Resumo I - Ortónimo-Fernando Pessoa

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Fernando Pessoa

História:

Modernismo- estende-se das vésperas da 1ª Guerra Mundial até à 2ª Guerra Mundial.


Fernando Pessoa abre caminho ao modernismo através da heteronímia, graças às diversas experiências e conceções estéticas.

Fernando Pessoa
Fernando Pessoa é o criador de uma “pequena humanidade”, constituída por figuras “exatamente humanas” com personalidade
própria, como:
 Alberto Caeiro- deseja ser natural;
 Ricardo Reis;
 Álvaro de Campos.
A sua criação literária reflete o “drama-em-gente”, com cada personalidade a ter temperamento, consciência, ideias e sentimentos
diversos do seu executor.

Temas e processos da poesia de Fernando Pessoa:


 Nostalgia da infância;
 Consciência da mortalidade;
 Complexidade da arte poética;
 Inexorabilidade da passagem do tempo- Ricardo Reis;
 Configurações do Ideal;
 Dor de pensar;
 Angústia existencial;

Temáticas:

 Fingimento artístico;
 Dor de pensar;
 Sonho e realidade;
 Nostalgia da infância.

Poesia:

A diversidade e unidade caracterizam a obra pessoana:


 Diversidade- o poeta foi, como ele próprio afirmou, “vários” (“Sou variamente outros.”; “Sinto-me múltiplo.”), tendo dado
voz a diferentes outros-heterónimos;
 Unidade- há temas comuns e estilos próximos, entre o poeta “ele mesmo”, o ortónimo, e os heterónimos.

Pessoa foi um poeta modernista e como tal, a sua poesia integra traços característicos de correntes artísticas da vanguarda, como o
Futurismo, o Sensacionismo, o Decadentismo, e revela, também influencias de Cesário Verde.
Fernando Pessoa
Heterónimos e semi-heterónimos- Surgem como estados de alma, com múltiplas vozes a exprimirem perceções, conhecimentos e
entendimentos da vida e do mundo.
Heterónimos- figura criada por um autor, com personalidade e estilo próprio, distintos dos desse autor.

Semi-heterónimo- escreve em prosa.

Poesia pessoana- drama de personalidades que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo; é constante o conflito entre o
pensar e o sentir, que revela a dificuldade de conciliar o que idealiza com o que consegue realizar.

Poesia do ortónimo

Poesia ortonímica- suavidade rítmica e musical; versos geralmente curtos.

A poesia do ortónimo centra-se no fingimento artístico, na dor de pensar, na dicotomia sonho/realidade e na nostalgia de infância.

 Fingimento artístico- “Autopsicografia” e “Isto” são composições nas quais o poeta se assume como um “fingidor”, isto é,
alguém que recria os sentimentos por meio da imaginação, do intelecto.

Esta atitude de intelectualização dos sentimentos (“ o que em mim sente ‘stá pensando”) provoca no sujeito poético um extremo
sofrimento, a dor de pensar, e desejos de conseguir ter uma “inconsciência consciente” e de conseguir formas de evasão. Daí a
valorização do sonho, como fuga possível à realidade, e da infância, época recordada com saudade e nostalgia, associada à felicidade
e unidade do “eu”.

Estilo e características formais dominantes:

 Regularidade estrófica, métrica e rimática;


 Vocabulário simples, naturalidade sintática e pontuação emotiva;
 Construção e composição estrófica regular;
 Musicalidade da linguagem (rima e aliterações);
 Soneto e outros;
 Recursos expressivos: aliteração, paralelismo, repetições, adjetivação expressiva, símbolos, anáforas, comparação, metáfora;

Dicotomia
Dicotomia- coisas que se opõem: “Emoção e pensamento”.

 Emoção- sentimento;
 Pensamento- abstração, intectualização.

