caráter comercial, cujo novo lema era distrair.
Com os novos avanços tecnológicos, os rádios diminuíram de tamanho e se
tornaram mais acessíveis, adentrando a residência da população paulista46 e
iniciando a sua progressiva transformação em veículo de comunicação de massa.
Esses fatores propiciaram um aumento no número de ouvintes, estimulando o
45
Decreto nº 16.657, de 05 de novembro de 1924: normas para a prática da telefonia sem fio por
sociedades civis sem fins lucrativos, sendo proibida a veiculação de publicidade. [TOTA, 1990, p. 35).
46
Apenas na década de 1940 as rádios se tornaram mais acessíveis economicamente a outros
estados além de São Paulo e Rio de Janeiro. (CALDAS, 1995, p. 60)
crescimento da indústria radiofônica que, para manter e atrair novos ouvintes,
passou a diversificar a sua programação.
Em conjunto com essa diversificação, tornou-se necessária a
profissionalização dos músicos e artistas que trabalhavam nas rádios. Assim como
ocorreu no futebol, o rádio passou a ser usufruído pela população de baixa renda.
(PEREIRA, 2001, p. 61) Os programas de auditório, realizados no início em
pequenas salas e ao final dos anos 1930 em grandes auditórios, começaram a
tomar forma, atraindo e ampliando ainda mais o contato com novos ouvintes.
Todo esse movimento estimulou o surgimento de outras rádios em meados da
década de 1930, como a Rádio Kosmos (1934), a Rádio Difusora (1934), a Rádio
Excelsior (1934), a Rádio São Paulo (1934), a Rádio Cultura (1934) e a Rádio Tupi
(1937).
Faremos aqui um recorte que julgamos imprescindível para situar
Armandinho.
47
7 dias na Tv. Semana de 2 a 8 de janeiro de 1956. Ano IV n 175. Arquivo Armandinho.
Ainda assim, perdendo a concorrência para as emissoras televisivas, em 1959,
a Record fecharia as portas do estúdio, transferindo seus microfones para o prédio
da TV Record. (CAMPOS, 2004, p. 308)
Em vista da grande rotação de músicos e conjuntos entre as rádios
componentes das Emissoras Unidas, a permanência de Armandinho frente ao
Regional da Record o tornara conhecido como “o mais antigo da emissora”, tendo
sido homenageado quando do aniversário desta, em 1947, conforme carta a seguir:
48
Documento de Identidade. Arquivo Armandinho.
49
João Teixeira Guimarães (1883-1947). Violonista pernambucano, atuou como integrante do
conjunto Os Oito Batutas em 1922 e, como compositor, deixou uma obra significativa para violão solo
composta de choros, maxixes e outros gêneros da música popular brasileira.
50
Rádio Sociedade Record. Jornal s/ identificação.São Paulo, Dezembro de 1929. Arquivo
Armandinho.
Vejamos o regimento do concurso:
51
Bases e prêmios do Grande Concurso de Música Brasileira. A Gazeta. Março, 1931. Arquivo
Armandinho.
52
Grande prêmio de música brasileira. A Gazeta. Março ou Abril, 1931. Arquivo Armandinho.
As categorias musicais existentes no concurso e a quantidade de
concorrentes nos mostram a amplitude do movimento musical na cidade no início da
década de 1930. Estas incluíam: violino, piano, bandolim, clarineta, bateria, flauta,
saxofone, violão, trombone de vara, piston, banjo, cavaquinho, cantor de músicas
lieder53, cantor de músicas populares, cantora de músicas populares, declamadores,
declamadoras, compositores lieder e compositores populares.
Lembrando ser este um período de transição profissional para os artistas que
até então atuavam em cinemas e teatros, não temos dúvida de que o referido
concurso foi de extrema importância tanto para músicos já experientes quanto para
os amadores em busca de oportunidades profissionais. Como dependiam dos votos
dos ouvintes, os artistas que já atuavam na cidade na década de 1920, portanto já
conhecidos do público, figuravam como candidatos já nas primeiras contagens de
votos, como os cantores Raul Torres, Pilé, Paraguassu e Barreto, e os violonistas
Armandinho e Larosa Sobrinho. Entre os músicos mais jovens, encontramos o nome
de Garoto, com apenas 16 anos de idade, concorrendo ao lado de Zezinho
(companheiro de Armandinho na Record entre 1937 e 1939) na categoria banjo. É
interessante notar, também, que os músicos podiam concorrer nas várias categorias
em que atuavam, como Nabor Pires Camargo (1902-1996), clarinete e compositor
de músicas populares, e Vicente de Lima, flauta e compositor de lieder.
Além da contagem de votos ser publicada diariamente no jornal A Gazeta,
breves biografias dos músicos que se mantinham entre os primeiros colocados eram
publicadas dias antes da apuração final54, aumentando ainda mais seu prestígio
perante o público. O número de votos atesta a adesão de sua participação no
concurso - o compositor Sivan, um dos recordistas de votos, iniciou o concurso com
menos de 2.000 votos e terminou somando mais de 140.000 votos. Armandinho,
sempre entre os primeiros colocados na categoria violão, iniciou o concurso também
com menos de 2.000 votos, alcançando mais de 40.000 ao final, obtendo a segunda
colocação.
Na apuração final, publicada em 09 de maio de 1931 pelo jornal A Gazeta,
foram formados o Primeiro e o Segundo Conjunto Artístico Paulistano, compostos,
53
Apesar de estar relacionada à música alemã, no Brasil e na época em questão, o termo lieder era
utilizado para designar canções de caráter erudito, como trechos de óperas, diferenciando-as das
canções populares.
54
A biografia de Armandinho foi publicada em 27 de março de 1931. Jornal A Gazeta. Ver anexo
iconográfico.
respectivamente, pelos primeiros e segundos “azes paulistas da música brasileira”,
como segue:
Categorias Primeiro Conjunto Segundo Conjunto
Artístico Paulistano Artístico Paulistano
55
Composição de Armandinho gravada por Cascatinha e Inhana na década de 1950.
56
Arquivo Armandinho.
57
Arquivo Armandinho.
58
Arquivo Armandinho.
O Hora X nasceu para espantar a tristeza banal do paulista [...] A
alegria é a victória natural do homem sobre a vida. Todo vencedor ri,
se souber vencer. A inversa também é verdadeira. Todo homem que
ri é um vencedor. [...] A Hora X já venceu. Derrubou a neurasthenia
quase invencível do paulista.59
59
Página de revista sem identificação, janeiro de 1933.
60
Informação obtida nas anotações de Olavo Nunes. Arquivo Armandinho. Em algumas breves
biografias de Armandinho, consta que este chegou a tocar com Nazareth, porém não encontramos
nenhum documento escrito ou sonoro que comprove esta afirmação.
