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A Zona Da Morte

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Capítulo 1

A Zona da Morte

A PESAR DO TÍTULO DO LIVRO, voar é seguro. Este livro, portanto,


trata das margens de segurança. Em que ponto a margem é mais estreita?
Em que ponto temos mais segurança? Quando você corre mais perigo: como
piloto ou como passageiro? Primeiramente, precisamos admitir que sempre
que viajamos, corremos certo risco. Em 1972, o supremo tribunal federal dos
Estados Unidos decidiu que “segurança não é equivalente a risco zero”. Desse
modo, por lei, algo pode ter riscos e ainda assim ser considerado seguro. Cabe
a nós, como indivíduos, determinar o quanto de risco está presente e decidir
se aceitaremos ou rejeitaremos essa quantidade. Eu aceito tomar riscos ao
dirigir até o supermercado. Eu compreendo que eu poderia me envolver em
um acidente no trajeto, mas aceito o risco e faço esse mesmo trajeto muitas
vezes. Eu compreendo que eu poderia me envolver em um acidente aéreo,
mas eu avalio o risco de cada voo e tento tomar boas decisões. Já cancelei
muitas vezes um voo porque achei que o risco era muito alto. Você toma uma
decisão melhor quando você conhece tudo sobre o risco que você enfrenta.
Infelizmente, na aviação e na vida, raramente (para não dizer nunca) temos
conhecimento de todos os riscos envolvidos na situação. Acidentes podem
acontecer quando pilotos, que são tomadores de decisão extraordinários, são
confrontados por riscos não conhecidos – como uma falha mecânica repen-
tina ou uma tempestade que se move em alta velocidade. Acidentes também
podem acontecer quando pilotos ignoram sinais de alerta. Acidentes podem
acontecer quando a oportunidade de avaliar o risco foi dada ao piloto, mas
ele não a aproveitou. Esses acidentes poderiam ter sido evitados e são o foco
principal deste livro.
Muitos livros e publicações usam estatísticas de acidentes para comprovar
ou refutar uma teoria. O Departamento de Transportes dos Estados Unidos
(USDOT) tem uma seção inteira dedicada a contar e categorizar acidentes,
o Bureau of Transportation Statistics. Mas a verdade é esta: acidentes por si
só não são bons indicadores de segurança. Pode haver zero acidente em um
sistema hoje, e isso não prova que o sistema é completamente seguro. Pode
haver um acidente hoje em um sistema, e isso não prova que o sistema é pe-

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2 A Zona da Morte

rigoso. Outra verdade é que acidentes são raros. Para cada acidente fatal de
automóvel, há milhões de quilômetros sem acidentes. Para cada acidente aé-
reo fatal, há centenas de milhares de horas de voo seguras. Portanto, acidentes
são casos isolados. Os estatísticos geralmente excluem esses casos isolados,
os pontos “muito” fora da curva, porque eles não representam a situação ge-
ral. Mas quando estudamos estatísticas de acidentes, voltamos a nossa atenção
apenas a esses casos isolados, o que não é uma prática estatisticamente con-
sistente. Também é impossível contar os acidentes que nunca aconteceram. Se
um instrutor de voo treinar muitas técnicas de pouso em vento cruzado com
seus alunos e, consequentemente, esses alunos aprenderem bem e se tornarem
proficientes em ventos cruzados, será que esses alunos terão menos acidentes
com ventos cruzados? Anos depois, um desses alunos pode ter que lidar com
uma aproximação de vento cruzado complicada e pousar de forma segura ou,
porque ele sabe os perigos, escolhe divergir para outro aeroporto onde o ali-
nhamento da pista não cria um vento cruzado. Nessa situação, nenhum aci-
dente ocorre. O esforço que o instrutor de voo fez para treinar acidentes com
vento cruzado não é reparado nem considerado. Assim, toda a vez que usamos
dados de acidentes para discutir um problema, precisamos nos lembrar desses
fatos. Infelizmente, no entanto, muitas vezes só temos como nos guiar pelos
dados dos acidentes. Neste livro, optei pela visão do instrutor de voo sobre os
acidentes, não a do estatístico. Para mim, os dados de acidentes são pessoais,
não apenas números frios. Quando falo sobre um acidente aéreo, faço-o com
grande respeito e sem julgar as vítimas. Um acidente que já ocorreu não pode
mais ser prevenido. Agora, podemos apenas usar o sacrifício que o piloto fez
para evitar o próximo acidente. Esse é o propósito e o valor dos dados de aci-
dentes; o propósito e o valor de compreender a zona da morte.
Em 1999, escrevi a primeira edição do que se tornou A Zona da Morte.
Avaliei acidentes da aviação geral, da privada e alunos de aviação com menos
de 1.000 horas de voo, ocorridos entre 1983 e 1999. Consegui identificar a
que ponto da experiência o piloto se encontrava quando o maior número de
acidentes fatais ocorreu. Por meio dos relatórios de acidentes do conselho
nacional de segurança nos transportes (NTSB) dos Estados Unidos, consegui
determinar quantas horas de voo o piloto tinha no dia em que faleceu em um
acidente aéreo. Pelos números brutos na Figura 1.1, ficou claro que o maior
número de acidentes ocorreu quando um piloto privado ou um aluno tinha
entre 50 e 350 horas de voo – o intervalo da zona da morte.
O saldo da primeira edição de A Zona da Morte foi um ataque à zona: pegar
cada uma das áreas em que a margem se mostrou mais estreita e tentar treinar o
próximo acidente nessas categorias. Faz mais de 10 anos desde a primeira edição
de A Zona da Morte. Se todas as tentativas de eliminar acidentes da primeira
edição de A Zona da Morte, junto com os esforços de centenas de outros ins-
trutores de voos, programas governamentais e pesquisadores tivessem obtido
sucesso, não haveria razão alguma para escrever a segunda edição de A Zona da

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Horas de voo do piloto

Figura 1.1 Total de acidentes fatais – pilotos privados e alunos, 1983 a 1999.

