Memorias de Rua As Vivencias e As Visage
Memorias de Rua As Vivencias e As Visage
Memorias de Rua As Vivencias e As Visage
As vivências e as visagens
históricas de Juruti
ORGANIZADO POR:
Lílian Panachuk
João Carlos Melo
Jânua Munhoz
Organização e Capa Lilian Panachuk
Organização e Capa Jânua Munhoz
Organização e Ilustração da Capa João Carlos Melo
Colaboração e Capa Greyce Guerra
Colaboração Luíz Lúcio Ferreira Filho
Mario Jorge Gonçalves de Melo
Dean Batista dos Santos
Eduardo Alves Farias
Reinaldo Silva Nascimento Neto
Reinaldo Silva Nascimento Filho
Consultoria Eneida Malerbi
Solange Caldarelli
Revisão Ortográica Tatiane Lima
Apoio Alcoa World Alumina Brasil Ltda
Realização Scientia Consultoria Cientíica
Fotos Acervo Scientia Consultoria
Projeto Gráico e Diagramação Wallace Felix
M533
ISBN 978-85-61345-03-7
CDD – 363.69
É permitida a reprodução total ou parcial desta publicação, desde que citada a fonte.
Esta publicação não pode ser vendida. Tiragem: 1000 exemplares. Impresso no Brasil
Dedicatória
5
Agradecimento
7
Sem a participação dos moradores de Juruti, estas histórias não
poderiam ser contadas. Gostaríamos de dizer a todos que nos cederam
seu tempo em entrevistas, que dividiram conosco suas informações e
seus acervos: muito obrigado! Esperamos que esta obra esteja à altura
do carinho de vocês.
8
Muitas outras pessoas foram importantes para este projeto dar certo:
professores, vizinhos, taxistas, comerciantes, amigos e conhecidos,
frequentadores de nossas atividades na cidade e no campo, agentes
culturais e sociais, parceiros e apoiadores. Seria impossível nomear
todos que fazem parte de nosso cotidiano em Juruti, e com vocês
aprendemos a todo instante. A você, que participou deste Programa
de Educação Patrimonial, sendo criança, jovem, adulto ou já maduro,
nossos sinceros agradecimentos. Agradecemos, em especial, aos
comunitários que nos cederam seus acervos pessoais para ilustrar
esta história coletiva.
9
Autores
Em 2009:
Camila Oliveira de Souza
Eduardo Alves Farias
Evillen Batista Bruce
Franciane do Nascimento Silva
Juniele Batista Andrade
Lindel Júnior dos Santos Sousa
Ornelha Rodrigues da Silva
Rômulo Augusto de Sousa Pimentel
Em 2010:
Fagner Cordeiro Fernandes
Lauriana Tyza Andriara Lima de Sousa
Rafael Jone Vieira Lopes
Richard Breno Cavalcante dos Santos
Valdir Costa
Em 2011:
Edmilson Paes de Souza Junior
Raissa Farias de Andrade
Saira Guerreiro Silveira
Em 2012:
Dean Batista dos Santos
Hristo Miranda Marques
11
Jonivaldo Souza Galúcio
Paula Estéfane Santarém Guerreiro
Reinaldo Silva Nascimento Neto
Renata Joyce Dolzane Duarte
Valderjon de Souza Galúcio
Em 2013:
Ariele Pereira Barreto
Fernando Amauri Matos de Souza
Kamila Nascimento da Silva
Leonardo da Costa Gomes
Lucio Silva dos Santos
Rayane Teixeira Batista
Em 2014:
Amanda Fabiane Monteiro dos Santos
Camila Souza Silva
Caroline Amaral Nunes
Emilly Dayane Ferreira Barbosa
Mariane de Oliveira Monteiro
Robson Brito de Souza
Weslley da Silva Amaral
Em 2015:
Andreza de Souza Lopes
Jonecson Nascimento de Melo
Tamylles Lima de Carvalho
Wenderson Bentes de Souza
12
Palavra de professor e pai
Progresso e Preservação
13
Apresentação
15
de Rua” algumas ações foram propostas pelos jovens, além de toda a
pesquisa realizada por eles:
16
Palavra da Alcoa
O Programa de Estágio Cientíico “Memórias de Rua” vem sendo
implementado no Município de Juruti desde 2009, por meio do
Programa de Educação Patrimonial dos Planos de Controle Ambiental
(PCAs) da Alcoa. O programa é executado pela Scientia Consultoria e
já participaram desta atividade 40 jovens, entre 15 e 20 anos de idade,
regularmente matriculados em escolas públicas no Município de Juruti.
www.facebook.com/Alcoa. www.facebook/AlcoaBrasil
17
Sobre a Alcoa no Brasil
A Alcoa opera no Brasil em cinco das seis unidades de negócios
da Alcoa Corporation: Bauxita, Alumina, Alumínio, Fundição e Energia.
A estratégia de transformação da companhia busca ampliar seus
negócios na cadeia de valor do alumínio e criar operações na área de
commodities globalmente competitivas. A Alcoa emprega localmente
cerca de 2.300 pessoas e possui três unidades produtivas, em Minas
Gerais, Maranhão e Pará, além de escritórios em São Paulo e no Distrito
Federal. A companhia também é acionista da Mineração Rio do Norte
(MRN) e de quatro usinas hidrelétricas: Machadinho, Barra Grande,
Serra do Facão e Estreito. Foi escolhida pela oitava vez como uma das
empresas-modelo pelo Guia Exame de Sustentabilidade. Também
foi reconhecida pela 13ª vez como uma das Melhores Empresas para
Trabalhar, de acordo com o Great Place to Work Institute; e uma das
Melhores Empresas Para Começar a Carreira, segundo o Guia Você
S/A. Para mais informações, visite www.alcoa.com.br e siga @Alcoa no
Twitter em twitter.com/AlcoaBrasil e no Facebook em facebook.com/
AlcoaBrasil.
18
Sumário
APRESENTAçãO .............................................................................................. 31
19
Travessa Lauro Sodré ..................................................................................... 91
Travessa Rui Barbosa ...................................................................................... 93
Travessa Floriano Peixoto .............................................................................. 95
Travessa Vereador Turíbio Vieira ................................................................... 96
20
Para começar...
21
curso1, e serviu de inspiração para o estudo realizado pelos estagiários
da Scientia Consultoria, em Juruti. O Bairro Terra Preta está na divisa
com o Bairro Bom Pastor, contemplado pela pesquisa dos jovens
pesquisadores.
1 - PIMENTEL, Robenildo de Sousa. 2009. “Memórias do bairro da Terra Preta: Um estudo histórico do antigo
bairro-lembranças dos ex-moradores.” Universidade Federal do Pará. Instituto de Filosoia e Ciências
Humanas. Núcleo Universitário de Oriximiná. Faculdade de História. Monograia de Graduação. 58p.
