Dissertação Final - Ruano Fernando Da Silva Leite - 2020
Dissertação Final - Ruano Fernando Da Silva Leite - 2020
Dissertação Final - Ruano Fernando Da Silva Leite - 2020
Salvador
2020
RUANO FERNANDO DA SILVA LEITE
Salvador
2020
L533 Leite, Ruano Fernando da Silva
O que move o Ministério Público? Análise do processo de
desenvolvimento de uma identidade institucional no enfrentamento da
corrupção / por Ruano Fernando da Silva Leite. –2020.
210 f.
CDD – 351.076
BANCA EXAMINADORA
(STF - PET 9.067-DF. Relator Min. CELSO DE MELLO. Data de Julgamento: 17/08/2020)
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
This paper analyzes the institutional development of the Public Ministry, seeking to understand
what specifically moves the institution to face corruption. To this end, the research exposes the
history of the Public Ministry and the Brazilian particularity of the institutional arrangement,
listing the main events for its transformation. The study discusses corruption as an analytical
category and a social phenomenon, which is the subject of anti-corruption agencies worldwide,
notably the Public Ministry. In addition, it addresses the construction of the institutional image
and the thematic preference of the Public Ministry, against the background of the discourse of
corruption and impunity in Brazil. The study problematizes the Public Ministry as a structured
field when comparing the results of the image and self-image research carried out with the
various Public Ministries in Brazil. In particular, the development and structuring of the Public
Ministry of the State of Bahia, considered the oldest in Latin America, was analyzed. In addition
to documentary research, the work was carried out through a survey, through interviews and
questionnaires with members of the Public Ministry of the State of Bahia. Among the results
achieved, the study considers the formation of an institutional identity of an anti-corruption
agency that interacts at the discursive level with the volatility of the institutional framework
resulting from the fight against corruption.
1 INTRODUÇÃO 16
REFERÊNCIAS 177
1 INTRODUÇÃO
1
Em pesquisa na internet, observa-se que vários projetos de lei foram batizados com essa alcunha, incluindo o PL
nº 265-A/2007, de iniciativa de Paulo Maluf. O seguinte recorte ilustra bem o que ocorreu à época: “Para o
procurador da República Alessander Sales, o projeto de Maluf, que é réu em cerca de 40 ações penais e cíveis, é
‘totalmente absurdo’, pois teria o único objetivo de calar a instituição e impedir que a imprensa tenha acesso a
informações sobre denúncias. ‘Esse projeto tem ainda um agravante, porque há previsão de condenação, reparação
econômica quando as ações forem improcedentes. Nessa perspectiva, o Ministério Público não iria agir jamais,
porque ele não tem controle sobre a iniciativa da ação“, analisa Alessander. O procurador lembra ainda que a
chamada ‘Lei Maluf’, ou ‘Lei da Mordaça’ está sendo requentada. Segundo ele, já houve várias tentativas de se
aprovar proposta com teor semelhante. Uma delas foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
‘Chegou a ser editada uma medida provisória que dizia justamente isso. Estabelecia multas e impedia que o MP
desse informações sobre suas investigações. Mas, graças à reação da sociedade e da imprensa, antes de o Congresso
deliberar, o Executivo retirou o projeto de pauta”. Disponível em https://washingtonbarbosa.com/2010/04/05/para-
entender-a-lei-da-mordaca/.
18
2
Em verdade, vários são os exemplos que, a par da discussão sobre a adequação, constituem propostas ou efetivas
decisões, de todos os poderes, que interferem de algum modo no Sistema de Justiça e, em especial, no
enfrentamento da corrupção. Diante da impossibilidade de mencionar aqui tantos casos, que fogem à alçada deste
estudo, traz-se como como outros exemplos o decreto presidencial nº 9.246/17, que concedeu amplo indulto para
autores de crimes de colarinho branco em condições inéditas no Brasil, bem como o julgamento das
ADCs 43, 44 e 54 que, após idas e vindas, restabeleceu por 6X5 votos a impossibilidade de execução antecipada
da pena de prisão após a condenação de 2ª instância, vedação esta que havia se iniciado no Brasil somente em
2009 a partir do HC 84.078 do STF.
3
Em matéria divulgada pela BBC, no dia 06 de agosto de 2020, intitulada “a ofensiva contra a Lava Jato que ‘une’
esquerdistas, bolsonaristas e Augusto Aras”, por exemplo, menciona-se que “a nova fase das alterações de Augusto
Aras com a Lava Jato começou na semana passada, quando o procurador-geral da República participou de uma
transmissão ao vivo promovida pelo grupo de advogados Prerrogativas - do qual fazem parte profissionais do
direito conhecidos por criticar a operação. Aras diz aos advogados que é preciso "corrigir rumos" no MPF, de modo
que o ‘lavajatismo’ deixe de existir. ‘Lavajatismo há de passar’, disse o PGR. [...] Segundo Aras, sua gestão
trabalha para acabar com o Ministério Público ‘punitivista’”. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53676271
19
somos e para onde vamos. Dessa forma, a pesquisa buscará alcançar os seguintes objetivos
específicos: 1) analisar a história do Ministério Público e os processos que influenciaram o seu
desenvolvimento institucional; 2) caracterizar o perfil dos membros do Ministério Público do
Estado da Bahia; 3) identificar a autoimagem que os(as) procuradores(as) e promotores(as) de
justiça possuem da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia e as prioridades
percebidas.
Com base nos objetivos propostos e a finalidade preponderantemente explicativa, foi
traçada uma estratégia metodológica triangular com meios primários (pesquisa de campo),
secundários (análise documental) e indiretos (levantamento bibliográfico). Inicialmente, foi
realizada um estudo na literatura, visando identificar os principais estudos acerca do tema e as
teorias mais relevantes para a compreensão do objeto. Em seguida, partiu-se para uma pesquisa
documental, através do revolvimento de documentos históricos, notícias de jornais e leis que
expõem os acontecimentos em torno do Ministério Público, bem uma na avaliação quantitativa
das teses aprovadas congressos nacionais do MP, que constituem verdadeiras fotografias das
inquietudes dos membros desde 1942. Foram analisadas as convenções internacionais e demais
mecanismos externos que possam ter contribuído para a transformação do Ministério Público
brasileiro e o estabelecimento das suas pautas. Em relação especificamente ao Ministério
Público do Estado da Bahia, foram analisadas a produtividade, os orçamentos anuais, as
principais operações e as revistas da Associação dos Membros da Bahia. Além disso, foi
realizado um levantamento, através da aplicação de questionários com promotores e
procuradores de justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Portanto, trata-se de uma
pesquisa natureza quali-quantitativa com diversidade de processos, razão pela qual os detalhes
metodológicos de cada um deles serão melhor abordados nos respectivos tópicos, com exceção
do levantamento sobre a percepção que ganhou um capítulo próprio para melhor organização e
compreensão.
Embora a presente pesquisa não seja estritamente comparável, buscou-se cotejar a
percepção dos membros Ministério Público local com o universo apontado nas outras pesquisas
etnográficas referentes ao MP brasileiro, discutindo também a questão da unidade, embora não
fosse este o seu principal objetivo. Em que pese os questionários tenham por objeto os membros
do Ministério Público da Bahia, é importante dizer que a presente pesquisa visa uma
compreensão não só do MPBA, mas de todo o Parquet brasileiro. Por isso, em um primeiro
momento será abordado o desenvolvimento do Ministério Público do ponto de vista histórico e
nacional, buscando produzir um conhecimento por meio da dedução, ou seja, partindo do
raciocínio geral para o específico. Em uma segunda etapa, será empregada a lógica reversa,
20
4
O Ministério Público era considerado uma verdadeira magistratura, diversa e independente dos julgadores, pois
os Procuradores do Rei dirigiam-se aos juízes do mesmo “assoalho” (‘Parquet’ em francês) em que estes estavam
sentados, porém o faziam de pé. Daí a expressão cunhada ao Ministério Público de que ele era a Magistratura de
pé (RANGEL apud GARCIA, 2012, p. 134).
22
próprio mister ou ministério (VELLANI apud MAZZILLI, 1991, p. 1-4). Com a assunção do
poder pela burguesia, através da revolução de 1789, houve ampla reforma política e o Ministério
Público foi definido como agente do Poder Executivo perante os tribunais, na fiscalização do
cumprimento das leis e dos julgados, com independência em relação ao Parlamento e ao
Judiciário (GOULART, 2019, p. 96). Para o Procurador de Justiça e historiador, Joaquim Cabral
Netto (2016, p. 9), o Ministério Público é uma instituição eminentemente francesa e “é possível
que sua ’certidão de nascimento’ esteja na Lei de 20 de abril de 1810, sob o mando de Napoleão,
quando recebeu sua forma definitiva, a qual ainda permanece – acrescida das nuances e
atribuições impostas pela sua própria evolução”.
Atualmente, na França, o Ministério Público é o titular da ação penal pública e fiscal da
lei, cabendo-lhe ainda dirigir e supervisionar a relação com a Polícia de atividade judiciária que
lhe é subordinada. Entretanto, apesar de ser considerado uma magistratura especial, o
Ministério Público francês não goza da mesma garantia de estabilidade dos magistrados
judiciais e estão hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça (RANGEL apud
GARCIA, 2012, p. 145-146).
Na Constituição Portuguesa5, os membros da instituição são chamados de magistrados
do Ministério Público e há subordinação hierárquica entre eles. Entretanto, não podem ser
transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei. O
Ministério Público goza de estatuto próprio e autonomia, cabendo-lhe representar o Estado,
5
Ministério Público
Artigo 219.º
Funções e estatuto
1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como,
com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal
definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a
legalidade democrática.
2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.
3. A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos casos dos crimes estritamente
militares.
4. Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem
ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.
5. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da ação
disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República.
Artigo 220.º
Procuradoria-Geral da República
1. A Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público, com a composição e a
competência definidas na lei.
2. A Procuradoria-Geral da República é presidida pelo Procurador-Geral da República e compreende o Conselho
Superior do Ministério Público, que inclui membros eleitos pela Assembleia da República e membros de entre si
eleitos pelos magistrados do Ministério Público.
3. O mandato do Procurador-Geral da República tem a duração de seis anos, sem prejuízo do disposto na alínea
m) do artigo 133.º. (PORTUGAL, 1974)
23
participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação
penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. Conforme a
Lei nº 68/2019, aprovada recentemente pela Assembleia da República de Portugal, em 27 de
agosto de 2019, além das funções constitucionais, cabe ao Ministério Público português a
representação e a função consultiva de outros entes do Estado; velar para que a função
jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição; e assumir a defesa de interesses
coletivos e difusos, bem como de crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída
e outras pessoas especialmente vulneráveis. No plano penal, destaca-se a coordenação e a
fiscalização da atividade dos órgãos de polícia criminal, além da direção da investigação e das
ações de prevenção criminal, assistido, sempre que necessário, pelos órgãos de polícia criminal.
Na Espanha, o “Ministério Fiscal” 6 integra o Poder Judiciário e tem por missão
promover a ação da justiça, a defesa da legalidade, dos direitos dos cidadãos, do interesse
público tutelado pela lei, velar pela independência dos tribunais e procurar estes para a
satisfação do interesse social. Neste País, a sua atuação se limita à acusação e jamais à instrução.
Assim, a condução dos trabalhos preparatórios para a propositura da ação penal fica a cargo da
“polícia judicial”, mas com endereçamento ao “Ministério Fiscal, que exercita a ação penal e
vela, por conseguinte, pela realização da fase investigatória (GARCIA, 2012, p. 145-146).
Na Itália, os membros são selecionados mediante concurso para uma única carreira da
magistratura, podendo escolher entre as funções judicial ou ministerial a cada promoção ou
remoção. O Ministério Público pode expedir mandados de prisão em casos de emergência,
desde que comunique ao Juiz de Instrução (MELO, 2006). Na Constituição italiana7, o exercício
da ação penal é obrigatório por parte do Ministério Público, cabendo-lhe toda a atividade
persecutória, inclusive a direção das investigações realizadas pela polícia judicial, a qual atua
em perfeita integração com o órgão ministerial (GARCIA, 2012, p. 145-144).
6
Título VI. Del Poder Judicial
Artículo 124
1. El Ministerio Fiscal, sin perjuicio de las funciones encomendadas a otros órganos, tiene por misión promover
la acción de la justicia en defensa de la legalidad, de los derechos de los ciudadanos y del interés público tutelado
por la ley, de oficio o a petición de los interesados, así como velar por la independencia de los Tribunales y
procurar ante éstos la satisfacción del interés social.
2. El Ministerio Fiscal ejerce sus funciones por medio de órganos propios conforme a los principios de unidad de
actuación y dependencia jerárquica y con sujeción, en todo caso, a los de legalidad e imparcialidad.
3. La ley regulará el estatuto orgánico del Ministerio Fiscal.
4. El Fiscal General del Estado será nombrado por el Rey, a propuesta del Gobierno, oído el Consejo General del
Poder Judicial. (ESPANHA)
7
Art. 112.
Il pubblico ministero ha l’obbligo di esercitare l’azione penale. (ITÁLIA, 1947)
24
No Brasil colonial, a acusação dos criminosos era restrita à iniciativa das vítimas ou de
seus familiares. Com o desenvolvimento da Colônia e a necessidade de um mecanismo de
justiça mais eficiente, em 07 de março de 1609, na Bahia, com a implementação do Tribunal da
8
SECCIÓN CUARTA
Del ministerio público
Artículo 120.- El Ministerio Público es un órgano independiente con autonomía funcional y autarquía
financiera que tiene por función promover la actuación de la justicia en defensa de la legalidad de los
intereses generales de la sociedad en coordinación con las demás autoridades de la República.
Está integrado por un procurador general de la Nación y un defensor general de la Nación y los demás
miembros que la ley establezca.
Sus miembros gozan de inmunidades funcionales e intangibilidad de remuneraciones (ARGENTINA).
25
Relação do Estado do Brasil, nasceu o Ministério Público brasileiro com a previsão da figura
do Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e Promotor de Justiça9, sendo o cargo
ocupado inicialmente por um dos dez desembargadores daquela corte (MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA). No entendimento de Cabral Netto (2016, p. 8), nessa
época ainda não existia, de fato, o Ministério Público enquanto órgão específico para provocar
a atuação do Poder Judiciário. Citando Inconfidência Mineira, o historiador lembra que, quando
o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-Geral da Província de Minas Gerais, expediu
a Portaria de 16 de junho de 1789, ordenando ao Desembargador Ouvidor-Geral e Corregedor
Pedro José Araújo de Saldanha que procedesse a “uma investigação e inquisição devassa, com
relação ao temerário e abominável projeto de uma sublevação contra a Majestade e legítima
soberania da Rainha”, ele “encarnava o Estado-Administração no seu mais alto nível político-
administrativo e foi ele, diretamente, quem acionou o Poder Judiciário”. Assim, finaliza
aduzindo que:
9
A existência deste cargo já era mencionada nas Ordenações Manuelinas, de 1521, e nas Ordenações Filipinas
de 1603.
26
Em 1993, foram editadas as leis orgânicas dos Ministérios Públicos (8.625/93 e 75/93),
consolidando as diretrizes constitucionais e trazendo outras previsões que fortaleceram o
Ministério Público. É imperativo destacar que, após a Constituição e em virtude dela, o
Ministério Público também avançou muito por meio da legislação esparsa, que criou ou
regulamentou novas atribuições e poderes, a exemplo das Leis 7.853/89 (apoio a pessoas
com deficiência), 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 8.708/90 (Código de
Defesa do Consumidor), 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), 8.884/94 (lei de
prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica)10, 9.034/1995 (organizações
criminosas)11, 9.296/96 (interceptação de comunicações), 9.613/98 (Lavagem de Capitais),
10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e tantas outras.
10
Derrogada pela Lei nº 12.529/2011
11
Derrogada pela Lei nº 12.850/2013
29
.
Em 1977, a tese apresentada no V Congresso Nacional do Ministério Público, pelo
então Subprocurador da Justiça de São Paulo, Carlos Siqueira Campos, “Ministério Público:
Uma Nova Estratégia Para Seu Aperfeiçoamento”, ilustrou bem como estavam
borbulhando, na época, as ideias de um projeto nacional de um Ministério Público
independente e fortalecido, através da criação de uma a consciência nacional pela atuação
na imprensa, no Congresso, nos setores de decisão e na opinião pública de modo geral:
Como reflexo dessa mobilização, em agosto de 1979, segundo Cabral Netto (2016,
p. 30-34), ocorreu um dos momentos mais importantes da caminhada da instituição, quando
a Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público – CAEMP solicitou uma
audiência ao Ministério da Justiça e lhe entregou a sugestão do anteprojeto que viria a se
tornar a Lei Complementar nº 40/80, trazendo pela primeira vez um conceito e as linhas
mestras de Ministério Público de todo o País. Em 1985, quando já se falava na convocação
de uma Assembleia Nacional Constituinte, foi realizado o VI Congresso Nacional do
31
Ministério Público, onde foi discutido o tema do Ministério Público na Constituição. Além
disso, em 1986, em Curitiba, foi realizado o Primeiro Encontro de Presidentes de
Associações e Procuradores-Gerais de Justiça, de onde saiu o esboço para o documento
conhecido como a Carta de Curitiba. Este documento, aprovado em uma nova reunião por
todas as lideranças do Ministério Público do Brasil, pouco tempo depois, em Porto Alegre,
resultou um anteprojeto de Ministério Público voltado aos constituintes (CABRAL NETTO,
2016, p. 37-38).
12
No sistema acusatório, há separação entre as funções de acusar, defender e julgar, ao contrário do sistema
inquisitivo em que há a concentração de poderes.
33
não integra e não está subordinado a nenhum dos Poderes da República, sendo-lhe
expressamente assegurada autonomia funcional e administrativa e financeira.
De acordo com a Constituição Federal, o Ministério Público abrange o Ministério
Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados. O primeiro se subdivide em quatro
ramos: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério
Público Militar; e d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Além desses, o art.
130 da Carta Magna também prevê o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, aos
quais aplicam-se as disposições pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura, embora
não integre a mesma estrutura ministerial. O Ministério Público da União tem por chefe o
Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da
carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta
dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução13. Já os
Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formam lista tríplice
dentre integrantes da carreira, para escolha de seu Procurador-Geral, que é nomeado pelo Chefe
do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, o que lhe garante
maior autonomia.
Os membros possuem garantias equivalentes às da magistratura, que garantem grande
independência de atuação e que incluem a vitaliciedade 14 , a inamovibilidade 15 e a
irredutibilidade de subsídio. Também possuem vedações, que visam igualmente a
independência, como, por exemplo: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto,
honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de
sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra
função pública, salvo uma de magistério; exercer atividade político-partidária; e e) receber, a
qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou
privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. Também foi vedada ao Ministério Público a
13
Essa forma de escolha da chefia tem sido questionada pelos próprios membros do MPF, principalmente após a
escolha pelo Presidente Jair Bolsonaro, em 2019, do atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que
não figurava na lista tríplice. Para os procuradores, “com a finalidade de garantir à Procuradoria-Geral da
República a efetiva independência indispensável ao exercício da missão constitucional do MPF, é necessário
fazer um debate amplo, público e aberto sobre a institucionalização, mediante inclusão no texto constitucional,
da regra de que o(a) Procurador(a)-Geral da República seja escolhido pelo(a) Presidente da República com base
em lista tríplice escolhida pelos membros da instituição, a exemplo do que acontece com o(a) Procurador(a)-
Geral de Justiça no Distrito Federal e nos 26 (vinte e seis) estados da Federação”. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/procuradores-assinam-manifesto-por-obrigatoriedade-da-lista-
triplice-para-escolha-de-pgr.shtml.
14
Não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado.
15
Não pode ser removido contra a sua vontade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão
colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla
defesa
34
Além das atribuições constitucionais, várias outras funções foram conferidas pela lei
como a proteção de crianças, idosos e deficientes, a defesa do patrimônio público, dos
consumidores e, ainda, a fiscalização do processo eleitoral. Para tanto, também foram
conferidos poderes e prerrogativas como expedir notificações; requisitar informações e
documentos; requisitar diligências investigatórias; expedir recomendações; notificar
testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; realizar
inspeções e diligências investigatórias; ter livre acesso a qualquer local público ou privado,
35
16
Denominação do crime estabelecida pela lei.
36
17
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.
18
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.
19
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo
do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação
do objeto da licitação:
20
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário,
independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas,
ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de
bens, rendas ou serviços públicos; III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas [...]
21
Descrição do fato ilícito na lei.
37
No mesmo contexto, Alencar e Gico Jr. (2011, p. 80) entendem que, considerando as
evidências empíricas disponíveis, a aplicação da lei (law enforcement) tem um efeito dissuasivo
substancial, sendo que “a variável mais importante para reduzir a corrupção é a probabilidade
de punição (p), seguida da magnitude das sanções judiciais (J) para ambos os agentes, corruptor
e servidor corrupto, e, por fim, a magnitude das sanções administrativas (A) aplicáveis apenas
39
ao servidor corrupto”. Em sua análise econômica da proibição, Mark Thornton (2018, p. 125)
também concebe que:
Ou seja, a corrupção não pode ser explicada pelo caráter do brasileiro, por sua
cordialidade, malandragem ou esperteza, porque ele é capaz de absorver
conteúdos substantivos da moralidade política, ao discordar de situações de
corrupção. Os entrevistados consideram errado um político receber dinheiro
para favorecer uma empresa em uma licitação, ou um empresário financiar
campanhas esperando receber algo em troca. Porém, quando é para proteger a
família, um pouco de corrupção é tolerável ou, se houver necessidade, é
correto vender o próprio voto. Nesse caso, os entrevistados têm noção dos
valores públicos, mas os juízos de necessidade corrompem, frente a uma
tolerância da corrupção vista no outro, nunca em si mesmo. Existe uma
disposição prática do brasileiro a entrar em esquemas de corrupção, que
contrasta com sua configuração moral. Somos capazes de, consensualmente,
concordar com determinados valores morais, mas toleramos certa corrupção
porquanto ela esteja referida a um capital cultural que a torna cotidiana e
latente, com uma natureza extremamente flexível, sendo aplicada a situações
muito diferentes. (FILGUEIRAS, 2009, p 316-317)
Conforme Ferreira e Fornasier (2015, p. 1584), “não se pode acreditar que apenas em
países que passaram por um processo de colonização de exploração apresentem em suas redes
de relação sociopolítica e econômica a ocorrência da corrupção”. Com efeito, sustentam os
autores, “o discurso do determinismo cultural esquece, propositalmente, o histórico da
corrupção em sociedades modernas (como a europeia e a norte-americana) e o desenvolvimento
de certas condições estruturais positivas em países como o Brasil nos últimos anos”. De fato, a
corrupção está presente e é objeto de preocupação em todas as sociedades, inclusive nos países
de primeiro mundo. O interesse da comunidade internacional pelo assunto e a proliferação de
instituições anticorrupção nos diversos países comprovam essa assertiva.
