Teoria Da Constituição (Schmitt) - 02

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CARL SCHMITT VERSUS WEIMAR*

CARL SCHMITT VERSUS WEIMAR

Adamo Dias Alves


Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

RESUMO

O presente artigo visa delinear a contrariedade de Carl Schmitt a Constituição de


Weimar, destacando sua crítica a declaração de direitos existente na segunda parte da
mencionada constituição, a teoria democrática da época e ao parlamentarismo.

Anti-normativista, defensor de um decisionismo político e acima de tudo um crítico da


teoria liberal, Schmitt desenvolverá uma análise crítica não só dos conceitos do “Estado
de Direito liberal burguês”, mas de toda a estrutura da constituição de Weimar que teria
ofuscado o político e confundida a soberania.

Segundo o autor alemão, se numa democracia o poder emana do povo que é o titular do
poder constituinte, o que se vê em Weimar é uma ordem contraditória em que pessoas
que não tem soberania desempenham atos de soberania, compromissos expressos em
“direitos fundamentais” de matrizes ideológicas distintas para não dizer contraditórias
que somente afastam a decisão e não permitem uma análise objetiva da resolução do
problema.

Carl Schmitt é o autor de destaque da oposição a Constituição de Weimar, que


posteriormente irá se filiar ao partido de outros conhecidos opositores da constituição de
Weimar, os membros do partido nacional-socialista.

PALAVRAS-CHAVES: DEMOCRACIA, DIREITO, CONSTITUIÇÃO, DECISÃO,


REPRESENTAÇÃO.

ABSTRACT

This article aims to outline the opposition of Carl Schmitt to Weimar Constitution,
emphasizing his criticism of the declaration of existing rights in the second part of the
aforementioned constitution, the democratic theory of the time and parliamentarism.

Anti-normativist, an advocate of political decisionism and above all a critic of liberal


theory, Schmitt develop a critical analysis not only of the concepts of "liberal rule of
law", but the whole structure of the Weimar constitution that would have overshadowed
the confused and political sovereignty.

*
Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo –
SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009.

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According to the German author, in a democracy power emanates from the people who
is the owner of the constituent power, which is seen in Weimar is a contradictory order
in which people who have no sovereignty perform acts of sovereignty, the commitments
expressed in "fundamental rights" ideological frameworks of different if not
contradictory that only move the decision and not allow an objective analysis of the
resolution of the problem.

Carl Schmitt is the author of senior opposition to the Weimar Constitution, which will
later join the other party known opponents of the Weimar constitution, members of the
National Socialist Party.

KEYWORDS: DEMOCRACY, LAW, CONSTITUTION, DECISION,


REPRESENTATION.

1 - O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL DE WEIMAR: APONTAMENTOS


DAS CARACTERISTICAS PRINCIPAIS.

A Constituição de Weimar de 1919 é um marco para o constitucionalismo


social, assim como a sua predecessora, a Constituição do México de 1917.

O movimento constitucionalista que abarca estas duas constituições e uma série


de outras que surgiram após, determina uma ênfase na defesa dos direitos sociais, como
a melhora nas condições de trabalho, de saúde, de educação, de um incremento nas
políticas públicas e busca uma diminuição da desigualdade social.

Portanto, estas constituições declaram ao lado dos direitos individuais, os


direitos sociais que prescrevem uma prestação positiva por parte do Estado em razão do
princípio de igualdade material.

Para esta prestação positiva do Estado entende-se como necessária a intervenção


estatal nos domínios sociais e econômicos o que contrariou os adeptos do liberalismo
econômico que rechaçam esta ingerência.

A constituição de Weimar era reflexo da Alemanha derrotada na Segunda


Guerra Mundial, uma constituição que abarcava visões de mundo dos mais diversos
segmentos sociais e políticos, num contexto de crise social e econômica muito grave.

Muitos críticos afirmaram que a instabilidade constitucional do período era


atribuída à própria estrutura da Constituição de Weimar fundada em compromissos
constitucionais (verfassungskompromiss) ou constituição programática, carente,

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portanto de definições políticas que permitissem o seu cumprimento em determinadas
direções, o que é ressaltado por Schmitt (BERCOVICI, 2004, p.27).