61
Obra considerada perdida, pois não encontramos nenhuma outra referência a ela.
artistas. [...] Armandinho, violonista de real popularidade entre
nós, é um solista primoroso e um acompanhador seguríssimo
[destaque nosso]. Figura de renome da história da música regional
em São Paulo, Armandinho é o violão do segundo Conjunto Artístico
Paulistano da Gazeta.62
62
O Grupo Verde-Amarelo. Jornal sem identificação, em maio de 1931.
Brincando com fogetão
canção – M. Grau Vae haver barulho no Formosa – marchinha -
“chateau”- samba – Noel Rosa Lamartine Babo
Cadê minha pomba
rola – côco Eu vi uma lagartixa – embolada Segura esta mulher –
pernambucano – N.N – Hekel Ary Barroso.
Outra formação também utilizada como chamariz foi o Trio da Record, formado
pelos integrantes do regional da emissora, Armandinho, Zezinho e Antônio Rago, que
durante o ano de 1937 possuía programas exclusivos nos quais “esse admirável trio
irradiou programas em conjunto e de solos que se tornaram inesquecíveis pela
técnica e pelo repertório”.63
63
Jornal Folha da Noite, 1937.
Também é deste ano a única fotografia que encontramos, na qual pudemos
identificar todos os componentes do Regional da Record de 1937: Armandinho e
Antônio Rago - violões; Zezinho - cavaquinho e violão tenor; Ernesto - flauta; Sute e
Penosa - ritmos.
Como já referimos anteriormente, além da oportunidade de atuar em outros
espaços de lazer, o ambiente radiofônico também propiciava aos músicos o contato
com atores, declamadores, enfim, uma grande quantidade de artistas de vários
gêneros que despontavam naquela época. A música brasileira ganhava mais espaço
com o aparecimento dos “cartazes”, e as emissoras praticavam um verdadeiro
intercâmbio entre os artistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Com a inauguração da Rádio Nacional, em 18 de setembro de 1936, iniciou-
se, ainda em pequena escala, uma verdadeira migração dos profissionais paulistas
da música para o Rio de Janeiro, fato este que, segundo o autor Campos, teve o seu
lado positivo, obrigando as emissoras paulistas a “elaborarem programas mais
criativos para chamarem a atenção do público”. Dentre os músicos que partiram para
o Rio de Janeiro estava o Maestro Gaó, que assim definiu as diferenças entre os
programas paulistas e cariocas:
64
Encontramos no arquivo pessoal de Armandinho fotos com dedicatórias de artistas paulistas e
cariocas.
Na Record? Ah! Passou rápido. Aquela chateação de durante o dia
na repartição [pública] ficava pra trás quando eu ia à noite para a
rádio. Teve gente que saiu por aí, fez sucesso. O Rago, o Aymoré, o
Zezinho, o Garotinho do Banjo [Aníbal Augusto Sardinha – Garoto], o
Laurindo [de Almeida], e mais uma turma grande [...] E passou tanta
gente pela minha mão, rapaz!65
65
“Armandinho, chorão paulista coração brasileiro”. In Urubu Malandro, São Paulo,agosto de 1978, p.
9.
66
Vassourinha – Mario Ramos (1923-1940).
67
Depoimento de Antônio Rago, 27 de março de 2003.
elenco do filme “Fazendo Fita”, de Vittorio Capellaro, ao lado de Paraguassu,
Alzirinha Camargo e outros artistas, interpretando sucessos do rádio68.
Em 1936, como chefe do regional, Armandinho indicou o duo para
acompanhar os “Quatro Ases Cariocas” – Silvio Caldas, Nono (Romualdo Peixoto),
Luiz Barbosa e Araci de Almeida –, que passavam por São Paulo para cumprir
temporada na Record, sendo acompanhados pelo Regional do Armandinho. O
sucesso foi tal que lhes rendeu um convite muito importante para sua carreira: a ida
para o Rio de Janeiro.
Outro artista importante que teria sido preparado por Armandinho foi Mário
Ramos, ou Vassourinha69, cantor negro que começou ainda criança como office-boy
da Record.
Geraldo Ribeiro: Lá todo dia tinha sarau na casa dele. Era choro o dia
todo. O dia todo não. A tarde começava, as pessoas iam lá [...]
Quem você lembra de ter visto na casa dele?
68
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. p.
18.
69
Revista sem identificação, com anotação manuscrita da data: março de 1937. Arquivo Armandinho.
70
“Armandinho, chorão paulista, coração brasileiro”. In Urubu malandro. p. 9.
Por exemplo: o Rago ia sempre lá, o Vital Medeiros, Alfredo
Scupinarri, o que foi meu professor Oscar Magalhães Guerra, enfim,
esses violonistas de São Paulo [Geraldo Ribeiro refere-se ao início
da década de 1960].
Quem freqüentava a casa dele?
RAGO: Todo mundo. Todo mundo. O pessoal ia lá mesmo, os
cantores, cantoras. E lá a gente fazia a festa. Os violonistas [em
geral]. O Geraldo [Ribeiro] chegou até morar na casa dele. Às vezes
vinha gente que não tinha dinheiro para ficar no hotel e ia pra casa do
Armandinho.
SIMÕES: Mas eu encontrava com o Garoto, ele ia tocar nessas
mansões aqui em São Paulo. Ele morava no Rio e vinha tocar aqui e
eu ia com ele também. E muitas vezes quando eu me despedia dele
eu dizia: ”aonde você vai agora?” G: “vou à casa do Armandinho”, R:
“fazer o quê?”, G: “pegar música”. O Armandinho passava para ele
de ouvido, né?, e o Garoto pegava com aquela facilidade que ele
tinha e tocava muita coisa do Armandinho. Mas o Garoto freqüentava
a casa do Armandinho para pegar as composições dele, ele gostava
muito das músicas do Armandinho [década de 1940].
71
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982.
junto com a orquestra de Henry King, que aqui é bem popular em
temas latino-americanos, como eles dizem.72
72
Carta de Zezinho a Armandinho de 1941. Arquivo Armandinho.
73
ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto - Sinal dos tempos. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. p.
33.
qual eles não poderiam, sem prévia autorização, apresentarem-se em qualquer outro
lugar público. (CALDAS, 1995, p. 62) Se, por um lado, o regime de contratação
proporcionava maior estabilidade ao músico, por outro, a restrição em se apresentar
desvinculado da emissora estabelecia um empecilho com relação às atividades e
projetos pessoais74. Acreditamos que este não seria um motivo para que Armandinho
– como para a grande maioria dos músicos acompanhadores –, deixasse de
trabalhar, passando a conviver com – e, sem saber, contribuir para – o que seria, a
nosso ver, um dos maiores inimigos desses artistas: o anonimato.
