LIVRO Paradigmas Educacionais A Antiguid
LIVRO Paradigmas Educacionais A Antiguid
LIVRO Paradigmas Educacionais A Antiguid
de Jesus
Anni Marcelli S. de Jesus
(Orgs.)
Paradigmas
Educacionais
Governo do Estado do Amazonas
editoraUEA
Sindia Siqueira
Editora Executiva
Samara Nina
Produção Editorial
Paradigmas Educacionais
A Antiguidade Greco-Romana em Diálogo
Giuliana Loureiro
Raquel Ponce
Samara Nina
Projeto Gráfico
Raquel Ponce
Diagramação
Sindia Siqueira
Coordenação Editorial
ISBN 978-65-87214-00-9
1. Linguagem. 2. Antiguidade. 3. Estudo. I. Jesus, Carlos Renato R. de. II. Jesus, Anni
Marcelli S. de. III. Título.
editoraUEA
Este livro é, em sua maior parte, resultado das comunicações orais realizadas entre
30 de maio e 02 de junho de 2018, na ESCOLA NORMAL SUPERIOR/UEA, por ocasião
da II Semana Internacional de Estudos Clássicos do Amazonas-SECLAM, cujo tema foi
“Educação, linguagem e ensino: a (re)construção do papel do educador da Antiguidade
aos nossos dias”. Trata-se de 23 textos, divididos em 4 partes, que procuram, em sua
grande maioria, delinear um panorama lúcido acerca do tema “educação” ao longo
dos séculos, discutindo seu percurso, relações, práticas, conceitos, manifestações e
recepção. A primeira parte – chamada “Incursão a questões de ensino na Antiguidade
Clássica” – lida especificamente com temas relativos à educação antiga, pontuando
características do mundo greco-romano em diversos gêneros literários. A segunda parte,
intitulada “Diálogos educacionais e outros paradigmas”, procura evidenciar as formas
com que os temas clássicos podem alcançar o pensamento contemporâneo sobre ensino/
aprendizagem, seja das línguas antigas, seja de línguas modernas, sob respectivos
postulados inerentes aos contexto em que o processo educacional se desenvolve. A
terceira parte, “Excursus literário: manifestações e recepções”, abre espaço para os
trabalhos que priorizam a literatura antiga em suas prerrogativas coevas, medievais
e, como é de se esperar, hodiernas, como forma de evidenciar o perene diálogo com a
cultura moderna. Por fim a última parte, “Amazonas: língua e poesia”, apresenta dois
trabalhos que acionam pesquisas realizadas nesses campos, no Amazonas.
Os textos foram submetidos a um egrégio comitê científico, que os avaliou de forma
muito rigorosa, garantindo a qualidade da presente coletânea, cujos autores – todos
mestrandos, mestres, doutorandos, doutores, bem como pesquisadores e profissionais –
iluminaram o evento de 2018 com pertinentes e interessantes questões e reflexões que
agora seguem disponibilizadas para a comunidade acadêmica e demais interessados.
Este livro contou ainda com a gentil colaboração de um dos maiores estudiosos da
Língua Portuguesa do mundo, o filólogo e gramático brasileiro Evanildo Bechara, que,
convidado para a conferência de abertura da II SECLAM, infelizmente não pôde estar
presente, mas enviou seu texto, que abre os demais subsequentes.
Agradecemos a todos que colaboraram com esta publicação e esperamos novas
contribuições em eventos futuros.
Os organizadores.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Há uma ideia muito divulgada, segundo a qual uma pessoa para saber
um dedo de português precisa saber dois dedos de latim. A ideia deve ter
aumentado seus pretendidos foros de verdade quando, no século XIX, foi
inaugurado o método histórico-comparativo, com aqueles estudiosos que
defendiam a tese de que o presente de uma língua se explicava pelo seu
passado. Assim, o ensinamento entrou até nos cursos elementares de língua
portuguesa. Exemplo corriqueiro disto estava na explicação aos alunos por
que o verbo pôr, não terminando em -er como vender, deveria pertencer à
segunda conjugação: o verbo pôr procede de poer, e este do latim ponere.
Na conjugação do verbo, reapareceria a vogal temática e: ponho, pões, põe.
Mas nem tudo na história da língua é evolução; há também inovações,
fenômenos que não seguem o curso “normal” da história. É o caso do verbo
cair, definitivamente da 3ª conjugação no português moderno (a partir do
séc. XVI), mas que anteriormente pertencia à 2ª conjugação: caer, do latim
cadere. Prova da pertença ao antigo grupo representam os empréstimos
tirados diretamente do latim, como cadente (estrela cadente), e não cadinte.
Por este modo histórico, pelo qual o presente é explicado pelo passado,
era natural que a língua-fonte para o português fosse o latim. Daí a afirmação
de que para se saber um dedo de português seriam necessários dois dedos
de latim. Mas, já estribado no ensinamento de Meyer-Lübke, a sintaxe
românica − e é aí o domínio da língua portuguesa onde mais pululam os
desvios da norma original − que a sintaxe românica moderna está mais
proximamente relacionada, em muitos aspectos, com o alto alemão moderno
ou com o grego moderno do que com o latim antigo. É na morfologia que
se revela em toda a sua força a íntima relação histórica entre o latim e as
línguas românicas como sua continuação ininterrupta no tempo e no espaço.
Outros defensores há da presença do latim num curso de humanidade
apoiados na convicção de que o latim é o porta-voz do pensamento grego.
Acerca dessa razão se pronunciou um linguista e helenista moderno de
autoridade reconhecida, o suíço Charles Bally. Num dos capítulos de seu
livro Le langage et la vie, sob o título “Por que se aprende latim?”, tece o
11
1 . Muito do que aqui se vai ler já se tinha dito por alguns linguistas e pedagogos, entre os quais desejo destacar
agora o genial Michel Bréal.
“A matemática, por maior importância que lhe atribuam os pedagogistas
que seguem Augusto Comte, está longe de ter o valor educativo que os
discípulos de Aristóteles sempre viram na lógica. A tradição aristotélica
afirma a superioridade das disciplinas de letras sobre as ciências e, se não
preconiza já o ensino da gramática, da retórica e da dialética nos termos em
que foi ministrado pelos medievais e pelos modernos, verifica e confirma
que, sem estudo intenso da linguística, da estilística e da lógica, não pode
haver concreta e gradativa ascensão da inteligência para o universal. O
estudante que cedo ficar habilitado a escrever com palavras suas o que
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
cidade em Aristófanes
Ana Maria César Pompeu (UFC)
Introdução
nubes, a la que se debe adequar, como se disse em Las ranas, la σύστασις πραγμάτων, la composición de la obra.
as fábulas de Esopo, de que se lembrava, considerando que para fazer
poesia é necessário criar mitos.
5. “O emprego pela primeira vez de termos usados numa acepção técnica
pela crítica literária posterior”5: frio (ψυχρός, Tesmoforiantes, 170, 848),
elegante (ἀστεῖον, Rãs 901), imagem, símil (εἰκών, Rãs, 912), loquacidade
(στωμυλία, Rãs, 1069-1071, 1310), recheio, supérfluo (στοιβή, Rãs, 1178),
bombástico, enfático (στόμφαξ, Nuvens, 1367).
1. Acarnenses6
5 . El empleo por primera vez de términos usados en uma acepción técnica por la crítica literária posterior.
17
6 . Revisões da nossa tese de doutorado: Aristófanes e Platão: a justiça na pólis, publicada em livro em 2011
(POMPEU, 2011).
Para Plácido (2001, p. 21-23), a comédia é um privilegiado exemplo da
integração do campo na cidade, convertida em festa cívica, como símbolo
dos avanços da urbe. Mas a comédia conserva seus vínculos, quando o
cidadão ri do camponês e este aponta os efeitos da política da cidade sobre
o campo. A religião rural está presente em Atenas, e, embora represente
um pensamento conservador, estranho aos interesses das novas formas
econômicas ligadas à urbe, também traduz formas de comportamento e de
pensamento que, desde sua origem, revelam o apego às formas livres de
organização e de conduta individual.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Sóc. Será de outro modo que não seja produzir trigo, vinho, vestuário e
calçado? E, depois de terem construído casas, trabalharão, no verão, quase nus,
e descalços, mas, no inverno suficientemente vestidos e calçados. Alimentar-
se-ão com farinha preparada, uma com cevada, outra com trigo, esta cozida,
e aquela amassada; com isso farão uma boa massa e pães, que serão servidos
em ramos ou em folhas limpas, reclinar-se-ão em leitos de folhagem de alegra-
campo e mirto, banquetear-se-ão, eles e os filhos, bebendo por cima vinho,
coroados de flores, e cantando hinos aos deuses, num agradável convívio uns
com os outros, sem terem filhos além dos seus recursos, com receio da penúria
ou da guerra.
[...]
Sóc. Também hão de ter um conduto. É evidente que hão de fazer cozidos com
sal, azeitona, queijo, bolbos e legumes, coisas que há no campo. Havemos
mesmo de servir-lhes sobremesa de figos, grão de bico e favas, e torrarão ao
fogo bagas de mirto e bolotas, enquanto bebem moderadamente. E assim
passarão a vida em paz e com saúde, morrerão velhos, como é natural, e
transmitirão aos seus descendentes uma vida da mesma qualidade (372 a-e)7.
Mas, Glauco tendo exigido que a cidade fosse como a atual, com todos
os luxos, Sócrates amplia os horizontes da sua cidade ideal:
Sóc. Portanto, temos de tornar a cidade maior. A que era sã não é bastante,
mas temos de a encher de uma multidão de pessoas, que já não se encontra na
cidade por ser necessária, como os caçadores de toda a espécie e imitadores,
muitos dos quais são os que se ocupam de desenho e cores, muitos outros
da arte das Musas, ou seja, os poetas e seus servidores – rapsodos, atores,
coreutas, empresários -, artífices que fabriquem toda a espécie de utensílios,
sobretudo adereços femininos. E, em especial, precisamos de mais servidores.
Sóc. E a região que então fora suficiente para alimentar a população de outrora,
de bastante que era, se tornará exígua. [...] Portanto, não precisaremos roubar
a terra dos nossos vizinhos, se queremos ter o suficiente para as pastagens e
lavoura, e aqueles, por sua vez, não farão o mesmo com a nossa, se também
eles se abandonarem ao desejo da posse ilimitada de riquezas, ultrapassando
a fronteira do necessário? [...] Havemos então de fazer a guerra. Sóc. E não
digamos seja o que for – declarei – se a guerra faz qualquer bem ou mal, mas
18
7 . As passagens da República são traduzidas por Maria Helena da Rocha Pereira. Fundação Calouste Gulbenkian,
7a. edição. 1993.
somente isto, que descobrimos a origem da guerra, de onde derivam sobretudo
as desgraças particulares e públicas para as cidades, cada vez que ela se
origina (373 a-e).
aspecto cultural, pois, como afirma Campton-Engle (1999, p. 359), ele passa
de um admirador do teatro de Ésquilo a um ator do teatro de Eurípides, na
paródia de Télefo.
Um ponto importante de convergência entre comédia antiga e o diálogo
platônico é a forma misturada ou multigenérica. Ambos incorporam outros
gêneros de discursos em seus dramas. Esta inclusão é sempre orientada
para a disputa de vozes públicas, que era um traço importante da vida social
e política na Atenas democrática. Foi a comédia antiga que, certamente,
ofereceu a Platão um modelo para dramatizar e criticar a “disputa de vozes
públicas” em Atenas e para listar uma nova e privilegiada voz na competição.
Numa comédia, para fazer uma defesa polêmica, seria preciso encontrar
uma máscara no gênero sério, a tragédia, para que tal discurso fosse
investido de solenidade, causando compaixão, e ainda usando de retórica
sofística. Aproveitando, desse modo, a ocasião para satirizar Eurípides, o
mestre das soluções fantásticas. E o riso está garantido pela paródia trágica.
Diceópolis, como o poeta cômico, não falaria mal da cidade, mas de
alguns cidadãos. O serviço prestado a Atenas estava em falar o que é justo,
mesmo que seja algo difícil de dizer, pois ele não agia como os aduladores,
que só fazem elogios, não para o bem da cidade, mas para o deles próprios.
Colocando a cabeça no cepo, Diceópolis diz que falará o que pensa sobre os
Lacedemônios.
Na Apologia, o personagem Sócrates se defende perante a cidade,
dizendo que só praticou a justiça e aconselhou o bem. Ambos os gêneros
(comédia e filosofia) pretendem autoridade por declararem a verdade.
2. Tesmoforiantes8
8 . Revisões da nossa tese de doutorado: Aristófanes e Platão: a justiça na pólis, publicada em livro em 2011
(POMPEU, 2011).
e uma comédia (Télefo, Palamedes, Helena e Andrômeda, que mesmo não
sendo um drama satírico, é transformada em um pelo comediógrafo, e uma
peça cômica obscena com uma dançarina e um guarda) (Bowie, 1993, p.
217-225).
Percebemos que, depois da parábase, que fez a defesa feminina, temos
a paródia de Helena, peça considerada a retratação de Eurípides para com
Helena, divinizada pelos espartanos. Depois de tê-la ofendido duramente
nas peças As troianas e Hécuba, como a responsável pela destruição de
Tróia, Eurípides tenta se desculpar, trazendo uma Helena de outra versão
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
do mito. Ela não teria ido a Tróia com Páris, mas o seu eidolon é que foi,
enganando a todos. Helena mesma tinha ficado presa no Egito, onde o
rei queria desposá-la à força, e Menelau, voltando da guerra, a encontra,
reconhecem-se e voltam para Esparta felizes (embora tenham destruído
Tróia e muitos valorosos guerreiros gregos).
Em Fedro 243 a – b, Sócrates, querendo purificar-se por ter proferido
um discurso sobre Eros, sem considerá-lo um deus, uma vez que afirmou
que ele era fonte de males para os homens, diz:
Sóc. Por isso amigo, preciso purificar-me. Para os que cometem pecado de
mitologia, há uma purificação antiga que passou despercebida a Homero,
não, porém, a Estesícoro. Privado da vista, por haver injuriado Helena, não
lhe escapou, como a Homero, a causa de semelhante fato; por freqüentar as
Musas, reconheceu-a e de pronto compôs os versos:
3. As Rãs10
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Esq. É preciso criar falas à altura dos grandes provérbios e pensamentos. Aliás,
é de se esperar que os semideuses usem falas mais imponentes, pois também
usam mantos muito mais imponentes que os nossos. O que eu apresentei como
útil você destruiu. [...] Primeiro vestiu os reis com farrapos para que os homens
parecessem dignos de piedade... Depois você ainda os ensinou a entregar-
se à tagarelice e ao falatório, o que esvaziou as palestras, poliu a bunda dos
mocinhos tagarelas e convenceu o pessoal do porto a contestar os chefes. ...
De que males não é culpado? Esse aí não pôs em cena alcoviteiras, mulheres
que dão à luz nos templos, que se unem com irmãos, que dizem que viver não
é viver? É por isso que a cidade ficou cheia de escrevinhadores, de bufões,
macacos do povo, que ao povo estão sempre enganando. Tocha ninguém é
capaz de levar, hoje em dia, por falta de exercício. (1059-89).11
10 . Revisões da nossa tese de doutorado: Aristófanes e Platão: a justiça na pólis, publicada em livro em 2011
22
(POMPEU, 2011).
11 . Tradução inédita de Ana Lia de Almeida Prado e Sílvia Milanezi.
Dioniso é competente para julgar o melhor poeta trágico, então também
o seria para julgar a sabedoria política. Ele pune com justiça Eurípides por
sua negação dos deuses dando o prêmio para Ésquilo. Age semelhante às
Nuvens: com justiça (Nuvens 1462).
A peça Rãs apresenta a educação de Dioniso, o educador de Aristófanes,
que vai da admiração sem limite por Eurípides a uma preferência por
Ésquilo. Tal educação se dá em um Hades inteiramente ateniense. O coro,
no final da peça, parece fazer uma equivalência entre Eurípides e Sócrates,
contrastando este último com Ésquilo. Ao rejeitar o que é das Musas, o
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Esq. [...] observe que, desde o princípio, foram úteis os poetas nobres. Orfeu
ensinou os mistérios e como abster-nos de assassínios; Museu, a cura das
doenças e os oráculos; Hesíodo, o trabalho dos campos, as estações dos frutos
e o preparo da terra. E o divino Homero, por que obteve fama e glória? Não foi
por que ensinou coisas úteis à linha de combate, virtudes e armas dos homens?
Adim. Museu e seu filho outorgam aos justos, por parte dos deuses, bens ainda
mais esplendorosos do que estes. Efetivamente, levam-nos em imaginação ao
Hades, instam-nos à mesa, preparam-lhes um banquete dos bem-aventurados,
coroando-os de flores, e fazem-nos passar todo o tempo, daí em diante,
a embriagar-se, imaginando que o mais famoso salário da virtude é uma
embriaguez perpétua. Outros alongam ainda mais do que estes os benefícios
por parte dos deuses, pois afirmam do homem puro e fiel aos seus juramentos
permanecem os filhos dos filhos e a raça vindoura. São estes e outros elogios
no gênero os que fazem à justiça. Quanto aos homens ímpios e injustos, esses,
pelo contrário, enterram-nos no lodo do Hades, e obrigam-nos a transportar
água num crivo, e ainda em vida lhes imputam má fama.
Coro
Deméter das santas orgias
a rainha sê nossa madrinha,
salva o coro que é teu.
Que eu, em segurança, o dia todo
Brinque e dance!
23
Que eu diga muitas palavras engraçadas
E muitas palavras sérias!
E, como a sua festa merece,
Brincando e zombando,
Tenha a vitória e as fitas!
Vamos! Agora com cantos chamai aqui o jovem deus,
Nosso companheiro nesta dança!
Conclusão
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
hominibus in hoc aduocatis. Quare declamatio, quoniam est iudiciorum consiliorumque imago, similis esse debet
ueritati, quoniam autem aliquid in se habet epideiktikon, nonnihil sibi nitoris adsumere.
Até aqui, podemos listar no mínimo três funções das controvérsias
defendidas pelos teóricos, sem que necessariamente haja uma hierarquia
entre elas: a função didática, uma vez que se tratava de exercícios elaborados
pelos professores de retórica e praticados pelos alunos da elite romana – e
como González (2015, p. 947) afirma, exercícios nos quais os professores
podiam fazer alterações nas leis oficiais romanas para que elas se encaixassem
nos aspectos oratórios que desejavam ensinar; a função judicial-persuasiva,
porque um dos objetivos da prática escolar era que os alunos dominassem
a linguagem jurídica e proferissem discursos adequados a seus futuros
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Portanto, que o orador meça e considere com cuidado as suas forças, percebendo
quão onerosa é a tarefa que ele está para empreender: esta artimanha não tem
meio termo, já que culmina ou em lágrimas ou em riso (Inst. 6.1.44-45, trad.
Jefferson Pontes)4 .
4 . Quare metiatur ac diligenter aestimet uires suas actor, et quantum onus subiturus sit intellegat: nihil habet ista
res medium, sed aut lacrimas meretur aut risum.
Concordamos com Connolly (2015) no que concerne ao fato da
evocação do páthos representar uma das tarefas mais onerosas do orador,
justificando os esforços empregados pelo preceptor para tornar tal etapa
da aprendizagem mais dinâmica e enfática. No entanto, julgamos que o
conteúdo muitas vezes polêmico das declamações toca também em questões
morais e sociais romanas e que, portanto, o emprego da ficcionalidade
poderia servir não apenas ao entretenimento do público e a estratégias
didáticas, mas também ajudaria na composição de um cenário adequado
para as discussões suscitadas em torno de temas controversos.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Tu, a quem não é lícito rejeitar os doentes, enojar-se com os sujos, exposta
aos bêbados, sujeita aos brutos e cobrando o preço mais barato, dando para
o [todo] o povo, [toda] noite, corriges o comportamento de um jovem? Que
encares [a situação] com ânimo mais razoável, posto que uma prostituta quer
é ser amada. (Ps-Quint. Decl. maiores. 14. 7, tradução nossa)5
5 . Ps-Quint. Decl. maiores. 14. 7. tu, cui non licet excludere debilitates, fastidire sordes, exposita ebrietatibus,
32
addicta petulantiae, [et] quaeque novissima vilitas est, noctibus populoque concessa, mores iuventutis emendas?
aequiore animo feras, ut meretrix velit adamari.
pode ser pensada como uma forma de contestação considerando o próprio
fato de ser concedida o direito de defesa – ainda que fictício – para uma
figura socialmente marginalizada, uma infamis perante a lei, como define
Catherine Edwards (1997):
das circunstâncias, eles não poderiam fazer acusações contra outras pessoas.
Eles eram impedidos de concorrer às eleições para magistraturas. Seus corpos
podiam ser espancados, mutilados, violados com impunidade6 (EDWARDS,
1997, p. 66).
6 . Prostitutes in ancient Rome were symbolsof the shameful. Their signal lack of reputation was reflected and
reinforced in the law, which, in the late Republic and early Principate, classified them as infames [...] It seems that
those who followed infamous professions were generally not permitted to speak on behalf of others in a court of
law. Under most circumstances, they were not permitted to bring accusations against others. They were debarred
33
from standing for election to magistracies.Their bodies might be beaten, mutilated, violated with impunity
(EDWARDS, 1997, p. 66)
Referências
Introdução
1 . Todas as citações de Barthes são provenientes do capítulo “La retorica antica” do livro “l’aventure sém
ologique” de Barthes. Utiliza-se nesse trabalho a tradução para o português que foi publicada em 2011 pela
36
2 . (2011, p. 91)
3 . (RLM 371-448 e GIOMINI-CELENTANO)
4 . (RLM 311-352)
5 . Em nota de roda Coria expõe que: “En general, es testigo de las enseñanzas de retórica imperantes en su
época, pués él mismo confiesa que reunió y ordenó en su obra los preceptos que había recebido de sus maestros,
37
principalmente de Zenón” (CORIA, 1993, p. 81). Em tradução: “No geral, ele testemunha os ensinamentos de
retórica predominantes em sua época, pois ele mesmo declara que reuniu e ordenou em sua obra os preceitos que
da leitura dos primeiros parágrafos, ainda no proêmio, é possível identificar
uma dedicatória, isto é, uma pessoa para a qual se dedica o escrito, dessa
maneira, infere-se que seja uma obra de pouca circulação, sendo destinada,
apenas, para estudos pessoais e individuais6.
Dessa sorte, delimitada a extensão desse estudo, segue-se para a
análise das obras anteriormente citadas. Com o intuito de concatenar uma
análise de bases ainda mais sólidas, incluiremos ainda a revisão de alguns
artigos especializados no assunto, bem como a inclusão de perspectivas
diversas de autores tardo-antigos quando houver necessidade.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
8 . “Materiam rhetorices quidam dixerunt esse orationem: qua in sententia ponitur apud Platonem Gorgias”
(QUINTILIANO, Inst. Orat. II, XXI, 1)
defendida por Górgias, tem-se que o discurso não é a matéria da retórica, e
sim o seu produto (opus), sendo que, para ilustrar o exposto, Quintiliano diz
que os possuintes dessa visão, tratam a retórica como a escultura é tratada em
relação ao escultor, isto é, como resultado de uma arte e não como seu objeto.
Em sequência, tem-se as afirmativas de que a matéria da retórica está
nos “argumentos persuasivos”9 ou ainda nas “questões políticas”10. Sobre
essa última contestação, a respeito das questões políticas (ciuilis quaestionis),
Quintiliano afirma ser uma matéria da retórica, mas não é a única11. Ao que
foi dito anteriormente, o autor acresce que: i) esses fins são produzidos pela
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
arte e ii) também precisam de uma matéria eles mesmos, dessa sorte, reforça
que são produtos do ofício oratório e não o objeto de sua observação
A defesa de Quintiliano, então, é exposta somente no quarto parágrafo,
quando sintetiza o exposto, dizendo que: “mantenho que a matéria da
retórica é tudo o que lhe for submetido para falar”12. Em consonância, expõe
sua concordância com Cícero, quando afirma que: “Cícero também diz em
uma passagem que a matéria da retórica são as coisas submetidas a ela”13.
A problemática da Matéria não se conclui tão facilmente, pois o
exposto por Quintiliano, e também por Cícero, suscita ainda uma outra
questão. De acordo com Quintiliano, a amplitude dos assuntos tratados pela
retórica, levou alguns a pensarem ser uma arte “ilimitada”, porque a partir
do domínio dessa arte seria possível discursar sobre qualquer assunto, no
entanto, o impasse reside em: para ser capaz de dominar uma arte que versa
sobre qualquer coisa que possa ser colocado em questão, o orador precisaria
dominar tudo e todas as coisas? Para Quintiliano, não. Ele propõe-se a
apurar esses questionamentos a partir das palavras de Cícero, dizendo:
9 . Quidam argumenta persuasibilia: quae et ipsa in parte sunt operis et arte fiunt et materia egent (QUINTILIANO,
Inst. Orat. II, XXI, 1)
10 . Quintiliano utiliza o mesmo termo encontrado em Sulpício Victor e em Caio Julio Victor, a Ciuilies Quaestiones.
Temos que: “Quidam ciuiles quaestiones: quorum opinio non qualitate sed modo errauit; est enim haec materia
rhetorices, sed non sola” (QUINTILIANO, Inst. Orat. II, XXI, 2-3)
11 . Fragmento na nota 7
12 . Ver nota 4
13 . (De Inuentione I, 7 cf. Institutio Oratoria II, XXI, 5)
14 . Solet a quibusdam et illud opponi: omnium igitur artium peritus erit orator si de omnibus ei dicendum est.
Possem hic Ciceronis respondere uerbis, apud quem hoc inuenio: ‘mea quidem sententia nemo esse poterit omni
laude cumulatus orator nisi erit omnium rerum magnarum atque artium scientiam consecutus’: sed mihi satis est
eius esse oratorem [15] rei de qua dicet non inscium. Neque enim omnis causas nouit, et debet posse de omnibus
39
dicere. De quibus ergo dicet? De quibus didicit. Similiter de artibus quoque de quibus dicendum erit interim
discet, et de quibus didicerit dicet (Inst. Orat. II, XXI, 14)
Assim, mais proveitosamente definiremos do seguinte modo: “retórica é o
conhecimento do falar bem na questão civil”. Logo, efetivamente, sucederá
que pareçamos ter dado uma definição própria. Questão civil também há de
ser definida por nós para que também a ela possamos conhecer. Sua definição
é ministrada desse modo: “A questão civil é a que, específica de nenhuma arte,
incide na opinião comum de todos” (SULPICIO VICTOR, Inst. Orat. I, 13)15
Questão civil também há de ser definida por nós para que também a ela
possamos conhecer. Sua definição é ministrada desse modo: “A questão civil
é a que, específica de nenhuma arte, incide na opinião comum de todos”.
Isso, embora pareça um pouco mais confuso, é claro e manifesto, todavia, pela
própria matéria. De fato, também se chama questão civil, assim como direito
civil, porque incide entre cidadãos e na cidade, e ocorre, aqui e ali, na opinião
de todos (SULPICIO VICTOR, Inst. Orat. I, 17)17
Esses negócios são justamente aqueles que não são abarcados por nenhuma
arte própria, (...), mas possuem o tratamento daquelas coisas que são obtidas a
partir da opinião comum, das leis ou dos costumes, acerca das quais todos os
que de algum modo adquirirem algum entendimento possam tanto discursar
quanto julgar. (C. Julius Victor, ars rhetorica, 1)
15 . Ergo commodissime definiemus illo modo: ‘rhetorica est bene dicendi scientia in quaestione civili’. Sic
enim fiet, ut proprium finem dedisse uideamur. Ciuilis quoque quaestio definienda nobis est, ut et ipsam scire
possimus. Eius definitio huiuscemodi traditur: ‘Ciuilis questio est, quae nullius artis propria in communo omnium
opinione versatur’ (SULPICIO VICTOR, Inst. Orat. I, 13)
16 . Ne illa quidem definitio probanda, quod dicunt plerique esse rhetoricam persuadendi peritiam, ideo quod
nemo omnium inuenitur oratorum, qui semper persuaserit (SULPICIO VICTOR, Inst. Orat. I, 11)
17 . Eius definitio huiuscemodi traditur: ‘Ciuilis questio est, quae nullius artis propria in communi omnium
opinione versatur’. Hoc etsi paulo uidetur obscurius, re tamen ipsa clarum atque manifestum est. Nam et ciuilis
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quaestio bene appellatur, ut ciuile ius, quod inter ciues atque in ciuitate uersatur et in omnium passim opinionem
cadit (SULPICIO VICTOR, Inst. Orat. I, 11)
Nesse sentido, a definição para o que seja a Quaestionis Civilia também
pode ser encontrada em outros autores tardo-antigos. Utilizam-se dessa
definição também o autor Alcuios, o lemos em uma análise feita por Kempshal:
18 . Alcuin found the same argument, with slightly different phraseology, in Julius Victor, for whom the duty
of the orator was to concern himself with ciuilia negotia, where ‘civil affairs’ comprise those matters on which
everyone with any intellectual capacity can speak and judge. They cover general opinion, laws or conduct (mores)
– anything, in fact, which can be the subject of accusation, defence, or simply debate over its equity and utility (de
aequo et utili). (KEMPSHALL, 2008, p. 12)
19 . The art of rhetoric, according to Cassiodorus, is the science of speaking well on civil issues, in ciuilibus
quaestionibus, where ciuiles quaestiones are understood to refer to those questions which everyone can
comprehend when they concern equity and goodness, de aequo et bono. Alcuin’s own gloss on this de finition is
that thesen ciuiles quaestiones are docti quaestiones – that is, they are issues ‘open to instruction’ because they
41
are capable of being grasped by everyone through the natural capacity of their minds (KEMPSHALL, 2008, p. 11)
20 . Ver nota 20
e vantajoso. Essa bússola pode ser chamada de “política”, em suma, mas
apenas se o termo for interpretado no sentido mais amplo possível, como tudo
o que diz respeito à vida em uma sociedade distintamente humana, e não se
o termo for restrito apenas a quem exercer autoridade dentro dessa sociedade
(KEMPSHALL, 2008, p. 12)21
Esses negócios são justamente aqueles que não são abarcados por nenhuma
arte própria, (...) Mas possuem o tratamento daquelas coisas que são obtidas a
partir da opinião comum, das leis ou dos costumes, acerca das quais todos os
que de algum modo adquirirem algum entendimento possam tanto discursar
quanto julgar. (C. Julius Victor, ars rhetorica, 1)
21 . Rhetoric is based on the union of sapientia with eloquentia and, in each of its three branches, it comprises
anything which involves equity and goodness – judicial rhetoric seeks what is equitable, demonstrative rhetoric
what is morally virtuous, and deliberative rhetoric what is both morally virtuous and advantageous. This compass
can be called ‘political’, in short, but only if the term is construed in the broadest possible sense, as everything
which concerns life in a distinctively human society, and not if the term is restricted simply to those who exercise
authority within that society (KEMPSHALL, 2008, p. 12)
22 . Dicam enim non utique quae inuenero, sed quae placebunt, sicut hoc: rhetoricen esse bene dicendi scientiam,
cum, reperto quod est optimum, qui quaerit aliud peius uelit. His adprobatis simul manifestum est illud quoque,
quem finem uel quid summum et ultimum habeat rhetorice, quod telos dicitur, ad quod omnis ars tendit: nam si
est ipsa bene dicendi scientia, finis eius et summum est bene dicere (QUINTILIANO, Inst. Orat. II, XV, 38)
23 . Confirmatur autem esse artem eam breuiter. Nam siue, ut Cleanthes uoluit, ars est potestas uia, id est ordine,
efficiens, esse certe uiam atque ordinem in bene dicendo nemo dubitauerit, siue ille ab omnibus fere probatus
42
finis obseruatur, artem constare ex perceptionibus consentientibus et coexercitatis ad finem utilem uitae, iam
ostendimus nihil non Inst. Orat. II, XVII, 41)
2. As Partes da Civilis Quaestiones - Tesis e Hypótesis
Pois parece que Hermágoras não entende o que diz quando divide a matéria do
orador em causa e questão. Ele chama de Causa a coisa posta em controvérsia,
com interposição de pessoas, a qual nós atribuímos ao orador, distinguindo
24 . Neque me hoc loco fugit, quae M. Tullius tradat. De intellectu enim nihil tradit, credo, quia magis diligentiae
atque sapientiae quam artis existimet (RLM, p. 315, ll. 10-12)
25 . Sed nos a Graecis tradita, ut coepimus, persequamur eamusque per singula (RLM, p. 315, ll. 13)
26 . D’après les témoignages conservés, la thèse se distingue donc de l’hypothèse par la seule absence de personnes
déterminées. On pourrait ainsi considérer la thèse, telle que la conçoit Hermagoras, comme la réduction d’une
hypothèse — particulière — à une formulation plus générale, mais relevant toujours du même domaine que
43
les hypothèses, à savoir le domaine éthico-politique, qui a pour objet l’action humaine (LA MATERIA DE LA
RHÉTORIQUE, 442)
nela os três gêneros: deliberativo, demonstrativo e judicial. Ele chama de
Questão a coisa posta em controvérsia sem interposição de pessoas. (CÍCERO,
De Inventione, I, 5)27
27 . Pues Hermágoras parece que no entiende lo que dice, cuando divide la materia del orador en causa y
cuestión. Causa llama a la cosa puesta en controversia, con interposición de personas, la cual nosotros atribuímos
al orador, distinguiendo en ella los tres géneros, deliberativo, demostrativo y judicial. Cuestión apellida a la cosa
puesta en controversia sin interposición de personas. Nam Hermagoras quidem nec quid dicat attendere nec quid
polliceatur intellegere videtur, qui oratoris materiam in causam et in quaestionem dividat, causam esse dicat rem,
quae habeat in se controversiam in dicendo positam cum personarum certarum interpositione; quam nos quoque
oratori dicimus esse adtributam (nam tres eas partes, quas ante diximus, subponimus, iudicialem, deliberativam,
demonstrativam). Quaestionem autem eam appellat, quae habeat in se controversiam in dicendo positam sine
certarum personarum interpositione
28 . Cuestiones todas bien apartadas del oficio del orador, como fácilmente entenderá todo el mundo. Quas
quaestiones procul ab oratoris officio remotas facile omnes intellegere existimamus
29 . No es locura atribuir al orador, como si fuesen cosas de poca monta, los problemas en que más han ejercitado su
ingenio los eximios filósofos? nam quibus in rebus summa ingenia philosophorum plurimo cum labore consumpta
intellegimus, eas sicut aliquas parvas res oratori adtribuere magna amentia videtur?