Por outro lado um jurista da época como Richard Thoma entendia que a
democracia em Weimar era uma democracia na forma e na substância, pois buscava a
incorporação das classes trabalhadoras no Estado com base na emancipação política
completa e na igualdade de direitos (THOMA In BERCOVICI, 2004, 27).

A primeira parte da constituição de Weimar dispõe sobre as normas de


organização do Estado.

A segunda parte da constituição dispõe sobre os direitos fundamentais. Esta foi


acrescentada pela Assembléia Constituinte pela proposta de Friedrich Naumann, o que
alterou o projeto de constituição de Hugo Preuss, que não tinha um capítulo sobre
direitos fundamentais. Preuss, apesar de ser favorável as propostas de uma concepção
social de democracia e à proteção dos direitos sociais, tinha receio de que as disputas
ideológicas em torno de visões diferentes de direitos fundamentais ameaçassem a
unidade nacional e a organização democrática do povo alemão (BERCOVICI, 2004,
p.28).

É interessante destacar que a interpretação dos direitos fundamentais era um dos


temas principais no governo de Brüning, período marcado pelo recrudescimento da crise
social do início dos anos trinta em todo o mundo.

Os defensores da constituição e em especial, os partidários do partido social


democrata (SPD), defendiam os direitos fundamentais como seu conteúdo essencial e os
opositores da constituição os viam como um obstáculo, um resquício da burguesia
liberal do século XIX, que deveria desaparecer.

Um dos mais célebres opositores da constituição e adepto dessa interpretação


dos diretos fundamentais como resquício da burguesia liberal foi Carl Schmitt.

2 - A TEORIA DE CARL SCHMITT SOBRE O DIREITO, DITADURA E A


DECISÃO.

Schmitt, ao longo de suas obras, elabora sua teoria política combatendo o liberalismo
desde sua interpretação contra-revolucionária, passando pelo conceito de constituição,
de democracia e da relação entre o direito e a política.

Conservador, radical católico e anti-normativista, Schmitt desenvolverá sua


teoria a partir da influência considerável de Donoso Cortés, Maquiavel, Hobbes, Sorel,
Paretto.

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Se no tocante ao conceito de soberania é claro a referência ao conceito de
Cortés. Partindo de Donoso Cortés, Schmitt vai defender a idéia segundo a qual a
soberania deve ser entendida como uma questão da decisão sobre um caso de exceção; a
ordem e a segurança públicas devem ser decididas pelo Estado soberano tendo por base
uma instrumentação jurídica como a lei marcial ou o estado de sítio.

O conceito de decisão também será crucial para o entendimento da lógica do Direito. A


ordem jurídica, tal como toda e qualquer ordem, deve necessariamente basear-se numa
decisão e não em uma norma consensual.

A soberania como criadora da ordem política e a idéia de que o esvaziamento do sentido


do político ocorre como conseqüência da falta de um espaço autônomo de decisão sobre
os critérios do agir político são princípios presentes na suas obras.

No livro A ditadura, publicado em 1921 Schmitt começa a delinear sua teoria política
autoritária. Após afirmar que o termo ditadura é tratado de forma confusa pelos poucos
livros existentes até a época e realizar considerações sobre a ditadura do proletariado,
Schmitt no prólogo do livro começa a delinear sua concepção jurídico-política.

A relação entre o Estado, o Direito e a Ditadura é pensado por Schmitt de maneira


peculiar.

O fato de toda ditadura conter uma exceção a uma norma não quer dizer que seja uma
negação causal de uma norma qualquer. A dialética interna do conceito radica em que
mediante a ditadura se nega precisamente a norma cuja dominação deve ser assegurada
na realidade político-histórica (SCHMITT, 1999, p.26).

Entre a dominação da norma a realizar e o método de sua realização pode existir,


portanto, uma oposição. Para Schmitt do ponto de vista filosófico jurídico, a essência da
ditadura está nisto, isto é, na possibilidade geral de uma separação das normas de direito
e das normas de realização do direito.

Partindo justamente do que a deve justificar, a ditadura se converte numa supressão de


uma situação jurídica porque significa a dominação de um procedimento que está
comprometido com o sucesso de um resultado concreto, mediante a eliminação do
respeito essencial ao direito que tem no sujeito de direito a opor sua vontade, se esta
vontade obstaculiza o direito (SCHMITT, 1999, pp.26-27).

