Teoria Da Constituição (Schmitt) - 02
Teoria Da Constituição (Schmitt) - 02
Teoria Da Constituição (Schmitt) - 02
RESUMO
Segundo o autor alemão, se numa democracia o poder emana do povo que é o titular do
poder constituinte, o que se vê em Weimar é uma ordem contraditória em que pessoas
que não tem soberania desempenham atos de soberania, compromissos expressos em
“direitos fundamentais” de matrizes ideológicas distintas para não dizer contraditórias
que somente afastam a decisão e não permitem uma análise objetiva da resolução do
problema.
ABSTRACT
This article aims to outline the opposition of Carl Schmitt to Weimar Constitution,
emphasizing his criticism of the declaration of existing rights in the second part of the
aforementioned constitution, the democratic theory of the time and parliamentarism.
*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.
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According to the German author, in a democracy power emanates from the people who
is the owner of the constituent power, which is seen in Weimar is a contradictory order
in which people who have no sovereignty perform acts of sovereignty, the commitments
expressed in "fundamental rights" ideological frameworks of different if not
contradictory that only move the decision and not allow an objective analysis of the
resolution of the problem.
Carl Schmitt is the author of senior opposition to the Weimar Constitution, which will
later join the other party known opponents of the Weimar constitution, members of the
National Socialist Party.
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portanto de definições políticas que permitissem o seu cumprimento em determinadas
direções, o que é ressaltado por Schmitt (BERCOVICI, 2004, p.27).
Por outro lado um jurista da época como Richard Thoma entendia que a
democracia em Weimar era uma democracia na forma e na substância, pois buscava a
incorporação das classes trabalhadoras no Estado com base na emancipação política
completa e na igualdade de direitos (THOMA In BERCOVICI, 2004, 27).
Schmitt, ao longo de suas obras, elabora sua teoria política combatendo o liberalismo
desde sua interpretação contra-revolucionária, passando pelo conceito de constituição,
de democracia e da relação entre o direito e a política.
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Se no tocante ao conceito de soberania é claro a referência ao conceito de
Cortés. Partindo de Donoso Cortés, Schmitt vai defender a idéia segundo a qual a
soberania deve ser entendida como uma questão da decisão sobre um caso de exceção; a
ordem e a segurança públicas devem ser decididas pelo Estado soberano tendo por base
uma instrumentação jurídica como a lei marcial ou o estado de sítio.
No livro A ditadura, publicado em 1921 Schmitt começa a delinear sua teoria política
autoritária. Após afirmar que o termo ditadura é tratado de forma confusa pelos poucos
livros existentes até a época e realizar considerações sobre a ditadura do proletariado,
Schmitt no prólogo do livro começa a delinear sua concepção jurídico-política.
O fato de toda ditadura conter uma exceção a uma norma não quer dizer que seja uma
negação causal de uma norma qualquer. A dialética interna do conceito radica em que
mediante a ditadura se nega precisamente a norma cuja dominação deve ser assegurada
na realidade político-histórica (SCHMITT, 1999, p.26).
De pronto, quem não vê na medula de todo o direito mais que semelhante fim, não está
em situação de encontrar um conceito de ditadura, porque todo o ordenamento
jurídico é simplesmente uma ditadura latente ou intermitente (Tradução e grifo
nossos) (SCHMITT, 1999, p.27)[1].
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Schmitt assim afirma a existência concomitante do Direito e da Ditadura, pois
com a ditadura de certa forma atinge-se a finalidade do que é buscado pelo ordenamento
mesmo que paradoxalmente em contraposição às normas que o constitui.
Para corroborar sua tese Schmitt lembra uma citação de Ihering de A luta pelo direito na
qual Ihering afirma que o direito é um meio para um fim que é o existir da sociedade, se
como tal o direito não se mostrar capaz de numa situação salvar a sociedade, intervirá a
força e fará o que é pedido, que é o feito salvador do Estado e o ponto em que o direito
desemboca na política e na história.
(...) seria o ponto em que o direito revela sua verdadeira natureza e onde, por motivos
de conveniência, acabam as atenuações admitidas de seu caráter teleológico puro. A
guerra contra o inimigo exterior e a repressão de uma sublevação no interior não
constituiriam estados de exceção, mas o caso ideal normal nele em que o direito e o
Estado desdobram sua natureza finalista intrínseca com uma força
imediata(TRADUÇÃO NOSSA) (SCHMITT, 1999, p.27)[2].
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uma constituição em suma de orientação liberal burguesa[3] a crítica será ainda
concentrada.
Com uma análise sobre o conceito de Constituição, Schmitt inicia sua Teoria da
Constituição, destacando a "singular dificuldade da Teoria Constitucional do Estado
burguês", em voga na época, que consistia em que "o elemento da constituição próprio
deste tipo de Estado se encontra confundido na constituição em sua totalidade", noção
que segundo Schmitt, não podia bastar a si mesma, pois concorre com o elemento
político. Equiparar os princípios do Estado burguês de Direito com a Constituição
desatende aos fenômenos essenciais da vida constitucional, em especial, o conceito de
soberania (Schmitt, 2006, p.23).