Conforme aduz Vladimir Aras (2018), atualmente existe um regime global de proibição
da corrupção, que compõem o grupo de “bribery and corruption suppression treaties”22. Esse
22
Tratados de supressão do suborno e da corrupção (tradução nossa)
41
regime é formado ao pelos seguintes eixos: “a) criminalização de certas condutas graves; b)
especificação de regras de jurisdição sobre tais crimes; c) adoção de ferramentas modernas e
eficientes de persecução criminal e de prevenção do crime; e d) introdução ou melhora de
mecanismos de cooperação jurídica internacional” (ARAS, 2018). Ao que parece, esse sistema
decorreu do aumento internacional da preocupação com a corrupção nas últimas três décadas.
Inclusive, essa categoria chegou a ser considerado o maior problema do mundo em 2013,
conforme uma pesquisa da WIN/Gallup Internacional, que ouviu cerca de 67 mil pessoas em
65 países (DALLAGNOL, 2017).
Com efeito, no final dos anos 1990, a questão da corrupção ganhou importância
internacional em processo intimamente ligado à democratização política e liberalização
econômica, além construção do Estado de Direito e da boa governança em muitos ambientes
pós-autoritários (OECD, 2013, p. 39). Em 29 de março de 1996, em Caracas, foi firmada, no
âmbito da OEA, a Convenção Interamericana Contra a Corrupção23, a qual, já no preâmbulo,
reconheceu responsabilidade dos Estados de erradicar a impunidade e envidar todos os esforços
para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção.
Na Europa, o Convênio relativo à luta contra os atos de corrupção no qual estão
envolvidos funcionários das Comunidades Européias e dos Estados Partes da União Europeia
foi aprovado pelo Conselho da União Europeia, em 26 de maio de 1997. Pouco tempo depois,
em 17 de dezembro de 1997, foi concluída, através da OCDE, em Paris, a Convenção sobre o
Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
Internacionais24 , que, através do seu artigo 3.1, além do mandado de criminalização, prevê
expressamente a necessidade de punição com penas criminais efetivas, proporcionais e
dissuasivas, inclusive a privação da liberdade:
23
Promulgada pelo Brasil em 07 de outubro de 2002, por meio do Decreto nº 4.410/2002.
24
Promulgada pelo Brasil em 30 de novembro de 2000, por meio do Decreto nº 3.678/2000.
42
A razão é simples. Há cada vez mais consenso num ponto. A corrupção mina
a capacidade dos Estados de enfrentar a pobreza e a marginalização, torna
mais difícil a promoção da saúde, do saneamento básico e da educação,
compromete os meios materiais disponíveis para a expansão de projetos de
infraestrutura e o desenvolvimento socioeconômico e dificulta a persecução
de crimes graves, que vitimam milhões de pessoas em todo o mundo,
notadamente as diversas formas de tráfico e os delitos ambientais, que
desabrigam milhares e privam outros tantos de seus meios de vida sustentáveis.
Nesta linha, a corrupção endêmica, num contexto local ou regional, reduz a
riqueza nacional, aumenta as desigualdades e impede o avanço das nações nos
índices de desenvolvimento humano.
Por isso mesmo, não é de se estranhar que as relações entre corrupção e
direitos humanos tenham entrado nos debates forenses em tribunais
internacionais, pois práticas corruptas endêmicas ou sistemáticas num dado
país costumam violar sobretudo os direitos de populações vulneráveis no
acesso aos bens da civilização e no gozo dos direitos assegurados nas
constituições e em diversos tratados, dos quais merecem menção o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Convenção Americana
de Direitos Humanos, de 1969; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979; a Convenção dos Direitos
da Criança, de 1989; a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, de 2006, entre outros (ARAS, 2018).
25
Promulgada pelo Brasil em 31 de janeiro de 2006, por meio do Decreto nº 5.687/2006.
43
Estado violou direito internacional (ARAS, 2018). É o que se colhe da sentença de 9 de março
de 2018. Confira:
26
A esse respeito, esta Corte destaca as consequências negativas da corrupção e os obstáculos que ela representa
para o gozo efetivo dos direitos humanos, bem como o fato de que a corrupção das autoridades estatais ou dos
prestadores privados de serviços públicos afetam de uma maneira particular a grupos vulneráveis. Além disso, a
corrupção não afeta apenas os direitos dos indivíduos particulamente afetados, mas também tem um impacto
negativo em toda a sociedade, na medida em que “a confiança da população no governo é quebrada e, ao longo do
tempo, na ordem democrática e o estado de direito ”421. Nesse sentido, a Convenção Interamericana contra a
Corrupção estabelece em seu preâmbulo que “a democracia representativa, condição indispensável para a
estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, por sua natureza, requer o combate a todas as formas de
corrupção no exercício da corrupção”. funções públicas, bem como atos de corrupção especificamente ligados a
esse exercício ”422. 242. O Tribunal recorda que os Estados devem adotar medidas para prevenir, punir e erradicar
a corrupção efetiva e eficientemente423. No entanto, como mencionado anteriormente, o sistema de proteção à
criança e os mecanismos de adoção vigentes na Guatemala na época dos eventos, longe de cumprir com essas
obrigações, proporcionavam espaços para sua realização e permitiam a formação e manutenção de redes de
adoções ilegais na Guatemala. O presente caso poderia refletir uma materialização desse contexto. A Corte ressalta
que as adoções internacionais ocorreram em um contexto de corrupção, no qual um grupo de atores e instituições
públicas e privadas operou sob a proteção do melhor interesse da criança, mas com o propósito real de obter sua
própria enriquecimento Nesse sentido, a maquinaria montada e tolerada em torno de adoções ilegais, que afetaram
particularmente os setores pobres, teve um forte impacto negativo no gozo dos direitos humanos das crianças e de
seus pais biológicos. (tradução nossa)
44
Portanto, observa-se que, pelo menos entre os Estados Partes dos referidos tratados,
entre os quais inclui-se o Brasil, sobretudo a partir de 1996, além de outras obrigações como
recuperar ativos, anular os efeitos dos atos ilegais e empreender medidas preventivas, passou a
existir um dever de investigar, perseguir e punir os atos de corrupção com penas criminais
efetivas, proporcionais e dissuasivas, sob pena de responsabilização internacional. Para o
cumprimento desses deveres, esses mesmos tratados estabeleceram a obrigação de criação de
agências anticorrupção.
diferentes áreas. Difere de outros ministérios públicos por seu caráter multidisciplinar
(OECD, 2013).
No Reino Unido, o Serviço de Fraude Grave (SFO), criado em 1988, está sob a
superintendência do Procurador-Geral e dentro do sistema de justiça criminal. Cabe-lhe
investigar e processar casos de fraude e corrupção graves ou complexas e a sua característica
distintiva é o uso de equipes multidisciplinares. A seção de pesquisa realiza varredura
proativa mediante mineração profunda na internet e cada caso é alocado a uma equipe de
advogados, investigadores financeiros, contadores especializados, especialistas em
tecnologia da informação e outras equipes de suporte (OECD, 2013).
Na Romênia, a Promotoria Nacional de Anticorrupção, mais tarde reorganizada
como Diretoria Nacional de Anticorrupção - DNA, também faz parte do Ministério Público,
anexado ao Supremo Tribunal de Cassação e Justiça, sendo composto de um escritório
central e 15 escritórios regionais. Trata-se de um serviço especializado de acusação com
mandato para investigar e processar casos de corrupção de alto e médio nível. Os
promotores realizam investigações bem como a ordem, a direção e a supervisão das
atividades de investigação conduzidas pelos policiais judiciais ligados ao DNA. A
legislação concede aos promotores e investigadores do DNA uma série de poderes especiais,
como vigilância encoberta; interceptação de comunicações; investigações secretas; acesso
a dados financeiros e sistemas de informação; e o monitoramento de transações financeiras
(OECD, 2013). Também são exemplos de agências ligadas ao Ministério Público a Diretoria
48
27
O Coaf sofreu alterações recentes, por força da Medida Provisória nº 893/2019, sendo transformado na Unidade
de Inteligência Financeira – UIF e transferido do Ministério da Justiça para o Banco Central, o que pode ter
comprometido a sua independência.
49
28
Criado pela Resolução nº 004/2006 do Colégio de Procuradores de justiça do Estado da Bahia
29
Criado pela Resolução nº 2.074/2016 da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
50
públicas, sendo reconhecido como tal pela população”. Ainda de acordo com a referida
pesquisadora, dentro do extenso rol de áreas de atuação, o combate à corrupção constitui a
atividade prioritária para os membros do Ministério Público endossando a percepção social.
Sem embargos, forçoso reconhecer que a atuação ministerial tem sido
primordialmente reativa. As ações preventivas são pontuais e independentes de uma política
anticorrupção que seja duradoura e que oriente as estratégias do futuro. No âmbito do CNMP,
o Fórum Nacional de Combate à Corrupção – FNCC parece ser uma boa iniciativa para a
alteração deste cenário. Criado em 2015, FNCC é composto por representantes de todas as
unidades do Ministério Público brasileiro e consiste em um grupo de discussão que tem por
finalidade fomentar a construção de iniciativas de prevenção e repressão da corrupção no
âmbito do Ministério Público brasileiro. Atualmente, existem 10 eixos de atuação:
transparência e lei de Acesso à informação; controle interno e profissionalização da
administração pública; campanhas educativas; capacitação para o controle social; medidas
legislativas; projetos educacionais; pesquisas e indicadores; ampliação da democratização
do Ministério Público; segurança dos membros, servidores, profissionais e ativistas com
atuação na área de combate à corrupção e transparência; e criação da rede nacional de
combate à corrupção (CNMP, 2017a). De acordo com a Portaria CNMP-PRESI n. 101/2015,
são objetivos do FNCC:
Ocorre que o FNCC ainda é uma iniciativa muito incipiente e sem projeção nos
Ministérios Públicos, pelo menos para fins de planejamento e direcionamento das
51
Promotorias de Justiça dos mais diversos rincões do país, de modo que a atuação do
Ministério Público tem sido basicamente reativa e desconectada de uma estratégia nacional.
30
Dos Thesoureiros, Almuxarifes, Recebedores d'ElRey, ou dos Iffantes, que nom levem peita por pagarem as
conthias, moradias, ou mercees, que per elles sam desembargadas.
ElRey Dom Pedro hordenou em seu tempo, que nenhu seu Thesoureiro, nem Almuxarife, nem Iffantes seus filhos
nom levem peita alguã por pagarem aos Vassallos Suas Conthias, nem a qualquer outro, por lhe pagarem sua
vestiaria, ou moradia, qu, que d’ElRey, ou dos Iffantes ha d’aver, ou outra alguã graça, ou mercee, que lhes per
ElRey, ou Iffantes seja feita; e aqueelle, que o contrário fezer, moiram porem, e perca todo o que ouver pera a
Coroa do Regno.
I A qual Ley Vista per Nós a confirmamos em aquella parte, em que defende fazerem taael cousas, por nos parecer
muito justa: e na parte da pena, achamos que era muito grande, porque poderia a peita seer tam pequena, que nom
seeria cousa justa morrer por ello, e ainda seus herdeiros per sua morte serem privados de sua herança. E por tanto
em esta parte mingando da dita pena, Mandamos que Thesoureiro, Almuxarife, Recebedor, ou qualquer outro
Official, que tenha carrego de Nós pera pagar per Nosso mandado, ou desses Iffantes assy conthias, como vestiarias,
moradias, e quaeesquer outras graças, e mercees, e pollas assy pagarem levarem peitas daquelles, que as ouverem,
logo per esse meesmo feito sejam privados dos ditos Officios, que nunca os mais ajam; e aalem desto, paguem em
tresdobro aas partes aquello, que assy for certo, que delles levaarom: e ssy mandamos, que se cumpra, e guarde
daqui em diante. (PORTUGAL, 1446)
31
Muito embora a designação “crimes de responsabilidade” remeta a uma prática criminal, a legislação brasileira
o trata como infração político-administrativo, já que não se inclui entre as suas sanções a prisão privativa de
liberdade.
52
prisão por três a nove meses, desde que o ato de ofício tivesse se efetivado3233. O tratamento
leniente com os crimes de peita somente foi alterado posteriormente, com a Lei nº 2.848/1940,
o atual Código Penal em vigor, que alterou o nomem iuris para corrupção passiva e, através do
art. 317, estabeleceu, originariamente, em seu preceito secundário, uma pena de reclusão, de 1
(um) a 8 (oito) anos, e multa.
Para Ximenes (2016), a devida normatização no combate à improbidade, no plano civil,
se iniciou com a entrada em vigor da Lei Pitombo-Godói-Ilha, Lei n° 3.164, de 1º de junho de
1957, “a qual, no entanto, somente, preceituava o sequestro e perdimento de bens em desfavor
de integrantes da Administração Direta e autarquias, copiando, quase integralmente, o teor do
artigo 141, §31 da Constituição de 1946”. Nesta lei, houve a atribuição da legitimidade da ação
civil ao Ministério Público e a qualquer pessoa do povo.
Em 29 de junho de 1965, foi editada a Lei nº 4.717, que regulamentou a ação popular,
sendo um marco fundamental ao prever a legitimidade de qualquer cidadão para pleitear a
anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio. Ao Ministério Público,
coube a função de acompanhar a ação, apressar a produção de provas, promover a
responsabilização civil e criminal pelos atos e dar continuidade ao processo diante da
desistência do autor.
Com a lei 7.347, de 24 de julho de 1985, a legislação evoluiu mais uma vez na tutela
coletiva ao disciplinar a ação civil pública, prevendo as ações de responsabilidade por danos
morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo. A legitimidade, inicialmente, foi atribuída ao Ministério Público 34 , aos entes
32
Art. 130 - Receber dinheiro, ou outro algum donativo; ou aceitar promessa directa, e indirectamente para praticar,
ou deixar de praticar algum acto de officio contra, ou segundo a lei.
Penas - de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer; de multa igual ao tresdobro da peita; e de
prisão por tres a nove mezes. A pena de prisão não terá lugar, quando o acto, em vista do qual se recebeu, ou
aceitou a peita, se não tiver effectuado. (BRASIL, 1830)
33
Interessante notar que, para o crime de furto, previsto no art. 257, o mesmo código cominava uma pena muito
mais severa, de prisão com trabalho, de dois meses a quatro anos, além da multa, revelando a leniência com a
corrupção e o rigor com para com os delitos praticados por pobres e contra o patrimônio. Apesar de alguma
evolução, esse tratamento desproporcional permanece nos dias atuais.
34
O fundamento para a legitimidade do Ministério Público foi apresentado na exposição de motivos do Projeto
de Lei 4.984/1985, que se tornaria a Lei de Ação Civil Pública, nos seguintes termos: “Mas existem outros
interesses que não são individualizados, pois correspondem a um grupo, a uma comunidade ou à sociedade. Nesses
casos, não se vislumbra claramente quem é que poderia, em seu próprio nome, defender esses interesses não
individuais. Ao Ministério Público como defensor natural do interesse público deve caber, preferencialmente, a
titularidade ativa daqueles interesses não individuais, indisponíveis da sociedade, com a conseqüência de poder
provocar a atividade jurisdicional, na conformidade, aliás, da Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981
(Lei Orgânica do Ministério Público) que trata da ação civil pública como função institucional do Ministério
Público. Este, portanto, o suposto da sua legitimação processual”. Disponível em
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD05MAR1985.pdf#page=71
53
federativos, à administração pública indireta e às associações nos termos da lei. Nesta época,
contudo, não houve menção expressa sobre a tutela do patrimônio público e social, que somente
foi incluído muito posteriormente. Porém, foi criado aquele que viria a ser o principal
instrumento de investigação de improbidade, o inquérito civil público, presidido
exclusivamente pelo Ministério Público.
Já a Constituição Federal de 1988, além de consolidar as ações popular e civil pública,
de reestruturar fundamentalmente o Ministério Público e de prever outros parâmetros para a
proteção da moralidade e do patrimônio público, estabeleceu a responsabilização pelo que
denominou “atos de improbidade administrativa”, determinando que importarão a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, além de outras sanções previstas na lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em 02 de junho de 1992, foi publicada a Lei nº 8.429, a famosa lei de improbidade, que
pode ser considerada um marco do combate à corrupção, prevendo medidas assecuratórias e o
processamento da responsabilização de agentes públicos e particulares que concorreram para a
prática de atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito, que causem
prejuízo ao erário ou que atentam contra os princípios da administração pública. Estabeleceu a
lei que a ação seria proposta exclusivamente pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica
interessada.
Interessante observar que a proposição originária do projeto de Lei nº 1.446/1997, que
viria a se tornar a Lei 8.429/1992, não utilizava a expressão “improbidade administrativa” e
nem mesmo atribuía expressamente a legitimidade da ação principal ao Ministério Público,
muito embora a interpretação franqueasse a essa conclusão. Já na exposição de motivos, o termo
foi mencionado uma única vez, em alusão ao mandado constitucional de tipificação e associado
ao combate à impunidade da corrupção. O Ministério Público também apareceu de forma tímida,
tão somente para promover o inquérito civil e o inquérito policial para a apuração do
enriquecimento ilícito.
54
Em 1993, foram editadas as leis orgânicas dos Ministérios Públicos (8.625/93 e 75/93),
consagrando os vetores traçados pela Constituição, além de outros avanços que permitiram uma
atuação eficiente no enfrentamento da corrupção. Com a Lei nº 9.034/1995, houve um salto nas
possibilidades investigatórias com a regulamentação de meios operacionais e especiais para a
prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, especialmente a
colaboração premiada, que também foi posteriormente tratada nas Leis 9.080/95 e 9.807/99. A
Lei nº 9.296/1996 também trouxe importantíssimas contribuições ao disciplinar as
interceptações de comunicações telefônicas.
Em 1998, foi publicada a relevante Lei nº 9.613/98, que dispôs sobre os crimes de
"lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema
financeiro para os ilícitos; e a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras –
COAF. Desde o início, o referido diploma normativo já previu a punição da lavagem de capitais
55
Ministério Público (MP) para promover, por autoridade própria, investigações de natureza
penal35.
35
Ao negar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 593727, com repercussão geral reconhecida, o STF
fixou a seguinte tese: “ O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria,
e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que
assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, estritamente, por
seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de
que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei nº 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I,
II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de
Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante
14), praticados pelos membros dessa instituição
57
Interessante observar, como bem salienta Sadek (2009, p.21), que tem havido uma
visibilidade da instituição e uma redefinição da sua identidade no contexto democrático:
36
As críticas de Gilmar Mendes ao Ministério Público continuam até os dias atuais.
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/24/politica/1571944278_725688.html.
59
Para além da forma como o Ministério Público foi moldado normativa e organicamente,
também se desenvolveram em torno dessa instituição imagens e autoimagens institucionais que
acompanharam o surgimento do discurso e da memória brasileira da corrupção (e da sua
impunidade) e que também contribuíram para a formação da identidade institucional do
Ministério Público. Assim, neste capítulo, serão abordadas as percepções, tanto externas como
internas, bem como os processos sociais que podem tê-las influenciado.
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor com base nos dados apresentados por Transparency International (2019)
Pelo gráfico, observa-se que desde antes de 1998, a preocupação com a corrupção
apresentava níveis semelhantes a outros temas como violência, educação e desemprego e, a
partir de 2014, período coincidente com a deflagração da Operação Lava Jato, teve um aumento
exponencial. Deve-se registrar, entretanto, que, após 2017, a importância deste tema começou
a reduzir, sendo considerado o segundo principal problema (18%), ao lado do desemprego
(18%), atrás apenas de saúde (24%) (DATAFOLHA, 2017). Em 2019, continuou a tendência
de queda pelo interesse do tema, que ficou em 5º lugar (9%), atrás de saúde (18%), educação
(15%), desemprego (15%) e segurança pública (11%) (DATAFOLHA, 2019). Ainda assim, o
tema persiste apresentando grande relevância e chamando a atenção, embora existam indícios
de arrefecimento da preocupação da sociedade em relação a essa temática.
Ao estudar a eficiência do sistema judicial de combate à corrupção, a partir da
comparação dos casos identificados por comissões administrativas com os resultados do
sistema judicial para as mesmas condutas, Alencar e Gico Jr. concluíram que a eficácia do
sistema criminal (chances de condenação) é de apenas, 3,17%. No âmbito cível, apesar de haver
um número absoluto maior de ações cíveis contra servidores ímprobos, os resultados efetivos
são piores: apenas 1,59%. Mesmo combinando os dois resultados, o desempenho continua pífio,
apenas 4,76%. No final das contas, considerando que a condenação criminal não representa
necessariamente tempo de carceragem, os autores estimam que a chance de alguém ser
efetivamente preso, no Brasil, por corrupção, é próxima de zero, tornando a atividade criminosa
63
altamente lucrativa e ubíqua em nossa sociedade (ALENCAR; GICO JR., 2011, p. 88-89).
