Simp 20 Art 01
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Resumo: Escritoras como Gabriela Mistral, sem dúvida, demonstram, juntamente com outras
grandes personalidades femininas, a importância das mulheres no espaço intelectual da
América Latina no século XX. Será durante a sua estadia no Brasil que a poetisa chilena
receberá a notícia do Prêmio Nobel de Literatura que lhe foi concedido em 1945 com a obra
Tala. Ela passa a viver em terras brasileiras em 1941, na cidade de Petrópolis. Aqui Mistral
pôde, em função do cargo que desempenhou junto ao Consulado do Chile, executar projetos
em parceria com diferentes escritores brasileiros. Levando em conta a representatividade da
produção intelectual de Gabriela Mistral no que diz respeito à literatura de autoria feminina nas
letras hispânicas, bem como a importância de analisar a repercussão da sua obra no território
brasileiro, onde Mistral desenvolveu trabalhos significativos quanto à integração entre os
países latino-americanos, como também teve sua produção reconhecida mundialmente, esta
comunicação pretende observar a recepção crítica da sua obra no Brasil. Para isso, este trabalho
tem como base os pressupostos teóricos da crítica feminista, centrados em (re)examinar as
leituras e métodos defendidos pela crítica tradicional.
Palavras-chave: Mulher; literatura; recepção crítica; Gabriela Mistral.
Resumen: No cabe duda de que escritoras como Gabriela Mistral, juntamente con otras
grandes personalidades femeninas, demuestran la importancia de las mujeres em el espacio
intelectual de América Latina en el siglo XX. Será durante su estancia en Brasil que la poetisa
chilena recibirá la noticia del Premio Nobel de Literatura que le galardonaron en 1945 por la
obra Tala. Ella pasa a vivir en tierras brasileñas en 1941, en la ciudad de Petrópolis. En Brasil
Mistral pudo, en función del cargo que desempeñó junto al Consulado de Chile, poner en
marcha proyectos con diferentes escritores brasileños. Al tener en cuenta la representatividad
de la producción intelectual de Gabriela Mistral a lo que toca la literatura de autoría femenina
en las letras hispánicas, así como la importancia de analizar la repercusión de su obra en el
territorio brasileño, donde Mistral desarrolló trabajos significativos cuanto a la integración
entre los países latinoamericanos y también tuvo su producción reconocida mundialmente, esta
ponencia pretende observar la recepción crítica de su obra en Brasil. Para ello, este estudio se
basa en los aportes teóricos de la crítica feminista, centrados en re(examinar) las lecturas y
métodos defendidos por la crítica tradicional.
Palabras clave: Mujer; literatura; recepción crítica; Gabriela Mistral.
Introdução
Escritoras como Gabriela Mistral, sem dúvida, demonstram, juntamente com outras
grandes personalidades femininas, a importância das mulheres no espaço intelectual da
América Latina no século XX.
Em decorrência dos trabalhos desenvolvidos por Mistral na direção do Liceo de Niñas
de Temuco no Chile durante o período de 1918 e 1920 e no Liceo de Niñas Número 06 na
cidade de Santiago em 1921, ela viaja para o México em 1922, a convite do Ministro da
Educação José de Vasconcelos, para participar do programa educativo mexicano. Ainda nesse
mesmo ano, Gabriela publica Desolación pelo Instituto de las Españas en Nueva York. É a
partir desse momento, como lembra Nuria Girona (2005, p. 32), que a poetisa ganha projeção
literária, o que lhe permitiu realizar viagens por diversos países para desempenhar cargos
diplomáticos, como também para proferir conferências, receber prêmios e homenagens.
Mistral após deixar o Chile em 1922, como se sabe, ela voltou em poucas ocasiões ao
seu país, passou grande parte da sua vida viajando por diversos lugares.
O “nomadismo” mistraliano, como bem apontou Raquel Olea (s/d, não paginado),
corresponde a um aspecto crucial para entender a vida, bem como a trajetória profissional de
Gabriela Mistral.
