Livro - Eu e Meu Amigo Curumim (Livreto)

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SUINARA
o
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Vagner Rodolfo CRB-8/9410

C955e Cruz, Elisabete da

Eu e meu amigo curumim/Elisabete da Cruz; organizado por Cristiane Miguel


Cardoso. São Paulo: Suinara, 2017.
24 p.: il.; 21cm x 28cm.

ISBN: 978-85-65380-38-6

1. Literatura infantil. 2. Cultura indígena. 3. Diferenças. 4. Inclusão. 1. Cardoso,


Cristiane Miguel. li. Título.

2017-84 CDD 028.5 j'


CDU 82-93

Índice para catálogo sistemático:


1. Literatura infantil 028.5
2. literatura infantil 82-93

EU E MEU AMIGO CURUMIM Q 2017 Elisabete da Cruz


Ilustrações e 2017 Sarni Ribeiro
Copyright e> 2017 Editora Suinara

Diretor
Lucas Cardoso Cardim

Gerente ed itorial
Cnst1ane Miguel

Projeto gráfico e editoração eletrônica


Merli Design

Ilustrações
Sarni Ribeiro

Revisão
Alcides Goulart

Grafia atualizada conforme Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,


em vigor no Brasil desde 2009.

3· Reimpressão
2019
Todos os direitos reservados à


Editora Suinara

Rua Maria Afonso, 116 - Chácara Mafalda - São Paulo - SP


CEP 03370-020 - (11) 3539-5167
editorasuinara@gmail.com
2 www.editorasuinara.com.br
Aos amigos, Mariano, etnia Çuarani, e Vona Viva, etnia
Vassu Cocal, que, ao longo desta trajetória, me ensinaram a
nunca desistir de quem verdadeiramente sou.

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SUINARA
Abyatá acorda com o sol e o som dos pássaros cantarolando.
Gosta de pescar ainda pela manhã e leva seu enorme cesto nas cos-
tas para carregar os peixes fresquinhos.
Se banha nas águas cristalinas do rio e ele, o rio, lhe oferece uma in-
finidade de espécies para alimentar toda a aldeia.
Sempre viveu ali, plantando e colhendo o que a terra tinha de me-
lhor para oferecer.
Adorava correr entre as bananeiras, chupar jabuticaba colhida di-
reto do tronco forrado de bolinhas pretas, subir no pé de goiaba e se
lambuzar da polpa amarelinha da manga madura, sua preferida.
Era um excelente corredor de toras, preparadasquasesemprecom
madeiras de buriti, além de um bom atirador de arco e flecha.
Ági 1, destemido, enfrentava os mistérios da natureza com destreza.
Adentrava na mata para caçar e nela se perdia olhando o céu
com suas nuvens de formas divertidas. Era tão bonita aquela ima-
gem que se esquecia do tempo e lá ficava até o anoitecer para apre-
ciar sua imensidão envolta por uma lua redondinha.
O próprio luar iluminava seu caminho de volta para a aldeia, como
se a guiá-lo com as estrelas em forma de seta.
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Quando ia se aproximando das ocas, enxergava a fumaça vinda das
fogueiras. Nelasaconteciam todososdiasasdel iciosas rodas de histórias.
Os mais velhos contavam os feitos de grandes indígenasquedefen-
diam sua cultura. Alguns deles saíam da aldeia para falar com crianças
dediferenteslugares,alémdeparticipardefestivaiseencontrossobrea
vida e costumes dos povos indígenas.
Abyatá se via neles e, mesmo feliz, rodeado de amigos, sentia um
desejo enorme de fazer sua própria história.
Quanto mais se conhecia, mais despertava em seu coração a curio-
sidade sobre os costumes dos povos não indígenas.
Como será que viviam?
O que comiam?
Como brincavam?
Num destes dias de muitas e muitas perguntas, se encheu de cora-
gemepediuautorizaçãoaocaciqueparaestudarnaescolaforadaaldeia.
O cacique foi resistente, pensou por vários dias, mas entendeu o de-
sejo que Abyatá tinha de levara riqueza daquelas histórias para outras
crianças também.
- Abyatá tem que seguir próprio caminho. Aqui, protegido.
Fora, não pode ajudar. Mas, se curumim quer caminhar sozinho,
Cacique Juruni abençoa caminhada de Abyatá.
Um enorme contentamento preencheu seu coração
A escola era perto da aldeia, mas, mesmo assim, acordou antes do
amanhecer para se preparar.
Enfeitou-se como de costume.
Preparou sua própria tintura feita de urucum macerado com mel,
colares de sementes, cocar de penas de corujas, bracelete de pele de
cobra, chocalhos nos tornozelos e a saia feita de palha para finalizar.
Estes prepares fazem parte dos rituais que acontecem na aldeia
em dias de comemorações, dias de festas, dias especiais. E, com cer-
teza, aquele era um dos dias mais especiais de sua vida!
Saiu ainda na escuridão, despediu-se de seus pais e irmãos, que
compartilhavam o sonho de Abyatá, e, na caminhada, foi assistindo
ao nascer do sol na estrada que o levaria até o seu destino.
Avistou um prédio grande, imponente, com muitas janelas envi-
draçadas e centenas de crianças chegando ao mesmo tempo: a pé,
de carro, de bicicleta, e até de uma madeira com rodinhas que mais
tarde descobriu ser chamada de skate.
Estava orgulhoso de sua coragem e interessado na troca que faria
com as outras crianças.
Mas ... não foi bem isso que aconteceu.
Algo incomodava aquelas crianças.
Percebia este incômodo por algumas risadas contidas e conversas
ao pé do ouvido, quase cochichos.
Não entendia o que estava acontecendo.
Talvez fosse apenas uma impressão.
Na sala de aula, depois que a professora fez a chamada e virou-se
paraalousa,recebeu,deváriasdireções,algumasbolinhasdepapelmo-
lhado cuspidas em uma espécie de zarabatana feita de caneta.
Achou estranha a forma que recebiam os novatos, pois não era
nada acolhedora.
Durante todo o dia, sentiu aquele aperto, uma vontade de chorar,
de voltar para casa e ser recebido de forma calorosa.
Não conseguia entender o que estava acontecendo!
Ele estava ali, pronto para compartilhar tudo que sonhou, mas as
crianças não se aproximavam dele. Era como se ele tivesse algo diferente
que não podia enxergar.
Logo que ouviu a sirene bem alta, percebeu que todos se levanta-
ram e saíram em disparada, empurrando Abyatá no grande corredor.
Ficou ali parado, sem entender. Pensou que voltariam para conver-
sarem, se conhecerem ...
Quando as esperanças cessaram, pegou sua mochila trançada de
palha e para a aldeia retornou.

