Oralidade e Gêneros Textuais Orais em Sala de Aula
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Oralidade e Gêneros Textuais Orais em Sala de Aula
1. Introdução
Neste artigo, refletimos a respeito do ensino dos gêneros textuais orais nos níveis
fundamental e médio, enfatizando aspectos gerais relacionados à oralidade e questões
pertinentes à abordagem dos gêneros, exemplificando com entrevista. Iniciamos nossa
reflexão destacando como alguns livros didáticos têm abordado os gêneros textuais2 em
geral (SANTOS, 2009a, 2009c, 2011). Em seguida, retomamos o alerta de Marcuschi
(1997, 2005), a respeito da pouca atenção dada à oralidade em sala de aula, atualizando
1
Neste artigo, homenageamos Luiz Antonio Marcuschi e Ingedore Koch, autores de vários artigos sobre
texto e ensino.
*
Leonor Werneck dos Santos, Doutora em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), UFRJ; Welington de
Almeida Cruz, Mestre em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), UFRJ; Vanessa Antunes, Mestranda
em Letras Vernáculas (Língua Portuguesa), UFRJ.
2
Não discutiremos, aqui, a diferença entre os conceitos de gênero de discurso/discursivos e gêneros de
texto/textuais.
Leonor W. dos Santos, Welington de A. Cruz, Vanessa Antunes | p. 170 - 198 Oralidade e gêneros textuais orais...
o debate sobre o tema, com base em Cruz (2012), que avaliou catorze coleções de livros
didáticos aprovadas pelo Programa Nacional de Livro Didático do Ensino Fundamental
(PNLD-EF/2011). Quanto ao trabalho com o gênero entrevista, citamos algumas
atividades elaboradas por Antunes (2015).
Pretendemos, portanto, mostrar um panorama da abordagem de gêneros orais e
da oralidade na educação básica. Partimos dos pressupostos sociointeracionais que
norteiam os estudos de Linguística de Texto atualmente, para discutir o conceito de
gênero e sua abordagem no ensino fundamental e médio. Com isso, pretendemos
mostrar o que ainda falta enfatizar no ensino de gêneros orais na escola e sugerir
caminhos para auxiliar a tarefa do professor que pretenda inserir essa temática nas suas
aulas.
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semelhanças, fazendo com que o aluno discuta o que vê ⁄ lê para conseguir se sentir
usuário da língua e participante do processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o
princípio uso→ reflexão→ uso (BRASIL, 1998, p. 65), já defendido por Travaglia
(1996), de uma pluralidade de gêneros. E o objetivo principal desse acesso a uma
pluralidade de gêneros é desenvolver no aluno uma competência metagenérica, que,
segundo Koch e Elias (2006, p. 102), “possibilita a produção e a compreensão de
gêneros textuais, e até mesmo que os denominemos”. Percebemos, portanto, que os
Parâmetros consideram o texto, tal qual apregoa Marcuschi (2008b, p. 72), como “um
evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas”.
Porém, segundo Santos (2009c, 2011), o professor e o autor de livros didáticos
de Português (doravante, LDP) que decidirem se basear nos Parâmetros para
compreender e aplicar as teorias de GT (e também de tipologias textuais), encontram
alguns problemas: o primeiro, que parece refletir no tratamento dado ao tema nos LDP,
refere-se à oscilação na nomenclatura (gêneros textuais, gêneros discursivo, tipos de
textos...); o segundo é a falta de definições consistentes nesses documentos oficiais; o
terceiro é a falta de relação entre terminologia utilizada e referências bibliográficas
citadas (nem sempre é citado o teórico em que os PCN se baseiam para determinada
definição). No caso dos LDP, considerados por muitos professores como referencial
teórico, Santos (2009b, 2011) alerta também para uma instabilidade no tratamento dos
GT, decorrente, em grande parte, da instabilidade teórico-metodólogica dos próprios
PCN.
