Maritz Maciel Castrilon Maldonado - Mestrado

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

A ORDEM DO DISCURSO DA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Porto Alegre-RS
2001

1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO EM EDUCAÇÃO

A ORDEM DO DISCURSO DA

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Dissertação apresentada como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação.

Maritza Maciel Castrillon Maldonado


Aluna

Alfredo Veiga-Neto
Orientador

Porto Alegre-RS
2001
2
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO-NA-PUBLICAÇÃO
BIBLIOTECA SETORIAL DE EDUCAÇÃO da UFRGS, Porto Alegre, BR-RS

M244o Maldonado, Maritza Maciel Castrillon


A ordem do discurso da educação ambiental / Maritza Maciel
Castrillon Maldonado. – Porto Alegre: UFRGS, 2001.
f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande


do Sul. Faculdade de Educação. Programa de Pós-Graduação em
Educação, Porto Alegre, BR-RS, 2001

1. Educação ambiental – Análise do discurso – Professor –


Universidade do Estado de Mato Grosso 2. Estudos Culturais.
3. Foucault, Michel. I. Título.

CDU – 37:574.3:801.73

Bibliotecária: Jacira Gil Bernardes – CRB – 10/463

3
Dedico

Ao amor, Hélio

Ao fruto do amor, Tainah

4
AGRADEÇO

À minha mãe Paulina e minhas irmãs Léslie, Denise e Natalie que, além de

acreditarem, sempre criaram condições que possibilitaram a realização

dos meus sonhos.

À minha sogra, D. Idir, que não mediu esforços para suprir minhas

ausências; ao meu sogro, Dr. Hênio, eterno desafiador de possibilidades -

um grande exemplo de vida;

Às minhas amigas Jociane e Nina, pelas horas ao telefone, pelos

constantes e-mails, pelas madrugadas de estudos, pelas longas viagens,

pelo frio sentido, pelo medo vivido, pelas constantes trocas, pela saudade

sentida em conjunto, pelos ombros amigos, pelas lágrimas derramadas,

pelos risos constantes, pelo mútuo crescimento, enfim, pela concretização

de uma convivência feliz.

Ao Alfredo, orientador sempre atento à minha vontade de saber; ao meu

grupo de orientação, com quem compartilhei idéias incertas, textos,

críticas, dúvidas, ansiedades, esperanças, alegrias, risos, enfim, esta

Dissertação. Especialmente à Maria Izabel, Cristianne, Ana, João de

Deus, Lavínia e Karyne.

Às professoras Maria Lúcia Wortmann e Rosa Hessel Silveira e ao Prof.

Mauro Grün, pelas valiosas contribuições trazidas na defesa da proposta,

5
que foram substanciais para a realização desta Dissertação. Às

primeiras, por novamente estarem comigo nesta banca de defesa.

Ao Prof. Edmundo Kanan Marques, por ter prontamente aceito ao convite

para fazer parte da banca de defesa desta Dissertação.

À todasos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização

desta Dissertação.

6
SUMÁRIO

9 RESUMO

10 ABSTRACT

11 APRESENTAÇÃO

14 CAPÍTULO I: A TRAVESSIA

25 O objeto enquanto acontecimento histórico

27 Descrevendo a paisagem e delimitando o objeto de análise

34 CAPÍTULO II: A INSPIRAÇÃO METODOLÓGICA DAS

ANÁLISES

37 Arqueologia

39 Genealogia

43 “A ordem do discurso”

56 CAPÍTULO III: MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE

56 Ordem, Beleza e Limpeza

61 Ordem e poder disciplinar

66 Corpos adestrados

76 Espaços quadriculados

79 Sujeito e a episteme moderna

7
86 CAPÍTULO IV: A ORDEM DO DISCURSO DA EDUCAÇÃO

AMBIENTAL

87 Desordem, Feiura e Sujeira

90 A interdiscursividade e a Educação Ambiental

103 Educação Ambiental: princípios e fins Iluministas

Os Corpos

Os Saberes

111 Educação Ambiental: um campo de saber que se abre aos

comentários

116 CAPÍTULO V: PORTO SEGURO OU POSSIBILIDADE DE NOVAS

TRAVESSIAS

121 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

8
RESUMO

Esta Dissertação apresenta um estudo sobre os discursos da

Educação Ambiental proferidos por professoras e professores de uma

Instituição de Ensino Superior  Universidade do Estado de Mato

Grosso  UNEMAT. Inspirando-me na concepção de discurso

desenvolvida pelo filósofo francês Michel Foucault, bem como em autoras

e autores que realizam seus estudos na perspectiva pós-estruturalista,

minha intenção é desnaturalizar a emergência desses discursos,

concebendo-os como acontecimentos históricos. Preocupo-me em

entender os regimes de verdade que engendraram e regularam a

produção de tais discursos, propondo-me a uma tarefa eminentemente

histórica. Assumo que, desconstruindo o discurso sobre a necessidade da

Educação Ambiental, é possível perceber certas relações de poder que o

possibilitaram.

Utilizo-me, como corpus empírico da análise, da descrição de alguns

enunciados proferidos pelas professoras e professores daquela

Universidade, bem como de algumas narrativas históricas engendradas

pelo movimento ambientalista, desde suas primeiras manifestações,

detendo-me, mais especialmente, nas proposições referentes à Educação

Ambiental. Minha análise procura mostrar como se instituiu uma rede

interdiscursiva que passa a se ocupar das questões relativas ao meio

ambiente. Utilizo-me dos discursos constituídos nessa trama, para indicar

como a Educação Ambiental está comprometida com o poder, vendo-a

como um novo dispositivo que entra em funcionamento para governar as

condutas dos indivíduos e instituir uma nova ordem: a ordem ambiental.

9
ABSTRACT

This dissertation provides a study of Environmental Education

discourses delivered by female and male professors at an institution of

higher learning - Universidade do Estado de Mato Grosso, UNEMAT.

Inspired by the discourse conception by French philosopher Michel

Foucault, as well as by authoresses and authors performing their studies

from a poststructuralist perspective, my intention is to denaturalise

emergence of these discourses, conceiving of them as historical events.

I am concerned with understanding some truth claims that have invented

and regulated the production of these discourses, which has suggested

me an eminently historical task. I assume that deconstructing the

discourse on Environmental Education urgency enables perceiving

particular power relations that have uncovered it.

I use myself as empirical corpus for analysing, describing some

statements uttered by male and female professors at that University, as

well as some historical accounts invented by the environmental

movement, concentrating upon proposals concerning Environmental

Education. My analysis seeks to show how a network among discourses,

which is made to deal with all questions concerning environment, is

formed. I draw upon the discourses embedded in this web to show how

Environmental Education is engaged to power, how it has become a new

device to govern the individuals' conduct and establish a new order: the

environmental order.

10
APRESENTAÇÃO

Uma lição é uma leitura e, ao mesmo


tempo, uma convocação à leitura, uma
chamada à leitura. Uma lição é a
leitura e o comentário público de um
texto cuja função é abrir o texto a
uma leitura comum.
(Larrosa, 2000: 139).

O propósito deste texto é apresentar uma nova lição, uma lição que

foi constituída a partir da minha liberdade em optar por aquilo que

gostaria de estudar, bem como da amizade compartilhada com muitas

pessoas que me apresentaram outras tantas lições.

Trata-se da minha Dissertação de Mestrado, um estudo sobre o

discurso da Educação Ambiental proferido por professoras e professores

de uma Instituição de Ensino Superior  Universidade do Estado de

Mato Grosso – UNEMAT. Inspirando-me na concepção de discurso

desenvolvida pelo filósofo francês Michel Foucault, bem como autoras e

autores que realizam seus estudos na perspectiva pós-estruturalista,

minha intenção é desnaturalizar a emergência desses discursos,

concebendo-os como acontecimentos históricos. Para isso, preocupo-me

em entender os regimes de verdade que engendraram e regularam a

produção de tais discursos, propondo-me a uma tarefa eminentemente

histórica. Acredito que desconstruindo o discurso sobre a necessidade da

Educação Ambiental, é possível perceber as relações de poder que o

possibilitaram.

11
Inicio esta Dissertação com o capítulo intitulado A Travessia,

momento em que descrevo a trajetória da constituição do meu objeto de

estudo  que se mistura a minha trajetória profissional  e defino,

dentre várias lições que me foram apresentadas, aquela que optei em

seguir: o pensamento pós-estruturalista, de inspiração foucaultiana.

No segundo capítulo, apresento uma discussão sobre as pesquisas

desenvolvidas por Michel Foucault, buscando, com isso, inspirações para

desenvolver minhas análises. Foi fazendo essa incursão ao pensamento do

filósofo que senti a necessidade de desnaturalizar a ordem dos discursos

ora analisados, fato que me possibilitou o entendimento dos discursos

proferidos pelas professoras e professores investigadasos enquanto

resultantes de relações de poder constituídas em um tempo que não é o

nosso.

No terceiro capítulo, descrevo práticas discursivas e não

discursivas engendradas no limiar da Modernidade, concebendo-as como

condições que possibilitaram discursos sobre Meio Ambiente e Educação

Ambiental. É nesse momento da minha Dissertação que encontro o “nó

górdio” que tento desatar. Foi neste capítulo que visualizei parte da teia

da estruturação do mundo em que estamos inseridos e que regulou a

nossa maneira de pensar. Encontrei a vontade de ordem através da qual

nossos discursos foram sendo constituídos, ganhando visibilidade e

dizibilidade. Encontrei o fio onde o nó se entrelaça: o fio da vontade de

ordenamento do mundo. Parto do principio de que esse fio  da vontade

de ordem  foi a condição que possibilitou a produção de novos

discursos, entre eles o discurso do “caos” ambiental. Para exemplificar o

ordenamento inscrito na história dos corpos e dos espaços, recorro ao

discurso produzido por um indivíduo que viveu no início do século XX e que

12
deixa transparecer em sua fala, os regimes de verdade que o levaram a

apropriar-se eficazmente dos “vazios” espaciais.

No quarto capítulo retomo os regimes de verdade da Modernidade,

principalmente aquele que instituiu a vontade de ordem como missão

primeira de seu projeto, para dizer da impossibilidade de sua concretude.

Faço essa afirmativa pautando minhas discussões no reconhecimento da

ambigüidade do mundo, fato que, em meu entender, engendrou as

condições necessárias para que novos discursos fossem gestados, dando

início a um novo regime de verdade: o regime de verdade do movimento

ambientalista. Discuto neste capítulo que embora a impossibilidade da

ordem tenha sido reconhecida, o discurso da Educação Ambiental fora

produzido tentando, novamente, instituí-la. Assim, concebo a produção do

discurso da Educação Ambiental como um novo dispositivo de poder que

foi engendrado para constituir uma nova vontade de ordem: a vontade da

ordem ambiental. Nesse sentido, tomo os discursos da Educação


Ambiental  resultantes de Conferências Internacionais e Nacionais,

bem como discursos de Leis e regulamentações oficiais  como uma nova

maneira de possibilitar a subjetivação dos indivíduos. Fato que é

evidenciado através dos enunciados proferidos pelas professoras e

professores dos cursos de licenciatura da UNEMAT, com os quais

conversei. Trago suas falas no sentido de exemplificar como estas foram

reguladas por ordens discursivas que foram produzidas com o fito de

regulamentar as condutas e os discursos.

O quinto e último capítulo, intitulado Porto seguro ou possibilidade

de novas travessias, é o momento em que retomo sinteticamente os


principais argumentos desenvolvidos no decorrer desta Dissertação.

13
CAPÍTULO I

A TRAVESSIA

Minha trajetória rumo à construção de meu objeto de pesquisa se

iniciou com a convicção da existência de um porto seguro ao final do

percurso que pretendia trilhar. No início, acreditava que, ao me lançar ao

conhecimento, encontraria verdades que pudessem respaldar minha ação.

Envolvida em meio a um ambiente paradisíaco que é o Pantanal

matogrossense, minha terra natal, e concebendo a educação como

componente indispensável para a “formação da consciência”, deleitei-me

com a idéia de contribuir para a “transformação” da problemática

ambiental que assola nosso ecossistema. Enquanto professora de uma

Instituição de Ensino Superior — Universidade do Estado de Mato

Grosso (UNEMAT) —, acreditava em minha capacidade de intervenção

rumo à transformação de determinada realidade. Porém, faltava um

ingrediente indispensável: a qualificação profissional.

Iniciei um curso de pós-graduação stricto sensu em Educação, na

tentativa de identificar a contribuição dos cursos de licenciatura da

UNEMAT, Campus Universitário de Cáceres, em relação às questões

ambientais. Ao lançar-me à aventura do conhecimento, me senti como

alguém que tivesse que atravessar um rio1, abandonar as referências pré-

existentes e lançar-me. Já no início do curso visualizei o outro lado do

rio, o porto seguro a que tanto queria chegar. Após algumas braçadas,

encontrei o objetivo que pretendia alcançar: “Identificar a

14
Representação Social de Meio Ambiente e Educação Ambiental das

Professoras e Professores dos Cursos de Licenciaturas da UNEMAT”.

Para alcançar o objetivo traçado, optei por trilhar o caminho da

investigação qualitativa, por refletir “uma espécie de diálogo entre os

investigadores e os respectivos sujeitos, dado estes não serem

abordados por aqueles de uma forma neutra” (Bogdan, 1994: 98). Foi

partindo desse princípio que realizei entrevistas semi-dirigidas, pautadas

em conversas informais e não estruturadas, junto às professoras e

professores dos cursos de licenciatura em História, Geografia e Ciências

Biológicas. Optei por essa metodologia porque acreditava na possibilidade

de “desenvolver um modelo descritivo que [englobasse] todas as

instâncias do fenômeno” (ib.: 99).

Após a realização das entrevistas e baseando-me em um

referencial teórico que vislumbra seis concepções paradigmáticas sobre

meio ambiente e três escalas de gradação da consciência em relação à

Educação Ambiental, concluí essa atividade  parte integrante do meu

então projeto de Dissertação  “enquadrando” os discursos das

professoras e professores nas respectivas representações.

A continuidade do meu nado rumo à qualificação estava assegurada:

bastaria ampliar meu universo de investigação, enquadrá-lo e pronto,

chegaria à outra margem do rio. Através da descrição dos discursos, bem

como de sua categorização, criaria novos discursos que dariam conta de

representar, verdadeiramente, o grau de consciência das professoras e

professores dos cursos de licenciatura da UNEMAT em relação ao Meio

Ambiente e a Educação Ambiental.

1
Utilizo-me, aqui, da metáfora do nadador, utilizada por Serres (1991).

15
Porém, no meio da travessia, outras águas — que não mais aquelas

já conhecidas — cruzaram o leito do rio em que eu estava. Águas

correntes e fortes, vindas de um lugar distante. Refiro-me ao Programa

de Mestrado Interinstitucional da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior (CAPES) que levou até aos rincões de Mato

Grosso (Cáceres), o Programa de Mestrado em Educação da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estas “novas” águas foram

atraentes o suficiente para que eu desviasse o rumo do meu nado. Iniciei

um novo curso que propôs um nado diferente daquele que vinha me

conduzindo. Um nado difícil de ser apreendido, posto que não apresenta

técnicas que facilitem a aprendizagem. Com isso, aquela outra margem do

rio, aparentemente tão próxima, ia ficando cada vez mais longínqua.

A linha de pesquisa que escolhi para desenvolver minha investigação

foi a dos Estudos Culturais em Educação. Essa linha adota a perspectiva

— que lança mão de uma nova tendência nos estudos sobre a cultura —

denominada de Estudos Culturais, que começou a ser divulgada na década

de 50, na Inglaterra, e gradativamente, repercutiu nos Estados Unidos,

Canadá e Austrália. Problematizando a tradição cultural2, os Estudos

Culturais questionam a “concepção verdadeira” de cultura trazida pelos

tradicionalistas, que a concebem como algo de pura harmonia e beleza,

devendo ser preservada. A cultura, a partir dos trabalhos publicados por

Richard Hoggart (1957) e Raymond Williams (1958), passou a ser vista de

forma mais abrangente, ou seja, deixou de ser um modelo estático para

se tornar própria das manifestações de todos os tipos de artes, crenças,

2
Tal tradição é fortemente influenciada por Mathew Arnold; por isso é conhecida como
tradição arnoldiana, e concebe a cultura como “o melhor que se tenha pensado e dito no
mundo” (COSTA, 2000:15).

16
instituições e práticas comunicativas de uma sociedade, conforme atesta

Nelson (1995).

Os Estudos Culturais se situam numa perspectiva que rompe com a

idéia de investigação que procura um modelo “iluminado” e “verdadeiro”,

que sirva de parâmetro para o conhecimento. Segundo Costa (2000a: 13),

“sua realização mais importante provavelmente seja a de celebrar o fim

de um elitismo edificado sobre distinções arbitrárias de cultura”. Os

Estudos Culturais procuram evidenciar os matizes e as nuances das

diversas formas de expressão cultural. Nesse sentido, situa-se em uma

perspectiva anti-disciplinar, e questiona a forma binária de entender a

cultura enquanto verdadeira/falsa, boa/má, legítima/ilegítima. Nos

Estudos Culturais, as fronteiras são borradas, os binarismos

questionados, as delimitações e os enquadramentos revistos. Esses

matizes e nuances apresentam-se como instituidores de significação, ou

seja, produzem sentido através da linguagem.

Para Costa (2000b), essa mudança na forma de entender a cultura

— identificada como virada cultural3 — relaciona-se diretamente com as

mudanças na forma de entender a linguagem – virada lingüística. Podemos

inferir, então, que a virada cultural está intrinsecamente relacionada com

a virada lingüística e que ambas situam-se num paradigma que é oposto

àquele — o iluminista — que caracterizou o pensamento moderno.

Vale ressaltar que, segundo Veiga-Neto (1996a), o Iluminismo é

uma expressão cunhada no século XVIII, que atribui à Razão a

capacidade de “iluminar o homem para libertá-lo das trevas, das

superstições opressoras, dos mitos enganosos, etc” (ib.: 25). Nesta

3
Para melhor discussão sobre a virada cultural, ver Hall (1997).

17
concepção iluminista, a linguagem exerce o papel de traduzir para o

mundo as coisas que são por ele apresentadas. Ou seja, acredita-se que

as coisas apresentadas pelo mundo constituem-se, por si mesmas, em

problemas que “pairam no ar”, “à espera de serem, antes, encontrados

pela luz da razão” (ib.: 27). A razão traz à luz “uma realidade realmente

real” sobre as coisas do mundo, através da linguagem. Através dos

discursos, o mundo, nessa concepção, é representado de forma

“verdadeira”. Pinto (1998) diz que essa maneira de conceber a linguagem

mostra que a sua suposta essência “está na descrição dos fatos do mundo

e que todas as tentativas de dizer qualquer coisa que vá para além disso

está condenada ao contra-senso” (ib.: 13). Convém ressaltar que essa é

uma postura realista, na qual a razão ordena o mundo natural em estado

bruto mas, existe também a postura idealista, na qual o sujeito imprime

os dados da consciência no ambiente. O Iluminismo assume ambas não com

uma só.

Percebemos, então, que é através do uso da razão que o sujeito

moderno4 — considerado como unificado, autônomo, poderoso e portador

de uma identidade fixa e estável — acredita trazer dentro de si a

capacidade de apreender e nomear os objetos presentes no mundo,

externalizando uma verdade sobre essa apreensão através da linguagem.

Nesse contexto, “a linguagem é tida como elemento suficiente pelo qual é

possível enunciar proposições que, uma vez organizadas segundo regras

lógicas, apreendem a realidade do mundo natural e social” (Veiga-Neto,

1996b: 45)

4
A centralidade do sujeito moderno, iluminista, sofre influência, segundo Hall (1999), da
Reforma Protestante, do Humanismo Renascentista, das Revoluções Científicas. O autor
evidencia o papel do filósofo francês René Descartes (1596-1650), colocando-o como
“uma figura importante, que deu a essa concepção sua formulação primária” (ib.:26).

18
Nessa concepção, segundo Rorty (1988), a filosofia é concebida

como “uma teoria do conhecimento, ou um método para obter

conhecimento, ou pelo menos um indício de onde poderia ser encontrado

um gênero supremamente importante de conhecimento” (ib.: 277). Os

filósofos que pensam dessa forma, considerados por esse autor como

sistemáticos, ou estruturalistas, querem que suas verdades tenham a


maior perenidade possível: “os grandes filósofos sistemáticos, como os

grandes cientistas, constroem para a eternidade” (ib.: 286).

Era nessa direção que meu nado me conduzia. Estando inserida na

“Academia”, local por excelência de produção de verdades, acreditava

que, enquadrando os discursos  das professoras e professores dos

cursos de licenciatura da UNEMAT  em categorias distintas  umas

mais, outras menos “conscientes”, chegaria a uma representação5

verdadeira sobre a concepção de Meio Ambiente presente em seus

discursos.

Porém, a partir do momento que comecei a entender a relação

intrínseca que se estabeleceu entre os Estudos Culturais e a virada

lingüística, pude perceber que a possibilidade de pensar a cultura


enquanto presente em cada recanto da vida social — produzindo e

veiculando significados — adquire novas dimensões devido à forma

também diferenciada de pensar a linguagem. Nesse sentido, a linguagem

5
Wortmann (2000) discute múltiplos significados atribuídos ao termo representação em
relação à Educação em Ciências e aos Estudos Culturais. Segundo ela, no Brasil, ao longo
dos anos noventa, foram realizados estudos concernentes às representações de alunos
em relação a temas diversos do ensino de ciências. Nesse período estudou-se, também,
as “representações que os/as professores/as têm sobre educação ambiental (...). Tais
estudos, buscavam, geralmente, fazer uma descrição mais ou menos completa do
‘pensamento’ dos investigados (usualmente definidos como os sujeitos interessados nas
ações) relativamente aos temas selecionados, para, a partir dessa descrição, buscar

19
se apresenta não mais enquanto dispositivos lingüísticos reveladores da

realidade, mas, enquanto “um movimento em constante fluxo, sempre

indefinida, não conseguindo nunca capturar de forma definitiva qualquer

significado que a precederia e ao qual estaria inequivocamente amarrada”

(Silva, 1994: 249).

A virada lingüística é uma das cinco mudanças conceituais6

descritas por Hall (1999), que propiciaram as concepções de

descentramento do sujeito. Segundo ele “o sujeito do Iluminismo, visto

como tendo uma identidade fixa e estável, foi descentrado, resultando

nas identidades abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas do

sujeito pós-moderno” (ib.: 46). Nessa concepção, a constituição do sujeito

não está mais centrada apenas e tão somente na razão e na racionalidade,

posto que estas passam a ser vistas como componentes de sistemas de

relações instituídas historicamente. Os seres humanos tornam-se

sujeitos em sua relação com o mundo. Nascemos imersos num mundo de

cultura, um mundo que é mediado por uma linguagem que foi instituída

historicamente. Porém, muitas vezes, ignoramos tal realidade e “tomamos

a linguagem como um recurso natural e de modo não problematizado”

(Veiga-Neto, 1996b: 18). Ignoramos que os espaços discursivos são

construídos de modo a organizar nossas maneiras de pensar e, assim

fazendo, submete-nos a eles.

‘atacar’ os pontos que o/a investigador/a considerasse ‘frágeis’ e distanciados das


compreensões sobre eles definidos na ciência e nas propostas educativas” (ib.:3).
6
Para Hall (1999) os cinco grandes avanços na teoria social e nas Ciências Humanas
ocorridos no pensamento na segunda metade do século XX foram: as tradições do
pensamento marxista; a descoberta do inconsciente por Freud; a virada lingüística
iniciada por Saussure; o poder disciplinar enquanto regulador do sujeito moderno,
trabalhado por Michel Foucault e, por último, o impacto do movimento feminista — como
parte integrante dos novos movimentos sociais — que emergiram nos anos sessenta.