2 - NASCIMENTO FILHO, Reinaldo Silva. 2012. A Teologia da Libertação em Juruti. Universidade Federal
do Pará. Instituto de Filosoia e Ciências Humanas. Núcleo Universitário de Oriximiná. Faculdade de
História. Monograia de Graduação. 38p
22
Durante as reuniões públicas de que participei, sempre me chamou
a atenção os comentários dos mais veteranos da comunidade sobre
o descaso dos mais jovens pela cidade, e seu desconhecimento
sobre os acontecimentos da cidade. Claro que as mudanças abruptas
inluenciavam bastante os jovens.
23
A presença jovem e a pesquisa Memórias de Rua
Entre 2009 e 2015, foram feitas seleções para o estágio remunerado
ofertado pela Scientia aos estudantes do Ensino Médio. Neste processo
seletivo, 230 estudantes se inscreveram, sendo que 40 participaram do
projeto. Isso pode ser quantiicado e indica que 10,5% dos estudantes de
Ensino Médio prestaram a prova da Scientia para estágio remunerado,
segundo os dados da Fundação Getúlio Vargas, nos Indicadores de Juruti,
a média é de 2.423 estudantes para essas séries, contando os anos de
2009 e 2010, quando há dados disponíveis5. Sempre foi muito difícil
escolher entre tantos bons estudantes, e muitas vezes, a equipe levou
um tempo debatendo entre si. Gostaria de aproveitar para agradecer a
todos que prestaram a prova.
24
preservação dos bens para as futuras gerações, auxiliando na construção
do passado local, regional, nacional e internacional. Discutiram ainda a
dinamicidade do patrimônio nas ediicações. Além de ser um exemplar
de sua época, cada bem imóvel sofre alterações com o passar do tempo.
Todos esses aspectos são importantes para contar a história de cada
ediicação, bem como os desejos e comportamentos sociais e ambientais,
aspectos econômicos e morais de um período, e claro, demonstra os
aspectos tecnológicos e estéticos de uma época.
Discussões na equipe de Educação Patrimonial Dinâmicas para integração dos grupos, ano de
sobre os diversos temas, ano de 2009. 2010.
6 - Terras caídas: fenômeno pelo qual as águas do rio Amazonas atingem as margens e as derrubam.
Na década de 1980, na entrada da cidade foram destruídas dezenas plantações, casas residenciais e
comerciais.
25
Apresentação sobre o projeto Memórias de Rua, Formação prática, ano de 2012, visita ao sítio
na Praça da República, em Juruti, ano de 2011, arqueológico do Maracaçu, em Juruti.
com estagiários dos anos anteriores.
Identiicação dos bens patrimoniais ediicados Entrevista com senhor Rosemiro Silva, em 2014.
no Bairro Palmeiras, em 2013.
26
Para a realização dos trabalhos em campo, os estagiários
izeram uma sondagem em cada rua, contando com os próprios
conhecimentos, formados no dia a dia de vivência no município.
Depois, passaram a realizar saídas diárias às ruas para identiicar
pessoas, realizar as entrevistas, coletar informações sobre os
topônimos e fotografar moradores, ruas, residências, móveis antigos
e objetos que expressavam relação com a história de uma rua ou
dos moradores.
27
Realização das entrevistas. Idosos recebem os jovens em suas residências.
28
Alguns desdobramentos da pesquisa
Em 2010, a equipe do Programa de Educação Patrimonial concorreu
ao Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, organizado pelo Instituto
Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, e toda a
pesquisa foi vista com bons olhos pela equipe do Instituto, conforme
carta sequente.
29
Em 2012, os estagiários da Scientia participaram do “I Congresso
Pan-Amazônico” e do “VII Congresso da Região Norte de História Oral,
História do Tempo Presente & Oralidades na Amazônia”, realizado de
27 a 30 de março na Universidade Federal do Pará – UFPA, em Belém.
Os estagiários de Ensino Médio foram os mais jovens participantes do
evento e apresentaram os resultados alcançados com a pesquisa.
Jovens durante a apresentação no Seminário Jovens Valderjon, Hristo, Dean e Reinaldo, com
temático. os mediadores da mesa: Dr. Antônio Clarindo
Barbosa de Souza (UFCG-PB) e Ma. Venize
Nazaré Ramos Rodrigues (UEPA).
30
Para tentar concluir...
Essa pesquisa perdurou por quase sete anos, e foi uma experiência
única para mim, tanto pelas emoções que despertou quanto pelas
diversas instruções que recebi da comunidade. Pode parecer um
pouco demagógico escrever estas linhas, mas posso garantir a
todos que Juruti fez meu mundo se expandir: foi aqui que conheci a
Amazônia e essa experiência me fez ter outros pontos de vista, que
sequer teria imaginado sem a ajuda de Juruti. Aprendi palavras novas,
que hoje uso em meu dia a dia, agora em Belo Horizonte, e tenho
que explicar a todos o que signiicam; aprendi a me interessar pelas
histórias dos narradores locais, são histórias incríveis que mostram
toda a inventividade do povo local. Aprendi sobre um povo forte, sobre
sua labuta, suas angústias e alegrias.
31
Outros são atuantes na vida cultural da cidade, nas fanfarras e no
Festribal, por exemplo, tocam e dançam em diferentes desiles cívicos
e ensinam aos mais novos uma dança ou instrumento musical. Outros
são educadores (de Educação Infantil e Fundamental, de Música) e
outros são estudantes de algum curso superior (Direito, Arquitetura,
Psicologia, Medicina, Relações Internacionais, dentre outros). Muitos
deles trabalham para ajudar os pais, outros já formaram suas próprias
famílias e labutam para criar a prole de forma adequada, com atenção
e responsabilidade. Todos que encontram comigo sempre airmam
que a participação na pesquisa foi importante para suas vidas de
forma geral, os familiares e entrevistados compartilham desta opinião.
Senhor Nino Guimarães e senhora Maria Brito, receberam o certiicado de participação no projeto,
em 2014.
Lílian Panachuk
Coordenadora do Programa de Educação Patrimonial entre 2007 e 2015
Belo Horizonte, outubro de 2015.
32
Apresentação
33
No livro aqui apresentado, focalizaremos na história dos limites
territoriais do que se tornou o município de Juruti, localizado no
extremo oeste do estado do Pará, delimitado pelos municípios de
Aveiro, Santarém, Óbidos e Oriximiná, pertencentes ao estado do
Pará, além de Nhamundá e Parintins, pertencentes ao Amazonas. As
fontes utilizadas são os documentos escritos, os mapas, os registros da
formação do município e de suas ruas, os registros antigos que podem
inclusive ser observados na Internet. Algumas dessas histórias o povo
de Juruti conhece bem, foram repassadas pelas antigas gerações, e
ainda hoje todos as mantêm “na ponta da língua”. Talvez, exista ainda
mais um pouco de história nesses documentos, que esperam por
serem revistos.