30 . Las quaestiones infinitae se caracterizan por ser de naturaleza abstracta, general e teórica, no estando
implicados en ellas ni seres ni coordenadas espacio-temporales. Las quaestiones finitae, sin embargo, son
de índole concreta, individual y práctica y, por ello mismo, necesítan relacionar-se con seres y coordenadas
espaciotemporales que les permitan obtener dicho carácter (RICO, Francisco Chico, 50).
31 . La intellectio consiste en el examen minuncíoso de la realidad extensional sobre la que la inventio va a operar
encontrando a hallando las ideas o elementos semánticos-extensionales necesarios para la constitución de una
estructura de conjunto referencíal concreta e intensionalizándolos. Como hemos podido entender a partir de las
palabras de Aurelio Agustín, una de las funciones principales de la intellectio es la de comprobar sí el objeto del
44
discurso está constituido por una quaestio civilis generalis (thesis - O quaestio infinita) o por una quaestio civilis
specialis (hypothesis - o quaestio finita). (RICO, p. 50).
No entanto, as implicações contidas nessa escolha/análise é o ponto
crucial da formulação discursiva, uma vez que, às thesis haverá uma escolha
do material discursivo e às hypothesis outra, influindo diretamente na fase
seguinte, a Inventio. Dessa maneira a Intellectio ganha grande importância,
assumindo lugar de primeira fase de formulação discursiva na obra de
Sulpicius Victor, ao passo que condiciona a Inventio por um caminho.
Na Inventio, conforme Barthes (2001), o Rétor recorre a “uma base
nua, um nível própria, um estado normal da comunicação, a partir do qual
se pode elaborar uma expressão mais complicada, ornamentada”(p. 90), a
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
32 . Es, pues, el verdadero punto de partida del proceso comunicativo en la dirección de síntesis o producción y,
junto con la inventio, el último eslabón de dicho proceso en la dirección de análisis (CHICO RICO, p. 51).
45
33 . Sermocinandi ratio non in postremis habenda est; et quidem sermonis usus multo frequentior quam orationis
est (VICTOR, A.R, 446, 10, Trad. Martin)
um contraste entre uma prática oratória pública (oratio)- Deliberativa,
Judicial e Demonstrativa, e uma prática dialógica familiar – Familiar e
Negocial (sermo), a essa última pontua que: “O método de conversação não
deve ser tratado por último; certamente o uso da conversação é muito mais
frequente do que o do discurso”34. Dessa maneira, ao longo desse apêndice
traça algumas considerações acerca dessa prática oratória que em sentido
amplo focaliza a aplicação prática da retórica.
A princípio, o autor da Ars pontua que a Sermocinatio deve distanciar-se
das propriedades inerentes à prática oratória pública, tais como arcaísmos,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Deve-se observar a razão dos homens, dos lugares e dos tempos: uma é
linguagem com o superior, outra com um igual ou semelhante, assim também
com os mais velhos, com os coevos, com as crianças e as mulheres. Por quê?
Julgas que numa festa a linguagem deve ser a mesma que no fórum ou numa
reunião de literatos? (VICTOR, A.R, 447, 23, Trad. Thais M. Martin)38
Desta sorte cada personagem deve ter seu estilo particular, assim como tem
seus costumes, pelo que se há de fazer diferença entre uma personagem divina
e humana, entre idade e idade, entre mulher nobre e poderosa, e a plebeia e
humilde, entre um e outro gênero de vida, entre nação e nação, entre lugar e
lugar, e se lhes hão de atribuir aqueles discursos, que a cada um forem próprios
(OLIVEIRA, A A. P. de Horácio por Pedro José da Fonseca, p. 177)
Dessa sorte, o autor da Ars afirma que o que pode contribuir para a
orientação dessa prática oratória privada, isto é, a maneira de utilização
dos recursos dialógicos, são as “comédias antigas, as peças togadas, as
34 . Sermocinandi ratio non in postremis habenda est; et quidem sermonis usus multo frequentior quam orationis
est (VICTOR, A.R, 446, 10, Trad. Martin)
35 . Modica antiquitas, sine figuris insignibus, sine structura leniore, sine periodo, sine anthymemate: denique
omnes rethoricas palaestras missas feceris quae ut addunt orationi auctoritatem, sic detrahunt sermoni fidem
(VICTOR, A.R, 446, 12, Trad. Thais M. Martin)
36 . Lucem suam, ut sit simplex et aequalis et ante omnia carens obscuritate (VICTOR, A.R, 446, 16, Trad. Thais
M. Martin)
37 . Nec sermonem quasi orationem pronuntiaveris (VICTOR, A.R, 447, 9, Trad. Thais M. Martin)
38 . Et hominum et locorum et temporum ratione servanda est: alius cum superiore, alius cum pari aut proximo
sermo est; item cum senioribus, cum aequalis, cum pueris aut mulierculis. Quid? inconvivio putas eundem debere
esse, quem in foro autaliquocoetulitteratorum? (VICTOR, A.R, 447, 23, Trad. Thais M. Martin)
46
39 . Hi sunt enim, quos Cicero ineptos vocat, qui neque ubi nec quando nec cum quibus fabulentur existimant nec
quam diu nec quo modo (VICTOR, A. R., 447, 33, Trad. Thais M. Martin)
tabernárias, as atelanas e os mimos teatrais; muito, ainda as epístolas antigas,
principalmente as tulianas”40. Conforme Fonseca (1790), vejamos: “O poeta
da mesma sorte, que qualquer outro Escritor, deve escolher o gênero de
estilo, que convém à qualidade da matéria, que há de tratar. Cada poema
tem seu carácter próprio, e a principal obrigação do poeta é saber observá-lo”
(OLIVEIRA, A A. P. de Horácio por Pedro José da Fonseca, p. 175).
Conversa e Epístola são gêneros que partilham de propriedades
comuns, a primeira delas é a estrutura em forma de diálogo, no caso das
peças, comédias e afins, o diálogo é estabelecido entre as personagens.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
40 . Multum ad sermonis elegantiam conferent comoediae veteres at togatae et tabernariae et Atellanae fabulae et
mimo fabulae, multum etiam epistolae veteres, in primis Tullianae (VICTOR, A.R., 448, 5, Trad. Thais M. Martin)
41 . Ita in litteris cum familiaribus ludes, ut tamen cogites posse evenire, ut eas litteras legant tempore tristiore,
47
iurgari numquam oportet, sed epistolae minime (VICTOR, A. R.,448, 4, Trad. Thais M. Martin)
42 . Lepidum est nonnumquam quasi praesentem alloqui, uti ‘heus tu’ et ‘quid ais’ et ‘video te deridere’ (VICTOR,
A. R. 448, 16, Trad. Thais M. Martin)
As cartas de Cícero são tidas como fontes fidedignas àqueles que
querem conhecer a realidade política do final da república romana,
dispondo de informações sobre pessoas públicas e privadas, além de narrar
acontecimentos e eventos, com riqueza de detalhes, relevantes à queda da
república. Portanto:
Considerações Finais
______, Marco Túlio. Dos Deveres: texto integral. São Paulo: Martin Claret, 2007.
A educação do homem
público nas Epistulae ad
Caesarem
Gilson Charles dos Santos (LIP/IL/UnB)
Introdução
pelos antigos e como procedimento repetitivo para tornar o dizer mais fácil
e habitual, imitação e exercício pressupõem a escolha de modelos que
estimulem a dizer melhor. Isso se deve ao fato de que a imitação deve recair
sobre as virtudes do modelo (Cic. De Or. 2.22.90), explorando a riqueza de
palavras e de temas.
Assim, na elaboração do discurso, o orador faz o cálculo daquilo que
lhe corresponde imitar, de maneira a produzir a persuasão. Quanto ao tema,
o orador verifica a natureza da causa, a audiência, as circunstâncias e como
ele se posiciona em relação a esse conjunto – daí procedem os gêneros da
retórica, cuja definição tradicional remonta a Aristóteles sem sofrer grande
alteração no mundo romano. Quanto às palavras, o orador calcula o estilo
em que discursa, o que também é determinado pela audiência e pelas
circunstâncias, mas sobretudo pela divisão do discurso – afinal, certas partes
se destinam a consolidar a causa, outras cativar a audiência e ainda outras
a estabelecer as provas. Um estilo inadequado para cada uma delas tende a
resultar no fracasso do orador.
Contudo, o cálculo não se restringe à res e aos verba: trata, da mesma
forma, da apresentação que o orador faz de si mesmo no discurso e da imagem
da audiência para a qual discursa. Na produção da persuasão, o discurso
trata de dois tipos de comoção – a introduzida pelo orador na audiência
e aquela por ele construída e apresentada no discurso. Com base nisso,
distribuem-se as provas técnicas e as tarefas do orador (CHIAPPETTA, 1997,
p. 105). Sendo assim, o cálculo igualmente afeta a construção do caráter
(ἦθος, persona) do orador e que paixões (πάθος, passio) quer despertar na
audiência. Como esse processo se dá nas Epistulae ad Caesarem e como ele
estabelece o vínculo entre eloquência e filosofia é propriamente o problema
a ser tratado neste artigo.
1 . A eloquência é tida aqui como uma arte entre as demais artes (cf. Cic. De Or. 1.1.2; 1.2.5). Sobre a condição da
eloquência como arte em Cícero, cf. SCATOLIN, 2009, pp. 30-34.
2 . É de se notar que Cícero (Cic. De Or. 2.21.89) indica a prática como forma adequada de se aprender a arte
52
da eloquência e que o mestre é o modelo de imitação tomado pelo aluno (cf. SCATOLIN, 2009, pp. 51-52; Quint.
Inst. 2.14.5).
a declamação adota os gêneros demonstrativo ou judiciário, reunindo
alguns ou todos os exercícios de formação do orador (praeexercitamina) e
apresentando as partes tradicionais do discurso (SILVA, 2013, p. 78) em
conformidade com os officia oratoris.
Em nossa tese de doutorado (2012) e em artigo recentemente publicado
(SANTOS, 2018), dos quais largamente nos valemos na composição do
presente trabalho, pretendemos demonstrar o caráter declamatório das
Epistulae ad Caesarem. Visto que seu conteúdo já chamasse a atenção de
historiadores do porte de Ronald Syme (1959) e de classicistas como Marc
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
3 . Optamos pela terminologia ciceroniana adotada no De Oratore (conciliare commouere docere; De Or. 2.27.115)
em contraste com a terminologia que o mesmo Cícero utiliza em outras obras suas (Cic. Br. 197 ff.; Cic. Op. gen.
or. 3;), nas quais a substituição de commouere por delectare enfatiza o peso do estilo sobre a atividade do orador
(cf. Montefusco in Fortenbaugh e Mirhady [org.], 1994, pp. 66-94). De acordo com essa terminologia, conciliare
e commouere opõem um elemento patético ao elemento racional de docere (De Or. 2.27.114; 2.52.178), a partir
do que entendo a enumeração das virtudes do aconselhador e do aconselhado nas Epistulae ad Caesarem. Essa
enumeração serve, ao mesmo tempo, para forjar o caráter do orador (effingere mores oratoris) e para expressar
o caráter do cliente (exprimere mores), o que estabelece a fides (fides facere) ou a confiança necessária para a
persuasão (cf. Cic. De Or. 2.43.182-184).
4 . Ronald Syme opõe-se à autenticidade das Epistulae ad Caesarem considerando a elocução e, sobretudo,
conceitos anacrônicos apresentados nessas epístolas. Alegando a curiosidade dos historiadores do século XIX
54
e início do século XX pela vida de Salústio antes da publicação de suas monografias (SYME 2002 [1964], p.
Ad Caes. sen. 1.1.6 “sendo, tu mesmo, bom e diligente”
Ad Caes. sen. 1.1.7 “geriste uma guerra mais tranquila do que a paz de outros”
Ad Caes. sen. 1.6.1 “tua fama singular”
Ad Caes. sen. 2.1.4 “tua dignidade”
Ad Caes. sen. 2.1.5 “tua coragem é sempre maior na adversidade do que na sorte”
Ad Caes. sen. 2.2.3 “tua virtude”
Ad Caes. sen. 2.2.4 “tua grandeza”
Ad Caes. sen. 2.4.3 “tua dignidade”
Ad Caes. sen. 2.12.5 “eminentíssimo imperador”
Ad Caes. sen. 2.13.4 “a fama de tua virtude”
Ad Caes. sen. 2.13.5 “tua glória”
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Ad Caes. sen. 2.13.5 “quem terá sido mais ilustre, quem terá sido maior do que
tu?”5
314; 318), o historiador rejeita a leitura biográfica desses documentos e conclui que eles aproveitam os textos de
Salústio pecando, porém, contra as ideias políticas de fins da república romana; portanto, apresentariam propostas
que um homem público, nos anos 50 AEC, jamais poderia fazer. Concordando com a leitura de Syme, postulamos
a tradução de imperator não como “comandante” e sim como “imperador” tal como o termo é compreendido hoje
em dia.
5 . Ad Caes. sen. 1.1.6 cum ipse bonus atque strenuus sis; Ad Caes. sen. 1.1.7 bellum aliorum pace mollius gessisti;
Ad Caes. sen. 1.6.1 ista egregia tua fama; Ad Caes. sen. 2.1.4 tuam dignitatem; Ad Caes. sen. 2.1.5 semper tibi
maiorem in aduorsis, quam in secundis rebus animum esse; Ad Caes. sen. 2.2.3 uirtute tua; Ad Caes. sen. 2.2.4
55
magnitudine tua; Ad Caes. sen. 2.4.3 tua dignitas; Ad Caes. sen. 2.12.5 clarissumus imperator; Ad Caes. sen. 2.13.4
fama uirtutis tuae; Ad Caes. sen. 2.13.5 gloria tua; Ad Caes. sen. 2.13.5 quis te clarior, quis maior in terris fuerit.
entre os humanos, a boa reputação, a benevolência, a glória e a parcimônia)
e repudia o que a prejudica ou atrapalha, visando à vida em comunidade
(Cic. Off. 2.3.11 - 2.25.90). Por fim, o conflito entre essas virtudes deve ser
considerado para que não sejam tomadas decisões que pareçam úteis ou
honestas, sem o serem, de modo que seja mantida a noção de cumprimento
do dever civil (Cic. Off. 1.1.9; 3.2.7 - 3.9.39).
Com relação ao homem público, Cícero elenca, entre as virtudes
relativas ao que é honesto (honestum), a bondade (uir bonus), a simplicidade
(uir simplex), a coragem (fortitudo; fortis animus) e a magnamidade (animi
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
elatio; uir magnanimus) (Cic. Off. 1.19.62; cp. Cic. Inv. 2.53.159-55.168)
no cumprimento do dever civil. Essas virtudes estão relacionadas entre si
porque promovem a justiça e porque desprezam as coisas humanas (Cic.
Off. 1.19.61). Nesse sentido, não se relacionam à força do corpo (Cic. Off.
1.23.79) e rendem distinção e glória para quem as possui (Cic. Off. 1.24.84).
É possível, portanto, depreender que as virtudes do imperador elencadas
nas Epistulae ad Caesarem correspondem ao honestum ciceroniano,
compreendendo não apenas as qualidades do homem público, como ainda os
requisitos próprios para a captação da benevolência da audiência/ receptor/
enunciatário do discurso (parte da honestidade, honestas). Tomadas como
referência para o aconselhamento, aplicam-se ao homem público em geral,
compondo um lugar-comum ao qual o orador – também ele um homem
público – pode e deve recorrer para compor argumentos de natureza patética
ou emocional, garantindo, assim, o sucesso da persuasão e cumprindo a
parte honesta que conforma o gênero deliberativo. Seja pelo objeto sobre o
qual recaem, seja pela função cumprida em relação ao gênero de discurso,
essas virtudes são convencionais.
Aqui, eloquência e filosofia se entrecruzam. Cabe lembrar que a
virtude é propriamente matéria de discussão entre estoicos, acadêmicos e
peripatéticos (Cic. Off. 1.2.6), e que as virtudes cardinais do homem público
foram estabelecidas já por Platão (Pl. Prot. 329c, Lach. 199d, Men. 78d,
Gorg. 507b, Phaed. 69c, Leis 631c, Resp. 4.427e), sobretudo na República.
Ali, as virtudes da Cidade são elaboradas a partir do conceito de justiça
(δικαιοσύνη), a qual as aplica simultaneamente também ao homem
público (Resp. 4.428d). A Cidade deve ser sábia (σοφή), corajosa (ἀνδρεία),
mansa ou moderada (σώφρων) e justa (δικαία). A sabedoria é requisito
para a deliberação, isto é, para a busca do bem comum; a coragem, para
proteger-se dos inimigos e vencer as guerras; a moderação ou temperança
é essencial para evitar que os cidadãos se sujeitem mais facilmente aos
vícios que facilitam a dominação estrangeira e a justiça garante a coesão do
grupo como um todo. Da mesma forma, ao homem público cabe usar de sua
sabedoria na deliberação; de sua coragem para lutar em defesa da Cidade;
de sua moderação para não cair nas armadilhas dos vícios e de sua justiça
para não subverter a ordem do conjunto (Pl. Resp. 4.428a - 4.433a).
Portanto, Cícero retoma essas mesmas qualidades na composição da
parte honesta do discurso deliberativo, traduzindo as virtudes da Cidade
platônica σοφή, ἀνδρεία, σώφρων e δικαία respectivamente como os
substantivos sapientia, constantia, moderatio e ordo. Agrupa-as, além disso,
como o honestum, convertendo-as em dever civil do homem público e, por
extensão, também do orador.
O destinatário das Epistulae ad Caesarem está identificado com as
56
Já que a ti, vencedor, caberá então dispor da paz e da guerra, resolve, para
concluir essa como convém a um cidadão e fazer daquela a mais justa e
duradoura, o que deve ser feito primeiro em relação a ti, porque tu o decidirás
da melhor maneira possível (Ad Caes. sen. 1.3.1)6.
Isto ocorrerá se reprimires a o excesso de luxo e de roubo, não reclamando
as antigas instituições (que são, há muito tempo, por causa da corrupção
dos costumes, alvo de escárnio), mas determinando a cada um o limite de
57
6 . Igitur quoniam tibi uictori de bello atque pace agitandum est, hoc tu ciuiliter deponas, illa <ut> quam iustissima
et diuturna sit, de te ipso primum, quia compositurus es, quid optimum factu sit existima (Ad Caes. sen. 1.3.1).
despesas de acordo com seu patrimônio familiar, 5. muito embora tenha-se
introduzido o costume de os jovens consumirem o que é seu e o que é alheio, e
julguem extremamente belo não recusar o prazer próprio nem o que os outros
lhe pedem. Isto eles julgam ser virtude e grandeza de espírito; o pudor e a
modéstia julgam ser indolência. 6. É assim que um espírito feroz, ao entrar no
mau caminho, sem que o satisfaça aquilo que costumava ter, vai de encontro
ora aos aliados ora aos concidadãos, perturba a ordem, busca novas condições
a débitos antigos. 7. Portanto, no futuro, deve-se exterminar a usura de maneira
que cada um de nós cuide de nossos próprios interesses. 8. Eis a maneira mais
simples e mais verdadeira para chegar a isto: que o magistrado sirva ao povo,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
não aos credores, e ostente a sua grandeza de espírito fazendo com que a
república ganhe, não perca (Ad Caes. sen. 1.5.4-7)7.
7 . Id ita eueniet, si sumptuum et rapinarum licentiam dempseris, non ad uetera instituta reuocans, quae iam pridem
corruptis moribus ludibrio sunt; sed si suam quoique rem familiarem finem sumptuum statueris: 5.quoniam is
incessit mos, ut homines adulescentuli sua atque aliena consumere, nihil libidinei atque aliis rogantibus denegare
pulcherrimum putent, eam uirtutem et magnitudinem animi, pudorem atque modestiam pro socordia aestiment.
6. ergo animus ferox praua uia ingressus, ubi consueta non suppetunt, fertur accensus in socios modo modo in
ciues, mouet composita et res nouas ueteribus + aec + conquirit. 7. quare tollendus fenerator in posterum, uti suas
quisque res curemus. 8. Ea uera atque simplex uia est: magistratum populo, non creditori gerere, et magnitudinem
animi in addendo, non demendo rei publicae ostendere (Ad Caes. sen. 1.5.4-7)
8 . Quare capesse, per deos, rem publicam et omnia aspera, uti soles, peruade: namque aut tu mederi potes, aut
omittenda est cura omnibus. 4. Neque quisquam te ad crudeles poenas aut acerba iudicia inuocat, quibus ciuitas
uastatur magis quam corrigitur, sed ut prauas artis malasque libidines ab iuuentute prohibeas (Ad Caes. sen. 1.6.3-4).
9 . Igitur prouideas oportet, uti pleps, largitionibus et publico frumento corrupta habeat negotia sua, quibus ab
malo publico detineatur: iuuentus probitati et industriae, non sumptibus neque diuitiis studeat. 3. id ita eueniet, si
pecuniae, quae maxuma omnium pernicies est, usum atque decus dempseris (Ad Caes. sen. 1.7.2- 3)
10 . Ad hoc prouidendum est tibi, quonam modo Italia atque prouinciae tutiores sint: id quod factu haut obscurum
est. 5. nam idem omnia uastant, suas deserendo domos, et per iniuriam alienas occupando. 6. item ne, uti adhuc,
militia iniusta aut inaequalis sit, cum alii triginta, pars nullum stipendium facient. et frumentum id, quod antea
58
praemium ignauiae fuit, per municipia et colonias illis dare conueniet, qui stipendiis emeritis domos reuerterint
(Ad Caes. sen. 1.8.4-5)
Eu creio que deves estabelecer os novos misturados aos mais velhos nas
colônias; assim também a força militar será mais poderosa e a plebe, ocupada
com assuntos virtuosos, deixará de promover o mal coletivo. (Ad Caes. sen.
2.5.8)11.
11 . Hos ego censeo permixtos cum ueteribus nouos in coloniis constituas: ita et res militaris opulentior erit et plebs
bonis negotiis impedita malum publicum facere desinet (Ad Caes. sen. 2.5.8).
12 . Igitur, ubi eos in ciuitatem adduxeris, quoniam quidem reuocata plebes erit, in ea re maxume animum excerceto
ut colantur boni mores, concordia inter ueteres et nouos coalescat. 3. Sed multo maxumum bonum patriae, ciuibus,
tibi, liberis, postremo humanae genti pepereris, si studium pecuniae aut sustuleris, aut, quoad res feret, minueris:
aliter neque priuata res, neque publica, neque domi, neque militiae, regi potest (Ad Caes. sen. 2.7.2-3).
13 . Ergo in primis auctoritatem pecuniae demito: neque de capite, neque de honore ex copiis quisquam magis,
aut minus iudicauerit; sicut neque praetor, neque consul, ex opulentia, uerum ex dignitate creetur. 11. Sed de
magistratu facile populi iudicium fit. Iudices a paucis probari, regnum est; ex pecunia legi, inhonestum. Quare
omnes primae classis iudicare placet, sed numero plures, quam iudicant (Ad Caes. sen. 2.7.10-11).
14 . Igitur duabus rebus confirmari posse senatum puto: si numero auctus per tabellam sententiam feret. Tabella
59
obtentui erit, quo magis animo libero facere audeat: in multitudine, et praesidii plus, et usus amplior est (Ad Caes.
sen. 2.11.5).
Como é possível perceber, nas duas Epistulae ad Caesarem o imperador
desempenha ao mesmo tempo uma função moderadora e moralizadora, na
medida em que suas ações incidem, através de uma mudança de hábitos,
sobre a plebe e sobre os magistrados com vistas a manter a ordem pública.
Dessa forma, a argumentação inteira, em ambas as epístolas, pode ser
entendida como a evidência da relação entre as lições da história magistra
vitae, da filosofia e da eloquência.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Conclusão
15 . Igitur eis genus, aetas, eloquentia prope aequalia fuere, magnitudo animi par, item gloria, sed alia alii. 2.
Caesar beneficiis ac munificentia magnus habebatur [...]. Ille mansuetudine et misericordia clarus factus [...]. 3.
Caesar dando, sublevando, ignoscundo [...] gloriam adeptus est. In altero miseris perfugium erat [...]. Illius facilitas
[...] laudabatur. 4. Postremo Caesar in animum induxerat laborare, vigilare; negotiis amicorum intentus sua
60
neglegere, nihil denegare, quod dono dignum esset; sibi magnum imperium, exercitum, bellum novum exoptabat,
ubi virtus enitescere posset (Sal. Cat. 54.1-4).
de César não apareça nas Epistulae ad Caesarem, suas qualidades são
a referência de seu modo de agir, servindo ademais como corolário das
virtudes do homem público dotado de sumo poder (Ad Caes. sen. 2.1.1 regi
aut imperatori postremo quoiquam mortali quoius opes in excelso sunt).
O exercício oratório correspondente à imitação do caráter de um
personagem histórico é a prosopopeia. Em latim, a prescrição da prosopopeia16
aparece já na Retórica a Herênio (4.52.65), sendo depois retomada por
Quintiliano (Inst. 3.8.49; 9.2.31; 9.2.38). Ela pode ser dialógica, não-dialógica
ou monológica (Prisc. Praex. 9), correspondendo àquilo que a personagem
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
diz para outrem diante dela, àquilo que ela diz para outrem sem estar em
sua presença ou àquilo que diz para si mesma. Seja como figura, seja como
exercício completo, a prosopopeia é comumente descrita como imitação
do caráter de alguma personagem para a qual o orador deverá adequar as
modalidades discursivas e o estilo (Hermógenes Progym. 20; Aftônio Progym.
34; Prisciano Praex. 9.27.30). Nela, o orador deve refletir sobre o caráter
próprio daquele que fala e qual é o caráter daquele a quem o discurso é
dirigido, a ocasião, a circunstância, o lugar, os temas sobre os quais versa
e o estilo a ser utilizado (cp. Teão Prog. 115.11.8 – 116.11.12). Não apenas
Teão (Prog. 115.11.8) como ainda Quintiliano (Inst. 3.8.49 et seq.) admitem
que sua execução se dá preferencialmente por escrito, e Teão chega mesmo
a preceituar o gênero e a espécie dela, sugerindo que a prosopopeia seja
integrada ao gênero demonstrativo, deliberativo ou à espécie das epístolas.
Quintiliano, por sua vez, sugere que a prosopopeia seja integrada ao gênero
deliberativo pela importância que assume não apenas para o orador, como
também ao poeta e ao historiador, já que acomoda as palavras à posição e
ao caráter da audiência. O discurso deve privilegiar temas tanto poéticos
quanto históricos a fim de elevar a matéria e a expressão.
Com efeito, a imitação das virtudes do homem público cumpre, de um
lado, os requisitos do exercício da prosopopeia com relação à modalidade
discursiva e ao estilo; por outro lado, reforça os valores da comunidade em
razão do modelo de erudição que foi escolhido. Ademais, no exercício de
demonstração de talento, como o seja a declamação, pressupõe-se como
válido o princípio de que a imitação das virtudes do modelo (tanto o do
discurso, quanto o da ação) tem fim pedagógico. A soma de ambos – imitação
e exercício – resulta no domínio da arte, verificada não apenas no tratamento
da matéria, como também no vocabulário pelo qual a matéria é expressa.
Assim, recorrer à imitação de Salústio em uma peça de exibição de talento
demonstra simultaneamente uma educação oratória adequada e um estudo
diligente das virtudes do homem público.
61
Repensando o ensino e a
aprendizagem: o ensino de
latim no século XXI
Isabella de Oliveira (UNICAMP/CAPES)
Patricia Prata (UNICAMP - Orientadora)
Introdução
O povo romano, como nos mostra sua história, era afeito a se apropriar de
conhecimentos desenvolvidos por aqueles com os quais tinha contato quando
da expansão do Império romano, principalmente em se tratando de sua relação
com os gregos. Pode-se afirmar que é a partir desse contato específico que a
educação em Roma sofreria grandes transformações, uma vez que, a partir do
século II a.C., viu-se a movimentação por parte dos aristocratas romanos para
o aprendizado da cultura e, mais especificamente, da língua grega, por lhes
fornecerem certa distinção (CONTO, 2011, p. 42-45).
Assim, começa a ser disseminada uma forma de educação particular, por
meio da prática de atribuir a educação da criança a determinados indivíduos,
denominados preceptores - escravos ou libertos, na maioria das vezes, gregos
-, como também começam a existir as escolas. Logo, no programa estabelecido
para a educação do romano1, no período clássico, surgem então as três escolas
que se dividiam entre aquela que
2 . Conforme Marrou (1990, p. 266), a gramática grega fora o resultado de uma série de esforços de vários
autores, dentre os quais se destacam Protágoras (490-420 a.C.), Platão (427-347 a.C.), Crisipo (280-206 a.C.) e,
especialmente, Dionísio (170-90 a.C.), o Trácio, por redigir um célebre manual que se deu a origem ao que seria a
gramática latina e, através dela, ao que hoje se tem por “gramática”. Ela vinha sendo por eles sistematizada com
o intuito de preservar textos antigos, uma vez que que, como afirmam Fortes e Freitas (2015, p. 4), “no período
helenístico, parcelas da população [grega] já encontravam dificuldades para fazer a leitura dos textos escritos”
3 . A tradição atribui o surgimento da gramática em Roma a um fato casual. Segundo Suetônio, em seu De
Grammaticis, como nos diz Conto (2011, p. 42), o surgimento da gramática em Roma teria se dado a partir de um
fato casual, mais especificamente, do acidente sofrido pelo diplomata grego Crates quando de sua passagem em
Roma, que o fez se demorar na cidade e que, durante esse tempo, falava de gramática a quem se interessasse,
despertando-lhes, assim, o interesse por esse estudo. Embora não seja possível atribuir a origem da gramática
em Roma a um fato pontual e casual, como também seja difícil precisar o primeiro contato com a ars grammatica
feito pelos romanos, é interessante observar o atrelamento que Suetônio propõe entre o surgimento da gramática
66
em Roma e a permanência de um grego na cidade, ou seja, são os gregos os responsáveis, eles são o modelo da
gramática latina.
das Epistulae morales ad Lucilium, de Sêneca (4-65 d.C.) (FORTES, 2012b,
p.77). Já quando da divisão do império romano, no século IV, em que a
capital foi transferida para o oriente, cuja língua era o grego, com a notória
e crescente necessidade do ensino de latim no contexto de segunda língua,
as discussões em questão seriam outras e passa a haver a produção de
materiais voltados a esse contexto, principalmente, através da atuação de
gramáticos como Donato (séc. IV d.C.), Diomedes (séc. IV d.C.) e Prisciano
(séc. VI d.C.)4.