Será durante a sua estadia no Brasil que a poetisa chilena receberá a notícia do Prêmio
Nobel de Literatura que lhe foi concedido em 1945 com a obra Tala. Ela passa a viver em terras
brasileiras em 1941, na cidade de Petrópolis, depois de um conturbado período de atividades
diplomáticas na Europa. Aqui Mistral pôde, em função do cargo que desempenhou junto ao
Consulado do Chile, executar projetos em parceria com diferentes escritores brasileiros,
segundo salienta Ana Pizarro:
En el período brasileño hay un proyecto intelectual que tiene que ver con la
configuración de América como unidad de las áreas hispana y lusoamericana
así como continúan la proyección de su futuro individual tal como fue
concebido tempranamente en términos también de vida intelectual: allí
recibe noticia del Premio Nobel, en 1945. Pero hay también un proyecto
personal que se ve destruido: en este lapso se suicida su hijo en Petrópolis.
(PIZARRO, 2005, p. 9).
Neste sentido, examinar a fortuna crítica de Gabriela Mistral no Brasil é uma forma de
repensar como esse significativo nome dentro da produção de autoria feminina na América
Latina foi recebido, lido e comentado pela crítica brasileira. Trata-se, portanto, de repensar até
que ponto a recepção da obra mistraliana ficou presa aos rótulos como a de “madre espiritual”
ou se foi possível atribuir a ela leituras que valorizassem o seu posicionamento como intelectual
preocupada com as causas feministas e com a ideia de integração cultural entre os países latino-
americanos.
Ao considerar a importância da tradução como veiculadora desse diálogo intercultural,
a presente pesquisa também visa a observar a repercussão da produção mistraliana, a partir das
versões em português, editadas no Brasil, de sua obra. Como lembra Vanamala Viswanatha e
Sherry Simon: “as traduções constituem uma reveladora porta de entrada para a dinâmica da
formação da identidade cultural nos contextos colonial e pós-colonial” (VISWANATHA;
SIMON apud BASSNETT, 2002, p.10).
Pascale Casanova (2001, p.192) reitera que o ato de traduzir vai além de aspectos
linguísticos ou formais da língua, uma vez que o tradutor, para a autora, tem o papel não
somente de fazer que uma língua tida como periférica seja introduzida no espaço “central”,
mas também de projetar o que é considerado “central” no contexto “periférico”. Diante disso,
a função do tradutor, para Pascale, é a de fazer com que essas diferentes obras literárias
circulem nos diferentes espaços letrados, o que a estudiosa chama de “literarização”
(CASANOVA, 2001, p. 183).
Ao pensar nessa importância do papel do tradutor, caberia pensar como a produção de
Gabriela Mistral se inseriu nesse processo de “literarização” no universo letrado brasileiro.
Valeria examinar ainda como os tradutores que se dedicaram à prática da tradução de sua obra
realizaram essas escolhas. Foram meras encomendas editoriais? Ou foram escolhas
ideológicas? Qual o papel dessas traduções no que diz respeito tanto à produção literária de
autoria feminina na América Latina quanto à ideia de integração cultural entre os países latino-
americanos?
A partir desses questionamentos este estudo pretende observar o diálogo entre as
traduções realizadas sobre a obra de Mistral no Brasil e o discurso predominante da crítica
literária brasileira sobre a poetisa. Para isso, o presente trabalho utilizou-se do Banco de Teses
e Periódicos da CAPES, o Arquivo digital mistraliano da Biblioteca Nacional do Chile, bem
como as bibliotecas que integram o banco de dados Dedalus da USP,
Desta forma, com a finalidade de ampliar o conhecimento em torno da recepção da obra
de Gabriela Mistral no Brasil, o presente texto apresenta um levantamento e estudo da
bibliografia crítica dos trabalhos publicados em nosso país sobre a poetisa chilena, como
também observa as traduções em português editadas no mercado editorial brasileiro da sua
produção literária. Espera-se, portanto, que este trabalho futuramente possa auxiliar aos
estudiosos da obra mistraliana, a partir do levantamento que aqui será realizado, como forma
de expandir o entendimento de sua obra, por meio da análise do discurso da crítica a respeito
da produção literária da autora de Tala.