34
(1852) o sítio foi chamado de Ponta de Curaraucu. Provavelmente seja
o local até hoje conhecido como Maracaçu, na porção nordeste da
malha urbana da sede do município, que inclui uma ilha e o outeiro
defronte.
Detalhe de carta de autoria de José Joaquim Vitório da Costa (18--?), efetivada com
viagens feitas entre 1780 e 1789.
http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartograia/cart525845/
cart525845.html
35
Em 1795, na região do atual município de Juruti houve uma rebelião
dos Mundurucu que se deslocavam para leste desde o rio Madeira
(CERQUEIRA E SILVA, 1833). Esses indígenas foram aldeados em 1818
na região conhecida como Juruti Velho, na missão de Juruty, paróquia
de Nossa Senhora da Saúde; lá, os indígenas introduziram o cultivo do
guaraná, produto a partir de então explorado pelos jesuítas (FERREIRA
PENNA, 1869:46). Essa passagem histórica é bem conhecida pelos
munícipes, especialmente por conta da festa local, o Festribal, na
qual duas tribos folclóricas competem entre si, os Mundurucu e os
Muirapinima.
36
passado, não desiste da empreza de levar avante os seus planos
ambiciosos e anarchicos.
37
de veículos automotivos e caminhões, máquina a vapor da Arnold
Jung Lokomotivfabrik GmbH, Jungenthal, empresa alemã – que fornecia
pressão de 200 libras para o funcionamento do triturador, da serra e
do tanque de destilação produzidas pela empresa The James Lefel &
Co., indústria norte-americana de Ohio. Ainda existem na comunidade
antigos trabalhadores e empreendedores de óleos essenciais, como o
Senhor Raimundo Marinalva, que concedeu entrevista para os jovens
pesquisadores da Scientia contando como era a vida naquele período.
38
2000 e 2010: aumento da população em mais de 34%, aumento da
malha urbana, o número de carros cresceu, bem como a quantidade
de lixo produzido, mas também a escolaridade dos educadores
sofreu incremento, o acesso à saúde aumentou e houve redução da
mortalidade infantil (FGV, 2011). Modiicações positivas e negativas
podem ser vistas em Juruti, algumas causadas pela obra, outras
intensiicadas por ela.
39
de Juruti Velho (ACORJUVE) – na participação de 1,5% dos lucros da
mineradora de Juruti, resultado inédito no Brasil.
40
diferentes do tempo e do ritmo das organizações industriais produtivas,
como a mineração. Está aí outro desaio. É preciso então, articular o
tempo e seu ritmo com a construção democrática e multivocal que se
pretende, mediando o processo para aproximá-lo da simetria.
41
O tempo - tanto o cronológico quanto o social - tornou-se, então, alvo
de nossas preocupações. Foi preciso formar a equipe, comparecer às
reuniões, entender o município, através de dados estatísticos e outros
mais; entender como a comunidade sentia as mudanças, entender os
mecanismos de ação e organização da sociedade jurutiense, conhecer
as escolas e seus protocolos. As durações destes processos são
subjetivas e difíceis de prever.
42
Certamente, os resultados positivos desta interação nos abriram muitas
portas e, como consequência, começaram a contar com a nossa equipe
para muitos eventos culturais na cidade e no campo, e ainda hoje existe
tal parceria com as escolas. O trabalho com os educadores foi construído
em quatro anos, e culminou com o desenvolvimento de um projeto com a
temática do patrimônio cultural, proposta desenvolvida pelos professores
em suas respectivas instituições de ensino, para a implementação por
eles no contexto escolar. Muitas boas ideias foram desenvolvidas pelos
professores, alguns destes projetos tomaram conta das comunidades da
zona rural, como a “Arqueologia da Comunidade” desenvolvida em Araçá
Preto na Escola Delino Pereira pela Professora Maria Pereira (em memória)
e equipe. Na zona urbana, boas práticas escolares também conseguiram
envolver a comunidade de pais e alunos do 9º ano com o projeto “Juri
Simulado” desenvolvido pelo professor Robenildo Pimentel, docente de
História na Escola Nossa Senhora da Saúde.
43
Algumas das primeiras peças feitas em 2009 por Dona Hortência (esquerda) e por Dona Valdéia
(direita). Em ambos os casos, alta qualidade técnica.
44
A malha urbana da cidade mudou completamente nos últimos dez
anos (entre 2000 e 2010), com aumento em mais de 30%; a população
do município aumentou em 50%, e muitas outras grandes alterações
socioeconômicas foram vivenciadas por todos nós. Muitas variáveis
foram medidas como indicadores sociais pela equipe da Fundação
Getúlio Vargas (FGV, 2011). Todos estes resultados de pesquisa nos
izeram ponderar no sentido da implementação de um estudo sobre
as ruas, arena cotidiana da mudança, que permite múltiplos olhares,
que integra o velho e o moço, que é resiliente e abarca as mudanças
e as continuidades concomitantemente. Concordamos, em equipe,
que seria um grande aprendizado a todos utilizar a metodologia da
história oral, e fazer relacionar as gerações através de um tema que
encanta a todo jurutiense, sua própria terra, seu território. Os jovens
estagiários de Ensino Médio foram então nossos grandes parceiros,
com o entusiasmo que lhes é peculiar. Desde o inal de 2009 até hoje,
compuseram nossa equipe local, como estagiários, 40 jovens de Ensino
Médio remunerados para desenvolver a pesquisa intitulada “Memórias
de Rua”. Cada candidato foi selecionado através de uma série de
atividades ordenadas, com duração de três dias, para podermos
conhecer os candidatos em curto espaço de tempo (alguns de fato
conhecíamos de outros encontros, e João Carlos sempre conhece a
todos), nestes dias realizamos trabalho em grupo, debatemos ilmes,
realizamos prova escrita através de interpretação de texto e entrevista.
A presença dos jovens oxigenou ideias e propostas, trouxe novos
caminhos para o programa.
45
residentes na zona urbana; e contatamos os entrevistados no projeto
Memórias de Rua na área central da sede municipal.
46
III Semana de Arqueologia, no Barracão Comunitário do Cristo Rei, 30/10/2013, João
Carlos apresenta a Roda das Lendas.
Atividade elaborada e liderada por João Carlos, sobre as lendas locais e regionais.
47
visível em outros parâmetros socioeconômicos coletados em Juruti
(FGV, 2011).
