TCC Joana Musse Finalizado
TCC Joana Musse Finalizado
TCC Joana Musse Finalizado
RIBEIRÃO PRETO – SP
2021
JOANA MUSSE MONTEIRO FERRI
RIBEIRÃO PRETO – SP
2021
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio
convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
F448s
41p.il
CDU 94(72):633.15
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Dra. Nainôra Maria Barbosa de Freitas (Orientador).
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto
___________________________________________
Dr. Felipe Ziotti Narita
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto
___________________________________________
Me. Antônio Aparecido de Souza
Centro Universitário Barão de Mauá – Ribeirão Preto
RIBEIRÃO PRETO – SP
2021
Dedico este trabalho à minha avó Norma.
AGRADECIMENTO
Corn, one of the most important grains in the world, has fed different Mesoamerican groups
from pre-Columbian times to the present day. This work is relevant to understand the
relationship that this plant has with the ancestry of indigenous peoples and which still plays a
fundamental role today. Having corn as the protagonist both in the food itself and inserted
with elements of the cosmovision, we will discuss from its origin as a plant to its symbology
inserted in the daily life of Amerindian peoples, mainly the Mexicas. Corn was represented in
gods, in every human birth-life-death process, in harvest, in wars, not to mention that,
together with beans and pumpkin, it constituted the main meal of Mesoamerica. Today, in
Mexico, there are dozens of dishes based on corn and it is still one of the main elements of
cuisine. Through the milpa system, pre-hispanic peoples managed to domesticate and
diversify the plant that, centuries later, would already be known throughout the world.
INTRODUÇÃO:......................................................................................................................12
1 Teorias Evolutivas e Ancestralidade do Milho..................................................................14
1.1 Lugar de Origem e Domesticação do Milho...................................................................18
2 Cosmovisão Mesoamericana Acerca do Milho..................................................................21
2.1 Simbologia do Milho Segundo Algumas Culturas Mesoamericanas............................23
3 Alguns Povos que Antecederam os Mexicas......................................................................27
3.1 Aztlán e História do Povo Mexica...................................................................................30
3.2 Ancestralidade do Milho e Suas Permanências Como Patrimônio..............................35
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................38
5 REFERÊNCIAS...................................................................................................................39
12
INTRODUÇÃO
1
https://www.gob.mx/agricultura/articulos/milpa-el-corazon-de-la-agricultura-mexicana?idiom=es
2
Planta (Zea mays) da família das gramíneas, nativa do México e da América Central, cespitosa, de folhas
largas, cultivada por fornecer excelente forragem e pelas sementes comestíveis, altamente nutritivas. Disponível
em https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/teosinto/
15
Algumas das objeções que se opõe a esta teoria é o fato de que um milho com
essas características não seria capaz de sobreviver na natureza. Uma das falhas da teoria
tripartite - e que inclusive foi rejeitada por um de seus autores anos mais tarde
(MANGELSDORF, 1974 apud KATO, 2009, p.45) - reside na afirmação de que o teosinto foi
originado da mistura entre um milho silvestre sem nós cromossômicos, com o Tripsacum que
possui muito deles. “Os híbridos de milho-Tripsacum conhecidos foram obtidos
artificialmente e apenas com o auxílio de técnicas especiais que fazem com que a ocorrência
natural dessa hibridização seja improvável.” (KATO, 2009, p.45).
Quem deu bases para a hipótese da evolução do milho a partir do teosinto
juntamente com a intervenção humana em sua domesticação foi George Beadle (1980 apud
SERRATOS, 2009), quem desde 1939 realizava estudos na área.
Nas décadas de 1970 e 1980 foram elaboradas e publicadas as evidências que o
autor recolhera até então.
Apesar das diferenças morfológicas, o milho e o teosinto possuem ambos origem
fértil e se cruzam de forma natural no campo além de que, segundo Beadle, o entrecruzamento
dos cromossomas dos híbridos é normal, razão pela qual se deduziu que existe uma relação
muito próxima entre ambos progenitores. Também, afirma-se que o teosinto é o antepassado
do milho pela sua capacidade de sobreviver de forma silvestre (não necessitando da
17
A imagem abaixo ilustra como seria a possível evolução de seu ancestral, teosinto,
até na grande espiga de milho atual.
hispânicas como atualmente, desde o surgimento das discussões acerca do tema foi proposto
que os mecanismos empregados para domesticar estão intimamente ligados à agricultura e ao
trabalho humano (SERRATOS, 2009).