Fazendo este raciocínio Schmitt conclui sua teoria anti-normativista do direito da


seguinte maneira:

De pronto, quem não vê na medula de todo o direito mais que semelhante fim, não está
em situação de encontrar um conceito de ditadura, porque todo o ordenamento
jurídico é simplesmente uma ditadura latente ou intermitente (Tradução e grifo
nossos) (SCHMITT, 1999, p.27)[1].

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Schmitt assim afirma a existência concomitante do Direito e da Ditadura, pois
com a ditadura de certa forma atinge-se a finalidade do que é buscado pelo ordenamento
mesmo que paradoxalmente em contraposição às normas que o constitui.

Para corroborar sua tese Schmitt lembra uma citação de Ihering de A luta pelo direito na
qual Ihering afirma que o direito é um meio para um fim que é o existir da sociedade, se
como tal o direito não se mostrar capaz de numa situação salvar a sociedade, intervirá a
força e fará o que é pedido, que é o feito salvador do Estado e o ponto em que o direito
desemboca na política e na história.

Schmitt interpreta afirmando que de maneira mais precisa:

(...) seria o ponto em que o direito revela sua verdadeira natureza e onde, por motivos
de conveniência, acabam as atenuações admitidas de seu caráter teleológico puro. A
guerra contra o inimigo exterior e a repressão de uma sublevação no interior não
constituiriam estados de exceção, mas o caso ideal normal nele em que o direito e o
Estado desdobram sua natureza finalista intrínseca com uma força
imediata(TRADUÇÃO NOSSA) (SCHMITT, 1999, p.27)[2].

Novamente contrapondo-se a teoria normativa da época Schmitt entende que a


ditadura se justifica em realizar o direito, por mais que o ignore, é importante por sua
substância, não é uma derivação formal, não é uma justificação em sentido jurídico,
porque o fim real ou suposto, por melhor que seja, não pode fundamentar nenhuma
ruptura com o direito, e a implantação de uma situação que responda aos princípios de
justiça normativa não lhe presta nenhuma autoridade jurídica.

A característica formal provém no exercício da autoridade suprema, a qual está


juridicamente em condição de suspender o direito e autorizar uma ditadura, em permitir
uma exceção concreta, exceção que é o problema da ditadura segundo Schmitt não
tratado pela Teoria Geral do Direito.

3 - OS CONCEITOS DE CONSTITUIÇÃO PELA TEORIA LIBERAL


BURGUESA E O CONCEITO PODITIVO DE CONSTITUIÇÃO

Se na relação entre Ditadura e Direito Schmitt já ataca alguns preceitos caros a


Teoria do Estado de Direito de matriz liberal, em sua análise sobre os conceitos de
constituição utilizados para interpretar a constituição de Weimar que é para Schmitt

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uma constituição em suma de orientação liberal burguesa[3] a crítica será ainda
concentrada.

Com uma análise sobre o conceito de Constituição, Schmitt inicia sua Teoria da
Constituição, destacando a "singular dificuldade da Teoria Constitucional do Estado
burguês", em voga na época, que consistia em que "o elemento da constituição próprio
deste tipo de Estado se encontra confundido na constituição em sua totalidade", noção
que segundo Schmitt, não podia bastar a si mesma, pois concorre com o elemento
político. Equiparar os princípios do Estado burguês de Direito com a Constituição
desatende aos fenômenos essenciais da vida constitucional, em especial, o conceito de
soberania (Schmitt, 2006, p.23).

Na prática, a Teoria Constitucional do Estado burguês teria desenvolvido um


emprego de "atos apócrifos de soberania". Autoridades ou cargos do Estado, sem ser
soberanos, realizam atos de soberania ocasionalmente e sob tolerância tácita.

Schmitt distingue quatro tipos de uso da palavra constituição em seu livro


Teoria da constituição: conceito absoluto de constituição, conceito relativo, conceito
positivo e conceito ideal.

O conceito absoluto de constituição é a compreensão da constituição como um todo


unitário. Este conceito pode significar a concreta maneira de ser resultante de qualquer
unidade política existente ou pode significar uma regulação legal fundamental, um
sistema de regras supremas e últimas que dão validade as demais normas.