Morte. Então, fica a pergunta: após esses 10 anos tumultuados de mudanças na


aviação, será que a zona da morte ainda existe? A reposta curta é: sim, ela existe.
Desde 1999, acidentes fatais na aviação geral continuam a acontecer entre
pilotos privados, alunos e pilotos recreativos, e agora pilotos de aeronaves
leves esportivas – cada um é uma perda para a família da aviação. Nesses
últimos 10 anos, proferi algumas palavras sobre um desses pilotos em seu
velório. Servi de testemunha especializada sobre o que houve de errado. Fui o
primeiro a ligar a uma família após um acidente. Estatísticas de acidentes são,
para mim, dados pessoais, não apenas números frios.
Portanto, para responder à pergunta “a zona da morte ainda existe?”, vol-
tei aos bancos de dados do NTSB. Durante esses 12 anos de 2000 a 2011, os
dados relataram 1.908 acidentes fatais, tanto com alunos, pilotos privados,
recreativos ou esportivos atuando como o piloto em comando. Desses 1.908
acidentes fatais, 1.062 envolveram pilotos com menos de 1.000 horas de voo.
A Figura 1.2 mostra os números brutos.
A Figura 1.3 compara os acidentes de 1983-1999 e os de 2000-2011. O
período de 1983-1999 parece ter mais acidentes, e tem. Primeiro, há mais
acidentes simplesmente porque é um período maior de tempo, são 17 anos
contra 12 anos. Em segundo lugar, e mais importante, a taxa de acidente foi
mais baixa no período de 2000-2011. Porém, os dois períodos indicam um
aumento de acidentes no intervalo de 50 a 350 horas de voo.
Pesquisei cada um dos acidentes entre 2000-2011 para definir o número
de horas de voo que o piloto tinha na hora do acidente. Contudo, alguns
desses dados estão incompletos. Os investigadores desses acidentes sempre

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Horas de voo do piloto

Figura 1.2 Total de acidentes fatais – alunos, pilotos privados, recreativos e esportistas, 2000 a
2011.

tentam descobrir o nível de experiência do piloto que estava envolvido no


acidente. Às vezes, a informação vem direto do livro de registros do pilo-
to. Outras vezes, o livro de registro do piloto não está disponível ou até foi
destruído no acidente. O livro de registros pode não ser localizado ou os
familiares podem não entregar o livro para os investigadores. Quando as
informações do livro de registro não estão disponíveis, às vezes a hora de
voo é definida pelos registros de treinamento, quando o piloto recebeu trei-
namento. Em muitos casos, contudo, a informação das horas de voo vem do
requerimento da última avaliação médica. Usar o relatório da última avalia-
ção médica sempre reduzirá a precisão da informação por causa do tempo
entre o relatório e o acidente. Se você for um piloto, irá se lembrar da sua
última avaliação de saúde. Antes de ser consultado, foi solicitado que você
preenchesse um formulário. Na sala de espera, é de praxe não estar com o
seu livro de registros. Portanto, quando vem a pergunta “Horas totais de
voo?” e “Horas totais de voo nos últimos 90 dias?”, só resta adivinhar. Ao
adivinhar, você provavelmente faz uso de números arredondados, como 200
em vez de 198. Analisando todos os dados, eu me deparei com um número
alto dessas “estimativas arredondadas” nos relatórios do NTSB. Sempre que
contei um acidente em que o piloto relatou ter “200 horas de voo”, eu tinha
quase certeza de que não era o número exato. Mesmo assim, contei aquele
número, porque é a melhor ou única informação disponível. Em um caso,
um piloto privado na hora do acidente tinha 16 horas de voo. Para ter o
certificado de piloto privado, é preciso, no mínimo, 40 horas. Então, teria

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Acidentes fatais

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Horas de voo do piloto

Figura 1.3 Comparação da Zona da Morte: 1983-2000 e 2000-2011.