20
Foram as reflexões propiciadas pela virada lingüística que

possibilitaram o meu entendimento de que tudo o que dizemos é

carregado por um “antes” e um “depois”, como afirma Hall (1999). Foi

fazendo as leituras inscritas no campo dos Estudos Culturais que comecei

a perceber que a verdade que eu tanto buscava não tinha como ser

“revelada” a partir daqueles discursos das professoras e professores,

justamente porque ela, enquanto a priori — verdade transcendental —

sequer existe. Aquelas representações que eu concebia como

verdadeiras, não passavam de discursos que foram produzidos

historicamente. Esta perspectiva, que assumi em minha pesquisa a partir

de então, propiciou-me um entendimento diferenciado sobre as práticas

discursivas e não discursivas7 que são produzidas em determinados


momentos da história. Pude perceber “o papel das categorizações e

divisões estabelecidas pela linguagem e pelo discurso, entendido como o

conjunto de dispositivos lingüísticos pelos quais a realidade é definida”

(Silva, 1994: 248).

Desse modo, não se atribui ao discurso o poder de representar uma

realidade tida como verdadeira, fixa e imutável, exatamente porque ele

está envolvido na produção dessa realidade. O discurso produz uma

determinada realidade ao mesmo tempo em que é por ela produzido. É

importante destacar que, de acordo com esta perspectiva, não existe um

ponto fundacional chamado “realidade” — alguma suposta verdade única e

absoluta —, a partir do qual pudéssemos derivar práticas ambientais mais

7
Entendo práticas discursivas como sendo aquelas que se referem ao conjunto de
enunciados produzidos historicamente e que tornam as ações inteligíveis. Segundo Bujes
(2001) “Elas moldam a nossa maneira de construir o mundo, de compreendê-lo, de falar
sobre ele”. As práticas não discursivas podem ser concebidas como toda a outra ordem
de coisas que se caracterizam como não discursos, tais como: “condições econômicas,
sociais, políticas, culturais, etc” (Veiga-Neto, 1995: 22).

21
corretas do que outras, na intenção de transformarmos e melhorarmos o

meio ambiente. Assim sendo, é a própria linguagem que institui a

realidade em que o discurso está inserido e que se encontra em constante

movimento. Estas concepções de linguagem e discurso modificam a idéia

de representação concebida enquanto modo de se conhecer como

realmente é determinada coisa, passando a compreender que as palavras


e as coisas estão intrinsecamente relacionadas e que são concebidas de
acordo com a episteme8 em que são produzidas.

Essa maneira de conceber o conhecimento difere fortemente

daquela dos filósofos sistemáticos. Ao grupo que propôs esse modo

diferenciado de olhar para o ato de conhecer, Roty (1988) atribui o nome

de filósofos edificantes, não por buscarem uma verdade última para as

coisas mas, pelo contrário, por desconstruírem tais verdades com fim

único de compreenderem como, quais condições de possibilidades

permitiram ou engendraram a instituição de determinadas verdades.

Esses filósofos edificantes, entre os quais estão os pós-estruturalistas,

ao tentarem entender as “estruturas”, as “grades” ou as “ordens” em que

estão inseridos os conhecimentos, tornam evidentes tais procedimentos

de produção, controle e classificação dos discursos. Segundo Silva (1994:

247), “estão claramente identificados com o pensamento pós-

estruturalista: Foucault, Derrida, Barthes”.

8
O termo episteme, aqui utilizado, refere-se ao conjunto de regras e normas de
determinados períodos históricos ou “rede única de necessidades” de sociedades
distintas “na, pela e sobre a qual se engendram as percepções e os conhecimentos; os
saberes, enfim” (Veiga-Neto, 19995: 23) e será melhor discutido no decorrer desta
Dissertação.

22
Foi lendo Foucault que percebi a possibilidade de entender os

discursos sobre a Educação Ambiental9 proferidos pelas professoras e

professores daquela Universidade como monumentos, ou, como ele próprio

dizia, como um objeto histórico  como tronco de uma árvore que, para

estar ali, precisou de tempo e espaço... Precisou talvez de um pássaro que

levasse a semente, de um solo rico, da água da chuva, do calor do sol,

enfim, das condições necessárias à possibilidade da sua existência. É

assim que acontece, também, com os discursos. Foucault me ensinou a

olhar além dos discursos, assim como ele fez ao escrever As palavras e as

coisas, onde analisa a ciência dos sistemas de signo considerando suas

condições de possibilidade, conforme atesta Dosse:

Por trás do descritivo da sucessão das diversas epistemes


desde a idade clássica, ele procura o impensado de cada uma
dessas etapas da cultura ocidental, sua modalidade da ordem,
seu a priori histórico (...) decifra o impensado da base
constitutiva do saber ocidental...”(Dosse, 1993: 377).

O grande desafio que o pensamento pós-estruturalista me

apresentou — particularmente o de Foucault — foi entender que nossos

discursos estão indissociavelmente conectados à nossa própria

constituição enquanto sujeitos. Se a nossa constituição está enraizada no

interior da história, nossos discursos também estão. Para Foucault, as

sociedades, as culturas e as identidades são reguladas por ordens

discursivas que controlam e dirigem o que deve e o que não deve ser dito,

9
A partir deste momento delimito meu objeto de análise priorizando apenas os
discursos sobre Educação Ambiental produzidos pelas professoras e professores
daquela Universidade. Esta delimitação se deve ao fato de entender que as práticas
discursivas e não discursivas sobre o meio ambiente foram as condições que
possibilitaram a necessidade da Educação Ambiental.

23
tendo em vista que os discursos nos formam/instituem/delimitam. Nesse

sentido, o que é dito provém de um regime de verdades  uma vontade

de saber que gera poder. Segundo Foucault

A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a


múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de
poder. Cada sociedade tem um regime de verdade, sua “política
geral de verdade”: isto é, os tipos de discurso que ela escolhe e
faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as instâncias
que permitem distinguir os enunciados verdadeiros e falsos, a
maneira como se sanciona uns e outros; as técnicas e os
procedimentos que são valorizados para a obtenção da
verdade: o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o que
funciona como verdadeiro (1999b: 12).

Esta concepção de discurso levou-me a questionar de maneira

diferenciada o meu objeto de estudo: “Os enunciados sobre a Educação

Ambiental proferidos pelas professoras e professores dos cursos de

licenciatura da UNEMAT”. Ao invés de identificar a verdadeira

representação de meio ambiente e educação ambiental das professoras e

professores investigadas/os, passei a perguntar: quais foram as

condições que possibilitaram a emergência daqueles enunciados da forma

como se apresentam no contexto dessa Universidade?

A partir do entendimento que nossos discursos, para se

constituírem enquanto tal, passaram por um processo de seleção,

organização e controle, desloquei a preocupação de minha pesquisa  que

pretendia chegar a uma verdade sobre concepção de Meio Ambiente e

Educação Ambiental das professoras e professores dos cursos de

licenciatura da UNEMAT  passando a ocupar-me dos regimes de

24
verdade através dos quais o discurso da Educação Ambiental foi

construído.

Pretendo enxergar quais os procedimentos que regularam a

construção dos enunciados produzidos sobre a Educação Ambiental no


âmbito do meu “ambiente de trabalho”. Digo que tais enunciados foram

“construídos” historicamente por entender o sentido de construção como

a maneira pela qual os discursos foram engendradosmatizados por

categorias e distinções de raciocínio  episteme  de cada época

histórica.

O objeto enquanto acontecimento histórico

Não considero meu objeto de análise como um acontecimento a ser

retirado da realidade para ser dissecado, classificando-o, ordenando-o,

distribuindo-o em categorias de análise previamente elaboradas. Penso

este objeto enquanto um acontecimento que emergiu - neste período

histórico – proveniente de um emaranhado de experiências e práticas que

se encontram no passado. Para entendê-lo melhor proponho-me uma

tarefa eminentemente histórica. Porém, é importante esclarecer que não

pretendo construir uma história de “culpados”, buscando grandes

mentores que “mirabolaram” planos para que chegássemos na situação em

que nos encontramos. Também não trago para meu trabalho a idéia de um

progresso contínuo, linear, evolucionista que, em meu entender, mascara o

emaranhado de significações, disparidades e diversidades que

entremeiam as peculiaridades da história. A história que pretendo não se

refere, ainda, àquela contada pelo historiador clássico  até porque não

25
sou historiadora , que tem como eixo central de suas análises a

periodização política, social e econômica. Pretendo, a partir uma situação

presente  os discursos sobre a Educação Ambiental proferidos pelas

professoras e professores dos cursos de licenciatura da UNEMAT,

Campus Universitário de Cáceres-MT  retroceder na história e

perseguir os rastros de práticas discursivas e não discursivas que

possibilitaram a produção dos mesmos. Assim, pretendo vasculhar as

camadas descontínuas que os constituíram objetivando “apreender o

movimento de seu aparecimento, [aproximando-me] do momento em que

foi ganhando consistência, visibilidade e dizibilidade, foi emergindo como

as duras conchas emergem do trabalho lento de petrificações do lamaçal

do mangue” (Albuquerque Jr., 2000: 120).

Para pensar a história dessa maneira, devo abandonar a idéia de

origem metafísica, verdadeira e natural para a produção desses

discursos. Concebê-los como algo naturalmente dado é não vê-los como

uma invenção histórica e social, como produto histórico de práticas e

discursos. A tarefa a que me proponho não é procurar uma verdade para

explicar tal realidade, pretendo apenas (des)construir a história presente

objetivando melhor entendê-la. Segundo Foucault, “o objeto não espera

nos limbos a ordem que vai liberá-lo e permitir-lhe que se encarne em uma

visível e loquaz objetividade; ele não preexiste a si mesmo, retido por

algum obstáculo aos primeiros contornos da luz, mas existe sob condições

positivas de um feixe complexo de relações” (Foucault, 1997: 51). Para a

realização desta pesquisa, fez-se necessário compreender o feixe

complexo de relações que se processaram e que se constituíram em

condições que possibilitaram a emergência dos discursos ora analisados.

26
Assim, procurei, nesta Dissertação, desnaturalizar a ordem dos

discursos sobre a Educação Ambiental proferidos pelas professoras e

professores da UNEMAT, Campus Universitário de Cáceres-MT,

inspirando minhas análises na (des)construção histórica trabalhada por

Michel Foucault. Segundo ele,

“A história ‘efetiva’ se distingue daquela dos historiadores pelo


fato de que ela não se apóia em nenhuma constância: nada no
homem – nem mesmo seu corpo – é bastante fixo para
compreender outros homens e se reconhecer neles. Tudo em
que o homem se apóia para se voltar em direção à história e
apreendê-la em sua totalidade, tudo o que permite retraçá-la
como um paciente movimento contínuo: trata-se de destruir
sistematicamente tudo isto. É preciso despedaçar o que
permitia o jogo consolante dos reconhecimentos. Saber, mesmo
na ordem histórica, não significa ‘reencontrar’ e sobretudo não
significa ‘reencontrar-nos’. A história será ‘efetiva’ na medida
em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser. Ela
dividirá nossos sentimentos; dramatizará nossos instintos;
multiplicará nosso corpo e o oporá a si mesmo. Ela não deixará
nada abaixo de si que teria a tranqüilidade asseguradora da
vida ou da natureza; ela não se deixará levar por nenhuma
obstinação muda em direção a um fim milenar. Ela aprofundará
aquilo sobre o que se gosta de fazê-la repousar e se obstinará
contra sua pretensa continuidade. É que o saber não é feito
para compreender, é feito para contar. (Foucault, 1999c: 27-8).

Descrevendo a paisagem e delimitando o objeto de análise

É de conhecimento notório que o pantanal matogrossense é palco

de um desfile grandioso de cores e formas: águas abundantes e límpidas

 sobre as quais se espalham vitórias régias verdes com flores brancas e

exuberantemente belas, dentre outros aguapés e peixes de variadas

27
espécies  delimitadas por praias de areia fina e barrancos onde a

vegetação se espalha; pássaros dos mais variados tamanhos e portadores

de combinações de cores inusitadas; jacarés, capivaras, cervos e, com

persistência e sorte, é possível deparar com o desfile de onças pintadas

desavisadas...

É um local que convida, que atrai pessoas de todos os “cantos” do

mundo a conhecê-lo, admirá-lo, usufruí-lo. Eu, encantada “por natureza”,

não me furto a tal desfrute e, em diversas situações, vi-me indignada com

atitudes de desrespeito em relação a locais então visitados: jogar lixo nas

águas e terras, arrancar plantas e flores, pescar em períodos da

piracema, não devolver ao rio peixes fora da medida ou pescar além da

quantidade necessária ao consumo eou autorizada por lei... Foram

atitudes que causaram em mim revoltas internas, pois não conseguia

entender como, nos tempos atuais, eram possíveis tais comportamentos.

Essa indignação moveu-me a tentar resolver a problemática e, como

professora da Faculdade de Educação de uma Instituição de Ensino

Superior, não via outro caminho senão pensar na educação como forma de

transformação da realidade em tela. Como já coloquei anteriormente, foi

então que iniciei um curso de Mestrado em Educação e Meio Ambiente,

momento em que percebi a Educação Ambiental como uma possível

alternativa que pudesse levar “conscientização” às pessoas, alterando, por

conseguinte, seu comportamento junto ao Meio Ambiente.

Naquele curso aprendi que o Meio Ambiente necessitava da

sensibilização dos seres humanos para continuar vivo e que a incorporação

da Educação Ambiental em todo sistema educativo seria fundamental

para que isso ocorresse. No entanto, essa incorporação não poderia

28
acontecer com a instituição de uma disciplina intitulada Educação

Ambiental, devendo ser trabalhada de maneira interdisciplinar.

Partindo do princípio de que os cursos de licenciatura formam

asos docentes que atuam no ensino fundamental e médio, acreditei ser

necessário conhecer o grau de consciência ambiental das professoras e

professores desses cursos, bem como perceber a responsabilidade que

tinham no sentido de desenvolverem, em sala de aula, ações que

despertassem a consciência ambiental de seus alunos. Acreditava que, se

identificasse um grau elevado de consciência, bem como o

desenvolvimento de atividades didáticas que priorizassem o despertar

dessa consciência, seus alunos estariam sendo formados nesses princípios

e, conseqüentemente, as crianças e adolescentes com os quais

trabalhassem estariam, também, sendo conscientizados. Foi então que

iniciei minha pesquisa.

O referencial teórico que utilizei para estruturar minha conversa

com as professoras e professores continha concepções paradigmáticas

sobre Meio Ambiente e Educação Ambiental, capazes de identificar graus

de consciência diferenciados nos meus interlocutores.

As concepções de Meio Ambiente seriam por mim analisadas

enquadrando as falas nas seguintes categorias: como natureza, para ser

apreciada, respeitada e preservada; como recurso, a ser apropriado e

gestado pelo ser humano; como problema, que precisa ser resolvido; como

lugar para se viver, para se conhecer, planejar, cuidar; como biosfera,


interdependência entre os seres vivos e inanimados que clama pela

solidariedade humana e como projeto comunitário, participativo, solidário,

democrático, que requer a co-responsabilidade do ser humano para a

29
resolução de problemas comunitários (Sato,1997). Em relação à Educação

Ambiental, o grau de consciência das professoras e professores seria

medido segundo a seguinte classificação: educação sobre o ambiente, que

favorece a aquisição de experiências e conhecimentos na área ambiental e

seus problemas correlatos (cognitivo); educação no ambiente, que

desperta valores e motivações que consideram um ambiente mais

adequado (efetivo) e, educação para o ambiente, que promove a aquisição

de habilidades e competências para agir e resolver problemas ambientais

(participativo) (ib).

Munida desse referencial teórico, na primavera de 1999 realizei as

entrevistas  semi-dirigidas, pautadas em conversas informais  com as

professoras e professores dos cursos de licenciatura em Pedagogia,

História, Geografia e Ciências Biológicas da UNEMAT, Campus

Universitário de Cáceres-MT, que foram selecionados aleatoriamente

para compor uma amostra que representasse o universo dos mesmos. O

resultado do trabalho que vinha desenvolvendo com essas entrevistas foi

por mim concluído  parte do meu então projeto de Dissertação 

“enquadrando” os discursos das professoras e professores naquelas

categorias que subsidiaram a minha entrevista.

Utilizando-me novamente da metáfora do nadador, esse nado que

vinha me conduzindo foi interrompido no momento em que outras águas

cruzaram o leito do rio em que eu estava. As águas dos Estudos Culturais,

da virada lingüística, do pós-estruturalismo, conduziram-me a uma

maneira diferenciada de entender os discursos das professoras e

professores, assim como os meus próprios discursos. A partir da mudança

na forma de entender a constituição dos discursos passei a não mais

priorizar aquela classificação que me levaria a uma suposta verdade sobre

30
a consciência ambiental naquela Universidade. Passei, a partir de então, a

dedicar-me ao entendimento dos regimes de verdade que propiciaram

com que os discursos se processassem no sentido de instituir a Educação

Ambiental como uma nova verdade.

No momento em que mudei minha maneira de olhar para aqueles

discursos, percebi que todos convergiam para uma mesma direção, todos

atribuíam à Educação Ambiental a capacidade para equacionar a

problemática do ambiente. Foi a percepção dessa unanimidade de

pensamento  que coadunava, inclusive, com o meu  que me levou a

querer problematizar, mais uma vez, parte dos discursos proferidos

nessa mesma entrevista10.

Nesse contexto, passei a não mais querer evidenciar o discurso que

melhor e mais verdadeiramente definisse o Meio Ambiente ou a Educação

Ambiental. Diferentemente disso, a minha intenção se concentra em

pensar sobre como viemos a pensar da forma como pensamos. No caso

específico das falas proferidas pelas professoras e professores, naquela

época investigados, passo a exercitar meu pensamento no sentido de

tentar entender quais os regimes de verdade que as engendraram e as

regularam de tal forma a serem expressas dessa maneira e não de outra.

Para isso descreverei como as professoras e professores

investigados mostraram  através dos enunciados11 que elaboraram para

10
É válido salientar que  conforme concepção de discurso trazida por Foucault  os
enunciados proferidos pelas professoras e professores foram, também, regulados por
ordens discursivas e não discursivas que estavam presentes no momento daquela
entrevista.

11
Foucault(1997, 1999k), na fase arqueológica de suas pesquisas, define enunciado não
por meio de seus elementos formais (gramaticais, lingüísticos ou proposicionais), “mas
por suas conexões com um domínio epistemológico mais amplo que permite que certas

31
interagir comigo naquela entrevista  representar a Educação

Ambiental. Valer-me-ei, também de algumas narrativas históricas

engendradas pelo movimento ambientalista, desde as suas primeiras

manifestações. Vou me deter mais especialmente nas proposições

referentes à Educação Ambiental, presentes nos documentos advindos da

1a. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente 

Estocolmo/Suécia, 1972; do Encontro Internacional de Educação

Ambiental  Belgrado/ Iugoslávia, 1975; da 1a. Conferência

Intergovernamental sobre Educação Ambiental  Tibilisi/Geórgia, 1977;

da Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento 

ECO 92  Rio de Janeiro/Brasil, 1992; produzidos no cenário

internacional. Destacarei, também, os reflexos destas proposições e

decisões na legislação brasileira sobre o meio ambiente e a Educação

Ambiental: o Parecer 226/87 do Conselho Federal de Educação; o artigo

225, do Capítulo VI da Constituição Federal/1988 que trata da Educação

Ambiental; a Lei Federal 979599 que dispõe sobre a necessidade da

Educação Ambiental no país. Minha análise vai se preocupar em mostrar

como se institui uma rede interdiscursiva que passa a se ocupar das

questões relativas ao meio ambiente. Vou também me utilizar dos

discursos constituídos nesta trama, engendrados a partir de novos

regimes de verdade, para indicar como a Educação Ambiental está

comprometida com o poder, vendo-a como um novo dispositivo que estaria

coisas sejam ditas e outras não, que certos enunciados sejam possíveis e outros não (...)
o conceito de enunciado articula-se, em Foucault, com os de: ‘arquivo’  conjunto das
regras que definem a possibilidade de existência de determinados enunciados;
‘discursos’  conjunto de enunciados que pertencem a um mesmo sistema de regras e
leis de formação; e ‘formação discursiva’  o sistema mais amplo de regras e leis de
possibilidades no qual se inscrevem os enunciados e os discursos” (Silva, 2000: 50-51).

32
entrando em funcionamento, na maquinaria disciplinar, para governar as

condutas dos indivíduos e instituir uma nova ordem: a ordem ambiental.

33
CAPÍTULO II

A INSPIRAÇÃO METODOLÓGICA DAS ANÁLISES

A tarefa que me coloco é problematizar a ordem dos discursos

sobre a Educação Ambiental proferidos pelas professoras e professores

dos cursos de licenciatura da UNEMAT, Campus Universitário de

Cáceres. Utilizo-me para o cumprimento dessa tarefa, de algumas peças

do arsenal de ferramentas12 oportunizadas pelo tipo de análise realizada

por Foucault. Em suas pesquisas, ele se pergunta pelas condições de

possibilidade dos sujeitos, dos discursos, dos objetos, “se pergunta

também pela conformação dos indivíduos, das verdades e das

objetividades” (Díaz, 1993: 12). Ele escuta a história considerando que

atrás das coisas não se revela uma essência, mas as relações de poder que

as possibilitaram.

Fazendo uma análise das pesquisas que realizou13, Foucault diz que

estas não pretendem apontar um caminho que indique alguma direção pré-

determinada, que leve a uma verdade, a uma essência. Segundo ele “estas

pesquisas se arrastam, não avançam, se repetem e não se articulam; em

uma palavra, não chegam a nenhum resultado” (Foucault, 1999f: 167).

12
Em seus escritos Foucault deixa claro que seus textos não tem a intenção de servir de
fundamento para nada, considerando-os como caixas de ferramentas que “se as pessoas
[quiserem] abri-las, servir-se de uma frase, de uma idéia, de uma análise como se
fossem torqueses ou alicates para cortar, desqualificar, romper os sistemas de poder, e
eventualmente os mesmos sistemas de onde saíram meus livros, tanto melhor” (Foucault,
1995:88).
13
Veiga-Neto (1995), realizando um apanhado dos principais objetos de estudos
desenvolvidos por Foucault, diz o que segue: “lembro que suas pesquisas vão da história
das prisões à história da sexualidade, dos estudos sobre os usos do corpo aos estudos
sobre a instituição escolar, das análises sobre a loucura às análises sobre a religião e a
polícia, dos estudos sobre lingüística à história das idéias científicas” (ib.:19)

34
Esse é um tipo de análise possível porque foi constituída em um

período histórico que Foucault (ib.: 168) caracteriza como aquele que

propiciou a eficácia das ofensivas dispersas e descontínuas. Dentre

inúmeras eficácias deste tempo esse autor cita o entrave dos discursos

globalizantes e totalizadores em favor do retorno do saber, ou, da

insurreição dos saberes dominados14. Saberes locais, “uma espécie de

produção teórica autônoma, não central, isto é, que não tem necessidade,

para estabelecer sua validade, da concordância de um sistema comum”

(ib.: 169). Um saber real, contingente, sem hierarquias e com vida.

Para Foucault, esses saberes dominados  que foram sepultados e

mascarados por conteúdos e sistematizações formais  formando

saberes sem vida  e os saberes vindos de baixo, particulares, regionais,

locais, que foram “desqualificados como não competentes ou

insuficientemente elaborados”  reapareceram graças aos conteúdos

históricos que permitiram “encontrar a clivagem dos confrontos, das

lutas que as organizações funcionais ou sistemáticas têm por objetivo

mascarar”(ib.: 170).

