2018 Experiências em Ensino de Ciências V.13, No.1
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Resumo
Este trabalho apresenta uma sequência didática sobre a química dos cosméticos, estruturada na
dinâmica dos três momentos pedagógicos. Durante os diferentes momentos buscamos caracterizar
as relações pedagógicas e epistemológicas através do processo de contextualização dos conteúdos e
construção dos significados científicos pelos estudantes. A aplicação desta sequência didática em
uma turma de terceiro ano do Ensino Médio demonstrou que a abordagem dos conteúdos de forma
dialogada estimulou o envolvimento dos estudantes com a aprendizagem, favorecendo a
apropriação da linguagem científica e facilitando a percepção das relações entre o conhecimento
químico e o contexto sociocultural dos estudantes envolvidos. Diante das atividades realizadas
pelos estudantes, foi possível perceber os avanços alcançados com esta estratégia de ensino,
demonstrados através da aquisição dos novos conhecimentos de Química manifestados durante a
realização dos experimentos, elaboração dos relatórios, portfólio e respostas aos questionários.
Além disso, o desenvolvimento da sequência didática articulada com a experimentação facilitou
progressivamente a aprendizagem dos estudantes em relação aos conteúdos – grupos funcionais e
funções orgânicas. Inferimos, ainda, que a vivência da sequência possibilitou avaliar níveis
diferenciados de compreensão dos conceitos químicos construídos, tais como, pH, solubilidade,
polaridade, ponto de fusão, grupo funcionais, forcas intermoleculares.
Abstract
This paper presents a didactic sequence on the chemistry of cosmetics, based on the three
pedagogical moment dynamics. During different times we seek to characterize the pedagogical and
epistemological relations through the process of contextualization of the contents and construction
of scientific meanings by students.The application of this didactical sequence in a third-year high
school class have shown that approaching contents in a dialogical way stimulates students’
involvement with learning, supporting scientific language appropriation and favoring perception of
the relations between chemical knowledge and the sociocultural context of students involved. In
view of the activities carried out by the students, it was possible to perceive the advances achieved
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with this teaching strategy, demonstrated through the acquisition of new knowledge of Chemistry
manifested during the accomplishment of the experiments, elaboration of the reports and answers to
the questionnaires. Moreover, the development of the didactic sequence articulated with the
experiments facilitated progressively the students' learning in relation to the contents - functional
group and organic functions. We also infer that the experience of the sequence allowed to evaluate
differentiated levels of understanding of the chemical concepts, such as pH, solubility, polarity,
melting point, functional group, intermolecular forces.
INTRODUÇÃO
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o tema. Segundo os autores, esse momento é organizado de tal modo, que os estudantes sejam
desafiados a expor o que estão pensando sobre as situações (2011, p. 199). No momento seguinte,
que trata da organização do conhecimento os estudantes estudam os conteúdos necessários para a
compreensão do tema e contam com o monitoramento do professor. Segundo Delizoicov, Angotti e
Pernambuco (2011, p. 200), as mais variadas atividades são, então, empregadas, de modo que o
professor possa desenvolver a conceituação identificada como fundamental para uma compreensão
científica das situações problematizadas. E, para finalizar, temos a aplicação do conhecimento que
se destina, sobretudo, a abordar sistematicamente o conhecimento que vem sendo incorporado pelo
estudante, para analisar e interpretar tanto as situações iniciais que determinaram seu estudo como
outras situações que, embora não estejam diretamente ligadas ao motivo inicial, podem ser
compreendidas pelo mesmo conhecimento (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2011,
P.201).
Entre uma variedade de temáticas a serem trabalhadas nas aulas de Química, estão os
cosméticos, que são usados diariamente, pelos estudantes, estando inseridos no seu dia a dia.
Parafraseando Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002), os conhecimentos científicos estão
presentes no dia a dia dos estudantes, tanto pelos objetos e processos tecnológicos das diferentes
esferas da vida contemporânea quanto pelas formas de explicação científica. Ainda segundo
Krasilchik e Marandino (2004), é inegável atualmente a forte presença da ciência e da tecnologia no
dia a dia dos cidadãos, seja por meio das consequências que nos trazem ou pelos produtos que são
consumidos. Um dos fatores de importância situado entre as dificuldades no ensino da Química,
segundo Chassot (1990) é que os conceitos se encontram fora das vivências dos estudantes. Nesse
sentido, os cosméticos são um exemplo de produtos que envolvem diversos conceitos científicos e
que estão presentes na vida de boa parte da população.