Resquícios de pólens foram encontrados em escavações arqueológicas, próximo à
Cidade do México, há mais de cinquenta metros de profundidade, o que leva a concluir que
esta planta, mesmo em modo selvagem e primitivo, existe na região há milhares de anos
(BRAUDEL, 2005).
Conforme Serratos (2009, p.12) “Os estudos sobre a domesticação do milho tem
gerado teorias antagônicas com relação ao centro de origem: a unicêntrica e a multicêntrica”.
Se tratando da unicêntrica, os defensores de dita teoria concluíram que todo milho
que conhecemos hoje teve surgimento num evento único de domesticação no sul do México
há nove mil anos. Foram identificados dois tipos de teosinto, sendo um o único progenitor do
milho e o outro como o contribuinte para a sua diversificação. Pelo fato de ambos se
encontrarem em uma limitada área que compreende a região do Balsas e no altiplano do
centro-sul do México, os que seguiam essa linha de pesquisa deduziram que poderia restringir
a área geográfica que foi o berço do milho (MATSUOKA et al., 2001 apud SERRATOS,
2009, p.12).
De acordo com o que Matsuoka e seu grupo de estudos (como Goodman,
Doebley, entre outros) afirmam, segundo os resultados de suas análises, as populações de
teosinto não mudaram desde a época da domesticação do milho até o presente, tanto em
termos genéticos, quanto em sua distribuição geográfica, isso significa que apenas o milho
experimentou mudanças evolutivas (MATSUOKA et al. 2002, apud KATO, 2009, p.60).
Algumas das objeções à estas conclusões sobre a teoria unicêntrica é que
justamente as duas espécies de milho e teosinto tiveram que adaptar-se com o passar do tempo
desde que ocorreu o processo que deu origem ao milho (KATO, 2009).
Tempos depois da chegada dos espanhóis ao continente americano, foi trazido
com eles diferentes animais domésticos como caprinos e bovinos. Crosby menciona o fato de
que tais gados fugiam do controle humano e se distribuíam amplamente a novos territórios
antes mesmo que os espanhóis (CROSBY, 1972 apud KATO, 2009, p.60).
Não se conhece quase nada sobre a intensidade com que o homem modificou o
ambiente em que vivia durante a época pré-colombiana para afirmar se foi possível uma
alteração na quantidade e distribuição do teosinto (HOLST et al. 2007 apud KATO, 2009, p.
60).
20
As celebrações ligadas ao milho são inúmeras e seu calendário agro festivo está
relacionado intimamente com o ciclo do milho entre a cosmovisão mesoamericana. Sendo
assim, o milho está unido fatalmente às comunidades indígenas mesoamericanas.
Conforme Florescano (1999 apud RALLT 2012, p.14) a identificação da origem
do milho com a origem dos cosmos, o nascimento dos seres humanos e o começo da vida
civilizada, expressam a importância que estes povos atribuíram à domesticação desta planta.
“...o trabalho heroico dos agricultores que as conservam por seu valor
cosmogônico e cultural” (RALLT, 2012, p.14).
Ocupando importante lugar na cultura mesoamericana, não se pode negar que a
difusão do milho tenha sido o elo de união de grande parte dos povos indígenas da região. A
maneira como os agricultores manejam seu cultivo reflete características próprias da estrutura
social.
A origem do deus do milho tem sido identificada como uma criação Olmeca, pois
diversas investigações sugerem que as primeiras representações das raízes, das folhas, das
23
florescências, o grão e a semente, a espiga ou a envoltura verde desta divindade foi a do deus
Olmeca do milho. Os olmecas floresceram entre 1.500 e 300 a.C. e desde esse tempo o deus
do milho adquiriu três características que perdurariam na civilização mesoamericana: sua
qualidade enquanto deus da fertilidade e criador do ordenamento dos cosmos e dos seres
humanos; seu caráter de símbolo da criatividade humana e sua associação com o governante,
quem desde então tomou para si as imagens e os atributos do deus (JORALEMON, 1971;
FLORESCANO, 2003 apud NUÑEZ, 2013).
Os olmecas foram os primeiros a representarem os deuses mediante imagens com
a que conceitualiza o milho, que representa uma Árvore Cósmica, rodeada de quatro grãos
que simbolizam as quatro direções do mundo. Nessa civilização as representações do deus do
milho são antropomorfas e incluem em seu corpo características vegetais ou zoomórficas.