À exceção de Carmem Miranda, que, como vimos, era acompanhada pelo
grupo O Bando da Lua, a maioria dos “cartazes” contava com a eficiência e
profissionalismo dos conjuntos das emissoras locais para acompanhá-los em suas
apresentações pelas capitais brasileiras. Com um pouco mais de perspicácia,
Garoto, em 1939, aceitou o convite para integrar o grupo em sua excursão aos
Estados Unidos ao lado de Carmem Miranda, desde que tivesse autonomia nas
apresentações, aparecendo como solista e tendo seu nome desvinculado do grupo,
ou seja, nos programas de concerto os acompanhadores seriam: O Bando da Lua e
Garoto, garantindo, assim, o reconhecimento de sua carreira independente da
cantora. Já o Bando da Lua perdeu sua força como grupo independente, tendo
permanecido sempre associado ao nome da “Pequena Notável”, dissolvendo-se
após a sua morte.
O cargo exercido por Armandinho como Chefe do Regional, cada vez mais
um grupo acompanhador, exigia bastante responsabilidade de sua parte, pois tinha
como função principal arregimentar os músicos e ensaiá-los de forma a estarem
sempre preparados para acompanhar os “cartazes”, ou para preencher possíveis
falhas na programação a qualquer momento. Segundo Antônio Rago, sua
competência era inquestionável:
74
A cantora Inezita Barroso, hoje (2004) apresentadora do programa “Viola, Minha Viola” da TV
Cultura, disse-nos que gravou e se apresentou inúmeras vezes com o meigo Armandinho. Portanto,
por desavenças comerciais entre emissora e gravadora, não era possível dar créditos das gravações
aos músicos nem constar seus nomes nos encartes dos discos. Depoimento informal realizado no dia
21 de julho de 2004 quando da participação do grupo Choronas (do qual faço parte) em seu
programa Viola minha Viola.
sabedoria, ele pegava coisas, às vezes uma melodia pequenininha
coisa assim, nossa!, ele fazia coisas, mandava por tal acorde, isso
aquilo e coisa [...] Então, o regional, eles não gostam que a gente
fale, mas eu sempre falei, o regional sempre foi o quebra-galho das
emissoras. Sempre foi o quebra-galho. Por exemplo: se a orquestra
vai acompanhar um cantor, às vezes ficava duas, três horas
ensaiando poucas músicas. E fica o maestro, e escreve aqui não tá
certo, e mexe aqui mexe ali, ensaia e coisa e tal, né? Mas e se de
repente sumir o repertório? As músicas? Ninguém toca. E aí tem que
ser o quê? O regional. Então o regional [...] Chegava o Orlando Silva,
o Silvio Caldas, qualquer um deles [...] Dez minutos, às vezes cinco
minutos para entrar o programa: “meu Deus, eu vou cantar isso, vê
se é Dó se é Ré” eles [os cantores] põem num caderninho, né? Não
é que eles estão sabendo se é Dó ou se é Ré. Imagine que o Nelson
Gonçalves, uma vez, eu e o Poli dissemos: “vem cá, ô cartaz, você
que é o cartaz, né?, o grande cantor, me diga uma coisa, essa
música [canta uma melodia] é maior ou é menor? Aí o Nelson
Gonçalves: É [...] pode ser que seja maior que seja menor [...], Aí, eu:
Não, mas eu estou perguntando se é maior ou menor”, não sabia
dizer, não sente e não conhece. (RAGO, 2003)
Não temos dúvida sobre o aspecto negativo que esta falta de registro
representou e ainda representa para a música brasileira. Em vista desta carência de
informações na bibliografia específica sobre a música brasileira ou sobre a história
das rádios, podemos imaginar a quantidade de músicos, acompanhadores ou fixos,
que caíram no anonimato sem que nos chegasse qualquer informação.
Sabemos, por exemplo, que vários músicos que despontaram no cenário
musical paulista e carioca fizeram parte ou, no caso dos “cartazes”, foram
acompanhados pelo Regional do Armandinho; porém, os registros são quase nulos.
Alguns exemplos: o flautista João Dias Carrasqueira foi integrante do Regional do
Armandinho, porém não pudemos precisar em qual período; consta, em recorte de
jornal de 194975, que o Regional do Armandinho acompanhou o cantor Francisco
Alves no teatro Rex para o lançamento dos sucessos do carnaval de 1949;
entretanto, não sabemos quais eram os integrantes de então; em 1946, o Regional
de Armandinho participou de um “grandioso show”76 no teatro Ritz ao lado de
Adoniran Barbosa; no teatro, novamente, não se sabe quais eram os integrantes.
Como pode-se constatar, o posto de chefe do Regional da Record garantia a
Armandinho um certo status, estabilidade profissional e, principalmente, em sendo
75
Arquivo Armandinho
76
CAMPOS JÚNIOR, Celso de. Adoniran: Uma Biografia. São Paulo: Globo, 2004. p.176
conhecido como Regional do Armandinho, afastava a possibilidade do completo
anonimato. Talvez, agora concordando com Ronoel Simões, este tenha sido um dos
motivos pelo qual não tivesse migrado para o Rio de Janeiro como a maioria dos
músicos paulistas.
Surge então, no Rio de Janeiro, o movimento Velha Guarda, que tinha como
objetivo resgatar um passado musical que parecia ameaçado e valorizar os artistas
mais antigos que perdiam cada vez mais seu espaço, tanto nas rádios quanto no
mercado fonográfico. O movimento foi encabeçado por Almirante e Lúcio Rangel
que, dispondo de seus espaços na mídia, demarcavam e divulgavam a boa música
popular marcada pela produção musical dos anos 1920 e 1930.
Em 1954, foi criado por Almirante o I Festival da Velha Guarda. Idealizado
inicialmente como um programa em homenagem ao 57º aniversário de Pixinguinha,
no qual seriam reunidos os mais antigos “militantes da música popular brasileira”,
77
Depoimento de Donga para a revista Radiolândia, em 1954. (CABRAL, 1997, p. 175)
unindo os músicos cariocas e paulistas numa grande exposição de música brasileira.
O evento, realizado no dia 23 de abril de 1954, tomou proporções maiores e, com o
patrocínio da Rádio e Televisão Record de São Paulo, foi incorporado às
comemorações dos IV Centenário da cidade de São Paulo.
O fato de este encontro ter sido realizado na capital paulista nos mostra que
havia uma maior aceitação do público paulista ao repertório mais tradicional, pois,
com o inquestionável sucesso do festival, em 29 de abril de 1955, foi realizado o II
Festival da Velha Guarda. Novamente unindo, dentre os mais de cem músicos
participantes, compositores cariocas, como Pixinguinha, Jacob do Bandolim e o
menino Baden Powell, entre outros, aos paulistas Paraguassu, Januário Oliveira,
Armandinho e Inezita Barroso. A programação se estendeu por quatro dias,
culminando com um grande espetáculo no Parque do Ibirapuera.
GERALDO RIBEIRO: Não. Tinha umas coisas que eles falavam lá,
sabe? Ele era muito chegado a esses movimentos que existem nos
Estados Unidos, os negros, não é? Ele seguia tudo isso, não resta
dúvida. Mas ele mesmo não externava nada com esse negócio de
discriminação nem nada. Ele não reclamava nem nada. [grifo
nosso]
RAGO: Na verdade ele era mulato. Mas não. Sempre tinha aquele ar
de brincalhão, sempre fazendo brincadeira, era alegre.