Mas, intrigava-me o fato de Foucault dizer que suas pesquisas não

chegam a nenhum resultado e que, por isso, ficam impossibilitadas de

avançar. Foucault se coloca grandes questões, que conseguem acomodar

minha inquietação. Ele pergunta: os saberes desenterrados teriam força

suficiente para prevalecer? Essa prevalência dos saberes dominados, tão

sonhada, não corre o risco de constituir-se em um novo discurso unitário

14
Por saberes dominados Foucault entende: “saberes históricos que estavam presentes
e mascarados no interior dos conjuntos funcionais e sistemáticos e que a crítica pode
fazer reaparecer, evidentemente através do instrumento da erudição. (...) um saber
particular, regional, local, um saber diferencial incapaz da unanimidade e que só deve sua
força à dimensão que o opõe a todos aqueles que o circundam – que realizou a crítica.”
(Foucault, 1999f: 170)

35
e verdadeiro? Essas suas indagações aquietaram minha ansiedade de

querer realizar algo pensando em um resultado metafísico. Suas

pesquisas não pretendem servir de fundamento teórico para nada, querem

apenas “evidenciar o problema que está em jogo nesta oposição, nesta

luta, nesta insurreição dos saberes contra a instituição e os efeitos de

poder e de saber do discurso científico” (ib.: 174).

Para fazer com que esses conteúdos históricos trouxessem à cena

os saberes dominados, Foucault desenvolveu três tipos de análises que

ora são denominados como três domínios, ora como três eixos, ora como

três grandes campos discursivos “que guardam entre si uma rica

variedade de laços de continuidades e descontinuidades, de diferenças e

semelhanças, de identidades e rupturas” (Garibay, 1994: 17). O primeiro

campo discursivo é o da arqueologia  que investiga as condições que

possibilitaram o surgimento de determinado saber  1954 a 196915; o

segundo se refere à genealogia  que analisa como o poder atua na

constituição dos saberes  1970 a 1976; e o terceiro campo se refere à

ética  que procura elaborar uma ontologia histórica sobre as


tecnologias do eu, ou seja, as relações dos indivíduos consigo mesmos 

1977 a 1984.

Nesta pesquisa inspirarei minhas análises nos estudos

arqueológicos e genealógicos desenvolvidos por Foucault. A opção por

estas duas formas de análise se deu por considerar que elas conseguem

recuperar um elemento decisivo na constituição do mundo em que estamos

vivendo. Refiro-me à disciplina, uma palavra que “pode designar a forma

ou maneira pela qual nossos espaços e tempos, nossos ritmos, nossas

36
condutas, gestos e movimentos se organizam, se estabelecem, se tornam

automáticos” (Veiga-Neto,1996b: 58). Na fase arqueológica de suas

pesquisas, Foucault enfatizou o estudo da disciplina-saber (eixo

cognitivo); na fase genealógica, a ênfase desloca-se para a disciplina-

poder (eixo corporal). Sendo assim, considero pertinente, logo de início,

oportunizar ao leitor uma breve discussão sobre esses dois tipos de

análises realizadas por Foucault, e que serviram de sustentação para o

desenvolvimento desta pesquisa.

Arqueologia

A década de sessenta marcou decisivamente a fase arqueológica

das pesquisas desenvolvidas16 por Foucault. No período compreendido

entre 1961 e1969 o autor se dedica a entender como determinados

textos chegaram a ser o que são, fazendo emergir as condições que

possibilitaram o surgimento dos saberes. Segundo Veiga-Neto, “a

arqueologia  ao investigar as condições que possibilitaram o surgimento

e a transformação de um saber  pretende fazer uma investigação mais

15
Faz-se necessário dizer que essa periodização não é algo tão “tranqüilo” e aceito em
seu todo, porém, não é minha intenção, aqui, entrar na discussão sobre tal questão.
Nesse sentido, a periodização é trazida apenas para situar o trabalho de Foucault.
16
Em 1961 Foucault publicou História da Loucura, momento em que “estuda os saberes
sobre a loucura para estabelecer o momento exato e as condições de possibilidade do
nascimento da psiquiatria”; Em O Nascimento da Clínica – publicado em 1963 – Foucault
“articula os saberes com o extra-discursivo, seja instituições como o hospital, a família
e a escola, seja, em um nível mais global, as transformações político-sociais, sobretudo
na época da Revolução Francesa”; Em As Palavras e as Coisas, de 1966, aprofunda e
generaliza “interrelações conceituais capazes de situar os saberes constitutivos das
ciências humanas” e, em 1969, publicou A Arqueologia do Saber, “que reflete sobre as
precedentes análises históricas com o objetivo não só de explicitar ou sistematizar mas

37
profunda do que a empreendia pela própria ciência” (1996b: 158). O

estudo do saber realizado por Foucault nesta fase arqueológica não se

restringe ao estudo das ciências, deixando este legado como tarefa

estrita da epistemologia  é ela que tem como objeto as ciências pois

que se caracteriza enquanto uma “reflexão elaborada por dentro do

conhecimento científico” (ib.). A epistemologia, olhando o conhecimento

através dele próprio, não consegue  como pretende  encontrar a

origem ou, fundamentar o conhecimento, até porque, foucaultianamente

falando, um fundamento último, verdadeiro, metafísico, sequer é possível.

A arqueologia, diferentemente da epistemologia, olha o

conhecimento, o saber, o discurso, do lado de fora, procurando

compreender os porquês de sua existência. Ela concebe que “as coisas não

se delimitam por si mesmas, nem mostram em si sua constituição interna

ou o emaranhado de sua racionalidade imanente” (Díaz, 1993: 18). Assim

sendo, a arqueologia pretende explicar o surgimento dos saberes “a partir

de condições de possibilidade externas aos próprios saberes, ou melhor,

que imanentes a eles – pois não se trata de considerá-los como efeito ou

resultante – os situam como elementos de um dispositivo de natureza

essencialmente estratégica” (Machado, 1999: X).

Foucault se atribuiu, em sua fase arqueológica, a missão de

enxergar além dos discursos, dos saberes, dos conhecimentos, buscando

as condições que possibilitaram a emergência dos mesmos, as relações

desses com outras coisas e objetos, suas justaposições, suas diferenças.

Díaz (1993), referindo-se à missão do arqueólogo diz que com seu

sobretudo de clarificar ou aperfeiçoar os princípios formulados a partir das próprias


exigências das pesquisas”(Machado, 1999: VII-X)

38
trabalho, é possível enxergar “o invisível do iceberg” (ib.: 18) É possível

enxergar os motivos que levaram à estruturação dos saberes.

Foi assim que Foucault nos mostrou que até o século XVII os

saberes encontravam-se dispersos e apresentavam um caráter

heterogêneo. Porém, a partir da consolidação dos Estados Modernos e da

revolução industrial, “se desenvolveram processos de anexação e confisco

de saberes locais e artesanais por saberes mais gerais ou industriais”

(Varela, 1995: 44). Para Foucault “podemos, se não tivermos na cabeça

senão conceitos prontos, dizer que o século XVII marca o

desaparecimento das velhas crenças supersticiosas ou mágicas e a

entrada, enfim, da natureza na ordem científica (1999k: 75).

O Estado intervém na luta dos saberes, eliminando aqueles que

considerava “irredutíveis, inúteis ou economicamente muito custosos”,

hierarquizando/ normalizando os que eram considerados úteis ao sistema

produtivo. Institui-se, então, aquilo que Foucault intitula como “projeto

de uma ciência geral da ordem” (ib.: 99) dos saberes, da ordem da vida.

Genealogia

Como vimos, nas pesquisas arqueológicas Foucault procurou uma

maneira de libertar os saberes dominados pelo poder para melhor

compreender o mundo em que estava vivendo. Preocupou-se com as regras

que engendram discursos dos diferentes campos do saber. Adentrando na

segunda fase de sua vasta e fecunda obra, Foucault desenvolve um tipo

39
de análise que denomina genealógica17, termo que toma emprestado de

Nietzsche, “para designar uma metodologia cuja finalidade é a analítica

do poder, seja qual for a máscara que esse assuma, seja qual for o campo

em que se manifeste – da moral, da política, do conhecimento, do desejo,

etc” (Veiga-Neto, 1995: 27). Trata-se de uma insurreição dos saberes

dominados “contra os efeitos de poder centralizadores que estão ligados

à instituição e ao funcionamento de um discurso cientifico organizado no

interior de uma sociedade como a nossa” (Foucault, 1999f: 171) A tarefa

da genealogia é, para Foucault, fazer emergir os saberes históricos da

sujeição, tornando-os capazes de lutar “contra a coerção de um discurso

teórico, unitário, formal e científico” (ib.: 172).

Percebemos, então, que suas análises continuam preocupadas com a

questão dos saberes, dos discursos, dos conhecimentos, porém, agora, há

uma nova preocupação a ser trabalhada, analisada, colocada em questão: o

Poder. Nesta nova fase de suas pesquisas, o autor não se atém a dizer o

que seja verdadeiramente o poder, mas, pelo contrário, analisa as

relações de poder existentes no jogo de práticas sociais concretas que

“buscam satisfazer interesses e acabam por conferir legitimidades”

(Veiga-Neto, 1996: 168). Nesse sentido, para Foucault, mais do que

apreender o que é o poder, devemos tentar compreender os diversos

dispositivos de poder que se constituíram e se exercem a níveis

diferentes da sociedade. Entender seus mecanismos, seus efeitos, suas

relações. Esse entendimento nos leva a perceber que “o poder não se dá,

17
Como marca da mutação da fase Arqueológica para a Genealógica, Machado (1999)
assinala duas obras de Foucault: Vigiar e Punir, 1975 e A Vontade de Saber, 1976,
primeiro volume da História da Sexualidade. Segundo Machado (Ib.:X) essas obras
representaram a introdução do pensamento de Foucault “nas análises históricas da
questão do poder como um instrumento de análise capaz de explicar a produção dos
saberes”.

40
não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação... não é

princípio de manutenção e reprodução das relações econômicas, mas

acima de tudo uma relação de força” (Foucault, 1999f: 175).

Para Foucault, na sociedade de tipo feudal os soberanos tomam

para si o direito de vida e de morte dos seus súditos. Nessa relação o

poder político centra-se nas mãos do soberano, satisfaz seus interesses e

garante a sua legitimidade. Esse poder, assimétrico, soberano, ficara

“inoperante para reger o corpo econômico e político de uma sociedade em

via, a um só tempo, de explosão demográfica e de industrialização”

(Foucault, 1997: 298). Os olhos do soberano estavam voltados para a

terra e seus produtos, assim, o seu objetivo era o acúmulo de bens e

riquezas. Todavia, o corpo econômico e político que estava sendo

instituído a partir do século XVI voltava seus olhares para a produção.

Necessitava de força produtiva.

Assim, no vácuo deixado pelo poder soberano gestou-se uma nova e

diferenciada mecânica de poder, onde a relação de forças encontra-se

difusa no tecido social e busca, incessantemente, o controle e a

dominação. Essa relação de forças atua de maneira microscópica, no

corpo dos indivíduos em particular – através dos mecanismos disciplinares

de poder. Agindo assim, produz um tipo determinado de almas, de idéias,

de saberes, de moral, dando origem a novos corpos; corpos manipulados,

corpos políticos, corpos dóceis e úteis. Segundo Veiga Neto, “a genealogia

é uma tecnologia política que trabalha sobre um corpo que é político;

sendo assim, a genealogia é também uma anatomia política” (Veiga-Neto,

1996: 163). Uma anatomia que se instala no sentido de analisar os efeitos

desse poder microscópico e manipulador dos corpos. Um poder existente

dentro de todos e de cada um de nós, que nos governa e nos leva a querer

41
atuar sobre a ação dos outros, a querer governá-los. A esse querer

governar impulsivo existente em cada um, Foucault dá o nome de vontade

de poder, vontade de conduzir as próprias condutas e a dos outros.

Como disse anteriormente, enquanto vigiu o poder soberano, era ele

quem governava os corpos em benefício de seus interesses. Porém, a

partir do momento que as novas tecnologias de poder foram sendo

instituídas, foram atravessando os corpos dos indivíduos, buscou-se

“novas maneiras de governar os outros e de se autogovernar”(Veiga-Neto,

2000: 180). Associado às novas práticas sociais, políticas e econômicas, a

arte soberana de governar o Estado, que enfatizava o governo do

território, perde espaço para uma nova dinâmica do poder. Um poder que

passa a pensar na população, gerindo sua vida, potencializando sua força

 instituindo os corpos de poder  e dominando-as, ao mesmo tempo, em

benefício do novo Estado emergente. É nesse sentido que Foucault traz o

conceito de governamentalidade, “que tanto aponta para uma razão ou

tática de governo, uma racionalidade governamental que descobre a

economia e que faz da população o seu principal objeto, quanto denota o

‘contato entre as tecnologias de dominação dos outros e as [tecnologias]

voltadas para [a dominação] do eu’” (ib.: 181).

Através do estudo genealógico que desenvolveu, Foucault nos

mostrou como essas tecnologias de poder se instituíram, dando origem à

razão política da Modernidade. Levou-nos a enxergar como os seres

humanos foram capturados pela rede de poderes instituída no limiar da

Modernidade, transformando seu corpo, seu tempo, seu espaço, seu

mundo. Segundo Varela & Alvarez-Uria (1992: 69), aplicar o método

genealógico significa “abordar o passado a partir de uma perspectiva que

nos ajude a decifrar o presente, a rastrear continuidades obscuras por

42
sua própria imediatez, e a determinar os processos de montagem das

peças mestras, seus engates, para que servem e quem, a que sistemas de

poder estão ligados, como se transformam e disfarçam, como contribuem,

enfim, para tornar possíveis nossas condições atuais de existência”.

No discurso proferido por Foucault ao ingressar no Collège de

France em 1970, publicado posteriormente no livro intitulado A ordem do

discurso, além perguntar sobre as condições de possibilidades dos


discursos (arqueologia), analisa a vontade de poder que permeia sua

produção (genealogia). Analisa como o poder que constrói os indivíduos se

manifesta na constituição dos discursos, e como estes se constituem

como mecanismos de poder. Essa obra significa o início do

desenvolvimento de suas pesquisas genealógicas pois retoma a

problemática dos discursos trabalhadas na Arqueologia do Saber,

“relacionando pontualmente suas reflexões sobre o discurso com suas

atuais preocupações sobre o poder” (Díaz, 1993: 23).

“A ordem do discurso”

Em A ordem do discurso, Foucault questiona sobre os poderes e os

perigos decorrentes do discurso e aponta uma lente diferenciada para

enxergá-los. Ele não procura uma verdade, nem muito menos uma

interpretação que revele “o que seja mesmo” o discurso. Ao analisar suas

condições, seus jogos e seus efeitos, procura entender os “perigos” do

discurso, como ele próprio diz:

43
Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao
mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e
redistribuída por certo número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade” (Foucault, 1999a: 9).

Entender que existem procedimentos que controlam os discursos

pareceu-me, inicialmente, um tanto difícil, posto que, os discursos estão

aí, sendo ditos ou escritos por mim e por todo mundo, sem que se pense

nas regras que o controlam. Verdades, científicas ou empíricas, são ditas,

escritas, comentadas - na academia ou na cozinha da minha casa -, como

sendo imanentes ao discurso. Foi assim que nos fizeram crer, a mim e a

tantos outros milhões de pessoas que propagam verdades, sem nos

darmos conta que estas são estabelecidas pelos próprios discursos e, por

isso, são apenas ilusões que, no dizer de Nietzsche, se esqueceram que o

são.

Mas, por que sempre acreditei no discurso enquanto algo

verdadeiro e não enquanto ilusão? Por que nunca enxerguei a “ordem” do

meu e de tantos outros discursos? Para responder a esses

questionamentos nada melhor do que recorrer àquele que os fizeram

borbulhar em meu pensamento. Foi o próprio Foucault quem me

apresentou a um dos grandes, se não o maior, protagonista da

estruturação do pensamento. Refiro-me a Platão (426-347 a.C.), filósofo

grego que, com sua teoria, influencia a história do pensamento Ocidental

há mais de dois mil anos. Para Foucault (1999a), a divisão histórica

iniciada por Platão — que exonerou o sofismo — “deu sua forma geral a

nossa vontade de saber” (Ib.: 16).

44
O pensamento inaugurado por Platão se caracteriza pela dualidade

manifesta de um mundo da aparência (sensível) e um outro mundo,


superior, da essência (inteligível). Platão apresenta uma proposta

pedagógica que está, necessariamente, associada ao seu projeto político.

Para explicar sua teoria, utiliza-se da alegoria da caverna, e instaura o

mundo sensível como lugar da representação, e conseqüentemente, da

cegueira, da obscuridade, do erro; toma o sol como centro, a comandar o

mundo que, para ele, é o mundo do visível, o mundo da aparência. Em

contraponto a este mundo, propõe um outro lugar, em um patamar

superior, onde o bem comanda: o mundo invisível, mundo do inteligível, da

luz. O mundo material torna-se, na sua concepção, lugar do erro, das

trevas, lugar em que os homens vivem em plena escravidão da alma. Para

Platão (1994):

o antro subterrâneo é o mundo visível. O fogo que o ilumina é a


luz do sol. O cativo que sobe à região superior e a contempla é
a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes, já que o
queres saber, é este, pelo menos, meu modo de pensar, que só
Deus sabe se é verdadeiro. Quanto a mim, a coisa é como
passo a dizer-te. Nos extremos limites do mundo inteligível
está a idéia do bem, a qual só se nos impõe à razão como a
causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora da luz e
do sol no mundo visível, autora da inteligência e da verdade no
mundo invisível, e sobre a qual, por isso mesmo, cumpre ter os
olhos fixos para agir com sabedoria nos negócios particulares
e públicos (p.266).

A alegoria da caverna pode ser analisada em sua dimensão

epistemológica e em suas dimensões política e pedagógica. Do ponto de

vista da teoria do conhecimento (dimensão epistemológica), Platão é

idealista, posto que, para ele, “as idéias são mais reais que as coisas”.

Platão nega o mundo dos sentidos, das paixões, das contingências

45
cotidianas como produtoras do conhecimento. Segundo ele, apenas os

filósofos conseguem se libertar das correntes que prendem todos ao

fundo da caverna. Por isso, somente os filósofos atingem “o verdadeiro

conhecimento, a episteme, a ‘ciência’, quando a razão ultrapassa o mundo

sensível e atinge o mundo das idéias, lugar da essência imutável de todas

as coisas, dos verdadeiros modelos ou arquétipos” (Aranha, 1996: 45).

Mas, onde estão as dimensões política e pedagógica de Platão? Estas se

situam exatamente nos papéis fundamentais que caberiam aos filósofos.

São eles, nessa concepção, os detentores do conhecimento do mundo

ideal, e, por isso, devem “dirigir” os homens que não conseguem enxergar

o real, através da Educação. É por isso, então, que para Platão o

verdadeiro filósofo é, ao mesmo tempo, político e pedagogo.

Para Platão, o pensamento é algo bom; porém, os malefícios de uma

pedagogia mundana, “profana”, é que podem torná-lo inútil, nocivo,

tornando a alma humana mesquinha. O pensamento, portanto, não perde

nunca sua qualidade, apenas pode ser modelado para o bem ou para o mal,

dependendo do lugar/direção em que adquire seu aprendizado. A

Educação, sendo assim, somente torna-se válida quando cumpre o papel de

isolar o homem, desde a infância, do meio em que vive. Os saberes do

cotidiano são considerados nocivos, carregados de elementos que

“arrastam aos prazeres sensuais e grosseiros e fazem mirar sempre às

coisas inferiores; e, liberta daqueles pendores e peso: fosse dirigida no

mesmo sentido da verdade, te-la-ia percebido e penetrado com a mesma

sagacidade com que ora percebe e penetra os objetos para os quais se

volta” (Platão, 1994: 268).

46
Platão postula, com essa doutrina, uma realidade dual onde a

essência encontra-se no mundo das idéias, restando a aparência para o

mundo dos “mortais”18. Nesse contexto, podemos inferir que a tradição

filosófica ocidental caracterizou-se por acreditar que o pensamento pode

se dar de forma externa à prática social. Sofrendo constantes

deslocamentos circunstanciados pelos seus momentos históricos, a busca

do conhecimento estaria, mesmo que sob diferentes formas, subordinada

a uma ordem que seria universal, estática, inexorável, imutável. Vale

ressaltar outro fragmento de A República, onde Platão propõe os fins da

Educação:

A educação é, portanto, a arte que se propõe a este fim, a


conversão da alma, e que procura os meios mais fáceis e mais
eficazes de operá-la; ela não consiste em dar a vista ao órgão
da alma, pois que esta já o possui; mas como ele está mal
disposto e não olha para onde deveria, a educação se esforça
para levá-lo à boa direção (Platão, 1994: s/p).

Mas, qual é a boa direção? Para responder a essa questão volto a

me valer do pensamento de Foucault. Segundo ele, Platão instituiu, com

sua filosofia, uma distinção entre o discurso verdadeiro19 - que existia

até então e que encontrava-se fortemente ligado às vontades do

exercício do poder (os discursos enunciados pelos sofistas) - e uma nova

maneira de concebê-lo enquanto vontade de verdade. A partir das

18
O pensamento platônico abre caminho para a dualidade: civilitas/bárbaros
(Aristóteles); Cidade de Deus/Cidade dos Homens (Santo Agostinho); Cristão/Pagão
(São Tomaz de Aquino); Razão/Emoção (Descartes),...
19
“pelo qual se tinha respeito e terror, aquele ao qual era preciso submeter-se, porque
ele reinava, era o discurso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual
requerido; era o discurso que pronunciava a justiça e atribuía a cada qual sua parte; era
um discurso que, profetizando o futuro, não somente anunciava o que ia se passar, mas
contribuía para a sua realização, suscitava a adesão de homens e se tramava assim como
destino” (Id. 15)

47
proposições de Platão, o discurso, para ser considerado verdadeiro deve

passar por uma clivagem que o legitime enquanto tal, que o distinga do

falso. Foi essa divisão histórica que deu sua formatação “geral à nossa

vontade de saber”.

Segundo Foucault, existem procedimentos de seleção, organização

e controle dos discursos que ora são externos e ora internos. Os

procedimentos externos são caracterizados como mecanismos de

exclusão daquilo que não deve ser dito perante o que é concebido como

verdadeiro. Esses mecanismos são: a palavra proibida, a segregação da

loucura e a vontade de verdade. O autor relata longamente o terceiro


mecanismo por conceber que “os primeiros não cessaram de orientar-se

em sua direção” (Foucault, 1999a: 19). Mas, o que tem a ver a “vontade de

verdade” com o pensamento platônico que relatei, também, longamente?

Pois é, aquela “boa direção” de que Platão nos falava é

caracterizada por Foucault como essa “vontade de verdade” que vem

orientando nossas vidas desde a Antigüidade clássica. Vontade essa que

Machado (1990) descreve como “de um inteligível superior, de um

princípio absoluto de inteligibilidade, que é o que se pensa melhor e o que

torna possível conceber o inferior, por conseguinte, o sensível” (ib.:26).

Assim, entendo que foi essa vontade de verdade que levou as sociedades,

a partir de Platão, a instituírem o que Foucault denomina por episteme,

ou, “rede única de necessidades” de determinado período histórico, “na,

pela e sobre a qual se engendram as percepções e os conhecimentos; os

saberes, enfim” (Veiga-Neto, 1995: 23).