Apesar da pesquisa de Alencar e Gico Jr. serem anteriores às primeiras condenações do
Mensalão e, principalmente, à Operação Lava Jato, compreende-se que as conclusões
permanecem atuais já que, muito embora estas iniciativas demonstrem um princípio de
mudança, ainda constituem resultados ínfimos que apenas justificam a regra da impunidade
ante a amplitude do fenômeno.
No relatório analítico propositivo, sobre justiça criminal, impunidade e prescrição,
elaborado pelo CNJ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 170-171), os
pesquisadores afirmaram que, nas análises de primeira instância, foi identificado “um padrão
relativamente constante de persecução nos sistemas de justiça estudados: arquivamentos de
aproximadamente 20% e taxas de prescrição menores do que 10%”, o que supostamente
indicaria um cenário de baixa impunidade. Ocorre que, conforme consignado pelos mesmos
pesquisadores, “um outro lado que fragiliza essa interpretação é a presença significativa de
arquivamentos sem resolução de mérito”, bem como a alta duração dos processos de corrupção,
sobretudo na fase de aceite da denúncia, em virtude do próprio funcionamento do judiciário.
Mas não é só isso que infirma a hipótese de baixa impunidade levantada no relatório. É que,
para levantar dados objetivos, metodologicamente o estudo restringiu o conceito de impunidade
apenas à existência da prescrição (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 21). Com
isso, foram desconsiderados outros fatores relevantes de impunidade, como a própria imunidade
de criminosos do colarinho branco ao sistema de justiça criminal como tão bem demonstrado
por Sutherland (2014), já que parte dos delitos nem chega a ser conhecida pela Justiça e, mesmo
quando isso ocorre, não são interpretados como atos criminosos. Os indultos benevolentes
também afastam a efetiva punição de criminosos de classes mais altas. Ademais, não houve
comparação entre os resultados dos crimes do colarinho branco e aqueles relativos a outros
delitos, o que certamente evidenciaria a continuidade da forma diferenciada de tratamento entre
os respectivos grupos criminosos.
No caso Banestado, por exemplo, em um levantamento feito pela Justiça no início de
2017, dos 684 acusados, apenas sete foram presos após o fim do processo e outros seis foram
detidos depois da recente decisão do Supremo que permitiu a prisão após a condenação de
segundo grau. Assim após mais de 10 anos das acusações, apenas 1,9% dos acusados foram
presos, sendo que, de modo, em geral, somente os colaboradores foram punidos, embora
devessem estar em uma situação melhor do que os demais (DALLAGNOL, 2017). No âmbito
das cortes superiores o problema parece ser maior ainda, tanto que, após a Constituição Federal
de 1988, apesar de ter investigado mais de quinhentos, somente em 2010 o Supremo Tribunal
64
Federal condenou pela primeira vez um parlamentar37. Apenas em 2013, o ex-Deputado Federal
Natan Donadon tornou-se o primeiro congressista em exercício a ter a prisão decretada pelo
STF, após ser condenado a 13 anos, 04 meses e 10 dias por desviar cerca de R$ 8,4 milhões da
Assembleia Legislativa de Rondônia entre 1995 e 1998. Em 2016, contudo, Donadon obteve o
livramento condicional e em 2019 teve a sua pena perdoada após ser contemplado por indulto
concedido pelo ex-Presidente Michel Temer38.
Como bem pontuado por Filgueiras (2009, p. 417), apesar dos avanços na efetivação de
princípios e valores fundamentais, ainda persistem posições céticas e cínicas em relação às
instituições, resultando em uma síndrome de desconfiança e indiferença. No Ministério Público,
essa sensação de impunidade também é percebida fortemente. Dallagnol (2017) relata que, na
sua experiência como procurador da república, encontrou muitos obstáculos que quase sempre
asseguraram a impunidade em crimes do colarinho branco, entre eles, a demora, a anulação de
casos, a prescrição, as penas baixas, os indultos, o foro privilegiado, o excesso de recursos, a
ausência de criminalização do enriquecimento ilícito e a falta de instrumentos aptos a recuperar
o dinheiro desviado. Assim, conclui o autor que “o sistema é tão bem-feito para não funcionar
que a operação Lava Jato é uma exceção que confirma a regra”. Essa percepção já havia sido
externada pelo mesmo autor em 2008 quando, após uma decisão do STJ que anulou
interceptações em uma investigação do Grupo Sundown 39 , desabafou em manifesto
encaminhado à imprensa:
37
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/22/politica/1440198867_786163.html
38
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/17/ex-deputado-natan-donadon-obtem-perdao-da-pena-no-
supremo-com-base-em-indulto-de-temer.ghtml
39
Segundo Dallagnol (2017), neste caso, “depois de muitas investigações e seis processos criminais que
tramitaram ao longo de duas décadas e cujas penas somadas foram superiores a 100 anos, esses dois empresários
aprenderam uma lição: vale a pena cometer crimes de colarinho branco no Brasil, pois os processos prescrevem
ou são anulados”.
65
Público. É possível que, a partir disso, também tenha se intensificado uma perspectiva de maior
policiamento das classes mais elevadas, com vistas a alterar a histórica seletividade da atuação
penal, outrora relegada aos pobres e, consequentemente, repercutindo em maior exposição
midiática.
Como visto, a partir da década de noventa, todo o mundo passou a dar maior importância
ao tema da corrupção. No Brasil, entretanto, o discurso do combate à corrupção parece ter se
intensificado ainda mais, inclusive aparecendo como pauta nas maiores manifestações de rua
da história da democracia brasileira de 1992 (caras-pintadas40), 2013 (jornadas de junho41) e de
20164243.
40
“Primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização, Fernando Collor fez um pedido simples
à população, ao se ver ameaçado pelo impeachment: como sinal de apoio, queria que todos os brasileiros fossem
às ruas no domingo, 16 de agosto de 1992, vestindo verde e amarelo. A resposta foi imediata. Milhares de
brasileiros, sobretudo jovens, pintaram o rosto e foram às ruas usando preto, pedindo seu impedimento. Era a
chamada geração dos caras-pintada, que mudou a história do País”. Disponível em: https://istoe.com.br/primeiro-
impeachment/
41
“O que começou com uma reivindicação sobre a tarifa do transporte público, em São Paulo, ganhou novas
pautas e diferentes protagonistas em outras cidades, como Brasília. [...] Em parte do país, as manifestações das
Jornadas de Junho começaram a ganhar força logo no início do mês, a partir do dia 6. Em Brasília, a movimentação
começou com quase uma semana de atraso. Três antes da tentativa de invasão no Itamaraty, em 17 de junho,
manifestantes romperam o cordão de isolamento da Polícia Militar e ocuparam a marquise do Congresso
Nacional – onde ficam as cúpulas da Câmara e do Senado. A ação, com forte simbolismo, é lembrada até hoje por
quem participou dos atos. A ocupação foi parte do protesto que reuniu 5,2 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios.
Na época, o grupo também chegou a fechar as seis faixas do Eixo monumental. [...] Durante a onda de protestos
em Brasília, manifestantes entoaram palavras de ordem sobre temas diferentes. Entre os alvos estavam,
principalmente, a PEC 37 – que previa uma limitação no poder de investigação do Ministério Público. No mesmo
ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi derrubada por 430 votos a 9 (e duas abstenções). Com o
resultado, o texto – que previa competência exclusiva da polícia nessas apurações – foi arquivado. [...] Para a
doutora em políticas sociais pela Universidade de Brasília (UnB) Maria Lúcia Lopes da Silva, junho de 2013 foi
"um mês que não terminou". A professora do curso de serviço social afirma que os atos daquele momento dialogam
diretamente com a conjuntura política atual.”. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-
federal/noticia/junho-de-2013-relembre-os-atos-em-brasilia-e-veja-o-que-mudou-5-anos-depois.ghtml
42
“Em 2015, a presidente Dilma Rousseff começaria a sentir os maus agouros deixados por governos anteriores.
A população, que se encantava com o trabalho realizado pela Lava Jato, optou por ir às ruas pedir a saída oficial
da então presidente. Assim, milhões de pessoas reuniram-se por todo o território nacional encabeçadas,
principalmente, pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo slogan “Vem pra rua”. Ambos tiveram seu ápice de
fortalecimento justamente em junho de 2013 e, dois anos depois, a união da direita foi decisiva para o afastamento
de Dilma”. Disponível em: http://reporterunesp.jor.br/2019/10/29/manifestacoes-expoem-crises-e-esperancas-
desde-a-redemocratizacao/
43
Mesmo após o impedimento da Presente Dilma Rousseff os protestos continuaram em defesa da Operação Lava
Jato: “vestidos principalmente de verde e amarelo, os manifestantes defenderam, entre outros, as dez medidas
contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal. Alguns seguraram faixas em defesa da operação
Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. Os alvos principais do protesto foram os presidentes do Senado, Renan Calheiros
66
Nos jornais e nas mídias de modo geral, os graves escândalos dominaram a pauta diária
dos jornais, assumindo o formato de folhetim e revelando, como um espetáculo, as vísceras de
um sistema político marcado pela desonestidade, em nada perdendo para as maiores e mais
criativas produções hollywoodianas, que posteriormente se transformaram em livros, filmes,
documentários e séries. Com este pano de fundo, milhares de pessoas foram às ruas para se
manifestar, provocando, além do impeachment de dois Presidentes da República, uma
infinidade de reflexos normativos, jurisprudenciais, econômicos, políticos e comportamentais.
Essas cenas marcaram a memória do brasileiro e reverberam no discurso da corrupção até os
dias atuais.
(PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Renan foi criticado por tentar acelerar a aprovação
do projeto que muda a lei do abuso de autoridade, que contrariou juízes e procuradores da Operação Lava Jato, e
por ter colocado em votação 10 medidas contra a corrupção que desfiguraram o pacote original. O presidente
Michel Temer foi poupado”. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/manifestacoes-a-favor-da-lava-
jato-e-contra-a-corrupcao-ocorrem-em-todo-o-pais.ghtml
67
Fonte: G1 (2016)
Foto: Cris Faga/Fox Press Photo/Estadão Conteúdo
44
Conferir em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/22/apos-divulgacao-de-video-de-
reuniao-bolsonaro-e-alvo-de-panelacos.htm
45
Conferir em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443959&ori=1 e
http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/augusto-aras-solicita-inquerito-ao-stf-para-apurar-fatos-narrados-e-
declaracoes-de-sergio-moro
69
violação de regras, convenções ou leis, mas, para ser escandalosa, precisa ser denunciada.
Assim, a articulação pública do discurso denunciatório é a condição para que uma corrupção
se transforme em um escândalo. Os escândalos redefinem as relações entre a vida pública e
a vida privada e desenrolam-se como um enredo de novela, envolvendo os sujeitos
espectadores e leitores que acompanham todas as etapas da história e deixam de ser
discursivizados quando não despertam mais interesse público (FONSECA-SILVA, 2009, p.
9).
Fonseca-Silva (2009, p. 2-3) estudou a discursividade sobre a corrupção através das
capas da revista Veja, lançada em 1968, pela Editora Abril, e descobriu que, no período de
março de 1974 a agosto 1989, a publicação dedicou cento e quinze (115) capas à política
no Brasil, sendo 25 (22%) relacionadas a escândalos e corrupção e 90 (78%) a outros temas
sobre política e economia. Já no período de setembro de 1989 a julho de 2008, a mesma
revista dedicou duzentos e trinta (230) capas à política no Brasil, das quais 46 (20%) diziam
respeito às campanhas eleitorais, 127 (55%) se referiam a escândalos e corrupção, e 57
(25%) a outros temas sobre política e economia. Por outro lado, a mesma pesquisa
(FONSECA-SILVA, 2009, p. 2-3) identificou que, no processo de abertura política (1974 a
1990), houve vinte e cinco (25) casos de escândalos e corrupção: 9 (36%) no Governo
Geisel; 10 (40%) no Governo Figueiredo; 6 (24%) no governo de transição de Governo
Sarney; enquanto que, no período da chamada nova democracia brasileira (1990 a 2008),
houve duzentos e cinco escândalos e corrupção: 19 (9%) no Governo Collor; 31 (15%) no
Governo Itamar; quarenta e seis 46 (22%) casos nos Governos FHC; e 109 (54%) nos
Governos Lula. Ao final, Fonseca-Silva (2009, p. 10) concluiu que:
Com forte nos dados coletados na pesquisa de Fonseca-Silva, é fácil perceber como
houve uma escalada intensa nos escândalos de corrupção discursivizados e na sua
espetacularização, representando, claramente, uma função exponencial. Basta ver, por
exemplo, com forte nos dados retro mencionados, que, enquanto, no período de 1974 e
1990, houve 25 escândalos de corrupção, equivalentes ao mesmo número capas da revista
Veja, entre 1990 e 2008, foram identificados 205 escândalos de corrupção, que renderam
230 capas do periódico. O gráfico abaixo ilustra melhor esse crescimento, tanto dos
escândalos como das capas, valendo notar que no Governo de Collor houve uma saturação
da discursivização, enquanto, nos demais, ocorreu pouca publicidade. Em todos os casos,
contudo, nota-se uma correspondência muito próxima entre os escândalos e a
espetacularização.
71
100
80
60
40
20
0
Governo Governo Governo Governo Governo Governos Governos
Geisel Figueiredo Sarney Collor Itamar FHC Lula
(março de (abril de (abril de (março de (outubro (janeiro de (janeiro de
1974 – 1979 – 1985 – 1990 - de 1992 – 1995 – 2003 até
março de março de fevereiro setembro dezembro dezembro julho de
1979)5 1985) 5 de 1990) 5 de 1992) 1 de1994) 1 de2002) 8 2008) 5
anos anos anos ano e 9 ano e 3 anos anos e 3
meses meses meses
Fonte: Gráfico elaborado pelo autor com base nos dados apresentados por Fonseca-Silva (2009, p. 4-
5)
Para Fonseca-Silva (2009, p. 1), na atualidade, a mídia pode ser definida como um
“lugar de memória discursiva e como instrumento de espetacularização da vida, do corpo,
do cotidiano e, no tocante a este trabalho, da política”. Interessa, portanto, investigar como
a memória reatualiza os sentidos sobre a corrupção, influenciando o pensamento coletivo, os
movimentos sociais e as instituições em determinado tempo e espaço.
Fonseca-Silva e Fonseca-Nunes (2015, p. 3) estudaram o campo discursivo sobre os
julgamentos político e jurídico do caso Collor e do Caso mensalão através do levantamento
das petições iniciais e das decisões do STF prolatadas durante o julgamento das Ações
Penais n°s 307/1994 e 470/2007 e dos processos de Impeachment, selecionando quatro
conjuntos de sequências discursivas: a) sequências discursivas sobre o julgamento político
do caso Collor; b) sequências discursivas sobre o julgamento jurídico do caso Collor; c)
sequências discursivas sobre o julgamento político do caso Mensalão; d) sequências
discursivas sobre o julgamento jurídico do caso Mensalão. Segundo os referidos
pesquisadores (FONSECA-SILVA; FONSECA-NUNES; 2015, p. 4), o desenvolvimento
temporal de um escândalo de corrupção, que se desenrola como um enredo de novela,
depende de outras instituições, entre elas a Justiça, as instituições políticas e até policiais.
Porém, no período de redemocratização, vivenciamos um excesso de memória sobre a
corrupção política no país, tendo a mídia funcionado como um lugar de memória discursiva,
na luta contra o esquecimento de crimes de corrupção política, indicando as condições e
regras que devem vigorar na sociedade e os fatores determinantes de governabilidade.
Assim, concluem que:
Os pesquisadores também perguntaram aos cidadãos quais problemas sociais, com base
em uma lista com onze itens, deveriam ser resolvidos primeiro, sendo destacado o “combate à
corrupção”, escolhido por 25,1%. O “direito à saúde” e o “direito à educação”, apareceram, em
seguida, com 21,5% e 14,6%, respectivamente (CNMP, 2017).
75
Os resultados revelam, ainda, que, entre os temas previamente listados, 36% dos
respondentes disseram que o Ministério Público deve dar mais atenção ao “combate à
corrupção”. Em segundo e terceiro lugares apareceram o “combate aos crimes em geral”, com
16,3%, e o “acesso aos serviços públicos essenciais”, com 13,4%. Além disso, 59,4% disseram
perceber a atuação da instituição no “combate à corrupção”, 56,1% no combate “ao crime em
geral” e 55,9% na “fiscalização do cumprimento da lei”.
Interessante notar que “corrupção” foi a segunda palavra mais associada ao Ministério
Público espontaneamente (10,5%), logo após para a palavra justiça (13,0%) (CNMP, 2017).
Gareth Morgan (apud SOUZA, 2006, p. 181) constata a viabilidade da sobreposição das
imagens organizacionais a partir de um elenco de metáforas e conclui que qualquer análise
organizacional deve partir do pressuposto de que as organizações podem ser muitas ao mesmo
tempo. Para Souza (2006, p. 182), a partir do contexto social-econômico-político-cultural em
que se insere a organização e os indivíduos, a imagem pode ser vista de várias formas, entretanto
77
a imagem de uma entidade poderia ser aferida a partir do resultado do balanço entre as
percepções que a organização representa para os seus diversos públicos.
No âmbito da sociologia, a imagem pode ser correlacionada com a representação social,
importando em um ganho teórico à compreensão da formação das diversas imagens
institucionais a partir de uma perspectiva dinâmica das mais variadas possibilidades de atuação
do Ministério Público, conforme o contexto funcional, territorial, político etc. Em Goffman
(2002, p. 29), o termo “representação” é utilizado para referir a “toda atividade de um indivíduo
que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular
de observadores e que tem sobre estes alguma influência”. Segundo o autor:
e Maria Tereza Sadek, junto a integrantes da ativa do Ministério Público Federal, com base em
dados coletados em julho de 1997 (CASTILHO; SADEK, 2010). Já segunda pesquisa,
“Ministério Público: Guardião da Democracia Brasileira?” foi realizada pelo Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania – CESeC, sob a coordenação das Professoras Julita Lemgruber e
Ludmila Ribeiro, e consistiu, sobretudo, na aplicação de um questionário a uma amostra
representativa de promotores e procuradores dos MPs federal e estaduais de todo o país, entre
fevereiro de 2015 a fevereiro de 2016 (LEMGRUBER et al, 2016). A partir desse último,
também foi escrito o trabalho “Ministério Público: Velha instituição com novas funções?”, da
Professora Ludmila Ribeiro (RIBEIRO, 2017), cujos resultados também trouxeram grandes
contribuições. As pesquisas revelam as percepções do Ministério Público brasileiro em épocas
diferentes, separadas por quase 20 anos. Além disso, a segunda pesquisa é mais ampla, já que
abrangeu promotores e procuradores do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos
estaduais de todo o país, enquanto a primeira pesquisa somente foi realizada no âmbito federal.
As pesquisas não são estritamente comparáveis, porém muitos dos dados podem ser cotejados
tanto em relação ao tempo como em relação ao perfil do Ministério Público, seja do ponto de
vista federal ou nacional.
Conforme a pesquisa de Lemgruber et al (2016, p. 18), o Ministério Público brasileiro
é composto sobretudo por homens (70%). A idade dos entrevistados varia de 27 a 71 anos, com
média e mediana de 43, tanto entre homens como entre mulheres. Em relação ao levantamento
de Sadek (1997), que registrou média de 33 anos, os promotores e procuradores brasileiros
parecem ter envelhecido. Na esmagadora maioria (93,4%), os membros ingressaram na carreira
depois de promulgada a Constituição Federal de 1988. Há diferenças significativas no perfil
etário dos membros que trabalham no interior e nas regiões metropolitanas, sendo os primeiros
mais jovens que os segundos (médias 39 e 45 anos, respectivamente), o que se explica em boa
parte pela forma como a carreira está estruturada. Dos membros do MP que preencheram o
questionário, 50% trabalhavam no interior e 50% nas capitais e regiões metropolitanas; cerca
de 88% eram promotores e 12%, procuradores. Entre os procuradores abrangidos pela pesquisa
do CESeC, a média de idade era de 50 anos.
Na mesma pesquisa, quanto aos motivos pelos quais escolheram o concurso do MP,
promotores e procuradores apontaram a realização da justiça em primeiro lugar, com 98% de
respostas. A estabilidade no cargo foi o segundo mais citado, com 92% de respostas, seguido
da atuação no combate à criminalidade, que teve 75% de respostas. Remuneração (74%);
proteção da população de baixa renda (64%) e prestígio/reconhecimento (44%) são outros
motivos para a opção pela instituição (LEMGRUBER et al, 2016, p. 19). De acordo com
79
Lemgruber et al (2016, p. 19) “o que essas respostas não permitem saber é de que modo(s) foi
interpretada a expressão realização de justiça: se como defesa de amplos direitos da população,
para promover justiça social, ou sobretudo como denúncia de pessoas indiciadas por crimes”.
Sob a análise das referidas autoras, “considerando que atuação no combate à criminalidade teve
75% de respostas, a última leitura parece fazer mais sentido; entretanto, embora inferior a esse,
é alto também o percentual dos que marcaram proteção da população de baixa renda (64%)
entre os cinco principais motivos de opção pela carreira no MP”.
Neste cenário, diante de tantas atribuições, chama a atenção como o Ministério Público
desenvolveu especial interesse pelo enfrentamento da corrupção. Lemgruber et al (2016, p. 29-
30) revelam, no ano de 2016, 2/3 dos membros do Ministério Público de todo o Brasil
identificou o combate à corrupção como a área de atuação considerada prioritária em seus
respectivos órgãos.