Tinha pouca gente negra na rádio, e quando tinha algum negro,
é porque o cara era bom mesmo. E o preconceito sempre existiu e
existirá. [grifo nosso]
78
Disponibilizamos as pinturas pertencentes ao Arquivo Armandinho no anexo iconográfico.
negros nas programações. Vale ressaltar aqui que os depoimentos foram colhidos
entre 1959 e 1961, período em que foi realizada a pesquisa e que coincide com os
últimos anos de atividade de Armandinho como artista da Rádio Record.
Reproduzimos apenas um, a partir do qual desenvolveremos de forma sucinta
alguns aspectos relacionados aos negros, lembrando que todos os depoimentos
apresentados em seu livro têm o mesmo teor e apontam, em sua maioria, os
mesmos estereótipos:
Preto eu só uso como cantor ou músico. Aí eles são insubstituíveis.
Assim mesmo não programo, ao mesmo tempo, muitos profissionais
de cor. Procuro dosar brancos e pretos para satisfazer os ouvintes.
Já tenho recebido cartas criticando-me quando ponho “muita
negrada” num mesmo programa. Fora disto, preciso de gente capaz,
que trabalhe, leve a sério o serviço, sem ficar pensando em cachaça,
em tudo o que, como se sabe, o negro pensa [...] (PEREIRA, 2001.)
Vale lembrar que os bairros acima citados eram também habitados por
imigrantes, principalmente italianos, que igualmente traziam seus costumes e
tradições, e que também eles lutavam para mantê-las vivas em meio ao processo de
urbanização. Surgia então, como manifestação cultural dessa população
marginalizada, uma prática musical na qual um grupo de músicos amadores,
geralmente com instrumentos de cordas, um outro de sopro e um cantor,
homenageava alguém, executando as músicas na frente das casas ou janelas: a
serenata, também conhecida como seresta.
Ora, foi a partir do desenvolvimento desta prática que surgiram, na década de
1920, os músicos e cantores com perfis menos amadores e que compuseram os
conjuntos que atuavam em cinemas e teatros, passando, na década de 1930, às
atividades radiofônicas. Não há dúvida de que, assim como no futebol, a atuação
como músico era uma oportunidade que os negros tinham de se destacarem e
transitarem por outros universos sociais. Ainda assim, em algumas fotos de grupos
paulistas dos quais Armando Neves fez parte naquela década, observamos a
presença de poucos integrantes negros.
Regional da Rádio Educadora, em foto de 1929. Armandinho, o único
negro do grupo, é o segundo, sentado, da direita para a esquerda.
Nesta foto da equipe da Record, provavelmente do final dos anos 1930, Armandinho e o
pandeirista são os únicos negros.
Abordamos, agora, a presença do negro atuante nas emissoras radiofônicas.
Como vimos, a progressiva transformação das rádios em veículo de massa propiciou
aos músicos e artistas em geral a possibilidade de trilhar uma carreira profissional, e
também aos ouvintes, principalmente a partir da popularização dos programas de
calouros, o ingresso no ambiente radiofônico em busca de oportunidades
profissionais. Imaginando-se a estrutura radiofônica como uma pirâmide, em cuja
base se encontra o “setor programático79” – do qual fazem parte os músicos – e no
topo, a administração, nota-se que a presença de negros nas mais altas esferas que
compõem a pirâmide é quase nula, ou seja:
79
Termo usado por João Borges Pereira para designar o setor que mantém contato direto com o
público, não participando, porém, da criação dos programas.
80
Pesquisa realizada em emissoras paulistas entre 1959 e 1960.
O negro não era aceito com facilidade. Havia muita resistência. Eu
nunca fui barrado por causa da cor, porque eu nunca abusei. Sabia
onde recebiam e onde não recebiam pretos. Onde recebiam, eu ia,
onde não recebiam, não ia. Nós sabíamos desses locais proibidos
porque um contava para o outro. O Guinle [Arnaldo] muitas vezes me
convidava para ir a um outro lugar. Eu sabia que o convite era por
delicadeza e sabia que ele esperava que eu não aceitasse. E assim
por delicadeza também não aceitava. Quando era convidado para
tocar em tais lugares, eu tocava e saia. Não abusava do convite”.
(PEREIRA, 2001, p.152)
1.3 O Compositor
81
Entendemos como alfabetização musical apenas o domínio da escrita e da leitura da grafia
musical.
82
Considerando a tonalidade de Dó maior, a 1ª do tom é Dó maior, 2ª do tom é Sol maior, a 3ª maior
do tom é Fá maior , a 3ª menor do tom é Ré menor. Como acordes de preparação, teremos Dó com
Sétima, Ré com Sétima e Lá com Sétima.
menor. O mesmo esquema harmônico era apresentado para os tons maiores e
menores.
Esse sistema foi utilizado mais intensamente até meados da década de 1950,
quando, através do movimento da Bossa Nova, foi introduzido e popularizado no
Brasil o sistema de leitura por cifras83. Além de Garoto, o cantor Paraguassu e os
violonistas Canhoto e Larosa Sobrinho editaram métodos de “violão prático e sem
mestre”, sendo todos semelhantes entre si. Para melhor visualização, reproduzimos
as duas primeiras páginas do método de Garoto, que apresentam as tonalidades de
Dó maior e Lá menor, sendo que no restante do método é apresentado o mesmo
esquema harmônico, porém transposto para todas as tonalidades.
83
As cifras estipulam a tipologia do acorde (Maior, Menor, Diminuto, Com sétima etc.), relacionando
cada nota a uma letra, porém não definem, como no sistema antigo, sua relação ou função dentro da
tonalidade.
Em nenhum dos métodos observados existe orientação com relação aos
ritmos a serem executados, ou indicação de repertório para que estes esquemas
harmônicos sejam aplicados e nem mesmo outra seqüência harmônica utilizando os
mesmos acordes. Devemos discordar aqui da opinião exposta por Giacomo
Bartoloni ao se referir a um método de violão, semelhante a este, de autoria do
cantor Paraguassu:
84
Termo usado para indicar a identificação de elementos musicais de fontes não grafadas.
85
Ver capítulo 3.
dele, tudo o que saía dele era natural. Se tivesse que fazer esforço
não servia. (dezembro, 2002)
Esta afirmação nos leva a crer em uma dificuldade em se manter uma prática
focada na técnica e no desenvolvimento de repertório de forma intensa, sem dúvida
necessária ao solista. Não que esta fosse necessária a todos os músicos, pois,
como sabemos, o violonista Canhoto, por exemplo, não tinha a prática da leitura e
foi um grande solista, mas, no caso de Armandinho, talvez o contato com métodos e
partituras de uma forma sistemática pudesse ter contribuído para ampliar suas
habilidades técnicas, além de tê-lo auxiliado em sua carreira como solista.