sido impossível que um piloto privado sofresse um acidente com apenas


um total de 16 horas. Qual é a explicação para isso? Provavelmente, esse
piloto tinha a licença de aluno na avaliação de saúde e realmente contava
16 horas totais de voo. Um tempo depois, essa pessoa passou para piloto
privado e acabou se envolvendo posteriormente em um acidente fatal. Os
registros reais de horas de voo não estavam disponíveis ou não puderam
ser encontrados. Dessa forma, os investigadores usaram o único registro
disponível: o formulário para a licença de aluno que reportava 16 horas.
Assim, quando analisamos os dados reais do acidente, temos que lembrar
que os dados são gerados por investigadores, e esses investigadores podem
não ter tido acesso às informações completas. Também é verdade que há
uma disparidade no nível e na qualidade da investigação por si própria. O
NTSB e a Administração Federal da Aviação dos Estados Unidos (FAA) são
agências governamentais separadas. O NTSB não faz parte da FAA, ou vice-
-versa. Esse sistema é proposital, para prevenir qualquer conflito de interes-
se. Se uma investigação revelar a necessidade de uma mudança regulatória,
alguém poderia argumentar que a FAA não seguiria essa recomendação,
porque poderia se encaminhar para uma culpa compartilhada pela FAA. A
FAA investigar a si própria não é provavelmente uma boa ideia, mas acon-
tece na prática a todo o momento. O NTSB tem apenas 800 investigadores
no total, para todos os meios de transporte, incluindo autoestradas, canais
e oleodutos. O número de investigadores de aviação é pequeno, então, em
muitos casos, o NTSB entrega a investigação para a FAA. Alguns casos fa-
mosos foram exceção, como o acidente de John F. Kennedy Jr., mas muitos
acidentes de aviação geral nunca são investigados pelo NTSB. Os Escritórios

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6 A Zona da Morte

Distritais de Normas de Voo da FAA em todo o país sempre têm um inspe-


tor de plantão, no caso de haver um acidente naquele distrito. Em alguns
casos, principalmente em uma situação em que não houve ferimentos, a
FAA pode delegar a investigação a um indivíduo. Tenho sido delegado em
várias dessas ocasiões. Nessas situações, eu me tornei o investigador e foi
me dada permissão para mover a aeronave depois que a minha investiga-
ção estivesse completa. Nesses casos, a investigação consistiu em entrevistar
o piloto, testemunhas, tirar fotos, pegar amostras de óleo e de combustí-
vel e registrar o clima no momento do acidente. Os destroços da aeronave
não devem ser movidos até que a investigação inicial esteja completa, não
importa quem esteja conduzindo a investigação. As regras da Parte 830 do
NTSB cobrem esse ponto. A Subparte C do referido regulamento declara
que “antes do Conselho [NSTB] ou seu representante autorizado assumir a
custódia dos destroços da aeronave, correio ou carga, esses destroços, cor-
reio ou carga não podem ser perturbados ou movidos, exceto se necessário:
(1) para remover pessoa ferida ou presa, (2) para proteger os destroços de
novos danos e (3) para proteger o público de uma lesão”. A regra continua
dizendo: “Quando é necessário mover destroços da aeronave, correio ou
carga, esboços ou notas descritivas ou fotografias devem ser feitas, se possí-
vel, das posições e condições originais dos destroços e de quaisquer marcas
de impacto significativo”. Assim, o regulamento do NTSB dá a cada cidadão
o poder de tornar-se um investigador do acidente nas circunstâncias des-
critas na regra. Um investigador do NTSB me disse uma vez que ele chegou
ao local de um acidente e foi primeiramente recebido pelo xerife do lugar.
O xerife tinha isolado a área do acidente e feito mais um “favorzinho”. Ele
e seus colegas haviam reunido e empilhado de maneira organizada todos
os destroços e escombros para o investigador. Claro, o xerife e seus colegas
violaram a Parte 830 do NTSB e inviabilizaram a investigação. O padrão de
destroços e detritos poderia ter sido calculado para determinar o ângulo e
a velocidade de impacto, mas não com eles empilhados. Quando uma linha
de combustível é retirada do chão, o líquido pode acabar. Agora, será im-
possível determinar se esse líquido era combustível ou água ou uma mistura
de ambos. A informação sobre o tipo de combustível é perdida para sempre.
O fio dentro de uma lâmpada pode ser examinado para determinar se a luz
estava acesa ou não no momento do acidente. Se a luz estava acesa, então a
aeronave tinha energia elétrica. Se a luz está jogada na pilha de detritos, po-
rém, essa informação pode estar perdida também. Tudo isso para dizer que
os dados de acidente que usamos para análise podem não estar completos
e, por isso, a análise pode não estar completa. A investigação de acidentes e
a análise são concluídas com ressalvas. Mas, como eu disse antes, às vezes é
tudo o que temos para seguir, com falhas e tudo mais.
Com todas essas falhas potenciais em mente, dividi os dados em segmen-
tos de horas de voo. A Figura 1.2 ilustra os segmentos em intervalos de 50

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horas. Só de relance você pode ver que os números saltam de 39 no primeiro


intervalo de 0-50 horas para 91 no intervalo de 51-100 horas. Embora, como
veremos, haja alunos com mais de 51 horas, supõe-se que a maioria dos pilo-
tos com menos de 50 horas são alunos, e que a maioria dos pilotos com mais
de 50 horas são pilotos privados. A outra suposição é que o salto tem muito
a ver com a eliminação de um instrutor de voo do cenário. Os instrutores de
voo supervisionam a instrução dos alunos, mas não têm esse papel com os
pilotos privados. Na ausência dessa supervisão, parece que os acidentes fatais
saltam. Esse salto continua nos próximos cinco intervalos de horas de voo.
Na primeira edição de A Zona da Morte, que abrange os dados de acidentes
de 1983 a 1999, houve um salto no número de acidentes que começou com o
intervalo de 51-100 horas e se manteve elevado até cair após o intervalo 301-
350 horas. O intervalo entre 50 e 350 horas ficou conhecido como A Zona da
Morte. Agora, usando os dados de acidentes de 2000-2011, o salto acontece
exatamente como antes, no intervalo de 51-100 horas e, novamente, cai após
o intervalo de 301-350 horas. Infelizmente, esses números de acidentes ilus-
tram que a zona da morte ainda existe.