Em trabalho realizado no âmbito do mesmo grupo, Ribeiro (2017, p. 70) explica que
embora nem todas as atribuições sejam realizadas a contento, o combate à corrupção é o tema
prioritário para 62% dos membros do Ministério Público.
Segundo Ribeiro (2017, p. 71), a segunda temática com maior quantidade de menções
foi a investigação criminal (49%), o que, para a referida Professora, era de se esperar um número
maior, já que era o objeto da discussão ao derredor da PEC 37, bem como em razão da atividade
de acusação do MP se basear nas provas coletadas ao longo da investigação. O resultado é
interessante na medida em que destaca o enfrentamento da corrupção, dentre tantas outras
atribuições igualmente relevantes, como a prioridade que une os membros sob a perspectiva de
uma instituição.
Investigação criminal 49
Meio ambiente 45
Júri 29
Eleitoral 15
Portanto, parece razoável afirmar que os resultados acima indicam a existência uma
autoimagem ligada ao enfrentamento da corrupção, o que não impede que os indivíduos oscilem
na representação conforme a sua crença ou descrença a respeito da sua função. Neste sentido,
Goffman (2002, p. 28) afirma que:
46
Embora a Justiça Militar Estadual tenha obtido o pior desempenho, com apenas 1% de avaliação positiva, nota-
se que houve 42,5% de respondentes que afirmaram não ter opinião, sugerindo que o resultado não é
suficientemente preciso.
84
47
https://www.conamp.org.br/pt/congresso-nacional-do-mp.html
85
Fonte: CONAMP
congressos não observaram a mesma estrutura, apesar da maioria ter optado por essa
classificação. Muitos livros estavam desorganizados, não sendo possível classificar os
títulos sequer entre atividades criminais ou não penais. Nada obstante, a classificação das
teses apresentadas no último Congresso Nacional do Ministério Público (2019) surpreendeu
ao organizar, pela primeira vez, as teses sobre corrupção em um título específico
denominado “investigação e combate à corrupção e ao crime organizado”. Essa alteração
simbólica somente corrobora a importância que o tema da corrupção assumiu no Ministério
Público nos últimos anos.
Fonte: CONAMP
2 2,1 1,8
0,6
0 0 0
Todavia, foi possível constatar que, nesse período, o termo corrupção apareceu
algumas vezes no corpo dos artigos de temas diversos, quase sempre citado para referir à
gravidade e à impunidade, revelando que o tema era objeto de alguma preocupação dos
membros, embora com menor intensidade e sob outra compreensão. Além disso, como bem
ilustra o texto abaixo, havia a aspiração de incorporar ao Ministério Público poderes e
atribuições de agência anticorrupção, por compreender que o órgão ministerial teria
melhores condições de desempenhar essas funções em comparação com outros órgãos.
48
Tema: “Os novos desafios do Ministério Público”
49
Tema “Os desafios e oportunidades do Ministério Público brasileiro na era digital”
89
Entretanto, como bem anotado por Arantes (2011, p. 123), esse tipo de ação
demonstrou poucos resultados e a baixa efetividade da esfera civil provocou o deslocamento
do combate à corrupção para a esfera criminal. Arantes (2011, p.99) observou ainda que, com
o fortalecimento da Polícia Federal e melhores condições de articulação institucional, houve ao
todo três deslocamentos no arranjo institucional que congrega as ações de combate à
corrupção e ao crime organizado: “1) da esfera cível para a esfera criminal; 2) da esfera
estadual para a esfera federal; e 3) da desarticulação a um maior adensamento das relações
no interior da web of accountability institutions, resultando em um aumento relativo da
eficácia de suas ações”. Segundo o referido cientista político:
A operação Lava Jato parece ter sido o auge desse fenômeno, anos depois. Por se
tratar de uma temática que suscita uma análise mais detalhada, será discutida no próximo
tópico.
50
“Ainda sem ter nome definido, as investigações da Operação Lava Jato começaram em 2009, com a apuração
de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene (PP), em Londrina (PR). Além
dele, estavam envolvidos nos crimes os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater. Youssef já havia sido
90
investigado e processado por crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro no Caso
Banestado, no início dos anos 2000. Como a lavagem do dinheiro ocorria no Paraná, a investigação foi ancorada
na vara especializada em lavagem de dinheiro da Justiça Federal naquele estado. Em 2013, a partir de
interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, os investigadores começaram a monitorar as conversas dos
doleiros e identificam quatro organizações criminosas que se relacionavam entre si. A primeira era chefiada por
Chater (cuja investigação ficou conhecida como Operação Lava Jato, nome que acabou sendo usado, mais tarde,
para se referir também a todos os casos); a segunda, por Nelma Kodama (Operação Dolce Vita); a terceira, por
Alberto Youssef (Operação Bidone); e a quarta, por Raul Srour (Operação Casa Blanca)” (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL).
51
A equipe da força-tarefa do MPF da primeira instância no Paraná, que vem sendo renovada a cada ano, é
atualmente composta pelos seguintes membros: Deltan Martinazzo Dallagnol (Coordenador); Alexandre Jabur;
Antônio Augusto Teixeira Diniz; Athayde Ribeiro Costa; Felipe D´Elia Camargo; Joel Bogo; Júlio Carlos Motta
Noronha; Laura Tessler; Luciana de Miguel Cardoso Bogo; Marcelo Ribeiro Oliveira; Orlando Martello Junior;
Paulo Roberto Galvão; Roberson Henrique Pozzobon; Antônio Carlos Welter; e Januário Paludo. Além destes, já
atuaram na força-tarefa: Andrey Borges de Mendonça; Carlos Fernando dos Santos Lima; Diogo Castor de Mattos;
Isabel Cristina Groba Vieira; Jerusa Burmann Viecili; e Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara
91
Boa parte do caso Lava Jato foi concentrado na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba,
especializada em crimes financeiros e de lavagem de ativos, vez que os primeiros fatos
investigados envolviam lavagem de dinheiro praticada em Londrina, no Paraná, entre outras
pessoas, por Alberto Youssef, que tinha inquéritos e processos suspensos em razão de
colaboração que ele vinha prestando em Curitiba, naquela Vara. Além disso, havia uma grande
inter-relação entre as investigações, de modo que a prova dos fatos ocorridos em diferentes
estados seria reciprocamente útil (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Com o aprofundamento das investigações, descobriu-se que os esquemas de corrupção
e lavagem de dinheiro tinham ramificações em outros órgãos como a Caixa Econômica Federal,
Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Eletrobras, Usina Nuclear Angra 3 e
Ministério do Planejamento. Paralelamente à operação iniciada no Paraná, as investigações se
expandiram para alcançar pessoas com foro especial e, em janeiro de 2015, foi criado um grupo
de trabalho formado por membros do MPF e do MPDFT para auxiliar a Procuradoria Geral da
República na análise de procedimentos que deveriam tramitar perante o Supremo Tribunal
Federal. Em março do mesmo ano, foi instituída uma força-tarefa na Procuradoria Regional da
República da 4ª Região (PRR4) para atuar junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em
dezembro, o Conselho Superior do Ministério Público Federal criou a força-tarefa para atuar na
Lava Jato perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL)
Foi assim que, em março de 2015, o procurador-geral da República Rodrigo Janot
apresentou ao Supremo Tribunal Federal – STF 28 petições para a abertura de inquéritos
criminais destinados a apurar fatos atribuídos a 49 pessoas com foro por prerrogativa de função
que estavam relacionadas a partidos políticos responsáveis por indicar os diretores da Petrobrás
e que haviam sido citadas em colaborações premiadas (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Atualmente, a operação conta com desmembramentos no Rio de Janeiro, no Distrito Federal e
em São Paulo, além das ações nos tribunais superiores, sendo estimado o volume de recursos
dos cofres públicos em bilhões de reais. Além disso, pelo menos 12 países iniciaram suas
próprias investigações a partir de informações compartilhadas por meio de acordo de
cooperação internacional (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
A força-tarefa do caso Lava Jato continuam até os dias atuais, sendo que, em dezembro
de 2019, foi deflagrada a 70ª fase da operação, com o cumprimento de 12 mandados de busca
e apreensão, expedidos pela 13ª Vara Federal de Curitiba, com o intuito de aprofundar as
investigações relacionadas a esquemas de corrupção em contratos de afretamento de navios
celebrados pela Petrobras. Em fevereiro deste ano de 2020, o Ministério Público Federal
denunciou Paulo Bauer por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em
92
organização criminosa, além de outras 10 pessoas, por integrarem esquema para favorecer os
interesses do grupo Hypermarcas no Senado Federal, entre 2013 e 2015, quando o então senador
pelo PSDB, recebeu indevidamente R$ 11,8 mi com a ajuda do assessor parlamentar Marcos
Antônio Moser (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Os números da operação Lava Jato impressionam. Até o momento, já foram realizadas
1.343 buscas e apreensões, 163 prisões temporárias, 130 prisões preventivas, 211 conduções
coercitivas e 138 acordos de colaboração homologados no STF em atuação conjunta com a
PGR. Além disso, 500 investigados foram denunciados, sendo devolvidos aos cofres públicos
4 bilhões, de um total de 14,3 bilhões previstos de recuperação. Apenas na 1ª instância de
Curitiba, já foram condenadas 165 pessoas, em decorrência de 70 operações. No Rio de Janeiro
foram mais 39 operações que refletiram em 41 condenações (MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL).
Figura 13 - Por meio de acordos de colaboração e leniência celebrados no âmbito da operação, foi
possível restituir hoje R$ 653,9 milhões para os cofres da estatal
Já os resultados das instâncias superiores não parecem seguir a mesma dinâmica. Apesar
de terem sido denunciadas sete pessoas no STJ e 126 no STF, até o momento nenhuma foi
julgada (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL) 52 , o que reforça as discussões acerca dos
malefícios acerca dos foros privilegiados. No âmbito civil, somente foram propostas 10 ações
de improbidade administrativa, refletindo a preponderância da atual preferência pela
52
A última atualização foi em 06/05/2020.
93
53
“Em 2004, a força-tarefa do Ministério Público Federal para o caso Banestado utilizou pela primeira vez no
País o sistema de acordos escritos e clausulados de delação premiada. Deu-se na ação penal n. 2003.70.00.056661-
8 proposta contra o doleiro Alberto Youssef. O acordo foi elaborado pelos Procuradores Carlos Fernando dos
Santos Lima e Vladimir Aras, representando o MPF, tendo sido firmados pelo réu e por seu defensor, Antônio
Augusto Figueiredo Basto, sendo homologado pelo juiz Sérgio Fernando Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de
Curitiba/PR” (https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/#sdfootnote6sym). A
anedota do baiano Vladimir Aras, atualmente procurador regional da república, acerca de como o caso Banestado
lhe inspirou a migrar do Ministério Público da Bahia para o MPF é bastante ilustrativa, inclusive com relação às
dificuldades da atuação estadual no seu tempo: “A diligente atuação do colega Celso Três, então lotado
no MPF/PR, teve grande impacto na época. Lembro muito bem. Eu era membro do Ministério Público da
Bahia quando li as notícias sobre o Banestado e sua máquina de evadir divisas. Atuava em Feira de Santana na
área de combate à improbidade, conduzindo vários inquéritos civis sobre estripulias as mais diversas. A cidade
estava sob o flagelo de um prefeito corrupto por convicção. E, graças a “vocês-sabem-quem”, o MP baiano (eu e
o colega Valmiro Macedo) era incapaz (ou éramos nós?) de conseguir uma mísera quebra de sigilo do dito cujo.
Nada. Foi quando vi o dr. Celso Três na TV e nos jornais conseguir esse feito marcante na história do combate à
lavagem de dinheiro no Brasil: a quebra do sigilo bancário de todas as contas CC-5 do País. Fiquei com inveja e
resolvi voltar a estudar para o concurso do MPF” (https://vladimiraras.blog/2013/06/27/era-uma-vez-tres-e-o-
banestado/).
94
dos membros que atuaram nessa operação compuseram a equipe da Lava Jato (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL).
A operação Mãos Limpas (Mani Pulite) foi realizada no início da década de noventa na
Itália, e consistiu em uma mega atuação no enfrentamento da corrupção que, ao final, restou
frustrada em grande parte. Os dados oficiais apontam que, apenas nos dois primeiros anos, as
investigações resultaram em 4.520 processos e 800 mandados de prisão expedidos nos dois
primeiros anos, que produziram cerca de 1.300 declarações de culpa, entre condenações e
acordos definitivos. Entretanto, apenas para se ter uma noção, cerca de 40% dos investigados
salvaram-se em virtude da prescrição, de sutilezas processuais ou modificações legislativas
direcionadas. No final das contas, quase todos os investigados permaneceram ou voltaram
rapidamente à vida pública (BARBACETTO et al., 2016, p.837).
A importância da experiência da operação Mãos Limpas para o caso brasileiro fica
evidente, por exemplo, no livro “Operação Mãos Limpas: a verdade sobre a operação italiana
que inspirou a Lava Jato”. A obra conta com o prefácio do então Juiz Sergio Fernando Moro
que, em maio de 2016, registrou:
Foi neste contexto que surgiu a proposta legislativa do Ministério Público Federal,
apoiada pelos Ministérios Públicos de todo o Brasil, denominada de “10 Medidas Contra a
Corrupção”, que consistiu em diversas propostas de projetos de leis prevendo medidas penais
e processuais, que foram organizadas pelo MPF da seguinte forma: 1) Prevenção à corrupção,
transparência e proteção à fonte de informação; 2) Criminalização do enriquecimento ilícito de
agentes públicos; 3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; 4)
Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal; 5) Celeridade nas ações de
improbidade administrativa; 6) Reforma no sistema de prescrição penal; 7) Ajustes nas
nulidades penais; 8) Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois; 9)
Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado; 10) Recuperação do lucro
derivado do crime.
Assim, da mesma forma que a operação Lava Jato parece ter sido inspirada pelas
operações Banestado e Mãos Limpas, percebe-se que ela também tem influenciado outras ações
brasileiras, inclusive através da difusão das técnicas de investigações especiais e de uma
96
54
O tema foi objeto de palestras no Ministério Público do Estado da Bahia por dois procuradores da República
que integraram a força-tarefa, conforme a notícia disponível em https://www.mpba.mp.br/noticia/40783. Várias
outras instâncias de controle também receberam cursos ministrados por membros da operação conforme ilustram
as matérias disponíveis nos seguintes sítios: http://www.controladoria.mt.gov.br/-/investigacao-na-operacao-lava-
jato-e-tema-de-curso-de-combate-a-corrupcao; http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/minicurso-operacao-lava-
jato#.XsAuD0ZKjqU
55
Atualmente existem vários processos tramitando em diversos tribunais que apresentam riscos de declaração de
nulidades mesmo em hipóteses não previstas na lei, como ocorreu no caso julgamento sobre a ordem das alegações
finais de réus delatados. A respeito do tema, colacionamos a seguinte notícia: “O Supremo Tribunal Federal (STF)
aprovou nesta quarta-feira (2), por 7 votos a 4, a tese que pode levar à anulação de sentenças da Operação Lava
Jato e de outros processos criminais no país. O resultado do julgamento definiu que réus delatados devem
apresentar as alegações finais (última etapa de manifestações no processo) depois dos réus delatores, garantindo
direito à ampla defesa nas ações penais. Com isso, processos em que réus delatores e delatados apresentaram as
alegações finais ao mesmo tempo – como os da Operação Lava Jato – podem vir a ser anulados. Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/02/stf-aprova-por-7-a-4-tese-que-pode-levar-a-anulacao-de-
sentencas-da-operacao-lava-jato.ghtml.
56
“A polêmica sobre a atuação da Lava-Jato está acirrada porque o Conselho Superior do Ministério Público
Federal analisa proposta de criação de uma unidade central de combate à corrupção. A ideia é centralizar dados
das investigações em curso e todo material ficar subordinado ao procurador-geral da República, Augusto Aras”.
Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/12/interna_politica,871436/disputa-da-pgr-e-
procuradores-da-lava-jato-eleva-temperatura-entre-pod.shtml
57
“Além da ofensiva do PGR, a Lava Jato deve sofrer novo golpe em agosto. O relator de um dos casos de Deltan
Dallangnol no Conselho Nacional do Ministério Público deve defender a abertura do processo de remoção do
procurador da força-tarefa”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2020/07/relator-deve-
pedir-remocao-de-deltan-da-lava-jato-no-conselho-do-ministerio-publico.shtml
97
Com base em Justo Villafañe, Sousa (2006, p. 187) explica que a identidade
corporativa deve ser compreendida a partir de uma concepção dinâmica porque, “ainda que
possua atributos de natureza permanente, alguns são variáveis e influem sobre os primeiros,
reinterpretando seu sentido e o significado que esses atributos tem para a organização”.
Assim, segundo a autora, a identidade institucional surgiria da intersecção dos seguintes
eixos estruturais:
O presente trabalho até o momento percorreu exatamente esse mesmo trajeto. Ademais,
embora a imagem e a autoimagem, em tese, derivem da identidade institucional, neste estudo,
as percepções são utilizadas para realizar o caminho inverso, ou seja, descobrir a identidade
institucional a partir das imagens. É olhando, pois, para o reflexo espelhado pela história, pela
atuação, pela cultura e pelas imagens internas e externas, que se vislumbram indícios fortes da
existência de uma identidade institucional de agência anticorrupção.
Os dados estatísticos acerca da atuação do Ministério Público também corroboram essa
identidade voltada mais para o combate à corrupção. No anuário do CNMP de 2018, no aspecto
da produtividade, as áreas de improbidade administrativa e patrimônio público também
aparecem como as que tem maior quantidade de inquéritos civis e procedimentos
preparatórios instaurados nos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal.
Quando somadas elas chegam a representar mais de um quarto de todos os procedimentos
ministeriais instaurados, demonstrando que permanece a importância da categoria
“improbidade” estabelecida pela Lei nº 8.829/92.
98
Tabela 3 - Dez principais assuntos dos inquéritos civis e procedimentos preparatórios instaurados
por região no Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e Territórios, em 2017
Tabela 4 – Dez principais assuntos dos procedimentos investigatórios instaurados por região no
Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e Territórios, em 2017.
No caso do Ministério Público, contudo, há sinais de que essa identidade é muito forte
e duradoura. É interessante observar que, em 2007, Arantes (2007, p. 325 - 330) também já
percebia a existência do que denominou de “ideologia do voluntarismo político”, a qual
buscaria imprimir uma identidade ao Ministério Público. Segundo o referido autor, além do
tripé institucional composto pela proteção dos direitos coletivos, ação civil pública e
independência, a profunda transformação do Ministério Público envolveu um componente
ideológico que motivou endogenamente essa instituição a reivindicar a condição de “agente
político da lei”. Os elementos principais dessa ideologia de voluntarismo político seriam:
decorreu de estímulos externos e de uma nova política adotada pelo Executivo Federal, no final
do governo FHC e principalmente no governo Lula. Isso releva como essa personalidade do
Ministério Público tem uma grande força.
Neste diapasão, como as conclusões feitas até o momento são de ordem dedutiva,
parece útil caminhar pela via reversa, da indução, visando confirmar se essa identidade
institucional também está presente no Ministério Público do Estado da Bahia, o que será
feito avançando ainda mais na percepção da autoimagem e em outros dados que revelem essa
ideologia e a atual cultura organizacional. Para tanto, no próximo capítulo, serão apresentadas
as bases metodológicas do estudo empírico e a problematização acerca da possibilidade de
comparação dos resultados.
102
4 INTERLÚDIO METODOLÓGICO
[…] essa área ainda tem poucos estudos que, a partir do conceito de campo de
Bourdieu (1998), sejam capazes de compreender as origens, a organização, a
distribuição de atividades e a centralização do próprio poder dentro de
organizações como o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública
(Almeida, 2014). Procurando suprimir essa lacuna, desvelamos como o campo
do Ministério Público se caracteriza na atualidade. Trata-se de uma instituição
que remonta ao Brasil Imperial e assumiu uma miríade de funções na ordem
constitucional inaugurada a partir de 1988. A partir dos dados coletados com
uma pesquisa quantitativa, revelamos como os membros do MP tem
dificuldade em se posicionar de forma mais ativa diante da tarefa de
construção de uma sociedade mais democrática. Compreenderemos melhor
esse resultado se entendermos o Ministério Publico enquanto um campo
estruturado a partir de um grupo social e político que se autogoverna.
(RIBEIRO, 2017, p. 77)
A Constituição Federal estabeleceu em seu artigo 127, §1º, que a unidade é um princípio
institucional do Ministério Público, assim como a indivisibilidade e da independência funcional.
Pela doutrina tradicional, o princípio da unidade significa que o Ministério Público é um único
órgão, sob a direção e comando de um só chefe (Procurador-Geral), em cada órgão ministerial.
Como corolário lógico, pelo princípio da indivisibilidade, os magistrados do Ministério Público
105
podem ser substituídos uns pelos outros, pois quem atua é a instituição. Em razão da
independência funcional, contudo, os membros do Ministério Público não se sujeitam a nenhum
poder hierárquico ou se subordinam a quaisquer ordens de atuação, do ponto de vista funcional,
mas apenas no planto administrativo (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 1140).
Por isso mesmo, podem existir diferenças entre as instituições. Na pesquisa de
Lemgruber et al (2016, p. 28), por exemplo, com base em levantamento das áreas mencionadas
nos websites de unidades da federação, concluiu-se que os membros do Ministério Público estão
“longe ainda de uma atuação mais harmônica e coerente da instituição em seus diversos níveis”.
Segundo as pesquisadoras, “somente três áreas são mencionadas nos sites de todos os 27 MPs:
criminal, meio ambiente e infância e juventude; outras três – patrimônio público, defesa do
consumidor e defesa da saúde – estão presentes em quase todas as unidades da federação”.