Tanto nos campos de cultivo como nos templos e palácios e nos utensílios de
barro do cotidiano proliferaram as representações do deus do milho com diversos significados
que não necessariamente se contrapõe (NUÑEZ, 2013).
Segundo Abreu (1980 apud MAZÓN, 2012, p.6) a cosmologia Maya atribui a
origem do homem americano a uma massa de milho amarelo e branco com que se
conformaram os órgãos locomotores de criaturas dotadas de inteligência, as que constituíram
a cúspide de um árduo processo de criação que antecedeu numerosas tentativas falhas.
Em Memória do Fogo, o escritor Eduardo Galeano apresenta um relato indígena
pré-hispânico:
Os deuses fizeram de barro aos primeiros mayas-quichés. Pouco duraram.
Eram moles, sem força; se desmoronaram antes de caminhar.
Logo testaram com madeira. Os bonecos de pau falaram e andaram, mas eram
secos: não tinham sangue nem sustança, memória nem rumo. Não sabiam
falar com os deuses, ou não encontravam nada para dizer.
Então os deuses fizeram de milho às mães e aos pais. Com milho amarelo e
milho branco amassaram sua carne. As mulheres e os homens feitos de milho
eram parecidos com os deuses. Seu olhar se alcançava o mundo inteiro.
Os deuses sopraram sobre eles e deixaram seus olhos nublados para sempre,
porque não queriam que as pessoas vissem além do horizonte. (GALEANO,
1983, p.124).
Essa tradição vem revelar o habitante do novo mundo como o produtor de grãos de milho, já
que desde remotos tempos os indígenas recorreram ao milho em suas diferentes preparações,
como tortilha que acalma a fome e nutre, como o atole que acalma a sede, como pinole,
misturado com outros ingredientes ou como simples elote cozido ou assado, mas sempre
como admirável alimento para que o indivíduo sobreviva e se desenvolva (PAREDES-
LÓPEZ et al. 2000 apud LÓPEZ MAZÓN et al; 2012, p.6).
24
O milho nativo foi fundamental para a dispersão dos grãos e sua grande
diversidade; as mulheres foram ainda mais importantes dado que eram elas quem separavam
as melhores sementes, sabiam ao lado de quais plantas poderiam ser plantadas e quais não, e
principalmente, a relação simbólica que essas mulheres construíram durante todo o processo.
A autora continua:
A divinização feminina do milho, estabelece direções cosmológicas do tempo,
espaço e regeneração, mediante o estabelecimento de ciclos e repetições, onde a
alteridade é assumida mediante a experiência ritual. Essas práticas cumprem funções
essenciais na organização das comunidades e na conformação do espaço e do
território. Através da maduração do grão se estabelece o passo do tempo, as festas
25
Fonte: JARED, D. Armas, germes e aço: os destinos das sociedades humanas. Trad. Silvia de Souza Costa;
Cynthia Cortes; Paulo Soares. Rio de Janeiro: Editora Record, 2018
praças para as cerimônias ao ar livre. Outra característica que seria intrínseca aos povos
sucessores é o gosto pelas plumas e pedras preciosas como a jade (BETHELL, 1990).
Entrando na época clássica, quatro grandes centros culturais eram considerados os
principais: os Maias, os Zapotecas, o território de El Tajín e Teotihuácan, e ainda que
tivessem obstáculos importantes entre si como a longa distância e a imprevisibilidade da
natureza, certamente tiveram contatos e relações; prova disso são algumas características
arquitetônicas em comum, bem como objetos, ideias e ritos (SOUSTELLE, 1987).
Os mexicas herdaram as instituições culturais não só dos toltecas, como também
dos teotihuacanos (PORTILLA, 1985).
“Em decorrência de fenômenos econômicos e sociais ainda obscuros, as grandes
cidades clássicas foram pouco a pouco sendo abandonadas entre os séculos IX e XI”
(SOUSTELLE, 1987, p.11). Tradução pessoal
Vindos do Norte e falantes da língua nahuatl, os Toltecas em 856 d.C. fundaram
sua cidade, Tula, e muito provavelmente passaram longo tempo ainda com o modo de vida
nômade e caçador, aceitando a hegemonia sacerdotal de Teotihuacan (SOUSTELLE, 1987).