Embora possamos questionar a relevância de discutir nomenclatura num
momento em que os textos estão recebendo lugar de destaque nos LDP, concordamos
com o comentário de Bonini (2001, p. 7): “o surgimento da noção de gênero nos termos
em que está posta atualmente (...) é extremamente recente, havendo ainda muito a ser
clareado por meio de pesquisas e discussões”. Muitas pesquisas têm sido feitas, mas
nem sempre elas chegam às salas de aula, então o manual didático passa a ser, para
muitos professores, a referência teórica para o trabalho com os textos. E a instabilidade
na nomenclatura pode confundir os professores e os alunos.
A definição de gêneros textuais confunde-se com outro conceito, o de atividade,
por isso nem sempre fica claro como classificar aula, seminário etc. Para Travaglia
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(2013, p. 4, grifos do autor), na atividade "aula", por exemplo, circulam vários gêneros,
por isso é importante diferenciar esses dois conceitos, refletidos na interação:
(...) podemos estabelecer que a atividade social é o que alguém está
fazendo, para atingir determinado objetivo, enquanto o gênero é um
instrumento linguístico-discursivo devidamente estruturado, criado em
uma esfera de atividade humana por uma comunidade discursiva,
como uma forma eficiente de realizar a atividade em que o gênero tem
um papel essencial. Assim o gênero terá uma função social em
decorrência da atividade à qual ele serve de instrumento e que, de um
certo modo, o caracteriza. Surgem do que dissemos os elementos que
serão caracterizadores do gênero enquanto tal.
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se de maneira bastante diversa, pois mesmo alguns textos escritos, pensados para serem
falados, podem ser considerados gêneros orais:
Isto evidentemente leva a graus diferentes de oralidade, pois, por
exemplo, a leitura de uma conferência ou comunicação científica em
congresso, ou a realização de uma conferência ou de uma exposição
oral qualquer com base em um roteiro preparado, mas em que o que se
vai dizer não está dito palavra por palavra serão diferentes, mas ambos
serão considerados um gênero oral. A aula, por exemplo, em que
ocorrem vários gêneros orais, pode seguir um roteiro, mas nunca será
lida como pode acontecer com uma conferência ou comunicação
científica em congresso. (TRAVAGLIA, 2013, p.5)
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No caso dos gêneros orais, retomando Dolz e Schneuwly (2004), Cruz (2012, p.
42) os define como
as várias formas de enunciado, que se estabelecem interativamente por
meio da fala, respeitando-se as posições e as idiossincrasias dos
componentes do jogo enunciativo. Não se perpetuam na dicotomia
fala-escrita, mas são co-construídos nos inúmeros domínios
discursivos existentes e, por assim dizer, constituem os mais próximos
representantes de um modelo ideal de interação.
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Outro aspecto que merece destaque é a diferença feita por Marcuschi (2001, p.
25-26) entre oralidade e letramento:
oralidade seria uma prática social interativa para fins comunicativos
que se apresenta sob várias formas ou gêneros textuais fundados na
realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais
formal nos mais variados contextos de uso [...]. O letramento, por sua
vez, envolve as mais diversas práticas da escrita (nas suas variadas
formas) na sociedade [...]. A fala seria uma forma de produção
textual-discursiva para fins comunicativos na modalidade oral (situa-
se no plano da oralidade, portanto), sem a necessidade de uma
tecnologia além do aparato disponível pelo próprio ser humano [...]. A
escrita seria um modo de produção textual-discursivo para fins
comunicativos com certas especificidades materiais e se caracterizaria
por sua constituição gráfica [...]. (grifos do autor)
Assim, para o autor, é importante enfatizar não apenas textos falados, mas
gêneros textuais orais.
No caso da escola, com base no consenso de que os alunos sabem falar, a
oralidade é deixada em segundo plano, tanto por professores quanto pelos manuais
didáticos. Isso se deve, em muitos casos, ao desconhecimento da distinção entre
oralidade e fala, como apontado anteriormente. É necessário que a escola adote uma
postura de heterogeneidade no que diz respeito à língua, reconhecendo a importância de
abordar gêneros orais para discutir situações interacionais em que a oralidade está em
foco.