Nesse sentido, a vontade de verdade sustenta a separação que

fazemos entre o discurso verdadeiro e o falso. Farei um breve relato

48
sobre os outros dois mecanismos que são atravessados pela vontade de

verdade. O primeiro se refere à palavra proibida, ou interdição. É este

mecanismo que proíbe o pronunciamento de discursos sobre determinados

assuntos quando a “ordem” vigente diz o contrário. Segundo Foucault

(1999a: 9) “sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não

se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim,

não pode falar de qualquer coisa”.

O segundo mecanismo externo de controle dos discursos é a

segregação da loucura, ou seja, separação/rejeição, através dos


discursos, daquele que merece, ou não, confiança. É através do discurso

pronunciado que se define quem é quem, ou seja, se o discurso é dito fora

da “ordem” – que rege a vontade de verdade - em que está inserido, deve

ser segregado, já que fere os princípios considerados verdadeiros. Mais

do que o discurso, a pessoa que discursa é segregada, considerada “louca”

— diferente dos padrões de verdade.

Para Foucault, a vontade de verdade coloca em jogo uma relação

intrínseca de desejo e poder. O desejo e o poder são reconhecidos

enquanto mecanismos que atravessam os discursos. Essa vontade de

verdade — movida pelo desejo e pelo poder — nos atravessa como se

fosse a própria verdade. Nesse sentido, Foucault aponta para os perigos

decorrentes dos discursos caso não entendamos a prodigiosa maquinaria

que o produz. Segundo ele,

Só aparece aos nossos olhos uma vontade que seria riqueza,


fecundidade, força doce e insidiosamente universal. E igno-
ramos em contrapartida a vontade de verdade, como prodigiosa
maquinaria destinada a excluir todos aqueles que, ponto por
ponto, em nossa história, procuraram contornar essa vontade

49
de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade, lá
justamente onde a verdade assume a tarefa de justificar a
interdição e definir a loucura” (Foucault, 1999a: 20).

Entendo, com essa citação, que para Foucault a vontade de

verdade, atravessada pelo desejo e pelo poder, deve ser compreendida

para que entendamos que as verdades não passam de invenções próprias

dos seres humanos, em épocas distintas.

Além dos procedimentos externos que funcionam como sistemas de

exclusão dos discursos, Foucault cita um outro grupo de procedimentos

que denomina de internos — que se referem ao controle dos discursos

pelos próprios discursos. Esses procedimentos funcionam como princípios

de classificação, ordenação e distribuição, submetendo o discurso à

dimensão do acontecimento e do acaso. Esse segundo grupo se subdivide

em três procedimentos: o comentário, o autor e a disciplina.

No que se refere ao comentário, Foucault coloca que não existe

sociedade em que não apareçam conjuntos ritualizados de discursos que

são contados, escritos, narrados, trocados, enfim, comentados. Para ele,

existem dois tipos de discursos — o original e o comentado —, e estes

estão em constante jogo. Nesse jogo, o comentário exerce dois papéis:

construir novos discursos sobre aquele original e repetir “o que estava

articulado silenciosamente no texto primeiro” (Foucault, 1999a: 25). Essa

repetição institui a possibilidade da criação de novos

discursos/saberes/conhecimentos que estejam, obviamente, inseridos no

regime de verdade vigente.

Referindo-se ao segundo procedimento — o autor —, Foucault

enfatiza que sua função se caracteriza enquanto “princípio de

50
agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações,

como foco de sua coerência” (ib.: 26). É o princípio do autor que limita o

acaso do discurso à uma individualidade distinta.

O último procedimento de limitação interna do discurso

apresentado pelo autor é a disciplina. Esse procedimento faz parte de um

jogo restrito do discurso, que produz o que se pode chamar de “sujeitos

disciplinados”, ou, como diria Foucault (2000a), sujeitos produtivos e

autogovernáveis.

Para Foucault (1999a), a disciplina se opõe ao princípio do autor por

se constituir como um sistema anônimo “sem que seu sentido ou sua

validade estejam ligados a quem sucedeu ser seu inventor” (ib.: 30).

Opõe-se também ao princípio do comentário posto que não se vale da

redescoberta de um sentido ao discurso que precisa ser repetido, mas se

constitui naquilo que deve ser requerido para a construção de novos

discursos: “para que haja disciplina é preciso, pois, que haja possibilidade

de formular, e de formular indefinidamente, proposições novas” (ib.).

Foucault discorre longamente sobre a constituição das disciplinas,

colocando que os discursos eleitos para compô-la não advém apenas de

“verdades”. São os “erros” que levam aos “acertos” de sua composição.

Nesse sentido, para que uma determinada proposição faça parte de uma

disciplina, é preciso que esta responda a condições que a inscrevam

naquele horizonte teórico. Segundo Foucault, “uma proposição deve

preencher exigências complexas e pesadas para poder pertencer ao

conjunto de uma disciplina; antes de poder ser declarada verdadeira ou

falsa, deve encontrar-se, como diria M. Canguilhem, ‘no verdadeiro’” (ib.:

34).

51
Para que determinada proposição seja considerada verdadeira, esta

deve estar inserida no “verdadeiro” discurso da época. Assim sendo, para

Foucault, todo discurso faz parte de uma política discursiva.

Além dos procedimentos externos e internos de controle dos

discursos, existe, para Foucault, um terceiro grupo de procedimentos que

permitem o controle dos discursos. Nesse terceiro grupo, o autor atribui

uma função crucial ao sujeito perante a produção dos discursos. Para que

os sujeitos entrem na ordem discursiva, devem seguir um certo número

de regras, que são seguidas por poucos.

O princípio da rarefação dos sujeitos diz que só está autorizado a

entrar na ordem do discurso quem for devidamente qualificado para tal.

Para isso, faz-se necessário um “ritual” que

(...) define a qualificação que devem possuir os indivíduos que


falam (...); define os gestos, os comportamentos, as
circunstâncias, e todo o conjunto de signos que devem
acompanhar o discurso; fixa, enfim, a eficácia suposta ou
imposta das palavras, seu efeito sobre aqueles aos quais se
dirigem, os limites de seu valor de coerção (Foucault, 1999a:
39).

Esse sujeito — que passa pelo ritual que lhe confere o direito de

falar sobre determinado assunto — pertence a uma sociedade que se

mantém segundo regras distintas, que devem ser respeitadas. Essas

regras são “comentadas” tanto nos regimes doutrinários quanto na

Educação. Assim como as doutrinas “ligam os indivíduos a certos tipos de

enunciação e lhes proíbe, conseqüentemente, todos os outros” (ib.: 43), o

discurso da Educação é mediado por escolhas e exclusões, de acordo com

o tipo de sujeito que a sociedade espera. Nesse sentido, para Foucault,

52
“todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar

a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles

trazem consigo” (ib.: 44). O sujeito — ritualizado, pertencente a uma

sociedade e educado — apropria-se dos discursos que se formulam no

decorrer da história e das sociedades e produz novos discursos segundo

as “regras” que orientam tal produção — mecanismos externos e internos

de controle dos discursos.

“E agora José?”

Pelo acima exposto, é possível compreender que os discursos ditos

ou escritos não tragam consigo um apêndice que diga quais foram as

interdições, supressões, fronteiras e limites que os criaram. Segundo

Foucault, “tudo se passa como se tivessem querido apagar até as marcas

de sua irrupção nos jogos do pensamento e da língua” (Foucault, 1999a:

50). Essa aparente logofilia — do latim logos = discurso e philia = amizade

— é considerada por Foucault como logofobia — logos = discurso e fobos

= medo —. Ou seja, os acontecimentos que fazem surgir os enunciados são

temidos pela sociedade, pois, enxergando-os enquanto presentes nos

discursos, podemos perceber “tudo o que possa haver aí de violento, de

descontínuo, de combativo, de desordem, também, e de perigoso, desse

grande zumbido incessante e desordenado do discurso” (ib.).

Para Foucault, se quisermos analisar esse temor, temos que tomar

três decisões: “questionar a nossa vontade de verdade; restituir ao

discurso seu caráter de acontecimento; suspender, enfim, a soberania do

significante” (ib.: 51). Para isso, faz-se necessário partir de uma

realidade presente e perseguir os rastros históricos que levaram a sua

constituição. É preciso analisar as condições que possibilitaram a

53
emergência de determinado discurso. Nesse sentido, ao invés de

construirmos uma teoria verdadeira sobre determinada realidade, o autor

sugere a desconstrução daquela situação presente para podermos

compreender a trama histórica que a compõe.

Para questionar a vontade de verdade, é preciso enxergar que no

papel positivo que atribuímos ao autor, ao comentário, à disciplina e à

própria “verdade”, existe um jogo negativo de recorte, ou, ainda, de

rarefação do discurso. Ou seja, o comentário, o autor e as disciplinas


selecionam quais as verdades devem fazer parte da formação dos

discursos.

Porém, para Foucault, o fato de existir a rarefação dos discursos,

não quer dizer que “desocultando-o” chegaremos à uma verdade última,

escondida atrás dos mesmos. Não existe esse tão sonhado “elo”

unificador que tanto as filosofias da consciência pretendem alcançar. O

que existem são “práticas descontínuas, que se cruzam por vezes, mas

também se ignoram ou se excluem” (ib.: 53).

Para restituir ao discurso seu caráter de acontecimento, o autor

sugere que seja questionado o jogo de significação prévia do mundo. O

mundo não é cúmplice de nosso conhecimento. Somos nós que,

violentamente, atribuímos significado às coisas do mundo através do

discurso. Essas significações acontecem ao acaso da história, não são

criações últimas e verdadeiras.

Para suspender a soberania do significante, o autor diz não à

hermenêutica no sentido de que não devemos buscar a profundidade de

um pensamento — uma suposta unidade que esteja escondida — mas sim,

enxergar a sua exterioridade, as suas condições de possibilidade: “àquilo

54
que dá lugar à série aleatória desses acontecimentos e fixa suas

fronteiras” (Foucault,1999a: 53).

Foucault apresenta quatro noções que dominaram a história

tradicional das idéias — significação, originalidade, unidade e criação.

Porém, essa história, de natureza formalista, é substituída por uma

história radical, aquela que concebe a linguagem, os discursos, enquanto

instituidores do conhecimento e da cultura.

Nesta outra concepção da História, aqueles quatro elementos

instituidores de verdades são substituídos por: acontecimento, série,

regularidade e condição de possibilidade. Nesse contexto, a linguagem,

concebida enquanto constituída historicamente, é, ao mesmo tempo,

produto e produtora dos sujeitos agentes, aqueles “que agem, que

promovem a ação sobre o objeto por esse veículo (e não instrumento de

comunicação) que vem a ser a linguagem” (Veiga-Neto, 1995: 47).

Através das temáticas a seguir, tentarei mostrar algumas

condições que possibilitaram com que fossem produzidos os discursos

sobre a Educação Ambiental proferidos pelas professoras e professores

dos cursos de licenciatura da UNEMAT, Campus Universitário de

Cáceres.

55
CAPÍTULO III

MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE

Através de algumas ferramentas oportunizadas pelos estudos de

Foucault, discutirei a vontade de ordem, de beleza e de limpeza como

regimes de verdade do limiar da Modernidade, situando-os como


condições que possibilitaram práticas discursivas e não discursivas sobre

o Meio Ambiente, que contribuíram para a fabricação do sujeito moderno.

Ordem, Beleza e Limpeza

Imaginemos um mundo descuidado e irrefletido onde o ato de ouvir

é tido como prazer de primeira ordem; ouvir uma vontade que é divina e

que domina os espíritos apostos e obedientes... Um mundo dividido em

vários mundos isolados em seus lugares distintos, desconhecidos entre

si... Um mundo repleto de espaços “vazios”... Um mundo em que processos

naturais – “o nascer e o pôr do Sol ou da Lua...” (Elias,1998: 40) – são

suficientes para determinar o tempo... Um mundo em que a

individualização é uma característica singular daqueles que detém o

poder... Um mundo em que as multidões encontram-se confusas, móveis,

desprovidas de poder.... Um mundo onde o direito de vida e de morte de

seus habitantes encontra-se centralizado nas mãos de uma única pessoa,

o soberano, indivíduo dotado de poder para decidir o destino de todos...

Um mundo em que a arquitetura – palácios reais – foi feita para ser vista,
56
admirada, respeitada – arquitetura “do muro espesso, da porta sólida que

impede entrar ou sair” (Foucault, 2000b: 144)... Um mundo ordenado “de

modo divino, que não [conhece] a necessidade nem o acaso, um mundo que

apenas [é] sem pensar jamais em como ser” (Bauman, 1999: 12 grifo meu).

Pensar, eis a grande questão! Para Bauman, a partir do momento em

que esse mundo começou a pensar/refletir sobre si enquanto mundo e

enquanto habitat humano, ele deixou de ser o que era: o mundo medieval.

Pensar, refletir, manipular, administrar, projetar, planejar são

habilidades próprias de um mundo novo; um mundo racional que tem por

característica peculiar o ato de atribuir-se tarefas impossíveis de serem

cumpridas: mundo moderno.

Este capítulo tem como propósito analisar uma das tarefas que o

mundo moderno se atribuiu: a ordem. Uma tarefa que servira de

arquétipo, de modelo, de referência a várias outras. No dizer de Bauman:

“uma tarefa que toma todas as demais metáforas de si mesma” (ib.) Mas,

por que colocar ordem no mundo? Estaria o mundo desordenado antes da

Modernidade?

Dizer que aquele mundo – que fizemos o exercício de imaginar – era

desordenado, é uma tarefa possível apenas porque a definição de ordem –

e seu oposto: desordem, caos – está contida nas categorias do

pensamento20 moderno. Porém, reclamar aos homens medievais sua

desatenção à ordem torna-se uma falácia se atentarmo-nos para o fato

de que suas categorias de pensamento não comportam tal definição.

20
Varela (1995), trabalhando com as concepções de categorias de pensamento, diz que
para Elias as categorias são instituições sociais de caráter simbólico que “os homens as
adquirem e utilizam como meio de orientação e de saber” (p. 38).

57
O momento em que se começa a pensar, a refletir sobre a ordem –

e seu oposto, o caos – significa “o último suspiro do mundo agonizante e o

primeiro grito da recém-nascida Modernidade” (ib.: 12). Até então o

mundo vivia sem a alternativa de “pensar” a ordem  tal qual costumamos

fazer hoje , o que não significa que aquele mundo encontrava-se em um

estado de caos. Sendo o contrário da ordem, o caos é, também, uma

concepção moderna. Nesse sentido, podemos dizer que a existência

torna-se moderna no momento em que começa a pensar as alternativas

ordem e caos. Em nome da ordem, trava-se, no limiar da Modernidade,

uma luta contra o caos.

Mas, o que tem a ver a guerra entre ordem e caos com o discurso

sobre Meio Ambiente?

Esta é uma discussão que considero fundamental para quem

pretende estudar o discurso ambiental pois, a partir da instituição da

ordem moderna, a ordem natural, impensada, divina – da Idade Média -

enfraquece, estreando no grande espetáculo histórico, uma nova ordem,

que deixa de ser natural para ser artificial.

Essa questão de ordem natural e artificial apresenta-se um tanto

complexa por dar a impressão de que estamos falando de dois tipos

distintos de ordem, uma que é natural e outra artificial. Porém, como

disse anteriormente, pensar a ordem é uma tarefa eminentemente

moderna e, somente a partir deste momento histórico somos capazes de

discernir entre o que está efetivamente em ordem e o que não está. A

ordem moderna remete à idéia de pureza, de limpeza, de beleza. Remete

à idéia de colocar as coisas em seus lugares justos e convenientes. Quem

58
“coloca as coisas no lugar”? Aqueles que procuram a instituição da ordem

em detrimento do maculado, sujo, feio – em detrimento do caos.

São os instituidores da ordem, os modernos, quem travam a grande

batalha entre ordem e caos. Para que as coisas fiquem em seu devido

lugar, “eles” criam uma ordem que difere frontalmente daquela ordem

natural.

A ordem natural significa o estado de ser das coisas como vieram

ao mundo, sem nenhuma intervenção cultural. Ao referir-nos à natureza,

por exemplo, freqüentemente nos reportamos a um local de existência

pura, livre de intervenções humanas. Bauman (1998), assinala algumas

distinções entre natureza, pureza e sujeira presentes nas perspectivas

modernas. Nestas, um local, apenas torna-se impuro quando nele é

inserido algo que fuja ao que é considerado como um estado natural. Por

exemplo, o rio, o mar, as montanhas, as florestas são consideradas

impuras apenas e tão somente quando a intervenção humana insere nesses

locais algo que faça “a própria distinção entre pureza e imundice”. Até

que a jaça não chegue, o local não é puro nem impuro, é apenas natural. No

momento em que esse local é maculado, cria-se a possibilidade de

existência de um outro que não o seja. Passamos, então, a designar

determinados locais como sujos, impuros e outros limpos, puros. E assim,

o puro e o limpo passam a ser adjetivos de ordem enquanto que o sujo, o

maculado, o feio, adjetivos de caos.

A partir do entendimento da ordem enquanto limpeza e do caos

enquanto sujeira inicia-se uma incisiva batalha dos seres humanos em

busca da ordem. Uma ordem que foi pensada para garantir o bem estar

dos seres humanos no mundo. Um novo mundo, o mundo moderno, um

59
“mundo em que as probabilidades dos acontecimentos não estejam

distribuídas ao acaso, mas arrumadas numa hierarquia estrita – de modo

que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos

prováveis, alguns virtualmente impossíveis” (Bauman, 1998: 15). É uma

ordem produzida pelos seres humanos, para que consigam viver, entender

e apropriar-se da melhor maneira possível do seu meio. Assim, ela deixa

de ser natural e passa a ser artificial – artefato humano.

Como fica a natureza nessa nova concepção de ordem?

Para a concepção moderna de ser, a natureza deixa de ser àquele

local ordenado naturalmente, passando a ser concebido como um local

desordenado, informe, inadequado para o desenvolvimento salutar dos

seres humanos. Um local “a ser dominado, subordinado, remodelado de

forma a se ajustar às necessidades humanas” (Bauman, 1999: 15). Assim,

os seres humanos passam a pensar, projetar, planejar a melhor forma de

viver de acordo com a natureza, instituindo uma nova ordem social. Uma

ordem que não tolera o indeterminado, o imprevisível, o obscuro, o

incerto, o indefinido, o incoerente, o incongruente, o incompatível, o

ilógico, o irracional, o ambíguo, o confuso, o ambivalente (ib.). Todos esses

adjetivos são atribuídos àquilo que a vontade de ordem moderna tenta

eliminar. Todos são adjetivos do caos, a negatividade que a positividade

da ordem tenta romper.

Se pensarmos na natureza – em seu estado natural, livre da

intervenção humana – lá encontramos as características de um local

tipicamente “caótico” do ponto de vista moderno, necessitando, portanto,

ser ordenado para melhor acomodação humana. Acomodação humana?

Qual a concepção de seres humanos do limiar da Modernidade? Para os

60
modernos, os seus predecessores mantinham uma relação estreita entre

os fenômenos naturais, cósmicos e sobrenaturais. Varela, referindo-se à

vida no Renascimento, diz que “o microcosmo era um reflexo do

macrocosmo e o homem se relacionava com todos os seres do universo

através de laços profundos e misteriosos" (1995: 40). O homem

encontrava-se estritamente ligado à sua “natureza natural” e, portanto,

para a concepção moderna, se encontravam em estado selvagem, animal,

necessitando, assim como a natureza, ser ordenado. Esse ato de

ordenação do homem é chamado de “civilização”.

Em suma, a “natureza natural” ganha, no limiar da Modernidade, a

característica de caótica e os seres humanos, que se encontram

estritamente ligados a ela, são concebidos como multidões confusas,

inúteis de corpos e forças, necessitando, portanto, serem, também,

ordenados.

Ordem e Poder Disciplinar

A tarefa de ordenação do mundo foi gestada para responder às

necessidades de uma conjuntura histórica específica. A partir do século

XVI, no mundo Ocidental, grandes transformações sociais, políticas,

econômicas e culturais aconteceram, contribuindo, consubstancialmente

para a formação do Estado Moderno. Em princípio, não posso deixar de

destacar que, a partir do final do século XVI e início do século XVII, a

burguesia se tornou “classe dominante”. Associadas de forma visceral a

tal fato histórico, duas transformações decisivas aconteceram,

contribuindo para que uma nova tática de poder se desenvolvesse,

61
paralela ao poder soberano  instituído na época -: a explosão

demográfica do século XVIII e o desenvolvimento industrial.

O demasiado aumento da população no século XVII, culminou com

“a grande explosão demográfica do século XVIII” (Foucault, 2000b: 180).

Fez-se necessário fixar as populações flutuantes, controlar e manipular

grupos populacionais em idades escolar e militar, bem como populações

doentes. Aliado ao crescimento populacional, o aparelho de produção

tornava-se “cada vez mais intenso e mais complexo, cada vez mais custoso

também, e cuja rentabilidade [urgia] fazer crescer” (ib.). É válido notar

que tais acontecimentos não devem ser vistos como causa anterior à

disciplinaridade, mas, antes, como um fenômeno em conexão com a nova

episteme que estava sendo gestada  é aquilo que Deleuze chama de

causa imanente.

Nesse contexto - burguesia, explosão demográfica e


implementação industrial -, desenvolveu-se aquilo que Foucault dá o nome
de uma nova tática de poder: poder disciplinar. Mas, o que é o poder

disciplinar? Essa é uma pergunta que Foucault não seria capaz de ajudar-

me a responder. Porém, se perguntar sobre como se processou essa nova

maquinaria de poder que contribuiu significativamente para o pleno

desenvolvimento da sociedade burguesa, chegando à concepção moderna

de ser, aí sim, posso encontrar em Foucault algumas ferramentas que

contribuam para a recomposição dessa trama histórica.

A missão que agora assumo se traduz em tentar entender o poder

disciplinar e, para isso, faz-se necessário recuar na história para

reconstituir as condições que possibilitaram a instituição do mesmo.

62
A mecânica geral do poder em uma sociedade de tipo feudal pode

ser chamada de Soberana, ou, aquela que rege seu poder “nos termos

soberano-súdito” (Foucault, 1999g: 187). Para Foucault, “quanto mais o

homem é detentor de poder ou privilégio, tanto mais é marcado como

indivíduo, por rituais, discursos, ou representações plásticas” (2000b:

160). Nesse sentido, na sociedade feudal a individualização é uma

característica exclusiva dos soberanos, pois apenas eles exercem um tipo

de poder sobre a população. Um poder que é eminentemente repressivo,

que retira, exclui dos corpos sua força natural, atendendo exclusivamente

aos interesses superiores.

Porém, segundo Foucault, o poder soberano, ficara “inoperante

para reger o corpo econômico e político de uma sociedade em via, a um só

tempo, de explosão demográfica e de industrialização” (Foucault, 1997:

298). Os olhos do soberano estavam voltados para a terra e seus

produtos, assim, o seu objetivo era o acúmulo de bens e riquezas.

Todavia, o corpo econômico e político que estava sendo instituído a partir

do século XVI voltava seus olhares para a produção. Necessitava de força

produtiva. Assim, no vácuo deixado pelo poder soberano gestou-se uma

nova e diferenciada mecânica de poder, onde a relação de forças

encontra-se difusa no tecido social. Foucault caracterizou essa nova

formatação do poder como mecânica de poder disciplinar, por não se

constituir enquanto aparelho, enquanto instituição ou enquanto soberania,

mas como um mecanismo que funciona como uma rede repleta de técnicas

e instrumentos de Poder. Segundo Foucault, “são métodos que permitem o

controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição

constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade –

utilidade” (apud Machado, 1999: XVII).