Alunos
Voar como aluno continua a ser relativamente seguro. Presume-se que isso
seja verdade porque os alunos estão supostamente sob o olhar atento de um
instrutor de voo. Os instrutores de voo detêm o poder de veto sobre os alunos.
Bons instrutores de voo geralmente permitem que os alunos reúnam os seus
próprios fatos sobre um voo iminente e formulem as suas próprias decisões
de ir ou não ir. Mas é o instrutor de voo que dá o aval final com um endosso
que permite um voo solo ou uma negativa que cancela o voo. Assumimos que
o aumento no número de acidentes (e a parte inferior da Figura 1.2) existe
porque, quando o aluno se torna piloto privado, o seu ex-instrutor de voo já
não tem o poder de veto, e quando esta rede de segurança é removida, alguns
pilotos fazem escolhas equivocadas, e os acidentes crescem. A supervisão do
instrutor de voo é uma garantia de segurança. Os instrutores de voo são a
primeira linha de defesa na prevenção de acidentes.
No banco de dados do NTSB, para os anos de 2000-2011, havia 311 aci-
dentes fatais citando alunos. Mas esses números enganam. Sempre que um
relatório de acidente menciona o termo aluno, ele surge na lista, mesmo
quando o aluno não estava pilotando o avião. Para ter um cenário de ver-
dade, portanto, li todos os relatórios e fiz alguns cortes seletivos. Um relató-
rio baseado nos 311 relatórios indicou que um aluno foi testemunha de um
acidente enquanto estava no solo. O programa usado selecionou-o porque
mencionava a palavra aluno e contou esse acidente nos 311. Obviamente, isso
não foi um acidente de aluno e não deve ser considerado como tal. Em ape-

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nas 103 dos 311 acidentes era o aluno que realmente estava voando solo e
atuando como piloto em comando. Muitos dos acidentes fatais envolvendo
alunos aconteceram enquanto eles estavam sendo instruídos por um instru-
tor de voo. Houve 94 acidentes fatais quando o instrutor de voo e o aluno
estavam voando juntos. Entre os 94 acidentes, um ocorreu com um instrutor
“não certificado”, um com um instrutor com um certificado expirado, um em
um “voo introdutório,” um em uma demonstração de vendas e um em um
teste prático. É isso mesmo que você leu, um aluno e seu examinador morre-
ram em um acidente durante a prova de voo de piloto privado. Um acidente
fatal de um aluno se confirmou como suicídio. Treze foram colisões no ar,
envolvendo 26 aeronaves.
Dos 103 acidentes fatais em que um aluno estava agindo como o piloto
em comando, nove envolveram um passageiro ilegal. Os Regulamentos Fe-
derais de Aviação (FAR 61.89 especificamente) proíbem alunos de transpor-
tar passageiros. Isso significa que um aluno pode voar solo, com o endosso
de um instrutor de voo, ou junto com o seu instrutor. Sob qualquer outra
circunstância, o aluno seria ele mesmo um passageiro. Apesar da lei, e, pre-
sumivelmente, apesar dos desejos de seus instrutores, alguns alunos ainda
levaram passageiros, e nove vezes isso terminou em um acidente fatal de 2000
a 2011. Para voar solo em uma aeronave, a pessoa deve primeiro ser titular
de um certificado de aluno válido e ter recebido os endossos adequados de
um instrutor autorizado (FAR 61.87). Dos 103 alunos em acidentes fatais, no
entanto, 14 envolveram um piloto que não tinha o certificado de aluno ou
estava com ele expirado. Uma grande parte dos acidentes ocorreu com alunos
que não estavam seguindo a lei.
Os regulamentos em vigor exigem que uma pessoa, nos termos da Parte
61 dos Regulamentos Federais de Aviação, acumule 40 horas de tempo de
voo antes que possa fazer o exame prático de piloto privado. Essas 40 horas
de voo incluem instrução à noite, em condições simuladas de instrumentos,
voos a aeroportos com torres de controle operacionais e voos a aeroportos
em distâncias superiores a 50 milhas náuticas do aeroporto de que partiu.
Nessas 40 horas, há pelo menos 20 horas com um instrutor de voo certifi-
cado e, no mínimo, 10 horas de voo solo. Apesar de 40 horas serem o tem-
po mínimo, a maioria dos alunos necessita de mais tempo para se preparar
para as provas orais e de voo. A média nacional está mais próxima de 67
horas para a conclusão. Dos 103 acidentes fatais que envolveram um aluno
piloto, apenas 65 relatórios continham informações sobre o tempo total de
voo do piloto no dia do acidente. Portanto, esses dados estão incompletos.
Dos 65 relatórios que incluíram essa informação, houve algumas descobertas
incomuns. Vinte dos 65 tinham mais de 100 horas de voo. Um aluno piloto
tinha 600 horas de voo e dois alunos tinham mais de 1.000 horas de voo no
dia em que morreram. Mais uma vez, você leu corretamente, um aluno com
mais de 1.000 horas de voo! Não me lembro de conhecer um aluno com