Fávero, Andrade e Aquino (2003) vão além, propondo que seja dado um papel
de destaque à língua falada no espaço escolar, justamente porque o aluno domina a
gramática da língua por meio daquilo que foi possível apreender no ambiente familiar.
Marcuschi (2005, p.24, grifos do autor) atesta, também, que um estudo de práticas orais
“não se trata de ensinar a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza e variedade de
usos da língua”.
Outra justificativa para o trabalho com a oralidade aparece nas propostas dos
PCN. Se o papel da escola é partir do domínio do aluno e fornecer-lhe instrumento para
ampliar seu conhecimento dos usos da língua, principalmente escritos (BRASIL, 1998,
p.18), a partir do trabalho com textos orais, e partindo da concepção de continuum entre
oralidade e escrita, podemos chegar a um produtivo ensino dessa última modalidade por
meio da compreensão dos mecanismos que permitem a construção de gêneros orais.
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Propostas como essas, entretanto, nem sempre são postas em prática na escola,
inclusive devido à abordagem dos LDP sobre gêneros textuais orais. Para entender de
que maneira esses GT aparecem nos LDP de ensino fundamental, remetemos à pesquisa
de Cruz (2012), que analisou as 16 coleções de Língua Portuguesa, do 6o ao 9o anos
aprovadas pelo PNLD-EF/2011. Cruz (2012) conclui que a maioria das atividades
propostas nos LDP publicados até 2010 referem-se a debates, seminários e entrevistas
(totalizando 52%), mas chama a atenção a quantidade de atividades de oralização
(leitura em voz alta) e de simulação de fala (cf. Marcuschi, 2008a), como dramatização,
relato, reconto e outras propostas que não são devidamente sistematizadas nos LDP.
Segundo Cruz, até mesmo as atividades de escuta, propostas nos PCN são postas em
segundo plano, pois apenas uma das coleções apresenta essa preocupação, incorporando
ao livro um CD com material para audição de textos.
Assim, em linhas gerais, Cruz (2012) conclui que o trabalho com GT orais
nesses LDP analisados reside em dois pilares: (i) oralização de textos escritos e (ii)
resposta oral a perguntas de interpretação textual. Conforme Magalhães (2008, p. 148)
já constatara, trata-se de atividades que envolvem leitura oral, do tipo “desenvolva
oralmente um exercício”, ou “converse com seu grupo” e “converse com seu professor”,
nas quais não é o texto oral que está em foco, mas o conteúdo temático proposto na
unidade.
Se o que vemos nos LDP não condiz com o que pregam os PCN sobre o trabalho
com GT orais e oralidade, então o que o professor pode fazer? Que atividades podem
ser aplicadas em sala? Podemos listar alguns pesquisadores que vêm sugerindo
atividades nas duas frentes: análise de aspectos variados de oralidade; e propostas que
discutem os gêneros textuais propriamente – obviamente, incluindo questões
concernentes à oralidade.
Marcuschi (1997, p. 76-77) já postulara algumas possibilidades de trabalho com
oralidade, tais como: (i) a audição de gravações para estabelecer um contato específico
com o texto oral; (ii) análise dos elementos de organização dos textos produzidos pela
língua falada, que interferem diretamente nos constituintes do gênero e nas ações por ele
representadas; (iii) a relação da fala com a escrita como forma de compreender os
distanciamentos e as aproximações entre as modalidades; (iv) a observação da estrutura
do texto falado, tanto pela sua constituição isolada – marcadores conversacionais,
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Outra proposta apontada por Crescitelli e Reis (2011) enfatiza a interface entre a
língua falada e a escrita, mais especificamente o trabalho que parte da fala para chegar à
escrita. Longe de repetir a incoerência de algumas propostas que priorizam o ensino da
escrita no espaço acadêmico e usam o texto oral somente como o meio, as autoras
defendem que um trabalho que parta da oralidade para a escrita deve pressupor a
compreensão ampla do texto produzido oralmente, com base na teoria da
retextualização, evidenciada por Marcuschi (2008a, p. 46):
um processo que envolve operações complexas que interferem tanto
no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem
sempre bem-compreendidos da relação oralidade-escrita.