Um processo em movimento
Como mencionado, nestes anos de trabalho em Juruti, o Programa
de Educação Patrimonial envolveu mais de 26.000 pessoas da cidade
e do campo. Toda essa participação ocorreu pelo interesse da
população pelo tema, e pela forma de trabalho assumido pela equipe:
colaboradores residentes em Juruti, compartilhar de intenções,
construções coletivas das propostas desenvolvidas com instituições e
parceiros diversos.
48
e históricos dos logradouros, ao evocar a história de formação da sede
urbana, incluiu expressão e registro do ponto de vista dos munícipes.
Como consequência, os jovens deram voz à comunidade detentora
do conhecimento sobre a formação dos bairros mais antigos,
aprenderam sobre a cidade, escreveram as histórias e as divulgaram
no blog intitulado “Memórias de Rua”.
Lílian Panachuk
Coordenadora do projeto (2007-2014)
49
Introdução
Um olhar sobre a memória das ruas de
Juruti
“Cada vez que um velho morre, é como se uma biblioteca toda
queimasse.” (Provérbio africano)
Elaboramos esta obra para falar das ruas de Juruti, suas localizações
e moradores mais antigos, do histórico dos logradouros, nele incluídas
as histórias sobrenaturais, as visagens e assombrações tão populares
no município.
51
Juruti ocupa hoje um lugar de destaque no oeste paraense, com
signiicados diversos para pessoas de grupos sociais distintos. Uma rua,
avenida ou travessa, para uns pode ser o local de simples passagem;
para outros, como as crianças que nelas brincam, o local de diversão;
para o vendedor ambulante que trabalha, um lugar de negociação, e
assim por diante.
52
do Brasil Império, foram destruídas pela força das águas e somente
existem na lembrança dos moradores locais. Podemos começar por
entender a história a partir das ruas de nosso município, lugares
onde viveram ilustres pessoas, que pelos mais diversiicados motivos
tornaram-se imortais no momento em que seus nomes foram dados
aos logradouros. Assim, percebemos o passado marcado no nosso
cotidiano.
53
As ruas pesquisadas:
Bairros Centro, Bom Pastor e
Palmeiras
Para proceder à pesquisa, foi elaborada uma planta do centro
urbano, que os estudantes seguiram para se localizarem espacialmente,
conforme abaixo.
Entre os anos de 2003 e 2008, a mudança foi mais acelerada, com grande
expansão da rede urbana, e grande aumento.
56
As ruas pesquisadas: Cantro, Bom Pastor e Palmeiras
57
Memórias de Rua
58
Ruas do Bairro Centro1
As vias mais antigas do centro de Juruti são Rua Belém, Rua Marechal
Rondon e Rua Joaquim Gomes do Amaral. A Rua Barão do Rio Branco
foi aberta mais tarde. Nota-se a Praça da República e a Igreja Matriz.
Conforme foto abaixo, essas ruas percorrem toda a cidade no sentido
leste para oeste, acompanhando o rio.
Acervo: Paróquia.
60
Ruas do Bairro Centro
Aspecto da beira do Amazonas, logo depois do fenômeno das terras caídas, outubro de1985.
Acervo: Régia Pinheiro.
Antigo mercado na época das águas. Sem data, possivelmente década de 1950. Acervo: Régia Pinheiro.
61
Memórias de Rua
E ainda, nesta rua, apareceu certa vez o cachorrão que “se gerava”
a partir de certo homem. Foi dona Lourdes Pimentel quem contou o
fato:
“Uma vez eu estava com uma menina quando nós vimos aquele
cachorro “auauauauau”. Estava baixando lá pra banda da
beira, aí tinha alguém com um revólver, e disse: “Pois eu vou já
atirar, se for gente ele vai morrer cachorro”. Atirou no meio do
cachorro. Quando foi no outro dia apareceu um senhor baleado
na perna e era o cara que eu tinha dado comida.”
62
Ruas do Bairro Centro
Por muito tempo, esta via foi chamada de Beco 1º de Maio pelos
moradores. Em seguida, icou conhecido como Dr. Moraes Jardim e
depois de vários anos, recebeu o nome de Beco Francisco Batista,
conforme explica o Senhor Iliel Batista, ilho de Francisco.
63
Memórias de Rua
Aspecto do Beco Francisco Batista, em 2009. Um dos primeiros entrevistados, senhor Iliel
Batista.
64
Ruas do Bairro Centro
Aspecto da Rua da Saudade em julho de 1985. A Rua Dr. Moraes Jardim/da Saudade, em 2010.
Acervo: Régia Pinheiro.
Dona Aldezi Pará, que nasceu, cresceu e mora nesta via, contou que
“essa rua, antigamente, tinha um espaço mais amplo [na] largura”.
Como não faltam histórias nas ruas que têm cemitérios, aqui não
poderia ser diferente. Na Rua da Saudade muitas lendas são contadas.
Dona Aldezi Pará foi convencida sobre a ocorrência de uma visagem
especíica. Vejam como foi.
65
Memórias de Rua
com meus pais e já ouvia falar que tinha uma visão. À noite,
um fantasma que era uma pessoa de roupa comprida, que não
arrastava o pé no chão e puxava uma corrente que fazia aquele
barulho. Mas eu não acreditava. O senhor que me contava morava
ali, ele me contou a história, mas eu nunca acreditei. Aí eu iquei
com meus ilhos pequenos, eram bem pequenos. Tudo silêncio.
Essa casa aqui ainda era a escola, que já tinha sido desativada.
Aí estava um silêncio, acho que umas onze horas ou meia-noite, aí
eu ouvi um barulho. Aí veio aquele barulho (...) pela escola. Aí veio
aquele barulho, longe eu ouvi esse barulho. Não era impressão
minha porque eu não acreditava. Vinha aquele barulho, parece
que vinha arrastando um negócio. Lá, certas horas, batia assim,
fazia ‘tum’. Parece que descansava uma coisa pesada. Aí veio
embora, eu disse: ‘é hoje que eu vou ver o negócio’. Aí veio, quando
chegou ali naquele canto, parece que arriou um negócio muito
pesado, aí parece que descansou. Aí demora, vinha arrastando
de novo. Bem na frente de casa parou uma vez, aquilo arrepiou
logo. Eu não podia nem me mexer na rede de medo. Arriou bem na
frente, depois parou. Começou de novo a arrastar aquele negócio.
O pessoal diz que é uma corrente, mas não sei se era corrente
porque eu não vi, mas era um barulho assim, arrastando. Não sei
se continuou ou se parou, mas isso eu ouvi, ninguém me contou.
O senhor diz que ele levantou, abriu a porta e viu uma sombra,
porque era escuro. E sabe que nunca mais eu vi, só essa vez. Mas
que existiu, existiu, pode ser que não aconteça agora que já tem luz
a noite toda e as pessoas estão sempre andando por aí. Aí afastou,
mas isso aí eu só acreditei porque eu ouvi o movimento todo”.