63
Estudando esses mecanismos disciplinares, Foucault percebeu que

eles foram os grandes responsáveis pela mudança de foco do poder. O

poder, que era de propriedade única e exclusiva do soberano, passa a

basear-se em “dois pólos de desenvolvimento, interligados por todo um

feixe complexo de relações” (Foucault, 1999j: 131). O primeiro centra-se

no corpo dos indivíduos, adestrando-o, ampliando suas aptidões,

extorquindo suas forças e, ao mesmo tempo, aumentando sua utilidade e

docilidade, “tudo isso assegurado por procedimentos de poder que

caracterizam as disciplinas: anátomo-política do corpo humano” (Ib.); e o

segundo pólo centra-se no corpo-espécie, ou seja, na população, criando

táticas de poder para gerir a vida, controla-la e regula-la em todas os

níveis de existência: “uma bio-política da população”. Segundo Foucault,

“as disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois

pólos em torno dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre a

vida” (Ib.). Foucault chama de biopoder o poder que toma a população

como objeto, para garantir a ela o direito à vida.

Nesse contexto, o poder deixa de ser eminentemente

centralizador e repressivo, passando a não mais pesar somente “como uma

força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao

prazer, forma saber, produz discurso” (Foucault, 1999b: 8). Essa nova

formatação do poder permite fazer circular seus efeitos “de forma ao

mesmo tempo contínua, ininterrupta, adaptada e ‘individualizada’ em todo

corpo social”(ib.).

Mas, que tecnologias de poder são essas

Estas são as técnicas do poder disciplinar e do biopoder que,

segundo Foucault, têm por tarefa “propiciar o crescimento das forças

64
dominadas, e o aumento das forças e da eficácia de quem as domina”

(1999g: 188). Cabe a pergunta: a quem interessa o domínio de tais forças?

Prosseguindo com Foucault, esse novo tipo de poder “é uma das grandes

invenções da sociedade burguesa” e foi “instrumento fundamental para a

constituição do capitalismo industrial e do tipo de sociedade que lhe é

correspondente” (ib.).

O poder disciplinar dissemina-se no corpo social, minando,

gradativamente, o poder soberano e criando condições para o pleno

desenvolvimento da sociedade capitalista.

Quais condições foram propiciadas pelo poder disciplinar?

Considerando que “as disciplinas são técnicas para assegurar a

ordenação das multiplicidades humanas (...) fazendo crescer, ao mesmo


tempo a docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema”

(Foucault, 2000b: 179-180 grifo meu), elas viabilizam, com eficiência, o

campo de ação do sistema emergente.

A seguir, valer-me-ei de alguns mecanismos do poder disciplinar

para evidenciar a tarefa de ordenação do mundo instituída pela concepção

moderna de ser. Nesse contexto, relatarei como a tarefa ordeira entra

em cena com a missão de eliminar a ambigüidade do mundo. Descreverei

como, na Modernidade, o adestramento dos corpos tenta abolir com as

multidões confusas e como o quadriculamento tenta eliminar com os

vazios espaciais.

65
Corpos adestrados

“O conceito de Natureza, na sua


acepção Moderna, opõe-se ao conceito
de Humanidade pelo qual foi gerado.
Representa o outro da Humanidade”

(Bauman, 1999: 48).

A epígrafe acima nos remete ao limiar da Modernidade, momento

em que os homens instituíram a ordenação do mundo como missão

primeira de seu projeto. Um projeto que objetivava “submeter as

populações dominadas a um exame completo de modo a transformá-las

numa sociedade ordeira, afinada com os preceitos da razão” (ib.: 29)

Assim, interessava ao projeto moderno transformar a realidade da

população, inserindo-a nos limites da razão.

A autoridade da razão torna-se suprema e fornece critérios para

avaliar o “tipo” de população necessária ao pleno desenvolvimento do

Estado Moderno. Um Estado em vias de Explosão Demográfica, Revolução

Industrial, sedento por pessoas aptas para lidar com a nova realidade,

necessitava romper com a condição presente da população. Esta mantinha

uma relação intrínseca com a natureza e percebia o mundo e a vida

humana, intimamente relacionados.

Em nome da suprema autoridade da Razão  e representando às

expectativas sociais dominantes  o Estado Moderno criou mecanismos

para deslegitimar a condição “selvagem, inculta” da população, propiciando

a segregação daqueles que persistissem em continuar nessas condições.

Segundo Bauman, os critérios ditados pela Razão “dividiam a população

66
em plantas úteis a serem estimuladas e cuidadosamente cultivadas e

ervas daninhas a serem removidas ou arrancadas” (1999: 29).

E, assim, o homem deixou de se perceber regido pelas leis naturais

e religiosas, passando a dar importância maior ao tribunal da Razão. Um

tribunal construído historicamente por intelectuais e políticos com o fito

de instituir uma nova ordem que diferisse frontalmente daquela natural.

Uma ordem artificial, projetada, planejada pela Razão para atender aos

interesses do sistema capitalista emergente. É a partir da instituição da

Razão que o homem se humaniza21, diferindo dos demais animais,

diferindo e distanciando-se da “natureza natural”.

O exercício da Razão desperta nos seres humanos o desejo de

superação, fazendo-os controlar, administrar, e buscar com que as coisas

sejam supostamente melhores do que são. “Ser melhor” para a situação

presente consiste em tornar-se cada vez mais produtivo. Considerando

que a natureza, deixada a seu “bel prazer”, não traria os resultados

esperados, esta passou a significar um objeto passivo, à espera das

intervenções dos seres humanos.

“Natureza acabou por significar algo que deve ser subordinado


à vontade e razão humanas – um objeto passivo da ação com um
propósito, um objeto em si mesmo desprovido de propósito e
portanto à espera de absorver o propósito injetado pelos
senhores humanos” (Bauman, 1999: 48)

Numa indicação de apropriação eficaz da natureza os homens

deveriam encontrar-se longe de seu estado natural, selvagem. Assim,

21
Segundo Rocha (2000: 136) “às palavras ‘humanização, humanizar’, usualmente se
associam todas aquelas qualidades modernas desejadas e utopicamente apregoadas:

67
necessitavam ser adestrados para melhor compreender/exercer sua

função junto ao emergente Estado Moderno. Para assegurar o

adestramento, uma nova mecânica de poder entra em cena, para tirar os

homens de seu estado de selvageria e torná-los produtivos.

Segundo Foucault, durante a Época Clássica  que precedeu a

moderna  houve uma redescoberta do corpo como objeto e alvo do

poder. Porém, isso não significa dizer que o corpo estivesse, até então, à

margem do poder, pois, “em qualquer sociedade o corpo está preso no

interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações,

proibições ou obrigações” (Foucault, 2000b: 118).

Conforme já mencionado no decorrer desta Dissertação, até o

século XVII, o poder soberano, unilateral, assimétrico, repressivo e

violento regia as populações. Apropriando-se dos corpos de seus súditos22

mediante repressão e violência, os soberanos traziam para si o direito de

vida e de morte sobre eles, com o qual o deixava viver ou o fazia morrer.

Nesse tipo de sociedade  da qual a Feudal é um bom exemplo ,

a relação de poder existente era regida pela violência exercida pelo

soberano  mais forte, ativo  agindo sobre os corpos de seus súditos

 mais fracos, passivos. Estes últimos tinham sua força física sugada

violentamente, submetendo-se, destruindo-se, fechando, assim, todas as

possibilidades que o seu corpo poderia oferecer.

justiça, fraternidade, igualdade, irmandade, democracia, paz, serenidade, felicidade,


amor, compaixão, entre outras que dizem respeito ao ‘caráter’ humano”
22
Foucault, explicitando a teoria clássica da soberania diz que o fato do soberano ter
direito de vida e de morte sobre seu súdito, transforma a morte em um fenômeno não
natural, localizado no campo do poder político. Segundo ele, “o súdito não é, de pleno
direito, nem vivo nem morto. Ele é, do ponto de vista da vida e da morte, neutro, e é
simplesmente por causa do soberano que o súdito tem direito de estar vivo ou tem

68
No entanto, a partir do século XVII, uma redescoberta do corpo

fez processar um deslocamento na forma de conceber o poder. O poder

soberano, paulatinamente torna-se menos produtivo, menos eficiente,

mais caro e, conseqüentemente, menos utilizado. Porém, o movimento da

sociedade torna-se cada vez mais intenso, necessitando de formas

eficazes de controle. Nesse contexto, aquela população confusa e inútil

de corpos e forças foi capturada por uma rede de relações de poder

denominada por Foucault como rede de poder disciplinar, um poder que

foi se instituindo, se legitimando gradativamente, dando origem, também

gradativamente, a uma nova época histórica, a uma nova sociedade,

denominada por Foucault como sociedade disciplinar.

Veiga-Neto (1996b), realizando uma analítica da disciplinaridade,

afirma que a disposição disciplinar se organiza em torno de dois eixos, o

cognitivo  disciplina saber  e o corporal  disciplina corpo ,


mostrando que ambos funcionam como dispositivos que asseguram a

docilidade e a utilidade de todos os elementos do sistema. Segundo ele o

eixo cognitivo refere-se a “cada um dos compartimentos nos quais se

dividem os saberes ou às maneiras como se fracionam e se articulam os

saberes” (1996: 57); e o eixo corporal “inclui os espaços e os tempos a

que o corpo se submete, os movimentos corporais e seus ritmos” (ib.).

Porém, é válido salientar que o referido autor faz essa divisão para

“estabelecer um campo argumentativo que [lhe] permita demonstrar (...)

que ambos são as duas faces de uma mesma moeda” (ib.). E assim, diz que

ambos estão subordinados um ao outro “e operam no sentido de inserir

direito, eventualmente, de estar morto. Em todo caso, a vida e a morte dos súditos só se
tornam direitos pelo efeito da vontade soberana” (1997: 286)

69
todos os indivíduos nessa sociedade, bem como de torná-los produtivos e

autogovernáveis” (ib.).

Nesse sentido, os dois eixos disciplinares  o cognitivo e o

corporal  contribuíram, no limiar da Modernidade, no sentido de tirar o

homem de seu estado de selvageria. As disciplinas corpo e saber

engendraram juntas o processo de fabricação do sujeito burguês. Um

sujeito que deveria aumentar sua utilidade, bem como sua obediência no

sistema produtivo emergente. Para isso, a disciplina “[aumentou] as

forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e [diminuiu] essas

mesmas forças (em termos políticos de obediência)” (Foucault, 2000b:

119). Para isso, “o corpo humano entra numa maquinaria de poder que o

esquadrinha, o desarticula e o recompõe” (ib.). No entanto, esse processo

não se deu por decreto, ou, como diria Foucault, não foi uma descoberta

súbita. Inúmeros fatores contribuíram para a construção de técnicas que

levassem a transformação da realidade selvagem dos seres humanos.

Foram processos que atuaram ao nível do detalhe, investindo de poder os

corpos daquela população até então tida como multidão confusa, inútil de

corpos e forças.

A atuação dessas técnicas minuciosas no corpo dos indivíduos

propiciou uma troca do eixo político da individualização. A partir da

inserção daquela população, antes dominada pelo Soberano, na maquinaria

disciplinar, os corpos humanos são instituídos de poderes que os tornam

individualizados, diferenciados, dotados de marcas próprias. Assim, a

individualização deixa de pertencer apenas ao soberano e insere-se no

corpo de todos os que se submetem ao poder disciplinar, ou, a todos os

que pretendem se inserir na sociedade produtiva. Nesse sentido, o poder

deixa de se centrar mais especialmente no soberano e passa às mãos de

70
toda a população. E são as relações assimétricas de poder entre

indivíduos e instituições que passam a produzir novas realidades. Segundo

Foucault,

O indivíduo é sem dúvida o átomo fictício de uma representação


‘ideológica’ da sociedade; mas é também uma realidade
fabricada por essa tecnologia específica de poder que se chama
a ‘disciplina’. Temos que deixar de descrever sempre os efeitos
e poder em termos negativos: ele ‘exclui’, ‘reprime’, ‘recalca’,
‘censura’, ‘abstrai’, ‘mascara’, ‘esconde’. Na verdade o poder
produz, ele produz realidade; produz campos de objetos e
rituais da verdade. O indivíduo e o conhecimento que dele se
pode ter se originam nessa produção (Foucault, 2000b: 161).

Quais dispositivos de poder são utilizados pelas disciplinas na

produção desses novos sujeitos, desses indivíduos

Com vimos, associado ao adventodesenvolvimento da economia

capitalista, engendraram-se bases para o surgimento de uma modalidade

específica de poder, tornando-o menos custoso, com maior possibilidade

de disseminação e maior eficiência dos mecanismos de controle da

população. Essas são três características do Poder Disciplinar que foram

instituídas, assegurando bases para a ordenação das multiplicidades

humanas. Para Foucault “As disciplinas substituem o velho princípio

‘retirada-violência’ que regia a economia do poder pelo princípio

‘suavidade-produção-lucro’”. (ib.: 180).

Os dispositivos de poder que atuam no corpo dos indivíduos,

tornando-os dóceis e produtivos, possibilitam uma re-definição do

governo das condutas dos mesmos. Enquanto antes era o Soberano quem

governava a conduta da população, a partir da constituição do poder

disciplinar essa missão mudara de foco, sendo transferida não apenas

71
para um conjunto cada vez mais ampliado de instituições, mas para o

próprio sujeito  que passou a se governar e a querer governar a conduta

do outro. Segundo Foucault, é possível encontrar tais dispositivos de

poder em funcionamento em diversos aparelhos ou instituições

disciplinares, como por exemplo, a família, a escola, a caserna, a fábrica,

o hospital, a prisão, entre outros. Esses dispositivos de poder agem no

sentido de moldar as características dos indivíduos tornando-os aptos a

viver no mercado competitivo. São locais fechados, que isolam os

indivíduos protegendo-os “do mundo e de seus prazeres, da carne e sua

tirania, do demônio e seus enganos” (Varela,1992: 76). O confinamento

vivenciado nesses espaços, bem como a maquinaria que ali funciona,

propiciam a transformação da personalidade dos indivíduos e passam a

regulamentar todas as manifestações de sua vida. Mas como isso é

possível

Para responder a essa questão recorro à análise de uma das formas

de confinamento que permeia a vida dos indivíduos desde que esses

passaram a ser considerados enquanto tal. Refiro-me à escola, uma

instituição que emergiu no século XVI e se encarregou de ocupar o tempo

das crianças, bem como localizá-las em espaços justos e convenientes com

vistas a romper com a realidade “selvagem” que lhe era peculiar. Vale

transcrever aqui um trecho do livro Vigiar e Punir, onde Foucault

descreve qual a função dos confinamentos a que os corpos eram

submetidos. Segundo ele,

[era] preciso anular os efeitos das repartições indecisas, o


desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação
difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de
antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração. Importa
estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como

72
encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis,
interromper as outras, poder a cada instante vigiar o
comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as
qualidades ou os méritos (Foucault, 2000b: 123).

A escola  e também o exército, hospitais, prisões, etc ,

valendo-se de dispositivos disciplinares, utilizou-se das novas

configurações do espaço e do tempo para atuar no corpo da população ali

inserida, redistribuindo-os e reorganizando-os no espaço, bem como

potencializando sua força de trabalho. Cada indivíduo passou a ocupar o

seu devido e justo lugar no espaço, de acordo com as suas características

peculiares, fato que propiciou ao poder disciplinar uma vigilância contínua

e funcional dos corpos, submetendo-os a sanções normalizadoras que

controlam suas condutas no sentido de não deixar que se desviem

daquelas tidas como normais, bem como a exames que passam a atuar

ininterruptamente sobre os indivíduos, qualificando-os, classificando-os,

punindo-os e tornando-os cada vez mais individualizados. Enfim,

subjetivando-os como seres aptos a viver na nova sociedade marcada pela

valorização do trabalho. Segundo Varela, “O espaço escolar, rigidamente

ordenado e regulamentado, tratará de inculcar [nos indivíduos] que o

tempo é ouro e o trabalho disciplina e que para serem homens e mulheres

de princípio e proveito, têm de renunciar a seus hábitos de classe e, no

melhor dos casos, envergonharem-se de pertencer a ela” (Varela, 1992:

91).

Aliada à organização do corpo dos indivíduos, a disciplina passa a

organizar, também, os saberes. Aqueles saberes locais e artesanais que

regiam as populações foram, também, ordenados, sendo reduzidos a áreas

do conhecimento, às ciências, às disciplinas.

73
Segundo Veiga-Neto, a partir do século XVI a disciplinaridade

rompe com a função de apenas “organizar e veicular” saberes leigos,

rígidos, estáveis e monótonos (trivium e quadrivium) — que atravessaram,

de modo bastante estável, praticamente toda a Idade Média —, passando

a funcionar “como uma condição de possibilidade para que se

estabelecesse a episteme clássica e, mais tarde, até mesmo a episteme

moderna” (1998: 108). As “novas” realidades econômicas, geográficas,

culturais, étnicas, precisavam ser percebidas, apreciadas, selecionadas e

transmitidas, fato que fora possível pela “dinâmica” da disciplinaridade.

As disciplinas passam a estruturar o mundo no pensamento humano,

representando, no pensamento, a “ordem” do mundo. A “ordem e a

representação encontram na disciplinaridade o veículo de expressão mais

eficiente e duradouro” (ib.: 106)

Com o declínio do pensamento cristão da Idade Média, quem toma o

lugar de Deus é o conhecimento científico, o conhecimento verdadeiro aos

quais os “homens” devem chegar. Para chegar a ele existe um caminho a

ser trilhado que é concebido como disciplinaridade:

Na ausência do Rei/Pastor, será a disciplinaridade que


orientará e facilitará o olhar do indivíduo para si mesmo e por
si mesmo, de modo que cada um – conhecendo seu lugar,
obrigações, limites, possibilidades na trama social – se
transforma em sujeito, porque é, ao mesmo tempo, objeto de si
mesmo (Veiga-Neto, 1995: 38).

Veiga-Neto (1996) chama este fenômeno, que se iniciou no século

XVI e proliferou até os nossos dias, de virada disciplinar. Segundo ele, as

disciplinas — enquanto saberes que se articulam — formam uma unidade

de saber ou, a “Nova Ciência Moderna”. Nesse contexto, a Ciência e a

74
disciplinaridade modernas, fundidas, tiram de cena “as coisas do espírito”

e passam a compreender, explicar e dominar  sempre representando e

ordenando , as coisas da Natureza. Segundo Foucault, a organização da

multiplicidade do conhecimento, sua colocação na ordem, foi crucial para

a subjetivação do sujeito burguês e contou com a redistribuição espacial

dos conhecimentos para sua efetividade.

A constituição do discurso da Ciência passa por um processo de

seleção, organização e controle, processo esse que opera no sentido de

inserir todos os indivíduos na sociedade moderna, bem como de torná-los

produtivos e autogovernáveis (Foucault, 2000b). No dizer do próprio

Foucault, as disciplinas funcionam como mecanismos de produção de

“corpos dóceis”, facilmente governáveis, manipuláveis.

Passando por esses mecanismos de individualização  novas

configurações do saber e do poder  os seres humanos deixam de ser

aquelas multidões confusas, inúteis ou perigosas (Foucault), ervas

daninhas a serem extirpadas (Bauman), transformando-se em

multiplicidades organizadas, racionais, produtivas, individuais, aptas para

viver e agir dentro da sociedade sadia, produtiva e ordeira.

O adestramento dos homens e a organização dos saberes

contribuíram significativamente para a consolidação do projeto de

ordenamento do mundo, um dos grandes ideais da sociedade moderna.

Tendo sido subjetivado para apropriar-se da natureza, colocando-a a seu

serviço, o homem moderno inicia uma incansável batalha contra os espaços

“vazios” da natureza, espaços a serem organizados de forma a atender às

necessidades dos seres humanos.

75
Espaços Quadriculados

A prática moderna (...) visa o preenchimento das manchas vazias


no compleat mappa mundi (...) não tolera o vazio (Bauman, 1999:
15-16).

Como vimos na seção anterior, o Estado Moderno teve como uma de

suas bases de sustentação a submissão das populações dominadas.

Deslegitimando a condição “selvagem e inculta” da população, o Estado

Moderno criou certas condições para o desenvolvimento das sociedades,

adestrando os corpos no sentido de instituir uma nova ordem que fosse

artificial, projetada. Tanto filósofos (Bacon, Locke, Descartes, Kant),

quanto políticos (Frederico, o Grande, por exemplo), trabalharam no

sentido de instituir e firmar o ordenamento.

Os corpos e os saberes foram ordenados ao mesmo tempo em que

os espaços foram sendo apropriados segundo orientações da razão

política e filosófica da época. Razão essa que tinha como premissa básica

a convicção de que “o caminho para uma sociedade [boa, sadia e ordeira]

passa pela domesticação final das forças naturais inerentemente caóticas

e pela execução sistemática, se necessário impiedosa, de um plano

racional cientificamente concebido” (ib.: 38).

Partindo dessa premissa, os homens do limiar da Modernidade

passaram a acreditar que apenas conquistando totalmente a natureza 

seus espaços vazios , alcançariam a utópica sociedade ordeira. Foi assim

que começaram a perceber a natureza como um objeto “maleável às

liberdades do homem” (ib.: 48), passando a não mais tolerarem os vazios

espaciais nela contidos.

76
Em que se caracterizam esses espaços vazio

Essa é uma questão a ser respondida historicamente. Harvey

(1989), analisando O tempo e o espaço do projeto do Iluminismo resgata o

sentido de compressão dos espaços do mundo na atualidade e atribui à

história do capitalismo fator que contribuiu preponderantemente para

uma visãoocupação diferenciada do espaço. Para esse autor, os espaços

foram “comprimidos”, acelerando os ritmos de vida e vencendo as

“barreiras espaciais em tal grau que por vezes o mundo parece encolher

sobre nós”23 (ib.: 219).

Compressãoencolhimento espaço-temporal é uma maneira de

enxergar o mundo propiciada pela episteme moderna. No entanto,

existiram condições históricas que propiciaram sua possibilidade e,

considero necessário resgatar a forma de apropriação do espaço na

racionalidade precedente pois foi ali que se instituíram as bases para

essa transformação. Nesse sentido, buscarei na história da espacialidade

as condições que possibilitaram a situação presente do espaço.

Entende-se que a sociedade feudal relacionava-se com o espaço de

forma confusa frente aos moldes precisos que a atualidade nos propicia

(satélites, mapas, etc). Naquele período o mundo era dividido em vários

mundos, isolados e independentes entre si, e seus habitantes não

compreendiam os espaços exteriores aos locais onde se situavam,

conceituando-o “como uma cosmologia misteriosa povoada por alguma

23
Harvey ilustra a compressão do espaço através da evolução dos meios de transportes
dos últimos 500 anos. Segundo ele, enquanto nos anos de 1500-1840 “a melhor média de
velocidade das carruagens e barcos a vela era de 16 km h”, a partir de 1960, os aviões a
jato, que transportam passageiros alcançam uma velocidade média de 800 a 1100 km por
h. Essas transformações propiciaram um encolhimento do espaço através do tempo.

77
autoridade externa, hostes celestiais ou figuras mais sinistras do mito e

da imaginação” (ib.).

Os espaços  lugares isolados  eram representados por artistas

que acreditavam “traduzir convincentemente o que tinham diante de seus

olhos (...)”. No entanto, essa visão de mundo  que impedia o homem de

aventurar-se rumo ao desconhecido  estava sendo minada por forças

econômicas, sociais, políticas e culturais que, pouco a pouco,

testemunharam uma reconstrução radical da visão do espaço. Harvey,

apoiando-se em análises sobre o espaço realizadas por Bourdieu, diz que

as experiências espaciais são veículos primários da codificação e

reprodução das relações sociais. Nesse sentido, a configuração das

experiências espaciais da Idade Média conduziriam, gradativamente, a

uma re-configuração. O complexo sistema de produção instituído a partir

do século XVI engendrou a organizaçãoordenamento do espaço de forma

que atendesse à sua demanda. Conforme diz Harvey, “A troca de

mercadorias materiais envolve a mudança de localização e o movimento

espacial (...) a eficiência na organização e no movimento espaciais é uma

questão importante para todos os capitalistas” (ib.: 209).