Em terceiro lugar, este mesmo desprendimento teórico gerou algumas
condutas musicais próprias guiadas pelo seu gosto individual, e que serão
demonstrados no próximo capítulo; porém, aqui nos interessa apenas o fato de que
o músico puramente auditivo tende a criar uma identidade própria, baseada em seu
gosto pessoal. Vejamos o que nos dizem Geraldo Ribeiro e Antônio Rago:
86
A numeração é dada entre parênteses por ter sido acrescida em data posterior à composição. Ver
Capítulo III.
87
Anotações pessoais de Olavo Nunes Rodrigues a partir do depoimento de Armandinho. Arquivo
Armandinho. p16.
começaram a compor esse choro, sabe? Tem Serrano e tem outro, Pinheirada
também, junto com o João Pernambuco, muito bonito o choro! (novembro, 2002)
Tanto o choro Serrano quanto o Pinheirada (1925), também em parceria com
João Pernambuco, sobreviveram apenas na memória de seu companheiro Aimoré,
quando em 1977 foram gravadas em fita cassete e, finalmente, transcritas.
As décadas de 1930 e 1940, considerando-se o grande espaço de tempo,
foram as menos produtivas no que se refere às composições. Deste período
encontramos registros de apenas sete trabalhos: as valsas Noite triste e Mathilde, o
Choro (10) e a toada Flor da saudade, e três obras que consideramos perdidas.
A catalogação das obras consideradas perdidas foi possível graças aos
documentos de cessão de direitos autorais88 encontrados no Arquivo Armandinho.
Não temos dúvida de que no período em questão, com mercado musical em
emergência, a venda de músicas autorais às gravadoras e editoras era uma forma
de os compositores ampliarem suas fontes de rendimento. Não fugindo à regra,
Armandinho cedeu os direitos autorais das três composições em questão.
Em 06 de março de 1931, a composição de letra e música do samba Mulher
desprezada foi cedida para a Victor Talking Machine Company of Brazil, recebendo
“duzentos réis por cada disco que sirva para reproduzir mecanicamente uma das
referidas composições e que seja vendido pela VICTOR Co”.89
No dia 24 do mesmo mês, cedeu os direitos de letra e música da marcha
intitulada A turma é bamba90, com as mesmas “regalias” que o contrato anterior91, e
em 7 de janeiro de 1933, os direitos autorais da marcha Falando sozinha. Neste
último documento, entretanto, não fica claro com qual companhia foi efetivado o
contrato.
Parece que esta prática de cessão de direitos autorais também se dava de
maneira informal entre os músicos, através de documentos escritos de próprio punho
dos autores, autorizando sua utilização.
88
Em 1928, foi estabelecida a primeira lei que buscou regulamentar as relações entre compositores,
editoras e gravadoras. Criada por Getúlio Vargas, quando deputado no Rio Grande do Sul, a lei
estabelecia o pagamento de direitos autorais por parte das empresas do setor de gravação e
editoração musical, e acabou conhecida como “Lei Getúlio Vargas”.
89
Convênio de concessão de direitos autorais, 06 de março de 1931. Arquivo Armandinho.
90
Convênio de concessão de direitos autorais. 24 de março de 1931. Arquivo Armandinho.
91
Este documento foi utilizado por Armandinho para pedir sua aposentadoria como músico em 1973.
Está escrito com sua caligrafia.
Em documento datado de 28 de dezembro de 1932, o Dr. Paulo Machado de
Carvalho, proprietário da Rádio Record, cedeu os direitos de impressão e gravação
da canção de sua autoria, Eu gosto tanto de você, a Armandinho92; e em 18 de
janeiro de 1935, também em papel manuscrito assinado por Vicente de Lima,
compositor e flautista que obteve a segunda colocação no Grande Concurso de
Música Brasileira de 1931, uma autorização ao músico Nestor Amaral para gravar a
canção Saudade venenosa, e da valsa-canção Diante da própria cruz, para as quais
Armandinho teria composto a música e Vicente Lima, os versos. Também não
encontramos referências a quaisquer gravações.
Acrescentaremos ainda às obras perdidas as composições citadas no recorte
do jornal Correio de São Paulo, de 1934: Como é lindo o teu olhar (valsa), Linda e
cruel (canção) e Paraíso dos sonhos (valsa). A música Evocando Nazareth
provavelmente se refere ao Choro 18, editado como Recordando Nazareth. É
interessante notar que suas obras eram executadas por várias formações
instrumentais e não só ao violão.
92
Papel datilografado. Arquivo Armandinho.
Sabemos que naquele período ampliavam-se as possibilidades de atuação
dos músicos, exigindo-lhes maior disponibilidade e dedicação às atividades em
emergência, como gravações e programas radiofônicos. Sabemos também que, nos
anos 1930, Armandinho conquistava e construía seu prestígio e status como
instrumentista perante os músicos e ouvintes paulistas ao vencer o I Concurso de
Música Brasileira de 1931 e ao assumir o cargo de chefe do Regional da Record.
Vale aqui lembrar novamente que, dividindo seu tempo com as atividades
musicais, dedicava-se a um cargo público que exercia durante o dia. É
compreensível que, com todas essas atividades que tiveram o seu auge na década
de 1940, Armandinho tivesse pouco tempo para se dedicar à composição, atividade
retomada ao final da década de 1950, a qual passamos a abordar.
Faremos uma subdivisão dentro da terceira fase de produção de Armandinho.
A primeira, de 1950 a 1958, da qual encontramos 14 composições, e que coincide
com o início da Televisão no Brasil e com sua aposentadoria do serviço público; e a
segunda, de 1959 a 1973, da qual encontramos 37 composições93, e que coincide
com o período de sua convivência com os violonistas Geraldo Ribeiro e Vital
Medeiros, responsáveis pelo maior número de transcrições de suas obras, e sua
saída da Rádio Record.
Em 1954, conheceu o músico e poeta Elpídio dos Santos94, que passou a
freqüentar os encontros musicais na casa de Armandinho. Juntos compuseram
Carreteiro95 e as valsas Segredo (1954), Realidade (1954) e Longe dos olhos
(1956), para as quais Armandinho teria composto a música e Elpídio dos Santos, a
letra. São ainda desse período os Prelúdios 2, 7 e 8, o choro Galho seco, a Mazurca
2, o Estudo 1, a Guarânia, a Canção 1, a Cantiga de ninar 1 e as Valsas 2 e 3. É
interessante observar a variedade de gêneros nos trabalhos de Armandinho,
demonstrando influências não só da música popular brasileira mas também da
música erudita (como nos prelúdios) e de outras culturas (como a guarânia).
No período de 1959 a 1973, encontramos 37 composições. Vale ressaltar
que, dentre os 18 choros compostos, 10 são desse período.