Rua Belém
Este logradouro é uma homenagem à capital do estado do Pará. Trata-
se de uma antiga rua da cidade, aberta desde a implantação do distrito
66
Ruas do Bairro Centro
Dona Laudinéia aponta o antigo nome desta rua como Rua Ticano,
ela conta ainda sobre o passado da rua:
67
Memórias de Rua
68
Ruas do Bairro Centro
Ela conta que nunca viu esse caixão, mas um dia icou até mais
tarde na rua e nada aconteceu. Mesmo assim, airma o que a ela
foi dito. A trilha que antes era rodeada de mato e pequenas casas
transformou-se numa rua bem maior em extensão, e o mato que a
rodeava deu lugar a novas moradias e construções. Além de todas
essas modiicações, ainda podemos encontrar casas e personalidades
antigas que fazem essa artéria tornar-se muito mais interessante aos
olhos de quem a observa e a admira.
69
Memórias de Rua
70
Ruas do Bairro Centro
Nem tudo mudou, pois hoje podemos ver casas ainda de taipa, que
revelam ser construções de muitos anos atrás, talvez até construídas
no mesmo período da abertura da rua, e podem contar parte da
história de Juruti. Assim como os idosos, essas construções antigas
também são de grande importância para a preservação da memória
sobre o passado de Juruti.
71
Memórias de Rua
Praça da República e a Igreja Matriz, em 2011. Praça da República em 2007. Acervo: Arquivo
Alcoa.
72
Ruas do Bairro Centro
Dona Juvenila Viana, mais conhecida como dona Sabá, conta sobre
o passado da rua, que já habita há 86 anos:
“Ah mana, eu nasci aqui. Aqui essas ruas eram só caminho cheio
de laranjeira. Era só casa de palha. Era bom porque a gente ia
trabalhar, ninguém era rico, mas tinha força para trabalhar.
Trabalhava em roça, trabalhava em juta, tudo a gente tinha.
Graças a Deus! E assim o pessoal era aqui”.
73
Memórias de Rua
74
Ruas do Bairro Centro
senhor Rosemiro:
75
Memórias de Rua
76
Ruas do Bairro Centro
77
Memórias de Rua
78
Ruas do Bairro Centro
“... eram poucas casas, não tinha esse movimento que tem hoje.
Hoje, Juruti não dorme, todo mundo ica acordado...”.
79
Memórias de Rua
As ruas de Juruti, na década de 1960 eram de chão batido, muitas árvores, casas de
palha. Acervo: Comunidade.
80
Ruas do Bairro Centro
81
Memórias de Rua
82
Ruas do Bairro Centro
83
Memórias de Rua
84
Ruas do Bairro Centro
85
Memórias de Rua
Parte da Rua Américo Pereira Salgado, ainda não Hotel Mimi, apontado como um dos mais antigos
asfaltada em 2009. da cidade, mantém sua arquitetura tradicional.
Dona Maria Ivaneide - D. Mimi -i foi entrevistada
em 17/11/2009.
86
Ruas do Bairro Centro
87
Memórias de Rua
88
Ruas do Bairro Centro
Irmã Brunildes, apesar de não ter residido nesta artéria, é nela muito
lembrada, pois estimulou e ajudou a construção de casas, escolas,
postos de saúde e associações comunitárias em todo o município.
Essa religiosa alemã, desde 1970, se envolveu na vida da população
jurutiense a im de colaborar nas mudanças sociais. Desenvolveu
os mais audaciosos projetos sociais para ajudar as famílias menos
favorecidas.
89
Memórias de Rua
Apresentação do Boi Campineiro, 1992. Trabalho de construção das casas pela Cáritas,
Acervo: Nino Guimarães. em Juruti liderada por Irmã Brunildes. Sem data.
Acervo: Régia Pinheiro.
90
Ruas do Bairro Centro
Travessa Barão do Rio Branco com adorno em Travessa Barão do Rio Branco: Mercado
comemoração ao Festribal. Público, em 2010.
Travessa Barão do Rio Branco, no início dos anos 2000. Ao fundo, rio Amazonas.
Acervo: Maria do Carmo Batista Pereira.
91
Memórias de Rua
Casou-se com a sra. Benitah da Silva Soares, com que teve 12 ilhos:
Mozart Tibiriçá, Mério Paraguaçu, Mitre Caramuru, Mário Junior,
Sulamericano, Mússilo Araguaia, Max Baré, Meblia Neengahiba, Mikal,
Iara, Mozete Guajará e Musa Brasileira.
92
Ruas do Bairro Centro
93
Memórias de Rua
Ainda podemos encontrar, nos dias atuais, várias casas antigas, que
mantêm no espaço a materialização e marcas de um período histórico
especíico. Essas casas devem ser bem conservadas, pois integram o
patrimônio ediicado de Juruti. Se forem destruídas, se perderá parte
da identidade que está marcada e pode ser contada por meio do estilo
construtivo, como a casa de senhor Hildeberto.
A Travessa Lauro Sodré em outubro de 1984, A Travessa Lauro Sodré e suas mangueiras.
ainda sem asfalto, onde se destaca a então
Prefeitura, hoje Câmara dos Vereadores.
Acervo: Régia Pinheiro.
94
Ruas do Bairro Centro
Muitas pessoas dizem que debaixo desta árvore, nas noites de lua cheia,
aparecem assombrações que amedrontam aqueles que passeiam sozinhos
pela rua.
Em Juruti, o local onde hoje se estende a Travessa Rui Barbosa era uma
vasta mata fechada, cercada por árvores e habitada apenas pelos animais,
como diz dona Lizete Alves: “As ruas eram cheias de árvores e pássaros
voando”.
95
Memórias de Rua
96
Ruas do Bairro Centro
“Eu nasci e me criei neste lugar, quando cheguei aqui quase tudo
era mato e hoje só se vê casas, comércio e lojas e com isso passou
de uma pequena estrada para a rua grande que temos hoje.”
97
Memórias de Rua
Ele nasceu na ilha de Santa Rita onde viveu por vários anos,
casou-se e constituiu família. Naquela época, só havia as primeiras
séries do Ensino Fundamental na comunidade, por isso mudou-
se deinitivamente para Juruti, pois seus ilhos precisavam dar
continuidade aos estudos na sede distrital.
Esta travessa teve sua origem de uma pequena estrada feita com
objetivo de ligar as residências ao porto da cidade, onde se concentrava
a mais importante área comercial de Juruti. A partir de meados do
século XX, era comum a migração de pessoas das comunidades rurais
para a sede do município, em busca de melhores condições de vida;
eram poucas e concorridas ofertas de trabalho, e a produção de juta
era a atividade que mais rendia lucros.