Como vemos, então, os estudos gramaticais em Roma não
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
4 . Em se tratando deste último, Fortes (2012b, p. 320) aponta que, em sua obra intitulada Institutiones
grammaticae, a apresentação de “vocábulos gregos” citados após os latinos, apresentam equivalência gramatical
que, possivelmente, tem vistas a uma clarificação maior para os estudantes bilíngues ou à ilustração de certa
identidade greco-romana”.
5 . Em se tratando da Língua Portuguesa, Teyssier (2014, p. 21) indica que apenas “a partir de inícios do século
67
XIII surgem documentos inteiramente escritos em “língua vulgar” — testamentos, títulos de venda, foros, etc.”,
sendo que “um dos textos mais antigos deste gênero é o testamento de Afonso II, datado de 1214”.
Estado6. Construção, de fato, pois a história desses povos seria marcada por
diversas tentativas de estabelecer e definir os limites do nacional em uma
homogeneização que, como Tilly (1975 apud ALESINA e REICH, 2015, p. 2)
observa, seria realizada através da “adoção de religiões oficiais, expulsão das
minorias, instituição de uma língua nacional e, eventualmente, organização
de instituições públicas massivas”7. Quanto às línguas nacionais, nota-se
que foram as línguas e as culturas das elites estabelecidas como elos para
a unificação dos povos, sendo que, por meio delas, ser-lhes-ia também
inculcada a ideia de que a nacionalidade seria hereditária (HOBSBAWN,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
6 . Como aponta Davies (2004, p. 567), historiadores, sociólogos e antropólogos, como Ernest Gellner, Benedict
Anderson, Elie Kedourie e Eric Hobsbawm, afirmam categoricamente que as nações e o nacionalismo tais como
os conhecemos são essencialmente modernos e um fenômeno pós 1780.
7 . Tradução livre de “Tilly (1975) observes that ‘almost all European governments eventually took steps which
homogenized their populations: the adoption of state religions, expulsion of minorities..., institution of a national
language, eventually the organization of mass public instruction’” (ALESINA e REICH, 2015, p. 2).
8 . Um termo utilizado para defini-lo que, caso enfatizado, pode portar um aspecto pejorativo, levando à hostilidade
e rejeição (İNAÇ e ÜNAL, 2013, p. 224), embora também seja o “outro”, com seus traços distintivos, que reforça
a identidade do “nós”.
9 . Como destaca Souza Corrêa (2014, p.69), “ao longo dos séculos XVIII e XIX, o latim e o grego clássico perdem
espaço rapidamente para o estudo das línguas vivas”.
10 . Nesse período, a língua latina seria frequentemente tomada como veículo para a redação de tratados científicos,
sendo que o denominado “latim científico” – considerado por Kaltner (2014, p. 123) uma variante dialetal do latim
clássico – ganharia sua maior expressão e relevo a partir da revolução científica do Iluminismo, (COHEN, 1987,
p.197-212 apud Kaltner, 2014, p. 123). Assim o latim é a língua na qual podemos encontrar um vasto corpus de
publicações científicas relativas às Ciências Naturais até meados do século XIX. Nesse período, como afirma
68
Gordin (2015, p. 48), a língua latina perderia seu espaço em meio à comunidade de línguas cientificas e seu uso
seria direcionado a funções especializadas, como nomenclaturas no campo da botânica.
de língua, pois, com o surgimento das línguas modernas, seria observada,
inicialmente, a apropriação de materiais já desenvolvidos para o ensino
de línguas outras, os quais posteriormente seriam adaptados e mesmo
aprimorados. Assim, para o estudo de tais línguas modernas como
línguas maternas e, sobretudo, como línguas estrangeiras, surgem, já no
século XVIII, as suas primeiras gramáticas juntamente com as primeiras
metodologias para seu ensino. Como aponta Souza Corrêa (2014, p. 69), em
1793, houve a publicação dos livros didáticos de francês e inglês, de autoria
de Johann Valentin Meidinger e Johann Christian Fick, respectivamente,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
11 . Identificado como um “método”, como aponta Souza Corrêa (2014, p.90), por seus opositores na virada do
século XIX-XX, o uso da gramática e da tradução trata-se, na verdade, de uma técnica. Isso porque, como aponta
Anthony (2011), faz-se necessário que se distinga “técnica”, que se refere ao estratagema ou artifício utilizado;
69
“método”, que se refere ao plano global e ao procedimento proposto; e “abordagem”, que se refere a pressupostos
teóricos e filosofias.
112). A oralidade seria, então, especialmente observada, pois, por conta
das duas grandes guerras de escala global, passou a haver uma constante
necessidade de se passar pelo outro, falar como ele, o que fez surgirem
abordagens e métodos voltados, cada vez mais, a ela. Assim, surgem
o Método do Exército dos EUA, em que se buscava aprender fluente e
rapidamente várias línguas, como também o Método Audiolingual, em que
o aprendizado ocorreria através da repetição exaustiva e da memorização
de palavras e frases. Outros métodos e abordagens os seguiriam, tais como
o Método Audiovisual, a Aprendizagem de Línguas em Cooperação, o
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
12 . Sendo que Souza Corrêa (2014, p. 129) relembra que “ideia de estudar uma língua com um fim específico já é
antiga, podendo ser retraçada a manuais de ensino-aprendizagem da Idade Média, quiçá da Antiguidade greco-
romana (FERREIRA; ROSA, 2008; SILVA, 2011; ARAKI, 2013)”.
13 . De acordo com Kumaravadivelu (2006, p.69), as dez marco-estratégias são: (a) maximizar as oportunidades
de aprendizado, (b) facilitar a interação negociada, (c) minimizar o percentual divergências, (d) ativar heurísticas
70
intuitivas, (e) promover a consciência da linguagem, (f) contextualizar o input linguístico, (g) integrar habilidades de
linguagem, (h) promover a autonomia do aprendiz, (i) assegurar a relevância social e (j) suscitar a consciência social.
terceira língua. Porém, tendo em vista as necessidades específicas, não
apenas as particularidades dessas línguas, como também seus contextos de
ensino, muitas foram as transformações propostas em seu ensino, devidas a
novas abordagens e métodos elaborados.
14 . Ressalta-se que algumas dessas práticas, como os exercícios ligados à tradução somados a análises sintáticas
71
ou mesmo os exercícios de versão, foram implementadas em fins da Idade Média (SOUZA CORRÊA, 2014, p.
57-58).
ensino-aprendizagem de latim15 quanto na produção de materiais didáticos
elaborados considerando novas metodologias16. Como apontam Costa e
Costa (2016, p. 5), faz-se necessário para um professor que leciona línguas
ter um aparato teórico adequado, ou seja, coerente e condizente com as
disciplinas abordadas e que lhe passe segurança, e como o aparato teórico
do professor de língua é o seu material didático, o método utilizado em sala
de aula, o retorno aos antigos manuais para repensá-los e propor algo a
partir disso foi imprescindível. Assim, técnicas, materiais e práticas em sala
de aula estão sendo repensados, pois, cada dia mais, tem se tornado clara a
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
15 . Dentre os quais constam aqueles compilados na obra Latim Hoje: Reflexões sobre cultura clássica e ensino,
organizado por Prata e Fortes (2015).
16 . Dentre os quais podem ser destacados a tradução brasileira do método Reading Latin de Jones e Sidwell
(Cambridge), Aprendendo latim: textos, gramática, vocabulário, exercícios, tradução e supervisão técnica, (1a.
ed. 2012, 2a. 2014), o Latinitas, de Amarante (2015), bem como o método Latine Loqui, proposto por Leite (2016).
17 . Algo que tem sido repensado por Leite (2016) através do material por ela desenvolvido, no qual se vê a
sugestão de práticas comunicativas para a sala de aula de latim, a fim de apresentar ao aluno um latim que não se
encontra destituído de seu caráter de veículo de comunicação, havendo, desse modo, um deslocamento no ensino
dessa língua clássica para além da leitura e da escrita.
18 . Uma vez que o aprendizado dessa língua se dá através dos registros escritos, renegá-la não seria a resposta,
72
embora a tradução de sentenças descontextualizadas, como até então tem sido feita, esteja longe do ideal ao não
preparar o aluno para lidar com textos originais e suas nuances.
em língua latina e sua leitura. Os alunos, então, lidam com textos originais
ou suas adaptações desde o primeiro contato com a língua - ou seja, não
mais com sentenças descontextualizadas. Nessa proposta, como analisa
Lima (2017, p. 142-143), a tradução é a ferramenta de apoio para que leitura
dos textos possa ser realizada como o meio de materialização dos sentidos
produzidos pelos alunos.
Logo, vemos que, por mais que as metodologias e práticas utilizadas
para o ensino da língua latina tenham carecido de revisões e atualizações
por um longo período, hoje já se pode observar mudanças nas práticas de
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Considerações Finais
______, F.; PRATA, P. O Latim hoje: reflexões sobre cultura clássica e ensino.
Campinas: Mercado de Letras, 2015.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
GORDIN, Michael D.. Scientific Babel: The language of science from the fall
of Latin to the rise of English. Chicago: University of Chicago Press, 2015.
LEITE, Leni Ribeiro. Latine Loqui: curso básico de latim. Vitória: EDUFES,
2016. 2 v.
seer.ufrgs.br/index.php/cadernosdoil/article/view/26057/15244>. Acesso
em 09 de maio de 2018.
Gramática em perspectiva:
postulados metodológicos e
preparo à compreensão da
ars da Antiguidade aos
nossos dias
Carlos Renato R. de Jesus (UEA)
Introdução
1 . Seria injusto e altamente deletério não mencionar, aqui, o monumental trabalho do prof. Castilho (2002) que,
De fato, dado o volume considerado de gramáticas e compêndios
didáticos que se propõem a abordar de forma “diferenciada” o ensino de
Língua Portuguesa hoje disponíveis no mercado editorial, é justo afirmar
que há ainda pouquíssimo, para não dizer insignificante, aparato crítico
desse material por parte da Academia.
Por isso, nossa pesquisa, pretende proceder a um estudo crítico acerca
das formulações teóricas e didáticas relativas ao conceito, estrutura e
finalidades da Gramática, desde suas origens, com os gregos e romanos
antigos, passando pela sua sistematização, em Língua Portuguesa, durante
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
desde a década de 80, vem pesquisando e descrevendo o português culto falado no Brasil.
criticamente, sem anacronismos ou reducionismos, a forma e os objetivos de
sua formulação, desde as primeiras gramáticas do mundo ocidental, entres
gregos e romanos (Dionísio o Trácio; Varrão; Donato; Prisciano; Quintiliano),
passando pela Idade Média, com Fernão de Oliveira (1507-1581) e João de
Barros (1496- 1570) até a contemporaneidade brasileira, com ênfase nas
mais recentes edições e reedições de tais compêndios. Fundamentarão
as duas primeiras etapas (época antiga e medieva) os trabalhos de Conto
(2011), Abaurre & Pfeiffer (2009), Dezotti (2011), Fortes (2012; 2014), Keil
(2009), Leite (2007), Poggio (2002), Ruy (2006), Simões (2013), Marcotulio
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Considerações finais
2 . Haveria, ainda, um outro grupo de publicações que ou são claramente uma mendaz “nova roupagem” dos
82
velhos preceitos gramaticais tradicionais (JUNIOUR & TELES, 2008; SHUMACHER, 2013), ou então ainda
carentes de uma revisão crítica cuidadosa, a fim de saber em que grupo se encaixariam (ABREU, 2003; 2018).
perspectiva, esta pesquisa espera estabelecer parâmetros seguros para o
discernimento crítico e rigoroso do muito que vem sendo produzido em termos
de ensino gramatical e teorias linguísticas.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
83
Referências
BORTONI-RICARDO, Stella Maris et al. (Orgs.). Por que a escola não ensina
gramática assim? São Paulo: Parábola, 2014.
Parábola, 2002b.
______. Gramática do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2010.
RUY, Maria Lucília. Arte menor e Arte maior de Donato: tradução, anotação e
estudo introdutório. Dissertação (Mestrado em Letras Clássicas) – Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São
Paulo, p. 110. 2006.
Narrativas pedagógicas e
formação de professores:
relatos do Curso PARFOR
Pedagogia/UEA
Jane Lindoso Brito (UEA)
Meire Terezinha Silva Botelho de Oliveira (UEA)
Introdução
ativos e interativos.
Essas falas exprimem experiências de aprendizagem que foram ganhas
ao longo da vida e expressas no texto narrativo. Podemos assim afirmar,
que a escrita da narrativa, portanto, constitui-se numa aprendizagem
experiencial, ao colocar o sujeito numa prática subjetiva e intersubjetiva do
processo de formação, porque congrega e carrega experiências diferentes e
diversas, a partir das próprias escolhas, das dinâmicas e singularidades de
cada vida. Os professores ao narrarem as experiências profissionais há um
processo de reflexão dobre um maior conhecimento sobre si próprio e como
suas atitudes afetam o próximo passando a ter um maior conhecimento
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
E acrescenta:
93
Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades
para a sua própria produção ou a sua construção. Quando entro em uma sala de
aula devo estar sendo um ser aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas
dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e inquiridor, inquieto em face da
tarefa que tenho – a de ensinar e não a de transferir conhecimento.” (FREIRE,
1996, p. 47).
Considerações finais
Pesquisa, São Paulo, v.28, n.1, p.11-30, jan./jun. 2002. Disponível em: http://
www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517- 97022002000100002&script=sci_
arttext. Acesso em 18 de setembro de 2018.
O ritmo na escrita:
implicações prosódicas da
oralidade em marcações
gráficas de textos escolares
Rebecca Andrade da Silva Costa
Introdução
1 . FONTE: facebook.com/ACriticaCom/photos/a.200562873307534.50650.175887955775026/984333438263803/
?ty pe=1
espaço aos estudos da relação entre sintaxe e prosódia e a como esta exclui
regras daquela quando se trata de suas representações no texto escrito,
sendo essa exclusão permeada por questões que vão além de simplesmente
“erros gramaticais”.
Além disso, devemos considerar a dimensão pedagógica deste trabalho,
pois ele buscará estudar e compreender a própria consciência fonológica do
falante em situação escolar. Ao mapear as ocorrências de pontuação, no
sentido de representação prosódica, acredita-se ser possível compreender
a relação do sujeito em ambiente escolar com sua própria língua. Esta
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
1. Fundamentação teórica
Este trabalho busca analisar como o ritmo e sua relação com os domínios
prosódicos influenciam no texto escrito. É preciso dizer, a esta altura, que o
ponto de partida dos trabalhos sobre o ritmo tem relação com o problema do
acento nas línguas. No que concerne ao acento, portanto, podemos dizer que:
2 . “... is a theory of the way in which the flow of speech is organized into a finite set of phonological units”. Todas
as traduções são de minha autoria.
no entanto, são os constituintes acima da palavra fonológica, tendo assim
seu foco ambientado nos fenômenos de ordem frasal. A cadeia em questão
é formada por unidades fonológicas, a saber, os sete domínios prosódicos,
que são organizados como no esquema a seguir:
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
3 . “The Prosodic Hierarchy of an utterance is determined by its syntatic structure but not identical to it”.
4 . “... the lowest constituent of the prosodic hierarchy which is constructed on the basis of mapping rules that make
substantial use of nonphonological notions. In particular, the phonological word (ω) represents the interaction
101
5 . Sobre este assunto, podemos citar o trabalho de Barbosa (2006), que faz uma abordagem sobre os componentes
que constituem o modelo dinâmico da fala, por ele chamado de modelo de referência.
(2005) e Piacentini (2009) nos seus manuais que tratam do uso da vírgula.
Portanto, trataremos dos usos da vírgula que podem ser considerados como
não convencionais por não serem justificados ou aceitos pelas normas
de pontuação da língua portuguesa que são elencadas nos manuais
e gramáticas usadas nas escolas de ensino básico. Não é nosso objetivo
analisar normativamente os desvios relacionados aos usos da vírgula, mas
sim apontar as evidências prosódicas de que esses casos não convencionais
quanto ao uso da pontuação, especificamente a vírgula, podem mostrar o
quanto a percepção rítmica do falante influencia no ato de escrever e como
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
REDAÇÕES DO 1° ANO
Total de textos escritos 100
vírgula
Total de desvios no uso da vírgula dentro das orações 79
Do total de cem textos produzidos pelos estudantes dessa série, 58%
são produções que contém algum tipo de desvio quanto ao uso da vírgula.
Em relação aos textos do 2º ano do ensino médio, temos:
REDAÇÕES DO 2° ANO
Total de textos escritos 100
Número de redações com desvios no uso da vírgula 47
Número de orações dentro das redações com desvios no uso da
59
vírgula
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
concorda com as regras gramaticais que permeiam o uso desse sinal quanto
à supressão da vírgula quando a regra pede que seja utilizada. Os erros mais
recorrentes são, basicamente, os mesmos nos textos de ambas as séries. A
vírgula entre sujeito e predicado e entre verbos e complementos verbais,
além da vírgula colocada antes da conjunção “e” que liga uma coordenada
de mesmo sujeito, são os desvios que mais figuraram entre os encontrados
nas redações, mudando apenas as ordens de ocorrência entre eles, pois a
vírgula antes da conjunção “e” aparece como o desvio mais frequente nas
redações de 1° ano e a vírgula entre sujeito e predicado é o desvio mais
recorrente nos textos de 2° ano.
6 . Todos os enunciados são aqui reescritos exatamente da forma como estão registrados no material original de
nosso corpus, incluindo os desvios de ortografia que venham a ser observados.
entoacionais como a pausa, informações essas que são menos específicas
que as necessárias para a constituição do nível da frase fonológica (φ),
por exemplo, que precisam de informações de base morfossintáticas dos
elementos que o constituem. Ou seja, os desvios cometidos pelos alunos
e que coincidem com os limites do nível da frase entoacional se tornam,
de alguma maneira, previsíveis quando refletidos por esse ângulo, visto
que, por ser o lugar onde naturalmente ocorrem os contornos entoacionais
como a pausa e, por precisar de menos especificidades das informações
gramaticais dos elementos que o formam, tal domínio torna-se o lugar onde
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Considerações finais
CAMARGO, Thaís Nicoleti de. Uso da vírgula. 1ª ed. Barueri, SP: Manole,
2005.
CHOMSKY, N.; HALLE, M. The Sound Pattern of English. New York: Harper
& Row, 1968.
VOGEL, Irene. The status of the Clitic Group. In: GRIJZENHOUT, Janet;
KABAK, Bariş. Phonological Domains: universals and deviations. Berlim:
114
A educação inclusiva no
contexto social amazônico:
questões contemporâneas
Zila Reis de oliveira
Introdução
1. Referenciais teóricos
Dessa forma fica claro que todo o indivíduo, tem direito de estudar em
escola pública. Onde eles possam ser preparando desde o inicio da formação
básica até ao fim desse percurso, para que possa ser consciente perante
o meio social e para o desenvolvimento de uma aprendizagem qualitativa
para o exercício da cidadania.
A legislação Brasileira estabelece que todos os alunos têm o direito
a freqüentar a sala de aula. Direito na qual a escola deverá se adequar ao
aluno. A inclusão escolar vem se fundamentando no sentido de eliminar
a exclusão derivadas das deficiências de aprendizagem, preconceito
como raça, de gênero, e outras formas de segregação, questões que são
119
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular
de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. §1º Haverá,
quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para
atender às peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento
educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre
que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
2. Procedimentos metodológicos
pesquisa bibliográfica.
Houve a necessidade de leitura seletiva para a delimitação do material
para a pesquisa. A pesquisa bibliográfica foi feita mediante análise de
matérias impressos como: livros, artigos, revistas, dissertações, impressos
e digitalizados, na qual houve a necessidade de leitura seletiva para a
delimitação do material para a pesquisa aprimorando o tema: A educação
Inclusiva no Contexto Social Amazônico: Questões Contemporâneas.
As Pesquisas exploratórias de fato são desenvolvidas com o objetivo
principal de proporcionar uma visão abrangente, onde busca a aproximação
de um determinado fato. Pode-se afirmar que a pesquisa exploratória é o
objetivo principal e o aprimoramento de descobertas. Para Gil pesquisa
exploratória tem como procedimento metodológico a questão de tentar
averiguar ou visualizar um estudo profundo.
Conclusão
Figuras etimológicas no
Canto V da Ilíada: uma lição
de licença poética
Milton Luiz Torres (UNASP)
Introdução
1. A harmonia simpática
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Nesse caso, Reece (1997, p. 34) nota que o poeta sugere uma etimologia
para o nome do guerreiro troiano Heitor com o verbo “ter”. Afinal de contas,
Sarpédone lhe pergunta pela coragem que sempre “tivera” e se refere a sua
antiga bravata de que seria capaz de “ter”, isto é, “defender” a cidade sozinho.
No entanto, nem todas as figuras etimológicas, quer explícitas ou
implícitas, têm resolução tão óbvia. Há casos que parecem problemáticos
porque a etimologia parece forçosa ou até mesmo insustentável. A gesta de
Diomedes nos oferece um bom exemplo dessa situação.
final da era do bronze” (BRYCE, 2009, p. 430). E essa não é a única vez que
isso acontece, pois, logo depois, no mesmo Canto, Eneias faz a seguinte
declaração, nos versos 171-173:
Considerações finais
BRYCE, Trevor R. The Lycians in literary and epigraphic sources. In: BRYCE,
Trevor R.; ZAHLE, Jan (Eds.). The Lycians: a study of Lycian history and
civilisation to the conquest of Alexander the Great. Copenhagen: Museum
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
A natureza da alma em
Lucrécio: a relação entre
a noção de clinamen e a
libera voluntas
Antonio Júlio Garcia Freire (UERN)
Introdução
Pouco se sabe sobre a vida de Lucrécio a não ser que foi um poeta
e filósofo romano que nasceu provavelmente em 94 a.C1. e que escreveu
uma única obra: De Rerum Natura, ou Da Natureza das Coisas, um poema
filosófico em seis Livros onde retoma a tradição epicurista quase que
literalmente, divulgando as teses de Epicuro à audiência latina. Cometeu
suicídio em 51 ou 50 a.C. devido a um acesso de loucura, após beber uma
poção afrodisíaca. Muitos especialistas consideram que o suicídio foi a
versão adotada pelos primeiros Padres da Igreja com o intuito de desmerecer
e desacreditar o filósofo, famoso pelos ataques à religião, ao irracionalismo
e às superstições. Para Lucrécio, a divindade não tinha lugar no mundo,
nem como causa, nem como agente de transformação de devir.
Em sua origem grega, o pensamento epicurista tem uma destinação
bastante clara: todo o conjunto de argumentos que fundamenta a sua filosofia
da natureza tem um objetivo ético bem determinado e reconhecível: uma
vida simples, em comunidade, gozando da phylía entre os seus membros e
compartilhando seus estudos sobre a natureza, a physis. Para o epicurismo,
o “Todo” (tó pan) é a noção que organiza os juízos cosmológicos. De acordo
com a Carta a Heródoto do próprio Epicuro e reproduzida por Diógenes
Laércio (D. L. X, 39-41), “o todo sempre foi exatamente como é agora, e
sempre será assim”. Em um escólio na mesma passagem, Diógenes afirma:
“o todo é constituído de corpos e vazio” (tó pan esti somata kai kenon). Por
corpos, neste caso, Epicuro está se referindo aos elementos primordiais,
os átoma. Para Lucrécio, são as sementes das coisas (semina rerum), os
elementos (elementa), os corpos primordiais (corpora prima).
135
2 . No sentido de entendimento, intelecto, inteligência. Na Filosofia Antiga é possível encontrar sentidos diversos
para esse termo. Platão usa essa noção principalmente para a argumentação matemática. Para Epicuro, seria a
faculdade da argumentação ligada ao intelecto e à inteligência, sem necessariamente ser restrita à lógica.
3 . Evidentemente, a teoria atomista da alma na Antiguidade não pode ser reduzida a uma psicologia em seu
sentido moderno. O objetivo de usar tal termo é apenas de realizar uma aproximação conceitual – e provisória – do
significado de alma entre as duas épocas. Insistimos também na etimologia da palavra: tanto na Filosofia Antiga
136
como na ciência contemporânea, a psicologia pode ser considerada uma investigação sobre a alma, descontada
toda a carga religiosa desse termo.
corpo fenomênico, mas especialmente a sua alma, responsável por animar
o corpo-carne, além das conexões com a sensibilidade, o pensamento, a
imaginação e o prazer, com este último, tomando um lugar central no papel
da liberdade no sistema ético epicurista (BOYANCÉ, 1964, p. 143).
A compreensão da alma na filosofia epicúrea não é tão evidente como
poderia parecer se comparada às descrições sempre diretas da natureza e de
seus constituintes. Em primeiro lugar, a noção de alma entre os epicuristas
não encontra qualquer correlato no período helenístico, exceto entre os
estóicos (ANNAS, 1994, p. 37). A sua descrição da alma como um agregado
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Ora, depois de ter ensinado quais são os princípios de todas as coisas e como,
tão diferentes pela variedade das formas, espontaneamente voam, tomados
num eterno movimento, e de que modo se podem gerar, a partir deles, todas
as coisas, parece que a seguir devo pôr claro nestes meus versos a natureza
do espírito e da alma, expulsando, derrubando aquele medo do Aqueronte que
perturba desde os fundamentos, intimamente, a vida humana, tudo penetra
da cor da morte e não deixa nenhum prazer límpido e puro (Da natureza, III,
31- 40).
4 . Segundo Bignone (1961, p. 74), “[...] tutta la poesia de questo libro è circundata da questo alone di appassionata
attesa di tale senso di liberazione che dovrá sorgere ala fine di questo canto del destino dell’anima umana”.
5 . Da natureza, III, 37.
6 . Rio mitológico, também conhecido como “rio do infortúnio”. Seria um afluente do rio Styx, localizado no
mundo dos mortos, sendo mencionado por vários filósofos da Antiguidade. Em A Eneida, de Virgílio, é citado
juntamente com outros rios infernais, quando o poeta conterrâneo de Lucrécio descreve o mundo dos mortos.
As almas dos mortos, ao chegarem a uma das margens do Aqueronte, eram levadas às portas do Hades por um
barqueiro chamado Caronte. Ver Bulfinch (2014).
7 . DRN, III, 39.
137
2. A declinação - clinamen
10 . O conteúdo da exposição de Lucrécio não é muito diferente daquela apresentada por Epicuro na Carta a
Heródoto. Mas, é importante ressaltar que algumas noções apresentadas pelo primeiro guardam certo grau de
dificuldade quando confrontadas com os mesmos conceitos do seu mestre. Giussani (1896, p. 183) realmente
afirma que a descrição da alma no poeta romano é um tanto obscura, principalmente se forem consideradas as
funções do animus (espírito) e da quarta natura (elemento sem nome).
11 . DRN, II, 292. A noção em Epicuro é parenklisis, apesar de não constar em nenhum de seus escritos que
sobreviveram.
12 . Os termos utilizados por Lucrécio para designar a declinação variam consideravelmente, desde depelere
(DRN, II, 219), declinare (DRN, II, 221; 250; 253 e 259), inclinare (DRN, II, 243) e o próprio clinamen (DRN, II,
292), sendo que este é o termo mais frequente.
13 . Da natureza, II, 216-220.
14 . O pensador romano, contemporâneo e provavelmente amigo de Lucrécio, associa a declinação (parenklisis)
a Epicuro (Cf. Cícero, Sobre o destino, 19 e De finibus et malorum, I. 19), embora, como já fora mencionado,
nenhuma alusão a esta tese é encontrada nos escritos sobreviventes do filósofo do jardim.
15 . Em 1888, arqueólogos franceses liderados por Georges Cousin descobriram um bloco de calcário contendo
vários tratados epicuristas inscritos sobre três níveis dos muros de um pórtico na entrada da cidade de Enoanda.
Seu autor foi identificado como certo Diógenes (Diogeno), que provavelmente foi contemporâneo de Luciano de
Samósata (aproximadamente 120-180 d.C.) e Galeno (aproximadamente 129-200 d.C.). Para uma breve introdução
às inscrições de Diógenes, ver Gigandet e Morel, 2011, p. 29- 32.
138
São eles como películas arrancadas da superfície dos objetos e que voejam de
um lado e outro pelos ares; indo ao nosso encontro quando estamos acordados,
aterram-nos o espírito, exatamente como em sonhos, quando muitas vezes
contemplamos figuras espantosas e imagens daqueles que já não têm luz;
são elas que muitas vezes nos arrancam cheios de horror ao sono em que
repousávamos; ora, não vamos acreditar que as almas fogem do Aqueronte
ou que espectros voejam entre vivos, ou que alguma coisa de nós pode ficar
depois da morte, visto que o corpo e a substância da alma, aniquilados ao
mesmo tempo, se dispersam nos seus elementos respectivos (Da natureza, IV,
35-45).
ter uma existência tão real quanto as coisas e os objetos sensíveis. Reais, mas
de outro tipo, visto que os seus simulacros também o são.
Os simulacros são como réplicas dos corpos compostos. Ao se
trasladarem destes para os sentidos, ainda continuam a conservar as suas
características originais, as mesmas qualidades que tinham ao se projetarem
dos objetos, embora possam sofrer deformações ao longo dessa trajetória. São
essas deformações na configuração original das imagens que podem alterar
o entendimento sobre a sensação. O acréscimo racional ao dado empírico
puro, daquilo que é recebido pela sensibilidade é o que se constitui no erro
de julgamento, que tem origem no próprio raciocínio, e não nos sentidos.
As imagens são chamadas de simulacros justamente porque, além da
semelhança com os corpos de que são emitidos, são muito leves e sutis:
Digo, pois, que são emitidos dos objetos, da superfície dos objetos, efígies e
leves representações desses mesmos objetos; deveria dar-se-lhes o nome de
películas ou de cascas, visto que têm a forma e o aspecto do corpo de que
são imagens, daquele mesmo de que emanam para errarem no espaço (Da
natureza, IV, 46-50).
Vais agora saber e compreender em poucas palavras quais são os corpos que
movem o espírito e donde vem aquilo que à mente vem. Primeiro, direi o
seguinte, que sutis simulacros das coisas, de numerosas espécies, vagueiam
em grande número por todas as partes e que facilmente se juntam entre si nos
ares quando chegam ao encontro uns dos outros, exatamente como as teias
de aranha ou as folhas de ouro. São, efetivamente, muito mais sutis na sua
estrutura do que os corpos que ferem os nossos olhos e provocam a visão, visto
que penetram pelos pequenos intervalos dos corpos e lá dentro excitam a sutil
substância do espírito e provocam as sensações (Da natureza, IV, 722-732).
[...] primeiro lugar, por que razão, logo que temos desejo de um objeto,
imediatamente o espírito o imagina. Será que por acaso os simulacros obedecem
à nossa vontade e nos ocorre uma imagem quando o queremos, quer se trate
do mar, quer se trate da terra, quer finalmente do céu? Reuniões de homens,
cortejos, festins, batalhas, tudo a uma só palavra a natureza nos prepara e cria.
E o que é mais extraordinário é que o espírito daqueles que estão no mesmo
sítio, no mesmo lugar, lhes imagina coisas que são muito diferentes umas das
outras (Da natureza, IV, 779-787).
E, como estes simulacros são sutis, o espírito não pode ver com clareza se por
acaso não está com atenção; por isso, tudo o que existe logo perece, a não
ser aquilo para que ele próprio se preparou. Assim, ele se prepara e espera
que há de ver o que se segue a cada coisa; e, portanto, acontece. Não vês
também, quando os olhos se põem a fixar corpos sutis, como ficam atentos
e se aplicam e como sem isto não pode suceder que vejamos com clareza?