Ainda de acordo com a referida pesquisa:
Para Goulart (2019, p. 153), contudo, essa visão meramente estrutural, apesar de
importante em determinando momento, atualmente se mostra insuficiente, pois conforme
explica, “no contexto da nova ordem constitucional, o princípio da unidade ganhou conotação
política e, indo além dos aspectos estruturais, que continuaram a integrar o seu conteúdo, passou
a informar e orientar a atuação político-institucional do Ministério Público”. Interessante
observar, como já visto anteriormente, que a existência de “consciência nacional do Ministério
Público” já havia sido mencionada, pelo menos, desde 1977, no 5º no Congresso Nacional do
106
Ministério Público. Mazzili (1991, p. 17) também constatava essa consciência nacional de todo
o Ministério Público em 1991, ao escrever que:
Embora seja certo que do ponto de vista estrutural se possa falar em vários Ministérios
Públicos, no plano político-institucional, em tese, o Ministério Público pode ser compreendido
como uma única instituição, pois, além da mesma organização básica, a Constituição Federal
criou um elo de unicidade ao defini-lo como uma instituição permanente e essencial à função
jurisdicional do Estado, a qual foi incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, é possível também que
a instituição tenha desenvolvido em todos os rincões uma identidade institucional, o que poderá
ser confirmado ou não pelo levantamento, validando o trabalho teórico produzido até o
momento.
Conquanto o estudo da unidade ministerial não seja o objetivo principal deste trabalho,
a sua consideração em um plano político permite correlacionar as pesquisas realizadas com os
membros de diferentes Ministérios Públicos e de variadas épocas, podendo demonstrar a
existência de uma identidade institucional, apesar da independência funcional, especialmente
em relação ao enfrentamento da corrupção.
4.3 DO LEVANTAMENTO
De acordo com o mesmo autor (GIL, 2002, p. 51), o levantamento social, assim como
todos os outros tipos de pesquisa apresenta vantagens e limitações. As principais vantagens são:
58 http://www.mp.ba.gov.br/institucional/secretaria-geral/listas-de-antiguidade.
109
Tabela 5 - Plano de Amostragem dos Questionários aplicados com Procuradores e Promotores de justiça
do Estado da Bahia
Procuradores e Promotores Percentual
População (universo) 585 100%
Questionários 585 100%
encaminhados
Amostra obtida 123 21%
(devolutiva)
Fonte: O próprio autor (2020)
59
https://www.mpba.mp.br/noticia/43098.
60
Pacote estatístico para as ciências sociais.
111
Apesar de ser considerado o mais antigo da América Latina, com 410 anos de
história, pode-se dizer que o Ministério Público da Bahia é um jovem, com pouco mais de
trinta anos de existência. Inclusive, muito embora no plano formal a instituição tenha
renascido em 1988, formalmente autônoma e poderosa, a verdade é que o desenvolvimento
da sua musculatura administrativa somente ocorreu alguns anos depois, conforme se extrai
a partir do seguinte registro:
Nos anos 90, o Ministério Público baiano iniciou o processo de expansão da estrutura
física pelo interior do estado, por meio da criação de escritórios regionais, sendo instalados
paulatinamente, em prédios cedidos ou alugados, nos municípios de Barreiras, Feira de Santana,
Guanambi, Itabuna, Juazeiro, Porto Seguro, Simões Filho e Vitória da Conquista. Somente em
1998, foram instituídas as 27 Promotorias de Justiça Regionais, cujas sedes foram sendo
construídas ou instaladas ao longo da primeira década dos anos 2000 (MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DA BAHIA). Em 2010, foi construída e inaugurada a sede principal do
Ministério Público do Estado da Bahia no Centro Administrativo da Bahia, onde atualmente
estão instaladas a Procuradoria-Geral de Justiça, a Corregedoria-Geral, Ouvidoria, o Colégio
de Procuradores, o Conselho Superior, o gabinete dos procuradores de justiça, o Centros de
Apoio Operacional, a Superintendência Administrativa e suas diversas diretorias
(MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA).
113
61
Conforme o portal da transparência do Ministério Público do Estado da Bahia. Disponível em:
https://www.mpba.mp.br/portaltransparencia/gestao
114
Ministérios Públicos Estaduais, bem distante do MP/RO que contava com 5 servidores para
cada grupo de 100 mil habitantes (CNMP, 2018). Vale dizer que a relação de servidores deve
ter melhorado substancialmente em razão da recente posse de mais de 286 assessores62. Já a
proporção de promotores certamente continua baixa, mesmo com recente nomeação de 25
promotores de justiça substitutos em dezembro de 201963.
Gráfico 7 – Índice de membros por população, em 100 mil habitantes. Ministério Público Estadual e
Ministério Público da União, 2017.
Ainda assim, o Ministério Público da Bahia apresenta uma alta produtividade como
pode-se observar, por exemplo, na comparação da quantidade de inquéritos civis e
procedimentos preparatórios instaurados:
62
https://www.mpba.mp.br/noticia/49688
63
https://www.mpba.mp.br/noticia/49298
115
Figura 16 – Procedimentos instaurados por Estado. Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e
Territórios, 2017
criado pelo Ato nº 324/2007; e o Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos – NUCCIBER,
criado Ato nº 418/2011.
Vale esclarecer que, com maior frequência, se verificam dois modelos de estruturas
especializadas para o enfrentamento dos crimes mais graves e complexos, envolvendo a
corrupção, organizações criminosas e os criminosos do colarinho branco: o de promotoria
especializada e o de grupo de atuação especial. O primeiro modelo, é mais rígido e está adstrito
geralmente à titularidade de um promotor de Justiça apenas. Porém tem a vantagem de garantir
maior independência funcional e autonomia, além de ser menos sujeito às alterações
administrativas. Já o modelo de grupo de atuação especial, tem a vantagem de possibilitar a
identificação de perfis vocacionados, mediante a designação de membros, porém é mais
suscetível às alterações na gestão do Ministério Público. Tanto a sua estrutura como os membros,
por serem designados, podem ser facilmente alterados pela simples vontade do gestor. Esse
modelo, cujos melhores exemplos são os GAECOS e os GAECCS estaduais, não se confundem
com a força tarefa, as quais tem designações ainda mais precárias e destinadas à casos
específicos, como ocorreu na Operação Lava Jato.
A legitimidade do grupo de atuação especial ainda pode variar conforme lhe sejam
incumbidas atribuições naturais ou para atuações conjuntas com o promotor titular. O primeiro
formato, segundo o nosso entendimento, viola o princípio constitucional do promotor natural,
na medida em que estabelece atribuições naturais, fora dos casos de delegação, a um corpo de
promotores designados sem critérios pré-estabelecidos objetivamente. Já o segundo formato,
permite compatibilizar a independência do promotor natural - que conhece melhor a realidade
local - com a designação de uma estrutura técnica e especializada, que apesar da maior
flexibilidade orgânica, como no caso das forças tarefas, possuem expertise duradoura.
No enfrentamento da corrupção, além do GAECO e do GEPAM, que estão concentrados
na Capital e que possuem, respectivamente, atribuições penais e civis, o Ministério Público do
Estado da Bahia optou no atual planejamento estratégico pela instituição de Promotorias de
Justiça especializadas em moralidade administrativa e patrimônio público. Impõe-se salientar,
contudo, que os casos de grande complexidade dificilmente são enfrentados por apenas um
promotor de Justiça, sendo essencial a constituição de equipes nestes casos, de modo que os
dois modelos devem ser complementares e não contrapostos.
Cumpre dizer que nos últimos anos o Ministério Público do Estado da Bahia tem
avançado exponencialmente do ponto de vista da investigação, da inteligência e das tecnologias.
Em 2006, por exemplo, através doa ato 114/2006, foi implantado o Núcleo de Inteligência
117
Criminal – NIC64. Em 2009, foi criada a Central de Apoio Técnico – CEAT, como órgão auxiliar
para a realização de análises técnicas65. Em 2010, foi instituído o Núcleo de Articulação ao
Combate à Lavagem de Dinheiro – NAC-LD, através do Ato nº 632/2010. Em 2014, foi
adquirida uma sala-cofre, totalmente protegida do fogo, calor, umidade, acesso indevido,
magnetismo e até de explosão, tecnologia essa que, até aquele momento, era restrita ao
Ministério Público Federal e mais quatro Ministérios Públicos estaduais66. Além disso, tem se
desenvolvido sistemas e plataformas próprias de tecnologia da informação que tem elevado as
investigações ministeriais a um novo patamar, além de viabilizar a tramitação digital de
procedimentos e processos.
64
Posteriormente transformado em Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência - CSI, através do
ato 33/2015
65
https://www.mpba.mp.br/noticia/26336
66
https://www.mp.ba.gov.br/noticia/28856
118
Com base nos processos internos, foram definidos 19 objetivos estratégicos: promover
o aperfeiçoamento do sistema de defesa social; promover saúde pública de qualidade; promover
educação pública de qualidade; promover a probidade na gestão pública; promover a proteção
da criança e do adolescente; promover a defesa da cidadania; promover a defesa do meio
ambiente; promover a defesa dos direitos do consumidor; implantar e implementar a gestão
estratégica; fortalecer as alianças estratégicas; aperfeiçoar o instrumental normativo do
ministério público; aperfeiçoar a atuação funcional; fomentar a integração institucional;
melhorar a gestão administrativa; incrementar recursos e fortalecer; a gestão orçamentária e
financeira; aperfeiçoar a política de gestão de pessoas; ampliar e melhorar a infraestrutura
tecnológica e implantar novo modelo de gestão de tecnologia da informação; e fortalecer a
imagem institucional.
Em relação ao combate à corrupção, especificamente, houve o estabelecimento do
objetivo quatro, que busca promover a probidade na gestão pública. Dentro dele foram
estabelecidas as seguintes estratégias, sendo que cada um reúne um grupo de iniciativas: 1)
reestruturar e aperfeiçoar o combate à improbidade administrativa e a defesa do patrimônio
público no MP/BA; 2) promover a transparência das gestões e contas públicas em todo o estado;
119
67
http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=19
121
Gráfico 8 – Evolução das despesas nominais do Ministério Público com o enfrentamento da corrupção
e a defesa moralidade nas leis orçamentárias de 2016 a 2020
R$273.000,00
R$214.000,00
R$144.000,00
R$94.000,00 R$100.000,00
Valor em R$
à Probidade na Gestão Pública”, que visa “fomentar ações judiciais e/ou extrajudiciais para
qualificar e subsidiar a atuação finalística com ênfase na resolutividade e nas medidas que
objetivem a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa”.
Dentre os projetos que compõem o programa da “Defesa da Sociedade e Promoção da
Cidadania”, a “Atuação Ministerial de Fomento à Probidade na Gestão Pública” foi o que teve
o menor valor para o ano de 2020. Sobrelevam, contudo, a “Defesa e Proteção do Meio
Ambiente” e a “Implementação da Atividade de Inteligência e Segurança Institucional do
Ministério Público”:
Impõe-se registrar que não foram considerados os gastos com pessoal pois, além de já
compor os custos normais da atividade ministerial, não seria possível individualizá-los de
acordo com a área de atuação, mesmo porque as atribuições quase sempre são desenvolvidas
por membros e servidores cumulativamente com outras matérias. Além disso, é preciso advertir
que o referido levantamento se refere apenas ao planejamento orçamentário e não
necessariamente expõe a realidade da atuação ministerial. Inclusive, naturalmente, o
investimento na assessoria técnica e nas atividades de inteligência naturalmente reflete no
combate à corrupção, assim como também influi em outras atribuições. Porém, nem por isso
podem ser desprezadas as alterações abordadas, vez que tem relevância quando analisadas o
histórico de elevação e posterior redução.
Tabela 6 - Dez principais assuntos processuais dos inquéritos civis e procedimentos preparatórios
instaurados pelo Ministério Público do Estado da Bahia em 2017.
Tabela 7 - Dez principais assuntos processuais dos procedimentos investigatórios criminais instaurados
pelo Ministério Público do Estado da Bahia em 2017.
enfrentamento da corrupção foram a Janus (2008)68, Corcel Negro (2011)69, Adsumus (2016)70,
Citrus (2017)71 , Último Tango (2017)72 , Pityocampa (2018)73 , Xavier (2019)74 , e Freio de
arrumação (2019)75, além de outras, conforme a nuvem de palavras a seguir:
Figura 19 - Nuvem de palavras das operações mais importantes realizadas pelo Ministério Público do
Estado da Bahia
68
https://www.mpba.mp.br/noticia/24783
69
https://www.mpba.mp.br/noticia/26736
70
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
71
https://www.mpba.mp.br/noticia/36404
72
https://www.mpba.mp.br/noticia/40236
73
https://www.mpba.mp.br/noticia/44857
74
https://www.mpba.mp.br/noticia/46419
75
https://www.mpba.mp.br/noticia/48142
127
foi conduzida pelas Promotorias de Justiça de Santo Amaro e teve por objetivo combater fraudes
em licitações, além de crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa76.
As investigações foram iniciadas a partir de visitas in loco, previstas no
programa “Saúde + Educação – Transformando o Novo Milênio”, quando foi descoberto um
total de 18 obras inacabadas, relativas a 20 contratos, firmados entre 2011 e 2015, para reformas
de escolas e construção de creches, cujos valores eram incompatíveis com o estágio e a
dimensão dos empreendimentos e que resultavam uma lesão de mais de R$ 24 milhões aos
cofres públicos77.
As apurações realizadas pelos Promotores de justiça de Santo Amaro, João Paulo e
Aroldo Almeida, descortinaram, inicialmente no seio da Secretaria de Obras do Município, uma
associação criminosa composta por empresários e agentes públicos, que praticavam fraudes em
licitações consistentes no favorecimento de um grupo específico de empresas para a compra de
materiais e locação de máquinas, a serem utilizadas na realização de obras em contratos de
obras públicas prorrogadas mediante justificativas forjadas7879 . A operação foi articulada pelos
promotores de justiça da comarca de Santo Amaro e envolveu membros do GAECO, dezenas
de promotores de justiça designados, a Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência
(CSI) e o Centro de Apoio Criminal (CAOCRIM) do Ministério Público do Estado da Bahia.
Além disso, contou com o apoio de policiais civis, do Departamento de Repressão e Combate
ao Crime Organizado (DRACO) e do Centro de Operações Especiais (COE), bem como da
Polícia Rodoviária Federal808182.
Na primeira fase, foram presos o vice-prefeito de Santo Amaro, o secretário de Obras,
um servidor público e três empresários, sendo todos denunciados. Além disso foram cumpridos
nove mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Poder Judiciário na Comarca de Santo
Amaro, sendo apreendidos documentos, telefones celulares e computadores. No âmbito civil,
também foi determinado o afastamento por 180 dias do vice-prefeito e do secretário de obras,
além de acionados dois empresários e as empresas Grauthec Construtora Ltda, Oliveira Santana
Construções Ltda, Serv Bahia Locações de Máquinas e Equipamentos Ltda, Real Locação de
Veículos Máquinas e Equipamentos Ltda e Ayres Materiais de Construção Ltda8384. Em setembro
76
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
77
https://www.mpba.mp.br/noticia/33590
78
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
79
https://www.mpba.mp.br/noticia/33590
80
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
81
https://www.mpba.mp.br/noticia/34577
82
https://www.mpba.mp.br/noticia/34577
83
https://www.mpba.mp.br/noticia/33590
84
https://www.mpba.mp.br/noticia/33760
128
de 2016, foi deflagrada a segunda etapa da operação Adsumus, sendo cumpridos oito mandados
de condução coercitiva e 9 mandados de busca nas cidades de Salvador, Lauro de Freitas e
Camaçari, resultando, inclusive, na apreensão de cinco veículos de alto poder aquisitivo, joias
e valores em dinheiro. Os alvos foram empresários e as empresas Serv Bahia, Real Locação,
Grauthec Construtora Ltda e Oliveira Santana Construções, que faziam parte do esquema de
fraude em licitações, apresentando preços similares e inviabilizando a aquisição do menor preço,
em cerca de 20 municípios da Bahia, com a utilização de "laranjas" para assumir os negócios85.
85
https://www.mpba.mp.br/noticia/34123
86
https://www.mpba.mp.br/noticia/34586
129
87
https://www.mpba.mp.br/noticia/35164
88
https://www.mpba.mp.br/noticia/37655
89
https://www.mpba.mp.br/noticia/40796
90
https://www.mpba.mp.br/noticia/44033
91
https://www.mpba.mp.br/noticia/50659
130
A operação Citrus é considerada a segunda operação mais relevante levada a efeito pelo
Ministério Público do Estado da Bahia no enfrentamento da corrupção, inclusive porque, a
partir dela, foram originadas outras atuações relevantes como a operação Xavier. Conduzida
pela 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, de titularidade do Promotor de Justiça Frank Ferrari, a
Operação Citrus foi deflagrada, em março de 2017, para desmantelar um grupo criminoso que
praticava fraudes e superfaturamento em procedimentos licitatórios e contratos para o
fornecimento de bens diversos, utilizando as rubricas genéricas de “gêneros alimentícios” e
“materiais de expedientes/escritório”, no âmbito da Prefeitura Municipal de Ilhéus, inclusive
para o fornecimento de merenda escolar 92 .O esquema, que ocorria desde 2009, teve a
participação de agentes públicos do primeiro escalão do governo municipal e movimentou mais
de R$ 20 milhões através das empresas Marileide S. Silva de Ilhéus, Mariangela Santos Silva
de Ilheus EPP, Thayane L. Santos Magazine ME, Andrade Multicompras e Global Compra Fácil
Eireli-EPP, todas geridas por Enoch Andrade Silva93.
A operação teve o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações
Criminosas (Gaeco) e da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) e suporte
operacional da Polícia Civil, através do Departamento de Repressão e Combate ao Crime
Organizado (Draco) e do Departamento de Polícia do Interior (DEPIN), que levaram a cabo a
prisão de seis pessoas, dentre empresários e funcionários públicos, além do cumpridos seis
94
mandados de condução coercitiva e 27 mandados de busca e apreensão .
Em dezembro de 2017, a Justiça condenou os ex-secretários de Desenvolvimento Social
do Município de Ilhéus, Jamil Chagouri Ocké e Kácio Clay Silva Brandão, a nove anos de
reclusão por crimes de fraudes em licitações, bem como o empresário Enoch Andrade Silva a
11 anos e 11 meses de pena de reclusão. Além destes, também foram condenadas mais cinco
pessoas envolvidas na associação criminosa95.
92
https://www.mpba.mp.br/noticia/36404
93
Idem
94
Idem
95
https://www.mpba.mp.br/noticia/40754
131
96
https://www.mpba.mp.br/noticia/46419
97
Idem
98
https://www.mpba.mp.br/noticia/46451
99
https://www.mpba.mp.br/noticia/46914
132
desviado mais multa. Nesta ação, os Promotores revelaram outra parte do esquema que consistia
em fraudar a escrituração contábil de pagamentos de contribuições previdenciárias ao INSS,
por meio de falsificação ou alteração de Guias de Recolhimento Previdenciário, cujos valores
registrados eram superiores ao recolhimento efetivamente realizado, maquiando as saídas
ilegais, sem despesas correspondentes, dos recursos da Câmara 100 . A denúncia criminal
correspondente àqueles fatos foi ajuizada perante a 1ª Vara Criminal de Ilhéus em 30 de agosto
de 2019.
Somente em novembro de 2019, a Justiça acolheu – por meio de decisão da 1ª Vara da
Fazenda Pública de Ilhéus - novo o pedido do Ministério Público e determinou o afastamento e
a indisponibilidade de bens do ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus, Lukas Pinheiro
Paiva, do cargo de vereador, após este tentar atrapalhar as investigações do MP assediando
colaboradores e a estagiários do escritório de advocacia e oferecendo cargos fantasmas a um
dos acusados para tentar fazê-lo desistir de acordo de colaboração101.
Nova denúncia criminal correspondente a estes mesmos fatos foi ajuizada em 16 de
dezembro 2019, resultando, pela segunda vez, na prisão preventiva do mencionado Vereador,
que segue custodiado à disposição da Justiça desde 02 de março de 2020102. Em 18 de fevereiro
de 2020, a nova promotora de Justiça titular da 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, Mayanna
Ferreira Ribeiro, em atuação conjunta com o Grupo Especial de Combate às Organizações
Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco), ofereceu mais uma denúncia criminal, em face
do vereador Aldemir Santos Almeida em razão da prática, em outubro de 2018, de atos de
obstrução às investigações dos fatos em apuração na Operação Xavier103. Em abril de 2020,
foram denunciados o ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus, Josevaldo Viana Machado,
por corrupção passiva, peculato e fraude em contratações diretas, feitas sem a devida licitação,
além de três empresários, pelos crimes de corrupção ativa, peculato e fraude em contratações
diretas104.
Assim, apesar de terem sido oferecidas 06 (seis) denúncias criminais e 02 (duas) ações
de improbidade administrativa, em razão dos fatos investigados na Operação Xavier, não houve
ainda nenhuma condenação. A operação, contudo, ainda continua com a apuração de outros
fatos ilícitos correlacionados.
100
https://www.mpba.mp.br/noticia/47507
101
https://www.mpba.mp.br/noticia/49066
102
Consulta aos autos da Ação Penal nº 0301767-06.2019.8.05.0103, de acesso público.
103
Consulta aos autos da Ação Penal nº 0500125-77.2020.8.05.0103, de acesso público.
104
https://www.mpba.mp.br/noticia/50790
133
42,9 45,5
59,1
47,6 43,9
21,9
105
Conforme ressaltado pela Promotoria de Justiça, Márcia Teixeira, em 2018, em uma reunião sobre a
representatividade das mulheres no Ministério Público brasileiro, a Bahia se destaca “como o estado onde as
mulheres ‘ocupam mais espaços’. Atualmente, do total de membros no MPBA, 301 são mulheres e 276, homens.