98
Ruas do Bairro Centro
Vista da travessa Vereador Turíbio Vieira, em 2012. Na Travessa Vereador Turíbio Vieira o escritório da
Scientia permaneceu por sete anos. Foto de 2014.
99
Memórias de Rua
Apesar dos anos que se passaram, ao longo dos quais muitas mudanças
ocorreram, ainda é possível encontrar na Travessa Vereador Turíbio Vieira
várias casas com suas características originais de construção relativamente
bem preservadas, é o caso da residência de dona Paixão, do lado direito
deste logradouro, atualmente pintada de azul.
Não podemos falar desta travessa sem se lembrar de dona Nadilza, que
se tornou marca registrada do lugar devido à venda do tacacá, famoso em
toda cidade desde anos atrás.
100
Ruas do Bairro Centro
Casa de dona Paixão, uma das primeiras, ainda mantém as características originais.
101
Ruas do Bairro Bom Pastor1
Rua da Saudade
A Rua da Saudade é uma das mais importantes da cidade de Juruti.
No início, conforme relatam os antigos moradores, ela era apenas um
caminho, cheio de lama, buracos e mato, era abundante em árvores
frutíferas, por exemplo, tucumanzeiros e taperebazeiros. Não havia
eletricidade, as pessoas utilizavam lampiões como fontes de luz.
“Só que nesse tempo (...) era Moraes Jardim, que era porque
tinha um senhor antes, já em 1960, que morava em frente ao
cemitério, seu sobrenome era Jardim, e eu acho que era por
isso”. (Evilazio Maciel de Lima)
104
Ruas do Bairro Bom Pastor
105
Memórias de Rua
Casa de senhor Firmino Santarém Gomes, A lamparina e o ferro de passar são os antigos
entrevistado em 15/4/2011, é uma das casas instrumentos que senhor Firmino Santarém
‘embarriadas’. ainda guarda.
parteira, e uma das responsáveis pela limpeza da rua, morreu aos 110
anos de idade. Morava também nesta rua dona Maria, que morreu aos
100 anos de idade.
106
Ruas do Bairro Bom Pastor
“Falavam que não podia olhar, não podia ver, então eu não
conhecia as pessoas que faziam isso. Mas somente homens
podiam trabalhar nisso, mulher não podia. (...) Deixavam a vela
na casa das pessoas... mas às vezes as pessoas não viam que
eles deixavam, mas eles deixavam! E de manhã a vela já estava
lá, apagada”. (Raimunda da Silva Araújo)
“Uma das lendas envolve o ‘seu’ João Pontes, diziam que ele se
transformava em cavalo e várias pessoas corriam com medo
de um cavalo. Eu na verdade andava nessa rua e não tinha
hora, quando dava na cabeça, eu ia para o centro da cidade
jogar baralho e chegava tarde em casa. Às vezes, eu saia de
lá duas horas da madrugada e nunca encontrei com o João
Pontes virando cavalo. Outra história que contavam, era de
uma transformação de uma porca, que aparecia e corria atrás
107
Memórias de Rua
das pessoas. Agora, uma das coisas que eu via era alguma coisa
que passava andando aqui na rua, parecia uma coisa assim
muito pesada que fazia ‘tum, tum, tum’, mas aquilo parecia
assim... que eram passos! Inclusive certa noite, ainda não tinha
televisão, e essa casa já existia, essa aqui não tinha, eles tinham
um cachorro, ele vinha aqui para o portão onde a gente saía,
então ele vinha aqui pro portão latir, enchia o saco, certo dia
eu me aporrinhei e preparei um pedaço de pau com um pedaço
de io elétrico na ponta e disse: mas hoje eu vou espantar esse
cachorro daí. E ai quando ele começou a latir, eu sai devagar,
mas quando eu lambei eu não consegui pegar ele, mas eu lambei
atrás dele e aquele troço saiu andando daqui, ai eu disse ‘Ah!
Me espera que tu vai já pegar tua lambada’, aí a mulher gritou
‘Olha que tu tá fazendo... tá mexendo com coisas...’ Aí eu disse:
‘Sei lá o que é que vem aporrinhar a paciência da gente aqui’.
Isso eu ouvi eu não vi, esse pisar que aparecia, que eu até rodei
aqui para ver se eu via esse pisar, se ouvia”. (Ladimil Salgado)
Sede da Colônia de Pescadores Z-42, em 2012. Aspecto da rua da Saudade, trecho do cemitério, 2017
Rua Belém
“Um caminho cerrado de um lado e de outro, que a noite
caía orvalho fazendo assim que na manhã seguinte ninguém
conseguisse passar sem se molhar. Essa era a Rua Belém, rua
de festa do Padroeiro Bom Pastor, das brincadeiras de roda
108
Ruas do Bairro Bom Pastor
das crianças, das festas juninas, rua esta que conta um pouco
da história de Juruti, de seu povo forte e batalhador”. (Pedro
Marturano, em entrevista em Juruti no dia 15 de março de 2012).
Minimercado num prédio que preserva a cultura Casa de dona Raimunda Rodrigues da Silva,
tradicional e onde foi entrevistada, em 18/3/2011 a entrevistada em 25/4/2011.
senhora Raimunda da Silva Araújo, ‘dona Rai’.
109
Memórias de Rua
110
Ruas do Bairro Bom Pastor
e logo em seguida casas de taipa. Com o passar dos anos, a cidade foi
se estruturando melhor. Assim também aconteceu na Rua Belém do
bairro Bom Pastor.
Entrevista com senhor Pedro Marturano, em A casa do senhor Manuel Rocha, mantém a
15/3/2012. arquitetura tradicional.
“Olha, ela era de palha, mas era uma casa velha de palha,
pendurada a palha aqui, as crianças entravam pra lá entravam
pra cá por baixo da palha sabe, que estava na parede, tinha
parede de palha, (...)” (dona Maria do Carmo).
111
Memórias de Rua
“... só sei dizer que foi o velho Nilson, quando ele era prefeito,
que se abriu essa travessa aí. Que isso aqui era um mato, uma
capoeira grande aí. Que a gente andava por baixo do mato, era
pra ali, o pessoal já tinha roçado (...)”. (dona Maria do Carmo)
A casa de dona Maria do Carmo, antes da reforma, e a Rua Marechal Rondon sendo modiicada
nos anos 2000. Acervo: Maria do Carmo e Ana Lúcia Batista Pereira.
112
Ruas do Bairro Bom Pastor
“Ah! Nós fazíamos também ali na rua, sabe o que era? Nós
fazíamos a Festa Junina da rua (...). Era feita pelas famílias
daqui da rua, nós vendíamos, nós plantávamos, fazíamos uma
festa pra todo mundo, a gente distribuía comida de graça, tudo
de graça pra população (...)”. (dona Ana Lúcia)
113
Memórias de Rua
“Só que essa tradição ela foi se perdendo, porque as pessoas não
souberam valorizar, entendeu, aí foi, acabou com as culturas, e
aí foi, acabou, simplesmente se perdeu”. (...)