E até nas coisas que se vêem distintamente se pode observar que, se não se
estiver com atenção, tudo se passará sempre como se estivessem afastadas e
extremamente remotas. Por que nos havemos, então, de admirar se o espírito
perde todas as coisas a não ser aquelas aque está entregue? Depois, muitas
vezes, de pequenos indícios imaginamos as coisas mais vastas e a nós mesmos
nos defraudamos, a nós mesmos induzimos em engano (Da natureza, IV, 801-
818).
E agora, como é que nós podemos dar passos para a frente quando o queremos,
como é que podem os nossos membros mover-se em várias direções, como é
que alguma força é capaz de deslocar o peso tão grande do nosso corpo? Eis o
que vou dizer: tu, recolhe as palavras.
24 . Importante destacar que esse aspecto é mais proeminente no estado de vigília do que em qualquer outro
143
E que diremos a respeito das imagens que nos sonhos vemos avançar
ritmicamente e mover os ágeis membros, ágeis sim, visto que alternadamente
movem os braços com leveza, e a nossos olhos acompanham seus gestos com
pés harmoniosos? Acaso estas imagens são embebidas de arte e doutamente
vagueiam, de modo a poderem durante a noite fazer seus jogos? Ou não será
antes que num só momento, segundo o que sentimos, isto é, ao soltar-se um
som, estão incluídos numerosos tempos que a razão descobre existirem, visto
Conclusões
30 . Apesar da maioria dos exemplos de Lucrécio descreverem os mecanismos anímicos como tipicamente
humanos, a vontade livre estaria presente em todos os animais.
tem essa força potencial de subverter o movimento mecânico e determinado
dos elementos, resultante dos choques mecânicos dos simulacros, em que o
animus encontra o seu princípio de autonomia e de liberdade.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
146
Referências
BAILEY, C. The greek atomists and Epicurus: a study. New York: Russell and
Russell, 1964.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Algumas considerações
sobre o uso do símile em
Valério Flaco
Jéssica Frutuoso Mello (Unesp – FCLAr / CNPq)
Brunno Vinicius Gonçalves Vieira (Orientador)
1 . Utiliza-se o título proposto por Márcio Meirelles Gouvêa Júnior (2010) em sua tradução da obra, Argonautica,
para o português. Todas as citações da obra presentes neste texto foram retiradas dessa tradução.
2 . “[...] E ó tu de quem maior é a fama / Dês que oceano caledônio, antes hostil / Aos frígios Júlios, tuas velas
transportou,” (FLACO, I, 7-9, p. 31). “[...] tuque o, pelagi cui maior aperti / fama, Caledonius postquam tua carbasa
148
uexit / Oceanus Phrygios prius indignatus Iulos,” (FLACCUS, 1913, 7-9, p. 1).
3 . Atualmente, restam poucos fragmentos desta tradução.
[tomamos] como símile, aquela [comparação] que estabelece analogia entre
seres, objectos ou acções de natureza distinta – a comparação ‘assimilativa’ ou
de qualidade (ex: Heitor aguardava Aquiles como uma serpente).
4 . Os exemplos também apresentam o texto latino equivalente em nota de rodapé quando estão no corpo do texto,
ou em seguida, quando já estão em nota.
5 . “Tal como a Tias apavoram face e a coma / De Penteu, quando o deus deixara já as bacantes / Da mãe, e os
chifres do imolado touro somem; / E, não menos, na praia os velhos dispersados / Amigas tropas vendo, [...]”
(FLACO, III, 264-268, p. 97-98). “ceu pauet ad crines et tristia Pentheos ora / Thyias, ubi impulsae iam se deus
agmine matris / abstulit et caesi uanescunt cornua tauri. / nec minus effusi grandaeuum ad litora uulgus, / ut socias
uidere manus [...]” (FLACCUS, III, 264-268, p. 64).
6 . “No entanto, a pávida donzela, qual u’a pomba, / Que, perseguida pela sombra de uma águia, / Cai, a tremer,
em qualquer homem, ela assim, / Apavorada, a ele lançou-se. [...]” (FLACO, VIII, 32-35, p. 224). “ecce autem
pauidae uirgo de more columbae, / quae super ingenti circumdata praepetis umbra / in quemcumque tremens
hominem cadit, haut secus illa / acta timore graui mediam se misit [...]” (FLACCUS, VIII, 32-35, p. 183).
7 . “Qual se incha a onda silenciosa e sob o mar / Se ajunta ao vento, do imo traz a ira o bárbaro” (FLACO, V,
521-522, p. 163). “ceu tumet atque imo sub gurgite concipit austros / unda silens, trahit ex alto sic barbarus iras”
(FLACCUS, V, 521-522, p. 125).
8 . “Como ao nauta o olhar de Jove o peito, / No inverno, gela, e ao lavrador, quando se ajunta / A sombra
assustadora, assim do amigo a falta / O Alcides fere e o faz lembrar da cruel madrasta.” (FLACO, III, 577- 580, p.
110). “[...] ceu pectora nautis / congelat hiberni uultus Iouis agricolisue, / cum coit umbra minax, comitis sic adficit
error / Alciden saeuaeque monet meminisse nouercae.” (FLACCUS, III, 577-580, p. 75).
9 . “E cai a nuca enorme ao lado do tosão – / Qual o Pó reflui, ou o Nilo em sete braços lança-se, / Ou como o
Alfeu corre nas terras do hespérios.” (FLACO, VIII, 89-91, p. 226). “[...] atque ingens extra sua uellera ceruix, /
ceu refluens Padus aut septem proiectus in amnes/ Nilus et Hesperium ueniens Alpheos in orbem.” (FLACCUS,
VIII, 89-91, p. 185).
10 . “Qual quando alguém nutre com água e terra fértil / Uma oliveira, e com bons ventos favorece-a, / Sem que
lhe faltem zelo assíduo e esperança, / E já o primeiro broto vê na tenra copa, / Mas de repente, vinda das nuvens
do Norte / Cai u’a tormenta que o derruba na atra areia – / Mírace, assim, perante à vila e à virgem cai.” (FLACO,
VI, 711-717, p. 196). “qualem siquis aquis et fertilis ubere terrae / educat ac uentis oleam felicibus implet, / nec
labor adsiduus nec spes sua fallit alentem, / iamque uidet primam tenero de uertice frondem, / cum subito immissis
praeceps aquilonia nimbis / uenit hiemps nigraque euulsam tendit harena: / haud secus ante urbem Myraces atque
ipsius ante / uirginis ora cadit; [...]” (FLACCUS, VI, 711- 717, p. 155-156).
11 . “E, nos olhos surgindo, as lágrimas primeiras, / Tal qual u’exânime marfim, posto com arte / Talhado, sofre, ou
o pário mármore inscrições / Recebe, ou contam grande feito as cores límpidas.” (FLACO, II, 464-467, p. 81). “[...]
et ad primos turgentia lumina flexus; / exanimum ueluti multa tamen arte coactum / maeret ebur, Pariusue notas et
nomina sumit / cum lapis aut liquidi referunt miranda colores.” (FLACCUS, II, 464-467, p. 44).
12 . O exemplo utilizado por Pinho (1995, p. 500) é o seguinte: “Tal como quando a terra se mostra aprazível
aos náufragos / a quem Posídon destrói, no mar, a robusta nau / fustigada pelo sopro da ventania e pelo vigor
das vagas, e uns poucos naufragados conseguem fugir das pardacentas águas / em direcção à praia, com o
corpo recoberto de denso salitre, / e tocam a terra firme felizes por escaparem à desgraça, / - assim também
149
ela contemplava com prazer o seu marido, / de cujo pescoço não mais desprendia sus níveos braços. (Homero,
Odisseia XXIII, 233-240)”.
Obviamente, dada a importância de Homero, não só para a literatura
grega e latina, mas em geral, o uso desse tipo de símile torna-se, de certa
forma, uma característica do gênero, sendo utilizado por outros autores que
o cultivam. Logo, Flaco também compõe o que poderia ser considerado
símile homérico, como quando Hilas, após ser raptado pelas ninfas, aparece
em sonho para confortar Hércules:
Qual quando, por azar, no cais de pedra undíssona / Uma onda arranca o ninho
e a cria ao maçarico, / Aflita, a mãe, as vagas segue e se lastima / E, certa, vai
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
p’ra onde a levem, e ousa e teme, / Até que cansa e o ninho é imerso pelo fluxo
– / Ela, a sofrer, grita e se alteia com suas asas; / Não de outro modo foi o sonho:
[...] (FLACO, IV, 44-50, p. 118-119)13.
Qual quando o ágil caçador foge da mata / Saqueada e apressa seu cavalo
temeroso / Pelo amo, que no peito aperta os tenros tigres / Que, em dolo pávido,
roubara enquanto a mãe, / Deixada a cria, no Amano oposto caça – / Assim
avança o barco. [...]” (FLACO, I, 489-494, p. 50)14.
13 . “tum lacrimis, turn uoce sequi, turn rumpere questus, / cum sopor et uano spes maesta resoluitur actu. / fluctus
ab undisoni ceu forte crepidine saxi / cum rapit halcyonis miserae fetumque laremque, / it super aegra parens
queriturque tumentibus undis / certa sequi, quocumque ferant, audetque pauetque, / icta fatiscit aquis done domus
haustaque fluctu est; / illa dolens vocem dedit et se sustulit alis: / haut aliter somni maestus labor. […]” (FLACCUS,
IV, 42-50, p. 82).
14 . “[...] haut aliter saltus uastataque pernix/ uenator cum lustra fugit dominoque timentem / urget equum,
teneras compressans pectore tigres, / quas astu rapuit pauido, dum saeua relictis / mater in aduerso catulis uenatur
Amano.” (FLACCUS, I, 489-493, p. 18).
15 . “[...] praeceps subitum ceu pastor ad amnem, / spumantem nimbis fluctuque arbusta ruentem.” (FLACCUS,
I, 101-102, p. 58).
150
16 . “[...] quam multa leo cunctatus in arta / mole uirum rictuque genas et lumina pressit, / sic curae subiere ducem,
[...]” (FLACCUS, I, 757-759, p. 27).
relação ao símile, normalmente realizados por meio de “tal como” e “assim
também” (PINHO, 1995, p. 511-512), como neste exemplo: “Como ao recife,
que se oculta em meio ao mar, / Por sobre o qual nunca o piloto impunemente
/ Desavisado atira o barco, assim a tropa, / Em cega malta armada arroja-se
co’a espada.” (FLACO, III, 108-111, p. 93. Grifo nosso)17. Da mesma forma
que ocorre em Virgílio, Flaco introduz o símile sem necessariamente fazer a
retomada do comparado, de maneira que a narrativa não seja interrompida,
mas tenha um “remate poético”, tipo de símile em que a ligação é feita
mais comumente por meio do comparativo qualis (PINHO, 1995, p. 512).
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
17 . “ac uelut in medio rupes latet horrida ponto, / quam super ignari numquam rexere magistri / praecipites
impune rates, sic agmine caeco / incurrit strictis manus ensibus.” [...] (FLACCUS, III, 108-111, p. 59. Grifo nosso).
18 . As mulheres de Lemnos assassinam seus maridos após acreditarem, por dolo de Vênus, que serão substituídas
pelas escravas obtidas em guerra.
19 . “[...] sua cuique furens festinaque coniunx / adiacet, inferni qualis sub nocte barathri / adcubat attonitum
Phlegyan et Thesea iuxta / Tisiphone saeuasque dapes et pocula libat, / tormenti genus, et nigris amplectitur
hydris.” (FLACCUS, II, 191-195, p. 37. Grifo nosso).
20 . “[...] Assim, no alto palácio, / Vai e vem bramindo, e a mais cruel das coisas pensa – / Como o Tioneu, contra
os culpados trácios, chifres / Sevos lançou; e o triste Hemón com raivas mil, / E o alto Ródope lamentam; tal qual
fogem / Mulher e filhos de Licurgo pelos pórticos.” (FLACO, I, 726-729, p. 58-59). “[...] simul aedibus altis / itque
reditque fremens rerumque asperrima uersat: / Bistonas ad meritos cum cornua saeua Thyoneus / torsit et infelix
iam mille furoribus Haemus, / iam Rhodopes nemora alta gemunt, talem incita longis / porticibus coniunxque fugit
natique Lycurgum.” (FLACCUS, VII, 724-729, p. 26).
21 . “ac uelut ex una siquando nube corusci / ira Iouis torsit geminos mortalibus ignes, / aut duo cum pariter
ruperunt uincula uenti / dantque fugam: sic tunc claustris euasit uterque / taurus […]” (FLACCUS, VII, 567-572,
p. 179).
151
22 . “[...] maestis ueluti nox illa sonaret / plena lupis quaterentque truces ieiuna leones / ora uel orbatae traherent
suspiria uaccae.” (FLACCUS, VIII, 455-457, p. 197).
criando algum espaçamento entre esses comparantes. Assim, a narrativa
é interposta por símiles, sem ser necessariamente retomada por conectivo,
utilizado apenas ao final:
vítimas, / Assim Jasão não tarda em parte ou presa alguma, / Porém, feroz, se
atira a todos. [...] (FLACO, VI, 605-616, p. 192-193. Grifo nosso)23.
23 . “ora sub excelso iamdudum uertice coni / saeua micant, cursuque ardescit, nec tibi, Perse, / nec tibi, uirgo,
iubae laetabile sidus Achiuae, / acer ut autumni canis iratoque uocati / ab Ioue fatales ad regna iniusta cometae.
/ nec sua Crethiden latuit dea, uimque recentem / sentit agi membris ac se super agmina tollit, / quantus ubi ipse
gelu magnoque incanuit imbre / Caucasus et summas abiit hibernus in arctos. / tunc uero, stabulis qualis leo saeuit
opimis / luxurians spargitque famem mutatque cruores, / sic neque parte ferox nec caede moratur in una / turbidus
inque omnes pariter furit ac modo saeuo / ense, modo infesta rarescunt cuspide pugnae.” (FLACCUS, VI, 604-617,
p. 152. Grifo nosso).
24 . “Qual quando Céo grilhões de Jove, em fundo abismo, / Arrastando – partido o adamante dos elos – / Chama
Saturno e Tício, e para o ar espera / voltar – insano; mas passada a noite e os rios, / Da Hidra a juba e o cão
Eumênide o espantaram. / Fremente, [Cízico] se enfurece e increpa o tardo bando:” (FLACO, III, 224-229, p. 97).
“[...] fundo ueluti cum Coeus in imo / uincla lovis fractoque trahens adamante catenas / Saturnum Tityumque uocat
spemque aetheris amens / concipit, ast ilium fluuiis et nocte remensa / Eumenidum canis et sparsae iuba reppulit
hydrae. / saeuit acerba fremens tardumque a moenibus agmen / increpitat: [...]” (FLACCUS, III, 224-230, p. 63).
25 . “Qual quando, do Ida aerissonante, o alado Dédalo / Saltou com Ícaro de asas mais pequenas, / Deixando as
terras com u’a nuvem nova, em vão, / A tropa grita e os cavaleiros, pelo olhar / Exaustos, com os carcases cheios
à Gortina / Voltam. [...]” (FLACO, I, 704-709, p. 58). “haut secus, aerisona uolucer cum Daedalus ora / prosiluit
iuxtaque comes brevioribus alis, / nube nova linquente domos, Minoia frustra / infremuit manus et uisu lassatur
inani / omnis eques plenisque redit Gortyna pharetris.” (FLACCUS, I, 704-708, p. 25).
26 . “Qual quando a errante Io percebe a prima areia / E o pé vacila – a quem a Erínia ir faz ao túmido / Ma
e as mães fárias chamam do outro lado d’água – / Assim rodeia e chega à porta, a ver se aos Mínias / Mais
brando chama o pai. [...]” (FLACO, VII, 111-115, p. 203). “qualis ubi extremas Io uaga sentit harenas / fertque
refertque pedem, tumido quam cogit Erinys / ire maria Phariaeque uocant trans aequora matres: / circuit haut aliter
foribusque impendet apertis, / an melior Minyas reuocet pater;” […] (FLACCUS, VII, 111-115).
27 . “[Medeia] Como se erguida pelo látego das Fúrias, / Então partiu – qual, com o atônito pé, Ino / Lançouse
ao mar, não se lembrando, consternada, / Do filho; e o esposo fere, em vão, o extremo do Istmo.” (FLACO, VIII,
20-23, p. 223-224). “inde uelut torto Furiarum erecta flagello / prosilit, attonito qualis pede prosilit Ino / in freta nec
parvi meminit conterrita nati, / quem tenet; extremum coniunx ferit inritus Isthmon.” (FLACCUS, VIII, 20-23, p.
182-183).
28 . “[Medeia] Qual, perturbado pelas Fúrias e Pavores, / Orestes toma a espada e fere a hoste da mãe; / A Ira,
co’horrível som do açoite, e as serpes / seguem-no –] / Que outra vez crê-se arder co’a morte da Lacônia – / Do
falso ataque dessas deusas, volta exausto / E no colo da irmã desgraçada se atira.” (FLACO, VII, 147-152, p. 204).
“turbidus ut poenis caecisque pauoribus ensem / corripit et saevae ferit agmina matris Orestes: / ipsum angues,
ipsum horrisoni quatit ira flagelli, / atque iterum infesta se feruere caede Lacaenae / credit agens, falsaque redit de
strage dearum / fessus et in miserae conlabitur ora sororis.” (FLACCUS, VII, 147-152, p. 163).
29 . “Qual no átrio de Equião, Baco, feroz, co’as ínfulas / Conspurcadas de vinho, abandona Penteu / Quando este
o deus recebe e, mísero, suporta / Da mãe a casta veste, o tímpano e a lança, / Assim, sozinha, a virgem teme; [...]”
(FLACO, VII, 301-305, p. 209). “[...] ceu Penthea Bacchus in aula / deserit infectis per roscida cornua uittis, / cum
152
tenet ille deum pudibundaque tegmina matris / tympanaque et mollem subito miser accipit hastam: / haud aliter
deserta pavet perque omnia circum / fert oculos tectisque negat procedere uirgo.” (FLACCUS, VII, 301-306, p. 169).
Em outro ponto, a comparação de um feito de Jasão com um de
Hércules se mostra importante dentro da narrativa, uma vez que, enquanto
Hércules é um herói já amadurecido e realizador de provas, Jasão passa por
um processo formador ao longo da narrativa (GOUVÊA JÚNIOR, 2007, p.
13), e o uso do símile faz com que a tomada do velocino o coloque no mesmo
patamar que seu companheiro: “[...] O herói coberto / Co’o fulgente tosão,
ora o deita nos braços, / Ora aos ombros o leva, ou co’a canhota ao agarra: /
Da gruta de Nemeia, igual saíra Hércules / Inda ajustando o leão à cabeça
e às espáduas!” (FLACO, VIII, 122-126, p. 227)30, demonstrando, com isso,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
[...] de egual modo o Touro / Pungido do Tavão corre impetuoso, / Prados, sítios
palustres abandona, / Guardas não cura, não lhe importa armento, / Vae seu
caminho, e irrequieto agora, / Parado logo; a cerviz larga entona, / E ao picar
do Tavão muge raivoso, / Assim furiando o Heroe, [...] (APOLLONIO RHODIO,
I, 1265-1270, p. 42. Tradução de José Maria da Costa e Silva)35.
30 . “micat omnis ager, uillisque comantem / sidereis totos pellem nunc fundit in artus, / nunc in colla refert, nunc
implicat ille sinistrae. / talis ab Inachiis Nemeae Tirynthius antris / ibat, adhuc aptans umeris capitique leonem.”
(FLACCUS, VIII, 122-126, p. 186).
31 . “[...] De repente, vai aos pais / E à mão paterna co’os mais brandos beijos cobre; / Qual u’a cadela acostumada
ao leito e à mesa / Do doce dono, doente pela peste e a raiva, / Antes da fuga olha, chorosa, para o Lar.” (FLACO,
VII, 122-126, p. 203). “subitoque parentibus haeret / blandior et patriae circumfert oscula dextrae. / sic adsueta toris
et mensae dulcis erili / aegra noua iam peste canis rabieque futura / ante fugam totos lustrat queribunda penates.”
(FLACCUS, VII, 122-126, p. 162).
32 . “De pronto, os homens correm, certos de salvá-la; / Qual quando um touro, com gemido os ermos enche / A
suportar no dorso o leão que o dilacera / A mordeduras, os campônios, em tumulto, / Das casas ao redor saídos, se
aproximam.” (FLACO, II, 457-461, p. 81). “acrius hoc instare uiri succurrere certi; / qualiter, impleuit gemitu cum
taurus acerbo / auia frangentem morsu super alta leonem / terga ferens, coit e sparso concita mapali / agrestum
manus et caeco clamore coloni.” (FLACCUS, II, 457-461, p. 47).
33 . “Chamam pelo gigante e pedem o confronto - / Tal qual touro que, ao fundo, em rio caudaloso / De desconhecida
água a corrente despreza / E mostra o curso, logo a grei toda, sem medo, / Já atrás o acompanha e se adianta
nas ondas.” (FLACO, IV, 194-198, p. 124). “exoptantque virum contraque occurrere poscunt. / qualiter ignotis
spumantem funditus amnem / ... / pandit iter, mox omne pecus formidine pulsa / pone subit iamque et mediis
praecedit ab undis.” (FLACCUS, IV, 194-198, p. 87).
34 . “Como um touro que obteve o mando do rebanho, / Vai ele ovante e todo amor e honras recebe.” (FLACO, V,
67-68, p. 147). “ac uelut ille gregis cessit cui regia taurus / fertur ouans, omnis honos, hunc omnis in unum/ transit
amor: [...]” (FLACCUS, V, 67-69, p. 109).
35 . ώϛ δʹ ὅτε τίϛ τε μύωπι τετυμμένοϛ ἒσσυτο ταῡροϛ / πῦίσεά τε μpoλιπὼν καὶ ἑλεσπίδαϛ, οὐδὲ
νομήων / οὐδ’ ἀγέληϛ ὄϴεται, πρήσει δ’ ὁδόν, ἄλλοτ’ ἄπαυστοϛ, / ἄλλοτε δ’ ἱστάμενοϛ, καὶ ἀνὰ
πλατὺν αὐχέν’ ἀείρων / ἵησιν μύκμα, κακῷ βεβολημένοϛ οἴστρῳ: / ὧϛ ὅγεμαιμώων ὁτέ μὲν ϴοὰ
153
γούνατ’ ἔπαλλεν / συνεχέωϛ, ὁτὲ δ’ αὖτε μεταλλήγων καμάτοιο / τῆλε διαπρύσιον μεγάλῃ βοάασ κεν
ἀυτῇ. (APOLLONIUS RHODIUS, I, 1265-1272)
no cercado, assim ele se arroja / Para os montes em fuga. [...]” (FLACO, III,
581-584, p. 110)36, mostrando, desse modo, aparentemente, deferência para
com seu antecessor e modelo, jogando com seu leitor que pode ter lido a
outra versão e, logo, encontraria aqui um possível eco.
Por outro lado, o leão – outro animal utilizado com alguma frequência,
mas menos que o touro – aparece de modo mais tipificado, representando
bravura e ferocidade, mesmo quando sua situação e a de seus comparados
muda. Exemplo disso é quando, em guerra na Cólquida, Telamon protege o
corpo de Canto, e o comparante é um leão acuado, mas que ainda protege
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
sua cria: “[...] Qual um leão / Que, acuado, a cria põe às costas, assim, perto,
/ Chega o Eácida e pára; [...]” (FLACO, VI, 346-349, p. 183)37. De maneira
semelhante, quando Hércules irado pelo sumiço de Hilas é comparado com
um leão que, mesmo ferido e diante da ausência do inimigo, é capaz de
atacar: “Qual leão ensanguentado, atingido por lança / Do covarde africano,
é espantado a rugir / E sob os dentes rasga o ausente inimigo, / Assim,
mostrando o rosto em fúrias, o Tiríntio” (FLACO, III, 587-590, p. 110)38.
Por fim, embora ocorra apenas uma vez, é interessante citar que em
meio a um gênero elevado, Flaco utiliza em um dos seus símiles uma cena
doméstica, em que compara os esforços dos exércitos em luta no canto VI
com servos tratando o couro:
Qual quando alguém dá um couro aos servos, p’ra em azeite / Amaciar, e estes
o estiram e, no arrasto, / Domam a pele táurea, e o óleo encharca a terra,
/ Tal era o esforço de ambas partes, que num espaço / Estreito os membros
miseráveis do homem puxam. (FLACO, VI, 358-362, p. 184)39.
36 . “[...] uolucri ceu pectora tactus asilo / emicuit Calabris taurus per confraga saeptis/ obuia quaeque
ruens, tali se concitat ardens in iuga senta fuga. [...]” (FLACCUS, III, 581-584, p. 75).
37 . “[...] ceu saeptus in arto / dat catulos post terga leo, sic comminus astat / Aeacides gressumque tenet [...]”
(FLACCUS, VI, 346-348, p. 143).
38 . “ille, uelut refugi quem contigit improba Mauri / lancea sanguineus uasto leo murmure fertur / frangit et
absentem uacuis sub dentibus hostem, / sic furiis accensa gerens Tirynthius ora / fertur [...]” (FLACCUS, III, 387-
591, p. 75).
39 . “ut bouis exuuias multo qui frangit oliuo / dat famulis, tendunt illi tractuque uicissim / taurea terga dormant,
154
pingui fluit unguine tellus: / talis utrimque labos, raptataque limite in arto / membra uiri miseranda meant: [...]”
(FLACCUS, VI, 358-362, p. 143).
Referências
CITRONI, Mario et al. Valério Flaco. In: ______. Literatura de Roma Antiga.
Coimbra: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006. p. 852-856.
FLACCUS, Gaius Valerius. C. Valeri Flacci Setini Balbi Argonauticon Libri Octo.
Edição de Otto Kramer. Leipzig: Teubner, 1913. Disponível em: <http://www.
perseus.tufts.edu/hopper/text?doc=Perseus%3atext%3a2007.01.0058>.
Acesso em 13 jan. 2018.
Introdução
agregado da família de Luculo, e havia escrito um poema glorificando-lhe os feitos. Infelizmente, nada restou
de sua obra e atualmente é lembrado apenas em virtude do discurso ciceroniano (cf.: TRENK, 1997, p. 112-114).
seus direitos de cidadania romana de modo fraudulento3. Cesila (2004,
p. 3), no entanto, considera que a motivação do processo é, na verdade,
política, enquadrando-se nos casos em que se procura atacar os partidários
e protegidos do adversário por meio de um terceiro. Nesse caso, Grácio
estava servindo como intermediário para que Pompeu4 atacasse Árquias,
protegido da família dos Luculos5, com os quais Cícero mantinha estreitas
relações políticas, as quais tê-lo-iam motivado a assumir a defesa do poeta.
Pelo que acaba de ser dito, o Pro Archia vincula-se ao gênero forense, no
qual, segundo Aristóteles (Ret. I, 3), temos uma acusação e uma defesa que,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
3 . A tradução do Pro Archia de que nos servimos neste projeto é a que consta em Trenk (1997).
4 . Cneu Pompeu Magno (106-48 a.C.) foi um general importantíssimo durante a batalha e vitória sobre Lépido e
Bruto, na Gália Cisalpina, ao lado Cornélio Sila. Posteriormente, foi nomeado governador da Hispânia Citerior,
localizada a nordeste da Península Ibérica, e formou, com Júlio César e Marco Licínio Crasso, o Primeiro
Triunvirato (LIMA, 2010, p. 40-2).
5 . Família romana célebre por sua longa linhagem de políticos, dentre os quais Cícero menciona, no discurso,
Lúcio Licínio Luculo (117-56 a.C.), cônsul em 74 a.C. e general na guerra contra os Mitridates, e Marco Terêncio
Varrão Luculo, cônsul em 73 a.C. e famoso por ter ampliado os territórios romanos até a Trácia (cf.: LONG, 1844).
6 . Cf. Brasil (2002), D’Ors et al. (1970) e Santos (2015).
7 . “E graças àqueles [os poetas] cujos talentos divulgam tais feitos, a glória do povo romano é celebrada (Quae
quorum ingeniis efferuntur, ab eis populi Romani fama celebratur)”. (Pro Arc. 20)
8 . “Mas nos encômios por certo não se honra apenas quem é louvado, senão também o nome do povo romano (At
eis laudibus certe non solum ipse qui laudatur, sed etiam populi Romani nomen ornatur).” (Pro Arc. 22)
9 . “Quantos historiadores dos seus feitos se diz que teve consigo o famoso Alexandre Magno! [...] E, realmente;
pois, se para um tal herói não tivesse existido aquela arte, o mesmo túmulo que envolvera seu corpo lhe teria
também sepultado o nome (Quam multos scriptores rerum suarum magnus ille Alexander secum habuisse dicitur!
[...] Et uere. Nam nisi Illias illa exstitisset, idem tumulus, qui corpus eius contexerat, nomen etiam obruisset)”.
(Arch. 24)
157
12 . “Com efeito, o poeta é uma coisa leve, alada, sagrada, e não pode criar antes de sentir a inspiração, de estar
fora de si e de perder o uso da razão. Enquanto não receber este dom divino, nenhum ser humano é capaz de fazer
versos ou de proferir oráculos. Assim, não é pela arte que dizem tantas e belas coisas sobre os assuntos que tratam,
como tu sobre Homero, mas por um privilégio divino, não sendo cada um deles capaz de compor bem senão no
gênero em que a Musa o possui [...].” (Ion, 543c, 51-52)
13 . “Parece ter havido para a poesia em geral duas causas, causas essas naturais. Uma é que imitar é natural nos
homens desde a infância e nisto diferem dos outros animais, pois o homem é o que tem mais capacidade de imitar
e é pela imitação que adquire os seus primeiros conhecimentos; a outra é que todos sentem prazer nas imitações.”
(Poét. 1448b, 42)
14 . “Há quem discuta se o bom poema vem da arte se da natureza: cá por mim, nenhuma arte vejo sem rica
intuição e tão pouco serve o engenho sem ser trabalhado: cada uma destas qualidades se completa com as outras
e amigavelmente devem todas cooperar. (Natura fieret laudabile carmen an arte, quaesitum est; ego nec studium
sine diuite uena nec rude quid prosit uideo ingenium; alterius sic altera poscit opem res et coniurat amice)”. (Ars
P. 409-415)
15 . “Apolo deu a mim o sopro, o nome e a arte de poeta” (Spiritum Phoebus mihi, Phoebus artem carminis
nomenque dedit poetae). (Carm. VI, 29-30; Tradução de nossa lavra)
158
16 . “Que me enfrente em engenho, que me enfrente em arte (Contendat mecum ingenio, contendat et arte”. (Prop.
II, 24b; Tradução de nossa lavra)
que a natureza deve sujeitar-se ao rigor técnico da arte17. Essas obras,
embora em alguma medida distanciadas por suas épocas e seus propósitos,
oferecem, aos estudiosos das poéticas clássicas, dados relevantes para
suas investigações, pois apresentam teorizações e conceitos de pensadores
antigos acerca do poeta e seu ofício.
Os termos apontados como essenciais para interpretarmos a visão
de Cícero a respeito tanto dos poetas quanto dos oradores, conforme o
esperado, já foram tema de discussões anteriores, porém com outros corpora
e propósitos. Pellicer (1959) afirma que o latim dispõe de três termos para
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
exprimir Φύσις, i.e., dons naturais: o primeiro, indoles, o mais raro e arcaico
dentre os três, que refere-se à natureza e ao caráter natural de alguém,
mas irá designar, principalmente a partir de Cícero, a personalidade e as
atitudes inerentes das crianças e dos jovens, isto é, algo que está ainda em
desenvolvimento nessas pessoas. O próximo, ingenium, é o mais recorrente
nos textos latinos e é usado, sobretudo no período clássico, quando falamos
de maneira específica dos dons inerentes ao espírito, das faculdades
intelectuais de um indivíduo. O último, natura, que mais nos interessa, trata
do “temperamento”, “do caráter”, em alguns casos, as qualidades físicas de
alguém. É mais geral que ingenium, mas pode igualmente designar “dons
naturais”, especialmente quando o autor latino se refere a noções abstratas
em oposição a outras. Portanto, natura exprime noções distintas, a depender
do contexto de sua aplicação, como fundamentais tanto para o orador e
quanto para o poeta.