Para Schmitt, a Teoria Geral do Estado de Kelsen se encontra neste último


sentido, pois apresenta também o Estado como um sistema e uma unidade de normas
jurídicas só que sem a menor intenção de esclarecer o princípio objetivo e lógico desta
"unidade" e deste "sistema" e sem explicar como ocorre e por qual necessidade sucede
que as muitas prescrições legais positivas de um Estado e as distintas normas legal-
constitucionais formem um sistema ou uma unidade.

Para Schmitt, o ser e dever político da unidade e da ordenação estatal se transforma em


funcionamento, o contraste de ser e dever ser se confunde constantemente com o
contraste do ser substancial e o funcionamento legal (SCHMITT, 2006, p.34).

Schmitt entende que a teoria é inteligível se contemplada a luz da teoria burguesa do


direito, ou seja, de uma teoria liberal, pautada no Direito racional e natural que
constituiu normas válidas em si mesmas de conceitos como propriedade privada e
liberdade individual que valeriam antes e sobre qualquer ser político, porque são justas e
razoáveis e por isso envolvem um dever ser autêntico, independente da realidade do ser.

Desta forma, ter-se-ia uma normatividade, um sistema, ordem e unidade. Mas


Kelsen rechaça isso, dizendo que somente valem as normas positivas, não valem por ser
justas ou razoáveis, mas porque são positivas (SCHMITT, 2006, p.34).

Schmitt entende que cessa assim o dever ser e a normatividade, em seu lugar haveria
uma tautologia de simples fatos. Ironicamente afirma: "uma coisa vale, quando vale e
porque vale. Isto é positivismo"(SCHMITT, 2006, p.34).

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Atacando novamente a teoria kelseniana, Schmitt afirma que quem sustente a visão que
a constituição deve valer como uma norma fundamental e que toda outra norma retire
dela sua validez, não lhe é lícito tomar como fundamento de um puro sistema, normas
prescritivas quaisquer só porque tenha sido estabelecido por um dado órgão, sejam
reconhecidas e por ele designadas como positivas, e assim, resultem eficazes de fato.
Mas, que estes preceitos sistemáticos sejam justos em si mesmos por virtude de sua
razoabilidade ou justiça, sem consideração a validez positiva de consequências
normativas. Só assim se pode derivar uma unidade ou ordenação normativa.

"dizer que uma constituição não vale por sua justiça normativa, mas somente em razão
de sua positividade, e contudo, que funda como norma pura um sistema ou uma
ordenação de normas puras, é uma confusão cheia de contradições" (SCHMITT, 2006,
p.35)"(TRADUÇÃO NOSSA)[4].

Na realidade uma constituição é válida quando emana de um poder, (i.e, força ou


autoridade) constituinte e se estabelece por sua vontade. Vontade significa, em contraste
com simples normas, uma magnitude do ser como origem de um dever ser. A unidade e
a ordenação residem na existência política do Estado e não em leis, regras ou nem em
nenhuma classe de normatividade (SCHMITT, 2006, p.35).

Neste ponto Schmitt chama a atenção para a terminologia usada na Constituição de


Weimar de normas fundamentais, leis fundamentais.

Os termos "normas fundamentais", "lei fundamental", trazem obscuridades e


imprecisões, acabam subsumindo como, por exemplo, no caso de Weimar, em 181
artigos das mais variadas classes a "unidade" sistemática, normativa e lógica.

Schmitt ressalta que a unidade do Reich não descansa nos 181 artigos e em sua
vigência, mas na existência política do povo alemão. A vontade do povo alemão funda a
unidade política e jurídica, mas do que "as contradições sistemáticas, incongruências e
obscuridades das leis constitucionais concretas. A constituição de Weimar vale porque o
povo alemão deu-a para si mesmo e não porque há uma declaração de direitos
(SCHMITT, 2006, p.35).

O segundo conceito de constituição que Schmitt analisa é o conceito relativo de


constituição. A constituição como uma pluralidade de leis particulares.

Constituição em sentido relativo significa a lei constitucional particular. Esta concepção


acaba segundo Schmitt com toda a distinção objetiva e de conteúdo com a conseqüência
na dissolução de uma constituição única em uma pluralidade de leis constitucionais
distintas, mas que são formalmente iguais.