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O cacique o aguardava. E, vendo a tristeza nos olhos do pequeno,
calou-se, deixando que ele mesmo desvendasse os mistérios da vida.
Os dias se passaram e, durante o intervalo das aulas, cada vez mais
o indiozinho se isolava.
As crianças faziam piadas, riam de suas roupas e até do lanche que
com ia, o deixavam fora das atividades e nunca chamavam Abyatá para
as brincadeiras.
Ninguém se importava com seus sentimentos.
Numa destas tardes, foi até o cacique Juruni para se aconselhar.
Queria mudar de roupa, trocar de nome, cortar os cabelos, ser
igual às outras crianças pois, quem sabe assim, seria aceito. Finalmen-
te, faria amigos!
Juruni olhou para o pequeno curumim e disse:
- Vê aquelas aves? Vê aquelas árvores? Vê as cores das flores? Vê
frutos nos pés? Vê ao seu redor? Nada é igual. Cada curumim tem sua
própria identidade. Se Abyatá perder isso, não será grande guerreiro.
Perderá a batalha. Se Abyatá mostrar quem é, vence batalha e ganha
verdadeirosamigosqueamarãoAbyatápeloqueéenãopeloquetem.
Abyatá pode escolher quem quer ser!
Com osolhosavermelhados,o indiozinhoenxugouas lágrimasefoi
se recolher.
Deitou-se calado, pensativo e, olhando as estrelas pela abertura
de sua oca, adormeceu com o balançar da rede que o envolvia.

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Na manhã seguinte, acordou bem cedo, como de costume.
Enfeitou-se como de costume e, com o peito cheio de co-
ragem, foi para a aula mais uma vez.
Lá chegando, empacou no portão. O coração disparou,
pensou em recuar, quando de repente sentiu o calor de uma
mão encostando em seu ombro e pedindo ajuda para entrar.
Era a coragem que lhe faltava.
E esta coragem se chamava Gael, um aluno novo que che-
gava para seu primeiro dia de aula. E, assim como ele, também
precisava de amigos.
Abyatá não quis fazer perguntas, mas gostou muito de aju-
dar e de se sentir útil.
Gael tinha muitas perguntas, assim como Abyatá, que que-
ria saber sobre tudo e sobre todos. E esta aproximação con-
tentou seu coração.
Tornaram-se inseparáveis. Onde estava um, via-se o outro.
Abyatá sempre amparando o amigo, e o amigo amparando
Abyatá.
Riam de coisas engraçadas, dividiam o lanche, cantavam
canções, trocavam histórias e objetos pessoais.

