Desenvolvimento Profissional Docente

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DESENVOLVIMENTO

PROFISSIONAL DOCENTE:
PASSADO E FUTURO

Por Patrícia Albieri Almeida


PARA COMEÇAR

Morte e vida severina,


de João Cabral de Melo Neto

https://www.youtube.com/watch?v=HYn2I9O7E9g
CARLOS MARCELO

Catedrático da
Faculdade de
Educação da
Universidade de
Sevilla

20/06/2020
DIREITO DE
APRENDER Como fazer com que a docência seja uma
DOS profissão atrativa, como conservar no
ensino os melhores professores e como
ALUNOS conseguir que os professores continuem a
aprender ao longo das suas carreiras?
Minha História Verdadeira – Caso de Ensino da adolescente D

Meu nome é D e eu gosto de estudar, ler gibi. Eu gosto de comer chocolate, bolos e bolachas recheadas de
sabor morango. Eu tenho treze anos, moro na Vila Mineira e tenho nove irmãos. Três moram comigo e seis
moram em outra casa, porque eles já são grandes. Os irmãos que moram comigo chamam L. M, M. R e S. A
minha vó A e a minha mãe G e meu padrasto R também moram comigo. O meu pai chamava L.
Quando eu e meu irmão M.R éramos pequenos ele foi trabalhar e teve uma briga do amigo dele e o tiro
acertou nele. Foi um monte de família minha lá e teve um velório que foi lá em casa. Quando eu cresci mais a
minha mãe me contou o que aconteceu com meu pai.
Todos os dias eu levanto às cinco e meia e às vezes seis e quarenta e cinco, tem vez que seis e vinte. Vou pra
escola com a minha amiga J, não tomo café porque a minha avó não levantou.
Chega na escola a gente faz a tarefa que a professora manda. Depois da aula eu vou com a J e tem vez que eu
vou com a L. Chego, limpo a casa, limpo o banheiro e lavo as vasilhas, limpo a mesa e o fogão, arrumo as camas,
tem vez passo roupa e tomo banho pra ir pro PETI e eu almoço. Vou para o ponto de ônibus e chego lá no PETI e
cada um vai pra sala de aula, faço aula de dança e de canto. Depois que termina o PETI eu vou assistir pica pau
e logo fica de noite e eu vou assistir os Mutantes, A Favorita e Chamas da Vida.
Depois eu durmo e no outro dia, e faço as mesmas coisas, vou pra escola... Eu gosto de ter esses livros da
biblioteca, mais as historinhas da Mula sem Cabeça, do Saci, de Princesa, do Pooh, Chapeuzinho Vermelho, do
Pinóquio. Eu não sabia ler muita coisa, só agora eu sei mais, algumas coisas eu sei mais. No ano passado eu não
sabia ler as palavras com sílabas de três letras, como, por exemplo: também descobri, etc. Agora eu sei.
A minha mente é inteligente pra aprender matemática, geografia, ciências, espanhol, inglês. Um
dia eu estava na aula de português e a professora pesquisadora chegou e falou que era pra mim
ir com ela, que ela ia me ajudar a escrever.
Eu fiquei feliz porque eu fui escolhida, eu e J. As minhas amigas e meus amigos queriam
participar e ficavam falando: “Chama eu também, professora pesquisadora”. E ela falou: “Não, só
a D e o J”. Eu sentia o coração legal quando a professora da pesquisa me chamava eu e o J. A
gente conversava, lia historinhas. Eu ganhei quatro gibis, e assim as coisas aconteceram.
Eu fui aprendendo a ler bem, bem e escrever bem, bem, bem. No começo do ano eu tinha
vergonha de ler perto dos alunos porque eles ficavam rindo e fazendo gracinha falando que eu
não sabia ler. Agora eles não falam nada; eu tenho menos medo de ler perto dos alunos porque
agora eu sei ler muito legal, de rachar os corações. Depois que eu aprendi a lê eu sou só PS em
todas as matérias. Eu me sinto muito feliz em ser só “Parabéns”.
A adolescente D traz em sua narrativa detalhes de quem agora pode narrar o seu cotidiano, o
trabalho em casa, os programas de TV, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e
conclui, prazerosamente, que sabe ler bem, bem, e que agora ela era só Progressão Simples (PS),
diferente do conceito que a acompanhou por cinco anos, qual seja, Progressão Parcial com Apoio
Pedagógico (PPAP), e hoje é só parabéns.

