Dissertação Final - Ruano Fernando Da Silva Leite - 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEGURANÇA


ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO/FACULDADE DE DIREITO
MESTRADO PROFISSIONAL EM SEGURANÇA PÚBLICA, JUSTIÇA E
CIDADANIA

RUANO FERNANDO DA SILVA LEITE

O QUE MOVE O MINISTÉRIO PÚBLICO?


ANÁLISE DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UMA IDENTIDADE
INSTITUCIONAL NO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO

Salvador
2020
RUANO FERNANDO DA SILVA LEITE

O QUE MOVE O MINISTÉRIO PÚBLICO?


ANÁLISE DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UMA IDENTIDADE
INSTITUCIONAL NO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu


em Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Segurança Pública, Justiça e Cidadania, sob a orientação do Professor
Doutor Milton Júlio de Carvalho Filho.

Salvador
2020
L533 Leite, Ruano Fernando da Silva
O que move o Ministério Público? Análise do processo de
desenvolvimento de uma identidade institucional no enfrentamento da
corrupção / por Ruano Fernando da Silva Leite. –2020.
210 f.

Orientador: Prof. Dr. Milton Júlio de Carvalho Filho.


Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de
Direito, Salvador, 2020.

1. Bahia - Ministério Público - Corrupção. 2. Desenvolvimento


institucional. I. Carvalho Filho, Milton Júlio de. II. Universidade Federal da
Bahia – Faculdade de Direito. III. Título.

CDD – 351.076

Biblioteca Teixeira de Freitas, Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia


RUANO FERNANDO DA SILVA LEITE

O QUE MOVE MINISTÉRIO PÚBLICO?


ANÁLISE DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE UMA IDENTIDADE
INSTITUCIONAL NO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO

Área de Concentração: Segurança Pública


Linha de Pesquisa: Direitos Humanos, Justiça e Cidadania

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Milton Júlio de Carvalho Filho - Orientador


Doutor em Ciências Sociais
Universidade Federal da Bahia

Prof. Dra. Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro


Doutora em Sociologia
Universidade Federal de Minas Gerais

Prof. Dr. Marco Antônio Chaves da Silva


Doutor em Direito
Universidade Católica de Salvador

Prof. Dr. Riccardo Cappi


Doutor em Criminologia
Universidade Federal da Bahia
Ao meu filhinho, Vicente, que ainda está no ventre da
mamãe, mas que já é ansiosamente aguardado e amado
com todas as forças.

À minha esposa, Rayne, minha companheirinha de vida e


maior sorte, fonte de inspiração, carinho, paciência e
alegria e por ter me dado o maior presente dessa vida.

Aos meus pais Rosângela e Fernando, exemplos de vida e


valores, fontes de todo amor, virtude e saber, a quem
honro pela dedicação e incentivo.

Aos meus irmãos Rian, Ráren e Fernanda, meus eternos


amigos e confidentes.

Ao inesquecível amigo e colega de Ministério Público,


Fábio Fernandes Santana (in memoriam), que, pelas
agruras da vida, prematuramente deixou de alegrar as
nossas vidas com seu carisma, com o qual compartilho a
conclusão do Mestrado que juntos iniciamos.

Ao meu persistente sonho de um Direito justo para todos.


Sabemos que regimes autocráticos, governantes ímprobos, cidadãos corruptos e autoridades
impregnadas de irresistível vocação tendente à própria desconstrução da ordem democrática
temem um Ministério Público independente, pois o Ministério Público, longe de curvar-se aos
desígnios dos detentores do poder – tanto do poder político quanto do poder econômico ou do
poder corporativo ou, ainda, do poder religioso –, tem a percepção superior de que somente a
preservação da ordem democrática e o respeito efetivo às leis desta República laica revelam-se
dignos de sua proteção institucional. Há que se considerar, por isso mesmo, que um Ministério
Público independente e consciente de sua missão histórica e do papel institucional que lhe cabe
desempenhar, sem tergiversações, no seio de uma sociedade aberta e democrática, constitui a
certeza e a garantia da intangibilidade dos direitos dos cidadãos, da ampliação do espaço das
liberdades fundamentais e do prevalecimento da supremacia do interesse social.

(STF - PET 9.067-DF. Relator Min. CELSO DE MELLO. Data de Julgamento: 17/08/2020)
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao professor Dr. Milton Júlio de Carvalho Filho, exemplo de orientador e


mestre, pela dedicação, compartilhamento do conhecimento e valiosa orientação, bem como
aos demais professores examinadores, Dra. Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro, Dr. Marco
Antônio Chaves da Silva e Dr. Riccardo Cappi, que foram fundamentais para o
desenvolvimento dessa pesquisa.
Outrossim, agradeço ao Ministério Público do Estado da Bahia pela oportunidade e
incentivo para o aperfeiçoamento profissional, bem como a todos os colegas, membros e
servidores que colaboraram com este trabalho, inclusive participando da pesquisa.
Ao meu pai, Professor Dr. Carlos Fernando Faria Leite, agradeço especialmente, pelos
debates durante as nossas sempre agradáveis caminhadas e por todos os ensinamentos.
Agradeço à minha família, aos amigos e aos colegas pelo suporte e pela compreensão
quando do meu afastamento durante as intermináveis horas de estudo e concentração da
pesquisa.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram, o meu muito obrigado.
LEITE, Ruano Fernando da Silva. O que move o Ministério Público? Análise do processo
de desenvolvimento de uma identidade institucional no enfrentamento da corrupção.
Orientador: Prof. Dr. Milton Júlio de Carvalho Filho. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Federal da Bahia, Faculdade de Direito, Salvador, 2020

RESUMO

Este trabalho analisa o desenvolvimento institucional do Ministério Público, buscando


compreender o que move a instituição especificamente no enfrentamento da corrupção. Para
tanto, a pesquisa expõe a história do Ministério Público e a particularidade brasileira do arranjo
institucional, elencando os principais acontecimentos para a sua transformação. O estudo tece
considerações sobre a corrupção enquanto categoria analítica e fenômeno social, que é objeto
de agências anticorrupção no mundo inteiro, notadamente do Ministério Público. Além disso,
aborda a construção da imagem institucional e da preferência temática do Ministério Público,
tendo como pano de fundo o discurso da corrupção e da impunidade no Brasil. O estudo
problematiza o Ministério Público enquanto campo estruturado ao comparar os resultados das
pesquisas de imagem e autoimagem realizadas com os diversos Ministérios Públicos do Brasil.
Foi analisado, em especial, o desenvolvimento e a estruturação do Ministério Público do Estado
da Bahia, considerado o mais antigo da América Latina. Além da pesquisa documental, o
trabalho foi realizado através de levantamento, mediante a realização de entrevistas e
questionários junto aos membros do Ministério Público do Estado da Bahia. Entre os resultados
alcançados, o estudo considera a formação de uma identidade institucional de agência
anticorrupção que interage no plano do discursivo com a volatilidade do quadro institucional
decorrente do enfrentamento da corrupção.

Palavras-chave: Ministério Público. Corrupção. Identidade institucional.


LEITE, Ruano Fernando da Silva. What moves the Public Ministry? Analysis of the process
of developing an institutional identity in the fight against corruption. Thesis Advisor:
Milton Júlio de Carvalho Filho. Dissertation (Master in Information Science) – Universidade
Federal da Bahia, Salvador, 2020

ABSTRACT

This paper analyzes the institutional development of the Public Ministry, seeking to understand
what specifically moves the institution to face corruption. To this end, the research exposes the
history of the Public Ministry and the Brazilian particularity of the institutional arrangement,
listing the main events for its transformation. The study discusses corruption as an analytical
category and a social phenomenon, which is the subject of anti-corruption agencies worldwide,
notably the Public Ministry. In addition, it addresses the construction of the institutional image
and the thematic preference of the Public Ministry, against the background of the discourse of
corruption and impunity in Brazil. The study problematizes the Public Ministry as a structured
field when comparing the results of the image and self-image research carried out with the
various Public Ministries in Brazil. In particular, the development and structuring of the Public
Ministry of the State of Bahia, considered the oldest in Latin America, was analyzed. In addition
to documentary research, the work was carried out through a survey, through interviews and
questionnaires with members of the Public Ministry of the State of Bahia. Among the results
achieved, the study considers the formation of an institutional identity of an anti-corruption
agency that interacts at the discursive level with the volatility of the institutional framework
resulting from the fight against corruption.

Keywords: Public Ministry. Corruption. Institutional identity.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 16

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA-NORMATIVA DO MINISTÉRIO 21


PÚBLICO E O COMBATE À CORRUPÇÃO
2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO MUNDO E NO DIREITO COMPARADO 21
2.2 A HISTÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO 24
2.3 OS CONGRESSOS NACIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O 29
SURGIMENTO DE UMA CONSCIÊNCIA NACIONAL
2.4 A PARTICULARIDADE BRASILEIRA DO ARRANJO INSTITUCIONAL 32
DO MINISTÉRIO PÚBLICO
2.5 A CORRUPÇÃO COMO CATEGORIA ANALÍTICA E FENÔMENO 35
SOCIAL
2.6 AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E O CONTROLE 40
INTERNACIONAL DA CORRUPÇÃO
2.7 AS AGÊNCIAS ANTICORRUPÇÃO 44
2.8 A EVOLUÇÃO DA PROIBIÇÃO DA CORRUPÇÃO E DA 51
LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL
2.9 A TRAJETÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO NO 56
ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO

3 A IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO A 60


PARTIR DO DISCURSO DA CORRUPÇÃO
3.1 BRASIL: UM PAÍS MARCADO PELA IMPUNIDADE DA CORRUPÇÃO 60
3.2 A CONTRIBUIÇÃO DO DISCURSO E DA MEMÓRIA DA CORRUPÇÃO 65
NO BRASIL
3.3 A IMAGEM INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO 74

3.4 A AUTOIMAGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A PREFERÊNCIA 77


TEMÁTICA PELA CORRUPÇÃO
3.5 A EVOLUÇÃO DO INTERESSE EM RELAÇÃO À CORRUPÇÃO NOS 84
CONGRESSOS NACIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
3.6 A OPERAÇÃO LAVA JATO: UMA INFLUÊNCIA? 89

3.7 A IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO 96


BRASILEIRO
4 INTERLÚDIO METODOLÓGICO 102
4.1 O MINISTÉRIO PUBLICO ENQUANTO CAMPO ESTRUTURADO 102
4.2 A UNIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO 104
4.3 DO LEVANTAMENTO 107

5 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA 111


5.1 BREVE PANORAMA DO DESENVOLVIMENTO DO MINISTÉRIO 111
PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA
5.2 O PLANO ESTRATÉGICO E AS PRIORIDADES INSTITUCIONAIS 117
5.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA E O COMBATE A 123
CORRUPÇÃO
5.3.1 Operação Adsumus 126
5.3.2 Operação Citrus 130
5.3.3 Operação Xavier 131
5.4 PERFIL DOS MEMBROS 133
5.5 COMO VEJO O TRABALHO QUE FAÇO? 138
5.6 A PERCEPÇÃO DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO 146
ESTADO DA BAHIA EM RELAÇÃO AO COMBATE A CORRUPÇÃO

6 O QUE MOVE O MINISTÉRIO PÚBLICO? 156

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 168

REFERÊNCIAS 177

APÊNDICE A – Levantamento das teses dos Congressos Nacionais do


Ministério Público
APÊNDICE B – Levantamento das despesas nominais do Ministério Público
com o enfrentamento da corrupção e a defesa moralidade nas leis
orçamentárias de 2013 a 2020
APÊNDICE C – Questionário aplicado com promotores e procuradores de
justiça do Estado da Bahia
APÊNDICE D – Respostas à questão 25: o que não perguntado nesta pesquisa
que gostaria de acrescentar?
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Níveis de percepção da corrupção 61


Gráfico 2 O maior problema do País 62
Gráfico 3 Capas Veja x escândalos de corrupção 71
Gráfico 4 Resumo da imagem das instituições no ano de 2017 segundo a 74
população
Gráfico 5 Prioridades de solução de problemas sociais segundo a população 75
brasileira
Gráfico 6 Evolução sobre os temas de corrupção e improbidade nos 87
Congressos Nacionais do Ministério Público
Gráfico 7 Índice de membros por população, em 100 mil habitantes. 114
Ministério Público Estadual e Ministério Público da União, 2017
Gráfico 8 Evolução das despesas nominais do Ministério Público com o 121
enfrentamento da corrupção e a defesa moralidade nas leis
orçamentárias de 2016 a 2020
Gráfico 9 Comparação dos valores destinados aos projetos/atividades no 122
orçamento do Ministério Público do Estado da Bahia de 2020
Gráfico 10 Distribuição dos membros do Ministério Público do Estado da 133
Bahia e da população baiana, segundo raça/cor
Gráfico 11 Proporção dos membros segundo a idade (%) 134
Gráfico 12 Proporção dos membros segundo o período de ingresso na 135
instituição
Gráfico 13 Distribuição dos promotores de justiça e da população na capital e 136
no interior do Estado da Bahia (%)
Gráfico 14 Experiência dos Promotores de justiça na atribuição de combate à 137
corrupção
Gráfico 15 Áreas indicadas, internamente, como prioridade do Ministério 139
Público do Estado da Bahia, segundo Procuradores e Promotores
de justiça
Gráfico 16 Áreas não indicadas, internamente, como prioridade do Ministério 139
Público do Estado da Bahia
Gráfico 17 Áreas que deveria ser de atuação prioritária para o Ministério 140
Público do Estado da Bahia nos próximos dois anos
Gráfico 18 Comparação dos resultados de preferência da corrupção com as 141
pesquisas de Castilho e Sadek (2010) e Lemgruber et al (2016)
Gráfico 19 Comparação entre a proporção dos membros e a idade dos que 142
possuem maior interesse no combate à corrupção (%)
Gráfico 20 Comparação entre a proporção dos membros e o período de 142
ingresso na instituição dos que possuem maior interesse no
combate à corrupção (%)
Gráfico 21 Avaliação da qualidade da atuação do Ministério Público do Estado 144
da Bahia (%)
Gráfico 22 Avaliação do desempenho dos órgãos e poderes no enfrentamento 151
da corrupção, no que se refere ao critério de eficiência, nos últimos
cinco anos
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Áreas prioritárias de atuação no Ministério Público em que o entrevistado 80


trabalha
Tabela 2 Áreas de prioridade nos últimos 2 e nos próximos 2 anos (em %) 81
Tabela 3 Dez principais assuntos dos inquéritos civis e procedimentos 98
preparatórios instaurados por região no Ministério Público Estadual e do
Distrito Federal e Territórios, em 2017
Tabela 4 Dez principais assuntos dos procedimentos investigatórios instaurados 99
por região no Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e
Territórios, em 2017
Tabela 5 Plano de Amostragem dos Questionários aplicados com Procuradores e 110
Promotores de justiça do Estado da Bahia
Tabela 6 Dez principais assuntos processuais dos inquéritos civis e procedimentos 125
preparatórios instaurados pelo Ministério Público do Estado da Bahia em
2017
Tabela 7 Dez principais assuntos processuais dos procedimentos investigatórios 125
criminais instaurados pelo Ministério Público do Estado da Bahia em
2017
Tabela 8 Motivos pelos quais escolheu o concurso do Ministério Público 135
Tabela 9 Percepção acerca da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia 143
Tabela 10 O que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia, 145
amparada na Constituição Federal
Tabela 11 Percepção acerca da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia 149
em relação à corrupção
Tabela 12 Obstáculos que o Ministério Público do Estado da Bahia enfrenta para o 152
efetivo e eficaz combate à corrupção (%)
Tabela 13 Grupos de fatores que promotores e procuradores entendem que mais 153
influenciam o Ministério Público do Estado da Bahia a aumentar o
enfrentamento da corrupção (%)
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Fragmento do anteprojeto da Conamp, conhecida como a Carta de 27


Curitiba, de 1986
Figura 2 Fotografia do 1º Encontro Nacional de Procuradores Gerais de Justiça e 31
Presidentes de Associações do Ministério Público de 1986
Figura 3 Recorte de edição do jornal Folha de São Paulo de 1987 32
Figura 4 Fachada da Fiscalía Especial Contra la corrupción y la Criminalidad 47
Organizada, na Espanha
Figura 5 Exposição de motivos da do Projeto de Lei nº 1.446/1991 54
Figura 6 Manifestação pelo impeachment do Presidente Fernando Collor de 66
Mello, em 1992
Figura 7 Manifestantes invadem a área externa do Congresso Nacional, em 17 de 67
junho de 2013, em Brasília
Figura 8 Manifestação de 13 de março de 2016, na Avenida Paulista, contra a 67
corrupção no país e em defesa do impeachment da presidente Dilma
Rousseff
Figura 9 Manifestantes protestam na Avenida Paulista, em 04 de dezembro de 68
2016, em São Paulo, em apoio à operação Lava Jato e contra as mudanças
no projeto de lei que trata das 10 medidas de combate à corrupção
Figura 10 Palavras associadas espontaneamente ao Ministério Público segundo a 75
população
Figura 11 Capa do Livro de Teses do V Congresso Nacional do Ministério Público 85
de 1977
Figura 12 Sumário do Livro de Teses do 23º Congresso Nacional do Ministério 86
Público
Figura 13 Por meio de acordos de colaboração e leniência celebrados no âmbito da 92
operação, foi possível restituir hoje R$ 653,9 milhões para os cofres da
estatal
Figura 14 Símbolo do projeto das 10 medidas contra a corrupção 95
Figura 15 1986 – Primeira sede própria do Ministério Público do Estado da Bahia 112
Figura 16 2010 - Sede principal do Ministério Público do Estado da Bahia 113
Figura 17 Procedimentos instaurados por Estado. Ministério Público Estadual e do 115
Distrito Federal e Territórios, 2017
Figura 18 Relação das perspectivas do plano orientadas para resultado 118
Figura 19 Nuvem de palavras das operações mais importantes realizadas pelo 126
Ministério Público do Estado da Bahia
Figura 20 Coletiva à impressa sobre a segunda etapa da Operação Adsumus 128
realizada em 06 de setembro de 2016
Figura 20 Nuvem de palavras associadas à atuação do Ministério Público do Estado 138
da Bahia
Figura 21 Nuvem de palavras do que significa corrupção do ponto de vista da 146
atuação do MP/BA
Figura 22 Capas das revistas da AMPEB publicadas, respectivamente, nos anos 164
2018, 2019 e 2020
Figura 23 Processo de formação da identidade institucional do Ministério 165
Público
Figura 24 Fluxo de retroalimentação da identidade institucional do Ministério 166
Público no enfrentamento da corrupção
Figura 25 Campanhas da CONAMP respectivamente contra: a) a PEC 37; b) as 166
alterações na proposta das dez medidas contra a corrupção; e c) a Lei de
Abuso de Autoridade
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADC Ação declaratória de constitucionalidade


AMPEB Associação do Ministério Público do Estado da Bahia
BACEN Banco Central
CAEMP Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público
CAOCRIM Centro de Apoio Operacional Criminal
CAOPAM Centro de Apoio Operacional às Promotorias de proteção à Moralidade
Administrativa
CEAT Central de Apoio Técnico
CGU Controladoria Geral da União
CNMP Conselho Nacional do Ministério Público
CNPG Colégio Nacional de Procuradores-Gerais
COAF Conselho de Controle de Atividades Financeiras
CONAMP Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
CSI Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência
ENCCLA Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro
GAECO Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e
Investigações Criminais da Bahia
HC Habeas corpus
LC Lei Complementar
MP Ministério Público
MP/BA Ministério Público do Estado da Bahia
MPF Ministério Público Federal
STF Supremo Tribunal Federal
16

1 INTRODUÇÃO

Em março de 2014, iniciou-se a maior experiência brasileira de combate à corrupção e


lavagem de dinheiro da história brasileira. Composta pelo Ministério Público Federal e pela
Polícia Federal, com o apoio de diversos outros órgãos, a operação Lava jato impressionou,
sobretudo, pela quantidade de agentes públicos e empresariais dos mais altos escalões
responsabilizados, bem como pelas cifras bilionárias de recursos públicos recuperados. Para
alguns, como o professor e Ministro Barroso (2019), a operação Lava Jato e a Ação Penal 470
representam marcos emblemáticos das mudanças paradigmáticas de atitude institucional
impulsionadas pela reação da sociedade civil, que deixou de aceitar o inaceitável: as práticas
promíscuas entre o setor privado e o poder público, historicamente presentes na vida nacional.
Outra parte da sociedade teceu fortes críticas à força-tarefa da Lava Jato, considerando-a
politicamente parcial (SOUZA, 2017). A experiência da força tarefa Lava Jato certamente
inspirou os órgãos de controle brasileiros, porém, mesmo antes dela, os Ministérios Públicos
Federal e dos Estados já exerciam uma representação social relacionada com o controle da
corrupção.
O surgimento do Ministério Público costuma ser indicado através da Ordonnance, de
1303, editada por Felipe Belo, associada à acusação criminal, tendo essa característica
prevalecido na maior parte do mundo. Porém, no Brasil, sobretudo a partir da década de oitenta,
o Ministério Público assumiu particularidades que o tornaram genuíno. Já na década de noventa,
o mundo passou a se atentar de forma especial para a corrupção, sendo desenvolvido o regime
global de proibição da corrupção e difundida a experiência das agências anticorrupção, tarefa
esta que, em alguns países, coube ao Ministério Público. No mesmo período, a sociedade
brasileira também começou preocupar-se cada vez mais com a impunidade dos crimes do
colarinho branco e, especialmente, com a corrupção. O tema passou a ocupar um lugar de
destaque no discurso nacional, sobretudo a partir da espetacularização de escândalos de
corrupção pela mídia, dando ensejo a manifestações da sociedade civil brasileira que refletiram
até mesmo nos processos legislativos e nas posturas institucionais. Coincidentemente, foram
criadas imagem e autoimagens institucionais do Ministério Público associadas ao combate à
corrupção, como agente moralizador da sociedade. No seio do Ministério Público, segundo
algumas pesquisas (CASTILHO; SADEK, 2010; LEMGRUBER et al, 2016; RIBEIRO,
2017), o combate à corrupção chegou a ser considerado como área de atuação prioritária e uma
das linhas-mestras pelos membros do Ministério Público brasileiro.
17

A atuação criminal representa a vocação histórica do Parquet e, em tese, poderia


justificar a atuação natural no combate aos delitos de corrupção. Nada obstante, isso não explica,
por si só, a expressiva preferência pelo tema da corrupção em comparação com a atuação
criminal especializada em outras áreas como o meio ambiente e o controle externo da atividade
policial. Além disso, nota-se que a atribuição criminal passou a ser coadjuvante enquanto
estratégia de combate à categoria corrupção, cujo manejo foi outrora protagonizado pelas ações
civis de improbidade. Cumpre ressaltar que as pesquisas anteriores tiveram por objeto o MPF
e o âmbito nacional, razão pela qual não se sabe se nos Estados, especificamente na Bahia, o
Ministério Público constitui-se de um mesmo campo e habitus, bem como se, e por qual razão,
transforma o combate à corrupção em prioridade institucional. Face a essa instigante
problemática, questiona-se: o que move o Ministério Público no enfrentamento da corrupção?
A partir da Constituição de 1988, o Ministério Público recebeu um significativo feixe
de atribuições e garantias. Esses poderes visavam fazer frente à sua missão constitucional de
promover a proteção dos interesses sociais e individuais indisponíveis, bem como fortalecer o
regime democrático de direito. Contudo, essas mesmas atribuições e prerrogativas passaram a
ser alvos de críticas e questionamentos, principalmente no Congresso Nacional, cujo exemplo
mais conhecido foi a PEC 37/2011, que objetivava impedir a realização de investigações do
Ministério Público. Para uma parte da comunidade, a exemplo de Sadek (2009, p. 20-21),
algumas propostas teriam o claro intuito de interferir de forma restritiva na atuação no
Ministério Público, como o alargamento do foro privilegiado, a “lei da mordaça”1 e a não
obrigatoriedade da escolha do Procurador-Geral recair entre membros da carreira.
Recentemente, também pode ser citado como exemplo a Lei nº 13.869/2019, de 5 de setembro
de 2019, que dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade, bem como, no âmbito do Poder
Judiciário, a decisão monocrática no RE 1.055.941, prolatada pelo Ministro Dias Toffoli, que
suspendeu todos os procedimentos investigatórios instaurados sem prévia autorização sobre os

1
Em pesquisa na internet, observa-se que vários projetos de lei foram batizados com essa alcunha, incluindo o PL
nº 265-A/2007, de iniciativa de Paulo Maluf. O seguinte recorte ilustra bem o que ocorreu à época: “Para o
procurador da República Alessander Sales, o projeto de Maluf, que é réu em cerca de 40 ações penais e cíveis, é
‘totalmente absurdo’, pois teria o único objetivo de calar a instituição e impedir que a imprensa tenha acesso a
informações sobre denúncias. ‘Esse projeto tem ainda um agravante, porque há previsão de condenação, reparação
econômica quando as ações forem improcedentes. Nessa perspectiva, o Ministério Público não iria agir jamais,
porque ele não tem controle sobre a iniciativa da ação“, analisa Alessander. O procurador lembra ainda que a
chamada ‘Lei Maluf’, ou ‘Lei da Mordaça’ está sendo requentada. Segundo ele, já houve várias tentativas de se
aprovar proposta com teor semelhante. Uma delas foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
‘Chegou a ser editada uma medida provisória que dizia justamente isso. Estabelecia multas e impedia que o MP
desse informações sobre suas investigações. Mas, graças à reação da sociedade e da imprensa, antes de o Congresso
deliberar, o Executivo retirou o projeto de pauta”. Disponível em https://washingtonbarbosa.com/2010/04/05/para-
entender-a-lei-da-mordaca/.
18

dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle sobre movimentações financeiras,


gerando grave prejuízo a um número imenso de investigações relativas à corrupção, lavagem
de dinheiro, organizações criminosas e outros crimes graves2. Até dentro do próprio Ministério
Público, os discursos e algumas atitudes do atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras,
parecem espelhar esse movimento, como por exemplo quando afirmou ser preciso “corrigir os
rumos” do que denominou de “lavajatismo” 3 . Verifica-se, assim, que o Ministério Público
enfrenta desafios que tem potencial não só de conduzir à alteração da estrutura normativa que
dá sustentação ao seu atual esqueleto institucional, como também de reduzir e dificultar o seu
papel constitucional na democracia brasileira.
Em uma sociedade democrática, os interesses em conflito devem ser resolvidos por meio
da ação comunicativa, a qual pressupõe o conhecimento de todos os participantes acerca das
ideias em jogo. Assim, o MP precisa ser problematizado, inclusive pelas pesquisas acadêmicas,
já que são raros os estudos empíricos sobre esse campo e inédito em relação à percepção do
Ministério Público do Estado da Bahia. Portanto, justifica a realização de estudos sobre o
Ministério Público, como forma de auxiliar na transparência em relação às suas atuações, para
que a sociedade possa se posicionar de maneira informada sobre a instituição. Além disso, a
pesquisa é relevante na medida em que a autocompreensão dos membros do Ministério Público
sobre o campo e o habitus pode ensejar a reflexão sobre a sua forma de agir e,
consequentemente, eventuais ajustes na atuação dos próprios agentes na relação de forças que
desenvolvem.
O objetivo central da presente pesquisa é compreender o desenvolvimento do
Ministério Público no que concerne ao enfrentamento da corrupção. Como lembra Jessé Souza
(2017), uma explicação adequada, tanto para indivíduos como para sociedades e instituições,
tem que esclarecer a três questões essenciais sobre a sua identidade: de onde viemos, quem

2
Em verdade, vários são os exemplos que, a par da discussão sobre a adequação, constituem propostas ou efetivas
decisões, de todos os poderes, que interferem de algum modo no Sistema de Justiça e, em especial, no
enfrentamento da corrupção. Diante da impossibilidade de mencionar aqui tantos casos, que fogem à alçada deste
estudo, traz-se como como outros exemplos o decreto presidencial nº 9.246/17, que concedeu amplo indulto para
autores de crimes de colarinho branco em condições inéditas no Brasil, bem como o julgamento das
ADCs 43, 44 e 54 que, após idas e vindas, restabeleceu por 6X5 votos a impossibilidade de execução antecipada
da pena de prisão após a condenação de 2ª instância, vedação esta que havia se iniciado no Brasil somente em
2009 a partir do HC 84.078 do STF.
3
Em matéria divulgada pela BBC, no dia 06 de agosto de 2020, intitulada “a ofensiva contra a Lava Jato que ‘une’
esquerdistas, bolsonaristas e Augusto Aras”, por exemplo, menciona-se que “a nova fase das alterações de Augusto
Aras com a Lava Jato começou na semana passada, quando o procurador-geral da República participou de uma
transmissão ao vivo promovida pelo grupo de advogados Prerrogativas - do qual fazem parte profissionais do
direito conhecidos por criticar a operação. Aras diz aos advogados que é preciso "corrigir rumos" no MPF, de modo
que o ‘lavajatismo’ deixe de existir. ‘Lavajatismo há de passar’, disse o PGR. [...] Segundo Aras, sua gestão
trabalha para acabar com o Ministério Público ‘punitivista’”. Disponível em:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-53676271
19

somos e para onde vamos. Dessa forma, a pesquisa buscará alcançar os seguintes objetivos
específicos: 1) analisar a história do Ministério Público e os processos que influenciaram o seu
desenvolvimento institucional; 2) caracterizar o perfil dos membros do Ministério Público do
Estado da Bahia; 3) identificar a autoimagem que os(as) procuradores(as) e promotores(as) de
justiça possuem da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia e as prioridades
percebidas.
Com base nos objetivos propostos e a finalidade preponderantemente explicativa, foi
traçada uma estratégia metodológica triangular com meios primários (pesquisa de campo),
secundários (análise documental) e indiretos (levantamento bibliográfico). Inicialmente, foi
realizada um estudo na literatura, visando identificar os principais estudos acerca do tema e as
teorias mais relevantes para a compreensão do objeto. Em seguida, partiu-se para uma pesquisa
documental, através do revolvimento de documentos históricos, notícias de jornais e leis que
expõem os acontecimentos em torno do Ministério Público, bem uma na avaliação quantitativa
das teses aprovadas congressos nacionais do MP, que constituem verdadeiras fotografias das
inquietudes dos membros desde 1942. Foram analisadas as convenções internacionais e demais
mecanismos externos que possam ter contribuído para a transformação do Ministério Público
brasileiro e o estabelecimento das suas pautas. Em relação especificamente ao Ministério
Público do Estado da Bahia, foram analisadas a produtividade, os orçamentos anuais, as
principais operações e as revistas da Associação dos Membros da Bahia. Além disso, foi
realizado um levantamento, através da aplicação de questionários com promotores e
procuradores de justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Portanto, trata-se de uma
pesquisa natureza quali-quantitativa com diversidade de processos, razão pela qual os detalhes
metodológicos de cada um deles serão melhor abordados nos respectivos tópicos, com exceção
do levantamento sobre a percepção que ganhou um capítulo próprio para melhor organização e
compreensão.
Embora a presente pesquisa não seja estritamente comparável, buscou-se cotejar a
percepção dos membros Ministério Público local com o universo apontado nas outras pesquisas
etnográficas referentes ao MP brasileiro, discutindo também a questão da unidade, embora não
fosse este o seu principal objetivo. Em que pese os questionários tenham por objeto os membros
do Ministério Público da Bahia, é importante dizer que a presente pesquisa visa uma
compreensão não só do MPBA, mas de todo o Parquet brasileiro. Por isso, em um primeiro
momento será abordado o desenvolvimento do Ministério Público do ponto de vista histórico e
nacional, buscando produzir um conhecimento por meio da dedução, ou seja, partindo do
raciocínio geral para o específico. Em uma segunda etapa, será empregada a lógica reversa,
20

analisando-se o Ministério Público da Bahia para se produzir um raciocínio de natureza indutiva,


visando confirmar ou não as conclusões anteriores. Para unir essas duas realidades e promover
a análise dos resultados, serão empregadas teorias de diversas áreas do conhecimento, como as
teorias da associação diferencial, da análise do discurso, das estruturas sociais, da representação
social e da identidade corporativa, além de outras.
Por dever de transparência e lealdade acadêmica, deve-se registrar que o lugar de fala
do autor é o de um promotor de justiça que, em alguma medida, influencia e é influenciado pelo
campo e pelo habitus institucional, especialmente no tocante ao discurso de combate à
corrupção. Por outro lado, também é o lugar de fala do acadêmico interessado na compreensão
das relações sociais e na construção do conhecimento.
O trabalho está organizado em cinco capítulos. O primeiro, denominado “a evolução
histórica-normativa do Ministério Público e o combate à corrupção”, estuda o seu
desenvolvimento do MP no mundo e no Brasil, sobretudo através dos acontecimentos históricos
e análise da sucessão das leis. Além disso, expõe ao fenômeno da corrupção enquanto categoria
analítica e aborda como o mundo lida com ela, especialmente a partir do desenvolvimento das
agências anticorrupção. O segundo capítulo aborda o desenvolvimento da memória da
impunidade da corrupção no Brasil, a imagem e a autoimagem do MP e como esses fenômenos
se relacionam com o desenvolvimento de uma identidade do Ministério Público, sendo
denominado de “a identidade institucional do Ministério Público a partir do discurso da
corrupção”. O terceiro capítulo foi denominado de “interlúdio metodológico” e traz
esclarecimentos metodológicos prévios à apresentação dos resultados da análise documental e
do levantamento da pesquisa relativa ao MPBA, problematizando ainda o Ministério Público
enquanto campo estruturado e as compreensões acerca da unidade. O quarto capítulo foi
destinado ao estudo do “Ministério Público do Estado da Bahia” e à apresentação do
levantamento realizado com os procuradores e promotores. O último capítulo, denominado de
“o que move o Ministério Público”, foi destinado à explicação do fenômeno, aglutinando as
evidências de ordem dedutivas e indutivas colhidas ao longo do trabalho. Por fim, foram
apresentadas as considerações finais do estudo, além de sugestões para o desenvolvimento da
instituição.
21

2 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA-NORMATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O


COMBATE À CORRUPÇÃO

Compreende-se que parte relevante do estudo para a compreensão de uma instituição


é a análise da sua evolução no tempo e no espaço, bem como das suas relações na sociedade.
No presente capítulo, será abordada a evolução histórico-normativa do Ministério Público no
mundo e no Brasil, investigando as suas origens e o seu desenvolvimento, sobretudo através da
sucessão das leis. Com isso, este capítulo tem a pretensão de analisar como o Ministério Público
brasileiro se apresenta organicamente e qual a sua interface com o fenômeno da corrupção
enquanto categoria analítica no quadro atual. Por fim, será abordado como o mundo e o Brasil
lidam com ela, especialmente a partir do desenvolvimento das agências anticorrupção.

2.1 O MINISTÉRIO PÚBLICO NO MUNDO E NO DIREITO COMPARADO

A origem do Ministério Público é muito controvertida, encontrando-se traços iniciais


da instituição na Antiguidade, na Idade Média e no Direito Canônico, normalmente associados
a algumas funções encarregadas de eventualmente exercer a acusação. Segundo Goulart (2019,
p. 96), tão-somente “a partir do século XIII, na França, o Ministério Público começou a
institucionalizar-se como carreira de Estado, passando a assumir aquelas funções que
originalmente cabiam a pessoas ligadas ao poder ou a estruturas primitivas, pulverizadas e não
institucionalizadas”. A origem usualmente indicada é a Ordenança de 25 de março de 1302, de
Felipe IV, o Belo, Rei da França, que impôs aos procuradores o mesmo juramento dos juízes,
vedando-lhes patrocinar outros que não o rei (MAZZILLI, 1991, p. 1-3)4.
A expressão “Ministério Público”, no sentido da instituição ora tratada, deriva de
“ministère public” que passou a ser usada com frequência nos provimentos legislativos do
século XVIII, designando as funções ou a um magistrado específico encarregado delas. Supõe-
se que a expressão decorreu da própria prática quando os procuradores do rei se referiam ao seu

4
O Ministério Público era considerado uma verdadeira magistratura, diversa e independente dos julgadores, pois
os Procuradores do Rei dirigiam-se aos juízes do mesmo “assoalho” (‘Parquet’ em francês) em que estes estavam
sentados, porém o faziam de pé. Daí a expressão cunhada ao Ministério Público de que ele era a Magistratura de
pé (RANGEL apud GARCIA, 2012, p. 134).
22

próprio mister ou ministério (VELLANI apud MAZZILLI, 1991, p. 1-4). Com a assunção do
poder pela burguesia, através da revolução de 1789, houve ampla reforma política e o Ministério
Público foi definido como agente do Poder Executivo perante os tribunais, na fiscalização do
cumprimento das leis e dos julgados, com independência em relação ao Parlamento e ao
Judiciário (GOULART, 2019, p. 96). Para o Procurador de Justiça e historiador, Joaquim Cabral
Netto (2016, p. 9), o Ministério Público é uma instituição eminentemente francesa e “é possível
que sua ’certidão de nascimento’ esteja na Lei de 20 de abril de 1810, sob o mando de Napoleão,
quando recebeu sua forma definitiva, a qual ainda permanece – acrescida das nuances e
atribuições impostas pela sua própria evolução”.
Atualmente, na França, o Ministério Público é o titular da ação penal pública e fiscal da
lei, cabendo-lhe ainda dirigir e supervisionar a relação com a Polícia de atividade judiciária que
lhe é subordinada. Entretanto, apesar de ser considerado uma magistratura especial, o
Ministério Público francês não goza da mesma garantia de estabilidade dos magistrados
judiciais e estão hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça (RANGEL apud
GARCIA, 2012, p. 145-146).
Na Constituição Portuguesa5, os membros da instituição são chamados de magistrados
do Ministério Público e há subordinação hierárquica entre eles. Entretanto, não podem ser
transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei. O
Ministério Público goza de estatuto próprio e autonomia, cabendo-lhe representar o Estado,

5
Ministério Público
Artigo 219.º
Funções e estatuto
1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como,
com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal
definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a
legalidade democrática.
2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.
3. A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos casos dos crimes estritamente
militares.
4. Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem
ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.
5. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da ação
disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República.
Artigo 220.º
Procuradoria-Geral da República
1. A Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público, com a composição e a
competência definidas na lei.
2. A Procuradoria-Geral da República é presidida pelo Procurador-Geral da República e compreende o Conselho
Superior do Ministério Público, que inclui membros eleitos pela Assembleia da República e membros de entre si
eleitos pelos magistrados do Ministério Público.
3. O mandato do Procurador-Geral da República tem a duração de seis anos, sem prejuízo do disposto na alínea
m) do artigo 133.º. (PORTUGAL, 1974)
23

participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a ação
penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. Conforme a
Lei nº 68/2019, aprovada recentemente pela Assembleia da República de Portugal, em 27 de
agosto de 2019, além das funções constitucionais, cabe ao Ministério Público português a
representação e a função consultiva de outros entes do Estado; velar para que a função
jurisdicional se exerça em conformidade com a Constituição; e assumir a defesa de interesses
coletivos e difusos, bem como de crianças, jovens, idosos, adultos com capacidade diminuída
e outras pessoas especialmente vulneráveis. No plano penal, destaca-se a coordenação e a
fiscalização da atividade dos órgãos de polícia criminal, além da direção da investigação e das
ações de prevenção criminal, assistido, sempre que necessário, pelos órgãos de polícia criminal.
Na Espanha, o “Ministério Fiscal” 6 integra o Poder Judiciário e tem por missão
promover a ação da justiça, a defesa da legalidade, dos direitos dos cidadãos, do interesse
público tutelado pela lei, velar pela independência dos tribunais e procurar estes para a
satisfação do interesse social. Neste País, a sua atuação se limita à acusação e jamais à instrução.
Assim, a condução dos trabalhos preparatórios para a propositura da ação penal fica a cargo da
“polícia judicial”, mas com endereçamento ao “Ministério Fiscal, que exercita a ação penal e
vela, por conseguinte, pela realização da fase investigatória (GARCIA, 2012, p. 145-146).
Na Itália, os membros são selecionados mediante concurso para uma única carreira da
magistratura, podendo escolher entre as funções judicial ou ministerial a cada promoção ou
remoção. O Ministério Público pode expedir mandados de prisão em casos de emergência,
desde que comunique ao Juiz de Instrução (MELO, 2006). Na Constituição italiana7, o exercício
da ação penal é obrigatório por parte do Ministério Público, cabendo-lhe toda a atividade
persecutória, inclusive a direção das investigações realizadas pela polícia judicial, a qual atua
em perfeita integração com o órgão ministerial (GARCIA, 2012, p. 145-144).

6
Título VI. Del Poder Judicial
Artículo 124
1. El Ministerio Fiscal, sin perjuicio de las funciones encomendadas a otros órganos, tiene por misión promover
la acción de la justicia en defensa de la legalidad, de los derechos de los ciudadanos y del interés público tutelado
por la ley, de oficio o a petición de los interesados, así como velar por la independencia de los Tribunales y
procurar ante éstos la satisfacción del interés social.
2. El Ministerio Fiscal ejerce sus funciones por medio de órganos propios conforme a los principios de unidad de
actuación y dependencia jerárquica y con sujeción, en todo caso, a los de legalidad e imparcialidad.
3. La ley regulará el estatuto orgánico del Ministerio Fiscal.
4. El Fiscal General del Estado será nombrado por el Rey, a propuesta del Gobierno, oído el Consejo General del
Poder Judicial. (ESPANHA)
7
Art. 112.
Il pubblico ministero ha l’obbligo di esercitare l’azione penale. (ITÁLIA, 1947)
24

Na Constituição argentina8, o Ministério Público está previsto em uma seção separada


dos outros poderes e é definido com um órgão independente, com autonomia funcional e
financeira, cujos membros possuem imunidades funcionais e intangibilidade de remuneração.
A função do Ministério Público é promover a ação da justiça em defesa da legalidade dos
interesses gerais da sociedade e é dirigido por um Procurador Geral da Nação e por um Defensor
Geral da Nação. Conforme Melo (2016), o Ministério Público argentino é constituído por duas
instituições, sendo vedada a defesa do Estado pela Instituição. O Ministério Público Fiscal é
responsável pela ação penal e pelas atribuições de investigar e fiscalizar. Ao Ministério Público
da Defesa cabem as curadorias como família, ausentes, menores, sendo que apenas
eventualmente exerce a assistência jurídica aos carentes.
Nos Estados Unidos, não existe um quadro de carreira e a chefia é escolhida por
indicação política ou eleição, direta ou indireta, a depender o ente federado. Os Procuradores-
Gerais podem contratar e demitir novos membros dentre profissionais da área jurídica da sua
confiança e nem todos os membros possuem independência funcional. Há disponibilidade da
ação penal e em torno de 80% das ações criminais terminam em acordo (MELO, 2016). Além
disso, o órgão está vinculado ao Poder Executivo e recebe a função de defesa, de consultoria e
assessoramento dos órgãos do governo (SIMON, 1988). Com isso, verifica-se que apesar de
existirem algumas semelhanças, há também muitas diferenças entre os Ministérios Públicos no
mundo, variando muito em relação à amplitude de atribuições, garantias, autonomia, poderes,
formas de provimento e organização.

2.2 A HISTÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

No Brasil colonial, a acusação dos criminosos era restrita à iniciativa das vítimas ou de
seus familiares. Com o desenvolvimento da Colônia e a necessidade de um mecanismo de
justiça mais eficiente, em 07 de março de 1609, na Bahia, com a implementação do Tribunal da

8
SECCIÓN CUARTA
Del ministerio público
Artículo 120.- El Ministerio Público es un órgano independiente con autonomía funcional y autarquía
financiera que tiene por función promover la actuación de la justicia en defensa de la legalidad de los
intereses generales de la sociedad en coordinación con las demás autoridades de la República.
Está integrado por un procurador general de la Nación y un defensor general de la Nación y los demás
miembros que la ley establezca.
Sus miembros gozan de inmunidades funcionales e intangibilidad de remuneraciones (ARGENTINA).
25

Relação do Estado do Brasil, nasceu o Ministério Público brasileiro com a previsão da figura
do Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e Promotor de Justiça9, sendo o cargo
ocupado inicialmente por um dos dez desembargadores daquela corte (MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA). No entendimento de Cabral Netto (2016, p. 8), nessa
época ainda não existia, de fato, o Ministério Público enquanto órgão específico para provocar
a atuação do Poder Judiciário. Citando Inconfidência Mineira, o historiador lembra que, quando
o Visconde de Barbacena, Governador e Capitão-Geral da Província de Minas Gerais, expediu
a Portaria de 16 de junho de 1789, ordenando ao Desembargador Ouvidor-Geral e Corregedor
Pedro José Araújo de Saldanha que procedesse a “uma investigação e inquisição devassa, com
relação ao temerário e abominável projeto de uma sublevação contra a Majestade e legítima
soberania da Rainha”, ele “encarnava o Estado-Administração no seu mais alto nível político-
administrativo e foi ele, diretamente, quem acionou o Poder Judiciário”. Assim, finaliza
aduzindo que:

A ingerência do mais alto representante do Poder Executivo, a produção de


Provas ordenada por ele, a fiscalização da atuação dos desembargadores na
condução da Devassa pelo Visconde de Barbacena e a ausência de um
contraditório regular, deveram-se à inexistência do Ministério Público. [...]
Como as instituições não se construíram aos saltos, foi necessário um longo
período para que se entendesse que a melhor salvaguarda do cidadão é a
separação entre a Magistratura administrativa e a judicial, porque o
funcionário que ordena não deve ser o que julga (CABRAL NETTO, 2016, p.
8).

A Constituição de 1824 não cuidou do Ministério Público, embora tenha atribuído ao


Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional o encargo de acusar no juízo dos crimes
alguns delitos, sem ter, contudo, a categoria de chefe da instituição. A Lei Imperial de 18 de
setembro de 1828, que criou o Supremo Tribunal de Justiça, estabeleceu que caberia ao
“Promotor da Justiça, na forma do art. 30, intervir sempre na acusação de todos os crimes, ainda
havendo parte acusadora. Já no Código de Processo Criminal de 1832, foi designado ao
“Promotor Público” as atribuições de denunciar e acusar os crimes públicos, solicitar a prisão
e punição de criminosos e dar parte às autoridades competentes das negligências, omissões e
prevaricações dos empregados na administração da Justiça. No impedimento, ou falta do
Promotor, os Juízes Municipais nomeariam alguém para que servisse interinamente.

9
A existência deste cargo já era mencionada nas Ordenações Manuelinas, de 1521, e nas Ordenações Filipinas
de 1603.
26

No Decreto nº 4.835/1871, que regulamentou a Lei do Ventre Livre, há referência à


convocação do “promotor público” para a fiscalizar a lavratura dos registros dos filhos livres
de escravas, além do poder de requisitar certidões gratuitas para a defesa dos direitos destes. A
primeira referência à expressão “Ministério Público” no Brasil aparece em 1874, através do
Decreto nº 5.618, e a partir de 1889 passa a ser tratado como instituição (MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA).
Em 11 de setembro de 1890, através do decreto nº 848, o Ministério Público teve as
suas atribuições definidas em lei, cabendo-lhe, basicamente: “promover e exercitar a acção
publica, funccionar e dizer de direito em todos os processos criminaes e causas que recaiam sob
a jurisdicção da justiça federal”; “funccionar como representante da União, e em geral officiar
e dizer de direito em todos os feitos submettidos à jurisdicção do Supremo Tribunal” e “velar
pela execução das leis, decretos e regulamentos, que devem ser applicados pelos juizes
federaes”. Como conta Joaquim Cabral Netto (2016, p. 10):

O que se nota em relação ao Ministério Público no Brasil, até fins do século


19, é que era um organismo desordenado, incipiente, cujos membros não
gozavam de garantias nem tinham definidas suas funções e atribuições. A sua
existência, ao tempo do império, era de tal modo opaca que alguns autores a
consideravam como “obra marcadamente republicana”. E Pimenta Bueno
Aduzia que o ‘nosso Ministério Público é incompleto, sem centro, sem
ligação, sem unidade e harmonia”.

Mazzilli (1991, p. 7) explica que, durante o período republicano, houve um nítido


desenvolvimento institucional do Ministério Público sendo que, com os Códigos de Processo
de 1939 e 1941, passa a atuar como fiscal da lei, torna-se regra a sua titularidade na promoção
da ação penal e conquista o poder de requisição de inquérito policial e diligências. Já na
Constituição de 1967, o Ministério Público foi citado no capítulo referente ao Poder Judiciário,
porém, em seguida, na Constituição de 1969, foi deslocado para o Poder Executivo, sem
independência funcional, financeira e administrativa.
Com a edição da primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, a Lei
Complementar nº 40/1981, que instituiu as principais atribuições, garantias e vedações do
órgão, o MP estadual passou a ter um estatuto básico e uniforme nacionalmente e a assumir
um papel mais relevante, mudando a função de “auxiliar do governo” para a de “cooperador
da Justiça”. A Lei de Ação Civil Pública foi publicada em 1984 e ampliou a atuação do
Ministério Público, que assumiu a função de agente tutor dos interesses difusos e coletivos
(MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA). Com efeito, a LC 40, que tratou do
Ministério público estadual, disciplinou de forma consolidada, pela primeira vez, acerca da
27

finalidade especial de proteção da ordem jurídica e dos interesses indisponíveis; dos


princípios; da proteção da constituição e das leis; da titularidade da ação penal e da ação
civil; da autonomia administrativa e financeira; e de algumas garantias. Entretanto, apesar
do avanço da LC 40, o Ministério Público da união continuou cumulando as atribuições de
Ministério Público com as da Advocacia Pública.
Em 1986, durante o 1º Encontro Nacional dos Procuradores Gerais de Justiça e dos
Presidentes de Associações do Ministério Público, foi aprovada a “Carta de Curitiba” que
elencou as principais reivindicações dos membros dos Ministérios Públicos de todo o país
e da união de associações estaduais e da Associação Nacional do MP (CONAMP),
delineando um novo perfil institucional do MP (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA
BAHIA).

Figura 1 – Fragmento do anteprojeto da Conamp, conhecida como a Carta de Curitiba, de 1986

Fonte: Aras (2019)

Em 1988, foi promulgada a Constituição Cidadã, que reservou ao Ministério Público


a primeira seção das funções essenciais à justiça e o definiu como instituição permanente,
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Entre outros
avanços, em resumo, houve o estabelecimento, em nível constitucional, das garantias de
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade, e novas funções institucionais. Além
disso, a Constituição uniu o Ministério Público enquanto instituição, estabelecendo um
mesmo regime jurídico para os Ministérios Públicos da União e dos Estados, inclusive
28

vedando a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. De acordo


com Hugo Nigro Mazzilli (1991), foi “com a Constituição democrática de 1988 que o
Ministério Público brasileiro alcançou seu crescimento maior, sequer comparável ao dos
outros países, ainda que de semelhante tradição cultural”. A importância da Constituição
Federal de 1988 para o Ministério Público também é ressaltada por Lemgruber et al (2016,
p. 6), quando asseveram que:

[...] a Constituição de 1988 outorgou ao MP atribuições muito mais amplas


que a da acusação penal, transformando-o em guardião de direitos individuais
e coletivos, e abrindo espaço para que atuasse em áreas tão diversas como
eleições, consumidor, meio ambiente, educação, saúde, povos indígenas,
patrimônio histórico, atividades policiais e prisões. A vastidão das suas
competências e a autonomia em relação aos poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário levam, inclusive, a identificar-se o MP pós-1988 como um “quarto
poder” (cf. Arantes 2002), responsável por nada menos que a garantia da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Tal amplitude é uma peculiaridade brasileira (Sadek 1997), que
contrasta com outros casos, como o norteamericano, em que a ação dos
promotores públicos restringe-se quase exclusivamente à área penal.

Em 1993, foram editadas as leis orgânicas dos Ministérios Públicos (8.625/93 e 75/93),
consolidando as diretrizes constitucionais e trazendo outras previsões que fortaleceram o
Ministério Público. É imperativo destacar que, após a Constituição e em virtude dela, o
Ministério Público também avançou muito por meio da legislação esparsa, que criou ou
regulamentou novas atribuições e poderes, a exemplo das Leis 7.853/89 (apoio a pessoas
com deficiência), 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 8.708/90 (Código de
Defesa do Consumidor), 8429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), 8.884/94 (lei de
prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica)10, 9.034/1995 (organizações
criminosas)11, 9.296/96 (interceptação de comunicações), 9.613/98 (Lavagem de Capitais),
10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e tantas outras.