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Capítulo 1 A Zona da Morte 9

mais de 1.000 horas de voo, mas me deparei com essa situação uma ou duas
vezes. Há algumas pessoas que se tornam alunos de “carreira”. É raro, mas
eles normalmente possuem seus próprios aviões, voando ilegalmente sem
certificado ou tendo um instrutor de voo que endosse o certificado a cada 90
dias para o voo solo. Esquivando-se das leis de alunos, esses pilotos nunca
precisam se preocupar em passar em um teste de conhecimentos ou em uma
prova de voo. Eles só voam. Para mim, um instrutor que faz esses repetidos
endossos e, assim, permite que o piloto contorne a lei, está fazendo ao aluno
um desserviço. Essa prática é um abuso do certificado de instrutor de voo.
No entanto, acontece. A rede de segurança contra o aluno de carreira é a ex-
piração do seu certificado. Quando o aluno tenta renovar o certificado com
um médico da FAA, o médico deve emitir apenas um atestado médico, não
outro certificado de aluno. A maneira de obter a renovação do certificado de
aluno é visitar um Escritório Distrital de Normas de Voo (FSDO) da FAA.
No FSDO, um inspetor da FAA determina se a pessoa deve receber outro
certificado de aluno ou não. Há várias boas razões para uma pessoa não pas-
sar na prova de voo antes do seu certificado de aluno expirar: mudança para
uma nova cidade, perder e logo recuperar o interesse, ficar sem dinheiro
para voar, etc., mas um aluno com mais de 1.000 horas? Isso deveria ter le-
vantado suspeita.
Depois de excluir os alunos de carreira dos dados, fiz a média dos núme-
ros restantes. Entre os alunos que foram mortos enquanto estavam voando
solo, o tempo médio de voo que o aluno tinha no dia do acidente foi de 42,5
horas. O tempo de voo mais baixo relatado foi de 8 horas.
A hipótese que tenho é que os alunos estão mais seguros que os pilotos pri-
vados com poucas horas por causa da influência do um instrutor de voo. Mas
alguns acidentes com alunos ocorreram fora da supervisão de um instrutor de
voo. Na noite de 4 de janeiro de 2002, um aluno decolou sem o endosso de seu
instrutor ou a permissão da escola de voo que era proprietária do avião (NTSB
Relatório LAX02FA059). Logo após a decolagem, o avião caiu em um terreno
montanhoso. O aluno, o único ocupante do avião, foi ferido fatalmente, e o
avião destruído. O piloto tinha 95 horas de voo, das quais 25 eram de instrução
dupla à noite, mas ele não tinha o endosso para voar solo à noite. Certamente,
se tivesse consultado o instrutor, esse acidente jamais teria ocorrido.

Pilotos privados
No banco de dados do NTSB, para os anos de 2000-2011, houve 2.119 aci-
dentes fatais relacionados a pilotos privados. Mas, como com os números
dos alunos, é necessário ler todos os relatórios para excluir os acidentes que
podem ter mencionado um piloto privado, mas não envolvem um piloto pri-
vado como o piloto em comando. Em vários casos, um piloto privado era

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10 A Zona da Morte

um passageiro em um acidente fatal pilotado por um piloto comercial. Outro


relatório mencionou um piloto privado como testemunha de um acidente.
Oito acidentes fatais ocorreram em voos em que um piloto privado estava
recebendo instruções avançadas de um instrutor de voo. Um deles ocorreu
em uma revisão bienal de voo. Depois de revisar, descobri que 339 dos aci-
dentes fatais com pilotos privados relatados não chegaram a envolver o piloto
privado como o piloto em comando, restando 1.780 acidentes fatais. Havia 28
colisões no ar, envolvendo 56 aeronaves nessa categoria, incluindo um caso
em que um piloto privado e seu instrutor de voo atingiram outro piloto priva-
do e seu instrutor. O período “mais seguro” entre 2000-2011 foi entre os dias
9 de setembro de 2001 e 3 de Outubro de 2001, quando não houve sequer um
acidente fatal de piloto privado ou de aluno. Foi o período mais longo entre
acidentes nesses anos. Pense um pouco e você vai se lembrar por quê. A frota
de aviação inteira dos Estados Unidos estava praticamente de castigo no mês
seguinte aos ataques terroristas do 11 de setembro. Não houve acidentes fatais
de aviação geral em 11 de setembro de 2001, mas não dá para chamá-lo de
um dia “seguro”.