Um dos principais deuses da cultura teotihuacana – e por tanto de várias outras
culturas remanescentes do México Centra- era a Serpente Emplumada, de nome
“Quetzalcoátl”, cuja língua era uma bem distinta do náhuatl e cuja religião não permitia
sacrifícios humanos.
No século XVI essa divindade deu lugar a diferentes interpretações e seus
significados simbólicos poderiam ser diferentes ou ressignificados (AUSTIN, 1990).
Assim como o povo Tolteca, vários outros grupos começaram a migrar com maior
frequência para o Vale do México, o que faria com que eles levassem traços de sua cultura e
religião e, consequentemente, adotassem às do lugar no qual se fixavam.
A sociedade Tolteca começou de fato seu desenvolvimento no século XI e se
irradiou por vários territórios do México como Michoacán, Oaxaca e Yucatán; este último
sendo muito importante pois possibilitou a sociedade Maia, praticamente esgotada, de se
revigorar (SOUSTELLE, 1987).
Apesar da queda de sua principal cidade, Tula, manteve-se através das gerações a
língua e os costumes desse povo. Os rumores de sua decadência impactaram o mundo ao seu
redor e a notícia viajou de grupo em grupo até Aztlán, onde diversas tribos nômades iniciaram
sua migração para o sul.
3
https://mediateca.inah.gob.mx/repositorio/islandora/object/codice%3A605
31
Sendo assim, o povo mexica desde que eram nômades em Aztlán, até sua chegada
e desenvolvimento no Vale do México, provavelmente permaneceu séculos sem ter
conhecimentos das civilizações do Planalto central e vice-versa.
Não se deve pensar sua peregrinação como algo contínuo, uma vez que sempre
que encontravam uma região propícia para se instalarem o faziam e ali permaneciam por
algum tempo, “ora guerreando, ora entrando em contato com as populações civilizadas,
rapidamente assimilam (...) técnicas sobretudo referentes à agricultura do milho, como
também costumes e rituais” (SOUSTELLE, 1987, p.14).
Por sua rápida capacidade de adaptação, esse povo deu um salto no que diz
respeito aos aspectos culturais; ao se aproximarem do Vale do México, as tribos que
chegavam adotaram elementos como a língua e técnicas de agricultura e consequentemente
sedentarismo. No final do século XIII os chichimecas (nômades vindos de Aztlán) já haviam
abandonado o modo de vida das cavernas para começarem a construir vilas que viriam a ser
imponentes cidades.
O cotidiano desses vários povos e culturas mescladas eram bem turbulento uma
vez que estavam sempre fazendo a manutenção de alianças e guerreando para alcançar a
hegemonia de seu próprio grupo.
O primeiro importante governador que daria início a nobreza mexica era
descendentes dos toltecas, os povos desse período sabiam que tudo que era ligado a grande
era de ouro, em Tula, trazia prestígio e era associado a poder (BETHELL, 1990).
Até que se tornassem a grande e influente civilização mexica tal como
conhecemos, essa sociedade teve que passar por diversos percalços.
Como qualquer grupo que deseja submeter a outros e ter seu próprio governante,
os mexicas entraram em conflito com as soberanias vizinhas e, como consequência, foram
expulsos e exilados em Tizapán, para depois terminarem se fixando em uma zona pantanosa a
oeste do grande lago. Este lugar seria onde o grupo deveria se instalar, segundo a tradição,
quando o deus Huitzilopochtli fez uma revelação ao sacerdote e lhe contou sobre a águia por
cima de um cacto-nopal (SOUSTELLE, 1987).
Quando se instalaram no Vale do México, a organização do grupo era igualitária e
guerreira, onde os únicos que o povo respeitava eram os sacerdotes, que por sua vez também
eram guerreiros. Este grupo que a princípio era homogêneo, logo se transformaria em uma
sociedade rigidamente hierarquizada e bem organizada, cada qual com sua função.
No século XX estudiosos que revisaram algumas fontes indígenas a respeito das
relações sociais, concluíram que os macehualtin (homens do povo) se agrupavam nos capulli
32
de acordo com grau de parentesco e que o lugar que ocupava era tão exorbitantemente distinto
do da classe governante (pipiltin) que se deve reconhecer a existência de classes sociais; além
disso, o fato de possuírem um estado onde a palavra dos que governam prevalece e é
reconhecida, faz com que houvesse também uma minuciosa organização política (BETHELL,
1990).
A sociedade mexica era dividida principalmente entre os escravos, os cidadãos
comuns, os pequenos artesãos, os grandes comerciantes, os sacerdotes e os dignitários.