10
Derrogada pela Lei nº 12.529/2011
11
Derrogada pela Lei nº 12.850/2013
29

2.3 OS CONGRESSOS NACIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O SURGIMENTO DE


UMA CONSCIÊNCIA NACIONAL

Os Congressos Nacionais do Ministério Público foram uma peça-chave no


desenvolvimento da instituição. O Procurador de Justiça e historiador Joaquim Cabral Netto
(2016, p. 13) conta que “no final do segundo quartel do século 20, o Ministério Público do
Brasil se mostrava desunido, sem estrutura firme, desprestigiado e com as chefias que
voluteavam ao sabor de momentâneas condições políticas”. Entretanto, com o advento dos
códigos Penal, de Processo Penal e da Lei de Contravenções Penais, em 1940, tornou-se
necessária a realização de estudos e debates, motivando a realização do 1º Congresso
Nacional do Ministério Público, em 1940.
Conforme registra o referido Procurador (CABRAL NETTO, 2016, p. 16), a par
dos temas jurídicos, pela primeira vez, membros de todo o Brasil procuraram criar “as
‘bases fundamentais para um código (ou estatuto) do Ministério Público’, nele inserindo
uma série de anseios para a melhora da instituição”. Buscava-se, sobretudo, a independência
em relação à magistratura; uma carreira própria provida mediante concurso; vencimentos
nunca inferiores a dois terços do que percebiam os juízes; a estabilidade funcional; impedir
as remoções arbitrárias; direito às férias remuneradas; evitar o acúmulo das funções do
Ministério Público com a advocacia das pessoas jurídicas de direito público; uma estrutura
mínima para todos os ministérios públicos dos estados; e criação de associações do
Ministério Público.
Através dos Congressos, as regiões começaram a fazer contatos e a conhecer a
realidades dos Ministérios Públicos, iniciando-se a formação do que denominaram de
“consciência nacional do Ministério Público”, que foi a base para a construção de uma
identidade institucional em todo o Brasil. Fruto dos encontros nacionais também, foi criada,
em 1971, a Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público – CAEMP, que
também teve grande importância para a união da instituição (CABRAL NETTO, 2016, p.
25-27).

A CAEMP, atual CONAMP, como bem disse Mazzilli, representou uma


estratégia que permitiu a articulação permanente e continuada das
lideranças de todos os estados da Federação com vistas à discussão e à
construção de uma consciência nacional sobre um novo Ministério Público,
a formação, na verdade, de uma nova ideologia acerca do papel a ser
desempenhado pela instituição (CABRAL NETTO, 2016, p. 27).
30

.
Em 1977, a tese apresentada no V Congresso Nacional do Ministério Público, pelo
então Subprocurador da Justiça de São Paulo, Carlos Siqueira Campos, “Ministério Público:
Uma Nova Estratégia Para Seu Aperfeiçoamento”, ilustrou bem como estavam
borbulhando, na época, as ideias de um projeto nacional de um Ministério Público
independente e fortalecido, através da criação de uma a consciência nacional pela atuação
na imprensa, no Congresso, nos setores de decisão e na opinião pública de modo geral:

Talvez não se esteja dizendo nenhuma novidade em um congresso de


Ministério Público, pois todos os temas abordados vêm sedo tratados ele há
muito. Mas, calcado na experiência de uma década de luta incessante pelo
desenvolvimento da Instituição, poder-se-á submeter a apreciação do conclave
nova postura no encaminhamento das reivindicações:
a) criação da consciência social em torno da Instituição, para que encontre ela
respaldo na opinião pública e na sociedade a que deve servir;
b) inversão da ênfase até então posta sobre uma pretendida posição de
equiparação com a magistratura, em nível de prerrogativas, para se cristalizar
a necessidade de firmar, primeiro, o que é a Instituição e seu caráter
permanente; o que pode ela fazer de útil à Sociedade que, teoricamente,
defende; e, finalmente, de quais poderes deve ser dotada para o desempenho
de suas atribuições, cada vez mais amplas e complexas;
c) a fixação de um projeto nacional de Ministério Público que estabeleça a
unidade da Instituição, em todos seus níveis, fixando os princípios gerais, sem
prejuízo das peculiaridades advindas do sistema federativo e das condições
locais.
Definido, pois, o projeto, estabelecendo-se os princípios gerais, com inversão
da ênfase apontada, há que se buscar a criação ela consciência social desejada,
pela atuação na imprensa, na universidade (quantas teses de mestrado ou
doutorado sobre o Ministério Público foram feitas?), nas associações, nos
partidos políticos, nos Institutos de Ensino Superior; junto aos advogados, aos
juízes, à polícia e às Forças Armadas; junto ao Congresso, centro de debates
nacionais; junto aos setores de decisão, de formação da opinião pública .
Será trabalho da CAEMP, das Associações, das Procuradorias, de cada um e
de todos os membros do Ministério Público nacional, em todos seus níveis e
em todos seus setores. Tem o Ministério Público a história do seu lado. Afinal.
como já disse antigo membro da Instituição paulista, "quando o Ministério
Público postula é a Pátria quem pleiteia". (SIQUEIRA NETTO, 1977, p. 694-
695)

Como reflexo dessa mobilização, em agosto de 1979, segundo Cabral Netto (2016,
p. 30-34), ocorreu um dos momentos mais importantes da caminhada da instituição, quando
a Confederação das Associações Estaduais do Ministério Público – CAEMP solicitou uma
audiência ao Ministério da Justiça e lhe entregou a sugestão do anteprojeto que viria a se
tornar a Lei Complementar nº 40/80, trazendo pela primeira vez um conceito e as linhas
mestras de Ministério Público de todo o País. Em 1985, quando já se falava na convocação
de uma Assembleia Nacional Constituinte, foi realizado o VI Congresso Nacional do
31

Ministério Público, onde foi discutido o tema do Ministério Público na Constituição. Além
disso, em 1986, em Curitiba, foi realizado o Primeiro Encontro de Presidentes de
Associações e Procuradores-Gerais de Justiça, de onde saiu o esboço para o documento
conhecido como a Carta de Curitiba. Este documento, aprovado em uma nova reunião por
todas as lideranças do Ministério Público do Brasil, pouco tempo depois, em Porto Alegre,
resultou um anteprojeto de Ministério Público voltado aos constituintes (CABRAL NETTO,
2016, p. 37-38).

Figura 2 – Fotografia do 1º Encontro Nacional de Procuradores Gerais de Justiça e Presidentes de


Associações do Ministério Público de 1986

Fonte: Aras (2019)

Nota-se, portanto, que os Congressos Nacionais do Ministério Público foram


fundamentais para a mobilização da categoria que tinha por escopo a fixação de um projeto
nacional de Ministério Público, além da conquista de poderes e valorização profissional. A
união dos esforços e da atuação classista foi registrada em uma reportagem, de 1987, da
Folha de São Paulo:
32

Figura 3 – Recorte de edição do jornal Folha de São Paulo de 1987

Fonte: Aras (2019)

Hoje, é fácil perceber como a união e a organização dos membros do Ministério


Público foi determinante para a criação de um novo Ministério Público na Constituição
Federal de 1988. Para além da modernização do Ministério Público, o novo projeto
constitucional significou o alinhamento ao regime democrático, o aperfeiçoamento do
12
sistema acusatório e a implementação dos meios para a efetivação de direitos
fundamentais e sociais.

2.4 A PARTICULARIDADE BRASILEIRA DO ARRANJO INSTITUCIONAL DO


MINISTÉRIO PÚBLICO

Atualmente, no Brasil, o Ministério Público é definido pela Constituição Federal como


uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis. Estando situado no Capítulo IV da Constituição, o Ministério Público não é,

12
No sistema acusatório, há separação entre as funções de acusar, defender e julgar, ao contrário do sistema
inquisitivo em que há a concentração de poderes.
33

não integra e não está subordinado a nenhum dos Poderes da República, sendo-lhe
expressamente assegurada autonomia funcional e administrativa e financeira.
De acordo com a Constituição Federal, o Ministério Público abrange o Ministério
Público da União e os Ministérios Públicos dos Estados. O primeiro se subdivide em quatro
ramos: a) o Ministério Público Federal; b) o Ministério Público do Trabalho; c) o Ministério
Público Militar; e d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Além desses, o art.
130 da Carta Magna também prevê o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas, aos
quais aplicam-se as disposições pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura, embora
não integre a mesma estrutura ministerial. O Ministério Público da União tem por chefe o
Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da
carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta
dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução13. Já os
Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formam lista tríplice
dentre integrantes da carreira, para escolha de seu Procurador-Geral, que é nomeado pelo Chefe
do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, o que lhe garante
maior autonomia.
Os membros possuem garantias equivalentes às da magistratura, que garantem grande
independência de atuação e que incluem a vitaliciedade 14 , a inamovibilidade 15 e a
irredutibilidade de subsídio. Também possuem vedações, que visam igualmente a
independência, como, por exemplo: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto,
honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de
sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra
função pública, salvo uma de magistério; exercer atividade político-partidária; e e) receber, a
qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou
privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. Também foi vedada ao Ministério Público a

13
Essa forma de escolha da chefia tem sido questionada pelos próprios membros do MPF, principalmente após a
escolha pelo Presidente Jair Bolsonaro, em 2019, do atual Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que
não figurava na lista tríplice. Para os procuradores, “com a finalidade de garantir à Procuradoria-Geral da
República a efetiva independência indispensável ao exercício da missão constitucional do MPF, é necessário
fazer um debate amplo, público e aberto sobre a institucionalização, mediante inclusão no texto constitucional,
da regra de que o(a) Procurador(a)-Geral da República seja escolhido pelo(a) Presidente da República com base
em lista tríplice escolhida pelos membros da instituição, a exemplo do que acontece com o(a) Procurador(a)-
Geral de Justiça no Distrito Federal e nos 26 (vinte e seis) estados da Federação”. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/procuradores-assinam-manifesto-por-obrigatoriedade-da-lista-
triplice-para-escolha-de-pgr.shtml.
14
Não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado.
15
Não pode ser removido contra a sua vontade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão
colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla
defesa
34

representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas, viabilizando, inclusive,


atuar contra os entes federativos em benefício da sua missão constitucional.
O controle da atuação administrativa e do cumprimento dos deveres funcionais de seus
membros é feita pelas corregedorias e pelo Conselho Nacional do Ministério Público, o qual é
composto por membros do Ministério Público, magistrados, advogados e cidadãos que são
nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovados pelo Senado Federal. As funções
do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira e o ingresso ocorre
exclusivamente mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, exigindo-se do bacharel em direito, no
mínimo, três anos de atividade jurídica e observando-se, nas nomeações, a ordem de
classificação. Entre as suas atribuições, a Constituição prevê como funções institucionais do
Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; promover
o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade
ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados; defender judicialmente os
direitos e interesses das populações indígenas; e exercer o controle externo da atividade policial.
A Constituição Federal também incumbiu o Ministério Público a função de ombudsman
ou defensor del Pueblo, consistente no dever de zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos
e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados constitucionalmente. Com efeito,
Alexandre Amaral Gavronski e Andrey Borges de Mendonça (2013, p. 628) explicam que:

Nos debates e estudos que precederam a Constituição Federal de 1988


identificou-se a conveniência de se criar no Brasil função inspirada no modelo
sueco de ombudsman, destinada a receber e apurar as mais diversas
reclamações de interesse dos cidadãos contra as autoridades e serviços
públicos nos casos de desrespeito aos direitos constitucionais, e diligenciar
para sua solução, normalmente sem provocação do Poder judiciário. Esse
mesmo modelo orienta, em vários países de língua espanhola, a criação de um
órgão denominado Defensor del Pueblo, assim como o ombudsman, de regra
ligado ao parlamento.

Além das atribuições constitucionais, várias outras funções foram conferidas pela lei
como a proteção de crianças, idosos e deficientes, a defesa do patrimônio público, dos
consumidores e, ainda, a fiscalização do processo eleitoral. Para tanto, também foram
conferidos poderes e prerrogativas como expedir notificações; requisitar informações e
documentos; requisitar diligências investigatórias; expedir recomendações; notificar
testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada; realizar
inspeções e diligências investigatórias; ter livre acesso a qualquer local público ou privado,
35

respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio; e ter acesso


incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância
pública.
Deste modo, conforme salienta Azevedo (2018), o Ministério Público à moda brasileira,
forte, independente e com múltiplas funções é modelo genuíno no âmbito do direito comparado,
que, no campo da informalidade linguística, poderia ser tratado como a jabuticaba que deu certo,
em alusão à metáfora que designa os fenômenos que só acontecem no Brasil, como fruto
excepcional das nossas iniciativas e aspirações mais positivas. São com essas características,
portanto, de instituição independente, poderosa e com atribuições diversas que, a partir da
Constituição de 1988, floresce um Ministério Público novo e que se destaca como uma das
instituições com maior capacidade para o combate à corrupção, ao mesmo tempo em que esse
fenômeno começa a ser objeto de preocupação no Brasil e no mundo. Interessante observar,
contudo, que, com exceção do Código Penal que definiu o nomem iuris16 desse crime, nenhuma
outra lei, nesse período, utilizou a palavra corrupção ao atribuir a legitimidade ao Ministério
Público.

2.5 A CORRUPÇÃO COMO CATEGORIA ANALÍTICA E FENÔMENO SOCIAL

A palavra corrupção é um termo genérico e polissêmico. Segundo o dicionário Aurélio


(2001, p. 189), “corrupção”, ou “corrução”, significa “ato ou efeito de corromper;
decomposição. Devassidão, depravação. Suborno, peita”. Já o termo “corromper” é definido
como “deteriorar, decompor. Alterar. Perverter. Induzir a realizar ato(s) contrário(s) ao dever, à
ética. Apodrecer, adulterar-se, deteriorar-se. Perverter-se”. Citando Luhmann, Ferreira e
Fornasier (2015, p. 1583) explicam que “há teorias que formulam conceitos bastante amplos de
corrupção, como a teoria dos sistemas autopoiéticos, por exemplo. Neste contexto, a corrupção
seria uma ocorrência de acordo com a qual um sistema funcional da sociedade sobreporia sua
lógica ao funcionamento de outro sistema funcional da sociedade”.
No direito, o conceito de corrupção não encontra menor dificuldade para ser
apreendido. O Código Penal, por exemplo, emprega o termo nos artigos 218 (corrupção de
menores), 271 (corrupção ou poluição de água potável), 272 (falsificação, corrupção,

16
Denominação do crime estabelecida pela lei.
36

adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios), 273 (falsificação, corrupção,


adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais), 317
(corrupção passiva), 333 (corrupção ativa) e 337-B (corrupção ativa em transação comercial
internacional). Entretanto, várias outras leis trazem alguns crimes que, apesar de não possuírem
o mesmo nomem iuris, certamente são compreendidos por qualquer pessoa como corrupção, a
exemplo dos arts. 312 (peculato)17 e 316 (concussão)18 do Código Penal; do art. 90 da Lei nº
8.666/9619; e do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/196720. No âmbito cível, a Lei nº 8.429/92 não
menciona a palavra corrupção, porém, prevê atos de improbidade administrativa que importam
enriquecimento ilícito, que causem prejuízo ao erário ou que atentam contra os princípios da
administração pública, sendo esta última classe definida, basicamente, como “qualquer ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às
instituições”. Até mesmo a Lei nº 12.486/2013, denominada “Lei Anticorrupção”, somente
empregou o termo ora tratado uma vez, quando se referiu à Convenção sobre o Combate da
Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais no
seu art. 9º. De mais a mais, ainda que considerados os tipos penais 21 retro citados, ainda
subsiste dificuldade para definir uma conduta como corrupta ou não, de acordo com o seu grau
de reprovação.
Diante da dificuldade de conceituação, optou-se no presente estudo, pragmaticamente,
por utilizar o conceito de “corrupção política”, também denominada de “corrupção burocrática”
ou “corrupção pública”, já que é a categoria normalmente mobilizada nas pesquisas sobre
corrupção, bem como por ter maior relação com outros fenômenos abordados neste trabalho,
como os escândalos. Segundo, Ferreira e Fornasier (2015, p. 1584), a corrupção pública pode
ser caracterizada como “o abuso de cargo público para obter benefícios privados”. No mesmo
sentido, Bobbio, Matteucci e Pasquino (apud FERREIRA; FORNASIER, 2015, p. 1584) a
caracterizam como o “fenômeno pelo qual um funcionário público é levado a agir de modo
diverso dos padrões normativos do sistema, favorecendo interesses particulares em troca de

17
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou
particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio.
18
Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.
19
Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo
do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação
do objeto da licitação:
20
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário,
independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: I - apropriar-se de bens ou rendas públicas,
ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de
bens, rendas ou serviços públicos; III - desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas [...]
21
Descrição do fato ilícito na lei.
37

recompensa”. Segundo Ferreira e Fornasier (2015, p. 1584), é possível classificar a corrupção


pública em apropriação indébita, patronagem, suborno e abuso de funções, conforme a seguinte
definição:

A primeira é a apropriação (desvio ou malversação) indevida (indébita) de


recursos de proveito econômico. A patronagem é a seleção de pessoa para um
emprego ou benefício governamental levando em consideração apenas os seus
vínculos políticos e demais conexões, em detrimento da qualificação ou
titulação. O suborno pode ser caracterizado como o uso de um incentivo para
influenciar indevidamente o desempenho de pessoa que exerce função
pública. O abuso de funções ocorre quando alguém viola seus deveres
funcionais em favor do proveito próprio (FERREIRA; FORNASIER, 2015, p.
1584).

Do ponto de vista da criminologia, muitas teorias disputam a explicação do fenômeno.


A teoria da associação diferencial e a teoria econômica do crime, contudo, destacam-se por
oferecer esclarecimentos que servem muito propriamente para compreender a corrupção como
espécie de crimes do colarinho branco. A teoria da associação diferencial foi desenvolvida por
Edwin Hardin Sutherland após analisar as estatísticas criminais e estranhar uma maior
incidência na classe baixa e o fato de que menos de dois por cento das pessoas condenadas a
penas privativas de liberdade pertenciam à classe alta (SUTHERLAND, 2014, p. 93-94). De
acordo com Sutherland (2014, p. 94-100), as explicações criminológicas usuais seriam
inválidas por utilizarem amostras enviesadas, já que negligenciavam os crimes praticados por
empresários e outros profissionais. Isto porque, enquanto os crimes da classe baixa seriam
conduzidos por policiais, promotores e juízes, com penas de multa, prisão e de morte, os crimes
da classe seriam processados administrativamente, não sendo considerados verdadeiramente
criminosos por eles mesmos, pela sociedade e pelos criminólogos, mesmo porque, em função
do status social que usufruem, eles influenciam o que é introduzido na legislação e como ela é
interpretada. Assim, conclui o referido autor:

A hipótese aqui sugerida como uma substituição para as teorias convencionais


é a de que a criminalidade de colarinho branco, como qualquer outra
criminalidade sistemática, é aprendida; que ela é aprendida em associação
direta ou indireta com aqueles que já praticam o comportamento; e aqueles
que aprendem este comportamento criminoso são apartados de contatos
íntimos e frequentes com comportamento de obediência à lei. Se uma pessoa
torna-se um criminoso ou não é amplamente determinado pela frequência e
intimidade de seus contatos com as duas espécies de comportamento. Isto
pode ser denominado de processo de associação diferencial. É uma explicação
para a origem das criminalidades de colarinho branco e da classe baixa.
Aqueles que se tornam criminosos de colarinho branco, na maioria das vezes,
iniciam suas carreiras em bons bairros e lares, são graduados em universidades
com algum idealismo e, com pouca escolha por parte deles, participam de
38

certas situações negociais em que a criminalidade é praticamente um costume


e são introduzidos naquele sistema de comportamento como em qualquer
outro costume. Os criminosos da classe baixa geralmente começam suas
carreiras em bairros e famílias decadentes, encontram delinquentes
disponíveis de quem adquirem as atitudes e técnicas do crime ao se associar
com aqueles e em segregação parcial de pessoas que respeitam a lei. O
essencial do processo é o mesmo para as duas classes de criminosos. Isso não
é um processo de assimilação na sua totalidade, uma vez que inovações são
feitas, talvez, com maior frequência no crime de colarinho branco do que no
da classe baixa. Os gênios inventivos para os criminosos da classe baixa via
de regra são criminosos profissionais, enquanto os para várias espécies de
crime de colarinho branco geralmente são operadores do Direito.
(SUTHERLAND, 2014, p. 102-103)

Outra teoria relevante para entender a corrupção e os crimes do colarinho branco é a


teoria econômica da escolha racional que, embora inicialmente utilizada para explicar o
consumo e a produção, foi difundida para compreender o comportamento humano em várias
áreas (ALENCAR; GICO JR., 2011, p. 76). No estudo da criminalidade, a construção teórica
foi desenvolvida por Gary Becker, quando passou a ser conhecida como teoria econômica do
crime. Segundo essa compreensão, as pessoas cometem ilícitos quando os benefícios são
superiores aos custos, fazendo ressurgir os questionamentos sobre os efeitos retributivos e
dissuasivos das penalidades (ALENCAR; GICO JR., 2011, p. 77).

De acordo com esse modelo, quando a expectativa “E[U]” é positiva, o agente


tem incentivos para cometer o ilícito, do contrário, ele não tem incentivos.
Aqui a probabilidade e a magnitude da punição são os elementos-chave para
a análise juseconômica do comportamento criminoso. A essa altura deve estar
bem claro que, de acordo com a teoria, a atividade criminosa é altamente
dependente dos fatores que influenciam a alocação de tempo entre atividades
legais e ilegais (custo de oportunidade). Essa teoria foi testada em pesquisas
empíricas, como a de Ehrlich, de 1974, que encontram evidências que a
apoiam indicando que há uma relação estatisticamente relevante entre
probabilidade de punição e ocorrência de todos os tipos de crime. O mais
interessante é que o mesmo estudo encontrou uma relação semelhante entre a
magnitude da punição e a taxa de criminalidade, mas com significância
estatística apenas para metade dos casos. Essa evidência empírica pode indicar
que a maior probabilidade de ser pego pode produzir um efeito dissuasivo
maior que a magnitude da punição. (ALENCAR; GICO JR., 2011, p. 77)

No mesmo contexto, Alencar e Gico Jr. (2011, p. 80) entendem que, considerando as
evidências empíricas disponíveis, a aplicação da lei (law enforcement) tem um efeito dissuasivo
substancial, sendo que “a variável mais importante para reduzir a corrupção é a probabilidade
de punição (p), seguida da magnitude das sanções judiciais (J) para ambos os agentes, corruptor
e servidor corrupto, e, por fim, a magnitude das sanções administrativas (A) aplicáveis apenas
39

ao servidor corrupto”. Em sua análise econômica da proibição, Mark Thornton (2018, p. 125)
também concebe que:

Penalidades tais como multas, confisco de ativos e períodos de prisão são


estabelecidas para desencorajar a atividade no mercado. A implementação da
proibição requer a utilização de recursos para tornar as penalidades eficientes
no desencorajamento dessas atividades. O desvio das facilidades existente
para a aplicação pode envolver alguma economia, porém não elimina a
necessidade de recursos adicionais. A quantidade de recursos dedicados à
aplicação da proibição irá determinar (dentro de uma dada estrutura de
penalidades) o grau de risco colocado sobre os participantes do mercado e,
portanto, os efeitos que a proibição terá sobre a produção e o consumo.

Para Filgueiras (2009, p. 397), o problema da abordagem econômica é que ela


desconsidera os processos sociais, os quais também são influenciados por valores e normas
institucionais e culturais. Não há uma teoria da corrupção no Brasil, porém a vertente
interpretativa do pensamento político e social brasileiro normalmente mobilizada para explicar
a malversação de recursos públicos no Brasil se centra no patrimonialismo herdado da
colonização que impediria a separação entre o público e o privado (FILGUEIRAS, 2009, p.
388). Para Sérgio Buarque de Hollanda (apud FILGUEIRAS, 2009, p. 390), o patrimonialismo
seria um problema societal derivado da cultura da cordialidade, que geraria uma certa
incapacidade de fazer construir uma ordem pública e democrática baseada em relações
impessoais. De outro lado, na concepção de Raymundo Faoro (apud FILGUEIRAS, 2009, p.
388-389), o patrimonialismo no Brasil constituiria um vício de origem, herdado do mundo
ibérico, em que o estamento burocrático comportava-se como proprietário da soberania, e que
se reproduziu como marca da nossa tradição política por meio da corrupção, sendo o
clientelismo e o nepotismo, exemplos dessa relação.
Jessé Souza (2017) confronta Hollanda e Faoro pois, para ele, a interpretação dominante
do país ajudou a criar a ideia de que o Estado abriga uma elite corrupta que vampirizaria a nação,
facilitando uma distorção sistemática da realidade, quando, na verdade, existe uma elite real
que visa apropriar-se da riqueza que deveria ser de todos. Ao seu turno, Fernando Filgueiras
(2009, p. 387), sustenta que a prática de corrupção não está relacionada ao caráter do brasileiro,
mas que existiriam uma antinomia entre as regras morais e a prática social, decorrente da
constituição de normas informais que institucionalizam certas práticas moralmente degradantes,
apesar de cotidianamente toleradas. O referido autor (FILGUEIRAS, 2009, 413-416) explicita
que, no Brasil, existe um parâmetro moral, pressuposto de acordo com concepções normativas
de certo e errado, em que a corrupção é condenável, tanto que, em sua pesquisa, os entrevistados
40

consideraram os casos apresentados como de muita corrupção. Nada obstante, um alto


percentual dos mesmos entrevistados revelou que concordam com determinadas situações em
que a corrupção pode ser praticada e que estariam propensas participar de esquemas. Com base
nesses dados, conclui que existe uma tolerância à corrupção no Brasil.

Ou seja, a corrupção não pode ser explicada pelo caráter do brasileiro, por sua
cordialidade, malandragem ou esperteza, porque ele é capaz de absorver
conteúdos substantivos da moralidade política, ao discordar de situações de
corrupção. Os entrevistados consideram errado um político receber dinheiro
para favorecer uma empresa em uma licitação, ou um empresário financiar
campanhas esperando receber algo em troca. Porém, quando é para proteger a
família, um pouco de corrupção é tolerável ou, se houver necessidade, é
correto vender o próprio voto. Nesse caso, os entrevistados têm noção dos
valores públicos, mas os juízos de necessidade corrompem, frente a uma
tolerância da corrupção vista no outro, nunca em si mesmo. Existe uma
disposição prática do brasileiro a entrar em esquemas de corrupção, que
contrasta com sua configuração moral. Somos capazes de, consensualmente,
concordar com determinados valores morais, mas toleramos certa corrupção
porquanto ela esteja referida a um capital cultural que a torna cotidiana e
latente, com uma natureza extremamente flexível, sendo aplicada a situações
muito diferentes. (FILGUEIRAS, 2009, p 316-317)

Conforme Ferreira e Fornasier (2015, p. 1584), “não se pode acreditar que apenas em
países que passaram por um processo de colonização de exploração apresentem em suas redes
de relação sociopolítica e econômica a ocorrência da corrupção”. Com efeito, sustentam os
autores, “o discurso do determinismo cultural esquece, propositalmente, o histórico da
corrupção em sociedades modernas (como a europeia e a norte-americana) e o desenvolvimento
de certas condições estruturais positivas em países como o Brasil nos últimos anos”. De fato, a
corrupção está presente e é objeto de preocupação em todas as sociedades, inclusive nos países
de primeiro mundo. O interesse da comunidade internacional pelo assunto e a proliferação de
instituições anticorrupção nos diversos países comprovam essa assertiva.

2.6 AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS E O CONTROLE INTERNACIONAL DA


CORRUPÇÃO

Conforme aduz Vladimir Aras (2018), atualmente existe um regime global de proibição
da corrupção, que compõem o grupo de “bribery and corruption suppression treaties”22. Esse

22
Tratados de supressão do suborno e da corrupção (tradução nossa)
41

regime é formado ao pelos seguintes eixos: “a) criminalização de certas condutas graves; b)
especificação de regras de jurisdição sobre tais crimes; c) adoção de ferramentas modernas e
eficientes de persecução criminal e de prevenção do crime; e d) introdução ou melhora de
mecanismos de cooperação jurídica internacional” (ARAS, 2018). Ao que parece, esse sistema
decorreu do aumento internacional da preocupação com a corrupção nas últimas três décadas.
Inclusive, essa categoria chegou a ser considerado o maior problema do mundo em 2013,
conforme uma pesquisa da WIN/Gallup Internacional, que ouviu cerca de 67 mil pessoas em
65 países (DALLAGNOL, 2017).
Com efeito, no final dos anos 1990, a questão da corrupção ganhou importância
internacional em processo intimamente ligado à democratização política e liberalização
econômica, além construção do Estado de Direito e da boa governança em muitos ambientes
pós-autoritários (OECD, 2013, p. 39). Em 29 de março de 1996, em Caracas, foi firmada, no
âmbito da OEA, a Convenção Interamericana Contra a Corrupção23, a qual, já no preâmbulo,
reconheceu responsabilidade dos Estados de erradicar a impunidade e envidar todos os esforços
para prevenir, detectar, punir e erradicar a corrupção.
Na Europa, o Convênio relativo à luta contra os atos de corrupção no qual estão
envolvidos funcionários das Comunidades Européias e dos Estados Partes da União Europeia
foi aprovado pelo Conselho da União Europeia, em 26 de maio de 1997. Pouco tempo depois,
em 17 de dezembro de 1997, foi concluída, através da OCDE, em Paris, a Convenção sobre o
Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais
Internacionais24 , que, através do seu artigo 3.1, além do mandado de criminalização, prevê
expressamente a necessidade de punição com penas criminais efetivas, proporcionais e
dissuasivas, inclusive a privação da liberdade:

1. A corrupção de um funcionário público estrangeiro deverá ser punível com


penas criminais efetivas, proporcionais e dissuasivas. A extensão das penas
deverá ser comparável àquela aplicada à corrupção do próprio funcionário
público da Parte e, em caso de pessoas físicas, deverá incluir a privação da
liberdade por período suficiente a permitir a efetiva assistência jurídica
recíproca e a extradição.

Posteriormente, o convênio sobre a luta contra o suborno dos funcionários públicos


estrangeiros nas transações comerciais internacionais também foi aprovado pelo Comitê de
Ministros do Conselho Europeu, em 27 de janeiro de 1999. Já em 04 de novembro do mesmo
ano, o Comitê de Ministros do Conselho Europeu aprovou o Convênio de direito civil sobre a

23
Promulgada pelo Brasil em 07 de outubro de 2002, por meio do Decreto nº 4.410/2002.
24
Promulgada pelo Brasil em 30 de novembro de 2000, por meio do Decreto nº 3.678/2000.
42

corrupção. Em 12 julho de 2003, a Convenção da União Africana para prevenir e combater a


corrupção foi aprovada pelos Chefes de Estado e Governo da União Africana. Por fim, em 31
de outubro de 2003, foi adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, a Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção25, mais conhecida como Convenção de Mérida, considerado
o maior e mais completo regramento normativo sobre o tema.
Não bastasse, apesar de incipiente, cresce a percepção de que existe uma interconexão
entre a corrupção e a violação de direitos humanos. Inclusive, segundo Vladimir Aras (2018),
“várias organizações tem-se ocupado do fenômeno em suas vertentes sociais, econômicas,
políticas e criminológicas”. Algumas iniciativas refletem essa preocupação, como os Objetivos
do Desenvolvimento Sustentável - ODS, adotados pelas Nações Unidas, que pretendem
enfrentar diversos desafios mundiais na luta pela saúde, educação, igualdade, meio ambiente e
desenvolvimento, até o ano de 2030 (ARAS, 2018). O objetivo 16.5, por exemplo, visa “reduzir
substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas”.

A razão é simples. Há cada vez mais consenso num ponto. A corrupção mina
a capacidade dos Estados de enfrentar a pobreza e a marginalização, torna
mais difícil a promoção da saúde, do saneamento básico e da educação,
compromete os meios materiais disponíveis para a expansão de projetos de
infraestrutura e o desenvolvimento socioeconômico e dificulta a persecução
de crimes graves, que vitimam milhões de pessoas em todo o mundo,
notadamente as diversas formas de tráfico e os delitos ambientais, que
desabrigam milhares e privam outros tantos de seus meios de vida sustentáveis.
Nesta linha, a corrupção endêmica, num contexto local ou regional, reduz a
riqueza nacional, aumenta as desigualdades e impede o avanço das nações nos
índices de desenvolvimento humano.
Por isso mesmo, não é de se estranhar que as relações entre corrupção e
direitos humanos tenham entrado nos debates forenses em tribunais
internacionais, pois práticas corruptas endêmicas ou sistemáticas num dado
país costumam violar sobretudo os direitos de populações vulneráveis no
acesso aos bens da civilização e no gozo dos direitos assegurados nas
constituições e em diversos tratados, dos quais merecem menção o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos, de 1966; a Convenção Americana
de Direitos Humanos, de 1969; a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979; a Convenção dos Direitos
da Criança, de 1989; a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência, de 2006, entre outros (ARAS, 2018).

No mesmo sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Ramírez


Escobar y outros vs. Guatemala reconheceram que existe uma relação intrínseca entre
corrupção e vitimização e, no caso concreto, relativo à adoção internacional, considerou que o

25
Promulgada pelo Brasil em 31 de janeiro de 2006, por meio do Decreto nº 5.687/2006.
43

Estado violou direito internacional (ARAS, 2018). É o que se colhe da sentença de 9 de março
de 2018. Confira:

241. Al respecto, este Tribunal destaca las consecuencias negativas de la


corrupción y los obstáculos que representa para el goce y disfrute efectivo de
los derechos humanos, así como el hecho de que la corrupción de autoridades
estatales o prestadores privados de servicios públicos afecta de una manera
particular a grupos vulnerables420. Además, la corrupción no solo afecta los
derechos de los particulares individualmente afectados, sino que repercute
negativamente en toda la sociedad, en la medida en que “se resquebraja la
confianza de la población en el gobierno y, con el tiempo, en el orden
democrático y el estado de derecho”421. En este sentido, la Convención
Interamericana contra la Corrupción establece en su preámbulo que “la
democracia representativa, condición indispensable para la estabilidad, la paz
y el desarrollo de la región, por su naturaleza, exige combatir toda forma de
corrupción en el ejercicio de las funciones públicas, así como los actos de
corrupción específicamente vinculados con tal ejercicio”422. 242. La Corte
recuerda que los Estados deben adoptar las medidas para prevenir, sancionar
y erradicar eficaz y eficientemente la corrupción423. No obstante, como se
mencionó previamente, el sistema de protección de la niñez y los mecanismos
de adopción vigentes en Guatemala en la época de los hechos, lejos de cumplir
estas obligaciones, proporcionaron espacios para que tuviera lugar y
permitieron la formación y mantenimiento de las redes de adopciones ilegales
en Guatemala. El presente caso podría reflejar una materialización de este
contexto. La Corte destaca que las adopciones internacionales se dieron dentro
de un marco de corrupción, en el que un conjunto de actores e instituciones
públicos y privados operaban bajo el manto de la protección del interés
superior del niño, pero con el real propósito de obtener su propio
enriquecimiento. En este sentido, la maquinaria que se montó y toleró
alrededor de las adopciones ilegales, la cual afectaba de manera particular a
sectores pobres, tuvo un fuerte impacto negativo en el disfrute de los derechos
humanos de los niños y sus padres biológicos (CIDH, 2018)26.

26
A esse respeito, esta Corte destaca as consequências negativas da corrupção e os obstáculos que ela representa
para o gozo efetivo dos direitos humanos, bem como o fato de que a corrupção das autoridades estatais ou dos
prestadores privados de serviços públicos afetam de uma maneira particular a grupos vulneráveis. Além disso, a
corrupção não afeta apenas os direitos dos indivíduos particulamente afetados, mas também tem um impacto
negativo em toda a sociedade, na medida em que “a confiança da população no governo é quebrada e, ao longo do
tempo, na ordem democrática e o estado de direito ”421. Nesse sentido, a Convenção Interamericana contra a
Corrupção estabelece em seu preâmbulo que “a democracia representativa, condição indispensável para a
estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região, por sua natureza, requer o combate a todas as formas de
corrupção no exercício da corrupção”. funções públicas, bem como atos de corrupção especificamente ligados a
esse exercício ”422. 242. O Tribunal recorda que os Estados devem adotar medidas para prevenir, punir e erradicar
a corrupção efetiva e eficientemente423. No entanto, como mencionado anteriormente, o sistema de proteção à
criança e os mecanismos de adoção vigentes na Guatemala na época dos eventos, longe de cumprir com essas
obrigações, proporcionavam espaços para sua realização e permitiam a formação e manutenção de redes de
adoções ilegais na Guatemala. O presente caso poderia refletir uma materialização desse contexto. A Corte ressalta
que as adoções internacionais ocorreram em um contexto de corrupção, no qual um grupo de atores e instituições
públicas e privadas operou sob a proteção do melhor interesse da criança, mas com o propósito real de obter sua
própria enriquecimento Nesse sentido, a maquinaria montada e tolerada em torno de adoções ilegais, que afetaram
particularmente os setores pobres, teve um forte impacto negativo no gozo dos direitos humanos das crianças e de
seus pais biológicos. (tradução nossa)
44

Portanto, observa-se que, pelo menos entre os Estados Partes dos referidos tratados,
entre os quais inclui-se o Brasil, sobretudo a partir de 1996, além de outras obrigações como
recuperar ativos, anular os efeitos dos atos ilegais e empreender medidas preventivas, passou a
existir um dever de investigar, perseguir e punir os atos de corrupção com penas criminais
efetivas, proporcionais e dissuasivas, sob pena de responsabilização internacional. Para o
cumprimento desses deveres, esses mesmos tratados estabeleceram a obrigação de criação de
agências anticorrupção.

2.7 AS AGÊNCIAS ANTICORRUPÇÃO

Os primeiros órgãos especializados anticorrupção surgiram há muito tempo, porém


as comissões de Cingapura e Hong Kong, criadas em 1950 e 1970, respectivamente, são os
exemplos que deram origem à imagem popular da bem sucedida e independente agência
anticorrupção multiuso (OECD, 2013, p. 39). No final dos anos 1990, o cenário de elevação
da importância internacional da questão da corrupção ensejou a discussão sobre o papel de
instituições anticorrupção especializadas (OECD, 2013, p. 39). Essas experiências foram
difundidas globalmente, tendo a Convenção Interamericana contra a Corrupção (art. III, 9) e a
Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (arts. 6º e 36) estabelecido a obrigatoriedade
da criação de agências anticorrupção entre os Estados-membros (FERREIRA; FORNASIER,
2015, p. 1588). Extrai-se dos aludidos tratados internacionais que esses órgãos devem ter por
finalidade prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas, devendo ser dotados
independência e recursos especializados, além de encarregados da supervisão e coordenação da
execução das políticas de combate à corrupção e difusão dos conhecimentos em matéria de
prevenção.
Conforme Sousa (apud NASCIMENTO, 2018, P. 96), uma agência anticorrupção
pode ser conceituada como “órgão (de financiamento) público e de natureza durável, com
uma missão específica de combate à corrupção e de redução das estruturas de oportunidade
propícias para a sua ocorrência através de estratégias de prevenção e repressão”. Alguns
estudos indicam os elementos essenciais para o bom funcionamento de uma agência
anticorrupção. O primeiro, seria a independência do órgão para executar as suas ações, sem
interferência política. Segundo, as agências devem agir em cooperação com outras
instituições nacionais e internacionais. Terceiro, deve ter capital humano especializado e
45

interdisciplinar. Quarto, necessita de capacidade de investigar casos complexos e de grande


magnitude. Quinto, funcionar não somente como um órgão sancionatório e disciplinar, mas
adotar uma postura preventiva, sendo capaz de, por meio de pesquisa e avaliação de
políticas anticorrupção, criar um arcabouço de conhecimento útil para orientar as estratégias
no futuro. Sexto, a manutenção de agência anticorrupção deve ser um projeto duradouro e
não ocasional. E, por fim, as agências anticorrupção eficientes devem ter como base o apoio
da opinião pública e serem capazes de realizar grandes feitos para manterem este suporte,
podendo assim desencadear uma série de reformas e mudar a dinâmica de um ambiente
corrupto (FERREIRA; FORNASIER, 2018, p. 1592-1593).
No mundo, existe uma multiplicidade de instituições anticorrupção e é difícil
identificar todos os principais padrões. Entretanto, a literatura internacional aponta
basicamente três modelos (OECD, 2013, p. 39-40).
As agências anticorrupção multipropósito representam o modelo de instituição única
com base em três pilares: a investigação, a prevenção e a divulgação e educação públicas.
A Comissão Independente de Hong Kong Contra a Corrupção e o Departamento de
Investigações de Práticas de Corrupção de Cingapura são os melhores exemplos, os quais
inspiraram a criação de outras agências como a Comissão Independente contra a Corrupção
em New South Wales, na Austrália; a Direcção de Corrupção e Criminalidade Económica
no Botswana; o Serviço Especial de Investigação na Lituânia; o Departamento de Prevenção
e Combate à Corrupção na Letônia; o Departamento Central Anticorrupção na Polônia; o
Inspetor Geral do Governo em Uganda, além de várias outras como na Coréia, Tailândia,
Argentina e Equador (OECD, 2013, p. 40).
As instituições de aplicação da lei são o modelo mais comum entre os países da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE e podem ser
implementados em um ou mais órgãos de detecção, investigação e acusação, além de
eventualmente incluir funções de prevenção, coordenação e de pesquisa. Podem ser citados
como exemplos, a Autoridade Nacional de Investigação e Repressão de Crimes Econômicos
e Ambientais - 0kokrim (Noruega); o Escritório Central para a Repressão à Corrupção
(Bélgica); o Ministério Público Especial contra a Corrupção e o Crime Organizado
(Espanha); o Escritório de Prevenção e Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado
(Croácia); a Direção Nacional Anticorrupção (Romênia); o Gabinete Central de
Investigação do Ministério Público (Hungria); e a Comissão Permanente contra a Corrupção
(Malta); o Departamento de Investigações Internas na Alemanha; o Comando da Polícia
46

Metropolitana / Anticorrupção do Reino Unido; e o Serviço de Controle Interno da polícia


nacional na Albânia (OECD, 2013, p. 40).
Por fim, as instituições preventivas, que geralmente são criados para coordenar e
desenvolver as reformas e políticas anticorrupção no país, como por exemplo os conselhos
anticorrupção de alto nível no Tajiquistão, Ucrânia e Rússia; a Comissão para a Prevenção
da Corrupção (Eslovênia); a Direção de Iniciativa Anticorrupção (Montenegro); a Agência
Anticorrupção (Sérvia); o Serviço Central de Prevenção da Corrupção (França); a Comissão
de Combate à Corrupção (Azerbaijão); Agência Nacional de Integridade na Romênia; o
Escritório Nacional de Integridade na Holanda; o Escritório de Ética do Governo nos
Estados Unidos; a Comissão de Ética Oficial da Lituânia; o comissário parlamentar de
normas da Câmara dos Comuns no Reino Unido; a Alta Inspeção de Declaração e Auditoria
de Ativos na Albânia; e a Comissão Independente de Avaliação, Transparência e Integridade
na Administração Pública da Itália (OECD, 2013, p. 40-41).
Na literatura internacional, não há consenso sobre se é melhor estabelecer uma única
agência anticorrupção ou se devem ser fortalecidas as instituições existentes, já que a
estratégia deve considerar o nível de corrupção; a integridade, competência e capacidade
das instituições existentes; a ponderação entre um novo órgão versus a especialização das
instituições existentes; a estrutura legal e o sistema nacional de Justiça Criminal; e os
recursos financeiros disponíveis (OECD, 2013, p. 39-43). Os modelos de organização
também variam muito entre os Estados. Normalmente assumem a forma de comissões,
departamentos, diretorias ou promotorias, podendo ser vinculados ao Executivo, ao
Parlamento, ao Ministério Público ou a nenhuma outra instituição. Podem ter atribuições
para todo tipo de corrupção ou apenas para crimes mais graves, especiais ou praticados por
determinados funcionários de alto escalão. Além de poderes investigatórios, alguns podem
determinar a prisão, além de ter acesso direto a informações bancárias e financeiras. Quando
não vinculados ao Ministério Público, é comum a supervisão de um promotor (OECD, 2013).
Entre as agências que integram de algum modo o Ministério Público, destaca-se a
Promotoria Especial contra a Corrupção e o Crime Organizado (ACPO), criada na Espanha
em 1995. Trata-se de um escritório especializado para a investigação e o processamento de
subornos específicos e crimes relacionados à corrupção de “importância especial”
(complexidade, importância, dano, crime organizado etc.), como lavagem de dinheiro,
corrupção em transações comerciais internacionais e corrupção do setor privado. Os
promotores supervisionam as investigações ou a desempenham diretamente e conduzem
processos criminais nos tribunais. Além destes, o escritório emprega vários especialistas de
47

diferentes áreas. Difere de outros ministérios públicos por seu caráter multidisciplinar
(OECD, 2013).

Figura 4 – Fachada da Fiscalía Especial Contra la corrupción y la Criminalidad Organizada, na Espanha

Fonte: La Información (2016)

No Reino Unido, o Serviço de Fraude Grave (SFO), criado em 1988, está sob a
superintendência do Procurador-Geral e dentro do sistema de justiça criminal. Cabe-lhe
investigar e processar casos de fraude e corrupção graves ou complexas e a sua característica
distintiva é o uso de equipes multidisciplinares. A seção de pesquisa realiza varredura
proativa mediante mineração profunda na internet e cada caso é alocado a uma equipe de
advogados, investigadores financeiros, contadores especializados, especialistas em
tecnologia da informação e outras equipes de suporte (OECD, 2013).
Na Romênia, a Promotoria Nacional de Anticorrupção, mais tarde reorganizada
como Diretoria Nacional de Anticorrupção - DNA, também faz parte do Ministério Público,
anexado ao Supremo Tribunal de Cassação e Justiça, sendo composto de um escritório
central e 15 escritórios regionais. Trata-se de um serviço especializado de acusação com
mandato para investigar e processar casos de corrupção de alto e médio nível. Os
promotores realizam investigações bem como a ordem, a direção e a supervisão das
atividades de investigação conduzidas pelos policiais judiciais ligados ao DNA. A
legislação concede aos promotores e investigadores do DNA uma série de poderes especiais,
como vigilância encoberta; interceptação de comunicações; investigações secretas; acesso
a dados financeiros e sistemas de informação; e o monitoramento de transações financeiras
(OECD, 2013). Também são exemplos de agências ligadas ao Ministério Público a Diretoria
48

Anticorrupção do Azerbaijão e o Escritório para a Supressão da Corrupção e do Crime


Organizado (USKOK) da Croácia, sendo todos estes modelos muito próximos do Ministério
Público brasileiro.
Para Ferreira e Fornasier (2015, p. 1583), o mais próximo de uma agência
anticorrupção brasileira é a Controladoria-Geral da União – CGU que teria assumido um
protagonismo a propositura de novos mecanismos legislativos de controle da corrupção, a
exemplo da Lei da Transparência (Lei nº 12.846/2013) e da Lei Anticorrupção Empresarial
(Lei Federal nº 12.846/201), além de representar o governo brasileiro nos fóruns nacionais,
participando dos processos de avaliação da OEA, OCDE e ONU. Em alguns estudos
internacionais, a CGU também aparece entre as agências anticorrupção, porém como uma
instituição estatal de auditoria que contribui para a prevenção da corrupção como parte de
suas responsabilidades (OECD, 2013). Contudo, existe relativa dificuldade de caracterizar
a Controladoria enquanto agência anticorrupção, vez que lhe falta o atributo da
independência para o exercício de seu mandato, já que é parte integrante do Poder Executivo,
submete-se totalmente ao comando da Presidência da República e o cargo de diretor é de
confiança, ou seja, de livre nomeação e exoneração (FERREIRA; FORNASIER, 2015, p.
1583; NASCIMENTO, 2018, p. 89). Apesar de ter como atribuição expressa no art. 27, inc.
X, alínea “a”, da Lei nº 10.683/2003, a “ adoção das providências necessárias à defesa do
patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e combate
à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência”, nos termos da mesma
norma, possui abrangência limitada ao âmbito Federal. De mais a mais, a sua atuação repressiva
se restringe ao âmbito administrativo.
Para Nascimento (2018, p. 95-101), o Brasil teria adotado, na verdade, o modelo
multiagência, já que conta com órgãos nos diferentes níveis da federação, cujas
competências abarcam de forma difusa a função de combate à corrupção, a exemplo da
CGU, do Ministério Público, da Polícia Federal e do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras - COAF27. Com efeito, o modelo brasileiro é composto por várias agências que
desempenham determinadas atividades no enfrentamento da corrupção sendo que, além dos
já citados, podem ser mencionados também os Tribunais de Contas, a Receita Federal, o
Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional e outros. Não
à toa, com o fito de articular os referidos órgãos e desenvolver de políticas públicas, foi

27
O Coaf sofreu alterações recentes, por força da Medida Provisória nº 893/2019, sendo transformado na Unidade
de Inteligência Financeira – UIF e transferido do Ministério da Justiça para o Banco Central, o que pode ter
comprometido a sua independência.
49

criada, em 2003, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro –


ENCCLA.

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de


Dinheiro (ENCCLA), criada em 2003, é a principal rede de articulação
para o arranjo e discussões em conjunto com uma diversidade de órgãos
dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário das esferas federal e
estadual e, em alguns casos, municipal, bem como do Ministério Público
de diferentes esferas, e para a formulação de políticas públicas e soluções
voltadas ao combate àqueles crimes. O Departamento de Recuperação de
Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), vinculado à Secretaria
Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, atua
como secretaria-executiva da Enccla, por intermédio da Coordenação-
Geral de Articulação Institucional do DRCI. O trabalho é concretizado nas
chamadas Ações, as quais são elaboradas e pactuadas anualmente pelos
membros da ENCCLA. Para cada uma delas, cria-se um grupo de trabalho
composto por vários órgãos e instituições, o qual tem como mandato o
alcance de um ou mais produtos predefinidos, por meio de atividades como
realizar estudos e diagnósticos legais-normativos e de composição de
bancos de dados, elaborar propostas legislativas, averiguar o estado da arte
de sistemas de cadastros, indagar necessidades e promover soluções em TI,
buscar eficiência na geração de estatísticas e realizar eventos voltados à
evolução dos temas por meio de debates. Os grupos de trabalho costumam
reunir-se mensalmente. No cenário mundial, a ENCCLA tem cumprido
papel essencial para atender, ainda, as recomendações internacionais
(ENCCLA).

Contudo, dentre as referidas agências, o Ministério Público tem se destacado nos


últimos anos como uma instituição anticorrupção protagonista. De fato, as garantias, os
poderes, a capilaridade territorial e, principalmente, a sua independência, são características
não encontradas em outras instituições nacionais, que tem viabilizado o posicionamento
como, talvez, o principal ator e coordenador no enfrentamento a corrupção. Além disso, a
formação de grupos especiais nos Ministérios Públicos Estaduais, como o Grupo de Atuação
Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais da Bahia –
GAECO28 e do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção do Rio de Janeiro
- GAECC29 , bem como de forças tarefas, como a “Lava Jato”, tem sido uma estratégia
eficiente para garantir uma atuação especializada para o enfrentamento de crimes de média
e alta complexidade, em que pese ainda estejam concentrados nas capitais ou a casos
determinados. No mesmo sentido, segundo Ribeiro (2017, p. 70), o “MP tem se destacado
na revelação e acusação de indivíduos e empresas que operam esquemas de desvio de verbas

28
Criado pela Resolução nº 004/2006 do Colégio de Procuradores de justiça do Estado da Bahia
29
Criado pela Resolução nº 2.074/2016 da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
50

públicas, sendo reconhecido como tal pela população”. Ainda de acordo com a referida
pesquisadora, dentro do extenso rol de áreas de atuação, o combate à corrupção constitui a
atividade prioritária para os membros do Ministério Público endossando a percepção social.
Sem embargos, forçoso reconhecer que a atuação ministerial tem sido
primordialmente reativa. As ações preventivas são pontuais e independentes de uma política
anticorrupção que seja duradoura e que oriente as estratégias do futuro. No âmbito do CNMP,
o Fórum Nacional de Combate à Corrupção – FNCC parece ser uma boa iniciativa para a
alteração deste cenário. Criado em 2015, FNCC é composto por representantes de todas as
unidades do Ministério Público brasileiro e consiste em um grupo de discussão que tem por
finalidade fomentar a construção de iniciativas de prevenção e repressão da corrupção no
âmbito do Ministério Público brasileiro. Atualmente, existem 10 eixos de atuação:
transparência e lei de Acesso à informação; controle interno e profissionalização da
administração pública; campanhas educativas; capacitação para o controle social; medidas
legislativas; projetos educacionais; pesquisas e indicadores; ampliação da democratização
do Ministério Público; segurança dos membros, servidores, profissionais e ativistas com
atuação na área de combate à corrupção e transparência; e criação da rede nacional de
combate à corrupção (CNMP, 2017a). De acordo com a Portaria CNMP-PRESI n. 101/2015,
são objetivos do FNCC:

I - fomentar a integração entre os ramos e as unidades do Ministério


Público e entre estes e outros órgãos públicos e entidades da sociedade
civil essenciais à prevenção e o combate à corrupção;
II - promover estudos, coordenar atividades e sugerir políticas, normas e
padrões para o aperfeiçoamento da atuação do Ministério Público no
combate à corrupção, inclusive fomentando uma atuação extrajudicial
resolutiva e a otimização da atuação judicial;
III - estabelecer articulação institucional com outros atores do Sistema de
Justiça, órgãos de controle e gestores das políticas públicas de combate à
corrupção, a fim de buscar e consolidar informações que favoreçam a
atuação coordenada do Ministério Público, seja por meio da Estratégia
Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro
(ENCCLA), seja por outros meios;
IV - propor ao Plenário medidas normativas, ações e projetos, de âmbito
nacional ou regional, voltados à consecução de seus objetivos;
V - praticar outros atos necessários ao cumprimento do seu objetivo e
compatíveis com suas atribuições.