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Gael ador~.Va usar o cocar de penas maóas> pois nelas sentia uma
sensação de. aconchego, de conforto -e, assim, emprestava seu boné
para Abyatá, que se s~ntia en_graçado, nias honrado pefa troca.
Esperavam um ao outro todososclias para entrarem juntos na escola.
Aos poucos, as outras crtanças foram observando que não mais
eram percebidas e que suas provocações não mais incomodavam os
dois amigos.
Por mais que desenhassem coisas feias nas paredes ou os deixassem
fora das atividades, os dois estavam sempre sorrindo e se drvertindo.
Abyatáeraosolhosdoamigo,contava-lhecomoeramasformasdo
' '

que ele não_podia ver.


Ajudava-o a tocar em diferentes texturas e a experimentar no-
vos sabores, incluindo os frutos fresquinhos que trazia da aldeia.
Gael, por outro lado, ajudava Abyatá a enxergar os detalhes, os
sentiméntos, as roupas que as pessoas vestiam por dentro.
Aprendiam um com o outro. ..
Um dia Abyatá trouxe palha.
Sentou-se ao lado do amigo com as mãos habilidosas e o ensi-
nou calmamente o movimento da palha entre os dedos.
As crianças observavam de longe o que estava acontecendo,
e logo foram aproximando-se, curiosas, querendo ver o que ia
surgir daquele trançado.
Abyatá ofereceu palha para todos e ajudou um a um. Ficaram
ali distraídos durante todo o intervalo.
Aquele tinha sido com certeza o melhor dia de todos!
Juruni o esperava como de costume e não precisou de palavras
ao ver seu largo sorriso. Parabenizou a coragem e determinação do
pequeno indiozinho com um forte abraço.
Na manhã seguinte, Abyatá teve uma grande surpresa. As crian-
ças estavam à espera dos dois amigos. Ajudaram a carregar seus
pertences e os acompanharam até a sala.

- - - .....
Os dois seguiram apoiando um ao outro, como de costume,
mas rodeados de novos amigos.
A partir daquele dia, nada mais foi como antes.
Brincaram juntos e riram das histórias uns dos outros.
Compartilharam experiências, trabalharam em
equipe.
Abyatá realizou seu grande sonho: aprender e ensinar.
Numfinaldeaula,enquantoesperavaospaisdeGaelno
portão de saída, abraçou o amigo e despediu-se.
Continuariaseusestudos naaldeia,sua missão já havia
sido cumprida.
Sabia que poderia voltar quando quisesse, que seria
bem recebido e que estaria sempre por perto.
Gael agradeceu o amigo por seu companheirismo;
sentia como se tivesse recebido um presente.
Mas, na verdade, quem ganhou o presente foi Abyatá,
queconseguiuenxergarmuitomaisdoqueseusolhospo-
deriam ver.
Colocou seu cocar na cabeça do novo amigo curumim
e saiu de boné com o cesto de palha trançado nas costas.
As crianças nunca maisesq ueceram aquela experiência.
E, com a chegada dos dois novos amigos, descobriram
que "sempre podemos escolher quem queremos ser"!

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Elisabete da Cruz

Além de escrever para crianças, tam-


bém desenvolvo vivências para elas.
Estou sempre buscando lugares
inovadores, projetos de experimen-
tação, algo que realmente possa
contribuir para sua formação.
Um dos lugares que mais gosto de
visitar é a aldeia indígena. Gosto de
brincar com os curumins, experi- cidas, e acho que foi isto que bus-
mentar suas comidas, me pintar, quei passar nesta nova história re-
ouvir suas lendas e aprender com cheada de descobertas.
sua cultura. Espero que gostem!
E sabe o que eu descobri? Que Quer saber mais sobre mim?
todas as crianças são muito pare- www.ecruz.com .br

Sarni Ribeiro

Sou designer e ilustrador penapo-


lense. Meus desenhos fazem parte
de um processo criativo, ora sozi-
nho, ora acompanhado. Gosto de
poesia, cinema, literatura, tinta, lá-
pis de cor, música e silêncio.
Já ilustrei uma porção de livros e
costumo estar naquilo que dese-
nho, nas palavras que digo e nas tou nas entrelinhas, ou melhor, en-
que me calo, mas, sobretudo, es- tre os traços e as cores.

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Vê áquelas aves? Vê aquelas árvores?
Vê as cores das Aores?
Vê os frutos nos pés?
Vê ao seu redor? Nada é igual.
Mas, se nada é igual, por que nos incomodamos
com as diferenças?

Coragem e determinação não faltarão para Abyatá


conhecer uma cultura diferente e principalmente
aprender que somos muito mais do que nossos
olhos podem enxergar.

ISBN 978-85-65380-3 8-6

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9 788565 3 80 3 86
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