Fonte: RODRIGUES, Ádria Maria Ribeiro; MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti; ROCHA, Simone Albuquerque da; DOMINGUES, Isa
Mara Colombo Scarlati. Caso de Ensino na formação de professores: quando a narrativa de uma adolescente provoca a
reflexão/formação. Revista de Educação Pública, Cuiabá, Mato Grosso, v. 26 n. 61 p. 13-30 jan./abr., 2017.
Os autores explicam que, normalmente, se pressupõe “que o
A INFLUÊNCIA DO histórico dos alunos – como renda, educação dos pais e outros
fatores familiares – seja o principal motivo para grandes
PROFESSOR NO diferenças no desempenho deles”, entretanto, há evidências
DESEMPENHO DOS de que

ALUNOS, PARA ALÉM DE


ESTAR NO IMAGINÁRIO
COLETIVO, É RETRATADA “a qualidade dos professores pode ter um efeito igualmente
importante” (p.12).
EM VÁRIOS ESTUDOS,
COMO O DE DARLING-
As pesquisas apresentadas pelos autores indicam que
HAMMOND E BRANSFORD estudantes que, por anos seguidos, estudam com professores
(2019, P. 12). que desenvolveram expertise na disciplina ou segmento de
ensino em que atuam, têm ganhos significativos no
aproveitamento escolar.
Para falar de Formação e
desenvolvimento profissional de
Professores

É preciso considerar as etapas por


meio das quais se constrói um docente.
AS QUATRO ETAPAS NA
FORMAÇÃO DOCENTE Experiências de
ensino prévias de
(Vaillant;Marcelo, 2012) aspirantes a docentes

Formação inicial em
uma instituição
específica

Desenvolvimento
contínuo

Iniciação, designada pelos


primeiros anos de
exercício profissional
Desenvolvimento profissional
opção pela
carreira

carreira docente formação inicial

formação em ingresso na
serviço carreira docente
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE

Conceito: Mudança na última década motivada pela evolução da


compreensão de como se produzem os processos de APRENDER A
ENSINAR

Processo a longo prazo, que integra diferentes tipos de


oportunidades e de experiências, planejadas sistematicamente, de
forma a promover o crescimento profissional dos professores

Logo, a Formação define-se como um contínuo e acentua-se nas


necessidades que surgem em distintas etapas da vida profissional ou
segundo diferentes tipos de experiências

É um processo individual e coletivo que se deve concretizar no local


de trabalho do docente: a escola
Assume-se como
Entende-se como um processo que Processo que tende
Baseia-se no
sendo um processo tem lugar em a reconstruir a
construtivismo contextos
a longo prazo cultura escolar
concretos

Pode adotar
O professor é visto É concebido como
diferentes formas
como um prático um processo
em diferentes
reflexivo colaborativo
contextos.

CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL DOCENTE (MARCELO, 2009)
Sparks e Hirsh (1997) identificaram
algumas das mudanças no
desenvolvimento profissional docente
De um desenvolvimento profissional orientado para o para outro orientado para o desenvolvimento da
desenvolvimento do indivíduo organização

De um desenvolvimento profissional fragmentado e para um coerente e orientado por metas claras


desconexo
De uma organização da formação a partir da
administração para outra centrada na escola

De uma focagem centrada nas necessidades dos para outra centrada nas necessidades de
adultos aprendizagem dos alunos

De uma formação desenvolvida fora da escola para formas múltiplas de desenvolvimento


profissional realizadas na escola
De uma orientação baseada na transmissão aos
docentes de conhecimentos e das competências feita ao estudo dos processos de ensino e de aprendizagem,
por especialistas pelos professores
De um desenvolvimento profissional dirigido aos a um outro dirigido a todas as pessoas implicadas no
professores, como principais destinatários processo de aprendizagem dos alunos

De um desenvolvimento profissional dirigido ao à criação de comunidades de aprendizagem, em que