Ocorre que o FNCC ainda é uma iniciativa muito incipiente e sem projeção nos
Ministérios Públicos, pelo menos para fins de planejamento e direcionamento das
51

Promotorias de Justiça dos mais diversos rincões do país, de modo que a atuação do
Ministério Público tem sido basicamente reativa e desconectada de uma estratégia nacional.

2.8 A EVOLUÇÃO DA PROIBIÇÃO DA CORRUPÇÃO E DA LEGITIMIDADE DO


MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL

A atuação do Ministério Público no enfrentamento da corrupção surgiu, inicialmente,


no exercício da acusação penal. Sem embargos de um exercício mais amplo, pode-se dizer que,
em tese, desde o descobrimento do Brasil que nele vigoram normas prevendo a punição dos
atos de corrupção. Até mesmo as ordenações do reino Afonsinas (1446-1521) já traziam, no
título LI, do Segundo Livro, o crime de “peita” (equivalente ao atual tipo de corrupção passiva),
cuja sanção era apenas a devolução do triplo do valor do suborno e a privação do ofício30. Além
disso, a Constituição Imperial de 1824 dispôs sobre a responsabilização de Ministros de Estado
por traição, peita, suborno, concussão, abuso do poder, falta de observância da lei e dissipação
dos bens públicos, remetendo à lei a especificação da natureza do delito31 e à maneira de
proceder, de forma semelhante ao que viria a ser a responsabilização político-administrativa.
O Código Criminal do Império, de 16 de dezembro de 1830, também tipificou, no artigo
130, o crime de “peita”, estabelecendo, no preceito secundário, pela primeira vez, a pena de

30
Dos Thesoureiros, Almuxarifes, Recebedores d'ElRey, ou dos Iffantes, que nom levem peita por pagarem as
conthias, moradias, ou mercees, que per elles sam desembargadas.
ElRey Dom Pedro hordenou em seu tempo, que nenhu seu Thesoureiro, nem Almuxarife, nem Iffantes seus filhos
nom levem peita alguã por pagarem aos Vassallos Suas Conthias, nem a qualquer outro, por lhe pagarem sua
vestiaria, ou moradia, qu, que d’ElRey, ou dos Iffantes ha d’aver, ou outra alguã graça, ou mercee, que lhes per
ElRey, ou Iffantes seja feita; e aqueelle, que o contrário fezer, moiram porem, e perca todo o que ouver pera a
Coroa do Regno.
I A qual Ley Vista per Nós a confirmamos em aquella parte, em que defende fazerem taael cousas, por nos parecer
muito justa: e na parte da pena, achamos que era muito grande, porque poderia a peita seer tam pequena, que nom
seeria cousa justa morrer por ello, e ainda seus herdeiros per sua morte serem privados de sua herança. E por tanto
em esta parte mingando da dita pena, Mandamos que Thesoureiro, Almuxarife, Recebedor, ou qualquer outro
Official, que tenha carrego de Nós pera pagar per Nosso mandado, ou desses Iffantes assy conthias, como vestiarias,
moradias, e quaeesquer outras graças, e mercees, e pollas assy pagarem levarem peitas daquelles, que as ouverem,
logo per esse meesmo feito sejam privados dos ditos Officios, que nunca os mais ajam; e aalem desto, paguem em
tresdobro aas partes aquello, que assy for certo, que delles levaarom: e ssy mandamos, que se cumpra, e guarde
daqui em diante. (PORTUGAL, 1446)
31
Muito embora a designação “crimes de responsabilidade” remeta a uma prática criminal, a legislação brasileira
o trata como infração político-administrativo, já que não se inclui entre as suas sanções a prisão privativa de
liberdade.
52

prisão por três a nove meses, desde que o ato de ofício tivesse se efetivado3233. O tratamento
leniente com os crimes de peita somente foi alterado posteriormente, com a Lei nº 2.848/1940,
o atual Código Penal em vigor, que alterou o nomem iuris para corrupção passiva e, através do
art. 317, estabeleceu, originariamente, em seu preceito secundário, uma pena de reclusão, de 1
(um) a 8 (oito) anos, e multa.
Para Ximenes (2016), a devida normatização no combate à improbidade, no plano civil,
se iniciou com a entrada em vigor da Lei Pitombo-Godói-Ilha, Lei n° 3.164, de 1º de junho de
1957, “a qual, no entanto, somente, preceituava o sequestro e perdimento de bens em desfavor
de integrantes da Administração Direta e autarquias, copiando, quase integralmente, o teor do
artigo 141, §31 da Constituição de 1946”. Nesta lei, houve a atribuição da legitimidade da ação
civil ao Ministério Público e a qualquer pessoa do povo.
Em 29 de junho de 1965, foi editada a Lei nº 4.717, que regulamentou a ação popular,
sendo um marco fundamental ao prever a legitimidade de qualquer cidadão para pleitear a
anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio. Ao Ministério Público,
coube a função de acompanhar a ação, apressar a produção de provas, promover a
responsabilização civil e criminal pelos atos e dar continuidade ao processo diante da
desistência do autor.
Com a lei 7.347, de 24 de julho de 1985, a legislação evoluiu mais uma vez na tutela
coletiva ao disciplinar a ação civil pública, prevendo as ações de responsabilidade por danos
morais e patrimoniais causados ao meio-ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou
coletivo. A legitimidade, inicialmente, foi atribuída ao Ministério Público 34 , aos entes

32
Art. 130 - Receber dinheiro, ou outro algum donativo; ou aceitar promessa directa, e indirectamente para praticar,
ou deixar de praticar algum acto de officio contra, ou segundo a lei.
Penas - de perda do emprego com inhabilidade para outro qualquer; de multa igual ao tresdobro da peita; e de
prisão por tres a nove mezes. A pena de prisão não terá lugar, quando o acto, em vista do qual se recebeu, ou
aceitou a peita, se não tiver effectuado. (BRASIL, 1830)
33
Interessante notar que, para o crime de furto, previsto no art. 257, o mesmo código cominava uma pena muito
mais severa, de prisão com trabalho, de dois meses a quatro anos, além da multa, revelando a leniência com a
corrupção e o rigor com para com os delitos praticados por pobres e contra o patrimônio. Apesar de alguma
evolução, esse tratamento desproporcional permanece nos dias atuais.
34
O fundamento para a legitimidade do Ministério Público foi apresentado na exposição de motivos do Projeto
de Lei 4.984/1985, que se tornaria a Lei de Ação Civil Pública, nos seguintes termos: “Mas existem outros
interesses que não são individualizados, pois correspondem a um grupo, a uma comunidade ou à sociedade. Nesses
casos, não se vislumbra claramente quem é que poderia, em seu próprio nome, defender esses interesses não
individuais. Ao Ministério Público como defensor natural do interesse público deve caber, preferencialmente, a
titularidade ativa daqueles interesses não individuais, indisponíveis da sociedade, com a conseqüência de poder
provocar a atividade jurisdicional, na conformidade, aliás, da Lei Complementar n. 40, de 14 de dezembro de 1981
(Lei Orgânica do Ministério Público) que trata da ação civil pública como função institucional do Ministério
Público. Este, portanto, o suposto da sua legitimação processual”. Disponível em
http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD05MAR1985.pdf#page=71
53

federativos, à administração pública indireta e às associações nos termos da lei. Nesta época,
contudo, não houve menção expressa sobre a tutela do patrimônio público e social, que somente
foi incluído muito posteriormente. Porém, foi criado aquele que viria a ser o principal
instrumento de investigação de improbidade, o inquérito civil público, presidido
exclusivamente pelo Ministério Público.
Já a Constituição Federal de 1988, além de consolidar as ações popular e civil pública,
de reestruturar fundamentalmente o Ministério Público e de prever outros parâmetros para a
proteção da moralidade e do patrimônio público, estabeleceu a responsabilização pelo que
denominou “atos de improbidade administrativa”, determinando que importarão a suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento
ao erário, além de outras sanções previstas na lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Em 02 de junho de 1992, foi publicada a Lei nº 8.429, a famosa lei de improbidade, que
pode ser considerada um marco do combate à corrupção, prevendo medidas assecuratórias e o
processamento da responsabilização de agentes públicos e particulares que concorreram para a
prática de atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito, que causem
prejuízo ao erário ou que atentam contra os princípios da administração pública. Estabeleceu a
lei que a ação seria proposta exclusivamente pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica
interessada.
Interessante observar que a proposição originária do projeto de Lei nº 1.446/1997, que
viria a se tornar a Lei 8.429/1992, não utilizava a expressão “improbidade administrativa” e
nem mesmo atribuía expressamente a legitimidade da ação principal ao Ministério Público,
muito embora a interpretação franqueasse a essa conclusão. Já na exposição de motivos, o termo
foi mencionado uma única vez, em alusão ao mandado constitucional de tipificação e associado
ao combate à impunidade da corrupção. O Ministério Público também apareceu de forma tímida,
tão somente para promover o inquérito civil e o inquérito policial para a apuração do
enriquecimento ilícito.
54

Figura 5 – Exposição de motivos da do Projeto de Lei nº 1.446/1991

Fonte: Brasil (1991)

Em 1993, foram editadas as leis orgânicas dos Ministérios Públicos (8.625/93 e 75/93),
consagrando os vetores traçados pela Constituição, além de outros avanços que permitiram uma
atuação eficiente no enfrentamento da corrupção. Com a Lei nº 9.034/1995, houve um salto nas
possibilidades investigatórias com a regulamentação de meios operacionais e especiais para a
prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, especialmente a
colaboração premiada, que também foi posteriormente tratada nas Leis 9.080/95 e 9.807/99. A
Lei nº 9.296/1996 também trouxe importantíssimas contribuições ao disciplinar as
interceptações de comunicações telefônicas.
Em 1998, foi publicada a relevante Lei nº 9.613/98, que dispôs sobre os crimes de
"lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema
financeiro para os ilícitos; e a criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras –
COAF. Desde o início, o referido diploma normativo já previu a punição da lavagem de capitais
55

de crimes antecedentes contra a administração pública. Além disso, estabeleceu a legitimidade


do Ministério Público para requerer e supervisionar medidas investigatórias e assecuratórias.
A Lei nº 12.527/2011, que foi um grande avanço para a prevenção de atos ímprobos,
passou a regular a garantia de acesso à informação. Apesar de não estabelecer atribuições ao
Ministério Público expressamente, tipificou a violação das suas normas como ato de
improbidade administrativa, incumbindo ao Ministério Público, a um só tempo, a obrigação
pela sua implementação bem como pela responsabilização pelo descumprimento.
A Lei nº 12846/2013, de 1º de agosto de 2013, batizada como “lei anticorrupção”, dispôs
sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de
atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, também prevendo a legitimidade
ministerial. Com a Lei nº 12.850/2013, foram aperfeiçoados os meios de obtenção de provas e
investigação criminal, inclusive regulamentando a colaboração premiada que, a despeito de já
existir anteriormente, teve a sua utilização fortemente expandida como uma das mais poderosas
ferramentas de enfrentamento aos crimes graves.
Mais recentemente, a Lei nº 13.964/2019, conhecido como o pacote anticrime, trouxe
vários aperfeiçoamentos para a legislação penal e processual penal, buscando o aprimoramento
do sistema acusatório e a superação do antigo viés inquisitorial do sistema penal brasileiro.
Além disso, trouxe alguns avanços para o combate à corrupção como a possibilidade de
decretação da perda de bens incompatíveis com o rendimento lícito dos condenados bem como
de instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas ainda que não
representem perigo.
Cabe registrar que o levantamento ora exposto teve por escopo trazer os principais
marcos normativos, porém não descarta a evolução e importância de tantas outras normas que
trouxeram, ao longo da história brasileira, importantes contribuições para o combate à
corrupção, como, por exemplo, as regulamentações eleitorais e outras leis penais.
Como pode-se perceber, conquanto há muito tempo já existisse no Brasil leis
criminalizando algumas condutas corruptas, foi somente em período recente, principalmente
após Constituição Federal de 1988, que surgiram as condições para a efetiva responsabilização
dos agentes e a identificação do Ministério Público como instituição anticorrupção. Prova disto
é a discussão sobre a legitimidade do Ministério Público, ainda na atual década, representada
pela rejeição do Projeto de Emenda à Constituição, PEC nº 37/2011, pela Câmara dos
Deputados, que visava retirar o poder de investigação do Ministério Público. No plano
judicial também houve questionamentos que somente foram sepultados em 14 de maio de
2015, com o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da legitimidade do
56

Ministério Público (MP) para promover, por autoridade própria, investigações de natureza
penal35.

2.9 A TRAJETÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO NO ENFRENTAMENTO


DA CORRUPÇÃO

Conforme já foi possível antever, a história do Ministério Público associada ao


enfrentamento da corrupção é recente e surpreendente, confundindo-se com a própria
história das investigações pelo órgão. Como bem pontuado por Sadek (2009, p. 4),
“Promotores e Procuradores da República passaram a ocupar um lugar de destaque no cenário
nacional, transformando o Ministério Público em um ator político relevante. Poucas vezes —
se alguma — presenciou-se, em tão curto espaço de tempo, uma instituição sair da obscuridade
alçando-se para o centro dos refletores”.
Nos Estados, destacaram-se as investigações exitosas selecionadas pelo Conselho
Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG, 2013), entre elas, as operações Candango (MP-
DFT, 2006), Aquarela (MP-DFT, 2007), Pesca Bagre (MP-AL, 2009), Fumus (MP-AP,
2011), Corcel Negro (MP-MG e MP-BA, 2011), Zaqueu (MP-AC, 2012), Tentáculos (MP-
AC, 2012), Caça Fantasmas (MP-AC, 2012), Boa Vista dos Ramos (MP-AM, 2012), Saint
Michel (MP-DFT, 2012) e Camaro (MP-ES, 2012). No plano Federal, ganharam destaque
as investigações levadas a efeito, em parceria com a Polícia Federal, nos casos Banestado
(2003-2006), Mensalão (2005) e Lava Jato (2014 até os dias atuais), os quais ocuparam as
notícias nos últimos anos. No mesmo sentido, Sadek (2009, p. 10) pontua que:

As atuações de vários Procuradores da República na apuração de atos de


improbidade e na defesa do patrimônio público têm alcançado grande
repercussão política e judicial. Bastaria lembrar as investigações sobre o
ex-deputado federal pelo Acre, Hildebrando Pascoal; sobre o ex-ministro

35
Ao negar provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 593727, com repercussão geral reconhecida, o STF
fixou a seguinte tese: “ O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria,
e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que
assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, estritamente, por
seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de
que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei nº 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I,
II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de
Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante
14), praticados pelos membros dessa instituição
57

do Esporte e Turismo, Rafael Greca; sobre o ex-senador Luiz Estevão;


sobre doze ministros de estado que teriam se utilizado de aviões da FAB
para fins privados; sobre o ex-presidente do Banco Central, Francisco
Lopes; sobre o juiz Nicolau dos Santos Neto; sobre o ex-secretário-geral
da Presidência, Eduardo Jorge Caldas Pereira. No âmbito dos estados, essa
atuação do Ministério Público tem sido igualmente expressiva. O Rio
Grande do Sul tem se destacado neste aspecto, sobretudo devido às
respostas do Judiciário às ações propostas pelo Ministério Público. Ali, são
inúmeros os processos iniciados particularmente contra prefeitos. Dados
divulgados pela imprensa indicam que chegam a 300 os prefeitos
investigados e que 108 sofreram algum tipo de condenação.

Para Sadek (2009, p. 11), as investigações sobre improbidade administrativa têm


recebido uma atenção especial de praticamente todos os Ministérios Públicos e
“efetivamente, o controle da administração pública tem se transformado em uma atividade
praticamente geral do Ministério Público, sendo difícil distinguir, deste ponto de vista, as
diferentes instituições estaduais”. A repercussão pública dessa atuação do Ministério
Público brasileiro tem, contudo, provocado tanto aplausos como severas críticas, inclusive
internamente, com consequências no jogo político, fazendo com que legisladores e
administradores passem a ter que levar em conta a presença de mais um ator (SADEK, 2009,
p. 12).

Independentemente das críticas e dos elogios, entretanto, é inegável que a


instituição vem passando por um processo de transformação interna e
externa. Internamente os conflitos têm-se tornado públicos, mostrando o
confronto de posições antagônicas. De modo simplificado tem havido o
confronto entre defensores de uma instituição mais sujeita aos mecanismos
tradicionais de controle e os adeptos de uma instituição com vocação para
a representação dos interesses da sociedade. Este debate interno veio
claramente a público quando a subprocuradora-geral da República, Delza
Curvello, apelou para o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa
Humana, órgão do Ministério da Justiça, contra colegas, acusando-os de
falsidade ideológica. Argumenta ela que o modelo de Ministério Público
que inspira a ação de seus colegas poderá “levar uma nação ao caos”, já
que se trata de uma instituição “com tantos poderes e tão pouca consciência
das responsabilidades de que se encontra investido”. Rebatendo estas
posições sustenta-se, sobretudo, que é obrigação fundamental e dever
funcional dos integrantes do Ministério Público agir na defesa do
patrimônio público, da coletividade, uma vez que “o acompanhamento dos
atos de improbidade pela instituição não é faculdade, mas dever” [...] O
mesmo vale para o Ministério Público dos estados. Em debates tanto
internos quanto extravasados para fora dos muros da instituição é possível
distinguir ao menos duas correntes: uma que defende o avanço das
conquistas institucionais manifestas na Constituição de 1988 e outra que
vê com muito temor a politização da instituição, sua excessiva exposição
à mídia e um abandono das atividades relacionadas à ação penal,
considerada como vocação genuína da instituição (SADEK, 2009, 19)
58

Do ponto de vista externo, também é ululante o conflito entre essas duas


representações do Ministério Público, conforme Sadek (2009, p. 20-21) já expunha pelo
menos desde 2009, antes mesmo da famigerada operação Lava Jato:

Diariamente, procuradores da república, procuradores e promotores são


objeto de avaliações positivas e negativas. Assim, quer como paladinos da
moralidade e reais defensores do povo, quer como açodados e
inconsequentes, passaram a estar na berlinda. Esta posição resulta, sem
dúvida, de sua presença na vida pública e especialmente do fato de lidarem
com questões relevantes, como o são, por exemplo, o questionamento de
políticas governamentais e o controle de autoridades políticas. Governistas
e advogados têm liderado a maior parte das avaliações negativas sobre o
Ministério Público. O advogado- geral da União, Gilmar Mendes36, tem se
distinguido neste ataque, de certa forma verbalizando as principais críticas.
Empenhou-se em desqualificar o trabalho de procuradores, identificando-
os com “advogados de partidos da oposição”, “conduta patológica” (Folha
de S. Paulo, 10 / 8 / 2000), ou defensores de “posições totalitárias” (O
Estado de S. Paulo, 16 / 8/ 2000). A Associação dos Advogados de São
Paulo, por sua vez, manifestou publicamente sua crítica, afirmando que se
tem assistido, “em todo o país, ao uso desmedido e abusivo de poderes por
parte de alguns membros do Ministério Público”. Por outro lado, consoante
uma visão desfavorável ao trabalho da instituição, vêm tramitando no
Congresso Nacional algumas propostas com o claro intuito de interferir de
forma restritiva na atuação do Ministério Público: o alargamento do foro
privilegiado para autoridades públicas; a “lei da mordaça”; não
obrigatoriedade de escolha do Procurador-Geral da República recair entre
os membros da carreira. Parte considerável da mídia, partidos de oposição
e associações da sociedade civil têm salientado os ganhos advindos da
atuação do Ministério Público. Dificilmente se entenderá a derrota na
Câmara dos Deputados da proposta que ficou conhecida como a “lei da
mordaça” sem a pressão dos meios de comunicação. Some-se à apreciação
favorável de setores organizados, um crescente número de manifestações
de leitores de jornais, de ouvintes de programas de rádio, de participantes
de associações que defendem minorias, o meio ambiente, a moralidade
pública.

Interessante observar, como bem salienta Sadek (2009, p.21), que tem havido uma
visibilidade da instituição e uma redefinição da sua identidade no contexto democrático:

Em termos do aprimoramento da convivência democrática, este debate e o


confronto de posições vêm prestando uma enorme contribuição. Trata-se,
em última instância, da problematização de um tema extremamente
relevante: como compatibilizar o respeito às garantias individuais e ao
devido processo legal, de um lado, e as exigências de políticas positivas,
visando à correção de desigualdades, de outro. Qualquer avaliação sobre o
MP necessariamente reflete este choque de valores. A inegável visibilidade
da instituição e a redefinição de sua identidade acentuam os impactos
públicos da concretização desses valores. (SADEK, 2009, 20-21)

36
As críticas de Gilmar Mendes ao Ministério Público continuam até os dias atuais.
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/24/politica/1571944278_725688.html.
59

Essa redefinição da identidade, que tem provocado mudanças na atuação do


Ministério Público, possivelmente também tem relação com outros fenômenos sociais que
ocorreram no Brasil nas últimas décadas, especialmente o aparecimento do discurso e a
memória da corrupção. É esse processo de construção da identidade institucional do
Ministério Público que será investigado no próximo capítulo.
60

3 A IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO A PARTIR DO


DISCURSO DA CORRUPÇÃO

Para além da forma como o Ministério Público foi moldado normativa e organicamente,
também se desenvolveram em torno dessa instituição imagens e autoimagens institucionais que
acompanharam o surgimento do discurso e da memória brasileira da corrupção (e da sua
impunidade) e que também contribuíram para a formação da identidade institucional do
Ministério Público. Assim, neste capítulo, serão abordadas as percepções, tanto externas como
internas, bem como os processos sociais que podem tê-las influenciado.

3.1 BRASIL: UM PAÍS MARCADO PELA IMPUNIDADE DA CORRUPÇÃO

Consoante Filgueiras (2009, p. 387), a sucessão de escândalos no Brasil e a tolerância à


corrupção produzem um mal-estar coletivo que enseja a concepção de um natural
comportamento de desonestidade do brasileiro e implica nos elevados índices de desconfiança.
No mesmo sentido, desde 1940, Edwin Hardin Sutherland (2014, p. 97) já dizia que os crimes
de colarinho branco quebram a relação de confiança, gerando desconfiança, reduzindo a moral
social e produzindo desorganização social em larga escala, enquanto outros delitos produzem
pouco efeito nas instituições sociais ou na organização social.
Os Relatórios da Transparência Internacional, que tratam do nível de percepção da
corrupção no setor público, dentre 180 países avaliados, mostram que o Brasil vem, ano após
ano, piorando a sua classificação, chegando a figurar, em 2019, na 106º posição, com 35 pontos,
muito abaixo de outros países da América do Sul como o Chile (26º) e a Argentina (66º)
(TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2019). Esse foi o pior score, pelo menos desde 2012,
conforme se observa do gráfico abaixo.
61

Gráfico 1 - Níveis de percepção da corrupção


50
45
40
35
30
25
20
15
10
5
0
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
score

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor com base nos dados apresentados por Transparency International (2019)

O Ranking é constituído pelo Índice de Percepção de Corrupção – IPC que, através da


opinião de especialistas, utiliza uma escala de zero (altamente corrupto) a 100 (altamente
íntegro) (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2019). Logo, com base no referido
levantamento, pode-se dizer que existe uma percepção de que, apesar de todas os esforços que
foram feitos nos últimos anos, o Brasil continua sendo um país muito corrupto e que a corrupção
tem aumentado. O referido ranking não representa fielmente a realidade, já que está vinculado
à percepção das pessoas, que podem sentir um maior nível de corrupção em razão da memória
e da ostensividade de operações realizadas, e não propriamente pelo aumento real do fenômeno.
Os índices mencionados também podem representar o paradoxo brasileiro, identificado
por alguns autores (RAMOS; LANIADO, 2014, p. 274; e MOISÉS, 2005, p. 36), consistente
na contradição entre o maior desenvolvimento democrático e a involução de determinados
fatores sociais, a merecer estudos mais aprofundados. Ademais, pode-se levantar como hipótese,
ainda, o diferimento dos efeitos na percepção da população a espelhar sempre um recorte do
passado. De qualquer sorte, independentemente das suas razões, o fato é que este cenário de
preocupação e pessimismo com a corrupção no Brasil é confirmado por outras pesquisas. Em
2015, segundo o Datafolha, a corrupção foi considerada pela primeira vez como o maior
problema do país, inclusive à frente de saúde, desemprego educação e violência.
62

Gráfico 2 - O maior problema do País

Fonte: Datafolha (2015)

Pelo gráfico, observa-se que desde antes de 1998, a preocupação com a corrupção
apresentava níveis semelhantes a outros temas como violência, educação e desemprego e, a
partir de 2014, período coincidente com a deflagração da Operação Lava Jato, teve um aumento
exponencial. Deve-se registrar, entretanto, que, após 2017, a importância deste tema começou
a reduzir, sendo considerado o segundo principal problema (18%), ao lado do desemprego
(18%), atrás apenas de saúde (24%) (DATAFOLHA, 2017). Em 2019, continuou a tendência
de queda pelo interesse do tema, que ficou em 5º lugar (9%), atrás de saúde (18%), educação
(15%), desemprego (15%) e segurança pública (11%) (DATAFOLHA, 2019). Ainda assim, o
tema persiste apresentando grande relevância e chamando a atenção, embora existam indícios
de arrefecimento da preocupação da sociedade em relação a essa temática.
Ao estudar a eficiência do sistema judicial de combate à corrupção, a partir da
comparação dos casos identificados por comissões administrativas com os resultados do
sistema judicial para as mesmas condutas, Alencar e Gico Jr. concluíram que a eficácia do
sistema criminal (chances de condenação) é de apenas, 3,17%. No âmbito cível, apesar de haver
um número absoluto maior de ações cíveis contra servidores ímprobos, os resultados efetivos
são piores: apenas 1,59%. Mesmo combinando os dois resultados, o desempenho continua pífio,
apenas 4,76%. No final das contas, considerando que a condenação criminal não representa
necessariamente tempo de carceragem, os autores estimam que a chance de alguém ser
efetivamente preso, no Brasil, por corrupção, é próxima de zero, tornando a atividade criminosa
63

altamente lucrativa e ubíqua em nossa sociedade (ALENCAR; GICO JR., 2011, p. 88-89).
Apesar da pesquisa de Alencar e Gico Jr. serem anteriores às primeiras condenações do
Mensalão e, principalmente, à Operação Lava Jato, compreende-se que as conclusões
permanecem atuais já que, muito embora estas iniciativas demonstrem um princípio de
mudança, ainda constituem resultados ínfimos que apenas justificam a regra da impunidade
ante a amplitude do fenômeno.
No relatório analítico propositivo, sobre justiça criminal, impunidade e prescrição,
elaborado pelo CNJ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 170-171), os
pesquisadores afirmaram que, nas análises de primeira instância, foi identificado “um padrão
relativamente constante de persecução nos sistemas de justiça estudados: arquivamentos de
aproximadamente 20% e taxas de prescrição menores do que 10%”, o que supostamente
indicaria um cenário de baixa impunidade. Ocorre que, conforme consignado pelos mesmos
pesquisadores, “um outro lado que fragiliza essa interpretação é a presença significativa de
arquivamentos sem resolução de mérito”, bem como a alta duração dos processos de corrupção,
sobretudo na fase de aceite da denúncia, em virtude do próprio funcionamento do judiciário.
Mas não é só isso que infirma a hipótese de baixa impunidade levantada no relatório. É que,
para levantar dados objetivos, metodologicamente o estudo restringiu o conceito de impunidade
apenas à existência da prescrição (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 21). Com
isso, foram desconsiderados outros fatores relevantes de impunidade, como a própria imunidade
de criminosos do colarinho branco ao sistema de justiça criminal como tão bem demonstrado
por Sutherland (2014), já que parte dos delitos nem chega a ser conhecida pela Justiça e, mesmo
quando isso ocorre, não são interpretados como atos criminosos. Os indultos benevolentes
também afastam a efetiva punição de criminosos de classes mais altas. Ademais, não houve
comparação entre os resultados dos crimes do colarinho branco e aqueles relativos a outros
delitos, o que certamente evidenciaria a continuidade da forma diferenciada de tratamento entre
os respectivos grupos criminosos.
No caso Banestado, por exemplo, em um levantamento feito pela Justiça no início de
2017, dos 684 acusados, apenas sete foram presos após o fim do processo e outros seis foram
detidos depois da recente decisão do Supremo que permitiu a prisão após a condenação de
segundo grau. Assim após mais de 10 anos das acusações, apenas 1,9% dos acusados foram
presos, sendo que, de modo, em geral, somente os colaboradores foram punidos, embora
devessem estar em uma situação melhor do que os demais (DALLAGNOL, 2017). No âmbito
das cortes superiores o problema parece ser maior ainda, tanto que, após a Constituição Federal
de 1988, apesar de ter investigado mais de quinhentos, somente em 2010 o Supremo Tribunal
64

Federal condenou pela primeira vez um parlamentar37. Apenas em 2013, o ex-Deputado Federal
Natan Donadon tornou-se o primeiro congressista em exercício a ter a prisão decretada pelo
STF, após ser condenado a 13 anos, 04 meses e 10 dias por desviar cerca de R$ 8,4 milhões da
Assembleia Legislativa de Rondônia entre 1995 e 1998. Em 2016, contudo, Donadon obteve o
livramento condicional e em 2019 teve a sua pena perdoada após ser contemplado por indulto
concedido pelo ex-Presidente Michel Temer38.
Como bem pontuado por Filgueiras (2009, p. 417), apesar dos avanços na efetivação de
princípios e valores fundamentais, ainda persistem posições céticas e cínicas em relação às
instituições, resultando em uma síndrome de desconfiança e indiferença. No Ministério Público,
essa sensação de impunidade também é percebida fortemente. Dallagnol (2017) relata que, na
sua experiência como procurador da república, encontrou muitos obstáculos que quase sempre
asseguraram a impunidade em crimes do colarinho branco, entre eles, a demora, a anulação de
casos, a prescrição, as penas baixas, os indultos, o foro privilegiado, o excesso de recursos, a
ausência de criminalização do enriquecimento ilícito e a falta de instrumentos aptos a recuperar
o dinheiro desviado. Assim, conclui o autor que “o sistema é tão bem-feito para não funcionar
que a operação Lava Jato é uma exceção que confirma a regra”. Essa percepção já havia sido
externada pelo mesmo autor em 2008 quando, após uma decisão do STJ que anulou
interceptações em uma investigação do Grupo Sundown 39 , desabafou em manifesto
encaminhado à imprensa:

Quando se trata de perseguir criminosos do colarinho branco, estamos todo o


tempo lutando contra o sistema. Nós e o povo brasileiro estamos cansados de
uma Justiça Criminal que, alegando as mais variadas filigranas jurídicas – que
existem e podem ser encontradas e criadas às centenas -, não produz resultados
práticos contra criminosos ricos e poderosos (DALLAGNOL, 2017).

Portanto, pelo que se observa, enquanto espécie de crime do colarinho branco, a


corrupção no Brasil sempre passou praticamente imune ao Sistema de Justiça, causando uma
grande percepção sobre a impunidade e, por conseguinte, desconfiança sobre o padrão de
funcionamento das instituições, o que ensejou um especial interesse pelo assunto por parte de
toda a população brasileira e das suas instituições de controle, notadamente o Ministério

37
https://brasil.elpais.com/brasil/2015/08/22/politica/1440198867_786163.html
38
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/17/ex-deputado-natan-donadon-obtem-perdao-da-pena-no-
supremo-com-base-em-indulto-de-temer.ghtml
39
Segundo Dallagnol (2017), neste caso, “depois de muitas investigações e seis processos criminais que
tramitaram ao longo de duas décadas e cujas penas somadas foram superiores a 100 anos, esses dois empresários
aprenderam uma lição: vale a pena cometer crimes de colarinho branco no Brasil, pois os processos prescrevem
ou são anulados”.
65

Público. É possível que, a partir disso, também tenha se intensificado uma perspectiva de maior
policiamento das classes mais elevadas, com vistas a alterar a histórica seletividade da atuação
penal, outrora relegada aos pobres e, consequentemente, repercutindo em maior exposição
midiática.

3.2 A CONTRIBUIÇÃO DO DISCURSO E DA MEMÓRIA DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

Como visto, a partir da década de noventa, todo o mundo passou a dar maior importância
ao tema da corrupção. No Brasil, entretanto, o discurso do combate à corrupção parece ter se
intensificado ainda mais, inclusive aparecendo como pauta nas maiores manifestações de rua
da história da democracia brasileira de 1992 (caras-pintadas40), 2013 (jornadas de junho41) e de
20164243.

40
“Primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização, Fernando Collor fez um pedido simples
à população, ao se ver ameaçado pelo impeachment: como sinal de apoio, queria que todos os brasileiros fossem
às ruas no domingo, 16 de agosto de 1992, vestindo verde e amarelo. A resposta foi imediata. Milhares de
brasileiros, sobretudo jovens, pintaram o rosto e foram às ruas usando preto, pedindo seu impedimento. Era a
chamada geração dos caras-pintada, que mudou a história do País”. Disponível em: https://istoe.com.br/primeiro-
impeachment/
41
“O que começou com uma reivindicação sobre a tarifa do transporte público, em São Paulo, ganhou novas
pautas e diferentes protagonistas em outras cidades, como Brasília. [...] Em parte do país, as manifestações das
Jornadas de Junho começaram a ganhar força logo no início do mês, a partir do dia 6. Em Brasília, a movimentação
começou com quase uma semana de atraso. Três antes da tentativa de invasão no Itamaraty, em 17 de junho,
manifestantes romperam o cordão de isolamento da Polícia Militar e ocuparam a marquise do Congresso
Nacional – onde ficam as cúpulas da Câmara e do Senado. A ação, com forte simbolismo, é lembrada até hoje por
quem participou dos atos. A ocupação foi parte do protesto que reuniu 5,2 mil pessoas na Esplanada dos Ministérios.
Na época, o grupo também chegou a fechar as seis faixas do Eixo monumental. [...] Durante a onda de protestos
em Brasília, manifestantes entoaram palavras de ordem sobre temas diferentes. Entre os alvos estavam,
principalmente, a PEC 37 – que previa uma limitação no poder de investigação do Ministério Público. No mesmo
ano, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi derrubada por 430 votos a 9 (e duas abstenções). Com o
resultado, o texto – que previa competência exclusiva da polícia nessas apurações – foi arquivado. [...] Para a
doutora em políticas sociais pela Universidade de Brasília (UnB) Maria Lúcia Lopes da Silva, junho de 2013 foi
"um mês que não terminou". A professora do curso de serviço social afirma que os atos daquele momento dialogam
diretamente com a conjuntura política atual.”. Disponível em: https://g1.globo.com/df/distrito-
federal/noticia/junho-de-2013-relembre-os-atos-em-brasilia-e-veja-o-que-mudou-5-anos-depois.ghtml
42
“Em 2015, a presidente Dilma Rousseff começaria a sentir os maus agouros deixados por governos anteriores.
A população, que se encantava com o trabalho realizado pela Lava Jato, optou por ir às ruas pedir a saída oficial
da então presidente. Assim, milhões de pessoas reuniram-se por todo o território nacional encabeçadas,
principalmente, pelo Movimento Brasil Livre (MBL) e pelo slogan “Vem pra rua”. Ambos tiveram seu ápice de
fortalecimento justamente em junho de 2013 e, dois anos depois, a união da direita foi decisiva para o afastamento
de Dilma”. Disponível em: http://reporterunesp.jor.br/2019/10/29/manifestacoes-expoem-crises-e-esperancas-
desde-a-redemocratizacao/
43
Mesmo após o impedimento da Presente Dilma Rousseff os protestos continuaram em defesa da Operação Lava
Jato: “vestidos principalmente de verde e amarelo, os manifestantes defenderam, entre outros, as dez medidas
contra a corrupção propostas pelo Ministério Público Federal. Alguns seguraram faixas em defesa da operação
Lava Jato e do juiz Sérgio Moro. Os alvos principais do protesto foram os presidentes do Senado, Renan Calheiros
66

Nos jornais e nas mídias de modo geral, os graves escândalos dominaram a pauta diária
dos jornais, assumindo o formato de folhetim e revelando, como um espetáculo, as vísceras de
um sistema político marcado pela desonestidade, em nada perdendo para as maiores e mais
criativas produções hollywoodianas, que posteriormente se transformaram em livros, filmes,
documentários e séries. Com este pano de fundo, milhares de pessoas foram às ruas para se
manifestar, provocando, além do impeachment de dois Presidentes da República, uma
infinidade de reflexos normativos, jurisprudenciais, econômicos, políticos e comportamentais.
Essas cenas marcaram a memória do brasileiro e reverberam no discurso da corrupção até os
dias atuais.

Figura 6 - Manifestação pelo impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello, em 1992

Fonte: Reporter Unesp (2019)


Foto: Reprodução/Rápido no ar

(PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Renan foi criticado por tentar acelerar a aprovação
do projeto que muda a lei do abuso de autoridade, que contrariou juízes e procuradores da Operação Lava Jato, e
por ter colocado em votação 10 medidas contra a corrupção que desfiguraram o pacote original. O presidente
Michel Temer foi poupado”. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/manifestacoes-a-favor-da-lava-
jato-e-contra-a-corrupcao-ocorrem-em-todo-o-pais.ghtml
67

Figura 7 - Manifestantes invadem a área externa do Congresso Nacional, em 17 de junho de 2013, em


Brasília

Fonte: Uol (2013)

Figura 8 - Manifestação de 13 de março de 2016, na Avenida Paulista, contra a corrupção no país e em


defesa do impeachment da presidente Dilma Rousseff

Fonte: Época (2016)


Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
68

Figura 9 - Manifestantes protestam na Avenida Paulista, em 04 de dezembro de 2016, em São Paulo,


em apoio à operação Lava Jato e contra as mudanças no projeto de lei que trata das 10 medidas de
combate à corrupção

Fonte: G1 (2016)
Foto: Cris Faga/Fox Press Photo/Estadão Conteúdo

Enquanto o presente estudo ainda estava sendo realizado, a história da corrupção no


Brasil continuou a ser escrita após a eleição do Presidente Jair Bolsonaro. Os “panelaços”, que
já vinham ocorrendo frequentemente em meio à pandemia do coronavírus, voltaram a se
repetir44 após a ampla divulgação na mídia acerca do conteúdo da reunião ministerial realizada
no dia 22 de abril de 2020, no Palácio do Planalto. O acesso ao vídeo foi autorizado pelo
ministro Celso de Mello, nos autos do Inquérito 4831, instaurado a pedido do procurador-geral
da República, Augusto Aras, para apurar declarações feitas pelo ex-ministro Sérgio Moro acerca
de suposta tentativa do presidente Jair Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia
Federal45.
Os fenômenos de escândalos e de corrupção são fenômenos distintos. O escândalo
envolve os estágios de desenvolvimento, quais sejam, a revelação, a publicação, a defesa, a
dramatização, a execução (ou julgamento) e a rotulação. Já a corrupção envolve infração,

44
Conferir em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/05/22/apos-divulgacao-de-video-de-
reuniao-bolsonaro-e-alvo-de-panelacos.htm
45
Conferir em http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443959&ori=1 e
http://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr/augusto-aras-solicita-inquerito-ao-stf-para-apurar-fatos-narrados-e-
declaracoes-de-sergio-moro
69

violação de regras, convenções ou leis, mas, para ser escandalosa, precisa ser denunciada.
Assim, a articulação pública do discurso denunciatório é a condição para que uma corrupção
se transforme em um escândalo. Os escândalos redefinem as relações entre a vida pública e
a vida privada e desenrolam-se como um enredo de novela, envolvendo os sujeitos
espectadores e leitores que acompanham todas as etapas da história e deixam de ser
discursivizados quando não despertam mais interesse público (FONSECA-SILVA, 2009, p.
9).
Fonseca-Silva (2009, p. 2-3) estudou a discursividade sobre a corrupção através das
capas da revista Veja, lançada em 1968, pela Editora Abril, e descobriu que, no período de
março de 1974 a agosto 1989, a publicação dedicou cento e quinze (115) capas à política
no Brasil, sendo 25 (22%) relacionadas a escândalos e corrupção e 90 (78%) a outros temas
sobre política e economia. Já no período de setembro de 1989 a julho de 2008, a mesma
revista dedicou duzentos e trinta (230) capas à política no Brasil, das quais 46 (20%) diziam
respeito às campanhas eleitorais, 127 (55%) se referiam a escândalos e corrupção, e 57
(25%) a outros temas sobre política e economia. Por outro lado, a mesma pesquisa
(FONSECA-SILVA, 2009, p. 2-3) identificou que, no processo de abertura política (1974 a
1990), houve vinte e cinco (25) casos de escândalos e corrupção: 9 (36%) no Governo
Geisel; 10 (40%) no Governo Figueiredo; 6 (24%) no governo de transição de Governo
Sarney; enquanto que, no período da chamada nova democracia brasileira (1990 a 2008),
houve duzentos e cinco escândalos e corrupção: 19 (9%) no Governo Collor; 31 (15%) no
Governo Itamar; quarenta e seis 46 (22%) casos nos Governos FHC; e 109 (54%) nos
Governos Lula. Ao final, Fonseca-Silva (2009, p. 10) concluiu que:

Se compararmos os diferentes sistemas de governo, observaremos que a


memória discursiva - como condição do legível em relação ao próprio legível,
como espaço móvel, de retomadas, deslocamentos, conflitos, desdobramentos
e de contradiscursos, no sentido de Pêcheux (1983a; 1983b) - irrompe
reatualizando os sentidos sobre a corrupção. Na tirania e na monarquia,
corrupção estava associada a alguma forma de traição à pátria, como nos
desvios de conduta sexuais e na acusação de mulheres que, quando assumiam
papéis fora daquilo que a sociedade lhes passava como expectativa de boa
conduta, eram consideradas corruptas. Do modo como a compreendemos, no
entanto, corrupção é um fenômeno da moderna República que pauta-se, de um
lado, no sentimento de tolerância à diversidade; e, de outro lado, na
supremacia da sobrevivência individual (busca do dinheiro) em relação ao
espaço coletivo (mundo do afeto). Os escândalos políticos ganham destaque
na democracia por esta ser um regime político em que os conflitos e atritos
políticos se presentificam e, por isso, tornam-se mais visíveis. Nem todos os
escândalos, como já salientamos, são discursivizados e espetacularizados na e
70

pela mídia, a exemplo de Veja. A corrupção política só é espetacularizada e


visualizada quando vira escândalo na mídia. (Fonseca-Silva, 2009, p. 10)

Segundo, Fonseca-Silva (2009, p. 2), a espetacularização midiática da política no


Brasil acentuou-se nos anos 90 e isso se deu com a encenação discursiva da corrupção
ocupando a agenda pública no Brasil, movimento este também percebido em países do
chamado primeiro mundo.

O espetáculo, no sentido de Debord (1967), apresenta-se ao mesmo tempo


como a própria sociedade, como parte da sociedade e como instrumento de
unificação. Antes da existência de uma sociedade ambientada pela mídia,
tinha sua produção associada quase sempre à política e/ou à religião. Na
modernidade, passou a ser produzido com inscrição nos campos cultural
e/ou da mídia, assimilada como momento do movimento de autonomização
de esferas sociais. Na contemporaneidade, as mídias tornaram-se o lugar
primordial de fabricação do espetacular e, em consequência, a relação entre
mídia e espetáculo recobre, como programação, a fabricação e veiculação
de espetáculos políticos, entre outros. (Fonseca-Silva, 2009, p. 1)

Com forte nos dados coletados na pesquisa de Fonseca-Silva, é fácil perceber como
houve uma escalada intensa nos escândalos de corrupção discursivizados e na sua
espetacularização, representando, claramente, uma função exponencial. Basta ver, por
exemplo, com forte nos dados retro mencionados, que, enquanto, no período de 1974 e
1990, houve 25 escândalos de corrupção, equivalentes ao mesmo número capas da revista
Veja, entre 1990 e 2008, foram identificados 205 escândalos de corrupção, que renderam
230 capas do periódico. O gráfico abaixo ilustra melhor esse crescimento, tanto dos
escândalos como das capas, valendo notar que no Governo de Collor houve uma saturação
da discursivização, enquanto, nos demais, ocorreu pouca publicidade. Em todos os casos,
contudo, nota-se uma correspondência muito próxima entre os escândalos e a
espetacularização.
71

Gráfico 3 - Capas Veja x Escândalos de Corrupção


120

100

80

60

40

20

0
Governo Governo Governo Governo Governo Governos Governos
Geisel Figueiredo Sarney Collor Itamar FHC Lula
(março de (abril de (abril de (março de (outubro (janeiro de (janeiro de
1974 – 1979 – 1985 – 1990 - de 1992 – 1995 – 2003 até
março de março de fevereiro setembro dezembro dezembro julho de
1979)5 1985) 5 de 1990) 5 de 1992) 1 de1994) 1 de2002) 8 2008) 5
anos anos anos ano e 9 ano e 3 anos anos e 3
meses meses meses

Capas de Veja Escândalos de corrupção

Fonte: Gráfico elaborado pelo autor com base nos dados apresentados por Fonseca-Silva (2009, p. 4-
5)

Muito embora os estudos de Fonseca-Silva não tenham abrangido o período entre


2008 e os dias atuais, os eventos políticos que se sucederam, como visto anteriormente,
demonstram facilmente que esse movimento continuou crescente, com a descoberta de
muitos casos de corrupção e a sua extraordinária espetacularização. Assim, permanecem
perfeitamente válidas as conclusões de Fonseca-Silva (2009, p. 10) quando pontua que as
cenas de corrupção foram instaladas na memória coletiva em razão da repetição e pela
espetacularização da mídia, asseverando que:

No que tange escândalos e corrupção discursivizados em Veja: a) o Governo


Geisel, o Governo Figueiredo, o Governo Sarney, o Governo Collor, o
Governo Itamar, os Governos FHC e os Governos Lula foram afetados por
crimes de corrupção, desde obtenção e doação de favores como acesso
privilegiado a bens ou serviços públicos até pagamento superfaturado de obras
e serviços públicos para empresas privadas em troca do retorno de um
percentual do pagamento para o governante ou para o funcionário público que
determinou o pagamento; b) as cenas de corrupção política nesses governos
foram validadas, ou seja, foram instaladas na memória coletiva pela repetição,
pelo retorno e pela espetacularização na mídia; c) as cenas de corrupção
validadas na mídia ocorreram tanto na esfera privada quanto na pública –
72

burocrática e política; d) as relações de poder no Brasil, demarcadas pelas


cenas validadas de escândalos, indicam apagamento das fronteiras entre as
esferas públicas e privadas; e) a erupção dos acontecimentos discursivos, no
sentido de Pêcheux (1983a; 1983b), relacionados à corrupção, mostram que a
mídia, a exemplo da revista Veja, têm “lugar de falar”, poder de “falar” e de
“sugerir” onde e o que olhar, o que ler e como interpretar. (FONSECA-SILVA,
2009, p. 10)

Para Fonseca-Silva (2009, p. 1), na atualidade, a mídia pode ser definida como um
“lugar de memória discursiva e como instrumento de espetacularização da vida, do corpo,
do cotidiano e, no tocante a este trabalho, da política”. Interessa, portanto, investigar como
a memória reatualiza os sentidos sobre a corrupção, influenciando o pensamento coletivo, os
movimentos sociais e as instituições em determinado tempo e espaço.
Fonseca-Silva e Fonseca-Nunes (2015, p. 3) estudaram o campo discursivo sobre os
julgamentos político e jurídico do caso Collor e do Caso mensalão através do levantamento
das petições iniciais e das decisões do STF prolatadas durante o julgamento das Ações
Penais n°s 307/1994 e 470/2007 e dos processos de Impeachment, selecionando quatro
conjuntos de sequências discursivas: a) sequências discursivas sobre o julgamento político
do caso Collor; b) sequências discursivas sobre o julgamento jurídico do caso Collor; c)
sequências discursivas sobre o julgamento político do caso Mensalão; d) sequências
discursivas sobre o julgamento jurídico do caso Mensalão. Segundo os referidos
pesquisadores (FONSECA-SILVA; FONSECA-NUNES; 2015, p. 4), o desenvolvimento
temporal de um escândalo de corrupção, que se desenrola como um enredo de novela,
depende de outras instituições, entre elas a Justiça, as instituições políticas e até policiais.
Porém, no período de redemocratização, vivenciamos um excesso de memória sobre a
corrupção política no país, tendo a mídia funcionado como um lugar de memória discursiva,
na luta contra o esquecimento de crimes de corrupção política, indicando as condições e
regras que devem vigorar na sociedade e os fatores determinantes de governabilidade.
Assim, concluem que:

Os resultados indicaram que, no funcionamento discursivo dos


julgamentos tanto político quanto jurídico dos dois casos, embora divergentes,
podem ser identificados efeitos-sentido de uso, de abuso e de dever de
memória, que é um dever de fazer justiça pela lembrança do outro, como luta
para não esquecer; e efeitos-sentido de dever de justiça, que implica
responsabilizar e imputar ao autor de ação danosa a obrigação de reparar,
indenizar e sofrer uma pena pelos efeitos de suas ações sobre o outro. O efeito-
sentido de dever de memória é atravessado pelo efeito de memória manipulada,
que é um abuso do esquecimento, pelo próprio caráter seletivo da memória,
na demanda de justiça. No efeito-sentido de abuso do dever de memória, há
73

memória de menos e memória de mais. A memória, assim, é organizadora do


esquecimento passivo, considerado como a forma patológica de esquecimento,
e do esquecimento ativo, constituído pelas relações sociais que são marcadas
pela ideologia, políticas e relações de poder. (FONSECA-SILVA;
FONSECA-NUNES; 2015, p. 4)

Fonseca-Silva e Fonseca-Nunes (2015, p. 5-6) alertam que, nos efeitos-sentido de


abusos de memória, pode haver a manipulação e instrumentalização do seu uso através de
estratégias de supressão e acentuação de fatos e protagonistas ou mudanças dos contornos
da ação, surgindo o perigo no manejo da história autorizada através de uma narrativa
canônica por meio da intimidação, sedução, medo ou maneira de vangloriar. Assim,
observa-se que, sobretudo após a redemocratização, foi gerado um excesso de memória em
relação à corrupção política. Apesar da atuação órgãos oficiais de Justiça terem contribuído
para tanto, a espetacularização influenciou decisivamente para evitar o esquecimento e para
determinar as compreensões e maneiras de viver de toda a nação, refletindo tanto nas
pessoas como nas instituições. Pelo mesmo processo, restou fixada a memória da
impunidade no combate à corrupção.
Consequentemente, acentuaram-se as cobranças da sociedade e da mídia em relação
ao combate da corrupção, as quais foram percebidas pelos membros do Ministério Público
como uma exigência dirigida à sua atuação. Oliveira Júnior (2019, p. 1055) explica que “a
exposição excessiva e contínua pode pressionar as agências anticorrupção a concentrar seus
esforços e recursos em medidas de investigação, visto que essas produzem resultados com
maior velocidade”. Essa percepção de cobrança pode ser encontrada, por exemplo, nas
confidências do ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, quando narra os bastidores
que precederam a criação da força-tarefa Lava Jato:

Em 2013, quando fui escolhido procurador-geral, o debate sobre a corrupção


já permeava a vida pública brasileira. Em qualquer evento público, sempre
aparecia um jornalista com perguntas sobre corrupção. Suponho que fosse
reverberação do julgamento do mensalão. Transmitido pela TV, o julgamento
ajudou a popularizar as discussões sobre desvios de conduta. No país do
futebol, nossos milhões de técnicos estavam cedendo a vez a milhões de
implacáveis juízes do dinheiro público. Então, a força tarefa, embora uma
novidade, casava com a proposta de melhorar nossa fiscalização contra os
desvios de dinheiro público (JANOT, 2019).

Em certa medida, essa cobrança foi dirigida ao Ministério Público em virtude da


imagem institucional positiva e associada ao enfrentamento da corrupção, que será abordada
no próximo tópico.
74

3.3 A IMAGEM INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Paralelamente à formação do discurso e da memória da corrupção e também em virtude


deste fenômeno, a sociedade desenvolveu uma imagem institucional positiva do Ministério
Público e uma forte a associação da instituição ao combate à corrupção. De acordo com a
pesquisa de satisfação e imagem realizada em 2017 pelo Conselho Nacional do Ministério
Público, a importância do Ministério Público para a população aumentou de 84% para 91,6%,
em comparação com outra pesquisa realizada em 2014 pelo mesmo órgão. No que concerne à
confiança, os resultados demonstram que houve um aumento significativo no indicador,
subindo de 55,1% para 72,9%. Quanto à avaliação do trabalho das instituições, o número de
brasileiros que responderam “ótimo” e “bom” em relação ao Ministério Público cresceu de
39,5% para 53,7% (CNMP, 2017).