93
Vale lembrar que não foi possível precisar as datas de 9 composições de sua produção total.
94
Elpídio dos Santos (1909-1970). Nascido em São Luís do Paraitinga, músico e poeta, foi o
principal compositor das trilhas dos filmes de Mazzaropi.
95
Não podemos precisar a data nem o gênero,pois encontramos apenas a letra. Arquivo Armandinho.
A partir de 1959, Armandinho passou a compor intensivamente, resultando,
como já referimos, em 37 composições. Naquele ano conheceu o violonista Geraldo
Ribeiro96 através do construtor de violões Romeu di Giorgio em um sarau na casa de
um amigo em comum, o dentista Dr. Salles Navarro. Lá ficaram amigos e, como
Geraldo Ribeiro procurava lugar para morar, Armandinho o convidou para se
hospedar em sua casa o tempo que fosse necessário, dando início então a uma fase
importante de preservação e ampliação de sua obra musical.
Geraldo Ribeiro morou com Armandinho durante um ano – de 1959 ao final
de 1960 – período no qual, além de transcrever muitas obras de Armandinho (34),
passou a incluí-las em seu repertório, apresentando-as em recitais no Brasil e no
exterior, e divulgando-as entre seus alunos. Em 1970, gravou o LP Geraldo Ribeiro
interpreta Armandinho, com 12 obras, lançado em conjunto com um álbum das
partituras das músicas gravadas.
Suas composições foram muito bem recebidas e elogiadas pela imprensa,
como pode-se notar nos comentários abaixo.
As músicas de Armandinho
Já por várias vezes falamos sobre a extraordinária valorização que o
violão passou a ter no Brasil, em termos fonográficos, nos últimos
anos. Se até há alguns anos somente se conheciam os LPs de
Dilermando Reis, a partir de 1960 - principalmente com a valorização
que a Bossa Nova deu ao “pinho” - os discos de solistas de violão
passaram a fazer parte obrigatória dos catálogos das principais
gravadoras. E não apenas no campo popular, mas – o que é
importante – também no setor erudito.
Pela Fermata, vem de sair um belo álbum com Geraldo Ribeiro
interpretando 12 composições de Armando Neves, Armandinho, um
importante compositor pouco divulgado. Nascido em Campinas [...]
teve uma vida rica de atividades artísticas pontilhadas por um grande
número de composições inspiradas de harmonização correta, estilo
96
Geraldo Ribeiro, 1939, nasceu em Mundo Novo, no estado da Bahia. Já em São Paulo foi aluno do
compositor Theodoro Nogueira e, aos dezenove anos, gravou seu primeiro LP, com obras de
Augustin Barrios. Em 1966, Geraldo Ribeiro mudou-se para Brasília para exercer o cargo de
professor-titular de violão no Instituto Central de Artes, Departamento de Música da Universidade de
Brasília, cargo que ocupou até 1976. Gravou, em 1980, o LP Garoto, com 14 músicas inéditas
transcritas por ele. Hoje vive e leciona no Conservatório de Música de Tatuí.
97
Shopping News. São Paulo, 19 de abril de 1970.
próprio [...] Um bom disco, com um ótimo violonista, valorizando
musicas de um importante compositor brasileiro.98
98
“As músicas de Armandinho”. O Estado do Paraná. Curitiba, 21 de março de 1970.
99
Rádio BBC de Londres, 1971, programa mimeografado. Arquivo Armandinho.
100
“Concurso de violão: peças e prêmios”. Folha da Tarde. São Paulo, 06 de dezembro de 1971.
101
“Armandinho em Audição em família”. Correio Brasiliense. Brasília, 29 de março de 1973.
julho102, Armandinho passou a viver cada vez mais sozinho e, como que
pressentindo o final de sua vida, em 1976, escreveu de próprio punho um
testamento no qual relacionou todas as composições editadas e gravadas
manifestando sua intenção em doar todas as composições e os direitos autorais ao
Asilo de Velhos Ondina Lobo.
Apesar do breve período de divulgação de sua obra proporcionado pela
gravação do LP de Geraldo Ribeiro e das dedicatórias acrescidas em suas músicas
aos violonistas, poucos deles de fato executavam suas peças . Armandinho
expressava seu descontentamento proferindo frases como ”essa turma não que
saber de minha música” ou “também não dedico mais músicas para puto nenhum”
registradas nas anotações de Olavo Rodrigues Nunes no período em se dedicavam
à catalogação de sua obra (provavelmente a partir de 1968). Em seu testamento, o
qual reproduziremos a seguir, Armandinho demonstrava acreditar no valor de sua
obra considerando-a seu único bem:
102
Atestado de Óbito. Arquivo Armandinho.
2. OS CHOROS
Sabemos que o choro, como forma de tocar, teve seu nascimento no Rio de
Janeiro, ao final do século XIX. Segundo Tinhorão, o termo teria surgido através da
forma “chorosa” como os músicos executavam as polcas, aprendidas “de ouvido” em
conjuntos à base de violões, cavaquinhos e algum instrumento solista.
103
Isaías de Almeida, 07/06/1937, bandolinista. Trabalhou nas rádios Difusora e Tupi; tocou no
Regional de Antônio D’Áurea, o Conjunto Atlântico; formou o conjunto Bola Preta e, atualmente, é
idealizador do conjunto Isaías e Seus Chorões. Entrevista realizada por Andréa Paula Picherzky, em
setembro de 2001, no Arquivo da Biblioteca do Teatro Municipal de São Paulo.
Ainda segundo Vinci de Moraes, o repertório executado nestas rodas era
variado com relação aos estilos, porém restrito com relação à quantidade, pois o
acesso a gravações e partituras só foi ampliado a partir de meados da década de
1920. Lembremos ainda que, naquela década, como referido no Capítulo I, alguns
grupos do Rio de Janeiro e do Norte se apresentaram em São Paulo, incentivando a
formação de conjuntos e trazendo novo repertório para os músicos paulistas.
Com o crescimento das atividades radiofônicas na década de 1930, os
“choros” passaram a ser chamados de “regionais” e se multiplicaram pelas rádios e
atividades musicais da cidade. A maioria dos músicos populares que despontaram
no cenário musical paulista, principalmente na década de 1930, iniciou-se
musicalmente nessas rodas.
Não podemos deixar de citar aqui que, além dos cinemas e teatros, ainda nas
décadas de 1920 e 1930, os circos eram um importante espaço de atuação para os
músicos paulistas. O cantor Paraguassu, por exemplo, alavancou sua carreira ao
trabalhar, em 1908, com o palhaço negro Eduardo das Neves (1873-1919), carioca
que fazia uma temporada em São Paulo com o Circo Teatro Pavilhão Brasileiro.