todos — professores, alunos, diretores, funcionários —
professor, a título individual se consideram, simultaneamente, professores e alunos
exerce sobre o desenvolvimento profissional
O PAPEL QUE A
IDENTIDADE
PROFISSIONAL e nos processos de mudança e melhoria da
profissão docente
É através da nossa É uma construção do seu eu
identidade que nos profissional, que evolui ao longo da
percebemos, nos vemos e
queremos que nos vejam. sua carreira docente e que pode ser
influenciada pela escola, pelas
reformas e contextos políticos, que
A identidade “integra o compromisso pessoal, a
profissional é a forma disponibilidade para aprender a
como os professores se
definem a si mesmos e ensinar, as crenças, os valores, o
aos outros. conhecimento sobre as matérias que
ensinam e como as ensinam, as
experiências passadas, assim como a
A identidade não é algo que
própria vulnerabilidade profissional”.
se possui, mas sim algo que
se desenvolve ao longo da
vida.
Temos que considerar identidade docente como
O desenvolvimento da identidade ocorre no uma realidade que evolui e se desenvolve de
terreno do intersubjetivo e caracteriza-se como forma individual e coletiva.
sendo um processo evolutivo, um processo de
interpretação de si mesmo enquanto indivíduo A identidade não é um atributo fixo de
enquadrado em determinado contexto. determinada pessoa, mas sim um fenómeno
relacional.
RELATO DE UMA PROFESSORA
De um encontro em Fortaleza, na UEC, nasceu um vínculo acadêmico e pessoal com
Profa. Luciana de Oliveira Souza Mendonça que trabalha no Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia – IFCE-Campus Canindé

Ela está desenvolvendo uma pesquisa de doutoramento com egressos de um curso


de licenciatura em matemática do IFCE-Campus Canindé

Canindé é uma cidade do sertão cearense com uma população de 74.473 habitantes
e que enfrenta longos períodos de seca, com Índice de Desenvolvimento Humano e
Educacional de 0,612, segundo dados do último censo do IBGE, em 2017. A renda
dos trabalhadores formais é de 1,7 salários mínimos e 54% da população possui uma
renda per capita menor ou igual a meio salário mínimo considerado baixo na
classificação desse órgão.
RELATO DA PROFA. VERÔNICA
A Veronica é professora efetiva da cidade de Caninde-CE.

1. Desenhe uma figura que represente seu percurso de


formação e atuação profissional.
2. Identifique nesse percurso as principais
experiências/marcos/aprendizagens que influenciaram
ou marcaram a sua forma de ser, refletir e atuar como
professor.
3. Fotografe a imagem da figura e grave um vídeo ou
áudio, ou escreva um texto contando para o grupo
porque você escolheu representar seu percurso com
determinada figura.
4. A partir daí, descreva quais experiências você escolheu,
justificando como e por quê.
A identidade profissional é um
A identidade profissional
processo evolutivo de
depende tanto da pessoa como
interpretação e reinterpretação
do contexto.
de experiências.

CARACTERÍSTICAS
A identidade profissional
A existência de uma identidade
profissional contribui para a
percepção de autoeficácia,
DA IDENTIDADE
docente compõe-se de motivação, compromisso e
subidentidades mais ou menos satisfação no trabalho do
interrelacionadas. professor e é um fator
Estas subidentidades têm a ver importante para que este se
com os diferentes contextos em converta num bom professor.
que os professores se movem. A identidade é influenciada por
aspectos pessoais, sociais e
cognitivos.
Segundo Dubar (1997), existem modos de identificação
que são variáveis ao longo da história coletiva e da
vida pessoal dependem do contexto.

Estas formas de identificar são de dois tipos:

as identificações atribuídas pelos e as identificações reivindicadas por


outros si próprio
(identificações para OUTRO) (identidades para SI)

consideram-se os processos relacionais –


os processos biográficos – identidade para si –
identidade para o outro que são em grande
produzidas pelas trajetórias dos indivíduos e
parte herdadas, atribuídas pela pertença a um
pelas experiências de vida que lhe são
grupo ou a instituição nos vários domínios da
associadas.
vida social.
Do ponto de vista de Bolívar,
“as mutações das últimas
décadas geraram
ambiguidades e
contradições na situação
profissional dos professores.
A crise da identidade
profissional docente deve
ser entendida no quadro de
um certo desmoronamento
dos princípios da
modernidade, que davam
sentido ao sistema escolar”

Sociedade em mudança
Contexto de mudanças
sociais complexas e de
incertezas

novas problemáticas e desafios


ao trabalho e a experiência
cotidiana dos professores

implicações para a
profissionalidade docente
Algumas situações no contexto da escola...

Massificação da escolarização e Transformações na relação


entre velhas e novas gerações Mudanças na constituição
exclusão social
põem em crise velhos familiar
duplo desafio para o docente: dispositivos escolares para a Poucas famílias atendem ao
atender mais alunos e “outros” produção da autoridade
docente ideal hegemônico
alunos

Inovações no campo das TICs Os professores que trabalham A sociedade tende a esperar
ao mesmo tempo em que em setores populares tendem
mais do que a escola é capaz
a expressar uma visão negativa
apresentam possibilidades, e pessimista sobre estudantes de produzir -
produzem uma sensação de e seu interesse e capacidade transbordamento da função
obsolescência de aprender. da escola.