Gráfico 4 – Resumo da imagem das instituições no ano de 2017 segundo a população

Fonte: CNMP (2017)

Os pesquisadores também perguntaram aos cidadãos quais problemas sociais, com base
em uma lista com onze itens, deveriam ser resolvidos primeiro, sendo destacado o “combate à
corrupção”, escolhido por 25,1%. O “direito à saúde” e o “direito à educação”, apareceram, em
seguida, com 21,5% e 14,6%, respectivamente (CNMP, 2017).
75

Gráfico 5 – Prioridades de solução de problemas sociais segundo a população brasileira

Fonte: CNMP (2017)

Os resultados revelam, ainda, que, entre os temas previamente listados, 36% dos
respondentes disseram que o Ministério Público deve dar mais atenção ao “combate à
corrupção”. Em segundo e terceiro lugares apareceram o “combate aos crimes em geral”, com
16,3%, e o “acesso aos serviços públicos essenciais”, com 13,4%. Além disso, 59,4% disseram
perceber a atuação da instituição no “combate à corrupção”, 56,1% no combate “ao crime em
geral” e 55,9% na “fiscalização do cumprimento da lei”.
Interessante notar que “corrupção” foi a segunda palavra mais associada ao Ministério
Público espontaneamente (10,5%), logo após para a palavra justiça (13,0%) (CNMP, 2017).

Figura 10 – Palavras associadas espontaneamente ao Ministério Público segundo a população

Fonte: CNMP (2017)


76

Comporta pontuar que o aumento da associação do Ministério Público ao combate à


corrupção e ao aumento da transparência já havia sido percebido na pesquisa de 2014 em
comparação com a primeira pesquisa de satisfação e imagem do CNMP (2018). Ou seja, antes
da Lava Jato obter a notoriedade que veio a alcançar posteriormente. Para Lemgruber et al
(2016, p. 12), pelo fato de o Ministério Público figurar sempre no terceiro lugar, num ranking
de entidades mais confiáveis, “parece razoável supor que parte dessa confiança se associe à
imagem do Ministério Público como defensor da ordem e da moralidade, garantidor da punição
de corruptos e criminosos”. Portanto, os dados revelam uma inusitada contradição na medida
em que, apesar da população não conhecer suficientemente o órgão, muitas vezes até
confundindo-o com outras instituições como a Defensoria Pública, verifica-se que, de fato, foi
incutida na mente do brasileiro, a imagem institucional do Ministério Público como um órgão
importante, confiável e destinada especialmente ao combate à corrupção.
Segundo Sousa (2006, p. 181-183) a imagem institucional é uma espécie de imagem
corporativa, caracterizada por não considerar o aspecto da marca. Citando Villanfañe, a referida
autora define a imagem corporativa como a “integração na mente de seus públicos de todos os
inputs emitidos por uma empresa em sua relação ordinária com eles”. Em três dimensões não
fixas, a imagem expressa uma subjetividade, assinala uma realidade ou comunica uma
mensagem, correspondendo a uma atitude do espectador da imagem e constituindo um código
formal comum tanto ao emissor como ao receptor. As referidas dimensões são explicadas pela
professora do seguinte modo:

A subjetividade é responsável pela possibilidade de diferentes percepções da


mesma imagem por diferentes pessoas num dado momento. As referências
culturais, contexto histórico e geográfico e o conhecimento adquirido são
determinantes na percepção individual, na leitura, que cada indivíduo se
permite fazer desta ou daquela organização. Em que pesem as dimensões da
realidade, ou seja, os fatos, os dados, a essência do que a organização é; e da
comunicação, em que a mensagem é comunicada ao sujeito público,
interlocutor num processo dinâmico; a subjetividade dos públicos é relevante
na formação dessas imagens. A comunicação vai exercer o papel de mediador
entre a realidade da organização e a subjetividade dos públicos (SOUSA,
2006, p. 180-181)

Gareth Morgan (apud SOUZA, 2006, p. 181) constata a viabilidade da sobreposição das
imagens organizacionais a partir de um elenco de metáforas e conclui que qualquer análise
organizacional deve partir do pressuposto de que as organizações podem ser muitas ao mesmo
tempo. Para Souza (2006, p. 182), a partir do contexto social-econômico-político-cultural em
que se insere a organização e os indivíduos, a imagem pode ser vista de várias formas, entretanto
77

a imagem de uma entidade poderia ser aferida a partir do resultado do balanço entre as
percepções que a organização representa para os seus diversos públicos.
No âmbito da sociologia, a imagem pode ser correlacionada com a representação social,
importando em um ganho teórico à compreensão da formação das diversas imagens
institucionais a partir de uma perspectiva dinâmica das mais variadas possibilidades de atuação
do Ministério Público, conforme o contexto funcional, territorial, político etc. Em Goffman
(2002, p. 29), o termo “representação” é utilizado para referir a “toda atividade de um indivíduo
que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular
de observadores e que tem sobre estes alguma influência”. Segundo o autor:

Quando um indivíduo desempenha um papel, implicitamente solicita de seus


observadores que levem a sério a impressão sustenta perante eles. Pede-lhes
para acreditarem que o personagem que vêem no momento possui os atributos
que aparenta possui, que o papel que representa terá as consequências
implicitamente pretendidas por ele e que, de um modo geral, as coisas são o
que parecem ser. Concordando com isso, há o ponto de vista popular de que o
indivíduos faz sua representação e dá seu espetáculo ‘para benefício de
outros’. (GOFFMAN, 2002, p.25)

A imagem também se relaciona com autoimagem e com a própria identidade


institucional. Segundo Villafañe (apud SOUSA, 2006, p. 183) a imagem corporativa derivaria
da “síntese da identidade da organização manifestada a partir de seu comportamento, sua
cultura, e sua personalidade corporativas, os quais projetam uma imagem funcional, interna
(autoimagem) e intencional respectivamente e constroem na mente de seus públicos essa gestalt
que é o que denomino de ‘imagem corporativa’”. Assim sendo, diante da possibilidade do
exercício de várias representações, interessa ao presente estudo verificar se há correspondência
entre as imagens, a autoimagem e a identidade do Ministério Público no que tange
especificamente o enfrentamento da corrupção.

3.4 A AUTOIMAGEM DO MINISTÉRIO PÚBLICO E A PREFERÊNCIA TEMÁTICA PELA


CORRUPÇÃO

Em 2010 e 2017, foram realizadas duas pesquisas fundamentais acerca da percepção


dos membros do Ministério Público. A primeira, denominada “Ministério Público Federal e a
Administração da Justiça no Brasil”, foi realizada pelas pesquisadoras Ela Wiecko de Castilho
78

e Maria Tereza Sadek, junto a integrantes da ativa do Ministério Público Federal, com base em
dados coletados em julho de 1997 (CASTILHO; SADEK, 2010). Já segunda pesquisa,
“Ministério Público: Guardião da Democracia Brasileira?” foi realizada pelo Centro de Estudos
de Segurança e Cidadania – CESeC, sob a coordenação das Professoras Julita Lemgruber e
Ludmila Ribeiro, e consistiu, sobretudo, na aplicação de um questionário a uma amostra
representativa de promotores e procuradores dos MPs federal e estaduais de todo o país, entre
fevereiro de 2015 a fevereiro de 2016 (LEMGRUBER et al, 2016). A partir desse último,
também foi escrito o trabalho “Ministério Público: Velha instituição com novas funções?”, da
Professora Ludmila Ribeiro (RIBEIRO, 2017), cujos resultados também trouxeram grandes
contribuições. As pesquisas revelam as percepções do Ministério Público brasileiro em épocas
diferentes, separadas por quase 20 anos. Além disso, a segunda pesquisa é mais ampla, já que
abrangeu promotores e procuradores do Ministério Público Federal e dos Ministérios Públicos
estaduais de todo o país, enquanto a primeira pesquisa somente foi realizada no âmbito federal.
As pesquisas não são estritamente comparáveis, porém muitos dos dados podem ser cotejados
tanto em relação ao tempo como em relação ao perfil do Ministério Público, seja do ponto de
vista federal ou nacional.
Conforme a pesquisa de Lemgruber et al (2016, p. 18), o Ministério Público brasileiro
é composto sobretudo por homens (70%). A idade dos entrevistados varia de 27 a 71 anos, com
média e mediana de 43, tanto entre homens como entre mulheres. Em relação ao levantamento
de Sadek (1997), que registrou média de 33 anos, os promotores e procuradores brasileiros
parecem ter envelhecido. Na esmagadora maioria (93,4%), os membros ingressaram na carreira
depois de promulgada a Constituição Federal de 1988. Há diferenças significativas no perfil
etário dos membros que trabalham no interior e nas regiões metropolitanas, sendo os primeiros
mais jovens que os segundos (médias 39 e 45 anos, respectivamente), o que se explica em boa
parte pela forma como a carreira está estruturada. Dos membros do MP que preencheram o
questionário, 50% trabalhavam no interior e 50% nas capitais e regiões metropolitanas; cerca
de 88% eram promotores e 12%, procuradores. Entre os procuradores abrangidos pela pesquisa
do CESeC, a média de idade era de 50 anos.
Na mesma pesquisa, quanto aos motivos pelos quais escolheram o concurso do MP,
promotores e procuradores apontaram a realização da justiça em primeiro lugar, com 98% de
respostas. A estabilidade no cargo foi o segundo mais citado, com 92% de respostas, seguido
da atuação no combate à criminalidade, que teve 75% de respostas. Remuneração (74%);
proteção da população de baixa renda (64%) e prestígio/reconhecimento (44%) são outros
motivos para a opção pela instituição (LEMGRUBER et al, 2016, p. 19). De acordo com
79

Lemgruber et al (2016, p. 19) “o que essas respostas não permitem saber é de que modo(s) foi
interpretada a expressão realização de justiça: se como defesa de amplos direitos da população,
para promover justiça social, ou sobretudo como denúncia de pessoas indiciadas por crimes”.
Sob a análise das referidas autoras, “considerando que atuação no combate à criminalidade teve
75% de respostas, a última leitura parece fazer mais sentido; entretanto, embora inferior a esse,
é alto também o percentual dos que marcaram proteção da população de baixa renda (64%)
entre os cinco principais motivos de opção pela carreira no MP”.
Neste cenário, diante de tantas atribuições, chama a atenção como o Ministério Público
desenvolveu especial interesse pelo enfrentamento da corrupção. Lemgruber et al (2016, p. 29-
30) revelam, no ano de 2016, 2/3 dos membros do Ministério Público de todo o Brasil
identificou o combate à corrupção como a área de atuação considerada prioritária em seus
respectivos órgãos.

Perguntou-se aos membros do MP que áreas de atuação consideravam


prioritárias nos seus respectivos órgãos. As respostas a partir de 21 temas
previamente listados e um campo aberto, permitem evidenciar certa
convergência com as temáticas levantadas pela pesquisa nos sites e também
certa sintonia entre a percepção dos membros do órgão e aquela expressa por
parte da população brasileira nas manifestações de 2013. Combate à corrupção,
tema mais frequente, aparece em quase 2/3 das respostas, o que em alguma
medida pode refletir o momento político vivido pelo país, com o Ministério
Público destacando-se na acusação de agentes estatais e empresariais
implicados em esquemas de desvio de verbas públicas. Vale notar, porém, que
o estudo de Sadek (1997, 1998) já identificava esse tema como uma das linhas-
mestras da atuação do MP quase 20 anos atrás. Em segundo lugar, figura
investigação criminal, com quase metade das respostas, uma atribuição que,
como já dito, foi alvo da PEC 37/2011 e de protestos populares contra a
redução da autoridade investigatória do MP. (LEMGRUBER et al., 2016, p.
29-30)

Em trabalho realizado no âmbito do mesmo grupo, Ribeiro (2017, p. 70) explica que
embora nem todas as atribuições sejam realizadas a contento, o combate à corrupção é o tema
prioritário para 62% dos membros do Ministério Público.

Se a CR/1988 significou para o MP “uma espécie de certidão de


(re)nascimento Institucional, suficiente para habilitá-lo a ultrapassar suas
funções tradicionais e reforçar sua responsabilidade pela defesa dos direitos
coletivos e sociais” (Arantes, 1999: 87), na visão dos entrevistados nem todas
as atividades são executadas a contento, sendo que as tradicionalmente
associadas a defesa do Estado preponderam em relação aquelas qualificadas
como defesa da sociedade. Para entender quais são as prioridades
institucionais, pedimos aos entrevistados para apontá-las a partir de uma lista
de 24 itens. A categoria mais mencionada pelos respondentes foi o combate a
80

corrupção (67%), o que pode ser decorrente do próprio momento político


vivido pelo país, com a visibilidade da Operação Lava Jato, que segundo o
site do MPF e ‘a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que
o Brasil já teve’. O MP tem se destacado na revelação e acusação de
Indivíduos e empresas que operaram esquemas de desvios de verbas públicas,
sendo reconhecido como tal pela população. Os entrevistados parecem
endossar, ao seu turno, essa percepção social, enumerando a corrupção como
a primeira da lista de áreas prioritárias. (RIBEIRO, 2017, p. 70)

Segundo Ribeiro (2017, p. 71), a segunda temática com maior quantidade de menções
foi a investigação criminal (49%), o que, para a referida Professora, era de se esperar um número
maior, já que era o objeto da discussão ao derredor da PEC 37, bem como em razão da atividade
de acusação do MP se basear nas provas coletadas ao longo da investigação. O resultado é
interessante na medida em que destaca o enfrentamento da corrupção, dentre tantas outras
atribuições igualmente relevantes, como a prioridade que une os membros sob a perspectiva de
uma instituição.

Tabela 1 - Áreas prioritárias de atuação no Ministério Público em que o entrevistado trabalha


Área Prioridade para %

Combate a corrupção (defesa do patrimônio público, improbidade administrativa) 62

Investigação criminal 49

Defesa dos direitos da criança e adolescente (em geral) 47

Meio ambiente 45

Serviços de relevância pública (saúde, educação, etc.) 40

Júri 29

Fiscal da lei (custos legis) 24

Defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de risco 20

Defesa dos direitos de mulheres vítimas de violência doméstica/familiar 19

Defesa do consumidor e ordem econômica 18

Execução penal (cumprimento de penas e medidas alternativas) 15

Eleitoral 15

Fonte: Ribeiro (2017, p. 70).

É surpreendente notar que estes dados corroboram os estudos de Castilho e Sadek


(2010) que, com base em pesquisa realizada pelo IDESP, em 1997, chegaram aos seguintes
resultados:
81

Tabela 2 - Áreas de prioridade nos últimos 2 e nos próximos 2 anos (em %)


Prioridade
Áreas
Últimos 2 anos Próximos dois anos

SIM NÃO SIM NÃO

Crime 70,0 21,0 58,5 24,0

Fiscal da lei (custos legis) 49,0 34,0 42,5 35,5

Patrimônio público e social 40,0 41,0 62,5 19,5

Controle da administração pública 40,0 43,0 67,0 19,0


(improbidade administrativa)

Meio ambiente 32,5 49,5 52,0 28,5

Serviços de relevância pública (saúde, 33,0 49,0 58,0 24,0


educação, lazer, segurança etc.)

Controle externo da atividade policial 28,5 53,5 44,5 33,0

Consumidor e ordem econômica 22,0 58,5 49,0 30,0

Patrimônio histórico e cultural 21,5 57,5 41,0 37,5

Comunidades indígenas 18,5 40,0 24,0 32,5

Política fundiária e Reforma Agrária 17,0 40,0 27,0 28,5

Minorias étnicas 17,0 62,5 37,0 44,0

Criança e adolescente 12,0 67,5 29,5 49,0

Pessoas portadoras de deficiências 12,0 68,0 33,5 46,5

Idosos 8,5 69,5 30,5 47,5

Fonte: Castilho e Sadek (2010, p. 39).

Como se percebe, em 1997, existia uma tendência de alteração das prioridades do


Ministério Público para o controle da administração pública, o que de fato ocorreu
posteriormente, pelo menos no cenário nacional.
Segundo a pesquisa de Lemgruber et al (2016, p. 33), que visava mapear as temáticas
que tem demandado maior esforço institucional entre as 29 áreas, a promoção da ação penal
pública incondicionada foi a que recebeu melhor avaliação, com 80,3% de ótima ou boa.
Em seguida aparecem: representação ante a pratica de ato infracional (76%); fiscalização
do processo eleitoral (74,4%); atendimento ao público (73,3%); defesa de crianças e
adolescentes (71,9%); proteção do meio ambiente (68,2%); Fiscalização do cumprimento
82

da lei (custos legis) (67,7%); e defesa do consumidor (65,9%). O Combate à improbidade,


apesar de ter sido considerado a maior prioridade na mesma pesquisa, somente apareceu na
9ª posição com 68% de aprovação. De outro lado, o controle externo da atividade policial
teve a pior avaliação tanto de bom + ótima (20,9%) como de ruim + péssima (42,4%) entre
as áreas de atuação.
Na pesquisa de Castilho e Sadek (2010), vinte anos antes, a promoção da ação penal
pública (71%) também obteve a melhor avaliação de ótimo e bom, em contraste com o
controle externo da atividade policial, com apenas 8,5% positiva e 53%. Registre-se,
contudo, que, neste trabalho, as áreas de atuação foram divididas em dois grupos, sendo um
deles restritos às matérias relativas aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Neste último grupo de áreas de atuação, o “controle da administração pública (improbidade
administrativa)” foi considerado como o terceiro melhor desempenho nos últimos 10 anos
(1988-1997), atrás de meio ambiente (com 55% de “ótimo” e “bom”) e patrimônio público
e social (com 51,5% de “ótimo” e “bom”). (CASTILHO E SADEK, 2010. p. 26). Assim,
não foi possível avaliar se, de fato, o combate à corrupção na época era, de fato, bem
avaliado em comparação com todas as áreas de atuação, sendo mais provável que não, haja
vista os resultados apresentados na pesquisa de 2016.
Na pesquisa de Lemgruber e outras (2016, p. 36), como obstáculos à atuação, os
membros do Ministério Público indicaram as dificuldades na realização de perícias (94,5%),
morosidade da justiça (94%), falta de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa
(92,9%), instrução deficiente dos inquéritos policiais (91,3); investidas contra o poder
investigativo do MP (88%); despreparo/desconhecimento por parte do poder judiciário
(80,5%); dificuldades de obter de provas com autorização judicial (79,2%); falta de atuação
regionalizada do MP (78,8%); excesso de meios recursais (76,1%); falta de garantia de
segurança pessoal para o promotor (73,9%); e insuficiência dos instrumentos processuais
(61,6%). Segundo as autoras (LEMBRUBER et al, 2016, p. 36), as barreiras consideradas
significativas referem-se, via de regra, a fatores externos à atuação do órgão, oriundos da
legislação, do Poder Judiciário ou da Polícia, confirmando uma tendência de encontrar os
problemas em outros agentes, conforme constatado por estudos realizados no final dos anos
1990, como nas pesquisas de Sadek (1998) e Arantes (1999).
Conforme identificado por Castilho e Sadek (2010), segundo a opinião dos próprios
membros, o Ministério Público Federal – 1º grau destacou-se na avaliação de desempenho
dos diversos órgãos e poderes nos últimos 12 meses anteriores à pesquisa, aparecendo com
65% de ótimo e bom. O Ministério Público Estadual também foi bem avaliado
83

positivamente, com o terceiro melhor desempenho (43,5%), bem próximo do Supremo


Tribunal Federal (46,5%). Somente após a Justiça Federal – 1ª Instância (36,5%) e o
Superior Tribunal de Justiça (36%), aparecem o Ministério Público Federal – 2º grau (35%)
e o Ministério Público Federal – tribunais superiores (32%). As piores avaliações foram da
Advocacia Geral da União (9%), do Tribunal de Contas da União (8%), do Governo Federal
(4%) e do Congresso Nacional (2,5%)46 . Não houve análise semelhante na pesquisa de
Lemgruber et al (2016).
Segundo Ribeiro (2017, p. 66), a afirmação “o Ministério Público e socialmente
engajado” teria contado com a aprovação total ou parcial de 75,7% dos entrevistados, o que
“confirma que os atuais membros do MP se percebem, simultaneamente, como operadores da
justiça e atores políticos. Todavia, a ação política parece ter um limite claro para os
entrevistados”. Ainda na mesma pesquisa (RIBEIRO, 2017, p. 66), se observa que há
identificação dos entrevistados com os principais slogans do MP:

A quase totalidade dos entrevistados concorda, no todo ou em parte, com três


afirmações que, apesar de diversas, expressam os principais slogans do MP
após a Constituinte: a) ‘cabe obrigatoriamente ao Ministério Público exigir da
Administração Pública que assegure os direitos previstos nas Constituições
(Federal e Estadual) e nas leis’ (97,2%) e b) ‘o Ministério Publico desempenha
papel de promoção da cidadania e conscientização da sociedade brasileira’
(96,3%). Ambas dizem respeito ao papel da instituição como guardiã dos
ideais republicanos, o que seria viabilizado pela atuação de seus membros, que
devem exigir das repartições públicas o estrito cumprimento do dever legal,
assegurar que todos os indivíduos tenham consciência de seus direitos e
deveres, além de resguardar qualquer sujeito de excessos praticados por
outrem, empresa ou até mesmo pelo poder público. Daí vem o endosso a ideia
de que c) ‘o Ministério Público e o canal de vocalização de demandas sociais
com vistas a alargar o acesso à solução de conflitos coletivos’ (89,2%). Para
vários dos entrevistados, a ‘clínica geral’ (Silva, 2001) que qualifica o trabalho
no interior do Brasil e exemplo irrefutável de que a instituição e indispensável
a administração da justiça, posto que encaminha os sujeitos vulneráveis para
atendimentos e órgãos públicos. (RIBEIRO, 2017, p. 66)

Portanto, parece razoável afirmar que os resultados acima indicam a existência uma
autoimagem ligada ao enfrentamento da corrupção, o que não impede que os indivíduos oscilem
na representação conforme a sua crença ou descrença a respeito da sua função. Neste sentido,
Goffman (2002, p. 28) afirma que:

46
Embora a Justiça Militar Estadual tenha obtido o pior desempenho, com apenas 1% de avaliação positiva, nota-
se que houve 42,5% de respondentes que afirmaram não ter opinião, sugerindo que o resultado não é
suficientemente preciso.
84

[…] podemos esperar mesmo encontrar típicas carreiras de fé, começando o


indivíduo com um tipo de envolvimento pela representação que deve fazer,
oscilando em seguida para trás e para diante várias vezes entre a sinceridade
e o cinismo, antes de completar todas as fases e pontos de inflexão na crença
a seu respeito, para uma pessoa da sua condição.

Diante da coerência entre a imagem (perspectiva externa) e a autoimagem (perspectiva


interna), pode-se extrair evidências da existência de uma identidade institucional do Ministério
Público enquanto instituição anticorrupção. Para analisar o desenvolvimento dessa suposta
identidade no tempo, será estudado no próximo tópico a evolução do interesse do Ministério
Público pela corrupção a partir das teses apresentadas nos congressos nacionais.

3.5 A EVOLUÇÃO DO INTERESSE EM RELAÇÃO À CORRUPÇÃO NOS


CONGRESSOS NACIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Como visto no primeiro capítulo, as ideias expostas nos congressos nacionais do


Ministério Público podem refletir o desenvolvimento das aspirações da instituição. Para o
estudo da evolução do interesse do MP em torno do enfrentamento da corrupção esse
ambiente também se mostra útil. Com efeito, desde o primeiro evento, ao longo de 80 anos,
foram realizados 23 Congressos Nacionais do Ministério Público, cujos anais imortalizaram
as aspirações e discussões de cada época. Por tal razão, foi realizada uma pesquisa
documental a partir dos livros de teses dos Congressos Nacionais disponíveis no site da
CONAMP47, que foram completadas com informações constantes do Livro “Os Congressos
Nacionais do Ministério Público”, do Procurador de Justiça Joaquim Cabral Neto.
Infelizmente, não foi possível obter acesso a todos os livros de teses, já que, segundo
informado pela Assessoria de Comunicação da CONAMP, através de e-mail, parte do
material se perdeu no tempo. Assim, os resultados alcançados foram considerados apenas
indicativos, ante a impossibilidade de se atribuir maior rigor metodológico.

47
https://www.conamp.org.br/pt/congresso-nacional-do-mp.html
85

Figura 11 – Capa do Livro de Teses do V Congresso Nacional do Ministério Público de 1977

Fonte: CONAMP

Na coleta dos dados, foram levantadas 1.378 teses distribuídas em 13 Congressos


Nacionais do Ministério Público. Em seguida, passou-se à leitura de todos os títulos que se
referiam de algum modo ao tema da corrupção, o que permitiu a identificação de palavras-
chaves recorrentes que tinham relação com o enfrentamento da corrupção. Entre estes
termos, foram identificadas algumas palavras ou expressões como moralidade, patrimônio
público, peculato e lei nº 8.429/92. Nada obstante, apesar de também se relacionarem com
tema, não apareceram quantitativamente de forma significativa ou com o mesmo sentido.
Dessa forma, optou-se por considerar apenas as palavras corrupção e improbidade, por
entender que eram representativas do objeto do presente estudo. Assim, repetiu-se a
pesquisa, de forma automatizada, por meio de ferramenta de busca, contabilizando-se
apenas os títulos que continham essas palavras. Também foi necessário proceder à contagem
manual em algumas vezes quando o documento digitalizado não permitia a busca. Vale
registrar que se tentou, ainda, realizar alguma correlação entre os títulos segundo as
categorias (capítulos) das teses – normalmente classificadas em crime, civil, constitucional
e institucional. Porém, o estudo não logrou êxito nesta parte já que algumas publicações dos
86

congressos não observaram a mesma estrutura, apesar da maioria ter optado por essa
classificação. Muitos livros estavam desorganizados, não sendo possível classificar os
títulos sequer entre atividades criminais ou não penais. Nada obstante, a classificação das
teses apresentadas no último Congresso Nacional do Ministério Público (2019) surpreendeu
ao organizar, pela primeira vez, as teses sobre corrupção em um título específico
denominado “investigação e combate à corrupção e ao crime organizado”. Essa alteração
simbólica somente corrobora a importância que o tema da corrupção assumiu no Ministério
Público nos últimos anos.

Figura 12 – Sumário do Livro de Teses do 23º Congresso Nacional do Ministério Público

Fonte: CONAMP

A partir desse levantamento, a evolução do interesse pelo tema da corrupção fica


evidente, conforme demonstra o gráfico abaixo. Como facilmente se percebe, nos
congressos de 1942 e 1977, anteriores à Constituição Federal, nenhum dos termos
(corrupção ou improbidade) foi encontrado entre os títulos, tendo preponderado largamente
as teses de natureza criminal.
87

Gráfico 6 - Evolução sobre os temas de corrupção e improbidade nos Congressos Nacionais do


Ministério Público
12
10,6
10
8,6
8 8
7,5
6 6,4
5,7 6 5,7

2 2,1 1,8
0,6
0 0 0

Percentual de títulos sobre corrupção e improbidade em relação ao total de teses

Fonte: O próprio autor (2020)

Todavia, foi possível constatar que, nesse período, o termo corrupção apareceu
algumas vezes no corpo dos artigos de temas diversos, quase sempre citado para referir à
gravidade e à impunidade, revelando que o tema era objeto de alguma preocupação dos
membros, embora com menor intensidade e sob outra compreensão. Além disso, como bem
ilustra o texto abaixo, havia a aspiração de incorporar ao Ministério Público poderes e
atribuições de agência anticorrupção, por compreender que o órgão ministerial teria
melhores condições de desempenhar essas funções em comparação com outros órgãos.

Após a apertada e parcial vitória da Constituição de 1967, seguida do


retrocesso da Emenda n° 1/ 69, onde o Ministério Público se apresentou
com características incipientes de união, sem um projeto definido; falando,
genericamente, em prerrogativas, sem a conscientização de que essas
decorrem da natureza e importância da função exercida e não só do nome
mágico e sedutor que qualquer Instituição possa ostentar, iniciou-se um
movimento visando, fundamentalmente, a criação de uma "consciência
nacional de Ministério Público", ciente que o tempo das reivindicações
isoladas e regionais havia cessado, pois o centro elo poder se deslocara dos
Estados-Membros para a União . O eventual aperfeiçoamento que alguns
Ministérios Públicos estaduais haviam obtido, ao longo de evolução e
conquistas, de âmbito local, se estancara. Não havia mais como avançar.
Pelo contrário, começara um movimento em sentido oposto, com ameaças
(algumas concretizadas) de involução, com limitações e incompreensões
88

por setores desacostumados e desconhecedores da própria vida da


Instituição, de seu valor e de suas potencialidades. (Para o combate à
corrupção não se acionou o Ministério Público, mas, criou-se a Comissão
Geral ele Investigações - C. G. I, dotando-a de poderes e atribuições que,
se entregues à Instituição, que é permanente, de muito teria contribuído
para incorporar aos costumes nacionais a luta incessante contra aquele mal,
próprio de estruturas sociais menos desenvolvidas e de reduzida cultura
política). (SIQUEIRA NETTO, 1977, p. 690)

As referências à gravidade e à impunidade no corpo dos artigos também


permaneceram nos congressos posteriormente. Porém, no 12º Congresso, de 1998, o termo
corrupção apareceu pela primeira vez em um título relativo à corrupção passiva eleitoral,
representado 0,6% de todos os trabalhos. A partir de então, nota-se progressivos aumentos
do número e do percentual de teses chegando, em 2007, no 17º Congresso Nacional,
realizado na Bahia48, a ter 10 (8%) títulos concernentes à essa temática. Já em 2015, ano
seguinte ao início da operação Lava Jato, no 21º Congresso Nacional49, realizado no Rio de
janeiro, as 9 teses aprovadas corresponderam 10,6% de todo o material produzido.
Considerando a enorme amplitude das atribuições do Ministério Público, é bastante
significativa a proporção de títulos relacionados à corrupção produzidos nos últimos
congressos. Assim, com base na pesquisa documental, foi possível vislumbrar forte
indicativo de que houve, o aumento progressivo do interesse dos membros acerca do tema
no tempo, a revelar o desenvolvimento da identidade institucional no tempo. Vale destacar
que termo improbidade (78%) preponderou sobre a palavra corrupção (22%), evidenciando
a importância da Lei 9.429/92.
Com efeito, é possível que em virtude da lei de improbidade a matéria tenha se
transformado em uma categoria mais fortemente associada à atuação ministerial, inclusive
em relação à própria corrupção. Como bem descreveu Arantes (2011, p. 121-122), a lei de
improbidade foi uma grande inovação brasileira no combate à corrupção que, por dispensar
ao julgamento em foros privilegiados, ensejou um intenso ativismo dos Promotores de
justiça de todo o país, os quais “elegeram a ação civil pública como instrumento de
accountability dos ocupantes de cargos públicos, na crença de que se tratava de uma forma
mais rápida e eficaz de combater a corrupção, comparativamente aos tratamentos político e
judicial de crime comum”.

48
Tema: “Os novos desafios do Ministério Público”
49
Tema “Os desafios e oportunidades do Ministério Público brasileiro na era digital”
89

Entretanto, como bem anotado por Arantes (2011, p. 123), esse tipo de ação
demonstrou poucos resultados e a baixa efetividade da esfera civil provocou o deslocamento
do combate à corrupção para a esfera criminal. Arantes (2011, p.99) observou ainda que, com
o fortalecimento da Polícia Federal e melhores condições de articulação institucional, houve ao
todo três deslocamentos no arranjo institucional que congrega as ações de combate à
corrupção e ao crime organizado: “1) da esfera cível para a esfera criminal; 2) da esfera
estadual para a esfera federal; e 3) da desarticulação a um maior adensamento das relações
no interior da web of accountability institutions, resultando em um aumento relativo da
eficácia de suas ações”. Segundo o referido cientista político:

Não que o retorno ao tratamento do problema como crime comum escape


às mesmas condições, mas a investigações podem envolver mecanismos
mais eficazes de obtenção de provas e de imposição de custos, tais como
escutas telefônicas, mandados de busca e apreensão e prisões preventivas
ou temporárias. Tais medidas acarretam uma forma de condenação
antecipada perante a opinião pública, especialmente quando os diálogos
gravados são expostos pela imprensa ou a imagem das pessoas presas é
amplamente veiculada, e podem abalar efetivamente o funcionamento do
esquema criminoso, se as provas recolhidas por esses meios forem fortes a
ponto de suscitar o bloqueio dos bens dos envolvidos ou de estender por
mais tempo a prisão temporária (ARANTES, 2011, p. 124).

A operação Lava Jato parece ter sido o auge desse fenômeno, anos depois. Por se
tratar de uma temática que suscita uma análise mais detalhada, será discutida no próximo
tópico.

3.6 A OPERAÇÃO LAVA JATO: UMA INFLUÊNCIA?

A Operação Lava Jato é considerada, atualmente, a maior iniciativa de combate à


corrupção do Brasil e lavagem de dinheiro da história do Brasil, tendo apresentado “resultados
eficientes, com a prisão e a responsabilização de pessoas de grande expressividade política e
econômica, e recuperação de valores recordes para os cofres públicos” (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL). O caso Lava Jato iniciou-se em março de 201450, em Curitiba, a partir

50
“Ainda sem ter nome definido, as investigações da Operação Lava Jato começaram em 2009, com a apuração
de crimes de lavagem de recursos relacionados ao ex-deputado federal José Janene (PP), em Londrina (PR). Além
dele, estavam envolvidos nos crimes os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater. Youssef já havia sido
90

da investigação de quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, operadores do


mercado paralelo de câmbio, que utilizavam uma rede de postos de combustíveis e lava jato de
automóveis para movimentar recursos ilícitos. Durante essas investigações foi descoberto um
imenso esquema criminoso de corrupção envolvendo a Petrobrás, no qual grandes empreiteiras,
organizadas em cartel, pagavam propina de 1% a 5% do montante total de contratos
superfaturados a altos executivos da estatal e outros agentes públicos. Esse suborno visava
garantir que apenas as empresas do cartel fossem convidadas e favorecidas nas licitações e era
distribuído através dos operadores financeiros do esquema, incluindo os doleiros investigados
na primeira etapa (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Para analisar todo o material apreendido nas primeiras etapas da investigação e propor
as acusações, em abril de 2014, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, designou
um grupo inicial de seis procuradores da República para compor a força-tarefa em Curitiba,
coordenada por Deltan Martinazzo Dallagnol 51 . No mesmo mês, foram apresentadas as
primeiras denúncias à Justiça Federal (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL). Diferentemente
dos casos simples, em que o fluxo de trabalho costuma ser linear - onde, sucessivamente, a
polícia investiga e o Ministério Público acusa -, na operação Lava Jato, a Polícia Federal e o
Ministério Público trabalharam de forma integrada, sendo um é um exemplo de união de
esforços para lutar contra a corrupção, a impunidade e o crime organizado. Além disso, vários
outros órgãos se uniram ao trabalho de investigação e responsabilização de criminosos, sob a
coordenação do Ministério Público Federal, dentre eles: a inteligência da Receita Federal; o
Conselho de Controle das Atividades Financeira (COAF); o Conselho Administrativo de Defesa
Econômica (CADE); a Controladoria Geral da União; o Departamento de Recuperação de
Ativos e de Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça; e a Petrobras
(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).

investigado e processado por crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro no Caso
Banestado, no início dos anos 2000. Como a lavagem do dinheiro ocorria no Paraná, a investigação foi ancorada
na vara especializada em lavagem de dinheiro da Justiça Federal naquele estado. Em 2013, a partir de
interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, os investigadores começaram a monitorar as conversas dos
doleiros e identificam quatro organizações criminosas que se relacionavam entre si. A primeira era chefiada por
Chater (cuja investigação ficou conhecida como Operação Lava Jato, nome que acabou sendo usado, mais tarde,
para se referir também a todos os casos); a segunda, por Nelma Kodama (Operação Dolce Vita); a terceira, por
Alberto Youssef (Operação Bidone); e a quarta, por Raul Srour (Operação Casa Blanca)” (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL).
51
A equipe da força-tarefa do MPF da primeira instância no Paraná, que vem sendo renovada a cada ano, é
atualmente composta pelos seguintes membros: Deltan Martinazzo Dallagnol (Coordenador); Alexandre Jabur;
Antônio Augusto Teixeira Diniz; Athayde Ribeiro Costa; Felipe D´Elia Camargo; Joel Bogo; Júlio Carlos Motta
Noronha; Laura Tessler; Luciana de Miguel Cardoso Bogo; Marcelo Ribeiro Oliveira; Orlando Martello Junior;
Paulo Roberto Galvão; Roberson Henrique Pozzobon; Antônio Carlos Welter; e Januário Paludo. Além destes, já
atuaram na força-tarefa: Andrey Borges de Mendonça; Carlos Fernando dos Santos Lima; Diogo Castor de Mattos;
Isabel Cristina Groba Vieira; Jerusa Burmann Viecili; e Juliana de Azevedo Santa Rosa Câmara
91

Boa parte do caso Lava Jato foi concentrado na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba,
especializada em crimes financeiros e de lavagem de ativos, vez que os primeiros fatos
investigados envolviam lavagem de dinheiro praticada em Londrina, no Paraná, entre outras
pessoas, por Alberto Youssef, que tinha inquéritos e processos suspensos em razão de
colaboração que ele vinha prestando em Curitiba, naquela Vara. Além disso, havia uma grande
inter-relação entre as investigações, de modo que a prova dos fatos ocorridos em diferentes
estados seria reciprocamente útil (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Com o aprofundamento das investigações, descobriu-se que os esquemas de corrupção
e lavagem de dinheiro tinham ramificações em outros órgãos como a Caixa Econômica Federal,
Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, Eletrobras, Usina Nuclear Angra 3 e
Ministério do Planejamento. Paralelamente à operação iniciada no Paraná, as investigações se
expandiram para alcançar pessoas com foro especial e, em janeiro de 2015, foi criado um grupo
de trabalho formado por membros do MPF e do MPDFT para auxiliar a Procuradoria Geral da
República na análise de procedimentos que deveriam tramitar perante o Supremo Tribunal
Federal. Em março do mesmo ano, foi instituída uma força-tarefa na Procuradoria Regional da
República da 4ª Região (PRR4) para atuar junto ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em
dezembro, o Conselho Superior do Ministério Público Federal criou a força-tarefa para atuar na
Lava Jato perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL)
Foi assim que, em março de 2015, o procurador-geral da República Rodrigo Janot
apresentou ao Supremo Tribunal Federal – STF 28 petições para a abertura de inquéritos
criminais destinados a apurar fatos atribuídos a 49 pessoas com foro por prerrogativa de função
que estavam relacionadas a partidos políticos responsáveis por indicar os diretores da Petrobrás
e que haviam sido citadas em colaborações premiadas (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Atualmente, a operação conta com desmembramentos no Rio de Janeiro, no Distrito Federal e
em São Paulo, além das ações nos tribunais superiores, sendo estimado o volume de recursos
dos cofres públicos em bilhões de reais. Além disso, pelo menos 12 países iniciaram suas
próprias investigações a partir de informações compartilhadas por meio de acordo de
cooperação internacional (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
A força-tarefa do caso Lava Jato continuam até os dias atuais, sendo que, em dezembro
de 2019, foi deflagrada a 70ª fase da operação, com o cumprimento de 12 mandados de busca
e apreensão, expedidos pela 13ª Vara Federal de Curitiba, com o intuito de aprofundar as
investigações relacionadas a esquemas de corrupção em contratos de afretamento de navios
celebrados pela Petrobras. Em fevereiro deste ano de 2020, o Ministério Público Federal
denunciou Paulo Bauer por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em
92

organização criminosa, além de outras 10 pessoas, por integrarem esquema para favorecer os
interesses do grupo Hypermarcas no Senado Federal, entre 2013 e 2015, quando o então senador
pelo PSDB, recebeu indevidamente R$ 11,8 mi com a ajuda do assessor parlamentar Marcos
Antônio Moser (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Os números da operação Lava Jato impressionam. Até o momento, já foram realizadas
1.343 buscas e apreensões, 163 prisões temporárias, 130 prisões preventivas, 211 conduções
coercitivas e 138 acordos de colaboração homologados no STF em atuação conjunta com a
PGR. Além disso, 500 investigados foram denunciados, sendo devolvidos aos cofres públicos
4 bilhões, de um total de 14,3 bilhões previstos de recuperação. Apenas na 1ª instância de
Curitiba, já foram condenadas 165 pessoas, em decorrência de 70 operações. No Rio de Janeiro
foram mais 39 operações que refletiram em 41 condenações (MINISTÉRIO PÚBLICO
FEDERAL).

Figura 13 - Por meio de acordos de colaboração e leniência celebrados no âmbito da operação, foi
possível restituir hoje R$ 653,9 milhões para os cofres da estatal

Fonte: Ministério Público Federal (2017).

Já os resultados das instâncias superiores não parecem seguir a mesma dinâmica. Apesar
de terem sido denunciadas sete pessoas no STJ e 126 no STF, até o momento nenhuma foi
julgada (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL) 52 , o que reforça as discussões acerca dos
malefícios acerca dos foros privilegiados. No âmbito civil, somente foram propostas 10 ações
de improbidade administrativa, refletindo a preponderância da atual preferência pela

52
A última atualização foi em 06/05/2020.
93

persecução penal em comparação com o manejo de ferramentas de natureza civil para o


enfrentamento dos crimes do colarinho branco. Com efeito, para o avanço dos trabalhos de
investigação, foram considerados essenciais uma persecução penal eficiente, mecanismos de
cooperação internacional com mais de 50 países, acordo de colaboração e leniência, big data na
análise de grande volume de dados, coordenação entre os órgãos e transparência e publicidade
na divulgação dos resultados das investigações (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL).
Interessante observar que a metodologia empregada na operação Lava Jato a aproxima de outros
dois casos pretéritos: a operação “Banestado” e a italiana “mani pulite” (mãos limpas). Esses
dois eventos são frequentemente mencionados pelos agentes envolvidos na força tarefa de
Curitiba e parecem ter servido de laboratório e aprendizado, de modo que o seu conhecimento
pode auxiliar na compreensão do desenvolvimento do caso Lava Jato no Brasil.
O caso Banestado consistiu na apuração de um dos maiores esquemas criminosos que
já existiu, conhecido como “Esquema CC5”, que remeteu ilegalmente bilhões de reais ao
exterior no fim da década de noventa e início da década seguinte. As investigações foram
conduzidas por uma equipe conhecida como “força-tarefa do caso Banestado”, formada por
procuradores da República e delegados da Polícia Federal no Paraná. Foi neste contexto que,
no final de 2013, Aberto Youself assinou com o Ministério Público o primeiro acordo de
colaboração clausulada da história brasileira53, permitindo a investigação de centenas de crimes.
Ao todo foram feitos mais de vinte acordos de colaboração e mais de uma centena de pedidos
de cooperação internacional que permitiram a recuperação de aproximadamente R$30 milhões
bem como a obtenção de 97 condenações por crimes contra o sistema financeiro nacional,
lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e corrupção. Vale dizer que, posteriormente, vários

53
“Em 2004, a força-tarefa do Ministério Público Federal para o caso Banestado utilizou pela primeira vez no
País o sistema de acordos escritos e clausulados de delação premiada. Deu-se na ação penal n. 2003.70.00.056661-
8 proposta contra o doleiro Alberto Youssef. O acordo foi elaborado pelos Procuradores Carlos Fernando dos
Santos Lima e Vladimir Aras, representando o MPF, tendo sido firmados pelo réu e por seu defensor, Antônio
Augusto Figueiredo Basto, sendo homologado pelo juiz Sérgio Fernando Moro, da 2ª Vara Federal Criminal de
Curitiba/PR” (https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/#sdfootnote6sym). A
anedota do baiano Vladimir Aras, atualmente procurador regional da república, acerca de como o caso Banestado
lhe inspirou a migrar do Ministério Público da Bahia para o MPF é bastante ilustrativa, inclusive com relação às
dificuldades da atuação estadual no seu tempo: “A diligente atuação do colega Celso Três, então lotado
no MPF/PR, teve grande impacto na época. Lembro muito bem. Eu era membro do Ministério Público da
Bahia quando li as notícias sobre o Banestado e sua máquina de evadir divisas. Atuava em Feira de Santana na
área de combate à improbidade, conduzindo vários inquéritos civis sobre estripulias as mais diversas. A cidade
estava sob o flagelo de um prefeito corrupto por convicção. E, graças a “vocês-sabem-quem”, o MP baiano (eu e
o colega Valmiro Macedo) era incapaz (ou éramos nós?) de conseguir uma mísera quebra de sigilo do dito cujo.
Nada. Foi quando vi o dr. Celso Três na TV e nos jornais conseguir esse feito marcante na história do combate à
lavagem de dinheiro no Brasil: a quebra do sigilo bancário de todas as contas CC-5 do País. Fiquei com inveja e
resolvi voltar a estudar para o concurso do MPF” (https://vladimiraras.blog/2013/06/27/era-uma-vez-tres-e-o-
banestado/).
94

dos membros que atuaram nessa operação compuseram a equipe da Lava Jato (MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL).
A operação Mãos Limpas (Mani Pulite) foi realizada no início da década de noventa na
Itália, e consistiu em uma mega atuação no enfrentamento da corrupção que, ao final, restou
frustrada em grande parte. Os dados oficiais apontam que, apenas nos dois primeiros anos, as
investigações resultaram em 4.520 processos e 800 mandados de prisão expedidos nos dois
primeiros anos, que produziram cerca de 1.300 declarações de culpa, entre condenações e
acordos definitivos. Entretanto, apenas para se ter uma noção, cerca de 40% dos investigados
salvaram-se em virtude da prescrição, de sutilezas processuais ou modificações legislativas
direcionadas. No final das contas, quase todos os investigados permaneceram ou voltaram
rapidamente à vida pública (BARBACETTO et al., 2016, p.837).
A importância da experiência da operação Mãos Limpas para o caso brasileiro fica
evidente, por exemplo, no livro “Operação Mãos Limpas: a verdade sobre a operação italiana
que inspirou a Lava Jato”. A obra conta com o prefácio do então Juiz Sergio Fernando Moro
que, em maio de 2016, registrou:

A conclusão errada decorrente do resultado final consiste em culpar os


magistrados ou a própria Operação Mãos Limpas. A responsabilidade é do
sistema político que contra-atacou e das demais instituições da própria
democracia italiana que não foram capazes, na janela de oportunidade gerada
pelos processos judiciais, de aprovar as reformas necessárias para prevenir o
restabelecimento ou a perpetuação da corrupção sistêmica. A lição a ser
aprendida, aqui já exposta, é que a superação da corrupção sistêmica exige
uma conjugação de esforços das instituições e da sociedade civil democrática,
sendo a ação da justiça uma condição necessária, mas não suficiente. O
futuro, porém, não está escrito e nenhuma democracia está fadada a conviver
com a corrupção sistêmica. O relatório histórico do ocorrido, verdadeira
novela de um estonteante sucesso judicial, seguido de frustrações decorrentes
do sistema político, oferece uma aula acerca do funcionamento de uma
democracia moderna, em uma sociedade de massas, e as possibilidades e as
limitações dela no enfrentamento da corrupção sistêmica. Nessa perspectiva,
essa história transcende em muito a Itália, pois não se trata da única
democracia a enfrentar esse mesmo desafio. Que essa história não seja
esquecida. (BARBACETTO et al., 2016, p.9)

No livro de Deltan Dallagnol, “A luta contra a corrupção, a Lava Jato e o futuro de um


país marcado pela impunidade”, a operação mani pulite também ganha destaque em tópico
exclusivamente dedicada a ela, quando então escreve o autor:
95

A lição da Operação Mãos Limpas:


Já imaginou se alguém pudesse absorver aquilo que outros aprenderam na vida
com os próprios erros? Seria ótimo se a experiência acumulada nos desse a
oportunidade de evitar os equívocos que pessoas antes de nós cometeram. Isso
pouparia muito sofrimento. É bem melhor ter como conselheiras as feridas
alheias do que as próprias. Atualmente, no Brasil, temos uma grande
oportunidade de virar o jogo contra a corrupção. Podemos usar a energia
gerada pela Lava Jato para transformar o sistema brasileiro, hoje favorável à
corrupção, num ambiente hostil a esse crime. Mas é possível que aconteça o
contrário, isto é, que esse episódio termine nos deixando numa situação pior
do que estávamos no início. Isso aconteceu na Itália, numa conjuntura que
guarda semelhanças com a nossa. Lá a chance para a implementação de
reformas positivas não apenas foi perdida; houve mudanças negativas,
tornando o combate à corrupção ainda mais difícil do que era antes.
(DALLAGNOL, 2017).

Foi neste contexto que surgiu a proposta legislativa do Ministério Público Federal,
apoiada pelos Ministérios Públicos de todo o Brasil, denominada de “10 Medidas Contra a
Corrupção”, que consistiu em diversas propostas de projetos de leis prevendo medidas penais
e processuais, que foram organizadas pelo MPF da seguinte forma: 1) Prevenção à corrupção,
transparência e proteção à fonte de informação; 2) Criminalização do enriquecimento ilícito de
agentes públicos; 3) Aumento das penas e crime hediondo para corrupção de altos valores; 4)
Aumento da eficiência e da justiça dos recursos no processo penal; 5) Celeridade nas ações de
improbidade administrativa; 6) Reforma no sistema de prescrição penal; 7) Ajustes nas
nulidades penais; 8) Responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois; 9)
Prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado; 10) Recuperação do lucro
derivado do crime.

Figura 14 – Símbolo do projeto das 10 medidas contra a corrupção

Fonte: Ministério Público Federal

Assim, da mesma forma que a operação Lava Jato parece ter sido inspirada pelas
operações Banestado e Mãos Limpas, percebe-se que ela também tem influenciado outras ações
brasileiras, inclusive através da difusão das técnicas de investigações especiais e de uma
96

metodologia considerada inovadora no combate à corrupção 54 , refletindo no processo de


reafirmação da identidade ministerial. Por outro lado, repetindo a história das suas
antecessoras, a operação Lava Jato atualmente também vive um momento extremamente
delicado, sob constantes ameaças de nulidades55, alterações das suas estruturas56 e punição dos
seus atores57, além de diversos outros questionamentos.

3.7 A IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO

Conforme explica Sousa (2006, p. 184), a identidade é o suporte real para a


construção da imagem institucional e “está fundada na história, na cultura e na atuação da
organização, sendo a sua essência, expressa por suas características identitárias mais fortes
e marcantes”. Citando Kunsch, a referida cientista da comunicação (2006, p. 184) descreve
a identidade corporativa como a manifestação tangível, o autorretrato da organização ou a
soma total dos seus atributos inerentes, de modo que, em analogia à formação humana, seria
como a personalidade do sujeito.

54
O tema foi objeto de palestras no Ministério Público do Estado da Bahia por dois procuradores da República
que integraram a força-tarefa, conforme a notícia disponível em https://www.mpba.mp.br/noticia/40783. Várias
outras instâncias de controle também receberam cursos ministrados por membros da operação conforme ilustram
as matérias disponíveis nos seguintes sítios: http://www.controladoria.mt.gov.br/-/investigacao-na-operacao-lava-
jato-e-tema-de-curso-de-combate-a-corrupcao; http://www.mpgo.mp.br/portal/noticia/minicurso-operacao-lava-
jato#.XsAuD0ZKjqU
55
Atualmente existem vários processos tramitando em diversos tribunais que apresentam riscos de declaração de
nulidades mesmo em hipóteses não previstas na lei, como ocorreu no caso julgamento sobre a ordem das alegações
finais de réus delatados. A respeito do tema, colacionamos a seguinte notícia: “O Supremo Tribunal Federal (STF)
aprovou nesta quarta-feira (2), por 7 votos a 4, a tese que pode levar à anulação de sentenças da Operação Lava
Jato e de outros processos criminais no país. O resultado do julgamento definiu que réus delatados devem
apresentar as alegações finais (última etapa de manifestações no processo) depois dos réus delatores, garantindo
direito à ampla defesa nas ações penais. Com isso, processos em que réus delatores e delatados apresentaram as
alegações finais ao mesmo tempo – como os da Operação Lava Jato – podem vir a ser anulados. Disponível em:
https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/10/02/stf-aprova-por-7-a-4-tese-que-pode-levar-a-anulacao-de-
sentencas-da-operacao-lava-jato.ghtml.
56
“A polêmica sobre a atuação da Lava-Jato está acirrada porque o Conselho Superior do Ministério Público
Federal analisa proposta de criação de uma unidade central de combate à corrupção. A ideia é centralizar dados
das investigações em curso e todo material ficar subordinado ao procurador-geral da República, Augusto Aras”.
Disponível em:
https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/12/interna_politica,871436/disputa-da-pgr-e-
procuradores-da-lava-jato-eleva-temperatura-entre-pod.shtml
57
“Além da ofensiva do PGR, a Lava Jato deve sofrer novo golpe em agosto. O relator de um dos casos de Deltan
Dallangnol no Conselho Nacional do Ministério Público deve defender a abertura do processo de remoção do
procurador da força-tarefa”. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2020/07/relator-deve-
pedir-remocao-de-deltan-da-lava-jato-no-conselho-do-ministerio-publico.shtml
97

Com base em Justo Villafañe, Sousa (2006, p. 187) explica que a identidade
corporativa deve ser compreendida a partir de uma concepção dinâmica porque, “ainda que
possua atributos de natureza permanente, alguns são variáveis e influem sobre os primeiros,
reinterpretando seu sentido e o significado que esses atributos tem para a organização”.
Assim, segundo a autora, a identidade institucional surgiria da intersecção dos seguintes
eixos estruturais:

 A história da organização – desde sua fundação até o presente;


 A atuação atual – projeto adotado para atingir suas metas corporativas;
 A Cultura Corporativa – formada pelos comportamentos observáveis da
organização (normas implícitas e explícitas, linguagem, maneira particular
de fazer as coisas, etc.).