‘A Bahia tem uma procuradora-geral de Justiça, já em seu segundo mandato, e mulheres na corregedoria, na
ouvidoria e em diversos centros de apoio”. A situação, no entanto, não reflete a realidade brasileira”
(https://www.mpba.mp.br/noticia/43098). A primeira promotora de Justiça do Estado da Bahia foi Iracema Guedes
Pavesse, nomeada em 1938. Após quase 80 anos, em 2016, a Promotora de Justiça Ediene Lousado tornou-se a
primeira Procuradora-Geral de Justiça do Estado da Bahia e, em seguida, também a primeira mulher eleita pelo
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais para vaga de conselheira do CNMP. Em fevereiro deste ano de 2020,
a chefia da instituição foi pela segunda vez ocupada por uma mulher, a Promotora de Justiça Norma Angélica
Cavalcanti.
106
O Ministério Público do Estado da Bahia também foi destaque nacional ao instituir de forma pioneira o sistema
de cotas raciais nos concursos públicos dos seus quadros, em 2014 (https://www.mpba.mp.br/noticia/29111).
134
A idade dos respondentes varia entre 26 e 66 anos, com média de 42,1, de forma
semelhante à realidade constatada por Lemgruber et al (2016, p. 17) que identificou um
envelhecimento dessa categoria em relação à pesquisa de Sadek, seja por um decréscimo no
ritmo de incorporação de novos profissionais, ou pela elevação da idade de entrada, devida à
exigência do mínimo de 3 anos de prévia atividade jurídica.
27,6
25
23,5
22,7
20
20
15
10
5
5,6
0
Até 30 anos 31 a 36 37 a 42 43 a 49 50 ou mais
40 42,1
35
30
25
20 23,5 22,7
15
10
8,9
5
2,4
0
Antes de 1988 1988 a 1998 1999 a 2008 2009 a 2018 2019 a 2020
90%
80%
81%
70%
60%
61,8%
50%
40%
30% 38,2%
20%
19%
10%
0%
População da Bahia Pomotores
Capital Interior
A maioria dos membros disse conhecer o planejamento estratégico, sendo que 76,4% o
conhece parcialmente e 22,8% conhece totalmente. Apenas 0,8% afirmou não conhecer o
planejamento estratégico. Entretanto, o número de membros que conhece totalmente é pequeno,
especialmente se considerado que o plano estratégico foi lançado em 2011, o que demonstra
137
que as metas estratégicas não possuem um bom grau de permeabilidade nas Promotorias de
Justiça. Essa conclusão também aparece na percepção dos respondentes conforme será visto
adiante. No total, 52,8% dos entrevistados disse ocupar-se atualmente, parcial ou
exclusivamente, de atribuição relacionada ao combate à corrupção (patrimônio público e
moralidade administrativa). Já entre os procuradores, nenhum respondente referiu desempenhar
essa atribuição. Entre os promotores que responderam positivamente, apenas 10,8% está na
capital, enquanto 89,2% compõe as promotorias de Justiça do interior. Essa distribuição pode
ser explicada pela forma como está organizada a carreira, já que na capital há maior
especialização das Promotorias, enquanto, no interior, os promotores em regra acumulam
funções, chegando a ter atribuições plenas na entrância inicial. Ademais, como há uma
tendência de os Promotores buscarem ascender às entrâncias elevadas, muitos se especializam
em outras matérias, de modo que poucos permanecem por muito tempo com essa atribuição. A
maioria dos promotores (60%) atuantes nessa área se dedicam ao combate à corrupção há menos
de cinco anos e apenas 7,7% possui mais de 10 anos de experiência conforme se observa da
tabela abaixo:
Por isso mesmo, os Promotores que possuem essa atribuição, em média, dedicaram
apenas 6,3 anos a essa matéria, o que demonstra reduzida experiência, em geral, de quem atua
no enfrentamento da corrupção, bem como a pouca atração dessa área a membros com maior
experiência.
138
Vale observar que, para além dos valores, a atuação do Ministério Público aparece
espontaneamente associada com as matérias relativas ao à cidadania, aos direitos difusos, ao
combate à criminalidade e à corrupção, evidenciando a presença da ideologia voluntarista. Na
opinião dos respondentes, as áreas mais indicadas internamente no Ministério Público como
prioritárias foram enfrentamento da violência doméstica/familiar (75,6%), cidadania (69,9%),
crimes em geral (69,1) e infância (62,2%). O combate à corrupção (63,4%) somente apareceu
em quinto lugar. Entretanto, independentemente da ordem, as matérias priorizadas coincidem
com as grandes áreas de objetivos de resultados do planejamento estratégico.
139
0 10 20 30 40 50 60 70 80
Lado outro, a supervisão da execução penal (82,1%) e o controle externo (81,3%) foram
indicados pela maioria dos membros como atribuições em que não se percebe a indicação de
prioridade da instituição, embora também integrem o planejamento estratégico.
Gráfico 16 - Áreas não indicadas, internamente, como prioridade do Ministério Público do Estado
da Bahia
consumidor 65
eleitoral 65
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Contudo, quando questionados dentre 14 variáveis qual deveria ser a área de atuação
prioritária para o MP/BA nos próximos dois anos, entre a maioria absoluta dos membros indicou
o combate à corrupção (58,5%). Muito distantes, crimes em geral (11,4%) e cidadania (10,6)
140
Gráfico 17 - Áreas que deveria ser de atuação prioritária para o Ministério Público do Estado da
Bahia nos próximos dois anos
0 10 20 30 40 50 60 70
80,0%
20,0%
0,0%
Pesquisa de Castilho e Sadek Pesquisa de Lemgruber et al Pesquisa de campo no
(2010), em 1997 (2016), entre 2015 e 2016 Ministério Público do Estado
da Bahia em 2020
Capital
Ao realizar a correlação entre as diversas variáveis, observa-se que é muito forte essa
preferência entre todos os promotores de justiça, independentemente da cor da pele,
observando-se proporções muito próximas da composição racial da instituição (brancos 48,6%;
pardos 41,6%; pretos 6,9%; amarelos 13%; e outros 13%). Há ligeira preferência entre
integrantes masculinos (56,9%) em comparação com o sexo feminino (43,1%). Entre os
integrantes da administração superior atual, 50% manifestou o mesmo interesse nessa área.
Porém, na comparação entre os cargos, observa-se que nenhum procurador de justiça indicou
que o combate à corrupção deveria ser prioridade, o que revela um distanciamento entre os
objetivos almejados entre o primeiro e o segundo grau da instituição. Também houve uma
variação expressiva entre os integrantes da capital (19,4%) e do interior (80,5%), possivelmente
em virtude da maior especialização em outras áreas do primeiro grupo. Na correlação entre as
idades, observa-se que a preferência pelo combate à corrupção é maior entre os mais jovens,
mas, em especial, entre aqueles que tem entre 37 a 42 anos. A partir dos 43 anos, o interesse
por essa matéria diminui, mas ainda assim persiste alta.
142
Gráfico 19 – Comparação entre a proporção dos membros e a idade dos que possuem maior
interesse no combate à corrupção (%)
35
33,3
30 27,6
25 22,7 25 23,5
20
20
18,5
16,6
15
10
5,6
6,9
5
0
Até 30 anos 31 a 36 37 a 42 43 a 49 50 ou mais
Gráfico 20 - Comparação entre a proporção dos membros e o período de ingresso na instituição dos
que possuem maior interesse no combate à corrupção (%)
50
45,8
40
42,1
30
23,6
20 23,5 19,4 22,7
10 9,7
2,4 8,9
0 1,3
Antes de 1988 1988 a 1998 1999 a 2008 2009 a 2018 2019 a 2020
Estes dados podem ter relação com a forte percepção dos membros de que o Ministério
Público do Estado da Bahia é um agente moralizador da sociedade (56,9%), embora a
instituição não atue de maneira uniforme (63,4%) e nem priorize conforme indicado no
Planejamento estratégico (48,7%). Nas entrevistas semiestruturadas preliminares também foi
verbalizada essa percepção de que o Ministério Público é reconhecido como agente moralizador
da sociedade:
Sim. Ainda é. Bem, é o que eu percebo ainda no meu dia, pelo menos na
comarca [...] que as pessoas ainda confiam no MP como a última tábua de
salvação quando o tema envolve a administração pública e os excessos dessa
administração. É uma percepção ainda que empírica, mas é assim que eu sinto
(entrevista com promotor 1).
O MP/BA privilegia uma atuação de fato, interagindo com a sociedade, em 40,6 43,9
detrimento de uma atuação meramente de gabinete.
O MP/BA tem significativa estrutura e tecnologia, que garantem a maior 25,2 50,4
qualidade da sua atuação investigativa
Esses dados chamam a atenção e devem ser estudados com maior profundidade,
inclusive em comparação com outros critérios de avaliação. A princípio, parece haver uma
discrepância entre a prioridade e o resultado, o que, conforme será visto a seguir, é atribuído
sobretudo à falta de estrutura e recursos financeiros para o desempenho das atividades, embora
existam indicativos quantitativos já apontados de que há uma atuação quantitativa relevante.
Para os respondentes, o que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia,
amparada na Constituição Federal, é, sobretudo, a proteção dos interesses da coletividade e/ou
dos vulneráveis (64,2%); o combate à criminalidade, a corrupção e a impunidade (61%) e a
defesa dos Direitos Humanos (47,2%). Essa percepção também foi referida durante as
entrevistas:
145
É um ideal, uma vontade de você ter uma efetividade no seu trabalho, falando
por mim aqui. O que move a instituição de modo geral é dar algum retorno à
sociedade, um retorno com melhorias e evolução no nosso meio social com
serviços de saúde, de educação, de harmonia, de combate ao crime, de
melhorias da segurança pública (entrevista com promotor 2).
Tabela 10 - O que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia, amparada na Constituição
Federal
Fatores %
A proteção dos interesses da coletividade e/ou dos vulneráveis; 64,2
O combate à criminalidade, a corrupção e a impunidade; 61
A defesa dos Direitos Humanos; 47,2
A mídia, a opinião pública e o clamor social; 33,3
A busca pela elevação de prestígio e de valorização econômica da carreira; 30,9
A influência dos poderes políticos e econômicos; 21,1
Outros 4
Fonte: Pesquisa de campo (2020)
Visando confirmar os dados acima, foi realizada uma segunda análise, com base apenas
nos respondentes que indicaram apenas um dos fatores. Pressupõe-se que se alguém indicou
apenas uma alternativa é porque essa resposta representa fortemente uma percepção relevante
em comparação com os demais fatores. Neste exercício, a proteção dos interesses da
coletividade também teve a maior frequência (42,8%). Em segundo lugar, o combate à
criminalidade, à corrupção e à impunidade (28,5%). A defesa dos Direitos Humanos e outros
fatores não indicados nas assertivas foram indicados cada um por 14,2%. Entretanto, as demais
assertivas, (mídia, a opinião pública e o clamor social; busca pela elevação de prestígio e de
valorização econômica da carreira; e influência dos poderes políticos e econômicos) não foram
indicados individualmente por nenhum dos respondentes, confirmando fortemente os dados
colhidos no universo.
146
Figura 21 - Nuvem de palavras do que significa corrupção do ponto de vista da atuação do MP/BA
compreensão da categoria “corrupção” que passou a ser compreendida para além da categoria
“crime”. Com efeito, segundo a pesquisa, a atuação no combate à corrupção tornou-se
independente da atuação contra os crimes em geral (54,4%). Isso não significa que a atuação
do MP/BA no combate à corrupção seja mais importante do que a atuação contra os crimes em
geral (56,9%) ou mesmo contra os demais crimes do colarinho branco em geral (55,2%).
Em verdade, a categoria corrupção parece ter assumido contornos próprios para toda a
sociedade, inclusive para além dos enquadramentos jurídicos, expressando uma complexidade
própria. De fato, para os respondentes, a pressão da sociedade e da mídia estabeleceram para o
MP/BA a categoria “corrupção” com mais força até mesmo do que a categoria “patrimônio
público e moralidade” (56,9%), a qual é utilizada na Bahia para definir a atribuição ministerial
nessa área. Para a maioria expressiva dos membros, a sociedade tem cobrado do MP/BA uma
atuação mais voltada para o combate da corrupção (73,9%). Há divergência se mídia é
considerada a principal responsável pela pressão do MP/BA visando o combate a corrupção
(31,7% concordam e 39% discordam), porém a maioria entende que o fortalecimento do
combate à corrupção no MP/BA tem direta relação com a influência das operações com forte
apelo midiático promovidas por outros Ministérios Públicos (54,4%). Segundo o um dos
promotores entrevistados:
Não foi possível notar a existência de grande distância entre a atuação do MP/BA e dos
demais Ministérios Públicos do Brasil em relação ao combate à corrupção, tanto na
produtividade como na percepção (30,8% concordam e 34,1% discordam). Além disso,
prevalece que a operação Lava Jato contribuiu para a construção da identidade institucional do
MP/BA como órgão de combate à corrupção (54,4%).
Nada obstante, compreende-se que o MP/BA não atua de maneira efetiva no combate à
corrupção (59,3%), o que confirma o resultado analisado anteriormente sobre a prioridade
percebida internamente e a qualidade do desempenho da instituição nessa área. Ademais, os
membros compreendem fortemente que a atuação do MP/BA no combate à corrupção ainda
148
está aquém do que deveria (87,8%) e que ainda prevalece amplamente o quadro de impunidade
em relação à corrupção no Brasil (78%). Segundo procuradores e promotores de justiça, o
MP/BA não tem uma memória de combate à corrupção como parte da sua trajetória institucional
(56%) e a sua estrutura é insuficiente para o combate à corrupção (80,4%).
Os respondentes confirmam que as ações de improbidade resultam em impunidade
(63,4%), o que pode explicar a mudança de estratégia no enfretamento da corrupção, consistente,
sobretudo, na preferência pela persecução penal em detrimento da utilização dos meios de
responsabilização civil (46,3%). Assim, a par da corrupção ter se tornado uma categoria
autônoma, com várias formas de enfrentamento, inclusive por meio da Lei de Improbidade,
nota-se que, recentemente, houve um retorno à vocação criminal da atuação ministerial, com a
preferência pela utilização dos meios de investigação e responsabilização criminal,
especialmente as técnicas especiais, como a colaboração premiada, interceptação telefônica e
quebra de sigilos, que permitiram maior eficiência além de resultar em sanções criminais
proporcionais à gravidade das condutas. Nas entrevistas preliminares, essas mudanças na
compreensão e nas estratégias de enfrentamento da corrupção foram explicadas da seguinte
forma:
Antes a gente tinha essa percepção mesmo de código penal, corrupção passiva
e ativa. Com a lei de improbidade a gente passou a se voltar para violações
dos princípios de moralidade, de legalidade e com a dificuldade de conseguir
construir judicialmente o dolo que comprovasse as violações desses princípios,
as violações legais. O MP observou que se o objetivo final do combate a
corrupção fosse de fato uma sanção aos agentes coautores, era necessário que
se buscasse uma atuação de volta criminal. Eu acho que a gente começou com
o crime tentou buscar uma atuação mais principiológica e quando se bateu na
dificuldade de conseguir comprovar as situações judicialmente a gente foi de
novo para a subsunção conduta fato típico das leis criminais (entrevista com
promotor 3)
Como visto, essa atuação criminal é uma tendência das grandes operações, como a Lava
Jato, podendo ser considerada uma novidade, principalmente em relação a criminosos políticos
e grandes empresários, já que anteriormente poucas vezes foram alcançados por essa via,
embora a via civil também não seja um exemplo de eficiência. A razão do maior sucesso dessas
experiências é a eficiência destes meios para as investigações, vez que o tratamento penal
permite a utilização de várias técnicas especiais de investigação e assecuratórias, com a
colaboração premiada, sem as quais não é possível descobrir os fatos, que normalmente estão
protegidos pela omertà, o código de honra das organizações mafiosas. Vale dizer que,
atualmente, há grande preocupação com a atuação do Parquet, já que as recentes mudanças
149
legislativas, tais como a nova Lei de Abuso de Autoridade, afetam negativamente o trabalho do
MP/BA no combate à corrupção (78,8%).
A sociedade cobra do MP/BA uma atuação mais voltada para o combate da 73,9 15,4
corrupção
O fortalecimento do combate à corrupção no MP/BA tem direta relação com 54,4 19,5
a influência das operações com forte apelo midiático promovidas por outros
Ministérios Públicos
A atuação do MP/BA no combate à corrupção ainda está aquém do que 87,8 4,8
deveria
150
Há grande distância entre a atuação do MP/BA e dos demais Ministérios 30,8 34,1
Públicos do Brasil em relação ao combate à corrupção
As recentes mudanças legislativas, tais como a nova Lei de Abuso de 78,8 11,3
Autoridade, afetam negativamente o trabalho do MP/BA no combate à
corrupção
Fonte: Pesquisa de campo (2020)
perpassa pela eficiência destas instituições, não sendo suficiente apenas a atuação do Ministério
Público.
Tabela 12 - Obstáculos que o Ministério Público do Estado da Bahia enfrenta para o efetivo e eficaz
combate à corrupção (%)
%
Falta de estrutura e/ou de recursos financeiros internos; distribuição inadequada de atribuições; falta 66,7
de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa; falta de unidade e planejamento estratégico
Excesso de meios recursais; morosidade da justiça; despreparo/desconhecimento por parte do poder 35,8
judiciário; dificuldades de obter provas com autorização judicial;
Atuação política externa; investidas contra o poder investigatório do MP; o poder econômico; atuação 32,5
política interna; a forma de escolha da chefia pelo Poder Executivo;
Receio de responsabilização pessoal do membro; falta de segurança pessoal para o membro; ausência 11,4
de proteção interna e riscos de responsabilização;
Outros 4,8
Fonte: Pesquisa de campo (2020)
[…] Não sei se existe uma causa consciente ou não para isso. Ou se foi um
movimento da evolução do sistema. Se ele passou a ser bem estruturado, as
instituições passaram a ser bem estruturadas, a revolução tecnológica
começou a chegar para a gente. Passamos a ter mais condições de
instrumentalizar por nós mesmos as interceptações telefônicas, as quebras de
sigilo bancário e fiscal, os afastamentos telemáticos que junto eles conseguem
ai formar um grande quebra-cabeça de prova desses vínculos e elementos
subjetivos que sempre foram nossa grande dificuldade, nessa área específica
(entrevista com promotor 1)
153
Tabela 13 - Grupos de fatores que promotores e procuradores entendem que mais influenciam o
Ministério Público do Estado da Bahia a aumentar o enfrentamento da corrupção (%)
%
A busca pela melhoria das condições sociais; a transformação da sociedade e a melhoria da qualidade 60,2
de vida da população hipossuficiente; a realização da justiça e a defesa do estado democrático; a
redução das desigualdades sociais; a luta contra o histórico quadro de impunidade;
Melhoria da estrutura de trabalho; a renovação dos quadros de membros e servidores; especialização 56,9
da atuação; a experiência da Lava Jato e outras operações;
O controle social; a opinião pública e o clamor social; a mídia; as manifestações populares; 38,2
A vocação dos membros; a satisfação profissional dos promotores e procuradores; os interesses e 36,6
preferências pessoais; maior visibilidade pessoal e institucional;
Aperfeiçoamento das leis; os tratados e compromissos internacionais; o fortalecimento das garantias 34,1
institucionais; as inovações tecnológicas e facilidade na obtenção de informações; maior
transparência da administração pública;
A política remuneratória dos serviços públicos; valorização econômica da carreira; a busca pela 9,8
manutenção da legitimidade e das atribuições do Ministério Público; a busca pela elevação do
prestígio político da instituição;
O capitalismo financeiro e o interesse pela privatização; a influência dos poderes e interesses 4,9
econômicos; a influência dos poderes políticos externos;
Outros 0,8
Fonte: Pesquisa de campo (2020)
154
Penso que o combate à corrupção deve ser intensificado e priorizado, pois esta
ação nefasta mata milhões e ceifa os sonhos de outros milhões. (respondente
34)
Como visto ao longo da exposição, o Ministério Público foi estudado sob duas óticas:
a) a primeira, de ordem exploratória e dedutiva, analisou a instituição de modo geral, desde a
sua origem mais remota até a sua atual apresentação sociojurídica e científica; b) a segunda, de
viés indutivo e descritivo, abordou especificamente o Ministério Público do Estado da Bahia,
com destaque para a pesquisa de percepção dos seus membros. Assim sendo, o presente capítulo
busca aglutinar os achados e apresentar uma proposta teórica explicativa com base na
perspectiva de existência de um campo estruturado.
Sobretudo a partir da Operação Lava Jato e da polarização política que acometeu o
Brasil, surgiram diversas teorias acerca da destacada atuação do Ministério Público no
enfrentamento da corrupção, indo desde as percepções voluntaristas até as desconfianças sobre
interesses político-partidários e econômicos. Dallagnol (2017), por exemplo, questiona: “por
que nos importamos tanto com a corrupção? O que motivou a pensar na luta contra o crime
de colarinho branco como uma questão de justiça? Por que ela é tão importante para a
sociedade brasileira? Afinal, o que está em jogo?”. Respondendo à sua própria pergunta, o
Procurador da República, coordenador da operação Lava Jato, cogita que: “talvez o que me
move – a mim e aos milhares de cidadãos que despertaram para esse problema – seja
entendermos o prejuízo causado à sociedade por um dos crimes de colarinho branco mais
prejudiciais”. Em lado oposto, Jessé Souza (2017) afirma que “o que a Lava Jato e seus
cúmplices na mídia e no aparelho de Estado fazem é o jogo de um capitalismo financeiro
internacional e nacional ávido por ‘privatizar’ a riqueza social em seu bolso”.