(FANFANI, 2007)
Trecho identidade: https://www.youtube.com/watch?v=sMaWuh6nw3g

Completo: https://www.youtube.com/watch?v=1miAVUQhdwM&t=11s
MODERNIDADE SÓLIDA X MODERNIDADE LÍQUIDA

Os conceitos, ideias e Mundo repleto de sinais


estruturas sociais eram mais confusos, propenso a mudar
rígidos e inflexíveis. com rapidez e de forma
SÓLIDA

O mundo tinha mais certezas, imprevisível.


um terreno firme, um destino Emergem o individualismo, a

LÍQUIDA
exato. fluidez e a efemeridade das
A sociedade moderna tinha relações.
uma sede insaciável de Mundo fluido e liquidificado
normas que não deram conta que impõe uma cultura do
de ordenar as relações e se desengajamento, da
tornaram progressivamente descontinuidade e do
ambivalentes. esquecimento

https://www.youtube.com/watch?v=1miAVUQhdwM&t=11s
O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E O PROCESSO DE SE TORNAR PROFESSOR

perito perito perícia


perícia fluida
adaptativo rotineiro cristalizada

Em grupo:
Explicar como compreenderam esses
conceitos e a figura das dimensões do
perito adaptativo.
DESENVOLVIMENTO DE EXPERTISE (ORLAND BARACK, 2014)

Pragmático e concreto Integrador e conceitual

Falta de tolerância e ambiguidade Pensamento divergente

Seguro Assume riscos e experimenta

Necessidades pessoais Compreende a organização

Interior Exterior
Três categorias de experiências que influem nas crenças e conhecimentos
que os professores têm sobre o ensino

Experiências Experiência baseada Experiência escolar


pessoais em conhecimento e de sala de aula
formal
• incluem aspectos da • o conhecimento • inclui todas as
vida que conformam formal, entendido experiências, vividas
determinada visão do como aquele que é enquanto estudante,
mundo, crenças em trabalhado na escola que contribuem para
relação a si próprio e — as crenças sobre as formar uma ideia
aos outros, ideias matérias que se sobre o que é ensinar
sobre a relação entre ensinam e como se e qual é o trabalho do
escola e sociedade, devem ensinar professor.
bem como família e
cultura. A origem
socioeconômica,
étnica, de género,
religião pode afetar as
crenças sobre como se
aprende a ensinar.
Crahay e outros (2016), ao sintetizarem as
principais contribuições das pesquisas sobre as
crenças e os conhecimentos dos professores,
buscam responder as seguintes questões:

As crenças e conhecimentos dos professores evoluem? de


que maneira? em quais condições?

Os autores recorrem a diversas correntes de pesquisa para


responder a essas questões e constatam que, apesar da
dificuldade de evolução das crenças, os professores mudam
ao longo da carreira.

Em vários estudos, há evidências de que as crenças e os


conhecimentos dos professores não se alteram ou alteram
raramente em decorrência da formação inicial.
Todavia, evoluções são observáveis nos
professores em exercício, especialmente no
contexto dos programas de desenvolvimento
profissional.

Mas, não basta que os professores participem dos programas,


é fundamental que esses programas consigam fazer com que
os docentes relacionem suas crenças e conhecimentos à sua
prática pedagógica.
Concluem que a dificuldade de mudar as crenças dentro dos
programas de formação inicial está relacionada à falta de
prática dos estudantes.

O reconhecimento da solidez das crenças, especialmente na


formação inicial, longe de ser um limitador implica
“reconhecer, ao mesmo tempo, o enraizamento sólido dessas
crenças e a necessidade de dispositivos de formação que
ataquem de frente as crenças que se desejam modificar”
(CRAHAY et al., 2016, p. 352).
PROPOSTA
1. Desenhe uma figura que represente seu percurso de formação e
atuação profissional.
2. Identifique nesse percurso as principais experiências/marcos/
aprendizagens que influenciaram ou marcaram a sua forma de ser,
refletir e atuar como professor.
3. Fotografe a imagem da figura e conte para o grupo porque você
escolheu representar seu percurso com determinada figura.
A identidade profissional é um processo
que cruza a vida e a profissão, as
dimensões pessoais e profissionais.

Nós somos aquilo que ensinamos.


E ensinamos aquilo que somos.
Requer um compromisso ético/moral

Não é uma atividade neutra

Não é um trabalho individual, é resultado


ENSINO do trabalho em equipe

É uma atividade profundamente política

Tem também uma dimensão pública

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