Pilotos recreativos e esportistas


Durante os anos de 2000-2011, houve nove acidentes fatais envolvendo pi-
lotos recreativos. Destes, apenas quatro ocorreram com o piloto recreativo
como o piloto em comando. Quatro é um número baixo, mas o número total
de pessoas que detém um certificado de piloto recreativo também é baixo. De
2001 a 2010, apenas 503 pessoas que se tornaram pilotos recreativos. O certi-
ficado de piloto recreativo foi criado na década de 1980, como resposta, pela
FAA, para o que era então a “moda” do ultraleve. Mas a moda sumiu antes
do certificado de piloto recreativo sair e nunca pegou. Os privilégios do cer-
tificado de piloto recreativo são muito limitados. Pilotos recreativos podem
transportar apenas um passageiro. Eles devem voar a uma distância de até 50
milhas náuticas de seu aeroporto de origem. Eles não podem voar para um
aeroporto que requer comunicações bidirecionais de rádio (classes D, C e B
do espaço aéreo), e eles não podem voar à noite. Exceto para o privilégio de
transportar um único passageiro, pilotos recreativos, na verdade, têm menos
privilégios que alunos. Um aluno, com o endosso adequado, pode voar fora
das 50 milhas náuticas. Alunos podem voar em classe D e C e alguns espaços
aéreos da classe B, e voar à noite. Assim, se uma pessoa passa na prova de voo
de piloto recreativo, ela acaba perdendo privilégios – dá para perceber por
que a moda nunca pegou. Em setembro de 2004, a FAA criou o certificado
de piloto esportista, com as primeiras pessoas tornando-se pilotos esportistas
em 2005. De 2005 a 2010, 3.894 pessoas se tornaram pilotos esportistas. O

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Capítulo 1 A Zona da Morte 11

certificado de piloto esportista também tem menos privilégios que o certi-


ficado de piloto privado, a limitação principal é que os pilotos esportistas só
podem pilotar aviões de esporte ultraleve. O certificado de piloto esportista é
o único certificado de piloto de aeronaves com motor da FAA que não neces-
sita de um exame médico pela FAA, já que o da carteira de motorista pode ser
usado em seu lugar. Durante os anos de 2005-2011, houve 54 acidentes fatais
listados no banco de dados do NTSB para os pilotos esportistas. Uma análise
mais aprofundada desses 54 relatórios revelou que apenas 21 dos acidentes
envolveram um piloto esportista como piloto em comando. Sete dos 21 rela-
tórios listavam o tempo de voo total do piloto no momento do acidente como
“desconhecido”. Lembre-se, sem a exigência de um atestado médico não há
registros de atestados médicos a que recorrer. Nos demais relatórios de pilo-
tos esportistas, constava a média de horas de voo no momento do acidente
como 165,4, com o total menor sendo 48 e o mais alto sendo 367. Embora
com números muito menores, a “curva” fatal de acidentes para os pilotos es-
portistas tem uma semelhança notável com a zona da morte.

A boa notícia
Embora ainda existisse uma zona da morte nos anos de 2000-2011, o número
total de acidentes fatais entre os alunos e pilotos privados foi menor nesse pe-
ríodo! De 1983 a 1999, o número total de acidentes fatais de aviação geral foi
7.377, ou 433,94 por ano. De 2000 a 2010, o número total de acidentes fatais
na aviação geral foi de 3.412, ou 310,18 por ano – uma melhora de 28%. De
1983 a 1999, o número total de vítimas fatais da aviação geral foi de 13.592 ou
799,53 por ano. De 2000 a 2010, o número total de vítimas fatais da aviação
geral foi de 6.114 ou 555,82 por ano. Observe que um acidente fatal pode ter
e, na maioria das vezes, tem mais de uma pessoa no avião, então o número
total de pessoas que são mortas (fatalidades) é sempre maior que o número
de acidentes fatais que ocorre. De 1983 a 1999, a taxa média de acidentes
fatais da aviação geral (por 100.000 horas) foi de 1,64. Em outras palavras,
para cada 100.000 horas de voo em aeronaves da aviação geral, houve 1,64
acidente fatal. Esse número melhorou nos anos de 2000-2009, pois a taxa caiu
para 1,29 acidente fatal para cada 100.000 horas voadas.
Mas esses números levam em conta todos os voos da aviação geral. E o
grupo-alvo de pilotos privados e alunos inexperientes? Durante o período
1983-1999, 33,9% de todos os acidentes fatais entre pilotos privados e alu-
nos ocorreram quando o piloto tinha menos de 1.000 horas de voo. Durante
o período 2000-2010, os acidentes fatais nessa categoria caíram para 29,3%.
Depois, há a zona da morte, identificada com pilotos privados ou alunos com
entre 50 e 350 horas de voo totais. Nos 17 anos entre 1983-1999, a zona da