Nessa mesma linha de pensamento, Foucault considera que o espaço

é sempre um continente de poder social. Assim, considerando que o tempo

então vivido era tido como tempo de produção, de circulação da troca, de

giro do capital, o espaço se reorganizava de forma a se tornar uma nova

estrutura na qual o poder social pudesse se movimentar. Nesse sentido,

“os pensadores iluministas começaram a se ver às voltas com todo um

problema de ‘produção do espaço’ como fenômeno econômico e político”

(ib.: 233). Iniciou-se um processo de conquista e controle do espaço, um

processo que o projeto iluminista chamou de domínio da natureza: “sendo

78
o espaço um ‘fato’ da natureza, a conquista e organização racional do

espaço se tornou parte integrante do projeto modernizador” (ib.: 227).

Não mais pensavam o espaço para refletir a glória de Deus  como era

concebido na Idade Média  mas para propiciar a libertação do homem,

tornando-o indivíduo autônomo, ativo e dotado de consciência e vontade.

Vimos, então, que não apenas os corpos, mas o tempo e o espaço

foram se modificando para atender às necessidades de uma nova

episteme que estava se constituindo, a episteme moderna. A partir daí o


jogo do regime de verdades também muda. Não mais o medo do espaço

vazio, mas a necessidade de ocupá-lo... Não mais multidões confusas, mas

indivíduos aptos para ocuparem eficazmente seus lugares no espaço...

Sujeito e episteme moderna

A título de ilustração, mais uma vez peço licença a meu leitor para

inserir outra história que fez parte da minha vida, para exemplificar o

que venho tentando dizer. Desde o início desta Dissertação trago firme a

concepção de que nossas práticas, discursivas e não discursivas, são

reguladas por um conjunto de regras, normas, padrões  que Foucault

chama de episteme  que instituem regimes de verdades nas sociedades

distintas. Lendo toda essa teoria e pensando num dos pontos focais da

minha análise  os enunciados sobre Educação Ambiental proferidos por

professoras e professores da UNEMAT, Campus Universitário de

Cáceres  bem como em minha postura de indignação perante atitudes

que prejudiquem o Meio Ambiente, comecei a pensar sobre o porque eu

hoje penso assim, ou sobre o porque das professoras e professores

79
serem unânimes em seus discursos sobre a necessidade da Educação

Ambiental. Por que pensamos assim Ao final das entrevistas pareceu-me

tão natural que tanto elaseles como eu pensássemos da mesma maneira,

ou seja, todos nós vislumbrávamos a possibilidade de um mundo melhor

que poderia ser trazido pela Educação Ambiental.

Foi a partir dessa constatação que comecei a questionar essa

postura de “todasos”, inclusive a minha, em relação aos discursos sobre a

necessidade da Educação Ambiental. Nesse momento lembrei-me da

minha infância e da convivência com uma pessoa muito significativa em

minha vida  meu avô24. Um velho imigrante espanhol, de barbas brancas

e longas, de tez clara marcada pela ação do tempo, olhos esverdeados e

que tinha o hábito de contar histórias a suas netas e netos. Não histórias

da “carochinha” ou contos de fada, mas histórias vividas efetivamente,

histórias vivas de sua vida.

Sabedor da contribuição significativa da história de sua vida para o

desenvolvimento da cidade que ajudou a construir  Cáceres-MT  , meu

avô começou a gravá-las em fitas cassete, como ele mesmo diz: “para que

meus netos saibam, depois que eu for, do valor do trabalho de um homem

para o desenvolvimento de uma região inteira”.

Dezessete anos após, eu, uma de suas netas, terminando um curso

de especialização em História Moderna, lembrei-me de que essas fitas

poderiam ser o corpus empírico que precisava para escrever minha

monografia. A partir de um referencial teórico que rompia com a visão

tradicional da história  estudando autores que viam na história do

24
José Castrillon Lopez nasceu no ano de 1895, na Galícia, Espanha; imigrou para o
Cáceres, Mato Grosso, Brasil no ano de 1911  juntamente com mais cinco irmãos 
onde viveu, trabalhou e constituiu família até o ano de 1981.

80
cotidiano, na história das mentalidades, na história vista de baixo25,

outras possibilidades para produzir discursos sobre determinadas

realidades  resgatei aquele material de meu avô, re-construindo,

através de seus enunciados, um pouco da história de Cáceres no início do

século passado. Esse trabalho resultou na monografia intitulada

“Cotidiano da cidade de Cáceres através da memória de um imigrante

espanhol”. Nela, cito falas de meu avô que foram substanciais para que eu

compreendesse as diferenciações dos regimes de verdades de acordo

com cada sociedade ou, com cada episteme. Em seus discursos, regulados

pelos regimes de verdades instituídos na Modernidade, foi possível

perceber que ele tratava as questões ambientais de maneira diferente

dessa que concebo hoje como sendo a “melhor”. Os seus discursos falam

por si mesmos...

Era necessário construir uma cidade ordeira...

O que iam fazer seis irmãos em uma cidade como Cáceres Era
uma cidade que não tinha mais do que cinco ou seis casas de
material, o resto era tudo de adobe. Então resolvemos que
íamos construir casas. Meu irmão, Belarmino era construtor...
Mas, na cidade não tinha energia para fazer funcionar a serra.
Foi então que mandamos vir da Argentina, a primeira máquina
a vapor. Essa foi a primeira vez que Cáceres viu energia
elétrica em uma casa, e foi a nossa... Foi através dela,
também, que movimentamos bombas para levar água encanada
para a cidade... Nós tínhamos disposição para trabalhar pois o
trabalho não nos assustava. A lenha, pra tocar a máquina vinha
de canoa pelo rio, vinha por terra com carros com quatro
burros, aqui também não tinha carros... Eu, que ainda não
servia para nada, fui fabricar os tijolos. Eram aqueles tijolos

25
Peter Burke, diz em seu livro “A Escrita da História: novas perspectivas”, que a
história vista de baixo preenche duas funções importantes: “serve como corretivo à
história da elite (...) e abre a possibilidade de uma síntese mais rica da compreensão
histórica, de uma fusão da história da experiência do cotidiano das pessoas com a
temática dos tipos mais tradicionais de história” (1992: 53-54).

81
grandes de quatro quilos... arrancava-se o barro com os pés,
com a picareta, com a enxada...e, naquele forno na beira do
rio, fabricávamos vinte mil tijolos para construir novas casas.
Queimávamos o cal há quatro léguas dali, mas a areia já estava
ali, na beira do rio. O rio foi de grande ajuda pois, sabe-se o
valor da água. Cortávamos as cordilheiras do pantanal a
dentro, rio acima e, desembarcávamos no lugar mais alto... dali
púnhamos o atracado nos pés daquelas Piuveiras e Ipês que
estouravam no comprimento... derrubávamos na água e
vínhamos em duas canoas... amarrava aquelas toras e vinha
para a serra... fazia-se caibros, ripas e pronto, já tinha toda a
madeira da construção serrada... o Cedro não tinha por perto.
Viajávamos rio Paraguai acima daqui 10 léguas e lá se tinham
Cedros e Araputangas, eram as madeiras que precisávamos.
Qual era a mata que encontrávamos e que quem plantou foi
Deus!... Eram capões de Cedros que encontrávamos e,
arrancávamos quinhentas, oitocentas, até mil madeiras na
beira do rio...aquelas madeiras enormes, daquelas alturas
enormes que não voltam mais...E assim era, porque naquela
época as matas de Mato Grosso não queimavam, porque a
chuva aqui era normal.
O primeiro que fizemos foi o matadouro municipal. ... Foi o que
deu mais trabalho pois tínhamos que descobrir onde as coisas
que precisávamos estavam... Elas estavam escondidas no
pantanal, no brejo, na mata e tudo isso dava muito medo...
depois fizemos aquele prédio da prefeitura antiga... na frente
da prefeitura fizemos o Esporte Clube Humaitá e ao lado,
aquela casa bonita da família [não entendi o nome da família] e
o grupo escolar Esperidião Marques... As molduras das
fachadas eram feitas todas pelo meu irmão, e as pessoas
admiravam! Construímos também a pracinha, que na época era
chamada de jardim e que tinha um lindo coreto de ferro que já
veio pronto, de navio... É essa mesma que fica na beira do rio...
Aquele cais, também fomos nós e a nossa loja ficava na
frente... 26

26
Sempre que me referir a discursos ou enunciados que se caracterizem como corpus
empírico, utilizarei em itálico.
82
Era necessário extrair e exportar...

E assim era aquela grande riqueza de madeira e a grande


riqueza de poaia, e a grande riqueza da grande estrada que
Deus criou, que é o Paraguai... O Paraguai, o Seputuba, o Cabaçal
eram as nossas estradas... doce era a estrada, doce era
empurrar madeira, doce era levar a poaia... Compramos uma
lancha que fazia a carreteira de Cáceres à Corumbá...
Comprávamos toda a poaia que tinha e levávamos até Corumbá...
levávamos também a seringa, a madeira e peles de animais
silvestres... e, de lá trazíamos o trigo para fazer funcionar
nossa fábrica de macarrão, pão e bolacha. O trigo vinha da
Argentina...

Era necessário domar o medo que a natureza trazia...

O dinheiro era difícil de movimentar pois aqui não havia


banco... Tinha que levar o dinheiro para Cuiabá... viajava no
lombo de um cavalo, levando na garupa nunca menos que
setecentos réis, dinheiro que dava para construir sete prédios
dos maiores desta terra... O medo sempre atormentava.
Tínhamos medo dos espíritos da mata escura pela qual
tínhamos que atravessar... Mas, eu confiava naquilo que o meu
pai disse quando se despediu de mim. Eu tinha quinze anos e
ele falou: nunca passes perigo, nunca queiras quem te defenda,
que o homem não defende ninguém, quem defende é Deus.
Então tem fé e faz sempre o sinal da cruz, e podes marchar
com confiança que não te acontecerás nada, e é o que me
salvou! E eu tenho hoje a certeza dos perigos que passei...

Percebo que o corpo de meu avô  não só dele, mas de todos

aqueles que tiveram seus corpos sujeitados aos mecanismos disciplinares

de seu tempo  foi capturado pela rede de poder disciplinar que o tornou

indivíduo autônomo e capaz de governar suas condutas e a dos outros. No

entanto, essa liberdade que tinha para agir de acordo com a sua vontade

estava controlada pela necessidade de sua época, uma época que instituiu

83
a ocupação dos espaços vazios como missão primeira. Ele estava agindo

livremente (auto-governadamente), sem se dar conta de que sua

liberdade para pensar, projetar e agir rumo a um futuro melhor, ou mais

“civilizado”  como ele dizia , encontrava-se limitada por convenções

cúmplices com o regime de verdade vigente em seu tempo. Agia

naturalmente, sem se dar conta das regulações que estavam imanentes às

suas práticas.

Foucault, diz que o Estado Moderno se desenvolveu como uma

estrutura muito bem elaborada à qual os indivíduos podem ser integrados

segundo uma condição: “que se dê à individualidade uma nova forma e que

se submeta a um conjunto de mecanismos específicos” (apud Rose, 1998:

30). São esses mecanismos que agem no corpo dos indivíduos tornando-os

aptos para viverem no novo Estado. Nesse sentido, nossas ações, o nosso

comportamento perante o mundo, os nossos discursos e, inclusive, as

nossas emoções que acreditamos serem individuais e autônomas, são, na

verdade, “intensivamente reguladas” pelo regime de verdade da época.

Prosseguindo com Rose, encontro uma passagem que enfatiza que as

práticas do meu avô foram reguladas por uma rede de poderes que o

subjetivou segundo seus princípios.

“Durante os séculos XIX e XX, os territórios nacionais da


Europa e da América do Norte se tornaram cruzados por
programas para administração e reconstrução da vida social a
fim de produzir segurança para a propriedade e para a riqueza,
rentabilidade e eficiência da produção, virtude pública,
tranqüilidade e até mesmo felicidade. E a subjetividade se
tornou um recurso na administração dos problemas da nação”
(Rose, 1998: 35)

84
A visão que o Ocidente tinha sobre a América, no início do século

passado, era de um local repleto de espaços vazios que precisavam ser

eficazmente ocupados. Um local onde a natureza precisava ser

domesticada para servir ao homem. Foi nesse regime de verdade que meu

avô foi subjetivado, e assim, suas práticas discursivas e não discursivas,

encaminharam-se nessa direção. Nesse sentido, se pegarmos as lentes do

nosso regime de verdades para olharmos as práticas dele, certamente as

censuraríamos veementemente. No entanto, se deslocarmo-nos para o seu

regime de verdades  o que é uma difícil, se não impossível, missão 

veremos que suas ações vão ao encontro daquilo que a episteme em que

viveu convencionou como sendo a verdadeira e mais correta maneira de

agir. Tendo sido constituído segundo regimes de verdade que viam a

natureza natural como o grande inimigo, que necessitava ser dominada

pelos seres humanos, seria um contra-senso se ele fizesse o contrário.

Como vimos anteriormente, na seção “A Ordem do Discurso”, os

regimes de verdade de cada época histórica foram constituídos através

da seleção, organização e controle dos discursos que tornam-se

verdadeiros na medida em que diferem dos outros, então falsos. Meu avô

não fugiu à regra. Suas práticas, discursivas e não discursivas, foram

reguladas pela episteme moderna, foram atravessadas por um desejo e

um poder de estar agindo de acordo com os princípios verdadeiros da

época. Nesse sentido, suas ações representavam, aos seus olhos, a

vontade de “ordem e progresso” que “seria riqueza, fecundidade, força

doce e insidiosamente universal” (Foucault, 1999 a: 29).

85
CAPÍTULO IV

A ORDEM DO DISCURSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL

No capítulo anterior busquei descrever as condições que

possibilitaram as práticas discursivas e não discursivas sobre o meio

ambiente na episteme moderna, ressaltando os regimes de verdade que

engendraram a constituição do indivíduo de um certo tipo. Neste capítulo,

retomo os regimes de verdade da Modernidade, principalmente aquele

que institui a vontade de ordem como missão primeira de seu projeto,

para dizer da impossibilidade de sua concretude. Faço essa afirmativa

pautando minhas discussões no reconhecimento da predominância da

ambigüidade do mundo, fato que engendrou as condições necessárias para

que novos discursos fossem gestados, dando indícios de que um novo

regime de verdade sobre natureza estaria por vir: o regime de verdade

do movimento ambientalista.

Partindo desse princípio, problematizo certas condições que

possibilitaram a emergência do campo discursivo da Educação Ambiental

como alternativa para a resolução dos problemas Ambientais e para a

colocação do homem na ordem da “ambientalidade”27. Utilizando-me das

ferramentas oportunizadas por Foucault, a minha intenção não é tratar

da Educação Ambiental como um fenômeno que foi naturalmente

constituído, mas sim como um objeto histórico, ou seja, como um produto

histórico de práticas discursivas e não discursivas; como uma invenção

histórica e social. Nesse sentido, valho-me de narrativas históricas para

86
perceber que os discursos que “naturalmente” produzimos sobre a

necessidade da Educação Ambiental, foram constituídos em um tempo que

não é o nosso, porém, que regularam a nossa forma de pensar, ver e estar

no mundo.

Desordem, Feiura e Sujeira

Como vimos no capítulo anterior, a ordem, a beleza e a limpeza

foram alguns dos ideais que os homens modernos almejaram alcançar.

Nesse sentido, iniciaram uma batalha contínua com o fim de colocar todas

as coisas em seus justos e devidos lugares. No entanto, há coisas para as

quais não existe um lugar justo e devido, tornando, assim, o mundo dos

que procuram a ordem, a beleza e a limpeza, “pequeno demais” para

acomodá-las. A própria busca da ordem, da beleza e da limpeza revela a

impossibilidade de sua existência pois elas geram desordens, feiúras e

sujeiras. Ítalo Calvino, no livro Cidades Invisíveis, traduz, como ninguém,

a idéia que venho tentando desenvolver. É uma citação longa, porém,

oportuna para este momento da Dissertação:

A cidade de Leônia refaz a si própria todos os dias: a população


acorda todas as manhãs em lençóis frescos, lava-se com
sabonetes recém-tirados da embalagem, veste roupões
novíssimos, extrai das mais avançadas geladeiras latas ainda
intatas, escutando as últimas lengalengas do último modelo de
rádio.
Nas calçadas, envoltos em límpidos sacos plásticos, os restos da
Leônia de ontem aguardam a carroça do lixeiro. Não só tubos

27
Neologismo utilizado para enfatizar que, a partir de então, o Homem deve tornar-se
partícipe da problemática ambiental.

87
retorcidos de pasta de dente, lâmpadas queimadas, jornais,
recipientes, materiais de embalagens, mas também
aquecedores, enciclopédias, pianos, aparelhos de jantar de
porcelana: mais do que pelas coisas que todos os dias são
fabricadas vendidas compradas, a opulência de Leônia se mede
pelas coisas que todos os dias são jogadas para dar lugar às
novas. Tanto que se pergunta se a verdadeira paixão de Leônia
é de fato, como dizem, o prazer das coisas novas e diferentes,
e não o ato de expelir, de afastar de si, expurgar uma impureza
recorrente. O certo é que os lixeiros são acolhidos como anjos
e a sua tarefa de remover os restos da existência do dia
anterior é circundada de um respeito silencioso, como um rito
que inspira a devoção, ou talvez apenas porque, uma vez que as
coisas são jogadas fora, ninguém mais quer pensar nelas.
Ninguém se pergunta para onde os lixeiros levam os seus
carregamentos: para fora da cidade, sem dúvida; mas todos os
anos a cidade se expande e os depósitos de lixo devem recuar
para mais longe; a imponência dos tributos aumenta e os
impostos elevam-se, estratificam-se, estendem-se por um
perímetro mais amplo. Acrescenta-se que quanto mais Leônia se
supera na arte de fabricar novos materiais, mais substancioso
torna-se o lixo, resistindo ao tempo, às intempéries, à
fermentação e à combustão. É uma fortaleza de rebotalhos
indestrutíveis que circunda Leônia, domina-a de todos os lados
como uma cadeia de montanhas.
O resultado é o seguinte: quanto mais Leônia se expande, mais
coisas acumula; as escamas do seu passado se solidificam numa
couraça impossível de se tirar; removendo-se todos os dias, a
cidade conserva-se integralmente em sua forma definitiva: a do
lixo de ontem que se junta ao lixo de anteontem e de todos os
dias, anos e lustros (Calvino, 1995: 105-106).

Trouxe essa citação de Calvino por considerar que ele conseguiu

captar as sutilezas da impossibilidade da consolidação da ordem

idealizada no mundo moderno, um mundo notoriamente instável e que, na

tentativa constante de alcançar a estabilidade  a ordem  cria sempre

e cada vez mais incisivamente novas instabilidades, novas desordens.

88
A tarefa a que a Modernidade se conferiu foi, justamente,

eliminar a desordem para instituir a ordem. Por isso, criou mecanismos

para nomear, classificar, fixando sentidos às coisas do mundo,

acreditando poder eliminar as possibilidades do imprevisto, acreditando

poder eliminar toda a ambigüidade do mundo natural e social (Veiga-Neto,

2000c: 3). Tudo isso em busca de um outro mundo que sempre

acreditaram existir: aquele mundo ideal, platônico, onde se pensa ser

possível conhecer a perfeição das formas ordenadas, a verdade absoluta,

a arte pura, a humanidade, a harmonia (Bauman, 1999: 17). No entanto,

percebemos com a citação de Calvino, que essa possibilidade tornou-se

impossível pois, quanto mais o homem buscou a ordem, a beleza, a limpeza

de seu meio, mais ele produziu a desordem, a sujeira e a feiúra 

estranhos, anomalias a serem retiradas, que viveram e sobreviveram “num

estado de extinção contida”. Nesse sentido, prosseguindo com Bauman, os

instituidores da ordem  dentre eles evidencio o papel dos precursores

das ciências sociais nascidas na era do Iluminismo  não conseguiram

cumprir com a tarefa que prometeram.

Ao mesmo tempo em que não cumpriram com as promessas de

alcançar esse “mundo melhor”, produziram, sem consciência ou intenção,

“o autoconhecimento da sociedade moderna, de uma sociedade

contingente, de uma sociedade entre muitas, a nossa sociedade” (Heller,


A. apud Bauman, 1999: 244). Como diz Bauman,

Houve a tarefa de aumentar as colheitas agrícolas  cumprida


graças aos nitratos. E houve a tarefa de estabilizar o
fornecimento de água  cumprida graças ao estancamento do
fluxo dos rios por meio de represas. Depois veio a tarefa de
purificar os reservatórios de água envenenados pelo despejo de
nitratos não absorvidos  cumprida graças à aplicação de

89
fosfato em estações especialmente construídas para o
processamento de águas servidas. Depois veio a tarefa de
destruir as algas tóxicas que proliferam em reservatórios ricos
de compostos de fosfato... (Bauman, 1999: 21).

Nesse contexto, considero o reconhecimento de ambigüidades

desse tipo, presentes no mundo, como condição de possibilidade para se

começar a instituir um novo regime de verdade para, novamente, governar

nossas condutas em relação ao Meio Ambiente. Foi a partir do

reconhecimento de que quanto mais se tentou instituir a ordem 

buscando resolver problemas sociais e naturais  mais problemas foram

criados28, que começaram a ser engendrados novos discursos no sentido

de questionar as bases sobre as quais a sociedade moderna se instituiu,

constituindo, assim, as condições de possibilidade para a criação de um

novo regime de verdade: o regime de verdade do movimento

ambientalista, que trouxe consigo a Educação Ambiental como um novo

dispositivo disciplinar.

A interdiscursividade e a Educação Ambiental

Nós precisamos proteger o nosso pantanal. Ele é o nosso meio


ambiente. Protegê-lo significa possibilidade de vida no futuro.
Para isso, precisamos educar nossos alunos para que eles

28
Considero que o marco para que o reconhecimento do “caos” se processasse aconteceu
quando, do outro lado deste nosso mundo, em Hiroshima e Nagasaki, populações inteiras
sentiram seus olhos ofuscarem subitamente pelo clarão das bombas atômicas que caíam
sobre si. A partir dessa experiência, os seres humanos tiveram ciência de que aquele
dispositivo fabricado com fins de manter determinada ordem possibilitava a destruição
total do Planeta Terra. Fazendo valer, assim, a teoria de que, quanto mais segura é a
forma de ordenamento criada, “mais incoerente e menos controlável o caos resultante”
(Bauman, 1999: 21)

90
tenham consciência de que não podem praticar atos que
prejudiquem o meio ambiente... Acho que através da Educação
Ambiental é possível propiciar para as futuras gerações um
ambiente de vida saudável. Devemos falar sobre isso com
nossos alunos aqui na UNEMAT, pois assim estaremos
sensibilizando-os em relação aos males que a humanidade já
causou ao meio ambiente. (Prof. A – Geografia).

Retirei a epígrafe acima de uma das falas proferidas pelas

professoras e professores dos cursos de licenciatura da UNEMAT, por

entender que ela expressa um sentimento comum entre todos os

enunciados proferidos, coadunando, inclusive, com o meu pensamento29 na

época em que essa entrevista se processou. Trouxe-a, aqui, com o

objetivo de marcar a similaridade dos discursos então proferidos  que

trazem a Educação Ambiental como missão primeira  para, a partir daí,

mapear a rede interdiscursiva que deu sustentação para que esse

discurso fosse dito dessa maneira e não de outra.