Quanto mais consciência temos mais infelizes somos


Fernando Pessoa
Poesia do ortónimo- O fingimento artístico
 Fingimento artístico ≠ sinceridade humana;
 Intelectualização das emoções e das sensações experienciadas;
 A imaginação sobrepõe-se ao coração;
 Recusa da espontaneidade e emotividade literárias: a poesia é um produto intelectual.
O discurso poético pessoano afirma-se a partir da “aprendizagem de não sentir se não literariamente as ‘cousas’”, ou seja, em fingir
sentimentos, até mesmo os que verdadeiramente vivenciamos.
Pessoa filtra tudo através da inteligência, para ele tudo é inteligência e todo o texto é produto da imaginação. Na produção
literária, o poeta finge sentimentos, emoções, não deixando, no entanto, de haver verdade, só que essa verdade, essa sinceridade é
artisticamente trabalhada.
O poema torna-se assim, uma construção de sentido e não uma construção sentida: “uma intelectualização da sensibilidade”.

Autopsicografia Retrato psicológico

O poeta é um fingidor. Fingir- trabalhar/intelectualiza as emoções

Finge tão completamente Metáfora


Intelectualização da dor- o poeta O poeta tem uma dor, mas a dor que
afasta-se dos seus sentimentos para Que chega a fingir que é dor transmite nos poemas é uma dor
conseguir escrever os seus poemas. imaginária.
A dor que deveras sente.
Verdadeiramente

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve, poeta

Mas só a que eles não têm. leitores

Dor subjetiva
Obrigam ao movimento- simboliza uma
dependência entre a razão e a emoção. E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,


As razões sobrepõem-se ao coração.
Esse comboio de corda Dicotomia: pensar/sentir
Metáfora
Que se chama o coração. A função do comboio é entreter/
brincar uma criança, tal como o coração
Emoção faz com a razão, brinca com ela.
Fernando Pessoa
Análise:
Título: Auto- de si próprio; Psico- mente/psicológico ; Grafia- escrita

Utiliza a 3º pessoa como se fosse uma verdade universal.

Predominam as frases declarativas- informa/mostra algo.

Estrutura externa:
 Número de versos: 4- designação da estrofe: quadra;
 Verso: 7 silabas métricas (heptassílabo/ redondilha maior);
 Rima: cruzada (abab)

1º estrofe:

“o poeta é um fingidor”- máxima a partir da qual vai ser desenvolvida a teoria da criação poética.

O sujeito poético afirma que a dor que sente é diferente da dor que exprime no poema.

Fingir- trabalhar as emoções; o poeta não coloca no poema o que sente.

“O poeta é um fingidor”- predicativo do sujeito (“é” é um verbo copulativo)

Dores:
 Sentida pelo poeta- (dor vivida) “matéria-prima”; o poeta finge a dor, isto é, trabalha a dor;
 Escrita pelo poeta- (dor contada);
 Dos leitores- (dor sentida pelos leitores).

“Que chega a fingir que é dor”- 1º “que” introduz uma oração subordinada consecutiva e o 2º “que” introduzir uma
oração subordinada substantiva completiva

Intelectualizar= abstração.

“Finge tão completamente que chega a fingir que é dor, a dor que deveras sente.”
1ª- Oração subordinante;
2º Oração subordinada adverbial consecutiva (pergunta: é uma consequência, o que aconteceu?)
3ª Oração subordinada substantiva completiva (pergunta: o quê?)
4ª Oração adjetiva restritiva (o “que” refere-se à dor, dor é um adjetivo (“adjetiva”) e restringe (“restritiva”).

Dica: quando vires um “que” é um stop de oração.

2º estrofe:

O poeta dirige-se aos leitores- os leitores fazem a interpretação que não corresponde à dor que o poeta sente nem à dor que
transmite/ expressa no poema.
Fernando Pessoa
No fundo, os leitores apenas sentem uma dor “imaginária” que corresponde a uma dor que está presente na sua memória de
acontecimentos semelhantes pelos quais já tenham passado.

“Não as duas que ele teve,/ Mas só a que eles não têm”- a utilização destes pronomes pessoais, concretiza um
mecanismo de coesão referencial.

3º estrofe:

Há uma dicotomia: “pensar/sentir” - expressa na razão e pelo coração, mostra que a razão se sobrepõe ao coração, pelo que a
poesia corresponde à intelectualização da emoção.
 Emoção-leitores
 Razão- intelectualização= abstração.
O poeta parte das emoções e intelectualiza-as.

Antítese: razão/emoção.
“Esse comboio de corda/ Que se chama o coração.”- a oração subordinada desempenha a função de modificador do
nome restritivo.