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PERCURSO METODOLÓGICO
A sequência didática aqui apresentada pautou-se na temática Química dos cosméticos, mais
especificamente a Química dos xampus e dos perfumes, que foi elaborada para ser trabalhada com
estudantes dos terceiros anos do Ensino Médio. Além das questões a serem discutidas sobre a
Química dos cosméticos, buscou-se apresentar ainda, a relação da referida temática com os
conceitos químicos, tais como grupos funcionais e funções orgânicas.
No desenvolvimento da sequência didática (SD) todas as atividades propostas, foram
planejadas para ser realizadas em seis aulas. A primeira com duração de 60 minutos; a segunda e
terceira com duração de 120 minutos; a quarta e quinta com duração de 120 minutos e a sexta aula
com duração 60 minutos (Tabela 1). Muitas estratégias e recursos didáticos foram selecionados,
como levantamentos das concepções prévias, charges, textos, questionários, experimentos, projetor
de multimídia, vidrarias, reagentes e vídeos etc. A utilização dessas se dá com o intuito de
promover uma aprendizagem mais significativa que venha a contribuir com o processo de ensino e
aprendizagem dos estudantes envolvidos.
propostas as seguintes questões, apresentadas para os estudantes, cujo objetivo foi analisar as
concepções dos estudantes por meio da temática, objeto do estudo.
1. Você costuma lê os rótulos dos cosméticos?
2. Você conhece alguns constituintes químicos dos cosméticos usados pela população?
3. Qual a diferença entre xampu com sal ou sem sal? Por que?
4. Qual a composição química dos xampus?
5.Por que alguns perfumes duram mais tempo do que outros?
Para a organização do conhecimento elaborou-se as aulas de número 2, 3, 4 e 5, as quais
foram trabalhadas através de exposição dialogada. Elaborou-se dois questionários que serviram de
suporte para o professor ao se fazer uso da sequência didática proposta, conforme apresentado na
Tabela 2.
1. Qual a diferença entre xampu sem sal e com 1. Por que alguns perfumes duram mais tempo
sal? do que outros?
2. Qual a composição do xampu? 2. Qual a composição do perfume?
3. Quais grupos funcionais estão presentes no 3. Quais grupos funcionais estão presentes no
xampu? perfume?
4. Existem diferenças entre grupos funcionais e 4. Com relação ao Eugenol, responda:
funções orgânicas?
5. Com relação ao composto responda:
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Materiais Materiais
Lauril sulfato de sódio (concentrado), base para Laranja, faca, ralador, estufa, béquer,
shampoo, essências (erva doce e morango), erlenmeyer, bastão de vidro, placa de petri,
extrato de glicólico, água deionizada, corante a papel alumínio.
base de água, béquer, bastão de vidro. Procedimentos
Retirou a casca da laranja, evitou-se cortar o
Procedimentos bagaço, para obtenção de melhores resultados
Em um béquer de 200 mL foi adicionado 1,20 em seguida secou-se a casca em uma estufa a 40
0
mL da base para xampu em seguida 100 mL de C. Com o auxílio de um ralador moeu-se a
água deionizada. A mistura foi levemente casca. Dando continuidade encheu um béquer
agitada com um auxílio de um bastão e em de 200L com água morna, que não deve estar
seguida adicionou 10 mL de extrato glicólico muito quente (a temperatura ideal é de cerca de
sob agitação. Após adicionou 10 mL de lauril e 30 ºC) e em seguida colocou-se o frasco de
100 gotas da essência e 20 gotas do corante a álcool na água morna e deixou mergulhado por
base de água. Observou-se e anotou os aproximadamente 20 minutos. Colocou as
resultados. cascas moídas em um erlenmeyer e, em
seguida, acrescentou o álcool até cobrir o
conteúdo por completo. Depois disso, tampou o
erlenmeyer e agitou com vigor por alguns
minutos. Com um filtro de café, coou a solução
em uma placa de petri. Não deixe de tirar todo o
líquido do frasco. Cobriu a placa de petri com
um pedaço de papel alumínio com furos e
deixou a solução em repouso por alguns dias
para que o álcool restante evaporasse.
Observou-se e anotou os resultados.