Com esta concepção, figura com o status de lei das leis, prescrições constitucionais que
segundo Schmitt não tem o status de fundamentadoras da ordem jurídica. É o caso do
art.149, 3 da Constituição de Weimar que prescreve que se manterão as faculdades de
teologia nas Universidades.

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Tudo passa a ser lei constitucional se recepcionado na Constituição.

Schmitt afirma que a Constituição de Weimar: "... na parte orgânica é sistemática e


completa, mas, em todo caso, envolve uma série de leis particulares e princípios
heterogêneos, assim que tampouco cabe falar aqui de uma codificação em sentido
material[5]"

Estes princípios heterogêneos dificultam a unidade da ordem, a decisão política concreta


para o jurista alemão.

Schmitt afirma que só é possível um conceito de constituição quando se distingue


constituição, de lei constitucional e o conceito positivo de Constituição, faz esta
distinção.

Constituição em sentido positivo surge mediante um ato do poder constituinte que


contém totalidade da unidade política considerada em sua particular forma de
existência. Este constitui a forma e o modo da unidade política cuja existência é anterior
(SCHMITT, 2006, p.46).

Schmitt lembra que não é que a unidade política surge porque se tenha dado uma
constituição. A constituição em sentido positivo contém somente a determinação da
concreta forma de conjunto pela qual se pronuncia ou decide a unidade política. Esta
forma pode mudar, sem que o estado, a unidade do povo cesse.

Novamente a tese de Jacobson e Schlink na obra Weimar - jurisprundence in crisis -


que na Alemanha o Estado antecede a constituição resta, por esta afirmação de Schmitt,
válida.

A distinção entre o conceito de constituição e de leis constitucionais advém do fato de


que as leis constitucionais pressupõem uma constituição e valem com base nela.

Toda lei constitucional e toda regulação normativa necessita para sua validez em último
caso de uma decisão política prévia, adotada por um poder ou autoridade politicamente
existente, não de uma norma fundamental como quer Kelsen ou de um Direito racional
e justo que se funde na defesa da propriedade privada e na liberdade individual, ou no
consenso necessário para elaboração válida da norma como quer a teoria liberal.

A lei constitucional pode ser reformada, mas não a constituição em sua totalidade.

Schmitt destaca que além das leis constitucionais encontra-se nas constituições, outro
elemento que não deve ser desprezado. Frases como "o poder do Estado emana do povo
alemão" não é uma lei constitucional, mas a própria decisão política concreta que
denuncia a forma de ser do povo alemão, titular do poder constituinte na Constituição
de Weimar, decisão esta que é embasamento para toda norma que for elaborada.

A Constituição de Weimar é uma constituição porque contém as decisões políticas


fundamentais sobre a forma de existência política concreta do povo alemão, mas,
(Schmitt destaca sempre isso ao falar de Weimar) as particularidades da regulação legal-
constitucional assim como certas declarações e programas que fazer parte do texto da

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constituição contém certos compromissos e obscuridades que não contém decisão
nenhuma e, aliás, visam evitar uma decisão (SCHMITT, 2006, p.52).

Antes de analisar os compromissos existentes em Weimar, cabe lembrar que Schmitt faz
referência ao conceito ideal de constituição que é chamada assim em razão de um dado
conteúdo. O conceito ideal de constituição do Estado de Direito é aquele que
corresponde às demandas de liberdade burguesa e que contém certas garantias de
liberdade (SCHMITT, 2006, p.59).

Para os autores liberais, que defendem essa concepção ideal de constituição, só seriam
constituições aquelas que contemplassem a separação dos poderes, o reconhecimento de
direitos fundamentais, participação do povo no poder legislativo mediante representação
popular.

4 - O CARATER COMPROMISSÓRIO DA CONSTITUIÇÃO DE WEIMAR E


OS OBSTÁCULOS À DECISÃO.

Schmitt critica que na segunda parte da Constituição tem-se uma reunião de programas
e prescrições positivas baseadas nos mais distintos conteúdos e convicções políticas,
sociais e religiosas que formam uma série de compromissos.