Uhfelder (1966, p. 585), por sua vez, desenvolve uma breve análise
do uso da palavra natura em textos romanos sobre a linguagem. Em
contato com esses textos, a autora divide os empregos do vocábulo em três
categorias, a saber: a natureza cósmica, a natureza do homem e a natureza
da linguagem, dentre as quais nos interessa a segunda. Sobre a referida
natureza do homem, a estudiosa afirma que um dos mais recorrentes
problemas diz respeito à relação entre natureza (humana) e arte, sendo esta
entendida como um produto inevitavelmente relevante ao homem (ibid.
p. 584). Através da análise de excertos de autores antigos18, inclusive de
Cícero, defende a tese de que os dons naturais do homem, dentre eles, o mais
importante, o discurso, devem ser refinados, suplementados e enriquecidos
pelos procedimentos da arte, e de que esta surgiu da observação e imitação
do que é feito naturalmente pelo homem. Portanto, percebemos que a ars
adquire um caráter antes descritivo que prescritivo, pois se origina da
descrição das ações do homem com vistas a modelar as manifestações de
sua natureza.
Para o Martín (2003, p. 36-40), pouco a pouco, com a chegada do
período clássico romano, os poetas irão fornecendo maior terreno à sua
própria habilidade e irão surgir elementos mais fiáveis e controláveis em
que se assentarão a criação poética, dando por subentendidos os dons
17 . “Eu, de minha parte, assevero que ficará provado que as coisas se passam doutra maneira, se examinarmos
que a natureza, embora quase sempre siga leis próprias nas emoções elevadas, não costuma ser tão fortuita e
totalmente sem método e que ela constitui a causa primeira e princípio modelar de toda produção; quanto, porém,
a segura prática e uso, compete ao método estabelecer âmbito e conveniência, sem esquecer que, deixados
a si mesmos, sem os preceitos técnicos, sem apoio nem lastro, abandonados apenas a seus ímpetos e arrojo
deseducado, os gênios correm perigo maior, pois, se muitas vezes precisam de espora, muitas outras, de freio.”
(Do sub. II, 2)
18 . A autora analisou os autores Áquila Romano (17), Cícero (Br. I, 69-71; 9, 36), (De leg. I, 8, 25; I, 9, 26), (De of.
159
I, 16, 50), Crisipo (fr. 827) Mário Vitorino (GL 6, 158, 1-159.2), Pompeu (CL 5, 199, 21-23); 5, 264, 17-19; 2, 565
11-24), Quintiliano (Inst. proem. 12; 3, 2, 3; 2, 20. 9) e Varrão (LL 9, 30).
naturais: o trabalho sacrificado, constante e rigoroso, o esforço pessoal e
limado. O autor (2003), inclusive, relembra Horácio procurando equilibrar
o estatuto da criação poética entre os dons naturais, o conhecimento teórico
e a formação do poeta, não obstante o reconhecimento do primado da
natureza na poesia. Martín (2003) também rememora o fato de Ênio ter sido
o primeiro a dar a si próprio o nome de poeta, distanciando-se dos uates,
alusivo ao furor dos adivinhos, o que nos encaminharia à conclusão de que
valorizar a técnica do poeta pode ser uma tendência de Cícero.
Sócrates, no Ion 334c-d19, coloca o entusiasmo no patamar de
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
19 . Com efeito, o poeta é uma coisa leve, alada, sagrada, e não pode criar antes de sentir a inspiração, de estar
fora de si e de perder o uso da razão. Enquanto não receber este dom divino, nenhum ser humano é capaz de fazer
versos ou de proferir oráculos. [...] Não sendo cada um deles (os poetas) capaz de compor bem senão no género
em que a Musa o possui [...]. (PLATÃO, Íon, 334c-d)
160
20 . Tradução nossa.
21 . Vide nota 14.
está relacionado à participação ativa e pessoal do sujeito na sua formação,
devido ao gosto pelo estudo e ao interesse em desenvolver-se, exigidos pela
sua natureza.
É quase instantânea a relação que podemos traçar entre esse excerto
e o aforismo romano poetae nascuntur, fiunt oratores (os poetas nascem, os
oradores fazem-se), o qual deixa evidente uma diferença entre o orador e
o poeta: no poeta, a predisposição natural, o talento, ou mesmo a natura,
devia ser elemento preponderante, ao passo que, ao orador, predominaria
a educação, iniciada já na infância com os pais, frequentando depois a
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Conclusão
Introdução
A Oratio pro Sestio, discurso proferido por Marco Túlio Cícero1 (106-43
a. C.) em 56 a. C., para defender o tribuno Públio Séstio, acusado de fraude
eleitoral (de ambitu2) e de violência (de vi3), mais precisamente, pelo fato de
este ter organizado bandos armados para defender a repatriação de Cícero.
Para compreender a complexa estratégia argumentativa desenvolvida por
Cícero no Pro Sestio, apresentaremos inicialmente, de forma sucinta, os fatos
que, historicamente contextualizados, constituem as condições de produção
do discurso do orador.
1 . Marco Túlio Cícero (106-43 a. C.) nasceu em 3 de janeiro, no território entre Sora e Arpino, a sudeste de
Roma, mas “sempre quis considerar-se um puro arpinate, para gozar a vaidade de ser concidadão e, em certo
sentido, continuador de Mário,de quem aliás, era parente longínquo” (PARATORE, 1983, p. 179). Mário foi a
figura dominante na vida política romana no final do século II a. C.. Por seus feitos, foi cognominado o terceiro
fundador de Roma (o primeiro foi Rômulo, irmão de Remo; o segundo, Marco Fúrio Camilo, que expulsou os
gauleses da Itália séculos antes).
2 . De ambitu [ambitus, us] é expressão que provém do verbo ambio, is, ui ou ii, itum, īre: andar ao redor, rodear
alguém com o fim de obter, solicitar algo. Os candidatos costumavam assediar os eleitores, andando por mercados
e vilarejos, apresentando-se com roupas brancas, a fim de distinguir-se entre a população. Segundo Tito Lívio
(4, 25, 10), coube aos dois cônsules, Lúcio Fúrio Medulino e Espúrio Postúmio Albo, em 432 a. C., a iniciativa da
Lei que vedava aos candidatos o uso, nos recintos públicos, de roupas brancas - as togae candidae - vestimenta
que os distinguia publicamente como postuladores de votos. Segundo Gardner (In Cicero, 1958, p. 32), a primeira
acusação contra Séstio (a acusação de ambitu) pode ter relação com sua candidatura ao tribunado e foi feita por
Gneu Nério, mas provavelmente foi preparada por Vatínio, todavia não se sabe nada sobre tal acusação. Sobre a
acusação de ambitu, Renda (2007, p. 22) afirma, em nota de rodapé n. 85, com base em carta de Cícero (Epistulae
ad familiares, VII, 24, 2) que o processo de Séstio não se concluiu com uma sentença porque a acusação fazia
referência ao período de sua candidatura à pretura, cujo exercício era pressuposto para a governadoria provincial
que ele obteve no ano em que eclodiu a guerra civil de César (49 a. C.).
3 . Segundo a definição de Coroï (1915, p. 24) apud Renda (2007, p. 7), “o processo de vi relacionava-se a todas
as infrações de direito criminal em que a violência aparece como meio de perpetrá-la. Gardner (In Cicero, 1958,
p. 32) afirma que essa segunda acusação (de vi), provavelmente com base na lex Plautia de vi, era idêntica à
acusação sofrida por Milão e estava baseada no fato de Séstio ter usado guarda armada durante o seu tribunado.
Tal acusação aparecia em nome de Públio Túlio Albinovano e Tito Cláudio, mas o verdadeiro promotor era
realmente Clódio Pulcro. Cousin (In CICÉRON, 2002, p. 33), pondera que “no caso Séstio, o discurso de Cícero
não nomeia a lei, mas, quando procede à Interrogatio in Vatinium, o advogado assimila formalmente a acusação
165
trazida contra Séstio àquela levada contra Milão: est enim reus uterque ob eandem causam et eodem crimine” (há,
de fato, um e outro réus diante da mesma causa e do mesmo crime).
1. Conjunto de fatos determinantes da produção
do discurso
ter agido contra a Lei Semprônia (de 123 a. C.), segundo a qual somente
os Comícios por Centúrias (comitia centuriata) poderiam sentenciar, em
suprema instância, sobre a morte de um cidadão romano. Cícero defendeu-
se, dizendo ter aplicado simplesmente a Lei Marcial, proclamada pelo
Senatusconsultum Ultimum (NÓTÁRI, 2010, p. 199), considerando os
conjurados, conduzidos à morte, não cidadãos romanos, mas bandidos
inimigos da República (BERZERO, in CICERONE, 1935, p. 7).
Entre todos os populares, destaca-se, por seu ódio contra Cícero, o
tribuno da plebe Públio Clódio Pulcro. Este o havia ajudado a reprimir a
Conjuração de Catilina, mas, tendo Cícero testemunhado no tribunal, em 61
a. C, que, no ano anterior, ele profanara, na casa de César, os mistérios da
deusa Bona ao participar, travestido de mulher, de uma cerimônia religiosa
vedada a homens4, o tribuno lhe jurou vingança (BERZERO, in CICERONE,
1935, p. 7-8). A fim de atingir seu objetivo, Clódio passou do grupo dos
optimates5 (aristocratas) para o grupo dos populares6 (democratas) para
que pudesse ser eleito tribuno e, assim, obter o direito à iniciativa de leis.
Isso se deu em 59 a. C., quando, por meio da permissão dos Comícios por
Cúrias (comitia curiata), mediante uma arrogatio (adoção), mudou seu
nome de Cláudio para Clódio, a fim de conferir-lhe a pronúncia popular,
sendo adotado por um plebeu (NÓTÁRI, 2010, p. 200), Fonteio (CORRÊA e
CARPINETTI, 2011, p. 223).
Com o apoio do Triunvirato7, Clódio foi eleito tribuno da plebe. Ao
assumir o mandato, em 10 de dezembro de 59, logo apresentou quatro
projetos de lei, com o fito de respaldar suas ações populistas. O conjunto
de leis apresentado instituía a distribuição gratuita de trigo em Roma (Lex
Clodia frumentaria, de 58); derrogava a lex Aelia et Fufia, eliminando a
obnuntiatio8 (Lex Clodia de auspiciis, 58); restaurava os collegia, proibidos
desde 64, associações lhe seriam úteis mais tarde para criar distúrbios em
4 . Esse fato envolve a suspeita de adultério entre Pompeia, segunda esposa de César, e Públio Clódio Pulcro.
“A notícia de que este conseguira penetrar na casa de César, vestLido como mulher, durante a celebração de
cerimônias públicas, adquiriu tal consistência que o Senado deliberou abrir inquérito a respeito do sacrilégio”
(SUETÔNIO 2003, p. 22). Segundo Suetônio, por causa dessa suspeita de traição, César divorciou-se de Pompeia.
5 . Optimates: nominativo plural do adjetivo “optĭmas, optimatis – pertencente aos melhores, ao partido dos
optimates; aristocrático (Cíc. Rep. 2, 41)”. (FARIA, 1994).
6 . Optimates e populares, (latino: respectivamente, “melhores”, ou “aristocratas” e “demagogos”, ou “populistas”),
dois principais grupos políticos patrícios durante a República Romana, entre cerca de 133 e 27 a. C. Os membros
de ambos os grupos pertenciam às classes mais abastadas. Ambos pertenciam à elite, apenas adotando estratégias
políticas diferenciadas: enquanto os optimates faziam alianças tradicionais, com coalizão de senadores, os
populares buscavam popularidade entre o povo comum (SANT’ANNA 2015, p. 95-96).
7 . O primeiro Triunvirato em Roma foi formado, no final do ano 60 a. C, por iniciativa de Júlio César, que,
valendo-se de sua grande popularidade, aliou-se a Pompeu, maior força político-militar da época, e a Marco
Licínio Crasso, o homem mais rico de Roma à época.
8 . A obnuntiatio, instituto contido na Lex Aelia et Fufia, instituída em 158 a. C., previa a anulação das
deliberações do povo nas assembleias em caso de auspícios desfavoráveis. Conforme Cousin (In CICÉRON,
2002, p. 295), provavelmente tratava-se de duas leis distintas, muitas vezes mencionadas juntas, cujos autores
166
são desconhecidos; é possível que a lex Aelia se limitasse apenas a prescrever o direito de obnuntiatio e que a lex
Fufia fixasse a penalidade aos contraventores.
Roma (Lex Clodia de collegiis, de 58); e limitava o direito dos censores de
excluir senadores (Lex Clodia de censoria notione, 58). Em fevereiro de 58,
como tribuno, Clódio consegue aprovar, nos comícios por tribos (comitia
tributa), com efeito retroativo, a Lex de capite civis Romani que previa o exílio
e a confiscação dos bens de quem tivesse ordenado a execução de qualquer
cidadão romano sem o devido processo legal (NÓTÁRI, 2010, p. 200-201).
Tal lei não mencionava Cícero, mas o tinha como endereço certo, já que ele
desarticulara a Conspiração de Catilina e ordenara a execução de cinco
líderes da conjuração. Segundo Cícero (Pro Sestio, cap. 10, 24, 32, 44, 53,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
55), um pacto feito entre Clódio e os cônsules daquele ano, Gabínio e Pisão
(este, sogro de Júlio César), permitiu a aprovação daquela lei endereçada
a ele9.
Pressionado pela situação, sob o conselho de alguns optimates, Cícero
parte, em março de 58, para um exílio de 18 meses, ficando na cidade de
Tessalônica de maio até meados de novembro, indo depois para Dirráquio,
de onde voltará somente em setembro de 57.
Com a partida de Cícero, Clódio triunfa nas ruas de Roma, confiscando-
lhe a casa do monte Palatino (demolida para dar lugar a um templo da deusa
Liberdade), a quinta de Túsculo e a de Fórmias; aprova a lei aquae et ignis
interdictio (Lex Clodia de exilio Ciceronis), proibindo-lhe o oferecimento
de água e de fogo, símbolos da hospitalidade romana; estabelece, ainda,
que Cícero se mantenha afastado da Itália numa distância mínima de 400
milhas. (COSTA, 2013, p. 18)
Em 1º de junho de 57, o tribuno Nínio apresentou uma proposta no
Senado para que fosse votado o retorno de Cícero, anulando-se a lei de
Clódio. As eleições para os cargos de magistrado em 57 foram boas para
Cícero, pois 8 dos 10 tribunos apoiados pelo cônsul P. Cornélio Lêntulo
Espínter, com o aval de Pompeu, foram favoráveis ao seu retorno. Em 1º de
julho de 57, o Senado decretou que os cônsules apresentassem aos comícios
por centúrias (comitia centuriata) uma lei para o retorno de Cícero. Nessa
ocasião, o cônsul Metelo Nepote, aconselhado secretamente por Pompeu
e César, desliga-se de Clódio e adere à causa de Cícero. Os comícios por
centúrias ocorreram em 4 de agosto de 57, no campo de Marte, aprovando-
se a lex Cornelia. Com isso, Cícero retorna triunfante depois de 18 meses no
exílio (BERZERO, In CICERONE, 1935, p. 11).
Séstio e Milão enfrentam os bandos de Clódio, que se opõem
inutilmente. Revolucionários e antirrevolucionários determinam em Roma
uma situação de completa anarquia. Foi nesse contexto que, em 10 de
fevereiro de 56, Gneu Nério e P. Túlio Albinovano, sob a influência de
Clódio, acusaram Séstio, fiel defensor de Cícero, respectivamente, de ambitu
(corrupção eleitoral) e de vi (violência por formação de bandos armados).
Quatro advogados atuaram no processo em favor de Séstio: Marco Crasso,
Licínio Calvo, Quinto Hortênsio e, por último, Cícero, que, apresentando a
Oratio pro Sestio, defesa apoiada mais no campo do sentimento e no histórico
político de seu cliente, conseguiu a absolvição de Séstio por unanimidade,
em 14 de março de 56 (BERZERO, 1935, in CICERONE, 1935, p. 12-13).
9 . O pacto consistia em que, se os dois cônsules apoiassem Clódio na aprovação da lex de capite civis Romani,
no final do mandato receberiam as províncias que desejassem, o exército e o dinheiro que quisessem. De fato,
a Lex Clodia de provinciis consularibus, de 58, atribuiu, contra as disposições da Lex Sempronia de provinciis
167
10 . Aristóteles (Retórica 1358b) dividiu os gêneros discursivos em três, de acordo com o tipo de auditório: o
deliberativo (ou político), o judicial (ou judiciário ou forense) e o epidíctico (ou laudatório ou demonstrativo).
11 . Todavia podemos entrever, além do aspecto judicial, aspectos políticos, filosóficos e literários no discurso.
12 . Cícero, como um bom observador social, provavelmente percebe o crescimento numérico da aristocracia como
resultado da política expansionista de Roma, todavia procura definir os integrantes dessa aristocracia não apenas
pela classe social dos que a compunham (critério quantitativo), e sim pela conduta de defesa das tradicionais
instituições romanas (critério qualitativo), ampliando, dessa forma, a noção de optimates.
13 . Hortênsio (114-50 a. C) iniciou sua carreira forense em 95, aos dezenove anos. Seguidor do partido oligárquico
(optimates), foi advogado príncipe no período da ditadura de Sila e na década seguinte; exerceu o consulado em
69 e, após ter sido adversário de Cícero nos processos de Quíncio e de Róscio Amerino e no grande processo de
Verres, bem como na discussão sobre a lex Manilia, tornou-se amigo dele, estando ao seu lado nos processos de
Murena, de Rabírio, de P. Sila, de L. Flaco, de Séstio e de Emílio Scauro (PARATORE, 1983, p. 183). Além de
Hortênsio, atuaram como defensores de Séstio, antes de Cícero, Marco Crasso e Licínio Calvo (BERZERO, in
CICERONE, 1935, p. 13).
14 . Et quamquam a Q. Hortensio, clarissimo viro atque eloquentissimo, causa est P. Sesti perorata, nihilque ab
eo praetermissum est quod aut pro re publica conquerendum fuit aut pro reo disputandum, tamen adgrediar
ad dicendum, ne mea propugnatio ei potissimum defuisse videatur per quem est perfectum ne ceteris civibus
deesset.
15 . Todas as traduções do latim para o português da Oratio pro Sestio são de nossa autoria e por elas assumimos
total responsabilidade. Como fonte para a tradução, utilizaremos o texto latino estabelecido por Berzero
confrontando-o, quando necessário para dirimir dúvidas, com a edição estabelecida por Mueller a fim de conferir
168
confiabilidade à tradução a que nos propusemos. Importante observar que, nas transcrições do original da Oratio
pro Sestio bem como de outras fontes, mantivemos a grafia de “j” e “v” em vez da grafia reconstituída “i” e “u”,
por se tratar de citações diretas, que devem observar as transcrições ipsis litteris dos textos originais. Quando o
original de outras fontes citadas trazia a pronúncia reconstituída, nós a utilizamos.
Dessa forma, restam ao orador poucos argumentos a desenvolver nessa
área, como se pode ver ad litteram:
Mas visto que os outros (advogados) já refutaram cada uma das acusações,
eu falarei, em geral, sobre os diversos aspectos da situação de Públio Séstio,
de seu estilo de vida (de sua conduta), de sua índole, de seus costumes, de
seu incrível amor aos bons, de seu empenho em conservar a tranquilidade e
o bem-estar públicos; e me esforçarei, se ao menos conseguir alcançar isso,
para que, nesta defesa [embora] pouco clara e genérica, não pareça que
negligenciei nada que interessasse ao vosso questionamento16, nem ao réu,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
20 . Definido por Aristóteles como um dos instrumentos de persuasão, ao lado do ethos (caráter do orador ou do
acusado) e do logos (a dimensão racional, o raciocínio), o pathos é o conjunto de emoções, paixões e sentimentos
que o discurso do orador deve despertar nos ouvintes.
3. Breve noção de amplificatio
21 . Na Retórica, 1355b, Aristóteles dividiu as provas em átekhnai (não técnicas) e éntekhnai (técnicas). As
provas átekhnai (não técnicas), também chamadas de inartísticas ou extrínsecas, são as que não resultam da
técnica retórica, pois já estão pré-constituídas, como documentos, testemunhos e confissões; as provas éntekhnai
(técnicas), também chamadas de artísticas ou intrínsecas, são aquelas que resultam de um trabalho técnico do
170
orador, de criação, de descoberta, de invenção da arte retórica. A amplificatio classifica-se como prova éntekhnai,
portanto, artística.
diminuição, prevista por Aristóteles como um tópos da grandeza comum
a todos os gêneros de discurso, na Retórica, 1391b, permitindo erigir uma
amplificação positiva, que se dá por aumento das figuras de Séstio, de Cícero
e dos optimates, ao lado de uma amplificação negativa, que se realiza pela
diminuição das imagens de Clódio, Gabínio e Pisão, contribuindo para o
êxito do orador na conquista da adesão do júri para a tese de inocência
e consequente absolvição de Séstio. Lançando mão da amplificação das
virtudes e das obras, mencionada pelo Estagirita22 na mesma obra (1366a –
1367b), o orador promove a amplificação das virtudes e das obras de Séstio23
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
22 . Aristóteles (384-322 a.C), chamado também, por antonomásia, o Estagirita – apelido que a História consagrou
pelo fato de ser natural de Estagira, uma cidade da antiga Macedônia.
23 . Cf. Pro Sestio, cap. 2, § 5º; cap. 3, § 6º; cap. 3, § 6º-7º; cap. 4, § 9; cap. 5, § 11; cap. 5, § 13; cap. 6, § 14; cap.
6, § 15.
24 . Cf. Pro Sestio, cap. 1, § 2º; cap. 7, § 15; cap. 12, § 27; cap. 12, § 29; cap. 14, § 32; cap. 14, § 32; cap. 14, § 33;
cap. 16, § 37; cap. 16, § 38; cap. 19, § 43; cap. 20, § 46; cap. 24, § 54; cap. 22, § 49; cap. 34, § 73.
171
25 . Cícero (De inuentione, 1, 9) define a elocutio como “a adequação de palavras [e de frases] convenientes à
invenção”. A elocução é a própria redação do discurso.
Ducrot e Anscombre, demonstraram o papel exercido pelos modificadores
na construção argumentativa do discurso. Carvalho (2009), tomando
como referencial teórico a Semântica Argumentativa de Oswald Ducrot e
colaboradores, desenvolveu um trabalho, intitulado O adjetivo na orientação
argumentativa do discurso: a proposta da semântica argumentativa, com o
objetivo de demonstrar que “certos adjetivos e expressões adjetivais atuam
sobre os substantivos, aumentando ou diminuindo sua força argumentativa
e participando, de modo decisivo, na estruturação global dos discursos”.
Carvalho (2009, p. 64) afirma que
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
A teoria dos modificadores [de Ducrot] propõe que há certas palavras que
atuam sobre a força argumentativa de certos núcleos sintáticos nominais e
verbais, aumentando essa força ou atenuando-a, com vistas a orientar para
determinadas conclusões no discurso: são os modificadores realizantes (MR)
e os modificadores desrealizantes (MD). Os primeiros cumprem a função de
aumentar a força argumentativa mantendo a mesma orientação; e os outros,
reduzem ou invertem essa força. (grifos da autora)
Por um lado, ao grupo dos optimates (eos qui cum senatu, cum bonis
omnibus) são associados os verbos excitarint (tenham levantado) e liberarint
(tenham libertado), perfazendo, claramente, uma conotação positiva, já que
os alça à condição de responsáveis por “levantar a abatida República e libertá-
la da roubalheira interna”; por outro lado, em relação às ações perpetradas
pelos pertencentes ao grupo dos populares (eos autem), mais especificamente
aos partidários de Clódio, o orador reserva os verbos violarint, vexarint,
perturbarint, everterint, pondo os agentes como realizadores de uma ação
verbal com conotação negativa, já que responsáveis por “profanar, abalar,
perturbar e destruir todas as [leis] divinas e humanas”.
26 . Excitarint, liberarint, violarint, vexarint, perturbarint e everterint são todas formas verbais flexionadas na
172
terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do subjuntivo, seguindo a consecutio temporum latina, mas foram
traduzidas para o português como terceira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo, observando a
correlação dos tempos verbais na língua destino.
Isso permite, de antemão, ao orador apresentar ao júri a realidade sob
dois ângulos: o da existência de um grupo que é suporte para a República,
os optimates; e o da existência de outro, que representa a destruição do
Estado, os populares. A estratégia permite confrontar a prática política de
cada grupo naquele contexto a partir do ponto de vista do orador. Com a
oposição entre ações verbais, Cícero dá azo a uma construção antitética
produtora de um efeito argumentativo vigoroso para o discurso, uma vez
que conduz o auditório a aliar-se a um dos lados, optando por uma das
partes. Paveau (2013, p. 232) assinala que
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
27 . A antítese constitui uma figura muito produtiva na retórica clássica. O registro da importância desse recurso
retórico como organizador dos discursos pode ser encontrado na Retórica, de Aristóteles (III, 9); na Retórica a
Herênio (4, 23, 32); e no Orator, de Cícero (§135), por exemplo.
Na amplificação negativa, contrastando com as qualidades atribuídas
aos optimates, são selecionados os adjetivos mais incisivos para desqualificar
Clódio, Gabínio e Pisão. Enquanto os optimates são classificados como neque
nocentes, nec improbi, nec furiosi, nec malis domesticis impediti, integri,
sani, gravissimi et clarissimi cives (Pro Sestio, cap. 45, § 97), os atributos
escolhidos para Clódio, Gabínio e Pisão apontam para um sentido oposto:
furibundi hominis ac perditi; Hanc taetram immanemque beluam; ille caecus
atque amens tribunus (Pro Sestio, cap. 7, § 15 – 17); sed cum scurrarum
locupletium scorto, cum sororis adultero, cum venefico, cum testamentario,
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
cum sicario, cum latrone (Pro Sestio, cap. 17, § 38-39); eversores huius
imperii, proditores vestrae dignitatis, hostes bonorum omnium (Pro Sestio,
cap. 7, §17). Completa a caracaterização negativa dos cônsules uma série
de substantivos: duo importuna prodigia, quos egestas, quos aeris alieni
magnitudo, quos levitas, quos improbitas tribuno plebis constrictos addixerat
(Pro Sestio, cap. 17, § 38; grifamos).
Se, por um lado, os optimates são apresentados como não nocivos, nem
ímprobos, nem desequilibrados mentalmente, nem afligidos por dificuldades
econômicas, íntegros, sensatos e como os mais dignos e ilustres cidadãos,
dotados das qualidades mais virtuosas; por outro lado, os populares, são
apresentados como desequilibrados mentalmente, insensatos, violentos,
devassos, desonestos, endividados, traidores, inimigos, destruidores,
perversos, monstros, marcados pela miséria, frivolidade, improbidade,
venalidade, enfim por toda a sorte de vícios e crimes.
A seleção de adjetivos e de substantivos para qualificar os grupos
antagônicos (optimates x populares) evidencia um processo argumentativo
a partir de modificadores com capacidade de direcionar o discurso e
influenciar o auditório. De fato, classificar Clódio como Hanc taetram
immanemque beluam (Esta fera terrível e cruel) tem efeito amplificado em
relação ao uso de, por exemplo, apenas Hanc beluam (Esta fera). O mesmo
efeito amplificado temos em gravissimi et clarissimi cives (digníssimos e
ilustríssimos cidadãos), muito mais intenso que apenas o uso do núcleo
substantivo cives sem os modificadores. Podemos observar que taetram e
immanem estão para a amplificação argumentativa negativa de beluam,
como gravissimi e clarissimi estão para a amplificação argumentativa positiva
de cives. Os adjetivos integram-se aos núcleos substantivos, aumentando-
lhes a força argumentativa, como modificadores realizantes28.
Muito produtivo no reforço da amplificatio é o uso das flexões dos
adjetivos nos graus superlativo e comparativo. Ao longo do discurso,
encontramos 316 adjetivos flexionados nos graus superlativo e comparativo
de superioridade, sendo 144 com o sufixo -issim-, 35 formas do adjetivo
superlativo summus,-a, -um, 50 formas superlativas em optimus,-a, -um
(superlativo de bonus,-a, -um), 32 formas superlativas em maximus,- a,
-um (superlativo de magnus,-a, -um) e 55 adjetivos flexionados no grau
comparativo de superioridade com o sufixo -ior. Estabelecemos uma
comparação com as ocorrências desses superlativos em outro discurso de
Cícero, o Pro Sex. Roscio Amerino29, em que pudemos contar apenas 179
adjetivos flexionados no grau superlativo e comparativo de superioridade,
29 . Escolhemos o Pro Sex. Roscio Amerino para estabelecer a comparação das ocorrências de superlativo por se
tratar de um discurso com características similares: é um discurso de defesa e possui quase a mesma extensão em
sendo 90 com o sufixo -issim-, 18 formas do adjetivo superlativo summus,-
a, -um, 10 formas superlativas em optimus,-a, -um, 26 formas superlativas
em maximus,- a, -um e 35 adjetivos flexionados no grau comparativo de
superioridade em -ior. A partir da comparação, cremos ser possível afirmar
que, na oratio pro Sestio, há um emprego mais acentuado de adjetivos
flexionados no grau superlativo e no grau comparativo de superioridade, os
quais se alinham ao escopo de amplificação desejado pelo orador.
Além de adjetivos, o orador seleciona um conjunto de substantivos
que evocam instituições e tradições mais caras aos romanos, com carga
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
número de parágrafos (147 parágrafos no Pro Sestio e 154 parágrafos no Pro Sex. Roscio Amerino). Elegemos os
superlativos com sufixo -issim-, o superlativo summus,-a, -um, o superlativo optimus,-a, -um (de bonus,-a, -um), o
superlativo maximus,-a, -um (de magnus,-a, -um) e o comparativo de superioridade com sufixo -ior por serem os
mais produtivos na língua latina. Superlativos com sufixo - errim- e comparativos de superioridade estabelecidos
com auxílio dos advérbios magis e plus não ultrapassaram 10 ocorrências cada. Comparamos a ocorrência em
outros dois discursos, no Pro Caelio e no Pro Murena, em que foram observados, respectivamente, 85 e 131
adjetivos flexionados no grau superlativo e comparativo no total. Todavia, por se tratarem de discursos com menos
parágrafos que o Pro Sestio, resolvemos considerar apenas os resultados obtidos no Pro Sex. Roscio Amerino.
30 . Na interpretação de Pereira (2009, p. 383), a res publica “Tal como libertas denotava um reduzido mínimo de
direitos políticos, também res publica denotava um reduzido mínimo de organização política: os magistrados, o
Senado, as assembleias do povo romano”.
31 . Na Oratio Pro Sex. Roscio Amerino, a locução aparece apenas 21 vezes. No De Republica, cujo tema central
é a própria República e cujo texto é bem mais extenso, com 196 parágrafos, encontramos apenas 150 ocorrências
da locução.
175
32 . Est igitur […] res publica res populi, populus autem non omnis hominum coetus quoquo modo congregatus,
sed coetus multitudinis iuris consensu et utilitatis communione sociatus (CÍCERO, De republica 1, 39).
ou medroso ou mais preocupado em velar pelos próprios interesses do que
pelos da República33. (Pro Sestio, cap. 1, § 1º)
auctoritas, leges, mos maiorum, iudicia, iuris dictio, fides, provinciae, socii,
imperii laus, res militaris, aerarium (Pro Sestio, cap. 46, § 98). O conjunto
de substantivos elencados pelo orador remete-nos a instituições e tradições
que tornaram Roma um império grandioso.
Os princípios religiosos (religiones), por sua vez, tiveram importância
capital na vida privada e pública em Roma, onde os rituais religiosos
encontravam-se presentes no lar e nos atos oficiais do Estado. A religião era
uma instituição que “visava manter a ordem estabelecida pelo cumprimento
das cerimônias sem as quais o equilíbrio sempre instável, sempre ameaçado,
entre o humano e o divino teria sido rompido” (GRIMAL, 1988, p. 70). Daí
a importância de defender os princípios religiosos.