RESULTADOSE DISCUSSÃO
No primeiro momento, o professor aplicou um questionário sobre a temática com o intuito
de averiguar o conhecimento prévio dos estudantes. O questionário abordou questões
problematizadoras sobre a química dos cosméticos. A tabela 4 sumariza as questões propostas sobre
a temática e as contribuições dos estudantes. Esse momento teve como objetivo iniciar o diálogo e
as problematizações para o desenvolvimento do tema.
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1. Você costuma lê os rótulos dos cosméticos? RP1: Sim, pois a marca é primordial e
também pela ação do que está escrito no
rótulo.
Não. Pergunto ao vendedor qual é a melhor
marca...
2. Você conhece alguns constituintes químicos RP2: Muitos produtos de beleza têm na sua
dos cosméticos usados pela população? estrutura água, enxofre, formol, álcool, óleos
e outros.
3. Qual a diferença entre xampu com sal ou sem RP3: Não uso xampu com sal, danifica o
sal? Por que? cabelo....
Compro xampu sem sal por que minha amiga
falou que era melhor...
4. Qual a composição química dos xampus? RP4: Água, acetona
Água e álcool
Água e formol.
5. Por que alguns perfumes duram mais tempo do RP5: Os perfumes que tem durabilidade
que outros? maior são mais concentrados do que os que
duram menos...
Depende da marca de perfume.
O perfume pode durar muito tempo ou não,
por causa do suor, ou seja, à temperatura e a
atividade física que a pessoa faça poderia
interferir na duração do perfume...
A partir das contribuições dos estudantes (Tabela 4), percebe-se que as mesmas deram suporte
ao professor para que ele pudesse nortear e delinear seu fazer pedagógica a partir das concepções
levantadas pelos estudantes permitindo a (re)construção do conhecimento, de modo a favorecer o
processo de ensino e da aprendizagem.
cosméticos, de fato, poderiam ser tema de muita discussão e aprendizagem entre os estudantes,
visto que sua aplicação é contínua e seu uso é de grande importância para a maioria destes.
Notamos também a necessidade de esclarecer algumas concepções que os estudantes tinham sobre o
tema e ampliar seus conhecimentos dos saberes científicos que envolvem a temática para que, deste
modo, pudéssemos contribuir para a construção de saberes que possíveis de serem refletidos no seu
dia a dia.
Ao analisar as respostas referentes à terceira questão (Tabela 4), observou-se que a maior parte
dos estudantes desconhece a diferença entre xampu com e sem sal e utiliza no seu dia a dia o sem sal,
pois com sal danifica o cabelo.
De acordo com a análise das respostas relacionada à quarta questão, percebe-se que 37% dos
estudantes responderam água e 53% responderam álcool, porém desconhecia o tipo de álcool
utilizado.
Por fim, em relação às respostas referentes à quinta questão, pode-se observar que os
estudantes apresentaram diversos conhecimentos prévios acerca do tema. Eles citaram que na
composição dos perfumes há álcool e água, o que permitiu que o professor, com base nessas
informações, trabalhasse com os estudantes o conteúdo químico de funções orgânicas, por exemplo.
Na questão os estudantes não relacionaram a presença do álcool com a volatilidade do perfume e a
sua mudança de estado físico, o que permitiu ao professor trabalhar conteúdos de mudança de
estado físico, difusão dos gases e interações intermoleculares.
Com base nas observações dos conhecimentos prévios dos estudantes, realizou-se o segundo
momento pedagógico, ou seja, a organização do conhecimento. Nesse momento, a partir do
diálogo-problematizador da etapa anterior, o professor organizou situações que possibilitaram a
aprendizagem dos temas: Química dos xampus e Química dos perfumes. Nessa etapa, de acordo
Delizoicov et al. (2009, p. 201), as mais variadas atividades são então empregadas, de modo que o
professorpossa desenvolver a conceituação identificada como fundamental para uma compreensão
científica das situações problematizadas.
Desta forma, após o levantamento das concepções prévias dos estudantes os mesmos foram
convocados à leitura do texto: “Xampu com ou sem sal: uma temática nas aulas de química no
ensino médio” de Correia et al. (2014) extraído da Revista Experiências em Ensino de Ciências,
v.9, No. 2; de forma compartilhada e em seguida fez-se uma resenha do mesmo.