Contudo, a maioria dos estudos acerca do tema, inclusive os anteriores à operação Lava
Jato, enfatizam negativamente a associação entre a divulgação dos casos de corrupção e a
obtenção de prestígio e benefícios materiais aos membros da instituição. Segundo Eugênio
Aragão (2012), ex-Subprocurador-Geral da República, instalou-se no Ministério Público uma
atitude macroscópica de promover atuações ousadas e com riscos para com a governabilidade
visando elevar o prestígio político da instituição e buscar a valorização econômica da carreira.
Para Ribeiro (2017, 77-78), o Ministério Público tem garantido a sua legitimidade atuando em
áreas congêneres à acusação no processo penal, como no combate à corrupção. De acordo com
a autora, o Ministério Público é uma elite que privilegia a ação de gabinete e que está mais
preocupada em construir a sua credibilidade perante a opinião pública do que com a
transformação da sociedade e a melhoria da qualidade de vida da população hipossuficiente.
157
Para Arantes (2019, p. 107), o Ministério Público possui elevada coesão e foi o primeiro
a iniciar o processo a partir do desenvolvimento da condição de “representante extraordinário
da sociedade” na defesa de interesses e direitos coletivos. A Defensoria Pública teria uma
coesão mediana e teria sido potencializada a partir do encaixe da condição de prestador da
assistência à população jurídica necessitada. Por fim, a Polícia Federal, com baixa coesão
107
Embora o autor utilize a expressão “delação premiada”, para grande parcela da doutrina o termo tecnicamente
correto e atualmente utilizado pela lei seria “colaboração premiada”, que afasta a carga simbólica e carregada de
preconceitos, além de melhor descrever a extensão do instituto. Vladmir Aras expõe bem essa discussão.
Disponível em: https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/
158
colarinho branco, razão pela qual, para os fins aqui propostos esse período não foi
considerado como um bloco. Na última década foi que iniciou a quarta e última grande
reforma, tendo como influências sobretudo escândalo do mensalão e as jornadas de junho.
Entre alterações mais importantes, podem ser citadas a edição da lei da transparência, o
aperfeiçoamento da lei de lavagem de dinheiro, e a criação das leis anticorrupção e da nova
lei de organizações criminosas. Após a operação Lava Jato, os únicos produtos legislativos
que podem ser associados a esse evento são o pacote anticrime, que trouxe poucas
contribuições ao enfrentamento da corrupção) e a lei de abuso de autoridade. As dez
medidas contra a corrupção, projeto eminentemente de patrocinado pelo Ministério Público,
além de ter sido desfigurado, até hoje continua em análise no Congresso Nacional.
Com isso, pretende-se demonstrar que, longe de influenciar o surgimento de novas
competências, a atuação do Ministério Público no combate à corrupção foi, na verdade,
fruto dessas reformas legislativas que ocorreram muito antes dos escândalos. A propósito,
vale dizer que o instituto da colaboração premiada, mencionada como o determinante para
a concorrência entre as instituições no enfrentamento da corrupção e a suposta busca por
novas competências, além de ser uma técnica especial antiga utilizada em todo o mundo
pelo Ministério Público, foi prevista na década de noventa nas leis de organizações
criminosas, sistema financeiro nacional e proteção às testemunhas. Como já demonstrado
ao longo do trabalho, a partir da atuação do Ministério Público no enfrentamento da
corrupção, houve mais tentativas legislativas de esvaziar o trabalho do MP do que
propriamente de aumentar as suas competências estabelecidas sobretudo na década de
noventa.
Além disso, o levantamento acerca da percepção dos membros também afastou as
teses de que a atuação do Ministério Público objetivaria a obtenção de maiores
remunerações ou vantagens. Com efeito, tanto nas pesquisas nacionais como a realizada no
Estado da Bahia revelam que a remuneração e a valorização da carreira não foram
considerados os motivos mais importantes para o ingresso no Ministério Público ou para a
sua própria atuação. Outrossim, restaram rechaçados também as influências políticas e
econômicas.
Quanto à tese da correlação entre a afirmação institucional e o empenho das categorias
em conquistar benefícios materiais, compreende-se que não faz nenhum sentido associar a
melhoria do desempenho da instituição com o encaixe que, na verdade, é precisamente o
objeto e finalidade última das instituições mencionadas. Afinal, como atribuir qualquer
elemento estratégico à Polícia Federal por promover investigações criminais e à Defensoria
160
por prestar assistência jurídica à população necessitada? Até poderia fazer algum sentido essa
análise em relação ao Ministério Público já que, dentre tantas outras possibilidades, de fato tem
atribuído maior prioridade à investigação da corrupção em detrimento de outras funções. Mas,
ainda assim, pode-se argumentar que se trata de atividade finalística estabelecida pela lei. De
mais a mais, o levantamento não trouxe nenhuma evidência nesse sentido e não há nenhum
elemento que demonstre o nexo causal entre a atuação dos membros e essa finalidade. Em
arremate, conforme constatou o próprio Arantes (2019), a construção dos arranjos não obedeceu
a um plano prévio e deliberado.
Oliveira Júnior (2019, p. 1057-1057) salienta que a exposição e o deslinde de casos
de corrupção podem gerar retornos positivos à reputação e às competências das
organizações que integram a teia de mecanismos de accountability, além de fortalecer o
combate a esse fenômeno ao atingir o elemento central do seu estratagema que é a ocultação.
Porém, o mesmo autor esclarece que também há estudos que indicam que a exposição
constante dos casos de corrupção também pode colocar em xeque a legitimidade da própria
teia de accountability.
Por fim, é de se observar que as referidas ideias partem do pressuposto de que as
motivações institucionais são necessariamente negativas, desconsiderando qualquer
possibilidade de que o Ministério Público busque legítimos fins colimados na Constituição
Federal. Embora não se desconsidere a possibilidade de que instituições sejam utilizadas
para fins espúrios, não se pode também desprezar o papel de instituições como o Ministério
Público para a efetivação de um país mais democrático, inclusivo e honesto.
A hipótese que se levanta a partir dos estudos realizados ao longo da presente
pesquisa é de que a atuação destacada do Ministério Público no enfrentamento da corrupção
decorre do desenvolvimento de uma forte identidade institucional de agência anticorrupção que
se formou a partir de imbricados processos históricos, normativos, discursivos, institucionais
e sociais. Como já abordado anteriormente, as evidências dessa identidade foram percebidas,
em 2007, por Arantes (2007, p. 330), quando constatou a existência de uma ideologia do
voluntarismo político bastante difundida no interior do Ministério Público e que funcionava
como importante fonte de inspiração para a ação de promotores e procuradores. Segundo o
autor, os elementos principais desse elemento endógeno seriam: a) uma percepção da
incapacidade da sociedade civil de se defender autonomamente; b) uma avaliação de que os
poderes políticos representativos estão corrompidos e/ou incapazes de cumprir suas funções;
e c) uma idealização do papel do MP de representar essa sociedade incapaz perante governos
ineptos. Para o autor, na época, o combate à corrupção política seria uma das atuações que
161
Como bem apregoado por Castells (2008), toda identidade, do ponto de vista
sociológico é construída, de modo que a questão principal é saber como, a partir de que, por
que e para que isso acontece. Segundo o referido sociólogo:
É difícil estabelecer com precisão a relação de causa e efeito para o surgimento dessa
identidade institucional, porém, há fortes indícios da contribuição dos seguintes fatores: a) o
surgimento da “consciência nacional” e a mobilização para a criação de um projeto nacional
durante os Congressos Nacionais; b) a redemocratização; c) a fundação de um novo Ministério
Público forte e autônomo com a Constituição Federal e as leis orgânicas; d) a edição da Lei da
lei de Improbidade e das leis de enfrentamento do crime organizado na década de noventa; e) o
desenvolvimento do regime global de proibição da corrupção e da expansão das agências
anticorrupção; f) a formação do discurso e da memória da corrupção (e da impunidade) a partir
da espetacularização dos escândalos de corrupção pela mídia, dando ensejo às grandes
manifestações de rua; g) o desenvolvimento da estrutura material, humana, tecnológica e de
investigação no início deste milênio; h) o amadurecimento e a difusão das experiências das
operações, principalmente a Lava Jato.
A análise de todos os acontecimentos, de forma global, evidencia um grande movimento
no mundo inteiro que influenciou a toda a comunidade internacional. No Brasil, esse fenômeno
desenvolveu-se sobretudo após a redemocratização, com maior liberdade de impressa,
viabilizando a formação do discurso e da memória da corrupção (e da impunidade) a partir da
exponencial espetacularização dos escândalos de corrupção pela mídia. Nessa época, O
Ministério Público estava construindo uma consciência institucional e buscando a criação de
um novo MP na Constituição Federal, do que resultou a conquista das garantias, como
inamovibilidade, vitaliciedade e independência funcional. Até então, o Ministério Público não
havia despertado o interesse para o enfretamento da corrupção. A lei da improbidade parece ter
sido um marco fundamental para a construção da identidade no enfrentamento da corrupção,
163
embora na sua origem o MP não aparecesse como o maior destinatário. Foi a partir dessa lei
que o Ministério Público despertou o interesse especial para a corrupção, alcançando-se
finalmente agentes políticos que antes estavam sujeitos a foros privilegiados. Na esteira de
compromissos firmados no âmbito internacional, foram editadas novas leis de enfrentamento
ao colarinho branco, como as leis de organizações criminosas e lavagem de capitais. Ainda
diante da percepção de impunidade das ações de improbidade e de posse de novos instrumentais
processuais e penais, o Ministério Público passou a empregar estratégias criminais, com ganhos
de eficiência e efetiva responsabilização como nunca antes visto, o que aumentou a
espetacularização do processo, reforçando tanto uma imagem como uma autoimagem do
Ministério Público como o agente capaz de finalmente promover a responsabilização de pessoas
dos altos escalões políticos e econômicos. O desenvolvimento de novas tecnologias e a maior
estruturação dos Ministérios Públicos também foram decisivas. Na contramão desse processo,
contudo, intensificaram projetos de leis, decisões judiciais e posicionamentos contrários à
atuação do Ministério Público. Nos momentos de iminente contratação, houve manifestações
em defesa do Ministério Público, como em 2013 e 2016.
Neste contexto, é especialmente instigante perceber que a identidade do Ministério
Público foi construída não somente a partir do desenho institucional e do elemento endógeno,
mas, também, em razão dos observadores externos que exigiram a redução da impunidade em
relação à corrupção. Em outras palavras, pode-se supor que a identidade também foi um produto
do discurso e da memória dos brasileiros que também são observadores dessa mesma
representação.
A operação Lava Jato foi o ápice da espetacularização bem como da consolidação
processo de formação da identidade do Ministério Público, a partir do qual notou-se o
desencadeamento rotineiro de operações com a mesma metodologia. De outro lado, com a
responsabilização de altos escalões, crises políticas e polarização da sociedade, tem se
percebido um aumento da instabilidade desse processo mediante a redução parcial do interesse
da sociedade, alterações legislativas, decisões judiciais anulatórias, instauração de processos
disciplinares contra procuradores e até mesmo a redução de investimentos na área da corrupção.
Algo semelhante ao processo que ocorreu na operação mãos limpas.
De fato, a partir da atuação do Ministério Público e das demais instituições
anticorrupção, surge uma instabilidade decorrente da contrariedade aos interesses de fortes
grupos políticos e econômicos. Esse processo não é novo. Pelo menos desde 2007, Arantes
(2007, p. 334) já indicava a instabilidade das garantias e das atribuições da atuação do
164
Figura 22 – Capas das revistas da AMPEB publicadas, respectivamente, nos anos 2018, 2019 e 2020
108
https://www.ampeb.org.br/publicacoes/
165
• Pec 37
Aparecimento do Desenvolvimento • Lei do abuso de
do discurso da da autoimagem e Consolidação da autoridade
corrupção e da imagem • Tratados identidade • Polarização política
• Congressos impunidade • Carta de Curitiba internacionais • Redução do
Nacionais • Constituição • Leis contra a interesse da
• Lei de improbidade • Operação Lava Jato
• Mobilização • Redemocratização Federal grande população
classista • Ideologia do • Outras operações
• Liberdade de • Leis orgânicas criminalidade • Redução dos
imprensa voluntariasmo • Responsabilização
• Lei de ação civil • Legislação esparsa • Estruturação dos investimentos no
púlbica jurídico de altos escalões
• Transparência MPs Ministério Público
pública • cobrança da • Hiper
sociedade e da • Desenvolvimento espetacularização • Anulação de
Surgimento da tecnológicos processos
consciência Renascimento do mídia
Ministério Público • Punição de
institucional Aperfeiçoamento membros
do combate à
corrupção
Internsificação da
Volatilidade/reação
Percepção da Manutenção da
importância do legitimidade e
combate à das leis de
corrupção pelo combate à
MP corrupção
Divulgação na Detecção de
mídia da casos de
atuação corrupção pelo
positiva MP MP
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como exposto no início desse trabalho, a presente pesquisa tinha por escopo central
compreender o desenvolvimento do Ministério Público no que concerne ao enfrentamento da
corrupção. Para alcançar esse propósito, foram definidos como objetivos específicos: 1) analisar
a história do Ministério Público e os processos que influenciaram o seu desenvolvimento
institucional; 2) caracterizar o perfil dos membros do Ministério Público do Estado da Bahia; e
3) identificar a autoimagem que os(as) procuradores(as) e promotores(as) de justiça possuem
da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia e as prioridades percebidas. Todos esses
objetivos foram cumpridos, o que permitiu apresentar uma descrição da sua construção, uma
explicação da sua identidade no tempo e as expectativas para o futuro.
Conforme apurado pela pesquisa, nos países ocidentais, o Ministério Público, de modo
geral, é o órgão encarregado do exercício da acusação perante os tribunais, porém a sua
organização e funções costumam ser muito variadas, nem sempre com garantias ou atribuições
diversas. Já no Brasil, o Ministério Público passou por diversas transformações, que se
intensificaram nos anos 1980. A evolução nesse período ocorreu, sobretudo, a partir das
discussões nos Congressos Nacionais do Ministério Público e da atuação classista, que
contribuíram para a formação do que foi denominado pelos congressistas, à época, de
“consciência nacional”, e que foi fundamental para a criação de um projeto nacional de
Ministério Público. Neste contexto, inspirada pela “Carta de Curitiba, aprovada por todas as
lideranças do Ministério Público do Brasil, a Constituição Federal de 1988 deu à luz um novo
Ministério Público, sem paralelo no mundo, forte, independente e incumbido da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Com
essas características, a instituição renasceu organicamente vocacionada, também, para o
enfrentamento da corrupção.
Na década de noventa, o mundo passou a se preocupar com o fenômeno da corrupção
política e desenvolveu um regime global de proibição composto por diversos tratados. No
mesmo período, foram difundidas em muitos países as agências anticorrupção, destinadas a
prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas. Vários foram os modelos de agências
anticorrupção implantados no mundo, porém muitas delas foram integradas ao Ministério
Público. Apesar do Brasil ter adotado um modelo multiagência, o Ministério Público brasileiro
destacou-se como o primeiro e principal ator a partir a Lei de Improbidade Administrativa.
Conquanto a instituição já tivesse atribuições para a responsabilização desses atos no âmbito
169
penal, a Lei nº 8429/92 foi um marco decisivo ao admitir uma nova forma de
responsabilização jurídica de gestores que antes estavam protegidos pelo foro privilegiado,
imbuindo no órgão uma especial identificação do seu papel nessa área. As legislações que
se seguiram, inspiradas pelo movimento internacional de enfrentamento da macro
criminalidade, aperfeiçoaram os poderes e instrumentos, possibilitando um salto na
capacidade investigatória ministerial, inclusive para a prevenção e repressão da lavagem de
capitais e das organizações criminosas.
Com maior liberdade de expressão e transparência, pós-redemocratização, houve
uma espetacularização dos escândalos pela mídia, gerando um excesso de memória em
relação à corrupção, o que influenciou decisivamente para evitar o esquecimento e, também,
para determinar as compreensões e maneiras de viver de toda a nação, refletindo tanto nas
pessoas como nas instituições. Embora os crimes do colarinho branco sempre tenham sido
tratados de forma leniente no mundo inteiro, a impunidade e a percepção da corrupção no Brasil
geraram especial interesse da população, chegando a ser considerado o maior problema social
em 2015. Neste cenário, o Ministério Público, que passara a aplicar a lei de improbidade e
atuar no combate ao crime organizado, foi associado à imagem de defensor da ordem e da
moralidade e garantidor da punição de corruptos e criminosos, desenvolvendo uma imagem
institucional positiva. Pesquisas precedentes a este trabalho também revelaram o
desenvolvimento de uma autoimagem de agência anticorrupção no Ministério Público e o
crescimento da preferência pelo combate à corrupção, que se tornou maior prioridade dos
membros em 2016, inclusive acima do enfrentamento dos crimes em geral. A operação Lava
Jato também foi um marco relevante, influenciando todos os Ministérios Públicos, mormente
através da difusão de uma metodologia considerada inovadora, com o forte emprego das
técnicas especiais de investigação, colaborações premiadas, big data e medidas assecuratórias.
Na Bahia, o desenvolvimento estrutural do Ministério Público somente ocorreu com
maior vigor a partir do início deste milênio, com a expansão da estrutura física, formação dos
quadros auxiliares, criação de grupos especializados, instituição da gestão estratégica e
desenvolvimento do parque tecnológico. Além disso, as operações contra a corrupção, pelo
menos as mais importantes, somente vieram após a experiência da Operação Lava Jato. Nada
obstante, a pesquisa de campo revelou a formação de uma autoimagem no Ministério Público
do Estado da Bahia muito semelhante àquela encontrada pelas pesquisas pretéritas,
demonstrando que, apesar de uma pequena variação, foram mantidos, ao longo de quase 20
anos, os perfis e percepções dos membros do Ministério Público, mesmo comparando-se
170
universos distintos: Ministério Público Federal; todos os Ministérios Públicos da União e dos
Estados; e Ministério Público do Estado da Bahia.
Através do presente estudo foi possível perceber como o Ministério Público é uma
instituição complexa, sujeita às suas próprias contradições, especialmente no Brasil, onde tem
contornos próprios, grande capilaridade e variadas interações na democracia. Neste cenário, é
possível dizer que a instituição pode se apresentar para a sociedade, no tempo e no espaço, de
mais de uma forma, a partir de diversos papeis e representações, que podem variar até mesmo
conforme divisão do Ministério Público no plano orgânico-constitucional entre várias
instituições autônomas e independentes (Ministério Público da União e Ministérios Públicos
dos Estados). Contudo, a análise das evoluções histórica, normativa, orgânica, social, científica
e discursiva gera fundadas razões que levam a concluir que o Ministério Público brasileiro se
constitui de um campo cujos membros compartilham de um mesmo habitus. A comparação
entre os resultados da pesquisa de campo e os estudos antecedentes confirmaram essa conclusão.
Foi neste contexto de unidade política e forte coesão que, sem prejuízo de outras, se
formou uma identidade institucional de agência anticorrupção, que é coerente com a imagem e
a autoimagem do órgão em todo o Brasil, além de animada por uma ideologia de voluntarismo
político. Essa identidade, apesar de ter se consolidado em período recente, é dinâmica e
continua sendo questionada e reafirmada a cada dia, projetando-se para o futuro em um contexto
de conflito discursivo com outros atores, em meio à volatilidade do quadro institucional que
decorre do enfrentamento da corrupção. Ao contrário do que sustentam outros trabalhos, não
foram identificadas evidências científicas de que a atuação dos membros do Ministério Público
é dirigida à conquista de novas competências ou vantagens materiais. Por outro lado, foi
identificada a estratégia de reafirmar a associação do Ministério Público com o combate à
corrupção com vistas à defesa das garantias e atribuições conquistadas na Constituição Federal
e na legislação infraconstitucional, bem como à proteção da própria atuação anticorrupção,
principalmente diante das tentativas de alterações normativas e mudanças de posicionamentos
jurisprudenciais.
Com isso, a pesquisa amadureceu suficientemente para responder à pergunta de partida:
afinal, o que move o Ministério Público no enfrentamento da corrupção? Como visto, a análise
dos resultados conduziu à conclusão de que, para além dos deveres orgânico-normativos, o
Ministério Público se move no enfrentamento à corrupção em virtude do desenvolvimento, a
partir da segunda metade dos anos 1990, de uma identidade institucional de agência
anticorrupção, formada a partir de processos históricos, institucionais e sociais. Essa identidade
– que tanto reflete como interage com o desenho institucional, a motivação endógena e o
171
pesquisa, o próprio trabalho, as convicções pessoais e os papeis sociais. Foi curioso observar
como a relação pesquisador/objeto foi se transformando durante a pesquisa, promovendo
questionamentos e reformulações constantes das pré-compreensões. Nesse processo também
houve um amadurecimento e a aquisição de autoconfiança quanto à realização do
desenvolvimento de uma pesquisa que é tão legítima e relevante quanto às avaliações externas,
na medida em que, sincera e compromissada tanto com o conhecimento científico como com a
sociedade em que atua, apresenta uma visão interna que é pouco conhecida do meio acadêmico.
Diante da complexidade do objeto, certamente a discussão aqui levantada ainda carece
de um amadurecimento teórico e ainda há muito a ser estudado. O esforço deste trabalho será
recompensado se outros pesquisadores se sentirem desafiados a aprofundar as questões
levantadas. Se lograrmos êxito esse intento, teremos somado alguma contribuição à busca de
uma reflexão sobre esse campo que é tão interessante, mas pouco estudado. Neste contexto,
também podem ser realizadas outras pesquisas, visando, por exemplo, compreender melhor a
qualidade do trabalho desenvolvido pelo Ministério Público no enfrentamento da corrupção a
partir de outros parâmetros, bem como os seus impactos na autoimagem e imagem institucionais.