Por ser uma das vias principais, a Rua Marechal Rondon ainda
conta com importantes movimentos culturais e esportivos. A corrida
realizada no aniversário de Juruti, as procissões das igrejas católicas
do Bom Pastor e da Matriz. A abertura da Semana da Pátria é feita em
frente à Prefeitura. Nesta festa, muito importante para a comunidade,
as bandas marciais e representantes de todas as escolas do município
se reúnem para cantar o Hino Nacional Brasileiro, sendo que nos anos
1970 a 1980 o desile cívico era realizado no terreno onde hoje é a
igreja católica do Bom Pastor.
Igreja Bom Pastor em momentos distintos. Acervo: Maria do Carmo e Ana Lúcia Batista Pereira.
114
Ruas do Bairro Bom Pastor
115
Memórias de Rua
jurutiense.
116
Ruas do Bairro Bom Pastor
Dona Valdelina Pinto foi entrevistada em 21/3/2012, e mostrou a antiga máquina de costura que ainda
conserva.
Dona Francisca Ramos, entrevistada em 4/6/2012, guarda consigo as ferramentas de trabalhar: a juta, a foice, o remo e
potes cerâmicos.
117
Memórias de Rua
Senhor Pedro Alves, entrevistado em 8/5/2012, guarda uma balança para juta e um toca-discos
antigo.
“Vi, meu ilho viu, ele enxergou uma mulher que vinha aqui no
canto do açougue. Aquela mulher vinha toda coberta assim de
pano e ela fazia assim ‘Tei! Tei! Tei! Tei!’ Ele disse: ‘Mamãe olhe,
venha ver a mulher grande’... E eu disse: ‘Não quero saber de
mulher grande, anda rapaz, entra pra dentro, fecha a porta’.
Aí passou. Parecia que era só uma perna aquilo, era uma coisa
encantada, ela encantou meu sobrinho pra lá. Quando chegou
bem ali no canto, ele viu uma mulher (...) passou a mão no
braço dele e levou ele. Meteu ele lá dentro da tiririca que cortou
todo o braço dele. Ele é assim moreno da minha cor, icou todo
cortado (...) essa mulher deixou ele lá e ele subiu num pau.”
A rua Joaquim Gomes do Amaral, por ser uma via de acesso aos
principais pontos da cidade, é rota de procissões de santos da igreja
católica, como Nossa Senhora da Saúde, do Perpétuo Socorro e do
padroeiro do bairro, o Bom Pastor. Anualmente, a prefeitura realiza as
comemorações de aniversário da cidade na primeira semana do mês
de abril e é quando esta rua abre espaço para a corrida de pedestres
e a prática do ciclismo.
118
Ruas do Bairro Bom Pastor
Aspecto da rua Joaquim Gomes do Amaral, em 2012, na região conhecida como Nó Cego.
119
Memórias de Rua
120
Ruas do Bairro Bom Pastor
A rua e o quintal da casa de dona Maria Lúcia Pinheiro, carinhosamente conhecida por
Lucita. Acervo: Maria Lúcia Pinheiro Lima.
121
Memórias de Rua
Como relata dona Maria Magali “bem, não era nem rua, era um
caminho. Na época em que eu comecei a estudar nesse colégio (Abdias de
Arruda), essa rua era um caminho cercado de poucas casas”.
Esta travessa teve sua origem numa pequena estrada feita com o
objetivo de ligar as residências ao porto, onde se concentrava a mais
importante área comercial de Juruti, com farmácias, mercado, as
chamadas baiucas e outros estabelecimentos.
122
Ruas do Bairro Bom Pastor
123
Memórias de Rua
As casas na atualidade.
124
Ruas do Bairro Bom Pastor
“Não, agora não tem, mas já teve antes de nós, já tinha aqui isso
aqui. Era um paraíso chamado Paraíso Verde, aí sempre tinha
festa, era legal.” (dona Raimunda)
“Eu me lembro que mudou, porque depois que veio essa Alcoa
mesmo pra cá né, que mudou mais, ‘vixe’ mudou muito. Antes
a gente sentava ali daquele lado da rua, a gente olhava pra ali
a gente não enxergava o im da rua, tudo era mato (...) vixe,
melhorou muito. (dona Raimunda)
125
Memórias de Rua
126
Ruas do Bairro Bom Pastor
Casa de senhor Clarito, foto do acervo Casa de senhora Neidiege Vidinha, foto de seu
pessoal. Entrevistado em 19/4/2012. acervo pessoal. Entrevistada, pela primeira vez,
em 15/2/2012.
127
Memórias de Rua
que mora na travessa há mais de 18 anos, conta que ela e sua neta
viram um homem que lhes perguntou o caminho do cemitério. Ela nos
conta que o susto foi muito grande e que até hoje sua neta também se
lembra do ocorrido.
“Vinha subindo um homem e era pra banda das dez, onze horas
da noite. Vinha subindo lá na ribanceira, vinha, eu enxerguei
assim, que minha vista ainda era muito boa, e ela também
viu. Quando nós dobramos o canto que era uma casa lá do
‘seu’ Chico Souza, Francisco Souza lá, e aí eu enxerguei aquele
homem vinha subindo na ribanceira, ai eu disse: ‘- Olha Nádia,
lá vem o homem, subindo’. Ela disse: ‘É mesmo (...)’.
128
Ruas do Bairro Bom Pastor
129
Memórias de Rua
A estrutura das ruas da cidade não era boa: elas icavam cheias de
lama no inverno e com muita poeira no verão, com muitas pedras,
matos, espinhos, tocos de árvores e outros obstáculos; os moradores
se sentiam lesados em seus direitos sociais.
Foto antiga pintada à mão. Acervo: Manuel Entrevista com dona Raimunda dos Santos, uma das
Bruce Pimentel. moradoras pioneiras da travessa.
130
Ruas do Bairro Bom Pastor
131
Memórias de Rua
132
Ruas do Bairro Bom Pastor
133
Memórias de Rua
134
Ruas do Bairro Palmeiras1
136
Ruas do Palmeiras
Entrevista com dona Valdéia Gama, artesã e Senhor Raimundo Nonato, durante a
pioneira na travessa. entrevista em 2013.
A Loira do Aningal era um ser encantado que icava nesta área, mas
nunca viam seu rosto, ela encantava as pessoas que a viam de frente.
Senhor Raimundo Nonato narrou o encontro entre a Loira e um parente,
e os desdobramentos do fato.