Schmitt entende que cessa assim o dever ser e a normatividade, em seu lugar haveria
uma tautologia de simples fatos. Ironicamente afirma: "uma coisa vale, quando vale e
porque vale. Isto é positivismo"(SCHMITT, 2006, p.34).
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Atacando novamente a teoria kelseniana, Schmitt afirma que quem sustente a visão que
a constituição deve valer como uma norma fundamental e que toda outra norma retire
dela sua validez, não lhe é lícito tomar como fundamento de um puro sistema, normas
prescritivas quaisquer só porque tenha sido estabelecido por um dado órgão, sejam
reconhecidas e por ele designadas como positivas, e assim, resultem eficazes de fato.
Mas, que estes preceitos sistemáticos sejam justos em si mesmos por virtude de sua
razoabilidade ou justiça, sem consideração a validez positiva de consequências
normativas. Só assim se pode derivar uma unidade ou ordenação normativa.
"dizer que uma constituição não vale por sua justiça normativa, mas somente em razão
de sua positividade, e contudo, que funda como norma pura um sistema ou uma
ordenação de normas puras, é uma confusão cheia de contradições" (SCHMITT, 2006,
p.35)"(TRADUÇÃO NOSSA)[4].
Schmitt ressalta que a unidade do Reich não descansa nos 181 artigos e em sua
vigência, mas na existência política do povo alemão. A vontade do povo alemão funda a
unidade política e jurídica, mas do que "as contradições sistemáticas, incongruências e
obscuridades das leis constitucionais concretas. A constituição de Weimar vale porque o
povo alemão deu-a para si mesmo e não porque há uma declaração de direitos
(SCHMITT, 2006, p.35).
Com esta concepção, figura com o status de lei das leis, prescrições constitucionais que
segundo Schmitt não tem o status de fundamentadoras da ordem jurídica. É o caso do
art.149, 3 da Constituição de Weimar que prescreve que se manterão as faculdades de
teologia nas Universidades.
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Tudo passa a ser lei constitucional se recepcionado na Constituição.
Schmitt lembra que não é que a unidade política surge porque se tenha dado uma
constituição. A constituição em sentido positivo contém somente a determinação da
concreta forma de conjunto pela qual se pronuncia ou decide a unidade política. Esta
forma pode mudar, sem que o estado, a unidade do povo cesse.
Toda lei constitucional e toda regulação normativa necessita para sua validez em último
caso de uma decisão política prévia, adotada por um poder ou autoridade politicamente
existente, não de uma norma fundamental como quer Kelsen ou de um Direito racional
e justo que se funde na defesa da propriedade privada e na liberdade individual, ou no
consenso necessário para elaboração válida da norma como quer a teoria liberal.
A lei constitucional pode ser reformada, mas não a constituição em sua totalidade.
Schmitt destaca que além das leis constitucionais encontra-se nas constituições, outro
elemento que não deve ser desprezado. Frases como "o poder do Estado emana do povo
alemão" não é uma lei constitucional, mas a própria decisão política concreta que
denuncia a forma de ser do povo alemão, titular do poder constituinte na Constituição
de Weimar, decisão esta que é embasamento para toda norma que for elaborada.
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constituição contém certos compromissos e obscuridades que não contém decisão
nenhuma e, aliás, visam evitar uma decisão (SCHMITT, 2006, p.52).
Antes de analisar os compromissos existentes em Weimar, cabe lembrar que Schmitt faz
referência ao conceito ideal de constituição que é chamada assim em razão de um dado
conteúdo. O conceito ideal de constituição do Estado de Direito é aquele que
corresponde às demandas de liberdade burguesa e que contém certas garantias de
liberdade (SCHMITT, 2006, p.59).
Para os autores liberais, que defendem essa concepção ideal de constituição, só seriam
constituições aquelas que contemplassem a separação dos poderes, o reconhecimento de
direitos fundamentais, participação do povo no poder legislativo mediante representação
popular.
Schmitt critica que na segunda parte da Constituição tem-se uma reunião de programas
e prescrições positivas baseadas nos mais distintos conteúdos e convicções políticas,
sociais e religiosas que formam uma série de compromissos.
Porém, Schmitt ressalta que apesar das reformas sociais introduzidas e da proclamação
de programas de reformas sociais, a decisão fundamental foi a de afirmar o Estado
burguês de Direito e a democracia constitucional, escolha que é facilmente observada
pelo preâmbulo e primeiros artigos da constituição de Weimar.
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O risco de uma constituição conter determinações legais deste tipo é que se uma
assembléia busca evadir da decisão, a decisão pode recair fora da assembléia por vias
violentas ou pacíficas e em ultimo caso poderia ocorrer por uma lei ordinária.
Aquele que governa só o é porque tem a confiança do povo para governar. Afirmar
como os liberais que o representante deveria ser dotado de qualidades especiais é ferir a
homogeneidade que é essencial a democracia.
