Avaliação Final Psicologia Jurídica - Günther
Avaliação Final Psicologia Jurídica - Günther
Avaliação Final Psicologia Jurídica - Günther
Psicologia Jurídica
Florianópolis, 2022
Introdução
Das evidências
Relatos
Os vizinhos (um casal de homem e mulher, com um filho) das vítimas tiveram
um papel essencial no desdobramento da situação, tanto pelo testemunho, quanto
pela confrontação dos indícios de violência contra as crianças, que parece ter
acelerado o desenvolvimento e a resolução do caso.
Eles passaram a escutar (inicialmente a mulher) por parte das crianças
(vítimas) choros, falas que indicavam dor e pedido de cessão do comportamento do
réu, em ocasiões na qual a mãe destas crianças saia de casa. Assim, inicialmente
foi feita uma tentativa de averiguação do que estava ocorrendo, com a ida da
vizinha à casa das crianças. Ela perguntou ao réu e às vítimas o que estava
ocorrendo ouviu uma reprimenda do pai para que os filhos ficassem quietos, que
disse que estava dando banho neles; após esse momento, ela informou a mãe das
crianças. A mãe das vítimas duvidava da capacidade do esposo de abusar das
crianças e da intenção da vizinha em falar isso para ela.
Os choros continuavam, o vizinho começou a perceber também, a vizinha
alertou a mãe outras vezes (que no seu depoimento relatou sair de casa para
trabalhar nesse período com um peso no peito e incerteza sobre o que poderia
fazer). A vizinha percebeu também uma mudança no comportamento das crianças
no dia a dia, com humor negativo, dores na região pélvica; ao indagar uma das
crianças respondeu que não poderia dizer o que causou essa dor.
Visto esse confronto da vizinha com o réu, houve um dia em que ela foi
novamente à casa das vítimas com o intuito de protegê-las e se desenrolou uma
briga física. A mãe das vítimas chegou no ápice da briga, na qual o vizinho havia
entrado para proteger a sua esposa e o seu filho. A mãe ligou para a polícia e
quando o réu foi preso (devido à briga), as crianças puderam então falar, e
confirmaram a suspeita de abuso sexual, além de dizer que eram ameaçadas pelo
réu para não falarem sobre isto.
No testemunho do tribunal as crianças relataram de forma breve (visto
também o direito à proteção e não revitimização) o ocorrido, o abuso especificado
na sentença. Que ocorria no horário do banho, que era frequente, que era somente
com os dois irmãos mais velhos, que ocorria ameaça com uma faca (encontrada
depois no banheiro pela mãe, em seu relato) e com a fala de que se não aceitassem
o réu abusaria dos irmãos mais novos, que estava drogado quando fazia isso (o réu
havia relatado estar mais violento quando drogado, relato corroborado pelas
crianças, mãe, vizinha e vizinho).
Resposta às argumentações da defesa
Em síntese, a defesa nega todos os abusos e diz que a mãe teria conduzido
as crianças a relatar contra o réu para prejudicá-lo, devido às desavenças e brigas
no relacionamento. No entanto, esta mantém o discurso de que até ouvir o relato
dos filhos duvidava da capacidade do réu de fazer esses atos, podendo a mãe, caso
tivesse o intuito de prejudicar o réu, ter denunciado antes, mudado seu discurso e
inclusive ter dito presenciar os acontecimentos.
Traz depoentes à favor do réu que defendem seu caráter, mas são pessoas
com grau de parentesco, sobre as quais pode haver parcialidade no relato. Além
disso, há incongruências importantes nos relatos da própria defesa (e.g. todos os
depoentes disseram que o réu não fica agressivo quando consumia drogas e
sustentava a família, enquanto o próprio réu admitiu o contrário) e ainda que estes
não tenham percebido nenhum abuso do réu contra os filhos, isso não o impede de
tê-los feito. O réu também apresenta incongruência no relato, dado que disse
anteriormente ter entrado em um embate com os policiais acerca do abuso contra
os filhos, enquanto em um momento posterior afirmou só saber da acusação no
tribunal. Assim, segundo o desembargador
A alegação defensiva beira ao absurdo. Aceitá-la simplesmente a
partir da negativa de autoria do réu seria admitir que todos, esposa,
filhos e vizinhos, associados à profissional da área da psicológica, se
uniram para responsabilizar injustamente o réu pela prática de crime
tão grave (TJRS, 2012, p.8)
O laudo psicológico
O laudo psicológico neste sentido apresenta uma função comprobatória para o juiz,
uma averiguação da verdade subjetiva daquelas crianças vítimas do abuso, por
meio de práticas científicas e da garantia de um espaço livre de interferências
externas para as crianças se expressarem. Como podemos ver na continuação da
sentença
‘Os meninos narram o fato com muito sofrimento, ainda não conseguiram
elaborar o ocorrido. Não entendem o motivo do pai ter feito isso com eles,
inclusive temem que pudessem virar veados (sic), expressão que A. usa
mencionando seu temor em tornar-se homossexual.’ Mais adiante, já nas
conclusões, refere a avaliadora (fls. 283/284): ‘Nas entrevistas realizadas, A.
e G. evidenciaram grave sofrimento psíquico decorrente de abuso sexual. O
relato dos meninos, atravessado por silêncios e dificuldade de relatar a
situação vivida, aliado a dificuldade de aprendizagem e alteração do
comportamento, parecem corroborar essa hipótese. A exigência de silêncio
do abusador, associado às ameaças de morte, produzem o assujeitamento
das vítimas, dificultando sobremaneira a defesa desta. A. e G. calam-se
como forma de manter a própria vida e de preservar a de sua mãe, ao
mesmo tempo em que, por não conseguir defender-se, são tomados pela
angústia de morte que os imobiliza e os inibe. O desamparo dos meninos,
diante desse episódio de violência, aumenta as dificuldades para lidar com
essa situação. Eles tentam, então, esquecer esses episódios, como forma de
reprimir seus conflitos psicológicos. O resultado é o empobrecimento
psíquico, pois a energia necessária aos novos investimentos da vida estão
comprometidas.’ Assim, em que pese não haver no auto de exame de corpo
de delito realizado com as vítimas vestígios de ato sexual, a prova produzida
deixa claro que estes existiram, e que os menores ainda sofrem os reflexos
do trauma decorrente dos abusos, não podendo tais constatações serem
desconsideradas em razão da prova técnica, a qual apesar de não afirmar a
violência sexual também não a afasta. (TJRS, 2012, p.31).
Psicologia jurídica
Discussão
Referências
Habigzang, L. F., Corte, F. D., Hatzenberguer, R., Stroeher, F., & Koller, S. H. (2008).
Avaliação psicológica em casos de abuso sexual na infância e adolescência.
Psicologia: Reflexão e Crítica, 21(2), 338-344.
Heiman, M. L. (1992). Putting the puzzle together: Validating allegations of child
sexual abuse. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 33, 311-329.