“Eu tive um cunhado que contava que ele a seguiu, por trás, e
conseguiu ver ela de frente. Ele até adoeceu, icou 40 dias, depois
foi benzido na cabeça, aí depois disso icou normal. Era difícil de
ver prova disso né, hoje em dia você tem o celular né, que uma
coisa dessa não é mais novidade, era essas coisas que rolavam
mais ou menos na época.”
137
Memórias de Rua
138
Ruas do Palmeiras
139
Vivências e memórias das ruas
de Juruti
Encomendadores de Alma1
A prática de encomendar as almas é muito antiga, segundo Melo
Moraes Filho (2002) esse culto traz consigo o jeito de pensar que
nasceu do Cristianismo durante a Idade Média sobre o Inferno e o
Purgatório, e desde então é realizado durante a Quaresma, tanto em
Portugal quanto no Brasil. O autor explicou ainda, na página 192, que
foi sempre o Purgatório, no conceito dos padres da Igreja, um
lugar de torturas, onde havia torrentes caudais de betume
fervente, de lagoas de fogo e de enxofre fumegante, em que
as almas submergiam-se com as formas corporais da Terra, e
desatavam gritos, soltavam gemidos e vozes súplices, às vezes
escutadas neste mundo.
142
Vivências e memórias das ruas de Juruti
143
Memórias de Rua
144
Vivências e memórias das ruas de Juruti
A Lenda do Cachorrão
Narrador: Há tempos atrás, em Juruti, aconteceu um dos maiores
mistérios que até os dias de hoje intriga e amedronta a população.
Populares falam que em uma determinada época, as noites icaram
diferentes, com algo assombrosamente pavoroso no ar. Informações
levam a crer que tudo pode ter começado por pessoas da época
que liam um livro que para os cristãos era proibido, por conter
ensinamentos de maldade e abertura de um caminho de maldade e
transformação em criaturas do mundo das trevas. Isso pode ter sido
o fator primordial para o aparecimento do Cachorrão, por se acreditar
que esse senhor teria lido certo livro. Porém, em uma noite escura, ao
terminar de ler a obra, ele começou a ouvir vozes.
3 - Texto produzido por João Carlos Melo através das lendas contadas ao longo de sua infância.
145
Memórias de Rua
Senhor: (levanta com a mão no braço esquerdo) E fala. Ai! Ai,ai, ai, o
que aconteceu comigo, o que é está acontecendo.
Homem 3: Se, se, será que ele na-na-não vai pegar a-a-a gente
primeiro. (homem gago de tanto medo).
146
Vivências e memórias das ruas de Juruti
Homem 3: Aaaainda
Narrador: Porém, o que os homens não sabiam era que o tiro tinha
pegado de raspão e o Cachorrão, se arrastando, conseguiu escapar.
No dia seguinte, os homens voltaram ao local para ver o cachorro
morto, mas não havia nada ali.
Homem 1: Como pode ser? Eu dei um tiro nele! Não pode ser!
147
Memórias de Rua
Narrador: Pena que ela não imaginou que a partir de então, nunca
mais sua vida seria a mesma. A Loira passou a ouvir frequentemente
a voz.
Mãe da Loira: Mas quando já, onde está minha ‘ia’? Meu ‘io’, tu não
viste minha ‘ia’? (a mãe deve ter um sotaque carregado).
148
Vivências e memórias das ruas de Juruti
Mãe: Mas meu senhor, onde será que esta moleca se eniou? Será
que esta menina já se eniou por estes ‘matagar’ que ‘inté’ agora num
me aparece? (manter o sotaque interiorano na mãe).
Rapaz: Égua, moleque... Olha, olha, olha vê só que loira mais bonita!
Moleque: Tu és um bucho! Corre, corre que essa já, não vai icar
contigo.
Fernando: ‘Vixe’ peão, mas quando já que esta menina vai te dar
coniança!? (Risos).
149
Memórias de Rua
Rapaz envolvido: Cadê a loira!!! Cadê a loira!!! Cadê? Como já, que eu
vim parar aqui? Meu Deus, como eu cheguei já aqui? E a loira? Loira!!!
Loira!!!.
150
Vivências e memórias das ruas de Juruti
Juquinha: Humpf! Não sei não! Ainda não estou convencido! Tive
uma grande ideia: vou perguntar para minha vozinha, ela é muita
sábia e jamais me enganaria.
Mediador: Boa ideia, Juquinha! Tenho certeza que a sua ‘Vó’ tem
muita história para contar!
Vovó: Eu juro, juro, juro meu amor... eu juro, juro juro te amar... Pra
sempre, meu amor pra sempre... (vovó estará cantado a música Juruti
Amar).
151
Memórias de Rua
(A vovó continua...)
Vovó: A partir desse dia, ‘seu’ José, pai da menina, passou a beber dia e
noite, andava com a garrafa de cachaça debaixo dos braços e chamava pela
ilha.
Vovó: Certo dia, ‘seu’ José saiu para pescar como de costume no Lago do
Jará e para seu azar, teve um acidente com sua embarcação. Caiu na água,
tentou nadar, mas como estava bêbado, não conseguiu e morreu.
Vovó: Desde esse dia, seu espírito saía à noite do Lago do Jará e vagava
pelas ruas com passo irme e fazendo um barulho de calça molhada,
assustando os moradores que viviam perto do lago e na cidade de Juruti.
Dizem que José caminha todas as noites do Lago do Jará até a frente da
cidade, em direção ao rio Amazonas, para encontrar com sua ilha que havia
morrido afogada.
_Papai!
Vovó: E depois que o Calça Molhada encontra sua ilha, ele retorna para
o lago. E até hoje, existem pessoas que escutam o mesmo barulho da calça
molhada pelas ruas de Juruti. Pois é meu netinho, essa foi a história do Calça
Molhada. O que você achou?
Vovó: Venha querido, vou te contar muitas outras histórias que conheço!
(os dois saem de cena)
152
Referências
153
BUENO, L. e MACHADO, J. Relatório Final: Levantamento Arqueológico
na Área de Implantação do Porto no município de Juruti/Pará. Belém,
MPEG, 2005.
154
CALDARELLI, S. B.; PANACHUK, L. (coord). Relatório Parcial Programa
de Educação Patrimonial em Juruti-Pará (Primeiro semestre de 2011).
Belém. Iphan. 185p. 2012a.
155
DESVALLÉES, André e MAIRESSE, François. Conceptos claves de
museología. Armand Colin. ICOM. ISBN: 978-2-200-25399-8. 87p. 2010.
156
Mapa geographico do Rio das Amazonas e do rio negro. 18--?
[Cartográico]. Disponível na Internet em: http://objdigital.bn.br/
objdigital2/acervo_digital/div_cartograia/cart249889/cart249889.html
157
Luiz do maranhão. Volume 2. 412p. 1868.
158