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Mas autores como Richard Thoma e Hans Kelsen iram falar de uma democracia
representativa, de uma democracia parlamentar. Schmitt verá inicialmente nesta
representação o contraste decisivo frente ao principio democrático da identidade.
Schmitt vai dizer que a "democracia representativa" é por isso a típica forma mista e de
compromisso. É incorreto tratar democracia representativa como uma sub-espécie da
democracia. O representativo é precisamente o não democrático nessa "democracia"
(SCHMITT, 2006, pp.216-217).
"Os partidos (que, segundo o texto da Constituição, oficialmente não existem) já não se
confrontam com as opiniões que defendem, mas como poderosos grupos de poder social
ou de poder econômico, calculando os interesses mútuos e suas possibilidades de
alcançar o poder e levando a cabo a execução de uma base factual de compromissos e
coligações" (SCHMITT, 1996a, p.9)[6].
Desta maneira a visão de Schmitt se aproxima de uma tese inicialmente defendida por
Rousseau da incompatibilidade da democracia com o sistema de representação
parlamentar.
"Os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes; não passam de
comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda lei que o povo
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não ratificar; em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana,
pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é
escravo, não é nada" (ROUSSEAU, 2002, pp.91-92).
Na interpretação de Schmitt, o presidente do Reich que é eleito pelo povo, reúne não a
confiança do Reichstag, mas de todo o povo, está acima das organizações e burocracias
dos partidos. Não é homem do partido, mas homem de confiança do povo. Schmitt
pergunta que outro sentido e finalidade poderia ter uma posição tão solida do presidente
do Reich que não de um direção política?
Se o presidente do Reich ao invés de ser dirigente fosse uma entidade neutra, sem
partido, titular de um poder neutro, mediasse, agisse como um poder moderador, seria
então um árbitro, que não decide, mas concilia as partes. Todavia, como presidente
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eleito por um povo que é uma entidade política, fica difícil este posicionamento neutro
por parte dele. (SCHMITT, 2006, p.334).
Schmitt lembra que só há, com a constituição de Weimar, um governo forte quando as
motivações de Presidente e chanceler coincidem. Se isto não ocorre perde-se inclusive
as diversas possibilidade de se apelar para o povo.
6 - CONCLUSÃO.
As atuais crises políticas não devem ser estendidas, sob o perigo que pode surgir a
qualquer ordem constitucional das formas autocráticas de governo e de seus retrocessos.
Deve existir o interesse constante de renovar os compromissos constitucionais
fundamentais e implementar democracia o que só é possível com o fortalecimento do
parlamento[7], e não com a sua negação como queria Schmitt.
Estas críticas acabaram por dar destaque a sua teoria quando ocorreu a crise social e
econômica do final dos anos vinte e inicio dos anos trinta que gera o colapso da
Constituição de Weimar.
Agora não existe mais espaço para o representante, para o parlamento, para a
democracia, mas para o líder.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PAVÓN, Dalmacio Negro (org.) Estudios sobre Carl Schmitt. Colección Veintiuno.
Madrid, 1996.
SCHMITT, Carl. Legalidad y legitimidad. In: AGUILAR, Héctor Orestes (org.) Carl
Schmitt teólogo de la política. México: Fondo de Cultura Económica, 2001.
SCHMITT, Carl. Teologia política. In: AGUILAR, Héctor Orestes (org.) Carl Schmitt
teólogo de lo político. México: Fondo de Cultura Económica, 2001.
SCHMITT, Carl. El concepto de la política. In: AGUILAR, Héctor Orestes (org.) Carl
Schmitt teólogo de la política. México: Fondo de Cultura Económica, 2001.
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SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constitución. Trad. de Manuel Sanchez Sarto.
Madrid: Tecnos, 1983.
[1] " Desde luego, quien no ve em la medula de todo derecho más que semejante fin, no
está em situación de encontrar um concepto de dictadura, porque para el todo o
ordenamiento jurídico es simplesmente uma dictatura, latente o intermitente[1]"
[2] (...) sería el punto donde el derecho revela su verdadera naturaleza y donde , por
motivos de conveniencia, acaban las atenuaciones admitidas de su carácter teleológico
puro. La guerra contra el enemigo exterior y la represión de uma sublevación em el
interior no constituíran estados de excepción, sino el caso ideal normal en el que el
derecho y el Estado despliegan su naturaleza finalista intrínseca com uma fuerza
inmediata (SCHMITT, 1999, p.27).
[4] "Decir que uma Constitución no vale a causa de su justicia normativa, sino sólo de
su positividad, y que sin embargo, funda como pura norma um sistema o una
ordenación de puras normas, es una confusión llena de contradicciones".
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[5] "... es sistematica y completa em lo que afecta a su parte orgánica. Pero, en todo
caso, envuelve una serie de leyes particulares y princípios heterogêneos, así que
tampoco cabe hablar aqui de uuna codificación en sentido material".
[7] Sobre esta posição ver Hans Kelsen, Essência e Valor da Democracia (1921),
presente no livro A democracia, editado pela Martins Fontes em 2000.
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