Marcuschi (2001) atesta que a passagem de um texto oral para o escrito não
confirma a hipótese prescritiva que colocaria “ordem no caos” da oralidade, mas
observa que são ordens distintas e que o processo de passagem de uma modalidade a
outra pressupõe a compreensão do texto original, pois é uma atividade de interpretação
e produção simultaneamente. Há, então, retextualização da fala para a escrita, da escrita
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para a fala, da fala para a fala e da escrita para a escrita3. Segundo o autor, o processo de
retextualização é distinto da transcrição, mas esta última pode compor uma de suas
etapas. Por adotar, também, a retextualização como um processo produtivo de trabalho
com a oralidade em relação à escrita, Fávero, Andrade e Aquino (2003, p. 90)
apresentam o seguinte quadro, que sintetiza as etapas desse processo:
1º operação: eliminação de marcas estritamente interacionais e inclusão da pontuação;
2º operação: apagamento de repetições, redundâncias, autocorreções e introdução de substituições;
3º operação: substituição do turno por parágrafos;
4º operação: diferenciação no encadeamento sintático dos tópicos;
5º operação: tratamento estilístico com seleção do léxico e da estrutura sintática, num percurso do menos
para o mais formal.
Quadro 2 – Operações de produção do texto escrito a partir do texto falado
3
A retextualização também pode abarcar aspectos multimodais, não elencados por Marcuschi, mas
igualmente importantes na contemporaneidade.
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objeto amplo e permitir ao falante a apropriação sobre esse mesmo objeto, como
lembram os PCN (1998, p. 67-68):
Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a
usos da linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam
controle mais consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a
importância que o domínio da palavra pública tem no exercício da
cidadania.
Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em
geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a
aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas
(exposição, relatório de experiência, entrevista, debate etc.) e,
também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo
(debate, teatro, palestra, entrevista etc.).
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mesmo gênero poderá ser abordado em séries diferentes, desde que sejam adotadas
novas perspectivas e novos conteúdos sejam aplicados nos módulos que sobre ele
incidirão.
Dolz e Schneuwly (2004) exemplificam o trabalho produtivo com gêneros orais,
listando propostas de atividades com exposição oral (seminário) e debate público. No
caso do seminário, os autores sugerem que se aborde com os alunos a situação de
enunciação do gênero, os objetivos, a organização interna (abertura, introdução do tema,
plano de exposição, encadeamento dos temas, recapitulação e síntese, conclusão,
encerramento), as características linguísticas referentes à coesão temática, estratégias de
articulação textual para introdução de exemplos e organização das partes da
apresentação e uso de estratégias de reformulação, muito comuns em textos de caráter
expositivo e didático, como seminários. No caso do debate de opinião, gênero
estruturado predominantemente de maneira argumentativa, Dolz e Schneuwly destacam
a importância de atentar para a construção da tese e dos argumentos, para a regulação
interativa na troca de turnos do debate, para o uso de reformulações e modalizações
constitutivos desse gênero, além de analisar todas as características prototípicas de
interação, situacionalidade, temática.
Para Dolz e Schneuwly, a abordagem em espiral dos gêneros, orais e escritos,
deve ampliar o nível de complexidade das atividades, que podem ser apresentadas em
sequências didáticas4. Para os autores, tais sequências pressupõem um tratamento de
cada gênero em módulos, de maneira que os alunos compreendam o objetivo do
gênero, sua esfera de circulação, sua organização interna, as marcas de estilo, que
incluem aspectos atrelados à variação linguística, ao uso de elementos de coesão etc.
Como vimos, há uma gama de possibilidades de abordagem de gêneros orais na
escola, e, neste artigo, sugerimos algumas atividades com entrevistas, gênero que vem
aparecendo em livros didáticos mais recentes.
4
Por questão de espaço, não nos deteremos às sugestões de sequências didáticas dos autores para os
gêneros orais e escritos, que podem ser encontradas em diversas obras, como Dolz e Schneuwly (2004).