Assim como ele, atuaram também em circos vários músicos, como Garoto, Canhoto
e Antônio Rago. (MORAES, 1995, p.176)
É interessante também destacarmos alguns aspectos em comum aos
músicos paulistas. Como foi apresentado no Capítulo I, a presença de negros nos
grupos de choro paulistas, ao contrário do Rio de Janeiro, era quase nula, não
ocorrendo o mesmo com os instrumentos introduzidos pelos imigrantes, como o
violino e o acordeom, nos conjuntos regionais – prova disso é a inclusão da
categoria violino no Primeiro Concurso de Música Brasileira de 1931.
Outro aspecto comum é o fato de a grande maioria dos músicos, assim como
Armandinho, ser descendente de imigrantes (sua mãe era italiana) e exercer alguma
profissão paralela à música. O flautista João Dias Carrasqueira, por exemplo, era
filho de portugueses e trabalhava como pintor de cerâmica da indústria dos Irmãos
Ferreira; o violonista Garoto, também filho de portugueses, trabalhava como
ajudante numa casa de instrumentos musicais no Brás (Garoto 15); o violonista
Canhoto era filho de napolitanos e trabalhava como pintor de painéis.
Não há dúvida de que as influências musicais recebidas de suas origens
contribuíam para desenvolver nos músicos uma versatilidade que lhes possibilitava
executar vários ritmos e gêneros musicais. O violonista Antônio Rago, por exemplo,
filho de calabreses, “era um autêntico quebra-galho, pois acompanhava qualquer
ritmo ou cantor, transitando da música italiana ao tango, e do samba ao choro”.
(MORAES, 2000, p. 256)
Uma das primeiras características que nos chamou a atenção nesta pesquisa
foi a afinação do violão utilizada por Armandinho. Ao invés da usual do violão, Mi –
Si – Sol – Ré – Lá – Mi (partindo-se da corda mais aguda para a mais grave),
Armandinho utilizava a sexta corda, a mais grave, afinada em Ré, portanto um tom
abaixo do usual, resultando na afinação: Mi – Si – Sol – Ré – Lá – Ré.
Esta afinação amplia a possibilidade de utilização de alguns recursos
harmônicos, principalmente para certas tonalidades específicas, como Sol maior ou
menor, Ré maior ou menor. Em Sol maior ou menor, possibilita o salto de quarta
ascendente na cadência V – I (ou D7 → G ou Gm); em Ré maior ou menor, o salto
de quinta descendente na cadência V – I (A7 → D ou Dm), ambas caracterizando o
movimento forte da cadência perfeita.
Acreditamos ser plausível este ter sido um dos critérios de escolha para a
utilização dessa afinação, apesar de não ter sido o único. O fato de ter dois semitons
mais graves propicia também conduções melódicas mais enriquecidas, sem que
haja a necessidade de interrompê-las com saltos ou com mudanças de
direcionamento por falta de tessitura.
Além dos aspectos musicais acima descritos, acreditamos que Armandinho foi
influenciado por dois violonistas, em especial, que também utilizavam essa afinação:
o paraguaio Agustín Barrios e o pernambucano João Teixeira Guimarães, conhecido
como João Pernambuco. É interessante observar que, além da afinação com a
sexta corda em Ré, Barrios variava também a afinação da quinta corda, em vez de
Lá a afinava em Sol, como nas músicas Choro da Saudade e Confession, conferindo
uma sonoridade ímpar ao instrumento.
Com o intuito de expor suas opiniões, reproduzimos abaixo os trechos das
entrevistas de Antônio Rago e Geraldo Ribeiro, músicos que conviveram
profissionalmente com Armandinho, nas quais este assunto foi abordado. É
interessante, apesar de diferentes a nosso ver, que estas opiniões se
complementam. Vejamos o que diz Antônio Rago:
Então, pra mim o Armandinho foi uma pessoa magnífica. Foi um dos
violonistas extraordinários! E outra coisa, o Armandinho não tinha
nada de violão sétima [referindo-se ao violão de sete cordas104] e
coisa e tal. Eu conheço violão sétima de quando eu era menino, os
portugueses usavam muito para fazer como se fosse um contrabaixo.
Mas o tom deles era um tom natural e com facilidade. Hoje está se
fazendo um violão de sétima com mais idéias de acordes, mais pra
frente, né? Mas Armandinho condenava, e dizia: “Não, a gente faz
aqui mesmo” [no violão de seis cordas]; então ele tocava com a sexta
em Ré. Você vê que o Armandinho estava sempre com a sexta em
Ré. Ele era igual a João Pernambuco, ele pegou do João
Pernambuco, que eles eram amigos.
E também no regional ele acompanhava com a sexta em Ré.
Sempre com a sexta em Ré. Podia ser Lá bemol, Si bemol, [a
tonalidade] não tinha problema nenhum.
Naquele tempo, era “encostar” nos outros. Encostar e levar pra casa
o que pegou do outro e freqüentar o ambiente. E Armandinho se
encostou em João Pernambuco.(junho de 2002)
104
O violão de sete cordas é um instrumento bastante utilizado nos conjuntos regionais de choro, e
cumpre a função de condução melódica através do contraponto em relação à melodia, geralmente
realizada por um instrumento solista. A sétima corda é a mais grave, sendo usualmente afinada em
Dó; no entanto, vários músicos hoje em dia a afinam em Si, ampliando ainda mais as possibilidades
melódicas.
A maioria de suas peças [de Armandinho] é escrita com a sexta
corda em Ré. Você acha que sua intenção era ampliar a
possibilidade melódica dos baixos?
Isso mesmo, ampliar essa possibilidade, porque ele achava que
a música para violão tava muito pobre a respeito dos baixos,
não é? Os baixos é que caracterizavam o choro, então muito
pobre porque só ficava no Mi-Lá-Mi-Lá. De vez em quando ele
falava: ”O Dilermando é muito bom violonista, mas só fica no Mi-
Lá-Mi-Lá..., o Canhoto a mesma coisa”, ele falava pra mim, então
ele queria botar outras notas, o Ré, o Sol, não é?
É fato que Armandinho era visto por seus companheiros de profissão como
um ótimo músico. Nas entrevistas realizadas para este trabalho, todos, sem
exceção, definiram-no como um compositor rebuscado para um músico popular.
Rago nos conta que, quando estava iniciando sua carreira, respeitava e tinha
vergonha de tocar para “o mestre” e, mais adiante em sua entrevista, diz sobre suas
composições: “nós o chamávamos de Beethoven, suas composições eram difíceis
de serem tocadas pelo regional, algumas não cabiam”.
Geraldo Ribeiro vai mais adiante e afirma que Garoto, freqüentador assíduo
de sua casa, teria sido profundamente influenciado por Armandinho. E, ainda, qual
seria o motivo que teria levado Geraldo Ribeiro, violonista e concertista de caráter
erudito, a se interessar não apenas em escrever, mas gravar e divulgar sua obra?
Não temos dúvida de que o fato de Armandinho ter sido um músico
puramente auditivo contribuiu para que desenvolvesse alguns procedimentos
composicionais pessoais, e às vezes repetitivos, os quais buscaremos aqui destacar.