Perguntas:

1. Ao longo do poema, é usada a 3ª pessoa verbal, já que o sujeito lítico se dedicar a tecer considerações de caracter abrangente
sobre a construção poética, que conforme o título anuncia, se aplicam a si próprio também. É utilizado a 3ª pessoa do singular
de forma a conferir uma universalidade e um distanciamento que a 1ª pessoa não permitiria.
2. Ainda que sinta, o poeta necessita de transformar, por meio da razão, as suas emoções, de modo a transmiti-las aos leitores.
Assim, a sua dor real passa a ser uma dor “fingida”, literariamente explorada. Aos leitores cabe interpretarem o que leem, sem
que experimentem os sentimentos do poeta. Sentem apenas aquilo que a sua interpretação determina.
3. A metáfora aproxima as duas entidades envolvidas no processo de comunicação poética, em que se concretiza o fingimento (a
“razão” e o “coração”).
3.2. !!A metáfora esclarece as relações razão/coração sobre que assenta a teoria expressa pelo sujeito poético. Tal
como o comboio de corda é continuamente guiado pelas calhas, assim o coração (fonte dos sentimentos e das emoções)
deve ser, segundo a teoria enunciada nas estrofes anteriores, orientado pelo pensamento, pela abstração. O coração
sente e o pensamento intelectualiza o que o coração sente. O movimento circular e repetitivo do comboio sugere a
constante interligação e interna dependência de ambos.
Fernando Pessoa
(É só) Isto- tentativa de resposta a quem o acusa Isto Pronome demonstrativo- artigo neutro
de mentir/fingir; tem um tom pejorativo/ irónico

Dizem que finjo ou minto


Aliteração do som Tudo o escrevo. Não. Racionalização da imaginação
“ss” (som + fechado) Eu simplesmente sinto em relação ao coração.
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Comparação- aproxima as Tudo o sonho ou passo, Vivência e sonho: sonho- o que


vivências reais do sujeito idealiza; passo- o que concretiza
O que me falha ou finda,
poético das suas aspirações É como que um terraço Obstáculo que o impede de
Ideia de recuperar o assunto Sobre outra cousa ainda. alcançar a perfeição.
da estrofe anterior. Essa cousa é que é linda.

Por isso escrevo em meio


Para escrever tem que se Do que não está ao pé, O que não foi intelectualizado
afastar daquilo que está Livre do meu enleio,
perto (emoções)
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê. O leitor acaba por se sentir de
um modo diferente do poeta.
Interrogação retórica
Sentir cabe apenas aos leitores

Análise:

Utilização da 1ª pessoa pois aplica-se à sua situação individual.


Verifica-se uma gradação de sons ao longo do poema que evidencia a passagem da emoção para a convicção, para mostrar que é
aquilo mesmo:
 1º sons fechados- “ss” que indicam momentos de tristeza;
 Depois sons abertos- “ff” que indicam felicidade.

Estrutura externa:
 Estrofes- quintilha;
 Verso- hexassílabo
 Rima- cruzada e emparelhada

1º estrofe:

Recusa qualquer equivalência/semelhança entre o fingimento e a mentira, já que o fingimento poético é fruto da imaginação não do
coração.
Nesta perspetiva o fingimento poético resulta da intelectualização do sentir/emoção.
Fernando Pessoa
2º estrofe:

“Tudo o que sonho ou passo”- não é igual, o que o faz sentir transtornado /frustrado.

Parte do que sonha e do que vive, desejando alcançar “essa cousa que é linda” (v10.). No entanto, esta oposição entre o sonho e a
realidade constitui simbolicamente uma dificuldade, pelo que esta beleza que pretende alcançar se torna inacessível.

O poeta tem a noção que existe muito mais do que ele consegue alcançar, pois o pensamento vai muito mais além.

3º estrofe:

Para ultrapassar a dificuldade sentida, o sujeito poético procura libertar-se de tudo o que o rodeia, ou seja, das suas emoções mais
imediatas, de modo a alcançar o que é verdadeiramente belo.
Assim sendo, liberta-se da sinceridade humana, dos sentimentos espontâneos, deixando esse papel a cargo do leitor, ou seja, são
eles que devem fazer a interpretação do poema.