O presente trabalho até o momento percorreu exatamente esse mesmo trajeto. Ademais,
embora a imagem e a autoimagem, em tese, derivem da identidade institucional, neste estudo,
as percepções são utilizadas para realizar o caminho inverso, ou seja, descobrir a identidade
institucional a partir das imagens. É olhando, pois, para o reflexo espelhado pela história, pela
atuação, pela cultura e pelas imagens internas e externas, que se vislumbram indícios fortes da
existência de uma identidade institucional de agência anticorrupção.
Os dados estatísticos acerca da atuação do Ministério Público também corroboram essa
identidade voltada mais para o combate à corrupção. No anuário do CNMP de 2018, no aspecto
da produtividade, as áreas de improbidade administrativa e patrimônio público também
aparecem como as que tem maior quantidade de inquéritos civis e procedimentos
preparatórios instaurados nos Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal.
Quando somadas elas chegam a representar mais de um quarto de todos os procedimentos
ministeriais instaurados, demonstrando que permanece a importância da categoria
“improbidade” estabelecida pela Lei nº 8.829/92.
98

Tabela 3 - Dez principais assuntos dos inquéritos civis e procedimentos preparatórios instaurados
por região no Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e Territórios, em 2017

Fonte: CNMP (2018, p. 50)


b
No âmbito criminal, os temas relacionados ao enfrentamento da corrupção (crimes
da lei de licitações, crimes de responsabilidade, peculato e corrupção passiva) também
aparecem frequentemente (7,3%) nos procedimentos investigatórios instaurados pelo
Ministério Público. Contudo, forçoso reconhecer que esses dados devem ser vistos com
alguma reserva já que há uma imprecisão e pulverização na classificação do assunto, o que
é corroborado pelo alto número de procedimentos classificados como “outros assuntos”
(73,1%).
99

Tabela 4 – Dez principais assuntos dos procedimentos investigatórios instaurados por região no
Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e Territórios, em 2017.

Fonte: CNMP (2018, p. 58)

De todo modo, mesmo considerando essa ponderação, em princípio, esses dados


enfraquecem a hipótese de que as ações de improbidade deram lugar às investigações e
ações penais já que apenas o número de inquéritos civis e procedimentos preparatórios de
improbidade administrativa equivale a quase o dobro de todos os procedimentos
investigatórios criminais instaurados. Sem embargos, tendo em vista que o levantamento é
apenas quantitativo, isso pode significar que as investigações criminais têm sido utilizadas
menos do que as investigações civis, porém reservada aos casos mais relevantes e
complexos.
Mas, para o conhecimento da identidade institucional do Ministério Público é preciso
buscar compreensões mais profundas ainda. Isto porque, além da existência de múltiplas
identidades, os atores sociais podem apresentar diversos papeis ou representações que se
inserem em um contexto de tensão e contradição com as primeiras. Com efeito, Manuel Castells
(2018) explica que:

No que diz respeito a atores sociais, entendo por identidade o processo de


construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um
100

conjunto de atributos culturais interrelacionados, o(s) qual(ais) prevalece(m)


sobre outras fontes de significado. Para um determinado indivíduo ou ainda
um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas. No entanto, essa
pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na autorrepresentação quanto
na ação social. Isso porque é necessário estabelecer a distinção entre a
identidade e o que tradicionalmente os sociólogos têm chamado de papéis, e
conjuntos de papéis. [...] A importância relativa desses papéis no ato de
influenciar o comportamento das pessoas depende de negociações e acordos
entre os indivíduos e essas instituições. Identidades, por sua vez, constituem
fontes de significado para os próprios atores, por eles originadas, e construídas
por meio de um processo de individuação.

No caso do Ministério Público, contudo, há sinais de que essa identidade é muito forte
e duradoura. É interessante observar que, em 2007, Arantes (2007, p. 325 - 330) também já
percebia a existência do que denominou de “ideologia do voluntarismo político”, a qual
buscaria imprimir uma identidade ao Ministério Público. Segundo o referido autor, além do
tripé institucional composto pela proteção dos direitos coletivos, ação civil pública e
independência, a profunda transformação do Ministério Público envolveu um componente
ideológico que motivou endogenamente essa instituição a reivindicar a condição de “agente
político da lei”. Os elementos principais dessa ideologia de voluntarismo político seriam:

a) uma avaliação pessimista da capacidade da sociedade civil de se defender


autonomamente (hipossuficiente, no jargão jurídico);
b) uma avaliação pessimista dos poderes políticos representativos, que
estariam corrompidos e/ou incapazes de cumprir suas funções; e
c) em face dessa contradição, uma idealização do papel político do MP, de
representar essa sociedade incapaz (embora sem mandato explícito e sem
mecanismos de accountability), perante governos ineptos, que não garantem
o enforcement da lei (ARANTES, 2007, p. 330).

Conforme Arantes (2007, p. 330-331), a ideologia do voluntarismo político estaria


bastante difundida no interior do Ministério Público e tem funcionado como importante fonte
de inspiração para a ação de promotores e procuradores. A sua origem seria uma matriz antiga
que “sempre criticou o artificialismo de nossas instituições políticas e cultivou o sonho de um
poder neutro, externo ao mundo da política e com autonomia suficiente para tutelar e conduzir
a sociedade hipossuficiente”. Dentre as novas áreas de atuação, o combate à corrupção política
constituiria uma das que melhor expressariam a ideologia do voluntarismo político e a
dificuldade de consolidar a condição de fiscal da probidade administrativa. Interessante
observar que, em outro trabalho, Arantes (2011, p.117) compara a atuação do Ministério
Público e da Polícia Federal no combate à corrupção e, então, conclui que diferentemente do
Ministério Público, que teve causa endógena, o novo patamar de atuação da Polícia Federal
101

decorreu de estímulos externos e de uma nova política adotada pelo Executivo Federal, no final
do governo FHC e principalmente no governo Lula. Isso releva como essa personalidade do
Ministério Público tem uma grande força.
Neste diapasão, como as conclusões feitas até o momento são de ordem dedutiva,
parece útil caminhar pela via reversa, da indução, visando confirmar se essa identidade
institucional também está presente no Ministério Público do Estado da Bahia, o que será
feito avançando ainda mais na percepção da autoimagem e em outros dados que revelem essa
ideologia e a atual cultura organizacional. Para tanto, no próximo capítulo, serão apresentadas
as bases metodológicas do estudo empírico e a problematização acerca da possibilidade de
comparação dos resultados.
102

4 INTERLÚDIO METODOLÓGICO

Uma análise adequada do Ministério Público pressupõe a compreensão da sua


complexidade que envolve as interações entre indivíduos, a própria instituição e o contexto
sociocultural. A complexidade aumenta na medida em que, do ponto de vista orgânico-
institucional, existem vários Ministérios Públicos e não de apenas um só, sendo que cada um
deles, em tese, pode constituir-se de um campo e um habitus próprios. Assim, o viés
comparativo dessa pesquisa exige a problematização do Ministério Público enquanto uma
instituição politicamente unitária, composta por atores independentes, a fim de possibilitar uma
explicação razoável a partir dos resultados extraídos da pesquisa de campo, cujas bases
metodológicas serão apresentadas neste capítulo.

4.1 O MINISTÉRIO PUBLICO ENQUANTO CAMPO ESTRUTURADO

Conforme expõe Thiry-Cherques (2006, p. 15), Bourdieu concebe a investigação


empírica através do quadro referencial formado pelos conceitos de habitus e campo. Analisando
o sistema de conceitos que Bourdieu utiliza, o referido autor assim sintetiza:

O esquema que leva à análise empírica é sistêmico. Deriva do princípio de que


a dinâmica social se dá no interior de um /campo/, um segmento do social,
cujos /agentes/, indivíduos e grupos têm /disposições/ específicas, a que ele
denomina /habitus/. O campo é delimitado pelos valores ou formas de /capital/
que lhe dão sustentação. A dinâmica social no interior de cada campo é regida
pelas lutas em que os agentes procuram manter ou alterar as relações de força
e a distribuição das formas de capital específico. Nessas lutas são levadas a
efeito /estratégias/ não conscientes, que se fundam no /habitus/ individual e
dos grupos em conflito. Os determinantes das condutas individual e coletiva
são as /posições/ particulares de todo /agente/ na estrutura de relações. De
forma que, em cada campo, o /habitus/, socialmente constituído por embates
entre indivíduos e grupos, determina as posições e o conjunto de posições
determina o /habitus/”, (THIRY-CHERQUES, p. 5)

Melhor esclarecendo, o habitus é o produto de uma aprendizagem adquirido pela


interiorização da história individual e coletiva das estruturas sociais, que se expressa por modos
naturais de perceber, de sentir, de fazer e de pensar. Já os campos são microcosmos que possuem
uma lógica própria e que constrangem os agentes nele envolvidos, conforme as suas posições
103

relativas no campo de forças, os quais também conservam ou transformam a estrutura


(BOURDIEU, 1996, apud THIRY-CHERQUES, 2006, p. 7-9). Segundo Ludmila Mendonça
Lopes Ribeiro ainda há a necessidade de realização de novas pesquisas nessa área:

[…] essa área ainda tem poucos estudos que, a partir do conceito de campo de
Bourdieu (1998), sejam capazes de compreender as origens, a organização, a
distribuição de atividades e a centralização do próprio poder dentro de
organizações como o Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública
(Almeida, 2014). Procurando suprimir essa lacuna, desvelamos como o campo
do Ministério Público se caracteriza na atualidade. Trata-se de uma instituição
que remonta ao Brasil Imperial e assumiu uma miríade de funções na ordem
constitucional inaugurada a partir de 1988. A partir dos dados coletados com
uma pesquisa quantitativa, revelamos como os membros do MP tem
dificuldade em se posicionar de forma mais ativa diante da tarefa de
construção de uma sociedade mais democrática. Compreenderemos melhor
esse resultado se entendermos o Ministério Publico enquanto um campo
estruturado a partir de um grupo social e político que se autogoverna.
(RIBEIRO, 2017, p. 77)

A explicação da interação entre sujeitos e instituições ainda é objeto de diversas outras


teorias. A partir de teorias que enfatizam as bases sociais de cognição, sobretudo de Durkheim
e Ludwik Fleck, Mary Douglas (2004, p. 17) defende que as decisões críticas não são
propriamente tomadas pelos indivíduos, mas sim pelas instituições, informadas por um
pensamento coletivo. No relatório analítico propositivo acerca do sistema de integridade
nacional, o CNJ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2019, p. 15) aborda as mudanças
no desempenho das instituições que passaram a ter resultados mais efetivos no enfrentamento
da corrupção sob dois ângulos: a) o aspecto institucional, que diz respeito ao desenho
institucional; e o aspecto organizacional, que salienta a motivação e o empenho dos atores
envolvidos. Assim, o trabalho assume a premissa de que as ações institucionais são resultados
tanto da vontade e orientação dos participantes como da estrutura institucional. Ao final, conclui
o estudo que a interação entre os sujeitos e as instituições são mais complexas do que se pensava
e devem ser estudadas a partir de análises multidimensionais:

Ficou demonstrado que a complexidade do comportamento do Sistema de


Integridade não permite a utilização de modelos teóricos simplificados. A
tomada de decisões individuais dos operadores do Sistema é realizada em um
ambiente social altamente complexo e com várias dimensões envolvidas, no
qual o desenho institucional e a percepção dos agentes são elementos centrais.
Nesse sentido, as abordagens neoinstitucionalista e culturalista não devem ser
vistas como concorrentes. As evidências demonstraram a necessidade de
atualização das vertentes teóricas sobre as causas e as formas de
enfrentamento do fenômeno da corrupção. Juízes, promotores e policiais
federais constroem suas percepções sobre o fenômeno em um ambiente
104

multidimensional que passa por características pessoais, contexto


sociocultural e estrutura institucional. As implicações desses achados
transcendem o campo teórico e apresentam impactos definidos sobre o
funcionamento do Sistema de Integridade (CONSELHO NACIONAL DE
JUSTIÇA, 2019, p. 169).

A linha metodologia do presente trabalho segue a mesma lógica. Em um primeiro


momento, procede à análise bibliográfica e documental para a compreensão da organização, do
funcionamento e da experiência do Ministério Público. Já na segunda parte, utiliza-se de um
survey para o levantamento da percepção dos atores e aferição da interpretação sociocultural.
Impõe-se ressaltar que, diante a existência de vários Ministérios Públicos e da diversidade de
sujeitos que o integram, cabe refletir se existe, de fato, um mesmo campo e habitus. Somente
assim será possível verificar a possibilidade de uma identidade institucional, a qual pode não
alcançar toda uma instituição ou os indivíduos que a compõem. Por isso mesmo, Lemgruber et
al questionam:

Terá fundamento a visão popular, expressa nas manifestações de 2013, de que


o MP desempenha essencialmente um papel acusatório e moralizador? Estará
a população suficientemente informada do extenso leque de atividades que,
segundo a Constituição Federal, pode-se esperar – e cobrar – dos promotores
e procuradores brasileiros? Terá valido a pena abrir mão de outros arranjos
institucionais propostos em 1988 para concentrar tantas e tão importantes
atribuições num único órgão? Haverá, em suma, correspondência entre a
autonomia, o poder, o prestígio e os recursos de que hoje desfrutam os
membros do Ministério Público e os impactos do trabalho por eles realizado
no sentido da consolidação e do aperfeiçoamento da nossa democracia?.
(LEMGRUBER et al, 2016, p. 14)

Para tanto, impõe-se problematizar a unidade do Ministério Público em contraponto à


sua independência, que garante autonomia tanto funcionalmente como administrativamente.

4.2 A UNIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A Constituição Federal estabeleceu em seu artigo 127, §1º, que a unidade é um princípio
institucional do Ministério Público, assim como a indivisibilidade e da independência funcional.
Pela doutrina tradicional, o princípio da unidade significa que o Ministério Público é um único
órgão, sob a direção e comando de um só chefe (Procurador-Geral), em cada órgão ministerial.
Como corolário lógico, pelo princípio da indivisibilidade, os magistrados do Ministério Público
105

podem ser substituídos uns pelos outros, pois quem atua é a instituição. Em razão da
independência funcional, contudo, os membros do Ministério Público não se sujeitam a nenhum
poder hierárquico ou se subordinam a quaisquer ordens de atuação, do ponto de vista funcional,
mas apenas no planto administrativo (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 1140).
Por isso mesmo, podem existir diferenças entre as instituições. Na pesquisa de
Lemgruber et al (2016, p. 28), por exemplo, com base em levantamento das áreas mencionadas
nos websites de unidades da federação, concluiu-se que os membros do Ministério Público estão
“longe ainda de uma atuação mais harmônica e coerente da instituição em seus diversos níveis”.
Segundo as pesquisadoras, “somente três áreas são mencionadas nos sites de todos os 27 MPs:
criminal, meio ambiente e infância e juventude; outras três – patrimônio público, defesa do
consumidor e defesa da saúde – estão presentes em quase todas as unidades da federação”.
Ainda de acordo com a referida pesquisa:

Não obstante a criação de mecanismos formais de controle interno e externo,


a outorga dessa ampla autonomia e de amplos poderes ao MP resultou numa
espécie de “cheque em branco”, que tende a ser preenchido de acordo com
inclinações e posicionamentos ideológicos ou idiossincráticos dos membros
da instituição. O que as poucas pesquisas existentes têm mostrado e a do
CESeC, como se verá, confirma é que aos imensos recursos postos à
disposição do MP não correspondem padrões institucionais de atuação nas
diferentes áreas de que o órgão está incumbido. Há, sem dúvida, promotores
e procuradores que enxergam o MP como poderoso garantidor de direitos e
instrumento de justiça para as camadas desfavorecidas da população (Sadek
2000; Silva 2001), mas boa parte tende a restringir-se às funções tradicionais,
dependendo as diferenças mais de características individuais – como trajetória
ou orientação política – do que dos recursos de atuação com que o órgão pode
contar (Barros 2002; Silva 2001; Kerche 2008; Mazzili 2013; Rodriguez
2013). Como também se verá, a carência de padrões de atuação e a
fragmentação das escolhas e prioridades colocam em dúvida não só o efetivo
cumprimento do amplíssimo leque de funções constitucionais atribuídas ao
MP como os próprios princípios de unidade e indivisibilidade que, em tese, o
estruturam. (LEMGRUBER et al, 2016, p. 14)

Para Goulart (2019, p. 153), contudo, essa visão meramente estrutural, apesar de
importante em determinando momento, atualmente se mostra insuficiente, pois conforme
explica, “no contexto da nova ordem constitucional, o princípio da unidade ganhou conotação
política e, indo além dos aspectos estruturais, que continuaram a integrar o seu conteúdo, passou
a informar e orientar a atuação político-institucional do Ministério Público”. Interessante
observar, como já visto anteriormente, que a existência de “consciência nacional do Ministério
Público” já havia sido mencionada, pelo menos, desde 1977, no 5º no Congresso Nacional do
106

Ministério Público. Mazzili (1991, p. 17) também constatava essa consciência nacional de todo
o Ministério Público em 1991, ao escrever que:

Examinando-se a história mais recente da instituição, traçada nestas últimas


duas décadas, é possível assegurar que se criou e se desenvolveu o que se pode
chamar de uma consciência nacional de Ministério Público. O ofício que a
instituição exerce passou a ser o elo comum a permitir pensar-se cada vez mais
no Ministério Público como instituição e nos seus agentes como órgãos
independentes; passou-se a identificar-lhe um fim a realizar no meio social e
não apenas aceitá-la como um conjunto de organismos governamentais
estanques da União e dos Estados.

Lemgruber et al (2016, p. 12) registram que, ao final da ditadura civil-militar, o


Ministério Público chegou fortalecido para exercer um possante lobby na Assembleia
Constituinte de 1988 e obter inteiro sucesso na pressão para dilatar ainda mais sua autonomia e
suas competências, porém “várias outras forças também se aglutinaram em torno das
expectativas de um novo MP, em meio à grande efervescência política que marcou o processo
de redemocratização do país”.
Cumpre observar que, externamente, o Ministério Público também tem sido identificado
como uma única instituição, especialmente como órgão de combate ao crime e à corrupção,
tanto que, em período recente, houve grande pressão popular para a derrubada da PEC 37 e o
reconhecimento do poder investigatório do Ministério Público. O trecho abaixo transcrito da
pesquisa do CESeC evidencia essa conclusão:

Em 25 de junho de 2013, a Câmara dos Deputados derrubou por 430 votos a


nove a Proposta de Emenda Constitucional 37/2011, que limitava os poderes
investigativos do Ministério Público. Essa esmagadora derrota dos que
defendiam exclusividade da investigação criminal para as polícias judiciárias
foi atribuída à “pressão das ruas” evidenciada na explícita rejeição à PEC 37
durante as grandes manifestações de protesto que vinham ocorrendo nas
capitais do país. O fato de a proposta ter sido popularmente batizada de “PEC
da corrupção” ou “PEC da impunidade” sugere que o Ministério Público,
naquela conjuntura, era identificado essencialmente como órgão de combate
ao crime, em particular ao praticado por agentes do Estado. Mas é possível
que essa percepção não se restrinja ao contexto das manifestações. Ela talvez
explique, também, o nível de confiança relativamente alto de que o órgão
desfruta no Brasil, segundo pesquisa nacional realizada trimestralmente pela
Fundação Getúlio Vargas desde 2011. No último survey, de 2014, o MP
recebeu 49% de afirmações de confiança, ao passo que a Polícia e o Judiciário
tiveram, respectivamente, 35 e 30% (Cunha et al. 2014, p. 24).
(LEMGRUBER et al, 2016, p. 14)
107

Embora seja certo que do ponto de vista estrutural se possa falar em vários Ministérios
Públicos, no plano político-institucional, em tese, o Ministério Público pode ser compreendido
como uma única instituição, pois, além da mesma organização básica, a Constituição Federal
criou um elo de unicidade ao defini-lo como uma instituição permanente e essencial à função
jurisdicional do Estado, a qual foi incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Assim, é possível também que
a instituição tenha desenvolvido em todos os rincões uma identidade institucional, o que poderá
ser confirmado ou não pelo levantamento, validando o trabalho teórico produzido até o
momento.
Conquanto o estudo da unidade ministerial não seja o objetivo principal deste trabalho,
a sua consideração em um plano político permite correlacionar as pesquisas realizadas com os
membros de diferentes Ministérios Públicos e de variadas épocas, podendo demonstrar a
existência de uma identidade institucional, apesar da independência funcional, especialmente
em relação ao enfrentamento da corrupção.

4.3 DO LEVANTAMENTO

A segunda parte da pesquisa, especificamente destinada ao Ministério Público do Estado


da Bahia, almeja estudar, através do método indutivo, o comportamento social do Ministério
Público e comparar os resultados com as pesquisas anteriores, razão pela qual se optou pela
realização de um levantamento social perante os membros dessa instituição.
Segundo Gil (2002, p. 51), as pesquisas do tipo levantamento são extremamente úteis
para as investigações sociais por proporcionarem informações gerais sobre as populações e
caracterizam-se pela interrogação direta a um grupo significativo de pessoas para a obtenção
das conclusões mediante análise quantitativa (Gil, 2002, p. 51).

Na maioria dos levantamentos, não são pesquisados todos os integrantes da


população estudada. Antes seleciona-se, mediante procedimentos estatísticos,
urna amostra significativa de todo o universo, que é tomada como objeto de
investigação. As conclusões obtidas com base nessa amostra são projetadas
para a totalidade do universo, levando em consideração a margem de erro, que
é obtida mediante cálculos estatísticos. Os levantamentos por amostragem
gozam hoje de grande popularidade entre os pesquisadores sociais, a ponto de
muitas pessoas chegarem mesmo a considerar pesquisa e levantamento social
a mesma coisa (Gil, 2002, p. 51).
108

De acordo com o mesmo autor (GIL, 2002, p. 51), o levantamento social, assim como
todos os outros tipos de pesquisa apresenta vantagens e limitações. As principais vantagens são:

a) conhecimento direto da realidade: à medida que as próprias pessoas


informam acerca de seu comportamento, crenças e opiniões, a investigação
torna-se mais livre de interpretações calcadas no subjetivismo dos
pesquisadores;
b) economia e rapidez: desde que se tenha uma equipe de entrevistadores,
codificadores e tabuladores devidamente treinados, torna-se possível a
obtenção de grande quantidade de dados em curto espaço de tempo. Quando
os dados são obtidos mediante questionários, os custos tornam-se
relativamente baixos;
c) quantificação: os dados obtidos mediante levantamento podem ser
agrupados em tabelas, possibilitando sua análise estatística. As variáveis em
estudo podem ser quantificadas, permitindo o uso de correlações e outros
procedimentos estatísticos. À medida que os levantamentos se valem de
amostras probabilísticas, torna-se possível até mesmo conhecer a margem de
erro dos resultados obtidos.

Dessa forma, foi realizada a aplicação de questionário para o levantamento de dados


quantitativos em relação aos promotores e procuradores de justiça do Ministério Público do
Estado da Bahia, o que permitiu, a um só tempo, compreender a percepção regional bem como
compará-la com o universo ministerial revelado através das pesquisas retro citadas em relação
ao MPF e aos Ministérios Públicos do brasil.
No presente trabalho, verificou-se, através das atuais listas de antiguidade extraídas do
portal do Ministério Público do Estado da Bahia58, que, em 01 de abril de 2020, a referida
instituição possuía 57 Procuradores de justiça e 528 Promotores de justiça, totalizando 585
membros. O Ministério público também é composto por um grande número de servidores, cuja
percepção também é importante para a compreensão da instituição. Entretanto, apenas os
membros (procuradores e promotores) são responsáveis pela atuação finalística que é o objeto
de estudo deste trabalho. Assim, apesar da valiosa importância da opinião e do comportamento
dos demais servidores públicos da instituição, optou-se por aplicar questionários tão somente
com os agentes que compõem a carreira de membro. Inclusive, impõem-se ressaltar que as
pesquisas anteriores também assim procederam, de modo que a repetição do método permitiu
melhor comparação entre os resultados.
O questionário, que pode ser visto no anexo C deste trabalho, foi elaborado a partir das
pesquisas pretéritas (CASTILHO; SADEK, 2010; LEMGRUBER et al, 2016; RIBEIRO,
2017; CNMP, 2017) e também com base em pesquisa exploratória, realizada especialmente

58 http://www.mp.ba.gov.br/institucional/secretaria-geral/listas-de-antiguidade.
109

para o desenvolvimento do instrumento de coleta desse trabalho. Nesse estudo preliminar


exploratório, levado a efeito no período entre 12 e 20 de maio de 2019, foram entrevistados 05
Promotores de justiça, que foram indagados acerca das funções assumidas pelo Ministério
Público após a Constituição de 1988; as motivações para o ingresso no órgão; as prioridades
institucionais; o desempenho da atuação; o interesse pelo enfrentamento da corrupção; os
efeitos da independência funcional; os seus diferentes perfis de atuação; como percebem as
influências externas da sociedade; como analisam uma suposta desconfiança da sociedade civil
na instituição; a representação que possuem do Ministério Público e o levantamento de
eventuais pontos omissos da pesquisa até o momento. A partir dos resultados iniciais, foram
elaboradas as perguntas do questionário definitivo que se referiram ao perfil do membro; à
identidade institucional do Ministério Público do Estado da Bahia e às prioridades percebidas;
e à atuação do Ministério Público do Estado da Bahia no enfrentamento da corrupção.
Vislumbrando maior possibilidade de sucesso, os questionários foram enviados na
perspectiva de atingir uma amostra equivalente ao universo. Conforme previsto, houve uma
discrepância entre o total desejado (questionários enviados) e a amostra efetiva (questionários
respondidos), porém os resultados superaram as expectativas iniciais que levavam em conta,
pelo menos, margem de erro de 10% e nível de confiança de 90%. O desinteresse e\ou
impossibilidade de responder o questionário foi entendido pelo pesquisador como um critério
de seleção natural.
Os questionários foram replicados através da plataforma do Google Forms e aplicados
no período de 07 a 31 de março de 2020, sendo encaminhados através de e-mails. Para tanto o
pesquisador teve o apoio da Administração Superior que autorizou a utilização da lista de
distribuição denominada “comunicado”, permitindo o alcance de todos os integrantes da
instituição. Além disso, o pesquisador encaminhou mensagens por redes sociais por várias
vezes solicitando o apoio dos respondentes visando ampliar a amostra. Assim, ao final, logrou-
se êxito na obtenção de 123 devolutivas, correspondente à uma taxa de retorno de 21%. Esse
índice é quase três vezes superior àquele verificado na pesquisa do Centro de Estudos de
Segurança e Cidadania (CESeC) quando, segundo Ribeiro (2017, p. 57), foi obtida uma taxa de
7%.
110

Tabela 5 - Plano de Amostragem dos Questionários aplicados com Procuradores e Promotores de justiça
do Estado da Bahia
Procuradores e Promotores Percentual
População (universo) 585 100%
Questionários 585 100%
encaminhados
Amostra obtida 123 21%
(devolutiva)
Fonte: O próprio autor (2020)

Assim, a distribuição dos instrumentos foi equitativa e a amostra foi suficientemente


extensa e estratificada. Em relação ao sexo dos membros, por exemplo, foi identificada, quase
que precisamente, a mesma proporção divulgada oficialmente pela instituição. Com efeito, no
levantamento, foi identificada uma maioria de 53,7% que se autodeclarou do sexo feminino.
Esse índice é praticamente idêntico ao revelado pela instituição em 2018, quando afirmou ser
composta por 52,1% de mulheres59. Entretanto a devolutiva por parte da variável independente
“cargo” foi inferior para “procurador”, já que apenas 7% desse grupo respondeu ao questionário,
enquanto a participação de promotores obteve uma amostra de 22%.
Após a coleta dos dados, foi gerado, através do Google Forms, uma planilha no formato
Microsoft Excel, e, logo em seguida, o banco de dados foi migrado para o programa SPSS
(Statistical Package for the Social Sciences)60. Na análise dos dados, o pesquisador utilizou as
planilhas de estatística contendo frequências simples e cruzadas envolvendo as variáveis
dependentes e independentes.
Impõe-se registrar que pesquisa foi realizada durante a crise do coronavírus e não se
pode descartar eventual interferência desse fato nos resultados. Entretanto, os dados não
sugerem a influência desse período, mesmo porque os instrumentos foram aplicados ainda no
início da crise. De todo modo, é possível - e até esperado - que haja alterações no
comportamento da instituição a partir dessa experiência que teve forte impacto nas relações
sociais, redefinindo as formas de compreender, de interagir, de trabalhar e de viver.

59
https://www.mpba.mp.br/noticia/43098.
60
Pacote estatístico para as ciências sociais.
111

5 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA

Admitindo-se, portanto, a possibilidade de existência de unidade - em um sentido


político - entre os diversos Ministérios Públicos e a possibilidade de um mesmo habitus, neste
capítulo serão abordados o desenvolvimento do Ministério Público do Estado da Bahia e os
resultados do levantamento realizado com seus membros. Com isso, espera-se cotejar as
imagens e autoimagens do Ministério Público, visando confirmar a hipótese da construção de
uma identidade institucional do MP como agência anticorrupção.

5.1 BREVE PANORAMA DO DESENVOLVIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO


ESTADO DA BAHIA

Apesar de ser considerado o mais antigo da América Latina, com 410 anos de
história, pode-se dizer que o Ministério Público da Bahia é um jovem, com pouco mais de
trinta anos de existência. Inclusive, muito embora no plano formal a instituição tenha
renascido em 1988, formalmente autônoma e poderosa, a verdade é que o desenvolvimento
da sua musculatura administrativa somente ocorreu alguns anos depois, conforme se extrai
a partir do seguinte registro:

Apesar dos protestos, somente em 1991 é realizada a primeira eleição


direta para Procurador-Geral de Justiça e o Ministério Público baiano passa
de fato a ter a autonomia e independência preceituadas na Carta Magna e
na Constituição Estadual da Bahia, promulgada em 5 de outubro de 1989.
A desvinculação física do Poder Judiciário também ocorreu neste período.
O Ministério Público, desde a sua criação, foi abrigado pela estrutura do
Judiciário baiano. Na década de 80, a Instituição ocupava apenas algumas
salas do 4º andar do Fórum Ruy Barbosa. Mas, com a ampliação de suas
atribuições, o Ministério Público precisava de uma casa para receber a
sociedade. Apesar da resistência daqueles que achavam que os promotores
de justiça deveriam estar no Fórum e que o Ministério Público não
precisava de uma estrutura administrativa própria, a Instituição adquiriu,
em 1986, a sua primeira sede, o Palacete Ferraro. […] A concretização final
da legitimação formal se deu com a aprovação, em 1996, da Lei
Complementar nº. 11 (a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado da
Bahia), que garantiu uma integração ainda mais plena com a sociedade
baiana, efetivada com a instalação e funcionamento de, pelo menos, uma
Promotoria de Justiça em cada uma das comarcas de nosso estado e com a
112

ampliação significativa do quadro de procuradores e promotores de justiça.


(MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA).

Figura 15 - 1986 – Primeira sede própria do Ministério Público do Estado da Bahia

Fonte: Ministério Público do Estado da Bahia

Nos anos 90, o Ministério Público baiano iniciou o processo de expansão da estrutura
física pelo interior do estado, por meio da criação de escritórios regionais, sendo instalados
paulatinamente, em prédios cedidos ou alugados, nos municípios de Barreiras, Feira de Santana,
Guanambi, Itabuna, Juazeiro, Porto Seguro, Simões Filho e Vitória da Conquista. Somente em
1998, foram instituídas as 27 Promotorias de Justiça Regionais, cujas sedes foram sendo
construídas ou instaladas ao longo da primeira década dos anos 2000 (MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DA BAHIA). Em 2010, foi construída e inaugurada a sede principal do
Ministério Público do Estado da Bahia no Centro Administrativo da Bahia, onde atualmente
estão instaladas a Procuradoria-Geral de Justiça, a Corregedoria-Geral, Ouvidoria, o Colégio
de Procuradores, o Conselho Superior, o gabinete dos procuradores de justiça, o Centros de
Apoio Operacional, a Superintendência Administrativa e suas diversas diretorias
(MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA).
113

Figura 16 - 2010 - Sede principal do Ministério Público do Estado da Bahia

Fonte: Ministério Público do Estado da Bahia

Contudo, apesar dos enormes avanços estruturais, em 2017, o Ministério Público do


Estado da Bahia ainda possuía apenas 10 sedes próprias e 56 locadas. As demais, 161, eram
cedidas (CNMP, 2018). Estas últimas, quase a totalidade, ainda são Promotorias instaladas em
uma sala nos interiores dos Fóruns do Poder Judiciário. Apenas para se ter uma comparação
com o cenário nacional, no mesmo período, Ministérios Públicos brasileiro já possuía cerca de
73,7% de sedes próprias ou locadas (CNMP, 2018).
O primeiro concurso público para servidores efetivos do Ministério Público do Estado
da Bahia somente foi realizado em 2004 (MINISTÉRIO PÚBLIO DO ESTADO DA BAHIA).
Atualmente, a instituição é composta 585 membros e 2.081 servidores61, sendo que parte desses
são de analistas das mais diversas áreas que atuam na realização de perícias e estudos técnicos.
Nada obstante, em 2017, o Ministério Público do Estado da Bahia ainda ocupava a última
colocação entre os Ministérios Públicos estaduais no ranking do Índice de membros por
população, com uma média de apenas 4,1 membros por 100 mil habitantes, enquanto o MPDFT
possuía 15,4 membros por 100 mil habitantes. A relação de servidores também era crítica, vez
que, com 1,8 servidores por 100 mil habitantes, o MPBA ocupava a 19ª posição entre os

61
Conforme o portal da transparência do Ministério Público do Estado da Bahia. Disponível em:
https://www.mpba.mp.br/portaltransparencia/gestao
114

Ministérios Públicos Estaduais, bem distante do MP/RO que contava com 5 servidores para
cada grupo de 100 mil habitantes (CNMP, 2018). Vale dizer que a relação de servidores deve
ter melhorado substancialmente em razão da recente posse de mais de 286 assessores62. Já a
proporção de promotores certamente continua baixa, mesmo com recente nomeação de 25
promotores de justiça substitutos em dezembro de 201963.

Gráfico 7 – Índice de membros por população, em 100 mil habitantes. Ministério Público Estadual e
Ministério Público da União, 2017.

Fonte: CNMP (2018)

Ainda assim, o Ministério Público da Bahia apresenta uma alta produtividade como
pode-se observar, por exemplo, na comparação da quantidade de inquéritos civis e
procedimentos preparatórios instaurados:

62
https://www.mpba.mp.br/noticia/49688
63
https://www.mpba.mp.br/noticia/49298
115

Figura 16 – Procedimentos instaurados por Estado. Ministério Público Estadual e do Distrito Federal e
Territórios, 2017

Fonte: CNMP (2018, p. 52)

Organicamente, de forma simplificada, nos termos da LC Estadual nº 11/96, o


Ministério Público do Estado da Bahia compreende os órgãos da administração superior
(Procuradoria-Geral de Justiça, Colégio de Procuradores, Conselho Superior e Corregedoria
Geral), as Procuradorias e Promotorias e os órgãos auxiliares, que incluem a Ouvidoria, os
Centros de Apoio, o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional – CEAF e os órgãos de
apoio técnico, administrativo e assessoramento.
Na atuação finalística, o Ministério Público ainda conta com núcleos e grupos
especializados, destacando-se o Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações
Criminosas e Investigações Criminais – GAECO, o Grupo Especial de Atuação para o Controle
Externo da Atividade Policial - GACEP e o Grupo de Combate à Sonegação Fiscal e aos Crimes
contra a Ordem Tributária, Econômica, as Relações de Consumo, a Economia Popular e os
Conexos – CAESF, criados pela Resolução nº 004/2006; o Grupo de Atuação Especial de
Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa – GEPAM, criado pela
Resolução nº 005/2006; o Núcleo de Investigação dos Crimes Atribuídos A Prefeitos – CAP,
116

criado pelo Ato nº 324/2007; e o Núcleo de Combate aos Crimes Cibernéticos – NUCCIBER,
criado Ato nº 418/2011.
Vale esclarecer que, com maior frequência, se verificam dois modelos de estruturas
especializadas para o enfrentamento dos crimes mais graves e complexos, envolvendo a
corrupção, organizações criminosas e os criminosos do colarinho branco: o de promotoria
especializada e o de grupo de atuação especial. O primeiro modelo, é mais rígido e está adstrito
geralmente à titularidade de um promotor de Justiça apenas. Porém tem a vantagem de garantir
maior independência funcional e autonomia, além de ser menos sujeito às alterações
administrativas. Já o modelo de grupo de atuação especial, tem a vantagem de possibilitar a
identificação de perfis vocacionados, mediante a designação de membros, porém é mais
suscetível às alterações na gestão do Ministério Público. Tanto a sua estrutura como os membros,
por serem designados, podem ser facilmente alterados pela simples vontade do gestor. Esse
modelo, cujos melhores exemplos são os GAECOS e os GAECCS estaduais, não se confundem
com a força tarefa, as quais tem designações ainda mais precárias e destinadas à casos
específicos, como ocorreu na Operação Lava Jato.
A legitimidade do grupo de atuação especial ainda pode variar conforme lhe sejam
incumbidas atribuições naturais ou para atuações conjuntas com o promotor titular. O primeiro
formato, segundo o nosso entendimento, viola o princípio constitucional do promotor natural,
na medida em que estabelece atribuições naturais, fora dos casos de delegação, a um corpo de
promotores designados sem critérios pré-estabelecidos objetivamente. Já o segundo formato,
permite compatibilizar a independência do promotor natural - que conhece melhor a realidade
local - com a designação de uma estrutura técnica e especializada, que apesar da maior
flexibilidade orgânica, como no caso das forças tarefas, possuem expertise duradoura.
No enfrentamento da corrupção, além do GAECO e do GEPAM, que estão concentrados
na Capital e que possuem, respectivamente, atribuições penais e civis, o Ministério Público do
Estado da Bahia optou no atual planejamento estratégico pela instituição de Promotorias de
Justiça especializadas em moralidade administrativa e patrimônio público. Impõe-se salientar,
contudo, que os casos de grande complexidade dificilmente são enfrentados por apenas um
promotor de Justiça, sendo essencial a constituição de equipes nestes casos, de modo que os
dois modelos devem ser complementares e não contrapostos.
Cumpre dizer que nos últimos anos o Ministério Público do Estado da Bahia tem
avançado exponencialmente do ponto de vista da investigação, da inteligência e das tecnologias.
Em 2006, por exemplo, através doa ato 114/2006, foi implantado o Núcleo de Inteligência
117

Criminal – NIC64. Em 2009, foi criada a Central de Apoio Técnico – CEAT, como órgão auxiliar
para a realização de análises técnicas65. Em 2010, foi instituído o Núcleo de Articulação ao
Combate à Lavagem de Dinheiro – NAC-LD, através do Ato nº 632/2010. Em 2014, foi
adquirida uma sala-cofre, totalmente protegida do fogo, calor, umidade, acesso indevido,
magnetismo e até de explosão, tecnologia essa que, até aquele momento, era restrita ao
Ministério Público Federal e mais quatro Ministérios Públicos estaduais66. Além disso, tem se
desenvolvido sistemas e plataformas próprias de tecnologia da informação que tem elevado as
investigações ministeriais a um novo patamar, além de viabilizar a tramitação digital de
procedimentos e processos.

5.2 O PLANO ESTRATÉGICO E AS PRIORIDADES INSTITUCIONAIS

A primeira experiência do Ministério Público do Estado da Bahia com planejamento


estratégico ocorreu em dezembro de 2002, através de reuniões entre procuradores e promotores
de justiça, onde foram discutidos os direcionamentos básicos para a Instituição, resultando em
um plano de ação à época denominado Plano Geral de Atuação (PGA ), a ser implementado
entre 2004 e 2009 (BAHIA, 2011, p. 36).
Em 2010, o Ministério Público do Estado da Bahia deu início a um novo modelo de
gestão estratégica, com foco nos resultados, que levou à elaboração do atual plano estratégico
2011-2023), construído com o engajamento de significativa parcela dos membros das 1ª e 2ª
instâncias, e servidores, da capital e do interior. “Tudo isso com o fim de atender à sua missão
(defender a sociedade e o regime democrático, para garantia da cidadania plena) e alcançar, até
o ano de 2023, sua visão estratégica (ser reconhecida como instituição de excelência, indutora
do respeito aos direitos fundamentais e interesses sociais) (BAHIA, 2011, p. 36-48). O plano
estratégico foi orientado pela perspectiva de resultado para a sociedade que pode ser ilustrado
do seguinte modo:

64
Posteriormente transformado em Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência - CSI, através do
ato 33/2015
65
https://www.mpba.mp.br/noticia/26336
66
https://www.mp.ba.gov.br/noticia/28856
118

Figura 18 - Relação das perspectivas do plano orientadas para resultado

Fonte: BAHIA (2011, p. 41)

Com base nos processos internos, foram definidos 19 objetivos estratégicos: promover
o aperfeiçoamento do sistema de defesa social; promover saúde pública de qualidade; promover
educação pública de qualidade; promover a probidade na gestão pública; promover a proteção
da criança e do adolescente; promover a defesa da cidadania; promover a defesa do meio
ambiente; promover a defesa dos direitos do consumidor; implantar e implementar a gestão
estratégica; fortalecer as alianças estratégicas; aperfeiçoar o instrumental normativo do
ministério público; aperfeiçoar a atuação funcional; fomentar a integração institucional;
melhorar a gestão administrativa; incrementar recursos e fortalecer; a gestão orçamentária e
financeira; aperfeiçoar a política de gestão de pessoas; ampliar e melhorar a infraestrutura
tecnológica e implantar novo modelo de gestão de tecnologia da informação; e fortalecer a
imagem institucional.
Em relação ao combate à corrupção, especificamente, houve o estabelecimento do
objetivo quatro, que busca promover a probidade na gestão pública. Dentro dele foram
estabelecidas as seguintes estratégias, sendo que cada um reúne um grupo de iniciativas: 1)
reestruturar e aperfeiçoar o combate à improbidade administrativa e a defesa do patrimônio
público no MP/BA; 2) promover a transparência das gestões e contas públicas em todo o estado;
119

3) aperfeiçoar a persecução criminal dos crimes atribuídos a gestores públicos estaduais e


municipais; 4) aperfeiçoar a fiscalização da aplicação das verbas públicas destinadas às
entidades do terceiro setor; e 5) fiscalizar os recursos destinados à Saúde Pública. Entre as
iniciativas, destacam-se algumas ações que fortalecem a perspectiva de agência anticorrupção,
a exemplo da estruturação do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Defesa do
Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa; a capacitação do integrantes do sistema de
combate à improbidade administrativa e defesa do patrimônio público nas áreas de orçamento
e finanças públicas, inteligência, Tecnologia da Informação (TI) e controle da administração
pública; a atuação articulada e integrada do grupo Grupo de Atuação Especial de Defesa do
Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (GEPAM), do Núcleo de Crimes
Atribuídos a Prefeitos (CAP) e das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e
da Moralidade Administrativa; a criação e estruturação de Promotorias de Justiça
Especializadas na Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa nos
municípios com 100 mil ou mais habitantes; e a articulação junto ao TJ/BA para a melhoria e a
efetividade da prestação jurisdicional na defesa do patrimônio público e no combate à
improbidade administrativa, bem como com outros órgãos como os tribunais de contas e o MPF.
O cumprimento do plano estratégico é monitorado pela Gestão Estratégica do Ministério
Público do Estado da Bahia. Além disso, a Corregedoria também realiza o acompanhamento,
através da exigência de relatórios de projetos estratégicos. Nada obstante, apesar de ter efeitos
orçamentários e administrativos, o plano não parece influenciar diretamente a gestão e atuação
na ponta, ou seja, nas Promotorias de Justiça, o que pode ser fruto da ausência de indicadores
de adequados, diagnósticos eficientes e debates conscientes acerca das estratégias de atuação
dos promotores de justiça. Em outras palavras, falta um elo entre as estratégias traçadas no
âmbito superior e a produção na atividade finalística, que exige a racionalização e priorização
conforme a disponibilidade de recursos materiais e humanos. Como bem exposto pelo ex-
Corregedor-Geral do Ministério Público do Estado da Bahia, o Procurador de Justiça Marco
Antônio Chaves da Silva (2017, p. 117-118):

Para enfrentar esse desafio, a adoção de planejamentos estratégicos, como


uma recomendação do CNMP, vem se revelando um caminho viável e
necessário. Todavia, esse planejamento deveria estar nos proporcionando a
execução de nossa atividade numa perspectiva não apenas restrita ao âmbito
de nossas lotações, mas dentro de um espectro mais amplo, o que infelizmente
ainda não se verifica, pois prepondera internamente a cultura da atuação
individual de cada membro, que, por suas competências e habilidades, podem
ou não revelar o desempenho esperado para as missões que lhes são conferidas.
[...] Assim, fica evidente a importância da delimitação de metas e de foco em
120

determinadas áreas consideradas prioritárias, até que estas alcancem um nível


de amadurecimento que repercuta na possibilidade real de atenção a outras
áreas ou a outros projetos, mesmo que tenha havido alguma descontinuidade
em alguma das gestões.

Os projetos estratégicos se apresentam como uma das ferramentas para a materialização


dos objetivos estratégicos nas promotorias, porém, dependem da iniciativa dos membros. Além
disso, os projetos são dispersos e não refletem inteiramente o planejamento estratégico, mas
apenas uma das iniciativas, com resultados meramente locais, a menos que haja uma grande
adesão.
Para o cumprimento do Plano Estratégico, o Ministério Público elabora anualmente o
Plano Geral de Atuação, que representa um recorte temporal das iniciativas estratégicas
(orçamentárias e não orçamentárias), que são desdobradas em projetos ou planos de ação para
viabilizar o alcance de metas e impulsionar a sua atuação (BAHIA, 2020, p. 8). No âmbito
orçamentário, o planejamento é realizado através do Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes
Orçamentárias. Para executar esse planejamento, o Ministério Público apresenta anualmente
todas as ações estruturadas na forma de projetos/atividades, assim como os produtos dessas
ações, com vistas a atingir as metas dos indicadores definidos para um ano (BAHIA, 2020, p.
8).
Nessa pesquisa, foi realizado um levantamento de todas as leis orçamentárias anuais
disponíveis no site da Secretaria do Planejamento da Bahia67 , sendo encontradas as leis do
período de 2013 a 2020. A partir dessa análise, verificou-se que nos anos de 2013, 2014 e 2015,
os recursos destinados ao combate à corrupção e à proteção da moralidade não tinham um
projeto específico, vez que estavam inseridos no projeto/atividade “6404 Proteção e Defesa da
Cidadania Plena”, que visa “Promover efetividade à implementação dos direitos humanos,
combatendo a discriminação e a violência contra a mulher, zelando pelos direitos dos idosos e
dos portadores de deficiência, defendendo o patrimônio público e a moralidade administrativa”.
Em 2013 e 2014, o valor destinado a essas atividades era de 145 mil reais. Já em 2015, o valor
aumentou para 250 mil reais e a redação da atividade passou a destacar as “ações judiciais e/ou
extrajudiciais para prevenir e combater a ilegalidade e a lesão ao patrimônio Público e a
moralidade administrativa”. Essa modificação, que ocorre no final de 2014 e início de 2015,
parece ser o início do aumento da importância do combate à corrupção nos orçamentos
ministeriais dos anos seguintes.

67
http://www.seplan.ba.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=19
121

Interessante notar que, a partir de 2016, as leis orçamentárias passaram a prever


projetos/atividades específicos para o combate à corrupção, como por exemplo: 2055 Atuação
Especializada em Investigação na Área de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade
Administrativa - Prover o suporte técnico especializado e interdisciplinar a integrantes do
Ministério Público para investigação de ameaças ou danos ao Patrimônio Público e à
Moralidade Administrativa; e 4762 Atuação Ministerial na Área de Repressão, Prevenção e
Promoção do Combate à Corrupção e à Impunidade - Realizar ações de sensibilização para
mudança de atitudes em prol do fortalecimento dos valores éticos pela sociedade, combate à
corrupção e a impunidade.
Também a partir do orçamento de 2016, estabelecido pela Lei nº 13.470, de 30 de
dezembro de 2015, nota-se um progressivo aumento do orçamento destinado à defesa do
patrimônio público e da moralidade. Embora não seja possível correlacionar cientificamente,
esse fenômeno coincide com o crescimento da Operação Lava Jato e a maior cobrança da
sociedade em relação à corrupção.

Gráfico 8 – Evolução das despesas nominais do Ministério Público com o enfrentamento da corrupção
e a defesa moralidade nas leis orçamentárias de 2016 a 2020

R$273.000,00

R$214.000,00

R$144.000,00

R$94.000,00 R$100.000,00

2016 2017 2018 2019 2020

Valor em R$

Fonte: O próprio autor (2020)

Entretanto, no orçamento de 2020, antes mesmo de ser declarada a pandemia no Brasil,


já se observa uma redução brusca no orçamento destinado ao combate à corrupção,
praticamente retornando-o ao valor nominal de 2016, o que pode evidenciar uma diminuição
da importância da corrupção enquanto categoria no âmbito do Ministério Público estadual, pelo
menos no plano orçamentário. De fato, através da Lei nº 14.184, de 10 de janeiro de 2020, o
termo “corrupção” desaparece completamente do orçamento do Ministério Público do Estado
da Bahia e os recursos da área são alocados no projeto “4074 Atuação Ministerial de Fomento
122

à Probidade na Gestão Pública”, que visa “fomentar ações judiciais e/ou extrajudiciais para
qualificar e subsidiar a atuação finalística com ênfase na resolutividade e nas medidas que
objetivem a defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa”.
Dentre os projetos que compõem o programa da “Defesa da Sociedade e Promoção da
Cidadania”, a “Atuação Ministerial de Fomento à Probidade na Gestão Pública” foi o que teve
o menor valor para o ano de 2020. Sobrelevam, contudo, a “Defesa e Proteção do Meio
Ambiente” e a “Implementação da Atividade de Inteligência e Segurança Institucional do
Ministério Público”:

Gráfico 9 – Comparação dos valores destinados aos projetos/atividades no orçamento do Ministério


Público do Estado da Bahia de 2020
R$ 900.000
R$ 800.000
R$ 700.000
R$ 600.000
R$ 500.000
R$ 400.000
R$ 300.000
R$ 200.000
R$ 100.000
R$ 0
Valor em R$

Atuação Ministerial de Fomento à Atuação Ministerial na Defesa e


Probidade na Gestão Pública Proteção da Mulher e da População
LGBTQ+
Atuação Ministerial na Proteção e Atuação Ministerial na Defesa dos
Defesa dos Direitos do Consumidor Direitos Cíveis e das Entidades do
Terceiro Setor
Atuação Ministerial no Atuação Ministerial na Defesa e
Aperfeiçoamento do Sistema de Defesa Proteção da Bacia do Rio São Francisco
Social e Segurança Pública
Atuação Ministerial na Defesa e Atuação Ministerial de Fomento ao
Proteção da Mata Atlântica Combate a Criminalidade

Atuação Ministerial na Defesa e Atuação Ministerial na Defesa e


Proteção dos Direitos Humanos Proteção da Criança e do Adolescente

Atuação Ministerial na Defesa e Atuação Ministerial na Defesa da


Proteção da Saúde Pública Educação Pública de Qualidade

Assessoria Técnica na Atuação Atuação Ministerial na Defesa e


Finalística do Ministério Público Proteção do Meio Ambiente

Fonte: O próprio autor (2020)


123

Impõe-se registrar que não foram considerados os gastos com pessoal pois, além de já
compor os custos normais da atividade ministerial, não seria possível individualizá-los de
acordo com a área de atuação, mesmo porque as atribuições quase sempre são desenvolvidas
por membros e servidores cumulativamente com outras matérias. Além disso, é preciso advertir
que o referido levantamento se refere apenas ao planejamento orçamentário e não
necessariamente expõe a realidade da atuação ministerial. Inclusive, naturalmente, o
investimento na assessoria técnica e nas atividades de inteligência naturalmente reflete no
combate à corrupção, assim como também influi em outras atribuições. Porém, nem por isso
podem ser desprezadas as alterações abordadas, vez que tem relevância quando analisadas o
histórico de elevação e posterior redução.