Intimamente ligados às cerimônias religiosas estavam os auspícios
(auspicia), que se referiam aos sinais dos deuses interpretados pelos
áugures34, a partir do voo dos pássaros, ou pelos harúspices, a partir das
vísceras dos animais. Para conhecer a vontade dos deuses, era necessário,
por meio uma cerimônia religiosa, tomar os auspícios, que poderiam ser
favoráveis ou desfavoráveis. Nenhuma decisão importante era tomada pelos
romanos sem que fossem tomados os auspícios. Esses prognósticos divinos
tinham, assim, grande relevância para a política romana. Eles garantiam aos
magistrados, e somente a eles, a competência para presidir os comícios e o
Senado, para comandar o exército, conferindo-lhes, ainda, poder de anular
uma decisão do povo, considerada injusta. Na consulta dos auspícios e na
interpretação dos sinais favoráveis ou desfavoráveis (a vontade dos deuses),
os magistrados eram assistidos pelos áugures, que eram os depositários da
complicadíssima ciência augural contida nos libri augurales (POMA, 2002,
p. 73). Pela lex Aelia et Fufia35, se os auspícios fossem nefastos, havia uma
impossibilidade de qualquer ação política.
O caráter público-político da religião em Roma é justificado pela
necessidade de regulamentar o Estado e os tempos da vida: era o mundo
dos homens que se unia solidamente ao mundo dos deuses por meio de um
pacto, a fim de auferirem uma anuência para as suas ações, uma espécie de
garantia para agir de forma irrepreensível perante os deuses e perante os
homens. Nesse aspecto, a interpretação dos áugures orientava as ações dos
magistrados, constituindo a chancela no plano divino e no plano humano
33 . Si quis antea, iudices, mirabatur quid esset quod, pro tantis opibus rei publicae tantaque dignitate imperi,
nequaquam satis multi cives forti et magno animo invenirentur qui auderent se et salutem suam in discrimen
offerre pro statu civitatis et pro communi libertate, ex hoc tempore miretur potius si quem bonum et fortem civem
viderit, quam si quem aut timidum aut sibi potius quam rei publicae consulentem.
34 . Auspex, -ĭcis, m.: áuspice, áugure, arúspice, que interpretavam a vontade dos deuses (aprovação ou reprovação
a certos empreendimentos), observando o voo, o canto e o modo de comer dos pássaros augurais, o modo de
proceder dos frangos sagrados e a interpretação dos relâmpagos. Não há que se confundir os áugures com os
harúspices, introduzidos em Roma durante a república, pois estes eram adivinhos que buscavam prever o futuro
176
36 . [...] sed pietate ac religione atque hac una sapientia, quod deorum numine omnia regi gubernarique
perspeximus, omnis gentis nationesque superavimus (CÍCERO, De haruspicum responso, 9, 19).
pessoa ou corporação que toma ou sanciona uma decisão” (PÖSCHL, p. 11
apud PEREIRA, 2009, p. 363).
Outro fundamento do Estado romano que deve ser defendido e
conservado, segundo o orador, são as leis (leges). Cícero (Das leis, I, 18-19,
p. 40-41) admite a existência da lei suprema e da lei escrita:
Eis que os autores mais sábios julgam ser conveniente começar pela lei e,
parece-me, não se enganam se — conforme a própria definição — a lei é a
razão suprema da natureza, que ordena o que se deve fazer e proíbe o contrário.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Esta mesma razão, uma vez confirmada e desenvolvida pela mente humana,
se transforma em lei. [...] Se tudo isto é certo, como creio que é, de um modo
geral, então para falar de Direito devemos começar pela lei; e a lei é a força
da natureza, é o espírito e a razão do homem dotado de sabedoria prática, é
o critério do justo e do injusto. Mas, como esta discussão trata de assuntos de
interesse do povo, às vezes temos de nos expressar de forma popular e imitar o
povo, que chama de lei a disposição escrita que permite ou proíbe tudo o que
deseja. Sem dúvida, para definir o Direito, nosso ponto de partida será a lei
suprema que pertence a todos os séculos e já era vigente quando não havia lei
escrita nem Estado constituído (grifamos).
Cícero defende que a lei suprema já era vigente antes da lei escrita e
antes do Estado constituído. A divisão proposta pelo Arpinate alinha-se à
separação estabelecida desde as origens do direito romano entre fas (direito
sagrado) e ius (direito profano). O conjunto dessas leis originadas do fas e
do ius emergia na sociedade romana como importante “critério do justo e
do injusto”. Além disso, vimos que Cícero (De Republica, I, 25, 39) afirma
que “a reunião de uma multidão associada pela sua adesão a uma lei e pela
comunidade de interesses” constitui o fundamento da própria res publica.
Entre outros substantivos37 transportados para o discurso como
fundamentos do Estado romano, com forte apelo argumentativo, tão
importantes para os romanos quanto esses comentados anteriormente,
ressaltam-se estes: mos maiorum, iudicia, iuris dictio, fides, provinciae,
socii, imperii laus, res militaris e aerarium. São substantivos que
sublinham instituições e tradições relevantes para os romanos, indicando,
respectivamente, a observância do costume dos antepassados (costumes e
tradições nacionais), as decisões judiciais, a administração da justiça, a boa-
fé, as províncias, os aliados, o prestígio da soberania nacional, as forças
armadas e a fazenda pública.
Trazendo à seara discursiva tais substantivos, o orador convida a
refletir sobre a ruína que se abatia sobre o Estado romano. Seu discurso é
uma denúncia fragorosa que adverte o auditório sobre o significado danoso
para a República da ação deletéria daqueles que atentavam contra seus
fundamentos e sobre o significado nobre da ação salvífica daqueles que
defendiam os bens mais valiosos para os romanos. Após enumerar tais
substantivos, Cícero finaliza: “Ser defensor e patrono de tão grandes e
tão numerosas coisas como estas requer uma grande força de ânimo, uma
grande inteligência e uma grande firmeza” (Pro Sestio, cap. 46, § 98).
Não é despiciendo relembrar que, em 58 a. C., assim que chegou ao
tribunado, Clódio aprovou um conjunto de leis que constituía um ataque
frontal a algumas dessas instituições: a lex Clodia de auspiciis derrogava
uma lei secular, instituída em 158 a. C, a lex Aelia et Fufia, eliminando o
178
37 . Alguns são, na verdade, locuções formadas por um substantivo qualificado por um adjetivo, assim como o
caso de res publica.
instituto da obnuntiatio, que previa a anulação das deliberações do povo
nas assembleias em caso de auspícios desfavoráveis, o que representava um
ataque aos auspícios (auspicia), às leis (leges) e ao costume dos antepassados
(mos maiorum); a lex Clodia de censoria notione limitava o direito dos censores
de excluir senadores que não houvessem sido acusados formalmente e não
houvessem sido considerados culpados por unanimidade, o que significava
um ataque aos poderes dos magistrados (potestates magistratuum) e às
leis (leges)38; a lex Clodia de collegiis restaurava os collegia, proibidos
desde 64 por um senatusconsultum, restabelecendo, assim, o direito de
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
associação política desses grupos, que seriam úteis mais tarde a Clódio
para criar distúrbios em Roma, numa clara afronta à autoridade do senado
(senatus auctoritas) e às leis (leges); a lex Clodia de provinciis consularibus,
contra as previsões da lex Sempronia de provinciis consularibus, atribuía
nominalmente as províncias da Macedônia e da Cilícia a Lúcio Calpúrnio
Pisão e a Aulo Gabínio, com poderes extraordinários, numa ofensa às leis
(leges); a lex Clodia frumentaria instituía a distribuição de trigo aos pobres
com preço diminuído em seis asses e um terço, muito abaixo do mercado,
sem limitar o número de destinatários, o que privou a fazenda pública de
quase uma quinta parte de suas receitas (CÍCERO, Pro Sestio, cap. 25, § 55),
com um grave dano para o tesouro público (aerarium).
Os substantivos selecionados pelo orador e trazidos à memória do júri
têm o condão, a nosso ver, de fazer o auditório perceber que a grandiosidade
de Roma, medida pela grandeza de suas instituições e de suas tradições está
sob grave ameaça. Se voltarmos à definição do crime de lesa-majestade,
contida na Retórica a Herênio, talvez possamos entender por que Cícero
mobiliza esses substantivos: “Lesa a majestade aquele que destrói as coisas
que constituem a grandeza da cidade. [...] Lesa a majestade aquele que
causa dano à grandeza da cidade” (RETÓRICA A HERÊNIO, 2, 17).
Olhando por essa perspectiva, entenderemos o sentido e a força
do apelo de Cícero, que exorta seu auditório a recuperar e a manter sua
dignitas e seu otium39, ameaçados diante da iminente ruína da República,
salvaguardando e defendendo os fundamentos que estão consolidados nos
substantivos que Cícero traz para o centro da discussão. Atentar contra esses
fundamentos que constituem a grandeza de Roma é cometer crime de lesa-
majestade. A partir do universo de valores que esses substantivos evocam,
o orador pode indagar quem atentou contra eles e quem os defendeu com
o risco da própria vida. Nesse sentido, Clódio, associado a Gabínio e Pisão,
ressai como destruidor desses valores que fundamentam a pátria romana,
enquanto Séstio, Cícero e todos os optimates assomam como defensores e
conservadores da República.
Este parece ser o objetivo do orador quando chama ao discurso esses
substantivos: demonstrar que os optimates, entre os quais se encontram seu
cliente Séstio e ele próprio, são os provedores da defesa dessas instituições
e tradições, enquanto os populares, entre os quais estão Clódio, Gabínio
e Pisão, são os responsáveis pela destruição desses valores tão estimados
pelos romanos.
38 . Giordani (2001, p. 93) explica que os censores tinham o poder de escolha dos senadores (lectio senatus) que
foi transferido dos cônsules para eles por meio da lei Ovínia (entre 318 e 312); os senadores “tinham seus nomes
inscritos no album senatorium: os que fossem considerados indignos poderiam ser riscados desse album pelos
179
censores”.
39 . Sobre o sentido de dignitas e otium, cf. notas de rodapé 190 e 200.
A seleção lexical de que o orador lança mão na elocutio configura,
portanto, um reforço à amplificatio. Trata-se de um recurso que, orbitando
as amplificações positiva e negativa construídas no discurso, confere-lhes
maior robustez, potencializando-lhes a função persuasiva, exatamente como
assinala Tringali (2013, p. 177) sobre tal procedimento retórico:
Conclusão
40 . Summa autem laus eloquentiae est amplificare rem ornando, quod valet non solum ad augendum aliquid et
tollendum altius dicendo, sed etiam ad extenuandum atque abiciendum.
Referências
CABRAL, Ana Lúcia Tinoco. Ducrot. In: OLIVEIRA, Luciano Amaral (org.).
Estudos do discurso: perspectivas teóricas. São Paulo: Parábola, 2013. p.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
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CICÉRON. Discours pour Sestius – contre Vatinius. Texte établi et traduit par
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REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
SUETÔNIO. A vida dos doze césares: a vida pública e privada dos maiores
182
A encenação da Electra de
Eurípides
Karen Amaral Sacconi (USP – Fapesp)
Adriane da Silva Duarte (orientadora)
1 . Sobre o controle que o dramaturgo exercia sobre os detalhes da encenação, uma vez que seu trabalho incluía
183
3 . Para uma suposição diversa, cf. Roisman; Luschnig (2011:20), para quem o Lavrador não entraria em cena pela
lateral do palco, mas sim pela porta central da skene, que representa seu casebre.
4 . Para a correspondência entre a movimentação cênica da Oresteia e da Electra de Eurípides, especialmente no
que concerne à entrada e saída de atores, cf. Cropp (1988:xli).
5 . Calame ( 2000:144-5 e 151-2), em seu texto intitulado La tragédie attique: le masque pour mettre en scène le
récit héroïque, comenta sobre o tratado acerca das máscaras trágicas escrito pelo lexicógrafo Pólux, no séc. II
de nossa era. Pólux faz uma classificação das máscaras de acordo com os tipos humanos que elas representam,
denotando características como sexo e idade. A julgar pelo tratado, pelos comentários de Aristóteles em sua
Poética acerca da imitação da ação, e por um breve comentário que o mesmo filósofo faz acerca da máscara (1449b
184
21 ss e 1449a 35), Calame entende que ela, a máscara, não demonstrava, salvo casos especiais, a identidade das
personagens.
não carregue, ela mesma, um jarro, é acompanhada das mulheres libadoras
que certamente o fazem (vv. 23sqq e v. 149)6. Em Eurípides, Electra não
está, como em Ésquilo, prestes a fazer libações para o pai junto ao túmulo,
mas a presença do jarro justifica-se pelo novo contexto cênico forjado pelo
poeta: a jovem está a caminho da fonte para buscar água, propondo-se,
assim, a aliviar o duro trabalho do Lavrador (vv. 64-76).
O primeiro diálogo entre o Lavrador e Electra parece ter o propósito de
fornecer uma justificativa dramática capaz de ensejar uma cena em que se
justifique a presença do jarro como objeto cênico, no caso, a “cena da fonte”.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
6 . Roisman; Luschnig (2011:242) associam ainda o jarro levado por Electra, em Eurípides, a dois momentos da
Electra de Sófocles: às libações que Crisótemis está prestes a fazer junto ao túmulo do pai a pedido de Clitemnestra
(v. 382ss), e à falsa prova da morte de Orestes, uma urna, trazida pelo pretenso mensageiro com as cinzas do herói
(v. 744). Concordo que há diversos pontos de conexão entre as cenas em um e outro poeta, mas não vejo uma
retomada tão evidente de Sófocles por parte de Eurípides.
7 . Quanto a essa interpretação, concordo com Kovacs (1985:309) que, ao contrário de Arnott e de outros
comentadores, como Denniston (2002:61), não entende a personagem de Electra como uma neurótica que inflige
males a si mesma.
8 . Para uma interpretação diferente do jarro, segundo a qual esse objeto evocaria o elemento da água, que,
185
por sua vez, estaria associado às desgraças da personagem e à morte de Agamêmnon no banho, cf. Rosivach
(1978:193). O mesmo comentador, no entanto, considera a monodia de Electra um kommos.
Finalmente, o Orestes de Eurípides entra cena de forma semelhante
ao Orestes de Coéforas e da Electra de Sófocles. Na companhia de Pílades,
o herói viria pelo lado esquerdo, como fizera o Lavrador9, para falar sobre a
visita ao túmulo do pai e sobre a mecha de cabelo lá deixada, assemelhando-
se, nisso, ao modelo oriundo de Ésquilo.
O prólogo da Electra de Eurípides, trazendo referências às cenas iniciais
das tragédias de Ésquilo e Sófocles, não só é mais extenso em relação ao
prólogo destas últimas – indo até o verso 53 – mas desdobra-se em dois:
de um lado, o monólogo do Lavrador apresenta a situação de Electra, de
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
9 . Marshall (2000:338).
10 . Em Helena, Eurípides utiliza uma estrutura semelhante, compondo um prólogo duplo cuja segunda cena
trata justamente do retorno de Menelau, assim como a segunda cena do prólogo de Electra traz o retorno de
Orestes. Cf. Torrano (2011:14-7).
186
11 . Mastronarde (2010).
12 . Todas as traduções da Electra de Eurípides apresentadas nesse capítulo são de minha autoria.
A associação dos males à escuridão da noite, enquanto recurso cênico,
não é novidade em Eurípides13. Antes dele, em Sófocles, o Preceptor usa a
metáfora com a mesma função dramática: associar o retorno de Orestes ao
amanhecer e o período sombrio, que antecedia sua volta, à noite (vv. 19-
21). Ambos os poetas, Sófocles e Eurípides, certamente têm um modelo em
comum, o retorno de Agamêmnon na tragédia homônima de Ésquilo, em
cujo monólogo inicial o vigia faz uso da mesma metáfora (vv. 20-1): “Mas
agora, que surja enfim a feliz libertação dos meus cuidados com a aparição
do fogo das boas notícias no meio das trevas!”14
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
13 . Denniston (2002:586) comenta a recorrência da metáfora não só na poesia dramática e lembra que também
o archote é metáfora comum para a chegada de notícias em Píndaro e Baquílides. No entanto, a fecundidade da
metáfora não enfraquece o argumento de que Eurípides esteja retomando Ésquilo e talvez Sófocles.
14 . Tradução de Manuel de Oliveira Pulquério.
15 . Rosivach (1978:193-5) também explora a associação entre Orestes e as imagens do dia e da luminosidade e
propõe que elas estejam associadas também às imagens dos astros apotropaicos do primeiro estásimo (vv. 467-9) e
com a mudança do curso dos astros provocada por Zeus, conforme narra o coro no segundo estásimo. (vv. 726-36).
Segundo o que propõe o comentador, o fio condutor por trás dessa cadeia de imagens é o herói capaz de mudar o
curso de uma situação adversa, tornando-a favorável.
16 . A maioria dos comentadores, entre eles Denniston (2002:115), Cropp (1988:138-9) e Roisman; Luschnig
187
(2011:164), concorda que não há, na cena do reconhecimento de Orestes, em Eurípides, elementos cênicos que
ilustrem visualmente os sinais narrados pelo Ancião. Para um breve histórico sobre a questão, cf. Bond (1974:5).
Após a cena de reconhecimento, os irmãos passam ao planejamento do
assassinato de Egisto e da mãe, com a colaboração do Ancião. A partir deste
ponto, a personagem de Electra passa a ser marcada não por referências à
mesma personagem em Ésquilo, como na cena que o jarro retoma a princesa
libadora de Coéforas, mas sim por referências que passam a associá-la à
Clitemnestra da Oresteia17. Assim, na cena em que o mensageiro narra a
morte de Egisto, a jovem coloca-se em posição análoga à de Clitemnestra
que escuta a narrativa da morte de Orestes. Em ambos os casos, o relato da
morte de uma personagem masculina traz satisfação e alívio à personagem
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
21 . Cropp (1988:157) e Denniston (2002:154) comentam que a expressão “não a cabeça da Górgona” era como
que uma descrição proverbial de algo que não se deveria temer. Ainda assim, o uso dessa expressão por Eurípides
não invalida a associação entre Orestes e Perseu, como conclui o próprio Cropp.
Perseu é mencionado, nessa mesma tragédia, como parte da descrição
das imagens do escudo de Aquiles, écfrase do primeiro estásimo. Em
Coéforas, Perseu e a própria Górgona são também mencionados no canto
coral que antecede o terceiro episódio (v. 831 e 835) e a luta entre ambos
começa a se tornar, nessa tragédia, análoga à luta pela vingança do sangue
do pai. Assim, a imagem da Górgona é também recorrente na Oresteia,
associada às Erínias e à própria Clitemnestra, de modo que, além dessa
imagem construída com palavras, havia também uma associação visual entre
ambas através da caracterização cênica das Erínias, que era provavelmente
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Coro
1220
Orestes
Eu, pondo um pano em meus olhos,
com o punhal comecei o sacrifício,
enfiando-o na garganta da mãe.
22 . Cf. Marshall (2000:334). Para a associação imagética entre as cobras, as Erínias e a Górgona, cf. Sider
(1978:22-3) e Cropp (1988:184).
23 . Para uma interpretação diferente da analogia entre Orestes e Perseu através da imagem da Górgona, cf. Walsh
(1977:285) para quem a fala do mensageiro (vv. 856-8) denota uma depreciação do ato de Orestes diante do feito
heróico de Perseu.
24 . Halporn (1983:102), Cropp (1988:xl) e Segal (2001:141-2) acreditam na possibilidade da presença dos dois
Dióscuros, Castor e Polideuces, sendo este último uma personagem muda, representado, talvez, através de uma
189
estátua. A hipótese encontra fundamento no próprio texto (vv. 1238-40), mas a questão não será relevante para os
argumentos desta análise.
de Eurípides parece ser mesmo a Oresteia em diversos momentos, já que em
Sófocles a tragédia termina antes mesmo do assassinato de Egisto e, portanto,
não há menção alguma ao julgamento de Orestes.
O deus ex machina é, de uma forma geral, e em especial em Eurípides,
alvo de muita polêmica entre os comentadores modernos no que concerne
a diversos temas, que vão desde especulações acerca da religiosidade
do poeta até as questões técnicas que giram em torno da encenação da
epifania25. Interessa-me aqui, no entanto, discutir uma questão pontual, a
saber, a atualização que faz Eurípides do modelo de Ésquilo através de uma
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
25 . Para uma discussão acerca da postura religiosa de Eurípides, cf. Rosivach (1978:196-7), segundo o qual
a motivação divina para o crime na tragédia indica que o poeta não era ateu, interpretação da qual discordo.
Marshall (2000:336) faz um breve histórico da discussão acerca do caráter das epifanias em Eurípides, se teriam
ou não conotação irônica, concluindo, por fim, que o poeta tinha a intenção de representar uma “epifania sincera”.
Cf. também Segal (1993:2) para quem Eurípides não tem uma teologia conclusiva, opinião da qual compartilho.
26 . Para Knox (1999:71-2 e 81) uma das funções do deus ex machina é justamente a de estabelecer uma conexão
dramática entre a ação e o culto de um deus importante para a região onde se passa a ação. Para Seaford, seguido
por Carter (2007:62) essa seria uma das funções da própria tragédia.
27 . Apesar de Castor ser mencionado anteriormente por Electra como parente e esposo do qual ela fora privada
(vv. 312-3), o deus não tem influência nenhuma sobre o ato da vingança ou sobre o julgamento de Orestes.
Essa menção a Castor, que se dá logo no primeiro episódio, parece ser mais uma antecipação da justificativa
para a epifania de um deus que não está tradicionalmente presente no mito. A mesma justificativa, a relação
190
consanguínea entre o Dióscuro e as personagens, será retomada pelo próprio deus em seu discurso (v. 1239 e
1243), alegando ser irmão da vítima sacrificada, Clitemnestra.
28 . Sobre a contaminação da polução através da fala, do toque e do olhar, cf. Visser (1984:202-3).
Ao mesmo tempo em que retoma novamente o modelo de Ésquilo, e
novamente através do discurso e não da encenação, Eurípides não deixa
de fazer uma intervenção no modelo que ele mesmo adota, e o faz através
das palavras de Castor. Ao atribuir a culpa a Apolo, o poeta confere as suas
personagens uma postura diferente do que se vê em Eumênides no que
concerne à confiança nos desígnios divinos: Apolo é considerado justo pelo
Orestes esquiliano29 (Eu. v. 85, vv. 614-5), mas em Eurípides, Castor sugere
que o ato de Orestes, provocado por Apolo, fora injusto (El. v. 1244)30. A
consequência dramática desse julgamento por parte de Castor é a supressão
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
29 . Nos poemas do ciclo troiano, é comum que Apolo tenha uma função importante no que concerne à purificação,
cf. Mazon (1949:vii).
30 . A mesma acusação contra o deus é reiterada em Orestes. Cf. vv. 416-7. Para Sourvinou-Inwood (2003:348),
a acusação de Castor justifica-se pelo parentesco entre o deus e Clitemnestra, opinião da qual discordo, já que o
deus poderia ter se apiedado, sob a mesma justificativa, de Electra, que lhe fora prometida como esposa.
31 . Em seu artigo The shape of Athenian law (1998:197), Christopher Carey comenta que a ideia de polução
e miasma eram consideradas primitivas no séc. V, mas, apesar disso, era necessária a purificação do julgado,
mesmo tendo sido absolvido de seu crime (1998:195). O comentador ainda defende que Eurípides era um dos que
contestavam essa prática. Embora o presente estudo não se paute em postulações de ordem histórico-sociológica,
nem parte do princípio de que o poeta compunha sua obra com base em suas crenças pessoais, é preciso levar
em conta que em Orestes, tragédia que dá sequência à versão dramática do mito, Eurípides traz à cena uma
assembleia, na qual também está presente um lavrador (v. 866ss). A cena endossa uma inclinação do poeta a
atualizar o sistema jurídico e legislativo senão em suas tragédias de uma forma geral, ao menos nestas, Electra e
Orestes, nas quais a questão da renovação do sistema jurídico é fundamental.
32 . Para as comédias aristofânicas que terminam com casamento, cf. As Aves, A Paz e Lisístrata, que promovem,
ao seu final, a reunião festiva entre os sexos. Há ainda alusão a reuniões amorosas no êxodo de Acarnenses e
Vespas. Para o lavrador pobre que se torna próspero, cf. A Paz, onde o lavrador Trigeu casa-se com a própria
Colheita personificada, e Pluto.
191
33 . Castor deixa claro que possui posição mais baixa no escalão divino primeiro ao colocar-se como irmão de
Clitemnestra (v. 1239 e 1243) e depois ao mostrar subserviência a Apolo, tratando-o como seu senhor (v. 1245).
de ambos, reforçando um lugar-comum para os comentadores de Eurípides:
a grande versatilidade do poeta ao manusear o legado poético deixado por
seus antecessores.
Ao começar pelo prólogo da tragédia em questão, foi visto que Eurípides
– mesmo tendo deslocado a cena de sua Electra para uma ambientação atípica
para uma tragédia, ou seja, o campo – trouxe referências visuais e textuais
de Ésquilo, de modo a recuperá-las e, ao mesmo tempo, ressignificá-las. A
atividade trivial de sua heroína que busca água na fonte evoca também a
imagem da Electra libadora de Ésquilo. A choupana em que a jovem recebe
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
CAREY, Christopher (1998). The Shape of Athenian Laws. In: The Classical
Quarterly, New Series, Vol. 48, No. 1, pp. 93-109. Published by: Cambridge
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Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Aspectos da arte
da tecelagem como
referência à épica nas
elegias de Propércio
Maria Ozana Lima de Arruda (USP- FAPESP)
Paulo Martins (Orientador)
1 . There is not a single line in the Elegies which reads like a translation of Homer.
195
2 . Epic tales could add a touch of mystery and romance could heighten the emotion of a passage or underline
its wit.
Diante disso, para compreendermos a relação entre a arte da tecelagem
e os épicos nas elegias de Propércio, discutimos aqui dois pontos específicos:
a representação de Penélope como modelo de comportamento feminino e a
especificação da cor do fio com que as personagens tecem.
1. Penélope
5 . Todas as traduções das elegias de Propércio são de Guilherme Gontijo Flores (PROPÉRCIO, 2014).
6 . hoc genus infidum nuptarum, hic nulla puella / nec fida Euadne nec pia Penelope.
7 . docta uel Hippolytum Veneri mollire negantem.
8 . Penelopen quoque negleto rumore mariti / nubere lasciuo cogeret Antinoo.
1.1 Elegia 2.9
9 . at tu non uma potuisti nocte uacare, / impia, non unum sola manere diem!
10 . Quin etiam multo duxistis pocula risu: / forsitan et de me uerba fuere uiro!
11 . Cf. Adams (1972), a respeito do uso dos diferentes termos usados para referir-se às mulheres em Latim.
198
12 . Temos referências à Helena em Propércio nas elegias 2.1.50, 2.3.32, 2.15.13-14, 2.32.31-32, 2.34.88, 3.8.31-34
e 3.14.19-20.
A referência à Penélope como exemplo de ideal de conduta feminina
em Propércio, portanto, além de recorrente, possui uma intensidade muito
particular, e convoca às suas elegias a carga poética da alusão aos textos
homéricos, bem como a carga moral conferida a Penélope ao longo dos
séculos, para rivalizar com o comportamento de Cíntia.
2. Purpureo stamine
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Propércio explora outro ponto comum ao gênero épico: em duas das três
cenas em que temos referência à arte da tecelagem, temos a especificação da
cor do fio com que elas trabalham, púrpura. Esse dado parece insignificante;
no entanto, ao recuperarmos alguns trechos épicos anteriores a Propércio,
alguns dos quais são reconhecidamente referidos nas elegias em questão,
percebemos que tal detalhe pode conferir ao texto carga poética ainda mais
significativa. Nesse sentido, analisamos as elegia 1.3 e 4.3, cotejando-as
com trechos de poemas épicos em que também temos a especificação da
cor púrpura e que podem nos ajudar a compreendermos seu uso nas duas
elegias de Propércio.
A cor púrpura é produtiva na língua latina. A acepção primeira refere-
se ao nome do peixe de onde é extraída a substância líquida purpúrea com
que se tingem os tecidos (Plínio, Historia naturalis 9.125-141). Pela beleza
e pelo preço, a púrpura passa a designar riqueza e opulência, de modo que
Lucrécio coloca-a, junto ao ouro, como um motivo de guerras (De rerum
natura 5.1423-1425).
Uma das púrpuras mais famosas no século I a.C. em Roma era a tíria;
segundo Plínio, a melhor da Ásia (Historia naturalis 9.127). Tiro era uma
cidade da Fenícia, conhecida por sua lã, e são numerosos os casos de uso do
adjetivo tyrius para indicar a cor de tecidos refinados (PROPERZIO, 2015,
p. 550). Por diversas vezes, os dois termos aparecem juntos13, e, no contexto
da tecelagem, frequentemente o termo tyrius já designa a cor purpúrea14.
Devemos salientar também que a especificação da cor do fio não é
muito comum nas cenas de tecelagem em língua latina. Se, na descrição
da atividade exercida pelas ninfas no quarto livro das Geórgicas (v. 334-
335) de Virgílio, a cor verde do fio com que tecem é destacada – o que é
esperado, visto que se encontram no fundo do mar –, não há a especificação
da cor do fio na célebre descrição de Lucrécia em Tito Lívio (Ab urbe condita
1.57.9), nas duas cenas presentes nas elegias de Tibulo (1.3.83-92 e 2.1.61-
66), no símile da fiandeira na Eneida (8.407-415) e na elegia 3.6 do próprio
Propércio (3.6.15- 18).
13 . Por exemplo, em Catulo, 61.111-115 (o cubile, quod omnibus / dignum amoribus instruit / ueste purpurea
Tyros, / fulcit India eburnei / candido pede lecti) e Tibulo, 2.3.57-58 (Illi selectos certent praebere colores / Africa
puniceum purpureumque Tyros)
199
14 . Por exemplo, em Tibulo 1.7.47-48 (Et Tyriae uestes et dulcis tibia cantu / Et leuis occultis conscia cista sacris) e
Ovídio, Arte de amar 2.297 (Siue erit in Tyriis, Tyrios laudabis amictus).
(FEDELI, 1980, p. 134); na elegia, trata-se da cena em que o poeta-amator,
depois de uma noite dedicada a Baco, chega de madrugada e encontra Cíntia
dormindo. Acordada pelo brilho da luz, a puella queixa-se pela demora do
amado e ela própria narra o que fez na ausência dele (v. 41-42):
O caso de Ariadne está longe de ser descartável para que possamos ao menos
tentar compreender alguns pontos dessa longa trilha corrida por Jasão na
jornada até o velo. O simples e rápido caminho que Jasão toma até o palácio
de Hipsípile, vestido com o manto, deixa em seus rastros e em suas sombras
resquícios do mito de Ariadne e Teseu, assim como do caráter e dos amores de
Odisseu, o que nos leva infalivelmente a levantar questões sobre o caráter do
próprio Jasão.
Devemos ressaltar também que, ainda que o manto não tenha sido
tecido por Hipsípile, que o oferta a Jasão, mas pela deusa Tritônia (Atena/
Minerva), Hipsílipe é neta de Ariadne e Baco, de modo que os três textos
estão interligados sob a figura de Ariadne. O poema de Catulo é modelo para
o de Propércio, e o manto de Jasão muito provavelmente o é para Catulo. E
assinala-se nos três a especificação da cor do fio, elemento fundamental na
narrativa do malfadado amor de Ariadne.
257): ipsis praecipuos ductoribus addit honores: / uictori chlamydem auratam, quam plurima circum / purpura
maeandro duplici Meliboea cucurrit, / intextusque puer frondosa regius Ida / uelocis iaculo ceruos cursuque fatigat
/ acer, anhelanti similis, quem praepes ab Ida / sublimem pedibus rapuit Iouis armiger uncis; / longaeui palmas
nequiquam ad sidera tendunt / custodes, saeuitque canum latratus in auras.
Noites de inverno, teço roupas militares
e lãs Tírias tosadas pra tuas clâmides;
que já fez a quarta manta para o marido nas suas campanhas, referência ao
tempo em que ele está ausente, quatro anos (v. 17-18), que beija as armas dele
que ficaram (v. 30), lamenta por não o seguir e com ele guerrear (v. 43-48), e,
ainda que sempre enalteça o amor, explora constantemente a temática bélica,
reportada do ponto de vista da amada que ficou sozinha em casa enquanto
o marido combate. Desse modo, em suma, a epístola de Aretusa produz um
texto elegíaco-amoroso que explora a temática bélica; porém, do ponto de
vista da mulher que espera o amado, e não de quem combate.