Como aprendi com Foucault, nossos discursos são controlados,

selecionados, organizados, distribuídos por um certo número de

procedimentos que têm por função nos conduzir a pensar, comportar e

agir da maneira que seja concebida como a mais correta e verdadeira, nos

fazendo ser aceitos e compreendidos em nossos grupos. Nesse sentido,

para entender o porque das professoras e professores estarem

reivindicando a necessidade da Educação Ambiental, faz-se necessário

entender a rede interdiscursiva que se estendeu sobre aquelas pessoas, e

que alicerçou o terreno para que seus enunciados fossem proferidos

nessa direção.

29
Em todos os momentos em que me referir aos discursos das professoras e
professores da UNEMAT, incluo-me nesse bojo por considerar que o meu pensamento,
naquela época, não diferia do delaseles.

91
Como já mencionei na seção anterior, considero que a partir do

momento em que os homens reconheceram a ambigüidade do mundo,

ocasionada centralmente pela busca compulsiva da ordem, progresso, bem

estar, etc, esses passaram a produzir novos discursos no sentido de, mais

uma vez, colocar o mundo em ordem. No entanto, esses novos discursos

não mais requerem a ordem através da dominaçãoapropriação dos vazios

espaciais  como aconteceu no limiar da Modernidade  requerendo,

sim, o re-ordenamento daquilo que passam a conceber como “caos”

ambiental. O reconhecimento das ambigüidades existentes no mundo

começa a se processar discursivamente a partir da segunda metade do

século XX, momento em que inicia o entrelaçamento de fios que mais

tarde formarão a rede discursiva na qual a Educação Ambiental encontra-

se inserida. Necessário se faz, então, puxar alguns desses fios para

compreender a trama discursiva que se constituiu historicamente e que

deu sustentação para que os enunciados das professoras e professores

da UNEMAT se processassem no sentido de reivindicar a necessidade da

Educação Ambiental.

A bióloga e jornalista norte-americana, Rachel Louise Carson

(1907-1964), nascida em Springdale, Pennsylvania, especialista em

preservação ambiental iniciou, na década de sessenta, um movimento de

alerta mundial em relação à problemática ambiental. Escreveu, em 1962, o

livro Primavera Silenciosa, onde questiona o uso de pesticidas químicos,

relacionando-os à perda da qualidade de vida na Terra. Esse livro

representou um alerta mundial sobre a necessidade de preservação do

ambiente, suscitando discussões e inquietações a nível mundial sobre a

problemática ambiental, tornando-se, segundo Grün, “um clássico do

ambientalismo contemporâneo” (2000: 16).

92
A partir desse, vários outros discursos vieram à tona,

fortalecendo um movimento ambientalista que começava a “alçar vôos”.

Em 1968, “um grupo de trinta especialistas de várias áreas (...) passou a

se reunir em Roma para discutir a crise atual e futura da humanidade”

(Dias, 1992: 41), fundando, assim, o Clube de Roma. No mesmo ano, a

delegação da Suécia na ONU, alertou para a “crescente degradação do

ambiente humano”. Em 1971 é a vez da Grã-Bretanha tornar pública sua

preocupação com o meio ambiente através do documento A Blueprint for

Survival  Um Esquema para a Sobrevivência  e, em 1972 o Clube de


Roma publica o relatório The Limits of Growth  Os limites do

crescimento  que “denunciava a busca incessante do crescimento da

sociedade a qualquer custo, e a meta de se tornar cada vez maior, mais

rica e poderosa, sem levar em conta o custo final desse crescimento” (ib.:

43).

Esses discursos apontaram indícios de que um novo Regime de

Verdade estava se engendrando com vistas à re-ordenar as esferas

sociais e devolver aos indivíduos o “bem estar” e a “segurança” que

precisavam para continuar desenvolvendo suas ações. Um regime que

tomava como “verdade” a necessidade de questionar os modelos sociais,

políticos, econômicos e culturais da sociedade capitalista e engendrar

uma nova formatação para o desenvolvimento. Era o regime de verdade do

movimento ambientalista que chegava, constituído pela vontade de poder

peculiar a todos os indivíduos ali envolvidos, querendo instituir a sua

verdade através da produção de novos discursos, de novos saberes. Grün

diz que “a proteção da natureza, o não-consumo, a autonomia, o pacifismo

eram apenas algumas das muitas bandeiras empunhadas por aqueles que

começavam a ser chamados de ecologistas’” (2000: 16).

93
A partir da década setenta do século passado, grandes eventos

ligados à questão ambiental não cessaram de acontecer e esses

engendraram novos saberes ligados ao novo regime de verdade que foi se

instituindo. Um campo de saber que fica evidente nesses novos discursos

é a Educação Ambiental como forma de garantir a tão sonhada

“consciência” das futuras gerações e, conseqüentemente, um mundo

melhor.

No ano de 1972 representantes de 113 países participaram, na

Suécia, da Conferência de Estocolmo  “Primeira Conferência das

Nações Unidas sobre o Meio Ambiente” , momento em que a alarmante

destruição ecológica causada pelos processos produtivos foi

veementemente enfatizada, discutindo-se ainda a necessidade de tornar

as práticas produtivas “ecologicamente sustentáveis, economicamente

suportáveis e socialmente eqüitativas” (Leff, 1995: 11). Segundo a

Declaração sobre o Ambiente Humano  dessa Conferência advinda ,

essa atitude requeria uma mudança de mentalidade, e, conseqüentemente,

de comportamento dos indivíduos, fato que somente seria possível a

partir de uma sensibilização de todos os segmentos da sociedade através

da incorporação da dimensão ambiental no sistema educativo e da

formação de recursos humanos de alto nível.

É indispensável um trabalho de educação em questões


ambientais, visando tanto as gerações jovens como os adultos,
dispensando a devida atenção ao setor das populações menos
privilegiadas, para assentar as bases de uma opinião pública
bem informada e de uma conduta responsável dos indivíduos,
das empresas e das comunidades, inspirada no sentido de sua
responsabilidade, relativamente à proteção e melhoramento do
meio ambiente, em toda a sua dimensão humana (Declaração
sobre o Ambiente Humano, apud Dias, 1992: 273 - grifo meu).

94
A Educação Ambiental ganha, nessa Conferência, o “status de

‘assunto oficial’ na pauta dos organismos internacionais (...) [tendo] uma

‘importância estratégica’ na busca pela qualidade de vida” (Grün, 2000:

17). É possível perceber que a Educação Ambiental requerida nesse

documento remete à necessidade de re-orientar a conduta dos indivíduos

visando assegurar o seu próprio bem-estar no futuro. Rose (1999)

realizando uma analítica da governamentalidade diz que essa deve ser

analisada como um certo tipo de maquinaria intelectual capaz de tornar

determinada realidade pensável. Segundo ele, “estabelecem-se

tecnologias da subjetividade que permitem que as estratégias do poder

se infiltrem nos interstícios da alma humana” (ib. 40) .

Analisando os enunciados proferidos pelas professoras e

professores da UNEMAT, percebo que a Educação Ambiental pode ser

considerada como uma nova tecnologia de subjetividade capaz de tornar a

realidade  “caótica”  do meio ambiente, pensável. Percebo em seus

enunciados que através do desenvolvimento da Educação Ambiental,

eleselas acreditam ser possível inserir o ser humano na ordem da

ambientalidade e, com isso, gerir sua maneira de comportar perante o

meio ambiente. Foi possível perceber em seus enunciados, que elaseles

foram subjetivados e estão subjetivando suas alunas e alunos na ordem

da ambientalidade:

...Acho que trabalhando com temas relacionados ao meio


ambiente possibilito com que meus alunos vejam o mundo como
um todo, incluindo todos os seus problemas... e tentamos,
através da educação, resolvê-los... Desenvolvo atividades em
sala de aula que chamo de Educação Ambiental pois propicio aos
meus alunos a possibilidade de refletirem sobre seu
comportamento perante o meio ambiente, levando-os a se

95
conscientizarem de seu papel para a resolução da problemática
que assola o nosso ecossistema. Acho que estou cumprindo com
o meu papel de educadora ambiental (Prof. A - Biologia).

Percebo, então, que foi na Declaração de Estocolmo que a Educação

Ambiental emergiu pela primeira vez, de modo sistemático, como um novo

campo do saber que já na sua constituição fora dotado de um

“superpoder” que seria capaz de equacionar a problemática ambiental.

Fato que me fez começar a enxergá-la como um novo dispositivo de poder

que estaria entrando em funcionamento na maquinaria disciplinar no

sentido de governar as condutas dos indivíduos para instituir uma nova

vontade de ordem: a vontade de ordem ambiental. O poder da Educação

Ambiental torna-se, nesse sentido, um mecanismo de controle: está nela

explícito um desejo de controlar a conduta das pessoas, desejo esse

traduzido na vontade de explicar como deve se processar o

comportamento dos indivíduos perante o Meio Ambiente. É um campo de

saber, dotado de poder, que atribui a si próprio um lugar de destaque na

constituição da nova ordem ambiental.

Dando prosseguimento às recomendações da Conferência de

Estocolmo, em 1975 ocorre, em Belgrado, Iugoslávia, o Encontro

Internacional em Educação Ambiental, que reuniu especialistas de 65

países, e culminou com a definição da necessidade de uma nova ética

global, que priorize uma distribuição eqüitativa dos recursos da Terra, e

[atenda] as necessidades dos povos. No entanto, a Carta de Belgrado,


documento advindo desse Encontro, diz:

Antes que essa e outras mudanças de prioridades sejam


atingidas, milhões de indivíduos deverão ajustar as suas
próprias prioridades e assumir uma ética global individualizada,
96
refletindo no seu comportamento o compromisso para a
melhoria da qualidade de vida do meio ambiente e da vida de
todas as pessoas.

A reforma dos processos e sistemas educacionais é central


para a constatação dessa nova ética de desenvolvimento e
ordem econômica mundial. Governantes e planejadores podem
ordenar mudanças, e novas abordagens de desenvolvimento
podem melhorar as condições do mundo, mas tudo isso se
constituirá em soluções de curto prazo se a juventude não
receber um novo tipo de educação (...).
Esta nova Educação Ambiental deve ser baseada e fortemente
relacionada aos princípios básicos delineados na Declaração das
Nações Unidas na Nova Ordem Econômica Mundial (Carta de
Belgrado, apud Dias, 1992: 66 - grifos meus).

Mais uma vez a Educação Ambiental é instituída de poderes que a

tornam capaz de resolver a problemática ambiental e constituir uma nova

ordem no mundo. Resolução essa que passa, necessariamente, pela

transformação da conduta das pessoas, fato que se torna possível

através da educação escolarizada30. Os corpos dos indivíduos devem

passar pela maquinaria escolar para tornarem-se aptos a viver

“harmonicamente” com o meio ambiente: Eu acho que é através da

Educação Ambiental que poderemos mudar a maneira que nos


comportamos perante o meio ambiente. Eu desenvolvo minhas ações em
sala de aula pensando que posso transformar a realidade dos meus alunos
e, conseqüentemente, transformar a realidade ambiental onde vivemos
(Prof. B – Geografia).

Porém, os documentos até então analisados, ainda não deram conta

de estabelecer as regularidades através das quais a Educação Ambiental

deve permear. Mas isso não estaria longe de acontecer. Em 1977

30
Analisarei mais detidamente o papel da maquinaria escolar na próxima seção.

97
aconteceu em Tibilisi, Geórgia, ex-URSS, a Primeira Conferência

Intergovernamental Sobre Educação Ambiental, organizada pela

UNESCO, contando com a colaboração do Programa das Nações Unidas

para o Meio Ambiente  PNUMA. Reiterando os princípios estabelecidos

na Conferência de Estocolmo, o documento tirado desta Conferência

avança no sentido de estabelecer critérios que deveriam contribuir na

orientação dos esforços para o desenvolvimento da Educação Ambiental,

a nível regional, nacional e internacional. Vale transcrever aqui, partes da

Recomendação n 2 dessa Conferência:

As finalidades da Educação Ambiental:

a) ajudar a fazer compreender, claramente, a existência e a


importância da interdependência econômica, social, política e
ecológica, nas zonas urbanas e rurais;
b) proporcionar, a todas as pessoas, a possibilidade de
adquirir os conhecimentos, o sentido dos valores, as atitudes, o
interesse ativo e as atitudes necessárias para proteger e
melhorar o meio ambiente;
c) induzir novas formas de conduta nos indivíduos, nos grupos
sociais e na sociedade em seu conjunto, a respeito do meio
ambiente.
Para alcançar esses objetivos, foram instituídas as seguintes

categorias para permear o trabalho da Educação Ambiental junto a

indivíduos e grupos sociais: despertar a consciência do meio ambiente;

ajudar a conhecerem o meio ambiente; mudar o comportamento perante

meio ambiente; suscitar habilidades necessárias para determinar e

resolver os problemas ambientais; proporcionar a participação ativa nas

tarefas relativas ao equacionamento dos problemas do meio ambiente.

Dentre um emaranhado de princípios básicos dos discursos

produzidos sobre a Educação Ambiental, surge um que a torna

98
diferenciada dos outros mecanismos disciplinares de controle dos corpos

 a interdisciplinaridade. A Educação Ambiental deve aplicar um enfoque

interdisciplinar, aproveitando o conteúdo específico de cada disciplina, de


modo que se adquira uma perspectiva global e equilibrada (item “c” da
Recomendação 2). Essa é uma das características que foi evidenciada

mais incisivamente nas falas das professoras e professores dos cursos de

licenciatura da UNEMAT:

...entendo meio ambiente como exatamente tudo o que está em


nossa vida, ao nosso redor... então, percebo as questões
ambientais assim, não em uma visão fragmentada, mas, numa
visão holística mesmo... e essa visão holística não é possível ser
propiciada trabalhando disciplinarmente. Por isso, eu procuro
trabalhar minha disciplina interdisciplinarmente. Busco
conceitos de outras áreas, busco outros professores que
estejam mais autorizados do que eu, mas não deixo que meus
alunos saiam sem entender a interação dos conhecimentos e
desses com o mundo em que estamos vivendo (Prof. A -
Pedagogia).

O documento é tão completo no sentido de instituir as

regularidades do discurso da Educação Ambiental que, além de

estabelecer os princípios acima mencionados, estabelece as

responsabilidades de cada país para com o desenvolvimento da Educação

Ambiental Interdisciplinar, ditando normas para sua organização à nível

de: estrutura orgânica; setores da população aos quais está destinada a

Educação Ambiental; conteúdos e métodos; formação de pessoal; material

de ensino e aprendizagem; difusão da informação; pesquisa em Educação

Ambiental e cooperação regional e internacional.

99
Após a Conferência de Tibilisi, várias sementes do discurso da

Educação Ambiental foram lançadas no mundo31 e, assim, a vontade desse

saber foi se consolidando. No Brasil não foi diferente. No ano de 1981 o

então Presidente João Figueiredo sancionou a Lei n 6938 que dispõe

sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de

formulação. Segundo Dias esse documento “constitui-se num importante

instrumento de amadurecimento e consolidação da política ambiental no

Brasil”. Nesse documento, a especificidade da Educação Ambiental não

foi agraciada. Entretanto, esse discurso já estava sendo veiculado em

Seminários, encontros e debates oferecidos por Instituições

governamentais e não governamentais.

Associada a essa vontade de poder que foi sendo constituída, a

vontade de saber da Educação Ambiental também se processou. Nesse

contexto, a consolidação do discurso da Educação Ambiental como a

verdade do momento encaminhava-se nessa direção. No ano de 1987, após


incisivas reivindicações do movimento ambientalista no Brasil, o Plenário

do Conselho Federal de Educação (MEC) aprovou o parecer 22687, que

propõe a inclusão da Educação Ambiental nos conteúdos das propostas

curriculares das escolas de primeiro e segundo graus. Esse documento

sugere a formação de uma equipe interdisciplinar e de um Centro de

Educação Ambiental em cada unidade da Federação, e estabelece


alternativas de execução do planejamento para a Educação Ambiental.

São evidenciados os seguintes problemas ambientais a serem enfocados

nos currículos de 1 e 2 graus: saúde, higiene e nutrição; agrupamentos

31
Dias (1992) realiza um apanhado cronológico sobre acontecimentos correlatos ao
desenvolvimento da Educação Ambiental.

100
humanos e urbanismo; contaminação; organização e administração;

catástrofes naturais e recuperação do patrimônio cultural.

Esse parecer é a manifestação daquela vontade de saber e de

poder  do movimento ambientalista advindas  que alcançou seu ápice

um ano depois. Em 1988 é promulgada a primeira Constituição Brasileira

que traz em seu bojo um Capítulo específico sobre Meio Ambiente. Nesse

momento, a vontade de verdade da Educação Ambiental passa a

constituir-se, oficialmente, como a verdade do momento. Em seu Capítulo

VI  Do Meio Ambiente , art. 225, parágrafo primeiro, item VI, diz

que cabe ao Poder Público: promover a Educação Ambiental em todos os

níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio


ambiente.

No decorrer da década de oitenta inúmeros outros eventos

aconteceram no Brasil e no mundo, legitimando ainda mais o discurso da

Educação Ambiental enquanto verdade que todos deveriam buscar  um

novo campo do saber que deve permear o cotidiano dos sistemas

educativo. No entanto, no final da década de oitenta a Assembléia Geral

das Nações Unidas convocou um encontro global para elaborar

estratégias que interrompessem e revertessem os efeitos da degradação

ambiental. Como resposta à essa convocação, a comunidade internacional

se reuniu no Rio de Janeiro, Brasil, no ano de 1992 para discutir e

deliberar sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. O evento foi

denominado Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e

Desenvolvimento  ou simplesmente ECO-92  e contou com a

participação de 170 países. Políticos, cientistas, pesquisadores, ativistas,

professores, estudantes, entre outros, discutiram uma agenda de

compromissos que fossem consensuais em relação ao ambiente e ao

101
desenvolvimento mais sustentável para o século XXI, resultando no

documento intitulado “Agenda 21”. O Capítulo 36 desse documento dispõe

sobre a Educação, capacitação e sensibilização pública. Nessa seção é

possível perceber que seus gestores partiram do princípio de que a

maioria das pessoas não entende a íntima relação entre as atividades


humanas e o ambiente, por ignorância ou informação inadequada,
atribuindo ao processo educacional a responsabilidade para modificar

valores e atitudes nos seres humanos, propiciando habilidades

necessárias para o processar do desenvolvimento sustentável 

requerido nesse mesmo documento.

De volta ao cenário nacional, acatando inúmeras manifestações no

sentido de legitimar a necessidade da Educação Ambiental e fazendo

valer a Constituição Brasileira, no ano de 1999 o Presidente da República

sancionou a Lei n 9795 que dispõe sobre a necessidade da Educação

Ambiental no País. Diz a Lei:

Cap.I Art. 2 - A Educação Ambiental é um componente


essencial e permanente da educação nacional, devendo estar
presente, de forma articulada, em todos os níveis e
modalidades do processo educativo, em caráter formal e não
formal.
Cap. I Art. 3 - (…) todos têm direito a Educação Ambiental,
incumbindo (...) às instituições educativas, promover a Educação
Ambiental de maneira integrada aos programas educacionais
que desenvolverem.

Vimos, então, um novo regime de verdade nascer graças à vontade

de poder do movimento ambientalista. Juntas, pessoas do mundo inteiro

expressaram essa vontade  que foi gestada após a produção do discurso

da ambigüidade  instituindo um novo regime de verdade na episteme

102
moderna: o regime de verdade do movimento ambientalista. Regime esse

que quer romper com o modelo desenvolvimentista, pautando-se na

mudança de comportamento das pessoas. Como forma de garantir sua

legitimidade, esse movimento instituiu o campo discursivo da Educação

Ambiental. Assim, é possível perceber, ainda, que os discursos da

Educação Ambiental advindos dos grandes eventos nacionais e

internacionais, bem como as leis nacionais, foram entrelaçados, formando

uma rede interdiscursiva pela qual passaram as professoras e

professores dos cursos de licenciatura da UNEMAT, delimitando de que

maneira seus enunciados a esse respeito deveriam ser proferidos.

Educação Ambiental: princípios e fins Iluministas

Como vimos em Foucault, “cada sociedade tem seu regime de

verdade, sua ‘política de verdade’: isto é, os tipos de discursos que aceita

e faz funcionar como verdadeiros” (Foucault,1999b: 12). Vimos também

que a sociedade moderna, atenta à problemática ambiental que produziu,

na tentativa de instituir uma nova ordem, engendrou um novo regime de

verdade para instituir um novo ordenamento. Esse novo regime pautou-se,

novamente, no re-ordenamento dos corpos dos indivíduos, no re-

ordenamento dos saberes. O indivíduo precisava conceber o modo de

conduzir a sua conduta de maneira diferenciada: precisava romper com

certos aspectos do pensamento cartesiano, principalmente ao que se

refere à idéia de que a Natureza deve significar algo a ser subordinado à

103
vontade e à razão humana, ou seja, de que ela é um objeto32 maleável às

liberdades dos seres humanos.

Assim sendo, foram produzidos os novos discursos no sentido de

re-conduzir as condutas dos corpos e dos saberes dos indivíduos, na

tentativa de instituir uma nova ordem: a ordem da preservação ambiental.

Os Corpos

A teorização educacional moderna parte do princípio de que, para o

“homem” tornar-se sujeito individual, autônomo, unitário, ele deve ser

“disciplinado”, “ordenado”, deve sair do estado de selvageria em que se

encontra no seu estado natural. Assim, ele vai para a escola para “...

formar por si mesmo o projeto de sua conduta. Entretanto, porque ele

não tem capacidade imediata de o realizar, pois vem ao mundo em estado

bruto, os outros devem fazê-lo por ele” (Kant, 1996: 442).

Nessa concepção, o sujeito é percebido como um artefato que é

produzido através de uma complexa interação de forças e relações

múltiplas  dos sujeitos com os conhecimentos, com os outros sujeitos e

consigo mesmos  que os tornam autogovernáveis. É nessa relação que o

indivíduo se subjetiva, dando forma à sua identidade pessoal. A razão

torna-se, segundo Larrosa (1999) a liderança da alma, constituindo nos

indivíduos subjetividades estáveis, unitárias e centradas.

Nos discursos sobre a Educação Ambiental, relatados na seção

anterior, concebe-se que os sujeitos devam ser subjetivados pelos

conhecimentos, na relação com outros sujeitos e consigo mesmos,

32
Bauman (1999) discutindo essa questão diz: “os objetos podem ser rios correndo sem
sentido na direção errada, ‘onde não são necessários’. Ou plantas que nascem em lugares
‘onde comprometem a harmonia’. Ou animais que não põem o número de ovos ou não
desenvolvem úberes grandes bastante ‘para torna-los úteis’...” (p. 48)

104
garantindo uma conduta desejável em relação ao Meio Ambiente. Os

sujeitos devem mudar sua concepção atual de Meio Ambiente 

“necessidade de apropriação e domínio do ambiente natural”  e isso

deve ser possibilitado pelos mecanismos disciplinares desenvolvidos na

escola. É possível perceber essa concepção já nos objetivos da Educação

Ambiental, que trazem como princípio básico induzir novas formas de

conduta nos indivíduos, nos grupos sociais e na sociedade em seu


conjunto, respeitando o Meio Ambiente (Conferência Intergovernamental
de Educação Ambiental - Tibilisi, 1977). Esse objetivo é explícito nas

falas das professoras e professores com os quais conversei.