5.3 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA E O COMBATE A CORRUPÇÃO

Segundo levantamento realizado no site do Ministério Público do Estado da Bahia,


atualmente existem 99 Promotorias de Justiça com alguma especialização na atribuição da
moralidade administrativa e do patrimônio Público. O critério para considerar alguma
especialização foi muito amplo, excluindo-se apenas as Promotorias de Justiça de atribuição
plena. Ou seja, foram consideradas todas as Promotorias de Justiça investidas da atribuição de
na atribuição da moralidade administrativa e do patrimônio Público, que não seja a única da
Comarca.
Entre as Promotorias de Justiça com apenas duas promotorias, a maioria tem as
atribuições de patrimônio público cumulada com infância e crime, as quais normalmente são
desempenhadas com total prioridade sobre a primeira. Quanto às promotorias com três ou mais
unidades, não se observa uniformidade entre a distribuição de atribuições, o que revela que a
instituição não possui uma sistemática quanto à distribuição de atribuições visando determina
a prioridade de determinadas matérias quanto a este critério. Entre todas essas promotorias,
constatou-se que apenas três promotorias atualmente são totalmente especializadas na
atribuição de moralidade administrativa e do patrimônio Público: 1ª Promotoria de Barreiras;
8ª Promotoria de Eunápolis; e 21ª Promotoria de Feira de Santana.
Ainda se reduzido o critério de especialização, considerando-se as Promotorias de
Justiça que cumulam a defesa da moralidade administrativa e do patrimônio público com apenas
mais outra responsabilidade, constata-se que apenas mais oito Promotorias de Justiça na Bahia
124

possuem condições de exercer a defesa da probidade com a especialização adequada: (8ª


Promotoria de Ilhéus; 4ª Promotoria de Itaberaba; 4ª Promotoria de Jequié; 6ª Promotoria de
Paulo Afonso; 5ª Promotoria de Porto Seguro; 01 Promotoria de Cidadania de Salvador; 3ª
Promotoria de Candeias; 5ª Promotoria de Lauro de Freitas). Vale observar que nem mesmo as
15 Promotorias de Justiça de Cidadania de Salvador possuem especialização, vez que cumulam
as atribuições de moralidade administrativa e patrimônio público com outras matérias, como
pessoas com deficiência, idoso, saúde, educação e discriminação. Outrossim, mesmo no
Município de Vitória da Conquista, a 3ª maior cidade da Bahia, a Promotoria de Justiça da
moralidade administrativa e do patrimônio público cumula as suas atribuições com as matérias
de defesa do consumidor, meio ambiente, patrimônio histórico e fiscalização das fundações e
terceiro setor.
Logo, verifica-se que em toda a Bahia, apenas cerca de onze Promotorias encontram-se
formalmente dedicadas à atuação na defesa da moralidade administrativa e do patrimônio
público. É claro que comarcas muito pequenas não exigem uma Promotoria de Justiça tão
especializada, mas muitas cidades grandes não possuem, enquanto Comarcas menores já
contam com promotorias exclusivas. De todo modo, há notória falta de uniformidade da
distribuição de atribuições, demonstrando ausência de prioridade quanto à distribuição de
recursos humanos.
Ainda assim, o Ministério Público do Estado da Bahia tem apresentado razoável
produtividade no enfrentamento da corrupção, conforme comprova o levantamento quantitativo
de procedimentos investigatórios. Segundo o Anuário do CNMP (2018), em 2017, o maior
volume de inquéritos civis e procedimentos preparatórios instaurados foi da área de meio
ambiente, que correspondeu a 35,1%. O tema da improbidade administrativa, diferentemente
do que ocorre no cenário nacional, somente apareceu em segundo lugar, com 19,6%, porém
ainda assim com grande relevância, principalmente se considerado a quantidade de promotorias
altamente especializadas na matéria.
125

Tabela 6 - Dez principais assuntos processuais dos inquéritos civis e procedimentos preparatórios
instaurados pelo Ministério Público do Estado da Bahia em 2017.

Fonte: CNMP (2018, p.131)

No âmbito dos procedimentos investigatório os temas relativos à corrupção (crimes da


lei de licitações, crimes de responsabilidade, corrupção passiva e peculato) também aparecem
com boa produtividade, inclusive em relação ao cenário nacional, correspondendo a 20,1% do
total:

Tabela 7 - Dez principais assuntos processuais dos procedimentos investigatórios criminais instaurados
pelo Ministério Público do Estado da Bahia em 2017.

Fonte: CNMP (2018, p.137)

Esses dados somente levam em consideração inquéritos civis, procedimentos


preparatórios e investigatórios criminais. Assim, não abrangem inquéritos policiais e nem
mesmo a atuação judicial, razão pela qual não servem para comprovar a priorização da
instituição nessas áreas. Além disso, os dados consideram apenas a instauração de feitos, sem
levar em conta os resultados ou mesmo a qualidade da atuação, que depende de outras
avaliações. Entretanto, ainda assim esses achados devem ser considerados indicativos das
matérias que mais foram objeto da proatividade e da investigação do Ministério Público.
Além disso, o MPBA tem realizado operações relevantes no Estado, com sistemática
semelhante à empregada na operação Lava Jato, mediante o emprego, por exemplo, de técnicas
especiais de investigação, colaboração premiada, big data, recuperação de ativos e atuação
conjunta de várias instituições e órgãos. Segundo a pesquisa realizada com os membros, as
operações mais importantes realizadas pelo Ministério Público do Estado da Bahia no
126

enfrentamento da corrupção foram a Janus (2008)68, Corcel Negro (2011)69, Adsumus (2016)70,
Citrus (2017)71 , Último Tango (2017)72 , Pityocampa (2018)73 , Xavier (2019)74 , e Freio de
arrumação (2019)75, além de outras, conforme a nuvem de palavras a seguir:

Figura 19 - Nuvem de palavras das operações mais importantes realizadas pelo Ministério Público do
Estado da Bahia

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Entre as operações consideradas mais relevantes, os respondentes destacaram as


operações Adsumus (47%), Citrus (19%) e Xavier (10%), as quais passamos a analisar
brevemente.

5.3.1 Operação Adsumus

A operação Adsumus, segundo os Procuradores e Promotores de justiça, é, de longe, a


mais importante do Estado da Bahia, tendo inspirado a toda a instituição. Deflagrada em julho
de 2016, nos municípios de Santo Amaro, Lauro de Freitas, Camaçari e Salvador, a operação

68
https://www.mpba.mp.br/noticia/24783
69
https://www.mpba.mp.br/noticia/26736
70
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
71
https://www.mpba.mp.br/noticia/36404
72
https://www.mpba.mp.br/noticia/40236
73
https://www.mpba.mp.br/noticia/44857
74
https://www.mpba.mp.br/noticia/46419
75
https://www.mpba.mp.br/noticia/48142
127

foi conduzida pelas Promotorias de Justiça de Santo Amaro e teve por objetivo combater fraudes
em licitações, além de crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa76.
As investigações foram iniciadas a partir de visitas in loco, previstas no
programa “Saúde + Educação – Transformando o Novo Milênio”, quando foi descoberto um
total de 18 obras inacabadas, relativas a 20 contratos, firmados entre 2011 e 2015, para reformas
de escolas e construção de creches, cujos valores eram incompatíveis com o estágio e a
dimensão dos empreendimentos e que resultavam uma lesão de mais de R$ 24 milhões aos
cofres públicos77.
As apurações realizadas pelos Promotores de justiça de Santo Amaro, João Paulo e
Aroldo Almeida, descortinaram, inicialmente no seio da Secretaria de Obras do Município, uma
associação criminosa composta por empresários e agentes públicos, que praticavam fraudes em
licitações consistentes no favorecimento de um grupo específico de empresas para a compra de
materiais e locação de máquinas, a serem utilizadas na realização de obras em contratos de
obras públicas prorrogadas mediante justificativas forjadas7879 . A operação foi articulada pelos
promotores de justiça da comarca de Santo Amaro e envolveu membros do GAECO, dezenas
de promotores de justiça designados, a Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência
(CSI) e o Centro de Apoio Criminal (CAOCRIM) do Ministério Público do Estado da Bahia.
Além disso, contou com o apoio de policiais civis, do Departamento de Repressão e Combate
ao Crime Organizado (DRACO) e do Centro de Operações Especiais (COE), bem como da
Polícia Rodoviária Federal808182.
Na primeira fase, foram presos o vice-prefeito de Santo Amaro, o secretário de Obras,
um servidor público e três empresários, sendo todos denunciados. Além disso foram cumpridos
nove mandados de busca e apreensão, expedidos pelo Poder Judiciário na Comarca de Santo
Amaro, sendo apreendidos documentos, telefones celulares e computadores. No âmbito civil,
também foi determinado o afastamento por 180 dias do vice-prefeito e do secretário de obras,
além de acionados dois empresários e as empresas Grauthec Construtora Ltda, Oliveira Santana
Construções Ltda, Serv Bahia Locações de Máquinas e Equipamentos Ltda, Real Locação de
Veículos Máquinas e Equipamentos Ltda e Ayres Materiais de Construção Ltda8384. Em setembro

76
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
77
https://www.mpba.mp.br/noticia/33590
78
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
79
https://www.mpba.mp.br/noticia/33590
80
https://www.mpba.mp.br/noticia/33547
81
https://www.mpba.mp.br/noticia/34577
82
https://www.mpba.mp.br/noticia/34577
83
https://www.mpba.mp.br/noticia/33590
84
https://www.mpba.mp.br/noticia/33760
128

de 2016, foi deflagrada a segunda etapa da operação Adsumus, sendo cumpridos oito mandados
de condução coercitiva e 9 mandados de busca nas cidades de Salvador, Lauro de Freitas e
Camaçari, resultando, inclusive, na apreensão de cinco veículos de alto poder aquisitivo, joias
e valores em dinheiro. Os alvos foram empresários e as empresas Serv Bahia, Real Locação,
Grauthec Construtora Ltda e Oliveira Santana Construções, que faziam parte do esquema de
fraude em licitações, apresentando preços similares e inviabilizando a aquisição do menor preço,
em cerca de 20 municípios da Bahia, com a utilização de "laranjas" para assumir os negócios85.

Figura 20 – Coletiva à impressa sobre a segunda etapa da Operação Adsumus realizada em 06 de


setembro de 2016.

Fonte: Ministério Público do Estado da Bahia(2016)

A terceira etapa ocorreu em outubro de 2016, nos municípios de Salvador, Feira de


Santana, Camaçari, Ipirá, Muritiba, Lauro de Freitas e Santo Amaro, para o cumprimento de
quatro mandados de prisão, quatro de condução coercitiva e oito de busca e apreensão. Nessa
altura, o Ministério Público já havia visitado 124 escolas e unidades de saúde e apurava a
movimentação de recursos pelo esquema, da ordem de 300 milhões, em cerca de 45 municípios
baianos 86 . Durante a operação, um dos denunciados firmou colaboração premiada com o
Ministério Público, que foi homologada pelo Tribunal de Justiça da Bahia, para a devolução
aos cofres públicos no valor de R$ 2 milhões. Em março de 2017, também foram denunciados

85
https://www.mpba.mp.br/noticia/34123
86
https://www.mpba.mp.br/noticia/34586
129

o ex-prefeito de Santo Amaro, Ricardo Machado do Carmo, e outras pessoas, além de


novamente presos o vice-prefeito de Santo Amaro e o Secretário de Obras 87.
Na quinta etapa, em julho de 2017, as Promotorias de Justiça da comarca de Santo
Amaro, em parceria com a Polícia Federal, cumpriram novos mandados de conduções
coercitivas e de busca e apreensão nos municípios de Salvador, Lauro de Freitas e Santo Amaro,
com foco no desvio de recursos na aquisição de combustível, contratação de bandas e realização
de eventos, por meio de empresas da área de entretenimento que licitavam com o Município. No
decorrer das investigações, foi identificado que parte dos recursos desviados tinham origem em
programas federais, decorrentes de convênios ou transferências de fundos da Educação, Saúde
e Desenvolvimento que eram transferidos a um operador do pagamento de propina, que
viabilizava a transferência para agentes políticos e servidores públicos envolvidos no esquema.
Nesta fase, foi determinado, ainda, o bloqueio de R$ 38 milhões em valores, imóveis e
veículos88.
Em dezembro de 2017, foi realizada a sexta fase da Operação Adsumus por
intermédio do GAECO, da 1ª Promotoria de Justiça de Santo Amaro e da Promotoria de Justiça
de Muritiba, com o objetivo de reprimir delitos contra a administração pública, lavagem de
dinheiro e licitações e contratos fraudulentos praticados no âmbito das Prefeituras de Muritiba
e Santo Amaro, sendo cumpridos cinco mandados de prisão temporária e seis de busca e
apreensão, expedidos pelas Varas Criminais de Santo Amaro e de Muritiba, nos municípios de
Salvador, Lauro de Freitas e Cruz das Almas89. Em outubro de 2018, a Justiça do Estado da
Bahia prolatou a primeira e única condenação do ex-prefeito de Muritiba, Roque Luiz dos
Santos, a 11 anos e oito meses, e do empresário Anderson Bela da Conceição Gomes, a oito
anos e quatro meses de prisão, em regime fechado, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem
de dinheiro. Para a comprovação da atuação criminosa foram utilizadas diversas ferramentas
investigatórias, como afastamento de sigilo de dados bancários e fiscal, interceptação telefônica
e colaboração premiada90. Em março de 2020, foi noticiado que cerca de 488 mil reais, parte
dos recursos oriundos de colaboração premiada no âmbito da Operação Adsumus, foram
destinados para a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (SESAB), por meio de transferência
ao Fundo Estadual de Saúde, para o custo exclusivo de medidas de prevenção, contenção e
combate à pandemia do coronavírus no estado91.

87
https://www.mpba.mp.br/noticia/35164
88
https://www.mpba.mp.br/noticia/37655
89
https://www.mpba.mp.br/noticia/40796
90
https://www.mpba.mp.br/noticia/44033
91
https://www.mpba.mp.br/noticia/50659
130

5.3.2 Operação Citrus

A operação Citrus é considerada a segunda operação mais relevante levada a efeito pelo
Ministério Público do Estado da Bahia no enfrentamento da corrupção, inclusive porque, a
partir dela, foram originadas outras atuações relevantes como a operação Xavier. Conduzida
pela 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, de titularidade do Promotor de Justiça Frank Ferrari, a
Operação Citrus foi deflagrada, em março de 2017, para desmantelar um grupo criminoso que
praticava fraudes e superfaturamento em procedimentos licitatórios e contratos para o
fornecimento de bens diversos, utilizando as rubricas genéricas de “gêneros alimentícios” e
“materiais de expedientes/escritório”, no âmbito da Prefeitura Municipal de Ilhéus, inclusive
para o fornecimento de merenda escolar 92 .O esquema, que ocorria desde 2009, teve a
participação de agentes públicos do primeiro escalão do governo municipal e movimentou mais
de R$ 20 milhões através das empresas Marileide S. Silva de Ilhéus, Mariangela Santos Silva
de Ilheus EPP, Thayane L. Santos Magazine ME, Andrade Multicompras e Global Compra Fácil
Eireli-EPP, todas geridas por Enoch Andrade Silva93.
A operação teve o apoio do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações
Criminosas (Gaeco) e da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) e suporte
operacional da Polícia Civil, através do Departamento de Repressão e Combate ao Crime
Organizado (Draco) e do Departamento de Polícia do Interior (DEPIN), que levaram a cabo a
prisão de seis pessoas, dentre empresários e funcionários públicos, além do cumpridos seis
94
mandados de condução coercitiva e 27 mandados de busca e apreensão .
Em dezembro de 2017, a Justiça condenou os ex-secretários de Desenvolvimento Social
do Município de Ilhéus, Jamil Chagouri Ocké e Kácio Clay Silva Brandão, a nove anos de
reclusão por crimes de fraudes em licitações, bem como o empresário Enoch Andrade Silva a
11 anos e 11 meses de pena de reclusão. Além destes, também foram condenadas mais cinco
pessoas envolvidas na associação criminosa95.

92
https://www.mpba.mp.br/noticia/36404
93
Idem
94
Idem
95
https://www.mpba.mp.br/noticia/40754
131

5.3.3 Operação Xavier

A operação Xavier, deflagrada em maio de 2019, nos municípios de Ilhéus, Itabuna e


Coaraci, decorreu do desmembramento de investigações de esquemas fraudulentos
identificados pela operação Citrus e teve por objetivo reprimir crimes contra a administração
pública, fraudes em licitações e contratos e lavagem de dinheiro, praticados em sucessivas
gestões entre os anos de 2011 e 2018 no âmbito da Câmara de Vereadores de Ilhéus96.
A Operação Xavier também foi conduzida por meio do Gaeco e da 8ª Promotoria de
Justiça de Ilhéus, com o apoio da Coordenadoria de Segurança Institucional e Inteligência (CSI),
do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Proteção à Moralidade Administrativa
(CAOPAM), de promotores de justiça da Bahia e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Além
disso, durante dois anos, as investigações contaram ainda com a colaboração da Coordenação
de Computação Forense do Departamento de Perícia Técnica do Estado da Bahia, da Secretaria
da Fazenda do Estado da Bahia, da Receita Federal em Itabuna e Ilhéus, do Banco do Brasil,
do Tribunal de Contas dos Municípios, da Central de Apoio Técnico do MP, da Secretaria de
Administração Penitenciária (SEAP), da JUCEB e de outros órgãos97. Entre os alvos estavam
o então secretário municipal de Agricultura de Ilhéus, dois vereadores da Câmara Municipal de
Ilhéus e dois empresários, sendo cumpridos, ao todo, sete mandados de prisão e dez de busca e
apreensão, expedidos pela 1ª Vara Criminal de Ilhéus, além de afastados um vereador e sete
servidores da Câmara Municipal98.
No final de maio e início junho de 2019 foram apresentadas duas denúncias contra os
investigados, requerendo a condenação por crimes como corrupção ativa e passiva, fraudes a
licitações e execução de contratos, falsidade ideológica e peculato, além de indenização pelos
os danos materiais e morais causados ao patrimônio público. Entre os denunciados, estavam
dois ex-presidentes da Câmara de Vereadores, um ex-vereadores, nove servidores
comissionados, o presidente da Comissão de Licitação e três empresários, que apenas nos anos
de 2015 e 2016, teriam desviado cerca de R$356 mil99. Em julho de 2019, os Promotores de
justiça Frank Ferrari e Thomás Brito ajuizaram a ação civil pública de improbidade em face do
ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus, Lukas Pinheiro Paiva, do controlador interno da
Câmara e mais três pessoas, requerendo o afastamento do cargo de vereador e a
indisponibilidade dos bens dos acusados no valor de R$ 215,6 mil, correspondente ao montante

96
https://www.mpba.mp.br/noticia/46419
97
Idem
98
https://www.mpba.mp.br/noticia/46451
99
https://www.mpba.mp.br/noticia/46914
132

desviado mais multa. Nesta ação, os Promotores revelaram outra parte do esquema que consistia
em fraudar a escrituração contábil de pagamentos de contribuições previdenciárias ao INSS,
por meio de falsificação ou alteração de Guias de Recolhimento Previdenciário, cujos valores
registrados eram superiores ao recolhimento efetivamente realizado, maquiando as saídas
ilegais, sem despesas correspondentes, dos recursos da Câmara 100 . A denúncia criminal
correspondente àqueles fatos foi ajuizada perante a 1ª Vara Criminal de Ilhéus em 30 de agosto
de 2019.
Somente em novembro de 2019, a Justiça acolheu – por meio de decisão da 1ª Vara da
Fazenda Pública de Ilhéus - novo o pedido do Ministério Público e determinou o afastamento e
a indisponibilidade de bens do ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus, Lukas Pinheiro
Paiva, do cargo de vereador, após este tentar atrapalhar as investigações do MP assediando
colaboradores e a estagiários do escritório de advocacia e oferecendo cargos fantasmas a um
dos acusados para tentar fazê-lo desistir de acordo de colaboração101.
Nova denúncia criminal correspondente a estes mesmos fatos foi ajuizada em 16 de
dezembro 2019, resultando, pela segunda vez, na prisão preventiva do mencionado Vereador,
que segue custodiado à disposição da Justiça desde 02 de março de 2020102. Em 18 de fevereiro
de 2020, a nova promotora de Justiça titular da 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, Mayanna
Ferreira Ribeiro, em atuação conjunta com o Grupo Especial de Combate às Organizações
Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco), ofereceu mais uma denúncia criminal, em face
do vereador Aldemir Santos Almeida em razão da prática, em outubro de 2018, de atos de
obstrução às investigações dos fatos em apuração na Operação Xavier103. Em abril de 2020,
foram denunciados o ex-presidente da Câmara Municipal de Ilhéus, Josevaldo Viana Machado,
por corrupção passiva, peculato e fraude em contratações diretas, feitas sem a devida licitação,
além de três empresários, pelos crimes de corrupção ativa, peculato e fraude em contratações
diretas104.
Assim, apesar de terem sido oferecidas 06 (seis) denúncias criminais e 02 (duas) ações
de improbidade administrativa, em razão dos fatos investigados na Operação Xavier, não houve
ainda nenhuma condenação. A operação, contudo, ainda continua com a apuração de outros
fatos ilícitos correlacionados.

100
https://www.mpba.mp.br/noticia/47507
101
https://www.mpba.mp.br/noticia/49066
102
Consulta aos autos da Ação Penal nº 0301767-06.2019.8.05.0103, de acesso público.
103
Consulta aos autos da Ação Penal nº 0500125-77.2020.8.05.0103, de acesso público.
104
https://www.mpba.mp.br/noticia/50790
133

5.4 PERFIL DOS MEMBROS

Segundo os dados estatísticos levantados no estudo de campo, maioria dos membros do


Ministério Público do Estado da Bahia é composta por mulheres, sendo que 53,7% se
autodeclarou do sexo feminino e 46,3% do sexo masculino, o que, diferentemente da realidade
dos demais Ministérios Públicos, demonstra a boa permeabilidade da instituição à ocupação
dos cargos pelas mulheres, inclusive nos postos mais altos e de chefia105. Contudo, em relação
à cor/raça, entre os respondentes, 45,5% se autodeclarou pardo; 43,9% branco; 8,1% preto; 1,6%
amarelo; e 0,8% outro, deixando evidente a baixa representatividade neste aspecto, na
comparação com a composição da população baiana. Essa situação, contudo, tende a ser
alterada em virtude da pioneira instituição do sistema de cotas raciais nos concursos em 2014106.

Gráfico 14 - Distribuição dos membros do Ministério Público do Estado da Bahia e da população


baiana, segundo raça/cor
0,4
1,1 0,5
1,1 0,8
1,6
7,8 8,1
17,5

42,9 45,5
59,1

47,6 43,9
21,9

POPULAÇÃO DO BRASIL POPULAÇÃO DA BAHIA PROCURADORES E


(CENSO 2010) (CENSO 2010) PROMOTORES

Branca Parda Preta Amarela Outra

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 e pesquisa de campo (2020)

105
Conforme ressaltado pela Promotoria de Justiça, Márcia Teixeira, em 2018, em uma reunião sobre a
representatividade das mulheres no Ministério Público brasileiro, a Bahia se destaca “como o estado onde as
mulheres ‘ocupam mais espaços’. Atualmente, do total de membros no MPBA, 301 são mulheres e 276, homens.
‘A Bahia tem uma procuradora-geral de Justiça, já em seu segundo mandato, e mulheres na corregedoria, na
ouvidoria e em diversos centros de apoio”. A situação, no entanto, não reflete a realidade brasileira”
(https://www.mpba.mp.br/noticia/43098). A primeira promotora de Justiça do Estado da Bahia foi Iracema Guedes
Pavesse, nomeada em 1938. Após quase 80 anos, em 2016, a Promotora de Justiça Ediene Lousado tornou-se a
primeira Procuradora-Geral de Justiça do Estado da Bahia e, em seguida, também a primeira mulher eleita pelo
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais para vaga de conselheira do CNMP. Em fevereiro deste ano de 2020,
a chefia da instituição foi pela segunda vez ocupada por uma mulher, a Promotora de Justiça Norma Angélica
Cavalcanti.
106
O Ministério Público do Estado da Bahia também foi destaque nacional ao instituir de forma pioneira o sistema
de cotas raciais nos concursos públicos dos seus quadros, em 2014 (https://www.mpba.mp.br/noticia/29111).
134

A idade dos respondentes varia entre 26 e 66 anos, com média de 42,1, de forma
semelhante à realidade constatada por Lemgruber et al (2016, p. 17) que identificou um
envelhecimento dessa categoria em relação à pesquisa de Sadek, seja por um decréscimo no
ritmo de incorporação de novos profissionais, ou pela elevação da idade de entrada, devida à
exigência do mínimo de 3 anos de prévia atividade jurídica.

Gráfico 11 - Proporção dos membros segundo a idade (%)


30

27,6
25

23,5
22,7
20
20

15

10

5
5,6

0
Até 30 anos 31 a 36 37 a 42 43 a 49 50 ou mais

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Segundo o levantamento, a imensa maioria (97,2%) dos respondentes ingressou na


instituição após a Constituição Federal de 1988. Por outro lado, nota-se que cerca de metade
dos respondentes entrou até a década de 2000, enquanto a outra metade ingressou a partir da
década de 2010, quando o Ministério Público já possuía forte imagem institucional relacionada
ao enfrentamento da corrupção, o que pode ter influenciado ainda mais a opção dos novos
integrantes por essa carreira.
135

Gráfico 12 - Proporção dos membros segundo o período de ingresso na instituição


45

40 42,1

35

30

25

20 23,5 22,7

15

10
8,9
5
2,4
0
Antes de 1988 1988 a 1998 1999 a 2008 2009 a 2018 2019 a 2020

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

De modo geral, percebe-se que as “garantias, como inamovibilidade, vitaliciedade e


independência funcional” (54,5%), foram os principais motivos para o ingresso na carreira do
Ministério Público. Em segundo e terceiro lugares, respectivamente, aparecem a “redução pelo
MP da impunidade e da corrupção” (47,2%) e a “atuação do MP no combate à criminalidade”
(43,9%), o que evidencia o interesse especial destes temas para a formação dos quadros. A
“remuneração, prestígio e o reconhecimento” somente apareceram como motivo relevante para
35,8%, abaixo da “Defesa da democracia pelo MP”.

Tabela 8 - Motivos pelos quais escolheu o concurso do Ministério Público


Motivo Para %
Garantias como inamovibilidade, vitaliciedade e independência funcional; 54,5
Redução pelo MP da impunidade e da corrupção 47,2
Atuação do MP no combate à criminalidade 43,9
Defesa da democracia pelo MP 40,7
Remuneração / prestígio / reconhecimento 35,8
Proteção do MP para a população de baixa renda 30,1
Outros 16
Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Entre os Procuradores, contudo, prevaleceu como motivação para a escolha da carreira


a alternativa relativa à remuneração, ao prestígio e ao reconhecimento (50%). Os Procuradores
atuam na segunda instância do Ministério Público e estão, atualmente, todos alocados na capital
136

perante o Tribunal de Justiça, desempenhando as funções ministeriais nos recursos e processos


originários da corte, relativos a toda a Bahia. Já entre os Promotores, segundo as listas de
antiguidade, 38,2% é titular na capital, o que representa uma desproporção em relação à
quantidade de habitantes em prejuízo do interior. Além disso, 70,8% está na entrância final;
21,2% na intermediária; 3,2% na inicial e 4,7% são Promotores substitutos, egressos do último
concurso público, que estão distribuídos provisoriamente entre todas as entrâncias. Assim sendo,
o Ministério Público encontra-se esvaziado no interior e nas pequenas cidades, sendo que
apenas 17 membros estão atualmente lotados na entrância inicial, o que decorre essencialmente
da ausência de promotores suficientes, da forma como a carreira está estruturada e da
preferência pelo provimento dos grandes centros urbanos. Por tal razão, as promotorias de
cidades menores têm que ser atendidas por promotores de outras cidades que são designados
para atuar de forma cumulativa “em substituição”. Do universo investigado, 6,5% integram a
administração superior e são responsáveis pela direção e gestão da instituição.

Gráfico 13 - Distribuição dos promotores de justiça e da população na capital e no interior do


Estado da Bahia (%)

90%
80%
81%
70%
60%
61,8%
50%
40%
30% 38,2%

20%
19%
10%
0%
População da Bahia Pomotores

Capital Interior

Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2010 e pesquisa de campo (2020)

A maioria dos membros disse conhecer o planejamento estratégico, sendo que 76,4% o
conhece parcialmente e 22,8% conhece totalmente. Apenas 0,8% afirmou não conhecer o
planejamento estratégico. Entretanto, o número de membros que conhece totalmente é pequeno,
especialmente se considerado que o plano estratégico foi lançado em 2011, o que demonstra
137

que as metas estratégicas não possuem um bom grau de permeabilidade nas Promotorias de
Justiça. Essa conclusão também aparece na percepção dos respondentes conforme será visto
adiante. No total, 52,8% dos entrevistados disse ocupar-se atualmente, parcial ou
exclusivamente, de atribuição relacionada ao combate à corrupção (patrimônio público e
moralidade administrativa). Já entre os procuradores, nenhum respondente referiu desempenhar
essa atribuição. Entre os promotores que responderam positivamente, apenas 10,8% está na
capital, enquanto 89,2% compõe as promotorias de Justiça do interior. Essa distribuição pode
ser explicada pela forma como está organizada a carreira, já que na capital há maior
especialização das Promotorias, enquanto, no interior, os promotores em regra acumulam
funções, chegando a ter atribuições plenas na entrância inicial. Ademais, como há uma
tendência de os Promotores buscarem ascender às entrâncias elevadas, muitos se especializam
em outras matérias, de modo que poucos permanecem por muito tempo com essa atribuição. A
maioria dos promotores (60%) atuantes nessa área se dedicam ao combate à corrupção há menos
de cinco anos e apenas 7,7% possui mais de 10 anos de experiência conforme se observa da
tabela abaixo:

Gráfico 14 - Experiência dos Promotores de justiça na atribuição de combate à corrupção


50
45
40 43,1
35
30 32,3
25
20
15 16,9
10
5
3,1 3,1 1,5
0
Até 1 ano De 1 até 5 anos De 5 até 10 De 10 até 15 De 15 até 20 De 20 anos a
anos anos anos mais

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Por isso mesmo, os Promotores que possuem essa atribuição, em média, dedicaram
apenas 6,3 anos a essa matéria, o que demonstra reduzida experiência, em geral, de quem atua
no enfrentamento da corrupção, bem como a pouca atração dessa área a membros com maior
experiência.
138

5.5 COMO VEJO O TRABALHO QUE FAÇO?

Para os entrevistados, as palavras mais associadas à atuação do Ministério Público são


defesa da sociedade, combatividade, justiça, combate à criminalidade, democracia,
independência, cidadania, direitos difusos, combate à corrupção, crime, defesa, deficiente,
imparcialidade e ineficiente. A nuvem de palavras a seguir demonstra bem a compreensão
linguística da atuação para procuradores e promotores:

Figura 20 - Nuvem de palavras associadas à atuação do Ministério Público do Estado da Bahia

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Vale observar que, para além dos valores, a atuação do Ministério Público aparece
espontaneamente associada com as matérias relativas ao à cidadania, aos direitos difusos, ao
combate à criminalidade e à corrupção, evidenciando a presença da ideologia voluntarista. Na
opinião dos respondentes, as áreas mais indicadas internamente no Ministério Público como
prioritárias foram enfrentamento da violência doméstica/familiar (75,6%), cidadania (69,9%),
crimes em geral (69,1) e infância (62,2%). O combate à corrupção (63,4%) somente apareceu
em quinto lugar. Entretanto, independentemente da ordem, as matérias priorizadas coincidem
com as grandes áreas de objetivos de resultados do planejamento estratégico.
139

Gráfico 15 - Áreas indicadas, internamente, como prioridade do Ministério Público do Estado da


Bahia, segundo Procuradores e Promotores de justiça

violência doméstica / familiar 75,6

cidadania (saúde e educação) 69,9

crime em geral 69,1

infância e juventude 68,2

combate à corrupção (patrimônio público e… 63,4

meio ambiente 60,1

direitos das minorias étnicas 57,7

direitos de gênero 56,9

0 10 20 30 40 50 60 70 80

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Lado outro, a supervisão da execução penal (82,1%) e o controle externo (81,3%) foram
indicados pela maioria dos membros como atribuições em que não se percebe a indicação de
prioridade da instituição, embora também integrem o planejamento estratégico.

Gráfico 16 - Áreas não indicadas, internamente, como prioridade do Ministério Público do Estado
da Bahia

supervisão da execução penal 82,1

controle externo da atividade policial 81,3

fiscal da lei (custos iuris) 68,2

consumidor 65

eleitoral 65

direitos das pessoas idosas e de pessoas com


62,6
deficiência

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Contudo, quando questionados dentre 14 variáveis qual deveria ser a área de atuação
prioritária para o MP/BA nos próximos dois anos, entre a maioria absoluta dos membros indicou
o combate à corrupção (58,5%). Muito distantes, crimes em geral (11,4%) e cidadania (10,6)
140

foram indicadas em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Aqui, o controle externo da


atividade policial (5,7%) apareceu melhor posicionado em relação às outras áreas de interesse
como a violência doméstica (3,3%), porém ainda assim em nítido contraste com as primeiras.
A supervisão da execução da pena (0,8%) novamente apareceu como área com baixa prioridade
institucional, empatado com direitos de minorias e direitos das pessoas idosas e com
deficiência. Por outro lado, não pontuaram as variáveis eleitoral, fiscal da lei, consumidor e
direitos de gênero.

Gráfico 17 - Áreas que deveria ser de atuação prioritária para o Ministério Público do Estado da
Bahia nos próximos dois anos

combate à corrupção (patrimônio público e… 58,5

crime em geral 11,4

cidadania (saúde e educação) 10,6

infância e juventude 5,7

controle externo da atividade policial 5,7

violência doméstica / familiar 3,3

meio ambiente 2,4

direitos das minorias étnicas 0,8

direitos das pessoas idosas e de pessoas com…0,8

supervisão da execução penal 0,8

0 10 20 30 40 50 60 70

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Nota-se, portanto, da comparação entre os gráficos, uma variação entre o que é


indicado internamente como prioridade institucional e aquilo que os membros consideram que
deveria ser priorizado. Com efeito, conquanto exista a percepção de razoável priorização interna
do combate à corrupção, é absolutamente significativa a preferência dos membros por essa área.
Além disso, em cotejo com as pesquisas precedentes, o gráfico mais uma vez confirma uma
vigorosa preferência dos magistrados do Ministério Público pelo tema da corrupção, já que, em
um intervalo de mais de 20 anos, surpreendentemente, foram mantidos percentuais altos e
próximos aos encontrados por Castilho e Sadek (2010), em 1997: 58,5%. O percentual também
foi muito semelhante àquele encontrado por Lemgruber et al (2016), entre 2015 e 2016: 62%.
141

Gráfico 18 – Comparação dos resultados de preferência da corrupção com as pesquisas de Castilho e


Sadek (2010) e Lemgruber et al (2016)
100,0%

80,0%

60,0% 67,0% 62,0% 58,5%


40,0%

20,0%

0,0%
Pesquisa de Castilho e Sadek Pesquisa de Lemgruber et al Pesquisa de campo no
(2010), em 1997 (2016), entre 2015 e 2016 Ministério Público do Estado
da Bahia em 2020

Capital

Fonte: Castilho e Sadek (2010), Lemgruber et al (2016) e pesquisa de campo (2020)

Ao realizar a correlação entre as diversas variáveis, observa-se que é muito forte essa
preferência entre todos os promotores de justiça, independentemente da cor da pele,
observando-se proporções muito próximas da composição racial da instituição (brancos 48,6%;
pardos 41,6%; pretos 6,9%; amarelos 13%; e outros 13%). Há ligeira preferência entre
integrantes masculinos (56,9%) em comparação com o sexo feminino (43,1%). Entre os
integrantes da administração superior atual, 50% manifestou o mesmo interesse nessa área.
Porém, na comparação entre os cargos, observa-se que nenhum procurador de justiça indicou
que o combate à corrupção deveria ser prioridade, o que revela um distanciamento entre os
objetivos almejados entre o primeiro e o segundo grau da instituição. Também houve uma
variação expressiva entre os integrantes da capital (19,4%) e do interior (80,5%), possivelmente
em virtude da maior especialização em outras áreas do primeiro grupo. Na correlação entre as
idades, observa-se que a preferência pelo combate à corrupção é maior entre os mais jovens,
mas, em especial, entre aqueles que tem entre 37 a 42 anos. A partir dos 43 anos, o interesse
por essa matéria diminui, mas ainda assim persiste alta.
142

Gráfico 19 – Comparação entre a proporção dos membros e a idade dos que possuem maior
interesse no combate à corrupção (%)
35
33,3
30 27,6

25 22,7 25 23,5
20
20
18,5
16,6
15

10
5,6
6,9
5

0
Até 30 anos 31 a 36 37 a 42 43 a 49 50 ou mais

Proporção dos membros segundo a idade


Idade dos membros com preferência pela corrupção

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Na comparação da composição dos membros interessados no enfrentamento ao


combate à corrupção e o período de ingresso observa-se um fenômeno semelhante, mantendo-
se a proporção independentemente da dada em que o membro prestou o concurso, mas com
leve preponderância da preferência pelo tema entre os menos antigos. A preferência pela matéria
começa a se destacar entre aqueles que ingressaram após 1999, período marcado pelo
surgimento das leis de combate à macro criminalidade. Porém, foram os promotores nomeados
após 2009 que apresentaram maior interesse pelo assunto, possivelmente mais influenciados
pelos discursos da corrupção, pelos escândalos do mensalão e da Lava jato, bem como pela
imagem do Ministério Público mais fortemente associada a essa atribuição.

Gráfico 20 - Comparação entre a proporção dos membros e o período de ingresso na instituição dos
que possuem maior interesse no combate à corrupção (%)
50
45,8
40
42,1
30
23,6
20 23,5 19,4 22,7

10 9,7
2,4 8,9
0 1,3
Antes de 1988 1988 a 1998 1999 a 2008 2009 a 2018 2019 a 2020

Proporção dos membros conforme o ano de ingresso


Ano de ingresso dos membros interessados no combate à corrupção

Fonte: Pesquisa de campo (2020)


143

Estes dados podem ter relação com a forte percepção dos membros de que o Ministério
Público do Estado da Bahia é um agente moralizador da sociedade (56,9%), embora a
instituição não atue de maneira uniforme (63,4%) e nem priorize conforme indicado no
Planejamento estratégico (48,7%). Nas entrevistas semiestruturadas preliminares também foi
verbalizada essa percepção de que o Ministério Público é reconhecido como agente moralizador
da sociedade:
Sim. Ainda é. Bem, é o que eu percebo ainda no meu dia, pelo menos na
comarca [...] que as pessoas ainda confiam no MP como a última tábua de
salvação quando o tema envolve a administração pública e os excessos dessa
administração. É uma percepção ainda que empírica, mas é assim que eu sinto
(entrevista com promotor 1).

Prevalece entre Procuradores e Promotores de justiça a percepção de que a instituição


cumpre as expectativas da sociedade (41,4%) e atua de maneira efetiva na defesa dos Direitos
Humanos (38,2%). Porém, consideram que o Ministério Público do Estado da Bahia privilegia
uma atuação meramente de gabinete (43,9%) e não tem significativa estrutura e tecnologia, que
garantem a maior qualidade da sua atuação investigativa (50,4%). Quanto à estrutura e
tecnologia, é possível que o problema decorra, em parte, da concentração dos recursos na
Capital ou em alguns órgãos específicos, chegando muito pouco ou, pelo menos, não da forma
desejada, nas Promotorias do interior.

Tabela 9 - Percepção acerca da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia


Concordo + Discordo +
Concordo Discordo
Totalmente totalmente
O MP/BA cumpre as expectativas da sociedade 41,4 35,7

O MP/BA privilegia uma atuação de fato, interagindo com a sociedade, em 40,6 43,9
detrimento de uma atuação meramente de gabinete.

O MP/BA atua de maneira efetiva na defesa dos Direitos Humanos 38,2 30

O MP/BA é um agente moralizador da sociedade 56,9 20,3

O MP/BA tem significativa estrutura e tecnologia, que garantem a maior 25,2 50,4
qualidade da sua atuação investigativa

O MP/BA atua de maneira institucionalmente uniforme apesar da 17 63,4


independência funcional dos membros

A atuação prioritária do MP/BA está diretamente associada ao indicado no 20,8 48,7


Planejamento Estratégico da instituição
Fonte: Pesquisa de campo (2020)
144

A avaliação da qualidade da atuação do Ministério Público revela parcial coerência


com as áreas indicadas internamente como prioridade do Ministério Público do Estado da
Bahia. Violência doméstica (60,9%), infância e juventude (60,1%), fiscal da lei (59,3%), crimes
em geral (57,7%), meio ambiente (56,9%) e cidadania (52,8%) são vistos como atribuições bem
desempenhadas pelo órgão. Por outro lado, surpreendentemente, apesar de ser a maior
preferência de prioridade dos membros, a avaliação acerca da qualidade do combate à corrupção
(34,1%) aparece em penúltimo lugar, melhor apenas do que o controle externo da atividade
policial (20,3%). Inclusive, essas duas áreas apresentam forte avaliação de ruim e péssimo,
conforme demonstra o gráfico abaixo:

Gráfico 21 - Avaliação da qualidade da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia (%)

violência doméstica / familiar 60,9 32,5 6,5


infância e juventude 60,1 30 9,7
fiscal da lei (custos iuris) 59,3 28,4 12,1
crime em geral 57,7 31,7 10,5
meio ambiente 56,9 30 13
cidadania (saúde e educação) 52,8 38,2 8,9
direitos de gênero 49,5 34,9 15,4
eleitoral 48,7 38,2 13
direitos das minorias étnicas 48,7 32,5 18,6
consumidor 37,3 44,7 17,8
supervisão da execução penal 36,5 42,2 21,1
combate à corrupção (patrimônio público e… 34,1 33 32,5
controle externo da atividade policial 20,3 34,9 44,7
0 20 40 60 80 100 120

Bom + ótimo (%) Regular (%) Ruim + péssimo (%)

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Esses dados chamam a atenção e devem ser estudados com maior profundidade,
inclusive em comparação com outros critérios de avaliação. A princípio, parece haver uma
discrepância entre a prioridade e o resultado, o que, conforme será visto a seguir, é atribuído
sobretudo à falta de estrutura e recursos financeiros para o desempenho das atividades, embora
existam indicativos quantitativos já apontados de que há uma atuação quantitativa relevante.
Para os respondentes, o que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia,
amparada na Constituição Federal, é, sobretudo, a proteção dos interesses da coletividade e/ou
dos vulneráveis (64,2%); o combate à criminalidade, a corrupção e a impunidade (61%) e a
defesa dos Direitos Humanos (47,2%). Essa percepção também foi referida durante as
entrevistas:
145

É um ideal, uma vontade de você ter uma efetividade no seu trabalho, falando
por mim aqui. O que move a instituição de modo geral é dar algum retorno à
sociedade, um retorno com melhorias e evolução no nosso meio social com
serviços de saúde, de educação, de harmonia, de combate ao crime, de
melhorias da segurança pública (entrevista com promotor 2).

Segundo a percepção dos Procuradores e Promotores de justiça, elementos externos


como a mídia, a opinião pública e o clamor social (33,3%), bem como a busca pela elevação do
prestígio e de valorização econômica da carreira (30,9%), aparecem como os fatores relevantes
da atuação da maioria também são relevantes. Já os poderes políticos e econômicos (21,1%) e
outros fatores não interferem de forma acentuada para movimentar a atuação do Ministério
Público, embora também sejam mencionados em alguma medida.

Tabela 10 - O que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia, amparada na Constituição
Federal
Fatores %
A proteção dos interesses da coletividade e/ou dos vulneráveis; 64,2
O combate à criminalidade, a corrupção e a impunidade; 61
A defesa dos Direitos Humanos; 47,2
A mídia, a opinião pública e o clamor social; 33,3
A busca pela elevação de prestígio e de valorização econômica da carreira; 30,9
A influência dos poderes políticos e econômicos; 21,1
Outros 4
Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Visando confirmar os dados acima, foi realizada uma segunda análise, com base apenas
nos respondentes que indicaram apenas um dos fatores. Pressupõe-se que se alguém indicou
apenas uma alternativa é porque essa resposta representa fortemente uma percepção relevante
em comparação com os demais fatores. Neste exercício, a proteção dos interesses da
coletividade também teve a maior frequência (42,8%). Em segundo lugar, o combate à
criminalidade, à corrupção e à impunidade (28,5%). A defesa dos Direitos Humanos e outros
fatores não indicados nas assertivas foram indicados cada um por 14,2%. Entretanto, as demais
assertivas, (mídia, a opinião pública e o clamor social; busca pela elevação de prestígio e de
valorização econômica da carreira; e influência dos poderes políticos e econômicos) não foram
indicados individualmente por nenhum dos respondentes, confirmando fortemente os dados
colhidos no universo.
146

Importa consignar que a referida pergunta foi propositalmente apresentada aos


respondentes antes mesmo dos questionamentos acerca do combate à corrupção evitando-se a
contaminação por esta matéria. Porém ainda assim demonstrou a presença da ideologia do
voluntarismo político, bem como a influência do discurso da impunidade da corrupção e da
necessidade do seu enfrentamento sobretudo nos promotores mais jovens e que ingressaram nas
duas últimas décadas.

5.6 A PERCEPÇÃO DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA


BAHIA EM RELAÇÃO AO COMBATE A CORRUPÇÃO

Do ponto de vista dos procuradores e promotores de justiça do Estado da Bahia, a


corrupção pode ser manifestada linguisticamente conforme a seguinte nuvem de palavras:

Figura 21 - Nuvem de palavras do que significa corrupção do ponto de vista da atuação do MP/BA

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Como se percebe, as palavras mais associadas à corrupção foram desvio de recursos


públicos, desvio de dinheiro público, apropriação de recursos públicos, improbidade, crime,
desvio, lesão ao erário, ilegalidade, desafio e prioridade. Assim, vislumbra-se forte
compreensão da corrupção como desvio ou apropriação do patrimônio público, além de
improbidade, crime e ilegalidade. As dificuldades e a preferência pelo tema também aparecem
de forma destacada. A propósito, a referência à improbidade evidencia uma mudança na
147

compreensão da categoria “corrupção” que passou a ser compreendida para além da categoria
“crime”. Com efeito, segundo a pesquisa, a atuação no combate à corrupção tornou-se
independente da atuação contra os crimes em geral (54,4%). Isso não significa que a atuação
do MP/BA no combate à corrupção seja mais importante do que a atuação contra os crimes em
geral (56,9%) ou mesmo contra os demais crimes do colarinho branco em geral (55,2%).
Em verdade, a categoria corrupção parece ter assumido contornos próprios para toda a
sociedade, inclusive para além dos enquadramentos jurídicos, expressando uma complexidade
própria. De fato, para os respondentes, a pressão da sociedade e da mídia estabeleceram para o
MP/BA a categoria “corrupção” com mais força até mesmo do que a categoria “patrimônio
público e moralidade” (56,9%), a qual é utilizada na Bahia para definir a atribuição ministerial
nessa área. Para a maioria expressiva dos membros, a sociedade tem cobrado do MP/BA uma
atuação mais voltada para o combate da corrupção (73,9%). Há divergência se mídia é
considerada a principal responsável pela pressão do MP/BA visando o combate a corrupção
(31,7% concordam e 39% discordam), porém a maioria entende que o fortalecimento do
combate à corrupção no MP/BA tem direta relação com a influência das operações com forte
apelo midiático promovidas por outros Ministérios Públicos (54,4%). Segundo o um dos
promotores entrevistados:

A gente percebe até pelas abordagens que os promotores de justiça recebem


nas ruas. Você percebe pela imprensa também. Tanto a imprensa local quanto
a nacional. Sempre que se falam em um ato de desvio de dinheiro público ou
de um superfaturamento de uma obra pública, ou uma contratação com
sobrepreço, sempre vem associado uma certa cobrança de atuação do MP, ou
de encaminhamento ao Ministério Pública para a atuação. […] Eu acho que
pressionam no sentido de que o MP tem que atuar, fiscalizar. Eu acho que
não pressionam no sentido de que o MP tem que acusar, de forma açodada.
Pelo menos, eu não me sinto pressionado no sentido. Mas no sentido de
que tem que apurar a situação, sim (entrevista com promotor 5).

Não foi possível notar a existência de grande distância entre a atuação do MP/BA e dos
demais Ministérios Públicos do Brasil em relação ao combate à corrupção, tanto na
produtividade como na percepção (30,8% concordam e 34,1% discordam). Além disso,
prevalece que a operação Lava Jato contribuiu para a construção da identidade institucional do
MP/BA como órgão de combate à corrupção (54,4%).
Nada obstante, compreende-se que o MP/BA não atua de maneira efetiva no combate à
corrupção (59,3%), o que confirma o resultado analisado anteriormente sobre a prioridade
percebida internamente e a qualidade do desempenho da instituição nessa área. Ademais, os
membros compreendem fortemente que a atuação do MP/BA no combate à corrupção ainda
148

está aquém do que deveria (87,8%) e que ainda prevalece amplamente o quadro de impunidade
em relação à corrupção no Brasil (78%). Segundo procuradores e promotores de justiça, o
MP/BA não tem uma memória de combate à corrupção como parte da sua trajetória institucional
(56%) e a sua estrutura é insuficiente para o combate à corrupção (80,4%).
Os respondentes confirmam que as ações de improbidade resultam em impunidade
(63,4%), o que pode explicar a mudança de estratégia no enfretamento da corrupção, consistente,
sobretudo, na preferência pela persecução penal em detrimento da utilização dos meios de
responsabilização civil (46,3%). Assim, a par da corrupção ter se tornado uma categoria
autônoma, com várias formas de enfrentamento, inclusive por meio da Lei de Improbidade,
nota-se que, recentemente, houve um retorno à vocação criminal da atuação ministerial, com a
preferência pela utilização dos meios de investigação e responsabilização criminal,
especialmente as técnicas especiais, como a colaboração premiada, interceptação telefônica e
quebra de sigilos, que permitiram maior eficiência além de resultar em sanções criminais
proporcionais à gravidade das condutas. Nas entrevistas preliminares, essas mudanças na
compreensão e nas estratégias de enfrentamento da corrupção foram explicadas da seguinte
forma:

Antes a gente tinha essa percepção mesmo de código penal, corrupção passiva
e ativa. Com a lei de improbidade a gente passou a se voltar para violações
dos princípios de moralidade, de legalidade e com a dificuldade de conseguir
construir judicialmente o dolo que comprovasse as violações desses princípios,
as violações legais. O MP observou que se o objetivo final do combate a
corrupção fosse de fato uma sanção aos agentes coautores, era necessário que
se buscasse uma atuação de volta criminal. Eu acho que a gente começou com
o crime tentou buscar uma atuação mais principiológica e quando se bateu na
dificuldade de conseguir comprovar as situações judicialmente a gente foi de
novo para a subsunção conduta fato típico das leis criminais (entrevista com
promotor 3)

Como visto, essa atuação criminal é uma tendência das grandes operações, como a Lava
Jato, podendo ser considerada uma novidade, principalmente em relação a criminosos políticos
e grandes empresários, já que anteriormente poucas vezes foram alcançados por essa via,
embora a via civil também não seja um exemplo de eficiência. A razão do maior sucesso dessas
experiências é a eficiência destes meios para as investigações, vez que o tratamento penal
permite a utilização de várias técnicas especiais de investigação e assecuratórias, com a
colaboração premiada, sem as quais não é possível descobrir os fatos, que normalmente estão
protegidos pela omertà, o código de honra das organizações mafiosas. Vale dizer que,
atualmente, há grande preocupação com a atuação do Parquet, já que as recentes mudanças
149

legislativas, tais como a nova Lei de Abuso de Autoridade, afetam negativamente o trabalho do
MP/BA no combate à corrupção (78,8%).