Perguntas:

1. Passagem em que o sujeito poético explícito o conceito de “fingimento”, conforme descrito em “Autopsicografia”: “Eu
simplesmente sinto / Com a imaginação”.
2. “Dizem que finjo ou minto”- é usado um sujeito indeterminado para aludir a todos os que revelaram uma atitude crítica face
ao fingimento poético pessoano.
2.2. “Tudo o escrevo. Não / Eu simplesmente sinto / Com a imaginação. / Não uso o coração.”- com o recurso ao advérbio, o
sujeito poético refuta os comentários que lhe são dirigidos e sintetiza a sua teoria da criação artística em 2 frases
declarativas.
2.3. “Eu simplesmente sinto”- o advérbio “simplesmente” reforça a ideia de naturalidade dos princípios poéticos de Pessoa e
introduz uma nota irónica no texto, dirigida aos que veem neles apenas uma complexa e insincera elaboração intelectual.
2.5 A ideia do “terraço”, espaço/tempo intermédio entre o que “eu” experimenta e o que deseja, é reforçada, na ultima
estrofe, pelas expressões “em meio”, “enleio” e “ [D]o que não está ao pé”
2.6. A interrogação retórica do último verso conclui e reforça as explicações do sujeito poético, antecipando novas dúvidas
face à sua teoria do fingimento e remetendo o “sentir” para o leitor.
3. O poema constitui uma espécie de “resposta poética” aos que, provavelmente na sequência de “Autopsicografia” e falhando
na interpretação deste poema, o acusavam de mentir nos poemas que escrevia. A esses, o poeta parece querer responder que a
sua teoria criativa é apenas “Isto”.

Outras notas:

Mundo sensível- sentidos; mundo que não estamos presos;


Mundo Inteligível- das ideias puras.
Fernando Pessoa
Poesia do ortónimo- A dor do pensar
 A intelectualização excessiva causa sofrimento, angustia e frustração;
 Dicotomia consciência/inconsciência; pensar/sentir; infeliz/feliz; pensamento/vontade; fingimento/sinceridade;
 Desejo de evasão: ser inconsciente, ser feliz;
 Impossibilidade de ser conscientemente inconsciente.
A dor do pensar é uma temática recorrente na poesia ortónima: “Doo-me até onde penso, / E a dor é já de pensar…”, visível em
poemas onde privilegia as leis do instinto.
Pessoa inveja a inconsciência dos seres naturais, pois segundo ele quanto mais pensante se é, menos feliz se é.

A ceifeira

Canto=Felicidade Triste/ infeliz


É inconsciente, pois se fosse Ela canta, pobre ceifeira, Paradoxo
consciente estaria triste Julgando-se feliz talvez; Canta mas está inconsciente,
Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia pois não tem razões para cantar.
De alegre e anónima viuvez,
É viúva e à medida que ceifa
canta. Sendo viúva, precisa de
Dá um caracter

Comparação Ondula como um canto de ave


trabalhar, porque o marido era
musical

Metáfora- compara o canto No ar limpo como um limiar,


o sustento da família.
dela com o das aves e o E há curvas no enredo suave
trabalho dela requer Do som que ela tem a cantar.
movimento (“ondular”) Ouvi-la alegra-o (por causa do
Ouvi-la alegra e entristece, canto) e entristece-o (porque
Apesar de ser uma vida dura, Na sua voz há o campo e a lida, reconhece a dor dela).
difícil, ela canta como se E canta como se tivesse
tivesse razões para cantar. Mais razões p’ra cantar que a vida.

Interjeição Sentimentos do sujeito poético:


Ah, canta, canta sem razão! angústia
O sujeito poético sente O que em mim sente ‘stá pensando.
Derrama no meu coração Racional- tristeza pois encontra
alegria (coração)
motivos para ela não cantar
A tua incerta voz ondeando!
Sem motivo de felicidade.
Paradoxo: ele queria ser Ah, poder ser tu, sendo eu! Se ela pensasse na vida dura,
inconsciente, mas estar Ter a tua alegre inconsciência, ela não cantava.
ciente que o é.- impossível. E a consciência disso! Ó céu!
Apostrofes Ó campo! ó canção! A ciência Consciência
Prende
O sujeito poético é marcado Pesa tanto e a vida é tão breve! As exclamações são os
pela tristeza, o que explica os Entrai por mim dentro! Tornai sentimentos do poeta
heterónimos, ele quer ser feliz,
alegre, ter paz e liberdade.
Fernando Pessoa Minha alma a vossa sombra leve! Desejo da
Depois, levando-me, passai! morte
Análise:
Se passasse um pouco
disto ele ficava feliz
A Ceifeira é alguém que ceifa com uma foice, tem uma vida difícil, porque trabalha no verão, em pleno calor.