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12 A Zona da Morte

morte representou 19,1% de todos os acidentes fatais da aviação geral. Nos 11


anos, de 2000 a 2010, esse número caiu para 14,6%. Assim, mesmo que um
aumento nos acidentes fatais tenha realmente ocorrido, os acidentes dentro
do pico – a zona da morte – são menos numerosos na década de 2000 do que
nas décadas de 1980 e 1990.
Os dados de acidentes apresentados até agora foram números brutos, ou
o número real de ocorrências. Mas os números brutos podem por si só indu-
zir ao erro. Tome, como exemplo, um ano em que 100 acidentes ocorreram
para 1 milhão de horas de voo. Compare com outro ano em que 150 acidentes
ocorreram para 2 milhões de horas de voo. Qual seria considerado o ano
mais seguro? Os dados brutos chamam a atenção para o fato de que houve 50
acidentes a mais no ano posterior e, portanto, ele foi um ano mais perigoso.
Porém, ao comparar o número de acidentes em relação ao risco disponível, o
ano com o maior número de acidentes se torna o mais seguro, porque a taxa
de acidentes caiu.
É verdade que não devemos misturar as coisas ao analisar esses números.
O padrão para a comparação de dados de acidentes na aviação tornou-se o
número de acidentes que ocorrem para cada 100.000 horas de voo. Como é
determinado o número de horas de voo da aviação geral a cada ano? É um
palpite que se baseia em outras estatísticas, como as vendas de combustíveis,
inspeções e registros de piloto. O número de horas de voo anuais nunca será
exato, mas, se a mesma fórmula for usada a cada ano, então é possível fazer
comparações. Dentro do departamento de transportes dos Estados Unidos,
existe a RITA (Administração de Pesquisa e Inovação Tecnológica). Den-
tro da RITA se encontra o Bureau of Transportation Statistics (BTS). O BTS
calcula que durante os anos de 2000-2009, a aviação geral voou um total
de 244.317.000 horas. O número de horas de voo caiu constantemente du-
rante a década. O ano com o maior número de horas voadas foi 2000, com
27.838.000 horas. O ano com o menor número de horas voadas foi 2009,
com 20.862.000 horas. Nesses mesmos anos, o BTS identificou 5.668 fatali-
dades na aviação geral. Esse número é o número real de mortes, que é sem-
pre maior que o número de acidentes, porque, como já foi dito, no geral mais
de uma pessoa é morta quando ocorre um acidente fatal da aviação geral.
Quando comparamos o total de fatalidades com o número de horas de voo,
houve 2,32 mortes para cada 100.000 horas voadas em 2000-2009. A taxa de
2,32/100.000 indica uma melhora lenta, mas constante ao longo dos anos.
Em 1965, a taxa foi de 6,5/100.000. Em 1985, a taxa caiu para 3,38/100.000.
Na década de 1990, a média foi de 2,82/100.000. A menor taxa já calculada
foi em 2007, quando a taxa de fatalidade chegou a 2,08/100.000. A melhora
nas taxas de acidente é uma boa notícia, mas durante o período de 2000-2009
a taxa de declínio desacelerou. A melhora estabilizou e até mesmo aumentou
ligeiramente. A taxa para esse período foi de aproximadamente 0,65 morte
para 100 mil horas de voo.

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Capítulo 1 A Zona da Morte 13

Voar x dirigir
Confesso que digo o seguinte aos meus passageiros quando eles estão de-
sembarcando de um voo: “agora vem a parte mais perigosa da sua viagem,
dirigir para casa.” É uma afirmação verdadeira? Você corre mais risco ao
dirigir seu carro ou durante o voo em uma aeronave da aviação geral? Para
responder a essa pergunta, devemos novamente garantir que não estamos
misturando as coisas, e isso não é fácil com veículos e aeronaves. Como foi
recém-relatado, nos anos de 2000-2009, houve 2,32 mortes em aeronaves da
aviação geral para cada 100.000 horas de voo. Mas o número de fatalidades
não é relatado em “horas de voo”, e sim em “milhas percorridas.” A fim de
comparar diretamente carros e aviões, seria necessário converter as horas de
voo para milhas voadas. Além disso, a taxa padrão aplicada para aeronaves é
acidentes por 100.000 horas de voo. O padrão utilizado para veículos é aci-
dentes por milhões de milhas percorridas. Assim, além de converter horas
para milhas, devemos também mover a casa decimal. Optar por uma taxa
de conversão de horas para milhas para aeronaves da aviação geral é pro-
blemático. As velocidades em que aeronaves da aviação geral viajam vão de
menos de 100 mph para aviões do tipo esporte leve e chegam a velocidades
próximas da velocidade do som para jatos executivos. Harry Mantakos, do
Meretix.com, fez um cálculo para um único ano e decidiu usar 150 mph, em
média. Usando o seu método de cálculo, calculei a taxa para todo o período
de 2000-2009. A taxa de 2,32 acidentes por 100.000 torna-se 23,2 aciden-
tes por um milhão de horas de voo (mudei a casa decimal), e que dividido
por 1,5 (150 mph) dá uma taxa de 15,4 mortes por 100 milhões de milhas
voadas. A Administração Nacional de Segurança do Tráfego Rodoviário
dos Estados Unidos (NHTSA) nos fornece os dados referentes aos veículos.
Durante os mesmos anos de 2000-2009, houve 1,41 morte por 1 milhão
de milhas percorridas. Está correto. É 0,154 (aeronaves da aviação geral)
versus 1,41 (veículos terrestres). Esses números indicam que uma pessoa é
9,15 vezes mais propensa a se envolver em um acidente fatal com carros do
que com aeronaves da aviação geral, por milha percorrida. Pensando nisso,
você começa a entender com o que estamos lidando aqui. Você começa a
ver a importância de todos os nossos esforços para melhorar a segurança na
aviação geral. É difícil admitir isso, mas o fato é que é mais seguro decolar
do que dirigir até o aeroporto.

Risco adicional da aviação geral


Conforme relatado (0,65 fatalidade por 100 mil horas de voo), voar de avião
continua a ser estatisticamente mais seguro do que dirigir, e muito mais segu-
ro do que voar em uma aeronave da aviação geral.