Apesar ter composto em vários gêneros, neste capítulo faremos um recorde no
repertório abordando apenas as composições denominadas Choros, que serão
apresentados seguindo-se a ordem cronológica de composição.
Ao apontar os aspectos rítmicos, melódicos ou harmônicos que mais nos
chamaram a atenção em cada obra, e elementos comuns encontrados entre obras
de um mesmo período, buscamos, se assim podemos chamar, a identidade musical
de Armandinho como chorão.
Vale ressaltar que, dentro de um conjunto regional, esta prática está implícita
nas inversões harmônicas realizadas pelos instrumentos acompanhadores, os
violões de seis e de sete cordas.
Os acordes diminutos, gerados pelo VII grau do modo menor harmônico, são
freqüentemente utilizados como acordes de passagem ou substitutos de acordes
dominantes. Também são comuns os acordes diminutos utilizados como “de
passagem”: estes acordes se apresentam geralmente no tempo fraco do compasso,
sendo utilizados de forma cromática ascendente ou descendente, garantindo a
condução de um acorde ao outro sem que haja quebra da melodia do baixo. E,
finalmente, a utilização de acordes diminutos como acordes substitutos de
dominantes que preparam acordes menores.
Com relação aos choros de Armandinho, apresentamos a seguir um quadro
discriminando a data, a forma e a tonalidade de cada choro. Podemos notar que, em
sua maioria, os choros foram compostos em duas partes, sendo apenas os choros
Recordando Nazareth e Pinheirada em três partes.
Pinheirada (16)
Figura 2
Figura 3
Serrano (17)
Contrastando com os temas acima apresentados, estes dois choros têm seus
temas estruturados sobre a figura rítmica do maxixe – a síncopa com pausa na
primeira semicolcheia, no caso de Recordando Nazareth (Figura 5) e, como
variação, as colcheias seguidas de síncopa, no caso de Guru (Figura 6), imprimindo
um caráter rítmico à melodia.
Figura 5
Figura 6
• Choro 10
Figura 8 – Parte B
• Choro 2 (1959)
Figura 9
• a ampliação da tonalidade realizando uma breve modulação para a região do
III grau (Si maior – B) (Compassos 21 -24) (Figura 10)
Figura 10
Figura 11
• Choro 6 (1959)
• Choro 1 (1960)
105
A estrutura do prelúdio é completamente livre. Muitas vezes o elemento temático não existe, e
contém apenas, como tema para estabelecer e definir a tonalidade, um simples desenho rítmico ou
melódico, algumas cadências dissolvidas em arpejos ou escalas. (ZAMACOIS, 1985, p. 214)
Outra surpresa deste choro é a sua coda, que, em vez de resolver no próprio
tom (Sol maior), finaliza na tonalidade de Ré menor. Por esse motivo, dividimos a
composição em A (Sol → Sol) e A’ (Sol → Dm).
Na Figura 13, observamos a seqüência harmônica II V I repetida a cada dois
compassos. Do compasso nove ao catorze, apresenta seqüência conduzindo ao
acorde Eb como SubV da Dominante (observar o motivo rítmico do baixo).
Figura 13
Figura 14
Figura 16
que será retomado nos compassos quarenta e quatro ao quarenta e sete, portanto já
na coda (Figura 17).
Figura 17
• Choro 4 (1963) e Choro 9 (1968)
Figura 18
Figura 20
Apesar de compostos com apenas dois anos de intervalo, seus temas são
bastante similares.
Podemos observar na Figura 21 que a harmonia e o direcionamento
melódico são praticamente os mesmos, sendo que o elemento que imprime um
caráter próprio a cada tema são o seu aspecto rítmico e o tratamento melódico dado
ao acompanhamento.
Figura 21
Figura 21
Figura 22
Figura 23
106
Termo usado em música popular para designar a falta de apoio rítmico.
Além de a parte B do Choro anterior ser inteiramente apresentada em
síncopas ligadas com harmonia antecipada, também apresenta a descida cromática
de acordes, da qual falaremos a seguir. Vejamos a apresentação do tema do Choro
8:
Figura 24
Figura 25
Guru (1927) - Parte B
Figura 26
Choro 8 (1967) - Parte A - final
Figura 27
Choro 7 (1973) - Parte A
Figura 28
Serrano (1926) - Parte B
Figura 29
Choro 4 (1963) Parte B
2.3.5. Os choros não datados
• Doloroso
Figura 30
Figura 31
Assim como no Choro 1 (Figura 9), encontramos nos compassos sete e oito
(Figura 29), uma seqüência de acordes II – V que se repete, conduzindo à
reapresentação do tema. Vale observar que nos tempos fortes são apresentadas
dissonâncias que resultam em uma sonoridade bastante comum na harmonia da
bossa nova, utilizando acordes com nonas e décimas terceiras:
Figura 32
• Quebrando o galho
Figura 33
O mesmo motivo rítmico compõe a parte B deste choro (Figura 34),
modificando, porém, a melodia. Em azul, destacamos a relação entre esta e o
acompanhamento do baixo, que é repetido nos compassos onze e doze, e do vinte e
um ao vinte e três.
Figura 34
107
Anotações pessoais de Olavo Nunes. Arquivo Armandinho.
Além da data e da numeração das composições, Armandinho também fazia
alterações com relação a título, subtítulo e dedicatória. Em algumas obras, o autor
escrevia o título e, logo abaixo, a designação do gênero musical. Em outras, apenas
a designação do gênero, resultando em várias Valsas ou Choros. Com o objetivo de
solucionar as confusões realizadas pelo autor, Olavo enumerou as obras
respeitando, principalmente, a ordem de inclusão no Arquivo à medida que se
encontravam novas partituras. Vale ressaltar, ainda, que apenas as obras
encontradas após a sua morte, em 1976, foram numeradas por Olavo, pois,
enquanto era vivo, Armandinho participava ativamente da catalogação.
A maioria das partituras contém dedicatórias a algumas pessoas, cuja
identificação, neste trabalho, seria impossível. A partir de algumas observações de
Olavo e anotações pessoais de Armandinho, podemos imaginar que, ao dedicar
certas obras a violonistas, como Maria Lívia São Marcos e Isaías Sávio, o autor
buscava que estes as incluíssem em seus repertórios de execução. Em outros
casos, não foi possível identificar as razões das dedicatórias.
Nas anotações de Olavo consta, ainda, que vários manuscritos encontravam-
se em poder do violonista Nelson Cruz, já falecido. Sabemos que foi amigo de
Armandinho e integrante do Sexteto Paulistano de Violões, ao lado de Vital
Medeiros; porém, até a realização deste trabalho, não encontramos seu arquivo
pessoal.
Incluímos, no item “composições perdidas”, as músicas das quais encontramos
referências em recortes de jornais, documentos de cessão de direitos autorais e na própria
catalogação de Olavo Nunes, sem que pudessem ter sido encontradas partituras ou gravações.