Garantias individuais burguesas, pontos de programa socialista e direito natural católico


são mesclados numa síntese com freqüência confusa.

As determinações dos direitos e deveres fundamentais de Weimar mostram um caráter


misto, em certa medida, um meio-termo entre concepções burguesas e sociais que
poderia gerar uma confusão em se identificar o conteúdo das decisões concretas que dão
a forma e a unidade deste Estado.

Porém, Schmitt ressalta que apesar das reformas sociais introduzidas e da proclamação
de programas de reformas sociais, a decisão fundamental foi a de afirmar o Estado
burguês de Direito e a democracia constitucional, escolha que é facilmente observada
pelo preâmbulo e primeiros artigos da constituição de Weimar.

Mas existem outros problemas no que diz respeito à segunda parte da


constituição marcada pela característica compromissória. No texto da Constituição de
Weimar podem ser encontrados alguns compromissos e obscuridades que não contém
nenhuma decisão, e, que segundo Schmitt era justamente a intenção dos partidos de
coalizão, que buscaram evitar qualquer decisão (SCHMITT, 2006, p.52).

Schmitt está falando dos compromissos não autênticos ou compromissos dilatórios.

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O risco de uma constituição conter determinações legais deste tipo é que se uma
assembléia busca evadir da decisão, a decisão pode recair fora da assembléia por vias
violentas ou pacíficas e em ultimo caso poderia ocorrer por uma lei ordinária.

Um exemplo para Schmitt de evasão da decisão é a da relação entre Igreja e


Estado em Weimar. Segundo Schmitt diante da impossibilidade de consenso sobre, por
exemplo, se o Estado pode ajudar financeiramente a Igreja, o partido socialista
defendendo uma posição e o partido católico outra, optou-se por não decidir o que não
deixa de ser uma decisão pela manutenção do status quo.

Se a Constituição de Weimar não tivesse as decisões políticas concretas, e


somente compromissos dilatórios, não se teria uma Constituição, pois carecia da decisão
sobre a forma e a unidade política alemã.

5 - O CONCEITO DE DEMOCRACIA E A CRISE DA DEMOCRACIA


PARLAMENTAR PARA SCHMITT.

"Democracia é identidade entre dominadores e dominados, entre governantes e


governados, entre os que mandam e os que obedecem". Esta definição decorre da
igualdade substancial, que é requisito essencial da democracia. Exclui, assim, que a
distinção que entre governantes e governados expresse ou produza uma diferenciação
qualitativa. Todos devem permanecer na igualdade e homogeneidade democráticas
(Schmitt, 2006, p.231).

Para Schmitt, a palavra identidade é utilizável na definição de democracia porque


designa uma identidade ampla, compreende governantes e governados, o povo
caracterizado pela igualdade e a homogeneidade. Na democracia pura só há identidade
do povo consigo mesmo e nenhuma representação. A democracia pressupõe para sua
existência a existência de um povo homogêneo em si, que tem vontade de existência
política. O poder do Estado, o poder do governo emanam do povo na democracia.

Aquele que governa só o é porque tem a confiança do povo para governar. Afirmar
como os liberais que o representante deveria ser dotado de qualidades especiais é ferir a
homogeneidade que é essencial a democracia.

Na democracia o povo é o titular do poder constituinte. Toda a constituição se baseia na


decisão política concreta do povo dotado de capacidade política.

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Mas autores como Richard Thoma e Hans Kelsen iram falar de uma democracia
representativa, de uma democracia parlamentar. Schmitt verá inicialmente nesta
representação o contraste decisivo frente ao principio democrático da identidade.
Schmitt vai dizer que a "democracia representativa" é por isso a típica forma mista e de
compromisso. É incorreto tratar democracia representativa como uma sub-espécie da
democracia. O representativo é precisamente o não democrático nessa "democracia"
(SCHMITT, 2006, pp.216-217).

Segundo Schmitt no período da vigência de Weimar, não só na Alemanha como em


toda a Europa desapareceram os supostos ideais do parlamentarismo.