Divisão do poema de acordo com a pontuação:


 Estrofe 1-3: frases declarativas- o sujeito poético descreve o que ele toma contacto através da audição (exteriormente);
 Estrofes 4-6: frases exclamativas- temos presente as emoções do sujeito poético (interiormente).

Estrutura externa:
 Estrofes- sextilha;
 Versos- Octossílabo;
 Rima- cruzada

1º estrofe:

O sujeito poético contacta com a ceifeira através do som. Parte da observação da ceifeira, julgando-a feliz, ainda que ela possa ter
condições pessoais e profissionais que a podiam impedir de o ser (ceifeira, viúva)…

“Julgando-se feliz talvez;”-predicativo do complemento direto

2º estrofe:

Torna evidente que o canto dela deixa transparecer essa felicidade.

3º estrofe:

O sujeito poético sente-se simultaneamente alegre e triste (sentimento paradoxal) decorrente da observação.

4º estrofe:

Constatação por parte do sujeito poético de que a ceifeira canta sem pensar (v13). Por outro lado, conclui que ele está
permanentemente a pensar.

“O que em mim sente ‘stá pensando.”- predicativo do sujeito

5º estrofe:

O sujeito poético deseja ser o outro (inconscientemente feliz) tal como a ceifeira, ainda que se aperceba da impossibilidade de
concretizar esse desejo.
Dicotomia (oposição): consciência/inconsciência; feliz/infeliz; sentir/pensar.

Apostrofes: representam aspetos relacionados à ceifeira, ao seu estado de viver.

6º estrofe:

Constatação que a vida é uma passagem.


Fernando Pessoa
Volta a concentrar-se naquilo que vive e constata que não pode ser inconsciente.

“A ciência/ Pesa tanto e a vida é tão breve!” - predicativo do sujeito


“Tornai / Minha alma a vossa sombra leve!” - predicativo do sujeito.

Perguntas:
1. O texto estrutura-se em duas partes. Na primeira, que ocupa as três primeiras estrofes, a atenção do sujeito poético incide
sobre o canto da ceifeira e os efeitos (contraditórios) que o mesmo exerce sobre si próprio. Na segunda, que se prolonga pelas
três últimas estrofes, o “eu” lírico manifesta o desejo de se transformar num ser mais natural, semelhante à ceifeira.
2. A ceifeira aparenta estar “feliz” (v. 2) e canta, com uma “voz” “alegre”, “como se tivesse / Mais razões p’ra cantar que a vida”
(vv. 11-12). É associada ao “campo” e à “lida”/trabalho dia´rio do campo (v. 10) e, essencialmente, atrai o sujeito poético pela
sua “inconsciência” (v. 18), que lhe permite ser “alegre”, ou seja, alcançar a felicidade.
3. O verso 14 explica os motivos pelos quais o canto da ceifeira provoca no sujeito poético sentimentos contraditórios (v. 9): ao
contrário dela, ele não consegue viver “sem razão” (v. 13) e está constantemente “pensando”.
4.1. Infinitivo pessoal (“poder ser”, v. 17, [poder] “Ter”, v. 18) e imperativo (“Derrama”, v. 15, “Entrai”, v. 22, “Tornai”, v. 22,
“passai”, v. 24).
4.2. O desejo de receber na sua alma o canto da ceifeira (vv. 15-16) mostra-se viável, ao contrário da aspiração a conseguir a “alegre
inconsciência” (v. 18) da ceifeira, mas, ao mesmo tempo, “a consciência disso!” (v. 19).
5. Através da apóstrofe aos elementos naturais (“céu”, “campo”, “canção”) e da constatação de que a “ciência”, o conhecimento,
“pesa tanto” numa “vida” “tão breve”, o sujeito poético revela o seu desejo de se aproximar mais do estado de “inconsciência” (v.
18) e manifesta, assim, a dor que sente por ser consciente (dor de pensar).