Eu trabalho com temáticas interdisciplinares que despertam


uma mudança de comportamento dos meus alunos. Quer um
exemplo ... neste semestre trabalhei com a temática do lixo.
Levei meus alunos a lerem muita teoria a respeito dessa
temática. Após isso, elaboramos quatro sub-projetos que iam ao
encontro da temática maior. Eles foram em quatro bairros
distintos da cidade e voltaram perplexos com o resultado... a
partir daí percebi nos mesmos um maior interesse sobre a
necessidade de consumir menos, utilizar ao máximo aquilo que os
bens de consumo podem nos oferecer... Acho que consegui
mudar um pouco a cabeça e as ações deles pois, ao final das
atividades eles quiseram desenvolver um outro projeto de
intervenção naqueles bairros, entende... (Prof. B – Biologia).

Essa maneira de conceber o processo de subjetivação dos

indivíduos também é encontrada nos documentos precedentes à

Conferência de Tibilisi. A Declaração sobre o Ambiente Humano já dizia

que é indispensável um trabalho de educação em questões ambientais...

para assentar as bases de uma opinião pública bem informada e de uma


conduta responsável dos indivíduos... (Estocolmo, 1972). Na Carta de
Belgrado também é possível perceber que através da Educação Ambiental

105
milhões de indivíduos deverão ajustar as suas próprias prioridades e
assumir uma ética global individual, refletindo no seu comportamento o
compromisso para a melhoria da qualidade de vida do meio Ambiente e da
vida de todas as pessoas (Belgrado, 1975).

Esses discursos atribuem à Educação Ambiental a missão de

“iluminar” os sujeitos, instituindo-os como portadores de saberes que os

tornariam autônomos para enfrentar a incansável batalha de defesa do

Meio Ambiente. Através da Educação Ambiental, tornar-se-ia possível re-

conduzir a conduta dos indivíduos para instituir nos mesmos uma nova

maneira de agir perante o Meio Ambiente. Nesse sentido, a Educação

Ambiental pode ser entendida como um dispositivo de poder pois, através

dela, torna-se possível, além do autogoverno, o governo das ações dos

outros.

Como vimos anteriormente, para Foucault, “conduzir conduta”,

“governar”, é um ato explícito de relação de poder. Segundo ele a

“conduta” e o “governo” referem-se à maneira de moldar, guiar, dirigir as

ações dos indivíduos ou de grupos sociais. Para Foucault, o governo é o

modo de estruturar o eventual campo de ação dos outros  a conduta da

conduta do outro. A Educação Ambiental insere-se nessa perspectiva pois

ela traz para si a missão de transformar a realidade ambiental do Planeta

Terra, transformando a conduta “ordeira” em conduta “protetora” dos

espaços vazios.

Os saberes

O saber é tradicionalmente concebido como direcionamento da

razão para a descoberta da verdade na realidade. Nessa concepção,

através do conhecimento seria possível representamos o mundo no

106
pensamento. Em se tratando do discurso da Educação Ambiental, seria

necessário que os seus conteúdos demonstrassem a realidade do meio

ambiente. Seria necessário saber sobre o ambiente, representá-lo no

pensamento para depois transformá-lo.

Essa necessidade de conhecer para transformar é um dos

princípios da Educação Ambiental. Na Declaração da Conferência

Intergovernamental de Tibilisi sobre Educação Ambiental, as primeiras

categorias que aparecem para permear o trabalho da Educação Ambiental

junto aos indivíduos e aos grupos sociais são a consciência e o

conhecimento do Meio Ambiente:

a) consciência: ajudar os grupos sociais e os indivíduos a


adquirir consciência do Meio Ambiente global e ajudar-lhes a
sensibilizar-se por essas questões;

b) conhecimento: ajudar os grupos sociais e os indivíduos a


adquirir diversidade de experiências e compreensão
fundamental do Meio Ambiente e a dos problemas anexos.

Nesse contexto, é possível perceber que a Educação Ambiental,

assim como a educação escolarizada de modo geral, parte do princípio de

que o conhecimento conduz à verdade sobre o mundo. Parte-se da

premissa de que há uma “realidade lá fora” (o ambiente), que pode ser

conhecida graças à nossa “inteligência”, ao nosso entendimento; trata-se

de uma premissa que não se dá conta de que é o nosso próprio

entendimento que institui o sentido da “realidade lá fora”, que não se dá

conta de que o entendimento e a realidade estão imbricados um com o

outro, de um modo inseparável. Acredita-se que, apropriando do

conhecimento, seria possível sair da escuridão da caverna  Platão , do

107
estado de animalidade  Kant  para transformar em seres

“superiores”, iluminados pela razão e aptos para enfrentar

autonomamente os problemas que afligem. No caso específico da

Educação Ambiental, concebe-se que o conhecimento sobre Meio

Ambiente produzirá a consciência verdadeira sobre suas reais

necessidades sendo possível, a partir daí, intervir e transformar a sua

realidade.

Olhando para os documentos, foi possível perceber que uma nova

organização dos saberes fazia-se necessária e que a maneira encontrada

para equacionar essa necessidade foi a instituição da necessidade dos

discursos da Educação Ambiental em todo o sistema de ensino. Nesse

contexto, considero que a Educação Ambiental entra na maquinaria

escolar como um novo dispositivo de governo destinado a engendrar novas

condutas nos indivíduos em relação ao Meio Ambiente. Os documentos

partem do princípio de que a Educação Ambiental deve

...proporcionar, a todas as pessoas, a possibilidade de adquirir


os conhecimentos, o sentido dos valores, as atitudes, o
interesse ativo e as atitudes necessárias para proteger e
melhorar o ambiente... (Conferência Intergovernamental sobre
Educação Ambiental – Tibilisi, 1977).

Percebo, então, que os discursos da Educação Ambiental proferidos

nesses documentos não estariam longe dos discursos da educação

escolarizada, de modo geral. Ambos confiam na capacidade da razão para

iluminar, transformar e melhorar a natureza e a sociedade. O saber

transcendental e o sujeito fundante  bases do Iluminismo  estão na

108
base, também, da Educação Ambiental. É possível perceber essa premissa

nas falas das professoras e professores investigados:

A interdisciplinaridade que me refiro não deixa, de forma


alguma, de lado os conhecimentos científicos que foram
produzidos na história para que compreendamos melhor a
realidade em que estamos inseridos. Por isso, eu não abro
mão que meus alunos conheçam os conteúdos científicos
para depois relacionarem com a prática. Eu acho que a
Educação Ambiental é uma maneira de despertar a
consciência dos alunos e por isso, é preciso mostrar para
eles como é que as coisas acontecem de verdade. Ou seja,
como os pesquisadores concebem que as coisas do mundo
acontecem. Sem esse conhecimento científico, é impossível
conhecer a realidade que queremos transformar (Prof. A –
História).

Veiga-Neto, analisando o papel da escola para a razão do Estado

Moderno, diz que a “escola moderna e ideais iluministas estão

historicamente articulados e emaranhados numa mesma episteme...”

(2000d: 191). Nessa relação eu acrescento a Educação Ambiental,

salientando, ainda, que esses discursos são alicerçados em duas

fundações que se tornaram universais pelo projeto Iluminista: o

conhecimento e o sujeito. Deacon & Parker trabalhando essa relação

dizem que

o conhecimento é conceptualizado como razão dirigida a


descobrir a verdade inerente na realidade, representando-a à
consciência através do meio referencial da linguagem; o sujeito
é concebido como unitário, coerente, autopresente, racional,
autônomo, ativo e intencional (1999: 99).

109
A Educação Ambiental traz como princípio a capacidade de

“iluminar” os sujeitos da educação, fortalecendo-os em seu poder, e

tornando-os aptos a melhorar o mundo em que vivem. Nesse sentido,

analisando os discursos da Educação Ambiental, percebo se processar

nesse campo discursivo uma relação de imanência entre saber e poder.

Para Foucault, temos que admitir que o “poder produz saber (...); que

poder e saber estão diretamente implicados; que não há relação de poder

sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não

suponha e não constitua ao mesmo tempo essas relações de poder” (2000

a: 27).

Percebo, com essa citação, que para Foucault, não há mais um lugar

para um sujeito fundante, instituidor de verdade, “intelectual universal”

que consegue se “iluminar” pelo conhecimento e alcançar “a verdade” pois

que, para ele, a verdade e os sujeitos são produzidos e o saber, passa a

ser concebido como uma peça que possibilita a atuação do poder.

Trazendo essa concepção para o discurso da Educação Ambiental, é

possível perceber a relação entre saber e poder ali contida. Os discursos

da Educação Ambiental nos fizeram acreditar na possibilidade de

transformação da realidade na medida em que trouxeram em seu bojo

novos aspectos para serem contemplados no discurso educacional. Ele

prega um saber que se pretende global, holístico, interdisciplinar, capaz

de gerar sujeitos autônomos e livres para agirem em benefício do Meio

Ambiente. Nesse sentido, esse discurso distribui seus efeitos de poder e

verdade sobre os indivíduos, chegando até nós, professoras e

professores, como possibilidade de “salvação”. Nós, sempre sedentos por

novas “porções mágicas de conhecimento” que nos conduzam ao

110
esclarecimento, à luz da verdade, recebemos tais discursos com a

reconfortante esperança de transformação.

Educação Ambiental: um campo de saber que se abre aos

comentários

Foucault (1999 a), supõe que não haja sociedade onde não existam

narrativas maiores, ou textos primeiros, que se contam, se repetem e se

fazem variar. Trazendo essa sua suposição para a sociedade moderna,

passo a supor que a narrativa da Educação Ambiental  “a Educação

Ambiental tem por finalidade induzir novas formas de conduta nos

indivíduos”, por exemplo  pode ser concebida como uma dessas

“narrativas maiores” que devem ser recitadas, permitindo-lhe ir além de

si mesma, “com a condição de que o texto mesmo seja dito e de certo

modo realizado” (ib.: 26). A esse processo de recitação do texto primeiro

Foucault dá o nome de comentário, um dos procedimentos internos de

controle dos discursos. Os comentários processam-se em dois níveis de

discurso:

os discursos que ‘se dizem’ no correr dos dias e das trocas, e


que passam com o ato mesmo que os pronunciou; e os discursos
que estão na origem de certo número de atos novos de fala que
os retomam, os transformam ou falam deles, ou seja, os
discursos que, indefinidamente, para além de sua formulação,
são ditos, permanecem ditos e estão ainda por dizer (ib.: 22).

Essa maneira de “comentar” os discursos é conhecida em nosso

sistema de cultura através dos textos religiosos, jurídicos, literários e

111
científicos. Nesse contexto, concebo que as narrativas da Educação

Ambiental estão contidas na rede interdiscursiva onde o comentário

exerce a função de fazer renascer o seu próprio discurso, através da

construção e recitação de novos discursos.

Díaz (1998), fazendo uma aproximação dos discursos pedagógicos à

concepção que Foucault traz de comentário, diz que os discursos

produzidos pelos professores têm por função comentar, “dizer outra

coisa além do próprio texto, mas com a condição de que seja esse mesmo

texto o que se diga e, de certa forma, o que se realize” (Foucault apud

ib.: 21). Nesse sentido, Díaz se pergunta: “São os professores

comentaristas Ou recontextualizadores Ou, simplesmente,

reprodutores” (Ib.). Esse autor argumenta que para os professores o

comentário entra no campo da opinião pessoal e contra-argumenta

dizendo que “a opinião pessoal é opinião institucional. O comentário

estende o corpo do discurso até à instituição. O comentário não opera de

maneira autônoma, mas se articula num processo produtivo do ‘dito’ (o

legitimamente dito)” (ib.). Assim, podemos inferir que os discursos sobre

a Educação Ambiental proferidos pelas professoras e professores dos

cursos de licenciatura da UNEMAT podem ser concebidos como

comentários daquilo que o campo do conhecimento da Educação Ambiental

autorizou-os a dizer e que a Instituição onde se encontram localizados

concebeu como necessário e verdadeiro de ser constantemente “redito”.

Através das entrevistas pude perceber que as professoras e

professores estão, efetivamente, cumprindo a sua função de

comentaristas da necessidade do discurso da Educação Ambiental. Não

existindo a delimitação da Educação Ambiental em disciplinas específicas

que reproduzam os discursos do novo campo de saber, as professoras e

112
professores  legitimadas pelo poder atribuído pela rede interdiscursiva

advinda das grandes Conferências, bem como pela Lei Nacional de

Educação Ambiental  reproduzem, através dos discursos contidos nos

textos primeiros, o campo discursivo da Educação Ambiental. Todas as


falas produzidas por elaseles foram unânimes em considerar necessário o

desenvolvimento desse campo discursivo em suas áreas específicas de

conhecimento em uma perspectiva interdisciplinar.

GEOGRAFIA
Acho que a Educação Ambiental é uma questão de mais alerta
porque alertando, é uma maneira de você fazer com que as
pessoas conheçam mais sobre essa questão... É fundamental
trabalharmos, aqui na UNEMAT, com nossos alunos, sobre Meio
Ambiente e essas coisas... Mas acho também que esse alerta
deve ser feito de forma global, interdisciplinar. A vida no
Planeta não está separada e a Educação Ambiental trata da
vida, por isso, ela vislumbra a possibilidade de um mundo
melhor.
HISTÓRIA
...às vezes eu achava que era consciência, às vezes que era
educação [referindo-se à Educação Ambiental]... A idéia de
educação soma-se à consciência, pois, se você tiver consciência
você pode viver no Meio Ambiente. Então, uma coisa está
associada à outra e isso só é possível se pensar em todas as
áreas do conhecimento desempenhando esse papel
conscientizador.
PEDAGOGIA
Eu entendo que a Educação Ambiental não se restringe às áreas
do conhecimento específicas que tratam a questão da
natureza... necessariamente passa por todas as áreas do
conhecimento do homem...

Vimos, no decorrer desta Dissertação, que os discursos produzidos

sobre a Educação Ambiental não instituíram nenhuma área de

conhecimento específica para legitimá-la, para produzir maiores

113
conhecimentos sobre ela e comentá-la. Nenhuma “disciplina” foi criada

para fazer veicular o discurso da Educação Ambiental, por se considerar

que esse é um campo do saber que deve permear todas as áreas do

conhecimento. A perspectiva interdisciplinar, já apontada na Conferência

de Tibilisi, aqui no Brasil foi regulamentada quando o Presidente da

República sancionou a Lei 979599 que dispõe sobre a necessidade da

Educação Ambiental. A Lei diz que todos têm direito a Educação

Ambiental, incumbindo (...) às instituições educativas, de promover a


Educação Ambiental de maneira integrada aos programas educacionais
que desenvolverem.

Assim, considerando que a Educação Ambiental é um campo

discursivo que não conta com “disciplinas” específicas para (re)produzir

seus discursos, esse poder foi conferido diretamente aos sujeitos

encarregados de reproduzi-las na escola  as professoras e os

professores , que passaram a exercer a função de “comentaristas”

daquilo que está dito no campo do saber da Educação Ambiental. Nesse

sentido, concebo que o campo discursivo da Educação Ambiental entrou no

contexto da UNEMAT afetando, diretamente, os sujeitos ali inseridos

que, a partir de então, passaram a reproduzi-lo discursivamente.

Esses discursos, emoldurados pelos princípios Iluministas,

apresentam uma postura “otimista e ambiciosa” que vislumbra a

possibilidade de dias melhores. Assim, torna-se evidente, no discurso da

Educação Ambiental, um caráter normativo e prescritivo que concebe o

conhecimento como a possibilidade de alcançar um mundo melhor. O

discurso da Educação Ambiental é caracterizado como um conhecimento,

um campo de saber capaz de organizar e ordenar o mundo que “se tornou”

 a partir dos discursos produzidos sobre ele  ambivalente. Esse saber

114
carrega em si um “tom” de harmonia, posto que tem a missão de

“esclarecer” os indivíduos e à sociedade, desde que estes sigam o caminho

que seja concebido como o melhor, mais justo e “verdadeiro”.

Nesse sentido, constata-se nesse discurso um caráter um tanto

profético, religioso, posto que ele traz em si a missão de propiciar a paz e

a harmonia que fora perdida no mundo. Aliada a essa missão ordeira, a

Educação Ambiental arroga para si exercícios de poder pois ela cria um

saber que requer a transformação das condutas dos indivíduos e da

sociedade. Seus discursos prescrevem a maneira correta de conhecer,

ser e estar no mundo. Assim, valendo-me novamente dos mecanismos de

controle dos discursos trabalhados por Foucault, penso que o discurso da

Educação Ambiental pode ser concebido como um mecanismo de doutrina,

posto que, mesmo tentando romper com a disciplinaridade dos saberes,

consegue ritualizar a palavra, definindo

os gestos, os comportamentos, as circunstâncias, e todo o


conjunto de signos que devem acompanhar o discurso; [fixando],
enfim, a eficácia suposta ou imposta das palavras, seu efeito
sobre aqueles aos quais se dirigem, os limites de seu valor de
coerção (Foucault, 1999a: 39).

Assim, os discursos da Educação Ambiental podem ser associados à

prática do ritual, que conferiu às professoras e professores da minha

universidade, assim como a mim mesma, propriedades singulares e papéis

preestabelecidos, autorizando-nos a emitir nossos enunciados em favor

da Educação Ambiental, e não o contrário.

115
CAPÍTULO V

PORTO SEGURO OU POSSIBILIDADE DE NOVAS

TRAVESSIAS

Após aproximadamente dois anos de braçadas ora a favor, ora

contra a correnteza, cheguei ao capítulo final da minha Dissertação.

Alcancei aquele tão sonhado porto seguro Impossível. A perspectiva

teórica que escolhi para desenvolver minha pesquisa me levou a

questionar a concepção ingênua de que a “Verdade”, com “V” maiúsculo,

exterior, única e inquestionável, existe, levando-me a perceber que os

discursos produzidos não passam de meras construções pontuais (Dreyfus

& Rabinow, 1995: 97). Assim, no momento em que passei a duvidar das

minhas certezas, no momento em que passei a querer entender, além do

porque, o como se processam os acontecimentos, foi o momento em que o


meu “sonho feliz de cidade”  como Caetano canta  se desfez. Foi

nesse momento que percebi que “não há um modelo a priori de mundo, uma

metanarratia a nos guiar (...) uma suposta estrutura de fundo ou de um

final-feliz a ser atingido” (Veiga-Neto, 2000 a: 48).

Assim, passei a compreender que a minha busca pelo entendimento

do mundo onde vivo não deve sair dele mesmo, não deve procurar algo

exterior para explicar esta realidade. Esta realidade só pode ser

explicada, compreendida, exercitada através dela própria, ou seja, “cada

passo [deve ser] decidido pelo exame das condições históricas e das

condições de possibilidade, todas elas condições que são deste mundo”

116
(ib). Ao contrário de um porto seguro, acredito ter chegado, apenas, ao

momento de tomar fôlego para enfrentar novas travessias, enfrentar as

corredeiras que se abriram após a realização deste estudo. Neste

momento  uma pausa para respirar  necessário se faz resgatar um

pouco do que pude compreender nestes quase dois anos de nado.

Como vimos, esta Dissertação tratou de tentar entender as

condições que possibilitaram a produção de discursos sobre a Educação

Ambiental proferidos por professoras e professores dos cursos de

licenciatura da UNEMAT. A concepção de discurso que trouxe para

discutir meu objeto é inspirada pela concepção foucaultiana, que coloca o

discurso “como condição de possibilidade tanto do mundo das coisas

quanto da constituição de um falante singular ou de uma comunidade de

falantes” (Larrosa 1999: 66). A partir desse entendimento, foi possível

perceber que os objetos, os conceitos, as idéias, os sujeitos, são variáveis

da ordem discursiva  da episteme  onde estão constituídos. Segundo

Larrosa, “são esses posicionamentos, essas posições discursivas que

constroem o sujeito, na mesma operação em que lhe atribuem um lugar

discursivo” (Id).

Essa compreensão do discurso levou-me a enxergar os enunciados

sobre Educação Ambiental proferidos pelas professoras e professores da

UNEMAT  e por mim requeridos  de maneira diferenciada. A

impressão que eu tinha era a de que tais enunciados eram provenientes da

nossa vontade, liberdade e autonomia; concebia nossos discursos em seu

estado mais original e puro. Concebia que nós, professoras e professores

 ou mesmo nós, sujeitos de um modo geral  éramos a origem do

discurso e não o seu efeito. No entanto, a partir do entendimento da

concepção de discurso trazida por Foucault, essa impressão se deslocou,

117
pois, a partir daí, pude compreender que a nossa enunciação é delimitada

por campos discursivos, ordens discursivas, que produzem determinados

discursos que passam a ser considerados verdadeiros a partir de

procedimentos de controle, seleção e exclusão dos discursos. Essa outra

forma de compreender propicia o entendimento de que nós, professoras e

professores  então sujeitos do processo educativo  somos efeito do

discurso, e não o contrário.

A partir desse entendimento, foi possível compreender que, no

momento em que o discurso da Educação Ambiental passa a ocupar um

lugar de destaque na nova ordem discursiva, constituindo-se como um

como um campo de saber que se pretende “verdadeiro”; no momento em

que ele ganhou o status de verdadeiro na nova ordem discursiva, ele

passou a regular alguns outros discursos que foram produzidos.

Eu e as professoras e professores com os quais conversei,

movidasos pela vontade de verdade, fomos capturadasos por essa nova

ordem discursiva na qual a Educação Ambiental encontra-se inserida e

passamos a produzir nossos discursos de acordo com seus princípios.

Acreditamos na possibilidade de, através da Educação Ambiental,

transformar as ambigüidades do Meio Ambiente em uma nova ordem.

Transformar a realidade atual do mundo através da “conscientização”,

através do conhecimento de um novo campo do saber, a Educação

Ambiental.

Percebemos, então, que falar dos discursos produzidos pelas

professoras e professores, na perspectiva foucaultiana, significa falar da

relação entre elaseles  sujeitos , o discurso e o poder. Isto significa

romper com a visão de que os discursos existem em seu estado puro.

118
Significa pensar que os discursos sobre a necessidade da Educação

Ambiental produzidos pelas professoras e professores dos cursos de

licenciatura da UNEMAT, são re-produções de campos discursivos que

estebeleceram que a escola é, também, o local legítimo para processar a

Educação Ambiental, que as professoras e professores devem apropriar-

se desse novo campo do saber para re-passar às alunas e alunos e esses,

por sua vez, devem receber essa formação para agir “responsavelmente”

junto ao Meio Ambiente. Percebi, então, que os discursos da Educação

Ambiental proferidos pelas professoras e professores da minha

universidade encontram-se imersos em um complexo campo de relações

de poder que procurei descrever, exercitar, analisar, desconstruir no

decorrer desta Dissertação, para melhor compreender a ordem de sua

existência.

Assim, concebo que o campo discursivo da Educação Ambiental traz

consigo uma vontade de mudança de postura, uma vontade de re-

ordenamento de corpos que foi gestada a partir do momento em que os

saberes sobre a ambigüidade produzida pelos humanos emergiu. No

entanto, é válido ainda, para finalizar, considerar que continuamos

vivendo em um mundo onde a ambigüidade prevalece. Nesse sentido, ao

mesmo tempo em que procuramos, através da Educação Ambiental,

instituir uma nova ordem, vivemos em um mundo onde o critério básico

para estar nele inserido é “mostrar-se capaz de ser seduzido pela infinita

possibilidade e constante renovação produzida pelo mercado consumidor”

(Bauman, 1998: 23). O mundo em que vivemos requer que nós, humanos,

sejamos “consumidores competentes”, e isso significa que devemos cada

vez mais adquirir coisas provisórias, para, logo em seguida, descartar. E

aquela montanha de lixo petrificada ao redor das cidades, como fica No

119
caso específico da cidade onde moro, Cáceres-MT, o seu entorno é o

Pantanal. Pantanal, natureza natural e ambigüidades - essa é uma apenas

uma das tantas travessias que proponho que todos os meus interlocutores

façam por si mesmos.

120
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