O parlamentarismo segundo Schmitt tem como princípios essenciais a discussão pública


e a publicidade. Contudo, o parlamento na maioria dos Estados não era mais o lugar da
controvérsia racional em que existe a possibilidade de que uma parte dos deputados
convença a outra e o resultado da deliberação final da assembléia seja fruto do debate.
Os partidos formam uma representam de certos setores da sociedade. A posição
defendida pelo deputado se encontra fixada pelo partido que o coage o tempo todo a
decidir como os seus interesses. Não se tem mais discussões, mas negociações entre
estas classes representadas nos partidos. A discussão serviria no final a finalidade de um
cálculo recíproco da agrupação de forças e interesses (SCHMITT, 2006, p.306).

"Os partidos (que, segundo o texto da Constituição, oficialmente não existem) já não se
confrontam com as opiniões que defendem, mas como poderosos grupos de poder social
ou de poder econômico, calculando os interesses mútuos e suas possibilidades de
alcançar o poder e levando a cabo a execução de uma base factual de compromissos e
coligações" (SCHMITT, 1996a, p.9)[6].

Desaparece também a publicidade inerente ao parlamentarismo. As decisões políticas


não são tomadas mais na assembléia pública para Schmitt, mas reina nas reuniões
confidenciais do partido, combinações entre seus chefes e suas associações de interesse.

Desaparece por esse motivo para Schmitt o caráter representativo do Parlamento e do


deputado uma vez que o parlamento não é o lugar em que é realizada a decisão política,
nem atende aos interesses do povo, mas de uma fração da sociedade (SCHMITT, 2006,
p.307).

Desta maneira a visão de Schmitt se aproxima de uma tese inicialmente defendida por
Rousseau da incompatibilidade da democracia com o sistema de representação
parlamentar.

"Os deputados do povo não são, nem podem ser seus representantes; não passam de
comissários seus, nada podendo concluir definitivamente. É nula toda lei que o povo

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não ratificar; em absoluto, não é lei. O povo inglês pensa ser livre e muito se engana,
pois só o é durante a eleição dos membros do parlamento; uma vez estes eleitos, ele é
escravo, não é nada" (ROUSSEAU, 2002, pp.91-92).

6 - O PRESIDENTE E O CHANCELER NA CONSTITUIÇÃO DO WEIMAR

Outro problema apontado por Schmitt na Constituição de Weimar é possibilidade de


concorrência do poder político entre o presidente e o chanceler.

Segundo a constituição de Weimar, o chanceler e os ministros do Reich necessitam para


o exercício de seu cargo da confiança do Reichstag (art.54). Cabe ao chanceler fixar as
diretrizes da política (art.56).

Schmitt após analisar a figura do chanceler, passa analisar a posição do presidente na


constituição de Weimar.

Na interpretação de Schmitt, o presidente do Reich que é eleito pelo povo, reúne não a
confiança do Reichstag, mas de todo o povo, está acima das organizações e burocracias
dos partidos. Não é homem do partido, mas homem de confiança do povo. Schmitt
pergunta que outro sentido e finalidade poderia ter uma posição tão solida do presidente
do Reich que não de um direção política?

A conseqüência é que entram em jogo dois dirigentes políticos, o chanceler determina


as diretrizes da política, mas somente porque está apoiado na confiança do Reichstag,
uma "mutável e insegura" coalizão, adjetivação decorrente da digressão de Schmitt
sobre o parlamento, expressa no capítulo anterior e o presidente que pelo contrário, tem
a confiança do povo, não fragmentada por um parlamento dividido em partidos, mas
depositada diretamente em sua pessoa (SCHMITT, 2006, p.334).

Se os dois são verdadeiros dirigentes políticos, mas não seguem o mesmo


direcionamento político, haveria um dualismo dos mais perigosos. Os conflitos não
poderiam ser levados ao povo pelo perigo de uma contínua prática plebiscitária, que é
tão antidemocrática como impossível. O povo elege seus dirigentes para que dirijam,
não para decidir em último caso no caso de divergência entre eles.

É interessante que este argumento de Schmitt se posiciona contrário a qualquer


manifestação de bonapartismo, que é fundamentado num governo por plebiscitos e
caminha pra a proposta desenvolvida por Constant de um poder neutro.

Se o presidente do Reich ao invés de ser dirigente fosse uma entidade neutra, sem
partido, titular de um poder neutro, mediasse, agisse como um poder moderador, seria
então um árbitro, que não decide, mas concilia as partes. Todavia, como presidente

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eleito por um povo que é uma entidade política, fica difícil este posicionamento neutro
por parte dele. (SCHMITT, 2006, p.334).