Tabela 11 - Percepção acerca da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia em relação à


corrupção
Concordo + Discordo +
Concordo Discordo
Totalmente totalmente
O MP/BA atua de maneira efetiva no combate à corrupção. 21,9 59,3

A atuação do MP/BA no combate à corrupção tornou-se independente da 54,4 27,6


atuação contra os crimes em geral

A atuação do MP/BA no combate à corrupção é mais importante do que a 26,8 56,9


atuação contra os crimes em geral

A atuação do MP/BA no combate à corrupção é mais importante do que a 20,3 55,2


atuação contra os crimes do colarinho branco em geral

A sociedade cobra do MP/BA uma atuação mais voltada para o combate da 73,9 15,4
corrupção

A mídia é a principal responsável pela pressão do MP/BA visando o combate 31,7 39


a corrupção

A pressão da sociedade e da mídia estabeleceram para o MP/BA a categoria 56,9 26


“corrupção” com mais força do que a categoria “patrimônio público e
moralidade”
O MP/BA tem uma memória de combate à corrupção como parte da sua 17 56
trajetória institucional

O fortalecimento do combate à corrupção no MP/BA tem direta relação com 54,4 19,5
a influência das operações com forte apelo midiático promovidas por outros
Ministérios Públicos

As ações de improbidade resultam em impunidade 63,4 20,3

Ainda prevalece amplamente o quadro de impunidade em relação à 78 11,3


corrupção no Brasil

A operação Lava Jato contribuiu para a construção da identidade 54,4 24,3


institucional do MP/BA como órgão de combate à corrupção

A atuação do MP/BA no combate à corrupção ainda está aquém do que 87,8 4,8
deveria
150

A estrutura do MP/BA é insuficiente para o combate à corrupção 80,4 8,9

Há grande distância entre a atuação do MP/BA e dos demais Ministérios 30,8 34,1
Públicos do Brasil em relação ao combate à corrupção

Houve mudança de estratégia no enfretamento da corrupção, consistente, 46,3 18,7


sobretudo, na preferência pela persecução penal em detrimento da utilização
dos meios de responsabilização civil

As recentes mudanças legislativas, tais como a nova Lei de Abuso de 78,8 11,3
Autoridade, afetam negativamente o trabalho do MP/BA no combate à
corrupção
Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Os membros avaliaram também o desempenho dos órgãos e poderes no enfrentamento


da corrupção, no que se refere ao critério de eficiência, nos últimos cinco anos. O Ministério
Público Federal no Estado da Bahia – 1º grau (42,2%) teve a melhor avaliação de bom e ótimo.
Em segundo lugar, apareceu a Polícia Federal no Estado da Bahia (38,2%), seguida de perto
pelo Ministério Público do Estado da Bahia - 1º grau (37,3%). O Ministério Federal na Bahia
– 2º grau (25,2%,) a Justiça Federal (23,5%) e os Tribunais de Contas da União (22,7%) e dos
Municípios na Bahia (20,3%) também obtiveram boas avaliações. De outro lado, a Justiça
Eleitoral no Estado da Bahia – 1º grau (14,6%), o Tribunal de contas do Estado da Bahia
(13,8%), o Ministério Público do Estado da Bahia – 2º grau (10,5%) e a Justiça do Estado da
Bahia – 1º grau (8,9%) não só tiveram baixa avaliação positiva, como também foram fortemente
avaliados como ruim e péssimo. Por fim, destaca a expressiva preponderância de avaliações de
ruim e péssimo, em ordem decrescente, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (84%) e da
Polícia Civil do Estado da Bahia (74,7%), da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia
(72,8%) e do Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Bahia (59,3%).
Assim, de modo geral, percebe-se uma atuação do Ministério Público qualitativamente
superior em relação às demais instituições especificamente no que tange à temática da
corrupção. Os órgãos federais possuem melhor avaliação em comparação com os estaduais. O
Ministério Público do 2º grau possui avaliação inferior ao do 1º grau. Os Tribunais de Contas
têm atuação considerada mediana. A advocacia pública também tem pífio desempenho, apesar
de exercerem a legitimação dos entes públicos para a propositura de ações de improbidade em
concorrência com o Ministério Público. Por fim, surpreendem negativamente a avaliação do
Tribunal de Justiça e da Polícia Civil do Estado da Bahia, os quais são fundamentais para o
efetivo controle da corrupção no Estado. Sem sombra de dúvidas, o eficaz combate à corrupção
151

perpassa pela eficiência destas instituições, não sendo suficiente apenas a atuação do Ministério
Público.

Gráfico 22 - Avaliação do desempenho dos órgãos e poderes no enfrentamento da corrupção, no


que se refere ao critério de eficiência, nos últimos cinco anos
Ministério Público Federal no Estado da Bahia –… 42,2 26 12,1
Polícia Federal no Estado da Bahia 38,2 28,4 15,4
Ministério Público do Estado da Bahia – 1º grau 37,3 43 15,4
Ministério Público Federal no Estado da Bahia –… 25,2 26 19,5
Justiça Federal no Estado da Bahia – 1º grau 23,5 33,3 17
Tribunal de Contas da União no Estado da Bahia 22,7 19,5 30
Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da… 20,3 20,3 43
Justiça Eleitoral no Estado da Bahia – 1º Grau 14,6 31,7 36,5
Tribunal de Contas do Estado da Bahia 13,8 21,9 43
Ministério Público do Estado da Bahia – 2º grau 10,5 27,6 51,2
Justiça do Estado da Bahia – 1º grau 8,9 31,7 53,6
Advocacia Geral da União no Estado da Bahia 7,3 22,7 30
Procuradoria-Geral do Estado da Bahia… 5,6 18,6 40,6
Tribunal Regional Eleitoral do Estado da Bahia 4,8 17 59,3
Polícia Civil do Estado da Bahia 3,2 13 74,7
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia 2,47,2 84
Assembleia Legislativa da Bahia 1,64,8 72,8
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100
Bom + ótimo (%) Regular (%) Ruim + péssimo (%)

Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Ao ser comparada a atuação do Ministério Público em relação aos demais órgãos e


poderes no enfrentamento da corrupção, os entrevistados destacaram o protagonismo se
referindo ao órgão como sendo a instituição “vocacionada e talhada para isso” (entrevista com
promotor 1), o que também traz para o MP uma responsabilidade na coordenação dessa atuação:

Eu acho que o MP tem buscado assumir um certo protagonismo no


enfrentamento a corrupção em relação aos demais órgãos fiscalizadores.
Acredito que seja normal, a sua autonomia e certa independência em relação
ao poder político. Então eu acho que o MP acaba assumindo um protagonismo.
O MP possui uma independência maior na construção de seus quadros, seja
em relação ao seu quadro funcional, as garantias constitucionais, o
vitaliciamento isso dá um certo respaldo para que o MP esteja mais afrente
das demais no tocante do combate a corrupção (entrevista com promotor 5).

Para os membros, os maiores obstáculos que o Ministério Público do Estado da Bahia


enfrenta para o efetivo e eficaz combate à corrupção é a falta de estrutura (66,7%), o que mais
uma vez confirma a relevância deste fator para a evolução e o desempenho do Ministério
Público, principalmente em relação à persecução da corrupção. As dificuldades investigatórias
152

e processuais (42,3%), os entraves judiciais (35,8%) e atuações políticas contra a atuação do


Ministério Público (32,5%) também foram considerados relevantes. Porém, o receio da
responsabilização e a falta de segurança (11,4%), bem como outros fatores (4,8%), não foram
indicados como obstáculos importantes para o efetivo combate à corrupção.

Tabela 12 - Obstáculos que o Ministério Público do Estado da Bahia enfrenta para o efetivo e eficaz
combate à corrupção (%)
%
Falta de estrutura e/ou de recursos financeiros internos; distribuição inadequada de atribuições; falta 66,7
de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa; falta de unidade e planejamento estratégico

Dificuldades na realização de perícias; insuficiência de instrumentos processuais; instrução 42,3


deficiente de inquéritos policiais;

Excesso de meios recursais; morosidade da justiça; despreparo/desconhecimento por parte do poder 35,8
judiciário; dificuldades de obter provas com autorização judicial;

Atuação política externa; investidas contra o poder investigatório do MP; o poder econômico; atuação 32,5
política interna; a forma de escolha da chefia pelo Poder Executivo;

Receio de responsabilização pessoal do membro; falta de segurança pessoal para o membro; ausência 11,4
de proteção interna e riscos de responsabilização;

Outros 4,8
Fonte: Pesquisa de campo (2020)

Quando questionados quais os fatores que mais influenciam o Ministério Público do


Estado da Bahia a aumentar o enfrentamento da corrupção, os entrevistados indicaram a busca
pela melhoria das condições sociais (60,2%). A melhoria da estrutura de trabalho e o
desenvolvimento da expertise das operações (56,9%) também foi apontado fortemente como
algo que impulsiona a atuação anticorrupção, reforçando os resultados anteriormente
encontrados acerca da importância da estrutura para o adequado desempenho das atribuições.
Nas entrevistas preliminares a importância desses fatores também foi ressaltada:

[…] Não sei se existe uma causa consciente ou não para isso. Ou se foi um
movimento da evolução do sistema. Se ele passou a ser bem estruturado, as
instituições passaram a ser bem estruturadas, a revolução tecnológica
começou a chegar para a gente. Passamos a ter mais condições de
instrumentalizar por nós mesmos as interceptações telefônicas, as quebras de
sigilo bancário e fiscal, os afastamentos telemáticos que junto eles conseguem
ai formar um grande quebra-cabeça de prova desses vínculos e elementos
subjetivos que sempre foram nossa grande dificuldade, nessa área específica
(entrevista com promotor 1)
153

[…] No estado da Bahia acho que o fortalecimento do Gaeco e a atuação de


uma operação que iniciou a partir dessa atuação de defesa dos serviços
públicos, que foi a Adsumus, que mostrou que a nossa atuação tanto na defesa
do cidadão quanto no que diz a respeito do bem público quanto a defesa da
sociedade deram o norte principal do que deveria ser a atuação principal do
MP (entrevista com promotor 3).

Outrossim, o controle social (38,2%), a vocação e as aspirações pessoais dos membros


(36,6%) e o aperfeiçoamento das leis e das inovações tecnológicas (34,1%) foram considerados
importantes. Já a valorização econômica da carreira e a busca pela manutenção das atribuições
e prestígio da instituição (9,8%), bem como a influência dos poderes político e econômico
(4,9%) e outros fatores (0,8%) não foram declarados como relevantes para estimular essa
atuação.

Tabela 13 - Grupos de fatores que promotores e procuradores entendem que mais influenciam o
Ministério Público do Estado da Bahia a aumentar o enfrentamento da corrupção (%)
%
A busca pela melhoria das condições sociais; a transformação da sociedade e a melhoria da qualidade 60,2
de vida da população hipossuficiente; a realização da justiça e a defesa do estado democrático; a
redução das desigualdades sociais; a luta contra o histórico quadro de impunidade;

Melhoria da estrutura de trabalho; a renovação dos quadros de membros e servidores; especialização 56,9
da atuação; a experiência da Lava Jato e outras operações;

O controle social; a opinião pública e o clamor social; a mídia; as manifestações populares; 38,2

A vocação dos membros; a satisfação profissional dos promotores e procuradores; os interesses e 36,6
preferências pessoais; maior visibilidade pessoal e institucional;

Aperfeiçoamento das leis; os tratados e compromissos internacionais; o fortalecimento das garantias 34,1
institucionais; as inovações tecnológicas e facilidade na obtenção de informações; maior
transparência da administração pública;

A política remuneratória dos serviços públicos; valorização econômica da carreira; a busca pela 9,8
manutenção da legitimidade e das atribuições do Ministério Público; a busca pela elevação do
prestígio político da instituição;

O capitalismo financeiro e o interesse pela privatização; a influência dos poderes e interesses 4,9
econômicos; a influência dos poderes políticos externos;

Outros 0,8
Fonte: Pesquisa de campo (2020)
154

A última questão submetida aos membros do Ministério Público do Estado da Bahia


era aberta e indagava: o que não perguntado nesta pesquisa que gostaria de acrescentar? Mesmo
após preencherem o extenso questionário, cerca de 35 (28,4%) respondentes entenderam que
deveriam realizar alguma complementação ao trabalho. Considerando que a trata-se de um a
questão espontânea, compreende-se que devem ser valorizadas as referidas respostas, vez que
emanam uma percepção genuína, a boa vontade e o voluntarismo dos respondentes. Abaixo são
destacadas as manifestações consideradas mais relevantes por reforçarem os resultados já
encontrados até o momento, porém todas as respostas foram incorporadas ao presente trabalho
como apêndice em virtude da relevância de cada uma delas:

Necessário unidade no planejamento das ações; reconhecimento interno


daquele que contribui positivamente em sua área de atuação; divulgação
interna das boas práticas de combate a corrupção e valorização da equipe que
a executa; assessoria especializada na área; instituição do grupo de combate a
corrupção, visando unificar e especializar a atuação como já determinado pelo
CNMP. (respondente 31)

Penso que o combate à corrupção deve ser intensificado e priorizado, pois esta
ação nefasta mata milhões e ceifa os sonhos de outros milhões. (respondente
34)

Aporte financeiro (o CAOPAM possui o menor orçamento de todos os centros


de apoio do MPBA). Influência dos órgãos da Administração Superior
(notadamente Conselho Superior, Corregedoria e Colégio de Procuradores) no
atual estado da arte de enfrentamento à corrupção pelo MPBA. (respondente
43)

O que move o MP é a consciência de poucos bons Promotores e Procuradores


que trabalham com afinco e dedicação pela efetiva realização da missão
conferida constitucionalmente ao órgão. (respondente 57)

O MP precisa de mais estrutura de investigadores, precisa de oficiais de justiça,


precisa de interiorização de Gaeco.... a gente tem uma estrutura grande mas
pouco efetiva; de outra parte, também acho importante o foco em deficiente,
idoso, direito das minorias.... acho que deve ter “cada um no seu quadrado”
trabalhando com efetividade. (respondente 70)

O combate a corrupção é a nossa essência. (respondente 77).

Você considera que o planejamento estratégico, da forma como se encontra


elaborado, auxilia no combate à corrupção? Não, por falta de objetividade.
(respondente 98)

As recentes mudanças legislativas e a permanente tentativa do parlamento de


restringir as prerrogativas de atuação funcional e intimidar os membros visam
desestimular os membros do Ministério Público, em curto prazo. Em longo
prazo, as tentativas de mudança no regime jurídico remuneratório e as já
realizadas no sistema previdenciário visam tornar a carreira desinteressante,
numa manifesta proposta de enfraquecimento institucional. (respondente 104)
155

Como se percebe, as manifestações refletem parte da identidade do Ministério Público


como agência anticorrupção, a ideologia voluntarista e a necessidade de maior especialização,
estruturação e planejamento para uma atuação efetiva no enfrentamento da corrupção. Além
disso, também há a preocupação com as reformas legislativas e o enfraquecimento do MP.
156

6 O QUE MOVE O MINISTÉRIO PÚBLICO?

Como visto ao longo da exposição, o Ministério Público foi estudado sob duas óticas:
a) a primeira, de ordem exploratória e dedutiva, analisou a instituição de modo geral, desde a
sua origem mais remota até a sua atual apresentação sociojurídica e científica; b) a segunda, de
viés indutivo e descritivo, abordou especificamente o Ministério Público do Estado da Bahia,
com destaque para a pesquisa de percepção dos seus membros. Assim sendo, o presente capítulo
busca aglutinar os achados e apresentar uma proposta teórica explicativa com base na
perspectiva de existência de um campo estruturado.
Sobretudo a partir da Operação Lava Jato e da polarização política que acometeu o
Brasil, surgiram diversas teorias acerca da destacada atuação do Ministério Público no
enfrentamento da corrupção, indo desde as percepções voluntaristas até as desconfianças sobre
interesses político-partidários e econômicos. Dallagnol (2017), por exemplo, questiona: “por
que nos importamos tanto com a corrupção? O que motivou a pensar na luta contra o crime
de colarinho branco como uma questão de justiça? Por que ela é tão importante para a
sociedade brasileira? Afinal, o que está em jogo?”. Respondendo à sua própria pergunta, o
Procurador da República, coordenador da operação Lava Jato, cogita que: “talvez o que me
move – a mim e aos milhares de cidadãos que despertaram para esse problema – seja
entendermos o prejuízo causado à sociedade por um dos crimes de colarinho branco mais
prejudiciais”. Em lado oposto, Jessé Souza (2017) afirma que “o que a Lava Jato e seus
cúmplices na mídia e no aparelho de Estado fazem é o jogo de um capitalismo financeiro
internacional e nacional ávido por ‘privatizar’ a riqueza social em seu bolso”.
Contudo, a maioria dos estudos acerca do tema, inclusive os anteriores à operação Lava
Jato, enfatizam negativamente a associação entre a divulgação dos casos de corrupção e a
obtenção de prestígio e benefícios materiais aos membros da instituição. Segundo Eugênio
Aragão (2012), ex-Subprocurador-Geral da República, instalou-se no Ministério Público uma
atitude macroscópica de promover atuações ousadas e com riscos para com a governabilidade
visando elevar o prestígio político da instituição e buscar a valorização econômica da carreira.
Para Ribeiro (2017, 77-78), o Ministério Público tem garantido a sua legitimidade atuando em
áreas congêneres à acusação no processo penal, como no combate à corrupção. De acordo com
a autora, o Ministério Público é uma elite que privilegia a ação de gabinete e que está mais
preocupada em construir a sua credibilidade perante a opinião pública do que com a
transformação da sociedade e a melhoria da qualidade de vida da população hipossuficiente.
157

Segundo Oliveira Júnior (2019, p. 1054), que analisou as reformas anticorrupção no


período que denominou de “Era Lava Jato”, é possível que as agências anticorrupção de modo
geral tenham buscado competências e reconhecimento para condução das atividades ligadas aos
novos mecanismos de investigação, por conta dos retornos positivos de reputação e poder. Para
a verificação da hipótese, o autor (OLIVEIRA JÚNIOR, 2019, p. 1065) analisou especialmente
o instituto da “delação premiada” 107 , o qual teria sido o mecanismo mais importante do
escândalo da operação Lava Jato e que teria produzido “retornos positivos à imagem das
agências anticorrupção responsáveis por sua investigação, criando oportunidades para novas
competências legais e maior prestígio, e possibilitando ações de defesa contra ameaças de
setores afetados”.
No mesmo sentido, analisando os marcos da (re)construção institucional do Ministério
Público, da Polícia Federal e da Defensoria Pública, Arantes (2019, p. 98) concluiu que “esses
atores estatais agem em função de interesses próprio, de afirmação institucional, e se lançam à
conquista de funções e prerrogativas no espaço legal e político da democracia”. Sustenta o
professor que, apesar da construção do arranjo não ter obedecido a um plano prévio e deliberado,
identifica-se um padrão de afirmação institucional na transformação dessas instituições por
meio de um comportamento estratégico das categorias que estariam empenhadas em conquistar
e fortalecer garantias, prerrogativas e benefícios materiais (salários, auxílios etc). Acrescenta o
autor que o êxito da busca pela afirmação institucional geralmente depende de três fatores:

1) o “encaixe” específico que cada instituição logra promover e consolidar


junto ao sistema institucional mais amplo;
2) o grau de coesão existente entre seus próprios membros, o que ajuda a
entender também as diferenças de trajetórias entre MP, DP e PF (pois
apresentam diferentes graus dessa coesão interna);
3) a capacidade de vencer conflitos “de fronteira” (ou de, pelo menos resistir
a eles), que ameaçam modificar seu rol de competências ou sua autonomia
(ARANTES, 2019, p. 98).

Para Arantes (2019, p. 107), o Ministério Público possui elevada coesão e foi o primeiro
a iniciar o processo a partir do desenvolvimento da condição de “representante extraordinário
da sociedade” na defesa de interesses e direitos coletivos. A Defensoria Pública teria uma
coesão mediana e teria sido potencializada a partir do encaixe da condição de prestador da
assistência à população jurídica necessitada. Por fim, a Polícia Federal, com baixa coesão

107
Embora o autor utilize a expressão “delação premiada”, para grande parcela da doutrina o termo tecnicamente
correto e atualmente utilizado pela lei seria “colaboração premiada”, que afasta a carga simbólica e carregada de
preconceitos, além de melhor descrever a extensão do instituto. Vladmir Aras expõe bem essa discussão.
Disponível em: https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/
158

principalmente em virtude da vinculação ao Executivo e dos conflitos internos, teve como


encaixe a proposta de recuperar a qualidade da prova nas investigações criminais. Para o autor,
contudo, ao longo do tempo a percepção dos atores pode mudar, como ocorreu nos últimos anos
no Ministério Público, o qual passou a enfatizar sua importância também na persecução penal
de combate à corrupção. Assim, mesmo diante das reações do Congresso, do Poder Executivo
e do STF, o MP seguiria vitorioso na defesa de suas prerrogativas.
Embora todas as teses ora apresentadas possam ter alguma fração de sentido,
principalmente se consideradas as variadas possibilidades de representação dos papeis do
Ministério Público, nos estudos realizados ao longo deste trabalho constam achados que
infirmam, pelo menos parcialmente, as hipóteses levantadas até o momento. Além disso,
algumas das conclusões retro citadas possuem lacunas e contradições internas que também
distanciam os seus resultados de uma melhor explicação do fenômeno ora estudado.
O principal problema das teses que consideram a intenção da instituição em
conquistar maiores competências e poderes é o diferimento entre a produção legislativa e
as atuações dos órgãos. Vale registrar, antes de abordar essa questão, que a presente pesquisa
estudou apenas o desenvolvimento do Ministério Público, não podendo avançar quanto à
análise das demais instituições anticorrupção, embora se reconheça um padrão no
desenvolvimento de instituições como a Polícia Federal após a Constituição de 1988.
Feita tal advertência, é importante destacar que, conforme se extrai ao longo deste
trabalho, houve no Brasil cerca de quatro ondas de reformas legislativas que impactaram no
combate à corrupção pelo Ministério Público. O primeiro, no final dos anos 1980 engloba
a edição da lei de ação civil pública, da Constituição Federal e das leis orgânicas. Neste
período houve intensa articulação classista para a construção do novo Ministério Público
que viria a ser incorporado na Constituição Federal, porém ainda não havia um interesse
especial do MP pela corrupção. No segundo bloco de reformas, que ocorreu anos 1990,
foram criadas as leis de improbidade, organizações criminosas, interceptação telefônica,
lavagem de dinheiro e proteção das vítimas e testemunhas. Esse período foi fortemente
influenciado pelo discurso de combate à corrupção sobretudo a partir do escândalo de Collor
e dos tratados internacionais. Não foram encontradas evidências de articulação classistas
para o desenvolvimento dessas leis e foi a partir delas que se iniciou o progressivo aumento
do interesse do Ministério Público pelo tema da corrupção, vez que foi nesse período que
as instituições adquiriram praticamente todas as ferramentas normativas que lhes
habilitaram a uma atuação eficiente, em conformidade com o tratamento internacional da
matéria. Na década seguinte, não houve reformas significativas em relação aos crimes do
159

colarinho branco, razão pela qual, para os fins aqui propostos esse período não foi
considerado como um bloco. Na última década foi que iniciou a quarta e última grande
reforma, tendo como influências sobretudo escândalo do mensalão e as jornadas de junho.
Entre alterações mais importantes, podem ser citadas a edição da lei da transparência, o
aperfeiçoamento da lei de lavagem de dinheiro, e a criação das leis anticorrupção e da nova
lei de organizações criminosas. Após a operação Lava Jato, os únicos produtos legislativos
que podem ser associados a esse evento são o pacote anticrime, que trouxe poucas
contribuições ao enfrentamento da corrupção) e a lei de abuso de autoridade. As dez
medidas contra a corrupção, projeto eminentemente de patrocinado pelo Ministério Público,
além de ter sido desfigurado, até hoje continua em análise no Congresso Nacional.
Com isso, pretende-se demonstrar que, longe de influenciar o surgimento de novas
competências, a atuação do Ministério Público no combate à corrupção foi, na verdade,
fruto dessas reformas legislativas que ocorreram muito antes dos escândalos. A propósito,
vale dizer que o instituto da colaboração premiada, mencionada como o determinante para
a concorrência entre as instituições no enfrentamento da corrupção e a suposta busca por
novas competências, além de ser uma técnica especial antiga utilizada em todo o mundo
pelo Ministério Público, foi prevista na década de noventa nas leis de organizações
criminosas, sistema financeiro nacional e proteção às testemunhas. Como já demonstrado
ao longo do trabalho, a partir da atuação do Ministério Público no enfrentamento da
corrupção, houve mais tentativas legislativas de esvaziar o trabalho do MP do que
propriamente de aumentar as suas competências estabelecidas sobretudo na década de
noventa.
Além disso, o levantamento acerca da percepção dos membros também afastou as
teses de que a atuação do Ministério Público objetivaria a obtenção de maiores
remunerações ou vantagens. Com efeito, tanto nas pesquisas nacionais como a realizada no
Estado da Bahia revelam que a remuneração e a valorização da carreira não foram
considerados os motivos mais importantes para o ingresso no Ministério Público ou para a
sua própria atuação. Outrossim, restaram rechaçados também as influências políticas e
econômicas.
Quanto à tese da correlação entre a afirmação institucional e o empenho das categorias
em conquistar benefícios materiais, compreende-se que não faz nenhum sentido associar a
melhoria do desempenho da instituição com o encaixe que, na verdade, é precisamente o
objeto e finalidade última das instituições mencionadas. Afinal, como atribuir qualquer
elemento estratégico à Polícia Federal por promover investigações criminais e à Defensoria
160

por prestar assistência jurídica à população necessitada? Até poderia fazer algum sentido essa
análise em relação ao Ministério Público já que, dentre tantas outras possibilidades, de fato tem
atribuído maior prioridade à investigação da corrupção em detrimento de outras funções. Mas,
ainda assim, pode-se argumentar que se trata de atividade finalística estabelecida pela lei. De
mais a mais, o levantamento não trouxe nenhuma evidência nesse sentido e não há nenhum
elemento que demonstre o nexo causal entre a atuação dos membros e essa finalidade. Em
arremate, conforme constatou o próprio Arantes (2019), a construção dos arranjos não obedeceu
a um plano prévio e deliberado.
Oliveira Júnior (2019, p. 1057-1057) salienta que a exposição e o deslinde de casos
de corrupção podem gerar retornos positivos à reputação e às competências das
organizações que integram a teia de mecanismos de accountability, além de fortalecer o
combate a esse fenômeno ao atingir o elemento central do seu estratagema que é a ocultação.
Porém, o mesmo autor esclarece que também há estudos que indicam que a exposição
constante dos casos de corrupção também pode colocar em xeque a legitimidade da própria
teia de accountability.
Por fim, é de se observar que as referidas ideias partem do pressuposto de que as
motivações institucionais são necessariamente negativas, desconsiderando qualquer
possibilidade de que o Ministério Público busque legítimos fins colimados na Constituição
Federal. Embora não se desconsidere a possibilidade de que instituições sejam utilizadas
para fins espúrios, não se pode também desprezar o papel de instituições como o Ministério
Público para a efetivação de um país mais democrático, inclusivo e honesto.
A hipótese que se levanta a partir dos estudos realizados ao longo da presente
pesquisa é de que a atuação destacada do Ministério Público no enfrentamento da corrupção
decorre do desenvolvimento de uma forte identidade institucional de agência anticorrupção que
se formou a partir de imbricados processos históricos, normativos, discursivos, institucionais
e sociais. Como já abordado anteriormente, as evidências dessa identidade foram percebidas,
em 2007, por Arantes (2007, p. 330), quando constatou a existência de uma ideologia do
voluntarismo político bastante difundida no interior do Ministério Público e que funcionava
como importante fonte de inspiração para a ação de promotores e procuradores. Segundo o
autor, os elementos principais desse elemento endógeno seriam: a) uma percepção da
incapacidade da sociedade civil de se defender autonomamente; b) uma avaliação de que os
poderes políticos representativos estão corrompidos e/ou incapazes de cumprir suas funções;
e c) uma idealização do papel do MP de representar essa sociedade incapaz perante governos
ineptos. Para o autor, na época, o combate à corrupção política seria uma das atuações que
161

melhor expressariam a ideologia do voluntarismo político e a dificuldade de consolidar a


condição de fiscal da probidade administrativa.
Vale lembrar que a presença dessa ideologia, evidenciada nas pesquisas nacionais, foi
seguramente confirmada no levantamento quando os respondentes, a respeito da indagação
sobre o que o que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia, amparada na
Constituição Federal, indicaram expressivamente a proteção dos interesses da coletividade e/ou
dos vulneráveis; e o combate à criminalidade, a corrupção e a impunidade.
Como foi mais de uma vez advertido, não se pode desconsiderar a possibilidade dos
agentes esconderem os verdadeiros desígnios da sua atuação. Segundo Goffman, a
representação pode ser exercida através uma atuação cínica, na qual o executante visa outros
fins diversos da ideia que fazem dele:

[…] o ator pode não estar completamente compenetrado de sua própria


prática. Esta possibilidade é compreensível, pois ninguém está em melhor
posição para observar o número do que a pessoa que o executa. Aliado a isso,
o executante pode ser levado a dirigir a convicção de seu público apenas como
um meio para outros fins, não tendo interesse final na ideia que fazem dele ou
da situação. Quando o indivíduo não crê em sua própria atuação e não se
interessa em última análise pelo que seu público acredita, podemos chamá-lo
de cínico, reservando o termo ‘sincero’ para os que acreditam na impressão
criada por sua representação. Fique entendido que o cínico, com todo o seu
descompromisso profissional, pode obter prazeres não profissionais da sua
pantomima, experimentando uma espécie jubilosa agressão espiritual pelo
fato de poder brincar à vontade com alguma coisa que o público deve levar a
sério. (GOFFMAN, 2002, p.25-26)

Ademais, há grande heterogeneidade entre membros, cada um com suas próprias


identidades, ideologias, percepções, desejos e histórias. Essa diversidade ficou assentada,
por exemplo nos diferentes resultados conforme a data de ingresso na instituição, o que
também demonstra como as pessoas são influenciadas pelos diversos discursos em cada
etapa da vida. Os próprios acontecimentos recentes, como os conflitos existentes entre o
Procurador-Geral da República e outros procuradores expõe essas variações.
Entretanto, a comparação entre a imagem e a autoimagem, tanto do Ministério
Público brasileiro como especificamente o MPBA, aliada à análise da evolução histórica,
resulta em um balanço que evidencia uma representação sincera conforme a própria
identidade, de modo que o Ministério Público do Estado da Bahia transforma razoavelmente
a preferência em prioridade institucional.
162

Como bem apregoado por Castells (2008), toda identidade, do ponto de vista
sociológico é construída, de modo que a questão principal é saber como, a partir de que, por
que e para que isso acontece. Segundo o referido sociólogo:

A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela


história, geografia, biologia, por instituições produtivas e reprodutivas,
pela memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e
revelações de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são
processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que
reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos
culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de
tempo/espaço. Avento aqui a hipótese de que, em linhas gerais, quem
constrói a identidade coletiva, e para que essa identidade é construída, são
em grandemente medida os determinantes do conteúdo simbólico dessa
identidade, bem como de seu significado para aqueles que com ela se
identificam ou dela se excluem (CASTELLS, 2008).

É difícil estabelecer com precisão a relação de causa e efeito para o surgimento dessa
identidade institucional, porém, há fortes indícios da contribuição dos seguintes fatores: a) o
surgimento da “consciência nacional” e a mobilização para a criação de um projeto nacional
durante os Congressos Nacionais; b) a redemocratização; c) a fundação de um novo Ministério
Público forte e autônomo com a Constituição Federal e as leis orgânicas; d) a edição da Lei da
lei de Improbidade e das leis de enfrentamento do crime organizado na década de noventa; e) o
desenvolvimento do regime global de proibição da corrupção e da expansão das agências
anticorrupção; f) a formação do discurso e da memória da corrupção (e da impunidade) a partir
da espetacularização dos escândalos de corrupção pela mídia, dando ensejo às grandes
manifestações de rua; g) o desenvolvimento da estrutura material, humana, tecnológica e de
investigação no início deste milênio; h) o amadurecimento e a difusão das experiências das
operações, principalmente a Lava Jato.
A análise de todos os acontecimentos, de forma global, evidencia um grande movimento
no mundo inteiro que influenciou a toda a comunidade internacional. No Brasil, esse fenômeno
desenvolveu-se sobretudo após a redemocratização, com maior liberdade de impressa,
viabilizando a formação do discurso e da memória da corrupção (e da impunidade) a partir da
exponencial espetacularização dos escândalos de corrupção pela mídia. Nessa época, O
Ministério Público estava construindo uma consciência institucional e buscando a criação de
um novo MP na Constituição Federal, do que resultou a conquista das garantias, como
inamovibilidade, vitaliciedade e independência funcional. Até então, o Ministério Público não
havia despertado o interesse para o enfretamento da corrupção. A lei da improbidade parece ter
sido um marco fundamental para a construção da identidade no enfrentamento da corrupção,
163

embora na sua origem o MP não aparecesse como o maior destinatário. Foi a partir dessa lei
que o Ministério Público despertou o interesse especial para a corrupção, alcançando-se
finalmente agentes políticos que antes estavam sujeitos a foros privilegiados. Na esteira de
compromissos firmados no âmbito internacional, foram editadas novas leis de enfrentamento
ao colarinho branco, como as leis de organizações criminosas e lavagem de capitais. Ainda
diante da percepção de impunidade das ações de improbidade e de posse de novos instrumentais
processuais e penais, o Ministério Público passou a empregar estratégias criminais, com ganhos
de eficiência e efetiva responsabilização como nunca antes visto, o que aumentou a
espetacularização do processo, reforçando tanto uma imagem como uma autoimagem do
Ministério Público como o agente capaz de finalmente promover a responsabilização de pessoas
dos altos escalões políticos e econômicos. O desenvolvimento de novas tecnologias e a maior
estruturação dos Ministérios Públicos também foram decisivas. Na contramão desse processo,
contudo, intensificaram projetos de leis, decisões judiciais e posicionamentos contrários à
atuação do Ministério Público. Nos momentos de iminente contratação, houve manifestações
em defesa do Ministério Público, como em 2013 e 2016.
Neste contexto, é especialmente instigante perceber que a identidade do Ministério
Público foi construída não somente a partir do desenho institucional e do elemento endógeno,
mas, também, em razão dos observadores externos que exigiram a redução da impunidade em
relação à corrupção. Em outras palavras, pode-se supor que a identidade também foi um produto
do discurso e da memória dos brasileiros que também são observadores dessa mesma
representação.
A operação Lava Jato foi o ápice da espetacularização bem como da consolidação
processo de formação da identidade do Ministério Público, a partir do qual notou-se o
desencadeamento rotineiro de operações com a mesma metodologia. De outro lado, com a
responsabilização de altos escalões, crises políticas e polarização da sociedade, tem se
percebido um aumento da instabilidade desse processo mediante a redução parcial do interesse
da sociedade, alterações legislativas, decisões judiciais anulatórias, instauração de processos
disciplinares contra procuradores e até mesmo a redução de investimentos na área da corrupção.
Algo semelhante ao processo que ocorreu na operação mãos limpas.
De fato, a partir da atuação do Ministério Público e das demais instituições
anticorrupção, surge uma instabilidade decorrente da contrariedade aos interesses de fortes
grupos políticos e econômicos. Esse processo não é novo. Pelo menos desde 2007, Arantes
(2007, p. 334) já indicava a instabilidade das garantias e das atribuições da atuação do
164

Ministério Público no enfrentamento da corrupção e de outros interesses dos poderes políticos


e econômicos:

[...] a volatilidade do quadro institucional envolvendo prerrogativas e


atribuições do MP sugere que sua condição de “agente político da lei” não está
consolidada e que a democracia brasileira, nesse âmbito, não logrou
estabelecer ainda um marco jurídico claro nessa dimensão das relações entre
Justiça e Política. Outros exemplos poderiam ser citados, como a chamada
“Lei da Mordaça” ou o problema da prerrogativa de conduzir investigações
criminais, pois estes compõem igualmente o cenário de instabilidade das
regras que deveriam presidir a atuação do MP. De qualquer forma, nossa
hipótese é que o modelo institucional que elevou o MP à condição de “agente
político da lei” encerra uma tensão inevitável, justamente por colocá-lo na
fronteira entre a Justiça e a Política, e é possível prever que sua estabilização
esteja bem distante de ocorrer. Enquanto isso, o MP continuará enfrentando o
desafio de assegurar sua independência como órgão do sistema de Justiça ao
mesmo tempo em que se lança ao cumprimento de novas funções políticas.
Trata-se, portanto, de uma história em movimento, aberta a diferentes cenários
e, assim, como assinalou Weber a respeito do longo processo de formação do
Estado Moderno, sujeita a intervenção dos atores interessados (ARANTES,
2007, p. 334)

Cumpre observar que a elevação, em período recente, da preocupação com o retrocesso


da legislação e a preservação das conquistas institucionais também fica evidente em três das
últimas capas (2018, 2019 e 2020) das revistas da Associação do Ministério Público do Estado
da Bahia – AMPEB, entre as 14 edições disponíveis no site da entidade classista108, publicadas
entre os anos de 2010 a 2020, conforme ilustrações abaixo:

Figura 22 – Capas das revistas da AMPEB publicadas, respectivamente, nos anos 2018, 2019 e 2020

Fonte: Associação do Ministério Público da Bahia

108
https://www.ampeb.org.br/publicacoes/
165

Neste contexto, o processo de formação da identidade do Ministério Público pode ser


ilustrado através da seguinte linha do tempo, embora os fenômenos possam ser também
sobrepostos e não necessariamente lineares:

Figura 23 – Processo de formação da identidade institucional do Ministério Público

• Pec 37
Aparecimento do Desenvolvimento • Lei do abuso de
do discurso da da autoimagem e Consolidação da autoridade
corrupção e da imagem • Tratados identidade • Polarização política
• Congressos impunidade • Carta de Curitiba internacionais • Redução do
Nacionais • Constituição • Leis contra a interesse da
• Lei de improbidade • Operação Lava Jato
• Mobilização • Redemocratização Federal grande população
classista • Ideologia do • Outras operações
• Liberdade de • Leis orgânicas criminalidade • Redução dos
imprensa voluntariasmo • Responsabilização
• Lei de ação civil • Legislação esparsa • Estruturação dos investimentos no
púlbica jurídico de altos escalões
• Transparência MPs Ministério Público
pública • cobrança da • Hiper
sociedade e da • Desenvolvimento espetacularização • Anulação de
Surgimento da tecnológicos processos
consciência Renascimento do mídia
Ministério Público • Punição de
institucional Aperfeiçoamento membros
do combate à
corrupção
Internsificação da
Volatilidade/reação

Fonte: O próprio autor (2020)

Sobretudo os dois últimos processos, consolidação da identidade e intensificação da


volatilidade/reação, ainda se encontram em funcionamento e muito provavelmente constituem
um segundo mecanismo, que, pelo menos por enquanto, retroalimenta a identidade a partir do
conflito entre os diferentes atores e interesses em jogo, mas que também apresenta riscos de
enfraquecimento institucional. Embora não sejam novidades as tentativas de modificação das
regras do jogo, aparentemente tem havido, desde a Operação Lava Jato, uma acentuação das
tentativas de alterações legislativas e jurisprudenciais que, em tese, visam a redução dos níveis
de combate à corrupção e refletem, de alguma maneira, na atuação do Ministério Público. Neste
contexto, há a percepção de que a manutenção da legitimidade e continuidade do enfrentamento
dos crimes do colarinho branco dependem cada vez mais da atuação eficiente e da divulgação
na mídia dos bons resultados obtidos pelo Ministério Público (representação), reforçando a
percepção tanto interna (autoimagem) como externa (imagem) de que a instituição precisa
caminhar mais nessa direção. Esse fenômeno pode ser melhor demonstrado pelo seguinte fluxo
cíclico.
166

Figura 24 – Fluxo de retroalimentação da identidade institucional do Ministério Público no


enfrentamento da corrupção

Percepção da Manutenção da
importância do legitimidade e
combate à das leis de
corrupção pelo combate à
MP corrupção

Divulgação na Detecção de
mídia da casos de
atuação corrupção pelo
positiva MP MP

Fonte: O próprio autor (2020)

Com isso, há a retroalimentação do discurso e da memória da corrupção, que refletem


na manutenção das leis e, por conseguinte, no reforço da identidade institucional. Podem ser
citados como exemplos desse fluxo as campanhas da CONAP relativas à PEC 37, às alterações
na proposta das 10 medidas contra a corrupção e à lei de abuso de autoridade.

Figura 25 – Campanhas da CONAMP respectivamente contra: a) a PEC 37; b) as alterações na proposta


das dez medidas contra a corrupção; e c) a Lei de Abuso de Autoridade

Fontes: Associação do Ministério Público da Bahia, CONAMP e Movimento do Ministério Público


Democrático

Neste cenário, observa-se o uso da imagem de instituição anticorrupção muito mais


voltadas para defesa da instituição do que propriamente para a conquista de novas competências
ou benefícios materiais. De mais a mais, como já antecipado, não foram identificados
167

cientificamente nexos de causalidade entre a atuação do Ministério Público e eventuais


conquistas de novos poderes. Mesmo o projeto das 10 medidas contra a corrupção não foi bem
sucedido. Ao contrário, pelo que foi verificado ao longo do estudo, a depender da correlação
das forças atuantes na sociedade, esse fluxo tende realmente desaguar no arrefecimento do
enfrentamento da corrupção, a partir da desestruturação do Ministério Público e das demais
instituições anticorrupção, punição de investigadores e obstacularização dos meios de
investigação, assim como ocorrera na Itália.
O fluxo de reafirmação da identidade tem se revelado eficiente na garantia da
manutenção do enfrentamento da corrupção. Vale ressaltar, contudo, que para a continuidade
desse processo, a identidade deve ter coerência com a imagem corporativa, especialmente em
tempos atuais, de constantes ataques à instituição e ao seu papel. Por isso, a atuação deve ser
transparente, o que perpassa pelo aperfeiçoamento da comunicação institucional, que deve ser
republicana, confiável e institucional. Neste sentido, adverte Sousa (2006, p. 190):

A coerência entre identidade institucional e imagem corporativa passa


diretamente pelo comportamento da organização e pela comunicação
(KUNSCH, 2003). O que a empresa pretende comunicar à sociedade deve
estar alicerçado no que ela realmente é e faz, ou seja, em sua identidade. Todas
as formas pelas quais ela pretende se apresentar devem ter um fio condutor da
verdade. Todo esse debate é fundamental para a construção e consolidação da
Imagem e da Identidade Corporativas, mas é imprescindível que haja por parte
da organização o compromisso inalienável com a ética, a verdade, o interesse
coletivo e a responsabilidade social; que seu foco esteja fortemente voltado
para o respeito ao cidadão e à comunidade em que está inserida, que fazem o
dia-a-dia e constroem a possibilidade de sobrevivência e desenvolvimento das
organizações. Somente diante deste compromisso e de valores como estes é
possível se chegar a uma organização possuidora de Identidade fortalecida,
capaz de levar aos seus públicos uma Imagem Corporativa positiva.

Somente a partir dessa transparência que a sociedade poderá compreender qual o


propósito do Ministério Público e decidir qual instituição que ela quer, afastando quaisquer
tentativas antirrepublicanas que visem fins pessoais e inconfessáveis.
168

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como exposto no início desse trabalho, a presente pesquisa tinha por escopo central
compreender o desenvolvimento do Ministério Público no que concerne ao enfrentamento da
corrupção. Para alcançar esse propósito, foram definidos como objetivos específicos: 1) analisar
a história do Ministério Público e os processos que influenciaram o seu desenvolvimento
institucional; 2) caracterizar o perfil dos membros do Ministério Público do Estado da Bahia; e
3) identificar a autoimagem que os(as) procuradores(as) e promotores(as) de justiça possuem
da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia e as prioridades percebidas. Todos esses
objetivos foram cumpridos, o que permitiu apresentar uma descrição da sua construção, uma
explicação da sua identidade no tempo e as expectativas para o futuro.
Conforme apurado pela pesquisa, nos países ocidentais, o Ministério Público, de modo
geral, é o órgão encarregado do exercício da acusação perante os tribunais, porém a sua
organização e funções costumam ser muito variadas, nem sempre com garantias ou atribuições
diversas. Já no Brasil, o Ministério Público passou por diversas transformações, que se
intensificaram nos anos 1980. A evolução nesse período ocorreu, sobretudo, a partir das
discussões nos Congressos Nacionais do Ministério Público e da atuação classista, que
contribuíram para a formação do que foi denominado pelos congressistas, à época, de
“consciência nacional”, e que foi fundamental para a criação de um projeto nacional de
Ministério Público. Neste contexto, inspirada pela “Carta de Curitiba, aprovada por todas as
lideranças do Ministério Público do Brasil, a Constituição Federal de 1988 deu à luz um novo
Ministério Público, sem paralelo no mundo, forte, independente e incumbido da defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Com
essas características, a instituição renasceu organicamente vocacionada, também, para o
enfrentamento da corrupção.
Na década de noventa, o mundo passou a se preocupar com o fenômeno da corrupção
política e desenvolveu um regime global de proibição composto por diversos tratados. No
mesmo período, foram difundidas em muitos países as agências anticorrupção, destinadas a
prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas. Vários foram os modelos de agências
anticorrupção implantados no mundo, porém muitas delas foram integradas ao Ministério
Público. Apesar do Brasil ter adotado um modelo multiagência, o Ministério Público brasileiro
destacou-se como o primeiro e principal ator a partir a Lei de Improbidade Administrativa.
Conquanto a instituição já tivesse atribuições para a responsabilização desses atos no âmbito
169

penal, a Lei nº 8429/92 foi um marco decisivo ao admitir uma nova forma de
responsabilização jurídica de gestores que antes estavam protegidos pelo foro privilegiado,
imbuindo no órgão uma especial identificação do seu papel nessa área. As legislações que
se seguiram, inspiradas pelo movimento internacional de enfrentamento da macro
criminalidade, aperfeiçoaram os poderes e instrumentos, possibilitando um salto na
capacidade investigatória ministerial, inclusive para a prevenção e repressão da lavagem de
capitais e das organizações criminosas.
Com maior liberdade de expressão e transparência, pós-redemocratização, houve
uma espetacularização dos escândalos pela mídia, gerando um excesso de memória em
relação à corrupção, o que influenciou decisivamente para evitar o esquecimento e, também,
para determinar as compreensões e maneiras de viver de toda a nação, refletindo tanto nas
pessoas como nas instituições. Embora os crimes do colarinho branco sempre tenham sido
tratados de forma leniente no mundo inteiro, a impunidade e a percepção da corrupção no Brasil
geraram especial interesse da população, chegando a ser considerado o maior problema social
em 2015. Neste cenário, o Ministério Público, que passara a aplicar a lei de improbidade e
atuar no combate ao crime organizado, foi associado à imagem de defensor da ordem e da
moralidade e garantidor da punição de corruptos e criminosos, desenvolvendo uma imagem
institucional positiva. Pesquisas precedentes a este trabalho também revelaram o
desenvolvimento de uma autoimagem de agência anticorrupção no Ministério Público e o
crescimento da preferência pelo combate à corrupção, que se tornou maior prioridade dos
membros em 2016, inclusive acima do enfrentamento dos crimes em geral. A operação Lava
Jato também foi um marco relevante, influenciando todos os Ministérios Públicos, mormente
através da difusão de uma metodologia considerada inovadora, com o forte emprego das
técnicas especiais de investigação, colaborações premiadas, big data e medidas assecuratórias.
Na Bahia, o desenvolvimento estrutural do Ministério Público somente ocorreu com
maior vigor a partir do início deste milênio, com a expansão da estrutura física, formação dos
quadros auxiliares, criação de grupos especializados, instituição da gestão estratégica e
desenvolvimento do parque tecnológico. Além disso, as operações contra a corrupção, pelo
menos as mais importantes, somente vieram após a experiência da Operação Lava Jato. Nada
obstante, a pesquisa de campo revelou a formação de uma autoimagem no Ministério Público
do Estado da Bahia muito semelhante àquela encontrada pelas pesquisas pretéritas,
demonstrando que, apesar de uma pequena variação, foram mantidos, ao longo de quase 20
anos, os perfis e percepções dos membros do Ministério Público, mesmo comparando-se
170

universos distintos: Ministério Público Federal; todos os Ministérios Públicos da União e dos
Estados; e Ministério Público do Estado da Bahia.
Através do presente estudo foi possível perceber como o Ministério Público é uma
instituição complexa, sujeita às suas próprias contradições, especialmente no Brasil, onde tem
contornos próprios, grande capilaridade e variadas interações na democracia. Neste cenário, é
possível dizer que a instituição pode se apresentar para a sociedade, no tempo e no espaço, de
mais de uma forma, a partir de diversos papeis e representações, que podem variar até mesmo
conforme divisão do Ministério Público no plano orgânico-constitucional entre várias
instituições autônomas e independentes (Ministério Público da União e Ministérios Públicos
dos Estados). Contudo, a análise das evoluções histórica, normativa, orgânica, social, científica
e discursiva gera fundadas razões que levam a concluir que o Ministério Público brasileiro se
constitui de um campo cujos membros compartilham de um mesmo habitus. A comparação
entre os resultados da pesquisa de campo e os estudos antecedentes confirmaram essa conclusão.
Foi neste contexto de unidade política e forte coesão que, sem prejuízo de outras, se
formou uma identidade institucional de agência anticorrupção, que é coerente com a imagem e
a autoimagem do órgão em todo o Brasil, além de animada por uma ideologia de voluntarismo
político. Essa identidade, apesar de ter se consolidado em período recente, é dinâmica e
continua sendo questionada e reafirmada a cada dia, projetando-se para o futuro em um contexto
de conflito discursivo com outros atores, em meio à volatilidade do quadro institucional que
decorre do enfrentamento da corrupção. Ao contrário do que sustentam outros trabalhos, não
foram identificadas evidências científicas de que a atuação dos membros do Ministério Público
é dirigida à conquista de novas competências ou vantagens materiais. Por outro lado, foi
identificada a estratégia de reafirmar a associação do Ministério Público com o combate à
corrupção com vistas à defesa das garantias e atribuições conquistadas na Constituição Federal
e na legislação infraconstitucional, bem como à proteção da própria atuação anticorrupção,
principalmente diante das tentativas de alterações normativas e mudanças de posicionamentos
jurisprudenciais.
Com isso, a pesquisa amadureceu suficientemente para responder à pergunta de partida:
afinal, o que move o Ministério Público no enfrentamento da corrupção? Como visto, a análise
dos resultados conduziu à conclusão de que, para além dos deveres orgânico-normativos, o
Ministério Público se move no enfrentamento à corrupção em virtude do desenvolvimento, a
partir da segunda metade dos anos 1990, de uma identidade institucional de agência
anticorrupção, formada a partir de processos históricos, institucionais e sociais. Essa identidade
– que tanto reflete como interage com o desenho institucional, a motivação endógena e o
171

contexto sociocultural – pauta o comportamento institucional que transforma o combate à


corrupção em prioridade institucional, conquanto essa seja apenas uma entre as várias
atribuições ministeriais.
O trabalho se justificou pelos próprios resultados, problematizando o Ministério Público
e permitindo o conhecimento das suas relações, a partir das quais se estabelece como desafio
exercer representações que sejam sinceras e coerentes com a imagem e a autoimagem que
compõem a sua identidade institucional. Com efeito, a sinceridade e transparência nos seus
mais diversos papéis são essenciais para que a sociedade brasileira compreenda os interesses
em jogo e possa decidir suficientemente consciente acerca do Ministério Público que ela que
ela deseja para si.
A metodologia traçada foi exitosa, mas o estudo também apresentou dificuldades como,
por exemplo, em razão do perecimento no tempo de parte dos anais dos Congressos do
Ministério Público; limitação temporal de algumas pesquisas consultadas; e ausência de maior
participação de procuradores de justiça na pesquisa de campo. O estudo de campo, consistente
na aplicação de questionários semiestruturados, proporcionou a coleta de volumosas
informações quantitativas que foram fundamentais para a construção do conhecimento e que
ainda podem servir, futuramente, para uma expressiva quantidade de outras correlações
possíveis. O instrumento foi elaborado a partir de entrevistas com alguns promotores de justiça,
entretanto teria sido enriquecedor se, além dos questionários, também fossem realizadas
entrevistas com uma amostra significativa de membros, a fim de aprofundar algumas questões.
Sabe-se, contudo, que não haveria tempo e espaços suficientes para a realização das correlações
e das entrevistas, considerando os limites que envolvem uma pesquisa de mestrado.
Ademais, o estudo buscou inovar a análise do Ministério Público a partir de uma
abordagem interdisciplinar, envolvendo o direito, a história, a criminologia, a comunicação
social, a estatística, a sociologia e a ciência política. Essa análise abrangente foi um desafio
pessoal diante da extensão do conhecimento exigido, porém também foi um processo
enriquecedor para o pesquisador, enquanto mestrando e membro do Ministério Público, por
permitir uma compreensão para além das categorias jurídicas com as quais estava acostumado,
inclusive saindo da perspectiva deontológica para a ontológica. Antes do desenvolvimento do
trabalho, eram esperadas respostas simples com base na mera valorização midiática. Porém o
estudo se adensou rapidamente e revelou uma surpreendente imbricação de fenômenos muito
mais amplos que envolvem um Ministério Público culturalmente rico, mas com uma mesma
identidade. O trabalho também foi um desafio na medida em que o pesquisador integrava o
objeto do estudo, o que ensejou grandes reflexões para a compreensão das relações entre a
172

pesquisa, o próprio trabalho, as convicções pessoais e os papeis sociais. Foi curioso observar
como a relação pesquisador/objeto foi se transformando durante a pesquisa, promovendo
questionamentos e reformulações constantes das pré-compreensões. Nesse processo também
houve um amadurecimento e a aquisição de autoconfiança quanto à realização do
desenvolvimento de uma pesquisa que é tão legítima e relevante quanto às avaliações externas,
na medida em que, sincera e compromissada tanto com o conhecimento científico como com a
sociedade em que atua, apresenta uma visão interna que é pouco conhecida do meio acadêmico.
Diante da complexidade do objeto, certamente a discussão aqui levantada ainda carece
de um amadurecimento teórico e ainda há muito a ser estudado. O esforço deste trabalho será
recompensado se outros pesquisadores se sentirem desafiados a aprofundar as questões
levantadas. Se lograrmos êxito esse intento, teremos somado alguma contribuição à busca de
uma reflexão sobre esse campo que é tão interessante, mas pouco estudado. Neste contexto,
também podem ser realizadas outras pesquisas, visando, por exemplo, compreender melhor a
qualidade do trabalho desenvolvido pelo Ministério Público no enfrentamento da corrupção a
partir de outros parâmetros, bem como os seus impactos na autoimagem e imagem institucionais.
Além disso, diante da dificuldade de apurar os níveis de impunidade reais, seria interessante
esclarecer se há relação entre o desenvolvimento da imagem de agência moralizadora do
Ministério Público e a percepção do efetivo descobrimento e punição dos crimes do colarinho
branco.
Tratando-se de um mestrado profissional parece oportuno apresentar algumas
considerações e propostas de intervenção na tentativa de contribuir para a instituição. Pelos
estudos realizados até o momento, observa-se que o comportamento de uma instituição decorre,
sobretudo, em virtude três fatores: o desenho institucional, a motivação endógena e o contexto
sociocultural que, no final das contas, refletem a identidade institucional. No caso do
enfrentamento da corrupção, todos os fatores convergem para o desenvolvimento de uma
identidade anticorrupção. Neste contexto, primeiramente, é essencial que o Ministério Público
compreenda melhor a sua identidade institucional e avalie internamente as suas prioridades.
Além disso, é preciso que haja coerência entre a identidade e o efetivo desempenho da sua
representação, o que exige uma atuação de qualidade, proativa, profissional, sistemática,
especializada e coordenada com vistas tanto à reação como à prevenção. Por fim, é importante
que haja uma comunicação institucional sincera e que rechace as desconfianças em relação às
representações sociais.
A evolução histórica do Ministério Público brasileiro e dos seus resultados revela que a
sua constituição no Brasil, como uma instituição forte e independente, foi uma conquista da
173

sociedade e, longe do complexo de vira-lata, é uma “jabuticaba que deu certo”. Muito mais do
que mero órgão de persecução, o MP se tornou, por opção constitucional, um agente de
transformação social, garantidor dos direitos fundamentais, protetor do meio ambiente, redutor
de desigualdades sociais e defensor dos valores democráticos e interesses sociais, os quais, no
Brasil, se revelaram de difícil implementação senão por meio do sistema de justiça. O
enfrentamento da corrupção se insere nesse mesmo contexto e é especialmente difícil de ser
combatida já que a própria sociedade, os legisladores e o sistema de justiça têm dificuldades de
reconhecer a natureza criminal das condutas de criminosos do colarinho branco. Porém deve-
se destacar que a atuação do Ministério Público tem mudado esse cenário e a histórica
seletividade penal outrora dirigida a pobres. É sintomático o fato de que a primeira prisão de
um agente político no Brasil somente ocorreu em 2013, mas também é interessante perceber o
quanto o Brasil se transformou nos últimos anos por meio da atuação das agências anticorrupção,
promovendo a responsabilização de altos escalões dos poderes políticos e econômicos
responsáveis pelo desvio de bilhões de reais.
É fato que o enfrentamento de interesses tão poderosos tem potencializado as tentativas
de alterações da estrutura das agências anticorrupção e de punições aos seus agentes, com vistas
ao enfraquecimento do controle dos desvios. O Ministério Público não pode se intimidar diante
dessas ameaças e nem mesmo recuar na luta contra a corrupção. As suas únicas defesas são a
continuidade de um trabalho sério e a transparência quanto à lisura das suas ações, inclusive
quanto ao respeito e proteção de direitos humanos, mantendo-se a coerência entre a imagem e
a autoimagem que sustentam a sua identidade.
Vale destacar que, os estudos acerca das agências anticorrupção indicam as
características mais importantes ao bom funcionamento dessas instituições são: a
independência; a atuação em cooperação com outras instituições; o capital humano
especializado e interdisciplinar; a capacidade de investigar casos complexos e de grande
magnitude; a capacidade de realização de pesquisas e avaliação de políticas anticorrupção;
a agência deve ser duradoura e não ocasional; e devem ter o apoio da opinião pública. Por
outro lado, segundo a percepção dos promotores e procuradores, o Ministério Público está
aquém de realizar uma atuação de qualidade no enfrentamento da corrupção. Os maiores
obstáculos à melhoria desse cenário indicados foram as deficiências estruturais: a falta de
estrutura e/ou de recursos financeiros internos; a distribuição inadequada de atribuições; a falta
de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa; e a falta de unidade e planejamento
estratégico. De fato, verificou-se que pouquíssimas Promotorias de Justiça no Estado da Bahia
possuem condições de desenvolver trabalhos especializados no combate a corrupção.
174