Além disso, diante da dificuldade de apurar os níveis de impunidade reais, seria interessante
esclarecer se há relação entre o desenvolvimento da imagem de agência moralizadora do
Ministério Público e a percepção do efetivo descobrimento e punição dos crimes do colarinho
branco.
Tratando-se de um mestrado profissional parece oportuno apresentar algumas
considerações e propostas de intervenção na tentativa de contribuir para a instituição. Pelos
estudos realizados até o momento, observa-se que o comportamento de uma instituição decorre,
sobretudo, em virtude três fatores: o desenho institucional, a motivação endógena e o contexto
sociocultural que, no final das contas, refletem a identidade institucional. No caso do
enfrentamento da corrupção, todos os fatores convergem para o desenvolvimento de uma
identidade anticorrupção. Neste contexto, primeiramente, é essencial que o Ministério Público
compreenda melhor a sua identidade institucional e avalie internamente as suas prioridades.
Além disso, é preciso que haja coerência entre a identidade e o efetivo desempenho da sua
representação, o que exige uma atuação de qualidade, proativa, profissional, sistemática,
especializada e coordenada com vistas tanto à reação como à prevenção. Por fim, é importante
que haja uma comunicação institucional sincera e que rechace as desconfianças em relação às
representações sociais.
A evolução histórica do Ministério Público brasileiro e dos seus resultados revela que a
sua constituição no Brasil, como uma instituição forte e independente, foi uma conquista da
173
sociedade e, longe do complexo de vira-lata, é uma “jabuticaba que deu certo”. Muito mais do
que mero órgão de persecução, o MP se tornou, por opção constitucional, um agente de
transformação social, garantidor dos direitos fundamentais, protetor do meio ambiente, redutor
de desigualdades sociais e defensor dos valores democráticos e interesses sociais, os quais, no
Brasil, se revelaram de difícil implementação senão por meio do sistema de justiça. O
enfrentamento da corrupção se insere nesse mesmo contexto e é especialmente difícil de ser
combatida já que a própria sociedade, os legisladores e o sistema de justiça têm dificuldades de
reconhecer a natureza criminal das condutas de criminosos do colarinho branco. Porém deve-
se destacar que a atuação do Ministério Público tem mudado esse cenário e a histórica
seletividade penal outrora dirigida a pobres. É sintomático o fato de que a primeira prisão de
um agente político no Brasil somente ocorreu em 2013, mas também é interessante perceber o
quanto o Brasil se transformou nos últimos anos por meio da atuação das agências anticorrupção,
promovendo a responsabilização de altos escalões dos poderes políticos e econômicos
responsáveis pelo desvio de bilhões de reais.
É fato que o enfrentamento de interesses tão poderosos tem potencializado as tentativas
de alterações da estrutura das agências anticorrupção e de punições aos seus agentes, com vistas
ao enfraquecimento do controle dos desvios. O Ministério Público não pode se intimidar diante
dessas ameaças e nem mesmo recuar na luta contra a corrupção. As suas únicas defesas são a
continuidade de um trabalho sério e a transparência quanto à lisura das suas ações, inclusive
quanto ao respeito e proteção de direitos humanos, mantendo-se a coerência entre a imagem e
a autoimagem que sustentam a sua identidade.
Vale destacar que, os estudos acerca das agências anticorrupção indicam as
características mais importantes ao bom funcionamento dessas instituições são: a
independência; a atuação em cooperação com outras instituições; o capital humano
especializado e interdisciplinar; a capacidade de investigar casos complexos e de grande
magnitude; a capacidade de realização de pesquisas e avaliação de políticas anticorrupção;
a agência deve ser duradoura e não ocasional; e devem ter o apoio da opinião pública. Por
outro lado, segundo a percepção dos promotores e procuradores, o Ministério Público está
aquém de realizar uma atuação de qualidade no enfrentamento da corrupção. Os maiores
obstáculos à melhoria desse cenário indicados foram as deficiências estruturais: a falta de
estrutura e/ou de recursos financeiros internos; a distribuição inadequada de atribuições; a falta
de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa; e a falta de unidade e planejamento
estratégico. De fato, verificou-se que pouquíssimas Promotorias de Justiça no Estado da Bahia
possuem condições de desenvolver trabalhos especializados no combate a corrupção.
174
Impõe-se observar que tanto no âmbito nacional como no Ministério Público do Estado
da Bahia falta uma política pública contra a corrupção que seja clara e efetiva. O planejamento
estratégico apesar de conhecido pela maioria não tem chegado às pontas com força para
impulsionar uma atuação mais sistemática. É preciso ter uma direção e efetivamente trabalhar
nesse caminho, o que pressupõe a indicação de metas claras a serem cumpridas pelas
Promotorias de Justiça e o eficaz monitoramento, o que já pode ser feito mediante o
aperfeiçoamento dos sistemas construídos pela própria instituição, a exemplo do IDEA. As
unidades ministeriais devem buscar soluções de gestão que visem a racionalização dos recursos
e otimização da energia institucional, preferindo-se sempre as ações que resultem em maiores
retornos positivos para a sociedade. A administração superior tem um papel fundamental,
indicando critérios razoáveis para a racionalização das prioridades e dos recursos, ressaltando
o fortalecimento da unidade ministerial. Neste processo, a liderança é o melhor caminho,
canalizando a energia positiva dos membros e rejeitando totalmente as perspectivas que violem
a autonomia e a independência funcional dos membros do Ministério Público, que, ao fim e ao
cabo, são um dos maiores pilares do funcionamento das agências anticorrupção. As orientações
sumulares, notas técnicas, recomendações, compartilhamento do conhecimento e operações
conjuntas auxiliam nesse processo.
O combate à corrupção precisa abranger a prevenção e a repressão, porém o MP cumpre
apenas parte desse trabalho. Por isso, é necessário sistematizar o trabalho e fortalecer a
estrutura, que deve ser dotada de ferramentas para a formulação de pesquisas, produção e
difusão de conhecimento, varreduras proativas e investigações eficientes, além do
aperfeiçoamento legislativo e educação da sociedade. Existem muitas iniciativas no âmbito da
prevenção, mas ainda são muito tímidas, incipientes e, frequentemente, provocadas pelo
público externo. Ao invés de fruto de iniciativas e custos pessoais, o trabalho de enfretamento
da corrupção precisa ser um produto natural do desempenho estratégico da instituição.
No interior, além da maior precariedade da estrutura, as promotorias têm acumulado
atribuições diversas e dissonantes que inviabilizam uma atuação eficiente na proteção do
patrimônio público e moralidade administrativa. É comum encontrar enormes acervos de
procedimentos investigatórios parados que não vão a lugar nenhum e que desestimulam o
interesse dos promotores pela atuação nessa área, fazendo com que os mais experientes sempre
busquem outras promotorias menos cansativas. Essa realidade precisa mudar, principalmente
através de uma revisão geral das atribuições de todas as promotorias, a fim de reformular a
distribuição mediante critérios proporcionais e objetivos que assegurem a tutela adequada dos
interesses protegidos pelo MP conforme as prioridades institucionais, evitando-se por exemplo
175
Ministérios Públicos do Brasil, bem como com as demais agências anticorrupção para atuação
conjunta, fortalecimento da rede e produção de ações educativas para toda a sociedade.
Também é importante que haja articulações junto a outras instituições como as polícias,
controladorias, tribunais de contas, órgãos financeiros e tributários e, principalmente, o Poder
Judiciário. Afinal, a atuação em rede é fundamental e o trabalho do Ministério Público não será
integral se as ações de responsabilização continuarem prescrevendo e esbarrando em outras
dificuldades como acontece diariamente. Para além disso, a proteção dos direitos fundamentais
deve ser sempre a marca fundamental da atuação que legitima toda a ação ministerial e que
garanta a confiança necessária para a sua continuidade enquanto instituição essencial. Aliás, o
florescimento do Ministério Público exige os solos democráticos dos Estado de Direito, mesmo
porque o terreno desportista não combina com as suas finalidades e independência. Vale dizer
que quase todas as sugestões já são objeto do planejamento estratégico e aguardam providências
que não necessitam de outras providências complexas, senão de medidas administrativas.
Ainda não sabemos como será o novo mundo após a Pandemia do coronavírus. É
possível que estejamos encerrando um ciclo e iniciado um novo capítulo da sociedade, inclusive
com novos rearranjos de prioridade e organização. Os efeitos econômicos também exigirão a
reavaliação da atuação estratégica e da distribuição dos recursos disponíveis. É preciso planejar
a atuação do Ministério Público com vistas à efetividade e a aproximação da revisão do atual
planejamento estratégico do Ministério Público do Estado da Bahia pode ser uma ótima
oportunidade para a consagração da identidade institucional no enfrentamento da corrupção, se
assim desejar a instituição
177
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5º Congresso 53
Recife NENHUMA
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12º Congresso 143 - Descriminalização da corrupção passiva eleitoral (art. 299 do CE)
Fortaleza
(1998)
13º Congresso 233 - A Esfinge da Lei de Improbidade Administrativa (Considerações
Curitiba sobre o Caput do Art. 11 da Lei N° 8.429/92)
(1999) - Os Agentes Políticos e as Sanções da Lei de Improbidade
Administrativa
- Improbidade Administrativa: Possibilidade, com Apoio no Art. 1.113
do CPC, de Venda Antecipada de Veículos Automotores Arrestados
-Improbidade Administrativa em Relação à Administração Ambiental
-Improbidade Administrativa dos Agentes Públicos e as Contratações
Irregulares de Servidores
19º Congresso 69 - Inversão do ônus da prova na ação civil pública por improbidade
Belém administrativa – Hipótese de aplicação do artigo 9º, inc. VII, da Lei
(2011) 8.249/92
- Improbidade Administrativa Eleitoral
- A integração entre o Estatuto da Cidade e a Lei de Improbidade
Administrativa
- Da participação do promotor de justiça na divulgação da campanha
"o que você tem a ver com a corrupção?" como um dos critérios
objetivos para aferição do merecimento
Total: R$100.000,00
Total: R$273.000,00
Total: R$214.00,00
Total: R$144.000,00
Total: R$94.000,00
Total: R$250.000,00
Total: R$145.000,00
6404 Ações de Defesa da Cidadania Plena Promover efetividade à implementação dos Direitos
Humanos, combatendo a discriminação e a violência contra a mulher, zelando pelos direitos
dos idosos e dos portadores de deficiência, defendendo o patrimônio público e a moralidade
administrativa -145.000
Total: R$145.000,00
195
1. Idade: _____
(LEMGRUBER et al, 2016).
2. Sexo:
a) masculino
b) feminino
c) outro
(CASTILHO; SADEK, 2010). Adaptada
3. Raça/Cor:
a) amarela
b) preta
c) parda
d) branca
e) outra
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada
5. Marque até três motivos pelos quais escolheu o concurso do Ministério Público:
( ) Remuneração / prestígio / reconhecimento
( ) Garantias como inamovibilidade, vitaliciedade e independência funcional;
( ) Atuação do MP no combate à criminalidade
( ) Proteção do MP para a população de baixa renda
( ) Defesa da democracia pelo MP
( ) Redução pelo MP da impunidade e da corrupção
( ) Outro: _________________
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada
197
7. Local de atuação:
a) na capital b) no interior
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada
8. Entrância:
a) inicial b) intermediária c) final d) 2º grau
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada
13. Qual a primeira palavra ou expressão que lhe vem à mente quando se fala da atuação do
MP/BA?
____________________________
(CNMP, 2017). Adaptada
198
14. Na sua opinião, durante a sua trajetória de atuação profissional, o que tem sido indicado,
internamente, como área de prioridade do MP/BA?
sim não
violência doméstica / familiar
fiscal da lei (custos iuris)
meio ambiente
combate à corrupção (patrimônio público e
moralidade administrativa)
consumidor
infância e juventude
crime em geral
supervisão da execução penal
cidadania (saúde e educação)
controle externo da atividade policial
direitos das pessoas idosas e de pessoas com
deficiência
direitos de gênero
direitos das minorias étnicas
eleitoral
(CASTILHO; SADEK, 2010). Adaptada
15. Na sua opinião, entre os itens listados a seguir, qual deveria ser a área de atuação prioritária
para o MP/BA nos próximos dois anos?
16. Aponte a sua concordância com as seguintes afirmativas sobre a atuação do Ministério
Público do Estado da Bahia:
17. Avalie a qualidade da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia nas seguintes áreas:
18. Na sua opinião, o que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia, amparada
na Constituição Federal? Indique até três itens:
( ) A proteção dos interesses da coletividade e/ou dos vulneráveis;
201
19. O que significa corrupção do ponto de vista da atuação do MP/BA? Responda com a
primeira palavra ou expressão que lhe vem à mente:
____________________________
20. Aponte a sua concordância com as seguintes afirmativas sobre a atuação do Ministério
Público do Estado da Bahia:
21. Avalie o desempenho dos órgãos e poderes no enfrentamento da corrupção, no que se refere
ao critério de eficiência, nos últimos cinco anos:
péssim ruim regula bom ótim sem
o r o opiniã
o
Ministério Público do Estado da Bahia –
1º grau
Ministério Público do Estado da Bahia –
2º grau
Ministério Público Federal no Estado da
Bahia – 1º grau
Ministério Público Federal no Estado da
Bahia – 2º grau
Justiça do Estado da Bahia – 1º grau
204
22. Quais os obstáculos que o Ministério Público do Estado da Bahia enfrenta para o efetivo e
eficaz combate à corrupção? Indique até dois principais grupos de respostas, entre as sugeridas
abaixo:
( ) falta de estrutura e/ou de recursos financeiros internos; distribuição inadequada de
atribuições; falta de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa; falta de unidade e
planejamento estratégico
( ) atuação política externa; investidas contra o poder investigatório do MP; o poder econômico;
atuação política interna; a forma de escolha da chefia pelo Poder Executivo;
( ) dificuldades na realização de perícias; insuficiência de instrumentos processuais; instrução
deficiente de inquéritos policiais;
( ) receio de responsabilização pessoal do membro; falta de segurança pessoal para o membro;
ausência de proteção interna e riscos de responsabilização;
205
23. Entre os grupos de fatores listados a seguir, quais deles entende que mais influenciam o
Ministério Público do Estado da Bahia a aumentar o enfrentamento da corrupção? Indique até
três dos itens listados abaixo:
( ) o controle social; a opinião pública e o clamor social; a mídia; as manifestações populares;
( ) melhoria da estrutura de trabalho; a renovação dos quadros de membros e servidores;
especialização da atuação; a experiência da Lava Jato e outras operações;
( ) a política remuneratória dos serviços públicos; valorização econômica da carreira; a busca
pela manutenção da legitimidade e das atribuições do Ministério Público; a busca pela elevação
do prestígio político da instituição;
( ) aperfeiçoamento das leis; os tratados e compromissos internacionais; o fortalecimento das
garantias institucionais; as inovações tecnológicas e facilidade na obtenção de informações;
maior transparência da administração pública;
( ) a vocação dos membros; a satisfação profissional dos promotores e procuradores; os
interesses e preferências pessoais; maior visibilidade pessoal e institucional;
( ) a busca pela melhoria das condições sociais; a transformação da sociedade e a melhoria da
qualidade de vida da população hipossuficiente; a realização da justiça e a defesa do estado
democrático; a redução das desigualdades sociais; a luta contra o histórico quadro de
impunidade
( ) o capitalismo financeiro e o interesse pela privatização; a influência dos poderes e interesses
econômicos; a influência dos poderes políticos externos
( ) _______________________
24. Em sua opinião, quais as operações mais importantes realizadas pelo Ministério Público do
Estado da Bahia contra a corrupção? Indique até três:
____________________________
APÊNDICE D – Respobstas à questão 25: o que não perguntado nesta pesquisa que gostaria
de acrescentar?
Respondente RESPOSTA
6 Como o membro avalia seu próprio trabalho no combate à corrupção
Me sinto desacreditada na instituição que pouco se esforça para combater de
fato a criminalidade. O s colegas estão muito preocupados com seus
contracheques e pouco com a criminalidade. Ademais, a instituição por anos
esteve a serviço de pauta globalista e politicamente correta, o que acho que
13 não representa o papel do MP.
Diferenciar sociedade; classe média pode esperar algo diferente das classes
menos favorecidas que buscam não morrer por violência policial, falta de
saúde, educação, saneamento básico e não sofrer preconceitos e não pode
haver generalização como se a sociedade pretensamente fosse a classe que nós
14 pertencemos
Sobre quem responde - estou atualmente afastada para aperfeiçoamento
funcional (Doutorado) dedicado ao tema da responsabilidade penal no crime
de corrupção praticado em estruturas complexas, de forma que estou
particularmente sensível a temática. Senti a necessidade e a vontade de realizar
tal aperfeiçoamento ao ter contato com algumas operações dentro do MPBA.
Senti alguma dificuldade para responder perguntas como "o MPBA é 'efetivo',
ou corresponde as expectativas sociais." Ainda me parece muito pulverizada
essa atuação - que pontualmente tem sido brilhante a depender do interesse e
capacidade individual dos promotores. As expectativas sociais também são
bastante complexas em nossa sociedade..
Sobre "o combate" pelo MPBA - Para mim, as experiências profissionais no
MPBA mostraram: a complexidade dos casos, a diferença abissal entre tais
investigações/atuações e as relacionadas à " criminalidade de massa"; a
existência, porém dificuldade de nossa estrutura (sobretudo CSI- que caso
fosse demandada por mais alguns membros na intensidade demandada pelas
operações certamente colapsaria); a impressão de que "basta investigar para
realmente encontrar condutas corruptas" , a posição privilegiada que o desenho
do MP brasileiro lhe fornece para a detecção de casos de corrupção, sobretudo
em razão da atuação em em políticas públicas de caráter essencial - porém a
falta de articulação entre as atuações (de forma que os membros se limitam a
"remeter para o colega" casos suspeitos, sem que haja em âmbito institucional
um tratamento desses dados e orientação de possíveis atuações). Considerando
que a corrupção parece mais um aspecto estrutural do que propriamente
"anormal", também considero que nossa atuação no âmbito eleitoral é pobre,
burocrática pouco articulada com o que ocorre "após as eleições", e nisso
deveríamos poder atuar melhor. Preocupa-me, por outro lado, a falta de
legitimidade com que podem ser percebidas atuações nesse âmbito, que
podem ser tachadas de seletivas... não temos de forma clara, perante a
sociedade, critérios de racionalização (porque sim, é inevitável a priorização
de casos e investigações dentro de uma PJ com recursos escassos). Ou seja:
como nascem esses casos? e como são escolhidos? Por fim, gostaria ainda de
manifestar a alegria que sinto ao ver outros membros preocupados em refletir
17 sobre o tema da corrupção e de nossa atuação funcional de forma mais
207
A falta de vocação dos membros para atuação nesta área. Temos algumas ilhas
42 de excelência.
Aporte financeiro (o CAOPAM possui o menor orçamento de todos os centros
de apoio do MPBA). Influência dos órgãos da Administração Superior
(notadamente Conselho Superior, Corregedoria e Colégio de Procuradores) no
43 atual estado da arte de enfrentamento à corrupção pelo MPBA.
55 Importância do combate à corrupção dentro do MP
O que move o MP é a consciência de poucos bons Promotores e Procuradores
que trabalham com afinco e dedicação pela efetiva realização da missão
57 conferida constitucionalmente ao órgão.
64 Sobre o maior incentivo às atuações conjuntas do MPBA com MPF
66 O que é necessário para o Mpba ter mais efetividade no combate à corrupção?
A instituição deveria voltar órgãos especificamente para o combate à
corrupção e dificultar a possibilidade de membros substituírem, haja vista que
69 o acúmulo de trabalho repercute principalmente no combate à corrupção
O MP precisa de mais estrutura de investigadores, precisa de oficiais de justiça,
precisa de interiorização de Gaeco.... a gente tem uma estrutura grande mas
pouco efetiva; de outra parte, também acho importante o foco em deficiente,
idoso, direito das minorias.... acho que deve ter “cada um no seu quadrado”
70 trabalhando com efetividade
E espero que o seu olhar sobre a corrupção não o faça esquecer os impactos da
corrupção no acesso aos direitos de cidadania e dos direitos humanos aos
72 grupos vulnerabilizados.
A prevalência dos interesses individuais e personalistas, verificada nas práticas
da Lava Jato, desmantelaram a imparcialidade que deveria ser a base das
ações de um membro do MP. Deixaram de fora os Aécios, os Fernandos
Henriques e etc e se aliaram a esses marginais e os protegeram, além de
delimitar a atuação da Lava Jato ao período tia governos do PT. O MP ficou
75 marcado como parcial.
77 O combate a corrupção é a nossa essência.
82 Fiscalização do mpba no enfrentamento da corrupção no âmbito estadual
Que o combate à corrupção, em que pese sua importância e repercussão na
probidade administrativa não pode ofuscar as demais atribuições
constitucionais do ministério público, tão importantes quanto para a defesa da
87 missão constitucional da instituição.
Falta atuação uniformizada, através de operações simultâneas em todos os
89 municípios do Estado.
90 Estrutura do interior
Se a instalação de promotorias de justiça e o provimento destas com
promotores de justiça na Bahia privilegia o combate à corrupção e o interesse
95 público ao interesse corporativo.
-Você considera que o planejamento estratégico, da forma como se encontra
98 elaborado, auxilia no combate à corrupção? Não, por falta de objetividade
As recentes mudanças legislativas e a permanente tentativa do parlamento de
restringir as prerrogativas de atuação funcional e intimidar os membros visam
desestimular os membros do Ministério Público, em curto prazo. Em longo
prazo, as tentativas de mudança no regime jurídico remuneratório e as já
realizadas no sistema previdenciário visam tornar a carreira desinteressante,
104 numa manifesta proposta de enfraquecimento institucional.
209