Crítica cristalizada?
• MEIRELES, Cecília. Gabriela Mistral & Cecilia Meireles. Trad. Ruth Sylvia de
Miranda Salles. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2003.
Trata-se de uma obra que reúne ensaios de Cecilia Meireles e Adriana Valdés, bem
como poemas traduzidos por Ruth Sylvia de Miranda Salles. Há poemas de Cecília em
espanhol, como também poemas de Gabriela em português.
Ainda nesse mesmo acervo é possível encontrar títulos em jornais e trabalhos oriundos
de participação em eventos acadêmicos, a saber:
• MONTENEGRO, Pedro Paulo. Gabriela Mistral: Vida e obra. Clã: Revista de Cultura,
1958, v.17, p.110-118.
1
O texto, embora divulgado em um periódico acadêmico brasileiro, está publicado em espanhol.
Já com relação às teses e às dissertações, ao fazer um breve levantamento no banco de
teses da CAPES, constatam-se os seguintes títulos que envolvem a figura pública e a produção
de Gabriela Mistral:
• KIRINUS, Gloria Mercedes Valdivia de. Meia volta - volta e meia: em torno das
cantigas de roda de Cecilia Meireles e Gabriela Mistral. São Paulo, 1998. 307 f. Tese
(Doutorado)
• VASQUEZ, Carola Gabriela Sepulveda. Gabriela Mistral: das danças de roda de uma
professora consulesa no Brasil. Campinas, 2014. 194 f. Tese (Doutorado).
2
Sobre esse tema, destacam-se as teses de doutorado Entre leitores, bibliotecas, campos e jardins-Gabriela
Mistral e Cecília Meireles em projetos de educação popular no México (1920) e no Brasil (1930), de Rosangela
Veiga Julio Ferreira, Meia volta - volta e meia: em torno das cantigas de roda de Cecilia Meireles e Gabriela
Mistral, de Gloria Mercedes Valdivia de Kirinus e Gabriela Mistral: das danças de roda de uma professora
consulesa no Brasil, de Carola Gabriela Sepulveda Vasquez.
aproximação entre a escritora chilena e autoras latino-americanas3, bem como trabalhos
voltados para destacar o feminismo4 em Mistral e o americanismo em sua produção.
Como comentado anteriormente, apesar de poucos estudos sobre a autora de Tala no
Brasil, nota-se que a variedade temática dessas pesquisas acaba se sobressaindo inclusive com
relação à bibliografia crítica da autora difundida no Chile. Tais trabalhos descortinam aspectos
arraigados pela crítica tradicional, apontando até mesmo contradições em Gabriela Mistral
como ressalta Fiol-Mata:
[...] Entre uma identidade sexual proibida e uma identidade nacional racista,
permanecem as contradições de Mistral como mulher-raça: proclamando os
dogmas do latino-americanismo, trabalhando no interior de suas formulações
heteronormativas e de gênero, e reproduzindo o Estado racista e homofóbico.
[...] (FIOL-MATA, 2005, p.264).
Dessa forma, Fiol-Mata, assim como outros estudiosos da obra mistraliana, descontrói
o estereótipo de “madre espiritual”, atribuído por grande parte da crítica acerca da poetisa
chilena.
A proposta de percorrer o discurso da crítica sobre Gabriela Mistral no Brasil, se, por
um lado, mostra que ainda há um caminho a ser desbravado, por outro, evidencia a diversidade
de temas que a produção intelectual mistraliana tem despertado nos pesquisadores brasileiros.
A presença de poucos trabalhos sobre a autora é, no mínimo, inquietante, justamente ao levar
em conta a representatividade da sua obra e da sua atuação no cenário brasileiro, durante o
período em que ela viveu no Brasil.
Palavras finais
3
Com relação a esse aspecto, evidenciam-se as teses de doutorado As vestes do corpo e da melancolia na poesia
de autoria feminina: Cecília Meireles, Gabriela Mistral e Henriqueta Lisboa, de Adrienne Kátia Savazoni
Morelato e Um (in)visible college na América Latina: Cecília Meireles, Gabriela Mistral e Victoria Ocampo, de
Jacicarla Souza da Silva.