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14 A Zona da Morte

Em primeiro lugar, por que os pilotos da aviação geral têm mais aciden-
tes? O fato é que eles estão expostos a um risco maior do que os pilotos de
transporte aéreo. Uma tripulação de uma companhia aérea tem menos pou-
sos e decolagens por voo do que um piloto de aviação geral. Um piloto de
transporte aéreo pode decolar uma vez, voar três horas e pousar uma vez. Por
outro lado, os pilotos da aviação geral podem voar uma hora e fazer três de-
colagens e pousos durante essa hora. Como instrutor de voo, sei que a taxa de
decolagem e pouso da minha carreira versus a taxa de horas voadas é muito
mais alta que a dos meus colegas de companhias aéreas. Decolagem e pouso
são mais perigosos que o voo direto e nivelado. Assim, os pilotos da aviação
geral que fazem mais decolagens e pousos têm grande exposição ao risco.
Pilotos da aviação geral voam de e para 19.820 aeroportos. Nem todos
esses aeroportos têm pistas compridas, amplas e bem iluminadas com auxílio
de navegação e equipamentos de emergência. Dos 19.820 aeroportos, apenas
599 foram certificados para operações de transporte aéreo com assentos para
nove passageiros ou mais. Em suma, os nossos amigos pilotos de companhias
aéreas voam apenas para aeroportos com as melhores pistas e muitos equipa-
mentos de segurança.
A aviação geral inclui aplicações aéreas (pulverização agrícola), patrulha
aérea, busca e salvamento, ambulância aérea e muitas outras operações que
possam envolver o trabalho de baixa altitude como parte da rotina. Esses pi-
lotos da aviação geral estão certamente expostos a um risco maior que um
capitão de companhia aérea e sua tripulação em FL240. A taxa de acidentes
da aviação geral é maior, em parte, porque cada uma de nossas unidades de
100.000 horas contém mais trabalho perigoso a ser feito.
Mas não podemos colocar toda a culpa da taxa mais elevada de acidentes
sobre os tipos de operações realizadas. Não, o que mais contribui para a taxa
de acidentes na aviação geral é a inexperiência. Mas é errado pensar nos pi-
lotos da aviação geral como um grupo com pouca ou nenhuma experiência.
Lembre-se, a aviação geral é tudo, tirando as forças armadas ou um transpor-
te aéreo regular. É uma gama ampla de operações, e significa que pilotos de
jatos comerciais multimilionários transoceânicos são pilotos da aviação geral.
Pilotos de ambulância aérea que salvam vidas, arriscando a sua própria, são
pilotos altamente qualificados da aviação geral. As agências governamentais e
policiais empregam pilotos da aviação geral. Pilotos corporativos são pilotos
da aviação geral. Até mesmo o seu instrutor de voo do aeroporto local, que
ganha a vida transmitindo o dom do voo, é um piloto da aviação geral. Essas
pessoas são profissionais. Não é justo rotular pilotos da aviação geral como
se estivessem “passeando” e dando rasantes com seus “aviõezinhos” no fim
de semana. Muitos pilotos da aviação geral são titulares na classificação de
empresas aéreas, mesmo que nunca venham a voar para elas.
Se analisarmos a inexperiência como um fator de causa de acidentes,
não estamos analisando toda a aviação geral, mas um subconjunto menor.

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Capítulo 1 A Zona da Morte 15

A maioria das pessoas aprende a voar na aviação geral e, em seguida, acu-


mula experiência como pilotos da aviação geral. Durante esse acúmulo de
experiência, novos pilotos parecem estar presos entre dois mundos. Por um
lado, são totalmente licenciados e legais, mas por outro ainda não tiveram a
oportunidade de aprender com a experiência. É verdade que a experiência é
o melhor mestre?
Quando minha prova de voo para piloto privado foi concluída, o meu
examinador disse: “vou dar a sua licença para você aprender.” Não entendi
o que ele quis dizer. Não sabia que era a sua maneira de me dizer que eu ha-
via passado. Mas o examinador sabia que, com o meu certificado de piloto
privado em mãos, eu iria aprender muito mais do que quando eu estava em
treinamento para ser piloto. Na minha cabeça, estava pensando que o treina-
mento havia terminado, afinal, eu tinha passado! Eu era tão ingênuo. Pensei
que todo o aprendizado havia ocorrido durante a preparação para a prova e
que ele teria terminado após a prova. Eu não era inexperiente apenas como
piloto, mas eu também tinha uma “atitude” inexperiente.
Enquanto eu voava, aprendi mais, muito mais. Eu me sacrifiquei algu-
mas vezes ao longo do caminho, mas superei a minha própria ignorância.
Olho para o meu passado e penso o quão ignorante e até mesmo arriscado eu
era. É claro que, na época, eu não achava que eu era ignorante ou arriscado.
Sempre achei que eu fosse um bom piloto. Isso só prova que sempre estamos
aprendendo e nunca podemos ficar na inércia ou sermos arrogantes. Acho
que sou um piloto competente e cuidadoso agora, mas espero que eu aprenda
mais nos próximos cinco anos para que eu possa olhar para trás e dizer: “que
burrinho eu era naquela época”.
Superei a minha própria ignorância, mas outros não tiveram a mesma
sorte. Alguns pilotos não aprenderam com os seus erros e, infelizmente, fo-
ram mortos. De certa forma, a definição de um piloto experiente é um piloto
que simplesmente sobreviveu.
No geral, este relatório é favorável. Os índices de acidentes diminuíram,
e o número bruto de acidentes fatais e de fatalidades é baixo, mas não é sufi-
ciente. Segurança não equivale a risco zero, por isso não podemos perder o
foco. Temos de continuar combatendo a zona da morte, pois ela ainda existe.

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