Gato que brincas na rua


Comparação: faz o que quer sem
Apóstrofe- aproximação convenções: é indiferente o espaço
do “eu” lírico do gato
Gato que brincas na rua
em que brinca.
Como se fosse na cama,
Rege-se pelos instintos, o Sorte= destino
Invejo a sorte que é tua
gato segue a sua
natureza (ser irracional)
Porque nem sorte se chama.

Leis fatais= Destino. Recurso Expressivo- Apóstrofe;


Bom servo das leis fatais
São recebidas pelo gato que as Função sintática- vocativo
Que regem pedras e gentes,
cumpre obedientemente
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes,
É um ser natural
És feliz porque és assim,
O gato não é nada,
Todo o nada que és é teu.
porque não pensa
Pensar/ consciência Eu vejo-me e estou sem mim,
(racionalidade) Conheço-me e não sou eu. Está infeliz
Análise:
Fernando Pessoa
Gato: O sujeito poético admira a ausência de preocupações, a calma, a irracionalidade e o aceitamento do seu destino (nacimento,
crescimento e morte) e o facto de ele agir pelos instintos- é um ser natural.
Pois o sujeito poético transforma as suas emoções em pensamentos e sente-se estranho a si mesmo- tem lucidez, o que o faz ser
frustrado e infeliz.

1º estrofe:

“Gato que brincas na rua/ Como se fosse na cama, / Invejo a sorte que é tua / Porque nem sorte se chama.”.

“Porque nem sorte se chama” - função sintática de modificador; Oração subordinada adverbial causal.

2º estrofe:

Vocativo que integra:


 “bom” – modificador restritivo do nome “servo”;
 “das leis fatais” – complemento do nome;
 “fatais” – modificador restritivo do nome;
 “Que regem pedras e gentes” – modificador restritivo do nome;
 “Que” – sujeito;
 “regem pedras e gentes” – predicado;
 “pedras e gentes” – complemento direto;
 “Que tens instintos gerais” – modificador restritivo do nome;
 “Que” – sujeito;
 “tens instintos gerais” – predicado;
 “instintos gerais” – complemento direto;
 “gerais” – modificador restritivo do nome;
 “E [que] sentes só o que sentes” – modificador restritivo do nome;
 “sentes só o que sentes” – predicado;
 “só o que sentes” – complemento direto.

3º estrofe:

“És feliz porque és assim”- sujeito subentendido.

“És feliz porque és assim, / Todo o nada que és é teu.”

És feliz- oração subordinante;


Porque és assim- oração subordinada adverbial causal;
Que és – oração subordinada adjetiva relativa restritiva;
Todo o nada é teu.- oração subordinante.

“Eu vejo-me e estou sem mim, / Conheço-me e não sou eu.” - Orações coordenadas copulativas

Deíticos pessoais: 4. “És” (vv. 9-10); “teu” (v. 10); “Eu” (v. 11); “vejo” (v. 11); “me” (v. 11); “estou” (v. 11); “mim” (v11);
“Conheço” (v. 12); “me” (v. 12); “sou” (v. 12); “eu” (v. 12).
Perguntas:
Fernando Pessoa
1. 1. O sujeito poético inveja o gato pela ausência de preocupações com que vive, resultado da sua irracionalidade
(“Invejo a sorte que é tua / Porque nem sorte se chama.”, vv. 3-4), pela sua calma aceitação do destino (“Bom
servo das leis fatais”, v. 5), por agir apenas por “instintos gerais” (v. 7), ou seja, comandado apenas pelos
sentimentos (“sentes só o que sentes”, v. 8), conseguindo, assim, ser “feliz” (v. 9).
2. Através do apóstrofe, o sujeito poético aproxima-se da entidade que admira e caracteriza-a usando uma
comparação. Com a comparação destaca a naturalidade com que o gato age, uma vez que está live das
convenções que nos prendem e vive apenas segundo a sua vontade e os instintos próprios de animal irracional.
3. A) A expressão destaca o facto de, num ser que age apenas por “instintos gerais” (v. 7) a “sorte” não ser um
conceito reconhecido, isto é, não pertence a um ser irracional.
3.B) “Todo o nada” que o gato é, porque não pensa no que é, lhe pertence, já que depende exclusivamente dos
seus sentidos/sentimentos. Há uma tensão sentir/pensar.
4. Os dois últimos versos do poema remetem para a situação particular do sujeito poético. Neles, o “eu” que refletiu
sobre a natureza do gato constata que dele se diferencia por não se dominar completamente, uma vez que transforma
permanentemente as suas emoções em pensamentos. Por isso, sente-se estranho face a si mesmo.
5. O poema é constituído por três quadras de versos heptassilábicos (redondilha maior) e com rima cruzada.