4
A respeito dessa temática, merece destaque a tese de doutorado Feminismo e gênero na prosa de Gabriela
Mistral, de Julio Aldinger Dalloz.
espanhol, são pouco exemplares que circulam em português. Ao realizar uma rápida consulta
na biblioteca da FFLCH da USP, por exemplo, encontram-se as seguintes edições:
A produção poética de Gabriela Mistral ainda pode ser lida em português nas
Antologias que apresentam um ou outro poema da escritora chilena como, por exemplo, nas
publicações a seguir:
• POETAS da américa de canto castelhano. Trad. Tradutor: Thiago de Mello, São Paulo:
Global, 2011. 494p.
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Sobre a colaboração de Henriqueta Lisboa e Cecília Meireles para a difusão da obra de Gabriela Mistral no
Brasil, ver 2ª parte da obra Um (in)visible college na América Latina: Cecília Meireles, Gabriela Mistral e
da produção mistraliana e, sem dúvida, colaboraram para que presença poética de Gabriela se
“literarizasse” e não se perdesse no idioma de Florbela Espanca.
Este breve percurso pela recepção crítica da obra de Mistral no Brasil aponta que nem
mesmo uma autora canônica como Gabriela está livre do esquecimento. Além disso, os
caminhos para os estudos no âmbito da crítica literária demonstram-se desafiadores, uma vez
que requer um olhar atento e vigilante para que não se caia nas armadilhas dos princípios
cristalizadores, os quais uma grande parte da crítica mistraliana parece ainda estar arraigada.
Referências
Victoria Ocampo, São Paulo: Editora Unesp, 2014, apresento de forma com exemplos pontuais. Livro disponível
em:
<http://editoraunesp.com.br/catalogo/9788568334263,um-invisible-college-na-america-latina>. Acesso em: 08
dez. 2017.
FIOL-MATTA, L. Mulher-Raça: A Reprodução da Nação em Gabriela Mistral. Revista
Estudos Feministas, 2005 maio-ago., v.13, n.2, p.227-264.
KIRINUS, G. M. V. de. Meia volta - volta e meia: em torno das cantigas de roda de Cecilia
Meireles e Gabriela Mistral. 1998. 307 f. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1998.
MARQUES, R. Henriqueta Lisboa: tradução e mediação cultural. Scripta, out. 2004, v.8, n.15,
p.202-212.
MEIRELES, C. Gabriela Mistral & Cecilia Meireles. Trad. Ruth Sylvia de Miranda Salles.
Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2003.
MISTRAL, G. Poesias escolhidas. Trad. Henriqueta Lisboa. Rio de Janeiro: Delta, 1964. 167
p.
MISTRAL, G.; MEIRELES, C. Gabriela Mistral & Cecilia Meireles. Ensaios de Cecilia
Meireles e Adriana Valdés. Poemas traduzidos por Ruth Sylvia de Miranda Salles. Rio de
Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2003.
MONTENEGRO, P. P. Gabriela Mistral: Vida e obra. Clã: Revista de Cultura, 1958, v.17,
p.110-118.
OLEA, R. Apuntes para (re)visar una biografía. Santiago: Universidad de Santiago e Chile,
s/d. Disponível em: <http://www.gabrielamistral.uchile.cl/estudiosframe.html>. Acesso em:
25 fev. 2011.
OLIVEIRA, A. M. D. de. Representações do feminino na prosa de Cecília Meireles. In:
Simpósio Nacional Mulher e Literatura, 10; Simpósio Internacional Mulher e Literatura, 1,
João Pessoa. (Comunicação), 2003.
Poetas da América de canto castelhano. Trad. Tradutor: Thiago de Mello, São Paulo: Global,
2011. 494p.
ZEGERS, P. P. B. Prólogo. In: MISTRAL, G. Niña errante: cartas a Doris Dana. Edición
Pablo Zegers. Santiago: Lumen, 2009. p.11-21.