Não podemos tirar de mente que o ato de tecer muitas vezes é usado
no sentido figurado como sinônimo de composição poética; nesse sentido
o último exemplo, das Metamorfoses de Ovídio, é significativo, pois reúne
todas as questões discutidas até aqui.
No canto 6 das Metamorfoses, temos a disputa entre Minerva e Aracne
(6.53-145), em que cada uma tece episódios referentes aos deuses (6.61-71):
25 . João Ângelo de Oliva Neto, na apresentação à tradução das Metamorfoses de Domingos Lucas Dias (OVÍDIO,
2017, p. 23-24), assim define esse verbo “o prefixo de indica movimento de cima para baixo, a designar o tecido
que se vai formando no tear (...), não muito diferente do texto que já se grafava na página antiga também de alto
a baixo”.
26 . Como exemplo do verbo usado para se referir à tecelagem temos: Catulo 64.312-313 (dextera tum leuiter
deducens fila supinis / formabat digitis); Metamorfoses, 4.36 (e quibus una leui deducens pollice filum); Amores,
1.14.7 (uel pede quod gracili deducit aranea filum). O mesmo verbo usado para se referir à composição poética
temos: Horácio, Epístolas, 2.1.224-225 (cum lamentamur non adparere labores / nostros et tenui deducta poemata
filo); Tristia, 1.1.3 (carmina proueniunt animo deducta sereno), Tristia, 5.1.71-72 (ipse nec emendo, sed ut hic
deducta legantur, / non sunt illa suo barbariora loco).
27 . Não queremos aqui afirmar que os poetas estariam dando voz ao discurso feminino, como uma forma de
representatividade de gênero, um princípio de movimento feminista antigo, mas apenas apontamos para o fato
204
de que a atividade da tecelagem, nesse contexto, serve aos propósitos de cada poeta e de cada gênero, poético.
28 . Conferir Martins (2016, p. 207).
Desse modo, é no mínimo curioso que Propércio tenha colocado a
referência à tecelagem e a especificação da cor do fio nas mesmas elegias em
que essas personagens desempenham o papel de poetas, ainda mais porque
essa especificação remete a uma tradição significativa, à qual ele mesmo faz
referência por meio de outros mecanismos na elegia 1.3, por exemplo.
Considerações Finais
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
29 . Helena figura em Propércio nas elegias 2.1.50, 2.3.32, 2.15.13-14, 2.32.31-32, 2.34.88, 3.8.31-34 e 3.14.19-20.
Conferir Boucher (1965, p. 249-250).
Referências
ADAMS, J. N. Latin Words for ‘Woman’ and ‘Wife’. Glotta, Vol. 50. Nº 3./4,
1972, p. 234-255.
EVANS, S. Odyssean Echoes in Propertius IV. 8. Greece & Rome, Vol. 18, Nº
1, 1971, p. 51-53.
A adivinhação onírica na
Pharsalia de Lucano
Pauliane Targino da Silva Bruno (UECE/UFC)
1 . Alguns sonhos sobre a vida dos imperadores se realizaram, como o sonho de Calpúrnia, que anunciou a morte
de César (KRAGELUND, 2001, p.56) e o sonho de Cícero, que previu o triunfo de Otaviano (Sue., Aug. 94).
208
2 . Os trechos latinos da Pharsalia apresentados nesse texto são os editados por Badalì (LUCANO, 2006).
3 . Todas as traduções da Pharsalia apresentadas nesse texto são nossas.
Ela disse: “Expulsa dos Campos Elísios, morada dos justos,
para as terríveis áreas estígias e os manes culpados
sou arrastada após (o início d)a guerra civil: eu mesma, vi as Eumênides
erguendo as tochas que sacudiriam diante de suas armas;
prepara as inúmeras embarcações o barqueiro do Aqueronte
abrasado; o Tártaro se abre para muitos castigos;
apenas aumentam os trabalhos das irmãs, juntas, com a mão
apressada, as Parcas fatigam de tanto cortar os fios.
Lucano ao colocar Júlia como o estopim da guerra, pois com sua morte os
laços familiares entre César e Pompeu, que sustentavam o poder de Roma,
foram quebrados, conforme afirma no proêmio (1.111-120):
4 . Au premier abord la structure du songe est celle du rêve externe traditionnelle: endormissement de Pompée (v.
8-9), apparition de l’ombre (v. 9-11), discours de celle-ci (v. 12-34) suivi de sa disparition et du réveil du dormeur (v.
34-40) qui essaie en vain de la saisir (v. 35).
et “Quid” ait “vani terremur imagine visus?
Aut nihil est sensus animis a morte relictum
aut mors ipsa nihil”.
e disse “Por que sou aterrorizado pelo fantasma de uma visão vazia?
Ou nenhuma sensação às almas é deixada pela morte
ou a própria morte nada é”.
Omnino apud veteres, qui rerum potiebantur iidem auguria tenebant; ut enim
sapere sic divinare regale ducebant5.
5 . Todas os trechos em latim do De divinatione presentes nesse texto são da edição de Julio Pimentel Álvarez.
211
(CICERÓN, 1988).
6 . As traduções do De divinatione presentes nesse texto são de Gratti (2009).
Júlia. Entretanto, tal sonho é classificado como externo por Bouquet (2001,
p. 86), pois tem-se no poema a presença de um fantasma, que revela uma
mensagem, também tem um caráter psicológico por refletir as aflições de
Pompeu: “Pois, bem mais que um sonho externo, trata-se de uma projeção
psicológica dos tormentos que assolam a alma de Pompeu, no momento em
que ele deixa a Itália”7.
Contudo as palavras da ex-esposa apresentam um caráter profético,
confirmado através de termos encontrados em seu relato. Ao terminar
a fala dela, o narrador menciona o seguinte: sic fata (1.34). O verbo fari
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
7 . Donc, bien plus que d’un songe externe, il s’agit d’une projection psychologique des tourments qui assaillent
l’âme de Pompée au moment où il quitte l’Italie.
8 . Esse mesmo sonho é encontrado em outros autores, como afirma Bouquet (2001, p. 87): “L’ épisode n’est pas
212
inventé par Lucain, mais on le retrouve chez Appien (Bell. Ciu. 2, 69), Plutarque (Vit. Caes. 42; Vit. Pomp. 68);
Florus (4, 2, 45), et sans doute remonte-t-il à Tite-Live) ”.
vestimenta e a sensação de bem-estar e glória de Pompeu. Depois disso,
verifica-se uma reflexão sobre a condição de Pompeu e o sonho apresentado
(7.19-24):
Lucano toma então a palavra para comentar seus sonhos que ele acaba de
relatar, como um historiador que se interroga sobre a significação de um
fato que ele considera como autêntico. Ele dá três explicações possíveis; a
primeira e a mais natural que tinha já sido esboçada no verso 8; durante seu
sono o pensamento de Pompeu é desviado de suas angústias para se refugiar
em seu passado honrado (v. 19-20); a segunda fez do sonho de Pompeu um
sonho alegórico de simbolismo inverso; o caráter feliz das visões oníricas teria
anunciado as desgraças futuras (v. 21-22); a terceira é mais original: através do
sonho o destino teria permitido a Pompeu encontrar uma última vez a cidade
de Roma, que não lhe era permitido rever (v. 23-24)9.
9 . Lucain prend alors la parole pour commenter leur songe qu’ il vient de relater, en historien qui s’interroge sur
la signification d’un fait qu’il considère comme authentique. Il en donne trois explications possibles; la première
et la plus naturelle avait déjà été esquissée au vers 8: pendant son sommeil la pensée de Pompée s’est détournée
de ses angoisses pour se réfugier dans le passé heureux (v. 19-20); la seconde fait du songe de Pompée un songe
213
allégorique au symbolisme inversé; le caractère heureux des visions oniriques auraient annoncé les malheurs à
venir (v. 21-22); la troisième est plus originale: par le biais du songe le destin aurait permis à Pompée de retrouver
une dernière fois la ville de Rome qu’ il ne lui était pas permis de revoir (v. 23-24).
O ímpio povo cai
em sono na tenda preparada para um patrício e no quarto
dos reis o cruel soldado se deita e tanto no leito dos pais
e dos irmãos assassinos repousam os membros.
umbra perempti
civis adest, sua quemque premit terroris imago:
ille senum voltus, iuvenum videt ille figuras,
hunc agitant totis fraterna cadavera somnis,
pectore in hoc pater est, omnes in Caesare manes.
O fantasma
de um cidadão assassinado está presente, a sua imagem de terror oprime cada
um:
um vê o rosto dos velhos, outro a aparência dos jovens,
a um perturba o cadáver do irmão em todos os sonhos
a outro tem o pai no coração; e em César estão todos os espíritos.
O termo fatis (8.575) revela uma ligação com a profecia feita pelo
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
fantasma de Júlia no livro 3, pois esse tem a mesma origem do verbo fata
utilizado pelo narrador ao mostrar o caráter profético das palavras dela. E,
assim, conforme foi previsto nos sonhos mencionados, Pompeu cumpre o
seu destino e vai ao encontro da sua morte.
217
Referências
Introduction1
1 . The present study was presented in a broader version at the II Week of Classical Studies in Amazonas, in the
original text the influence of cynicism on Cleanthes in general was addressed. The names of ancient authors and
works are abbreviated according to the Oxford Latin Dictionary and the Greek-English Lexikon by Liddell and
Scott; except for the edition of Dorandi by Diogenes Laertius, 2013 [DL], all the old texts cited correspond to the
editions of Thesaurus Linguae Graecae, which are referred to in the final section. All translations and italics are
ours, unless expressly stated otherwise.
2 . DL 7.2 (= SVF 1.2).
3 . Suid. ‘ Κλεἀνθης ‘.
4 . DL 7.160-161 (= SVF 1.333); on the importance of the gym for cynicism, DL 6.13-15 (= SSR 5.A22) and
Suid. ‘ Ἀντισθένης ‘ (= SSR 5.A23).
219
5 . The word ‘virtue’ always translates the Greek ‘ ἀρετή ‘, as well as ‘addiction’ always translates ‘ κακία ‘.
6 . DL 6.104, 7.121.
Much of Cleanthean fragments and testimonia coincided with
doctrines and practices of Antisthenes, Diogenes, and Crates7, to the point
that Hesychius considers him a disciple exclusively of Crates8.
Such affiliation is further suggested in precise aspects of his thinking.
Our purpose is to show how his theory of virtues, at least in part, inherits
a polemic among Socratics on whether virtue is strictly knowledge9. Such
an intellectualist thesis defended by Socrates in Plato’s early dialogues has
consequences in all fields, especially in moral psychology and theory of
action. Aristotle summarizes Socratic intellectualism as follows, embedding
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
7 . On the approach to the Cleanthean and Cynic philosophical way of life, see Leite, 2019.
8 . Fragmenta, 7.583-605. Another ancient testimony explicitly calls him Cynic: “Κλεάνθης εἷς ἦν καὶ αὐτὸς
τῶν Κυνικῶν φιλοσόφων” (Pseudo-Nonnus. Scholia mythologica, Oratio 4, historia 35).
9 . Pl. Prot. 357a-e
10 . Pl. Apol. 26a, Hipp.ma. 296c, Prot. 345d-e, 357d-358d, Gorg.488a, 509e, Men.78a. The knowledge of the self,
recommended by Socrates, would consequently turn to the care of the soul, effectively what the subject is (Pl. Alc.
I 130a-132c, Apol. 29d-30b). It is not too much to remember that not all of Socrates’ disciples are intellectualists
in this radical sense, nor is it necessary to remember that Plato himself presents more than one version of Socratic
moral thought.
11 . 2001, p.93-114.
12 . As Goulet-Cazé (2001, p.11, n.2) notes, it is necessary to keep in mind that the Greek term covers training and
practice, the training to develop a competence, to obtain a certain capacity, and the practice of a certain existing
competence or capacity. There is no word in English to capture both senses and to avoid the Christianizing echo
of ‘ascesis’, it was preferred to turn to ‘practice’.
13 . “καὶ οὔτ ‘ἂν τοὺς ταῦτα εἰδότας ἄλλο ἀντὶ τούτων οὐδὲν προελέσθαι οὔτε τοὺς μὴ ἐπισταμένους δύνασθαι
πράττειν, ἀλλὰ καὶ ἐὰν ἐγχειρῶσιν, ἁμαρτάνειν ·” (Mem 3.9.4-5.); in Mem.4.6.6, in which the righteous man is
220
defined as one who knows everything that is prescribed to human beings (“τοὺς εἰδότας τὰ περὶ ἀνθρώπους
νόμιμα ”); see also Mem.4.6.1 and 4.6.7.
in other passages, nevertheless, where the notion of training and exercise
is combined with the transmission of doctrine to strengthen the virtuous
character: “I believe, however, that all nature through instruction and
exercise increases its courage14”.
Xenophontean Socratism admits both the bodily exercise and
knowledge at the same level. There is a moralizing psychophysical exercise
aimed at here, self-control, the practice of self-observation and restraining
impulses15. The self-control that is recommended here goes beyond the
intellectual field:
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
only those who have self-control (egkratési) can see among the most important
things (tà krátista), with words and works classifying them in their genres and
choosing the good ones and abstaining from the bad ones16 (Mem. 4.5.11)
His thesis that the virtue of men and women is the same seems to
corroborate20 the idea that social origin or gender does not matter, what
matters is to seek moral excellency. Only the virtuous are “ well-born”21,
and those who are not dedicated to moral excellence are comparable to the
insanes22. A kind of negative knowledge is the most necessary to arrive at
wisdom: “ what suppresses the fact of unlearning” (“τὸ περιαιρεῖν ... τὸ
ἀπομανθάνειν ”23). His ethics, however, still has a positive aspect, since
the acquisition of virtue depends on a knowledge of good and evil24. The
excessive use of instruction should not, however, divert from the focus, the
14 . “νομίζω μέντοι πᾶσαν φύσιν μαθήσει καὶ μελέτῃ πρὸς ἀνδρείαν αὔξεσθαι” (Mem.3.9.1-3)
15 . Avoid talking about admitting irrational parts of the soul, because it does not seem to be the only way to resolve
where appetites and emotions are based in the case of Socrates. It is likely, however, that the reconsideration of
the problem of lack of self-control led Plato to modify the theory exposed in the dialogues of the next stage of his
intellectual production.
16 . “τοῖς ἐγκρατέσι μόνοις ἔξεστι σκοπεῖν τὰ κράτιστα τῶν πραγμάτων, καὶ λόγῳ καὶ ἔργῳ διαλέγοντας κατὰ
γένη τὰ μὲν ἀγαθὰ προαιρεῖσθαι, τῶν δὲ κακῶν ἀπέχεσθαι.”
17 . Guthrie, vol.3, p.456.
18 . See DL 6.10 (= Caizzi fr. 69) and Epict.Diss. 1.17.10 (= Caizzi fr.38), about starting education by studying names.
19 . See also Caizzi fr.71 (= DL 6.12) and fr. 90.
20 . DL 6.12 (= Caizzi fr.72).
21 . DL 6.11 (= Caizzi fr.69).
22 . Caizzi fr.65.
23 . DL 6.7 (= Caizzi fr. 174); See Goulet-Cazé, 2001, p. 144-146.
24 . Caizzi fr.73.
221
realization of virtue in actions: “virtue is relative to action (érgōn), it does
not need either wide speeches or lessons25”.
To guarantee the effectiveness of virtue Anthistenes makes the notion
of ἰσχύς (force) intervene, without elucidating what is its role as a concept:
“virtue is sufficient in itself for happiness, lacking nothing except a Socratic
force26”. The works of Antisthenes called “Heracles the greater or on the
force” and “Heracles or on prudence or force” probably deal with an
allegorical interpretation of the myth, used to symbolize the ethical notion
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
of force and principle of the will, the psychic and corporeal capacity to face
toils and persevere in virtue27. Antisthenes valued toil as a good, as well as
Cleanthes28. He also rejects pleasure (DL 6 .10129). In another fragment,
collected by Stobaeus, he establishes a training curriculum for the good
man, the practice of bodily exercises and concerning the soul, the practice
of reasonings30. It is certainly a type of intellectualism mitigated by the
presence of an element whose cognitive nature is not well defined. It might
be understood as the insertion of the Socratic way of life as a normative
model, as the Antisthenean Socratism has a double layer then, adding to the
intellectualist thesis the philosophical way of life.
The following text is divided into two parts: first, the sketch of a
Cleanthean theory of virtues is presented in the context of Stoic orthodox
theory, to verify variations and problems; second, it focuses on a careful
analysis of the Cleanthean text to suggest ways to reconstruct its theory of
self-control in harmony with orthodox stoicism.
Chrysippus says, in the first book of his “On the end”, that virtue is can be
taught, Cleanthes also and Posidonius in their “Protreptics” and Hecato. It is
evident that it may be taught by the fact that bad men become good (DL 7.9131)
And indeed, Chrysippus said virtue was something that can be lost, while
Cleanthes said it could not to be lost, the one saying it could be lost because of
drunkenness and depression, the other, that it could not to be lost because of
the steadiness of cognitions (DL 7.12732)
25 . “τήν τ ‘ ἀρετὴν τῶν ἔργων εἶναι, μήτε λόγων πλείστων δεομένην μήτε μαθημάτων”, DL 6.11 (=Caizzi fr. 70);
See Caizzi fr. 14 and 86.
26 . “αὐτάρκη δὲ τὴν ἀρετὴν πρὸς ε ὐδαιμονίαν, μηδενὸς προσδεομένην ὅτι μὴ Σωκρατικῆς ἰσχύος.” DL 6.11
(= Caizzi fr. 70).
27 . Goulet-Cazé, 2001, p. 145, n.24.
28 . DL 6.2 and 6.11 (= Caizzi frs. 19 and 95); DL 7,172 (= SVF 1.611b).
29 . “ὑφ ‘οὗ δὲ κακόν [ἡ ἡδονὴ], ὑπ’ Ἀντισθένους” (“it is said by him, by Antístenes, that pleasure is an evil” =
SSR 5.A117). See Eus.PE.15.13.7.
30 . Caizzi fr. 64.
31 . “διδακτήν τε εἶναι αὐτήν, λέγω δὲ τὴν ἀρετήν, καὶ Χρύσιππος ἐν τῷ πρώτῳ Περὶ τέλους φησὶ καὶ Κλεάνθης
καὶ Ποσειδώνιος ἐν τοῖς Προτρεπτικοῖς καὶ Ἑκάτων · ὅτι δὲ διδακτή ἐστι, ἐκ τοῦ δῆλον γίνεσθαι ἀγαθοὺς ἐκ
φαύλων” (= SVF 1.567).
222
32 . “καὶ μὴν τὴν ἀρετὴν Χρύσιππος μὲν ἀποβλητήν, Κλεάνθης ἀναπόβλητον δὲ · ὁ μὲν ἀποβλητὴν διὰ μέθην
καὶ μελαγχολίαν, ὁ δὲ ἀναπόβλητον διὰ βεβαίους καταλήψεις.” (= SVF 1.568)
demonstrate his intellectualist tendency. As cynics and Aristo, moreover,
Cleanthes does not admit anything of value between virtue (good) and vice
(evil), everything else being indifferent33. A strong conception of nature
accompanies both physical and ethical theories, specifically the theory of
the purpose of life.
Cleanthes, according to the catalog of works in DL 7.17534, wrote a
“Περὶ τέλους” (“On the end”). Knowledge of science and of doctrines is
irreplaceable, although it can be helped by the use of the precepts35. His
insistence on not admitting the separation between nature in general and
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
virtue is the same as living according to the experience of things that happen
by nature, as Chrysippus says in the first book of his “On the ends” because our
natures are part of the (nature) of the universe. That is why the end becomes
living according to nature, that is, according to the particular nature and
according to the universal nature, doing nothing that is prohibited by common
law, i.e. the right reason which permeates everything. (...) Chrysippus then
understands ‘nature’, which is to be followed necessarily in life, both common
and specifically human; Cleanthes, on the other hand, accepts only the
common nature, which must be followed, without also referring to the specific
(human) nature36.
33 . SVF 1.566 (= BS 26.11, starts with the text “ ἀρετῆς δὲ καὶ κακίας οὐδὲν εἶναι μεταξύ.”); DL 6.105.
34 . SVF 1.481.
35 . SVF 1.359, 582.
36 . SVF 1.555.
37 . Original cited above. See DL 6.38 (= SSR 5.B7).
38 . Gregorius Nazyanzenus. Carmina Moralia col. 700, v. 12-14.
39 . “Κλεάνθης μὲν μήτε κατὰ φύσιν αὐτὴν (scil. Τὴν ἡδονὴν) εἶναι μήτ ‘ἀξίαν ἔχειν αὐτὴν ἐν τῷ βίῳ”. See SVF
1.556, 562a, 583, 574, 617.
40 . SVF 1.481
223
41 . “ἀρέσκει δ ‘αὐτοῖς καὶ διὰ παντὸς χρῆσθαι τῇ ἀρετῇ, ὡς οἱ περὶ Κλεάνθην φασίν · ἀναπόβλητος γάρ ἐστι
καὶ πάντοτε τῇ ψυχῇ χρῆται ὁ σπουδαῖος οὔσῃ τελείᾳ .” (= SVF 1.569)
position attempts to be faithful to Socratic intellectualism, and combines the
typically Stoic stance that the soul doesn’t have irrational42 parts. It is a fully
rational whole, characterized by three faculties, representation (φαντασία),
impulse (ὁρμή) and assent. All human motivation, therefore, is due to
interaction between them; the explanation of all the moral manifestations of
the individual, therefore, such as emotions, also depends on them.
Stoic virtue, according to the best-known version of the doctrine, is
also unitary. Cardinal virtues and other minor virtues are only aspects of
one moral excellence, identified as φρόνησις (prudence):
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Zeno, like Plato, bequeathed (to Stoicism) various virtues (...), such as
prudence, courage, temperance, and justice. They are inseparable, yet
mutually differentiable. In another moment, defining each of them he affirms
that courage is prudence in what must be endured, temperance is prudence
in what must be chosen, justice is prudence in what must be distributed. So
the virtue is unique, but it seems to differ according to the activities, given the
concrete conditions43.
Cleanthes asked why not many of those who philosophized similarly among
the ancients stood out compared to those of nowadays, said: “because they
once exercised (ēskeîto) in works, and now in speeches.”
47 . SVF 1.556.
48 . SVF 1.463, 597ab, 600, 603. Suda’s entry on the philosopher has already been mentioned (n.3 above).
Cleanthes, in his “Comments on the science of nature”, said that “the tension
is a stroke of fire, and if it is enough in the soul to make things that touch it,
it is called ‘force’ and ‘power’ (iskhýs ... kaí krátos) “. Textually affirms “this
force and this power, when it arises in situations that must clearly be endured,
are self-control. When it arises in situations that must be resisted, courage,
in situations dealing with values, they are justice. [...] When they arise in
situations dealing with what to choose and repel, they are temperance.49”(our
translation, Plut. SR 7, 1034d-e)
τόνος (tone, tension) in the soul, which may or may not express itself as a force
in the soul. No explicit reference is made to the Socratic- Stoic intellectualist
thesis. Ἐγκράτεια (self-control), in turn, is used to define the first cardinal
virtue, instead of prudence, which is not attempted by another Stoic either.
Most important, its phrasing is reminiscent of a Cynic and Xenophontean
language and invites the conclusion that the power (krátos) within the soul,
upon which the moral excellence is built, is itself self-control (enkráteia).
First, the text does not offer any argument to identify the concept of
tension or of force as the unitary virtue, therefore, ex professo nothing is
said about how the supreme virtue should be called. Second, one must pay
49 . Κλεάνθης ἐν “ Ὑπομνήμασι Φυσικοῖς “ εἰπὼν ὅτι “ πληγὴ πυρὸς ὁ τόνος ἐστί, κἂν ἱκανὸς ἐν τῇ ψυχῇ γέ
νηται πρὸς τὸ ἐπιτελεῖν τὰ ἐπιβάλλοντα, ἰσχὺς καλεῖται καὶ κράτος “ ἐπιφέρει κατὰ λέξιν “ ἡ δ ‘ ἰσχὺς αὕτ η καὶ
τὸ κράτος, ὅταν μὲν ἐν τοῖς φανεῖσιν ἐμμενετέοις ἐγγένηται, ἐγκράτειά ἐστιν· ὅταν δ ‘ ἐν τοῖς ὑπομε νετέοις,
225
ἀνδρεία· περὶ τὰς ἀξίας δὲ δικαιοσύνη· [...] περὶ τὰς αἱρέσεις καὶ ἐκκλίσεις σωφροσύνη.” (= SVF 1.563; LS 61C;
BS 26.17).
attention to the context from which the quote arises, physics. If the entire
universe is pervaded by tension, in the soul it becomes force and power,
if and only if the tension there is sufficient to accomplish its due. In this
case, then, in each morally cardinal domain for the soul, force-and-power
becomes each one of the cardinal virtues. Third, the substitution of the
virtue of prudence for self-control is notable. Gourinat, following Pearson50,
very plausibly suggests that Cleanthes is here concerned with Zeno’s use of
prudence both to indicate one of the four cardinal virtues and to indicate the
virtue par excellence, equivalent to wisdom. Finally, it must be considered
that the list of the four virtues can suggest a sequence in terms of complexity
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
and, in this sense, the elements that exist in germ in situations of self-control
are fully developed in situations corresponding to justice and temperance.
In this sense self-control is cognitive somehow and not just a synonym of
bodily endurance.
Gourinat does not raise such a hypothesis and prefers to consider that
this type of explanation, derived from physics, has the disadvantage of not
mentioning any cognitive aspect. Virtue remains in the soul if the tension is
sufficient. Does not referring to knowledge mean that cognition and science
are to be excluded? There is another divergence between Cleanthes and
ancient Stoic orthodoxy when comparing the above text to the following:
And these virtues addressed then they say that they are perfect about life and
that they are structured according to the scientific scheme; others are added
to these, not yet being arts, but certain abilities derived from practice (ek tēs̃
̃
askēseōs), for example, the health of the soul and harmony and its strength
and beauty. Just as the health of the body is a balanced mixture of hot, cold,
dry and moist elements in the body, so the health of the soul is a balanced
mixture of doctrines in the soul. And similarly, just as the strength of the body
is sufficient tension in the tendons, so too is the strength of the soul sufficient
tone in discerning and acting or failing to act. In the same way both the beauty
of the body is itself a symmetry in the position of the members to one another
and in relation to the whole, just as the beauty of the soul is a symmetry of
reason itself and its parts in relation to the whole and its parts in relation to
one another51.
> ὅλον τε αὐτῆς καὶ πρὸς ἄλληλα. (Stob. Ecl. 2.7.5b4 = SVF 3.278)
52 . 2007, p.234-235.
53 . BS7.10 and LS 53F.
the Stoics again resorted to its “implications” (synemphaseis) saying it is
necessary to understand in the definition of presentation that it is “relative
to a passivity”. For just as someone who says that love is “the attempt to win
affection” implies “of young people in the prime of their age”, even though this
is not expressed word for word, since no one loves the old and those who have
lost youth, in the same way - they say - when we say that “the presentation is
a change of the governing part ( hêgemonikón )”, we must imply “relative to a
passivity”, and not that the change is generated “relative to an activity”.
54 . SVF 1.570-571.
Conclusion
Cleanthes, concerning pleasures, also says that the good is beautiful, and
considers only the soul to be the human being. And he said that the gods
were mystical figures (mystikà ) and sacred appeals, and declared that the Sun
was the ritual torchbearer, said that the universe is a secret religious ritual (
mystḗrion ) and the devotees of the gods are the initiates56.
Concerning those from the Porch, they also tell that they start with the themes of
logic, and those of ethics are second; lastly, in the order they preferred physics.
(...) Finally, physical theory is presented, as it is the most divine (theiotéra) and
demands the most profound attention.
55 . SVF 1.562ab.
56 . SVF 1.538; cf. DL 7.41 (= SVF 1.482) and SE. AM. 7.22 (= SVF 2.44).
References57
HOÏSTAD, Ragnar. Cynic hero and Cynic king: studies in the Cynic conception
of man. Diss. Uppsala Universitet. Lund: Carl Bloms Boktryckeri, 1948.
VOSS, B. R. Die Keule der Kyniker. Hermes, v. 95, n. 1, pp. 124-125, 1967.
Disponível em: <http://www.jstor.org/stable/4475450>. Acesso em: 19 de
julho de 2018.
Introdução
romântico
[...] Mais importante que a diferença de que são agora os burgueses que agem
sobre o palco e não mais príncipes e reis, são a diferença no sentido que tem a
representação desse agir e a diferença no efeito que está destinado a exercer
sobre os espectadores. Mostra-se não a natureza do mundo, mas a conduta de
um indivíduo (SZONDI, 2004, p. 53).
Quem diz aquilo? É Aristóteles. Quem diz isto? É Boileau. Vê-se por esta única
amostra que o autor deste drama poderia como um outro revestir-se de uma
couraça de nomes próprios e refugiar-se atrás das reputações. Mas quis deixar
este modo de argumentação dos que o creem invencível, universal e soberano.
Quanto a ele, prefere razões a autoridades; sempre gostei mais das armas que
dos brasões (HUGO, 2007, [1827] p. 101).
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
movimento da opinião pública cada vez mais reivindica[va] junto aos autores
dramáticos a presença do mundo contemporâneo nos espetáculos” (SANTOS,
2010, p. 8, grifo nosso). O drama de casaca, iniciado por Dumas, assim:
Não, meu senhor! ... Eu tenho para ela, eu te disse, apenas aquele amor artístico
para o qual os maiores atores deviam seu maior sucesso ... Mas esse amor, é a
minha vida, veja bem, mais que minha vida: é minha glória! mais que minha
glória: é minha felicidade (DUMAS, 2014, [1836] p. 87, tradução nossa)!5
2 . les drames qui se passent dans les années 1830, Antony, Teresa, Angèle, Kean, traitent plus d’amours contrariées,
de mariages mal assortis, que de pouvoir.
3 . bateleur Kean est né sur le grabat du peuple, a été exposé sur la place publique, et, ayant commencé sans nom
et sans fortune, s’est fait un nom égal au plus noble nom, et une fortune qui, du jour où il le voudra bien, peut
rivaliser avec celle du prince royal...
4 . Pardonnez-moi d’avoir passé ces quelques instants que vousm’accordez à vous tourmenter et à me tourmenter
moi-même, au lieu de les employer à vous dire que je vous aime, et à vous le répéter cent fois.
5 . Non, monseigneur !... je n’ai pour elle, je vous l’ai dit, que cet amour artistique auquel les plus grands acteurs
241
ont dû leurs plus beaux succès... Mais cet amour, j’en ai fait ma vie, voyez-vous ; plus que ma vie: ma gloire! plus
que ma gloire : mon bonheur!
Eu não sou Romeu ... Eu sou Falstaff, o companheiro de devassidão do Príncipe
Real da Inglaterra ... Comigo meus bravos camaradas! ... comigo, Pons ... para
mim, Peto! .. . comigo, Bardolph! ... Comigo, ! Quickly a hoteleira!... e despeje,
despeje até a borda, eu bebo à saúde do príncipe de Gales, o mais devasso,
mais indiscreto, o vaidoso de todos nós! À saúde do Príncipe de Gales, para
quem tudo é bom, desde a menina da taberna que serve os marinheiros do
porto, até a dama de honra que joga o manto real sobre os ombros da mãe! ao
Príncipe de Gales, que não pode olhar para uma mulher, virtuosa ou não, sem
perdê-la com seu olhar! ao Príncipe de Gales, de quem eu acreditei ser amigo,
e de quem sou apenas o brinquedo e o bobo da corte! Príncipe Real, não tenha
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
medo de ser inviolável e sagrado, juro-lhe, caso contrário, você teria que lidar
com Falstaff.