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Porém, como lembra Fávero (2000), além do âmbito jornalístico, a entrevista faz
parte do cotidiano, quer sejamos entrevistadores, entrevistados ou audiência, pois seu
objetivo é o inter-relacionamento humano, embora as relações entre os interlocutores
possa marcar um caráter assimétrico na interação. Para Travaglia (2013, p. 5),
A entrevista é um gênero caracterizado por ter um entrevistador que
põe questões, faz perguntas a um entrevistado que deve ter
determinadas qualificações desejadas pelo entrevistador conforme
seus objetivos. Aqui a colocamos em diversas esferas, com
especificações distintas, mas resta decidir se temos apenas um gênero
com espécies diferentes (Cf. sobre espécies Travaglia –[2003]/2007)
ou gêneros distintos.
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5
Entrevista disponível em: <http://globotv.globo.com/gnt/marilia-gabriela-entrevista/v/marcius-melhem-
fala-sobre-o-processo-de-criacao-do-ta-no-ar/4082275>. Acesso em: 3 de junho de 2015.
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Para Fávero (2001), as perguntas elaboradas pelo entrevistador podem ter como função
introduzir tópicos na entrevista.
Em relação à mídia que veicula a entrevista e sua audiência, Essenfelder (2005,
p.9) lembra que o papel desta em relação à entrevista dirige
sua forma (contratual ou polêmica), apresentação (nível léxico,
polidez e impolidez, formalidade e informalidade) e até mesmo seu
conteúdo – em última análise, a entrevista deve satisfazer às dúvidas e
anseios do público visado, e não dos interlocutores diretamente
envolvidos na comunicação.
O professor pode mostrar aos alunos um trecho da entrevista para que eles
percebam essas características do gênero e marcas de oralidade. Assistida a entrevista, o
professor pode fazer um levantamento sobre as observações dos alunos e, em seguida,
montar, juntamente com eles, um quadro com as características observadas. Depois,
para complementar o que foi enumerado pelos alunos e para obter uma maior
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F1- o Tá no Ar: a tv na tv é uma criação sua do:... Marcelo Adnet e do Maurício Farias... é isso?
=
F2 – exatamente
F1- = bom... é sucesso de público e de crítica... que é::... o:: ... a medalha de ouro no peito né
isso?... agora... o programa... é::.../ usa quase uma metalinguagem OU É a metalinguagem...
porque é a tv falando/criticando... rin-do... é:: de forma crítica da própria televisão... cês tiveram
dificuldade... em::... conseguir esse espaço na::... na televisão/na... na Globo?
F2- claro... o o espaço nunca é:: nunca é fácil né?... muita gente lutando pelo mermo ¹[espaço]
F1- ¹[é...]
F2- ali... ¹[mas eu vou te dizer =]
F1- ¹[ mas por isso mesmo eu tô dizendo... por por essa crítica...por essa (holocrítica)]
F2 – pela crítica não na verdade o seguinte... quando quando esse programa... é:: tava
nascendo... quando quando eu levei pro pro Adnet e pro Maurício a ideia desse programa e a
gente começou a discuti o conceito dele do que que ele seria do que que ele trataria... qual seria
né? o recheio desse... desse... desse presente assim né?... desse desse bolo... a gente::...
ime/tava/coincidiu com a época em que o:: Xereta... nosso...nosso... diretor geral das
organizações ele tava promovendo fóruns pra debate os gêneros... então o humor tinha um
fórum que távamos lá onze doze cabeças discutindo o futuro do humor... então as questões é:::
que eram FUNTAMENTAIS pra esse programa existir foram colocadas na mesa logo num
primeiro momento ali... e e discutidas MUITO claramente...muito sinceramente... entre entre
todos que tavam ali... e:: e de CARA foi dito a eles que esse programa OU ele seria ASSIM ou
ele não seria... esse programa e/ele tem... ele tem... é... alguns conceitos assim... um é... faze a
crítica da própria tv... esse é um... esse é um... é... esse é a parte mais aparente desse processo...
o segundo é... a gente se apodera de alguns gêneros televisivos pra por dentro colocar críticas
outras...sobre outras coisas...