Schmitt lembra que só há, com a constituição de Weimar, um governo forte quando as
motivações de Presidente e chanceler coincidem. Se isto não ocorre perde-se inclusive
as diversas possibilidade de se apelar para o povo.

6 - CONCLUSÃO.

Com o presente artigo buscou-se descrever as críticas realizadas pelo principal


opositor da constituição de Weimar o jurista Carl Schmitt.

O estudo da obra de Schmitt foi retomado a partir dos anos oitenta e na


atualidade têm sido editadas várias obras que abordam pontos do seu pensamento.

Por mais autoritárias e indefensáveis que sejam suas concepções jurídicas e


políticas, Schmitt teve o mérito de apontar com clareza a urgência de se repensar a
representação política, a crise na relação entre governantes e governados.

As atuais crises políticas não devem ser estendidas, sob o perigo que pode surgir a
qualquer ordem constitucional das formas autocráticas de governo e de seus retrocessos.
Deve existir o interesse constante de renovar os compromissos constitucionais
fundamentais e implementar democracia o que só é possível com o fortalecimento do
parlamento[7], e não com a sua negação como queria Schmitt.

Estas críticas acabaram por dar destaque a sua teoria quando ocorreu a crise social e
econômica do final dos anos vinte e inicio dos anos trinta que gera o colapso da
Constituição de Weimar.

Com a ascensão do partido nazista, alcançada pela maioria parlamentar, gera-se a


situação crítica que Schmitt descrevera na Teoria da Constituição, em que você pode ter
dois dirigentes com diretrizes políticas diferentes e conflitantes.

A crescente crise política criada pela inoperância do Parlamento originada da prática de


obstrução pelo partido nazista fez com que o presidente do Reich decidisse nomear
como chanceler alguém do partido nazista, que foi justamente Hitler.

Com a ascensão de Hitler ocorre a transição da crise política para a experiência


totalitária.

Agora não existe mais espaço para o representante, para o parlamento, para a
democracia, mas para o líder.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Weimar. Rio de Janeiro: Azougue, 2004.

BERCOVICI, Gilberto. Soberania e constituição: poder constituinte, estado de exceção


e os limites da teoria constitucional. São Paulo: USP, 2005.

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[1] " Desde luego, quien no ve em la medula de todo derecho más que semejante fin, no
está em situación de encontrar um concepto de dictadura, porque para el todo o
ordenamiento jurídico es simplesmente uma dictatura, latente o intermitente[1]"

[2] (...) sería el punto donde el derecho revela su verdadera naturaleza y donde , por
motivos de conveniencia, acaban las atenuaciones admitidas de su carácter teleológico
puro. La guerra contra el enemigo exterior y la represión de uma sublevación em el
interior no constituíran estados de excepción, sino el caso ideal normal en el que el
derecho y el Estado despliegan su naturaleza finalista intrínseca com uma fuerza
inmediata (SCHMITT, 1999, p.27).

[3] Ressalva às correntes conflitantes na segunda parte da mencionada constituição em


que Schmitt observa a existência de tendências liberais, socialistas, católicas em um
mesmo texto.

[4] "Decir que uma Constitución no vale a causa de su justicia normativa, sino sólo de
su positividad, y que sin embargo, funda como pura norma um sistema o una
ordenación de puras normas, es una confusión llena de contradicciones".

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[5] "... es sistematica y completa em lo que afecta a su parte orgánica. Pero, en todo
caso, envuelve una serie de leyes particulares y princípios heterogêneos, así que
tampoco cabe hablar aqui de uuna codificación en sentido material".

[6] "Los partidos(que, según el texto de la constitución escrita, oficialmente no existen)


ya no se enfrentan entre ellos com opiniones que discuten, sino como poderosos grupos
de poder social o econômico, calculando los mutuos interesses y sus posibilidades de
alcanzar el poder y llevando a cabo desde esta base factica compromisos y coaliciones"

[7] Sobre esta posição ver Hans Kelsen, Essência e Valor da Democracia (1921),
presente no livro A democracia, editado pela Martins Fontes em 2000.

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