Começando pela estratificação mais baixa estavam os escravos, que poderiam o
ser por dívidas, prisioneiros de guerra, para servir de oferenda em sacrifício aos deuses, etc.
Embora pertencessem a um senhor, o escravo neste contexto não se assemelha aos exemplos
habituais nos quais estamos acostumados como no caso da antiguidade clássica greco-romana
e também o de africanos escravizados.
Ele era tratado como qualquer homem do povo: lhes davam de comer, de vestir e
um lugar digno para viverem, além das possibilidades de libertação que eram inúmeras. Os
mexicas tivera, inclusive, um deus que protegia os escravos: Tezcatlipoca, o Espelho
Fumegante, que era um deus onipresente e onipotente, o deus do céu noturno e da memória
que os acompanhava desde Aztlán, e que castigava quem os maltratasse (SOUSTELLE,
1987).
Se tratando do cidadão comum nesta sociedade, sua tarefa primordial era servir
como soldado em guerras e para afins militares, e também prestar o trabalho coletivo os quais
eram subordinados para o “Estado”. Os chamados na língua nahuátl de macehuáltin, poderia
ascender através da carreira militar e também religiosa- esta última estendida até as mulheres.
Além disso, os cidadãos comuns também poderiam exercer atividades
administrativas como escribas e também outras como a pesca, a caça, a carpintaria, tecelagem,
etc (SOUSTELLE, 1987).
Os ourives, joalheiros, os que praticavam a cinzelagem e o mosaico de plumas e
os demais artesãos costumavam passar seus saberes de geração em geração e assim manter a
façanha na família. Eles possuíam seus próprios bairros e seus próprios deuses e ritos de
acordo com a atividade que trabalhavam.
Acima dos artesãos estavam os grandes comerciantes, aqueles que detinham a
fortuna e o luxo, comercializando produtos valiosos do estrangeiro.
“...a mercadoria deles, então, eram plumas de papagaio, umas coloridas que se
chamavam quetzalli (...) e as pedras turquesas (...) e também mantas de algodão.”
(SAHAGUN, 1989, p. 489). Tradução pessoal
33
Sua posição social, embora claramente ascendente, ainda estava entre o povo e
classe dirigente.
As duas últimas classes sociais eram as mais importantes, dado que ambas
dirigiam a sociedade.
Os dignitários, título que recebiam por suas altas funções militares ou civis, eram
isentos de impostos, recebiam do governo vastos territórios de terra e, segundo seu escalão era
beneficiado com tributos em forma de joias, vestimentas e plumas.
Peça importante do mundo mexica, os sacerdotes também tinham sua própria
hierarquia e, embora a sociedade fosse repleta de religião, não era uma teocracia. Ainda é
nebuloso o processo de designação dos sacerdotes. Eles tinham, como os dignitários,
representação no grande conselho e no colégio eleitoral que designava o chefe máximo da
sociedade (SOUSTELLE, 1987).
No mais alto cume estava o “imperador” e abaixo dele o “vice-imperador”, onde o
segundo tinha quase o mesmo poder que o primeiro.
Como todos os indígenas que praticaram a agricultura no México, os Astecas, ao
se tornarem sedentários, alimentavam-se essencialmente de milho (em cozidos, bolos, ou
pequenos pãezinhos a vapor, os tamalli) ...”
Os tamales, prato culinário de origem mexica e um dos mais consumidos ainda
hoje no México, parecidos com a nossa pamonha, eram feitos à base de massa de milho que
podiam ser cozidas a vapor ou fervida. Em todas as inúmeras cerimônias que o povo mexica
realizava, os tamales eram diferentes e especiais para cada ocasião, além de serem
consumidos também no dia a dia daquele povo (MELGAREJO, 2006).
Considerado pelos mexicas como um dos produtos mais valiosos proporcionados
pela terra, sabemos que o milho faz parte da cosmovisão desse povo repleta de associações de
aspectos da vida cotidiana com elementos culturais, alimentícios e religiosos.
Os mexica associavam cada tipo de milho à um deus, sendo o principal Centéotl
que possuía seu lado feminino: Chicomecoátl (milho maduro) e Xilonen (milho jovem).
As etapas do milho eram de tamanha importância que esse povo as associava com
as etapas da própria vida.
Eles dedicavam três meses do ano para o culto do milho, ainda que nos outros
meses do ano ele também tivesse papel fundamental. O povo mexica usava as cerimônias que
envolviam o milho para a colheita e também para o nascimento de pessoas (RALLT, 2012).