F1 – claro
F2- é:: que estão acontecendo aí... é::... e o terceiro pilar desse desse programa é... desnudar
alguns discursos... era o que a gente queria fazer... pegar... é::... certas situações... certos
discursos... e.:: e:: meio que tira a roupa dele e falar assim... olha só... olha olha o que essa
pessoa tá falan/olha o que é dito todo dia e de repente você não percebe que é dito... vamo vamo
tirar isso de contexto e coloca aqui num lugar em que isso vai ficar mais aparente pra levanta
algumas questões... a gente queria... então isso foi colocado desde o início... e também... uma::
uma:: a gente queria promove ali uma::... é:: um RESGATE... uma REPACTUAÇÃO do humor
em relação à sociedade no sentido de DISCUTIR COM ELA assuntos que estão aí... e a gente
queria traze isso pra dentro do programa
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F2 – (...) meio que tira a roupa dele e falar assim... olha só... olha olha o que essa pessoa tá
falan/olha o que é dito todo dia e de repente você não percebe que é dito... vamo vamo tirar isso
de contexto e coloca aqui num lugar em que isso vai ficar mais aparente pra levanta algumas
questões...
F1- = bom... é sucesso de público e de crítica... que é::... o:: ... a medalha de ouro no peito né
isso?... agora... o programa... é::.../ usa quase uma metalinguagem OU É a metalinguagem...
porque é a tv falando/criticando... rin-do... é:: de forma crítica da própria televisão... cês tiveram
dificuldade... em::... conseguir esse espaço na::... na televisão/na... na Globo?
Além desses aspectos, devemos fazer com que os alunos percebam também,
como menciona Castilho (2006), de que maneira ocorrem as negociações entre sujeitos
em cada uma dessas enunciações. Na entrevista, é importante perceber que, apesar de a
fala exigir uma constante negociação, há momentos em que ocorre a sobreposição de
turnos, como no seguinte trecho:
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F2- claro... o o espaço nunca é:: nunca é fácil né?... muita gente lutando pelo mermo ¹[espaço]
F1- ¹[é...]
F2- ali... ¹[mas eu vou te dizer =]
F1- ¹[ mas por isso mesmo eu tô dizendo... por por essa crítica...por essa (holocrítica)]
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expressões informais. O inverso também pode ser feito: o professor pode levar à sala de
aula gêneros orais que sejam mais formais, como é o caso de debates políticos
transmitidos pelos canais de TV em época de eleições.
Outro bloco de atividades com o GT entrevista pode trabalhar com
retextualização, desfazendo a dicotomia entre fala e escrita, valorizando o entendimento
do continuum a que pertencem essas duas modalidades – o que exige conhecimento não
só de cada uma delas, mas também dos gêneros que serão trabalhados. Os alunos podem
ser solicitados a transformar a entrevista televisiva em uma entrevista escrita, por
exemplo. Para isso, com base nas atividades anteriores, podemos mostrar aos alunos as
características de entrevistas orais – sempre destacando que os gêneros não são
estanques e algumas características podem não aparecer em todas as entrevistas – e
analisar, posteriormente algumas entrevistas escritas, para destacar semelhanças e
diferenças entre o mesmo gênero nessas modalidades, enfatizando o continuum e
mostrando especificidades referentes ao suporte.
Ao iniciar a retextualização da entrevista com Marcius Melhem, os alunos
perceberão que, na entrevista escrita, não aparecem algumas características mais
prototípicas da oralidade, então deverão retirar as hesitações, as repetições e as
reformulações típicas da fala. Além disso, as perguntas deverão ser transcritas de
maneira mais direta e as respostas também devem ser reformuladas, a fim de que não
fiquem repetitivas. Tomemos como exemplo a pergunta transcrita abaixo:
F1- = bom... é sucesso de público e de crítica... que é::... o:: ... a medalha de ouro no peito né
isso?... agora... o programa... é::.../ usa quase uma metalinguagem OU É a metalinguagem...
porque é a tv falando/criticando... rin-do... é:: de forma crítica da própria televisão... cês tiveram
dificuldade... em::... conseguir esse espaço na::... na televisão/na... na Globo?
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5. Considerações finais
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