Poesia do ortónimo- Sonho e realidade


Na poesia de Fernando Pessoa é recorrente a dicotomia sonho/realidade.

Realidade:

 Tédio existencial (desalento e angústia);


 Introspeção e autoanálise (estranheza e desconhecimento do “eu”);
 Fragmentação interior (drama da identidade perdida);

O sonho pode ser, muitas vezes, uma forma de evasão e refúgio para o sujeito poético que se sente prisioneiro no interior de si
mesmo.

 Transmissão entre a realidade e o mundo onírico;


 Evasão e refúgio, através do sonho;
 Indistinção entre estados ilusórios e reais.

Não sei se é sonho, se realidade

Não sei se é sonho, se realidade, Aliteração


Se uma mistura de sonho e vida,
Mundo idealizado Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali Daíticos espaciais
A vida é jovem e o amor sorri.
Fernando Pessoa
Paradoxo: os Cenário parasidiaco
Talvez palmares inexistentes,
palmares não
podem não existir Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego deem aos crentes
Interrogação De que essa terra se pode ter.
retórica Felizes, nós? Ah, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez.
Conjunção adversativa: Repetição
mudança do tom do poema Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar, Metáfora: é uma ilha
A racionalização
Sob os palmares, à luz da lua, extrema, inalcançável
estraga a sua felicidade
Sente-se o frio de haver luar.
Ah, nesta terra também, também
Antítese: a razão domina sobre o sonho;
O mal não cessa, não dura o bem.
vem impossibilitar a sua concretização.
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Mundo Real Que cura a alma seu mal profundo,
Anáfora
(realidade) Que o bem nos entra no coração.
Reforça a ideia de que o sonho
É em nós que é tudo. É ali, ali,
é felicidade e o que está no v5
Que a vida é jovem e o amor sorri.
Distante da realidade,
Síntese- a felicidade está em nós e no sonho. assim como o sonho
Depois de sonhar, a realidade é um desespero

Análise:

1º estrofe:

Oposição sonho/ realidade;


Diminuição do sonho associado a uma ilha que simboliza um espaço de felicidade, isto é, a felicidade está no sonho.
Desejo de invasão/fugir para o sonho.

2º estrofe:

Continua a oposição, mas para constatar no final que talvez possamos ser felizes nessa outra terra (diminuição da possibilidade).

3º estrofe:

O sujeito poético conclui que a sua atividade pensante, o facto do permanentemente questionar/refletir faz com que o deixe de
sonhar e se aperceba da realidade envolvente.
Fernando Pessoa
4º estrofe:

O sujeito poético realça que a felicidade está em cada um de nós pelo que cabe a cada um tentar encontrar a solução para os seus
problemas existenciais.
Somos felizes no sonho, depois temos que retomar à realidade.

Perguntas:
1. A ilha é “uma mistura de sonho e vida” (v. 2), caracterizada pela “suavidade” (v. 3) e pela presença do “amor” (v.6). Pelas suas
qualidades, é um local desejado pelo sujeito poético (v. 5).

Poesia do ortónimo- Nostalgia de Infância


Pessoa sentia uma grande saudade da sua infância, mas trata-se de uma nostalgia imaginária, intelectualmente trabalhada e
literariamente sentida como “um sabor de infância triste”.
A saudade é símbolo de pureza, inconsciência, sonho, paraíso perdido.
O tom de lamento que perpassa nalguns dos seus poemas resulta do constante confronto com a criança que outrora foi numa
Lisboa sonhada, mas ao mesmo tempo real.
Insatisfeito com o presente e incapaz de o viver em plenitude, Pessoa refugia-se numa infância intelectualizada.