Em seguida, a temática Química dos xampus foi trabalhada em duas aulas (cada aula com
duração de sessenta minutos). A primeira aula consistiu em esclarecer dúvidas dos estudantes através
de uma exposição dialogada, onde foram abordados os conteúdos de grupos funcionais e funções
orgânicas com ênfase em propriedades, estrutura dos grupos e nomenclatura. Ainda nesta aula
foram respondidas algumas questões do livro didático. Dando continuidade, na segunda aula, foi
trabalhado as questões do questionário do Quadro 1.
Entretanto, na segunda aula, após discutirmos com os estudantes o conceito de sal, grupo
funcional, função orgânica e isomeria versus quiralidade, foi proposto o questionário do quadro 1.
De acordo com dados do quadro, observou-se que a maioria dos estudantes compreendeu a
diferença entre xampu com sal e xampu sem sal; a diferença entre grupo funcional e funções
orgânicas; o conceito de isomeria e quiralidade; bem como, a função do cloreto de sódio na
formulação do xampu.
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Quadro 1. Questões elaboradas e contribuições dos estudantes para temática Química dos xampus.
3. Quais grupos funcionais podemos RP3. Dupla ligação, carboxilato, ácido carboxílico,
encontrar no shampoo? ésteres, hidroxila etc.
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Quadro 2. Questões elaboradas e contribuições dos estudantes para temática Química dos esmaltes.
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pois possibilitou que os mesmos entendessem o processo de obtenção do óleo para elaboração de
um bom perfume.
Desta forma, os estudantes compreenderam todo o processo, sistematizando por meio da
teoria com a prática em sala de aula, assimilando de maneira significativa o que foi apresentado.
Convém destacar que na aula experimental foram construídos com os estudantes, procedimentos
experimentais os quais os auxiliaram no decorrer das práticas.
Após a realização dos experimentos, eles responderam questões relacionadas com a
atividade experimental e, em seguida, foram realizados momentos de discussão das respostas
apresentadas pelos estudantes, de modo a promover uma melhor compreensão do que foi abordado
nos experimentos. Pois segundo Chassot (2014, p.55): “A nossa responsabilidade maior no ensinar
Ciências é procurar que nossos estudantes se transformem, com o ensino que fazemos, em homens e
mulheres mais críticos”.
E finalmente, na etapa de aplicação do conhecimento, os estudantes escreveram um portfólio
onde foram retomadas todas as questões problematizadas ao longo de todas as intervenções
didáticas dos professores e também foram respondidas questões referentes aos conceitos abordados
e diálogos referentes à relação entre os conhecimentos abordados na temática, como exemplos
podemos citar os seguintes textos descritos dos estudantes:
Na formulação dos xampus, além do cloreto de sódio, outros sais, como o lauril sulfato de
sódio, que é um dos tensoativos.
pH é um índice que indica a acidez, neutralidade ou alcalinidade de uma substância....
É necessário que os consumidores saibam interpretar os rótulos dos cosméticos, para tal, é
importante discutir as informações contidas nos rótulos...
Na fragrância artificial do óleo de laranja tem o grupo funcional aldeído.
No geraniol o grupo funcional hidroxila corresponde função fenol.
Ainda nessa etapa os estudantes elaboraram e apresentaram relatório individual dos
experimentos realizados; os quais deram origem aos dados para que os professores realizassem sua
avaliação em relação à metodologia utilizada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a utilização da temática dos cosméticos, foi possível estudar as funções orgânicas e
grupos funcionais, através da análise do rótulo dos produtos e do conhecimento das estruturas de
suas substâncias.
Através da estratégia usada durante a aplicação desse trabalho conseguiu-se alcançar todos
os objetivos pretendidos. A interação, a motivação e a construção de competências e habilidades
foram atingidas pelos estudantes envolvidos na proposta didática. Após a intervenção os estudantes
apresentaram domínio dos conteúdos, ou seja, funções orgânicas e grupos funcionais. Isso pode ser
constatado pelo que está escrito no portfólio e relatório das aulas experimentais.
A partir dos resultados encontrados nos questionários aplicados ao longo da sequência
didática é possível afirmar que inicialmente os estudantes encontraram dificuldades em identificar e
diferenciar funções orgânicas de grupos funcionais devido às suas similaridades. Os resultados
obtidos com a SD sobre a temática dos cosméticos, desenvolvida com os estudantes, permitiram
observar o envolvimento desses desde a investigação do tema até a avaliação final do trabalho,
tendo como alicerces o diálogo e a problematização.
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REFERÊNCIAS
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