Como se sabe, do milho surge uma série de comidas que permitiram alimentar aos
povos que o cultivaram. Por exemplo, as tortilhas recheadas da época pré-hispânica
34
crenças. O sincretismo não eliminou a cultura desses indígenas, mas sim, fez com que ela
sobrevivesse até os tempos atuais.
4
http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234
36
Não só o fato de ser o sustento, mas a riqueza simbólica do milho, desde seu
plantio até seu consumo, os ritos e mitos relacionados, as relações sociais ao redor da
alimentação até nos dias de hoje faz com que não se possa contar a história do país sem
mencioná-lo.
Hoje, ainda milhões de campesinos ainda preservam não só a diversidade como as
técnicas milenares de preparo. (VARGAS, 2013).
Não é por acaso que no México a cultura é conhecida como “A cultura do
milho”.
Segundo Neurath (2009 apud NUÑEZ 2013) o milho não é simplesmente um
alimento, o humano criou uma relação especial com tal planta. Sendo assim, com as
constantes mudanças climáticas somada às técnicas industriais de mutação genética do milho
faz com que perca não só sua diversidade, mas a simbologia que o envolve ao não mais
reproduzir as etapas ancestrais de preparação.
O milho proporciona a base fundamental para pratos regionais, estacionais e que
carrega consigo as tradições cerimoniais que perigam serem extintas se não voltamos a
requerida preocupação que o tema demanda.
“Romper os vínculos estabelecidos com as entidades sobrenaturais e os sistemas
normativos da cultura pode gerar uma série de consequências não só na produção do milho,
como também da saúde e entre a comunidade.” 6
Assim como foram as mulheres que, com seus saberes e experimentos,
alcançaram domesticar o milho, ainda hoje em comunidades são as mesmas que tem papel
fundamental para a preservação de técnicas e diversidade. (RUBIO, ANO).
É perceptível que o milho está intimamente relacionado com a identidade
indígena.
Uma vez que se deu o contato entre Velho e Novo mundo, Colombo levou as
primeiras sementes de milho à Espanha, tal como os portugueses o levaram para a África e
China. (VARGAS, 2013).
No Velho mundo, o milho foi recebido como um produto novo e exótico, cuja
origem era desconhecida, e por isso eles atribuíram a planta como nativa da Turquia.
Provavelmente, sustentado por fontes históricas, o milho só chegou ao Velho mundo após as
viagens de Colombo. As vias, uma que contornavam a África e a outra que passava pelo
5
https://www.gob.mx/sectur/prensa/celebra-la-gastronomia-mexicana-diez-anos-de-ser-patrimonio-inmaterial-
de-la-humanidad-257259?idiom=es
6
BRODA, Johanna. Ritos y deidades Del ciclo agrícola. Arqueologia Mexicana, num 120, p. 54-61. Disponível
em www.arqueologiamexicana.mx, Acesso em 7 out. 2021
37
México, garantiram uma intensa troca com a Ásia e facilitava a difusão de muitos produtos,
principalmente o milho. (VARGAS, 2013).
Não cabe dúvidas de que a cultura de cada povo desempenha papel importante na
adaptação dos humanos ao seu redor. Prova disso é que por mais que o milho tenha se
dispersado ao redor de todo o mundo, as técnicas culinárias e também de preparo varia de
acordo com o ambiente; exemplo disso é a nixtamalização que se restringiu à Mesoamérica.
Em todo caso, no século XV, quando se formaram as civilizações asteca e inca, já há
muito o milho estava presente no espaço americano, associado à mandioca, no leste
da América do Sul; ou sozinho e submetido ao regime de sequeiro; ou sozinho nos
terraços irrigados do Peru e nas margens dos lagos mexicanos. (BRAUDEL, 2005,
p.140)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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mexicana, p. 663-675, 1990. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/25138309. Acesso
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México: Fondo de Cultura Econômica, 1948 (Lecturas Mexicanas nº 31).
BETHELL, L. História da América Latina Vol 1: “America Latina Colonial” Tradução de
Antonio Acosta. São Paulo, EDUSP, 1997.
BRODA, Johanna. Ritos y deidades Del ciclo agrícola. Arqueologia Mexicana, num 120, p.
54-61. Disponível em www.arqueologiamexicana.mx. Acesso em: 7 abr. 2021.
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