 Nostalgia de uma infância idealizada e estilizada;


 A infância como paraíso perdido;
 Desejo frustrado de reviver a infância no presente;
 Saudade de um passado feliz.
 Tempo de pureza, felicidade, inconsciência e unidade;
 Saudade intelectual e literariamente trabalhada.

Quando as crianças brincam


Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar, Estímulo
Ele começa a alegrar-se Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.

E toda aquela infância


O passado e o presente Que não tive me vem,
Metáfora: ele sente alegria de algo; A
fundam-se num só. Numa onda de alegria
alegria não pertence a ninguém-
O sujeito poético acha Que não foi de ninguém. construiu na imaginação
que é feliz. passado mistério
Se quem fui é enigma, A nossa visão assenta nos
futuro E quem serei visão, nossos sonhos, incerto
Presente: algo certo Quem sou ao menos sinta
Fernando Pessoa Isto no coração.
Deítico; pronome demonstrativo;
“Isto” refere-se à onda de alegria: impossibilidade de definir o que
sente ao referente, contribui para intensificar a memoria construída.
Mistério da infância e os sonhos para o futuro

Análise:
Verifica-se um sentimento de alegria e de saudade.
É preferível ele alegrar-se com uma memoria intelectualizada pois é assim que se satisfaz.

Temos neste poema a alusão ao passado, ao presente e ao futuro- traduz o passar do tempo; ao olhar para trás, surge um
sentimento intenso que resulta da memoria de infância.

1ª estrofe

O sujeito poético toma contacto com as crianças através da audição.

2ª estrofe

O sujeito poético gostava de ter uma memória de infância, o que tem é uma mera construção intelectual.

3ª estrofe

Descreve o futuro como uma visão, algo que não consegue alcançar.

Pobre velha música

Pobre velha música!


Não sei por que agrado,
Angústia: o sujeito Enche-se de lágrimas
poético pensa e Meu olhar parado.
perde a bondade Criança
Recordo outro ouvir-te.
Não sei se te ouvi
Intelectualização Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Ele sente a alegria Com que ânsia tão raiva


através da Quero aquele outrora! Ele através da construção mental
recordação da E eu era feliz? Não sei: recorda a música intelectualizada de
pobre velha música Fui-o outrora agora. um outrora (infância) e é feliz.
Fernando Pessoa
Fernando Pessoa
Liberdade Inconsciência; liberdade da dor de pensar

Ato espontâneo sem se servir do


pensamento. Assim que começar Ai que prazer
a pensar nas consequências vem a
Dor de Pensar.
Não cumprir um dever,
obrigação
Ter um livro para ler
E não o fazer! Valorização de elementos naturais,
Ler é maçada, pois estes são livres
Recuso do trabalho intelectual Estudar é nada.
O sol doura
Sem literatura.
O rio é livre, nós não O rio corre, bem ou mal, Aliteração do som “ss”
Sem edição original. para prolongar a brisa
O rio é sempre igual
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa.

Não se usa o pensamento Livros são papeis pintados com tinta.


Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma, Esperança para que o país encontre


Sebastianismo
Esperar por D. Sebastião, soluções para os seus problemas políticos,
Quer venha ou não! económicos…

Grande é a poesia, a bondade e as danças… são livres, se forem


Contraste da informação Mas o melhor do mundo são crianças, espontâneas
entre os versos Flores, música, o luar, e o sol, que peca Não há intelectualização de nada, por
Só quando, em vez de criar, seca. exemplo as crianças, flores…

O mais do que isto O sol contribui para a


criação e para a destruição
É Jesus Cristo,
Conhecimento; Que não sabia nada de finanças Dependemos das finanças,
Sem conhecimento não elas controlam o homem
Nem consta que tivesse biblioteca…
há intelectualização

Análise:
Na natureza não há pensamentos associados.
Temos presente uma realidade de dor de pensar.
Não há uma regra própria de estrofes, o que remete para o título, a liberdade.
Fernando Pessoa

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