Impõe-se observar que tanto no âmbito nacional como no Ministério Público do Estado
da Bahia falta uma política pública contra a corrupção que seja clara e efetiva. O planejamento
estratégico apesar de conhecido pela maioria não tem chegado às pontas com força para
impulsionar uma atuação mais sistemática. É preciso ter uma direção e efetivamente trabalhar
nesse caminho, o que pressupõe a indicação de metas claras a serem cumpridas pelas
Promotorias de Justiça e o eficaz monitoramento, o que já pode ser feito mediante o
aperfeiçoamento dos sistemas construídos pela própria instituição, a exemplo do IDEA. As
unidades ministeriais devem buscar soluções de gestão que visem a racionalização dos recursos
e otimização da energia institucional, preferindo-se sempre as ações que resultem em maiores
retornos positivos para a sociedade. A administração superior tem um papel fundamental,
indicando critérios razoáveis para a racionalização das prioridades e dos recursos, ressaltando
o fortalecimento da unidade ministerial. Neste processo, a liderança é o melhor caminho,
canalizando a energia positiva dos membros e rejeitando totalmente as perspectivas que violem
a autonomia e a independência funcional dos membros do Ministério Público, que, ao fim e ao
cabo, são um dos maiores pilares do funcionamento das agências anticorrupção. As orientações
sumulares, notas técnicas, recomendações, compartilhamento do conhecimento e operações
conjuntas auxiliam nesse processo.
O combate à corrupção precisa abranger a prevenção e a repressão, porém o MP cumpre
apenas parte desse trabalho. Por isso, é necessário sistematizar o trabalho e fortalecer a
estrutura, que deve ser dotada de ferramentas para a formulação de pesquisas, produção e
difusão de conhecimento, varreduras proativas e investigações eficientes, além do
aperfeiçoamento legislativo e educação da sociedade. Existem muitas iniciativas no âmbito da
prevenção, mas ainda são muito tímidas, incipientes e, frequentemente, provocadas pelo
público externo. Ao invés de fruto de iniciativas e custos pessoais, o trabalho de enfretamento
da corrupção precisa ser um produto natural do desempenho estratégico da instituição.
No interior, além da maior precariedade da estrutura, as promotorias têm acumulado
atribuições diversas e dissonantes que inviabilizam uma atuação eficiente na proteção do
patrimônio público e moralidade administrativa. É comum encontrar enormes acervos de
procedimentos investigatórios parados que não vão a lugar nenhum e que desestimulam o
interesse dos promotores pela atuação nessa área, fazendo com que os mais experientes sempre
busquem outras promotorias menos cansativas. Essa realidade precisa mudar, principalmente
através de uma revisão geral das atribuições de todas as promotorias, a fim de reformular a
distribuição mediante critérios proporcionais e objetivos que assegurem a tutela adequada dos
interesses protegidos pelo MP conforme as prioridades institucionais, evitando-se por exemplo
175

a cumulação de áreas estratégicas como infância e juventude, crime em geral e patrimônio


público e moralidade administrativa. Nesse processo, deve-se dar atenção especial às Comarcas
com mais de 100 mil habitantes que, conforme o planejamento estratégico, devem ter
promotorias especializadas. É importante, ainda, que sejam definidos critérios adequados de
avaliação da qualidade da atuação da instituição, bem como diagnosticados os principais fatores
que interferem em suas ações. Assim, em tese, caminhará o Ministério Público na direção das
melhores práticas das agências anticorrupção, bem como promovendo a qualidade das ações
que sejam compatíveis com a sua identidade institucional.
Conquanto o Ministério Público do Estado da Bahia possua notável estrutura de
investigação, essas ferramentas normalmente se concentram na capital e, por atenderem a todo
o Estado, muitas vezes falta comunicação e demora para chegar na ponta. Assim, compreende-
se que, para uma atuação mais eficiente nessa área, deve-se buscar maior capilarização e a
especialização dos órgãos de execução, com a criação de estrutura própria, principalmente de
serviços de apoio e interdisciplinares, que deve ser capacitada continuamente.
Em que pese o planejamento estratégico tenha indicado a criação apenas de Promotorias
de Justiça especializadas no combate à corrupção nos municípios de maior porte, esse modelo
deve ser complementado com a formação de grupos de atuação especializada regionais
(GAECO ou GAECC), com atribuições simultaneamente civis e criminais, para atuação
conjunta com os promotores titulares, com vistas à apuração e persecução de infrações
complexas. Assim, haverá a conjugação das garantias e dos direitos fundamentais - mediante o
fortalecimento da figura do promotor natural e da sua independência - com a flexibilidade,
expertise e especialização do grupo de atuação, a ser composto por procuradores, promotores e
servidores vocacionados e com maior capacidade técnica para os desafios do enfrentamento dos
crimes mais complexos do colarinho branco e de organizações criminosas. Essa estrutura, além
de ser mais flexível, podendo até mesmo ser criada, aumentada ou reduzida, conforme a
necessidade, por ato administrativo - já que análoga à designação - ainda permite as trocas de
experiências entre o promotor natural e o grupo de atuação especial. Vale salientar que os
referidos grupos, devem buscar maior capilaridade e contar com equipe de apoio diversificada,
para o adequado tratamento interdisciplinar que exigem os crimes do colarinho branco. No
plano estadual, as promotorias especializadas e os grupos de atuação especial devem se
organizar com outras estruturas, como o CAOPAM, o CAOCRIM e o CSI para o
compartilhamento de informações, desenvolvimento de estudos, intensificação de capacitação
e, principalmente, o planejamento de estratégias de atuação preventivas e coordenação das
demais Promotorias de Justiça. Essa estrutura também deve-se relacionar com os demais
176

Ministérios Públicos do Brasil, bem como com as demais agências anticorrupção para atuação
conjunta, fortalecimento da rede e produção de ações educativas para toda a sociedade.
Também é importante que haja articulações junto a outras instituições como as polícias,
controladorias, tribunais de contas, órgãos financeiros e tributários e, principalmente, o Poder
Judiciário. Afinal, a atuação em rede é fundamental e o trabalho do Ministério Público não será
integral se as ações de responsabilização continuarem prescrevendo e esbarrando em outras
dificuldades como acontece diariamente. Para além disso, a proteção dos direitos fundamentais
deve ser sempre a marca fundamental da atuação que legitima toda a ação ministerial e que
garanta a confiança necessária para a sua continuidade enquanto instituição essencial. Aliás, o
florescimento do Ministério Público exige os solos democráticos dos Estado de Direito, mesmo
porque o terreno desportista não combina com as suas finalidades e independência. Vale dizer
que quase todas as sugestões já são objeto do planejamento estratégico e aguardam providências
que não necessitam de outras providências complexas, senão de medidas administrativas.
Ainda não sabemos como será o novo mundo após a Pandemia do coronavírus. É
possível que estejamos encerrando um ciclo e iniciado um novo capítulo da sociedade, inclusive
com novos rearranjos de prioridade e organização. Os efeitos econômicos também exigirão a
reavaliação da atuação estratégica e da distribuição dos recursos disponíveis. É preciso planejar
a atuação do Ministério Público com vistas à efetividade e a aproximação da revisão do atual
planejamento estratégico do Ministério Público do Estado da Bahia pode ser uma ótima
oportunidade para a consagração da identidade institucional no enfrentamento da corrupção, se
assim desejar a instituição
177

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186

APÊNDICE A – Levantamento das teses dos Congressos Nacionais do Ministério Público

CONGRESSO TOTAL DE TESES SOBRE CORRUPÇÃO/IMPROBIDADE


TESES
1º Congresso 42
São Paulo NENHUMA
(1942)

5º Congresso 53
Recife NENHUMA
(1977)

12º Congresso 143 - Descriminalização da corrupção passiva eleitoral (art. 299 do CE)
Fortaleza
(1998)
13º Congresso 233 - A Esfinge da Lei de Improbidade Administrativa (Considerações
Curitiba sobre o Caput do Art. 11 da Lei N° 8.429/92)
(1999) - Os Agentes Políticos e as Sanções da Lei de Improbidade
Administrativa
- Improbidade Administrativa: Possibilidade, com Apoio no Art. 1.113
do CPC, de Venda Antecipada de Veículos Automotores Arrestados
-Improbidade Administrativa em Relação à Administração Ambiental
-Improbidade Administrativa dos Agentes Públicos e as Contratações
Irregulares de Servidores

14º Congresso 162 -Defesa do patrimônio público -Improbidade administrativa indevida


Recife dispensa de concurso de ingresso no serviço público
(2001) -A conveniência da reparação do dano x a impossibilidade de transação
na Lei de Improbidade Administrativa - Uma proposta alternativa
-Tortura e abuso de autoridade - Subsunção à Lei de Improbidade
Administrativa - Ocorrência de dano moral ao estado - necessidade de
Reparação

16º Congresso 104 - Competência de foro concorrente para atos de improbidade


Belo Horizonte administrativa praticados por agentes públicos estaduais
(2005) - Prescrição de ato de improbidade administrativa quando não previsto
prazo prescricional para demissão na legislação específica, nos casos
de exercício de cargo efetivo ou emprego públicos (servidores públicos
civis e militares)
- Perda de cargo militar em ação civil de responsabilidade por ato de
improbidade administrativa
- A atuação do Ministério Público no combate à improbidade
administrativa decorrente da violação dos direitos fundamentais sociais
por omissão
- É possível a indisponibilidade de bens de agentes condenados por
improbidade administrativa por violação
aos princípios constitucionais da administração pública?
- A necessidade de preservar a eficiência da lei de improbidade
administrativa

17º Congresso 124 - Ampliação da delação premiada aos atos de improbidade


Salvador administrativa
(2007) - Da improbidade administrativa na contratação de escritórios de
advocacia sem licitação por órgãos públicos
- Da necessária publicidade oficial das condenações por ato de
improbidade Administrativa
- Da retenção liminar dos vencimentos de agente público demandado
pela prática de ato de improbidade administrativa
187

- Desafio do Ministério Público na concretização do princípio da


proporcionalidade licitatória como forma de obstáculo à corrupção
- Estudo sobre o dolo no direto administrativo e na improbidade
administrativa
- Interceptação telefônica como prova emprestada em ação civil por ato
de Improbidade administrativa
- A relação entre inércia judicial e falta de efetividade das ações civis
públicas na área de improbidade administrativa estudo de caso na
comarca de Ilhéus/Bahia
- A possibilidade de formalização de termo de compromisso de
ajustamento de conduta em matéria relacionada à improbidade
administrativa
- Ampliação do foro privilegiado de prefeitos. Ministério Público e
combate à corrupção lato sensu: a inconstitucionalidade da proposta de
emenda 358/2005

18º Congresso 99 - Ato de improbidade administrativa afastamento do agente público


Florianópolis poder geral de cautela
(2009) - A singularidade do prazo de defesa prévia da lei de improbidade
administrativa
- Interpretação do vocábulo desvio previsto na cabeça do artigo 10 da
lei de Improbidade administrativa
- Transparência, inexistência de sigilo bancário em transações a partir
de contas de entes públicos junto à instituições financeiras e efetivo o
combate à corrupção
- Da não aplicação do art. 47, parágrafo único, do CPC, às ações de
improbidade Administrativa
- Da inexistência do direito de prefeitos à indicação de local, dia e hora
para ouvida em sede de investigação de improbidade administrativa
conduzida pelo Ministério Público

19º Congresso 69 - Inversão do ônus da prova na ação civil pública por improbidade
Belém administrativa – Hipótese de aplicação do artigo 9º, inc. VII, da Lei
(2011) 8.249/92
- Improbidade Administrativa Eleitoral
- A integração entre o Estatuto da Cidade e a Lei de Improbidade
Administrativa
- Da participação do promotor de justiça na divulgação da campanha
"o que você tem a ver com a corrupção?" como um dos critérios
objetivos para aferição do merecimento

20º Congresso 77 - A Tutela Inibitória de Proibição de Contratar com o Poder


Natal Público na Improbidade Administrativa
(2013) - A Ação de Improbidade Administrativa como Instrumento
de Proteção dos Conhecimentos Tradicionais
- Emprego Irregular de Verbas Públicas e a Incidência do
Inciso XI do Artigo 10 da Lei de Improbidade
Administrativa
- Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade na
aplicação da Lei 8.429/1992: a insignificância no domínio
da improbidade administrativa e o respeito à cidadania
- O Papel do Ministério Público no Combate à Corrupção
na Lei 12.846/2013

21º Congresso Rio 75 - Tac em improbidade administrativa


de Janeiro - A responsabilidade do prefeito municipal por ato de improbidade
(2015) administrativa, que atenta contra os princípios da administração
pública ante à omissão de viabilização de instrumento democrático
previsto no estatuto da cidade, bem como ausência de disponibilização
no portal da transparência”.
188

- Direito fundamental de acesso à informação pública, improbidade


administrativa e estratégias de enfrentamento pelo ministério público
- Prova obtida a partir da colaboração premiada e sua utilização em
processos de improbidade administrativa
- Crimes licitatórios e atividade empresarial: revisão das penas como
parte do programa de combate à corrupção lato sensu no brasil
- Ampla transparência e controle social como meios de redução dos
índices de corrupção no brasil
- Atividade empresarial e corrupção: crítica ao modelo de acordo de
leniência previsto na lei 12.846/2013
- A corrupção no poder legislativo - um atentado à democracia e aos
direitos humanos

22º Congresso 93 - O prazo prescricional da ação de improbidade administrativa proposta


Belo Horizonte em face de servidor no exercício de cargo efetivo ou emprego
(2017) - A utilização dos relatórios de inteligência financeira oriundos do
COAF como meio de prova na
Persecução dos atos de improbidade administrativa de agentes públicos
- A improbidade por omissão na conservação do patrimônio público
- Improbidade administrativa por dolo presumido em omissão reiterada
do gestor competente para estruturação do conselho municipal de
saúde
- Aplica-se a súmula vinculante nº 13 às nomeações para cargos
políticos na administração pública, sendo que a investidura em
violação a esse enunciado, além da nulidade do ato administrativo,
caracteriza improbidade administrativa por violação de princípios
(artigo 11 da lia)
- Perda do cargo de membro do Ministério Público em decorrência da
prática de crime e de ato de improbidade administrativa
- Difusão do princípio constitucional anticorrupção e o respectivo
impacto na corrupção inconvencional

23º Congresso 104 - A distribuição dinâmica do ônus da prova na ação de improbidade


Goiânia administrativa
(2019) - A aplicação da teoria da actio nata às ações de improbidade
administrativa
- Colaboração premiada em ações de improbidade administrativa: uma
releitura do princípio da indisponibilidade do interesse público
- Tortura e improbidade administrativa por violação aos princípios da
administração pública
- Tipologia: Uma alternativa para a resolutividade no combate à
corrupção
- Prometeu e a metamorfose da corrupção ambiental
- Retenção limitar de remuneração de agentes públicos em ações de
improbidade administrativa
- A medida cautelar de protesto como forma de interrupção da
prescrição em ações de improbidade administrativa
- Alienação antecipada de bens em processos de improbidade
administrativa: necessário instrumento de efetividade da prestação
jurisdicional
189

APÊNDICE B – Levantamento das despesas nominais do Ministério Público com o


enfrentamento da corrupção e a defesa moralidade nas leis orçamentárias de 2013 a 2020

ORÇAMENTO 2020 - LEI Nº 14.184 DE 10 DE JANEIRO DE 2020

4074 Atuação Ministerial de Fomento à Probidade na Gestão Pública - Fomentar ações


judiciais e/ou extrajudiciais para qualificar e subsidiar a atuação finalística com ênfase na
resolutividade e nas medidas que objetivem a defesa do patrimônio público e da moralidade
administrativa - 100.000

Total: R$100.000,00

Projeto / Atividade Total


Atuação Ministerial na Defesa e 110.000
Proteção da Mulher e da População
LGBTQ+
4073 Atuação Ministerial de Fomento ao 205.000
Combate a Criminalidade
4074 Atuação Ministerial de Fomento à 100.000
Probidade na Gestão Pública
4075 Atuação Ministerial na Defesa dos 140.000
Direitos Cíveis e das Entidades do
Terceiro Setor
4081 Assessoria Técnica na Atuação 485.000
Finalística do Ministério Público
4083 Atuação Ministerial na Defesa e 225.000
Proteção dos Direitos Humanos
4732 Atuação Ministerial na Defesa da 285.000
Educação Pública de Qualidade
4758 Atuação Ministerial no 170.000
Aperfeiçoamento do Sistema de Defesa
Social e Segurança Pública
4761 Atuação Ministerial na Defesa e 250.000
190

Proteção da Saúde Pública


4765 Atuação Ministerial na Defesa e 230.000
Proteção da Criança e do Adolescente
5211 Implementação da Atividade de 840.000
Inteligência e Segurança Institucional do
Ministério Público
6268 Atuação Ministerial na Proteção e 110.000
Defesa dos Direitos do Consumidor
6269 Atuação Ministerial na Defesa e 175.000
Proteção da Bacia do Rio São Francisco
6271 Atuação Ministerial na Defesa e 630.000
Proteção do Meio Ambiente
6612 Atuação Ministerial na Defesa e 185.000
Proteção da Mata Atlântica

ORÇAMENTO 2019 – LEI Nº 14.036 DE 20 DE DEZEMBRO DE 2018


2055 Atuação Ministerial na Área de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade
Administrativa - Realizar ação ministerial por meio de suporte técnico especializado e
interdisciplinar a integrantes do Ministério Público, para investigação de ameaças ou danos ao
Patrimônio Público e à Moralidade Administrativa - 179.000

4762 Atuação Ministerial na Área de Repressão, Prevenção e Promoção do Combate à


Corrupção e à Impunidade - Realizar ações de sensibilização para mudança de atitudes em
prol do fortalecimento dos valores éticos pela sociedade, combate à corrupção e a impunidade
- 40.000

7316 Qualificação de Integrante do Ministério Público na Área de Defesa do Patrimônio


Público e Moralidade Administrativa - Promover ações de qualificação aos integrantes do
Ministério Público e de desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais
necessárias ao exercício das atividades funcionais na área de defesa do patrimônio público e
191

moralidade administrativa, que assegurem a melhoria qualitativa e quantitativa do oferecimento


de serviços ao cidadão - 54.000

Total: R$273.000,00

ORÇAMENTO 2018 - LEI Nº 13833 DE 10 DE JANEIRO DE 2018

2055 Atuação Ministerial na Área de Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade


Administrativa - Realizar ação ministerial por meio de suporte técnico especializado e
interdisciplinar a integrantes do Ministério Público, para investigação de ameaças ou danos ao
Patrimônio Público e à Moralidade Administrativa - 120.000

4762 Atuação Ministerial na Área de Repressão, Prevenção e Promoção do Combate à


Corrupção e à Impunidade - Realizar ações de sensibilização para mudança de atitudes em prol
do fortalecimento dos valores éticos pela sociedade, combate à corrupção e a impunidade -
54.000

7316 Qualificação de Integrante do Ministério Público na Área de Defesa do Patrimônio


Público e Moralidade Administrativa Promover ações de qualificação aos integrantes do
Ministério Público e de desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais
necessárias ao exercício das atividades funcionais na área de defesa do patrimônio público e
moralidade administrativa, que assegurem a melhoria qualitativa e quantitativa do oferecimento
de serviços ao cidadão - 40.000

Total: R$214.00,00

ORÇAMENTO 2017 - LEI Nº 13.602 DE 29 DE DEZEMBRO DE 2016

2055 Atuação Especializada em Investigação na Área de Defesa do Patrimônio Público e da


Moralidade Administrativa - Prover o suporte técnico especializado e interdisciplinar a
integrantes do Ministério Público para investigação de ameaças ou danos ao Patrimônio Público
e à Moralidade Administrativa - 50.000
192

4762 Atuação Ministerial na Área de Repressão, Prevenção e Promoção do Combate à


Corrupção e à Impunidade Realizar ações de sensibilização para mudança de atitudes em prol
do fortalecimento dos valores éticos pela sociedade, combate à corrupção e a impunidade -
43.000

7315 Disseminação da Caixa de Ferramenta de Trabalho Institucional na Área de Defesa do


Patrimônio Público e Moralidade Administrativa - Implementar conjunto de instrumentos
operacionais, caixa de ferramenta, a serem desenvolvidos e implantados para o aperfeiçoamento
dos processos de trabalho, a ampliação do escopo das ações realizadas e o apoio ao
aprimoramento de serviços prestados pela instituição na área de defesa do patrimônio público
e moralidade administrativa - 33.000

7316 Qualificação de Integrante do Ministério Público na Área de Defesa do Patrimônio


Público e Moralidade Administrativa - Promover ações de qualificação continuada de
integrantes do Ministério Público e de desenvolvimento de competências técnicas e
comportamentais necessárias ao exercício das atividades funcionais na área de defesa do
patrimônio público e moralidade administrativa, que assegurem a melhoria qualitativa e
quantitativa do oferecimento de serviços ao cidadão -18.000

Total: R$144.000,00

ORÇAMENTO 2016 - LEI Nº 13.470 DE 30 DE DEZEMBRO DE 2015


4762 Atuação Ministerial na Área de Repressão, Prevenção e Promoção do Combate à
Corrupção e à Impunidade - Realizar ações de sensibilização para mudança de atitudes em prol
do fortalecimento dos valores éticos pela sociedade, combate à corrupção e a impunidade -
25.000

7314 Aprimoramento de Fluxo e Procedimento da Área de Defesa do Patrimônio Público e


Moralidade Administrativa - Aprimorar os fluxos e procedimentos da área de defesa do
patrimônio público e moralidade administrativa no Ministério Público, com vistas à análise e
mapeamento dos processos de trabalho, identificando oportunidades de aperfeiçoamento de
serviços - 23.000
193

7315 Disseminação da Caixa de Ferramenta de Trabalho Institucional na Área de Defesa do


Patrimônio Público e Moralidade Administrativa - Implementar conjunto de instrumentos
operacionais, caixa de ferramenta, a serem desenvolvidos e implantados para o aperfeiçoamento
dos processos de trabalho, a ampliação do escopo das ações realizadas e o apoio ao
aprimoramento de serviços prestados pela instituição na área defesa do patrimônio público e
moralidade administrativa - 28.000

7316 Qualificação de Integrante do Ministério Público na Área de Defesa do Patrimônio


Público e Moralidade Administrativa - Promover ações de qualificação continuada de
integrantes do Ministério Público e de desenvolvimento de competências técnicas e
comportamentais necessárias ao exercício das atividades funcionais na área de defesa do
patrimônio público e moralidade administrativa, que assegurem a melhoria qualitativa e
quantitativa do oferecimento de serviços ao cidadão - 18.000

Total: R$94.000,00

ORÇAMENTO 2015 - LEI Nº 13.225 DE 23 DE JANEIRO DE 2015

6404 Atuação Ministerial na Defesa e Proteção da Cidadania e Direitos Humanos


Desenvolver ações judiciais e/ou extrajudiciais para prevenir e combater a ilegalidade e a
lesão ao patrimônio Público e a moralidade administrativa, a discriminação, o preconceito
e todas as manifestações de violência contra a dignidade da pessoa, ampliado os acessos para a
garantia dos direitos de cidadania, com especial atenção para as mulheres, idosos e pessoas com
deficiências - 250.000

Total: R$250.000,00

ORÇAMENTO 2014 - LEI Nº 12.935 DE 31 DE JANEIRO DE 2014


194

6404 Proteção e Defesa da Cidadania Plena - Promover efetividade à implementação dos


direitos humanos, combatendo a discriminação e a violência contra a mulher, zelando pelos
direitos dos idosos e dos portadores de deficiência, defendendo o patrimônio público e a
moralidade administrativa - 145.000

Total: R$145.000,00

ORÇAMENTO 2013 - LEI Nº 12.612 DE 28 DE DEZEMBRO DE 2012

6404 Ações de Defesa da Cidadania Plena Promover efetividade à implementação dos Direitos
Humanos, combatendo a discriminação e a violência contra a mulher, zelando pelos direitos
dos idosos e dos portadores de deficiência, defendendo o patrimônio público e a moralidade
administrativa -145.000

Total: R$145.000,00
195

APÊNDICE C – Questionário aplicado com promotores e procuradores de justiça do Estado


da Bahia

Senhores(as) Procuradores(as) e Promotores(as) de Justiça,


Estimados(as) Colegas,
Sou Promotor de Justiça do Estado da Bahia e mestrando do Programa de Pós-
Graduação em Segurança Pública, Justiça e Cidadania, realizado pela Universidade Federal da
Bahia - UFBA, em parceria com o Ministério Público do Estado da Bahia, tendo como
orientador o Professor Doutor Milton Júlio de Carvalho Filho.
Gostaria de contar com a sua disponibilidade para preencher este questionário, que tem
por escopo responder aos questionamentos da dissertação de mestrado, cujo título é: O QUE
MOVE O MINISTÉRIO PÚBLICO? ANÁLISE DE UM PROCESSO DE
DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL NO ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO.
Esclareço que, observando-se os balizamentos éticos das pesquisas acadêmicas, será
respeitado o anonimato, de modo que os dados fornecidos serão sigilosos e de uso estritamente
acadêmico, apresentados globalmente e não individualmente.
O instrumento ficará disponível até o dia 31 de março de 2020 e é destinado,
exclusivamente, a Procuradores(as) e Promotores(as) de Justiça do Estado da Bahia. A duração
estimada para o preenchimento do questionário é de 15 minutos.
Desde já, agradeço o tempo despendido para responder a esta pesquisa, que poderá
contribuir para a construção do conhecimento acerca do Ministério Público do Estado da Bahia,
além de facilitar autocompreensão e reflexão dos membros sobre a sua própria atuação.
Em tempo, coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos através do e-mail
ruano.leite@mpba.mp.br.
Atenciosamente,

Ruano Fernando da Silva Leite


Promotor de Justiça do Estado da Bahia
Mestrando da Universidade Federal da Bahia - UFBA
196

Data:___/___/___ Horário: ____:_____


Nome: ___________

PARTE I - PERFIL DO ENTREVISTADO

1. Idade: _____
(LEMGRUBER et al, 2016).

2. Sexo:
a) masculino
b) feminino
c) outro
(CASTILHO; SADEK, 2010). Adaptada

3. Raça/Cor:
a) amarela
b) preta
c) parda
d) branca
e) outra
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada

4. Ano de ingresso no MP, na carreira de membro: ____


(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada

5. Marque até três motivos pelos quais escolheu o concurso do Ministério Público:
( ) Remuneração / prestígio / reconhecimento
( ) Garantias como inamovibilidade, vitaliciedade e independência funcional;
( ) Atuação do MP no combate à criminalidade
( ) Proteção do MP para a população de baixa renda
( ) Defesa da democracia pelo MP
( ) Redução pelo MP da impunidade e da corrupção
( ) Outro: _________________
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada
197

6. Cargo que ocupa atualmente:


a) Promotor de justiça b) Procurador de justiça
(LEMGRUBER et al, 2016).

7. Local de atuação:
a) na capital b) no interior
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada

8. Entrância:
a) inicial b) intermediária c) final d) 2º grau
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada

9. Ocupa-se atualmente, parcial ou exclusivamente, de atribuição relacionada ao combate à


corrupção (patrimônio público e moralidade administrativa)?
a) sim b) não

10. Caso sim, há quantos anos? ______

11. Ocupa cargo na Administração Superior?


a) sim b) não

12. Conhece o Planejamento Estratégico do MP/BA?


1.Sim, conheço completamente; 2.Sim, conheço parcialmente; 3. Não conheço

PARTE II - A IDENTIDADE INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO


ESTADO DA BAHIA E AS PRIORIDADES PERCEBIDAS

13. Qual a primeira palavra ou expressão que lhe vem à mente quando se fala da atuação do
MP/BA?
____________________________
(CNMP, 2017). Adaptada
198

14. Na sua opinião, durante a sua trajetória de atuação profissional, o que tem sido indicado,
internamente, como área de prioridade do MP/BA?

sim não
violência doméstica / familiar
fiscal da lei (custos iuris)
meio ambiente
combate à corrupção (patrimônio público e
moralidade administrativa)
consumidor
infância e juventude
crime em geral
supervisão da execução penal
cidadania (saúde e educação)
controle externo da atividade policial
direitos das pessoas idosas e de pessoas com
deficiência
direitos de gênero
direitos das minorias étnicas
eleitoral
(CASTILHO; SADEK, 2010). Adaptada

15. Na sua opinião, entre os itens listados a seguir, qual deveria ser a área de atuação prioritária
para o MP/BA nos próximos dois anos?

a) violência doméstica / familiar


b) fiscal da lei (custos iuris)
c) meio ambiente
d) combate à corrupção (patrimônio público e moralidade administrativa)
e) consumidor
f) infância e juventude
g) crime em geral
h) supervisão da execução penal
199

i) cidadania (saúde e educação)


j) controle externo da atividade policial
l) direitos das pessoas idosas e de pessoas com deficiência
m) direitos de gênero
n) direitos das minorias étnicas
o) eleitoral
(CASTILHO; SADEK, 2010). Adaptada

16. Aponte a sua concordância com as seguintes afirmativas sobre a atuação do Ministério
Público do Estado da Bahia:

Como avalia a atuação do Discordo discord não concord concordo


MP/BA? totalment o concordo o totalment
e e nem e
discordo

O MP/BA cumpre as expectativas


da sociedade
O MP/BA privilegia uma atuação
de fato, interagindo com a
sociedade, em detrimento de uma
atuação meramente de gabinete.
O MP/BA atua de maneira efetiva
na defesa dos Direitos Humanos

O MP/BA é um agente moralizador


da sociedade

O MP/BA tem significativa


estrutura e tecnologia, que
garantem a maior qualidade da sua
atuação investigativa
O MP/BA atua de maneira
institucionalmente uniforme apesar
200

da independência funcional dos


membros

A atuação prioritária do MP/BA


está diretamente associada ao
indicado no Planejamento
Estratégico da instituição

17. Avalie a qualidade da atuação do Ministério Público do Estado da Bahia nas seguintes áreas:

péssimo ruim regular bom ótimo


violência doméstica / familiar
fiscal da lei (custos iuris)
meio ambiente
combate à corrupção
(patrimônio público e
moralidade administrativa)
consumidor
infância e juventude
crime em geral
supervisão da execução penal
cidadania (saúde e educação)
controle externo da atividade
policial
direitos das pessoas idosas e
de pessoas com deficiência
direitos de gênero
direitos das minorias étnicas
eleitoral
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada

18. Na sua opinião, o que move a atuação do Ministério Público do Estado da Bahia, amparada
na Constituição Federal? Indique até três itens:
( ) A proteção dos interesses da coletividade e/ou dos vulneráveis;
201

( ) A mídia, a opinião pública e o clamor social;


( ) O combate à criminalidade, a corrupção e a impunidade;
( ) A defesa dos Direitos Humanos;
( ) A busca pela elevação de prestígio e de valorização econômica da carreira;
( ) A influência dos poderes políticos e econômicos;
( ) Outro, citar_______________________

PARTE III - A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA NO


ENFRENTAMENTO DA CORRUPÇÃO

19. O que significa corrupção do ponto de vista da atuação do MP/BA? Responda com a
primeira palavra ou expressão que lhe vem à mente:
____________________________

20. Aponte a sua concordância com as seguintes afirmativas sobre a atuação do Ministério
Público do Estado da Bahia:

discordo discord não concord concordo


totalment o concordo o totalment
e e nem e
discordo
O MP/BA atua de maneira efetiva no
combate à corrupção.
A atuação do MP/BA no combate à
corrupção tornou-se independente
da atuação contra os crimes em geral
A atuação do MP/BA no combate à
corrupção é mais importante do que
a atuação contra os crimes em geral
A atuação do MP/BA no combate à
corrupção é mais importante do que
a atuação contra os crimes do
colarinho branco em geral
202

A sociedade cobra do MP/BA uma


atuação mais voltada para o combate
da corrupção
A mídia é a principal responsável
pela pressão do MP/BA visando o
combate a corrupção
A pressão da sociedade e da mídia
estabeleceram para o MP/BA a
categoria “corrupção” com mais
força do que a categoria “patrimônio
público e moralidade”
O MP/BA tem uma memória de
combate à corrupção como parte da
sua trajetória institucional
O fortalecimento do combate à
corrupção no MP/BA tem direta
relação com a influência das
operações com forte apelo midiático
promovidas por outros Ministérios
Públicos
As ações de improbidade resultam
em impunidade
Ainda prevalece amplamente o
quadro de impunidade em relação à
corrupção no Brasil
A operação Lava Jato contribuiu
para a construção da identidade
institucional do MP/BA como órgão
de combate à corrupção
A atuação do MP/BA no combate à
corrupção ainda está aquém do que
deveria
203

A estrutura do MP/BA é insuficiente


para o combate à corrupção
Há grande distância entre a atuação
do MP/BA e dos demais Ministérios
Públicos do Brasil em relação ao
combate à corrupção
Houve mudança de estratégia no
enfretamento da corrupção,
consistente, sobretudo, na
preferência pela persecução penal
em detrimento da utilização dos
meios de responsabilização civil
As recentes mudanças legislativas,
tais como a nova Lei de Abuso de
Autoridade, afetam negativamente o
trabalho do MP/BA no combate à
corrupção

21. Avalie o desempenho dos órgãos e poderes no enfrentamento da corrupção, no que se refere
ao critério de eficiência, nos últimos cinco anos:
péssim ruim regula bom ótim sem
o r o opiniã
o
Ministério Público do Estado da Bahia –
1º grau
Ministério Público do Estado da Bahia –
2º grau
Ministério Público Federal no Estado da
Bahia – 1º grau
Ministério Público Federal no Estado da
Bahia – 2º grau
Justiça do Estado da Bahia – 1º grau
204

Justiça Federal no Estado da Bahia – 1º


grau
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
Justiça Eleitoral no Estado da Bahia – 1º
Grau
Tribunal Regional Eleitoral do Estado da
Bahia
Procuradoria-Geral do Estado da Bahia
(Advocacia pública)
Advocacia Geral da União no Estado da
Bahia
Polícia Civil do Estado da Bahia
Polícia Federal no Estado da Bahia
Assembleia Legislativa da Bahia
Tribunal de Contas dos Municípios do
Estado da Bahia
Tribunal de Contas do Estado da Bahia
Tribunal de Contas da União no Estado da
Bahia
(CASTILHO; SADEK, 2010). Adaptada

22. Quais os obstáculos que o Ministério Público do Estado da Bahia enfrenta para o efetivo e
eficaz combate à corrupção? Indique até dois principais grupos de respostas, entre as sugeridas
abaixo:
( ) falta de estrutura e/ou de recursos financeiros internos; distribuição inadequada de
atribuições; falta de assessoria técnica, jurídica e/ou administrativa; falta de unidade e
planejamento estratégico
( ) atuação política externa; investidas contra o poder investigatório do MP; o poder econômico;
atuação política interna; a forma de escolha da chefia pelo Poder Executivo;
( ) dificuldades na realização de perícias; insuficiência de instrumentos processuais; instrução
deficiente de inquéritos policiais;
( ) receio de responsabilização pessoal do membro; falta de segurança pessoal para o membro;
ausência de proteção interna e riscos de responsabilização;
205

( ) excesso de meios recursais; morosidade da justiça; despreparo/desconhecimento por parte


do poder judiciário; dificuldades de obter provas com autorização judicial;
( ) _______________________
(LEMGRUBER et al, 2016). Adaptada

23. Entre os grupos de fatores listados a seguir, quais deles entende que mais influenciam o
Ministério Público do Estado da Bahia a aumentar o enfrentamento da corrupção? Indique até
três dos itens listados abaixo:
( ) o controle social; a opinião pública e o clamor social; a mídia; as manifestações populares;
( ) melhoria da estrutura de trabalho; a renovação dos quadros de membros e servidores;
especialização da atuação; a experiência da Lava Jato e outras operações;
( ) a política remuneratória dos serviços públicos; valorização econômica da carreira; a busca
pela manutenção da legitimidade e das atribuições do Ministério Público; a busca pela elevação
do prestígio político da instituição;
( ) aperfeiçoamento das leis; os tratados e compromissos internacionais; o fortalecimento das
garantias institucionais; as inovações tecnológicas e facilidade na obtenção de informações;
maior transparência da administração pública;
( ) a vocação dos membros; a satisfação profissional dos promotores e procuradores; os
interesses e preferências pessoais; maior visibilidade pessoal e institucional;
( ) a busca pela melhoria das condições sociais; a transformação da sociedade e a melhoria da
qualidade de vida da população hipossuficiente; a realização da justiça e a defesa do estado
democrático; a redução das desigualdades sociais; a luta contra o histórico quadro de
impunidade
( ) o capitalismo financeiro e o interesse pela privatização; a influência dos poderes e interesses
econômicos; a influência dos poderes políticos externos
( ) _______________________

24. Em sua opinião, quais as operações mais importantes realizadas pelo Ministério Público do
Estado da Bahia contra a corrupção? Indique até três:
____________________________

25. O que não perguntado nesta pesquisa que gostaria de acrescentar?


206

APÊNDICE D – Respobstas à questão 25: o que não perguntado nesta pesquisa que gostaria
de acrescentar?

Respondente RESPOSTA
6 Como o membro avalia seu próprio trabalho no combate à corrupção
Me sinto desacreditada na instituição que pouco se esforça para combater de
fato a criminalidade. O s colegas estão muito preocupados com seus
contracheques e pouco com a criminalidade. Ademais, a instituição por anos
esteve a serviço de pauta globalista e politicamente correta, o que acho que
13 não representa o papel do MP.
Diferenciar sociedade; classe média pode esperar algo diferente das classes
menos favorecidas que buscam não morrer por violência policial, falta de
saúde, educação, saneamento básico e não sofrer preconceitos e não pode
haver generalização como se a sociedade pretensamente fosse a classe que nós
14 pertencemos
Sobre quem responde - estou atualmente afastada para aperfeiçoamento
funcional (Doutorado) dedicado ao tema da responsabilidade penal no crime
de corrupção praticado em estruturas complexas, de forma que estou
particularmente sensível a temática. Senti a necessidade e a vontade de realizar
tal aperfeiçoamento ao ter contato com algumas operações dentro do MPBA.
Senti alguma dificuldade para responder perguntas como "o MPBA é 'efetivo',
ou corresponde as expectativas sociais." Ainda me parece muito pulverizada
essa atuação - que pontualmente tem sido brilhante a depender do interesse e
capacidade individual dos promotores. As expectativas sociais também são
bastante complexas em nossa sociedade..
Sobre "o combate" pelo MPBA - Para mim, as experiências profissionais no
MPBA mostraram: a complexidade dos casos, a diferença abissal entre tais
investigações/atuações e as relacionadas à " criminalidade de massa"; a
existência, porém dificuldade de nossa estrutura (sobretudo CSI- que caso
fosse demandada por mais alguns membros na intensidade demandada pelas
operações certamente colapsaria); a impressão de que "basta investigar para
realmente encontrar condutas corruptas" , a posição privilegiada que o desenho
do MP brasileiro lhe fornece para a detecção de casos de corrupção, sobretudo
em razão da atuação em em políticas públicas de caráter essencial - porém a
falta de articulação entre as atuações (de forma que os membros se limitam a
"remeter para o colega" casos suspeitos, sem que haja em âmbito institucional
um tratamento desses dados e orientação de possíveis atuações). Considerando
que a corrupção parece mais um aspecto estrutural do que propriamente
"anormal", também considero que nossa atuação no âmbito eleitoral é pobre,
burocrática pouco articulada com o que ocorre "após as eleições", e nisso
deveríamos poder atuar melhor. Preocupa-me, por outro lado, a falta de
legitimidade com que podem ser percebidas atuações nesse âmbito, que
podem ser tachadas de seletivas... não temos de forma clara, perante a
sociedade, critérios de racionalização (porque sim, é inevitável a priorização
de casos e investigações dentro de uma PJ com recursos escassos). Ou seja:
como nascem esses casos? e como são escolhidos? Por fim, gostaria ainda de
manifestar a alegria que sinto ao ver outros membros preocupados em refletir
17 sobre o tema da corrupção e de nossa atuação funcional de forma mais
207

sistematizada. Desejo muito boa sorte na continuidade do trabalho, e fico a


disposição!
Uma das perguntas fala qual a prioridade para os próximos dois anos, só cabia
espaço para uma resposta, eu coloquei corrupção. Mas me parece que diversas
áreas podem ser priorizadas, não somente corrupção. A priorização de
corrupção é perfeitamente conjugada com priorização de efetivação de DH,
18 por exemplo, não são excludentes.
Assumi recentemente o cargo de Promotor de Justiça Substituto na cidade de
Prado, interior da Bahia. Herdei um passivo extrajudicial enorme, integrado,
em grande parte, por representações feitas pelo TCM contra ex-prefeitos. Dado
o grande volume de trabalho, resta impossível estabelecer uma investigação
adequada sobre os fatos, com a profundeza que merecem. Tais notícias de fato
emitidas pela Corte de Contas datam de 2016/2017 e, até o momento, os
Promotores que passaram pela comarca sequer deram andamento a elas, em
virtude do excessivo volume de trabalho e pelas prioridades estabelecidas pela
Corregedoria ( réus presos e questões afetas à Infância e à Juventude). Acredito
que o combate à corrupção, no MPBA, demandaria uma alteração eficiente na
distribuição das Promotorias e dos recursos humanos, sendo de rigor, em todas
as comarcas onde tal assunto revele-se sensível, a designação de um Promotor
cooperador para tratar, exclusivamente, desse tipo de assunto, ainda que
restrito à fase extrajudicial. De mais a mais, seguindo a experiência do MPMG,
seria de bom alvitre a criação de um órgão de execução específico, destinado
a auxiliar os Promotores do interior nas investigações e no processamento de
casos complexos envolvendo corrupção sistêmica e violação às diretrizes
administrativas, visto ser impossível que um solitário Promotor (que realiza
atendimentos diuturnos à população, recebe uma infinitude de APF's e
processos de réus presos, com atribuições plenas de Infância e de Juventude)
possa, com eficiência, desenvolver investigações eficientes no tocante ao
combate à corrupção, sob pena de avolumarem-se os feitos sobre a sua mesa
e, consequentemente, enfrentar problemas com a Corregedoria, os quais,
muitas vezes, são herdados de outros colegas.
Visando contribuir para o aperfeiçoamento da instituição, consigno o meu
19 breve relato.
A importância de fortalecimento das redes institucionais para o enfrentamento
à corrupção é um dos desafios na temática, notadamente pela
imprescindibilidade de meios de transparência ativa e fluxo informacional
26 entre as instituições públicas.
Necessário unidade no planejamento das ações; reconhecimento interno
daquele que contribui positivamente em sua área de atuação; divulgação
interna das boas práticas de combate a corrupção e valorização da equipe que
a executa; assessoria especializada na área; instituição do grupo de combate a
corrupção, visando unificar e especializar a atuação como já determinado pelo
31 CNMP
Penso que o combate à corrupção deve ser intensificado e priorizado, pois esta
34 ação nefasta mata milhões e ceifa os sonhos de outros milhões
A eficiência administrativa, por parte do MPBA, é um dos requisitos básicos à
melhoria do quadro de impunidade quanto aos crimes de corrupção no Estado
36 da Bahia.
Autocomposição, resolutividade, 2º grau, atuação de orientação pela
41 Corregedoria.
208

A falta de vocação dos membros para atuação nesta área. Temos algumas ilhas
42 de excelência.
Aporte financeiro (o CAOPAM possui o menor orçamento de todos os centros
de apoio do MPBA). Influência dos órgãos da Administração Superior
(notadamente Conselho Superior, Corregedoria e Colégio de Procuradores) no
43 atual estado da arte de enfrentamento à corrupção pelo MPBA.
55 Importância do combate à corrupção dentro do MP
O que move o MP é a consciência de poucos bons Promotores e Procuradores
que trabalham com afinco e dedicação pela efetiva realização da missão
57 conferida constitucionalmente ao órgão.
64 Sobre o maior incentivo às atuações conjuntas do MPBA com MPF
66 O que é necessário para o Mpba ter mais efetividade no combate à corrupção?
A instituição deveria voltar órgãos especificamente para o combate à
corrupção e dificultar a possibilidade de membros substituírem, haja vista que
69 o acúmulo de trabalho repercute principalmente no combate à corrupção
O MP precisa de mais estrutura de investigadores, precisa de oficiais de justiça,
precisa de interiorização de Gaeco.... a gente tem uma estrutura grande mas
pouco efetiva; de outra parte, também acho importante o foco em deficiente,
idoso, direito das minorias.... acho que deve ter “cada um no seu quadrado”
70 trabalhando com efetividade
E espero que o seu olhar sobre a corrupção não o faça esquecer os impactos da
corrupção no acesso aos direitos de cidadania e dos direitos humanos aos
72 grupos vulnerabilizados.
A prevalência dos interesses individuais e personalistas, verificada nas práticas
da Lava Jato, desmantelaram a imparcialidade que deveria ser a base das
ações de um membro do MP. Deixaram de fora os Aécios, os Fernandos
Henriques e etc e se aliaram a esses marginais e os protegeram, além de
delimitar a atuação da Lava Jato ao período tia governos do PT. O MP ficou
75 marcado como parcial.
77 O combate a corrupção é a nossa essência.
82 Fiscalização do mpba no enfrentamento da corrupção no âmbito estadual
Que o combate à corrupção, em que pese sua importância e repercussão na
probidade administrativa não pode ofuscar as demais atribuições
constitucionais do ministério público, tão importantes quanto para a defesa da
87 missão constitucional da instituição.
Falta atuação uniformizada, através de operações simultâneas em todos os
89 municípios do Estado.
90 Estrutura do interior
Se a instalação de promotorias de justiça e o provimento destas com
promotores de justiça na Bahia privilegia o combate à corrupção e o interesse
95 público ao interesse corporativo.
-Você considera que o planejamento estratégico, da forma como se encontra
98 elaborado, auxilia no combate à corrupção? Não, por falta de objetividade
As recentes mudanças legislativas e a permanente tentativa do parlamento de
restringir as prerrogativas de atuação funcional e intimidar os membros visam
desestimular os membros do Ministério Público, em curto prazo. Em longo
prazo, as tentativas de mudança no regime jurídico remuneratório e as já
realizadas no sistema previdenciário visam tornar a carreira desinteressante,
104 numa manifesta proposta de enfraquecimento institucional.
209

Qual o grau de envolvimento de Promotores e Procuradores no plano


109 estratégico de enfrentamento à corrupção no MPBA?
A meu ver, falta integração entre os membros que atuam isoladamente e sem
111 motivação
Atribuições e vocação do MP no contexto de outras carreiras: Policia Civil,
113 Defensoria e advocacia pública.
A autocrítica do MPBA em face de atuação do MPF na lava jato. Vale tudo
114 para combater a corrupção?
Faltou questionamento sobre a atuação do MP/BA em relação ao Terceiro
Setor, que envolve também o combate à improbidade e proteção do patrimônio
público, diante do volume de recursos destinados através de parcerias das
121 entidades privadas com o poder público.
Entendo que a instituição não priorizou o combate a corrupção. Não existe
nenhuma ação ou até mesmo investigação contra o Governo do Estado nos
122 últimos anos.

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