Falstaff? ... Eh! Eu não sou mais Falstaff do que eu era Romeu; I Eu sou
Pulcinella, Falstaff da encruzilhada ...uma vara em Polichinelo , uma vara
para Lord Mewill, para manter os miseráveis abdutores meninas, usando uma
espada ao lado, e se recusa a lutar com aqueles de quem ele roubou o nome, e
que, sob o pretexto de que ele é nobre, que ele é um senhor, que ele é um par
... Ah! sim! uma equipe para Lord Mewill ... e vamos rir ... Ah! ah! ah! Como
eu sofro! Comigo! Meu Deus! Comigo (DUMAS, 2014, [1836] pp. 98 e 99,
tradução nossa)!6
6 . Kean: Je ne suis pas Romeo... je suis Falstaff, le compagnon de débauches du prince royal d’Angleterre... À
moi, mes braves camarades !... à moi, Pons !... à moi, Peto !... à moi, Bardolph !... à moi, Quickly l’hôtelière !... et
versez, versez à pleins bords, que je boive à la santé du prince de Galles, le plus débauché, le plus indiscret, le
plus vaniteux de nous tous ! à la santé du prince de Galles, à qui tout est bon, depuis la fille de taverne qui sert les
matelots du port, jusqu’à la fille d’honneur qui jette le manteau royal aux épaules de sa mère ! au prince de Galles,
qui ne peut regarder une femme, vertueuse ou non, sans la perdre avec son regard ! au prince de Galles, dont j’ai
cru être l’ami, et dont je ne suis que le jouet et le bouffon !... Ah ! prince royal, bien t’en prend d’être inviolable et
sacré, je te le jure !... car, sans cela, tu aurais affaire à Falstaff.
Kean: Falstaff ?... Eh ! je ne suis pas plus Falstaff que je n’étais Romeo ; je suis Polichinelle, le Falstaff des
carrefours... Un bâton à Polichinelle, un bâton pour lord Mewill, un bâton pour le misérable enleveur de jeunes
filles, qui porte une épée au côté, et qui refuse de se battre avec ceux dont il a volé le nom, et cela, sous prétexte
242
qu’il est noble, qu’il est lord, qu’il est pair... Ah ! oui ! un bâton pour lord Mewill... et nous rirons... Ah ! ah ! ah !
que je souffre !... À moi ! mon Dieu ! à moi!
Há representação da nobreza nessa peça, porém, os nobres são inferiores
moralmente em relação aos burgueses (Kean e Anna em contraposição ao
príncipe de Gales e o lorde Mewill). Há, portanto, um rompimento com a
tradição clássica que costumava igualar a nobreza de classe à de caráter.
Conclusão
DUMAS, Alexandre. Henri III e sua corte. Trad. J. E. Vieira Pacheco. Lisboa:
Tipografia da Academia das Bellas Artes, 1842. Disponível em:<http://
bibliotecadigital.fl.ul.pt/ULFLOM02574/ULFLOM02574_item1/P5.html>.
Acesso em: 24 mar. 2018
SZONDI, Peter. Teoria do drama burguês [século XVIII]. Trad. Luiz Sérgio
Repa. São Paulo: CosacNaif, 2004.
244
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
A expressão artística
do riso: presença
de elementos cômicos
de peças de Plauto em
“O auto da Compadecida”,
de Ariano Suassuna
Anni Marcelli Santos de Jesus (SEDUC-AM/PUC-MG)
Tadeu Silva (UEA)
Aquele que se apresentar, por sua vez, às portas da poesia sem a loucura das
Musas, como que convencido de ser um poeta unicamente pela arte, não
chegará a termo, e a poesia composta por quem está no bom senso é ofuscada
por aquela do tomado pela loucura (Fe. 245 a).
Assim, “as belas obras surgidas da loucura dada pelos deuses” não
deveria ser temida, devido ao caráter elevado da poesia inspirada em relação
à arte meramente técnica, não inspirada.
Em continuação o estudo sobre a arte poética, importante comentar
sobre a “Arte Poética”, de Aristóteles, que entende a mimese como imitação
da natureza de forma poética, presente na epopeia, tragédia, comédia e
música (Po. 1441a 13-16).
Para Aristóteles a tragédia era uma expressão artística de caráter
superior, “pois ela atinge a sua finalidade, isto é, a imitatio” (GRIZOSTE,
2015a, p.59). Nesse sentido, Aristóteles entende que a comédia apresenta
uma imitação de caráter inferior, é um gênero de desarmonia, que causa
o efeito ridículo, que “é um defeito de transformação, nem dolorosa, nem
destruidora, tal como, por exemplo, a máscara cómica é feia e deformada,
mas não exprime dor” (Po. 1449 a).
A mimesi, na interpretação de Aristóteles é um fenômeno natural nos
homens, que se utilizam desse recurso de aprendizagem “desde a infância”
(Po. 1448 b). Além da função didática, o desenvolvimento da mimesi pelo
homem é prazeroso e pode se dar de formas diversas, como improvisação à
execução de peças teatrais de tragédia ou de comédia.
Dessa forma, teatro cômico, tema que emerge da discussão aqui
proposta, vai além da afirmação de que se trata de uma mimese de caracteres
inferiores. O próprio Aristóteles enfatiza o fato de a comédia ser uma arte
246
que possui forma definida, que também vai além de simplesmente contar
uma história: há o intuito de causar o riso na plateia, o interesse estético se
sobrepõe a função informativa e estruturalista de uma sociedade.
A estrutura que se busca com a comédia, se assemelha à estrutura
que se busca com a tragédia. A ênfase na verossimilhança com propósitos
diferentes, comover ou fazer rir, causar piedade, identificação, sentimentos
reais suscitados pela mimese poética presente nos gêneros tragédia e
comédia. Aristóteles ressalta que:
são apresentados por Ariano Suassuna (2008, p.158) e que estão presentes
nas obras dos dois comediógrafos: Plauto e Suassuna. Os elementos são: o
risível as formas; dos movimentos; dos ditos, das situações e caracteres, dos
gestos, e o aspecto caricatural dos personagens.
Nesse sentido, Suassuna entende que todas as teorias sobre o Risível
partem da concepção aristotélica de “desarmonia da forma” (2008, p.170),
sendo assim, teorias de contraste. Analisando pelo ponto de vista psicológico
e social, “o Risível é interpretado como uma defesa contra o endurecimento
mecanizado que ameaça” um segmento da sociedade (SUASSUNA, 2008,
p. 158).
Destes elementos do Risível, destacaremos três: o Risível dos caracteres,
dos ditos e das situações. O primeiro elemento refere-se ao endurecimento
de caráter dos personagens, esta inflexibilidade torna o personagem
cômico por não se adaptar à vida em comum (Suassuna, 2008, p. 161), este
poderia ser o caso de Euclião, personagem principal de “Aululária”, que
não consegue ter uma vida normal, nem sair de casa, nem ser sociável e
conversar normalmente com as pessoas por estar o tempo todo preocupado
com sua panela de ouro, por medo de a roubarem.
Essa inflexibilidade paranoica torna o personagem cômico, como
podemos encontrar logo no ato I da Aululária (105-115), quando Euclião
está com tanto medo que peguem seu ouro, que apesar de não querer se
afastar de casa – e do ouro – decide ir até à cúria, que irá distribuir dinheiro
aos homens, para que ninguém levante suspeitas com a sua ausência:
EVCL. Occlude sis fores ambobus pessulis. Euclião: Vê lá se fechas a porta com dois
iam ego hic ero. discrucior animi, quia ab ferrolhos. Eu volto já. Estou inquietíssimo
domo abeundum est mihi. 105 por ter de me afastar de casa. Por Hércules,
nimis hercle inuitus abeo. sed quid agam vou mesmo contra a vontade. Mas sei
scio. nam noster nostrae qui est magister que tenho que fazer. O chefe da nossa
curiae diuidere argenti dixit nummos in uiros; cúria disse que ia distribuir dinheiro pelos
id si relinquo ac non peto, omnes ilico me homens. Se eu não for lá e não reclamar a
suspicentur, credo , habere aurum domi. 110 minha parte, todos vão julgar, creio eu, que
nam non est veri simile, hominem pauperem tenho ouro em casa. Não é verossímil que
pauxillum parui facere quin nummum petat. um homem pobre despreze o que lhe dão,
nam nunc cum celo sedulo omnis, ne sciant, mesmo que seja pouco. E agora mesmo,
omnes uidentur scire et me benignius quando faço o possível para ocultá-lo a
omnes salutant quam salutabant prius; 115 todos, parece que todos o saem, e que todos
adeunt, consistunt, copulantur dexteras, me saúdam com mais amabilidade do que
rogitant me ut ualeam, quid agam, quid dantes. Aproximam-se, param, estendem
rerum geram. nunc quo profectus sum a mão. Perguntam-me como vou de saúde,
ibo; postidea domum me rursum quantum de que ando a tratar e como vão as minhas
potero tantum recipiam. coisas. Mas deixa-me ir aonde tenho de ir.
249
2 . O Auto da Compadecida
LYC. Id quod verumst. E. Quid ego <de te> É que eu tenho a confessar que esse crime
commerui, adulescens, mali, 735 que te atormenta o espírito fui eu quem o
quam ob rem ita faceres meque meosque cometeu. Euclião: O que é que estás a dizer?
perditum ires liberos? LYC. Deus impulsor Licônidas: O que é a verdade. Euclião:
mihi fuit, is me ad illam inlexit. EVCL. Quo Mas ouve, moço, que mal te fiz eu para
modo? LYC. Fateor peccavisse et me culpam procederes assim e me perderes a mim e aos
commeritum scio; id adeo te oratum advenio meus filhos? Licônidas: Foi um deus que me
ut animo aequo ignoscas mihi. EVCL. Cur impeliu, foi ele que me atraiu a ela. Euclião:
id ausu’s facere, ut id quod non tuom esset De que maneira? Licônidas: Confesso que
tangeres? LYC. Quid vis fieri? factum est errei, e sei bem que mereço castigo, mas
illud: fieri infectum non potest. deos credo venho pedir-te que tenhas bondade de me
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
voluisse; nam ni vellent, non fieret, scio. perdoar. Euclião: Mas como é que ousaste
EVCL. At ego deos credo voluisse ut apud fazer isto? Tocar no que não te pertencia?
me te in nervo enicem. LYC. Ne istuc dixis. Licônidas: Que queres tu? Aconteceu. Não
se pode negar o que é um fato. Eu acho
que os deuses quiseram. Sei bem, sei bem
que se não o quisessem, nada teria havido.
Euclião: O que os deuses quiseram, foi, sem
dúvida, que eu te mandasse enforcar na
minha casa. Licônidas: Não digas isso.
PADRE, da igreja. Ora quanta honra! Uma pessoa como Antônio Morais na igreja! Há
quanto tempo esses pés não cruzam os umbrais da casa de Deus!
ANTÔNIO MORAIS Seria melhor dizer logo que faz muito tempo que não venho à missa.
PADRE Qual o que, eu sei de suas ocupações, de sua saúde...
ANTÔNIO MORAIS Ocupações? O senhor sabe muito bem que não trabalho e que minha
saúde é perfeita.
43
PADRE, (amarelo). Ah,é?
ANTÔNIO MORAIS Os donos de terras é que perderam hoje em dia o senso de sua
autoridade. Vêem-se senhores trabalhando em suas terras como qualquer foreiro. Mas
comigo as coisas são como antigamente, a velha ociosidade senhorial.
PADRE É o que eu vivo dizendo, do jeito que as coisas vão, é o fim do mundo. Mas que
coisa o trouxe aqui? Já sei, não diga, o bichinho está doente, não é?
ANTÓNIO MORAIS É, já sabia?
PADRE Já, aqui tudo se espalha num instante. Já está fedendo?
ANTÓNIO MORAIS Fedendo? Quem?
PADRE O bichinho
ANTÓNIO MORAIS Não. Que é que o senhor quer dizer?
PADRE Nada, desculpe, é um modo de falar.
ANTÔNIO MORAIS Pois o senhor anda com uns modos de falar muito esquisitos.
PADRE Peço que desculpe um pobre padre sem muita instrução. Qual é a doença?
Rabugem?
ANTÔNIO MORAIS Rabugem?
PADRE Sim, já vi um morrer disso em poucos dias. Começou pelo rabo e espalhou-se pelo
resto do corpo.
ANTÔNIO MORAIS Pelo rabo?
PADRE Desculpe, desculpe, eu devia ter dito “pela cauda”. Deve-se respeito aos enfermos,
251
STROBILVS Quae te mala crux agitat? quid tibi mecum est commerci, senex? quid me
adflictas? quid me raptas? qua me causa verberas? (Pl. Aul. 631-632)/
STROBILVS “Mas que fúria te agita! Que eu tenho eu ter contigo, velho? Por que é que me
insultas? Por que é que me puxas? Por que é que me bates?”
Introdução
seu entendimento, mas que com o tempo deixou de existir, pois não havia
necessidade de explicar tudo à plateia.
1. A comédia de “Sai de baixo”
casar para não abrigar a família na sua casa. Já o episódio “Lua cheia” é o
desenrolar de uma noite assustadora na casa da família, que anda recebendo
visitas de um ‘lobisomem’.
A primeira característica semelhante à comédia nova romana em “Sai
de baixo” é o uso de uma temática comum. No primeiro episódio de “Sai de
baixo”, Vavá vive sozinho, até que sua irmã, sobrinha e cunhado chegam
para viver na casa dele, sendo Vavá o único que trabalha, entre todos da
família. O enredo nos remete a um dos temas comuns das comédias paliatas,
citado neste artigo, o do parasita que se apega a um protetor e passa a viver às
expensas dele, no caso, a família toda de Vavá é parasita, sendo ele o protetor.
Além disso, outra característica abordada neste artigo é a linguagem
extravagante utilizada na comédia paliata. No episódio “Lua cheia”, pôde-
se observar vários diálogos assim. Numa das cenas, Vavá diz a Ribamar:
- explique-se! E Ribamar responde: - explico-se; em outra cena, Caco diz:
- cadê a Edileuza, aquela abóbora selvagem? Ou seja, são exemplos de falas
inusitadas, ‘sem pé nem cabeça’, como as utilizadas nas comédias de Plauto.
Apesar do inusitado, a característica das comédias paliata é o uso da
linguagem simples, no sentido de ela ser acessível, ser a linguagem comum
utilizada pelas pessoas no dia-a-dia. Assim é o seguinte exemplo. Edileuza
diz a Magda, no episódio “Lua Cheia”: - Existe mula-sem-cabeça. E Magda
responde: - Eu sei, eu conheço uma mula-sem- cabeça. E Edileuza responde:
- Eu conheço uma mula-com-cabeça. Outro exemplo de uma linguagem
simples que tem igual valor cômico vem a seguir. Caco diz: - Edileuza, você
vai ser nossa isca viva. E ela responde: - Que isca viva? Tu já viu minhoca
do meu tamanho?
Outra característica da comédia paliata abordada neste artigo é a
presença de personagens como ‘serviçais abusados’, Em “Sai de baixo”,
tanto Edileuza quanto Ribamar são assim. Por exemplo, em certo momento,
Ribamar diz: - o courinho de rato, quem vai pagar? E Cassandra diz: - depois
o Vavá acerta com você, estou sem trocado essa semana. É quando Edileuza
diz: - ela esqueceu de assaltar a igreja essa semana. E Ribamar finaliza para
a patroa: - miserável!
Aliás, a presença de personagens de diferentes classes sociais é outra
característica da comédia paliata. Em “Sai de baixo”, há sempre o conflito entre
patrões e empregados, com a já apresentada troca de grosserias entre eles.
Apesar de ‘folgados’, os serviçais na comédia paliata eram leais aos seus
‘amos’. Em ‘Sai de baixo’ não há escravidão, apesar de os empregados serem
explorados (caso para outra discussão, que aqui não cabe), e Edileuza é assim,
‘abusada’ com os patrões, porém leal a Vavá, por quem faz tudo e protege.
No episódio ‘Lua cheia’ ela afirma: - Seu Vavá é como um pai para
259
chegou a casa depois, e sem ser da vontade de Vavá, ficou lá com filha e
cunhado. Ao final do primeiro episódio, ela diz: - Seu Vavá, vou fazer da
vida deles um inferno.
Apesar de não serem valorizados pelos patrões, os serviçais possuem
alto valor nas comédias paliatas, pois eles são fundamentais para o desenrolar
das histórias. Assim acontece em “Sai de baixo”. No episódio “A festa de
babete”, é a empregada Edileuza quem arruma uma ‘noiva’ falsa para Vavá
tentar enganar a família. É quando surge Ribamar, travestido de mulher.
Ele se finge de noiva durante um tempo, até que resolve revelar quem é
realmente, acabando com o plano de Vavá, que precisa aceitar que sua
família fique na sua casa, visto que ele não vai se casar. Ou seja, Ribamar e
Edileuza são as pessoas que desenrolam a história.
É assim que acontece no episódio “Lua cheia” também. Ribamar se
torna o principal suspeito de ser o lobisomem que aterroriza a casa, então
todos se mobilizam para pegá-lo. No final, o lobisomem não era ele, mas foi
o porteiro do prédio o responsável pelo desenvolvimento do enredo.
Outra característica da comédia nova romana é a ‘quebra da ilusão
dramática’. Em “Sai de baixo”, os atores saem do personagem, esquecem
falas ou riem das situações de cena. Sempre que um personagem entra em
cena, ele recebe aplausos da plateia e então interage com ela. Quando entra
em cena, no episódio ‘Lua cheia’, Caco Antibes (Miguel Fallabela) vem com
uma placa em que está escrito “mais aplausos” e, além disso, faz poses para
o público, assim como os outros personagens do programa quando entram
em cena.
Outro momento em que a quebra da ilusão dramática acontece é quando
Caco Antibes tira os atores de seus personagens, quando diz: - que coisa triste,
dois atores sérios, consagrados, atores que já fizeram Shakespeare, pagando
mico por causa de um pernil. Assim como acontece quando Caco diz à
Cassandra: - Diga, por favor, aos telespectadores, que creme você está usando.
A característica de certos personagens sempre buscarem o caminho
mais fácil para conseguirem as coisas também acontece com frequência em
“Sai de baixo”, visto que há vários personagens que desejam se aproveitar
de situações para ‘sair por cima’. Um exemplo, no episódio ‘Lua cheia’,
acontece quando Caco Antibes pega uma câmera na expectativa de filmar
Ribamar se transformando em lobisomem, a fim de ganhar dinheiro com a
gravação. Caco diz a Ribamar: - você é minha mina de ouro!
Além de tudo, há certos momentos em que o elenco canta no programa
(no episódio “A festa de Babete, Ribamar canta música de Roberto Carlos,
e em “Lua cheia”, ele canta música de Ney Matogrosso), e há momentos
em que os personagens se vestem de mulher ou outra fantasia (Ribamar se
260
Considerações finais
várias semelhanças.
Após as comparações das características citadas pelos autores lidos
como pertencentes a comédia nova romana e as características presentes no
programa humorístico da Globo “Sai de baixo” foi possível observar que há
diversas semelhanças entre a comédia paliata e a comédia contemporânea
do programa.
Acredita-se que o fato de uma comédia feita próxima aos anos 2000 ter
semelhanças com comédias feitas centenas de anos antes de Cristo se dá
pelo fato de os autores clássicos terem criado os gêneros teatrais, servindo
como referência até os dias de hoje, visto que a forma de se fazer rir muda,
mas não completamente. Na verdade, os temas, as expressões mudam, mas
a forma de se fazer humor continua seguindo a mesma base.
Entre as características da comédia paliata que são utilizadas até hoje,
tendo como referência a comédia “Sai de baixo”, podemos citar o tema do
carrapato que se aproveita de um provedor, a sátira de costumes, a linguagem
extravagante e neologismos, os servos espertos e folgados, porém leais, a
quebra da ilusão dramática, os nomes estranhos e engraçados, os personagens
caricaturais, a ausência de grandes conflitos, o canto e travestimentos
presentes, e o caminho fácil pelo qual os personagens buscam.
261
Referências
RIBEIRO, José Luiz. Riso e simulacro em Sai de baixo. Juiz de Fora: Facom
– UFJF, v.2, n.2, p.109-124, 1999. www.facom.ufjf.br.
Introdução
processo de informação.
Percebe-se por meio destes pontos de vista que a fala não dispõe de
uma gramática própria; suas regras de efetivação é que são diferenciadas
em relação à escrita. Ocorre, neste sentido, maior liberdade de iniciativa por
parte de quem fala.
Ademais, reforça Marcuschi (1997, p. 4-5) “[...] as diferenças entre fala
e escrita não se esgotam nem têm seu aspecto mais relevante no problema
da representação física (grafia x som), já que entre a fala e a escrita medeiam
processos de construção diversos”.
Assim, fala e escrita devem ser analisadas a partir das condições
comunicativas já que são estas condições que determinam as formas
apropriadas para cada uso linguístico.
Com base nesta premissa Fávero et al. (2007) elencaram alguns fatores
comparativos entre fala e escrita, como podemos observar na tabela abaixo.
FALA ESCRITA
a. interação face a face; a. interação a distância (espaço-temporal);
b. planejamento simultâneo ou quase b. planejamento anterior à produção;
simultâneo à produção; c. criação individual
c. criação conjunta entre os interlocutores, d. possibilidade de revisão;
formulação e reformulação; e. formulação produzida pelo escritor;
d. impossibilidade de apagamento; f. sem possibilidade de acesso;
e. f. g. g. o escritor pode processar o texto a partir
reformulação produzida tanto pelo falante das possíveis reações do leitor;
quanto pelo interlocutor; h. o texto tende a esconder o processo de
acesso imediato às reações do interlocutor; criação.
o falante pode processar o texto,
redirecionando-o a partir das reações do
interlocutor;
h. o texto tende a mostrar o processo de
criação.
integrar o currículo escolar, sua preocupação sempre esteve voltada para uma
concepção de língua com base na escrita, que por sua vez estava ancorada
na gramática tradicional. Entretanto, com o desenvolvimento científico
a sociedade passa por mudanças que exigem do indivíduo competência
linguística suficiente para que ele possa compreender e acompanhar as
transformações que acontecem ao seu redor.
A escola, instituição eleita pela sociedade como responsável pela
educação formal, precisa corresponder a esta demanda. Neste sentido
ela precisa superar a concepção retrógrada de ensino de língua para
evitar as possíveis lacunas geradas na formação dos alunos. Neste caso,
é necessário, por exemplo, que o professor de língua portuguesa tenha
consciência de que, o aluno, ao chegar à escola, domina suficientemente a
gramática implícita da língua, isto é, conhece e utiliza, competentemente, as
estruturas fonético/fonológicas, morfossintáticas e semântico-pragmáticas
que o tornam capaz de produzir sequências linguísticas reconhecidas como
sendo da língua portuguesa. E, mais que isso, revela o domínio de recursos
discursivos indispensáveis para propor e manter relações nas redes sociais
de que participa, de acordo com suas vivências, sua idade cronológica, suas
experiências, enfim.
Assim, a tarefa da escola começa muito além do que normalmente se
considera. A ela cabe promover ações que levem o aluno a ampliar suas
capacidades para uma participação eficiente nas práticas de letramento
requeridas pela sociedade. Neste caso, o trabalho com a modalidade falada
da língua é de fundamental importância, visto que representa uma via de
acesso aos usos mais formalizados e convencionais da linguagem, que
exigem um controle mais consciente e voluntário da enunciação.
Na concepção de Barros (2015), o fato de a fala ser uma atividade central
na vida dos indivíduos, enquanto seres sociais, já é motivo suficiente para
justificar o seu estudo na escola. No entendimento do referido autor, a escola
deve dar mais atenção à fala por sua centralidade na relação com a escrita.
Neste mesmo viés, Milanez (1993) defende que o papel do professor é
conscientizar o que é intuitivo no aluno a respeito da língua oral. Conforme
este teórico, o aluno deve ser levado a reconhecer as diversas variantes da
língua e distinguir entre o que é formal e o que é informal.
Neste sentido, o entendimento de que a língua é heterogênea e,
portanto, sujeita à variação e mudança parece ser um ponto básico no
suporte do trabalho com a fala e a escrita em sala de aula. Todavia, boa
parte dos professores de língua portuguesa ainda desenvolve sua prática
tendo como principal recurso pedagógico o livro didático, que por sua
vez tem se mostrado falho e ineficiente nesta questão. Sobre este aspecto
Belini e Sousa (2014, p. 228) afirmam que “[...] ainda não estamos em uma
267
Os autores dos manuais didáticos, em sua maioria, ainda não sabem onde e
como situar o estudo da fala. A visão monolítica da língua leva a postular um
dialeto de fala padrão calcado na escrita, sem maior atenção para as relações
de influências mútuas entre fala e escrita. Certamente, não se trata de ensinar
a falar. Trata-se de identificar a imensa riqueza e variedade de usos da língua.
[...] a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma
certa de falar – a que se parece com a escrita – e o de que a escrita é o espelho
da fala – e, sendo assim, seria preciso consertar a fala do aluno para evitar que
ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação
cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua
comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento
de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de
seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um momento histórico.
Com base nestas reflexões, para que tenhamos uma escola que se constitua
como espaço de saber, de cultura e de ciência, promovendo o aprendizado,
é necessário repensar as práticas pedagógicas, adotando uma perspectiva
heterogênea de língua. Além disto, é preciso que sejam revistos currículos e
materiais didáticos, principalmente os livros que, por diversos fatores, abarcam
poucas atividades voltadas para o trabalho com a fala, conforme mencionamos
anteriormente, e dão mais ênfase às atividades de escrita que sufocam o que
consideramos essencial, como a ampliação progressiva de habilidades de uso e
reflexão, adquiridas ao longo da vida escolar.
Finalmente, reforçamos a ideia de que a escola é um lugar que deve
promover o ser humano, fazendo-o refletir e agir sobre sua realidade, em
vez de apenas aceitá-la, ou adaptar-se a ela.
3. Aspectos Metodológicos
a) presença de muitas expressões como né, daí, aí, que operam como
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
elementos coesivos;
b) repetibilidade do vocabulário, sobretudo para efetuar retomadas dos
tópicos discursivos;
c) reformulações e alteração do curso de fala em virtude de expressão
facial e gestos do interlocutor; língua mais coloquial, informal.
Conclusão
1 . Conforme Bortoni-Ricardo (2005, p. 118), uma pedagogia culturalmente sensível é um tipo de esforço especial
empreendido pela escola, a fim de reduzir os problemas de comunicação entre professores e alunos, de desenvolver
272
a confiança e impedir a gênese de conflito que se move rapidamente para além das dificuldades de comunicação,
transformando-se em lutas amargas de trocas de identidade negativas entre alguns alunos e seus professores.
As discussões propostas pelos autores que nos ampararam teoricamente
forneceram suporte para o discente ampliar o domínio da língua escrita,
compreendendo as ações necessárias para transpor um texto do oral para o
escrito, bem como conhecer as características de cada modalidade linguística.
As reflexões advindas dos textos produzidos possibilitaram que
os próprios discentes observassem o seu desempenho linguístico e
desenvolvessem uma leitura e uma produção textual crítica e consciente.
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
273
Referências
______; DIONÍSIO, Ângela Paiva. Fala e escrita. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
na Poesia de Octávio
Sarmento
Alexandre da Silva Santos (UFAM)
Carlos Antonio Magalhães Guedelha (Orientador)
Introdução
1. Procedimentos Metodológicos
2. Discussão
2 . Oficio de 2/04/1877, caixa 14 e Oficio de 25/04/1877, Crato, caixa 5, Socorros Públicos, APEC.
não a seca. O retirante observando os demais “irmãos da dor” e o sol no céu
cada vez mais cortante, faz com que esse homem atente – se à urgência do
seu contexto, e desse modo “Compreende que é chegado o duro instante /
De se furtar à dor que a alma lhe invade / Do dizer adeus dizer a esse infeliz
lugar...” (SARMENTO, p. 55).
Consoante Cândido (2014), a migração significou para muitos a
ruptura com laços tradicionais de hábitos e o nascimento de um sentimento
de esperança de que a vida poderia nascer, uma vez que a rotina daqueles
indivíduos era o de sobrevivência. De acordo com Neves (2007, p. 25), a
Paradigmas educacionais: a Antiguidade greco-romana em diálogo
Por conta disso, a tela descrita por Sarmento (2007) revela tintas que
marcam um protesto da natureza, uma rebeldia da vida frente aos que ali
se deixava embalar por seus braços, mediante isso o poeta transcreve esse
ato como algo sereno e mudo, guardado em um seio hostil, afinal, “Tudo é
morto em redor, ou na agonia” (SARMENTO, 2007, p. 53), cuja dor estorce
os lábios e os peitos ressecados, que gemem por uma gota de água. Caso
uma nuvem cobrisse o céu, por um momento haveria de se esquecer as
rachaduras dos pés e brotariam dos pensamentos imagens de uma catinga
ampla e viva, repleta de bois e vacas.
Segundo Ramos (2010), “Chocalhos de badalos animariam a solidão. Os
meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, Sinhá Vitória
vestiria saias de ramagens vistosas” (RAMOS, 2010, p. 15), pensou Fabiano e
possivelmente pensaria Militão ao olhar para sua mulher e filha pequena.
De acordo com Santos (2017, p. 139), essa inquietação seria o início
do roteiro para aquelas pessoas nas mesmas condições que Militão,
porque o Amazonas era um dos destinos que estavam “...inseridos em
políticas governamentais que visavam, através da produção agrária, o
desenvolvimento do país.
Um exemplo disso ocorre em julho de 1878, quando do porto de
Fortaleza, o navio de guerra Purus levou um grande número de cearenses...”.
Assim, nesse ponto do trajeto podemos visualizar o pensamento exposto de
Kruger (2007): o elemento novo que vinha das terras do mar, a mão de obra
para os seringais.
Com efeito, a hora da partida tem início rumo para um local em que a
vida possa fazer sentido para Militão. É esse o momento em que ele procura
“...no ignoto Além distante, / Um novo pouso onde, com a esposa e a filha, /
282
Considerações Finais
Militão, como já foi registrado pela história, para ele “A cacimba se mostra, alegre
e aberta, / Da água fresca a fazer doce oferta...” (SARMENTO, 2007, p.43).
E isso expõe o prenúncio do tão esperado encontro entre o retirante da
seca e a sereia – que se realiza e tem o desfecho tradicional da lenda: a morte
de quem por ela é seduzida. Todo esse contexto é descrito nos versos: “E agora,
a meio, surge, da água, a Uiara, / Mostrando-lhe o palor dos seios mornos / [...]
/ E o exausto sertanejo doma e inflama / na promessa febril de um rude gozo /
[...] / O seringueiro então, no último anseio / De sua alma vencida e perturbada”
(SARMENTO, 2007, p.46).
Nesse interim, a realidade primordial da literatura consiste na
dramatização do ato de construir imagens. Por isso, será tratada como arte
e não como outra coisa. Ao produzir o texto, o artista inventa a imagem de
um poeta que escreve ou de uma pessoa que fala como se fosse um artista
escrevendo, entre outras possibilidades de enunciação ficcional.
Dessa forma, em: “Da rude alma do triste sertanejo / Fluem também
o pranto e a negra dor” (SARMENTO, 2007, p.54); em outras palavras, por
meio da negatividade, alicerce da boa poesia, o poeta se vale do imaginário
para “A alma infeliz em prantos mergulhada, / Cumprindo o seu fadário,
estrada em fora” se prepara para o contato com elemento do mundo ficcional:
a Uiara.
A colonização e a respectiva ocupação da Amazônia por viés da
exploração trouxe à realidade um “espetáculo” do etnocídio, consoante
afirma Souza (2009) frente aos grupos indígenas que dominavam o trânsito
ao longo do rio e floresta, bem como o caboclo, que oriundo de mestiçagem
também se viu marginalizado e inserido no mesmo contexto de silenciamento
cultural oriundo do período da borracha.
Desse modo, o estudo em questão visa contribuir através de uma
investigação literária, uma leitura a respeito de um processo cultural e a
sua respectiva compreensão sobre uma região que ainda possui algumas
marcas de marginalização social estabelecida por parâmetros de práticas
culturais que passavam uma visão distorcida sobre as particularidades desse
território, ajudando a construir uma imagem exótica do Norte do Brasil.
Todo esse contexto oriundo de interpretações de um imaginário é
um dos constituintes da identidade amazônica e é representado pelo
personagem do poema, fará parte da realidade de Militão ao refletir um
misto de sentimentos de frustração, desamparo, solidão, saudade da terra
natal, e opressão da floresta ao estrangeiro. Em resumo, revelará o resultado
de práticas de exploração do sistema de econômico vigente na região,
provocando o suicídio dos seringueiros.
Dessa forma, Sarmento (2007) realiza através de seu poema uma
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ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. Nordestino, uma invenção do falo, uma
história do gênero masculino (Nordeste 1920 1940). Maceió: Catavento, 2003.
FARIAS, Elson. Romanceiro. 2. ed. aum. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 113. ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.
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